Tumucumaquw

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    SUMRIO

    PRFACIO ................................................................................................................. 1

    APRESENTAO ..................................................................................................... 2

    1. UMA ANLISE DAS TEORIAS, DOS DISCURSOS E DAS PRTICAS DE

    GESTO AMBIENTAL NA TERRA DO TUMUCUMAQUE ............................

    3

    2. CONSERVACIONISMO E SOCIOAMBIENTALISMO: Principais

    Instrumentos Normativos e de Gesto Pblica .......................................................

    12

    3. O AMAP SELVAGEMDOS CONSERVACIONISTAS ............................ 16

    4. AS INSTITUIES PBLICAS E A CONSERVAO .................................. 28

    5. GRUPO DE TRABALHO DO TUMUCUMAQUE ............................................ 32

    6. A INSERO AMBIENTAL DO PODER LEGISLATIVO DO AMAP ..... 34

    7. DO PROJETO SARNEY AO CORREDOR DE BIODIVERSIDADE DO

    AMAP .......................................................................................................................

    38

    8. OS POSSVEIS BENEFCIOS DO PARQUE DO TUMUCUMAQUE ........... 43

    DEDICATRIA ......................................................................................................... 47

    ANEXOS ..................................................................................................................... 48

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    PRFACIO

    Quanto custa produzir uma obra de senso crtico? Certamente, somente aqueles queconseguem faz-la saberiam dizer o que tiveram que pagar. No caso do livroTUMUCUMAQUE: o Big Park e a Histria do Conservacionismo no Amap , quetive o privilgio de conhecer com antecedncia, talvez at possa avaliar parte do preo queMarco Chagas teve de pagar: dedicao redobrada, inconformismo perante fatos poucoconvincentes nas tantas oportunidades de convivncia profissional.

    J na dcada de 90, quando o estado do Amap comeava a dar seus primeiros passos paraassumir encargos maiores sobre a poltica ambiental da regio, l estava o jovem Marco

    participando com firmeza de toda organizao institucional e funcional reinantes.

    Os anos passaram, mas o dileto amigo no parou de se envolver com as questesambientais de nosso Amap. Sempre preocupado em melhor entender e responder as tantasindagaes que fazem parte das discusses ambientais, procurou na especializaoacadmica ampliar cada vez mais tudo aquilo que o Pai Criador lhe tinha colocado disposio. E, o resultado, no poderia ser diferente: uma anlise de nvel da participaodo estado do Amap na questo ambiental brasileira, aguada pelo esprito crtico de quemacompanha a situao ora como observador, ora como protagonista.

    J numa primeira leitura de TUMUCUMAQUE: o Big Park e a Histria doConservacionismo no Amap tem-se a ntida sensao da riqueza documental da obra,ilustrada pela busca incessante de argumentos e provas que demonstram a preocupaocom a autenticidade da informao. Relendo-a, vai-se aprendendo que, apesar do poucotempo de envolvimento do Estado com a questo ambiental, tem-se a partir de agora muitoa conhecer caso queiramos discuti-la com procedncia. J estava na hora de termos disposio, informaes to procedentes sobre os acontecimentos que acercaram econtinuam acercando a questo ambiental no Amap. E, isto, TUMUCUMAQUE: o Big

    Park e a Histria do Conservacionismo no Amap, oferece da primeira a ltimapgina. Anlise isenta ou espirituosa adornada por ricas narrativas histricas dos fatos.

    Ao que parece esta foi a maior inteno do autor, que no uso de suas qualificaes buscaoferecer uma grande oportunidade para adentrar prpria histria do ambientalismo emnosso Estado, atualizando e revisando posturas e conceitos ainda poucos fundamentados.

    TUMUCUMAQUE: o Big Park e a Histria do Conservacionismo no Amap ,tambm um oportuno convite ao envolvimento co-responsvel em torno das decises

    polticas que promoveram profundas transformaes na autonomia territorial do prprioEstado. A bem da verdade, ao trazer para o conhecimento pblico discusses acadmicasque aliceram a grande base do pensamento ambientalista no mundo, passa-se a ter na

    referida obra um importante referencial para orientar futuras decises sobre o ambientenatural do Amap e de suas populaes associadas.

    Assim, da mesma maneira que Marco me deu a satisfao da primeira leitura de sua obra,quero reparti-la com todos aqueles que direta ou indiretamente estejam interessados nofuturo deste Estado, indicando-a como base de informao e como fonte de reflexo sobreos caminhos da conservao ambiental no Amap.

    Benedito Vitor Rabelo

    Macap-Amap, 01/11/2007

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    APRESENTAO

    Em 2002 ainda exercia a funo de representante da extinta Secretaria de Coordenao daAmaznia, do Ministrio do Meio Ambiente no Amap, oportunidade que me foiconcedida pela antroploga Mary Allegretti. Naquele ano, assim como nas ltimas duasdcadas, a Amaznia era mais uma vez objeto das estatsticas alarmantes de desmatamentoanunciadas em ares de denncia pelos principais meios de comunicao do planeta, darevista Time ao site do jornalista Correa Neto (www.correaneto.com.br). At entonenhuma novidade, pois desde 1988 quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais -INPE comeou a calcular o desmatamento da floresta amaznica, as taxas anuais tm sidoincrementadas na mesma proporo da ineficincia dos instrumentos de gesto ambientalaplicados pelas instituies pblicas. A nica novidade, e acompanhei sopros dessa triste

    passagem, o fato da Amaznia transgredir na gesto ambiental de uma condio desujeito para a condio deobjetoda histria, com a devida vnia do educador PauloFreire.

    2002 tambm era o ano da Conferncia Mundial sobre Desenvolvimento Sustentvel,

    realizada na cidade de Joanesburgo, na frica do Sul, bero do aparthaid britnico e dolder de contraposio, Nelson Mandela. Os avanos dos dez anos de gesto ambiental soba gide das Naes Unidas a partir da ECO 92 deveriam ser avaliados em Joanesburgo. AAmaznia, como uma das regies que ainda abrigam remanescentes de floresta tropicalsobre o planeta, seria uma das estrelas da conferncia, considerando um maiorentendimento cientfico sobre a importncia das florestas para a regulao do clima do

    planeta. A Amaznia perdendo anualmente 18.000 km2 de floresta, de um total acumuladode mais de 700.000 km2 (quase cinco vezes a rea do Estado do Amap) e o Brasilentrando para o ranking dos maiores emissores de CO2 do planeta, o que o GovernoBrasileiro teria a mostrar de avano em Joanesburgo?

    De Joanesburgo 2002 a Amaznia 2007 muitas coisas aconteceram. O apartheidatravessou o oceano e Mandela no existe por aqui. Chico Mendes chegou ao poder e osmovimentos sociais trocaram a floresta pelos gabinetes de Braslia. O Tumucumaque foidescoberto pelos bilogos conservacionistas e tornou-se mais um parque made in USA.

    22 de agosto de 2007. At esta data o IBAMA deveria ter elaborado e entregue sociedadeo Plano de Manejo do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque1, conformedetermina a lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza

    SNUC. Mas, como declama Renato Russo: ...ningum respeita a constituio, mastodos acreditam no futuro da nao...Esse aspecto legal prefiro deixar para um debateoportuno, pois no sei se a existncia do Plano de Manejo do Parque mudaria alguma coisana trajetria dos descumprimentos das polticas pblicas construdas para a regio oumesmo como afirma o professor Armando Mendes ao ser indagado sobre seus resultados:nada!

    Entretanto, o prposito deste trabalho no criticar as instituies e seus descaminhos,pois isso poderia me levar a cometer injustias, principalmente com muitosconservacionistas libertrios que ousam em descumprir o receiturio cartesiano daracionalidade do conhecimento ocidental, quebrando tradies positivistas e lineares de

    pensar. A maior inteno aqui ofertar, sem nenhuma priso ao determinismo cientfico,uma reflexo sobre os conhecimentos rivais que sustentam o debate ambiental, com nfase

    para o processo histrico de criao de reas protegidas no Amap e em especial do maiorparque de floresta tropical do planeta: O PARQUE NACIONAL MONTANHAS DO

    TUMUCUMAQUE, o BIG PARK.1O Plano de Manejo do Parque do Tumucumaque (2009) encontra-se no site do Instituto Chico Mendes.

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    1. UMA ANLISE DAS TEORIAS, DOS DISCURSOS E DAS PRTICAS DEGESTO AMBIENTAL NA TERRA DO TUMUCUMAQUE

    Os fundamentos tericos da gesto ambiental destacam as conferncias da Organizao dasNaes Unidas - ONU realizadas para discusso de problemas ambientais globais -Estocolmo 1972, Rio de Janeiro 1992 e Joanesburgo 20022 -, com nfase para asmudanas climticas e perda da biodiversidade, conseqncias do modelo de

    desenvolvimento econmico adotado pelas naes industrializadas do Norte. Comoresultado das conferncias da ONU, nas trs ltimas dcadas, intensificou-se em todomundo a criao de instituies com atuao na rea ambiental. Estas instituies,influenciadas por correntes do pensamento ambiental, passaram a adotar diferentesinstrumentos de gesto para amenizar os impactos das atividades degradadoras do meioambiente e das relaes desiguais Norte-Sul quanto ao acesso aos benefcios dos serviosambientais.

    Entre as correntes do pensamento ambiental que tm influenciado a construo de polticaspara o setor, destacam-se o conservacionismo3 e o socioambientalismo. Esse parece umdebate ultrapassado, pois como descreve Rojas4:

    A Cpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro em 1992, ao promulgar odesenvolvimento sustentvel, adentrou-se definitivamente na intricada trama doambiental e do social, acabando por reconhecer a pobreza, a misria e asdesigualdades dos grupos populacionais como problemas ambientais, toambientais quanto a eroso, a desertificao, o desmatamento e a contaminao.

    Mas, como acredito que o conhecimento se constri pela negao da lgica e da razoindolente, no consigo resistir algumas provocaes.

    Conservacionismo

    A compreenso da evoluo do conservacionismo encontra na obra de Keith Thomas5,sobre as mudanas de atitudes do homem em relao ao mundo natural na Inglaterra dosculo XVI ao sculo XVIII, uma importante referncia. Destaca esse autor, que at osculo XVIII predominava a viso imperativa de que o homem estava acima da natureza,sobretudo dos animais, seres considerados inferiores e desprovidos de inteligncia, assimcomo os pobres, negros, ndios, mulheres e irlandeses. Data da Inglaterra do sculo XVII acriao de reservas de caa para uso exclusivo da nobreza, pois os animais existem para

    servir ao homem, acrescenta em sua obra Keith Thomas.

    A partir do sculo XVIII, a crescente reduo da qualidade de vida nas cidades daInglaterra decorrente do processo de industrializao e crescimento populacional associado

    converso de paisagens naturais pela expanso da fronteira agrcola, desperta avalorizao do mundo natural. A opo do campo, onde o contato do homem com o mundonatural harmonioso e pacfico e a qualidade de vida tida como sinnimo de vida simplese humilde equivalente quela das comunidades campestres e pastoris, introduz osfundamentos dos conceitos de conservao e de equilbrio entre homem e natureza.

    Nessa poca surgem as primeiras prticas de conservao da natureza por meio da

    2A Rio+20 motiva novas anlises sobre a gesto ambiental, seus avanos e desafios.3Os termos conservacionismo e preservacionismo se igualam, pois, apesar da legislao os diferenciar, noencontrei argumentos convincentes para no trat-los como sinnimos.4ROJAS, Luisa Iiguez. Lo Socioambiental y el bienestar humano. Revista Cubana de Salud Pblica.22

    (1), 1996.5THOMAS, Keith. O Homem e o Mundo Natural: mudanas de atitude em relao s plantas e aosanimais (1500-1800).Traduo Joo Roberto Martins Filho. So Paulo: Companhia das Letras, 1988.

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    instituio de santurios privados da nobreza e posteriormente pelo aparecimento demovimentos naturalistas que aderem ao vegetarianismo como forma de repudiar oconsumo de carne de animais abatidos com crueldade.

    A idia de criao de reas protegidas uma das mais antigas estratgias de gestoambiental em todo o mundo. Est associada prticas do conservacionismo, correnteambiental cuja histria de concepo remonta a Europa do sculo XVI e consolida-se

    definitivamente como poltica ambiental nos EUA no final do sculo XIX com a criao devrios parques nacionais, como o Parque Nacional de Yellowstone (1872), o ParqueNacional de Yosemite (1890), entre outros, a maioria na parte oeste do territrio norte-americano, onde as populaes indgenas foram dizimadas pelo povoamento civilizado.Os Parques Nacionais dos Estados Unidos foram criados para conservar santurios naturaise proteger paisagens exuberantes, transformando-se gradativamente em smbolos doconservacionismo no mundo inteiro.

    O conservacionismo tambm desperta crticas. Pascal Acot6, por exemplo, ao fazerreferncia s intervenes do homem sobre o ambiente natural que ocorrem de formacrescente entre o fim do sculo XIX e o incio dos anos 70, principalmente peloestabelecimento de reas protegidas, comenta o fato de que esse processo seria mais umamanifestao visionria de conservadores que pregam o retorno ao sagrado, onde anatureza objeto de reverncia religiosa. Essa posio seria reafirmada no sculo XXatravs da ao conservacionista que defende o domnio do conhecimento sobre osecossistemas, tendo principalmente bilogos e eclogos materialistas, herdeiros do

    pensamento cartesiano como principais representantes.

    O antroplogo Antonio Carlos Diegues7 distingue duas linhas do pensamentoconservacionista: a ecologia profunda e a biologia da conservao.

    A ecologia profunda surgiu no incio da dcada de 70 e seguiu uma linha biocntrica, cominfluncia espiritualista ou religiosa. V o homem como mais uma parte da teia da vida e

    defende princpios ticos para reger as relaes homem-natureza. O fsico Fritjof Capra

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    ,com base em princpios eco-filosficos, faz uma relao da ecologia profunda com achamada filosofia perene das tradies espirituais, quer falemos a respeito daespiritualidade dos msticos cristos, dos budistas, ou da filosofia e cosmologia subjacentess tradies nativas norte-americanas. Conceitua ainda uma outra vertente da ecologia - arasaque segundo esse autor antropocntrica, ou centralizada no ser humano, vendo anatureza apenas pelo valor instrumental, ou de uso.

    A biologia da conservao uma disciplina cientfica que nasceu no final dos anos 60, como objetivo de associar cincia e gesto ambiental. Segundo Antonio Carlos Diegues, a

    biologia da conservao tem uma viso reducionista do conceito de meio ambiente, pois oconsidera somente segundo uma dimenso exclusivamente biolgica ou natural. As

    prticas dessa filosofia conservacionista so consideradas como autoritrias e estoassociadas criao de Parques Nacionais, tendo como prepostos agnciasconservacionistas internacionais, como a Unio Internacional para a Conservao da

    NaturezaIUCN (sigla em ingls de International Union for Conservation of Nature) e o

    6ACOT, Pascal. Histria da Ecologia.Traduo de Carlos Gomes. Rio de Janeiro: Campus, 1990.7DIEGUES, Antonio Carlos. Etnoconservao da Natureza: Enfoques Alternativos. In: Etnoconservao:novos rumos para a proteo da natureza nos trpicos. Antonio Carlos Diegues (org.). So Paulo:

    Hucitec/Nupaub-USP, 2000.8CAPRA, Fritjof. As Conexes Ocultas: cincia para uma vida sustentvel.Traduo Marcelo BrandoCipolla. So Paulo: Editora Cultrix, 2002.

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    Fundo Mundial para a Natureza WWF (sigla em ingls de World Wide Fund forNature)9.

    Em contraposio, os conservacionistas John Terborgh e Carel Van Schaik10afirmam queo mundo necessita de parques. Mesmo reconhecendo erros do passado, refutam as posiesde alguns scioambientalistas que consideram o estabelecimento de parques em pases emdesenvolvimento uma forma de imperialismo cultural e de futuro econmico duvidoso. O

    mundo globalizado um mercado livre e aberto de valores culturais e alm do mais osbenefcios dos parques para a coletividade so considerados superiores aos nus que

    recaem sobre as populaes afetadas, argumentam os conservacionistas.

    Os Big Parks em reas de Floresta Tropical no Planeta

    Parques Nacionais Pas rea (Km2)

    Tumucumaque

    Salonga

    Parima-TapirepecKaa-iya

    Canaima

    Gunung Lorentz

    Ja

    Pico da Neblina

    Madidi

    Manu

    Brazil

    Congo

    VenezuelaBolvia

    Venezuela

    Indonesia

    Brazil

    Brazil

    Bolvia

    Peru

    38.670

    36.560

    34.42034.411

    30.000

    25.050

    22.720

    22.000

    18.957

    17.000Fonte: Organizado pelo autor

    Socioambientalismo

    Enquanto o conservacionismo tem uma forte ligao com as cincias naturais, sobretudo abiologia, o socioambientalismo pode ser interpretado como o encontro da sociologia com aquesto ambiental. O socioambientalismo v os seres humanos primeiramente como seressociais, no como espcie diferenciada. Critica a noo de Estado e propem umasociedade democrtica, descentralizada e baseada na propriedade comunal de produo.Diferentemente do conservacionismo, o socioambientalismo procura analisar ascaractersticas e os padres culturais das organizaes sociais envolvidas, como

    promotores ou afetados pela atual crise ecolgica e estimular a construo social de

    polticas ambientais.Uma das vertentes do scioambientalismo na Amaznia pode ser associada atuao dosmovimentos de populaes tradicionais, principalmente dos seringueiros acreanos, quedivergiram das formas de dominao exploradora e antiecolgica dos fazendeiros sulistas,contrapondo-se atravs da organizao dos trabalhadores em defesa dos direitos de vivernum seringal sem patro. Esses movimentos na Amaznia podem ser percebidos comouma alternativa social do pensamento ambiental, que no se enquadram to somente s

    9 Para aprofundar: DIEGUES, Antonio Carlos. (Org.) A ecologia poltica das grandes ONGstransnacionais conservacionistas. So Paulo: NUPAUB-USP, 2008, 193 p.10TERBORGH, John; SCHAIK, Carel Van. Por que o Mundo Necessita de Parques. In: TERBORGH, Johnet al. (orgs.). Tornando os Parques Eficientes: Estratgias para a conservao da natureza nos trpicos.Curitiba : Ed. UFPR/Fundao O Boticrio, 2002. P. 31-32.

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    prticas do conservacionismo voltadas para a manuteno da natureza selvagem wilderness-; nem tampouco a nenhum processo desenvolvimentista da economia vigiada

    pelos regulamentos ambientais pblicos.

    Antonio Carlos Diegues considera vrios movimentos sociais da Amaznia comomovimentos que seguem a filosofia do socioambientalismo, incluindo o Conselho

    Nacional dos Seringueiros - CNS e os Movimentos Indgenas, entre outros. Entretanto, o

    carter de diferenciao dessa vertente socioambientalista est no fato de que essesmovimentos tm um tempo social com especificidades subjetivas locais que se contrapeme resistem ao tempo cronolgico da racionalidade da produo do capitalismo que tentaimplantar na Amaznia um modelo de desenvolvimento baseado na explorao extensivados recursos naturais e humanos. Essa vertente ligada s lutas sociais travadas pelomovimento dos seringueiros da Amaznia contra a destruio da floresta pelos fazendeirosmigrantes do sul do Pas, obteve grande aderncia social, influenciando na formulao de

    polticas pblicas materializadas atravs da criao das Reservas Extrativistas - RESEXs,modalidade de rea protegida regulamentada pelo Decreto 98.897, de 30 de janeiro de1990.

    Diferentemente das prticas ditas desenvolvimentistas, que vem a floresta comoempecilho produo econmica, a corrente socioambientalista tem um bom exemplo naAmaznia acreana com o movimento liderado pelo seringueiro Chico Mendes, ao defenderuma gesto diferenciada para a floresta baseada no uso coletivo da terra e na exploraosustentvel dos recursos naturais, dissociada dos mecanismos patronais clssicos. MaryAllegretti11comenta que a histria do movimento dos seringueiros do Acre demonstra quequando essas populaes constituem grupos sociais organizados em uma causa ambiental,conseguem influenciar a formulao de polticas pblicas e conquistar espao de poder

    poltico.

    Conservacionistas X Socioambientalistas: Um falso dilema?No Congresso Brasileiro de Unidades de Conservao realizado em Curitiba, em 2004, umrepresentante da ONG Conservao Internacional ao ser indagado em plenria por esteautor sobre o que pensa das Reservas Extrativistas, assim se manifestou: as Reservas

    Extrativistas so criadas sem critrios tcnicos e no garantem a conservao da

    biodiversidade.

    O embate entre conservacionistas e socioambientalistas demanda reflexes no sentido decaminhar para novos dilogos e novas institucionalidades vocacionadas para reinventar agesto ambiental rumo a sua emancipao dos modelos colonizadores. A percepo daimportncia em ampliar a integrao, no to simples como aparenta, entre as cincias

    naturais - de fundamentos biolgicos-conservacionistas - e as cincias sociais defundamentos antropolgico-socioambientalistas, pode significar a ruptura do paradigma deuma gesto ambiental imperativa de comando e controle, de alto custo operacional e baixaeficincia na regio amaznica, para uma gesto ambiental baseada em processossustentveis. Mas, isso possvel? Como colocar em prtica?

    Juliana Santilli12 resgata a histria jurdica da tramitao da lei que instituiu o SistemaNacional de Unidades de Conservao SNUC, refletindo sobre a necessidade dearticulao entre biodiversidade e sociodiversidade enquanto um novo paradigma que

    11 ALLEGRETTI, Mary Helena. A Construo Social de Polticas Ambientais: Chico Mendes e oMovimento dos Seringueiros.Tese (Doutorado)Centro de Desenvolvimento Sustentvel, Universidade de

    Braslia, 2002.12SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e Novos Direitos: proteo jurdica diversidade biolgica ecultural.So Paulo : IEB/ISA, 2005.

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    denominasocioambiental. O socilogo Boaventura de Sousa Santos, mesmo reconhecendoa emergncia de um novo naturalismo a sociobiologia de sentido reducionista,considera a aproximao das cincias naturais s cincias sociais como um perodo detransio de paradigmas que requer novas formas de conhecimento e saberes ou umaecologia de saberes. Para Boaventura, a ecologia de saberes um conjunto deepistemologias que partem da possibilidade da diversidade e da globalizao contra-hegemnicas e pretendem contribuir para as credibilizar e fortalecer13.

    O Sistema Nacional de Unidade de ConservaoSNUC no me parece apontar para umaecologia de saberes. Mantm conservacionistas (Unidades de Conservao de ProteoIntegral) e socioambientalistas (Unidades de Conservao de Uso Sustentvel) em camposrivais, recrudescendo um falso dilema que tem gerado perdas para ambas correntes,muito mais pelas indiferenas no trato do objeto das cincias (naturais e sociais), do que

    propriamente pela causa comum que os unem: amanuteno da terra como um lugardiverso e digno vida humana.

    Considero que a idia de que a presena humana representa uma ameaa diversidadebiolgica aparentemente superada pelos conservacionistas. Mas existem recadas, como aposio extremista e pouco colaborativa dos conservacionistas John Terborg e CarlosPeres14 ao afirmarem que a presena de comunidades permanentes de extratores,indgenas ou no, dentro do ncleo de terras com a natureza preservada antitica para a

    meta de conservao..., ou ainda nas palavras duras de Marc Dourojeanni15:

    ...os socioambientalistas tambm tm sido a causa de muitos dos principaisproblemas com relao ao estabelecimento e manejo dos parques. Seduzidospela generosa, mas pouco palpvel fascinao do conceito de desenvolvimentosustentvel, e lamentavelmente ignorantes sobre os processos biolgicos, algunssocioambientalistas so atualmente os principais defensores da extino dos

    parques, frequentemente descritos por eles como instituies-dinossauro.Muitas organizaes socioambientalistas tambm promovem a utilizaosustentvel dos parques pelas populaes tradicionais, enquanto ignoram as

    tremendas dificuldades e os riscos que essas concesses representam para osparques. Os socioambientalistas tambm so responsveis pelo crescimentoexplosivo das reas protegidas brandas onde, na teoria, o desenvolvimento caminharia junto com a conservao.

    Thomas Kuhn16analisa tais antagonismos, comentando que uma comunidade cientfica formada pelos praticantes de uma especialidade cientfica e que a comunicao entrecomunidades cientficas distintas rdua, freqentemente resultando em mal-entendidos edesacordos significativos. Pesquisas no campo da etnoconservao tm possibilitado aincorporao de temas sociais na discusso sobre a conservao da natureza, demonstrandoque a biodiversidade no somente um fenmeno natural, mas tambm cultural. Essa

    constatao pode significar um campo de transposio entre correntes ambientais,demonstrando que a gesto ambiental um processo de construo social e seus

    13SOUSA SANTOS, Boaventura. A Gramtica do Tempo: para uma nova cultura poltica.So Paulo:Ed Cortez, 2006.14TERBORGH, John; PERES, Carlos. O Problema das Pessoas nos Parques. In: TERBORGH, John et al.(orgs.). Tornando os Parques Eficientes: Estratgias para a conservao da natureza nos trpicos. Curitiba : Ed. UFPR/Fundao O Boticrio, 2002. p. 334-346.15DOUROJEANNI, Marc. Vontade Poltica para Estabelecer e Manejar Parques. In: TERBORGH, John et

    al. (orgs.). Tornando os Parques Eficientes: Estratgias para a conservao da natureza nos trpicos. Curitiba : Ed. UFPR/Fundao O Boticrio, 2002. p. 351.16KUHN, Thomas. A Estrutura das Revolues Cientficas.So Paulo : Ed. Perspectiva, 1982.

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    instrumentos devem ser aplicados em funo de cada realidade e contexto, como se podeobservar nos ensinamentos de Mrcio Ayres17).

    Algumas pessoas ainda pensam que podem proteger as reservas somente com

    guardas, mas isto j se mostrou insuficiente. Um envolvimento mais amplo da

    populao necessrio para a conservao ser um sucesso, alm de investimentos a

    longo prazo em educao, sade e participao poltica. (Frase estampada na

    entrada da Reserva Jos Marcio Ayres, no Mangal das Garas, em Belm-Par)

    A (Des)construo da Biodiversidade

    O conceito de biodiversidade, at ento hegemnico da biologia, deve ser desconstrudo 18para permitir novos olhares sobre a conservao da biodiversidade nos trpicos. Tenho aimpresso que esses novos olhares sobre o uso do termo biodiversidade para a Amazniaemergiu atravs das provocaes da professora Bertha Becker, que a frente do time dosdemais cientistas de formao disciplinar, sempre chamou ateno em seus textos para os

    problemas que permeiam o desenvolvimento regional:

    O grande problema da Amaznia no diverso do grande problema do Brasil: a

    questo social. A diferena que ela possui um fantstico patrimnio naturalque no sabemos ainda como utilizar respeitando sua cultura e a prprianatureza.19

    Tal entendimento de raiz permitiu a Becker introduzir um debate oportuno sobre abiodiversidade amaznica e invadir campos at ento antagnicos: Na interface da bio-scio-diversidade e das redes configuram-se nveis de complexidade territorial comtempos-velocidades igualmente diferenciados, que constituem a base para o

    desenvolvimento regional responsvel20.

    O socilogo Boaventura de Sousa Santos considera a biodiversidade uma rea de

    controvrsia e de conceito em permanente reinterpretao. Baseado em textos docolombiano Arturo Escobar, Boaventura identifica quatro correntes de entendimento sobrebiodiversidade21:

    1. A viso globalocntrica ou hegemnica, centrada no tema da gesto dos recursos dabiodiversidade, como a criao de Unidades de Conservao de Proteo Integral edefendida por instituies globais, incluindo o Banco Mundial, o G8 e vrias ONGssediadas nos pases ricos, como a World Conservation Union, o Word Resources InstituteWRI e o World Wildlife FundWWF.

    2. Uma perspectiva nacional, que procura negociar os termos dos tratados e estratgiaspara a biodiversidade em funo do que define como interesse nacional.

    17O pesquisador Marcio Aires coordenou uma das mais extraordinrias experincias de gesto ambiental naAmaznia, em Mamirau, no Estado do Amazonas. Mamirau foi decretada como Estao Ecolgica em1990 e convertida em Reserva de Desenvolvimento Sustentvel em 1996, comprovando a tese de que sem oenvolvimento da populao local a conservao invivel na Amaznia.18Argumentao terica fundamentada nas teses sobre a dominao simblica, do socilogo francs PierreBourdieu (PIERRE, Bourdieu. O Poder Simblico. 3 ed. So Paulo: Ed. Bertran Brasil, 2000). 18.19Bertha Becker em entrevista a Revista VEJA, Edio Especial de 12/10/2005.20 BECKER, Bertha. A Amaznia ps ECO-92: Por um desenvolvimento regional responsvel. In: Para

    Pensar o Desenvolvimento Sustentvel.Marcel Bursztyn (org.). 2 Ed. So Paulo: Ed. Brasiliense, 1994.21SOUSA SANTOS, Boaventura (org.). Semear Outras Solues: os Caminhos da Biodiversidade e dosConhecimentos Rivais.Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2005.

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    3. A viso biodemocrtica, defendida por ONGs dos pases pobres que se articulam emrede para reivindicar garantias de direitos coletivos sobre saberes locais da biodiversidadee apontam para os pases do Norte como palco das verdadeiras ameaas biodiversidade.

    4. A perspectiva da autonomia cultural que critica o conceito de biodiversidade enquantoconstruo hegemnica e defende formas de desenvolvimento baseadas na cultura e em

    projetos de vida associados a lugares, de modo a contrariar orientaes etnocntricas.

    No h dvida alguma de que a conservao da biodiversidade do mundo surgiu nos pasesdo Norte, como tambm as razes da crise de sua destruio, como afirma a fsica, filsofae feminista indiana Vandana Shiva22. No h dvida tambm que o controle da

    biodiversidade no est nos pases que a detm e sim naqueles que a manipulam. Aconteceque...

    Depois de sculos em que o Sul geneticamente rico contribuiu com recursosbiolgicos gratuitos para o Norte, os governos do Terceiro Mundo no estomais dispostos a ver sua riqueza biolgica ser levada de graa e revendida aoTerceiro Mundo por preos exorbitantes sob a forma de sementes melhoradase pacotes de remdios. Do ponto de vista do Terceiro Mundo, exatamente

    injusto que a biodiversidade do Sul seja tratada como herana comum dahumanidade e o fluxo de mercadorias biolgicas que volta para c seja deartigos patenteados, cotados e tratados como propriedade privada de grandesempresas do Norte (Vandana Shiva, 2003:113).

    Entre meus papeis amarelados, mas no grilados23, resgatei uma guerra de tits sobre odebate acerca dos benefcios e beneficirios pelo uso da biodiversidade:

    O VERDADEIRO PROBLEMA DABIOPIRATARIA24

    Thomas Lovejoy

    A biopirataria vem recebendo alguma ateno naimprensa brasileira e chegou a ser assunto de uma CPI,presidida pela deputada Socorro Gomes, do Par. umassunto complicado e vulnervel muita confuso. importante compreend-lo tanto no seu contextohistrico quanto no cientfico.

    A perda do monoplio sobre um recurso gentico ouum uso especfico dele pode ser calamitosa, como nocolapso do boomda borracha no Brasil. importantecompreender, porm, que o livre movimento derecursos biolgicos foi, no passado, essencialmentenormal. Sem ele, a culinria italiana no teria o molhode tomate ou a polenta e um churrasco brasileiro no

    teria carne de boi, porco ou galinha.A Conveno sobre a Diversidade Biolgica foiassinada no Rio, em 1992, para conservar os recursos

    biolgicos e proteger os interesses exclusivos, inclusiveas excitantes oportunidades inerentes diversidade

    biolgica nesta era da biotecnologia nascente.

    O Brasil, como pas com a maior diversidade biolgica,

    PROTECIONISMO INTELIGENTE25

    Isaias Raw

    Thomas Lovejoy, bilogo da Smithsonian

    Institution, autor de artigo recentemente publicadopela Folha (pg. 1-3, 18 de janeiro), um velhoexplorador da biodiversidade amaznica.

    Em 1993, o governo do Estado do Amazonaslanou a primeira iniciativa de preservar a

    biodiversidade da regio, acoplada pesquisa paraseu aproveitamento. Fui um dos criadores daFundao para a Conservao da Biodiversidadeda Amaznia. Lovejoy, ento subsecretrio deEstado do Interior dos EUA, veio por conta prpria reunio do nosso conselho e props quedesistssemos de montar um laboratrio parainvestigar a biodiversidade. Infelizmente, a FCBA

    no vingou.No ano passado, uma nova iniciativa surgiu doMinistrio do Meio Ambiente: o Probem(Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para oUso Sustentvel da Amaznia). Esse programa,com o apoio de outras organizaes oficiais,dever estabelecer um laboratrio para a pesquisa

    22SHIVA, Vandana. Monoculturas da Mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. SoPaulo: Gaia, 2003.23O nome, ''grileiro'', surgiu pelo antigo artifcio de confinar os ttulos falsos numa caixa cheia de grilos: os

    insetos liberam uma substncia que amarela e corri o papel, dando-lhe uma aparncia de velho.24Publicado na Folha de So Paulo, edio de 18.01.98.25Publicado na Folha de So Paulo, edio de 26.01.98.

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    tem muito a ganhar conservando esses recursos eencontrando maneiras de explorar seu potencial. Sou,h muito, forte defensor dessa idia, e o mesmo vale

    para o embaixador brasileiro em Washington, PauloTarso Flecha de Lima. O Instituto de Biotecnologia deManaus, anunciado pelo ministro Israel Vargas, apenas um primeiro passo nessa direo.

    A nova lei brasileira de propriedade intelectual um

    aspecto importante. Embora os EUA advoguemfortemente a adoo de uma legislao desse tipo porela ampliar os atrativos do Brasil como mercado paraexportaes, a lei vale muito mais para o Brasil.

    A proteo propriedade intelectual um incentivocrucial inovao. Sem ela, muito menos inovaesacontecem; provavelmente por isso que ainda noexiste uma importante indstria da biotecnologia noBrasil. Em ltima anlise, a lei conduzir a mltiplasoportunidades de exportao no pas.

    As preocupaes com a biopirataria tendem aconfundir o comrcio ilegal de espcimes para

    colecionadores amadores, a troca deles para pesquisabiolgica e a exportao ilegal de material genticopara bioprospeco (procura de molculas teis medicina etc.).

    No primeiro caso, sempre houve comrcio ilegal paracolecionadores amadores -por exemplo, borboletasraras. A Conveno sobre Comrcio Internacional deEspcies Ameaadas e outros instrumentos legaistratam desse problema. evidente que essas prticasdevem ser combatidas resolutamente, mas nenhumcientista profissional dono de seu juzo se envolverianelas.

    Os cientistas que procuram classificar a vida na Terradevem trabalhar com os seguintes dados: 1) Nenhum

    pas tem um conjunto completo de especialistas sobretodos os grupos de organismos; 2) a maior parte dascolees acumuladas ao longo dos sculos est emorganizaes dos pases industrializados.

    simplesmente impossvel classificar a flora e a faunado Brasil sem trocar espcimes. H severosregulamentos governando essas trocas. Se a capacidadede enviar espcimes fosse anulada, o estoque de

    biodiversidade brasileira seria solapado, e o potencialda biotecnologia brasileira, seriamente truncado.

    As probabilidades de um cientista profissional

    estrangeiro levar material vegetal com uma curaimportante para a Aids ou o cncer so, hoje, muito

    baixas. Primeiro, porque muito difcil esconder umaatividade ilegal como essa, e h sanes legais contraela. Segundo, tecnicamente dificlimo faz-lo semusar instalaes de laboratrio no Brasil. Issoimplicaria o envolvimento de uma instituio

    brasileira, o que no possvel sem licenas econvnios.

    O cientista individual interessado em garantir acessocontinuado ao Brasil para seu trabalho tem todo ointeresse em cumprir as leis brasileiras. Nenhumainstituio estrangeira envolvida em um convniogostaria de colocar em risco suas possibilidades delongo prazo ou aprovaria tacitamente comportamentoirregular de seus cientistas.

    da biodiversidade, articulado com as universidadesda regio e os institutos de pesquisas do Centro-Sul por intermdio do Instituto Butantan. Ainiciativa, que conta com apoio federal, maisameaadora -e eis Lovejoy de volta carga.

    Com muita frequncia, recebemos empresasestrangeiras, universidades e instituiescientficas com quem mantemos contratos. Elas

    recorrem ao Butantan e a outros institutos,propondo acordos para colher e levar exemplaresda nossa biodiversidade.

    Foi assim que uma enorme multinacional propspagar US$ 5.000 por 20 escorpies. Por R$ 20,poderiam compr-los de meninos de rua -masdesejavam a declarao legal de que umainstituio oficial autorizara a retirada dessesescorpies, permitindo o uso de produtos criadoscom base nos compostos existentes nesses animais.Outra mlti props, simplesmente, sair pela MataAtlntica para colher amostras demicroorganismos e fungos.

    Todavia autorizar a transferncia pura e simplesdas espcies, que a proposta de Lovejoy, comodar a chave do cofre de um banco sem saber seucontedo. Ser que as empresas sero honestas aoinformar sobre suas pesquisas? Garantiro a

    participao do Brasil nas patentes? O pas norecebe nada da Wellcomepelo catropil, derivadode uma toxina da jararaca.

    O Brasil no deve ser tratado como a Costa Rica, oSuriname ou a Guiana, de onde companhias

    privadas esto levando exemplares da flora e demicroorganismos. Elas estimulam a simples

    catalogao das espcies pelo magro quadro depesquisadores desses pases. As pesquisas sobre aao dos produtos da biodiversidade e a suacomercializao se daro nos pases do PrimeiroMundo, que se tornaro ainda mais primeiro-mundistas em sua economia.

    O Brasil tem um bom quadro de pesquisadores, e aatividade nessa rea cresce rapidamente. Noqueremos ser meros fornecedores de

    biodiversidade, e sim participar da pesquisa.

    No pretendemos excluir cooperao cientfica oucapital de empresas estrangeiras -mas a pesquisa

    deve se fazer, o mximo possvel, no Brasil.Estaremos, mais que garantindo nossos direitos,estimulando o desenvolvimento cientfico etecnolgico, que nos permitir ser cada vez menosdependentes.

    Devemos, sim, ser protecionistas -masprotecionistas inteligentes, proibindo a sada deamostras (at exemplares mortos que so coletados

    pelos museus, como o prprio Smithsonian, podemser usados para "pescar" DNAs de interessecomercial). Estamos abertos para a colaboraocientfica e tecnolgica; receberemosinvestimentos e teremos pesquisadores treinados

    para trabalhar no Brasil.Isaias Raw, 70, professor emrito da Faculdade de Medicinada USP (Universidade de So Paulo) e presidente da Fundao

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    Embora as preocupaes sobre biopirataria sejam boas-refletem maior apreciao da biodiversidade-, aquesto no uma ameaa importante. evidente queum cientista estrangeiro pode cometer um ato ilegal,mas isso ser mais uma exceo, a ser tratadaapropriadamente, e no a regra.

    Como os EUA agem? H leis estritas sobre o trfico deespcies ameaadas, sua importao e exportao.Embora exportaes e importaes de materiais

    biolgicos sejam regulamentadas, a alfndega estudacom muito mais ateno o que entra do que o que saidos EUA. H preocupao quanto a no permitir que o

    pas seja um mercado para espcies ameaadas (ouseus produtos) e sobre potenciais efeitos prejudiciais deespcies exticas.

    Quanto exportao de material gentico norte-americano para explorao biotecnolgica, os EUAdependem das leis internacionais de propriedadeintelectual. Isso parece funcionar muito bem. A maisvaliosa molcula biolgica at hoje (a "taq

    polymerase") veio de uma bactria localizada em umafonte no parque Yellowstone e usada, mediantepagamento apropriado, em todo o mundo, incluindo oBrasil.

    O maior perigo seria que preocupaes com abiopirataria levassem a um surto de protecionismo, queseria to prejudicial biotecnologia no Brasil quanto alei de informtica para a tecnologia da informao.Enquanto isso, pases como a Costa Rica esto bem frente do Brasil em bioprospeco.

    A maneira certa de progredir com plena cooperaocientfica e tecnolgica, por meio de parceriascomerciais apropriadas -acordos sob os quais as regrassejam bem analisadas, justas e estimulem o mximo deatividade cientfica e empresarial no Brasil. As leis dedefesa da propriedade intelectual garantiro um retornoadequado ao pas.

    O importante, portanto, reconhecer as atividadesilegais e prejudiciais e distingui-las da atividadecientfica legtima, em apoio dos interesses brasileirosde longo prazo. Coleta e exportao ilegal deespcimes para o mercado de colees de amadores socontrrias aos interesses conservacionistas do Brasil edevem ser reprimidas vigorosamente.

    Troca de materiais cientficos para pesquisa biolgica

    sistemtica e acordos cientficos abertos e justos paracolaborao biotecnolgica do apoio s aspiraes doBrasil, tanto para crescimento continuado da

    biotecnologia quanto para a capacidade do pas deaproveitar seus recursos espetaculares.

    Em contraste, a destruio dos recursos biolgicos doBrasil -entre outras coisas, devido ao desflorestamento-elimina seu potencial de contribuio para o futuro do

    pas. Esse o verdadeiro problema da biopirataria.Thomas E. Lovejoy, 56, bilogo, especialista em florestastropicais e membro do Smithsonian Institute, em Washington (EUA).

    Traduo de Paulo Migliacci

    Butantan. Foi diretor do Instituto Butantan (1992-97) eprofessor-visitante do Instituto de Tecnologia de Massachusetts(1971-73) e da Universidade Harvard (1973-74), nos EUA.

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    2. CONSERVACIONISMO E SOCIOAMBIENTALISMO: Principais InstrumentosNormativos e de Gesto Pblica

    O Sistema Nacional de Unidades de Conservao - SNUC

    O SNUC foi institudo pela Lei 9.985, de 18 de julho de 2000 e sua formulao permitiuum certo ordenamento para criao de reas protegidas ou unidades de conservao no

    Brasil. At ento, havia uma verdadeira baguna na nomenclatura de categorias de reasprotegidas adotadas pela Unio, Estados e Municpios.

    Mesmo existindo uma categorizao internacional organizada pela IUCN, percebo oSNUC como um pacto de tolerncia entre conservacionistas e socioambientalistas acercado entendimento conceitual de biodiversidade.

    As unidades foram divididas pelo SNUC em dois grupos:

    I - Unidades de Proteo Integral e;

    IIUnidades de Uso Sustentvel.

    Integram as unidades do Grupo I as seguintes categorias de unidades de conservao,

    ordenadas de acordo com a intensidade de restries quanto ao uso:I - Estao Ecolgica (+ restritiva);

    II - Reserva Biolgica;

    III - Parque Nacional;

    IV - Monumento Natural e;

    V - Refgio de Vida Silvestre (- restritiva).

    O Grupo II formado pelas seguintes categorias de unidades de conservao:

    I - rea de Proteo Ambiental;

    II - rea de Relevante Interesse Ecolgico;

    III - Floresta Nacional;

    IV - Reserva Extrativista;

    V - Reserva de Fauna;

    VI - Reserva de Desenvolvimento Sustentvel e;

    VII - Reserva Particular do Patrimnio Natural.

    Uma das maiores polmicas apontada por Juliana Santilli durante a formulao do SNUC

    foi a excluso dos territrios indgenas e quilombolas do sistema. Mesmo reconhecendoque muitas das terras indgenas so de extrema importncia biolgica, oposio de setoresdo IBAMA, da FUNAI e de algumas organizaes indgenas levaram a excluso da

    proposta da Reserva Indgena de Recursos Naturais como categoria do SNUC. Osquilombolas, amparados por um forte senso de liberdade, tambm aplicvel aos indgenas,optaram pela sua excluso do SNUC simplesmente pelo fato de no se sujeitarem a um

    possvel controle quanto ao uso dos recursos naturais de seus territrios impostos pelosrgos ambientais responsveis pela gesto das unidades de conservao.

    Estudos realizados pelo Instituto Socioambiental ISA e pela Coordenao dasOrganizaes Indgenas da Amaznia Brasileira - COIAB confirmam a eficcia dosTerritrios Indgenas e das Unidades de Conservao no combate derrubada da floresta.

    No caso dos estudos do ISA, os levantamentos mostraram que, entre 2000 e 2005, opercentual anual de desmatamento fora das reas protegidas foi em mdia sete vezes

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    superior quele para dentro delas. Os territrios indgenas vm se mostrando ainda maisimportantes para a conservao: em seu interior, o corte de rvores foi 2,5 vezes menor quenas unidades de conservao federais de proteo integral, no mesmo perodo. Nas reasno-protegidas, o percentual mdio anual da derrubada da mata foi de 1,12%, entre 2000 e2005. Nas unidades de conservao federais de proteo integral, o ndice foi de 0,19% enos territrios indgenas de 0,07%.

    Compensao Ambiental26

    Uma importante conquista do SNUC a obrigatoriedade da compensao ambiental de nomnimo 0,5% do valor do total do projeto para empreendimentos passveis de Estudo deImpacto AmbientalEIA:

    O artigo 36 da Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o SistemaNacional de Unidades de Conservao da Natureza - SNUC, determina que noscasos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impactoambiental, assim considerado pelo rgo ambiental competente, comfundamento em Estudo de Impacto Ambiental e respectivo relatrio-EIA/RIMA, o empreendedor obrigado a apoiar a implantao e manuteno

    de unidade de conservao do Grupo de Proteo Integral.

    Entretanto, mais uma vez no se conseguiu romper com a influncia do conservacionismohegemnico nas instituies ambientais pblicas, mantendo-se a obrigatoriedade de que acompensao ambiental seja destinada somente para beneficiar as Unidades deConservao de Proteo Integral.

    A Resoluo CONAMA No 371, de 5 de abril de 2006, estabeleceu as diretrizes aos rgosambientais para o clculo, cobrana, aplicao, aprovao e controle de gastos de recursosadvindos de compensao ambiental, conforme a Lei no9.985, de 18 de julho de 2000, queinstitui o Sistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza - SNUC e d outras

    providncias.

    No Amap, considerando a inexistncia de regulamentao da matria, aplica-se o queversa a Resoluo CONAMA No 371/2006.

    Art. 15. O valor da compensao ambiental fica fixado em meio por cento doscustos previstos para a implantao do empreendimento at que o rgoambiental estabelea e publique metodologia para definio do grau de impactoambiental.

    A legislao ambiental do Amap requer imediata reviso. A maioria das normasambientais est desatualizada e no possibilita descentralizao e maior autonomia degesto frente as regulamentaes federais, em que pese o principio federativo. No caso, porexemplo, da Compensao Ambiental, a falta de procedimentos de regulamentao damatria determina ao Amap a aplicao do valor mnimo para o calculo da compensao,ou seja, 0,5% dos custos do empreendimento. Esse valor poderia chegar a percentuaismaiores, dependendo do grau do impacto do empreendimento. Em suma, estamos deixandode arrecadar e de devolver a sociedade em forma de benefcios aquilo que oempreendimento que causa algum impacto ambiental significativo no capaz de mitigar.

    26Os tpicos "Compensao Ambiental" e "Entorno e Zona de Amortecimento" encontram na obra "reasProtegidas e Propreidade Constitucional", de Paulo Bessa Antunes, publicada em 2011 pela editora Atlas,uma excelente referncia sobre o assunto.

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    Entorno e Zona de Amortecimento

    As unidades de conservao, segundo defendem os conservacionistas com base emfundamentos da ecologia, devem conter reas suficientemente extensas para garantir amanuteno das espcies. A maioria das unidades de conservao criada na Amaznia realmente extensa, chegando algumas a superar o tamanho de vrios pases, comofreqentemente divulgado pela mdia.

    A legislao ambiental federal institucionalizou a figura do entorno e da zona deamortecimento das unidades de conservao, sem, entretanto, compatibilizar a definiodessas reas com os demais planos e programas de ordenamento territorial regional, comoo Zoneamento Ecolgico Econmico, projetando uma interveno perigosa na autonomialocal de gesto territorial.

    O entorno entendido, de forma duvidosa, como preconiza a Resoluo CONAMA013/90, considerando a rea circundante num raio de dez quilmetros das un idades deconservao. A zona de amortecimento, segundo o SNUC, o entorno de uma unidadede conservao, onde as atividades humanas esto sujeitas a normas e restriesespecificas, com o propsito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade. O

    artigo 25 do SNUC, assim normatiza a zona de amortecimento:

    Art. 25. As unidades de conservao, exceto rea de Proteo Ambiental eReserva Particular do Patrimnio Natural, devem possuir uma zona deamortecimento e, quando conveniente, corredores ecolgicos.

    1 O rgo responsvel pela administrao da unidade estabelecer normasespecificas regulamentando a ocupao e o uso dos recursos da zona deamortecimento e dos corredores ecolgicos de uma unidade de conservao.

    2 Os limites da zona de amortecimento e dos corredores ecolgicos e asrespectivas normas de que trata o 1 podero ser definidas no ato de criao daunidade ou posteriormente.

    Se a zona de amortecimento o entorno, como define o SNUC, ento teramos queconsiderar o que versa a Resoluo CONAMA 013/90, ou seja, a rea circundante numraio de dez quilmetros das unidades de conservao. Existe um campo de superposio econfuso conceitual na legislao ambiental no resolvido pelo SNUC. Aparentemente este

    poderia ser um assunto secundrio, mas tem um grande potencial de gerao de conflitospara o ordenamento territorial da Amaznia, considerando a extenso das unidades deconservao existentes.

    Paulo de Bessa Antunes, uma das maiores autoridades em direito ambiental desse pas,

    considera que esse assunto merece ser examinado com mais ateno, mas entende que aResoluo CONAMA 013/90 no subsiste mais, visto que incompatvel com as normas dalei do SNUC, a matria passa a ser regulamentada pela norma posterior, ou seja, o SNUC,

    por tratar da matria, revogou a Resoluo CONAMA 013/9027.

    Programa reas Protegidas da Amaznia - ARPA

    O Programa ARPA foi institudo pelo Governo Federal em agosto de 2002, pelo Decretono 4.326, com o objetivo de garantir a proteo de amostras representativas da

    biodiversidade da Amaznia e promover o desenvolvimento sustentvel da regio. OARPA coordenado pelo Ministrio do Meio Ambiente e implementado em parceria como IBAMA, os governos estaduais e municipais da Amaznia Legal, o Fundo Brasileiro

    27ANTUNES, Paulo de Bessa. O entorno das unidades de conservao.Jornal Valor Econmico. Ediode 20/10/2006.

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    para a Biodiversidade (FUNBIO), organizaes da sociedade civil, o WWF-Brasil, aAgncia de Cooperao Alem (GTZ), o Banco Mundial (por meio do Fundo Global parao Meio Ambiente - GEF), o Banco Alemo de Cooperao (KfW). Esses parceiros secomprometeram a investir, juntos, aproximadamente 400 milhes de dlares na criao,consolidao e manuteno de UCs na Amaznia, durante os dez anos previstos para aexecuo do programa. No Amap, o ARPA apia aes no Parque do Tumucumaque,Parque do Cabo Orange e Reserva Biolgica do Lago Piratuba.

    O ARPA tem avanado no processo de criao de reas protegidas na Amaznia, tornando-se um tanto paranico quanto a meta de proteger 50 milhes de hectares do biomaamaznico at 2012, principalmente quanto criao de novas unidades de conservao de

    proteo integral. A pergunta ignorada pelo ARPA e seus idealizadores se a conservaoda natureza pode ser base da economia e do desenvolvimento social de um territrio? Noestaria na hora das instituies conservacionistas que apiam o ARPA assumirem desafios

    polticos maiores, como a reverso do pagamento da divida externa para combater amisria nos pases que abrigam reas protegidas? Ou mesmo apoiar a criao de um fundode combate a pobreza avalizado pelos pases ricos na mesma proporo dos benefcios queusufruem pelos servios ambientais prestados pelos que preservam?

    Plano Estratgico Nacional de reas Protegidas - PNAP

    O PNAP foi institudo pelo Decreto Presidencial 5.758, de 13 de abril de 2006 e consagraas tendncias de polticas socioambientais que Marina Silva tenta valorizar na sua gesto frente do Ministrio do Meio Ambiente.

    Um dos maiores mritos do PNAP foi internalizar o conceito internacionalmenteconsagrado de reas protegidas, ampliando para alm das Unidades de Conservao eincluindo as Terras Indgenas e Quilombolas, coisa que o SNUC renegou.

    O estabelecimento de uma meta de implantar um sistema de reas protegidas no Brasil at2015 e um entendimento conceitual de biodiversidade enquanto diversidade biolgica esociocultural so avanos significativos do PNAP. Outro ponto importante o incentivo aodesenvolvimento econmico no entorno e nas zonas de amortecimento das unidades deconservao, o que leva a uma maior aproximao da conservao a realidadesocioambiental regional e local.

    O PNAP, entretanto, cometeu um erro ao repetir os refres politicamente corretos de que aconservao da biodiversidade , no fundo, um acessrio das polticas sociais de combate

    pobreza, sem sinalizar os instrumentos efetivos de ao. Mesmo respeitando suarecenticidade, o que se tem so exemplos que mostram o contrrio, ou seja, a falta deconvergncia das polticas de conservao da biodiversidade com as de combate pobreza.

    O texto completo do PNAP parte integrante deste trabalho para o monitoramento socialde sua efetividade, considerando que a cada quatro anos um novo Brasil descoberto.

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    3. O AMAP SELVAGEMDOS CONSERVACIONISTAS

    A natureza selvagem para muitos no existe. A natureza selvagem seria uma idealizao doocidente fundamentada no imaginrio primitivo do meio ambiente onde viviam as

    populaes indgenas. Claude Lvi-Strauss, autor de O Pensamento Selvagem28, colocouabaixo o mito do selvagem enquanto concepo primitivista e atrasada das populaesindgenas ao destacar a complexidade das tcnicas de manuseio dos recursos da natureza

    desenvolvidas por essas populaes. Se a natureza selvagem no existe, estamos falando deuma natureza construda culturalmente e em constante processo de evoluo? Ou fomosinfluenciados a perceber a natureza enquanto algo que devemos nos manter longe, comodefendem os conservacionistas?

    A rea do Parque do Tumucumaque integra a eco-regio do Escudo das Guianas. Est eco-regio, que se alonga do Estado do Amap, no Brasil, at a Amaznia Colombiana,

    passando pela Guiana Francesa, Suriname, Guiana Inglesa e os estados venezuelanos deBolvar e Amazonas, propagada pelos conservacionistas como uma das mais selvagensdo planeta e tendo como uso inteligente a sua intocabilidade. possvel que exista umarica e diversa fauna e flora, mas o den da biodiversidade somente possvel de explicaoassociada histria cultural das populaes que habitam a eco-regio h tempos e comsuas prticas e saberes tm contribudo para a construo da natureza e dasociobiodiversidade regional.

    Para alimentar a imaginao dos leitores, cito o historiador Cristvo Lins29, que em seuslivros sobre o Projeto do Jar, descreve os bitipos e o comportamento das populaes quemanipulam recursos da regio do Tumucumaque e desta forma mantm o sistema naturalem evoluo e longe do equilbrio30. A descrio das epopicas caadas de RaimundoMendes de Lima, um tpico gateiro da regio, estima somente no perodo de 1960 a 1970ter abatido 330 onas, entre pintadas e vermelhas, e 400 gatos maracajs-a, alm dadefrontao com o lendrio mapinguari31. Isso no nenhuma apologia aos caadores eno me atreveria a refutar a tese de que o Tumucumaque uma gatolndia, mas sim uma

    oportunidade de refletir sobre aquilo que David McGrath32 aponta como umadesconsiderao freqente dos conservacionistas quando se discutir a atual crise da

    biodiversidade: a resilincia das espcies e dos ecossistemas33.

    Portanto meu caro Watson, essas narrativas e muitas outras levam afirmao de que sensacionalista algumas abordagens sobre a destruio da biodiversidade apontada

    principalmente para os pases pobres, sendo que instituies se aproveitam paradesbravar34 a biodiversidade enquanto representao dos interesses no consensuadoslocalmente e at exgenos.

    28LEVY-STRAUSS, Claude. O Pensamento Selvagem.Campinas: Papirus, 1997.

    29LINS, Cristvo. Jar e a Amaznia.Rio de Janeiro: Data Forma-Prefeitura de Almerim (PA), 1997. Pg.72.30Segundo Norbert Fenzl, atualmente assistimos a uma mudana profunda dos velhos paradigmas em todasas reas do conhecimento humano. O novo, ainda aparentemente frgil, j comea a demonstrar suavitalidade. Pela primeira vez surgem formas de pensar o complexo, os sistemas complexos, abertoslongedo equilbrio. A ordem, o absoluto, o determinado, o equilbrio e processos reversveis se tornam casos

    particulares de um universo em evoluo, onde predominam a complexidade, irreversibilidade e odesequilbrio.31O mapinguari faz parte do folclore amaznico e sempre descrito como um animal semelhante a uma

    preguia gigante.32McGRATH, David. Biosfera ou Biodiversidade: Uma Avaliao Critica do Paradigma da Biodiversidade.In: Perspectivas do Desenvolvimento Sustentvel (Uma Contribuio para a Amaznia 21) . Tereza

    Ximenes (organizadora). Belm, 1997. Pg. 33-67.33Resilincia pode ser entendido como a capacidade de recuperao ou de resistncia adversidades.34Desbravar significa domar, explorar terras desconhecidas.

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    Aps essas consideraes sobre evoluo e cultura na terra do Tumucumaque, abre-seespao para uma breve caracterizao das principais paisagens naturais do Amap e dacronologia institucional de criao das reas protegidas no Estado.

    Paisagens Naturais do Amap

    Sistematicamente, trs grandes grupos de paisagens naturais podem ser identificados noAmap. O primeiro se estende do litoral amapaense para o interior, constituindo uma faixalitornea de sedimentos recentes do Quaternrio associada a um conjunto de reasinundveis com influncia dos regimes de inundao sazonal pelas mars. O segundogrupo caracterizado por formaes de cerrado e de campos abertos em disposiolongitudinal assentado sobre terrenos sedimentares do Tercirio, entre a floresta e a zonacosteira. O terceiro domnio abrange toda a poro centro-oeste do Amap, constituindoum extenso bloco de formaes de florestas densas de terra firme sobre embasamento Pr-Cambriano.

    Estes domnios abrigam uma grande diversidade de tipologias vegetacionais associadas diferentes feies de relevo, solo e clima, formando um complexo mosaico de ambientes

    tipicamente amaznicos, como as florestas de vrzea e de terra firme, e outros de naturezaevolutiva especializada, como os cerrados e manguezais (Tabela 1).

    Tabela 1Tipologias Vegetacionais do Amap

    Ecossistema rea (ha) % da rea

    Floresta densa de terra firme 10.308.158 71,86

    Campos de vrzea 1.606.535 11,20

    Cerrado 986.189 6,87

    Floresta de vrzea 695.925 4,85

    Floresta de transio 390.592 2,72

    Manguezal 278.497 1,94

    guas superficiais 79.474 0,56

    Total 14.345.370 100

    Fonte: GEA/IEPA (2002)

    reas Protegidas do Amap

    O Amap possui uma rea de 14.345.370 hectares ou 143.453,7 km2. Deste total, cerca de10,4 milhes de hectares ou 72,52% de sua rea total foram destinados a criao de reas

    protegidas, envolvendo Unidades de Conservao e Terras Indgenas. Isso coloca o Amapna condio de um verdadeiro laboratrio para a discusso sobre a conservao amaznicae seus desafios diante da atuao das correntes conservacionista e socioambientalista, quetanto coloca em campos antagnicos as cincias naturais e sociais, conflitando-as diante dacomplexidade da realidade, como tambm aproximando-as para pensar novos saberescapazes de propor a construo de novos conceitos a fim de fundar uma nova racionalidade

    de gesto ambiental amaznica.

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    A criao de reas protegidas no Amap se deu predominantemente na dcada de 80,acompanhando a trajetria da poltica ambiental do Governo Federal, primeiro porintermdio da atuao do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal - IBDF e daSecretaria Especial de Meio Ambiente do Ministrio do Interior - SEMA e, posteriormente,a partir de 1989, atravs do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos NaturaisRenovveis - IBAMA, este ltimo originado da fuso do IBDF, da SEMA, daSuperintendncia de Desenvolvimento da Pesca - SUDEPE e da Superintendncia doDesenvolvimento da Borracha - SUDHEVEA.

    O IBDF, amparado legalmente pelo Cdigo Florestal (Lei 4.771/65) e pela Lei de Proteo Fauna (Lei 5.197/67), dedicou-se criao de Reservas Biolgicas e Parques Nacionais.A SEMA, para evitar conflitos com o IBDF, idealizou a figura das Estaes Ecolgicas.

    Plano do Sistema de Unidades de Conservao do Brasil

    Em 1979, o IBDF, com apoio da Organizao para Alimentao e Agricultura das NaesUnidas - FAO, elaborou o 1oPlano do Sistema de Unidades de Conservao do Brasil -PSUC, marcando o incio do planejamento da expanso da corrente conservacionista no

    Brasil, com prioridade para a Amaznia. Em 1982, em parceria com a Fundao Brasileirapara a Conservao da Natureza - FBCN, o plano foi reeditado em uma segunda verso. OPSUC, embora tenha sofrido crticas por se apoiar na teoria dos refgios, gradativamenteabandonada, e tambm pelas escalas imprecisas de suas informaes cientficas, foifundamental para dar credibilidade proposta de criao de reas protegidas no Brasil,constituindo-se no primeiro documento a contemplar critrios cientficos, tcnicos e

    polticos para indicao de um sistema de unidades de conservao.

    Apesar da existncia do PSUC, o Amap sempre foi um Estado desprovido de dadoscientficos, devido a poucos estudos realizados ou mesmo ao fato de ainda no possuirquadros de pesquisadores nas diversas reas do conhecimento. As informaes disponveis

    na poca deveram-se a estudos realizados nas dcadas de 70/80 por pesquisadores doextinto Museu de Histria Natural Joaquim Caetano da Silva, notadamente no campo dabotnica, e por espordicas expedies realizadas pelo Museu Paraense Emlio Goeldi -MPEG e pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia - INPA.

    O baixo nvel de compromisso das instituies de pesquisa e de formao de recursoshumanos do pas para com aquelas instituies das regies em desenvolvimento citadocomo sintoma do fraco desempenho do setor de C&T do Governo Federal. No caso daAmaznia, essa postura atinge patamares crticos, sendo esse espao utilizado,

    principalmente, como fonte de dados e de materiais para pesquisas desenvolvidas efinanciadas fora de suas fronteiras.

    Desse modo, pode-se admitir que os critrios de criao de reas protegidas no Amap,adotados tanto pelo IBDF quanto pela SEMA e, posteriormente, de forma no muitodiferente, pelo IBAMA, eram a disponibilidade de extensas reas selvagens, aaparentemente ausncia de ocupao humana e, ainda, dados isolados acerca da existnciade determinada espcie animal, principalmente felinos, primatas e aves. Marinho Filho(2000)35corrobora com a afirmao sobre a escassez de dados biolgicos, mas cita que oselementos fitogeogrficos e zoogeogrficos disponveis, bem como a ocorrncia de centrosde endemismo reforam a importncia do Amap para a conservao biolgica.

    35 MARINHO FILHO, Jader Soares. Conservao e Uso Sustentvel da Biodiversidade no Estado doAmap. Relatrio Convnio BID/GEA. Macap: SEMA-SEPLAN, 2000.

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    O idealizador da SEMA, bilogo Paulo Nogueira Neto36, no incio da dcada de 80, aocomentar a atuao dos rgos que detinham competncia para criar reas protegidas,registrou: [...] todos concordam que realmente o importante era preservar o maiornmero possvel de reas naturais, e que pouco importaria se essas reas preservadas

    estivessem na SEMA ou no IBDF, ou nas Universidades ou onde quer que estivessem.

    O Amap, na dcada de 80, passou a fazer parte da meta conservacionista global ao

    ampliar a quantidade de reas protegidas na Amaznia, conforme acima enfatizado porPaulo Nogueira Neto. Nesta poca, foram criadas no Amap vrias dessas reas (Tabela 2):

    Tabela 2reas Protegidas Criadas no Amap na Dcada de 80

    rea Protegida rea (ha) Localizao Documento Legal

    Parque Nacional do Cabo Orange 619.000 Oiapoque e Caloene Decreto Federal 84.913, de 15.07.80

    Reserva Biolgica do Lago Piratuba 395.000Amap, Pracuba e

    Tartarugalzinho

    Decreto Federal 84.914, de 16.07.80(alterado pelo Decreto Federal 89.932, de10.07.84)

    Reserva Biolgica da Fazendinha*37 193 Macap Decreto Estadual 020, de 14.12.84

    Reserva Biolgica do Parazinho* 111 Macap Decreto Estadual 005, de 21.01.85

    Estao Ecolgica das Ilhas Marac-Jipica 72.000 Amap Decreto Federal 86.061, de 02.06.81

    Estao Ecolgica do Jar 227.126Laranjal do Jari e

    Almerim (PA)

    Decreto Federal 87.092, de 12.04.82(alterado pelo Decreto Federal 89.440, de13.03.84)

    * Estadual

    Mesmo fazendo parte da meta do antigo PSUC, alguns aspectos sobre o Parque Nacionaldo Cabo Orange e Reserva Biolgica do Lago Piratuba mantm-se presentes nasdiscusses tcnicas sobre a implantao das reas protegidas no Amap, e ajudam acompreender as limitaes institucionais da atuao do IBDF quanto definio decritrios para escolha de categorias de reas protegidas na Amaznia:

    - Parque Nacional do Cabo Orange: rea de difcil acesso, de paisagem em sua maioriahomognea e habitada por populaes de pescadores e remanescentes de quilombo. Emseu entorno existem trs terras indgenas (Ua, Galibi e Jumin). Nesse caso, umacategoria de rea protegida mais flexvel quanto ao uso dos recursos ou mesmo ummosaico seria mais recomendvel para a regio do Cabo Orange.

    - Reserva Biolgica do Lago Piratuba: rea que abriga uma impressionante coleo deformaes lacustres, sendo considerada como uma das reas protegidas de maior belezacnica do Amap. A alterao do Decreto original de criao da Reserva Biolgica doLago Piratuba se deu com o objetivo de efetuar um recorte geogrfico para excluir a vila de

    pescadores conhecida como Sucuriju, o que somente proporcionou a transferncia doproblema para a atualidade. O IBAMA vem negociando acordos de pesca com ascomunidades do entorno da Reserva, demonstrando que possvel transpor o dilema daintocabilidade pela sustentabilidade.

    36 NOGUEIRA NETO, Paulo. Encontro sobre reas Naturais Preservadas da Regio Neo-Tropical.

    Braslia: Ministrio do Interior/Secretaria Especial do Meio Ambiente, 1980.37O decreto de criao da Reserva Biolgica da Fazendinha foi revogado pela lei n 0873, de 31 de dezembrode 2004. Est lei criou a rea de Proteo Ambiental da Fazendinha, com uma rea de 136,59 hectares.

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    Com relao Estao Ecolgica das Ilhas Marac-Jipica e a Estao Ecolgica do Jari,resgatam-se alguns comentrios de Paulo Nogueira Neto que destaca a aparenteimportncia da rea, respeitado, claro, o devido tempo e estgio da arte deestabelecimento de reas protegidas no Brasil:

    Na regio amaznica, ns temos todo um mundo para cobrir de Estaes

    Ecolgicas. E l, com auxlio da SUDAM, do Plo Amaznia, da FINEP, nsconseguimos montar algumas dessas Estaes Ecolgicas. Uma delas est sendono momento estabelecida. Ns j temos a terra, mas as pessoas que moram lesto sendo removidas para o continente, duas ou trs famlias somente. Estasilhas so ilhas atlnticas. Esto a 40 km do litoral norte brasileiro, perto dafronteira da Guiana Francesa. E uma Estao muito interessante. J foramvistos flamingos nas suas proximidades. Tem uma rica fauna aqutica e tem umacaracterstica muito especial porque tem o jaguar, que a nossa ona pintada [...]Junto ao Projeto Jari, ns estamos com idia de estabelecer uma EstaoEcolgica, alis, determinao do Ministro do Interior, como parte do

    programa do Governo Federal de ocupar efetivamente aquela rea onde seencontra o Projeto Jari38.

    J na fase do IBAMA, foram criadas mais trs reas protegidas no Amap, dentre as quaiso Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, o maior do mundo em rea de florestatropical (Tabela 3):

    Tabela 3reas Protegidas Criadas no Amap pelo IBAMA

    rea Protegida rea (ha) Localizao Documento Legal

    Floresta Nacional do Amap 412.000 AmapDecreto Federal 97.630, de10.04.89

    Reserva Extrativista do Rio Cajari 501.771Mazago, Vitria do Jari e

    Laranjal do Jari

    Decreto Federal 99.145, de12.03.90 (alterado pelo Decretos/n, de 30.09.97

    Parque Nacional Montanhas doTumucumaque

    3.867.000Laranjal do Jari, Serra do

    Navio, Amapari, Oiapoque eCaloene

    Decreto Presidencial de22/08/2002 (D.O 163, de23/08/2002)

    A Floresta Nacional do Amap foi criada por indicao do Projeto RADAM e do ProgramaNossa Natureza, considerando o potencial de madeira comercializvel da rea (em torno de

    296 m3

    /ha). A falta de plano de manejo e de investimentos para atrair a iniciativa privadamantm a unidade em condio de reserva de estoque de produtos e subprodutos dafloresta. Nesse caso, a recomendao que essa rea seja entendida como reservaestratgica.

    Na dcada de 80, uma estratgia diferenciada em selecionar e delimitar reas protegidas foiidealizada pelos movimentos sociais da Amaznia. As Reservas Extrativistas surgiramcom dois propsitos bsicos: i) garantir o direito coletivo de posse da terra ocupada pelas

    populaes extrativistas e; ii) valorizar os servios ambientais prestados pelos extrativistasao desenvolver atividades de baixo impacto sobre a floresta.

    38Em 1981, o Projeto Jari deixou de ser de propriedade do norte-americano Daniel Ludwig, passando a seradministrada por um pool de 23 empresrios brasileiros, comandados por Augusto Trajano de AzevedoAntunes, o mesmo dono da empresa ICOMI.

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    A proposta das RESEXs encontra defensores e opositores. No primeiro grupo tm-se osadeptos da corrente do socioambientalismo, da qual fazem parte Chico Mendes, MaryAllegretti, Marina Silva e muitos outros personagens de uma histria que tem contribudona construo de uma utopia amaznica que contraria grupos de interesses hegemnicosno controle das terras e na explorao econmica dos recursos sob a tutela da burocraciaestatal neoliberal. De outro lado, se no opositores, crticos da proposta das RESEXs:

    pesquisadores que consideram o extrativismo como atividade econmica invivel, como opesquisador da EMBRAPA, Alfredo Homma, e outros autores que apontam a dificuldadedos extrativistas em adotar medidas coletivas, pelo fato de, historicamente, sempre teremsido guiados por um comportamento individualista.

    A RESEX do Rio Cajari foi instituda no sul do Amap em 1990, com uma rea em tornode 501.771 hectares, abrigando ecossistemas de floresta de terra firme, vrzea e cerrado.Destacou-se no processo de criao dessa reserva a atuao do Instituto de EstudosAmaznicos e Ambientais - IEA e do Conselho Nacional dos Seringueiros - CNS,responsveis pela articulao das comunidades e pelo aprimoramento da proposta dereforma agrria adotada pelo ento Instituto de Colonizao e Reforma Agrria - INCRA,atravs da criao de Projetos de Assentamento Extrativista39, embries das Reservas

    Extrativistas.

    Programa Nacional da Diversidade Biolgica

    Em 1994, o Ministrio do Meio Ambiente, em cumprimento aos compromissos daConveno sobre Diversidade Biolgica - CDB, instituiu o Programa Nacional daDiversidade Biolgica - PRONABIO, com objetivo de resgatar o processo de planejamento

    para criao de novas reas protegidas no Brasil. Em 1999 foram identificadas as reasprioritrias para a conservao dos biomas cerrado e pantanal e no ano seguinte para obioma amaznico. No Amap foram identificadas duas prioridades:

    1. O cerrado do Amap;2. As florestas do Tumucumaque.

    Cerrado do Amap: Lacuna de Conservao

    O cerrado amapaense abrange 7% do Estado, representando uma amostra significativaisolada da rea core do Brasil Central. Ocorre na forma de um enclave longitudinal entreos domnios da floresta e das formaes costeiras. Ilhas de cerrado so encontradas na

    parte do sul do Amap em meio floresta de terra firme.

    Ao longo de sua distribuio, o cerrado amapaense manifesta diferenciaes florsticasrelacionadas natureza do solo, regime hdrico e formas de relevo, originando um mosaicode paisagens distintas. Em termos funcionais, o cerrado representa um clmax evolutivo,onde sua vegetao exterioriza uma dinmica condicionada tanto por fatores edafo-climticos quanto por prticas antrpicas, como as queimadas peridicas. Destacam-secomo componente integrante desse ecossistema as matas de galeria, as ilhas de matas e asveredas de buritis, cujo conjunto constitui corredores ecolgicos de grande importncia

    para a vida silvestre.

    Entretanto, a representao do cerrado do Amap no Sistema Estadual de Unidades deConservao, institudo pela Lei Complementar 005/94, pouco representativa,

    39Em 1988, no Amap, foi desapropriada por interesse social uma rea de 323.500 hectares, tendo o INCRAnela institudo os Projetos de Assentamento Extrativista do Rio Marac, atravs das Portarias de nos1.440/88,1.441/88 e 1.442/88.

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    restrigindo-se a uma amostra de apenas 1% da rea total do cerrado presente na rea deProteo Ambiental do Rio Curia.

    Como vem acontecendo em outras reas de cerrado, no Amap esse ecossistema vemsendo alvo de ocupao intensiva pela silvicultura e de uma forte presso especulativa,motivada pelo baixo preo das terras e pela poltica agrcola expansionista nacional. Se porum lado a expanso da fronteira de ocupao do cerrado contabilizada como indicador

    positivo do crescimento econmico, no se pode desconsiderar que esse ecossistema temgrande importncia para a conservao, sem necessariamente, um obstaculizar a meta dooutro.

    Vrios trabalhos elaborados pelos pesquisadores Tnia Sanaiotti, Samuel Bridgewater eJames Ratter40; David Oren41; Marco Antonio Chagas42 e Jader Marinho Filho43, entreoutros, sinalizam a necessidade de resguardar parcelas do cerrado do Amap para fins deconservao. Quatro aspectos principais justificam tal medida: 1) sua localizao ao nortedo Brasil, representando o extremo norte da distribuio para algumas espcies (e.g.Salvertia convallariodora); 2) apresenta-se isolada de qualquer outro cerrado; 3) o nicocerrado com influncia da borda marinha; 4) apresenta-se em avanado processo deantropizao.

    Iniciativas de Conservao do Cerrado do Amap

    O Projeto RADAM44 classifica o cerrado do Amap em trs tipos fitogeogrficos:cerrado; campo cerrado e parques. Destaca a necessidade de aes de recuperao doecossistema em funo das prticas rotineiras de agricultura e de queimadas pararenovao de pastagens. Mario Ferri45 considera o cerrado uma condio de clmaxdecorrente da ao de fatores ambientais naturais (clima, solo, histria geolgica).

    No incio da dcada de 90, a biloga do Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia -INPA, Tnia Sanaiotti, em estudos de seu doutoramento sobre a ecologia das reas isoladasde savanas amaznicas, acompanhada dos pesquisadores do Royal Botanic Garden deEdimburgo/Esccia, Samuel Bridgewater e James Ratter, indicou a Secretaria de Estado doMeio Ambiente do Amap - SEMA algumas reas do cerrado do Amap para conservao.Baseada na variabilidade longitudinal da composio florstica arbrea e na fitossociologiadas espcies do cerrado do Amap, sugeriu Sanaiotti a criao de duas reas protegidas:uma ao norte do Estado, entre os municpios de Amap e Caloene; e outra ao sul domunicpio de Ferreira Gomes.

    Entre as reas de cerrado ao norte do Amap, Sanaiotti destaca a importncia de conservaras savanas inundveisque ocorrem entre os municpios de Amap e Caloene, alm dereas de cerrado incrustadas na savana do tipo campo sujo, prximo ao municpio de

    40 SANAIOTTI, Tnia; BRIDGEWATER, Samuel; RATTER, James. Savanas do Estado do Amap:Sugestes para sua Conservao,[S.l.:s.n], 1994. 39p.41OREN, David C. Resultado da Avaliao Ecolgica Rpida nos Cerrados do Amap. Texto elaborado

    para o Seminrio Conservao do Cerrado do Amap. Macap:SEMA/FUNATURA, 1998.42 CHAGAS, Marco Antonio. Projeto Conservao do Cerrado do Amap. Texto elaborado para oSeminrio Conservao do Cerrado do Amap. Macap:SEMA/FUNATURA, 1998.43 MARINHO FILHO, Jader Soares. Conservao e Uso Sustentvel da Biodiversidade no Estado doAmap. Macap:GEA/BID, 2000.44BRASIL. Projeto RADAM/Folha NA/NB.22 Macap. Levantamento de Recursos Naturais, v. 6. Riode Janeiro : MME/DNPM, 1974.

    45 FERRI, Mrio. Ecologia dos Cerrados. In: IV Simpsio sobre o Cerrado: bases para utilizaoagropecuria.Belo Horizonte : Ed. USP, 1977.

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    Tartarugalzinho. Mais para o sul, algumas reas de cerrado so sugeridas, como: a) a reado Km 53 da BR-156 pertencente ao exrcito; b) a gleba pedreira; c) a rea de cerrado queocorre entre o Km 40 e 48 da BR-156. Sugere ainda que o tamanho das reservas devegarantir os seguintes aspectos: a) manuteno de comunidades; b) biologia reprodutiva dasespcies e; c) conectividade para permitir a recolonizao das espcies.

    Em 1997, a empresa AMCEL, ento pertencente ao Champion International, em parceria

    com ONG The Nature Conservancy - TNCe o Museu Paraense Emlio Goeldi MPEG,realizou uma Avaliao Ecolgica Rpida - AER em algumas reas de cerrado do Amap.O staff do setor de AER da The Nature Conservancy treinou pesquisadores do MuseuGoeldi em metodologias de AER, seguindo tcnicas desenvolvidas e testadas pela TNC emvrias partes do mundo. Os resultados da AER indicaram que os cerrados da parte norte doAmap so distintos daqueles mais ao sul e que o desenho das reservasa serem criadasdevem levar em considerao essa diversidade em termos de qualidade de habitats,

    processos ecolgicos necessrios para manuteno de comunidades e ameaas existentes epotenciais. Props ainda a AER, que a Champion articulasse com o IBAMA, SEMA eproprietrios particulares para tentar assegurar que as reservas de cerrado tivessem pelomenos 80.000 hectares, indicador este referenciado em estudos sobre ecologia de

    mamferos nos cerrados do Brasil Central. A AER no foi publicada pela ChampionInternationale nenhuma recomendao foi implementada.

    O Programa Nacional da Diversidade Biolgica - PRONABIO, com objetivo de resgatar oprocesso de planejamento para criao de novas reas protegidas no Brasil, realizou em1998 o workshopAes Prioritrias para a Conservao da Biodiversidade do Cerradoe Pantanal, recomendando, entre outras, que:

    1. Qualquer Unidade de Conservao a ser criada no cerrado deve considerar arepresentatividade da bacia hidrogrfica, principalmente as cabeceiras dos cursos dgua;

    2. Pelo menos uma Unidade de Conservao representativa deve ser criada em cada reade enclave de cerrado na Amaznia;

    3. Sugere-se que as Unidades de Conservao tenham no mnimo 80.000 hectares e,idealmente, rea maior que 300.000 hectares;

    4. Garantir o efetivo cumprimento das normas legais de proteo ambiental, notadamenteas que tratam das reas de Preservao Permanente - APP e Reserva Legal.

    Nesse workshop, o pesquisador David Oren e os tcnicos da SEMA, Marco AntonioChagas e Emmanuel Soares, apresentaram duas proposies de reas para conservao docerrado do Amap. A primeira, ao norte do estado, entre os municpios de Amap eCaloene, onde predominam campos sujos, campos limpos e extensas matas de galeriacom alta densidade de buritizeiros veredas. Esta rea corresponde as savanas

    inundveis descrita por Sanaiottti. A segunda, entre os municpios de Macap eTartarugalzinho, necessitando de estudos complementares para melhor identificao.

    A SEMA elaborou em 1998 o projeto Conservao do Cerrado do Amap, comobjetivo de implementar as proposies do workshop do PRONABIO. Uma parceria foifirmada entre a SEMA, o Museu Goeldi e a Championpara apoiar as seguintes aes: a)classificao dos diferentes tipos fisionmicos do cerrado da rea norte do estado com usode imagens de satlite, sobrevos e ground-truthing; b) compilao dos dados emSistema de Informao Geogrfica (SIG) e analise com os softwares ArcView e ArcInfo;c) elaborao detalhada da proposta de criao da Unidade de Conservao. Esta ltimaetapa no foi executada em funo da descontinuidade na gesto da SEMA.

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    Usos e Ameaas a Conservao do Cerrado do Amap

    Em 1976, a Companhia Auxiliadora de Empresas de Minerao - CAEMI, como parte doesforo empresarial de ampliar os investimentos no Amap e possibilitar algumacompensao pela explorao do mangans de Serra do Navio, criou a empresa AmapFlorestal e Celulose S.A - AMCEL. No sendo o ramo da CAEMI, companhiaespecializada em minerao, a AMCEL foi vendida no comeo da dcada de 90 para a

    Champion International e em 1996 passou ao controle da International Paper. AChampion International, ex-dona da AMCEL, encontrou dificuldades para se instalar noAmap, sofrendo grande desgaste institucional, apesar de ter adotado medidas interessantessobre a tica ambiental, como a criao de um Conselho Ambiental Externo e a realizaode uma Avaliao Ecolgica Rpida em suas reas, cujo propsito seria a criao dereservas particulares, coisa que nunca aconteceu. Atualmente os donos da AMCEL so as

    japonesasMarubeni Corporation e Nippon Papers Industries.

    A AMCEL ocupa uma rea de 169.000 hectares do cerrado do Amap (17%). Desse total,em 103.000 hectares mantm um plantio de floresta de eucalipto e outros 660 hectaresdestina para Reserva Legal46, atendendo a Medida Provisria 2166-67, de 24 de agosto de2001 que obriga a empresa a destinar 35% da propriedade para conservao da

    biodiversidade. O eucalipto transformado em cavacos para exportao na unidadeindustrial porturia da AMCEL, localizada no municpio de Santana. No se conhece acondio de conservao das reas de Reserva Legal da AMCEL.

    O bilogo Jader Marinho Filho, com base na Avaliao Ecolgica Rpida citada aponta asseguintes ameaas conservao do cerrado do Amap:

    1. Uso intensivo do fogo como instrumento de manejo de pastagens, principalmente nasformaes abertas, mas atingindo tambm formaes florestais em que existe corte seletivode madeira e outras atividades humanas;

    2. Sobrepastagem, que historicamente um dos principais problemas associados

    atividade de pastoreio tanto no cerrado quanto nos campos inundveis da plancie flvio-marinha;

    3. Acmulo de fertilizantes e defensivos agrcolas utilizados em operaes florestais e queso carreados pelas guas de chuva para as partes mais baixas;

    4. Colonizao no controlada, especialmente em manchas florestais de solos mais ricos,dentro e prximo s formaes de cerrado, e que so vistas pelos trabalhadores sem terracomo reas potenciais para reforma agrria, por serem consideradas improdutivas, mesmoque sua destinao seja a proteo da biodiversidade.

    As condies geolgicas da faixa de cerrado do Amap possibilitaram a implantao daBR-156, em detrimento da floresta. Em conseqncia, uma rpida instalao de posses eoutras ocupaes tem colocado o cerrado numa condio de uso indefinido, inviabilizandotanto sua conservao quanto o seu aproveitamento para produo agrcola. Algumasrecomendaes so sugeridas quanto a uma melhor efetividade da gesto ambiental docerrado do Amap:

    1. Resgatar e publicar a Avaliao Ecolgica Rpida do Cerrado do Amap realizada pelaempresa Champion International em parceria com a The Nature Conservancy e MuseuEmilio Goeldi;

    46 Reserva Legal a rea localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a depreservao permanente, necessria ao uso sustentvel dos recursos naturais, conservao e reabilitao dosprocessos ecolgicos, conservao da biodiversidade e ao abrigo e proteo de fauna e flora nativas.

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    2. Mapear e organizar banco de dados sobre as espcies provenientes de estudosreferenciados neste trabalho e outros recentes;

    3. Reaver e discutir a proposta de criao da Unidade de Conservao no norte do estadodo AmapUnidade de Conservao Campos de Buritis;

    4. Analisar a possibilidade de que a Unidade de Conservao a ser criada faa aconectividade entre a floresta de terra firma e a zona costeira;

    5. Articular a criao de Reservas Particulares do Patrimnio Natural (RPPNs) nas reas daempresa AMCEL;

    6. Realizar o zoneamento do cerrado, indicando as reas mais propicias ao aproveitamentoagrcola diversificado.

    A Conservao das Florestas do Tumucumaque

    Em 2002, antecedendo a Cpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentvel ou Rio+10,realizada entre 26 de agosto e 4 de setembro na cidade de Joanesburgo, na frica do Sul, o

    Governo Brasileiro, atravs do Ministrio do Meio Ambiente, resgatou as recomendaesdo workshopde Macap/99 e criou no Amap o maior parque em rea de floresta tropicaldo planeta: o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque.

    O Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque fez parte de um pacote ambientallanado pelo Governo Federal como estratgia para acelerar a implementao de medidasde fortalecimento do desempenho do pas na rea ambiental e da sua posio poltica emrelao a outras naes participantes da Cpula Mundial sobre DesenvolvimentoSustentvel - Rio +10.

    Com 3.867.000 hectares, o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, em meio polmicas e num processo pouco participativo, foi criado no dia 22 de agosto de 2002 e

    propagado em Joanesburgo como smbolo de compromisso cumprido pelo GovernoBrasileiro para com as instituies conservacionistas internacionais.

    Com o Parque, o Amap passou a destinar 72,52% de seu territrio para reas Protegidas eTerras Indgenas (Tabela 4). Se por um lado este cenrio, ao ser usado como indicador dealcance de compromissos internacionais do Governo Brasileiro, facilitou o aval parafinanciamentos multilaterais a projetos conservacionistas, por outro gera uma incgnita emtermos de gesto ambiental pela falta de inovao quanto ao uso social e econmico dasreas protegidas da Amaznia, entre as quais as criadas no Amap.

    Tabela 4reas Protegidas e Terras Indgenas Criadas no Amap

    Unidades Territoriais rea (ha) %

    rea do Amap 14.345.370 100,00

    reas Protegidas Federais (1) 6.093.897 42,48

    reas Protegidas Estaduais (2) 3.197.867 22,29

    Terras Indgenas (3) 1.111.454 7,75

    Total em Relao rea do Amap (1)+(2)+(3) 10.403.218 72,52

    Fonte: Marco Chagas (2003)47- Atualizado

    47CHAGAS, Marco Antonio. Gesto Ambiental no Amap.Dissertao de mestrado. Braslia: UnB, 2003.

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    As florestas do Tumucumaque foram transformadas em parque aps uma srie de atropelosinstitucionais decorrentes do imediatismo poltico do momento, gerando um passivo social

    para a conservao. Os atropelos se deram em decorrncia do no cumprimento do artigo22 do SNUC, principalmente quanto ao processo de consulta pblica. No existem normasdisciplinando os procedimentos de realizao de consultas pblicas, apesar daobrigatoriedade de sua realizao. Uma importante contribuio para o debate sobre essaquesto encontra-se no Guia de Consultas Pblicas para Unidades de Conservao,lanado em 2005 pelas ONGs Imaflora e Imazon48.

    Quanto ao passivo social, conseqncia de prticas autoritrias, h de se fazer umainferncia a falta de iniciativas institucionais para inserir a conservao nas aes deeducao na Amaznia. A conservao necessita exercitar a interdisciplinaridade junto educao tanto formal quanto informal e romper com a concepo mecanicista das cinciasnaturais para a construo de uma nova racionalidade ambiental.

    O dilogo sobre o Parque do Tumucumaque nos municpios de sua abrangncia problemtico. Nesse ponto, h aspectos observveis relacionados a uma certa intolernciade parte das comunidades quando se toca no assunto, mas tambm h aspectos de totalinsignificncia, como se o parque no existisse ou passasse despercebido das comunidades.Ambos aspectos so negativos para a conservao.

    Como as instituies esto se preparando para a gesto da conservao no Amap?

    48PALMIERI, Roberto; VERSSIMO, Adalberto; FERRAZ, Marcelo. Guia de Consultas Pblicas paraUnidades de Conservao.Piracicaba : IMAFLORA; Belm : IMAZON, 2005.

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    4. AS INSTITUIES PBLICAS E A CONSERVAO

    IBAMA

    O que poderia ser um bom exemplo de gesto para a conservao passa a defrontar-se comfragilidades institucionais decorrentes da hierarquizao centralizada e do gigantismofuncional em que se transformou o IBAMA. No Amap, a instituio ambiental federal

    responsvel pela gesto de 42,47% da rea total do Est