26
história, histórias. Brasília, vol. 1, n. 1, 2013. ISSN 2318-1729 46 TRAJETÓRIAS SOCIAIS E PRÁTICAS POLÍTICAS NAS FRANJAS DO IMPÉRIO FÁBIO KÜHN Universidade Federal do Rio Grande do Sul AUGUSTO DA SILVA Universidade Federal de Sergipe ADRIANO COMISSOLI Universidade de Passo Fundo RESUMO Com base na trajetória social e nas ações políticas dos governadores nomeados para os estabelecimentos coloniais de Santa Catarina, Rio Grande de São Pedro e Colônia do Sacramento, assim como na atuação dos camaristas das vilas, os autores buscam traçar um panorama do longo processo de consolidação dos domínios portugueses no sul da América Meridional, entre finais do século XVII e princípios do século XIX. Observam que esse processo, marcado externamente por avanços e recuos na disputa com os domínios espanhóis, tem de ser compreendido, também, pelo complexo jogo de forças e interesses internos travados entre o poder monárquico português e o poder dos grupos locais. PALAVRAS-CHAVE: América portuguesa; Brasil colônia; poderes locais. ABSTRACT Based upon the social life and political actions by the governors nominated to the colonial areas of Santa Catarina, Rio Grande de São Pedro and Colônia do Sacramento, as well as the "vereadores", the authors of this article try to present a broad overview of the long process of consolidation of the Portuguese dominions in southern America, between the end of XVII century and the beginning of the XIX. It is observed that this process was deeply influenced by the disputes with the Spanish crown, but also by the complex set of interests and intern conflicts between the Portuguese crown and the local powers. KEYWORDS: Portuguese America; Colonial Brazil; local powers.

Trajetórias Sociais e Práticas Políticas Nas Franjas Do Império Kuhn

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Formação politica no sul da América portuguesa

Citation preview

histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-1729 46 TRAJETRIAS SOCIAIS E PRTICAS POLTICASNAS FRANJAS DO IMPRIO FBIO KHN Universidade Federal do Rio Grande do Sul AUGUSTO DA SILVA Universidade Federal de Sergipe ADRIANO COMISSOLI Universidade de Passo Fundo RESUMO Combasenatrajetriasocialenas aespolticasdosgovernadores nomeadosparaosestabelecimentos coloniais de Santa Catarina, Rio Grande de So Pedro e Colnia do Sacramento, assimcomonaatuao doscamaristas das vilas, os autores buscam traar um panoramadolongoprocessode consolidaodos domniosportugueses nosuldaAmricaMeridional,entre finaisdosculoXVIIeprincpiosdo sculoXIX.Observamqueesse processo,marcadoexternamentepor avanoserecuosnadisputacomos domniosespanhis,temdeser compreendido,tambm,pelocomplexo jogodeforaseinteressesinternos travadosentreopodermonrquico portugus e o poder dos grupos locais. PALAVRAS-CHAVE:Amricaportuguesa; Brasil colnia; poderes locais. ABSTRACT Baseduponthesociallifeandpolitical actionsbythegovernorsnominatedto the colonial areas of Santa Catarina, Rio GrandedeSoPedroandColniado Sacramento,aswellasthe "vereadores", the authors of this article trytopresentabroadoverviewofthe longprocessofconsolidationofthe Portuguesedominionsinsouthern America,betweentheendofXVII century and the beginning of the XIX. It isobservedthatthisprocesswas deeplyinfluencedbythedisputeswith theSpanishcrown,butalsobythe complexsetofinterestsandintern conflicts between the Portuguese crown and the local powers. KEYWORDS:PortugueseAmerica; Colonial Brazil; local powers. FBIO KHN; AUGUSTO DA SILVA; ADRIANO COMISSOLI. Trajetrias sociais e prticas polticasnas franjas do Imprio. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-1729 47 OperodocompreendidodesdeofinaldosculoXVIIatoinciodo sculoXIXfoiomomentonoqualadisputadaregiodoextremosulda Amricafoiincorporadamonarquiapluricontinentallusitana.Esseprocesso envolveuumaacirradaconcorrnciafrenteCoroaespanholatantoquanto umarelaotumultuadaentreoreiportuguseseusagentes,fossemos nomeadosparaoscargosditoscentrais,fossemosrepresentantesdaselites locaisencontradosnasdiversasCmarasmunicipaismeridionais.Discutem-se aqui algumas trajetrias de governadores das capitanias do Rio Grande de So Pedro e de Santa Catarina, bem como da praa da Colnia do Sacramento, mas igualmente prticas promovidas pelos camaristas, muitos deles envolvidos com o povoamento espontneo da regio e representantes dos estratos dominantes das comunidades. A ocupao do territrio meridional da Amrica portuguesa consistiu em ummistodeaesautnomasdecorrentesmigratriasedeiniciativas patrocinadaspelaCoroa.SegundoDaurilAlden,ointeresseportugusno extremo sul teve inicialmente alcance local, passando a regional numa segunda fasee,finalmente,imperial.1Decorredaocarterheterogneodasprticas polticas, que progressivamente se direcionaram a uma formalizao dada pela maiorpresenadeelementosdaadministraocentral,oqueacarretou,em ltimaanlise,umesvaziamentodainstituiocamarriaemfavordeofcios administrativosmaisdiretamenteligadosaopodercentral.Conheamosum pouco dessa evoluo. A Colnia do Sacramento: uma praa portuguesa no rio da Prata Em1680,Portugalfundavaumacolniaestrategicamentesituadana frentedeBuenosAires,naoutramargemdoriodaPrata,emterrasdaatual Repblica Oriental do Uruguai. A fundao da Colnia do Sacramento pautava-se por dois objetivos principais: estabelecer o comrcio com terras espanholas legaleilegalabocanhandoumquinhodapratapotosinaecriarumposto avanadopermanentedeocupaoportuguesa.Naprtica,tratava-sedeum empreendimentopatrocinadoporgrandescomerciantesfluminenses, interessados na trocade mercadorias e escravos pelo minrio.2 A fundao da praaocorreusobalideranadeDomManuelLobo,governadordoRiode Janeiro, que se tornou seu primeiro administrador. O ato de ocupao territorial provocoureaoimediatadosespanhis,demodoque,naprtica,os portuguesessomenteconseguiramseestabelecernoesturioporpoucomais 1ALDEN,Dauril.RoyalGovernmentinColonialBrazil.Berkeley.LosAngeles:Universityof California Press, 1968, p. 50. 2SAMPAIO,AntnioC.J.NaEncruzilhadadoImprio:hierarquiassociaiseconjunturas econmicas no Rio de Janeiro (c. 1650-c.1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, p. 146-147. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-172948 deseismeses.Porm,jnoanoseguinte,comoTratadoProvisional (07.05.1681), a Colnia do Sacramento voltava a ser lusitana.3 Em 1683, aps o restabelecimento da praa ao domnio dos Bragana, onovogovernadordoRiodeJaneiro,DuarteTeixeira,envioutropas, armamentosepovoadores,reabilitandoafortaleza.Iniciou-seumperodode poucomaisdeduasdcadasemqueapovoao tevecerto desenvolvimento, combasenocomrciodecouroenaproduotritcola.Esseperodofoi definido pela historiografia como o do trfico dos governadores pelo destaque queessesobtiveramemanimarasatividadescomerciaisdoenclaveplatino.4 Assimsesucedeunaadministraodapraaapsasegundafundao,a principiar por Cristvo Ornelas de Abreu (1683-1689), acusado de beneficiar-sedocontrabandocomoscastelhanosdeBuenosAires.5Seusucessor, FranciscoNaperdeLancastre(1689-1699),tevedeenfrentarumaconjuntura derestriesaoscontatoscomerciaiscomosvizinhosespanhis,masno governo de Sebastio da Veiga Cabral (1699-1705)6 os esforos no sentido do desenvolvimento do comrcio ilcito ganharam renovadas propores, somente sendo interrompidos com a nova ocupao castelhana da Colnia nos princpios de 1705, decorrente da conjuntura poltica da Guerra da Sucesso espanhola.7 AmortedeCarlosIIlevouamudanasnapolticadeMadrieosportugueses novamente foram expulsos do esturio do Prata. Porm,nasnegociaesdepazhavidasapsaguerra,outravezo territrio foi recuperado8, permitindo Colnia atingir seu pice durante o longo reinado de D. Joo V, no obstante um decnio de inatividade portuguesa nas margensdoPrata.ComaterceirafundaodaColnia,comeavaafasede colonizaodirigida,marcadapelanomeaodeManuelGomesBarbosa (1715-1722) como governador.9 Contra a administrao do governador Barbosa pesaramdurasacusaes,entreelasasdennciasdeparticularessobreo monopliodoacessoaosrecursosdacampanhaeaocomrciocomoRiode 3 PRADO, Fabrcio Pereira. Colnia do Sacramento: o extremo sul da Amrica Portuguesa. Porto Alegre,F.P.Prado,2002,p.91-93;MONTEIRO,JonathasdaCostaRego.AColniado Sacramento, 1680-1777. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1937, p. 92 e 97. 4JUMAR,FernandoA.LecommerceatlantiqueauRiodelaPlata(1680-1778).Villeneuve dAscq: Presses Universitaires du Septentrion, 2000, p. 222; PRADO, op. cit., p. 92. 5POSSAMAI,Paulo.AvidaquotidiananaColniadoSacramentoUmbastioportugusem terras do futuro Uruguai. Lisboa: Editora Livros do Brasil, 2006, p. 342-345.6SOUZA,LauradeMelloe.Osmotivosescusos:SebastiodaVeigaCabral.In:OSolea Sombra.PolticaeadministraonaAmricaPortuguesadosculoXVIII.SoPaulo: Companhia das Letras, 2006, p. 253-283. 7ALMEIDA,LusFerrandde.AColniadoSacramentonapocadaSucessodeEspanha. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra 1973, p. 283-288. 8 Atravs do artigo 6 do Tratado de Paz e Amizade, assinado em Utrecht em 06 de fevereiro de1715,omonarcaespanholFelipeVdevolviaformalmenteoterritriodaColniaaoreide Portugal. 9 Em 1715, atravs de carta de lei, D. Joo V ordenava que o governador da praa de Santos, Manuel Gomes Barbosa, tomasse posse e governasse a Nova Colnia do Sacramento. Ver AHU ColniadoSacramento,cx.1,doc.35.Noentanto,somenteem22deoutubrode1716,o novogovernadorchegarianaquelapraa,retomandoapossedoterritrio.Cf.Consultado ConselhoUltramarino(13.08.1717)In:DocumentosHistricos,RiodeJaneiro:Biblioteca Nacional/Diviso de Obras Raras e Publicaes, vol. XCVII, 1952, p. 58-59. FBIO KHN; AUGUSTO DA SILVA; ADRIANO COMISSOLI. Trajetrias sociais e prticas polticasnas franjas do Imprio. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-1729 49 Janeiro.Imputavam-lheextorquirdinheiropelasterrasquedeveriadar gratuitamente aos povoadores e de aproveitar-se das mulheres dos lavradores, fatos que aumentaram as deseres de colonos enviados regio.10 Osplanosespanhisdecontenodosportuguesesaoslimitesda cidadelalogosefrustraram,poisaColniaentrounumafasedeesplendor econmico e social que correspondeu aproximadamenteao longo comando de AntnioPedrodeVasconcelos(1722-1749).Essereceberaamissode modificar a relao da autoridade rgia com as elites locais, visando promover ocrescimentodocomrcioedapovoaonaColniaplatina.Defato, Vasconcelosencabeariaumapoderosarededepoderenegcios.Como membros dessa constavam indivduos de destaque na praa: o sargento-mor de infantaria Manuel Botelho de Lacerda, homem de negcio e juiz da Alfndega; o comerciante ingls Joo Burrish, que era casadocom uma filha de Botelho de Lacerda;eosalmoxarifesdaFazendaRealJosdaCostaPereiraeManuel PereiradoLago,amboscapitesdeordenanasenegociantes. Progressivamente,ogovernadorenraizouinteressesealianascomos poderososlocais,aopontoquenofinaldasuaadministraoeramquase imperceptveisasdiferenasentreosenvolvimentosdaautoridadeexternae daseliteslocais.11Nessemeiotempo,adespeitodosreiteradospedidosde seus moradores, a Colnia do Sacramento no se elevara vila, permanecendo como uma praa comercial sem representao local at sua passagem definitiva ao controle espanhol em 1777.12 Ogovernadorsubsequente,LusGarciadeBivar,seguiudepertoa polticadeVasconcelos.Novamente,facesdaelitelocalforjaramalianas com o representante do poder rgio, nico expediente de manifestao poltica institucionalqueerapossvelnaColnia.Essaredeenvolvia,almdeBivar,o irmodeManuelBotelhodeLacerdaeaindaogovernadordeBuenosAires, JosdeAndonaegui.13Osexcludosdamesmarede,umbandode mercadoreslideradosporDomingosFernandesdeOliveira,noficaramde mosatadaseretaliaramogovernadorpublicando,em1754,unscaptulos escandalososeinfamatriosacusandoBivardetodasortedeirregularidades. Nasuadefesa,diriaogovernadorqueculparam-medeambiciosoede fraudador da Fazenda de S.M., mas todo este povo sabe que no fao negcio algum,equeosmeuscriadosestopobres.14Sejacomofor,Bivarparece mesmotersefixadoemSacramento,sendoumdospoucosgovernadoresa morrer na praa.Com o Tratado de Madri e a nova poltica implementada pelo Secretrio deEstadoSebastioJosdeCarvalhoeMelo,asrealidadesdaColniado 10 PRADO, op. cit. p. 175; POSSAMAI, op. cit.., p. 255 e 263.11 PRADO, op. cit., p. 175-178. 12importanteressaltarquejuridicamenteSacramentoeraumpresdio,umapraamilitare comercial,jamaisalcanandoacondiodevila.Dessaforma,nohouvenaColniauma Cmara(...).AautoridadedoGovernadorcentralizavaopodernaColnia.(...)Enfim,a ausnciadacmaragarantiaaforteinflunciadepartedosgruposlocaisespecialmenteos vinculados ao governador. Idem, ibidem. p. 106. 13 Idem, ibidem. p. 182 e 184.14AHU-ColniadoSacramento.Cx.5,doc.480:OfciodogovernadorLusGarciaBivarao secretrio Diogo de Mendona Corte Real, c. 1754. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-172950 Sacramentoedoesturioplatinosofreriamprofundasmudanas,tendoem contaaaceleraodopovoamentodolitoraldeSantaCatarinae, principalmente,doRioGrandedeSoPedro.15Diantedadesconfianado validodeDomJosIemrelao spossibilidadesdeexecuo dotratadode limites, a cidadela platina passou a sofrer os prejuzos das opes decididas em Lisboa. Em face dificuldade de manuteno da Colnia, Lisboa modificava sua geopoltica, pautando-a agora pela ocupao efetiva da terra, em curso desde a viladeCuritiba,masigualmentepelolitoralcatarinenseenosCamposde Viamo. Abandonava-se a opo por enclaves como Sacramento, estimulando a ocupaocontnuadoterritrioaoaproveitar-sedomovimentoiniciadopelos paulistas e duplicado pelos lagunenses.16 Paulatinamente,preteridaporSantaCatarinaepeloRioGrande,a Colnia comeouadeclinar. No poracasoos governadores dessa ltima fase (1760-1777)passarammausbocados,comonocasodeVicentedaSilvada Fonseca,quecapituloudiantedasforasespanholasem1762,perdaquelhe custou a morte na priso do Limoeiro.17 Da mesma forma, o ltimo governador daColnia,FranciscoJosdaRocha,aosofrerderrotafrenteaoataque espanholde1777,acaboudegredadoemAngolaemtotaldesgraapor supostamentenooferecerresistncia.18Nenhumdessesgovernantessaiu inclumedessafaseagitadadapraaplatina,naqualnemmesmoareligio parecia oferecer alguma segurana: em uma denncia feita pelo comissrio do SantoOfcio,em1773,ogovernadorPedroJosSoaresdeFigueiredo Sarmento foi duramente criticado, pois h dous anos no ouve missa, nem tem cumpridocomopreceitodaquaresma,comnotvelpublicidade,egeral escndalo.Damesmasorte,noajoelhavaquandoosacerdotepassavapor diantedelecomoSantssimoSacramentonasmosparaamesada comunho.Essesprocedimentosofaziamsuspeitonafpeloagente inquisitorial,autordadenncia.19Noobstanteagraveacusao,Sarmento permaneceria no seu cargo at 1775, quando a sorte da Colnia j estava, de alguma forma, selada. 15ProcessoqueDaurilAldenclassificoucomofechamentodalacuna(closingthegap). ALDEN,Dauril.RoyalGovernmentinColonialBrazil.BerkeleyeLosAngeles:Universityof California Press, 1968, p. 71-82. 16Talpolticapautava-sepeloprincpiodoutipossidetisealcanariasuaconsagraocoma assinatura do Tratado de Madri em 1750. OSRIO, Helen. Apropriao da Terra no Rio Grande de So Pedro e a Formao do Espao Platino. Porto Alegre: Dissertao de Mestrado, PPG em Histria/UFRGS, 1990, p. 87-89. 17 A descrio mais detalhada da capitulao da praa consta na Histria Topogrfica de Simo Pereira de S, p. 165-192. 18 LAMEGO, Alberto. O ltimo governador da Colnia do Sacramento: Francisco Jos da Rocha in: Revista de Philologia e de histria, II, Rio de Janeiro, 1933, p. 212-225. 19 ANTT, Inquisio de Lisboa, Cadernos do Promotor, n 129, fl. 160. Para a atuao do Santo Ofcio na Colnia, ver POSSAMAI, op.cit., p. 315-317. FBIO KHN; AUGUSTO DA SILVA; ADRIANO COMISSOLI. Trajetrias sociais e prticas polticasnas franjas do Imprio. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-1729 51 Dossertesaolitoralerumoaosul:ailhadeSantaCatarinaeo continente de So Pedro EnquantoemColniaasupremaciadosgovernadoreseraevidente,a ocupaodoterritriomeridional,apartirdosertodeCuritiba,mostrava-se maiscomplexa,oferecendobastanteespaoslideranaslocais.Nasegunda metade do sculo XVII, famlias oriundas das vilas de So Paulo, de Santos e de SoVicente,nummovimentodecartermaisespontneodoqueoficial, deslocaram-separaosul,dandoincioaospovoadosdeCuritiba,noplanalto; deSoFranciscodoSuleLaguna,nacostalitornea;eDesterro,nocentro ocidentaldailhadeSantaCatarina.Polticasmaissistemticasdamonarquia portuguesa para a incorporao desses territrios ocorreram somente no sculo seguinte,emespecialapsametadedosetecentos,quandoaalteraoda geopolticalusitanaverianaocupaocontnuadoterritrioumaestratgia mais efetiva de conquista. As povoaes surgiram seguindo o fluxo da corrente migratria a partir deSoPauloacompanhando,igualmente,ocaminhodastropasdevacunse muares que se dirigiam para Sorocaba e, da, para as minas de ouro do centro do Brasil. Nesse movimento, a Coroa operou a elevao ao estatuto de vila de antigosassentamentosbandeirantesque,gradativamente,avanavamparao extremosul.20Sorocaba,antigoarraialpaulista,eracriadavilaem1661e tornou-seoprincipalpontodecomrciodosanimaistrazidosdasextensas plancieseplanaltosdasterrasdisputadasmeridionais.21Ainiciativapaulista deampliarterras,procurarmetaispreciososeescravizarindgenasfoi,em grandemedida,responsvelpelaampliaodoterritrioporsditos portugueses. De tal forma, a sociedade que se criava reproduzia essas prticas, mantendoporlongotempoligaescomasprincipaisfamliaspaulistas.22As Cmarasdosulnoraroforamocupadasporramosdefamliasbandeirantes queatribuamasitalprivilgiomedianteseusmritosdeconquistadores, quando no eram completamente dominadas por esses. Naprimeirafasedaexpanso,destaca-seapresenareduzidada Coroa, visto que as capitanias de So Vicente e de Paranagu ainda pertenciam adonatrios,passandomonarquiasomentecomacriaodacapitaniade So Paulo e Minas do Ouro, em 1709. Nesse sentido, a criao da vila litornea deParanagu(1646)edasertanistaCuritibadeverammuitopoucoaopoder rgiopropriamentedito,marcando-secomoiniciativadepoderesprivados.A criaodevilasapartirdopovoamentoprvioedaexpansovicentinae paulista(paradiferentesregies)desmenteaideiadequeacriaodos 20Destaque-sediferenaentrepovoarecriarvila,umavezqueaprimeiraexpressose refereaoassentamentohumano, enquantoqueasegundacontemplaamudanadeestatuto jurdico com a implantao de uma Cmara e a delimitao de sua jurisdio. 21AdenominaoterrasdisputadasseoriginadaexpressodeDaurilAldenDebatable Lands, cuja delimitao simultaneamente espacial e histrica, uma vez que fruto da disputa entre as monarquias ibricas. ALDEN, Dauril, op.cit., p. 59. 22HAMEISTER,MarthaDaisson.OContinentedoRioGrandedeSoPedro:oshomens,suas redesderelaesesuasmercadoriassemoventes(c.1727-c.1763).RiodeJaneiro: Dissertao de Mestrado, PPGHIS-UFRJ, 2002. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-172952 municpios no Brasil precedeu ao povoamento do territrio, o que resultaria na modelagemdaatividadeeconmicaedoestabelecimentosocialpelo ordenamento jurdico.23 Vilas portuguesas no extremo sul da Amrica datas de criao 1646 Paranagu. 1660 So Francisco do Sul 1661 Sorocaba. 1693 Curitiba. 1714 Laguna. 1726 Desterro. 1747 Rio Grande de So Pedro. 1766 Lages. 1770 Itapetininga. 1771 Guaratuba. 1797 Antonina. 1798 Castro. 1806 Vila Nova do Prncipe. ApovoaodeSoJosdosPinhaisdeCuritibaeraumparadouro importanteparaostropeirosquedosulsedirigiamSorocaba,motivopelo qualabrigavaumregistrodegadoparacobranadeimpostos.24Ofluxo constantedetropaspontuariaocaminhodeCuritibaSorocabadediversos arraiaisque,eventualmente,setornariamnovasvilas,comoItapetininga (1770).Aproximidadecomomodelopaulistadesociedaderefletiu-seno apenas pela ligao comercial, visto que em seus primeiros anos o controle da vila era marcado pela chefia personalista de um chefe local, o capito povoador Matheus Martins Leme. O poder pessoal de Leme provinha, em grande medida, de seu posto, nomeado que fora por Gabriel de Lara, simultaneamente ouvidor daviladeParanagueprocuradordoMarqusdeCascais,donatrioda capitania de Paranagu. A despeito do pedido dos chefes de famlia locais para criaodevilaedoefetivolevantamentodepelourinho,em1668,noforam realizadas eleies para os cargos municipais at o ano de 1693, de modo que aautoridadelocalcoubeaocapitopovoadoratsuavelhice,quandose 23 Tal a visoformulada por Raimundo Faorona dcada de 1950 e, porvezes,sustentada em trabalhosrecentes.FAORO,Raimundo.OsDonosdoPoder.Formaodopatronatopoltico brasileiro.SoPaulo:Globo,2001,p.171.SANTOS,RosngelaMariaFerreirados.Emandem convocaropovo...eleiesmunicipaisemCuritiba(1735-1765).InAnaisdeV.Jornada Setecentista. Curitiba: 2003, p. 10. 24 HAMEISTER, Martha Daisson. Op. Cit. Cap. 3 & HAMEISTER, Martha Daisson. As informaes do Registro de Curitiba, a passagem das tropas vindas do sul e a importncia dos gados (1751, 1769, 1770 e 1771). In: BOTELHO, Tarcsio Rodrigues. [Et. Al.]. Histria quantitativa e serial no Brasil: um balano. Goinia: ANPUH-MG, 2001. FBIO KHN; AUGUSTO DA SILVA; ADRIANO COMISSOLI. Trajetrias sociais e prticas polticasnas franjas do Imprio. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-1729 53 elegeram os primeiros representantes dentre os homens bons e regularizou-se a condio da vila.25 OinciodoprocessoeleitoralemCuritibanosignificouofimda influnciadasfamliaspaulistasnavila.AestirpedocapitoMartinsLeme queapsofalecimentodeGabrieldeLaraacumulouaposiodeprocurador do Marqus de Cascais manteve projeo na Cmara. Somados filhos, genros enetos,ocapitoteve11descendentesexercendoofciosnoconselhoentre 1693e1723.Juntamenteao cldeconquistadoresdeBalthazarCarrascodos Reis,comoqualseinterligavamporinmerosmatrimnios,elesconstituam 37%dos59homensqueocuparamcargosnostrintaprimeirosanosdavila. Esse nmero expressivo deveu-se menos aos descendentes diretos do que aos queseagregaramsduasestirpesatravsdocasamentocomsuasfilhase netas. O elo de perpetuao na instituio camarria dava-se pela ligao entre sogroegenromaisdoquepelasucessopatrilinear,elementoqueincideno alargamento das redes sociais e de poder dos potentados curitibanos. Os bons casamentosparaasfilhasselecionavampretendentesoriundosdeoutras famlias paulistas e proprietrios de sesmarias mantendo o status adequado na comunidade: a concentrao fundiria em poucas mos e o acesso restrito aos ofcios da repblica.26 As famlias Leme e Carrasco dos Reis demonstraram presena frequente na Cmara por seu nmero ampliado e igualmente pela reiterada ocupao de ofcios.GuilhermeDiasCortes,casadocomumadasfilhasdeBalthazar Carrasco dos Reis, chegou a ser eleito nove vezes para o conselho. Gaspar, filho de Balthazar, ocupou 12 ofcios entre 1696 e 1720, ou seja, esteve presente em 80%das15Cmarasdointervalo.Gasparcasou-secomumanetadoantigo capito povoadorMatheusMartinsLeme e filhadeAntnioCostaVelloso,que tambm foi oficial em 6 ocasies. O entrecruzamento das duas famlias fez com queoconselhosemantivessecomoumbaluartedessasestirpesde ascendnciapaulista/vicentina,demodoareiterarseuestatutodeprincipais da terra e sua projeo poltica.27 AsvilaslitorneasdeLagunaeDesterroeramigualmente representantes do modelo bandeirante de povoamento, no entanto em latitudes mais meridionais. Laguna, a mais antiga, permaneceu por muito tempo como a povoao/vila mais ao sul do Brasil e dela partiam soldados e alimentos para a ColniadoSacramento,integrandoessesespaos.Serviuaindadepontode partidaparaexpediesexploratriasedepovoamentoqueterminarampor ocupar,emdefinitivo,aregio dosCamposdeViamo,originandoacapitania do Rio Grande de So Pedro. J Desterro fora fundada por Francisco Dias Velho, 25 A fundao de Curitiba deu-se em trs etapas distintas: a primeira, em 1650, com a ereo deumacapela;asegunda,em1668,comatomadadeposseemnomedodonatrioda capitania e construo dopelourinho; e, a ltima, com a criao da Cmara e eleio de seus oficiais. PEREIRA, Magnus Roberto de Mello; SANTOS, Antnio Cesar de Almeida. O Poder Local eaCidade.ACmaraMunicipaldeCuritiba(sculosXVIIaXX). Curitiba:AosQuatroVentos, 2000, p. 22-24. 26JORGE,ValescaXavierMoura.FamliaePoder:umestudosobreasociabilidadenaCuritiba setecentista. In. Anais da V. Jornada Setecentista. Curitiba: 2003, p. 11. 27 Idem. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-172954 porvoltade1675,enquantoLagunadeviasuaexistnciaaosesforosde DomingosdeBritoPeixoto;ambospertenciamantigasfamliasvicentinas.28 Essa ligao significaque reproduziam a ocupao espacial praticadapor seus antecessores, baseada na contnua apropriao de terra, na explorao de mo de obra indgena e na perseguio das riquezas minerais. Essas ltimas, se no pudessemserlocalizadasemjazidas,quesesupunhamexistirnaregio, esperava-sequeseriamobtidaspormeiodecomrciocomosespanhisde Buenos Aires. Por fim, a explorao de uma nova riqueza se delinearia: a caa degadoselvagempararetiradadecouros,atividadequefoidecisivano estabelecimento populacional e posterior ampliao do territrio.29 A atuao da Cmara de Laguna, na primeira metade do sculo XVIII, esteve fortemente ligada famlia do fundador da povoao, Domingos de Brito Peixoto, em especial por parte de seu filho Francisco o qual se manteve como capito-mor da vila por cerca de 15 anos. Enquanto Domingos, natural de So Vicente,retornoulogosuaresidncianaviladeSantos,Franciscofezda povoaoseuprotetorado.Olegadodeseusantepassadosbandeirantes redundouemcontrolepersonalistapoucopreocupadoemseguiras recomendaesmetropolitanasequemuitasvezessujeitavaaatuao camarria aos interesses e caprichos da autoridade maior da vila: o capito-mor filhodofundadordalocalidade.Diantedalegitimidadegarantidapela antiguidade,daautoridadedopostomilitaredaampliadaparentelade Francisco (que inclua aliados de naes indgenas), a Cmara lagunense viu-se emsegundoplanocomoporta-vozpolticadacomunidade.30Contudo, circulavamnoconselhopartidosdivergentes,formadosporredesdealiados prprias que incluam desde outras famlias paulistas at marinheiros franceses que aportavam clandestinamente na ilha de Santa Catarina para comerciar com a populao, fato que concedia aos embates uma importncia mais ampla que adaesferalocal.Dasdivergnciasentrefacestributriasderixas vicentinasepaulistasresultouadecisorgiadecriaravilanailhaem questo,separandoadisputaentrepotentadoslocaisatravsdorecorte jurisdicional.31Asvilascatarinenses,naprimeirametadedosculoXVIII, dependiamemgrandemedidadasalianascomasantigasfamliasdeSo 28 O Visconde de So Leopoldo, ele mesmo natural da vila de Santos e descendente de famlias paulistas,relatounosculoXIXafundaodeDesterrocomoumaempresafamiliar tipicamentebandeirante:Afirmamquepelosanosde1651,FranciscoDiasVelhoMonteiro partiradoportodeSantos,levandodoisfilhos,duasfilhas,quinhentosndiosdomesticadose umhomembrancodenomeJosTinoco,comsuamulher,umfilhoeduasfilhasecomeles principiara a povoar a deserta Ilha dos Patos. PINHEIRO, Jos FelicianoFernandes (Visconde deSoLeopoldo).AnaisdaProvnciadeSoPedro.PortoAlegre:MercadoAberto,1982,p. 216. 29 OSRIO, Helen,op.cit.,.;HAMEISTER,Martha Daisson.O Continente do RioGrande de So Pedro... , op.cit. 30 KHN, Fbio. Gente da Fronteira: famlia, sociedade e poder no sul da Amrica Portuguesa sculo XVIII. Niteri: Tese de Doutorado, PPG em Histria da Universidade Federal Fluminense, 2006, p. 39-58. 31Osdetalhesdadisputaeumaanlisedesuasramificaespaulistas,bemcomoa interpretao da criao da vila de Desterro, podem ser vistos em KHN, Fbio.Op. Cit. p. 41- 50. FBIO KHN; AUGUSTO DA SILVA; ADRIANO COMISSOLI. Trajetrias sociais e prticas polticasnas franjas do Imprio. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-1729 55 Paulo,demonstrandoamanutenodesuasalianaseanecessidadequeo impriolusitanotinhadecontarcomseusvassalosparaaexpansodeseus domnios,emparticularporqueessesadentravamterrasoficialmente espanholas (segundo o ainda vigente Tratado de Tordesilhas de 1494). Apsacriao daviladeDesterro nailhadeSantaCatarina,onimo da Coroa em criar novas vilas na regio meridional arrefeceu, seguindo-se um intervaloprolongadonoprocesso.OcorrequeaspretensesdeLisboase alteravamnessemomentopropiciandoosurgimentodosprimeirosgovernos encabeadosporagentesdiretamentenomeadospelomonarcaportugus.A fundao do forte de Jesus Maria Jos (1737), na chamada barra do Rio Grande (atual lagoa dos Patos), o ponto de inflexo da poltica platina portuguesa. Ao mesmo tempo em que a fortificao tinha por objetivo prestar socorro isolada Colnia do Sacramento, ela fomentava a criao de nova povoao que com as estncias de gado de Viamo e as vilas de Desterro e Laguna eliminavam hiatos espaciais.AefetivaocupaodaregiodocanaldoRioGrandedeu-sena conjuntura de guerra entre portugueses e espanhis que, na regio do Prata, se concentravanaColniadoSacramento.UmaexpedioenviadapelaCoroa, destinadaoriginalmenteadesembarcarnaregiodeMontevidu,acabou ocupandoasduasmargensdabarradoRioGrandenoinciode1737,sobo comandodobrigadeiroJosdaSilvaPaisoqualseriaoprimeirocomandante donovoterritriolusitano.32Porserumaregioemdisputa,Portugalutilizou umaformahbridadecolonizaoemRioGrande:aomesmotempoqueera umafortalezamilitar,eratambmumacolniadepovoamento.Apsalguns mesesnocomando,SilvaPaisentregouopresdioaAndrRibeiroCoutinho, cujo governo foi marcado pela tentativa de consolidao do domnio lusitano na regio.ElechegouaoRioGrandedeSoPedroem1737,comapatentede coronel,acompanhandoSilvaPais.Apsterdeixadoogoverno,nofinalde 1740, chegou a comandante da guarnio militar do Rio de Janeiro.33 Em11deagostode1738,umaCartaRgiaordenavaquesecriasse umgovernonailhadeSantaCatarinaseparadodacapitaniadeSoPauloe subordinado diretamente ao Rio de Janeiro, cidade de onde deviam sair todos aqueles socorros, e ordens que fossem precisos para a defesa de Sacramento e ajuda do novo estabelecimento do Rio Grande.34 Tais medidas no reinado de D.JooVtinhamporobjetivoconsolidar,frentesameaasestrangeiras,a soberaniaportuguesanesseextensoespaoqueseabriaentreacapitaniade So Paulo e o Rio da Prata grande parte ainda incgnito , onde estavam em 32 Para um estudo sobre seus governos no Rio Grande e Santa Catarina, ver PIAZZA, Walter F. O Brigadeiro Jos da Silva Paes: estruturador do Brasil Meridional. Florianpolis: Ed. da UFSC / FCC Edies; Rio Grande: Ed. da FURG, 1988.33 BARRETO, Abeillard. Bibliografia Sul-riograndense. Volume I, p. 380-381; BOXER, Charles R. AIdadedeOurodoBrasil.RiodeJaneiro:NovaFronteira,2000,p.260-261e327.Ribeiro Coutinho nos legou uma saborosa descrio do Rio Grande nos primeiros tempos, alm de ser autordeumaMemria(1740),naqualdeixouimportantesinstruesparaoseusucessor acerca do modo de governar o Rio Grande de So Pedro. AHU-RJ (Castro Almeida), n 16839. Memria dos servios prestados pelo Mestre de Campo Andr Ribeiro Coutinho no Governo do Rio Grande de So Pedro, dirigida a Gomes Freire de Andrade. 34RevistadoIHGRGS,n.109a112,Ano1948,p.132e133.Provisorgiade11.08.1738 dirigida a Gomes Freire de Andrade, governador e capito-general do Rio de Janeiro. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-172956 jogoocomrciodaprataperuana,asminasdescobertaseadescobrirno serto,ogadosoltopeloscampos,asmadeiras,etantosoutrosrecursosque aquelasterrasemarespoderiamfornecerouproduzirao comrcioeuropeu.35 Almdisso,asmudanasinseriam-senoesforomaissistemticode reestruturaoadministrativadamonarquiacomvistasampliaoda autoridadergiasobredeterminadosespaosestratgicosdoImprio Portugus.36Reduzia-seopoderjurisdicionaldacapitaniadeSoPauloe submetiam-seaquelaspequenasvilasdosul,comseuspodereslocais institudos ao controle de comandantes militares, diretamente subordinados ao governadorecapitogeneraldoRiodeJaneiro,e,aps1763,aovice-reido EstadodoBrasil.Ocontrolequeessasautoridades,sobretudoosvice-reis, exerceramsobreosgovernadoressubalternosdosulfoinosoficial,mas efetivo,demaneira,portanto,distintadasubordinaoexistenteentreos governadores das capitanias gerais com os vice-reis, que ficava mais no plano formal. 37 Situada a meio caminho entre o Rio de Janeiro e o Rio da Prata, a Ilha de Santa Catarina constituiu-se desde o sculo XVI como porto privilegiado ou, pelomenos,comoimportantepontodereferncianuticaaosnavegadores europeusnosmaresdosul,comonosmostramosrelatosdeviagensea extensacartografiaproduzidasobreoNovoMundonapocaModerna.38 Fazendo a rota do Atlntico-Pacfico, pelo Cabo Horn, ou do Atlntico-Alto Peru, via rio da Prata, muitos navegadores aportavam nela para reabastecerem-se de alimentosfrescosedegua,curaremosenfermoserestauraremsuas embarcaes. A importncia regional e jurisdicional da ilha viu-se realada, em 1748, quando passoua sediar a comarca da ouvidoria cujo magistradoatuava tambm sobre o Rio Grande. Enquantoisso,ogovernodeDiogoOsrioCardoso(1741-1752)na comandnciadoRioGrandemostrava-sebastanteatribulado.Oepisdiomais conhecido da sua administrao refere-se revolta do Regimento dos Drages 35Ver,entreoutros,BICALHO,MariaFernanda.ACidadeeoImprio.ORiodeJaneirono sculo XVIII. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003; e, da mesma autora, A Cidade do Rio de Janeiro e a Articulao da Regio em torno do Atlntico-Sul: Sculos XVII e XVIII. Revista de HistriaRegional,vol.3,n.2,inverno(1998).Disponvelem: http://www.rhr.uepg.br/v3n2/fernanda.htm. Acesso em:04 mar. 2006. 36 Ver, entre outros, COUTO, Jorge. D. Joo V. In MEDINA, Joo. (Dir.) Histria de Portugal dos tempos pr-histricos aos nossos dias. Vol. VII Portugal Absolutista. Alfragide: Ediclube, s/d., p. 244; eCARDIM, Pedro. O Processo Poltico (1621-1807). In MATTOSO, Jos. (Dir.) Histria de Portugal. O Antigo Regime. Vol. 4. Lisboa: Estampa, 1997. 37 SILVA, Augusto da. A Ilha de Santa Catarina e sua Terra Firme: estudo sobre o governo de uma capitania subalterna (1738-1807). So Paulo: Tese de Doutorado: PPG/Histria Econmica, Universidade de So Paulo, 2008, pp. 151-161. 38UmarelaobemcompletadosviajanteseuropeusquepassarampelaIlhadeSanta Catarina,nosculoXVI,combiografiadosnavegadoreseobjetivosdasviagens,encontra-se emMELLO,Amilcardvila.CrnicasdasOrigens:SantaCatarinanaeradosdescobrimentos geogrficos. Florianpolis: Expresso, 2005. Para as representaes da Ilha no sculo XVII ver, entreoutros,olivroMAPA:ImagensdaFormaoTerritorialBrasileira,organizadopor ADONIAS, Isa.; FURRER, Bruno. et al. Rio de Janeiro: Fundao Emilio Odebrecht, 1993; Para os sculos XVIII e XIX, HARO. A. Palma de (Org.). Ilha de Santa Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos sculos XVIII e XIX. 3. Ed. Revista. Florianpolis: EdUFSC; Lunardelli, 1990. FBIO KHN; AUGUSTO DA SILVA; ADRIANO COMISSOLI. Trajetrias sociais e prticas polticasnas franjas do Imprio. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-1729 57 (1742), ocorrida em um momento de grande dificuldade para a manuteno do presdio,assoberbadocomafaltadeembarcaesquetrouxessemos alimentosnecessriosparaasubsistnciadaguarnioepopulaocivil.39 Somente em fins de 1751 a povoao do Rio Grande seria elevada formalmente categoria de Vila, com a instalao de uma Cmara e a institucionalizao do domniopolticolusitano.DurantetodaaprimeirametadedosculoXVIII,o territriodoatualRioGrandedoSulnoconheceuapresenadainstituio tpicadarepresentao dopoderlocalnoImprioportugus.Desdeacriao daviladeLaguna,em1714,todooterritriomeridionalestavasujeitos justiasemanadasdoconselho.Teoricamente,osmoradoresdeRioGrande tambmdeviamestarsubmetidosjurisdiodaCmaralagunense.Todavia, osconflitosentreosgovernadoresmilitaresdoRioGrandeeosoficiaisde Lagunaforambastantecomuns,oquenossugerequeacriaodeuma CmaraemRioGrandetenhasidoumadecorrnciadessesconflitos jurisdicionais. Algunsmesesdepoisdainstalaodavila,Osrioerasubstitudona comandnciapelotenente-coronelPascoaldeAzevedo(1752-1760).40 Inaugurava-se nova conjuntura, marcadapela vinda de Gomes Freire ao Sul e aoinciodastentativasdedemarcaodoTratadodeMadri.Se,naprimeira metadedosculoXVIII,oterritriosulinofoiincorporadodemaneira inequvoca ao Imprio portugus, na segunda metade ocorreria a consolidao dessaocupao,marcadapelaelevaodaimportnciadacapitaniadoRio GrandedeSoPedroepeloabandonotemporriodaspretensesplatinas. Inclusiveoanode1760abrigouapromoodoRioGrandedeSoPedrode comandnciamilitarcapitaniasubalternaaoRiodeJaneiro,masagora desligadadeSantaCatarina.Acriaodessegovernoseparadodeu-seem funo da necessidade de maior flexibilidade para a administrao local, diante dapossibilidadederecrudescimentodashostilidadesnafronteira.41Parao cargofoinomeadoocoronelIncioEliMadureira(1760-1763),quefora governador dapraadeSantoseerahomemtidocomocapazpeloCondede Bobadela.Porm,asexpectativasdeGomesFreiresefrustrarameMadureira acabouacusadodedesobedincia,chegandoaterosbenssequestradospela CoroadevidoperdadapraadoRioGrande.42Assimcomoseuscolegasda Colniaquecaramemdesgraanogovernometropolitano,elefoi responsabilizado,comoutrosoficiaismilitaresdoRioGrande,pelacapitulao 39 QUEIROZ, Maria Luiza Bertulini. A Vila do Rio Grande de So Pedro, 1737-1822. Rio Grande: EditoradaFURG,1987,p.72-73.ConformeorelatodosnufragosinglesesBuckeleye Cummins, que estavam em Rio Grande naquela altura, faz vrios dias que o povo est agitado, porque o navio no chega, apesar do vento estar estado favorvel h mais de trs semanas; a escassez de mantimentos torna-o receoso do futuro. Citado em Queiroz, op. cit. 40MIRANDA,MrciaEckert.ContinentedeSoPedro:administraopblicanoperodo colonial.PortoAlegre:CORAG,2000,p.55;DocumentosHistricos,vol.94,RiodeJaneiro: Biblioteca Nacional, 1951, p. 130-131.41 CESAR, Guilhermino. Histria do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1970, p.165. 42AHU-RS.Cx.2,doc.78,Decretodenomeao,19.08.1760;AHU-RJ,n5835,Ofciode Bobadela ao Conde de Oeiras, 21.02.1761; AHU-RJ, n 7594, Auto de sequestro, 23.03.1764. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-172958 da vila para as foras espanholas em abril de 1763.43 Madureira no sobreviveu muito aps a trgica derrocada, pois faleceu na ilha de Santa Catarina no incio do ano seguinte, deixando o Continente em estado de convulso. Com efeito, a tomada da vila do Rio Grande pelos espanhis provocou umagrandealterao,poisalmdasautoridadesportuguesas(governador, provedordaFazendaeoficiaiscamarrios),amaiorpartedapopulaoda praa fugiu em direo ao arraial de Viamo, em um movimento de xodo que teveenormesimpactosparaaprpriagovernabilidadedacapitania.Cabe lembrarqueaviladeRioGrande,almdepraaforte,eraonicoporto martimodacapitania,oqueimpsumadificuldadelogsticaadicionalparaa defesa do disputado territrio. Todo o abastecimento e desembarque de tropas teriaqueserfeitonailhadeSantaCatarinaounaviladeLaguna,como restantedotrajetoatoContinentesendofeitoviaterrestre,porlargas distncias. Durante a dcada em que o arraial de Viamo foi sede do poder poltico eadministrativodoContinente,ocargodegovernadorfoiexercidoportrs diferentesmilitares.Otenente-coronelJosCustdioSeFaria(1764-1769) era engenheiro militar, alm de ser um cartgrafo renomado o qual conhecia a regiodesdeadcadade1750,quandoforaumdosdemarcadores portugueses.44Observadorescontemporneosapontavamsupostas irregularidades cometidas pelo governador sendo que, nesse ponto, a acusao pareceterprocedncia.45GovernandoemumperododecrisenoContinente, duramente atingido pela situao blica, Jos Custdio no pde (ou no quis) executarasdeterminaesdoseuRegimentoquelheordenavamagir particularmenteemquatroreas:oestabelecimentodoscolonosaorianos,o controle sobre os ndios, o fomento da agricultura e o estabelecimento de uma povoaoestratgica.Dessesobjetivos,cumpriunantegraapenasoltimo, com a criao da freguesia de Taquari, onde instalou alguns casais dos Aores. No pde instalar todos os ilhus, supostamente por temer entrar em confronto com a elite local, especialmente os grandes proprietrios de terras que, na sua maioria, tambm eram militares.46 De fato, o mais apropriado seria pensar que ogovernadorestivesseefetivamentedeacordocomvriosdessesgrandes proprietriososquaisnotinhamomenorinteresseemdividirasterras disponveis. OcoronelJosMarcelinodeFigueiredosucedeuaJosCustdio, governandooContinentepormaisdeumadcada,entreabrilde1769eo 43DevassasobreaentregadaViladoRioGrandestropascastelhanas(1764).RioGrande: Bibliotheca Rio-grandense, 1937. 44 BARRETO, Abeillard. Bibliografia Sul-Riograndense. v. I, Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1973, p. 486-491. 45ANRJ.FundoMarqusdoLavradio,Microfilme024-97,Notao16.78a16.79:Cartado sargento-morFranciscoJosdaRochaparaoVice-reiMarqusdoLavradio.Viamo, 27.01.1772.Se as denncias de Rocha foremfidedignas, o governador Jos Custdio de S e Fariateriaaderidomesmoaosinteressesdaelitelocal.Somentedessaformaseconsegue entendersuaassociaoaobandoencabeadoporRafaelPintoBandeira,queestava envolvido com o contrabando de gado dos domnios espanhis. 46 OSRIO, Helen, op.cit., p. 105-111. FBIO KHN; AUGUSTO DA SILVA; ADRIANO COMISSOLI. Trajetrias sociais e prticas polticasnas franjas do Imprio. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-1729 59 incio de 1780. Nesse perodo, o nico interregno aquele que corresponde ao governointerinodotenente-coronelAntniodaVeigaAndrade(entreoutubro de1771ejunhode1773),quandoJosMarcelinofoichamadoaoRiode Janeiro para dar explicaes ao vice-rei.47 Logo nos primeiros meses aps seu retornoaoRioGrande(janeirode1774),elehaviadeenfrentarumenorme desafio,representadopelanovatentativadeinvasodoRioGrandepelos castelhanos. Teve uma atuao destacada na defesa da fronteira do Rio Pardo, o que lhe valeu bastante prestgio perante a Coroa, pois recebeu promoo por carta rgia de 14 de junho de 1774; a patente de Brigadeiro de Cavalaria.48 Noentanto,aconjunturadeguerraimpediaqueseprescindissedos prstimosmilitaresdaelitelocal,especialmentedolderlocalRafaelPinto Bandeira.Emumacartaemqueacusavaessedecontrabandista,Jos Marcelino repetiu uma mxima, muito utilizada pelos administradores coloniais. Comoasituaoestavaincertaparaosucessodasarmasportuguesas,ele confessavaquetinhaquefecharosolhosacertasirregularidades,poisme acheinanecessidadedefazerdosladresfiis.49Noentanto,pacificadaa capitania,JosMarcelinoreabriuasinvestigaesacercadopotentado, determinandoaprisodeRafaelPintoBandeiraem1779.Dianteda inconcludncia das provas, o caso foi remetido ao Rio de Janeiro onde resultou emumConselhodeGuerraqueacabaria,senoinocentandocompletamente, pelomenosaliviandoocoronelPintoBandeiradasacusaesquelheeram imputadas.Em08dejaneirode1780,umofciodaCortemandourestituir Rafael PintoBandeiraao seu posto,determinando a sadadoagora brigadeiro Jos Marcelino do governo do Continente do Rio Grande. OsucessorfoiobrigadeiroSebastioXavierdaVeigaCabralda Cmara,quegovernoupormaisdeduasdcadas(1780-1801),apesarde longosperodosdeinterinidade.Onovogovernadorinicialmentemanteve-se emPortoAlegre(paraondeasededogovernotransferiu-seem1773)ouno porto de Rio Grande, procurando tomar p da situao do Continente depois de maisdedezanosdeguerra.Noentanto,emfunodasuanomeao,em 1781,comocomissrio-chefeportugusdademarcaodoTratadodeSanto Ildefonso,elemanteve-seafastadodasfunesadministrativasdiretas,porse achar a maior parte do tempo na fronteira, o que levou aos governos interinos deRafaelPinto Bandeira(1784-1786e1790-1793) eJoaquimJosRibeiroda Costa(1786-1790).Quantoaoprimeirogovernadorinterino,seuperfiljfoi delineado, ele que foi o nico representante da elite local a chegar ao topo da hierarquiaregional.ArededecontrabandoepoderdeRafaelPintotemsido analisada como exemplo bem acabado de estruturao de um bando bastante articulado, que seria dominante na poltica da capitania durante o ltimo quartel 47JosMarcelinodeFigueiredoeranaturaldeBragana,sendoseuverdadeironomeManuel JorgedeSeplveda.Atrocadeveu-seaofatodequeoditoSeplvedaassassinaraumoficial britnico, vindo foragido para o Brasil em 1765. A esse respeito, ver BARRETO, op. cit., p. 519-520 e ALDEN, Dauril, op.cit., p. 449-452.48 ALDEN. op. cit. p. 125-132. 49BNL.DivisodeReservados.Cdice10854,cartadeJosMarcelinodeFigueiredoao Marqus do Lavradio: Porto Alegre, 09 de maio de 1775. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-172960 dosculoXVIII.50RibeirodaCosta,porseuturno,haviaacompanhadoo generalJooHenriquedeBhmnotempodaguerracontraosespanhise, segundoovice-reiVasconcelos,eraumoficialmuitozelosodoservio, desinteressado,eprontonaexecuodasordensqueselheencarregam.A primeiratarefa que lhe foi ordenada pelo vice-rei seria comtodo o disfarce e segredopossveladquirirasnotciasmaisexatassobreosreferidos contrabandos, e os principais cabeas que os tem promovido e continuado com to estranha e desordenada laxido.51 Em 1801, no final do governo de Cabral da Cmara, um pouco antes do seu falecimento, aconteceria a tomada dos Sete Povos das Misses, por meio da ao de um grupo de aventureiros e desertores doExrcito,possivelmenteassociadosaoslderesindgenas(oscaciques guarani) eacobertados pelo comandante militar da fortalezade Rio Pardo.Tal feito,almdeincorporarcapitaniaalgunsmilharesdenovossditos, praticamente dobrava a extenso do seu territrio.52 Por fim, com a morte do longevo governador, assumiria interinamente o cargoobrigadeiroFranciscoJooRoscio,militardelargaexperinciae conhecimentodacapitania.53Eleficariapormaisdeumanonocargo, enquanto aguardava a chegada do novo governador, o chefe de esquadra Paulo JosdaSilvaGama(1803-1809),oltimosubalternoaoRiodeJaneiro.O governo de Gama foi marcado pela dinamizao econmica e pela tentativa de reorganizaoadministrativadoContinente.Comefeito,umadasprincipais preocupaes desse administrador seria a aplicao da justia na capitania, que aindaentosofrianesseaspectodevidoprecariedadedaestrutura institucional,poisinexistiamemseuterritriojuzesdeforaououvidores residentes.Aindaem1803,solicitavaaoPrncipeRegentequefossemcriadas quatronovasvilasnoRioGrandedeSoPedro,demandaqueseriaatendida somente a partir de 1809. No plano econmico, sua principal realizao seria a implementaodeumaAlfndegaemPortoAlegre,paramelhorpoder arrecadarasimposiesfiscaisnaquelaconjunturadecrescimento econmico.54 50 GIL,Tiago L. Infiis transgressores. Elites econtrabandistas nasfronteiras doRio Grandee do Rio Pardo (1760-1810). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007, p. 127-167. 51SILVA,Augustoda.RafaelPintoBandeira:debandoleiroaGovernador.Relaesentreos poderes privado e pblico em Rio Grande de So Pedro. Porto Alegre: Dissertao de Mestrado, PPG-Histria/UFRGS, 1999, p. 134. 52 As excees a essa regra podem ser encontradas na obra de CAMARGO, Fernando da Silva. OMalnde1801:aGuerradasLaranjasesuasimplicaesnaAmricameridional.Passo Fundo: Clio, 2002; e em GARCIA, Elisa F. As diversas formas de ser ndio: polticas indgenas e polticasindigenistasnoextremosuldaAmricaportuguesa.TesedeDoutoradoemHistria. Niteri: PPG-Histria/UFF, 2007. 53Antesdeassumirinterinamenteogovernodacapitania,foratambmgovernadorde Moambique (1797-1801). 54ParaumadescriodasituaogeraldoRioGrandesvsperasdachegadadaCorte,ver MAGALHES,ManuelAntniode.AlmanackdaViladePortoAlegre,comreflexessobreo estado da capitania54 do Rio Grande do Sul. RIHGB, tomo XXX, 1 parte, vol. 34 (1867). FBIO KHN; AUGUSTO DA SILVA; ADRIANO COMISSOLI. Trajetrias sociais e prticas polticasnas franjas do Imprio. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-1729 61 Os governadores das franjas: uma caracterizao geral OsocupantesdosgovernosdaColniadoSacramento,daIlhade SantaCatarinaedoRioGrandedeSoPedrodemonstrampossuir caractersticassemelhantes,emparticularnocasodosdoisltimos.Contudo, algumasdiferenastambmdevemserarroladas,acomearpelonmerode governadores,poisemboraaexistnciadaColniatenhaseprolongadopor cercadeumsculo(1680-1777),aquantidadedegovernadoresefetivosfoi inferioraodacapitaniadoRioGrande(1737-1807)edeSantaCatarina (1738-1808),considerandoquenocasodestasoperodoabrangido significativamente menor, comportando somente sete dcadas. ForamidentificadosdezgovernadoresnaColniadoSacramentono perodocompreendidoentre1680e1777,nmeroidnticoqueleencontrado peloprojetoOptimaPars.Todavia,arelaodegovernadorescomaqual trabalhamosincluiManuelLobo,quefoigovernadordoRiodeJaneiroe fundador daquela praa, mas no arrola o brigadeiro Francisco Antnio Cardoso deMeneseseSousa,quefoiefetivamentenomeadoparaocargoem1767, masnoassumiudevidoaproblemasdesade.55OsgovernadoresdoRio GrandedoSultotalizamcatorzesujeitos,sendoaquiconsideradostambmos ocupantesinterinosdoscargos(FranciscoBarretoPereiraPinto,RafaelPinto Bandeira,JoaquimJosRibeirodaCostaeFranciscoJooRoscio),namedida em que seus governos somados perfazem mais de uma dcada, um percentual significativo do marco cronolgico investigado. O mesmo critrio foi aplicado ao caso catarinense no qual quinze militares ocuparam o cargo de governador da IlhadeSantaCatarina(cincoemcarterinterino),almdeumajunta governativa no ano de 1800.56 AduraodosgovernosnaColniadoSacramentoparecetersido maior,apesardainegveldistorocausadanamdiapelalongussima extensodoexercciodeAntnioPedrodeVasconcelos.Essecaso,contudo, nofoiexceo,poisoutrosgovernadoresdacidadelatambmexerceram mandatosporlargosperodos,aexemplodeFranciscoNaperdeLencastree PedroJosdeFigueiredoSarmento.NoRioGrande,damesmaforma,temos governos longos, como os de Sebastio Xavier Cabral da Cmara (cerca de duas dcadas,cominterregnos),DiogoOsrioCardosoeJosMarcelinode Figueiredo.Mas,devidoaosinterinos,amdiadaduraodosgovernosna capitaniario-grandenseinferior,poisessesgovernadorestemporrios exerciam mandatos de curta durao. A anlise do perfil social desses homens nos conduz compreenso da valorizaoehierarquizaodessasconquistasnoImprioPortugus,deuma maneira geral, e na Amrica Meridional, em particular.57 Em comparao com os 55AbaseeletrnicadoOptimaParsincluiaindaaFranciscoRibeirodeMirandacomo governador da Colnia. Apesar de nomeado em 1705, ele no chegou a tomar posse, devido perda da praa. Cf. ALMEIDA, Lus Ferrand de., op.cit., p. 306.56 Ver quadros anexos no final do texto. 57Estudosmaisabrangentessobreessaquestovmsendorealizadosporumconjuntode professoresportuguesesebrasileiros,entreosquais,destaco:MONTEIRO,N.G.;CUNHA, Mafalda S. da. Governadores e capites-mores do imprio atlntico portugus nos sculos XVII histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-172962 militaresnomeadosparagovernarascapitaniasgeraisdoBrasil,os governadores subalternos da ilha de Santa Catarina, assim como tambm os do RioGrandedeS.PedroeosdaColniadoSacramento,possuamstatus nobilirquicoinferior.Provinhamdosestratosmaisbaixosdanobreza portuguesaouatdeorigensmaishumildes,configurandosujeitosque alcanaram ao longo de suas carreiras alguma distino honorfica por meio dos servios prestados nas conquistas. OsgovernadoresdaColniaeramquasesemprefidalgos,muito embora se enquadrem na condio de fidalgo pobre (caso de Francisco Naper de Lencastre) ou tivessem origens suspeitas, como Sebastio da Veiga Cabral, quetinhaascendnciacrist-nova.OsgovernadoresdoRioGrandetinham procednciamaismodestaemesmoorigensmecnicas(JosdaSilvaPaise Jos Marcelino de Figueiredo) ou representavam as principais famlias da terra, casodoclebreRafaelPintoBandeira.Fidalgosefetivosseriampoucos,um delesobrigadeiroSebastioXavierdaVeigaCabraldaCmara.Arealidade para Santa Catarina aproxima-se dessas, pois trs de seus governadores (existe dvidaquantoaumquartocaso)possuamposiosocialmaisconfortvel, eramfidalgosjdenascimento,conquantonenhumpertencentechamada primeira nobreza de Corte.58 Essadiferenciaodeorigemestariarepresentadanaspatentesdos nomeadosparaoscargos,poisnaColniaosgovernadoresexerciam,na maioria das vezes, suas funes enquanto mestres de campo ou brigadeiros. A patentemilitarqueamaioriadosgovernadoresdaIlhadeSantaCatarina tinham,oualcanavam,nomomentodesuasnomeaes,eradecoronelde infantaria.Valelembrarque,paraascapitaniasgerais,osnomeadoseram designados como governadores e capites generais. Quando ocorria de ficarem nopostocomumapatenteinferior,suplicavampelapromoo.Assimfizeram osgovernadoresinterinosJosPereiraPintoeJooAlbertodeMiranda e XVIII. MONTEIRO,N.G.; CARDIM, Pedro; CUNHA, Mafalda Soares da. (Orgs.)Optima Pars. ElitesIbero-AmericanasdoAntigoRegime.Lisboa:ICS,2005;CUNHA,MafaldaSoaresda. GovernoegovernantesdoImprioportugusdoAtlntico(sculoXVII).InBICALHO,Maria Fernanda;FERLINI,Vera(Orgs.).ModosdeGovernar:IdiasePrticasPolticasnoImprio Portugus sculos XVI a XIX. So Paulo: Alameda, 2005; na mesma obra, MONTEIRO, N. G. Governadores e capites-mores do Imprio Atlntico portugus no sculo XVIII; SOUZA, Laura de Mello e., op.cit.58Alertandoparaoslimitesdequalquerclassificaoesquemticadaaristocraciaportuguesa, N. G. Monteiro prope a seguinte estratificao para o final da poca Moderna: Nabase, uma vasta e imprecisa categoria que se estendia desde a nobreza simples aos cavaleiros de hbito, a qual inclua todos os licenciados e bacharis, os oficiais do exrcito de primeira linha, milcias eordenanas,osnegociantesdegrossotrato,osjuzesevereadoresdeumnmero indeterminado de vilas e cidades, enfim, todos os que viviam nobremente. Por serem muitos, encontravam-sedesqualificadossocialmente,levando-osaumaintensadisputaporgraase mercs, como os hbitos das Ordens Militares (de Cristo, de Avis, e de Santiago). Acima desse, um grupo intermedirio formado por alguns milhares de fidalgos. Por fim, a primeira nobreza da Corte, constituda por cerca de centena e meia de senhores, comendadores e detentores de cargospalatinos,nocumedaqualseencontravaameiacentenadecasasdosGrandesdo reino.InMONTEIRO,NunoGonalo.ElitesePoder.EntreoAntigoRegimeeoLiberalismo. Lisboa: ICS, 2003, p. 144-45. FBIO KHN; AUGUSTO DA SILVA; ADRIANO COMISSOLI. Trajetrias sociais e prticas polticasnas franjas do Imprio. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-1729 63 Ribeiro.59No ContinentedoRioGrandetambmerapreciso sermilitar,porm as patentes mantinham-se no patamar das de Santa Catarina; mais da metade doscomandantesougovernadoreseramtenentes-coronisoucoronis.Ainda assimmostra-seumpontocomumentreostrsgovernosofatodetodosos mandatrios exercerem a carreira militar, conditio sine qua non para almejar tal ocupao. Simultaneamente busca por graas e mercs como forma de ascender na hierarquia nobilirquica, os governadores no deixaram de se preocupar com aprogressonacarreiramilitar.Demaneiradistintadosttulosnobilirquicos, que tendiam a se aviltar quanto mais se aproximava o final do Antigo Regime, a promoonoexrcitocolocava-secomoumaascensosegura,concretae vivelparaessesindivduos,sobretudonosRegimentosestabelecidosna Amrica.Sabe-sequerarosforamosgovernadoresnomilitaresnomeados para as conquistas ultramarinas.60 Em se tratando de territrios de disputa, com conflitos militares abertos, como erao casodo sul da Amrica, essa formao tornava-se ento pr-requisito fundamental. Em todo o imprio, a importncia dos governos refletia-se na qualidade dos governantes e no caso dos governadores das franjas meridionais no seria diferente.61SergovernadordaColniamostrava-semaisprestigiosoeos indivduosqueocupavamessescargosostentavamindicadoressociaisqueos qualificavamacimadoscomandantesegovernadoresdorestantedaAmrica meridional.Outraevidncianesse sentido nosdadapeloacesso aoshbitos dasordensmilitares,jquepraticamentetodososgovernadoresdaColnia eramcavaleirosdaOrdemdeCristo,situaoinversaaosdoRioGrande. Contudo,asdistinesaristocrticasnoseapresentamsemprecomtotal clareza.Apossedettulossemaobtenodetenasrespectivaspoderiano resultar em melhoria das condies sociais e econmicas dos indivduos. Talvez porisso,LusMaurciodaSilveira,governadordaIlhadeSantaCatarinade 1805a1817,queixava-seaovice-reidequeeraUmhomemFidalgo,[mas] poucosocorridodafortuna....62Poroutrolado,ocorriaqueaausnciade ttulos no impedia a busca de um estilo de vida orientado por regras de Antigo Regime. JosdaSilvaPaes,primeirocomandantemilitardoRioGrandee primeirogovernadordeSantaCatarina,nasceuemLisboa,noanode1679, filhodepaisabastados,masnonobres.Em1705elerequereumudanado hbito de Santiago, que lhe chegara s mos por via de sua mulher, D. Maxima TeresadaSilva(oudeBrito),paraodeCristo,emconsideraoaosseus prpriosservios,maslhefoinegado,vistoqueseuavpaternohaviasido 59AHU-SC,cx.4,doc.329.CartaJosP.PintoaoSecretriodeEstadoMartinhodeMelloe Castro, em 20.03.1789. AHU-SC, cx. 5, doc. 373. Carta de Joo Alberto de Miranda Ribeiro ao SecretriodeEstadoLuizPintodeSouzaCoutinho,em24.05.1796.Essegovernador encaminhoupelomenosmaisumrequerimentocomessepropsitoaolongodosseisanose meio de governo, mas sem obter sucesso. Ver AHU-SC, cx. 5, doc. 359. 60 MONTEIRO, Nuno Gonalo. Governadores e capites-mores..., op. cit., p. 108. 61 MONTEIRO, Nuno Gonalo F.; CUNHA, Mafalda Soares da. Governadores e capites-mores do imprio atlntico portugus nos sculos XVII e XVIII , op.cit., p.206 e ss. 62 ANRJ, Cd. 106, vol. 16, fl. 199. Carta ao Prncipe Regente em 03.07.1806. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-172964 Piloto de Navios da Carreira do Brasil, ou seja, um ofcio mecnico e, por este impedimentosejulgounoestarcapazdeentrarnaOrdem.63Em1715,ele reapresentouapetio,obtendo-a,masemsuavidasomente,odireito queladistinohonorficaemaisatenaefetivade12$000ris,como remuneraodebonsservios.64Apsdesempenhardiversosservios Monarquiacomoengenheiro-militaremAores,noRiodeJaneiroeemsuas colniasanexasnosul,projetandoeerguendofortalezas,obraspblicase fundandopovoados,eleretornouaoreinonadcadade1750,jcomidade avanada. Seu domiclio, situado prximo bica dos Anjos na cidade de Lisboa, eraumpequenopalacete,fartoemespao,providodelojaeandarsuperior, comcasademoos,cocheira,cavalariaecapoeiras,combonsmveis, pratariaseumabibliotecacompostapor437volumes.Possuatambmum escravo, um criado grave e mais trs serviais. No estilo e na praxe Silva Paes vivia, sem sombra de dvida, lei da nobreza. 65 Contudo,percebe-sequeSilvaPaesrepresentaavertentedeagentes monrquicos que regressavam ao Reino findo seu tempo de servio. Nem todos apresentaram esse padro de conduta e houve aqueles que faleceram durante ocumprimentodesuasobrigaes.Emboranossosdadossejamainda lacunares,noRioGrandenota-seumafixaomaiordosgovernadoresem comparao com a Colnia do Sacramento. Essa fixao foi aferida a partir dos locais em que faleceram, o que a princpio no garantia de maior vinculao sterrasgovernadas.Todavia,nocasorio-grandense,amaioriamorreuem terrasamericanas,algunsemcondiodesairosa,comofoiadeIncioEli Madureira,sepultadonailhadeSantaCatarinaeacusadocomoumdos responsveis pela perda da vila de Rio Grande em 1763. Assumirospostosdegovernonaregiodasfranjasimperiaistrazia ainda o risco de mcula na reputao, pois o caso de Madureira no foi o nico ouomaisrumoroso.Destaque-seadeserodeJosCustdiodeSeFaria em1777paraoladodosespanhisapssuacaptura.NaColniado Sacramento, em geral, os governadores retornavam ao Reino, apesar de alguns teremfalecidoinloco,casodeLusGarciadeBivar.Tambmnapraaplatina exercer o cargo de governador no era isento de riscos, principalmente na fase finaldacidadela.Doisgovernadoresdesseperodoterminaramseusdiasde forma pouco abonadora, um deles preso no Limoeiro, acusado de ter entregado apraaem1762(VicentedaSilvadaFonseca)eooutrodegredadopara Angola,imputadopelaperdadefinitivadapraaem1777(FranciscoJosda Rocha). 63PIAZZA,W.OBrigadeiroJosdaSilvaPaes:EstruturadordoBrasilMeridional.RioGrande: EdFURG, 1988, p. 23 e 43. 64ARAJO,A.C.LivrosdeumaVida:Critriosemodalidadesdeconstituiodeumalivraria particular no Sculo XVIII. Revista de Histria das Idias. Vol. 20 - O Livro e a Leitura. Coimbra, (1999),p.153.Das trs ordens militares Avis, Santiago e de Cristo estaltima era a que mais poder e prestgio propiciava ao nobilitado. Ver, sobretudo: OLIVAL,Fernanda.As Ordens MilitareseoEstadoModerno:Honra,MerceVenalidadeemPortugal(1641-1789).Lisboa: Estar, 2001. PIAZZA, W. O Brigadeiro... op. cit, p. 44. 65 ARAJO, A. C. Livros de uma Vida..., op. cit., p. 157. FBIO KHN; AUGUSTO DA SILVA; ADRIANO COMISSOLI. Trajetrias sociais e prticas polticasnas franjas do Imprio. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-1729 65 Possivelmente,emdecorrnciadeconjunturaspolticasinternacionais ou locais especficas, homens de linhagens mais ilustres foram chamados para exercerocargodegovernadordailhadeSantaCatarinaapartirdasegunda metadedosetecentos.No contexto daGuerradosSeteAnos(1756-62)-que tevecomodesdobramentosnaregioplatinaainvasodaColniado SacramentoedoRioGrande-foranomeadogovernadordailha,em1762, FranciscoAntnioCardosodeMeneseseSousa.Seupai,LusCardosoe MeneseseSousa,erafidalgodaCasaReale,suame,ElenaTeixeiraCastro, provinha tambm de nobre linhagem. Segundo o viajante francs Pernety, que passou pela Ilha em 1763, Dom Francisco Cardoso era Coronel, Cavalheiro de Cristo, e de uma ilustre famlia de Portugal.66 A situao periclitante do avano espanholrequeriahomenscompetenteseadespeitodemedidas racionalizantes efetuadas pela Coroa portuguesa, a qualidade dos homens ainda semesclavaemboamedidaqualidadedosangue,ouseja,olegadode servios de sua famlia. A rendio da ilha de Santa Catarina aos espanhis, em 1777, sem que suaguarniooferecesseamnimaresistncia,soounaAmricaenoreino comoumaterrvelehumilhantederrota.67Ainvasoevidenciavaaindaa vulnerabilidadedapraamilitare,porconseguinte,detodasasconquistas portuguesasnosuldaAmricameridional.Passadoosustoerestitudaelaa Portugal,nostermosdoTratadodeSantoIldefonso,foradesignadopara receb-la,emjulhode1778,ocoronelFranciscoAntoniodaVeigaCabralda Cmara (1777-1779). Era fidalgo da Casa Real, filho primognito do General da Provncia de Trs-os-Montes, Francisco Xavier da Veiga Cabral, e neto do Mestre de Campo, General Sebastio da Veiga Cabral. Assim como seu pai eav, era comendador de trs comendas, todas da ordem de Cristo.68 Seu tio, tambm comonomedeSebastiodaVeigaCabral,foragovernadordaColniado Sacramento(1699-1705)eseuirmo,SebastioXavierdaVeigaCabralda Cmara,governadordoRioGrande(1780-1801).Em1784,foinomeado governadorecapitogeneraldandia,cargoqueocupouat1807.Noano seguinte retornou ao Rio de Janeiro junto com a famlia real, sendo agraciado, em 1810, com o ttulo de visconde de Mirandela.69 Para substitu-lo no governo dailhaedarsequnciaaostrabalhosdereestruturaodaquelacolnia portuguesa, fora nomeado outro fidalgo, o coronel de infantaria do Regimento deBraganaFranciscodeBarrosMoraisArajoTeixeiraHomem.Naturalde Chaves,emPortugal,erafilhodocavaleiroegovernadordeLagos,Joode 66 PERNETY, A. J. Histoire dun voyage aux isles Maouines, fait em 1763 & 1764..., in Ilha de S. Catarina op. cit., p. 80 e 81. 67 Uma das acusaes dirigidas contra o Marqus de Pombal, aps ser substitudo no ministrio, era de que a Praa de Almeida, e a Ilha de Sta. Catarina foram entregues aos castelhanos por ordensparticularesdele.BNL,PBA,695,mf.1635.Apologiasquetenhoescritosobrecada humadascalumnias,queaingratido, eainvejaespalharamcontramimnograndePovode Lisboa,depoisdaminhaauzencia.MarqusdePombal,em2/04/1777.Ver14Apologia,fl. 177. 68 ANTT, Chancelaria de D. Maria I, Lv. 84, fl. 329v. 69 PIAZZA, W.. Dicionrio Poltico..., op. cit., p. 126. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-172966 BarrosPereiradoLago,gentenobre,ededonaJernimaMorais,quevivia de acordo com as leis da nobreza.70 Umatributobastantevalorizado,aomenosnocasodosgovernadores do Rio Grande, era aprvia experincia em expedies de reconhecimento ou demarcao territorial. Incio Eli Madureira participou da expedio ao serto doTibagi,em1757,poucosanosantesdanomeaocomoprimeiro governadordacapitaniasubalterna.Damesmaforma,JosCustdiodeSe Faria, que fora nomeado sargento-mor Engenheiro da Expedio de Limites, em 1751.NaatividadededemarcaodoTratadodeMadritambmparticipouo governadorinterinoAntniodaVeigadeAndrade,nomeadoSegundo ComissrioeAstrnomo da2Partida,em1759.Outrasvezes,aparticipao em expedies seria decorrente do prprio exerccio do cargo, como foi o caso de Sebastio Xavier Cabral da Cmara, designado, em 1781, o Comissrio-chefe daDemarcaodelimitesdoTratadodeSantoIldefonso.Essaexignciafaz sentido, dado o panorama blico da fronteira sul, que requeria aes enrgicas e conhecimento estratgico militar. Quantosituaoconjugal,parecenotersidoimpeditivoofatode sercasado,muitoemboraasesposasquasenuncaacompanhassemseus maridosnasremotasregiesquegovernavam.Doisdosgovernadoresdailha deSantaCatarinaeramnascidosnaAmrica:ManoelSoaresCoimbranasceu no Rio de Janeiro, por voltade 1737, e Joaquim Xavier Curado, em Gois, em 1743,econtavamcomligaesentrecapitanias,portanto.Osttulose gratificaesquelheschegaramsmos(HbitosdaOrdemdeS.Bentode Avis)viriamdepoisdemuitosanosdeserviosmilitaresprestadosemsolo americano71econcedidosemumperodo(viradadoSetecentosparao Oitocentos) no qual houve maior abertura na poltica de mercs.72 Se,porumlado,opostodegovernadordailhadeSantaCatarina valorizava-seporelaocuparposioestratgicafundamentalemterritriode disputaentreasduasnaesibricas,etivesseseconstitudo,efetivamente, comoimportantebasepolticaemilitaraosplanosexpansionistasdaCoroa Portuguesa nesse amplo espao platino, por outro, a subalternidade ao governo do Rio de Janeiro reduzia o status do seu cargo, o que se refletia nas posies hierrquicasinferiorestantonobilirquicascomomilitaresdosseus governadores.Entretanto,emsituaescrticas,comoodaiminenteinvaso espanholadaIlha,em1775,ouquandofoiprecisorestabeleceradignidade lusitana, com a restituio dela aos domnios de Portugal, em 1778, brigadeiros efidalgosforamchamadosparaexercersuagovernana.Contudo,como avanardosculoXVIII,ogovernodeSantaCatarinafoigradativamente perdendoimportnciadevidosmaisurgentesnecessidadesdeguerranoRio GrandedeSoPedro.Concomitantemente,essacapitaniaflorescia 70 Cf. Banco de dados Optima Pars; e PIAZZA, W. Dicionrio Poltico..., op. cit., p. 551. 71PIAZZA,W..DicionrioPoltico...,op.cit.,pp.163e194;BancodeDadosOptimaPars; ARAJO, Pizarro. Memrias Histricas do Rio de Janeiro e das Provncias anexas Jurisdio do vice-rei do Estado do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1822, p. 318 e 320. 72VerMONTEIRO,N.G.;CUNHA,M.S.Governadoresecapites-mores...,op.cit.,p.197e 229. De acordo com esses autores, os filhos da Amrica enfrentavam, via de regra, dificuldades maiores que os indivduos nascidos no reino para ascender na hierarquia social portuguesa. FBIO KHN; AUGUSTO DA SILVA; ADRIANO COMISSOLI. Trajetrias sociais e prticas polticasnas franjas do Imprio. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-1729 67 economicamente a despeito dos reveses blicos, em especial a partir de 1777, quandoumpanoramaderelativapazestabeleceu-senaregio.Nofinalda centria, a Coroa portuguesa examinava j a possibilidade de estabelecer uma Capitania do Rio Grande de So Pedro; e Santa Catarina que seja separada das outras,oquedefatoveioaacontecerem1807,pormeiodecartargia assinadapeloprnciperegenteDomJoo.73Anovacapitaniaenglobava,ao menos em teoria, tanto a rea de Santa Catarina quanto a do Rio Grande, mas suacapitalsesediavaemPortoAlegre,noterritriodaltima.Ahegemonia administrativario-grandensesobreailhamanifestou-senovamenteem1812 quando a sede da ouvidoria da comarca transferiu-se de Desterro igualmente a PortoAlegre,selandooreconhecimentodaCoroasobreahierarquiapoltico-espacial do territrio meridional. Perfil social das vereanas nas Franjas do Imprio A histria da Cmara da vila do Rio Grande de So Pedro sem dvida amaisatribuladadentresuascongneressulistaseaquemelhorfunde elementoslocaiseimperiaisemseudesenvolvimento.Devidoasuaposio geogrfica(amaismeridionaldoBrasilnoperodo)eaoacirramentode tensesentreEspanhaePortugalnoPrata,oconselhosulrio-grandense distanciou-se do modelo bandeirante das vilas de Curitiba, Laguna e Desterro. A Coroa fez-se presente desde cedo na localidade e sua gerncia aumentou com atransformaodoRioGrandedeSoPedroemcapitania.74Emparalelo,o povoamento da vila de Rio Grande no dependia de maneira to acentuada do contingentepaulista,contandocomexpressivonmerodemilitaresedecivis oriundos do Rio de Janeiro e da Colnia do Sacramento. A esses se somaram os casaisaorianoschegadosnadcadade1750eumcrescentenmerode comerciantes reinis que se dirigia para a vila na inteno de fazer fortuna com o comrcio de gado e de couros. AinvasoespanholaviladeRioGrande,em1763,trariaenormes consequncias,causandoadebandadadesuapopulaoparaapovoaode Viamo ao norteda capitaniado Rio Grande de So Pedro ou mesmo paraos territriosdocentrodoBrasil.Osoficiascamarrios,semalternativa, refugiaram-setambmemViamodeondeprosseguiramagovernanada repblica dando origem a mais de quarenta anos de anomalia administrativa: a Cmara deslocara-se da sede da vila (agora sob posse espanhola) localizando-seemmerafreguesia.75Nofossesuficiente,ainstituiodemonstrou 73ANRJ.CartadeDomRodrigodeSouzaCoutinhoaoCondedeRezende,9dedezembrode 1796. Cdice 67, volume 21, folha 123. 74ConcomitantwiththefoundingofRioGrande(1737),SantaCatarinawasbroughtunder moredirectroyalcontrol.AspartofageneraladministrativereorganizationofBrazil,both Santa Catarina and Rio Grande were detached from So Paulo and made subcaptaincies of Rio de Janeiro. Desterro became the new capital and the headquarters of a governor, anouvidor, and a fiscal subdivision of the parent captaincy. ALDEN, Dauril, op.cit., p. 72-73. 75Asfreguesiasreferiam-seacircunscrieseclesisticas,ouseja,reaterritorialdelimitada que tem por sede uma igreja matriz onde se registram os batizados, casamentos e bitos. Em frente da matriz havia a praa e a partir de seus ngulos traavam as ruas, com lotes para as histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-172968 verdadeiravocaoitinerantesendonovamentetransferida(juntocomos demaisaparelhosadministrativos),masnoparasualocaooriginal,qual jamaisretornaria.Noanode1773,devidoaconflitosentrefacesdaelite localeentreaCmaraeogovernadordacapitania,o conselhosetrasladaria de Viamoparaa incipiente povoao de Porto Alegre, que ento se tornoua novacapitaldacapitania.AreconquistadaviladeRioGrandepelos portugueses, em 1776, no findou esse confuso cenrio. Ainda que a sede da vilavoltasseao controleluso,aCmaraestavasituadaemoutralocalidade: a concorrnciadosimpriosibricospresenteavaao Rio GrandedeSo Pedroa peculiaridade de possuir uma Cmara deslocada da sede do termo da vila.76 EmViamoePortoAlegreaCmaraaparentementemanteveoperfil socialqueostentouemRioGrande.77Nessesstiosacomposiocamarria mostrou-sebastantediversadomodelodasantigasfamliaspaulistasde Curitiba e de Laguna, apontando para um novo tipo de cidado que se gestava nasegundametadedosculoXVIII,frutodasorientaeseconmicasdo imprioedanovaposturadaCoroaaoprocurarconsolidarsuaposiode centropolticorestringindogradativamenteasautonomiascamaristas.No perodoemqueaCmaraestevearranchadaemViamo(1763-1773),a maioriadosoficiaisquesededicougovernanadarepblicaprovinhade Portugalcontinental;dos27eleitoscujanaturalidadefoiidentificadanesse intervalo somente 3 nasceram na Amrica (1 na Colnia do Sacramento e 2 em RioGrande). Rompia-seatendnciadaCmaracomoumrefgiode conquistadoresoudeprincipaisfamliasdaterra.Nosprimeirosvinteanos da Cmara em Porto Alegre esse dado seria confirmado, pois ao menos 40% do totaldeoficiaiseramoriginriosdoReino,enquantoosamericanos conformavamsomente11,6%.AdespeitodaproximidadecomLagunaeda corrente migratria desta vila para os Campos de Viamo, os lagunenses e seus herdeirosausentaram-sedoconselhosulrio-grandense.Oscamaristaseram migrantes chegados diretamente do Reino, desvinculados dos cdigos paulistas quepermeavamofuncionamentodosdemaisconselhosdosul.78Os casas. FLORES, Moacir. Dicionrio de Histria do Brasil. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 265. Destafunoaglutinadoradafreguesia,refernciacentraldospovoados,ereguladora,para registrodapopulao,conclumosaimportnciaqueadquiriracomosinnimoderecorte administrativo dentro da jurisdio da vila. 76 No obstante as duas mudanas de stio, a Cmara permanecia como referente vila de Rio Grande,aindaqueadenominaodocumentaldirija-seaseulocaldeassentamento,sendo usualmentechamadadeCmaradeViamooudePortoAlegre.Asituaossecorrigiuem 1810,quandoPortoAlegresetornouoficialmentevilaeRioGranderecebeuCmaraprpria. PortoAlegrecompara-seaCuritiba,sendofundadaemdiferentesetapas:acriaoda freguesiaem1772,aelevaocapitaldacapitaniaerecebimentodaCmaraem1773e criao efetiva da vila em 1810. COMISSOLI, Adriano. Os homens bons e a Cmara Municipal de Porto Alegre (1767-1808). Porto Alegre: Grfica da UFRGS, 2008. 77Aperdadoslivrosdoconselhoquandodainvasoespanholade1763impedeumestudo detalhadosobreosprimeirosanosdaCmara,masindicaesesparsasconfirmamcertos nomescomoexercendoofciosantesedepoisdatransferncia,dentreosquaispodemos destacarManuelFernandesVieiraeManuelBentodaRocha,muitoinfluentesnainstituio. Idem, ibidem. 78 KHN, Fbio. Op. Cit., p. 277. COMISSOLI, Adriano, op.cit., p. 66. FBIO KHN; AUGUSTO DA SILVA; ADRIANO COMISSOLI. Trajetrias sociais e prticas polticasnas franjas do Imprio. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-1729 69 curitibanos, por sua vez, eram descendentes de famlias enraizadas na Amrica h muito tempo, um luso-brasileiro de terceira ou quarta gerao.79 AocupaoeconmicadosvereadoresnoRioGrandedeSoPedro tambmdivergiadopadrodanobrezadaterradedicadaprincipalmente propriedaderural.EmViamo,dototalde36oficiais,dispomosdedados ocupacionaispara33sujeitosdosquais19(58%)sededicavamatividade comercial contra 12 estancieiros (36%).80 Em Porto Alegre, entre 1774 e 1794, de 69 oficiais 31,85% estavam ligados ao comrcio, ainda que dividissem essa atividadecomalgumaproduorural.Aquelesquetiveramsuaatividade econmicaidentificadaexclusivamenteaocampoperfazemmeros5,8%.81Em listagemdoselegveisCmaradePortoAlegre,em1814,oscomerciantes eram ainda mais expressivos: 77,8% do total, contra apenas 14,3% dos que se ocupavamdaeconomiaagrria.82Essesdadosassumemumaproporode maiorvultocontrastadosaofatodeseroRioGrandedeSoPedrouma sociedademarcadamenterural,cujamaiorriquezaassentavanacriaode animaisparatransporteeproduodecharque.NaCmara,entretanto,a primazia estava nas mos dos comerciantes, responsveis que eram por fechar ocircuitocomercialdoscriadoresdeanimaiscomosmercadosdocentrodo Brasil, uma funo que assumia vulto como crescimento da economia sul rio-grandense ao final do setecentos.83 ACmaratrasladadadeRioGrandedesenhavaumnovoperfilde oficial, mais apropriado ao sculo XVIII e que rompia com o modelo tradicional dasprincipaisfamliasdaterra.Oportugusmigranteecomercianteerao camaristadoextremosul,emconsonnciacomostemposemquevivia.Nas cidades do Rio de Janeiro e do Recife, ambas muito mais ao norte, a primazia doscomerciantesnaturaisdoReinotambmseconsolidavanosculoXVIIIe incio do sculo XIX. O antigo conquistador armado e realizador de bravos feitos em nome de seu rei via-se suplantado pelos mercadores lusitanos em Cmaras do norte e do sul da Amrica portuguesa. As redes de relaes que permitiam o fluxoconstantedemigranteslusitanosparaoextremosuldoBrasil possibilitava-lhesaindaaacolhidanacomunidademercantil,ainseronesse ramodeatividadee,posteriormente,oingressonainstituiocamarria.84E nesse cenrio saam fortalecidos os governadores nomeados pelo rei, visto que passavam a tutelar e suplantar as autonomias locais. ACmaradoRioGrandedeSoPedropercebiasuaautonomiamuito mais delimitada pela Coroa doque Curitibaou Laguna tiveram at meados do XVIII.Na passagem da dcada de 1770 para a de 1780, o conselho deixou de se envolver em assuntos de escopo monrquico para restringir sua atuao ao 79 PEREIRA, Magnus Roberto de Mello; SANTOS, Antnio Cesar de Almeida. Op. Cit., p. 28. 80 KHN, Fbio, op.cit., p. 279. 81Contudopermanecessemdesconhecidasasocupaesdamaioriadosvereadores,cercade 60%. COMISSOLI, Adriano. Op. Cit., p. 68. 82OSRIO,Helen.Estancieiros,LavradoreseComerciantesnaConstituiodaEstremadura PortuguesanaAmrica:RioGrandedeSoPedro,17371822.Niteri:TesedeDoutorado, PPG em Histria da Universidade Federal Fluminense, 1999, p. 255, nota 15. 83 Ibidem. Cap. 9; HAMEISTER, Martha Daisson, op.cit., p. 234-235. 84 COMISSOLI, Adriano, op.cit., p. 73. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-172970 planolocal.85Contudo,astrspossuamumacondiocomum,emtodosos casos havia sido assinalada para esses conselhos uma jurisdio de propores imensasque,naprtica,dificilmentepoderiaseratendida.EmPortugal continental a rea dos municpios variava bastante indo de mdias de 49 km, no Minho, a 333,3 km, no Algarve, em princpios do sculo XIX,enquanto as distncias nas franjas da monarquia lusitana mostravam-se muito superiores.86 Curitiba,quandocriada,confrontavaaonortecomSorocabaealestecoma viladeParanagu,tendoaoesteeaosulumlimiteindefinido.Defato,o alcancedavilaseriatoamploquantooavanodapovoaopermitisse.87 Lagunaherdariaessaindefinioemdireoaosulsendoresponsvelpelas justias de todo Continente de So Pedro at a criao da vila deRio Grande, em 1747, uma rea de milhares de quilmetros quadrados. Rio Grande, em sua cartadecriao,teveassinaladoseutermocomo confrontandotantoLaguna, pelolitoral,quantoCuritiba,peloserto,umadistnciadecercademil quilmetros entre as sedes das duas vilas.88 A criao na regio do planalto catarinense da vila de Lages (1766), por ordemdoGovernadordeSoPaulo,DomLusAntoniodeSouzaBotelho Mouro,o MorgadodeMateus,visavaotimizaraadministrao localpormeio dofracionamentodessaamplarea,masterminouporsuscitaraindignao doscamaristasdeViamo.Suaqueixareferia-seperdaderendimentosque seguiriaadiminuioterritorialepopulacional, oqueindicaque,apesarda distncia,existiaalgumgraudecontrolesobreoplanalto,apesardeelese configurar por povoaes pouco expressivas.89 AsCmaraslitorneaspossuamreasmenores,vistoqueadistncia entreLagunaeDesterroedestaatSoFranciscoeradecercadeuma centenaouduasdequilmetros.Ademais,adelimitaodoplanaltocomo pertencendo s jurisdies de Curitiba, RioGrande e, mais tarde, Lages indica queastrsvilaslitorneasnocontrolavamaserra,apesardaproximidade espacial, limitando-se ao controle imediato nas terras entre o mar e as encostas dos montes. A jurisdio catarinense aproximava-se da configurao da vila de Santos na capitania de So Paulo, restrita ao litoral. A criao de uma vila de mesmo nome na baa de Garatuba (entre a de Paranagu e a de So Francisco do Sul) visou ao preenchimento administrativo dasregiesocupadasporluso-brasileiros,comoocorreranoplanalto.Anova vila era tambm criada por ordem do Morgado de Mateus, que executava uma polticadeaumentodamalhaadministrativalocalnosterritriosporele governados.ComonocasodeLages,osurgimentodenovavilapor consequentedesmembramentodajurisdiodeoutramaisantigasuscitou insatisfao,dessavezdoscamaristasdeSoFranciscodoSul,que contestavamajurisdiodeSoPaulonaregio.Guaratuba,aocontrriode 85 Idem. 86 MONTEIRO, Nuno Gonalo, op.cit., p.. 306. 87 PEREIRA, Magnus Roberto de Mello; SANTOS, Antnio Cesar de Almeida, op.cit., p. 28. 88 ANRJ.Proviso mandando criar a vila do Rio Grande, 17 de julhode 1747, cdice 952,vol. 34, fl. 17. 89Termodevereanade1dejaneirode1767,in.BoletimMunicipal,vol. III,n.7,jan./abr. 1941, p.69-71. FBIO KHN; AUGUSTO DA SILVA; ADRIANO COMISSOLI. Trajetrias sociais e prticas polticasnas franjas do Imprio. histria, histrias. Braslia, vol. 1, n. 1, 2013.ISSN 2318-1729 71 outras, teve sua fundao e ereo toda guiada sob a batuta do governador de SoPaulo.Aintenodepovoarostioemquestomanifestara-seem1765 por meio de cartadoprprio Botelho Mouro ea povoao j seria elevada vilaem1771.Ajustificativaparaoseuestabelecimentofundava-seemdois critrios: a posio estratgica de porto fluvial e a proximidade com as Minas do Ouro.Assistia-seagoraaumnovopadrodeinstituiodospodereslocais, uma vez que o poder central tutelava por meio de um de seus agentes todo o processodepovoamento,deestabelecimentoespacialedeordenamento jurdico visando no apenas incorporar vilarejos dispersos ao complexo imperial, mas regrar novas povoaes de acordo com seus interesses.90 Em contraste ao crescimentonumricodasvilaspaulistasnasegundametadedosculoXVIII, percebe-se ainda que as capitanias de Santa Catarina e do Rio Grande de So Pedro (que se reportavam ao Rio de Janeiro) no receberam novas vilas at o sculoXIX.Dessaforma,enquantooMorgadodeMateusmultiplicavaesses palcos polticos, os vice-reis Marqus do Lavradio, Lus de Vasconcelos e Souza eCondedeResendenoatuaramnomesmosentidosobreareamais contestadadasterrasdisputadas,o queacusaagrandeincertezaquepairava sobre o destino da regio. 90 DERNTL, Maria Fernanda. Uma vila ao servio rgio: a criao de Guaratuba, na capitania de SoPaulo,soboMorgadodeMateus.AnaisdoXXIVSimpsioNacionaldeHistria.So Leopoldo: Unisinos, 2007, p. 3-4.