3
apa Projetos Nota 10 e anos o trunfo da sala multisseriada Parlendas na ponta da língua e duplas produtivas favorecem o avanço de todos Texto RAISSA PASCOAL • Design JACQUELlNE HAMINE • Edição BEATRIZ VICHESSI 40 NOVEMBR02015 novaeKola.org.br E m Santo Antonio do Viradouro, povoado de Meridiano, a 546 quilômetros de São Paulo, as crianças brincam pulando corda ao som de Su- co Gelado e Salada, Saladinha. Essas parlendas e outras cantigas atravessam gerações não só lá, mas em outros cantos do país. Não à toa, é raro encon- trar quem nunca as ouviu. Rosana Gandolphi, professora da EMEF Odair de Oliveira Silva, se valeu do conhecimento que a garotada tem na ponta da língua para ajudar no avanço da aquisição da leitura e da escrita dos alunos de 1º e 2º anos de uma sala multisseriada. Apesar de muitos docentes temerem lecionar para turmas heterogêneas como a de Rosana, ela usou essa característica a favor da aprendizagem de todos. "A docente encara a diversidade de sa- beres como uma vantagem didática. Para isso, proporciona momentos de trabalho coletivo, faz

trunfo da sala multisseriada - Vera Cruzsite.veracruz.edu.br/doc/ise/trunfo_sala_multisseriada_nova_escola... · de para ser usada como fonte de consulta. A etapa seguinte consistiu

  • Upload
    ngominh

  • View
    215

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

apa Projetos Nota 10

1º e 2º anos

o trunfo da salamultisseriadaParlendas na ponta da língua e duplasprodutivas favorecem o avanço de todosTexto RAISSA PASCOAL • Design JACQUELlNE HAMINE • Edição BEATRIZ VICHESSI

40 NOVEMBR02015 novaeKola.org.br

Em Santo Antonio do Viradouro, povoado deMeridiano, a 546 quilômetros de São Paulo,

as crianças brincam pulando corda ao som de Su-co Gelado e Salada, Saladinha. Essas parlendas eoutras cantigas atravessam gerações não só lá, masem outros cantos do país. Não à toa, é raro encon-trar quem nunca as ouviu.

Rosana Gandolphi, professora da EMEF Odairde Oliveira Silva, se valeu do conhecimento que

a garotada tem na ponta da língua para ajudar noavanço da aquisição da leitura e da escrita dosalunos de 1º e 2º anos de uma sala multisseriada.

Apesar de muitos docentes temerem lecionarpara turmas heterogêneas como a de Rosana, elausou essa característica a favor da aprendizagemde todos. "A docente encara a diversidade de sa-beres como uma vantagem didática. Para isso,proporciona momentos de trabalho coletivo, faz

com que as crianças realizem atividades, às vezesindividualmente, às vezes em duplas, colocandoem jogo os conhecimentos que já têm", afirmaAndréa Luize, selecionadora dos trabalhos de al-fabetização do Prêmio Educador Nota 10 e coor-denadora do Instituto Superior de Educação VeraCruz (ISE Vera Cruz), em São Paulo.

A ideia de Rosana foi convidar a meninada pa-ra resgatar brincadeiras cantadas e parlendas quejá conheciam, além de aprender novas. Depois, aturma compilou as mais queridas em um livro. Aescolha de trabalhar com textos memorizados éurna prática bem-vinda em sala de aula porquedá ao aluno a oportunidade de ler ao mesmo tem-po que tem contato com materiais com propósitosocial real. Com eles, as crianças têm a chance deconstruir relações entre o texto já memorizado ea escrita correspondente. E mais: dessa maneira,é possível se concentrar em como escrever, sem sepreocupar com o conteúdo.

Atenção às hipóteses de escritaRosana fez urna avaliação inicial para saber emqual hipótese estavam os 13 estudantes. "Pedi queescrevessem o título de algumas cantigas do jeitoque imaginavam ser. Ao analisar os resultados,concluí que trabalharia com crianças de pré-silã-bica a alfabética", diz a professora. Para se organi-zar, registrou as hipóteses de cada uma a fim deacompanhar a evolução ao longo do ano. Issotambém serviu como um documento de apoiopara que ela pensasse as duplas produtivas - or-ganização em que o professor agrupa crianças quetêm hipóteses de escrita próximas, de forma queuma possa contribuir com a outra. "Pensei comcuidado o que propor para que os alunos maisavançados não desanimassem e, ao mesmo tem-po, que os iniciantes não enfrentassem desafiosmaiores do que podiam encarar;'

Depois, ela perguntou às crianças quais eramas cantigas e as parlendas que mais gostavam epediu que conversassem sobre isso com os pais."A ideia era aumentar o repertório da classe",con-ta. No dia da socialização dos resultados, a turma

selecionou as cantigas que mais agradaram e Ro-sana fez uma lista no quadro. Depois de pronta,ela foi digitada pela professora e afixada na pare-de para ser usada como fonte de consulta.

A etapa seguinte consistiu na leitura de canti-gas e parlendas. A docente convidou as crianças alocalizar palavras no texto e as incentivou a utili-zar referências. "Os alunos não alfabéticos coloca-vam em jogo as hipóteses que tinham e confron-tavam as ideias com os colegas, buscando apoiona lista de nomes da turma e na lista de títulosque fizemos", diz. A proposta de Rosana é válidaporque os alunos aprendem a ler e a escreverquando estão mergulhados em práticas sociais deleitura e de escrita. "Mesmo quando ainda não sãoalfabéticos, o ideal é planejar situações em queentrem em contato com pequenos textos, conhe-cidos ou não, e comecem a refletir sobre a escritanesse contexto", diz Elisabete Monteiro, formado-ra do Instituto Chapada de Educação e Pesquisa(Icep) e professora da Universidade Estadual daBahia (Uneb). Importante: note que Rosana rea-liza situações de leitura inclusive com crianças

Rosana

Formada emLetras e Pedagogiapela Unifev,com

pós-graduação emNeuropedagogia

e Educação Infantilpela Faec.

"Trabalhar por11anos na Apaefoi importante.Lá convivi com

grande diversidadede saberes e depossibilidades."

novaescola.org.br NOVEMBRO 2015 41

Capa Projetos Nota 10

Alfabetização 11 º e 2º anos

que ainda não sabem ler. Atividades dessa natu-reza não costumam ser valorizadas em projetosde alfabetização. "Muitos professores fazem osalunos começarem a trabalhar direto com a escri-ta, desconsiderando que a leitura também temmuito a contribuir para que todos os estudantesavancem", explica Andréa.

"Num projeto didático, devemos seguir umasequência lógica de atividades visando o que de-sejamos que o grupo aprenda e produza", explica

r

42 NOVEMBRO 2015 novaescola.org.br

Beatriz Gouveia, coordenadora de projetos doInstituto Avisa Lá e professora da pós-graduaçãoem Alfabetização do ISE Vera Cruz. Rosana to-mou esse cuidado e outros: as atividades foramplanejadas pensando no agrupamento de alunoscom hipóteses próximas. "Buscar alternativas pa-ra que eles interajam é uma vantagem didática.Um pode desafiar o outro ao fazer uma perguntae quem já sabe um pouco mais aprende a siste-matizar as informações", diz Elisabete.

Do alfabeto móvel à segmentaçãoPara alunos com hipótese silábica com e sem va-lor sonoro, Rosana pediu que escrevessem títulosdas cantigas com letras móveis. Para os silábico--alfabéticos, as tarefas eram colocar as palavras dascantigas em ordem e completar lacunas de umtexto. "Atodo momento, fazia intervenções e per-corria a sala para auxiliar", diz a professora.

À medida que as atividades iam sendo realiza-das, ela avaliou os avanços e documentou as ne-cessidades de aprendizagem no mapa de sonda-gem. Nele, descrevia a hipótese de escrita em queas crianças estavam. "E anotava o estudante quenão estava reagindo como eu gostaria, o porquêe em que eu tinha de melhorar", conta.

Quando os alunos,já tinham alcançado um\

conhecimento maior sobre o sistema de escrita,Rosana propôs a algumas duplas que trabalhas-sem com a segmentação do texto. Ela entregouuma cantiga com as palavras escritas sem espaçoe solicitou que as separassem. Outra atividade foia escrita de uma parlenda, também em duplas deum silábico-alfabético e um alfabético.

Ao final do projeto, ela pediu para as criançasescreverem os mesmos títulos de cantigas da son-dagem inicial. A comparação entre as duas mos-trou um progresso notável. A evolução tambémfoi percebida pela turma. "Aprendi a ler e a escre-ver e a cantar letras que não conhecia", comemo-ra Fernanda da Cruz Garcia, 8 anos.

O livro ilustrado com cantigas e parlendas, re-sultado de três meses de trabalho - além de mui-to aprendizado, é claro -, foi dado como presentepara quatro escolas de Educação Infantil da regiãodo povoado de Santo Antonio do Viradouro.

"Se Rosana tivesse feito que os estudantes do1º e do 2º ano trabalhassem separadamente, semtrocar ideias, ou proposto projetos diferentes pa-ra cada uma das séries, as crianças certamenteteriam avançado menos", avalia Andréa. _