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Trecho sobre Galvao Bueno

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Reclamar do Galvão virou hábito. Equi-

vale a comentar, no elevador, sobre o clima (“Qua-

tro estações no mesmo dia!”) ou a conexão do ce-

lular (“Ah, essa Tim…”). Todo mundo concorda,

apesar de essas opiniões não trazerem nenhuma

grande contribuição ao pensamento ocidental.

o futebol preciSa de galVão bueno

Eruditos do futebol costumam

mudar de canal à procura de

narradores com mais apreço às

questões técnicas, às estatísticas

e às estratégias da partida. Há

um problema nessa atitude. Fu-tebol não é matemática ou

estratégia fria como a de um jogo

de xadrez.

Assim como o tempo e a linha te-

lefônica de vez em quando vão

bem, o principal narrador esportivo do Brasil tam-bém merece uma defesa.

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Vencer a partida é bom – por isso estatísticas e táticas

têm seu valor para uma parcela dos torcedores. Mas,

como o brasileiro não gosta de futebol, e sim de seu time, o que realmente torna os torce-

dores apaixonados pelo esporte é o aspecto dramáti-

co: a virada aos 45 minutos do segundo tempo, o 3 a 2

cheio de surpresas, a derrota dolorosa, o gol anulado

injustamente, a disputa da final nos pênaltis, a vitó-

ria longamente esperada. E se tem algo que Galvão

Bueno sabe fazer é dar valor ao potencial dra-mático do futebol. O próprio Galvão define-se

como um vendedor de emoções.

Tudo bem que de vez em quando ele troque o nome dos jogadores, pro-

nuncie o mesmo jargão sete vezes segui-

das, não tenha muita exatidão ao analisar a

partida ou insista que o juiz errou ao mar-

car lateral mesmo quando a câmera mos-

tra a bola meio metro para fora do campo.

O que importa é que Galvão cumpre sua tarefa: tornar o futebol uma história tão dolorosa quanto um dramalhão mexicano e tão teatral

quanto uma boa novela das oito.

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guia politicamente incorreto do futebol286

atrasar salário deixa os rivais menos competitivos, não o seu time

Vampeta é autor de uma das frases mais geniais do

futebol brasileiro. Sobre o Flamengo de 2001, afundado em

dívidas e atrasos salariais como em todos os outros anos da

história do clube, o jogador afirmou: “Eles fingiam que pa-

gavam e a gente fingia que jogava”.16 A verdade é que o ru-

bro-negro deve dar graças à política do “eu finjo que pago

e você finge que joga”, pois sem ela não teria se mantido na

primeira divisão do Campeonato Brasileiro nem chegado à

final da Copa Mercosul naquele ano.

Prometer salários maiores do que os que a situação

financeira permite é uma prática comum no futebol brasi-

leiro. Grandes clubes como o Flamengo usam essa estratégia.

É uma aposta dupla: no alto valor do salário e no prestígio

de jogar no Rio de Janeiro com a camisa do time de maior

torcida do Brasil. Não há atrativo mais eficiente para poder

contar com os melhores jogadores do mercado.

O Flamengo que fingia que pagava em 2001 tinha o

goleiro Júlio César e o zagueiro Juan, revelações do clube

que se tornariam jogadores da seleção brasileira e alcança-

riam grande sucesso no futebol europeu. Tinha o sérvio Pet-

kovic, ídolo do time e um dos principais craques do país –

algumas pessoas pediam a ele que se naturalizasse para que

pudesse vestir a camisa da seleção brasileira. E tinha Vam-

peta e Edílson, que venceriam a Copa do Mundo em 2002.

Se prometesse somente um salário que pudesse pagar,

o Flamengo fatalmente não teria nenhum desses cinco cra-

ques no elenco. Eles estariam no mercado e deixariam mais

fortes alguns adversários do Flamengo. Com a sua estratégia,

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