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TRANSFORMAÇÕES DAS LINHAS DO MOVIMENTO NA
DANÇA
Iris Brasil CPPII – Colégio Pedro II – Departamento de Desenho e Artes Visuais
Resumo
Este artigo expõe alguns aspectos do movimento na dança de acordo com um olhar que percebe no desempenho corporal do bailarino, configurações definidas pelos percursos de pontos que se movimentam, nos diferentes planos do espaço cenográfico, segundo as Transformações Pontuais. Para tal, partes do corpo são associadas a pontos e o próprio corpo é tomado como uma unidade pontual que se desloca no plano do palco. Esse modo de observação apoia-se nos estudos de Rudolf Laban, e reconhece nas suas escalas de movimento, construções do ponto que se inscrevem no espaço do corpo, sua esfera pessoal, e no espaço ao redor, o espaço da cena. Nessa perspectiva, pontos, dotados de energia, transformam-se continuamente. No seu dinamismo, não apenas geram provisórias configurações, como também transportando consigo qualidades que Laban associa a direções do espaço, percorrem trajetos agregando diferentes valores expressivos às linhas do movimento na dança e, consequentemente, ao corpo. Palavras-chave: Dança; Transformações Pontuais; Sistema Laban de Movimento.
Abstract
This article exposes some of the aspects in dance movements, according to the point of view that perceives, on the body movements of a dancer, configurations defined by traces of points that move in different planes in the scenographic space, according to Geometric Transformations. In order to do so, parts of the body are associated to points and the body itself is taken as a moving figure in the space of a stage. This observation is supported by the studies of Rudolf Laban, and recognizes in its scales of movement, geometric constructions inscribed in the space of a body, its personal sphere, and the surrounding space, the scenographic space. In this perspective, moving points are continually transformed. In their dynamics, they not only generate momentary configurations, as they also transport the qualities which Laban associates to directions of space, trace lines adding different expressive values to lines of dance movements and, consequently, to the body.
Key words: Dance; Geometric Transformations; Laban System of Movement.
1 Configurações do Ponto em Movimento
O movimento do corpo na dança é abordado nesse trabalho como transformação.
Essa é uma palavra-chave. Para tal, considera-se que os movimentos, as
transformações, eventos que ocorrem no espaço/tempo se dão num espaço pontual,
homogêneo, isotrópico, onde potencialmente todos eles podem iniciar um
deslocamento. Ou ainda, na perspectiva de não haver nem início nem final do
movimento dançado, esses pontos inserem-se em qualquer uma das suas infinitas
linhas. No espaço assim concebido, também os corpos são constituídos por pontos,
suas partes ao se moverem desenham formas no espaço e também tomados como
unidades pontuais, riscam no plano do palco linhas estruturantes da composição
coreográfica. Destaca-se aqui um olhar, um modo particular de observar os
movimentos na dança, exemplificado na descrição a seguir:
Mariana Souza, bailarina da Esther Weitzman Companhia de Dança, ao interpretar a obra Presenças no tempo
1, movimenta-se na periferia
do plano do palco, em torno de seu centro. Pode-se ver a marca no chão desse giro em velocidade constante, seu rastro, linha curva de espessura irregular que se intensifica a cada volta sua. Num dado momento ela se detém e, na sua paragem, é visível em seu corpo o movimento realizado anteriormente e que ainda permanece. Afinal, sua geometria continua presente e a qualquer instante ela pode retomá-lo ou buscar outras direções. Partes de seu corpo ao movimentar-se também definem no espaço diversas configurações. (BRASIL, 2010, p. 22)
De acordo com esse ponto de vista, considera-se o fluxo do movimento corporal
como resultado do dinamismo do ponto, o qual permite destacar do espaço pontual
homogêneo, formas geométricas, na medida em que aciona e arrasta outros pontos
gerando formas que se transformam em outras. Nessas configurações vêem-se
pontos percorrendo o corpo da bailarina construindo linhas e conectando formas,
transformando continuamente o espaço do corpo e o espaço cênico.
Esse modo de ver os movimentos corporais apoia-se nas propostas de Rudolf
Laban (1879-1958), artista e teórico da dança, que realizou pesquisas nessa direção
criando um sistema conhecido como Sistema Laban de Movimento. Ao refletir sobre a
construção do movimento no corpo e no espaço, ele considerava que:
podemos descrever o ponto exato no qual um movimento começa; da mesma maneira, podemos definir o ponto ao qual conduz um
1 Coreografia de Esther Weitzman, com Beatriz Peixoto, Carla Reichelt, Tony Hewerton e Mariana Souza.
Estreou no Centro Coreográfico do Rio de Janeiro, em 10 de setembro de 2009. Mais informações em: <www.estherweitzman.com> Acesso em: 08/04/2011.
movimento ou aonde chega. A união desses dois pontos é a “trajetória” pela qual se desloca o movimento. (LABAN, 1990, p. 85).
Percebe-se que a trajetória à qual Laban se refere pode ser identificada nos
percursos de pontos de operações conhecidas como Transformações Pontuais.
Nessas operações, os pontos ao se movimentarem no plano, segundo linhas retas,
curvas e suas combinações, deixam traçados nessa superfície. O caráter dinâmico
dessas transformações que se quer destacar nesse trabalho pode ser verificado pelo
uso de programas gráficos computacionais, onde pontos podem ser manipulados com
auxílio da ferramenta rastro e traçar no seu deslocamento, linhas na tela do
computador (RODRIGUES, 2000).
Observando essas configurações, constata-se que os pontos e os seus percursos
podem ser transpostos para o movimento dos bailarinos, conduzindo dessa forma o
reconhecimento de alguns elementos identificadores do movimento na dança, a partir
de uma visão geométrica do espaço cênico e do espaço do corpo.
O estudo das transformações de pontos no plano pode ser realizado a partir de
operações geométricas conhecidas como reflexão, meio-giro, rotação, translação,
homotetia e de suas combinações. Na figura 1, são apresentados cinco tipos de
transformação pontual. Em todos eles, há sempre uma figura básica denominada
conjunto de saída da aplicação, e sua transformada, ou conjunto de chegada da
aplicação. Cada uma dessas transformações obedece a leis e propriedades
determinadas, de maneira que os resultados são característicos de cada operação.
Em todas as transformações são estabelecidas correspondências entre pares de
pontos do plano, onde um é o transformado do outro, a exemplo da reflexão (Fig. 1).
Dessa forma, justifica-se o emprego desse instrumental na observação dos
movimentos na dança, pois, como o plano é formado por infinitas retas, segundo a
geometria das transformações, cada uma delas como no caso da reflexão,
A'A B
D
E
B'
D'
E'
C=C' A B
C
D
E
A'B'
C'
D'
E'
A"
B"
C"
D" E"
A B
C
D
E
A'B'
C'
D'
E'
A"B"
C"
D"
E"
A B
C
D
E
A'B'
C'
D'
E'
A" B"
C"
D"
E"
Ovetor
h
p
h
h
p
p
h
=
O
(2)
(3)
(1)
s
Figura 1: Tipos de Transformação Pontual
Fonte: desenho da autora
Fonte: desenho da autora
Reflexão
individualizando uma operação, há infinitas reflexões numa superfície ou plano. Nessa
perspectiva, considerando planos sucessivos, planos entrecortando-se ocupando e
constituindo o espaço; reflexões, rotações, meio-giros, homotetias e translações
multiplicam-se ao infinito, assim como os gestos na dança que se prolongam para
além dos limites da cena.
2 Conceitos Geométricos Estruturando o Movimento do Corpo no Espaço
A fim de entender melhor a articulação da Teoria das Transformações Pontuais com
as ideias de Rudolf Laban e como tais processos de transformação do ponto podem
se aproximar do movimento corporal serão apresentados alguns dados que
conformam seu complexo sistema.
As pesquisas de Laban foram organizadas em duas áreas: a Eucinética, que trata
dos aspectos qualitativos do movimento e suas dinâmicas, e a Corêutica, que estuda
as formas espaciais, o modo como os movimentos se organizam espacialmente,
assunto relevante para a abordagem que se quer dar neste trabalho ao movimento na
dança.2 Nesta última área, o autor descreve e distingue dois espaços: o espaço
pessoal, ou cinesfera, e o espaço geral. O espaço pessoal é definido pelos
movimentos de braços e pernas em extensão máxima, e ainda segundo Laban, é o
espaço circunscrito por uma superfície esférica (Fig. 2). Já o espaço geral está além e
ao redor dessa esfera, e pode ser modificado por ela quando o corpo avança e ocupa
outras posições (LABAN, 1990, p 85).
Laban, ao conceber seu sistema de movimento, faz uma analogia entre o corpo
humano e os corpos geométricos, pois, segundo ele, os movimentos daquele têm a
possibilidade de construir no espaço, poliedros platônicos que são corpos geométricos
regulares. Somente cinco poliedros apresentam regularidade em sua conformação, e,
classificados de acordo com o número de faces recebem os nomes de tetraedro,
hexaedro, octaedro, dodecaedro e icosaedro. Ficaram conhecidos como poliedros de
Platão porque esse filósofo os estudou, referindo-se a eles em sua obra Timeu, onde
associou cada um deles a um elemento da natureza: tetraedro - fogo, hexaedro - terra,
octaedro - ar e icosaedro - água, sendo o dodecaedro representativo do universo
como um todo.
Baseando-se nas ideias de Platão, quanto à perfeição das formas dos sólidos
geométricos, Laban organizou percursos a serem seguidos pelos movimentos do
corpo, explorando no espaço os elementos de poliedros platônicos imaginários.
2 Para exposições mais detalhadas ver FERNANDES, Ciane. O Corpo em Movimento: O Sistema
Laban/Bartenieff na Formação e Pesquisa em Artes Cênicas. 2ª edição. São Paulo: Annablume, 2006; NEWLOV, Jean, DALBY, John. Laban for all. New York: Taylor & Francis Group, 2007.
Figura 3: Laban com um modelo de poliedro regular estrelado. Fonte:
<http://www.google.com.br/images>
Figura 4: Poliedros
regulares inscritos
Fonte:<pt.wikipedia.org/
wiki/Sólidoplatónico>.
Figura 2: Esfera Pessoal
Fonte: NEWLOV, Jean,
DALBY, John. Laban for all.
New York: Taylor & Francis
Group, 2007.
Seguindo esses percursos, as chamadas escalas de movimento, baseadas nas
escalas musicais, Laban propunha que o indivíduo experimentasse com o corpo os
princípios da harmonia espacial. Na figura 3, ele pode ser visto com um de seus
modelos.
É importante destacar que, devido às suas propriedades geométricas, todos os
poliedros regulares se inscrevem na esfera. Há também relações entre esses sólidos
que permitem, por exemplo, a inscrição de um poliedro no outro. Examinando a figura
4, pode-se ver um se inscrevendo em outro segundo relações envolvendo razões
áureas entre quatro desses poliedros, como destaca Jean Newlove: “As formas
poliedrais embutem-se uma dentro da outra como bonecas russas” (NEWLOVE apud
RENGEL, 2003, p. 95). Observando os esquemas que Laban utiliza, pode-se perceber
que ele explora essas relações quando reconhece circuitos formados pelos
movimentos de partes do corpo que passam pelos vértices desses diferentes sólidos,
que nada mais são do que pontos do espaço. No hexaedro identifica linhas que
estabelecem relações com os elementos desse poliedro: suas faces, arestas e
vértices. Laban as denomina de direções dimensionais, direções diagonais e direções
diametrais.
Em relação à primeira dessas linhas, a orientação do corpo é dada pelas direções
que irradiam do centro da esfera de movimento, onde se encontra a interseção das
retas que marcam as três dimensões do espaço: largura, profundidade e altura. Laban
as identifica no interior do hexaedro: “A cruz tridimensional pode localizar-se num cubo
imaginário dentro da própria esfera pessoal, onde seu centro coincide com os do cubo
do corpo.” (LABAN, 1990, p. 86). No corpo humano, esse centro é localizado na região
do quadril, no centro da pélvis, abaixo do umbigo, ponto fundamental dentro do seu
sistema. As linhas estruturais que estão sempre referenciadas a esse centro do corpo
coincidem com o centro de poliedros regulares (Fig. 5). No primeiro exemplo, três
Figura 8: Escala Dimensional. Fonte: NEWLOV, Jean, DALBY, John. Laban for all. New York: Taylor & Francis Group, 2007.
A - alto → subir → b - baixo → descer → e - esquerda → cruzar
d - direita → abrir → a - atrás → recuar → f - frente → avançar
dessas linhas, as direções dimensionais, cada uma delas com dois sentidos opostos,
podem ser obtidas ligando os pontos centrais de faces paralelas do cubo (Fig. 6).
O movimento iniciado no centro desse poliedro, em correspondência com o centro
do corpo pode avançar para seis pontos do espaço e a ele retornar. Se não passar
pelo centro do corpo, mas unir os pontos perifericamente, suas linhas construirão no
espaço o octaedro regular (Fig. 7).
No entanto, se forem executados de modo contínuo e na ordem A, b, e, d, a, f,
constituirão a escala dimensional. Quando essas direções são exploradas, seis ações
diferentes se associam a elas (Fig. 6 e 8).
Já o movimento que liga os oito pontos extremos das quatro diagonais internas do
hexaedro pode traçar no espaço as arestas desse sólido. A esse respeito Laban
comenta que “[...] entre as várias dimensões correm linhas oblíquas até os cantos do
cubo. Nós as denominamos de direções diagonais.” (LABAN, 1990, p. 86). Esses
movimentos, como qualquer outro, podem ser realizados com o lado esquerdo ou
Figura 5: Corpo no interior do hexaedro
cA
b
pae
Figura 7: Octaedro regular
Figura 6: Linhas Dimensionais do
hexaedro
Ae
AdaA
fA
dma
dmf
ema
emf
ab
fbbe
bd
c
A
b
f
ad e
Figura 9: Escala Diagonal
c
A
b
pa
pfe d
AdAe
Apf
Apa
epfepa
dpf
dpa
bpf
bpabd
be
Aea
Aef
bea
bef
Adf
Ada
bda
bdf
A
b
e d
Ae Ad
be bd
AApf
Apa
bbpa
bpf
pa
pfpf
pa
ed
epa
epf dpf
dpa
Ae
AdaA
fA
dma
dmf
ema
emf
ab
fbbe
bd
c
A
b
f
ad e c
A
b
pa
pfe d
AdAe
Apf
Apa
epfepa
dpf
dpa
bpf
bpabd
be
Ad-pf
Ad-pa
bd-pfbd-pa
Ae-paAe-pf
be-pfbe-pa
A
b
e d
Ae Ad
be bd
AApf
Apa
bbpa
bpf
pa
pfpf
pa
ed
epa
epf dpf
dpa
Figura 11: Vinte e sete posições do ponto
direito do corpo. Se forem realizados numa sequência ordenada, formarão a escala
diagonal. De modo contínuo, exploram os vértices altos e baixos seguindo as quatro
linhas internas do cubo, ou seja, as quatro direções em ambos os sentidos (Fig. 9).
Além das direções dimensionais e diagonais há um terceiro conjunto de linhas
que, passando pelo centro do cubo, ligam pontos médios de suas arestas paralelas,
como a linha Ae bd destacada na figura 10. Laban as denominou direções diametrais.
Duas a duas, particularizam planos paralelos às faces do cubo: por exemplo, os
pontos Ae bd e Ad be, formam o plano vertical, em vermelho. Os demais são os
planos horizontal e sagital (Fig. 10). Laban nomeou o plano vertical de plano da porta,
o horizontal de plano da mesa e o sagital de plano da roda, que serão mostrados mais
adiante.
No conjunto, as três direções dimensionais, em vermelho, as quatro diagonais, em
azul, assim como as seis direções diametrais, em verde (Fig. 11), considerando seus
dois sentidos, definem vinte e seis pontos no espaço, todos eles relacionados aos
elementos do hexaedro: o centro de suas faces, na primeira, seus vértices, na
segunda e os pontos médios de suas arestas, na terceira. Somados ao ponto central,
ponto comum a todas elas, resultam vinte e sete posições potenciais, início e fim dos
circuitos do movimento (Fig. 11). Como já visto, os extremos dessas linhas são
respectivamente os vértices do octaedro, do hexaedro, e, no caso das diametrais, os
vértices das representações dos planos vertical, horizontal e sagital.
Figura 10: Linhas Diametrais
Ad
Ae
Apf
Apa
epf
epa
dpf
dpa
bpf
bpa
bpdbpe
Quando ele define esses planos, busca uma orientação, um mapeamento do
espaço, de modo a inserir nessa estrutura as possíveis manifestações do movimento
corporal. Sua arquitetura do movimento pressupõe setores, pavimentos que se
conformam segundo seus usos e destinação, como edificações de moradia. O corpo
tem nela o seu referencial e, em contrapartida, a constrói permanentemente. As
tensões e compensações de força que se equilibram dinamicamente no corpo
transformam todo o espaço remodelando-o constantemente.
É importante salientar que a exploração dessas direções também varia em função
da extensão do movimento, na medida em que se aproxima ou se afasta do centro do
corpo. A esfera de movimento pode diminuir ou manter-se no seu tamanho normal.
Uma forma muito concentrada é criada no momento em que o corpo se agacha e os
braços se dirigem para o seu centro. A esse respeito, diz Laban:
Os movimentos em todas as direções podem ser executados com diferentes extensões normais, quando as direções implicadas no movimento estão ao alcance direto das partes ativas do corpo; baixos ou encolhidos quando a extensão não chega à metade da normal; amplos ou estendidos quando a pessoa se estica exageradamente. (LABAN, 1990, p. 93).
Essas linhas são vetores que irradiam do centro do corpo e lançam no espaço os
pontos em diferentes direções. De acordo com as Transformações Pontuais, os pontos
concentrados nesse centro descrevem movimentos de expansão no espaço, segundo
as orientações vetoriais, ou, caso sigam o sentido contrário, voltam a se reunir em
movimentos de contração. Laban afirma que os movimentos originados na periferia do
espaço – superfície esférica – trazendo e condensando os pontos na direção do centro
do corpo, e os que em sentidos contrários fluem para fora, são fundamentados pelas
duas formas principais de ação: as ações de recolher e as ações de espalhar (LABAN,
1978, p. 133 e 134).
No modelo proposto por Rudolf Laban, três planos se intersectam ortogonalmente
e definem oito porções do espaço. Para conceber cada uma das três superfícies que
configura seu esquema, o plano da porta, da mesa e da roda, Laban considerou duas
direções perpendiculares, representando cada uma delas uma tensão primordial, a
direção dominante, e uma tensão secundária. As dominantes dos três planos estão
relacionadas às dimensões do espaço, altura, largura e profundidade. A altura, com
seu sentido ascendente ou descendente A↔b, representa a direção dominante do
plano vertical ou plano da porta (Fig. 12 A). Nele ficam evidenciadas as propriedades
de simetria do corpo humano e a habilidade de movimentos laterais da coluna
vertebral. Essa superfície divide o espaço estabelecendo os referenciais à frente ou
atrás (Fig. 13).
Figura 13: O movimento do corpo relacionado aos três planos. Fonte: NEWLOV, Jean, DALBY, John. Laban for all. New York: Taylor & Francis Group, 2007.
Figura 12 A: Plano vertical ou plano da porta
30
3
1
c
c
A
b
pa
pfe d
AdAe
Apf
Apa
epfepa
dpf
dpa
bpf
bpabd
be
Ad-pf
Ad-pa
bd-pfbd-pa
Ae-paAe-pf
be-pfbe-pa
A
b
e d
Ae Ad
be bd
AApf
Apa
bbpa
bpf
pa
pfpf
pa
ed
epa
epf dpf
dpaAd, be – alto direita ↔ baixo esquerda Ae, bd – alto esquerda ↔ baixo direita
A ↔b – tensão primordial vertical e↔d – tensão secundária lateral
Figura 12 B: Plano horizontal ou plano da mesa
dmf, ema – direita média frente ↔ esquerda média atrás emf, dma – esquerda média frente ↔ direita média atrás
c
A
b
a
fe d
AdAefA
aA
emf
ema
dmf
dma
fb
abbd
be
AeaAef
bea
bef
Adf
Ada
bdabdf
A
b
e d
Ae Ad
be bd
A fA
aA
bab
fb
a
ff
a
ed
ema
emf dmf
dma
30
3
1
c
e↔d – tensão primordial lateral f↔a – tensão secundária sagital
Figura 12 C: Plano sagital ou plano da roda
c
A
b
a
fe d
AdAefA
aA
emf
ema
dmf
dma
fb
abbd
be
AeaAef
bea
bef
Adf
Ada
bdabdf
A
b
e d
Ae Ad
be bd
A fA
aA
bab
fb
a
ff
a
ed
ema
emf dmf
dma
30
3
1
c
fA, ab – frente alto ↔ atrás baixo aA, fb – atrás alto ↔ frente baixo
a ↔f – tensão primordial sagital A ↔b – tensão secundária vertical
No plano horizontal, ou plano da mesa, os movimentos executados pelo corpo
privilegiam a dimensão largura e↔d, onde são destacadas as ações de abrir e fechar
e de torção da coluna vertebral. Define regiões do espaço acima ou abaixo dele (Fig.
12B e 13). Já os movimentos que fazem o corpo avançar ou recuar, para frente ou
para trás envolvendo também a coluna, ou seja, relacionados à dimensão
profundidade a↔f, marcam a direção dominante do plano sagital ou plano da roda.
Essa superfície é a fronteira que separa o espaço à direita ou à esquerda (Fig. 12 C e
13).
As oito regiões do espaço pessoal definidas pelo modelo adotado por Laban são
mais facilmente exploradas pelas partes do corpo que se encontram ali posicionadas,
ou seja, no interior da cinesfera, existem zonas habituais de movimento onde partes
do corpo desempenham com mais naturalidade seus movimentos. No entanto,
segundo ele, embora dentro das limitações naturais do corpo humano e das
particularidades de cada corpo, é aconselhável que o indivíduo procure sempre novas
maneiras de explorar sua cinesfera na totalidade acessando diversos pontos no
espaço de modo a ampliar sua capacidade de expressão. Mesmo porque, Laban
agregava a esse seu esquema todo um arcabouço teórico associando qualidades
expressivas às linhas descritas anteriormente, assunto que não será aprofundado
nesse artigo.3
Os planos que ele utilizou para montar um modelo que auxiliasse a organização
das ações do corpo são superfícies nas quais os pontos se movimentam, se
transformam, segundo as diferentes aplicações das Transformações Pontuais citadas
anteriormente. Nessas transformações, as linhas que os pontos desenham ao se
movimentarem pertencem, além desses, a muitos outros planos do espaço, pois
traçam, na sua mudança de posição, diferentes direções. Embora se saiba que os
movimentos do corpo na dança não se restrinjam à deslocamentos em planos, as
linhas resultantes de trajetos de pontos, quando combinadas, definem superfícies
bidimensionais ou curvas que envolvem porções do espaço.
Quando a esfera pessoal é explorada, modelando objetos tridimensionais, como
os poliedros, os movimentos realizados nessa construção são denominados
movimentos tridimensionais. As ações corporais que percorrem os doze pontos,
vértices das representações dos três planos, da porta, da mesa e da roda, têm a
possibilidade de conformarem o poliedro regular com o maior número de faces, o
icosaedro que, dentre os cinco sólidos de Platão, é o que mais se aproxima da esfera
(Fig. 14).
3 Para mais informações a esse respeito consultar: LABAN, Rudolf. O Domínio do Movimento. São Paulo:
Summus, 1978. 268 p.
Figura 14: Bailarina explorando pontos do icosaedro
7 4
2 11
1 10
3
12 9
6
8 5
Figura 15: Escala A
Em outras escalas, além das dimensionais, diagonais e diametrais, o corpo
também pode percorrer caminhos que envolvem pontos desses planos. As demais
escalas que Laban organizou foram as escalas A, escala B, escala axial e circular,
escala primária, além das escalas pessoais, definidas pelos movimentos particulares
de cada corpo.4 Na escala A – lado direito - os pontos são ligados na ordem numérica
apresentada no modelo (Fig. 15).
Como já mencionado, o centro do corpo é o ponto comum a todos os planos que
se formam com a movimentação dos conjuntos de pontos, levando em conta as
operações das Transformações Pontuais. Nessa perspectiva, inúmeras superfícies se
conformam independentes de passarem ou não por esse ponto central, de se
constituírem como faces de sólidos platônicos, como concebeu Laban, ou mesmo
faces de corpos geométricos irregulares. As diversas partes do corpo, como unidades
pontuais cumprem trajetórias no espaço pessoal ao unir dois, três, quatro ou mais
pontos, construindo retas, linhas poligonais abertas ou fechadas, formando polígonos,
ou descrevendo linhas levemente curvas quando passam pelo centro, deixando em
seu rastro o valor da expressão de cada gesto, de cada mudança de posição do corpo
no espaço. No seu deslocamento também pode avançar no espaço geral e ao levar
consigo sua esfera pessoal estabelecer com este, novas relações.
3 Conclusão
Esse trabalho não teve como objetivo reduzir a dança a traçados puramente
geométricos, sabe-se que há outras dimensões que devem ser consideradas na arte
do movimento, na qual o corpo é seu principal meio de expressão. Mas destacar que,
4 Para exposições mais detalhadas ver FERNANDES, Ciane. O Corpo em Movimento: O Sistema
Laban/Bartenieff na Formação e Pesquisa em Artes Cênicas. 2ª edição. São Paulo: Annablume, 2006; NEWLOV, Jean, DALBY, John. Laban for all. New York: Taylor & Francis Group, 2007.
nas configurações que são visualizadas no momento da dança, traçados que se
transformam continuamente, pode ser reconhecida a geometria das Transformações
Pontuais. Nas sequências descritas por Rudolf Laban, ela é facilmente identificada,
seja por meio da construção de direções vetoriais, relações de proporcionalidade ou
concordância de diferentes linhas que o ponto descreve em seu deslocamento,
quando liga pontos do espaço. Entretanto, correspondências de pontos no espaço
ocorrem não só nas sequências propostas por Laban, mas em todas as construções
produzidas pelos diversos pontos, nos corpos e nos espaços. É o modo de ver, de
observar o movimento, que favorece o estabelecimento dessas associações.
Portanto, se o que se defende é que transformação é uma palavra-chave para
esse olhar, o ponto é quem protagoniza essa ação, é quem promove, torna possível a
transformação. Constata-se também que sua ação não se restringe à construção de
linhas que se dissolvem, que se refazem, mas que, permanentemente criando vias de
conexão e estabelecendo correspondências, em alguma medida imprime marcas no
corpo que dança caracterizando sua maneira de se expressar. Seus rastros
conformam inúmeros caminhos e registram em cada corpo um modo particular de
movimento. Constroem corpos na sua singularidade.
Referências
BRASIL, Iris. Corpo Mosaico: Transformações Espaço-Temporais na Dança. Niterói, 2010. 162 p. Dissertação (Mestrado em Ciência da Arte) – Instituto de Artes e Comunicação Social – Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói, 2010. Disponível em: <www.uff.br/cienciadaarte/>Acesso em 08/04/2011. FERNANDES, Ciane. O Corpo em Movimento: O Sistema Laban/Bartenieff na Formação e Pesquisa em Artes Cênicas. 2ª edição. São Paulo: Annablume, 2006. LABAN, Rudolf. O Domínio do Movimento. São Paulo: Summus, 1978. _____________. Dança Moderna Educativa. São Paulo: Ícone, 1990. NEWLOV, Jean, DALBY, John. Laban for all. New York: Taylor & Francis Group, 2007. RENGEL, Lenira. Dicionário Laban. São Paulo: Annablume, 2003. RODRIGUES, Maria Helena W. L., RODRIGUES, Daniel W. L. “Transpontuais”: uma alternativa dinâmica para o estudo interdisciplinar de conceitos geométricos. In: Educação Gráfica – vol. 4 – 2000. p. 51-60. WEITZMAN, Esther. Esther Weitzman Companhia de Dança. Disponível em: <www.estherweitzman.com> Acesso em: 08/04/2011.