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TRANSFORMAÇÕES DAS LINHAS DO MOVIMENTO NA DANÇA Iris Brasil CPPII Colégio Pedro II Departamento de Desenho e Artes Visuais [email protected] Resumo Este artigo expõe alguns aspectos do movimento na dança de acordo com um olhar que percebe no desempenho corporal do bailarino, configurações definidas pelos percursos de pontos que se movimentam, nos diferentes planos do espaço cenográfico, segundo as Transformações Pontuais. Para tal, partes do corpo são associadas a pontos e o próprio corpo é tomado como uma unidade pontual que se desloca no plano do palco. Esse modo de observação apoia-se nos estudos de Rudolf Laban, e reconhece nas suas escalas de movimento, construções do ponto que se inscrevem no espaço do corpo, sua esfera pessoal, e no espaço ao redor, o espaço da cena. Nessa perspectiva, pontos, dotados de energia, transformam-se continuamente. No seu dinamismo, não apenas geram provisórias configurações, como também transportando consigo qualidades que Laban associa a direções do espaço, percorrem trajetos agregando diferentes valores expressivos às linhas do movimento na dança e, consequentemente, ao corpo. Palavras-chave: Dança; Transformações Pontuais; Sistema Laban de Movimento. Abstract This article exposes some of the aspects in dance movements, according to the point of view that perceives, on the body movements of a dancer, configurations defined by traces of points that move in different planes in the scenographic space, according to Geometric Transformations. In order to do so, parts of the body are associated to points and the body itself is taken as a moving figure in the space of a stage. This observation is supported by the studies of Rudolf Laban, and recognizes in its scales of movement, geometric constructions inscribed in the space of a body, its personal sphere, and the surrounding space, the scenographic space. In this perspective, moving points are continually transformed. In their dynamics, they not only generate momentary configurations, as they also transport the qualities which Laban associates to directions of space, trace lines adding different expressive values to lines of dance movements and, consequently, to the body.

TRANSFORMAÇÕES DAS LINHAS DO MOVIMENTO NA DANÇA · homotetia e de suas combinações. Na figura 1, são apresentados cinco tipos de transformação pontual. Em todos eles, há

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Page 1: TRANSFORMAÇÕES DAS LINHAS DO MOVIMENTO NA DANÇA · homotetia e de suas combinações. Na figura 1, são apresentados cinco tipos de transformação pontual. Em todos eles, há

TRANSFORMAÇÕES DAS LINHAS DO MOVIMENTO NA

DANÇA

Iris Brasil CPPII – Colégio Pedro II – Departamento de Desenho e Artes Visuais

[email protected]

Resumo

Este artigo expõe alguns aspectos do movimento na dança de acordo com um olhar que percebe no desempenho corporal do bailarino, configurações definidas pelos percursos de pontos que se movimentam, nos diferentes planos do espaço cenográfico, segundo as Transformações Pontuais. Para tal, partes do corpo são associadas a pontos e o próprio corpo é tomado como uma unidade pontual que se desloca no plano do palco. Esse modo de observação apoia-se nos estudos de Rudolf Laban, e reconhece nas suas escalas de movimento, construções do ponto que se inscrevem no espaço do corpo, sua esfera pessoal, e no espaço ao redor, o espaço da cena. Nessa perspectiva, pontos, dotados de energia, transformam-se continuamente. No seu dinamismo, não apenas geram provisórias configurações, como também transportando consigo qualidades que Laban associa a direções do espaço, percorrem trajetos agregando diferentes valores expressivos às linhas do movimento na dança e, consequentemente, ao corpo. Palavras-chave: Dança; Transformações Pontuais; Sistema Laban de Movimento.

Abstract

This article exposes some of the aspects in dance movements, according to the point of view that perceives, on the body movements of a dancer, configurations defined by traces of points that move in different planes in the scenographic space, according to Geometric Transformations. In order to do so, parts of the body are associated to points and the body itself is taken as a moving figure in the space of a stage. This observation is supported by the studies of Rudolf Laban, and recognizes in its scales of movement, geometric constructions inscribed in the space of a body, its personal sphere, and the surrounding space, the scenographic space. In this perspective, moving points are continually transformed. In their dynamics, they not only generate momentary configurations, as they also transport the qualities which Laban associates to directions of space, trace lines adding different expressive values to lines of dance movements and, consequently, to the body.

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Key words: Dance; Geometric Transformations; Laban System of Movement.

1 Configurações do Ponto em Movimento

O movimento do corpo na dança é abordado nesse trabalho como transformação.

Essa é uma palavra-chave. Para tal, considera-se que os movimentos, as

transformações, eventos que ocorrem no espaço/tempo se dão num espaço pontual,

homogêneo, isotrópico, onde potencialmente todos eles podem iniciar um

deslocamento. Ou ainda, na perspectiva de não haver nem início nem final do

movimento dançado, esses pontos inserem-se em qualquer uma das suas infinitas

linhas. No espaço assim concebido, também os corpos são constituídos por pontos,

suas partes ao se moverem desenham formas no espaço e também tomados como

unidades pontuais, riscam no plano do palco linhas estruturantes da composição

coreográfica. Destaca-se aqui um olhar, um modo particular de observar os

movimentos na dança, exemplificado na descrição a seguir:

Mariana Souza, bailarina da Esther Weitzman Companhia de Dança, ao interpretar a obra Presenças no tempo

1, movimenta-se na periferia

do plano do palco, em torno de seu centro. Pode-se ver a marca no chão desse giro em velocidade constante, seu rastro, linha curva de espessura irregular que se intensifica a cada volta sua. Num dado momento ela se detém e, na sua paragem, é visível em seu corpo o movimento realizado anteriormente e que ainda permanece. Afinal, sua geometria continua presente e a qualquer instante ela pode retomá-lo ou buscar outras direções. Partes de seu corpo ao movimentar-se também definem no espaço diversas configurações. (BRASIL, 2010, p. 22)

De acordo com esse ponto de vista, considera-se o fluxo do movimento corporal

como resultado do dinamismo do ponto, o qual permite destacar do espaço pontual

homogêneo, formas geométricas, na medida em que aciona e arrasta outros pontos

gerando formas que se transformam em outras. Nessas configurações vêem-se

pontos percorrendo o corpo da bailarina construindo linhas e conectando formas,

transformando continuamente o espaço do corpo e o espaço cênico.

Esse modo de ver os movimentos corporais apoia-se nas propostas de Rudolf

Laban (1879-1958), artista e teórico da dança, que realizou pesquisas nessa direção

criando um sistema conhecido como Sistema Laban de Movimento. Ao refletir sobre a

construção do movimento no corpo e no espaço, ele considerava que:

podemos descrever o ponto exato no qual um movimento começa; da mesma maneira, podemos definir o ponto ao qual conduz um

1 Coreografia de Esther Weitzman, com Beatriz Peixoto, Carla Reichelt, Tony Hewerton e Mariana Souza.

Estreou no Centro Coreográfico do Rio de Janeiro, em 10 de setembro de 2009. Mais informações em: <www.estherweitzman.com> Acesso em: 08/04/2011.

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movimento ou aonde chega. A união desses dois pontos é a “trajetória” pela qual se desloca o movimento. (LABAN, 1990, p. 85).

Percebe-se que a trajetória à qual Laban se refere pode ser identificada nos

percursos de pontos de operações conhecidas como Transformações Pontuais.

Nessas operações, os pontos ao se movimentarem no plano, segundo linhas retas,

curvas e suas combinações, deixam traçados nessa superfície. O caráter dinâmico

dessas transformações que se quer destacar nesse trabalho pode ser verificado pelo

uso de programas gráficos computacionais, onde pontos podem ser manipulados com

auxílio da ferramenta rastro e traçar no seu deslocamento, linhas na tela do

computador (RODRIGUES, 2000).

Observando essas configurações, constata-se que os pontos e os seus percursos

podem ser transpostos para o movimento dos bailarinos, conduzindo dessa forma o

reconhecimento de alguns elementos identificadores do movimento na dança, a partir

de uma visão geométrica do espaço cênico e do espaço do corpo.

O estudo das transformações de pontos no plano pode ser realizado a partir de

operações geométricas conhecidas como reflexão, meio-giro, rotação, translação,

homotetia e de suas combinações. Na figura 1, são apresentados cinco tipos de

transformação pontual. Em todos eles, há sempre uma figura básica denominada

conjunto de saída da aplicação, e sua transformada, ou conjunto de chegada da

aplicação. Cada uma dessas transformações obedece a leis e propriedades

determinadas, de maneira que os resultados são característicos de cada operação.

Em todas as transformações são estabelecidas correspondências entre pares de

pontos do plano, onde um é o transformado do outro, a exemplo da reflexão (Fig. 1).

Dessa forma, justifica-se o emprego desse instrumental na observação dos

movimentos na dança, pois, como o plano é formado por infinitas retas, segundo a

geometria das transformações, cada uma delas como no caso da reflexão,

A'A B

D

E

B'

D'

E'

C=C' A B

C

D

E

A'B'

C'

D'

E'

A"

B"

C"

D" E"

A B

C

D

E

A'B'

C'

D'

E'

A"B"

C"

D"

E"

A B

C

D

E

A'B'

C'

D'

E'

A" B"

C"

D"

E"

Ovetor

h

p

h

h

p

p

h

=

O

(2)

(3)

(1)

s

Figura 1: Tipos de Transformação Pontual

Fonte: desenho da autora

Fonte: desenho da autora

Reflexão

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individualizando uma operação, há infinitas reflexões numa superfície ou plano. Nessa

perspectiva, considerando planos sucessivos, planos entrecortando-se ocupando e

constituindo o espaço; reflexões, rotações, meio-giros, homotetias e translações

multiplicam-se ao infinito, assim como os gestos na dança que se prolongam para

além dos limites da cena.

2 Conceitos Geométricos Estruturando o Movimento do Corpo no Espaço

A fim de entender melhor a articulação da Teoria das Transformações Pontuais com

as ideias de Rudolf Laban e como tais processos de transformação do ponto podem

se aproximar do movimento corporal serão apresentados alguns dados que

conformam seu complexo sistema.

As pesquisas de Laban foram organizadas em duas áreas: a Eucinética, que trata

dos aspectos qualitativos do movimento e suas dinâmicas, e a Corêutica, que estuda

as formas espaciais, o modo como os movimentos se organizam espacialmente,

assunto relevante para a abordagem que se quer dar neste trabalho ao movimento na

dança.2 Nesta última área, o autor descreve e distingue dois espaços: o espaço

pessoal, ou cinesfera, e o espaço geral. O espaço pessoal é definido pelos

movimentos de braços e pernas em extensão máxima, e ainda segundo Laban, é o

espaço circunscrito por uma superfície esférica (Fig. 2). Já o espaço geral está além e

ao redor dessa esfera, e pode ser modificado por ela quando o corpo avança e ocupa

outras posições (LABAN, 1990, p 85).

Laban, ao conceber seu sistema de movimento, faz uma analogia entre o corpo

humano e os corpos geométricos, pois, segundo ele, os movimentos daquele têm a

possibilidade de construir no espaço, poliedros platônicos que são corpos geométricos

regulares. Somente cinco poliedros apresentam regularidade em sua conformação, e,

classificados de acordo com o número de faces recebem os nomes de tetraedro,

hexaedro, octaedro, dodecaedro e icosaedro. Ficaram conhecidos como poliedros de

Platão porque esse filósofo os estudou, referindo-se a eles em sua obra Timeu, onde

associou cada um deles a um elemento da natureza: tetraedro - fogo, hexaedro - terra,

octaedro - ar e icosaedro - água, sendo o dodecaedro representativo do universo

como um todo.

Baseando-se nas ideias de Platão, quanto à perfeição das formas dos sólidos

geométricos, Laban organizou percursos a serem seguidos pelos movimentos do

corpo, explorando no espaço os elementos de poliedros platônicos imaginários.

2 Para exposições mais detalhadas ver FERNANDES, Ciane. O Corpo em Movimento: O Sistema

Laban/Bartenieff na Formação e Pesquisa em Artes Cênicas. 2ª edição. São Paulo: Annablume, 2006; NEWLOV, Jean, DALBY, John. Laban for all. New York: Taylor & Francis Group, 2007.

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Figura 3: Laban com um modelo de poliedro regular estrelado. Fonte:

<http://www.google.com.br/images>

Figura 4: Poliedros

regulares inscritos

Fonte:<pt.wikipedia.org/

wiki/Sólidoplatónico>.

Figura 2: Esfera Pessoal

Fonte: NEWLOV, Jean,

DALBY, John. Laban for all.

New York: Taylor & Francis

Group, 2007.

Seguindo esses percursos, as chamadas escalas de movimento, baseadas nas

escalas musicais, Laban propunha que o indivíduo experimentasse com o corpo os

princípios da harmonia espacial. Na figura 3, ele pode ser visto com um de seus

modelos.

É importante destacar que, devido às suas propriedades geométricas, todos os

poliedros regulares se inscrevem na esfera. Há também relações entre esses sólidos

que permitem, por exemplo, a inscrição de um poliedro no outro. Examinando a figura

4, pode-se ver um se inscrevendo em outro segundo relações envolvendo razões

áureas entre quatro desses poliedros, como destaca Jean Newlove: “As formas

poliedrais embutem-se uma dentro da outra como bonecas russas” (NEWLOVE apud

RENGEL, 2003, p. 95). Observando os esquemas que Laban utiliza, pode-se perceber

que ele explora essas relações quando reconhece circuitos formados pelos

movimentos de partes do corpo que passam pelos vértices desses diferentes sólidos,

que nada mais são do que pontos do espaço. No hexaedro identifica linhas que

estabelecem relações com os elementos desse poliedro: suas faces, arestas e

vértices. Laban as denomina de direções dimensionais, direções diagonais e direções

diametrais.

Em relação à primeira dessas linhas, a orientação do corpo é dada pelas direções

que irradiam do centro da esfera de movimento, onde se encontra a interseção das

retas que marcam as três dimensões do espaço: largura, profundidade e altura. Laban

as identifica no interior do hexaedro: “A cruz tridimensional pode localizar-se num cubo

imaginário dentro da própria esfera pessoal, onde seu centro coincide com os do cubo

do corpo.” (LABAN, 1990, p. 86). No corpo humano, esse centro é localizado na região

do quadril, no centro da pélvis, abaixo do umbigo, ponto fundamental dentro do seu

sistema. As linhas estruturais que estão sempre referenciadas a esse centro do corpo

coincidem com o centro de poliedros regulares (Fig. 5). No primeiro exemplo, três

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Figura 8: Escala Dimensional. Fonte: NEWLOV, Jean, DALBY, John. Laban for all. New York: Taylor & Francis Group, 2007.

A - alto → subir → b - baixo → descer → e - esquerda → cruzar

d - direita → abrir → a - atrás → recuar → f - frente → avançar

dessas linhas, as direções dimensionais, cada uma delas com dois sentidos opostos,

podem ser obtidas ligando os pontos centrais de faces paralelas do cubo (Fig. 6).

O movimento iniciado no centro desse poliedro, em correspondência com o centro

do corpo pode avançar para seis pontos do espaço e a ele retornar. Se não passar

pelo centro do corpo, mas unir os pontos perifericamente, suas linhas construirão no

espaço o octaedro regular (Fig. 7).

No entanto, se forem executados de modo contínuo e na ordem A, b, e, d, a, f,

constituirão a escala dimensional. Quando essas direções são exploradas, seis ações

diferentes se associam a elas (Fig. 6 e 8).

Já o movimento que liga os oito pontos extremos das quatro diagonais internas do

hexaedro pode traçar no espaço as arestas desse sólido. A esse respeito Laban

comenta que “[...] entre as várias dimensões correm linhas oblíquas até os cantos do

cubo. Nós as denominamos de direções diagonais.” (LABAN, 1990, p. 86). Esses

movimentos, como qualquer outro, podem ser realizados com o lado esquerdo ou

Figura 5: Corpo no interior do hexaedro

cA

b

pae

Figura 7: Octaedro regular

Figura 6: Linhas Dimensionais do

hexaedro

Ae

AdaA

fA

dma

dmf

ema

emf

ab

fbbe

bd

c

A

b

f

ad e

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Figura 9: Escala Diagonal

c

A

b

pa

pfe d

AdAe

Apf

Apa

epfepa

dpf

dpa

bpf

bpabd

be

Aea

Aef

bea

bef

Adf

Ada

bda

bdf

A

b

e d

Ae Ad

be bd

AApf

Apa

bbpa

bpf

pa

pfpf

pa

ed

epa

epf dpf

dpa

Ae

AdaA

fA

dma

dmf

ema

emf

ab

fbbe

bd

c

A

b

f

ad e c

A

b

pa

pfe d

AdAe

Apf

Apa

epfepa

dpf

dpa

bpf

bpabd

be

Ad-pf

Ad-pa

bd-pfbd-pa

Ae-paAe-pf

be-pfbe-pa

A

b

e d

Ae Ad

be bd

AApf

Apa

bbpa

bpf

pa

pfpf

pa

ed

epa

epf dpf

dpa

Figura 11: Vinte e sete posições do ponto

direito do corpo. Se forem realizados numa sequência ordenada, formarão a escala

diagonal. De modo contínuo, exploram os vértices altos e baixos seguindo as quatro

linhas internas do cubo, ou seja, as quatro direções em ambos os sentidos (Fig. 9).

Além das direções dimensionais e diagonais há um terceiro conjunto de linhas

que, passando pelo centro do cubo, ligam pontos médios de suas arestas paralelas,

como a linha Ae bd destacada na figura 10. Laban as denominou direções diametrais.

Duas a duas, particularizam planos paralelos às faces do cubo: por exemplo, os

pontos Ae bd e Ad be, formam o plano vertical, em vermelho. Os demais são os

planos horizontal e sagital (Fig. 10). Laban nomeou o plano vertical de plano da porta,

o horizontal de plano da mesa e o sagital de plano da roda, que serão mostrados mais

adiante.

No conjunto, as três direções dimensionais, em vermelho, as quatro diagonais, em

azul, assim como as seis direções diametrais, em verde (Fig. 11), considerando seus

dois sentidos, definem vinte e seis pontos no espaço, todos eles relacionados aos

elementos do hexaedro: o centro de suas faces, na primeira, seus vértices, na

segunda e os pontos médios de suas arestas, na terceira. Somados ao ponto central,

ponto comum a todas elas, resultam vinte e sete posições potenciais, início e fim dos

circuitos do movimento (Fig. 11). Como já visto, os extremos dessas linhas são

respectivamente os vértices do octaedro, do hexaedro, e, no caso das diametrais, os

vértices das representações dos planos vertical, horizontal e sagital.

Figura 10: Linhas Diametrais

Ad

Ae

Apf

Apa

epf

epa

dpf

dpa

bpf

bpa

bpdbpe

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Quando ele define esses planos, busca uma orientação, um mapeamento do

espaço, de modo a inserir nessa estrutura as possíveis manifestações do movimento

corporal. Sua arquitetura do movimento pressupõe setores, pavimentos que se

conformam segundo seus usos e destinação, como edificações de moradia. O corpo

tem nela o seu referencial e, em contrapartida, a constrói permanentemente. As

tensões e compensações de força que se equilibram dinamicamente no corpo

transformam todo o espaço remodelando-o constantemente.

É importante salientar que a exploração dessas direções também varia em função

da extensão do movimento, na medida em que se aproxima ou se afasta do centro do

corpo. A esfera de movimento pode diminuir ou manter-se no seu tamanho normal.

Uma forma muito concentrada é criada no momento em que o corpo se agacha e os

braços se dirigem para o seu centro. A esse respeito, diz Laban:

Os movimentos em todas as direções podem ser executados com diferentes extensões normais, quando as direções implicadas no movimento estão ao alcance direto das partes ativas do corpo; baixos ou encolhidos quando a extensão não chega à metade da normal; amplos ou estendidos quando a pessoa se estica exageradamente. (LABAN, 1990, p. 93).

Essas linhas são vetores que irradiam do centro do corpo e lançam no espaço os

pontos em diferentes direções. De acordo com as Transformações Pontuais, os pontos

concentrados nesse centro descrevem movimentos de expansão no espaço, segundo

as orientações vetoriais, ou, caso sigam o sentido contrário, voltam a se reunir em

movimentos de contração. Laban afirma que os movimentos originados na periferia do

espaço – superfície esférica – trazendo e condensando os pontos na direção do centro

do corpo, e os que em sentidos contrários fluem para fora, são fundamentados pelas

duas formas principais de ação: as ações de recolher e as ações de espalhar (LABAN,

1978, p. 133 e 134).

No modelo proposto por Rudolf Laban, três planos se intersectam ortogonalmente

e definem oito porções do espaço. Para conceber cada uma das três superfícies que

configura seu esquema, o plano da porta, da mesa e da roda, Laban considerou duas

direções perpendiculares, representando cada uma delas uma tensão primordial, a

direção dominante, e uma tensão secundária. As dominantes dos três planos estão

relacionadas às dimensões do espaço, altura, largura e profundidade. A altura, com

seu sentido ascendente ou descendente A↔b, representa a direção dominante do

plano vertical ou plano da porta (Fig. 12 A). Nele ficam evidenciadas as propriedades

de simetria do corpo humano e a habilidade de movimentos laterais da coluna

vertebral. Essa superfície divide o espaço estabelecendo os referenciais à frente ou

atrás (Fig. 13).

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Figura 13: O movimento do corpo relacionado aos três planos. Fonte: NEWLOV, Jean, DALBY, John. Laban for all. New York: Taylor & Francis Group, 2007.

Figura 12 A: Plano vertical ou plano da porta

30

3

1

c

c

A

b

pa

pfe d

AdAe

Apf

Apa

epfepa

dpf

dpa

bpf

bpabd

be

Ad-pf

Ad-pa

bd-pfbd-pa

Ae-paAe-pf

be-pfbe-pa

A

b

e d

Ae Ad

be bd

AApf

Apa

bbpa

bpf

pa

pfpf

pa

ed

epa

epf dpf

dpaAd, be – alto direita ↔ baixo esquerda Ae, bd – alto esquerda ↔ baixo direita

A ↔b – tensão primordial vertical e↔d – tensão secundária lateral

Figura 12 B: Plano horizontal ou plano da mesa

dmf, ema – direita média frente ↔ esquerda média atrás emf, dma – esquerda média frente ↔ direita média atrás

c

A

b

a

fe d

AdAefA

aA

emf

ema

dmf

dma

fb

abbd

be

AeaAef

bea

bef

Adf

Ada

bdabdf

A

b

e d

Ae Ad

be bd

A fA

aA

bab

fb

a

ff

a

ed

ema

emf dmf

dma

30

3

1

c

e↔d – tensão primordial lateral f↔a – tensão secundária sagital

Figura 12 C: Plano sagital ou plano da roda

c

A

b

a

fe d

AdAefA

aA

emf

ema

dmf

dma

fb

abbd

be

AeaAef

bea

bef

Adf

Ada

bdabdf

A

b

e d

Ae Ad

be bd

A fA

aA

bab

fb

a

ff

a

ed

ema

emf dmf

dma

30

3

1

c

fA, ab – frente alto ↔ atrás baixo aA, fb – atrás alto ↔ frente baixo

a ↔f – tensão primordial sagital A ↔b – tensão secundária vertical

No plano horizontal, ou plano da mesa, os movimentos executados pelo corpo

privilegiam a dimensão largura e↔d, onde são destacadas as ações de abrir e fechar

e de torção da coluna vertebral. Define regiões do espaço acima ou abaixo dele (Fig.

12B e 13). Já os movimentos que fazem o corpo avançar ou recuar, para frente ou

para trás envolvendo também a coluna, ou seja, relacionados à dimensão

profundidade a↔f, marcam a direção dominante do plano sagital ou plano da roda.

Essa superfície é a fronteira que separa o espaço à direita ou à esquerda (Fig. 12 C e

13).

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As oito regiões do espaço pessoal definidas pelo modelo adotado por Laban são

mais facilmente exploradas pelas partes do corpo que se encontram ali posicionadas,

ou seja, no interior da cinesfera, existem zonas habituais de movimento onde partes

do corpo desempenham com mais naturalidade seus movimentos. No entanto,

segundo ele, embora dentro das limitações naturais do corpo humano e das

particularidades de cada corpo, é aconselhável que o indivíduo procure sempre novas

maneiras de explorar sua cinesfera na totalidade acessando diversos pontos no

espaço de modo a ampliar sua capacidade de expressão. Mesmo porque, Laban

agregava a esse seu esquema todo um arcabouço teórico associando qualidades

expressivas às linhas descritas anteriormente, assunto que não será aprofundado

nesse artigo.3

Os planos que ele utilizou para montar um modelo que auxiliasse a organização

das ações do corpo são superfícies nas quais os pontos se movimentam, se

transformam, segundo as diferentes aplicações das Transformações Pontuais citadas

anteriormente. Nessas transformações, as linhas que os pontos desenham ao se

movimentarem pertencem, além desses, a muitos outros planos do espaço, pois

traçam, na sua mudança de posição, diferentes direções. Embora se saiba que os

movimentos do corpo na dança não se restrinjam à deslocamentos em planos, as

linhas resultantes de trajetos de pontos, quando combinadas, definem superfícies

bidimensionais ou curvas que envolvem porções do espaço.

Quando a esfera pessoal é explorada, modelando objetos tridimensionais, como

os poliedros, os movimentos realizados nessa construção são denominados

movimentos tridimensionais. As ações corporais que percorrem os doze pontos,

vértices das representações dos três planos, da porta, da mesa e da roda, têm a

possibilidade de conformarem o poliedro regular com o maior número de faces, o

icosaedro que, dentre os cinco sólidos de Platão, é o que mais se aproxima da esfera

(Fig. 14).

3 Para mais informações a esse respeito consultar: LABAN, Rudolf. O Domínio do Movimento. São Paulo:

Summus, 1978. 268 p.

Figura 14: Bailarina explorando pontos do icosaedro

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7 4

2 11

1 10

3

12 9

6

8 5

Figura 15: Escala A

Em outras escalas, além das dimensionais, diagonais e diametrais, o corpo

também pode percorrer caminhos que envolvem pontos desses planos. As demais

escalas que Laban organizou foram as escalas A, escala B, escala axial e circular,

escala primária, além das escalas pessoais, definidas pelos movimentos particulares

de cada corpo.4 Na escala A – lado direito - os pontos são ligados na ordem numérica

apresentada no modelo (Fig. 15).

Como já mencionado, o centro do corpo é o ponto comum a todos os planos que

se formam com a movimentação dos conjuntos de pontos, levando em conta as

operações das Transformações Pontuais. Nessa perspectiva, inúmeras superfícies se

conformam independentes de passarem ou não por esse ponto central, de se

constituírem como faces de sólidos platônicos, como concebeu Laban, ou mesmo

faces de corpos geométricos irregulares. As diversas partes do corpo, como unidades

pontuais cumprem trajetórias no espaço pessoal ao unir dois, três, quatro ou mais

pontos, construindo retas, linhas poligonais abertas ou fechadas, formando polígonos,

ou descrevendo linhas levemente curvas quando passam pelo centro, deixando em

seu rastro o valor da expressão de cada gesto, de cada mudança de posição do corpo

no espaço. No seu deslocamento também pode avançar no espaço geral e ao levar

consigo sua esfera pessoal estabelecer com este, novas relações.

3 Conclusão

Esse trabalho não teve como objetivo reduzir a dança a traçados puramente

geométricos, sabe-se que há outras dimensões que devem ser consideradas na arte

do movimento, na qual o corpo é seu principal meio de expressão. Mas destacar que,

4 Para exposições mais detalhadas ver FERNANDES, Ciane. O Corpo em Movimento: O Sistema

Laban/Bartenieff na Formação e Pesquisa em Artes Cênicas. 2ª edição. São Paulo: Annablume, 2006; NEWLOV, Jean, DALBY, John. Laban for all. New York: Taylor & Francis Group, 2007.

Page 12: TRANSFORMAÇÕES DAS LINHAS DO MOVIMENTO NA DANÇA · homotetia e de suas combinações. Na figura 1, são apresentados cinco tipos de transformação pontual. Em todos eles, há

nas configurações que são visualizadas no momento da dança, traçados que se

transformam continuamente, pode ser reconhecida a geometria das Transformações

Pontuais. Nas sequências descritas por Rudolf Laban, ela é facilmente identificada,

seja por meio da construção de direções vetoriais, relações de proporcionalidade ou

concordância de diferentes linhas que o ponto descreve em seu deslocamento,

quando liga pontos do espaço. Entretanto, correspondências de pontos no espaço

ocorrem não só nas sequências propostas por Laban, mas em todas as construções

produzidas pelos diversos pontos, nos corpos e nos espaços. É o modo de ver, de

observar o movimento, que favorece o estabelecimento dessas associações.

Portanto, se o que se defende é que transformação é uma palavra-chave para

esse olhar, o ponto é quem protagoniza essa ação, é quem promove, torna possível a

transformação. Constata-se também que sua ação não se restringe à construção de

linhas que se dissolvem, que se refazem, mas que, permanentemente criando vias de

conexão e estabelecendo correspondências, em alguma medida imprime marcas no

corpo que dança caracterizando sua maneira de se expressar. Seus rastros

conformam inúmeros caminhos e registram em cada corpo um modo particular de

movimento. Constroem corpos na sua singularidade.

Referências

BRASIL, Iris. Corpo Mosaico: Transformações Espaço-Temporais na Dança. Niterói, 2010. 162 p. Dissertação (Mestrado em Ciência da Arte) – Instituto de Artes e Comunicação Social – Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói, 2010. Disponível em: <www.uff.br/cienciadaarte/>Acesso em 08/04/2011. FERNANDES, Ciane. O Corpo em Movimento: O Sistema Laban/Bartenieff na Formação e Pesquisa em Artes Cênicas. 2ª edição. São Paulo: Annablume, 2006. LABAN, Rudolf. O Domínio do Movimento. São Paulo: Summus, 1978. _____________. Dança Moderna Educativa. São Paulo: Ícone, 1990. NEWLOV, Jean, DALBY, John. Laban for all. New York: Taylor & Francis Group, 2007. RENGEL, Lenira. Dicionário Laban. São Paulo: Annablume, 2003. RODRIGUES, Maria Helena W. L., RODRIGUES, Daniel W. L. “Transpontuais”: uma alternativa dinâmica para o estudo interdisciplinar de conceitos geométricos. In: Educação Gráfica – vol. 4 – 2000. p. 51-60. WEITZMAN, Esther. Esther Weitzman Companhia de Dança. Disponível em: <www.estherweitzman.com> Acesso em: 08/04/2011.