Transições Políticas no Brasil e na Argentina

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    Transies Polticas no Brasil e na Argentina: Uma Perspectiva Histrico-ComparadaCamila Tribess ([email protected])UFPR - Universidade Federal do Paran/Brasilrea temtica: Poltica ComparadaTrabalho preparado para apresentao no V Congresso Latino Americano de Cincia Poltica,

    organizado pela Associao Latino Americana de Cincia Poltica (ALACIP).Buenos Aires, 28 a 30 de julho de 2010.

    Resumo

    Neste trabalho feito uma retomada terica e histrica de algumas das diversasexplicaes das transies polticas, focando-se, principalmente, numa contextualizaohistrico-comparada, buscando compreender as diferentes dinmicas dos processos polticosde transio para a democracia no Brasil e na Argentina. Comparamos o processo de transioargentino, que ocorreu por ruptura e de forma rpida, com o processo de transio brasileiro,que foi por transao e durou mais de uma dcada para concretizar-se., buscando

    compreender as semelhanas e diferenas de ambos os processos.

    Apresentao

    A partir de 1980, quando regimes ditatoriais foram sendo substitudos por regimesdemocrticos em um grande nmero de pases da Amrica Latina, a questo das transies deregimes polticos tornou-se objeto de estudo importante para a Cincia Poltica e reas afins.Vrias explicaes so dadas dinmica do processo de transio, que se verificou em vriospases e de diversas formas. Uma das principais linhas de estudos destaca a importncia dosconflitos dentro do regime, junto com diversos outros fatores, como crise econmica, guerras,mobilizao social, presso internacional etc. (ODONNEL, G. e SCHMITTER, P. 1988;ROUQUI, A., LAMOUNIER, B. e SCHVARZER, J. 1985; LINZ, J. e STEPAN, A. 1999etc.).

    Diversas associaes e organizaes (de empresrios, polticos, intelectuais, artistas eestudantes) influenciaram nesses processos de transio, bem como a dinmica econmica, ascrises, as presses externas, guerras e vrios fatores polticos, econmicos e sociais podem serusados como variveis explicativas das transies.

    Neste artigo intentamos compreender a dinmica poltica de dois processos detransio numa perspectiva histrica, buscando obter elementos para uma viso ampla docontexto social e poltico que desencadearam os processos de transio para a democracia.Escolheram-se dois pases latino-americanos como base para um estudo comparado, so eles

    Brasil e Argentina. Para o caso brasileiro o recorte temporal do perodo que consideramos detransio de 1979, incio do governo de Joo Figueiredo, at 1989, ano das eleiesfundacionais (ODONNEL, G. e SCHMITTER, P. 1988). Para o caso argentino o recorte de 1980, incio da liberalizao poltica, at o fim de 1983, com a eleio democrtica de RaulAlfonsn.

    Tomamos dois casos que podem ser considerados como casos modelo. Comparamos oprocesso de transio argentino, que ocorreu por ruptura e de forma rpida, com o processo detransio brasileiro, que foi por transao e durou mais de uma dcada para concretizar-se. Acomparao entre os processos de transio para o regime democrtico se explica aopensarmos que a transio na Argentina durou 18 meses, desde a Guerra das Malvinas at aseleies de 1983 e , tipicamente, classificada como uma transio por colapso

    (ODONNELL et all, 1988 p. 25), enquanto que, em contraposio, temos a transiobrasileira, que durou cerca de uma dcada e classificada como transio via pactos ( idem

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    p. 22). No primeiro caso h uma queda brusca do regime, j no segundo caso a transio controlada pela elite do regime e ocorre de forma gradual. Assim, temos o seguinte panorama:ambos os pases passaram por um processo de transio de um regime ditatorial militar parauma democracia, porm, em condies completamente diversas.

    Nesse sentido, os estudos histricos e sobre processos polticos, principalmente em

    uma perspectiva comparada, dentro da Cincia Poltica em geral, podem ser extremamenteenriquecedores para a compreenso destas diferenas. Alm disso, acreditamos que este tipode estudo favorece a compreenso dos processos polticos e suas dinmicas nos diferentespases da Amrica Latina, auxiliando nas reflexes sobre o contexto poltico e social destespases. Assim, de grande importncia para toda pesquisa sobre o tema compreender deforma ampla o processo de transio, antes mesmo de testar qualquer teoria ou hiptese. Este o papel deste artigo, ser um passo inicial, com estudo histrico.

    Buscamos compreender, portanto, as semelhanas e diferenas no processo detransio democrtica no Brasil e na Argentina na dcada de 1980 pelo mapeamento dasituao dos respectivos pases antes e durante a transio poltica. Fazemos isso a partir depesquisa historiogrfica e com base na literatura sobre o tema. Nossa hiptese neste artigo a

    de que existem diferenas e semelhanas polticas, sociais, econmicas e culturais nosprocessos de transio democrtica nesses dois pases que, ao serem analisadas de formacomparada, podem ajudar a entender o diferente timing desenvolvido em ambos os processos.

    A perspectiva histrico-comparada e a necessidade da comparao

    A comparao nos permite pensar modelos mais amplos que expliquem situaes,causas e fenmenos polticos, alm de sublinhar semelhanas e diferenas que podem serteis para as reflexes sobre os casos pesquisados. Para Sartori (1994), a comparao umamaneira de controlar nossas generalizaes, que permite pensar em leis do tipo se...,ento.... Por meio da comparao podemos ter uma viso maior dos problemas e conceitos e,assim, nossos estudos no se encerram em somente um caso ou um pas, o que torna aspesquisas mais slidas e explicativas. Mas, no podemos comparar tudo, ou qualquer caso.Casos muito iguais ou muito distintos dificultam a comparao, o melhor que possamosseguir os conselhos de J. Stuart Mill (1886, in PERISSINOTTO 2009) comparando casosdistintos, mas com o mesmo fenmeno a explicar (no caso da comparao pelo mtodo dasemelhana); ou casos com aspectos semelhantes, mas que em alguns casos o fenmeno a serexplicado no ocorra (no mtodo da diferena).

    Para Panebianco (1994), as comparaes mais gerais so as que possuem a mesmalgica da comparao estatstica, mas, as semelhanas que encontramos no podem serconsideradas toda a explicao de nossos casos. Estas comparaes, quando feitas para

    universos pequenos, so muito importantes e podemos mesclar comparaes histricas comcomparaes estatsticas sempre que possvel. No entanto, as comparaes histricas so maiscomplexas e podem nos oferecer maiores resultados explicativos, como aponta Collier (1994),que diz que quando temos somente dois ou trs casos a comparar, mas com muitas variveis,as comparaes se tornam mais complexas e com mais profundidade. Sendo assim, o mtodocomparativo o mais indicado para estudos com poucos casos.

    Sartori (1994) nos indica quatro problemas conceituais que ocorrem nos estudospolticos e que devemos tomar em conta. O primeiro deles o que Sartori chama deparoquialismo. Este problema ocorre quando os estudos se limitam a apenas um local oupas e se fecham para os outros casos, o que faz as pesquisas se tornarem muito restritas e osconceitos muito parciais. O segundo problema so os erros de classificao. Isto ocorre

    quando colocamos casos muito distintos sob um mesmo conceito, ou seja, quando tentamosexplicar coisas muito diferentes com uma nica idia. O terceiro problema o que Sartori

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    denomina de gradualismo, ou seja, quando definimos que tudo se baseia na mesma varivele o que muda apenas o grau, que varia em um continuo. Quando fazemos isto, os pontos dediferenciao so muito arbitrrios e, na maior parte dos casos, so postas conforme asnecessidades de classificao do pesquisador. Por ltimo, o problema do alargamento deconceitos, isto ocorre quando os conceitos so utilizados de forma to ampla que j no

    podem explicar nada, pois no tem definies certas, mas somente palavras utilizadas paramuitos casos distintos. Nesse sentido, Sartori aponta que a comparao pode ajudar opesquisador a evitar esses erros.

    A questo das transies para a democracia

    Os estudos comparados sobre as transies democrticas confirmam, em grande parte,o que ODonnell e Schmitter (1988) propem como causas principais das transies, que so:os conflitos dentro e fora do regime; o incio de uma liberalizao, que faz com que asociedade civil seja revitalizada politicamente; pactos entre as elites, grupos polticosorganizados, foras armadas, empresrios e sociedade em geral.

    Alguns estudos sobre as transies democrticas (ODONNEL, G. e SCHMITTER, P.1988; ROUQUI, A., LAMOUNIER, B. e SCHVARZER, J. 1985; LINZ, J. e STEPAN, A.1999, entre outros) apontam para duas etapas, uma do trmino do regime autoritrio e a outrada consolidao da democracia. Estes trabalhos apontam que o porqu das transies noest apenas em uma das partes envolvidas, somente nos duros ou nos brandos(ODONNELL et all, 1988), no governo ou na oposio, mas sim, devemos analisar ascompletas relaes que se do tanto dentro do regime. Alm disso, no se pode colocar s aselites ou s as massas como as responsveis pela transio, em todos os casos, o processoe as relaes se do em ambos os sentidos. A questo de como ocorrem as transies tambm muito importante nos estudos comparados sobre esses processos e parece haver umconsenso de que as transies ocorrem por razes mais complexas que simples divises nosregimes. Assim, para ODonnell et all (1988) as transies podem ocorrer por diferentesmodelos. Por ruptura o regime cai e as relaes polticas e sociais mudam por completo(como no caso da Argentina). Por reforma a transio lenta e mudam os modelos doregime at a abertura (este foi, por exemplo, o caso do Brasil, em que a transio durou quase12 anos). Alm disso, existem tambm os modelos intermedirios a estes, que podem serquando as regras do regime no mudam de imediato, ou quando as regras mudam, mas osgovernantes do antigo regime podem negociar sua sada. Outro aspecto importante quandoocorre a transio. Vrios dos autores tentam definir uma data ou evento especfico, mas asexplicaes ficam em uma relao complexa entre as divises do regime junto smodificaes sociais e os problemas internos do pas. H tambm a possibilidade de um

    clculo de oportunidade pelos governantes mediante as oportunidades na sociedade, mas asexplicaes ainda no podem precisar porque exatamente os regimes mudam e quando ofazem.

    Entretanto, as transies no significam a consolidao ou a institucionalizao dademocracia. O tipo de regime autoritrio que o pas teve antes da transio e a dinmica datransio influi muito no novo sistema poltico e sua consolidao. Alm disso, tambm osfatores econmicos, as crises e necessidades dos pases influenciam na forma com queocorrem as transies.

    Ao consultarmos a principal literatura que se dedica ao estudo das transies polticasno Brasil e na Argentina (ODONNEL, SCHIMTER e WHITEHEAD, 1988; QUIROGA,2001; ROMERO, 2004 e FAUSTO e DEVOTO, 2004), tem-se a impresso que esta

    transio, em ambos os pases na poca, era, de fato, uma conseqncia de uma complexidade

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    de fatos polticos, econmicos, culturais e sociais. No cabia, assim, elite poltica decidir sefaria a transio ou no, mas sim, coube elite decidir como faz-la.

    O contexto social, econmico, poltico e cultural teve grande importncia no processode transio, mesmo que as decises polticas de fato sejam tomadas por uma elite poltica,esta tambm, muitas vezes, pressionada ou influenciada pela movimentao social causada

    por outros fatores. Temos exemplos dessas presses sociais tanto na Argentina, com asMadres de La Plaza de Mayo, quanto no Brasil, com o movimento das Diretas J, entreoutros (QUIROGA, 2001; ROMERO, 2004 e FAUSTO e DEVOTO, 2004).

    A transio brasileira foi muito longa e, na fala dos prprios atores da elite poltica dapoca: lenta, gradual e segura. Essa lentido se deu, em grande medida, pelo controle que oregime teve sobre a transio, controle esse conseguido tanto pelos rumos do regime (umrelativo sucesso econmico no primeiro momento) quanto pela histrica falta de mobilizaosocial no Brasil (ODONNELL, SCHIMTER e WHITEHEAD 1988 p. 22). Emcontraposio, na Argentina esse processo foi relativamente curto e se deu sem praticamentenenhum controle dos membros do regime sobre a transio. At houve, em certa medida, umatentativa dos militares de negociarem sua sada do poder, o que se mostrou infrutfero j que a

    queda do regime era previsvel a todos, principalmente aps grave crise econmica e derrotaem uma guerra externa (CAVAROZI, 1988; FAUSTO e DEVOTO, 2004; PALERMO eNAVARO, 2007). Seguindo este raciocnio, apresentamos a seguir a contextualizaohistrica desses dois casos especficos, para embasar nossas comparaes entre as duastransies

    A transio na Argentina

    difcil se precisar no tempo ou em um fato histrico exatamente quando ocorrem astransies, por isso, normalmente se definem uma srie de acontecimentos que podemsimbolizar e marcar temporalmente a transio, que em alguns casos dura poucos meses (ouat dias) e em outros casos pode durar mais de uma dcada.

    Na Argentina - depois da dura represso dos anos 1976/1978 - no incio do ano de1980 a oposio comeou novamente a se manifestar, o plano econmico dos militares para aArgentina j demonstrava sinais de pleno fracasso e no fim de 1980 ressurgiu a CGT(Confederacin General del Trabajo) e os lderes partidrios (do Partido Justicialista, PJ e daUnio Cvica Radical, UCR, principalmente), reapareceram na cena poltica. Alm disso, seseguiram na presidncia militar do pas o general Roberto Eduardo Viola, depois LeopoldoFortunato Galtieri que, em 1982 iniciou o processo da guerra das Malvinas e, rapidamente,perdeu a guerra contra a Inglaterra em junho de 1982. Aqui, ento, o processo de transiotornou-se claro (FAUSTO e DEVOTO, 2004 p. 457/458). Quando o general Reynaldo

    Bignone assumiu a presidncia no ms seguinte (julho de 1982), j pode ser considerado umgoverno de transio no-civil. Convocou eleies livres e diretas para o ano seguinte, emoutubro de 1983, em dezembro do mesmo ano, 18 meses aps o fim da guerra das Malvinas, aArgentina j era governada novamente por um presidente civil eleito diretamente. As eleieslevaram ao poder Ral Afonsn da UCR (LINZ e STEPAN, 1999; FAUSTO e DEVOTO,2004; ROMERO, 2001; PALERMO e NAVARO, 2007). Para Linz e Stepan (1999), umatransio de 18 meses no pode ser considerada um colapso, como argumentam ODonnel,Schmiter e Whitehead (1988, p. 25). No houve um governo provisrio civil e as forasarmadas estavam to fragmentadas que no conseguiram impor nenhuma pauta aos partidospolticos. No houve, portanto, um pacto na transio argentina, entretanto, para estes autores,tambm no se pode falar em um colapso, mas, de qualquer forma, a transio argentina foi

    muito mais rpida que a brasileira e com uma dinmica bem diversa.

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    Regime e Oposio

    No dia 24 de maro de 1976 os comandantes Jorge Rafael Videla, Emilio EduardoMassera e Orlando Ramn Agosti deram um golpe de Estado na Argentina. O golpe foichamado de Processo de Reorganizao Nacional e Videla foi o presidente at 1978. Os

    militares implementaram um programa que se colocava como a soluo dos conflitos nasociedade argentina, trazendo o monoplio da violncia unicamente para o Estado. Essaviolncia seria fortemente usada para exterminar o conflito na sociedade. Houve cerca de 9mil casos de desaparecidos confirmados e investigados, mas as comisses de direitoshumanos avaliam em 30 mil o nmero correto. Isso tudo em apenas 3 anos de repressopesada (1976/1978), depois disso, a partir de 1980 j se pode considerar um perodo detransio.As organizaes de milcia de esquerda, como os Montoneros, foram dizimadas,mas mesmo depois disto a violncia se estendeu a diversos lderes sindicais, religiosos,advogados, militantes de direitos humanos, intelectuais e lderes polticos em geral.

    Todos os partidos, sindicatos, agremiaes e qualquer atividade de cunho polticoforam proibidas, alm da represso contra artistas, escritores, intelectuais e contra a imprensa.

    Assim, apenas a voz do Estado existia contra os indivduos isolados. O ideal autoritrio foi, namaioria das vezes, internalizado e instaurou-se a cultura do medo. O denuncismo e oostracismo eram recorrentes. Romero (2008) argumenta que em nenhum momento, nemmesmo na copa do mundo de futebol (1978), em que a Argentina foi campe, o regime logroualcanar adeso da populao. Romero (2008, p. 224) aponta ainda que o Estado tornou-seinoperante, corrupto e fragmentado, j que as 3 armas dividiram entre si cargos, ministrios efuncionrios, fazendo com que o aparelho estatal fosse paralisado por jogos de poder e faltade um controle estipulado. Nem mesmo o presidente e sua funo escaparam a essa diviso, jque com a formao da junta militar o poder daquele estava limitado pela atuao desta.

    O grupo mais extremista dentro das foras armadas, formado basicamente por LucianoBenjamn Menndez, Carlos Surez Mason e Ramn J. Camps defendiam que a represso(que eles comandavam) deveria seguir at as ltimas conseqncias. Estavam assim, emconflito permanente com o grupo de Videla e, principalmente, de Viola.

    As disputas internas foram acirradas pelo comando da presidncia e das forasarmadas, bem como vrias negociaes que permitiram Viola assumir o governo, mas quetambm fizeram com que ele fosse aposentado foradamente e Galtieri assumisse o poder. Nobreve governo de Viola os empresrios, que durante longo perodo estavam fragmentados edesconfiados do governo militar, foram includos no governo, mas essa incluso acabou juntocom o governo de Viola. Assim, os empresrios, muito afetados pela crise econmica,apoiaram, cada vez mais fortemente, a oposio ao regime. De 1976 at abril de 1979 ossindicatos foram subjugados inexistncia de fato, s existiam formalmente, j que seus

    lderes foram presos, as greves proibidas e as negociaes salariais encerradas (cf.PALERMO e NAVARO, 2007). Apenas em 1979, quando o regime dava seus primeirossuspiros de cansao, que os sindicalistas extremistas conseguiram organizar uma grevegeral, a qual os moderados no acataram, essa paralisao acabou com muita represso evrias prises. J no final de 1980 os sindicalistas retomaram a CGT, elegendo Sal Ubaldinicomo secretrio geral, um membro pouco conhecido na poca. Em 1981 a CGT organizounova paralisao geral, recebendo mais represso e no fim de 1981 (novembro) fez umamarcha pedindo po, paz e trabalho, sendo apoiados por alguns empresrios e pelosestudantes. A partir desse perodo as greves e paralisaes comearam a surgir mais amide,culminando, em 30 de maro de 1982, em uma manifestao na Plaza de Mayo, que ogoverno reprimiu fortemente, com cerca de 2 mil presos em Buenos Aires.

    As madres de la Plaza de Mayo, utilizando o apelo da maternidade e da famlia, queno podiam ser negadas pelos militares nem colocadas como subversivas, logo se tornaram o

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    centro do questionamento ao regime, sendo foco de ateno inclusive no exterior, com umapelo comovente e que colocava em pauta a represso que os militares queriam esconder.Segundo Romero (2008, p. 228),

    Desde o fim de 1981 os militares se viram obrigados a dar alguma resposta a umtema que pretendiam arquivar sem discusso [o tema dos desaparecidos], e ainda que de formageral tenham coincidido que a questo deveria ser encerrada, mostraram diferenas econtradies que aprofundaram suas dissenses anteriores e ampliaram um pouco mais abrecha por onde a opinio pblica, largamente calada, comeava a reaparecer.

    Nesse sentido, os movimentos de oposio ganhavam flego. As Madres de La Plaza deMayo ganharam, aos poucos, repercusso internacional, o que enfraqueceu ainda mais oRegime. Com os conflitos internos entre os prprios militares, no havia coeso depensamento, discurso e atuao, fazendo com que a sociedade legitimasse ainda mais osmovimentos contra a ditadura.

    Em 1981 acabou a proibio aos partidos e a Organizao Multipartidria foi formadapor peronistas, radicais e pequenos partidos apesar de frgil e sem lderes (ou com os

    mesmo lderes de 1975), essa organizao se comprometeu a no colaborar com o regime eno aceitar uma democracia tutelada. Junto com os demais movimentos que tomavam flego,at 1982 a oposio cresceu e fez-se notar.

    Desde 1980 os militares buscavam uma sada poltica, mas com as divises internas,que se agravaram na presidncia de Viola, a qual a marinha se ops. Viola comeou o dilogocom a sociedade principalmente empresrios e preocupava-se com uma eventual transiopoltica. Mas no obteve sucesso nem em deter a crise, nem em negociar com a sociedade. Nofinal de 1981, Viola adoeceu e foi retirado do cargo por seus opositores e assumiu apresidncia o general Leopoldo Fortunato Galtieri, que era tambm comandante em chefe dasforas armadas, quebrando assim uma regra imposta pelos prprios militares (no acumulaodesses 2 postos). Galtieri no tinha manejo poltico, mas havia passado tempos nos EstadosUnidos e apontava para laos estreitos com esse pas, o que lhe garantia uma imagem dealgum que poderia salvar o Processo. Seu ministro da economia foi Roberto Alemann, queaprofundou a crise, transbordando os protestos de empresrios e sindicatos. Alemannanunciou um programa de privatizaes (inclusive do subsolo) que despertou a contrariedadedos prprios militares. Assim, o governo Galtieri encontrou enorme resistncia, culminandocom uma grande manifestao da CGT em maro de 1982.

    Malvinas

    Nesse contexto, volta tona o conflito com a Gr-Bretanha pela questo das ilhas

    Malvinas, que existia desde 1833, mas que nunca havia sido priorizada, pela fora dooponente e pela impossibilidade de a Argentina agir de fato nesse setor. Com Galtieri e osuposto apoio dos Estados Unidos essa idia parecia a soluo para vrios problemas: aunificao das foras armadas para um objetivo comum; a conquista da legitimidade doregime pela obteno de um reclamo antigo da populao; a conquista de passagem para oPacfico perdida no conflito com o Chile em 1978. Alm disso, no passava pelos planosmilitares uma guerra, mas apenas uma ocupao, com o apoio efetivo dos Estados Unidos eento uma negociao com a Inglaterra.

    A ocupao ocorreu em 2 de abril de 1982, com o exrcito argentino vencendo poucastropas de defesa da Inglaterra que ficavam nas ilhas. Aps esse fato e de uma visita dosecretrio de Estado estadunidense houve uma ampla adeso social iniciativa.

    No entanto, a guerra era contra a Gr-Bretanha de Margareth Tatcher, que precisavatanto quanto os militares argentinos de legitimao, alm do que, a ala belicista e

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    conservadora do governo calou facilmente os pacifistas ingleses. A reao contra a Argentinaveio dura. A Inglaterra teve apoio da comunidade europia e da Organizao das NaesUnidas (ONU), foram postas severas sanses econmicas Argentina e ela foi consideranao agressora. Os Estados Unidos se retiraram das negociaes com o comeo dos ataquesingleses e colocou sanses Argentina, tambm oferecendo apoio logstico Inglaterra. A

    guerra comeou, mas as informaes que chegavam populao argentina eram apenas devitrias. A oposio, nesse momento, j colocava a questo de um governo de transio nops-guerra, principalmente a Unio Cvica Radical e seu lder, Ral Alfonsn. Em 14 de junhoa Argentina foi vencida e o governo comunicou a rendio, que deixou mais de 700 mortos.Os militares exigiam a renuncia de Galtieri, como se ele houvesse sido o nico responsvelpela derrota.

    A transio e o colapso

    Com o fim da guerra as falhas e cises do regime se tornaram ainda mais evidentes. Ajunta militar foi responsabilizada pela derrota, a marinha e a aeronutica se retiraram da junta

    e o exrcito imps o sucessor de Galtieri, o general Reynaldo Bignone. O governo militarprops a sada eleitoral, mas queria assegurar que sua sada do governo no seria umdesbande (ROMERO, 2008 p.235). O governo militar tentou ento negociar uma srie dequestes: polticas econmicas, presena das foras armadas no prximo governo, e,principalmente, a garantia de no investigao de corrupo, enriquecimento ilcito,seqestros, desaparecidos e torturas (a guerra suja como denominavam os militares). Essasnegociaes foram divulgadas pela imprensa, que retomava sua atividade sem censura e deforma sensacionalista, em novembro de 1982 e logo rechaada pela opinio pblica e pelaMultipartidria, que tinha como nico fio condutor o de no colaborar com o regime. AMultipartidria convocou uma grande manifestao pela democracia, que fez com que osmilitares marcassem as eleies para o final de 1983. A oposio crescia e a mobilizaopopular era cada vez mais forte, as denncias das prises, torturas e assassinatos cresciam acada dia. Enquanto isso as foras armadas se dividiam e enfraqueciam por seus conflitosinternos cada vez mais. As alianas antigas j eram irretomveis e os crimes do passadotornavam explcita a ilegitimidade do regime perante ele mesmo.

    Os partidos, organizaes de estudantes e movimentos sociais e sindicais cresciamvigorosamente, a CGT recuperava os sindicatos que estavam sob interveno estatal, entre1982 e 1983 diversas manifestaes e paralisaes foram feitas. No entanto, no havia maisum grande lder, como havia existido nos anos peronistas, a sada poltica era de conciliao.A esperana democrtica contagiava a todos, quando os partidos voltaram legalidade, cercade 1/3 da populao eleitoralmente ativa se filiou a algum partido, isso no apenas deu flego

    s discusses polticas como tambm renovou lideranas e formas de fazer e pensar polticana Argentina. Essa renovao se deu inclusive no peronismo (tradicionalmente nodemocrtico), mas alguns lderes antigos continuavam em cena, como o sindicalista LorenzoMiguel e Hermnio Iglesias. O candidato a presidncia do peronismo foi talo Luder, juristaque unia as foras novas e tradicionais do partido. J o radicalismo tinha como lder RalAlfonsn, que esteve a frente da oposio ao regime desde o incio e com seu discurso eatitude fez crescer a importncia da Unio Cvica Radical (UCR). Assim, novamente, UCR ePartido Justicialista (PJ) predominaram na cena poltica argentina das novas eleies.Alfonsn conquistou a populao com seu discurso democrtico e renovador, prometendonegociaes com todas as demandas sociais e responsabilizao dos militares por seus crimes,assim, ganhou as eleies dos peronistas, que nunca haviam perdido, a no ser para os

    diversos golpes militares que sofreram desde 1930.

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    A transio no Brasil

    O momento de abertura poltica no Brasil, ou de liberalizao (ODONNELL,SCHIMTER e WHITEHEAD 1988; MARTINS, 1988, LINZ e STEPAN, 1999 etc.) ocorreu apartir do governo de Ernesto Geisel, ainda em 1974, no entanto essa liberalizao foi parcial e

    muito restrita (DAHL, 1997 p. 56). Em 1977 h um grande retrocesso nesse processo deliberalizao, com o recesso da Cmara dos Deputados e o Pacote de Abril, a Lei Falco, de1976 estendida e os Senadores Binicos formam 1/3 do senado. Nesta pesquisaconsideraremos, portanto, que a transio poltica para um regime democrtico se inicia defato no Brasil apenas em 1979. Com a volta do pluripartidarismo, a lei de anistia e o fim doAto Institucional no. 5 (censura) que podemos considerar que a abertura poltica do regimeditatorial de fato avana e torna-se quase irrevogvel (FAUSTO e DEVOTO, 2004).

    No Brasil, o primeiro presidente civil eleito por vias indiretas, em 1985, 6 anosdepois da lei de anistia e 11 anos depois do incio do processo de liberalizao (1974).Entretanto, apenas em 1989 que h eleio livre e direta para um presidente civil,encerrando assim o ciclo da transio de regime poltico (FAUSTO e DEVOTO, 2004;

    DINIZ, BOSCHI e LESSA, 1989). Para Linz e Stepan (1999, p.21) a transio no Brasil s secompletaria com o governo Collor (eleies livres, governo de fato etc.), no entanto,consideramos aqui que o processo de transio ocorre at o momento das eleies de 1989,sem incluir o governo Collor como um todo.

    Regime e oposio

    Em 1. de abril de 1964 os militares brasileiros tiraram do poder o presidente JooGoulart e instauraram a ditadura militar. Entre os anos de 1964 e 1987 vrios generais sesucederam na presidncia da repblica. Ao contrrio da Argentina, no Brasil os militaresnunca haviam governado atravs de um regime ditatorial, eles j haviam sido instrumento deoutros golpes, como em 1930, mas nunca haviam instaurado uma ditadura militar de fato.Esse governo foi assim instaurado por um ato institucional em 9 de abril de 1964, houve acassao de vrios mandatos nesse perodo. Em 1965 foi instaurado o bipartidarismo. Aseleies nesse perodo foram mantidas parcialmente, mas controladas pela ditadura militar,havendo um partido de oposio legal, o MDB (Movimento Democrtico Brasileiro) e opartido de apoio ao regime, ARENA (Aliana Renovadora Nacional).

    Em 1966 foi promulgado o Ato Institucional n 5, que limitava de forma intensa asliberdades individuais de expresso e de imprensa. Vrios funcionrios pblicos e polticos(professores universitrios, prefeitos, governadores, deputados etc.) foram destitudos de seuscargos ou cassados, todo tipo de manifestao era duramente reprimida e com o passar do

    tempo e os vrios atos institucionais que foram executados, as prises por motivos polticos semultiplicaram.A ditadura brasileira, a princpio, no se caracterizou por uma violncia to explcita

    quanto a ditadura argentina (que foi uma das mais violentas do continente), mas ainda assimfoi marcada por prises, desaparecimentos e torturas. Alguns autores (cf. PEREIRA, 2010 eFAUSTO e DEVOTO, 2004) apontam para o fato de que a oposio no Brasil no era toorganizada e combativa quanto na Argentina, com algumas excees marcantes, como aguerrilha do Araguaia, que foi brutalmente exterminada, bem como grupos de guerrilhaurbana, como o liderado pelo ex-deputado Carlos Marighella. A violncia no Brasil, inclusivea tortura, foi mais institucionalizada e legitimada pelo regime e no feita de forma clandestinacomo na Argentina, mas isso no exclui a existncia de inmeros registros de

    desaparecidos.

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    Legitimao e processo de liberalizao

    Em 1967 foi promulgada a nova Constituio brasileira que oficializava algunsartifcios de governo, tais como os senadores binicos (senadores indicados diretamentepelos militares e com mandato vitalcio) e as indicaes do poder executivo federal para

    governadores dos estados. As eleies diretas para a Cmara dos Deputados foram mantidas,apesar de serem muito restritas, j que serviam para manter sob controle as elites regionais,alm de legitimar socialmente o regime.

    A combinao de: censura; grande crescimento econmico alcanado pelo regime como chamado milagre brasileiro; absteno de grande parte da oposio nas eleies; apoiodas elites regionais, que estavam inseridas nos postos de governo ou nas eleies legislativas;entre outros fatores, garantiram a legitimao do regime nas urnas, at o ano de 1974, ano emque a oposio comeou a se fortalecer. Nestas eleies a oposio conseguiu uma relevantevitria nas eleies legislativas e o general Ernesto Geisel assumiu a presidncia com umdiscurso de liberalizao. No entanto, essa liberalizao foi contraditria. A cada avano emdeterminado aspecto, havia um retrocesso em outros, com formas alternativas de manipulao

    pelo regime. Isso s foi possvel pelo grande controle sobre o processo de transio que oregime exerceu e foi tambm esse controle que possibilitou que o regime guiasse as eleiesseguintes. Com diversos artifcios, leis, decretos e ferramentas de controle, sendo os maisconhecidos a Lei Falco (1976) e o Pacote de Abril (1977), que limitavam as possibilidadesda oposio ter representantes eleitos e, inclusive, de fazer campanha poltica. O regimegarantiu assim sua legitimao atravs das urnas.

    A partir de 1979 que podemos considerar que h, de fato, um incio de abertura doregime, com a lei da anistia, a volta do pluripartidarismo, eleies diretas para governadoresdos estados e a extino do cargo de senador binico. Neste ano, assumiu a presidncia ogeneral Joo Figueiredo, indicado aps um processo de negociaes entre os grupos duros ebrandos do regime. Figueiredo assume com a promessa de democratizao, concede anistiaaos presos e exilados polticos e permite a criao de novos partidos, buscando fragmentar aoposio. Surgiram ento o PFL (Partido da Frente Liberal), de um racha da base do regime, oPDT (Partido Democrtico Trabalhista), o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), o PT (Partidodos Trabalhadores) e o MDB se tornou PMDB (Partido do Movimento DemocrticoBrasileiro), todos estes na oposio ao regime. O partido da base do regime tornou-se PDS(Partido Democrtico Social). Prorrogaram-se as eleies que aconteceriam em 1980 e houverepresso ao Congresso Nacional, que buscava recuperar certas prerrogativas legislativas.Seguiu-se o processo de abertura controlada. O maior objetivo do regime era uma transiolenta, gradual e segura (esse era, inclusive, seu slogan).

    Ao final de 1982, com uma sria crise econmica e denncias de corrupo, afloram

    as crises internas do regime. A ditadura havia sido at este ponto relativamente estvel,entretanto, as crticas crescem, inclusive dentro do prprio regime, acelerando o processo deabertura. Assim, em 1985, o regime mudou as regras de composio do colgio eleitoral queelegeria o prximo presidente da repblica, sobrerepresentando os estados agrrios, nos quaishavia uma forte dominao do PDS, garantindo a maioria nas eleies presidenciais de 1985.Entretanto, com a grande crise interna no regime e as dissidncias fortemente organizadas naFrente Liberal (futuro Partido da Frente Liberal PFL), o Colgio Eleitoral elegeu TancredoNeves como o primeiro presidente civil desde 1964 (o candidato do partido de oposio,PMDB), tendo como vice Jos Sarney, dissidente do regime. Apesar de uma grandemobilizao pelas eleies diretas, manifesta no movimento das Diretas J!, o primeirogoverno civil foi eleito de forma indireta, via colgio eleitoral. Alm disso, por motivo de

    doena, Tancredo Neves morre antes de assumir a presidncia, assumindo o governo o vice,Jos Sarney, que antes era apoio poltico da ditadura militar. Em 1986 foram convocadas

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    eleies diretas para representantes na Assemblia Constituinte, que foi instaurada a partir de1987 e promulgou a nova constituio em 1988. Assim, o Brasil s pde ser considerado defato uma democracia em 1989, com as primeiras eleies democrticas e diretas parapresidncia, culminando com a eleio de Fernando Collor de Mello.

    Possveis reflexes sobre os processos de transio

    Temos, a partir dessa breve reviso histrica - que esperamos, tenha auxiliado parauma melhor percepo do contexto das transies polticas - alguma noo das semelhanas ediferenas dos dois processos de transio aqui pesquisados. Podemos resumir as semelhanasao fato de que ambos os regimes se deram num contexto de crise econmica e que buscavamacabar com os conflitos acirrados na sociedade e eliminar a oposio, principalmente a decunho comunista. Alm disso, percebemos que nos dois pases a oposio demorou at sereerguer dos ataques deferidos pelos militares s organizaes partidrias e aos seus lderes.As organizaes que se opunham ao regime comeam a ganhar fora e legitimidade apenaspor volta de 1980, nos dois casos, e precisam se readaptar ao sistema poltico, fortemente

    modificado pelas ditaduras. A censura foi fato recorrente em ambos os regimes, nos doispases escritores, cantores, professores e diversos artistas e jornalistas precisaram sair do paspara escaparem das prises e torturas. A vigilncia escolas e universidades tambm erarecorrente. No Brasil, diversos espies se infiltravam nas salas de aula, na Argentina, vrioslivros eram levados s fogueiras.

    Nesse sentido, podemos apontar as diversas diferenas encontradas nos processos emquesto. A comear pela forma com que os regimes se impuseram. No Brasil a ditadurabuscou manter uma cortina de legitimidade, mantendo eleies e partidos, alm dos podereslegislativos, ao contrrio do regime argentino, que eliminou essas instancias. No entanto, essacortina de legitimidade forjada pela ditadura brasileira no ameniza o fato de que em ambosos pases a tortura, as perseguies e violncias foram recorrentes. Nesse sentido, podemosafirmar que a violncia na Argentina, no assumida pelo Estado militarizado, mas praticadapor ele, foi mais incisiva que a brasileira, talvez pelo fato de que a oposio armada naArgentina fosse muito mais representativa que a existente no Brasil. No entanto, importantelembrar que a violncia se estendeu aos civis, no militantes e, inclusive, polticos e clrigos.

    Quanto ao contexto econmico, podemos observar que a ditadura militar brasileiraalcanou uma certa estabilidade social e poltica porque logrou manter, por mais tempo, oplano econmico sob controle. Houve nos dois pases a iluso de um milagre econmico,que na Argentina durou por pouco tempo, j no Brasil foi mantida, custa de grandesendividamentos do Estado. Na Argentina a crise econmica da dcada de 1970,principalmente a crise do petrleo, ressonou de forma mais rspida na economia, fazendo com

    que a ditadura militar arcasse tambm com a insatisfao econmica da populao. J estapopulao sofria com a crise, agravada, sem dvida, por um aparelho estatal incompetente ecrivado de disputas entre as correntes das foras armadas. No Brasil a crise s atingiu areputao da ditadura j no incio da dcada de 1980, auxiliando, sem dvida, a oposio aganhar a simpatia e apoio da populao, que sofria com ndices muito altos de inflao.

    A ditadura argentina tambm perdeu muito de sua legitimidade - sendo esse,certamente, um dos fatores mais importantes para a ruptura que ocorreu no regime com aguerra das Malvinas. Esse conflito, alm de deixar um saldo grande de mortos entre ossoldados que foram enviados, no trouxe nenhum benefcio ao pas, ao contrrio, com esseconflito a Argentina sofreu com embargos econmicos e polticos de diversos pases. Essaguerra, que comeou no intuito do regime de obter aprovao junto populao, acabou

    sendo o fator catalisador da queda da ditadura militar.

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    O Brasil no passou por conflitos externos, seus conflitos internos no eram toradicalizados como os que ocorriam na Argentina e isso propiciou ditadura brasileira ummaior controle do processo de transio. Enquanto na Argentina a Multipartidria, ascomisses pelos direitos humanos e as Madres de La Plaza de Mayo no permitiam umanegociao com os militares, aproveitando a conjuntura de crise para, no s retomar a

    democracia, como tambm garantir a punio dos ditadores e torturadores; no Brasil aoposio negociou o tempo todo, ao mesmo tempo que os militares abriam o regime, sem noentanto, perderem seu poder. A proposta de uma transio lenta, gradual e segura seconsolidou com a atuao dos generais da ditadura e seus colaboradores, no havendo ummomento sequer em que a oposio conseguisse de fato uma vitria completa, todas asvitrias em direo democracia foram parciais, isso estando explcito na eleio do primeiropresidente civil do perodo, sendo uma eleio ainda indireta e com forte controle dosmilitares, apesar da grande presso popular, com o movimento Diretas J, e da fora daoposio, verificada na vitria de seu candidato.

    Ficam claras essas semelhanas e diferenas, que nos suscitam outras inquietaes,principalmente no que diz respeito atuao dos lderes polticos, do regime e da oposio,

    que atuaram efetivamente a favor ou contra o processo de transio, bem como ainda necessrio um estudo mais aprofundado e focalizado sobre os conflitos e escolhas que osdirigentes de ambas as ditaduras fizeram e que, em ultima instancia, influenciaram nesses doisprocessos de democratizao. Assim, encerramos este trabalho com o objetivo principal ode uma apreciao histrico-comparada concludo, mas conscientes de que este estudo apenas preliminar e que deve servir de substrato para o aprofundamento das pesquisascomparativas entre estes dois processos de transio.

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