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conforme referencia livro

Fundação Padre Anchieta Dir. Presidente: Paulo MarkunDir. Vice-presidente: Fernando José de AlmeidaDir. Administrativo e Financeiro: Celso BarbozaDir. de Engenharia: José Chaves Felippe de OliveiraDir. de Marketing e Captação: Cícero FeltrinDir. de Produção: Marcelo AmikyDir. de Projetos Especiais: Mauro Garcia Dir. de Prestação de Serviços: Carlos Wagner La-BellaCoord. de Núcleos de Conteúdo e Qualidade: Gabriel PriolliSec. Executiva da Presidência: José Vidal Póla GaléCoord. Núcleo Jornalismo: Julio MorenoCoord. Núcleo Musical: Fernando FaroCoord. Núcleo de Dramaturgia: Jefferson Del RiosCoord. Núcleo Arte e Cultura: Hélio GoldsztejnCoord. Núcleo Infanto-juvenil: Âmbar de BarrosCoord.  de Identidade Visual: João BaptistaCoord. Novos Negócios: Ricardo MucciCoord. Geral do Projeto Univesp – Universidade Virtual do Estado de São Paulo: Mônica Teixeira                               Coord. Geral de Prestação de Serviços: Ricardo PaolettiCoord.  das Rádios AM e FM : Gioconda Bordon 

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Fundação Padre Anchieta Dir. Presidente: Paulo MarkunDir. Vice-presidente: Fernando José de AlmeidaDir. Administrativo e Financeiro: Celso BarbozaDir. de Engenharia: José Chaves Felippe de OliveiraDir. de Marketing e Captação: Cícero FeltrinDir. de Produção: Marcelo AmikyDir. de Projetos Especiais: Mauro Garcia Dir. de Prestação de Serviços: Carlos Wagner La-BellaCoord. de Núcleos de Conteúdo e Qualidade: Gabriel PriolliSec. Executiva da Presidência: José Vidal Póla GaléCoord. Núcleo Jornalismo: Julio MorenoCoord. Núcleo Musical: Fernando FaroCoord. Núcleo de Dramaturgia: Jefferson Del RiosCoord. Núcleo Arte e Cultura: Hélio GoldsztejnCoord. Núcleo Infanto-juvenil: Âmbar de BarrosCoord.  de Identidade Visual: João BaptistaCoord. Novos Negócios: Ricardo MucciCoord. Geral do Projeto Univesp – Universidade Virtual do Estado de São Paulo: Mônica Teixeira                               Coord. Geral de Prestação de Serviços: Ricardo PaolettiCoord.  das Rádios AM e FM : Gioconda Bordon 

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Patrocínio

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Realização

Logo imprensa oficial

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ficha catalográfica

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SumárioPrefácio: Independência e qualidade 8

Introdução 14

Pré-história da TV Cultura 20

Sodré: uma idéia democrática no epicentro da ditadura 40

Laudo Natel amplia a rede e reduz a independência da instituição 84

Governo Paulo Egydio: o trauma da violência num espírito liberal 108

Paulo Maluf: populismo e autoritarismo viabilizam novos rumos 134

A luta do Conselho pela independência 156

Roberto Muylaert: a FPA em tempos de democracia com Franco Montoro 166

Minha gestão: a idéia e a prática da TV pública 214

A gestão Marcos Mendonça 264

O início da gestão Paulo Markun 286

Linha do tempo 293

Biografias 320

Bibliografia 332

Créditos das imagens 334

Ficha técnica 338

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Prefácio: Independência e qualidade

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Ao recuperar e transformar em livro a história da Fundação Padre Anchieta e de São Paulo, Jorge da Cunha Lima presta mais um bom serviço à causa da cultura. Mais que a me-

mória da comunicação social brasileira, este trabalho ilumina sua atualidade: instrui decisões que precisam ser tomadas agora, para o bem do futuro da democracia. Uma pergunta resume o conjunto dessas decisões: o Brasil necessita de televisões e rádios públicas?

A julgar pelo passado que as próximas páginas descortinam, a res-posta poderia ser “sim”, mas teria de ser um “sim” cauteloso. A histó-ria contada aqui nos ensina que emissoras públicas só se justificam se baseadas na idéia da independência, o que pressupõe apartida-rismo radical e distanciamento em relação aos governos e ao poder econômico. Só assim podem cumprir dignamente o compromisso com a experimentação de linguagem, a educação e a informação jornalística objetiva, crítica e equilibrada, com foco no cidadão, se-gundo padrões não comerciais. Acima de tudo, compromisso com o direito à informação e à comunicação de que todo ser humano é titular. Este livro nos mostra que, quando respirou independência, a TV Cultura brilhou. Que fique de lição: quando a perspectiva da independência fenece, o que se tem é um escoadouro de dinheiro público para produzir um tipo de conteúdo que pode até agradar os governantes, mas não traz benefício para a sociedade – coisa que te-mos tido de sobra. Temos tido em exagero.

A julgar por isso aí, o que temos tido de sobra, a resposta àquela per-gunta teria de ser “não”. Os que tiveram oportunidade de trabalhar com emissoras públicas recentemente sabem que elas, na maior par-te das vezes, não conseguem ser fiéis a esse adjetivo tão gasto: públi-cas. Exceções aparecem, de tempos em tempos, e são meritórias, mas o quadro geral é desalentador. Em geral elas funcionam como se não pertencessem ao público. Em regra, são mal geridas. Se somadas en-tre si, abrigam alguns milhares de funcionários – não raro protegidos pelas nefastas “indicações políticas” – e os resultados que oferecem quase não alcançam sequer o piso da mediocridade. O empreguismo grassa no setor, servindo de caldo de cultura para práticas anacrônicas e, ainda hoje, mal disfarçadas: por trás de finalidades supostamente educativas ou culturais, o que nelas prevalece é a missão não declara-da de promover a imagem pessoal dos representantes do poder, como se microfones, câmeras e antenas estatais ou públicas não passassem de extensões de assessorias privadas a cargo de motivações pessoais, familiares ou partidárias das autoridades. Se há um terreno onde o nosso patrimonialismo ancestral viceja sem culpa, esse terreno é a radiodifusão pública, de onde brotam as mais desabridas expressões do que poderíamos chamar de patrimonialismo simbólico.

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Quando questionados, muitos dos responsáveis pelo atual esta-do das emissoras públicas, em lugar de reconhecer as próprias falhas ou os constrangimentos a que estão submetidos, apenas choramingam pela falta de verbas. Imaginam, ou tentam nos fa-zer imaginar, que a deterioração da qualidade é produto do suca-teamento tecnológico. Não lhes ocorre que é justamente o oposto: a degradação das relações funcionais e o descontrole adminis-trativo é que geram o sucateamento, a carência orçamentária e a queda de qualidade. A origem do mal é política – a mazela tecno-lógica não passa de sintoma.

A não ser por esforços recentes, pelos quais alguns dirigentes de instituições públicas de comunicação procuram abandonar a cul-tura da servidão aos políticos e substituí-la pelo serviço à cultura dos cidadãos, a tradição é melancólica. As cúpulas da maioria des-sas emissoras vêm repelindo silenciosamente o dever de se pautar pela impessoalidade, pela austeridade administrativa e pelo apar-tidarismo. São incapazes de oferecer inovação estética. Recusam-se a transformar a programação numa forma avançada de diálogo social inclusivo e crítico, assim como se esquivam quando se trata de informar com retidão. Nada acrescentam. Só o que conseguem, quando conseguem, é copiar, de modo rebaixado e um tanto la-mentoso, o que as emissoras comerciais já fizeram antes. Com isso, abdicam de desbravar os caminhos da televisão: como o exercício da cópia impõe ao que copia o ônus de andar atrás daquele a quem pretende imitar, a maior parte das estações ditas públicas se arras-ta, permanentemente defasada. O telespectador tem a sensação de que tentam retê-lo com uma programação que ele desconfia que já viu, em versões melhores, na tela das tevês comerciais, e isso há alguns anos. Ele se sente abduzido por um túnel do tempo de segunda linha.

Nesse caso, a baixa qualidade anda de mãos dadas com a falta de compromisso democrático, num hábito que seria apenas uma piada antiquada e de mau gosto se não persistisse até nossos dias como uma pequena tragédia. Usurpadas pelos piores vícios da nossa cul-tura política, onde o partidarismo governista se confunde com o clientelismo, essas emissoras só poderão ser resgatadas por meio de reformas estruturais de grande envergadura, que as libertem dos caciques. Só por esse caminho estarão aptas a servir à democracia.

Talvez aí o público acorde para o papel que elas deveriam cumprir. Apenas talvez: esse despertar não será simples. O telespectador-ci-dadão já não leva muito a sério essa conversa de televisão públi-ca. A má gestão, além de todos os malefícios que nos legou, trouxe

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mais este: o de se impor como sinônimo de comunicação pública, granjeando uma consistente antipatia à razão das rádios e das televisões públicas. Por obra dos maus gestores e também por obra do apetite dos governantes por um pouco de platéia a sol-do público, a imagem das emissoras públicas virou sinônimo de incompetência, de desperdício e de chatice – e disso o país não precisa mesmo.

* * *

De outro lado, ninguém minimamente informado recusa de ante-mão a relevância da radiodifusão não-comercial numa sociedade democrática. Boas emissoras públicas podem contribuir decisiva-mente para oxigenar o espaço público. Basta olhar para as demo-cracias que nos servem de referência e a conclusão não será difícil. Ao lado das emissoras privadas, é preciso que uma outra moda-lidade de discurso, não ordenado pelo mercado, atue com vigor, contemplando conteúdos, fontes, paisagens e personagens que não entrariam na esfera pública se dependessem exclusivamente dos filtros comerciais. Por isso, a exemplo do que acontece nessas democracias, há um imenso caminho aberto para a comunicação pública. Se souber trilhar com altivez a sua própria estrada, ela co-lherá rapidamente o reconhecimento social que a legitimará. Nes-sa condição, poderá disputar audiência para valer, não pelo que tem de parecido com as emissoras comerciais, mas pelo que tem de insubstituível e de incomparável em relação a elas. Entre nós, há precedentes encorajadores. Os pontos altos da TV Cultura – na programação infantil, na cobertura jornalística, no desenvolvi-mento de uma escola própria de televisão – demonstram que essa aspiração é plenamente realizável.

Se a sociedade brasileira entender – e este livro há de ser um estímu-lo para que ela assim entenda – que precisa de uma comunicação pública de verdade, ou seja, que precisa promover a limpeza do cená-rio, sepultando de uma vez os vícios do passado, a cidadania ganha-rá em todos os sentidos. As emissoras públicas passarão por uma renovação sem volta. Quanto a alguns funcionários dessas emisso-ras, que gostam de invocar modelos como o da BBC de Londres para reivindicar orçamentos nos mesmos padrões, terão de dedicar igual empenho para aplicar no Brasil a exigência profissional, a austeri-dade administrativa e a fiscalização pública incessante, que tam-bém são marcas registradas da BBC. E a independência. Essa lição de casa, por sinal, deveria preceder a revisão orçamentária. Um pouco mais de obsessão pelos princípios da moralidade administrativa e da impessoalidade não nos faria mal.

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* * *

Em grande medida, a TV Cultura de São Paulo se diferencia – para me-lhor – das suas congêneres no Brasil. Sem medo de errar, é possível afirmar que, na história da radiodifusão pública brasileira, a tradi-ção da TV Cultura responde pela melhor parte. Por certo, ela não é a única a ter em seu currículo alguns casos de sucesso, mas distan-ciou-se das demais com os níveis de qualidade que alcançou. Uma vez mais, não custa repetir: o que fica dessa longa e bela trajetória é que, nesse caso, a conquista da qualidade tem parte com a busca da independência.

Tem parte com uma independência concreta e institucionalizada. Para começar, há na Fundação Padre Anchieta um Conselho Curador que consegue manter sua autonomia em relação ao Governo. Não de modo contínuo, tranqüilo, impassível. Disputas e escaramuças tive-ram lugar aí, e Jorge da Cunha Lima relata algumas. A propósito, ele deixa bem nítidas as vias sinuosas, ou mesmo explícitas, pelas quais a vontade do governante, em certos períodos, soube se impor dentro da Fundação. Criada em plena ditadura, graças ao discernimento do governador Abreu Sodré – a quem este livro presta reconhecimento –, a Fundação penou, mas trilhou com altivez o seu caminho de auto-nomia. A qualidade que nela se produziu, que ninguém se engane, é uma conquista ética, antes de proeza estética. Outra vez, não é a tec-nologia ou o dinheiro que geram excelência, mas, antes, a indepen-dência. Mesmo quando passa por enfrentamentos – de que também é feita a história da Fundação Padre Anchieta.

Não que a TV Cultura tenha passado incólume pelos vícios nacionais. Ela existe no Brasil, não na terra da rainha Elizabeth, onde reina a BBC. Como que para nos lembrar disso, insistentemente, o livro faz ques-tão de informar sobre o contexto de cada momento, contando o que se passava no cenário nacional e, em particular, no mundo da televisão, enquanto a TV Cultura dava esse ou aquele passo. A linha do tempo recuperada pelo autor cumpre uma função didática de grande valia. Dentro desse habitat chamado Brasil, na TV Cultura também houve – e há – problemas sérios de gestão, que às vezes busca solução na criação de novos problemas. Por exemplo, o problema da presença da publi-cidade nos intervalos da programação. Sim, um senhor problema: os anúncios de mercadorias, intercalados e reincidentes, acabam confe-rindo aos intervalos que deveriam ser culturais, educativos e infor-mativos um ar de eventos vulgarmente comerciais – o que contribui para desfazer as distinções de ambiência entre uma emissora pública e uma emissora privada, quer dizer, contribui para que o telespecta-dor tenha ainda mais dificuldade de distinguir uma coisa da outra.

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Jorge da Cunha Lima não foge desses e de outros pontos incômo-dos. Claro que, tendo sido presidente da Fundação Padre Anchieta de 1995 a 2004, e exercendo, de 2001 até hoje, o cargo de presidente do Conselho Curador, ele é ao mesmo tempo autor e personagem do relato: é nada menos que um protagonista central, que se mantém em cena por largo período. Mesmo assim, ou, quem sabe, por isso mesmo, sua narrativa, ainda que determinada pelo ponto de vista necessariamente pessoal, não traz as características da parcialida-de deliberada. O autor não precisa disso. Ele não esconde falhas nem limitações, e nisso, talvez, posso apontar sua maior grandeza. Jorge não escreve para se defender, mas para expor o que eu posso cha-mar de genealogia de uma causa que vale a pena: a causa da comu-nicação pública, uma causa que, com mais acertos do que erros, ele vem carregando em meio a intempéries, armadilhas e descaminhos – e da qual se tornou um símbolo maior.

Eugênio Bucci Membro do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta

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Introdução

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A bibliografia existente sobre a te-levisão brasileira é modesta; so-bre a TV Cultura de São Paulo é

quase inexistente. Realizaram-se algumas pesquisas, mas poucas foram publicadas. A maior parte do material que trata da TV Cultura são artigos, reportagens, críticas, entrevistas e resenhas de programação publicados pela imprensa nestes quarenta anos de existência da Fundação. As publi-cações institucionais resumem-se a edi-ções comemorativas da segunda e terceira décadas da FPA, e em geral são mais pre-ocupadas em retratar o momento em que ocorria a publicação do que expor o passa-do distante. Percorrendo outros caminhos, este livro pretende constituir-se numa re-ferência importante para a compreensão da história da TV Cultura.

Era e é um desafio recompor, com a fideli-dade e a isenção possíveis, a história dessa instituição que contém na sua própria es-trutura uma contradição: ser uma funda-ção criada pelo Governo, financeiramente dependente dele, mas que deve possuir autonomia intelectual, administrativa e editorial.

Os editores, pesquisadores e historiado-res que trabalharam neste livro optaram por basear-se, assim, numa ampla pesqui-sa para colher as informações publicadas sobre a criação, o desenvolvimento e a re-percussão da instituição. Por outro lado, consultaram depoimentos dados por pro-tagonistas, políticos e representantes da opinião pública. Além desses testemunhos indiretos, sobretudo de pessoas já falecidas, colheram o testemunho direto e pessoal de protagonistas vivos: técnicos, artistas, pro-dutores, conselheiros e ex-conselheiros, jornalistas, dirigentes e ex-dirigentes. Não há nenhum capítulo no qual o ex-dirigen-te, se vivo, não tenha sido procurado para

falar diretamente sobre o seu período. Isso possibilitou ao autor o distanciamento ne-cessário no relato dos diversos períodos e suas respectivas contribuições, pois cada um foi narrado pelo próprio protagonista, entre aspas, inclusive o período do manda-to do autor do livro, que coloca a sua nar-rativa como depoimento pessoal. Quando esse expediente não foi possível, optou-se pela fala de contemporâneos desses ex-di-rigentes, em cada etapa. Se é verdade que a responsabilidade da publicação do livro será sempre da Fundação Padre Anchieta, cada depoente, inclusive este autor, será responsável exclusivo por seu depoimento. Necessária essa explicação devido às con-trovérsias naturais na interpretação de fa-tos, que implicam juízos de valor.

Outra fonte fundamental foi a documen-tação existente no Núcleo de Memória e Documentação da FPA, que, além de uma catalogação competente de documentos, re-alizou, principalmente nos últimos anos, a gravação de depoimentos das mais va-riadas pessoas ligadas à vida e à história da TV Cultura. Esses documentos e depoi-mentos, contrastados com o material reco-lhido na imprensa escrita, possibilitaram uma checagem rigorosa dos fatos e das repercussões que marcaram a vida da TV Cultura.

Evidente que a fonte mais interessante pesquisada, pois diretamente ligada à ati-vidade fim da instituição, foi seu acervo televisivo, que dispõe de noventa mil ho-ras de gravação, nos mais diversos supor-tes técnicos, desde a película 16 mm, os registros em quadruplex e todas as gra-vações realizadas no sistema analógico até as recentes gravações digitais. Embora ainda não totalmente digitalizado, existe uma catalogação preciosa do acervo, com a indicação de períodos, autoria e conteúdos.

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Da mesma forma, o material iconográfico, incluindo um grande acervo de fotografias tiradas por profissionais da própria institui-ção, foi selecionado para ilustração do livro.

A elaboração deste livro, além do enorme esforço de produtores terceirizados, exigiu a adoção de uma clara estratégia edito-rial. Essa estratégia estabeleceu que fosse realizada pelos historiadores uma Linha do Tempo, com três colunas de informa-ções paralelas que dão apoio à constru-ção narrativa. A primeira coluna contém os momentos mais importantes relativos à própria história da TV Cultura; a segun-da, os momentos importantes relativos às outras televisões públicas ou privadas; e a terceira, os fatos conjunturais, sobretu-do de natureza política, que permeiam e influenciam os passos dados pela própria FPA. A história da TV Cultura está mais ou menos situada em vinte anos de ditadura e vinte anos de redemocratização.

Essa Linha do Tempo revelou-se uma infor-mação tão importante que, ao final, resol-vemos incluí-la na própria edição do livro, em capítulo à parte.

Outra importante decisão estratégica foi a preocupação de basear o livro na expo-sição e análise de quatro eixos centrais: a estrutura jurídico-institucional, o de-senvolvimento tecnológico, as questões administrativas e financeiras e, final e principalmente, a programação produzida e veiculada nestes quarenta anos.

A referência à estrutura jurídico-insti-tucional visa sobretudo constatar se o período foi fiel ao espírito inaugural da Fundação, determinado na lei que a criou; se o prejudicou ou aperfeiçoou. A evolução tecnológica, óbvio tema para um veículo de telecomunicação, além de proporcionar

subsídios para que se entenda melhor a ca-pacidade da emissora em dar conta de sua missão, permite também avaliar os impac-tos da conjuntura política e administrati-va na Fundação, expondo os períodos de maior dificuldade, sejam eles atribuídos à fatalidade, como o incêndio de 1986, se-jam os períodos de absoluta inexistência de qualquer investimento. A visão admi-nistrativa e financeira não pretende fazer diagnósticos de melhor ou pior adminis-tração, mas sim verificar se o modelo de financiamento da televisão pública foi e é adequado, ao longo de um período de grandes ajustes fiscais públicos, e a recen-te tentativa de criação de uma gestão au-to-sustentável para a FPA.

O eixo principal, evidentemente, é a pro-gramação, não apenas porque se trata da principal atividade da Fundação, mas por-que essa programação deve subordinar-se à missão da Fundação Padre Anchieta, subentendida desde a sua inauguração e formalmente definida pelo Conselho Curador.

Emissora aberta, gratuita, com programa-ção dirigida a toda a população brasilei-ra, a TV Cultura, com outorga de televisão educativa, tornou-se ao longo do tempo uma televisão generalista, isto é, cultural, artística, informativa e educativa, com ên-fase na programação infantil. Era, pois, ne-cessário verificar como isso aconteceu.

Outra questão era decidir se o livro apre-sentaria uma narrativa pautada pela cro-nologia ou seguiria um percurso temático. Optou-se por manter os eixos temáticos, tra-tando-os em uma narrativa cronológica que desse conta de articulá-los com seu tempo.

Antes mesmo de reunir todo o material, a simples observação da Linha do Tempo

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evidenciou que o livro percorreria três grandes períodos: a “pré-história” da FPA, a ditadura e a redemocratização. Importan-te foi a constatação, no decorrer do estudo, de que o período da ditadura foi marcado pela figura dos governadores. Nesse perío-do, a televisão foi mais ou menos fiel aos princípios inaugurais, dependendo, porém, diretamente da postura dos governadores, ainda que tenha sido importante o papel dos presidentes executivos e do Conselho Curador. A partir da redemocratização, no período de Franco Montoro e sucessores, os rumos da Fundação seriam marcados antes de tudo pelo desempenho de seus presiden-tes e do Conselho Curador. Este fato traduz-se na própria organização do livro, pautada nos mandatos dos governadores de 1967 a 1983, e a partir daí centrada nas administra-ções dos presidentes da FPA.

Difícil decisão de caráter estratégico-edito-rial foi estabelecer o partido do tratamento gráfico e do conteúdo iconográfico da pu-blicação. Decidiu-se que a simples visuali-zação do livro deveria, por suas imagens, revelar a mesma cronologia dos conteúdos escritos: atos, personagens, equipamentos e programação.

Todos esses propósitos foram perseguidos rigorosamente pelos produtores, autores e colaboradores. Os períodos remotos pos-sibilitaram depoimentos mais espontâneos, devido ao distanciamento do tempo, mas carecem de importantes depoimentos de protagonistas já mortos. Os períodos mais recentes tiveram dificuldade maior na coleta de depoimentos, e aqueles que o deram algumas vezes fizeram com certa inibição, pois falavam de coisas e dirigen-tes ainda vivos. Contudo, o resultado nos traz uma ampla e profunda visão da evo-lução da história e dos desempenhos até o presente momento.

O prefaciador foi enfático ao considerar a importância desta publicação, num mo-mento histórico em que a televisão pú-blica e seu futuro são postos em questão, polemicamente, por toda a sociedade. Eu-gênio Bucci, por sua carreira acadêmica, política e intelectual, tem credenciais su-ficientes para fazer as apreciações que fez, sobretudo após a democrática administra-ção que imprimiu à Radiobrás. Contudo, foi duro na avaliação das televisões pú-blicas estaduais, carentes de autonomia e de recursos. Sua análise é indiscutível, embora haja um visível esforço de muitas dessas emissoras de superar esse impas-se financeiro, institucional e mesmo in-telectual, após o recente Fórum Nacional de Televisões Públicas, do qual elas foram cúmplices.

Buscamos não enfatizar as glórias nem as depressões vividas pela instituição e seus dirigentes. Tudo teve seu peso, a cada ins-tante. Não podemos, contudo, deixar de realçar, se não foi suficientemente en-fatizado no livro, que houve momentos heróicos ou corretamente superados. A se-qüência inaugural, caracterizada por uma busca permanente de aperfeiçoamento ju-rídico-institucional, foi vital para a vida e sobrevivência da FPA como instituição cul-tural independente. Devemos isso a Abreu Sodré, paradoxalmente num período ne-gro da história do Brasil.

Outro momento decisivo foi o assassina-to de nosso colaborador Vladimir Herzog, o comportamento do secretário Mindlin e as conseqüências decorrentes das atitudes do governador Paulo Egydio, que levaram à demissão do comandante do Segundo Exér-cito. Ainda no fim do período ditatorial, o triste episódio da intervenção perpetrada pelo governador José Maria Marin, dando seqüência a um projeto de Paulo Maluf,

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demitindo o presidente da instituição e todos os membros do Conselho Curador. A resistência jurídica levada a cabo por par-te dos conselheiros, por meio do mandado de segurança impetrado pelo advogado da FPA, dr. Fernando Fortes, obteve uma vitó-ria esmagadora no Tribunal de Justiça de São Paulo. Nessa ocasião, os desembarga-dores, por maioria absoluta, definiram a FPA como fundação de direito privado, po-lítica e administrativamente independente do Governo do Estado.

Por sua vez, no governo Montoro houve dois momentos decisivos: o incêndio e a re-forma dos estatutos. O incêndio foi tratado com espírito público pelo governador, que reequipou a fundação, modernizando todo o sistema de produção. Quanto aos estatu-tos, por imposição mesma dos reclamos de-mocráticos, num período no qual a nação se afastava do totalitarismo, foi composto um novo Conselho Curador, dotado de grande representatividade: membros natos, repre-sentando instituições de reconhecido pres-tígio, e membros eletivos, escolhidos entre personalidades plurais da sociedade políti-ca, intelectual, artística e profissional. Essa estrutura consolidou o projeto inicial de So-dré e ainda hoje serve de inspiração à trans-formação de televisões educativas, no Brasil e em todo o mundo, que desejam ser televi-sões públicas.

Nos períodos mais recentes, o grande fenô-meno foi o prestígio consagrador da progra-mação infantil, que nos valeu quase todos os Emmy conquistados pelo Brasil, ressal-tando-se a produção do Castelo Rá-Tim-Bum e, mais recentemente, do Cocoricó. Outra grande conquista foi a Torre do Sumaré, que levou a Cultura às periferias de São Paulo, e a transmissão via-satélite, que possibilitou tornar a TV Cultura uma emissora de alcan-ce nacional.

Nos últimos anos, o ajuste fiscal do Estado levou a televisão a recorrer a outros meios de financiamento: serviços, venda de pro-dutos e subprodutos da programação, pu-blicidade institucional. O livro explicita a controvérsia criada com essa atitude, prin-cipalmente no meu mandato. Os intelectu-ais de esquerda criticavam o surgimento de uma grade conspurcada pelo mercado, ao passo que as televisões comerciais se queixavam do fato de uma emissora que recebia verbas do Governo tirar parte da publicidade que lhes era destinada.

O livro, por tratar-se de assunto paralelo à história da TV Cultura, não dedicou espaço suficiente à melhor compreensão do papel da Abepec (Associação Brasileira de Emis-soras Públicas e Culturais), entidade cria-da e estimulada pela TV Cultura, ao lado de vinte e uma associadas de todos os Esta-dos brasileiros. Mas fica evidente o papel da instituição na promoção do conceito de televisão pública, objeto de seminários, debates e publicações que alimentaram a mídia e a opinião pública desde a funda-ção da Abepec, há oito anos, até a recente criação da Televisão Pública Nacional, pelo presidente Lula.

Olhando para o futuro, o livro aponta a imensa abertura de perspectivas que o sistema digital adotado pelo Brasil pro-porcionará aos meios de comunicação de massa, sobretudo a televisão. Esse sem dú-vida será o grande desafio da TV Cultura nos próximos anos. Ou digitaliza, ou desa-parece, não há alternativa. A sociedade, so-bretudo os governos, precisa compreender isso. Com a multiprogramação e a interati-vidade, a televisão pública terá toda a pos-sibilidade de realizar a sua missão.

Esta introdução não seria justa se não des-tacasse o trabalho da equipe contratada,

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coordenada por Renato Canhito e pelos his-toriadores Rosana Miziara e Arnaldo Fer-reira Marques Jr., que considero co-autores desta obra que assino. Agradeço ainda o trabalho relevante da equipe do anti-go Núcleo de Documentação, dirigido por Rita Okamura, que participou ativamente da pesquisa realizada pelos editores. Este livro foi realizado com recursos possibili-tados pela Lei Rouanet. Agradecemos ao Banco Itaú, que acreditou no projeto des-de o primeiro momento, e a Leo Madeiras e Telefônica, que completaram seu finan-ciamento. Incorporo meu agradecimento a todos os que pacientemente concederam entrevistas aos nossos pesquisadores e re-datores, cujos nomes estão nas entrevistas publicadas neste livro.

A Imprensa Oficial do Estado, que vem se destacando nos últimos tempos como uma das melhores editoras do país, será, por de-cisão de seu presidente Hubert Alqueres, impressora e distribuidora do livro Uma História da TV Cultura.

Este livro, proposto por mim, foi endossado e prestigiado respectivamente pelos presi-dentes executivos Marcos Mendonça e Pau-lo Markun, que além de seus depoimentos, colocaram a FPA à disposição dos editores em todas as fases da execução do livro.

Não posso deixar de contabilizar que nos-sa história se deve a onze governadores do Estado, a cerca de trezentos e sessen-ta membros do Conselho Curador, a oito presidentes desse Conselho, a oito presi-dentes executivos, a dezenas de diretores e cerca de cinco mil funcionários, artistas, operadores, jornalistas, câmeras, eletri-cistas, motoristas, videomakers, âncoras, repórteres, iluminadores, atores, auto-res, músicos, roteiristas, arquivistas, con-tadores, informáticos e performáticos,

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bonequeiros, maquiadores, faxineiros, jar-dineiros, porteiros, seguranças, copeiros e cozinheiros, marceneiros, mecânicos, pin-tores, engenheiros e advogados, a todos, enfim, aos quais devemos nosso acervo e nossa reputação.

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Técnicos na linha de montagem da fábrica da RCA Victor, Camden, Estados Unidos, 07/06/1950.

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Pré-história da tv Cultura

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A televisão brasileira surgiu no iní-cio dos anos 50. O Brasil possui em sua história uma inegável aptidão

para entregar-se às novidades. Da fotogra-fia ao telefone, da iluminação a gás ao selo postal, da navegação a vapor aos coretos nas praças, os brasileiros sempre se mostraram abertos ao consumo do que de mais novo os países “adiantados” ofereciam como mode-lo de modernidade. Foi assim com o rádio e seria assim também com a televisão.

O rádio, tornado viável como propagador de sons em 1906, ganhou força como meio de comunicação com o fim da Primeira Guer-ra. No Brasil, a primeira emissora regular surgiu cinco anos depois: em 1923 foi inau-gurada a Rádio Sociedade do Rio de Janei-ro, seguida pela Sociedade Rádio Educadora Paulista. Com o fim da proibição de veicular publicidade, em 1932, o rádio brasileiro logo se transformou em um poderoso meio de comunicação de massas, alcançando a ma-turidade ainda em fins dos anos 30.

A televisão, contudo, demorou mais a che-gar aos trópicos. Inventada em 1926, na Inglaterra, a TV não se tornou logo um fenô-meno de massas, ao contrário do que havia ocorrido com o cinema e o rádio. Guardando ainda um caráter experimental, exibindo imagens de qualidade muito inferior à ci-nematográfica e utilizando equipamentos de alto custo, a televisão na primeira me-tade do século XX era pouco mais que um passatempo curioso para cientistas e pesso-as abonadas.

Entretanto, as perspectivas fantásticas que a nova mídia prometia faziam com que os países industrializados investissem não apenas no desenvolvimento da tecnologia como na montagem de sistemas de trans-missão televisiva. Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França e Itália possuíam

emissoras de televisão operando na déca-da de 1930, enquanto o Japão fazia testes consistentes.

A eclosão da Segunda Guerra Mundial veio, no entanto, paralisar a ascensão da televi-são, dado que os países que desenvolviam a tecnologia eram justamente os principais beligerantes.

Terminada a guerra, o mundo foi tomado por uma onda de reconstrução e investimentos, e a televisão aparecia como um dos símbolos dessa nova era de modernidade. Curiosamen-te, ocorreu então um incisivo rompimento simbólico, um pouco à semelhança do que se dera antes com o cinema: invenção européia, aos olhos das massas a televisão perdeu, po-rém, seus vínculos com o Velho Continente e com os anos pré-guerra, sendo identificada plenamente ao american way of life vitorioso que se impunha em toda parte, junto com a Coca-Cola e o rock’n’roll.

No final dos anos 40, com suas cidades e in-dústrias intactas, os Estados Unidos eram sem dúvida a maior potência televisiva do planeta, possuindo até a maior empresa produtora de aparelhos de emissão de sinais televisivos, a Radio Corporation of America - RCA. A Europa, arrasada por bombardeios, ainda nos anos 40 reativou suas emissoras, incluindo a Alemanha vencida e ocupada, a França libertada e o Reino Unido, que rei-niciou as transmissões da histórica British Broadcasting Corporation - BBC em 1946.

Por seu turno, ao fim dos anos 40, o Brasil aparecia como um abonado país emergente, possuidor de um alentado saldo comercial proporcionado pelas exportações maciças de matérias-primas estratégicas (minério de ferro, açúcar, café, tabaco, cacau, borra-cha etc.) durante o período da guerra. Suas duas maiores metrópoles, Rio de Janeiro e

Reginald Fessenden demonstra que o som pode ser transmitido através do rádio, Estados Unidos, dezembro de 1906.

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São Paulo, exibiam uma notável vitalidade econômica e cultural, repletas de vistosos arranha-céus, que iam substituindo os pa-lacetes da belle époque. A sede por moderni-dade era grande. Não é, pois, de se estranhar que surgisse entre os brasileiros um grande interesse pela televisão.

No dia 18 de setembro de 1950, Assis Cha-teaubriand, proprietário do império de rádios e jornais conhecido como Diários As-sociados, inaugurava a pioneira TV Tupi, Ca-nal 3 de São Paulo. Daí em diante foi uma enxurrada. Em janeiro de 1951 ia ao ar a TV Tupi do Rio de Janeiro, dias antes de Getúlio Vargas tomar posse pela segunda vez como

presidente da República. Em 1952, um grupo de empresários paulistas inaugurava a TV Paulista, Canal 5 de São Paulo, vendida em 1954 a Victor Costa, dono da Rádio Excelsior. Em 1953 foi a vez da Record, Canal 7 de São Paulo, terceira emissora paulista e única so-brevivente daquelas pioneiras.

O Brasil andou conturbado nesses anos. Na mesma ocasião em que a Record produ-zia no Brasil o Capitão 7, Getúlio Vargas se suicidava e Café Filho tomava posse, para no ano seguinte ser apeado do poder pelo general Lott, diante de rumores golpistas que punham em risco a posse de Juscelino Kubitschek, eleito em outubro de 1955.

Acima: Ronald Adam, Cameron Hall, Nigel Patrick e Derek Elphinstone, capítulo de Morning Departure,

Inglaterra, 1º/12/1946.

Ao lado: Gravação nos primeiros tempos da TV Tupi, SP, 18/09/1950 (inauguração).

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ligados à exportação de café, liderados pela família Simonsen. Junto com a concessão, Costa vendeu o nome Excelsior, que seria adotado pelos novos donos.

Em 20 de setembro de 1960, as Emissoras Associadas inauguravam a TV Cultura, Ca-nal 2 de São Paulo, quinta emissora paulis-tana. Apesar do nome, sua programação exibia um perfil eminentemente comercial, afinado com as demais emissoras da rede de Chateaubriand. No mesmo ano, um grande incêndio destruiu a Record, a TV Excelsior entrava no ar, a Tupi introduzia o videotei-pe e, no dia 21 de abril, Juscelino Kubitschek inaugurava Brasília.

Em 1958, o inefável Assis Chateaubriand ob-teve a concessão de um segundo canal em São Paulo, o Canal 2, enquanto as Organi-zações Victor Costa conseguiam um outro, o Canal 9, que ganhou o nome “Excelsior”, sem sair porém do papel. José Celso Marti-nez Corrêa, engajado com o existencialis-mo desde a visita de Sartre ao Brasil, criou o Teatro Oficina junto com companheiros de Araraquara e da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.

Em 1959, Chateaubriand comprou a Rádio Cultura da família Fontoura, no mesmo ano em que a concessão do Canal 9 foi vendida por Victor Costa a um grupo de empresários

Acima: Logotipo da Rede Record de Televisão, SP. Página ao lado: Ayres Campos, Capitão 7, TV Record, SP, 24/09/1954. Abaixo: Incêndio destrói as instalações dos estúdios da TV Record, SP, 29/07/1966.

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Lançamento do Canal 2, SP, 20/09/1960.

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a tv cultura de assis chateaubriand

Fui convidado para a direção artística da TV Cultura. A TV Cultura na época era uma emissora pobre, com pouquíssi-mos recursos técnicos, num estúdio acanhadíssimo na Rua Sete de Abril. Pertencia às Associadas, era o segundo canal das Associadas em São Paulo. Eu entrei na Cultura em 63. 63, não é? E aí então o que é que eu fiz? Eu fiz uma nova programação, reestruturação de programas educativos que já existiam.

Como diretor da TV Cultura, eu comecei a fazer alguma coisa na programação, dentro dos limites do que a gente podia fazer. Por exemplo, havia uma série de programas na época, em cadeia com as cinco estações de televisão aqui de São Paulo, e era feita pela Associação das emissoras, chamava “A Marcha do Progresso”. A cada quinze dias havia um programa e cada programa era produzido por uma das cinco emissoras, e transmitido em cadeia, uma vitrine das estações de televisão. Era um programa livre, podia-se criar o programa que quisesse, só para unir as estações e mostrar aquela presença. Então chegaram à conclusão que: “A Cul-tura não pode fazer porque não tem nada, não tem recurso, não tem equipamento, não tem coisa nenhuma. Então não pode, o que você vai fazer?” “Eu vou fazer o que dá com os recursos.” O que eu fiz? Primeiro eu fiz um documentário sobre o Museu de Arte [Masp], que funcionava no mesmo prédio. Preparei slides, fiz alguns filmes em 16 mm e colo-quei uma câmera objetiva passeando no museu, ao vivo. Na hora o negócio ficou de tal maneira que o Bardi ficou aluci-nado, nunca tinha tido uma publicidade tão grande sobre o museu. O título do filme era “Seis Séculos de Arte”. Mostrava os quadros, quando tinha um detalhamento, passava pelo slide, que eu já tinha feito anteriormente, tudo nessa base. Esse foi um programa que deu repercussão.

O segundo programa foi “Como se Faz um Jornal” . Também fui lá, fiz entrevista, filmado em 16 mm, preparei o traba-lho. E eu filmei o jornal desde o momento que sai o texto, aquela coisa, a chapa, aquela coisa roda, depois ele sai na distribuição na rua e tal. Outro programa que eu fiz e esse teve uma repercussão tremenda, é o tipo da coisa que se diz que é um acidente, só pode sair uma coisa boa por acidente. Quer dizer, o acidente, a coisa positiva. O que aconteceu foi uma peça chamada “Sinfonia para São Paulo”, que era uma

Mário Fanucchi, TV Cultura, SP, 1963.

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suíte para orquestra, onde Erlon Chaves fez a música, eu fiz o libreto. Era sobre São Paulo, o nascimento de São Paulo, lá em São Vicente, a subida da Serra do Mar, Piratininga, depois a cidade moderna, depois a revolução constitucionalista, tudo numa peça musical, orquestra gravada na RGE, de graça por sinal. E preparamos o programa, fotografamos monumen-tos de São Paulo, fiz slides, um monte de coisas e montei o programa e coloquei a orquestra no terraço do prédio. Às 6 horas da tarde era a hora do programa; às 4 horas da tarde caiu o maior toró. “E agora?” O programa é ao vivo, não tinha jeito, e todo mundo: “O que vamos fazer?” Aí começou a clarear e tal, melhorou e tal, fez um pôr do sol. A abertu-ra – sabe o prédio da CBI, no Anhangabaú? –, eu focalizei a entrada do programa, foi feito no letreiro, aquele rainbow que tinha. A câmera que estava no Banco do Estado, onde estava também o nosso retransmissor, focalizou a Avenida São João até o Jaraguá. E aí começou a orquestra, foi lindo. Um negócio alucinante. Eu fui muito elogiado, mas foi puro acidente. Então nós fizemos, cumprimos, essa era a idéia, fazer dentro dos recursos.

Uma das coisas que a gente pôde fazer também foi o remake de “O Céu é o Limite” praticamente com os mesmos produ-tores da Tupi, o Walter George Durst e o Túlio de Lemos, no auditório do Museu de Arte, puxando o cabo pela janela... O Aurélio Campos apresentou uma nova série de “O Céu é o Limite”, que foi um programa de grande repercussão na TV Cultura, ele chegou a ter grande audiência, era competitivo com as outras estações, mesmo uma emissora pequenininha, tal. Aí o José Duarte Júnior, que era o diretor comercial da TV Cultura, resolveu fazer um programa chamado “O Homem do Sapato Branco”, que era a antítese de “O Céu é o Limite”. Teve uma repercussão fantástica, o Jacinto Figueira Júnior era um sujeito muito bom em matéria de comunicação, ele tinha uma verve tremenda, e era atrevido, fazia coisas incríveis e o programa teve grande repercussão. Então, o que aconteceu? Com a audiência vieram os anunciantes e come-çou a crescer o faturamento da TV Cultura.”

Mário FanucchiRoteiro de A Marcha do Progresso, TV Cultura, SP.

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No início dos anos 60 fervilhava no Brasil e no mundo a idéia de que a televisão seria a tábua de salvação da educação, levando conteúdo de qualidade mais rápido e mais longe do que os métodos tradicionais. São Paulo, locomotiva industrial do país, procu-rava estar à frente desse processo: em 1961, um ato da Secretaria da Educação paulista criava o Curso de Admissão pela TV, produ-zido pelo Estado e transmitido gratuita-mente pela TV Cultura, Canal 2, a partir de março desse ano. Importante frisar que se tratava ainda da TV Cultura comercial, per-tencente a Assis Chateaubriand, que des-sa maneira fazia valer o nome de batismo da emissora. A necessidade de consolidar um projeto sério é demonstrada pela ten-tativa de integração da iniciativa paulista com o que se fazia pelo mundo: quando em dezembro de 1961 ocorreu em Roma o pri-meiro congresso internacional sobre rádio e televisão escolares, lá estavam Marília Antunes Alves e Osvaldo Sangiorgi, coor-denadores e professores do pioneiro Curso de Admissão pela TV.

Enquanto o Estado dava os primeiros e tí-midos passos na educação pela TV, no país acontecia “apenas” o seguinte: Jânio tomou posse, Jânio renunciou, houve uma tentativa de golpe, o parlamentarismo foi instituído no Brasil, João Goulart se tornou presidente da República e Tancredo Neves foi empossado

primeiro-ministro. Em meio a tanto movi-mento, a Tupi exibia O Vigilante Rodoviário e o Governo Federal criava o Contel (Conselho Nacional de Telecomunicações).

Em 1962, uma lei federal criava o Código Bra-sileiro de Telecomunicações e era fundada a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), que representa os in-teresses da televisão comercial no Brasil. No mesmo ano, Tancredo Neves renunciava.

Enquanto isso, a iniciativa paulista de mon-tar uma estrutura de educação a distância seguia em frente: em 1963, o governador Adhemar de Barros criou o Sefort (Serviço de Educação e Formação de Base pelo Rádio e TV). Graças à solicitude das Emissoras As-sociadas, que ofereceram mais horários em sua grade, ampliou-se a programação edu-cativa veiculada na TV Cultura, com aulas de literatura, artes plásticas, educação musi-cal e curso de madureza, aos sábados. Como a população em grande parcela ainda não possuía televisão, idealizou-se uma rede de telepostos, salas de aula dotadas de um apa-relho de televisão e uma monitora, abertas ao público. O primeiro desses telepostos foi inaugurado em 02 de março de 1964 na Rua Gabriel Monteiro da Silva, nº 1.699. Hoje essa idéia parece uma ironia, quando a televisão é o aparelho doméstico mais presente nos la-res brasileiros, só perdendo para o fogão.

Posse do governador Jânio Quadros, Palácio dos Campos Elíseos, SP, 31/01/1955.

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Curso de Madureza Ginasial, TV Cultura, SP, 16/06/1969.

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Seriado O Vigilante Rodoviário, SP, outubro de 1978.

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Frame da abertura do programa O Céu é o Limite, SP, 1955.

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a tv escolar

A experiência da TV Cultura anterior à Fundação Padre An-chieta foi através de um projeto do Sefort, um sistema inicial-mente chamado de Sert, que era o Serviço de Educação pelo Rádio e Televisão, criado na Secretaria de Educação do Estado, e que depois foi reformulado com o título de Serviço de Educa-ção e Formação pelo Rádio e Televisão, Sefort, melhor estrutu-rado, é claro, e com disponibilidade de verba maior. Isso tudo dentro da TV Cultura ainda das Associadas. Nós conseguimos o patrocínio do Mappin, que pagava o tempo da emissora e, portanto, dava sustentação para o uso dos estúdios, enquanto a Secretaria de Estado mantinha os professores, nomeava e fazia concurso. Eles eram concursados para apresentarem as aulas na televisão. Existia inscrição de alunos através do cor-reio, porque eles recebiam apostilas, que eram mimeografadas simplesmente, não era uma coisa sofisticada. Nós chegamos a ter, na época, cerca de mil alunos interessados em acom-panhar esse trabalho. De certa forma, lá também começou com o “Madureza Ginasial”, começou com a mesma estrutura. Houve o primeiro curso de esperanto no mundo, pela tele-visão. Foi uma idéia surgida na época lá. As apostilas eram distribuídas pela Secretaria a fim de complementar as aulas de televisão. Tudo isso era organizado pelo Sefort. O núcleo de professores que atuou no Sefort viria a constituir a base da equipe de professores da Fundação Padre Anchieta.”

Mário Fanucchi

Paulo Freire em entrevista à Folha de S. Paulo, SP, 07/12/1988.

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Voltando a 1963, a TV Excelsior produzia a pri-meira telenovela com capítulos diários – um subproduto do videoteipe –, enquanto os ser-viços de radiodifusão eram regulamentados pelo Decreto Federal nº 52.795. Em um con-ceito de educação para o espaço mais caren-te, Paulo Freire desenvolvia no Nordeste o seu método de alfabetização, que se tornou mode-lo para todo o Brasil.

O ano de 1964 foi outro grande ano. Imaginem. A Abert elaborou e passou a adotar o primeiro Código de Ética da Radiodifusão. Jango falou na Central do Brasil para duzentas mil pesso-as defendendo as reformas, e a Marcha com Deus pela Liberdade reuniu em São Paulo qui-nhentas mil pessoas contra Jango Goulart. Em 31 de março os militares derrubaram Jango e em 15 de abril o mal. Humberto de Alencar Castello Branco assumiu a Presidência da Re-pública e deu início à ditadura militar. O en-tusiasmo em torno do ensino pela televisão se ampliava, com a produção do Curso de Fé-rias de Extensão Cultural para Professores em julho, com participação da USP, da Faap, do Mackenzie e da Aliança Francesa. Nessa época aconteceu uma coisa engraçada. O se-cretário da Educação suspendeu as aulas do Curso de Admissão pela TV, por reclamação dos pais, que não concordavam com o horário do programa, exibido às 19h15, entre duas no-velas da grade comercial da TV Cultura, “pro-piciando aos alunos assistir a espetáculos inconvenientes para a sua idade (11 a 15 anos)”. A suspensão durou algumas semanas.

No dia 26 de abril de 1965, sem grandes pom-pas, inaugurou-se no Rio de Janeiro a TV Glo-bo, pertencente a Roberto Marinho, dono do tradicional jornal carioca O Globo. Nesse mesmo ano, a TV Paulista de São Paulo pas-sou a integrar a Rede Globo, vendida a Rober-to Marinho pelos herdeiros de Victor Costa. Hoje podemos considerar essas datas como marcos históricos, mas à época era apenas

mais uma TV que se inaugurava, no mesmo momento em que a Record exibia O Fino da Bossa, com Elis Regina e Jair Rodrigues, e vei-culava a nascente da música pop brasileira em Jovem Guarda, com Roberto Carlos. O go-verno militar não descuidava das questões de telecomunicações, consideradas assunto estratégico para o regime. Assim, criou a Em-bratel (Empresa Brasileira de Telecomunica-ções), ao passo que o Ministério da Educação e Cultura - MEC obteve a reserva de cem ca-nais de TV para emissoras educativas. Uma bomba explodiu no Estadão. O MEC firmou acordo com a Usaid (United States Agency for International Development) para definir a reforma universitária no Brasil. O famige-rado Ato Institucional nº 2 acabou com as ilusões semi-democráticas de Castello Bran-co: os partidos foram extintos, os militares podiam caçar as bruxas legalmente e a elei-ção para presidente passou a ser indireta, começando o longo rodízio de generais no comando da nação.

Em 1966 a eleição indireta foi estendida aos Estados. A Abril lançou a polêmica revista Re-alidade, caracterizada por reportagens ousa-das, enquanto O Estado de S. Paulo lançava o Jornal da Tarde. Adhemar de Barros foi cas-sado. Laudo Natel, vice-governador, o suce-deu. O destino incendiário das TVs brasileiras destrói a TV Record. O Fundo de Financiamen-to da Televisão Educativa é criado pelo Decre-to Federal nº 69.366, de 14 de outubro.

Mas, em São Paulo, o projeto pioneiro da TV Escolar, iniciado por Carvalho Pinto e continu-ado por Adhemar de Barros, parece entrar em crise sob o controle de Laudo Natel: em 1967 a revista Realidade produz uma matéria cri-ticando o descaso do Governo do Estado com o projeto da TV Escolar Paulista, que teria so-frido sérios cortes em 66. A revista prega uma televisão que, para além de escolar, seja tam-bém educativa e cultural.

Campanha do Agasalho, Teatro Record, SP.

Elis Regina, O Fino da Bossa, TV Record, SP, 17/05/1965.

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Sodré: uma idéia democrática no epicentro da ditadura

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a grande proeza de sodré

uando em março de 1967 Rober-to de Abreu Sodré foi escolhido governador de São Paulo, apoia-

do por uma força política que ele ajudara decisivamente a implantar, o golpe civil-militar de 1964 já se encontrava sob a he-gemonia do comando militar. As idéias de redemocratização e combate à corrupção que faziam parte do ideário do general Cas-tello Branco foram substituídas simples-mente pelo autoritarismo militar, antes mesmo que este se definisse, no posterior período do “milagre econômico”, por um nacionalismo autoritário e estatizante. Em 1967, uma postura radical, antidemocrática e repressiva instalava-se no poder. Logo, em fevereiro, uma conveniente Lei de Impren-sa foi aprovada pelo regime para conter a

Governador Abreu Sodré, SP, março de 1967.

divulgação de idéias ou informações con-trárias ao regime militar. Para aperfeiçoar o processo repressivo, criou-se a Lei de Segu-rança Nacional, em 13 de março. Dois dias depois, Costa e Silva torna-se o segundo pre-sidente da República da ditadura militar. No mesmo dia, Sodré assume o Governo de São Paulo.

E foi em meio a esse ascenso das forças auto-ritárias que surgiu uma novidade nos meios televisivos brasileiros: pode-se considerar 1967 como o ano básico da implantação da televisão pública no Brasil, então denomi-nada televisão educativa. O local de nasci-mento da TV pública era a mesma São Paulo que criara seis anos antes a TV Escolar, e o promotor dessa iniciativa era igualmente

o Governo estadual. Contudo, tratava-se de um projeto mais ambicioso que o anterior, pois previa a utilização de um canal próprio, que veiculasse uma programação diversifi-cada. O autor desse projeto era o governador paulista Abreu Sodré.

Abreu Sodré agiu em duas frentes. De um lado, criou a Fundação Padre Anchieta - FPA, entidade de direito privado que devia gerir as futuras emissoras de rádio e TV. De outro, adquiriu do grupo de Assis Chateaubriand, com alguma facilidade, mas não sem po-lêmica, a TV Cultura, Canal 2. A venda do Canal 2 para o Estado se explica tanto por determinação das novas medidas legais – a reforma do Código de Telecomunicações efe-tuada em fevereiro de 1967 –, que limitavam

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General Arthur da Costa e Silva, 1966.

o tamanho das redes nacionais a um máxi-mo de dez emissoras, quanto pela séria crise financeira pela qual passavam as Emissoras Associadas. Vender sua segunda emisso-ra paulistana deve ter parecido às Emisso-ras Associadas uma boa saída na tentativa de fortalecer a matriz de toda a rede, deca-na das TVs brasileiras, a TV Tupi. E o Estado conseguiu sua emissora.

Imediatamente após a venda, a TV Cultura encerrou suas atividades, aguardando que o Governo do Estado lhe desse novos equi-pamentos e infra-estrutura. Como emisso-ra secundária do grupo de Chateaubriand, a Cultura em sua fase comercial fazia o pa-pel de “prima pobre”, herdando os equipa-mentos que a Tupi aposentava, incluindo a

pioneira torre de transmissão, instalada no alto do edifício-sede do Banco do Estado de São Paulo, no Largo Antônio Prado, antena velha de quase vinte anos. Preocupado em implantar uma TV educativa de alto nível, o Governo paulista decidiu dedicar-se ao planejamento e à atualização técnica, para só depois iniciar as atividades da “nova” TV Cultura, agora pública.

Tratando-se de uma iniciativa inédita, leva-da a cabo em plena ditadura, a implantação de uma emissora de TV pelo Governo do Es-tado demandava antes de mais nada uma delicada engenharia jurídico-institucional.

A lei que autorizou o Poder Executivo a cons-tituir a Fundação Padre Anchieta, aprovada

na Assembléia Legislativa por decurso de prazo, foi assinada em 26 de setembro de 1967 e publicada no Diário Oficial no dia se-guinte (Lei nº 9.849). No mesmo dia, José Bo-nifácio Coutinho Nogueira, ex-secretário da Agricultura de Carvalho Pinto e que perde-ra a eleição ao Governo estadual para Adhe-mar de Barros, foi escolhido como primeiro presidente da Fundação Padre Anchieta.

Ainda nesse dia, os jornais publicavam coi-sas interessantes:

“Lacerda e Goulart na Mira do Governo” era a manchete da Folha de S. Paulo. O mes-mo Lacerda que, juntamente com seu ami-go Abreu Sodré, havia antes transformado o Palácio da Guanabara num quartel de

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resistência contra um eventual golpe de Jango Goulart articulava uma frente com Brizola contra o regime militar. O mesmo regime que o descartou e colocou Sodré no Governo de São Paulo.

O FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Bird (Banco Internacional para a Reconstru-ção e o Desenvolvimento) realizavam uma importante reunião no Museu de Arte Mo-derna do Rio de Janeiro para estabelecer a reforma da instituição e as bases de um fun-do no FMI que protegesse as economias em crise. Uma nova fase do capitalismo inter-nacional estava sendo estabelecida na reu-nião, com grande antagonismo do ministro da Economia francês, Michel Debré, e do se-cretário do Tesouro norte-americano, Henry Fowler. Delfim, ministro brasileiro, falava como representante dos interesses latino-americanos.

Geraldo Vandré se inscrevia no III Festival da Música Popular Brasileira, com Ventania.

O cel. Chaves, secretário da Segurança Pú-blica, buscava saber quem era o corrupto. O Bandido da Luz Vermelha, segundo o noti-ciário, podia ser internado no Manicômio Judiciário.

Bastante interessante, nesse contexto, é o fato de que um governador escolhido pela Assembléia Legislativa de São Paulo, com endosso pleno da ditadura, concebesse e criasse uma televisão educativa com estru-tura política, intelectual e administrativa independentes, vacinada contra qualquer intervenção por parte do Governo.

De fato, Sodré, em sua viagem a Portugal e ao Canadá, ficou encantado com as possi-bilidades de uma pedagogia de educação a distância, prática emergente na televisão daqueles dois países. Acreditou que uma

televisão educativa poderia resolver o pro-blema do analfabetismo, como num passe de mágica, tais os instrumentos oferecidos pela nova tecnologia. E isso seria a evolução da TV Escolar iniciada no governo Carvalho Pinto e continuada por Adhemar de Barros.

Talvez Sodré, educado numa camada aris-tocrática do pensamento cultural paulista e politicamente filiado à UDN (União Demo-crática Nacional), que reunia o fino das elites políticas, jurídicas e financeiras de São Paulo, julgasse, no seu íntimo, que a educação era coisa séria demais para ser deixada nas mãos dos militares ou de governantes arrivistas.

Com uma equipe muito próxima dele, o go-vernador discutiu a idéia da criação de uma televisão educativa. O advogado Arrobas Martins, o jurista Elly Lopes Meirelles, Hélio Motta, companheiro político da Faculdade do Largo São Francisco, José Bonifácio Cou-tinho Nogueira e Carlos Eduardo Camar-go Aranha foram os primeiros a participar dessa idéia, antes mesmo da viagem do go-vernador. Moacyr Expedito Vaz Guimarães, amigo e colaborador de Sodré, nos conta em seu depoimento:

“O Sodré já tinha uma idéia muito firme quando fez uma viagem para a Europa antes da posse. E de lá ele veio com a convicção muito cristalizada de que era preciso criar uma televisão educa-tiva em São Paulo, e daí nasceu a Fundação Padre Anchieta. Surgiu, porém, logo o problema: qual seria a natureza jurídica dessa organização? Seria uma autarquia? Seria uma empresa subordi-nada a uma secretaria, por exemplo, a Secretaria da Educação? Ou seria uma entidade à parte? Por decisão de Sodré, ele disse que desejava uma entidade que não fosse de maneira nenhuma vinculada ao Governo, apesar de ter todo apoio financeiro do Governo. Depois de muitas discus-sões, fixou-se a figura de uma fundação de direito privado, não de direito público, mas de direito privado. Claro que os atos iniciais foram do governador, porque ele foi o criador da Fundação, nomeando o primeiro Conselho Curador e a primeira Diretoria. Mas a partir daí quem passou a decidir sobre os destinos da Fundação não era mais o Governo, e sim o Conselho de Curadores, com plena autonomia. O Conselho Curador foi dotado de inteira liberdade, e o Governo compro-metia-se, e se comprometeu por lei, a carrear para a Fundação recursos financeiros que garan-tissem empreendimento, custeio e investimentos. E, realmente, durante todo o governo Sodré, ele nunca interferiu na vida da Fundação. De lá para cá o Conselho Curador dirigiu e dirige os desti-nos da Fundação Padre Anchieta.”

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Essa opção foi fundamental, tanto para o des-tino das emissoras da Fundação Padre An-chieta, como para se criar um modelo jurídico institucional para as demais televisões públi-cas do país. O que, ainda hoje, é apenas uma promessa de alguns governadores. Em verda-de, mesmo entre países altamente civilizados, a televisão pública, aberta, gratuita, educativa, informativa e cultural é, em sua maioria, polí-tica e administrativamente subordinada aos governos locais. Com a forte exceção da BBC e do Channel 4, televisões inglesas ligadas ao Parlamento, mas subordinadas a um corpo de governadores ligados ao mesmo Parlamento, através de suas representações proporcionais.

Outra coisa fundamental, desde a origem da Fundação Padre Anchieta, foi o compromisso legal do Governo paulista de financiar o cus-teio da instituição. Quando a televisão públi-ca surgiu no Brasil, as emissoras existentes, nascidas todas comerciais, dispunham já de razoável experiência técnica, artística e mer-cadológica, além de uma legislação que lhes era bastante confortável, consolidada em 1967 pelo novo Código Brasileiro de Telecomunica-ções. Essa lei engessava a televisão educativa, pois a proibia até de receber donativos. Então, foi fundamental o compromisso do Governo estadual de custear a instituição, impedida de buscar outros recursos na sociedade. Ressalte-se que em outros países, mesmo aqueles nos quais a interferência dos governos era enor-me, a televisão pública contava com grandes recursos provenientes de taxas de diversas origens. Na Inglaterra, uma taxa sobre o uso de aparelhos de televisão é inteiramente re-vertida para as televisões públicas.

De cima para baixo: José Bonifácio Coutinho Nogueira, FPA, SP, 1967. Primeiro Estatuto da FPA, SP, 1967.

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a evolução estatutária noperíodo da instalação

A consolidação de uma estrutura jurídica autônoma para a TV Cultura foi indispensá-vel para definir o destino da nova emissora, equacionando a questão central: o poder de decisão. Esse poder de decisão abriu campo a uma disputa, às vezes explícita, mas qua-se sempre implícita, entre o Conselho Cura-dor e o Governo estadual.

A instituição conheceu uma evolução gra-dativa desde a Lei Estadual nº 9.849/1967, que autoriza o Poder Executivo a constituir a Fundação Padre Anchieta. No artigo 1º já está dito que a Fundação deve ter “autono-mia administrativa e financeira” e o parágra-fo único do artigo 2º dispõe que “é vedado à Fundação utilizar a Rádio e a Televisão Edu-cativa com fins políticos e partidários”.

O Decreto Estadual nº 48.660, de 18 de outu-bro de 1967, regulamenta aquela lei, apro-vando o primeiro Estatuto da Fundação Padre Anchieta. Define uma questão fun-damental logo no seu primeiro artigo: “A Fundação é uma pessoa jurídica de direito privado”. Essa definição foi fundamental para a liberdade da instituição até hoje.

Contudo, esse primeiro Estatuto ainda mantinha um vínculo político com o Go-verno estadual, pois ao mesmo tempo em que previa um comando técnico e exe-cutivo, com diretores administrativo, de ensino, artístico-cultural e de produção, determinava que o diretor-presidente e seu vice fossem escolhidos pelo gover-nador a partir de uma lista tríplice indi-cada pelo Conselho. Esse Conselho, cujo presidente seria o representante do Exe-cutivo estadual, era composto por vinte e cinco membros, sendo oito de indica-ção do poder público estadual e dezessete

indicados por entidades como a Academia Paulista de Letras, o Senai, a Bienal de São Paulo, o Senac e o Masp. Tratava-se, por-tanto, de um pacto expressivo com as eli-tes não governamentais.

Menos de um mês depois, em 10 de novem-bro, um novo Decreto, de nº 48.888, modifi-ca o Estatuto da Fundação, transformando diretores em assessores: assessor patrimo-nial, administrativo, de ensino, artístico-cultural e de produção.

Em agosto de 1968 – antes, portanto, do início das transmissões da TV Cultura – ocorreu outra importante mudança no Estatuto, disposta pelo Decreto nº 50.191. Desta vez, além da incorporação do Solar Fábio Prado ao patrimônio da Fundação, houve uma forte alteração na composição do Conselho, que passa de vinte e cinco para trinta e cinco membros. Essa mudan-ça, muito mais que quantitativa, tem um cunho institucional. Dos trinta e cinco membros, onze passam a ser natos e vinte e quatro, eleitos, por maioria absoluta, pelo próprio Conselho. Há uma enorme diferen-ça com relação à composição anterior. Os membros natos são:

• dois representantes do Governo estadual;

• três representantes de entidades culturais públicas (conselhos estaduais de cultura e educação, e Fapesp);

• representantes de três universidades pau-listanas (USP, PUC e Mackenzie);

• e mais três representantes indicados pela sra. Renata Crespi da Silva Prado.

Os mandatos eram de três anos, havendo anualmente renovação de um terço (oito membros).

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Note-se que houve uma mudança impor-tante: na versão de outubro de 1967, todos os vinte e cinco membros do Conselho eram necessariamente representantes de entida-des coletivas (associações, outras fundações, órgãos públicos, museus etc.), enquanto nes-ta nova versão (que se mostraria definitiva como modelo) apenas os onze membros na-tos tinham tal caráter, enquanto os outros vinte e quatro membros eram personalida-des escolhidas, pelo próprio Conselho, por seus méritos pessoais na área da cultura, in-dependente de sua participação em alguma entidade coletiva. De um conselho corporati-vo passa-se a um conselho de notáveis.

No plano administrativo, foram mantidos os assessores, apenas com o aumento de seu número de cinco para seis, pelo desmembra-mento do antigo cargo de assessor artístico-cultural em dois: um artístico e outro cultural.

Do ponto de vista da autonomia da Funda-ção perante o Governo estadual, há outra importante modificação: enquanto o Decre-to nº 48.660/1967 estipulava que o diretor-presidente era escolhido pelo governador (mediante apresentação de lista tríplice pelo Conselho), pelo Decreto de 1968 era o próprio Conselho que, em maioria absolu-ta, deveria escolher a Diretoria Executiva. Cabia ao governador unicamente escolher os membros do Conselho ligados ao Gover-no estadual (em tese, dois natos) e aprovar as mudanças do Estatuto deliberadas pelo Conselho, mas não deliberá-las por si, atri-buição exclusiva do Conselho.

Assim, antes mesmo do funcionamento da televisão, o governo Abreu Sodré anali-sou todas as conseqüências dos dispositi-vos aprovados, aperfeiçoando-os, para que a instituição correspondesse ao modelo idea-lizado por uma selecionada equipe de inte-lectuais e juristas reunidos pelo governador.

Tal estrutura teve a força de permanecer intacta por dez anos. Constitui, ainda hoje, o melhor modelo para as demais televi-sões educativas e culturais do Brasil. Sabe-mos, porém, que a maioria delas ainda está vinculada aos seus mantenedores, sejam governos estaduais, sejam fundações uni-versitárias federais. Já a Fundação Padre Anchieta é, desde o início, uma fundação de direito privado, criada por lei estadual, que lhe garante o custeio e a manutenção por parte do poder público, mas goza de autono-mia administrativa, financeira e intelectu-al, pois é dirigida por um Conselho Curador independente e por uma diretoria executi-va nomeada por esse mesmo Conselho, alta-mente representativo da sociedade civil.

Essa estrutura, criada em pleno ciclo auto-ritário dos governos militares, às vésperas e após o Ato Institucional nº 5, que acabou de vez com as promessas democráticas do mo-vimento, pode ser considerada um milagre.

É verdade que tanto a TV Cultura quanto as demais concessionárias de televisão educati-va viviam sob o engessamento ortopédico da legislação imposta pela ditadura, que só lhes permitia a transmissão de aulas e conferên-cias, impedindo-as ainda de receber patrocí-nios e até mesmo doações, tornando-as assim inteiramente dependentes das dotações pú-blicas federais ou estaduais. Essas restrições e o desinteresse desses governos em incre-mentar uma televisão pública que tivesse um mínimo de presença diante das televisões pri-vadas comerciais têm, até hoje, lamentáveis conseqüências no seu desenvolvimento. Seja do ponto de vista tecnológico, seja do de suas programações, as televisões públicas, abertas e gratuitas não têm condições de enfrentar a concorrência das televisões comerciais.

É necessário ressaltar que no Brasil, como nos Estados Unidos, a televisão nasceu

comercial. Na Europa e no Japão, as tele-visões nasceram públicas ou ligadas aos governos. Tiveram um grande desenvolvi-mento e só recentemente, com a concessão a televisões privadas comerciais, dividem suas audiências com esses novos concor-rentes. Continuam, porém, com audiências bem maiores do que as nossas e com ver-bas expressivas, capazes de manter uma quantidade enorme de programação pró-pria e de produtores independentes por elas financiados.

Nos Estados Unidos, as televisões públi-cas estaduais estão reunidas na chamada PBS (Public Broadcasting Service), sistema público de televisões. Esse sistema adota diretrizes e mantém meios tanto para ga-rantir uma boa programação quanto para ajudar na sobrevivência financeira, meios esses oriundos de doações de pessoas físi-cas e de um fundo nacional para televisões públicas.

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ter ido à cerimônia, mas sem ser percebido pela imprensa. A festa oficial virou festa es-tudantil, com desfile, fanfarras, represen-tação do Circo Estatal da Hungria. O pano abriu-se, segundo a Folha de S. Paulo, com três macaquinhas vestidas de vermelho, acom-panhadas de seus domadores. Uma delas, assustada com o barulho e o domador, foi se alojar no “pano de boca”, junto ao público, que a adotou imediatamente.

As transmissões regulares começaram no dia seguinte: em 16 de junho de 1969, às 19h30, a Televisão Cultura, Canal 2, iniciou sua longa e promissora carreira.

Nesse mesmo dia, o jornal anunciava a elei-ção de Pompidou para o Governo da França e a chegada de Rockefeller a Brasília, como emissário especial do presidente Nixon. Mas a notícia principal do jornal, estampa-da numa enorme foto na parte superior da primeira página, foi a do enterro de Cacilda Becker. O ícone da renovação do teatro brasi-leiro foi homenageado por toda a imprensa, pelas cinco mil pessoas que compareceram ao seu funeral e por uma multidão de pes-soas que aprendeu com ela a se apaixonar pelo teatro. Ainda na primeira página, a vi-tória do São Paulo sobre o Corinthians por dois a zero. Na Folha Ilustrada, na principal coluna social de São Paulo, assinada por Ta-vares de Miranda, uma foto elegantíssima do governador Abreu Sodré, de d. Renata Crespi da Silva Prado, de José Bonifácio Cou-tinho Nogueira, presidente da Fundação Padre Anchieta, de d. Maria Sodré e Tereza Coutinho Nogueira. Todos completamente a rigor no “ Baile de Gala do Municipal”, pro-movido para inaugurar a TV educativa.

Enfim, a TV Cultura estava inaugurada, não na primeira página da Folha de São Paulo, mas com a metade da quinta página do pri-meiro caderno.

Em muito pouco tempo, sua programação educativa tornou-se notícia em todos os jor-nais, e seus conteúdos, objeto de análise dos mais respeitados intelectuais e artistas.

“Reencontro com a dignidade humana” foi o título dado por Nilo Scalzo a um artigo do jornal O Estado de S. Paulo que começa assim: “O sentimento de que somos seres humanos, que os veículos de comunicação servem como ponto de ligação entre os ho-mens fazendo-os compreender melhor o mundo em que vivem são as primeiras im-pressões que revolvem o espírito de quem vê a TV Cultura”.

a inauguração

No Brasil, a primeira televisão pública a transmitir programação foi a TV Universitá-ria, Canal 11 de Recife, pertencente à Universi-dade Federal de Pernambuco, inaugurada em novembro de 1968. A Fundação Padre Anchie-ta havia sido fundada um ano antes, e tam-bém foi em 1967 que o Governo do Estado de São Paulo comprou a TV Cultura. Contudo, a intenção de implantar uma TV de alto nível fez com que dois anos se passassem até que a emissora paulista estivesse em condições de ser inaugurada.

Finalmente, no dia 15 de junho de 1969, a TV Cultura pública inicia as suas transmis-sões, com uma grande festa no Ginásio do Ibirapuera.

A grande festa política contou com a pre-sença do ministro das Comunicações, re-presentando o presidente Costa e Silva, e do governador Sodré, e com a participação de milhares de estudantes e um imenso elenco de autoridades, o que era bem con-dizente com a conjuntura. Além de todo o secretariado, compareceram o comandante do II Exército, José Canavarro Pereira, figu-ra prioritária em qualquer evento oficial, e o diretor da Escola Superior de Guerra, ge-neral Augusto Fragoso, responsável pelo aval cultural e ideológico a todos os projetos nacionais.

O cardeal Agnelo Rossi leu uma interessan-te mensagem do papa Paulo VI, que profe-ticamente definiu a missão da instituição: “Empregar a maravilhosa técnica moderna para o nobre fim de ajudar a promoção inte-gral dos queridos habitantes do Brasil e de São Paulo em particular”. Destaca-se ain-da a presença do presidente do Tribunal de Justiça, mas não há notícia de presença do representante do Poder Legislativo, que pode

Governador Abreu Sodré, inauguração da TV Cultura, SP, 15/06/1969.

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o investimento inicial:uma emissora modelo

Quando em 1967 imaginou a criação do Sistema Paulista de Rádio e Televisão Edu-cativas, o governador Abreu Sodré quis utilizar o que de melhor havia também na área técnica. Importante pólo tecnológico já naquela época, São Paulo tinha dispo-nível mão-de-obra e pesquisas não só da tradicional Escola Politécnica, como tam-bém do IPT (Instituto de Pesquisas Tecno-lógicas), do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), instalado em São José dos Campos, e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Assim, todo o planejamento e toda a mon-tagem dos equipamentos foram entregues pelo presidente José Bonifácio à respon-sabilidade de Miguel Cipolla Jr., um en-genheiro formado pelo ITA, que havia trabalhado na TV Excelsior. Cipolla esco-lheu para sua equipe tanto profissionais oriundos das grandes universidades pau-listas quanto aqueles treinados nos de-zessete anos de existência da televisão na cidade. Entre eles, Renê César Xavier dos Santos, também formado pelo ITA, que havia trabalhado na instalação da TV Globo, no Rio de Janeiro; Rubens Silvestri Marques, vindo da TV Excelsior; Hernam Orlando, Antias Romero, da TV Globo; Tu-tomu Kasse e Yoshihiro Tomita, ambos téc-nicos formados pelo ITA.

Como os equipamentos da TV Cultura de Assis Chateaubriand estavam ultrapassa-dos, a Fundação optou por adquirir o que de mais moderno era oferecido no mer-cado, respeitando os limites tecnológicos que a TV brasileira apresentava. Assim, ao mesmo tempo em que eram compradas câmeras Marconi Mark-V de última gera-ção, dotadas de lente única com zoom (ao

Câmera de cinema CP 16mm, TV Cultura, SP, 1969.

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Câmeras Marconi Mark-V , TV Cultura, SP, 1969.

Páginas seguintes: VT Quadruplex RCA - TR-70C, 1975.

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Torre suporte e antena da TV Cultura no Pico do Jaraguá, SP, 1969.

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contrário das tradicionais torres de lentes, menos ágeis e de vida útil menor), todos os equipamentos destinavam-se à grava-ção e transmissão em preto-e-branco, pois ainda não estava claro como e quando as emissoras nacionais passariam a trans-mitir em cores – tecnologia que, embora utilizada nos EUA desde 1953, seria efeti-vamente adotada no Brasil apenas a par-tir de 1972.

Esse início, que contava com o imenso en-tusiasmo dos funcionários, “quando todo mundo fazia tudo”, como recorda Sérgio Viotti, estava assentado na melhor tec-nologia da época – “Era praticamente a primeira família de equipamentos de to-das as emissoras do país”, segundo José Munhoz. Para quem estava acostumado a trabalhar com “carroções de 60 quilos”, a chegada das câmeras de lente única cons-tituiu uma verdadeira revolução.

A lista de equipamentos era impressio-nante, em uma época em que as TVs co-merciais, constantemente envolvidas em crises financeiras, nem sempre possuí-am recursos para equipar-se com máqui-nas de ponta. Decidido a implantar uma

emissora-modelo, o Governo do Estado não poupou recursos. Além das já citadas câmeras Marconi Mark-V, havia uma série de equipamentos da RCA, como modernas mesas seletoras de imagens (switchers) com equipamentos para efeitos especiais e aparelhos de videoteipe, quatro projeto-res de filmes de 16 mm e dois projetores de diapositivos (slides), agrupados em duas ilhas de telecine, três aparelhos de video-teipe RCA TR-70, banda alta e banda baixa, com dispositivos de edição eletrônica pro-gramada, corretores automáticos de qua-dradura etc.

Outro aspecto a ser destacado era a preo-cupação com a captação do sinal da nova emissora. Não havendo então recursos para a instalação de uma rede extensa de retransmissão, procurou-se atingir a maior área possível com os novos trans-missores, mudando sua localização da tor-re do antigo Banco do Estado (atual sede do Banespa-Santander) para o Pico do Ja-raguá, ponto mais alto da região, de onde o sinal televisivo podia chegar com alguma qualidade não apenas à região metropoli-tana, mas também a Santos, Campinas, So-rocaba e São José dos Campos.

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gênese da programação: o grupo fundador

Ao criar a Fundação Padre Anchieta, em 1967, o grupo liderado pelo udenista Abreu Sodré tinha em mente oferecer à sociedade paulista uma programação educativa não apenas de alto nível, mas também que fosse em grande parte produzida localmente.

Tal ênfase na produção local tinha raízes no regionalismo paulista gestado pela riqueza cafeeira da segunda metade do século XIX, e que fora reforçado sem dúvida pelo papel de vanguarda cultural que São Paulo vinha as-sumindo desde os anos 20/30 do século XX, com a Semana de Arte Moderna e a criação da universidade pública.

No pós-Segunda Guerra, ao mesmo tem-po em que se tornava a mais rica e populo-sa cidade do país, São Paulo consolidou-se como grande capital cultural, com o sur-gimento de instituições como o Museu de Arte de São Paulo - Masp (de 1947); o Mu-seu de Arte Moderna - MAM, a Escola de Arte Dramática - EAD, e o Teatro Brasileiro de Comédia - TBC (todos os três de 1948); a

Cia. Cinematográfica Vera Cruz (de 1949); a Bienal de Arte (de 1951); o Teatro de Arena (de 1953); a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (de 1954); o Teatro Oficina (de 1958) e – por que não? – a TV Tupi, pioneira na América Latina (de 1950).

Essa efervescência institucional foi acom-panhada por uma crescente melhoria na infra-estrutura cultural da cidade, mate-rializada na construção de novos e impo-nentes edifícios projetados por alguns dos principais nomes da arquitetura moder-na paulista e brasileira, tais como o Teatro Cultura Artística, na Rua Nestor Pestana, de Rino Levi (inaugurado em 1950); o Pavi-lhão das Nações no Parque do Ibirapuera, de Oscar Niemeyer, que viria a ser a sede permanente da Bienal de Arte (inaugura-do em 1953); o Conjunto Nacional, com seus cinemas e restaurantes, na Avenida Pau-lista, projeto de David Libeskind (inaugu-rado em etapas, entre 1958 e 1962); a nova sede do Masp na Avenida Paulista, de Lina Bo Bardi (inaugurada em 1968); e a sede da Faculdade de Arquitetura da USP na Cidade Universitária, de Vilanova Artigas (inaugu-rada em 1969).

Estúdio, diretor Adolfo Celli e Cia., TV Tupi, SP, 18/09/1950.

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Cinematográfica Vera Cruz, início de O Caiçara, SP, 21/03/1950.

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José Renato Pécora, Roger Levi, Vicente Silvestre, Fabio Cardoso, Eva Wilma, John Herbert e Ítalo Rossi, Teatro de Arena, SP, 1º/01/1955.

Apresentação do Teatro de Arena no Parque da Independência, SP, 26/10/1960.

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Apresentação do Teatro de Arena no Parque da Independência, SP, 26/10/1960.

Inauguração da 2ª Bienal de Arte Moderna, Palácio das Nações, Parque do Ibirapuera, SP, 1953.

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Masp em construção, SP, 1956. 1ª Bienal de Arte Moderna, MAM, SP, dezembro de 1951.

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Conjunto Nacional, Av. Paulista, SP, década de 1950. Público na sala de exposições na antiga sede do Masp, Rua 7 de Abril, SP, década de 1950.

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No pós-guerra, criara-se igualmente em São Paulo uma tradição de mecenato: por detrás de quase todas as iniciativas culturais do pe-ríodo encontramos a presença de grandes empresários, ou famílias de empresários, que as moviam e sustentavam, principalmente de imigrantes bem-sucedidos. Foi assim com o Masp, de Assis Chateaubriand; o MAM e a Bienal de Arte, de Francisco “Ciccillo” Mata-razzo Sobrinho; a Escola de Arte Dramática, de Alfredo Mesquita; e a Vera Cruz, de Franco Zampari. Era todo um conjunto de empresá-rios ilustrados, dispostos a militar no cenário cultural paulista.

Não é, pois, de se estranhar que o comando do Centro Paulista de Rádio e Televisão, inicia-tiva estatal, tenha sido entregue por Abreu Sodré a um misto de empresário e político, o ex-presidente da UNE, advogado, banqueiro, pecuarista e ex-secretário estadual da Agri-cultura, José Bonifácio Coutinho Nogueira.

Sodré e Coutinho Nogueira, dentro do es-pírito de seu tempo, pretendendo criar um forte núcleo local de produção de progra-mas educativos, cercaram-se dos profissio-nais de ponta que a pujante cena cultural da

cidade lhes proporcionava para tirar a nova emissora do papel.

Foi assim que vieram para a FPA nomes como Cláudio Petraglia (novelista, diretor e maestro, com passagens pelas TVs Paulista, Excelsior e Tupi), Carlos Vergueiro (um dos fundadores do TBC e diretor artístico da Rádio Eldorado), Wal-ter George Durst (novelista, diretor e produtor, trabalhando desde os anos 50 na TV Tupi), Helo-ísa Castellar (experiente produtora da TV Pau-lista), Júlio Lerner (jornalista e radialista com ampla penetração no meio cultural) e Fernan-do Pacheco Jordão (jornalista da TV Excelsior com formação na Inglaterra, onde estagiara na BBC), que por sua vez atraíam personalidades de renome como o teatrólogo Ziembinsky e o jovem maestro Júlio Medaglia (que revolucio-nara a apresentação televisiva da música de concerto na TV Record com seu Opus 7).

Esta série de entrevistas realizadas e conden-sadas pelos historiadores Rosana Miziara, Zil-da Kessel e Arnaldo Ferreira Marques mostra claramente o espírito que norteou a grade de programação da nova emissora criada pelo Governo de São Paulo e gerida por represen-tantes de sua elite cultural e política.

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a fina flor da inteligência paulista

Eu acho que cabe antes um discernimento: a TV Cultura e a televisão brasileira são formadas por profissionais que vêm do rádio, e profissionais que vêm do teatro e intelectuais, esse é o berço da TV Tupi. Porque não havia profissional de televisão. Então se compõem de profissionais do rádio, profissionais do teatro e intelectuais. A TV Cultura, ela é totalmente montada em cima de uma estrutura da USP, você vê que o professor Amora é um professor da USP, o professor Guimarães Ferri é reitor, era, foi depois reitor, mas era diretor da ECA, o Samuel Pfromm Neto, todos os pilares. O fundador da Cultura, o José Bonifácio, faz uma viagem para a Europa, visita a BBC, visita a França e volta para o Brasil, e a inteligência paulista monta a TV Cultura. A TV Cultura é montada em cima da fina flor da inteligência paulista. Então, por exemplo, todo o corpo de assistentes de produção ou de produtores eram uspianos, to-dos os diretores da TV Cultura eram ligados à USP. Então a TV Cultura nos anos 70, anos 80, ela é toda uspiana. Quer dizer, você tem profissionais de altíssimo gabarito como Adhemar Guerra, que são a inteligência do teatro, Abujamra e outros grandes produtores. Você tem Carlos Queiroz Telles, mais pro-fissionais vindos do rádio como Heloísa Castellar, entendeu? Que eram autores de novelas, profissionais experimentados e premiados do rádio. O Júlio Lerner... O Eduardo Moreira... Então a TV Cultura se diferenciava das demais emissoras e também ela tinha um corpo de profissionais totalmente diferenciados.

A USP criou a ECA, e as primeiras turmas da ECA, quando se formam, vão todas trabalhar na TV Cultura. Os cursos de rádio e televisão da ECA formam grande parte, quer dizer, eu vim da História, mas grande parte, todo mundo, era formado da ECA; a ECA, a USP, formou profissionais e esses profissionais foram todos canalizados para a Cultura.

E tem mais: os intelectuais se engajavam na televisão porque existia uma coisa chamada ditadura. Diversos intelectuais se refugiam na televisão. Dias Gomes é um caso de autor de teatro que vai fazer novela porque precisa sobreviver, traba-lhar. Muda a linguagem da TV brasileira qualquer forma de se manifestar, então onde houvesse espaço os intelectuais se colocavam...”

Célia Regina Ferreira Santos

experimentalismo e excelência profissional

A TV Cultura era um grande laboratório de educação e de cultura. Ali a gente encontrava profissionais assim, do mais alto nível, pessoas que já estavam, praticamente, até fora da televisão, como Paulo Planet Buarque, Eduardo Moreira, o Carlos Vergueiro, que veio da rádio, Cláudio Petraglia, que ti-nha trabalhado na TV Paulista, mas estava fora da televisão antes de vir para a Cultura... Então tem um misto de educa-ção e cultura, que era muito distinto do ambiente da televi-são. A televisão naquela altura era uma coisa muito disputa-da, muito comercial, e você chega na TV Cultura e encontra praticamente uma universidade, lá onde tem pensadores. E logo em seguida houve um convênio com a Universidade de São Paulo e surgem, praticamente, as primeiras gerações de profissionais que foram preparados na Universidade. Então é realmente o laboratório, é um laboratório experimental de linguagem, é um laboratório experimental de idéias, com esse nível era uma organização muito grande.”

Antônio Carlos Rebesco (Pipoca)

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a fpa e a usp

Por volta dos anos 60, na USP, eu era professor do Setor de Psicologia, depois Instituto de Psicologia, mas naquele momento era Setor de Psicologia, que passou a ser instituto nos anos 70, e eu fui até um dos responsáveis pela criação do Instituto... Imediatamente após a minha formatura na Maria Antônia, na área de Psicologia, o titular da então cadeira de Psicologia Educacional, Arrigo Angelini, ofereceu-me uma vaga para trabalhar como assistente dele. E eu passei a me incumbir da parte experimental em Psicologia, experimentos de laboratório. E ao mesmo tempo ministrava aulas de Introdução à Psicologia, Psicologia da Adolescência, Psicologia da Aprendizagem etc. etc., para o que era generi-camente chamado na época de curso de licenciatura. E em meio a isso tudo eu recebi um convite de Laerte Ramos de Carvalho, professor da Faculdade de Educação da USP, para ligar-me a um projeto que tinha apoio norte-americano, o projeto do Centro de Recursos Audiovisuais da USP. Onde hoje é a Faculdade de Educação, foi instalado, começou a funcionar, um Centro de Recursos Audiovisuais e, paralelo a isso, cresceu, claro que com o apoio entusiasmado de minha parte, a idéia de dotar a USP de uma TV Educativa. A Cultu-ra ainda não existia, a TV Educativa da USP, portanto, pre-cedeu a TV Cultura, a Fundação Padre Anchieta. Lembro-me até que na ocasião que passou um pequeno grupo a estu-dar, a planejar, para a criação da TV Cultura, eles recorreram a nós lá na USP, para ter acesso à literatura, às informações gerais, inclusive prosaicamente, sobre equipamentos neces-sários, treinamento de pessoal, essa coisa toda.”

Samuel Pfromm Neto

a cena teatral paulistana e a fpa

A minha geração, uma geração de diretores de teatro, uma ge-ração que tem uma cumplicidade sem palavras entre nós, uma geração de Antunes Filho, falecido Adhemar Guerra, falecido Flávio Rangel, José Celso Martinez Corrêa, Augusto Boal, Amir Haddad, Antônio Abujamra, uma geração que tem cumplicida-de sem palavras entre nós. Ninguém fala mal do Antunes para mim, eu não deixo, ninguém deixa, eu não deixo ninguém falar mal dele. Acontece que essa geração acreditava no esclareci-mento popular, nós fazíamos teatro acreditando que esse país podia melhorar, final da década de 50, começo da década de 60. Até que veio a ditadura, e desta geração provavelmente o único que ficou na televisão fui eu. O Antunes Filho dirigiu maravilho-samente bem na televisão Cultura, o Nelson Rodrigues fez coisas maravilhosas, o Adhemar Guerra fez coisas fantásticas, Flávio Rangel também, mas ficar acreditando que a televisão deveria ser um caminho para a profissão de diretor de teatro e ator fui só eu. Então eu comecei a fazer televisão depois de ter purgado o meu ódio por ela, e ainda continua um pouco, mas eu purguei o ódio, disse: “Não, é o meu tempo, eu tenho que entrar nessa tecnologia, preciso fazer essas coisas.” E faço televisão já faz uns 40 anos, se não me engano, por aí. Eu comecei onde, meu Deus do céu, eu comecei na Excelsior, eu fiz novela do Lauro César Muniz para a Excelsior, depois dirigi na Excelsior, depois fechei a Excelsior. Depois trabalhei muitos anos na Tupi, estávamos em primeiro lugar, fechei a Tupi. Eu fecho as emissoras de TV. E as emissoras acham que eu sou da Cultura e a Cultura acha que eu sou da televisão comercial, eu trabalho na Cultura já não sei há quantos séculos.”

Antônio Abujamra

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Nessa primeira etapa, no grupo liderado por Sodré e Coutinho Nogueira, ficava cla-ra a opção por uma programação diversifi-cada (abrangendo inclusive esportes), que tivesse como fio condutor a função educa-tiva, isto é, que oferecesse ao telespectador informações novas voltadas para seu apri-moramento intelectual.

Essa missão educativa foi pensada em duas vertentes básicas: a escolar, que visava com-plementar a educação formal, com aulas, pro-vas e atribuição de diplomas aos aprovados; e a “cultural”, que, sob ótica contemporânea e antropológica, abrangia não apenas as pre-visíveis manifestações eruditas da arte e do conhecimento, mas também elementos da cultura popular e mesmo do dia-a-dia dos telespectadores.

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a formação da equipe de educadores

A TV Cultura começava a ser anunciada na mídia. “Estão criando uma televisão educativa” e tal. Eu lia e ficava me imaginando trabalhando na TV Cultura, mas achava uma coisa assim tão distante, achava que eu ia é continuar dando minhas aulas. Eu fiz pós-graduação e, por indicação de colegas da USP, comecei a dar aula na Unesp. Dava aula em Franca, na Unesp, no curso de Pedagogia. Então, eu dei um salto, e lá também eu aproveitava os filmes educativos, que era o possível na época, não é? Eu usava o material audiovisual do Centro Regional de Pesquisas Educacio-nais da USP, que funcionava junto com a Pedagogia. E então, aí entra a história da TV Cultura. Eu comecei a dar assessoria para a Secretaria da Educação em uma equipe que trabalhava com educação supletiva. Ensino supletivo. Ensino para adultos. Já é 69, 70. Aí um belo dia, a minha chefa na época, Rosa, professora Rosa Davi, chegou para o grupo e falou: “Olhe, tem um convite da TV Cultura para alguém daqui dar uma assessoria nessa parte de ensino supletivo, porque o professor Soares Amora está querendo desenvolver, realizar alguns cursos nessa área, tanto para a rádio como para a televisão”. Pegou todo mundo de surpresa, um olhou para a cara do outro. Eu falei: “Eu topo. Eu topo”.”

Pedro Paulo de Martini

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Não por outro motivo a FPA vai, em seu Es-tatuto, dividir o controle de sua programa-ção em duas Assessorias: a Cultural e a de Ensino. Em um período marcado em todo o mundo pelo experimentalismo, pelo hap-pening e pela contracultura, a programa-ção da TV Cultura escolhe a linguagem vanguardista para alcançar seus objetivos educacionais.

a programação da fpa nos primeiros tempos

Durante um ano e meio em que a TV não foi ao ar, o que nós fizemos? Resolvemos mudar, teoricamente, a forma de fazer as coisas, fazíamos programas experimentais. Tínhamos um grupo ótimo, o Walter George Durst, o Pacheco Jordão, o Eduardo Moreira. Nós começamos a preparar os programas, tudo teori-camente ainda, mas já havia um modus operandi, aquele en-trosamento entre o professor e o produtor, não é? A definição de até que ponto a televisão deve ter supremacia sobre o objetivo pedagógico, ela deve ser atrativa, ou ela deve atuar efetivamen-te e tal, na teoria. Então, quando começaram as aulas, foi fácil. Começamos a procurar material de ilustração, nos consulados, assim; então a aula de Geografia era muito rica, porque tinha o Consulado dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha, do Canadá, eles tinham documentários. A Shell fornecia documentários; a gente começou a mexer com essas coisas.

Os primeiros professores foram o Sangiorgi, o Carlos Zara, de Matemática, aquela Natália do Vale, que dava aula de Geogra-fia, aquela atriz da Globo. Atores de televisão que participavam como professores. O Carlos Zara era professor de Matemática originalmente, ele já conhecia Matemática... Agora, a Natália não. O Walter George Durst criou um programa de Português, com o Blikstein como professor, o programa era extremamente dinâmico. Ele fez uma adaptação de “O feijão e o sonho”, do Orí-genes Lessa, para uma novela, com atores, uma novela normal. Só que depois parava a ação e começava uma caricatura dos personagens, com balões, lendo texto, discussão do texto, não é? Matéria de Etimologia, Semântica, aquela coisa tal, depois saía aquela ilustração e continuava a novela. E tinha um suspense. E o Izidoro Blikstein era o apresentador, mas ele entrava como uma espécie de âncora, depois entrava a outra parte produzida.”

Mário Fanucchi

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Pioneiros da TV Cultura: Júlio Lerner; Augusto Boal; Antônio Abujamra; Ademar Guerra; Carlos Vergueiro; Antunes Filho; José Celso Martinez Corrêa; Pres. Soa-res Amora; Heloisa Castellar; Carlos Queiroz Telles.

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Pioneiros da TV Cultura: Pres. Antônio Guimarães Ferri; Maestro Júlio Medaglia; Dias Gomes; Walter George Durst; Cláudio Petraglia; Fernando Pacheco Jordão; Marília Antunes Alves; Flávio Rangel; Ziembinsky.

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Paulo Planet Buarque e alunos, programa Curso de Madureza Ginasial, TV Cultura, SP, 1969.

começamos do zero

Nós começamos do zero, inclusive construindo uma torre lá no Pico do Jaraguá, não no Jaraguá, mas no pico ao lado, que se não me engano se chama Pico do Papagaio, a gente conseguiu lugar nesse outro pico e a gente construiu lá. Enquanto cons-truía a torre, a gente começou a planejar como seria a progra-mação e quais os objetivos dessa televisão pública. Porque foi realmente a primeira televisão dentro desse sentido, pública, do Brasil. Então havia sempre reuniões na Praça da República, nós ficamos uns seis, sete meses lá planejando como seria o canal, não é? E eu fui encarregado de fazer justamente essa parte cultural, e o Carlos Vergueiro fazia a parte artística. Quer dizer, a parte artística significa mais ou menos entretenimento, teatro, música. Eu fazia os programas que eram culturais, especifica-mente culturais. Naquele momento havia em São Paulo uma grande necessidade de resolver o problema do curso de Madu-reza. Então o Amora se encarregou de fazer o curso de Madure-za pela televisão e foi um grande sucesso.”

Cláudio Petraglia

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A Assessoria de Ensino era herdeira direta da antiga “TV Escolar” – uma iniciativa pioneira no país, da Secretaria de Estado da Educação paulista, que, sob o comando da professora Marília Antunes Alves e o apoio do professor Oswaldo Sangiorgi, ia ao ar desde 1961 em ho-rários cedidos pela TV Cultura (ainda em sua fase comercial) e pela TV Paulista.B

Continuando o papel desempenhado pela TV Escolar, a Assessoria de Ensino foi responsá-vel inicialmente pelo Curso de Madureza Gi-nasial, em que lançou mão da teatralização dos conteúdos escolares, usando uma lingua-gem contemporânea para criar empatia com o grande público.

B Essa iniciativa pioneira foi fartamente noticiada pela imprensa da época. Ver por exemplo o Suplemento Feminino do jornal O Estado de S. Paulo de 21/09/1962, ou a revista 7 Dias na TV – 30/09 a 06/10/1963 – nº 579.

madureza ginasial

A TV Cultura, que estava entrando no ar naquela época... em 69. Eu era produtor, eu comecei fazendo telecurso. Ah! Foi muito divertido e muito bom porque eu fiquei conhecendo todo esse pessoal acadêmico, eles escreviam outros textos, apostilas. Era um pessoal de primeiríssimo time. Porque, por sorte, eles fizeram uma parte de Ciências Humanas, que não existia em Madureza, mas eles englobaram Geografia, História, Psicologia, Antropologia, – o que mais? – Filosofia, Lingüística, numa disciplina só, que se chamava “Ciências Humanas”. E eu saí ganhando nesta, primeiro, porque eu fiquei com um bloco muito interessante de temas. Segundo, porque eu trabalhei com um pessoal de primeiro time, que era Ruth Cardoso, Paul Singer na parte de Economia, Flávio Di Giorgio na parte de Lingüística, Gabriel Congas de Sociologia, quem mais foi... Tem gente ali top da academia, Rodolfo Asi fazia Psicologia. O pessoal que eu não conhecia me ajudava muitíssimo, porque eles faziam os textos para ser impressos, para fazer aquelas apostilas, e quando me davam aquele material, eles diziam para mim: “Fernando, eu não tenho idéia de como isso pode virar programa de televisão”, e eu dizia: “Eu também não!” E, de fato, porque eram textos secos, textos de acadêmicos, que já tentavam ser... feijão com arroz, não é? E aí eu fazia esquete cômico, fazia mesmo... Eu ten-tava escrever o mais direto possível, o mais simples possível, no caso passar os conceitos da forma mais leve possível também. O mais divertido de trabalhar era o Rodolfo Asi, que era o psicólogo.

Imagina... O Rodolfo era um psicólogo que trabalhava com coi-sas complicadas, são teorias. O conceito muito complicado já é complicado passar para adulto, imagina para jovem, no nível de Madureza. E na parte de Psicologia, eu criei uma família que ti-nha uma fábrica de botões, então ia seguindo, era por episódios, e de vez em quando ia para o ar um episódio, e eu ligava para o Rodolfo e dizia: “Rodolfo, o que você achou?” E ele morria de rir e dizia: “Adorei, estou rindo até agora.” E eu dizia: “Rodolfo, você é um irresponsável, está na hora de ter um nome, como profes-sor de Psicologia. Eu achei que muitos conceitos não ficaram claros”, o que é difícil num programa de 20 minutos. E ele dizia assim: “Não tem a mínima importância, o importante é que o programa ficou muito engraçado.” O tamanho de 20 minutos é porque era determinação da Divisão de Ensino.

Eu tive uma espécie de licença para fazer o que eu quisesse, ou música, ou comédia, e os outros morriam de inveja de mim, por-que os outros tinham que ficar muito presos ao texto do profes-sor. Eu podia me soltar à vontade. Os outros morriam de inveja, eles diziam: “Não, o Jordão pode fazer o que quiser que a matéria dele não entra em exame, não tem prova, então ele pode brincar à vontade.” O Dante... fazia Português. Era o Dante... o... Castelar, o Irineu Guerrini, assim de cabeça eu não me lembro mais.”

Fernando Pacheco Jordão

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A Assessoria de Cultura, por sua vez, mais do que simplesmente transmitir concertos ou filmes “de arte”, procurava produzir progra-mas de debates e depoimentos que levassem o espectador à reflexão.

Era assim com o esporte (veiculando docu-mentários sobre a história recente do esporte em História do Esporte ou colhendo entre-vistas de esportistas em A Verdade de Cada Um), o teatro (com Ziembinsky entrevistan-do atores em O Ator na Arena) ou a música (com Júlio Medaglia transformando audições musicais em verdadeiros happenings, com teatralizações e cenários inusitados, como fá-bricas etc., em Concerto de Cordas).

muito além do futebol

A TV Cultura foi um laboratório, na realidade. A gente, eu, por exemplo, para começar a transmitir boxe, eu ia para a academia do Kid Jofre, pai do Éder Jofre, e começava a ver: “Kid, que golpe é esse?” Eu, na realidade, eu, “Ah, isso é assim, assim, assim, isso é um cruzado, isso é um upper-cut, isso é pá, e coisa.” E nós íamos aprendendo para poder fazer a narração sem falar besteira. Assim foi com o próprio basquetebol, por exemplo, eu fiz curso de árbitro do basquetebol. O handebol, rúgbi, é um esporte que não pegou até hoje, nós transmitíamos rúgbi. E nós tomáva-mos a iniciativa de aprender, entende? Nós mesmos, para facilitar, para ir adquirindo conhecimento de todos, o voleibol, que a gente sabia, conhecia. Eu jogava, joguei vo-leibol. Nós fomos conhecendo bem tudo, todas as regras, tal. O tênis mesmo, o Milton Mota era diretor da Federa-ção de Tênis, um jornalista conhecidíssimo da TV Gazeta, e o Milton Mota nos auxiliava muito, a gente queria saber direitinho: “O que é isso? O que é aquilo?” E fui conhe-cendo o tênis de uma maneira bem, bem acentuada para aplicar durante as transmissões. Eu, eu e todos os demais da equipe que havia.

Na época, a Cultura era a única TV que fazia isso. Nós tínhamos uma tarde esportiva, fazíamos tudo, fazíamos basquete, vôlei, handebol, pólo aquático, beisebol. Beise-bol mesmo eu não consegui entender até hoje, e não vou entender nunca o beisebol, mas íamos fazer. Então tinha sempre um técnico, um professor do lado para dizer: “O que é isso?” Porque era uma transmissão educativa, dando ao telespectador: “Olha, aconteceu isso, isso e isso”, e assim por diante. E fazendo as transmissões nós íamos adquirindo ex-periências também, para fazer as transmissões da própria TV Cultura.”

Luiz Noriega

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trombones na catedral de repolhos

Cada programa era uma provocação diferente. Um era feito de repente, lá no Ceasa, no meio das flores. Então, o pessoal ia comprar flor, tinha uma orquestra... E um deles eu fiz com doze, com dezesseis trombones, às 3 horas da madrugada, no Ceasa, no meio daquele monte, naquela montanha de repolho, eu fui colocando os dezesseis trombones e o coral da USP encarapitado lá em uma daquelas estruturas do Ceasa. E de madrugada, ali, os holofotes dos carros do corpo de bombeiros iluminando aquela catedral de repolhos, e os trombones tocavam furiosamente e faziam umas fanfarras barrocas ali. Porque, naquela época, ha-via o hábito da soçaite tomar uma sopa de cebola lá no Ceasa, então como o pessoal ia, era moda tomar sopa de cebola de madrugada, fim de semana, eu falei: “É lá que eu vou fazer um espetáculo, associar esse hábito dos paulistanos, dos paulistanos com aquela catedral”, porque o Ceasa tem uma arquitetura belíssima. E fizemos. Então cada programa tinha uma idéia, um outro programa era conduzido pelo super-homem, e o super-ho-mem raptava a namorada para ir viver num outro planeta onde um músico imperava, tal. Então eram sempre idéias que tinham a ver com componentes. De show, de espetáculo, mas sempre com a melhor música do mundo.”

Júlio Medaglia

A música popular brasileira também não foi esquecida. As emissoras comerciais desem-penhavam então um papel importante na promoção da música popular, tomando mes-mo a dianteira nessa atividade, com progra-mas como O Fino da Bossa (da TV Record, de 1965) e os Festivais de Música Popular Brasi-leira (o primeiro foi realizado pela TV Excel-sior em 1965, mas os mais célebres seriam os promovidos pela TV Record, notadamente os de 1966 e 1967). A TV Cultura não ficou in-diferente a esse movimento, produzindo já em 1969 o programa Música de Nossa Terra (onde se apresentaram músicos e intérpre-tes como Jamelão, Taiguara, Aracy de Almei-da, Ângela Maria e Zé Keti).C Não por acaso, a Associação Paulista de Críticos de Arte con-cedeu à TV Cultura seu Prêmio APCA de melhor programação musical em 1969. Já Concerto de Cordas daria a Fernando Pache-co Jordão o Troféu Helena Silveira de melhor produtor de TV em 1970.

Na área jornalística, o Caixote de Opinião tentava, dentro dos limites impostos pela di-tadura, discutir temas de interesse público.

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C Relatório da FPA de 1969, p. 43.

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a pessoa soltava o verbo

Eu tinha um programa que se chamava “Caixote de Opi-nião”, que era também da minha área, feito pela Maria Ruth Amaral, uma professora lá da USP. E a idéia era a se-guinte: em Londres tem uma esquina do Hyde Park onde no domingo de manhã as pessoas vão lá, sobem em um caixo-te, e falam sobre o que quiserem. Fala contra a rainha, fala contra todo mundo. E o programa era mais ou menos isso, eu pegava uma porção de sarrafos, fazia umas sombras meio favela, tinha um praticável e a pessoa ia lá e soltava o verbo, entendeu? A graça era isso, as pessoas falavam o que queriam, entendeu? Às vezes falavam barbaridades também, e aí vinham cartas e reclamações, tudo isso. Mas a gente tinha um sentido democrático, de mostrar o que as pessoas estão falando.”

Cláudio Petraglia

caixote do hyde park

Eu tinha um programa chamado “Caixote de Opinião”, onde eu entrevistava pessoas das mais variadas áreas, inclusive ligadas a arquitetura, urbanismo, a problemas da cidade, enfim, era um programa de entrevistas, bastante interessante por causa do “Caixote de Opinião” do Hyde Park, em Londres. As pessoas subiam no caixote e falavam as suas idéias, então nós achamos interessante pôr esse nome. Era um programa de meia hora, vinte minutos. Eram entrevistas variadas. Ele ficou dois anos, eu acho.

Foi um sucesso, inclusive a própria universidade de que eu participava também via aquilo com muito interesse. Eu fiz várias ligações do programa, dos programas com a univer-sidade. Eu me lembro até que o Brasil foi fazer um pavilhão numa feira internacional, quem tinha ganho esse pavilhão foi o Paulo Mendes da Rocha e o Ruy Ohtake. Os dois eram jovenzinhos. Então nós fizemos um programa onde eles vieram apresentar o projeto deles. Foi um sucesso também, porque naquele tempo não se... A televisão comercial não dava muita bola para essas coisas, então, de certa forma, a gente tentava fazer esse elo e fazia com que a televisão tivesse esse perfil...”

Maria Ruth Amaral

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era todo mundo em cadeirinhas

O Walter George Durst também estava conosco, e eu e ele fi-zemos um programa que foi um sucesso, mas que deu muito problema. Chamava-se “Jovem Urgente”, com aquele psica-nalista chamado Paulo Gaudêncio. E tinha também a Maria Lúcia Whitaker, que também era amiga do José Bonifácio, ela entrou para ser produtora. Então o programa era muito simples, era uma dinâmica de grupo que eu tinha feito; algu-mas com aquele professor Oliveira Lima. Era todo mundo em cadeirinhas assim, o Paulo Gaudêncio sentado numa cadeira giratória, e eram perguntas dos pais de como resolver os problemas dos filhos. Porque nessa época começou a proble-mática gap generation e o Gaudêncio era um psicanalista muito antenado e “pra frente”. Então a gente conversava sobre certos assuntos complicados naquele tempo, revolução sexual, sobre a pílula, sobre o homossexualismo, enfim, todos esses problemas eram levados. Hoje em dia é uma brincadei-ra, mas naquele tempo... E aí queriam proibir o programa, a censura era fortíssima nesse tempo, estávamos em 68, 69, entendeu? Era brabo... E o José Bonifácio, que sempre foi uma pessoa extraordinária, bancou tudo: “Não, eu acho que isso é muito, muito interessante, e é útil que as pessoas discutam esse programa”.”

Cláudio Petraglia

Os programas mais significativos desse pe-ríodo inicial são, sem dúvida:

- Jovem Urgente (1969), que, sob o coman-do do psiquiatra Paulo Gaudêncio, discutia problemas como virgindade, sexo e drogas sob a ótica da juventude, grupo então emer-gente na cena social do Ocidente.

- Foco na Notícia (1971), primeiro telejornal da emissora, semanal, que procurava não apenas transmitir a notícia, mas discutir o contexto em que ela se enquadra.

- Vila Sésamo (piloto produzido em 1971), ver-são nacional de um programa da TV educa-tiva dos EUA, de formato inovador, voltado para o público pré-escolar. Em 1972, Vila Sé-samo ganhou o Prêmio APCA de melhor pro-grama didático e o Troféu Helena Silveira de melhor programa cultural, enquanto Sônia Braga ganhava o Troféu Helena Silveira de revelação feminina.

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o surgimento do jornalismo na tv cultura

A idéia do jornalismo foi do começo, mas o pessoal da direção da Fundação tinha muito medo de censura, que o jornalismo viesse a criar problema com a censura. Achava que jornalis-mo em si era um assunto muito polêmico, e que os militares iam interferir muito. E aí acontecia de novo aquele mesmo problema: o que é este jornalismo? O presidente da Fundação, José Bonifácio Nogueira, me perguntava: “Mas, Jordão, o que é jornalismo educativo?” E eu dizia: “Bonifácio, jornalismo educativo é um jornalismo que tem efeito, jornalismo que dê às pessoas um contexto. Isso é o jornalismo educativo, nós não vamos inventar nada.” Ele falou: “Mas a TV Cultura vai dar o que os outros não dão?” E eu falei: “Não, de jeito nenhum, se a gente ficar dando o que os outros não dão, ninguém vai assistir à TV Cultura. Nós vamos dar o que é notícia.” Ele ficava cismado, ficava com medo que se criasse problema lá dentro.

De repente, ele tocou uma vez por semana, primeiro como doses, como doses homeopáticas. Começou com o “Foco na Notícia”. Era uma vez por semana, e isso eu nem sei que ano era, foi uns três ou quatro anos depois da Cultura já estar no ar. Quem apresentava era o Nemércio Nogueira. Era uma espécie de revista, tinha muito a parte internacio-nal, a parte internacional era muito desenvolvida. Acho que meia hora no ar.

O Gabriel Romeiro era o editor. O Gabriel é um sujeito que hoje ele deve falar quinze línguas. Na época, ele falava umas oito. Então a gente dava despesas lá para a TV Cultura, assi-nava até o “Le Monde”, o “Der Spiegel”.”

Fernando Pacheco Jordão

Paulo Gaudêncio, programa Jovem Urgente, TV Cultura, SP, 1969. Nemércio Nogueira, telejornal Foco

na Notícia, TV Cultura, SP, março de 1971. Programa Caixote de Opinião, TV Cultura, SP, março de 1971.

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Estúdio de Vila Sésamo, TV Cultura/Rede Globo, SP, 1972.

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queriam “rua sésamo”

Bom, aí veio o Laudo Natel, nesse tempo que eu estava ainda com o José Bonifácio, eu disse: “Bonifácio, tem um programa nos Estados Unidos que eu não conheço, que eu li nas revistas, no “Time”, que eu acho fundamental para o Brasil, que é para crianças carentes, que se chama ‘Sesame Street’.” Aí ele disse: “Então você vai lá e vê, você aproveita e escolhe um piano de cauda.” Então eu fui lá, fui para os Estados Unidos, Nova York, fui para conversar com a Children Workshop Television, para saber como funcionava o programa, que eu tinha lido uma re-portagem. Bom, eu cheguei lá, os caras me acharam um louco, não é? Comprei um piano de cauda Steinway de primeira. Na Children Workshop Television falei com a Joan Cooney. “Olha, eu vi o programa, assisti o programa...” E ela: “Eles estão fazen-do no México, o senhor não quer dar um pulinho lá?”, “Vamos!”. Fui lá no México, vi lá como é que era, voltei para Nova York e disse: “Olha, eu quero fazer o programa, nós pagamos os direitos, vocês fizeram os roteiros... Eu quero material didático e daqui a três meses e meio eu estou com o piloto pronto.” Ela dizia: “Mas como?” E eu dizia: “Somos uma TV pública, tarárá”, e o Bonifácio bancando tudo o tempo todo, não é? Eu sou muito grato a ele. Aí peguei aquela bíblia toda, fui para uma fazen-da, decorei toda aquela bíblia de quatrocentas, quinhentas páginas. Eu sabia tudo, tudo, tudo sobre “Sesame Street”, tanto quanto eles lá. E aí fui para São Paulo, eu falei: “Olha, Bonifácio, nós estamos prontos para fazer o piloto, eu quero esse estúdio aqui...”; e tinha um rapaz chamado Ferrara, que era um cenó-grafo. E eu fui com uma máquina fotográfica... Aí começou o problema do nome, eles queriam traduzir “Sesame Street”, seria a “Rua Sésamo”. Eu digo: “Não é isso, para o Brasil é ruim...”; eu fui para o Bexiga e comecei a tirar fotos das vilas do Bexiga, entendeu? E aí, com essas fotografias, o Ferrara fez um cenário

fantástico. E eu disse: “Olha, no Brasil esse programa tem que se chamar ‘Vila Sésamo’”; que no fundo é um reduto encantado das crianças. Bom, ele construiu, eu chamei o Adhemar Guerra para dirigir; aí eu fiz o elenco com ele, tinha o problema do dinheiro, era caríssimo. Eu disse: “Olha, nós temos que arranjar um parceiro nessa história”; porque o único anunciante que tínhamos era a Xerox, que tinha quinze segundos no começo e quinze segundos no final, não podia ter um intervalo. Por-que o princípio deles era justamente: você pega certos temas como números, como letras, organização cognitiva, ambiente construído, ambiente natural, resolvendo problemas; tudo isso eram bitzinhos. E não podia ter um bit maior do que dois minutos, dois minutos era um escândalo, não podia ter. E na realidade, você aprende pela repetição, no fundo eram comer-ciais com fundo didático, não é? Então eu vim para cá, convidei o Adhemar para dirigir, contatei, fui na Globo falar com o Boni. O Boni: “Muito bem, mas então como é que faz?” Eu disse: “Nós fazemos o seguinte: eu produzo lá em São Paulo, a gente passa e vocês passam também...”; porque era a única chance, era um negócio de três milhões e seiscentos... Era uma grana brutal, e eu fiz o orçamento. Olha, eu consegui fechar o programa, o projeto, com cinqüenta mil de diferença. Bom, mas nesse tempo, antes de eu fazer o orçamento eu tinha preparado tudo e tinha feito o piloto, entendeu? Tinha feito o piloto com o Bogus, a Sônia Braga, que tinha trabalhado comigo no “Hair”, eu levei para fazer a professorinha, a Aracy Balabanian, o Ma-nuel Inocêncio, o Roberto Orosco, o Laerte Morrone fazendo o Garibaldo, o Flávio Galvão, enfim, essas pessoas, a gente tinha feito o piloto com elas. O Laerte Morrone no Garibaldo... Até hoje nos Estados Unidos eles consideram o melhor Bigbird que eles fizeram, era extraordinário.”

Cláudio Petraglia

Frame de abertura do programa Vila Sésamo, TV Cultura/Rede Globo, SP, 1972.

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adaptando “sesame street” para o brasil

“Vila Sésamo” era uma co-produção nacional, uma parte produzida aqui, local, e uma parte adaptada do original americano. Mas tinha um corpo de consultores, psicó-logos, pedagogos, especialistas em educação e psicolo-gia infantil. Tinha um corpo de pedagogas e psicólogas trabalhando conosco, porque cada frase era estudada, cada frase dita para a criança era estudada. Com todos os requisitos de crescimento, de desenvolvimento cognitivo, desenvolvimento motor, desenvolvimento de percepção... Enfim, todo, qualquer sinal que entrasse no vídeo pelo “Vila Sésamo”, ele tinha por trás um objetivo educacio-nal, um objetivo pedagógico, não era um entretenimento simples, entendeu? Então o “Vila Sésamo” era um projeto totalmente estudado.

“Vila Sésamo” foi adaptado para a realidade da criança brasileira. E aí que era o problema. Quer dizer, as resistên-cias que o “Vila Sésamo” enfrentou eram resistências de profissionais que achavam que nem tudo o que vinha da Children Workshop Television era adequado para a reali-dade da criança brasileira. Então, as resistências grandes, a dificuldade, os desafios que nós tivemos que enfrentar, diminuir essa influência de valores, ou que repertório, va-mos dizer, porque era o da criança americana, e transfor-mar isso num repertório para a criança brasileira... Tinha diálogos entre os bonecos que a gente teve que mudar totalmente o sentido. Adaptar para coisas que fossem do dia-a-dia, do cotidiano da criança.”

Silvia Cavalli

Roberto Orosco, personagem Gugu de Vila Sésamo, TV Cultura/Rede Globo, SP, 1972.

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um garibaldo mais porra-louca

O Ferrara fez todo o projeto da vila, da Vila Sésamo, e aí veio a Aracy Balabanian, o Armando Bogus, a Sônia Braga, que esta-va começando a carreira artística, e tinha criança, tinha o seu Manoel, que era aquele ator... ai, esqueci o nome, mas enfim. O Laerte Morrone, que fazia o Garibaldo, que foi o Naum Alves de Souza que fez os bonecos, então o nosso Garibaldo, ele era azul, o dos americanos era amarelo. O Gugu, que era o Roberto Orosco que fazia, que era que ele vivia... E o Gugu, ele era... eu não me lembro o nome do personagem em inglês, mas ele era o boneco que era o sujo, ele era o que ia passar a lição da higiene, da limpeza, dos cuidados e tal. Ele morava numa lata de lixo na saída do armazém do seu Manoel. A Sônia Braga era a professora das crianças e a Aracy e o Armando faziam o papel do casal que cuidava ali também da vila. O Armando acho que fazia o papel de mecânico, se não me engano. E a Aracy era dona de casa.

O Laerte dava muito trabalho, porque o Laerte era um cara muito vivaz, ele era muito assim, ele estava sempre acon-tecendo. E quando ele punha aquele pássaro, a roupa do Garibaldo pesava muito e era muito quente e aí chegava num ponto, o Laerte se estressava com a roupa do Gari-baldo, porque ele tinha que dar muito. Porque o Garibaldo era aquele pássaro meio pato louco, sabe uma coisa meio assim, e ele fazia isso também. Ele criou um pouco esse ser diferente do que era o Garibaldo norte-americano, que era mais contido. Ele já era um Garibaldo mais “porra-louca”, que a gente brincava. O Laerte acabou acrescentando isso, mas de uma forma sadia para a criançada, brincalhona, mas na verdade o Garibaldo brasileiro teve isso que o norte-americano não tinha.”

Silvia Cavalli

Laerte Morrone, personagem Garibaldo de Vila Sésamo, TV Cultura/Rede Globo, SP, 1972.

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Manoel Inocêncio, Flávio Galvão, Armando Bogus, Sônia Braga e crianças, elenco de Vila Sésamo no estúdio, TV Cultura/Rede Globo, SP, 1972.

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a semente apagada

Havia uma iniciativa educativa na TV, já, dirigida pela Marilia Antunes Alves, que era muito dedicada. Era um setor pequeno que na realidade foi a semente da TV Cultura. E esse serviço até, ao ser criada a TV Cultura, foi incorporado a ela, mas apagou-se. Infelizmente nem o [governador Abreu] Sodré, nem nós do Conselho, fomos muito decididos naquela inspiração de que essa fosse uma TV predominantemente educativa, não é? Então enveredou mais para a parte cultu-ral... Os problemas eram tão grandes, o equipamento, a sede, e eu tenho a impressão que por isso afogou-se essa idéia de promover a TV como um instrumento importantíssimo na área da educação, na formação de educadores, como uma ferramenta para o professor.”

Paulo Ernesto Tolle

As Assessorias de Ensino e Cultural possuíam vida bastante independente e a relação entre elas nem sempre foi harmoniosa.

conflitos entre educação e cultura

Olha, havia este seccionamento na verdade: havia a parte educativa e a parte cultural, que estava com o Petraglia. A parte cultural tinha uma outra mentalidade, era um pouco diferente, era um pouco mais elitista. As equipes eram separadas, se bem que alguns atuavam... o Morei-rinha, o Eduardo Moreira atuava na parte de ensino e fazia a parte cultural e artística também. Mas a parte cultural e artística era muito boa em termos de imagens, os programas musicais, as entrevistas, e havia, assim, uma preocupação em qualidade final, em matéria de produ-ção. Mas eu particularmente sempre me interessei mais pela parte de ensino. E o grande problema da produção da parte cultural era o uso do estúdio, era diferente do uso para o ensino. Eu considerava o uso do estúdio, com aquela minha mania de tentar enquadrar as coisas de modo racional, eu considerava que a ocupação de estúdio não era só a gravação, é o momento que chega, começa a colocar os adereços, tal, tal, aí iluminação, e aí começa a gravar; então tem o tempo certo para cada coisa. A parte artística era difícil de disciplinar, certo? O ensino era muito mais simples, tinha uma pessoa, tinha um grupo de alunos, um grupo de artistas que trabalhava na ilustração das coisas e só.”

Mário Fanucchi

Verifica-se dessa forma que a estrutu-ra criada por Sodré era bastante sólida, do ponto de vista jurídico-institucional, razo-avelmente dotada de recursos, ambiciosa na maneira como convocou seus quadros administrativos e mesmo criativos, e hábil na composição de um Conselho que, pela representatividade de seus membros, esta-va acima da própria conjuntura política ex-tremamente deformada naqueles anos da ditadura militar.

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Laudo Natel amplia a rede e reduz aindependência da instituição

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Antônio Guimarães Ferri, Tele Escola Ciências, TV Cultura, SP, 1973.

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A fase inicial da FPA, começada em 1967, encerrou-se simbolicamen-te com a mudança do comando

da Fundação ocorrida em 1972, mudan-ça esta promovida pelo governador Lau-do Natel, que sucedera a Abreu Sodré em março de 1971.

Por ocasião da posse de Natel, o cenário po-lítico nacional encontrava-se bastante po-larizado, com a linha dura dos militares controlando o Governo federal, exercen-do um poder quase absoluto proporciona-do pelo AI-5, enquanto parte das esquerdas adotava o caminho da luta armada. A censu-ra aos meios de comunicação era ferrenha, e se implantavam projetos de integração na-cional a partir dos meios de comunicação eletrônica de massa.

Laudo Natel mereceu uma grande manchete da Folha anunciando o início de seu governo.

Golda Meir, primeira-ministra de Israel, provoca crise de governo com seu plano de desmilitarização do Sinai, em troca do controle das colinas de Golan. No Chile, um atentado a bomba coroou um discur-so de Allende, prenúncio do golpe que já estava sendo preparado. Na França, hou-ve um recuo dos comunistas nas eleições municipais.

Isso tudo, porém, não dizia muito respeito ao Brasil, afogado num dos períodos mais repressivos do governo militar instaura-do pelo golpe de 1964. O grande educa-dor Anísio Teixeira, quase às vésperas de entrar na Academia Brasileira de Letras, após passar dias desaparecido, foi encon-trado morto no poço do elevador do prédio onde morava Aurélio Buarque de Holan-da, com quem tivera um encontro. Não havia sinais de queda, o que gerou sus-peitas de crime. Apesar da chuva intensa,

prosseguiam as obras da Transamazônica, estrada com 34% de sua extensão já cons-truída. Importante matéria anunciava os quarenta mil pioneiros que iriam coloni-zar a nova Amazônia. Era um momento de recursos abundantes e repressão pesada. O país programava a instalação de trin-ta e três milhões de telefones, enquanto nas praias pernambucanas de Candeias e Maria Farinha, “os dez subversivos per-tencentes ao Partido Comunista Brasileiro revolucionário foram presos em aparelho onde havia livros e documentos atentató-rios à segurança nacional”.

Na televisão, a audiência era arrebatada pela emergente Rede Globo. Curiosamen-te, a ascensão da TV Globo não se dá pela inovação da programação. A programação “global” contenta-se em repetir o que de melhor havia nas emissoras mais antigas, inclusive a ênfase nas telenovelas, que

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Ao lado: Governador Laudo Natel e Marilia Antunes Alves, SP, 1971.

Abaixo: Beto Rockfeller (Luiz Gustavo cercado por modelos), TV Tupi, SP, 03/04/1970.

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já haviam sido renovadas pela TV Tupi em 1968, com Beto Rockfeller. A grande inovação da emissora carioca foi na gestão das suas operações. Enquanto Tupi, Excelsior e mes-mo Record estavam sempre às voltas com graves crises financeiras, fruto de uma ad-ministração caótica, a Globo introduziu mé-todos modernos de gestão, incluindo o uso das pesquisas de mercado e sociológica como meio de direcionar a programação. Aliando a captação dos melhores atores e diretores do mercado, mais a aposta em uma rede nacio-nal, com a programação gerada a partir da matriz, no Rio de Janeiro, a TV Globo acabou por dominar o cenário televisivo brasileiro.

Nos mesmos jornais que noticiam a pos-se de Laudo, um grande anúncio publici-tário divulgava: “A nova programação da TV 2 Cultura ensina e diverte”. Segundo a propaganda, dividida em seis mensagens, a Cultura ensina, informa, exibe filmes, di-verte, conta com sua participação e avisa enfaticamente: “E não se esqueça que o 2 também tem esporte”.

A direção já estava preocupada em acres-centar à educação um apelo para a idéia de que a Cultura diverte. Assim, cinema e fute-bol eram enfatizados para atrair o público.

sodré e a tv cultura

Laudo Natel circulava bem naquele qua-dro de repressão e radicalização. Empossado em março de 1971, possuía, aparentemente, menos compromissos com a elite ilustra-da paulista e alinhava-se com setores mais conservadores do regime, opondo-se assim à linha adotada por Abreu Sodré.

Ao tomar posse, Natel pressionou para que o grupo “sodrezista” saísse da TV Cultura, criando incidentes que culminaram com a renúncia de José Bonifácio Coutinho No-gueira da Presidência da Fundação em abril de 1972. O maior e mais decisivo desses in-cidentes foi a entrevista transmitida pela TV Cultura com Hélio Bicudo criticando o sistema carcerário. Criou-se um impasse e o governador Laudo Natel exigiu a demis-são do diretor do programa e da diretoria da FPA. José Bonifácio pede demissão e, ato contínuo, Soares Amora e Cláudio Petraglia deixam seus cargos nas Assessorias de Edu-cação e Cultural.

Para o lugar de Coutinho Nogueira, Natel indicou um industrial do setor metalúrgico, ex-presidente da Fiesp, Raphael de Souza Noschese. Para a Assessoria de Educação

foi escolhido o psicólogo e pedagogo Samuel Pfromm Netto, e para a Cultura, a italiana Nydia Licia P. Cardoso, atriz renomada que atuara no TBC e era esposa de Sérgio Cardoso. Noschese foi substituído em junho de 1973 por Antonio Guimarães Ferri, um médico veterinário que fora diretor da Escola de Comunicações e Artes e vice-reitor da USP, o qual manteve Pfromm Netto e Nydia Licia em seus cargos.

Nada indica que essas mudanças de dirigen-tes tenham alterado de forma significativa os rumos da programação da TV Cultura, dado que – em que pesem as substituições de chefias operacionais – as equipes de tra-balho permaneceram basicamente as mes-mas, e as portas da emissora continuaram abertas ao que de melhor havia no eferves-cente cenário cultural paulistano: diretores, atores e intelectuais que passavam por pro-gramas como Teatro 2, MPB Especial e Ho-mens de Imprensa.

O MPB Especial, produzido por Fernando Faro, repetia a fórmula do Ensaio, que ele produzia desde 1969 na TV Tupi (e mais tar-de levaria para a TV Cultura), mostrando os músicos em closes muitas vezes “picassia-nos”, recortando partes do rosto do artista,

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usando uma iluminação intimista e dan-do liberdade ao convidado para falar tanto quanto cantar. Não foi à toa que ganhou o Prêmio APCA e o Troféu Helena Silveira de melhor programa musical de 1972.

Também Homens de Imprensa, programa corajoso em tempos de imprensa amorda-çada, seria premiado com o Troféu Helena Silveira de melhor programa de entrevis-tas de 1972, enquanto seu criador e apre-sentador, Júlio Lerner, recebia o Prêmio APCA de melhor repórter de TV, no mes-mo ano.

O período de Laudo Natel foi marcado por uma profunda presença política da Casa Ci-vil, através do seu titular Henri Aidar, até mesmo porque os dois presidentes indica-dos por Natel não eram homens de televi-são, tanto o Noschese quanto seu sucessor, o prof. Ferri.

Assim, atritos de caráter institucional en-tre a Fundação e o Governo, se não foram freqüentes, existiram, sempre no sentido da maior ou menor afirmação da indepen-dência da FPA. Em 1973, no período presi-dido por Raphael Noschese, a TV Cultura foi alvo de protestos sob acusação de ser

porta-voz oficial de políticos. Em meio à crise, o presidente demitiu-se “irrevoga-velmente” com todos os seus auxiliares. Antes de sair, Noschese havia se recusado a criar um cargo de assessor de programa-ção para Benedito Ruy Barbosa, recomen-dado pelo governador. No dia 14 de junho, Antonio Guimarães Ferri assume o cargo de presidente. No dia seguinte, Paulo Duar-te, membro do Conselho Curador, pede de-missão de seu cargo vitalício, denunciando pressões e interferências.

No período Natel não houve qualquer altera-ção nos estatutos e a Fundação foi declarada de utilidade Pública pelo Decreto Municipal nº 10.843, de 11 de janeiro de 1974.

Em julho de 1974, diversos funcionários do jornal Hora da Notícia pedem demissão, por se oporem à divulgação de notícias que con-sideravam estar servindo apenas a interes-ses, sem caráter jornalístico.

Tendo em vista o momento de intensa re-pressão policial e militar a qualquer mani-festação de liberdade, podemos dizer que a TV Cultura conseguiu se equilibrar, na condição de uma televisão relativamente independente.

Página ao lado: Hélio Bicudo, crítica ao sistema carcerário, abril de 1972. Presidente da FPA, Raphael de Souza Noschese, TV Cultura, SP, 1972. Presidente Antônio G. Ferri checa os equipamentos, TV Cultura, SP, 1973.

Nesta página: Frame da abertura do programa Teatro 2, TV Cultura, SP, 1974. Programa Homens de Imprensa, com Vlado, TV Cultura, SP, dezembro de 1972.

Páginas seguintes: Aracy de Almeida, outubro de 1972; Nara Leão, 28/05/1973; João Bosco, 03/12/1973; Chico Buarque, 22/09/1973; Elza Soares, 09/10/1973; Edu Lobo, 18/06/1973; Clementina de Jesus, 05/09/1973; Jorge Veiga, 14/08/1973; Dorival Caymmi, 1974; Mário Lago, 1º/08/1973; Elis Regina, 06/08/1973; Marçal Filho, 20/08/1973 - Programa MPB Especial, TV Cultura, SP.

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cor e expansão

O primeiro desafio que a nova direção en-frentou foi a transmissão em cores. Após a definição, pelo Governo federal, do sistema a ser adotado, o PAL-M, em 1972 iniciaram-se no país transmissões regulares em cores, geradas por inúmeras emissoras, ainda que poucas horas por dia. Desde 1971, a FPA tra-tava com a RCA a compra dos equipamentos necessários, que, escolhidos em 1972, foram adquiridos em 1973, ano em que foi instala-da a “ilha de telecine”, que permitia a trans-missão de filmes coloridos. A incorporação de equipamentos adaptados a gravação e transmissão de programas coloridos, em es-túdio e externas, continua até 1975, quando oitenta horas de gravação externa (de um total de trezentos e trinta e nove horas) são produzidas em cores.

José Armando Ferrara lembra das dificulda-des técnicas ocasionadas pela passagem da produção em branco e preto para cores:

“Como a câmera em branco e preto não tinha a mesma sensibilidade que a cores, houve necessidade de muita adaptação. Junto com o pessoal da pintura, fizemos uma escala cromática de cinzas e outra com as cores correspondentes e montamos uma tabela. Hoje, por exemplo, quem faz essa dosagem é o computador. Nós fazía-mos a mão, com corante. Outro problema eram os cenários. Quando expostos no es-túdio por um determinado tempo, a cor começava a sofrer uma alteração, porque queima. E aí na hora que repintava, não era mais aquele cenário, nem era mais aquela cor. Some-se a isso o fator da tex-tura do tecido... Some-se ainda o problema da maquiagem, porque a forma de ilumi-nar era totalmente outra... Então houve uma série de ajustes para a gente chegar a uma qualidade.”

Por outro lado, a necessidade de aumentar a área de cobertura da TV Cultura iria mobilizar a direção da FPA (e o Governo do Estado) por toda a década de 1970. A transmissão de sinal a partir do Pico do Jaraguá mostra-se limita-da e Laudo Natel idealiza em 1973 uma Rede do Interior, que, combinando repetidoras de VHF, UHF e microondas, ligaria São Paulo a Piquete, Franca, Assis, Presidente Prudente, Andradina, Fernandópolis e Ubatuba. Foram estabelecidos dez eixos que atenderiam cida-des como Ribeirão Preto, Sorocaba, Taubaté, Botucatu e Bauru. Esses planos, porém, eram de implantação demorada. As regiões aten-didas inicialmente localizavam-se no eixo da Via Anhangüera, ligando a capital a Ribeirão Preto, e no eixo da Via Dutra, ligando a capi-tal a Taubaté e além. Em 1975 o sinal chega a Piracicaba, Franca, Bauru e Amparo, mas ain-da com qualidade insatisfatória.

Nesse período, iniciou-se também um inter-câmbio, com envio de pessoal técnico para o exterior, tanto para visitar fábricas de equipamentos quanto para conhecer outras emissoras de televisão, como a inglesa BBC ou a alemã WDR.

O engenheiro Munhoz, diretor técnico da emissora por mais de vinte anos, afirma:

“A cultura era a emissora mais desenvolvi-da tecnicamente, naquela época. Chegamos a fazer grandes eventos esportivos e shows para a Globo. Inclusive transmitíamos para ela a Fórmula 1. Tínhamos uma grande ex-periência na transmissão de externas. A TV Cultura foi a primeira emissora a transmi-tir Olimpíadas: a de Montreal no Canadá e a de Moscou na Rússia (já isso em 1980). Com isso, bem mais tarde, ganhamos o direito de transmitir a Copa do Mundo da Espanha, em 82, embora sua transmissão fosse exclusivi-dade da Globo. Todos os profissionais que-riam vir para a Cultura.”

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“a ceia dos cardeais”

Éramos preto-e-branco, com muita honra. Aí íamos ganhar TV a cores, mas não tínhamos condição ainda de gravar no estúdio em cor, só externas. E a Nydia estava aflitíssima porque ela queria porque queria a televisão com entrada de cor e tudo junto, tal, tal, tal. Eu já estava lá e ela disse: “Vou fazer ‘A Ceia dos Cardeais’. Pelo amor de Deus, vem fazer comigo. Vem fazer o cardeal francês.” Eu disse: “Ah...”. “Rodolfo Mayer vai fazer o português.” Eu tive a sorte de, apesar de começar a fazer teatro relativamen-te tarde, eu só pisei no palco com 32 anos, a primeira vez no Rio de Janeiro, ganhar todos os prêmios naquele ano, graças a Deus, eu trabalhei com todos os grandes atores que vieram antes de mim e atrizes também. Rodolfo não. Eu disse: “Ai, que bom.” Ele só fazia monólogo. Se tivesse uma chance de trabalhar com Rodolfo, a não ser que na hora em que ele esteja fazendo monólogo, eu abra e diga assim: “Oi!” Não. Aí resolvi fazer por conta disso. E quem fazia o espanhol era Raul Cortez, com quem eu também nunca tinha trabalhado. Mas Raul era da minha geração. E preferia trabalhar com Rodolfo que era bem mais velho que a gente. E a Nydia teve uma idéia genial. Como nós não podíamos gravar a cores no estúdio, ela fez tudo que fosse externa colorido e tudo que fosse estúdio, por neces-sidade, preto-e-branco. E ficou muito bom porque todas as recordações dos cardeais, ou seja, o passado, eram em cores, e o presente, em preto-e-branco. Acho que foi uma solução... Sabe que eu nunca tinha assistido? Assisti agora pela primeira vez. Naquela época, o Canal 2 não entrava aqui em casa, não dava para ver. Era tudo assim. Eu era o único funcionário que não conseguia ver. Quando eu queria ver o Canal 2, ia na casa da Iolanda para ver, que morava do outro lado do espigão. Ela via. Eu não via, aqui não via. Então, eu nunca tinha visto “A Ceia dos Cardeais”. Vi agora. Fiquei muito feliz.”

Sérgio Viotti

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Página anterior: Unidade móvel da TV Cultura - Equipamentos RCA (color), SP, 1975.

Ao lado: Teleteatro A Ceia dos Cardeais, elenco: Raul Cortez, Sérgio Viotti, Rodolfo Mayer, Joana Fomm, Ana Mauri, Denise Stoklos, Amilton Monteiro, Luiz Serra, Aparecida Baxter, Marli de Fátima, Mário Guimarães, TV Cultura, SP, 1975.

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Além do início das transmissões em co-res, o grande esforço do período deu-se na área patrimonial: o projeto de ampliação e consolidação da sede da TV Cultura na Rua Ceno Sbrighi.

A Fundação Padre Anchieta consolidou sua organização física no governo Laudo Natel, resultando no campus que abriga todo o complexo de produção e geração de progra-mas de rádio e de televisão.

Foram construídos novos edifícios desti-nados a suas atividades administrativas, técnicas e de produção. Esses edifícios des-tinam-se a:

ADMINISTRAÇÃO: edifício construído em dois pavimentos, com área total de 4.000 mC, incluindo recepção.

TÉCNICA: edifícios correspondentes aos es-túdios de jornalismo, produção de TV, pro-dução de rádio, central técnica de televisão, central técnica de energia e caixa d’água, com área total construída de 6.400 mC.

PRODUÇÃO: edifícios correspondentes às centrais de criação e produção (Tecas), e fa-bricação e pintura de cenários (marcenaria), com área total de 9.100 mC.

Logo, a área total construída no campus da Fundação Padre Anchieta, no governo Lau-do Natel, foi de 19.500 mC. Como a área total construída do campus é de 28.000 mC, a con-tribuição no referido governo significou um acréscimo de 200%.

Quanto à qualidade da programação, a idéia geral é que se manteve a criatividade

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e a excelência originais, apesar de uma cer-ta diferenciação quanto à liberdade de crí-tica, contestação e ousadia ser sentida. A maior parte das modificações claramente identificáveis foram desdobramentos das ações pioneiras, típicas de uma instituição ainda em formação, caracterizando-se ba-sicamente pelo incremento das programa-ções infantil e jornalística.

Podemos destacar o prosseguimento do projeto da série Vila Sésamo e a transfor-mação do telejornal Foco na Notícia, até então semanal, em diário, ambos os fatos ocorridos a partir de 1972.

O incremento do setor jornalístico, aliás, fez surgir um “chefe de redação”, cargo ocupado pela primeira vez por Fernando Pacheco Jordão.

Página ao lado: Richard Nixon / John Lennon, progra-ma Foco na Notícia, animação de abertura, TV Cultura, SP, março de 1971.

Nesta página: Ted Kennedy, programa Foco na Notícia, animação de abertura. Estúdio do programa Foco na Notícia, TV Cultura, SP, março de 1971.

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o delicado ofício do jornalismo sob a ditadura

Eu entrei na TV Cultura em 1974. E por que eu fui pedir empre-go lá? Não foi porque eu estava precisando de emprego, quer dizer, eu estava precisando, eu tinha só a PUC e tal, mas por que aquele emprego? Porque eu assisti o “Hora da Notícia” e fiquei surpreso com o tipo de abordagem que eles davam às matérias. Eu fazia Ciências Sociais e falei assim: “Mas isso aqui é uma aula de Sociologia!” Eles explicavam por que havia uma greve, davam uma aulinha ali, dizendo o porquê. Num momento que havia uma censura muito grande pelas emissoras comerciais, e as emissoras comerciais, aliás, como até hoje, nunca contextua-lizam a notícia, dão flashezinhos, não é? A informação nunca tem começo, meio e fim, e lá eles faziam isso. E era a equipe do Fernando, do Vlado. E eu fui lá porque eu falei: “Eu quero traba-lhar nesse jornal!”

O Conselho da Fundação aparecia sim como obstáculo, princi-palmente no jornalismo. O nosso jornal dava traço de audiên-cia, não dava nada. Mas em televisão, quando uma parte do público, uma pequena parte do público, descobre que tem algo diferente, ela se move, ela se move. É pouquíssimo, são poucos, mas poucos quer dizer cem mil, duzentos mil. Hoje, em números de hoje, é 1%, 2%, quando dá 2% já começa a incomodar. E nós começamos. Então alguém já foi contar para o “Fulano” da fábrica tal que a TV Cultura fez uma matéria onde dizia que a fábrica estava tratando mal os empregados. E aí, esse cara, o dono da fábrica liga, isso é verdade, eu estou pondo um pouco de fantasia aí porque eu não me lembro dos detalhes, mas o fato é o seguinte: o dono da fábrica liga para o chefe da Casa Civil do Governo do Estado, o Henri Aidar, e o chefe da Casa Civil liga para o presidente da Fundação, para o presidente do Conselho, e há uma pressão sobre o jornalismo. Então, enquan-to tem pouca audiência ninguém liga, pode fazer um belíssimo trabalho, o jornal mais comunicativo, está bom o resultado. Quando começa a dar audiência, já incomoda alguém e a pressão chega. Então, o jornalismo vive uma situação de tensão muito grande nesse período...”

Laurindo Leal Filho (Lalo)

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Mesmo com a tensão, os jornalistas encon-travam maneiras de burlar o cerco da censu-ra e expor suas versões dos fatos.

Lourdes Rocha, programa Hora da Notícia, TV Cultura, SP, 21/08/1980; Azita Nascimento, programa Panorama, TV Cultura, SP, abril de 1980; Odair Batista, programa Hora da Notícia, TV Cultura, SP, abril de 1980; Márcio Falcão, meteorologista do programa Hora da Notícia, TV Cultura, SP, 21/08/1980; Irineu Silva, programa Hora da Notícia, TV Cultura, SP, abril de 1980; José Góes, programa Hora do Esporte, TV Cultura, SP, 21/08/1980; João Zanforlin, programa Hora do Esporte, TV Cultura, SP, 21/08/1980

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cinco minutos de medo

Tem uma que é famosa também. Quando o Médici indicou o Geisel, em 74, chegou o telegrama lá: “Olha aqui, gente, o que chegou!” Peguei aquilo, tomei o telegrama de todo mundo: “Dá esse telegrama aqui, vamos embora, vamos filmar!” Aí fui para a rua, e: “Vamos pro lugar mais perto, bastante movimentado.” Era a Lapa, o centro da Lapa, fomos para o centro da Lapa. E eu sempre gosto de câmera na mão, mas eu peguei a câmera: “Põe no tripé!” Fiquei com o microfone e o telegrama na mão. Aí parei uma pessoa de macacão: “Vem cá o senhor!” Peguei o telegrama e falei: “Lê esse telegrama pra mim aí!” Daí ele começou lá: “O presidente Gaaarraasta...” a maior dificuldade para ler, e já deu uma olhada para a câmera, “... indicou pra seu sucessor o general...”, aí leu e falou: “olha, eu estou com pressa”. E eu fiz um monte de depoimentos, todos eles apavorados, quando eles percebiam o que estavam lendo, eles ficavam apa-vorados. E eu falava assim, quando alguém lia até o fim, fala: “Bom, o que o senhor acha?” Ninguém queria falar. Naquele dia foi para o ar assim: “Hoje o general, o presidente Médici indicou seu sucessor...”, “nossa equipe foi para a rua, ouvir as pessoas...”, cinco minutos de medo.

Então, claro, numa matéria dessa eu ia para casa com um misto de uma felicidade grande e orgulho muito grande e ao mesmo tempo uma tensão... brutal! Estava mexendo, era uma boba-gem! Se for pensar, não era uma bomba, bobagem dessa da expectativa de derrubar a ditadura, não era uma bomba, não era nada... uma guerrilha, nada. A gente pegava no coração da coisa. Sem dizer nada.”

João Batista de Andrade

Acima: João Batista de Andrade, 24/10/1980.

Ao lado: Presidente Emílio Garrastazu Médici, outubro de 1969.

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um telejornal totalmente diferente

Quando a TV Cultura passou a ter uma programação diur-na, ela passou a emitir um telejornal na hora do almoço, no meio-dia, era o “Hora da Notícia 1ª Edição”, comandado pelo Fernando Pacheco Jordão. O telejornal “Hora da Notícia” era um telejornal totalmente diferente do que você vê hoje. Os recursos visuais eram pequenos. Então ele era baseado, embasado em muita pesquisa, não é? Um acidente de trânsito induzia você a pesquisar quanto... Vamos dizer, um acidente na Dutra, por que ocorre esse acidente na Dutra? Ela é um eixo de ligação entre duas grandes metrópoles, quantas pessoas circulam na Dutra? Quer dizer, qualquer mínima notícia era embasada numa pesquisa. Então o telejornal tinha um grupo de documentação e pesquisa. Havia um núcleo de documen-tação: uma jornalista e eu, que levantava a documentação – o telejornal tinha um arquivo independente da Cultura –, e tanto arquivava as matérias quanto cuidava da documenta-ção. Pensar hoje, em termos de 2005, naquele telejornal, era um telejornal que tinha teletipo, era um telejornal que tinha os recursos da época. Hoje com Internet, com tudo... Rádio-foto. Então fotos, slides, uma arte, uma ilustração, tudo isso compunha um telejornal, então havia um grupo grande.”

Célia Regina Ferreira Santos1 Um dos defensores dessa idéia é Laurindo Leal Filho, em seu livro Atrás das câmeras (1988), p. 53. 2 Relatório da FPA de 1972, p. 16.

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Alguns estudos apontam como exceção à continuidade do projeto de Sodré a produ-ção da novela Meu Pedacinho de Chão.B Ale-gam esses estudos que, ao produzir uma telenovela, a TV Cultura estaria adotando uma estratégia populista para transmitir seu conteúdo cultural. Contudo, o fato é que a teatralização de conteúdos pedagógi-cos era uma estratégia já do primeiro Cur-so de Madureza Ginasial. Ora, o relatório de 1972 aponta ser objetivo da novela “trans-mitir ao telespectador da cidade e do cam-po noções básicas de higiene, saúde, assim como alguns princípios de agricultura”,C assemelhando-se portanto a uma aula te-atralizada. O fato de Meu Pedacinho de Chão ter sido escrita por Benedito Ruy Barbosa, um promissor autor de novelas, também se liga à tradição da FPA de absorver os me-lhores talentos do mercado. Contudo, ao que parece, havia questões políticas gravi-tando em torno da novela, notadamente o choque da antiga equipe com figuras liga-das aos novos governantes.

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o que sobrava era para o resto

E, por fim, nós tivemos depois uma grande crise, que eu conside-ro que foi a ida do Benedito Ruy Barbosa como assessor especial para lançar uma novela chamada “Meu Pedacinho de Chão”. Houve uma mudança. O Natel, o Laudo Natel, assumiu, e o Be-nedito Ruy Barbosa foi para lá. Foi muito bem recebido. Eu achei que seria ótimo ter um produtor com esse aval do governador, muito bom. Só que ele simplesmente colocou a novela como a coisa mais importante e quebrou completamente o esquema. Por exemplo, tudo era para a novela, o que sobrava era para o resto, edição, uso de estúdio, uso de externa. E eu dentro daquela idéia rígida de equilíbrio, de manter qualidade nas coisas, come-cei a me sentir abalado completamente. Comecei a me opor. A novela, que era para ser uma novela educativa e de educativa tinha muito pouco, não é? Porque você espremia e achava muito pouco. Tudo era dado para a novela e eu comecei a questionar. Em dado momento, eles disseram que eu estava perturbando, que não estava dando, que seria bom eu mudar. Eu pedi demis-são do cargo, não me interessava nada. Isso foi em 71.”

Mário Fanucchi

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Também a programação escolar possui gran-de desenvolvimento quantitativo nesse pe-ríodo. Novos programas surgem, tais como a Tele Escola, Curso de Auxiliar de Administra-ção de Empresas, Curso de Auxiliar de Comér-cio Exterior, cursos de italiano, alemão etc. A duração diária da programação estrita-mente escolar passa de uma hora em 1969 para cerca de quatro horas e vinte minutos em 1975. Reconhecendo a qualidade dessa programação, o Projeto Tele Escola recebeu o Prêmio Japão, concedido pela NHK aos melhores programas educativos.

Nessa época, já ficava clara a posição da FPA como núcleo de experimentações que depois seriam utilizadas pelas emissoras comerciais.

Ao lado: Programa Tele Escola Ciências, TV Cultura, SP, 28/08/1973.

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Novela Meu Pedacinho de Chão, escrita por Benedito Ruy Barbosa, TV Cultura, SP, 1971.

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celeiro de idéias

É bom lembrar – esse é um ponto que eu sublinharia com tinta vermelha embaixo, assim – que a Cultura sempre foi uma espécie de celeiro de idéias, de renovações etc., e de, inclusive, formação de pessoal para as TVs comerciais. A Globo foi uma das emissoras que mais espertamente soube aproveitar isso tudo. Volta e meia, vínhamos a saber que tal ou qual pessoa da área técnica, da área de produção, da área de..., estava passando para a TV Globo. E aprovei-tou também uma porção de idéias, de projetos etc. que a Cultura desenvolveu pioneiramente, e que depois a Globo viu que isso era interessante e tratou de fazer também o seu curso pela televisão e tal e tal. Mas, na verdade, isso tudo começou com a TV Cultura. Muito antes de surgirem os projetos da Globo, a TV Cultura já fazia os seus fascículos num programa de colaboração com a Editora Abril, com outras editoras também.

O cidadão comprava na banca de jornais e revistas o peque-no fascículo do curso supletivo, por exemplo, mas era algo independente. Era um produto comercializado, explorado pela Editora Abril, tendo apenas a orientação, o trabalho da Cultura em dar-lhes as dicas sobre como fazer o fascículo etc. e tal. Essa parceria com entidades como a Editora Abril, como a própria Globo – “Vila Sésamo” foi um projeto feito em co-laboração com a Globo – estendeu-se a várias organizações também e foi muito bom, porque, afinal de contas, o que nós sabemos fazer bem é a televisão. Agora, fazer livros, imprimir fascículos, distribuir nas bancas, essa coisa toda não era ativi-dade da natureza daquilo que se fazia na Cultura. A Abril, àquele tempo, já adotava essa prática de oferecer, junto com os fascículos, também a capa à venda nas bancas, para a pessoa depois encadernar os fascículos. E daí, portanto, essa solução sempre encontrada de fazer uma parceria com essas organizações.”

Samuel Pfromm Neto

No dia-a-dia da emissora, contudo, a censu-ra se fazia presente. Se o espírito autoritário não chegou a penetrar no corpo de técnicos responsáveis pela programação, seus efei-tos com certeza causaram grande dor de ca-beça a todos, que tinham que criar artifícios para escapar das teias do censor.

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o perigo permitido da fórmula 1

Estávamos no segundo semestre de 75; foi quando a coisa disparou de vez. Já se vivia um tempo muito difícil ali dentro, com censores arbitrariamente a tirar programa do ar, mudar tudo. Para você ter uma idéia disso, e você sabe que é o maior elogio que eu posso fazer a um produtor extraordinário, não sei se alguém publicou isso já, mas é fato que eu vivi, meni-nos, eu vivi, eu não vi, eu vivi. Íamos transmitir um programa do Fernando de Azevedo, feito pela Heloísa Castellar, a esposa do Castellar. Chamava-se a série “Perfil de Educador”. E era entrevistado um grande educador, do seu próprio habitat, no seu ambiente, na sua casa, na sua instituição. Então lá foi He-loísa com armas e bagagens para a casa do Fernando, gravou tudo com ele. E no final do programa a Heloísa perguntava a todos os entrevistados a mesma coisa, e ela perguntou: “Dou-tor Fernando, uma última palavra para os nossos jovens, qual é a sua mensagem para os nossos jovens?” O Fernando estava sério, completamente sério, e com aqueles olhos apagados dele, ele não enxergava mais, ele olha para a câmera e diz assim: “Eu tenho uma mensagem sim: jovens, vivam perigo-samente! Nietzsche”, e encerrou o programa assim. O censor viu o programa, faltava uma hora, duas horas para o progra-ma entrar no ar, o censor viu e disse: “Esse programa não será transmitido.” Eu fiquei desesperado, eu tinha anunciado, o jornal trouxe matéria sobre esse assunto, o doutor Fernando é uma das maiores autoridades de educação do mundo, esse

programa está sendo esperado por tanta gente, e me doía muito pensar que o Fernando na casa dele estaria ali junto ao televisor, não vendo, mas ele ouviria o programa dele. E a coisa foi e veio, foi e veio, e o censor em cima: “Não, de jeito nenhum, isso é insurreição, isso aí é estimulo ao terrorismo...”, aquele besteirol todo. Eu falava: “Mas, olha, não está con-textualizado, ele está dizendo em outro contexto, qualquer palavra fora do contexto ganha um significado que bem se entende...” Foi, foi, foi e nós não conseguíamos convencer. Faltavam uns vinte minutos para o programa não ir ao ar quando o Palma Travassos entra na sala que eu estava e esse professor falou: “Professor Pfromm, você me permite dar uma sugestão?” “Pois não, Travassos...” “Eu tenho uma solução para o problema do censor.” Qual é a solução? “Nós vamos cortar a imagem, mas deixar o áudio e teremos uma solu-ção pra isso. E faremos isso, isso, isso. Eu vou, eu vejo já isso.” Então vai, corre, corre, pega a fita, o Travassos vai lá na edição, tchan, tchan, tchan, chamamos o censor, fomos lá com o censor, o doutor Rui também, vamos ver como ficou: “Doutor Fernando, o senhor tem alguma mensagem para os jovens?” Fernando no áudio: “Jovens...”. Imagem: o Fittipaldi numa corrida... vrummm (imitação de som de carro acelerando) “... vivam perigosamente”. Fecho “Perfil do Educador”. Aí o censor disse: “Agora está bom, agora podem pôr o programa...” E o programa foi transmitido.”

Samuel Pfromm Neto

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A Cultura do período Laudo Natel asseme-lhava-se um pouco ao próprio governo do seu titular, indicado pelo poder militar a um colégio eleitoral submisso. Não tinha brilho, mantinha uma liberdade aparen-te, apesar das constantes intervenções do chefe da Casa Civil, Henri Aidar. Contudo, a estrutura da Fundação era de tal manei-ra sólida e coerente que a atividade-fim, isto é, produzir programas de rádio e televisão, prosseguiu e até mesmo evoluiu.

Ao lado: Programa Perfil do Educador, TV Cultura, SP, 26/07/1973.

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Vladimir Herzog, TV Cultura, SP, 09/10/1975.

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Governo Paulo Egydio: o trauma da violência num espírito liberal

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U m novo cenário político atingiu a TV Cultura em março de 1975, com a pos-se do novo governador do Estado, Paulo

Egydio Martins. Vivia-se então a promessa de distensão política nas mãos do general Ernesto Geisel (que tomara posse em março de 1974) e Paulo Egydio mostrava-se ligado a grupos mais liberais que seu antecessor, grupos estes nos quais vamos encontrar muitos “sodrezistas”, incluindo o empresariado culto que há déca-das movimentava a cena cultural da cidade.

Mais do que nunca, esse empresariado ilus-trado paulista foi chamado para compor o go-verno, no qual vamos encontrar Olavo Egydio Setúbal (que fora vice-presidente da FPA na gestão de Coutinho Nogueira) na Prefeitura da capital; José Mindlin na pasta da Cultura (subs-tituído depois por Max Feffer); e José Bonifácio Coutinho Nogueira na pasta da Educação (na qual foi um dos responsáveis pela criação da Unesp). Menos de três meses após a posse de Paulo Egydio, em junho de 1975, Antonio Gui-marães Ferri foi substituído na Presidência da Fundação por Rui Nogueira Martins.

Paulo Egydio Martins, ex-ministro de Castello Branco, ex-presidente da UNE e bastante ami-go de Geisel, seria, pela Constituição, o último governador a ser eleito indiretamente para o cargo. Vigorava uma emenda constitucional que havia prorrogado o prazo dessa iniciativa para 1978. Geisel, desde o início de seu gover-no, um ano antes, demonstrava intenções de promover a reabertura do regime.

Com Paulo Egydio, vinte e um governadores foram empossados em 15 de março de 1975, mas importantes jornais, inclusive a Folha de São Paulo, preferiram dedicar suas man-chetes à passagem do general português An-tónio de Spínola por São Paulo, em direção à Argentina. Uma tentativa de golpe em Portu-gal resultara no exílio de Spínola e na radica-lização da Revolução dos Cravos.

A conjuntura no dia da posse de Paulo Egydio estava calma. O aeroporto de Con-gonhas fechava a pista às 22h para tran-qüilidade dos vizinhos.

Mas outubro foi um mês terrível para a Fun-dação Padre Anchieta. Desde muito cedo, a programação da TV Cultura, que veiculava freqüentemente documentários – quase sem-pre gratuitos e de boa qualidade – produzidos pelos países do Leste Europeu comunista, era acusada de fazer proselitismo do regime sovi-ético. A existência, em seus quadros de funcio-nários, de expoentes da inteligência paulista e brasileira, muitos deles de esquerda, apenas agravava a situação. A ameaça de ações re-pressivas mais duras pairou sobre a emissora durante todo o período ditatorial.

Em 1975 a situação chegou ao limite. O en-tão secretário de Estado da Cultura, Ciência e Tecnologia, o liberal José Mindlin, teve de ir a público defender a equipe de jornalismo da TV Cultura, acusada de fazer propaganda comunista em seus noticiosos. O fogo vinha da Assembléia Legislativa paulista, onde o deputado Wadih Helú “denunciava” que a Cultura fazia propaganda do comunismo em vez de promover o Governo do Estado.

Nesse período, Vladimir Herzog, jornalista que estivera com Fernando Pacheco Jordão es-tagiando na BBC e realizara um brilhante tra-balho na TV Excelsior, recebeu o convite para dirigir o setor de jornalismo da FPA. A vinda de Herzog para a TV Cultura era coerente com a postura de atrair os melhores profissionais e manter a excelência da programação. Mas Vlado, como era chamado, tinha posições de esquerda, o que se chocava frontalmente com a “linha dura” do regime que apertava o cerco contra a FPA. Em outubro desse mesmo ano, tendo se apresentado ao DOI-Codi, atendendo a uma intimação, Vlado foi detido e torturado até a morte.

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o episódio vlado, em depoimento de demétrio costa

O jornalista Demétrio Costa acompanhou bem de perto os fatos que resultaram na morte de Herzog. Em trechos de seu depoimento ao Cen-tro de Memória Audiovisual da FPA, ele reme-morou esse trágico evento, começando com a volta de Vlado à Redação da TV Cultura.

“Voltou o Vlado e vários dos que estavam com o Walter Sampaio saíram. Fiquei trabalhan-do com ele... tive o prazer de trabalhar com o Vlado, com Markun, com o Weiss... já existia uma primeira crise contra o Vlado por conta de uma matéria sobre o Vietnã. Seis anos de-pois da morte do Ho Chi Minh, o Vietnã podia comemorar sua data nacional... era um docu-mentário da Visnews muito simples que fala-va disso. Foi o suficiente para desencadearem uma campanha pelos jornais, especialmente o “Shopping News”, que existia naquela épo-ca... o grande porta-voz, acusando a TV Cultura de TV Viet. A chegada do Vlado já estava com esse ambiente todo preparado. Coincidiu tam-bém com o momento político que o país vivia, era uma divisão entre os que queriam abrir e os que queriam fechar, quer dizer, entre a turma do ministro Silvio Frota e a turma do próprio Geisel e do Golbery, que tentavam abrir. São Paulo acabou sendo o palco desse confronto, da medição de forças entre essas duas correntes dentro das Forças Armadas.”

aumenta a pressão

“... na semana de 20 a 25 de outubro a coisa começou a ficar mais pesada. O Weiss teve que sumir porque ele estaria sendo procura-do, o Markun chegou a ser preso... o Konder estava preso. Então, o Vlado começou a ficar realmente muito aflito, sabia que eventual-mente também era um dos alvos, e naquela sexta-feira, 24 de outubro, à tarde, o Vlado chegou na Redação... Nós nos revezávamos

nos fins de semana... E, na verdade, aquele fim de semana seria minha folga. Ele veio e me propôs se eu podia fazer para ele aque-le fim de semana, que ele estava realmen-te muito abalado. Ele queria passar um fim de semana na chácara, com a Clarice e os fi-lhos. Eu disse: “Sem problema, Vlado.” Isso foi à tarde. Bom, fechamos o Jornal e, à noi-te, como ele fazia habitualmente, ele foi acompanhar a transmissão do Jornal. Fica-mos ele e eu no switcher. Uns cinco minutos antes de terminar o Jornal, ele disse: “Clarice deve estar chegando daqui a pouco. Eu vou descer e passar na cantina, na lanchonete, comer alguma coisinha, depois vou para a chácara.” Terminou o Jornal, eu desci em direção ao Telejornal, que hoje é a Manu-tenção Elétrica, saindo do corredor do estú-dio, encontro o Vlado, o Chico Falcão e dois monstros, literalmente monstros, “guarda-roupas”, de óculos...”

discutindo e usando a criatividade

“E não sei de onde que o Chico Falcão encontra-va força para falar com a autoridade que ele fa-lava... Não sei se nessa hora o sobrenome dele, o sobrinho do ministro Armando Falcão, porque realmente foi quem peitou esses dois gorilas. Ti-nha um terceiro na porta... (Chico Falcão dizia) que o Vlado não poderia sair porque tínhamos que fazer um programa que era de interesse do governador. Ele criou uma história naque-le momento que eu achei muito bem imagina-da e que eu fui sustentando, que o Vlado não poderia se retirar daqui, porque eles queriam levá-lo simplesmente naquele momento. Sorte que foi aqui dentro da emissora, então, de certa forma, a gente estava um pouco mais ampara-do. De repente, consultaram o superior... E, com isso, conseguiu-se que o Vlado voltasse para a Redação, com o pretexto de que ele só poderia sair se tivesse alguém para assumir a função dele como responsável.”

De cima para baixo: Luis Weis; Chico Falcão; Paulo Markun.

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articulação

“Foi o tempo, claro, para todo mundo se arti-cular, ligar para o Rui Nogueira Martins, ligar para esse, ligar para aquele, para o secretá-rio, para o Mindlin. Houve uma grande arti-culação naquilo e eu fui para a Redação com o Vlado, com a Clarice (que chegou) antes da gente voltar para a Redação... Mas eu nunca inventei tanta notícia, falando do presidente Geisel, tudo que eu tinha na cabeça eu sen-tava e ia escrevendo... Enquanto isso, a Clari-ce num canto da Redação, o Vlado também. E como eu disse até num depoimento para o jornal “Ex”, que saiu logo depois disso aí, na verdade, a própria Clarice parecia mais tran-qüila do que eu naquele momento, parecia... Mas a nossa sensação era que o Vlado sairia. De qualquer forma, aquela nossa resistência seria uma forma de demonstração de força para tentar ampará-lo até onde era possível. Às onze e pouco da noite, veio a notícia de que eles concordaram, então, que ele podia se apresentar no dia seguinte...”

o dia seguinte...

“... na manhã seguinte, ele se apresentou ao DOI-Codi. Eu vim trabalhar normalmente. À tarde, o Paulo Nunes, que era o setorista no 2º Exército, disse que o Vlado tinha pres-tado um depoimento, mas que não seria li-berado antes de segunda-feira. Até onde era possível, a gente ficou de certa forma tran-qüilo. Bom, foi com o advogado, foi na hora que foi combinado e tudo mais. Enfim, exis-tiam outras pessoas lá, o próprio Rodolfo, o Markun...

Saí, fui para casa... Meia-noite, meia-noite e quinze por aí, toca o telefone, eu atendo, era o Sandro, que trabalhava na Redação na parte de rádio. O Sandro me liga chorando: “Você não acredita: mataram o Vlado! Ma-taram o Vlado!” E era um período de luta.

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José Mindlin, novembro de 1983.

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Foi um período realmente de muita tensão, de inconformismo, de dor. A essa altura, todo mundo que trabalhava conosco se mobilizou. Depois começaram a chegar outras pessoas.”

O CMA (Centro de Memória Audiovisual) da Fundação Padre Anchieta gravou em ju-lho de 2005 um impressionante depoimen-to de José Mindlin. Os trechos extraídos em seguida narram os episódios que cercam a prisão e a morte de Vladimir Herzog.

posicionamento

“... como eu era contra o regime militar, eu só aceitei a Secretaria com o compromisso de que, se não houvesse abertura, eu sairia. E, de fato, só fiquei um pouco menos de um ano na Secretaria, porque houve vários episódios que desencorajaram a minha presença. O primei-ro foi a morte do Vladimir Herzog, depois a do Manoel Fiel Filho e, em seguida, a idéia do Pau-lo Egydio de fazer a Fundação Anchieta voltar para a Secretaria do Governo. Aquilo foi a gota d’água que me fez sair, porque eu não queria que ela fosse incluída na Secretaria, mas, uma vez que tinha sido, eu não podia concordar com a retirada.” o serviço nacional deinformação avaliou vlado

“Eu tive que pedir a anuência do SNI. Naque-la época, para cargos de certo nível para cima, só se podia fazer com o acordo do SNI. Então, liguei para o coronel chefe do SNI. Ele me pe-diu meia hora para fazer uma verificação e me telefonou de volta dizendo que não havia objeção, que o Herzog na mocidade tinha tido uns laivos comunistas, mas que era coisa sem maior significação, de modo que estavam de acordo. E eu comuniquei isto ao Paulo Egydio e a nomeação demorou quase um mês. Eu creio que por causa da pressão das pessoas que am-bicionavam o cargo. Mas foi nomeado.”

Surgiram problemas a partir de comentá-rios na mídia que ecoam no Palácio dos Ban-deirantes. Mindlin reproduz a conversa que teve com um coronel:

Coronel - “Olha, eu acho que ele está muito mal orientado, porque imagine que no próprio dia da posse ele apresenta um programa sobre Ho Chi Minh.”

Mindlin - “Se ele apresentou um programa no próprio dia da posse, evidentemente não foi de-cisão dele. Era uma coisa que já estava preparada, de modo que eu acho que seria uma injustiça demiti-lo por uma coisa dessa e ninguém se fortalece com uma injustiça.”

Coronel - “Não, eu não estou pedindo que demita. Depende do grau de risco que o senhor esteja disposto a assumir.”

Mindlin - “Olha, eu não tenho medo de assumir responsabilidades, mas neste caso a responsabi-lidade é indireta, porque a Fundação Padre Anchieta tem uma administração autônoma.”

Coronel - “Não, mas para nós, o chefe, o responsável é o senhor!”

Mindlin - “Bom, vamos ver, o que é que o senhor deseja? O senhor gostaria de um DIP?...”

O DIP (Departamento de Imprensa e Propa-ganda) foi o órgão de propaganda do Estado Novo durante a ditadura Vargas. Criado em 1939, era totalmente voltado ao culto da per-sonalidade do ditador e ao cultivo dos “valores pátrios”, inspirado nos órgãos de propaganda do regime nazista alemão do período.

Coronel - “Não, eu não, mas o general talvez até gostasse.”

Mindlin - “O senhor disse que ele está mal orientado, na realidade ele não recebeu orientação ne-nhuma. Eu vou pedir que ele procure o senhor. O senhor dê a ele a orientação que o senhor acha adequada. Se ele aceitar e não cumprir, aí é outra situação. Se quiser demitir, é compreensível.”

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“E eles tiveram essa conversa e parece que o Herzog resolveu aceitar as ponderações dele e limitar à informação jornalística pura e sim-ples, sem comentários...

E aí a coisa continuou com vários telefone-mas achando que o programa realmente não tinha graça. Mas aí já tinham começado algumas prisões de jornalistas.”

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Henry Sobel (à esq.) e Marcelo Rittner, rabinos da Con-gregação Israelita Paulista, na oração fúnebre hebraica “El Malé Rachamin”, Catedral da Sé, em memória do jornalista Vladimir Herzog, SP, 31/10/1975.

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a prisão e a morte de herzog

“... passa uma semana, dez dias, eu volto aos Estados Unidos uma sexta-feira à noite, e o Paulo Egydio foi para Paraguaçu. Eles vão e prendem o Herzog, aproveitando a au-sência de nós dois, que deveríamos ser con-sultados, um ou outro, antes de qualquer providência.

Aí, o Rui já estava de volta, foi ao DOI-Codi, creio que com o Rui Mesquita e mais um amigo, e conseguiram que o Herzog se com-prometesse a prestar declarações no dia seguinte...

E aí deu-se a tragédia. Eu acho que foi um, (se é que) se pode usar a expressão numa coisa dessas, um “acidente de trabalho”. Eles não pretendiam matá-lo. Mas o Herzog era uma criatura frágil e provavelmente na hora em que ele reagiu rasgando uma confissão que eles tinham preparado para ele assinar, eles se enfureceram e ele não resistiu.

Mas foi o ponto nevrálgico do começo da abertura.

De modo que toda a tragédia não foi em vão. Ele realmente detonou o processo de abertu-ra que ainda demorou, mas que teria demo-rado provavelmente ainda mais.

O rabino Sobel foi muito corajoso, ele tinha chegado há pouco tempo dos Estados Uni-dos, e ele permitiu que o enterro fosse na sepultura normal, não na ala dos suicidas, com o que ele contestou a versão do suicídio no momento mais perigoso...

Aquilo foi uma experiência trágica, mas eu acho que consegui enfrentar com pondera-ção e dignidade, mas não podia continuar no cargo. Eu estava no cargo não por ambi-ção política, eu não tinha nenhum interesse.

Tanto que eu fui muito mais festejado na sa-ída do que quando eu tomei posse, porque muita gente não entendeu por que eu tinha aceitado.”

lembrando vlado: o depoimento de fernando pacheco jordão

Quando a TV Cultura entrou no ar, em 1969, o jornalista Fernando Pacheco Jordão era um dos produtores da emissora. Produzia teleaulas, programas musicais e chegou a dirigir Happy End, um teleteatro. Depois, implantou o telejornalismo. Voltou em 1982, por breve período, para coordenar a progra-mação de TV. Em trechos de seu depoimento ao CMA, gravado em junho de 2005, Jordão recorda como, num primeiro momento, Vla-do chegou à emissora.

“Nós trabalhamos juntos aqui no Estadão, depois na TV Excelsior. Fomos trabalhar jun-tos em Londres na BBC e de lá voltamos jun-tos para ir para a TV Cultura. No início, só eu fui. Fui ser produtor na TV Cultura, depois fui criar o Departamento de Telejornalismo, coisa que a gente conseguiu fazer em 72. E aí eu trouxe o Vlado. (Ele) se dividia entre a TV Cultura e a revista “Visão”, onde ele era edi-tor de Cultura.”

O Vlado vinha todo dia, no fim do dia, ele lar-gava a “Visão” no fim do dia e ia lá para a Água Branca para fechar o Jornal, junto co-migo, o “Hora da Notícia”.”

Em 1974, Fernando Pacheco Jordão foi demi-tido da Fundação Padre Anchieta.

“Não, é que eu já tinha um passado. Eu já ti-nha tido episódios na TV Cultura ligados a programas didáticos principalmente, que, se-gundo eles, tinham causado problemas com o Consulado Americano e com o Exército.

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Foi muito repentina, me foi comunicado no corredor que eu não trabalhava mais lá. De repente, o presidente da Fundação me parou para conversar sobre equipa-mento. Estranhíssimo. Para conversar que o equipamento ia chegar na semana se-guinte. Quer dizer, para dar boas notícias, e no meio da conversa, ele faz uma pausa: “Aliás, eu devo comunicar ao senhor que o senhor não trabalha mais aqui.” E acres-centou que eu estava sendo demitido não por vontade dele, mas se eu repetisse isso lá fora, ele desmentiria, e que era uma pressão dos militares. Isso daí é uma coi-sa interessante, porque, na época, havia muitas situações em que as pessoas de fato alegavam pressão dos militares que ou não existia ou era exagero.

Mas eu fui lá nos arquivos do Dops recente-mente e descobri que era verdade. Quer dizer, não havia nenhum documento dos militares pedindo a minha cabeça, mas quando eu fui demitido, havia referência ao fato da comu-nidade de informações, como eles se chama-vam, estar há muito tempo reclamando da TV Cultura, da minha presença lá dirigindo o Telejornal. A minha presença, mais a do Vladimir Herzog e a do João Batista de An-drade, Jorge Bordokan... e punha lá os nomes todos.”

Tempos depois, Vladimir Herzog sai da emissora, bem como outros membros da equipe montada por Jordão. Em 1975, Vlado volta à TV Cultura como responsável pelo jornalismo. Jordão lembra de conversas que tiveram nessa época.

“(Ele) contava das dificuldades de trabalho, dificuldades políticas, principalmente. Isso ele me contava muito. E eu recomendava muito a ele ter paciência e, principalmen-te, eu dizia a ele: “Vlado, eu fiquei aí anos, anos, esperando para poder fazer um Jornal

e depois mais alguns anos tentando fazer uma coisa decente. Vai com calma...” E o Vla-do era um sujeito muito sensato.

É, hoje já está plenamente provado, compro-vado, pelos depoimentos do Mindlin (que era o secretário da Cultura), do Paulo Egydio Martins, que foi governador do Estado, de que havia toda uma movimentação mili-tar para derrubar o Mindlin, o Paulo Egydio, para chegar até no próprio Geisel, que era o presidente. Era um movimento de golpe pesado, abrangente. O Vlado foi esmagado nisso. Foram esses fatores externos. Ele foi ví-tima disso.”

Sobre as matérias veiculadas no Hora da Notícia:

“Claro. Aquelas matérias não derrubariam ninguém, nem naquela época, nem hoje.”

Após as rumorosas mortes de Vlado e do operário Manuel Fiel Filho no DOI-Codi pau-listano, Paulo Egydio solicitou providências do presidente Geisel para que a tortura se-guida de assassinato deixasse de ser com-portamento institucional em São Paulo. A violência dos órgãos de repressão policiais e militares era promovida, naquela metade dos anos 70, por grupos da chamada “linha dura”, que se opunham ao grupo do general Geisel. Para o general presidente, enfraque-cer a linha dura representava também for-talecer o poder do grupo moderado do qual fazia parte. Os excessos da repressão em São Paulo, divulgados por uma imprensa cada vez mais ousada e combatidos pelo próprio governador do Estado, deram ao presidente a base para agir contra os grupos militares que o afrontavam: em janeiro de 1976, Gei-sel demitiu o todo-poderoso comandante do Segundo Exército, um dos líderes da li-nha dura, fato inédito naquela conjuntura política.

A postura assumida por Paulo Egydio, de combate explícito à repressão, representou um sacrifício político não declarado, mas conseqüente: ele não seria jamais o primei-ro candidato civil do movimento militar de 64. Por mais que fosse da confiança de Gei-sel, esse jovem governador havia ajudado a derrubar um comandante de exército para manter a honra de São Paulo, de um jor-nalista judeu, comunista, e de um simples operário.

Voltando à Fundação Padre Anchieta, no mês seguinte aos trágicos eventos com Vla-do, novembro de 1975, a dupla Nydia Lícia e Pfromm Neto deixou seus cargos, que pas-saram a ser ocupados por Walter George Durst (Cultura) e Oswaldo Sangiorgi (Educa-ção), este um veterano da TV Escolar de 1961, absorvido pelo projeto de Sodré em 1967.

Rui Nogueira Martins, porém, não comple-taria um ano na presidência, sendo substi-tuído em fevereiro de 1976 pelo professor Soares Amora, literato renomado, professor da Universidade de São Paulo e intimamen-te ligado ao projeto original de Abreu Sodré na FPA.

Apesar do trágico episódio de Vladimir Her-zog, a conjugação de novos tempos na po-lítica nacional – que culminariam com a revogação do AI-5 em 1º de janeiro de 1979 – e do governo liberalizante de Paulo Egydio iria trazer mudanças na Fundação Padre Anchieta.

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amora, um conciliador culto que amou a fpa até o fim

Em março de 1976, o professor Soares Amo-ra foi empossado como quinto presidente da Fundação Padre Anchieta. Sua presen-ça, conciliadora, tranqüila, mas de profunda densidade cultural, daria o tom aos novos tempos por que o país passava.

Novos tempos na FPA que se traduziam também na sua estrutura jurídico-adminis-trativa. Em 1976 tentou-se implantar uma reforma organizacional, submetendo as antigas Assessorias de Cultura e Educação – transformadas agora em Departamentos – a uma Coordenadoria de Programação de TV, que pensaria o conteúdo dos programas veiculados de maneira única. Quebrava-se assim o isolamento das antigas Assessorias, as quais, tudo indica, produziam seus pro-gramas de forma relativamente autônoma. Contudo, ao tomar a forma de colegiado, não havendo um coordenador que coman-dasse todos os departamentos, a Coordena-doria de Programação de TV implantada em 1977 aparentemente não permitiu mudan-ças profundas nos procedimentos da FPA.

primeira reforma dos estatutos depois do período sodré

Em 1978 ocorreu uma reforma dos esta-tutos da FPA, a primeira desde a criação da Fundação, a qual visava consolidar a reengenharia administrativa implanta-da dois anos antes, com a criação da Co-ordenadoria de Programação de TV. A alteração buscava fundamentalmente re-definir a função do presidente e criar no-vas coordenadorias. O Decreto Estadual nº 11.184/1978 altera os artigos 19, 22 e 23 do Estatuto de 1968, que passam a ter a se-guinte redação:

“Art. 19. Ao diretor presidente compete, principalmente:

...

c) receber bens, doações e subvenções des-tinados à Fundação e movimentar com o Coordenador Administrativo as respectivas contas bancárias;”

“Art. 22. A Diretoria Executiva será assessora-da por 4 (quatro) Coordenadorias: de Admi-nistração, de Engenharia, de Programação de Rádio e de Programação de Televisão.”

“Art. 23. Incumbirá às coordenadorias:

a) Coordenadoria de Administração: a su-pervisão e o controle da Assistência Jurídica, dos Departamentos Financeiro e Adminis-trativo e suas respectivas subdivisões;

b) Coordenadoria de Engenharia: a super-visão e o controle dos Departamentos de Eletroeletrônica e de Obras e Conservação e suas respectivas subdivisões;

c) Coordenadoria de Programação de Rádio: a supervisão e o controle do Departamento de Rádio e respectivas subdivisões, exceto no que se refere às operações e a manuten-ção da seção de sonoplastia, que ficarão sob a responsabilidade da Coordenadoria de Engenharia;

d) Coordenadoria de Programação de Te-levisão: a supervisão e o controle dos De-partamentos de Programação, Produção, Cenografia, Arte, Cultura, Ensino, Tele-jornalismo, Esportes e suas respectivas subdivisões.

Parágrafo Único. A contratação de coorde-nadores será feita pela Diretoria Executiva, após a aprovação do Conselho Curador.”

Professor Antônio Soares Amora, TV Cultura, SP, 1976.

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vox populi não chegou a ser a voz de deus, mas começou a ser a voz da tv cultura

Com relação ao conteúdo da programação, a volta do grupo “sodrezista” ao controle da Fundação, aliada à tendência liberal de Paulo Egydio e seu secretariado, represen-tou um sopro de liberdade aos programas da FPA, que adquiriram a ousadia dos tem-pos do Jovem Urgente.

Sem dúvida, essa nova liberdade se ins-taurou mais perceptivelmente no De-partamento de Telejornalismo e o maior representante desses novos tempos é o programa dominical de entrevistas Vox Po-puli, que foi pela primeira vez ao ar em ou-tubro de 1977.

Fruto da iniciativa do secretário estadual da Cultura, Max Feffer, que convidou Roberto Muylaert para produzir programas na FPA, Vox Populi era um programa altamente ino-vador, no qual a equipe de produção saía à rua gravando perguntas de populares que depois eram exibidas para o entrevistado. Porém, ele constituiu uma notável exceção, na medida em que, no geral, a programação da TV Cultura continuou a repetir a fórmu-la de aliar o conteúdo erudito a uma forma contemporânea, vanguardista.

A feliz associação de Feffer e Muylaert gera-ria um fato que teria profundas repercussões na história da TV Cultura e da FPA: a entrada na Fundação de Carlos Queiroz Telles.

Regina Duarte, programa Vox Populi, TV Cultura, SP, 1977.

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Cel. Antônio Erasmo Dias, programa Vox Populi, TV Cultura, SP, 06/09/1977.

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queiroz telles e o “vox populi”

Em 1977, o poeta Carlos Queiroz Telles, também dramaturgo e publicitário, um dos criadores do Teatro Oficina, foi pro-curar o Walter George Durst, chefe do Departamento Cul-tural da emissora, na tentativa de ter um de seus textos produzido para o destacado programa de dramaturgia “Teatro 2”. Errou de porta e encontrou Roberto Muylaert, seu antigo colega do Colégio São Luiz. Logo no encontro foi convidado por Muylaert para trabalhar na RMC (Roberto Muylaert Comunicação), que tinha um contrato de pres-tação de serviços com a TV Cultura, para fazer um estudo detalhado da programação, com propostas de alterações, num momento em que a emissora produzia e gastava muito pouco.

Conforme deduzimos do relato do próprio Queiroz em seu li-vro “Tirando de letra”, a Cultura, na época, era conduzida por um grupo de dirigentes de áreas afins como Cultural, Ensino, Jornalismo, Esporte, Produção, Cenografia e Arte, Operações e Técnica. O grupo era conhecido e reconhecido pelo título “As Frenéticas” e sempre escolhia um de seus membros para a coordenação. Numa das reuniões, a RMC apresentou duas idéias do Queiroz: um programa que debatia a mídia, “Quem se comunica?” (1977/1979), apresentado pelo criador, e o lendário “Vox Populi”, programa de entrevistas que teve papel relevante na volta da democracia ao Brasil. O progra-ma utilizava de forma inovadora o “chroma-key” e introdu-zia questionamentos diretos do povo ao entrevistador.

Queiroz trabalhou na Cultura como funcionário da RMC até o fim de seu contrato em 77, depois ficou na casa como fun-cionário, para assessorar a Presidência em assuntos de pro-gramação. Realizou no período a “História da Telenovela”, baseado em pesquisa já realizada no Idart. Depois realizou e apresentou “História da Telenovela - Novos Rumos”.

O primeiro entrevistado do “Vox Populi” foi nada mais nada menos que o polêmico secretário da Segurança Pública, co-ronel Erasmo Dias. Se a escolha do coronel como que “sacra-mentava” o programa aos olhos do regime, garantindo sua exibição, a tensão daqueles dias e daquele personagem em particular, célebre pela truculência, causou efeitos curiosos...”

Jorge da Cunha Lima

Páginas seguintes: Olavo Egydio Setúbal, 1984; Reynaldo de Barros, 19/12/1980; José Sarney, 02/04/1980; Paulo Egí-dio Martins, 1978 - Programa Vox Populi, TV Cultura, SP.

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todo mundo respirou aliviado

Então o “Vox Populi” passou a ser um atrativo para o públi-co. Imagine: gente respondendo pergunta do povo numa hora em que o povo não falava, muito menos os jornalistas falavam. Então nós começamos com o Erasmo Dias.

Agora, o que foi interessante é que o Erasmo Dias era muito bravo, repreendia, ele mesmo falava, repreendia, arrebenta-va, não sei mais o quê; quando ele chega no estúdio eu vejo todos os cameramen, os diretores de TV, eu mesmo, meio lívidos, meio em pânico ali, de que ele pudesse interromper na primeira pergunta e jogar tudo para o alto. E havia uma pergunta que a gente tinha feito, eu andei junto, por acaso, com a equipe naquele dia, e num bar ali na Lapa tinha um italiano que falava: “Por que você prende todo mundo? E fica esse negócio, ninguém tem defesa, direito de defesa...”, e nós deixamos. Mas na hora H que o programa começou: “Ai meu Deus, o que ele vai fazer com a pergunta do italia-no?”. Hoje parece piada, mas naquela época era uma coisa séria. E ele estava de bom humor e foi respondendo, 1, 2, 3; aí chegou... “Por que você prende todo mundo?”; ele olhou aquilo e deu risada. Quando ele deu risada todo mundo respirou aliviado.”

Roberto Muylaert

Após a estréia, um dos primeiros entrevis-tados foi o então jovem líder operário do ABC paulista, Luiz Inácio da Silva, de ape-lido Lula. Apesar do aval do Governo esta-dual, o programa não escapou da repressão que ainda se fazia sentir na época.

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as fitas no banheiro

Então esse “Vox Populi” com o Lula é um dos programas memo-ráveis da história da TV Cultura, e a gente gravou esse programa. Mas nós estávamos na ditadura. A gente gravava o programa sexta e ele ia ao ar no domingo. E foi gravado o programa, mas a Cultura recebeu a proibição, a ordem de que o programa não podia ser transmitido, e os censores vieram para apreender as fitas. Eram fitas quadruplex, pesavam uns dez quilos cada fita, uma fita grande e tal, e eram duas fitas, o primeiro bloco e o segundo bloco do programa. E nós, eu me lembro que a gente se escondeu no banheiro masculino – embaixo do arquivo de fitas, você descia uma escadinha, tinha o banheiro masculino –, e a gente se escondeu dentro do arquivo, dentro do banheiro, com as duas fitas, enquanto Queiroz Telles e a Presidência da TV Cultura, que eu acho que era o Amora, negociavam, tentavam negociar a liberação do programa. E a liberação do programa foi obtida com uma gravação do ministro Arnaldo Prieto dizendo que a greve era proibida, tal, tal, tal. Então foi dito assim: “Entra o Lula só se entrar antes o Arnaldo Prieto dizendo que a greve, dando a versão oficial sobre a greve tal, tal...”. E isso foi feito. Foi gerado de Brasília, gravamos e entrou e tal. Mas enquanto não se resolvia, eu fiquei no banheiro com as fitas para evitar que o censor levasse as fitas. Então a fita não foi encontrada enquanto a gente não liberou.”

Célia Regina Ferreira Santos

Luiz Inácio Lula da Silva, programa Vox Populi, TV Cultura, SP, 12/05/1978.

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E não era só o Vox Populi que sofria com a ação da censura, todo o setor de jornalismo sofria controle rígido dos órgãos de repressão.

era uma loucura total

Havia um programa já, especial, “Interação”, que foi um pro-grama que eu criei em 77, foi em 77, era um programa sema-nal apresentado pelo Ramos Calhelha, onde nós pegávamos também uns três ou quatro temas internacionais e dávamos um tratamento interpretativo. Então por que está acontecendo isso, tinha acontecido aquilo, a crise do petróleo, essa coisa toda, a nova crise do petróleo. Então fazíamos um programa, acho, bem interessante, de análise internacional, que era um território supostamente menos movediço. Mas não tanto, tanto que o “Interação” também acabou saindo do ar. Claro que na época deram também uma outra desculpa política, entrou até nas contenções; mas saiu do ar, na verdade, depois de um programa, quando o comandante Zero tomou o Congresso da Nicarágua, isso em 77. E nós fizemos uma análise onde se colocava que quando a guerrilha toma o próprio Congresso é que o sistema já está suficientemente podre e não vai se sustentar. Mas Somoza ainda não havia caído. Não deu outra, esse programa foi para o ar – foi o Laurindo Leal, inclusive, que editou essa matéria – e, claro, veio a bronca, queriam apreender o programa, essa coisa toda. Já tinha ido ao ar, mas, enfim, levaram. Eu insistia feito um bobo. Eu não sabia do que se tratava, falei: “Mas como? Mas o que é que eles viram nesse programa?” E claro, nessa aí o Amora me deu a resposta, claro. “O que eles viram foi isso. Quer dizer, se os guerrilheiros tomam o Congresso da Nicarágua, quem sabe não tomem também o Congresso no Brasil...”. Era uma loucura total, mas, enfim, foi o réquiem do “Interação”. O “Hora da No-tícia Reportagem”, depois de um certo tempo, também por esse desgaste, ao qual se juntou também uma daquelas crises finan-ceiras, foi cortado também, a pretexto de economia. Então foi quase que uma guerrilha para fazer jornalismo nesse período.”

Demétrio Costa

Como não poderia deixar de ser, Vox Populi foi notado desde a estréia, ganhando já em 1977 o Prêmio APCA de melhor programa jornalístico e recebendo vários prêmios nos anos seguintes.

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festival internacional de jazz

Outro marco da programação do período é o Festival Internacional de Jazz de São Pau-lo, realizado no Palácio das Convenções do Anhembi de 11 a 18 de setembro de 1978, o qual colocou o país no mapa das grandes apresentações de música do mundo, levan-do também ao conhecimento do público in-ternacional nomes como Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti.

Iniciativa, em grande parte, do secretário de Estado da Cultura, Ciência e Tecnologia, Max Feffer (que substituíra Mindlin em 1976), o Festival de Jazz foi um evento tão gigantes-co e inédito para a época que marcou a me-mória de todos os que dele participaram.

Logotipo do Primeiro Festival Internacional de Jazz de São Paulo, SP, 11 a 18 de setembro de 1978.

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Hermeto Pascoal, Primeiro Festival Internacional de Jazz, Palácio das Convenções do Anhembi, SP, 11 a 18

de setembro de 1978.

preparando o primeiro festival de jazz

Eu fui uma das primeiras pessoas a viajar para o exterior pela TV Cultura, em uma viagem que fiz para a Suíça, por conta da TV Cultura, dentro do Festival de Jazz Internacional de São Paulo, que aconteceu em 78. Então fui eu, indicado pelo Governo, pela Secretaria da Cultura, porque eu ia pro-duzir e dirigir a televisão na produção do programa de jazz, conhecer o Festival Internacional de Jazz de Montreux. Lá eu tive contato com os profissionais da TV Suisse Romande, a TV suíça francesa, para conhecer o staff, a estrutura que eles faziam. Aí eu conheci o Jean Bovon, que era o diretor respon-sável pela transmissão; eu conheci o François Jacquenod; e conheci o Bertrand Theubet, que são os três diretores suíços. E eu entrei em êxtase, porque tudo aquilo que eu imaginava, de juntar a linguagem da televisão ao jazz, era o que eles fa-ziam, aí eu delirei! Falei: “Pô, isso aqui é exatamente o que eu faria!” Uma estrutura muito legal, muito profissional, muito precisa. Eu fui recepcionado pelo Claude Nobs, que era o diretor do festival de jazz, ainda é até hoje. Tem trinta e pou-cos anos o Festival de Jazz de Montreux. Eu fui muito bem recepcionado, fiquei muito amigo dessas pessoas. E quando eu cheguei de volta ao Brasil, falei: “Eu já sei o que eu quero fazer!” E foi um êxito, um sucesso, no primeiro Festival de Jazz eu fui premiado. Como melhor diretor, melhor transmis-são, juntamente com o Roberto Muylaert, foi um sucesso, um êxito. Uma estrutura que a gente montou, de transmissão, de seis, sete, oito horas de transmissão ao vivo do Anhembi, foi um sucesso extraordinário.”

Antônio Carlos Rebesco (Pipoca)

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Gilson Ribeiro e Zuza Homem de Mello, Três X Três, TV Cultura, SP, 06/05/1980.

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fazer a ponte justamente com a estrutura administrativa. Convidaram o Roberto Muylaert, mais tarde presidente, tinha o Zuza Homem de Mello, que foi quem montou os programas junto com o Max Feffer. E na Fundação, claro que uma das necessidades que constataram era a de um advogado com trânsito em comércio internacional, uma coisa mais abrangente. Indicaram o meu nome e eu acabei sendo o coordenador jurídico do Festival de Jazz, o que me levou a pisar a primeira vez na Fundação, em 1977.

Nunca aqueles músicos de jazz tinham atravessado a Linha do Equador. Tanto que foi absolutamente funda-mental a união oficial com Montreux, que existe até hoje. E que depois desse festival instituiu a Noite Brasileira, que tem até hoje. Já teve mais sucesso no tempo da Bossa Nova, mas até hoje tem a Noite Brasileira. Já houve ver-sões do Festival de Montreux onde ocorreram duas noites brasileiras. Foi o Festival de Montreux que deu credibili-dade, ele que ligava para os artistas e falava: “Pode ir...”; porque eles não faziam a menor idéia, tinham de olhar no mapa onde ficava São Paulo, os músicos todos. E como uma das minhas atribuições era verificar a imigração, eu poderia dizer, sem medo de estar exagerando, que a primeira pessoa que eles viam no território nacional era eu, que os ia receber na porta do avião, para já recolher passaporte, essa coisa, não é? Então eu fui contratado para esse evento específico.”

Fernando Fortes

o encontro de dois mundos pelo jazz

O que me vinculou à TV Cultura? Estava já em gestação o evento que a meu ver ainda é o maior de toda a história dos musicais no país: o Festival Internacional de Jazz de São Paulo. O secretário, da Secretaria que hoje seria da Cultura, mas o nome era mais comprido, Indústria, Ciên-cia, Comércio, Tecnologia, o secretário era o Max Feffer. Era filho do Leon Feffer, da Companhia Suzano. A vocação do Max era música, mais exatamente trompetista, era um apaixonado de jazz, mas ele era obrigado a traba-lhar com o pai nas empresas dele. Ele já tinha uma idéia antiga de fazer um grande festival de jazz, não é? Com os músicos do primeiro time, e em associação, em espetácu-los conjuntos, com os músicos e instrumentistas brasi-leiros. Como secretário ele percebeu que pela Secretaria de Cultura seria complicadíssimo fazer. Ele já conhecia a estrutura da Fundação, sabia que ela tinha muito mais agilidade. Então o que ele fez? Repassou a verba, que na época, eu não me lembro de números, mas era generosa; ele repassou a verba para a Fundação gerir o festival. Achando que as atividades da Fundação eram muito mais próximas para realizar o festival, do que, imagine, uma secretaria que não era nem só da Cultura. Então ficou decidido: a Fundação vai gerenciar, vai organizar, estruturar esse festival. Bom, a primeira constatação foi de que a Fundação também não tinha quadros para realizar isso, não é? Então foi montada uma comissão, composta, diria que quase na totalidade, por pessoas de fora da Fundação; a não ser o financeiro, que tinha que

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A realização do Festival de Jazz, inteira-mente gravado no Palácio das Convenções do Anhembi, deu à TV Cultura uma grande experiência em produções externas, o que era pouco comum nas emissoras nacionais. Não à toa, o Festival Internacional de Jazz ganhou o Prêmio APCA de melhor trans-missão externa. “Por essa época, o know-how da TV Cultura para a realização de externas era reconhecido em todo o Brasil, a ponto de a TV Globo, que em São Paulo constituía-se apenas de uma retransmisso-ra, contratar seus serviços para a cobertura em parceria de grandes eventos – Fórmu-la 1, shows, jogos de futebol. Chegamos a fazer Fórmula 1 durante dois ou três anos consecutivos nos finais dos anos 70”, nos conta o engenheiro Munhoz.

Do ponto de vista tecnológico, o período Pau-lo Egydio, após a implantação da televisão em cores, limitou-se a expandir a infra-es-trutura existente, reformando e construindo mais edifícios na Água Branca e montando um novo estúdio de gravação (Estúdio C), com equipamentos de última geração adquiridos da RCA. O eixo da Rede do Interior, ligando a capital a Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, foi consolidado, possibilitando a expansão de um segundo eixo, em direção a Bauru.

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Paulo Maluf: populismo e autoritarismo viabilizam novos rumos

Presidente Soares Amora e autoridades em solenidade no pátio interno da TV Cultura, SP.

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O quarto período da programação das emissoras da Fundação Padre Anchieta iniciou-se com a eleição

do novo governador de São Paulo, Paulo Maluf.

Eleito contra o establishment militar, Maluf não teve maiores honrarias em sua posse: só a Arena paulista esteve presente. Uni-versitários foram à Assembléia Legislativa para vaiá-lo. Na mesma data, uma encíclica do papa João Paulo II condenava a violên-cia. A Petrobras se entendia com o Irã. O Ga-binete de Israel aprovava mais um Plano de Paz. Enfim, o mundo sempre se parece, ape-nas mudam as circunstâncias de notícias semelhantes... Todos os dias alguma auto-ridade americana está vindo para o Brasil; uma obra está sendo inaugurada, apesar de não concluída; alguém está sendo se-qüestrado em Minas. Os jornais fazem edi-toriais sobre Ernesto Geisel, mas Ernesto

Geisel já não é mais presidente. Figueire-do trocava o Alvorada pelo Torto. Lula reu-nia oitenta mil metalúrgicos no Estádio de Vila Euclides, batizado como Estádio Muni-cipal Costa e Silva. O ritmo das manchetes poderia bem inspirar uma litania de Carlos Drummond de Andrade. Mas a realidade é outra, estamos em São Paulo e Paulo Maluf era o novo governador.

Apesar de pertencer a uma família de imi-grantes industriais (como foram os Mata-razzo ou os Crespi), Maluf não pertence ao grupo da elite ilustrada paulista. Seu perfil o identifica mais com os tecnocratas que a ditadura militar produziu nos anos 60/70, dispostos a resolver os problemas sociais da nação usando apenas pranchetas e ré-guas de cálculo. Engenheiro, ex-prefeito nomeado da capital, Maluf iniciou a vida pública prestando serviços ao regime au-toritário. Sua ascensão política em 1978,

porém, se fez à revelia dos interesses do Governo federal, que apostava na eleição do eterno e confiável Laudo Natel (seria sua terceira passagem pelo Palácio dos Bandeirantes em doze anos) para suceder Paulo Egydio. Maluf, porém, empreendeu uma campanha corpo a corpo com os de-legados da Arena e surpreendeu o regime, vencendo as eleições partidárias e tornan-do-se o candidato da maioria ao Governo do Estado. A vitória final, no Colégio Elei-toral, foi apenas conseqüência natural de sua vitória na Arena.

Empossado no Governo estadual em mar-ço de 1979, Paulo Salim Maluf tinha os olhos voltados à conquista da Presidência da Repú-blica – o que causava reações ambivalentes na opinião pública. Por um lado, ele apre-sentava-se como a primeira liderança civil a levantar-se contra a obediência cega aos planos dos militares que dominavam o país

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desde 1964. Por outro lado, sua trajetória era claramente ligada ao autoritarismo, incluin-do a passagem pela Prefeitura paulistana, na qual se notabilizou por construir o desastroso Elevado Costa e Silva, o (im)popular “Minho-cão”, símbolo dos estragos que a tecnocracia fria pode causar ao cotidiano das pessoas.

Truculento e populista, Maluf tinha como meta fazer uma maciça propaganda de sua administração e de sua pessoa, dado que al-mejava ocupar a Presidência da República.

Situação inédita esta em que, em plena vi-gência do sistema de eleições indiretas e campanhas eleitorais anódinas, o dirigen-te do Estado mais rico do país quisesse pro-jetar sua imagem e a de seus feitos para a massa da população.

Nesse contexto, é natural que Paulo Maluf vis-se na TV Cultura um poderoso instrumento

de propaganda, o qual, porém, só poderia ser eficiente se ela abandonasse as pretensões vanguardistas que a marcavam desde a fun-dação e adotasse uma linguagem mais aces-sível e popular.

E foi o que ocorreu.

Para tanto, o novo governo não viu necessi-dade de remover o presidente da Fundação, que permaneceu sendo o “sodrezista” histó-rico Soares Amora. Foram porém mudados, em meados de 1979, os estratégicos chefes de departamento.

No Departamento Cultural, saiu Walter George Durst e assumiu Carlos Queiroz Tel-les, dramaturgo, um dos fundadores do Te-atro Oficina, que havia trabalhado na FPA junto com o assessor Roberto Muylaert nos tempos do Vox Populi. No Departamento de Educação, Oswaldo Sangiorgi foi substituído

pela educadora Célia Marques. No Departa-mento de Jornalismo, Paulo Leandro cede lugar a Tito Lima.

Nesse momento, formou-se a Coordenação de Planejamento - Coplan, composta por Queiroz Telles, Tito Lima e o chefe do Depar-tamento de Produção, André Casquel Ma-drid, triunvirato que passou a comandar os rumos da programação. No início de 1983, Carlos Queiroz Telles assumiu a Coordena-doria de Programação, extinguindo-se o sis-tema de triunvirato.

O impacto da “filosofia Maluf” se fez sentir em todas as áreas.

Desejoso de criar uma imagem moderna e com apelo de marketing, criou-se a mar-ca RTC (Rádio e Televisão Cultura), que pas-sou a denominar as emissoras da Fundação, notadamente a TV. A iniciativa teria sido

Página ao lado: Governador Paulo Maluf; André Casquel Madrid; Tito Lima. Nesta página: Carlos Queiroz Telles; a educadora Célia Marques; logotipo da RTC (Rádio e Televisão Cultura), 1983.

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de Queiroz Telles, inspirado nos nomes das grandes emissoras e redes internacionais, como BBC, PBS, NBC, NHK e RTP.

Sendo estratégico que o sinal da emissora pública fosse captado pelo maior número de pessoas possível, Maluf firmou um con-trato com o Ministério das Comunicações, levando o sinal da TV Cultura a praticamen-te todo o Estado de São Paulo.

Na capital, a FPA comprou em 1980 o Tea-tro Franco Zampari, possibilitando a pro-dução de programas de auditório que, por sua alegria e descontração despretensiosa, quebravam o paradigma vanguardista an-terior. Contudo, apesar das ambições pes-soais do governador do Estado, o fato é que a programação surgida nessa nova fase foi marcada pela boa qualidade geral e pela inventividade. Isso porque um poeta e dra-maturgo do calibre de Queiroz Telles, for-mado na Faculdade do Largo São Francisco, fundador do Teatro Oficina e completa-mente democrático, estava à frente da pro-gramação. Maluf estava mais interessado no jornalismo do que nas coisas culturais, deixando-as a cargo de Queiroz Telles, com relativa liberdade.

São dessa fase programas como o sertane-jo Viola, Minha Viola (de 1980); as compe-tições infanto-juvenis É Proibido Colar (de 1981) e Quem Sabe, Sabe (de 1982); e o in-fantil Bambalalão (de 1980), que passaram a ser o carro-chefe da programação da TV Cultura, junto com programas de pergun-tas como Qual é o Grilo? (de 1981) e Super Grilo (de 1982) – que lembravam produ-ções como Como Saber? Pergunte ao 2!, de 1972. E ainda Festa Baile (de 1981), primeiro programa da TV brasileira voltado para o público da terceira idade, e a revista femi-nina Palavra de Mulher (também de 1981). Na teledramaturgia, a Cultura enveredou pelas telenovelas – gênero abandonado nos anos 70 desde a pioneira Meu Pedaci-nho de Chão –, dando-lhes porém o nome de “teleromance”. Foram produzidos tex-tos como Vento do Mar Aberto (que inau-gurou a série, em julho de 1981), Floradas na Serra (1981), O Resto é Silêncio (1981), Iaiá Garcia (1982) e Pic Nic Classe C (1982). Ao todo, entre 1981 e 1982, levou-se ao ar dezessete teleromances, que duravam em média um mês.

Essa nova programação não passou desper-cebida aos críticos: receberia o Prêmio APCA

denominado “Grande Prêmio da Crítica”, pelo conjunto da nova programação, por dois anos consecutivos, 1981 e 1982. Já Bam-balalão recebeu o Prêmio APCA de melhor programa infantil da TV em 1982, 1984, 1985, 1986 e 1987.

Nos últimos meses do mandato Amora/Ma-luf, foi ao ar o notável Fábrica do Som (1983), que deu espaço à nascente música jovem “de garagem”, ligada à vida das grandes metró-poles e que logo depois se tornaria o núcleo do fenômeno denominado “Rock Brasilei-ro dos anos 80”. Fábrica do Som receberia o Prêmio APCA de melhor programa de televi-são, categoria musical, em 1983.

É importante notar que a ligação com a cul-tura em suas formas mais eruditas não foi perdida nessa fase, em programas como Ligue para um Clássico, apresentado pelo maestro Diogo Pacheco, no qual os telespec-tadores podiam participar pelo telefone; Cabaret Literário, que fazia a teatraliza-ção da vida e obra de poetas brasileiros; ou a série da BBC A Era da Incerteza, de John Kenneth Galbraith. Mas a tônica da progra-mação era agora a proximidade com o coti-diano do público.

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Clarice Abujamra e Antônio Fagundes, programa É Proibido Colar, TV Cultura, SP, 1982.

Páginas seguintes: Agnaldo Rayol e Célia, programa Festa Baile, TV Cultura, SP, 1988. Júlio Lerner, programa Super Grilo, TV Cultura, SP, março de 1982. Externa do teleromance Vento do Mar Aberto, TV Cultura, SP, ju-lho de 1981. Ana Rosa e João Pompeu, programa Como Saber? Pergunte ao 2!, TV Cultura, SP, 1972. Tadeu Jungle, programa Fábrica do Som, Sesc Pompéia, SP, março de 1983. Teleromance Iaiá Garcia, TV Cultura, SP, maio de 1982.

Frame da abertura do programa Qual é o Grilo?, TV Cultura, SP, 13/04/1981. Maestro Walter Lourenção, programa Ligue para um Clássico, TV Cultura, SP, setembro de 1982. Externa do programa Pic-Nic, TV Cultura, SP, março de 1982. Teleromance Floradas na Serra, TV Cultura, SP, 10/06/1981. Walmor Chagas, programa Quem Sabe, Sabe, TV Cultura, SP, 1982. Pro-grama infantil Bambalalão, TV Cultura, SP, 1980.

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Inezita Barroso, programa Viola, Minha Viola, TV Cultura, SP, 07/03/1990.

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Elias Gleiser e Marli Marley, programa Cabaret Literário, TV Cultura, SP, 19/08/1980.

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era um esforço de produção muito grande

A TV Cultura era uma televisão muito ativa já, antes do Maluf, mas durante a gestão do Queiroz na Cultura; o Queiroz conse-gue implantar uma programação que até hoje, se você olhar a TV Cultura, essa programação ainda está lá. Quer dizer, ele criou pela primeira vez uma grade de programação, determi-nou horários e trouxe audiência para a TV Cultura. A TV Cultura ganhou o Teatro Franco Zampari, com o teatro a gente passou a ter um palco, um auditório, a gente fez uma seqüência de programas de auditório, onde havia entretenimento cultural. Então havia gincanas de escolas, então tinha o “Quem Sabe, Sabe”; “É Proibido Colar”; cada noite da semana esse palco do Zampari era ocupado com um desses programas, transmitido ao vivo, onde atendia ou um conhecimento em Arte, ou um conhecimento em História ou era um conhecimento matemá-tico, e terminava com o “É Proibido Colar” nas tardes de sábado, que era um programa apresentado pelo Fagundes e pela Clarice. Esses programas trouxeram uma audiência absurda para a TV Cultura – você imaginar que a Cultura dava 18, 19, 20 de Ibope nesses programas! Ele atendeu um outro segmento, tinha programação para idosos, para a terceira idade, naquela época já fazia o “Festa Baile”, com o Francisco Petrônio no “Festa Baile”. Havia programas que atendiam o interior, tipo “Essa é a sua Cidade”. E havia uma programação de resgate do que a Cultura tinha feito na sua época nobre. Antes houve o “Teatro 2”, com a Nydia Licia e tudo o mais, a gente dirigiu na época

da Nydia Licia; então eles resgataram a parte de programação cultural, fazendo telenovela e teleconto. Era um esforço de produção muito grande, a Cultura ganhou mais equipamento. Logicamente tinha uma equipe que acompanhava o Maluf e tudo o mais, o telejornalismo sofria uma série de interferências, mas a programação transcorria normalmente, não havia uma interferência do Maluf ou do Palácio sobre qual teleconto, se era um conto do Pedro Nava ou se era um conto do Rubem Fonseca que ia ser adaptado e transformado num teleconto, não havia isso. E realmente a Nydia ainda estava à frente da divisão cultural, e foram feitos vários trabalhos muito importantes, foi um período em que se trabalhou muito. A Cultura cresceu na época, ampliou o quadro de funcionários, ampliou equipa-mento, ela passou a ser conhecida. Porque, também, eu acho que o Governo do Estado, dentro da política do Paulo Maluf e tal, ele ampliou a Rede do Interior. Então a TV Cultura passou a ter mais estações retransmissoras, e a recepção do sinal, que estava circunscrita quase que à região metropolitana, a Cultura passou a ser vista em todo o Estado de São Paulo. E, também, daí alguns programas começaram a entrar junto com a Rede Educativa. E a Cultura nesse momento, veja você, a TV Cultura passa a ser RTC, Rádio e TV Cultura. Mudou o slogan da Cultura, ela vira uma força e ela entra no mercado forte, eu acho que é um período muito forte da Cultura, esse período. Ela ganha audiência, fez-se muita coisa boa, nós trabalhamos muito.”

Célia Regina Ferreira Santos

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um teatro despreparado

Ficou mais complexo tudo, porque o teatro era fora da tele-visão. O Franco Zampari era um teatro despreparado para gravações de televisão, não tinha depósito, tal; era um palco um pouco inadequado. Então no início foi um processo meio complicado. Naquela época tinha o “Viola, Minha Viola” já, e tinha esse programa que o Fagundes fazia... “É Proibido Colar”. Era um programa em que tinha que controlar aquela platéia toda, e, enfim, a gente gravava todo dia um progra-ma, todo dia eu tinha um programa diferente. Foi uma fase bem complicada, porque a gente teve que deslocar uma equipe para o teatro.”

José Carlos Serroni

Foto do Teatro Franco Zampari, SP, 27/01/1986.

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O Bambalalão foi um sucesso de público e de crítica e – em que pese o pioneiro A Turma do Lambe-lambe, de 1978 – pode-se afirmar que inaugurou a produção de programas in-fantis de alto nível na FPA, logo seguido pelo também excelente Curumim (de 1981).

um fenômeno no mundo

Pois é, o “Bambalalão” durou onze anos e representou uma mudança muito grande. Muito grande. A gente discutiu muito, eu participei desde o início, fazia a coordenação dessa série. Era tudo um pouco inventado, nós tínhamos a experiência do “Vila Sésamo”, havia essas outras experiências, a gente lia e via já programas internacionais. Eu lembro que a gente discutia com o Abujamra, com o Samuel Pfromm, a gente começou com o Samuel Pfromm. E com outros diretores aqui dentro, com o Walter Durst, e assim por diante. E chegamos a uma... vamos chamar de síntese de programa, onde a gente usava circo, a gente usava muito teatro diariamente, usava boneco desde o começo, muito boneco, e usava aulas de artes, que eram orientadas por um professor de Educação Artística, música, nós tínhamos músico no elenco, criava músicas para o “Bambala-lão”. E cantava ou trazia cantores de fora que participavam de alguns programas. Então era um misto... E nós tínhamos um elenco fixo, que variou um pouco no número, mas, digamos, de sete a doze pessoas, porque todo dia nós tínhamos uma história dramatizada. Tínhamos um conto, que era o Acaiabe que apre-sentava esse conto, sempre material original, material inédito, porque nós tínhamos uma equipe de pessoas que escreviam as histórias e os contos, como o Queiroz Telles, a Rosana Rios, que está aí até hoje vendendo livros na área infantil, e assim por diante. Um mundo de gente que passou pelo “Bambala-lão”, tivemos atores excepcionais como o Chiquinho Brandão e vários outros. Pessoas mais da área de bonecos, como a Amélia Carvalho, a Gigi Anhelli, e assim por diante. Muita, muita gente passou ali. E era uma loucura, porque era um programa ao vivo, diário, começou com uma hora, e depois passou para uma hora e meia. E com uma audiência altíssima. Altíssima para a TV Cultura. A gente chegava a ter 8, 10 pontos de audiência. Você imagina o que isso era para uma televisão educativa, era um fenômeno no mundo.”

Pedro Paulo de Martini

Daniel Azulay, programa A Turma do Lambe-lambe, TV Cultura, SP, 1978. Abaixo: Logotipo do programa Bambalalão, TV Cultura, SP, 1977.

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Regina Célia Anhelli (Gigi), Marilam Sales (Palhaço Tic-Tac) e Chiquinho Brandão (Professor Parapopó), programa Bambalalão, TV Cultura, SP, agosto de 1982.

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Silvana Teixeira e Bambaleão, programa Bambalalão, TV Cultura, SP, 1977. Ao lado: Chiquinho Brandão, programa Bambalalão, TV Cultura, SP, dezembro de 1981.

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Marco Nanini , programa Telecurso 2º Grau, Aula de Matemática, Sala do Robô, TV Cultura, SP, 14/09/1978.

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uma arquibancada em ferradura

E foi, já nessa época era com crianças no estúdio, então a gente já fazia a cenografia pensando numa envolvência, nas arquibancadas, tudo, cada dia ia uma escola... E me lem-bro bem do primeiro “Bambalalão”, era uma arquibancada em ferradura, era com a Gigi, a apresentadora, e tinha o pa-lhaço Tic-Tac, tinha lá uma série de coisas, bonecos, a Maria Amélia que fazia coisas, os bonecos que depois chegaram também do “Vila Sésamo”. Porque tinha o Departamento de Teatro e tinha o Departamento de Educação, de Ensino, que era muito forte lá dentro. Então também, até pelo “Telecurso 2º Grau”, até por programas ao vivo que se começou a fazer no Zampari, que eram programas de disputas de escolas, o Fagundes até fez uma época; e o “Telecurso 2º Grau”... Então tinha lá uma equipe de educação com a parte de teatro, de programação, que acabou vindo, e o “Bambalalão” foi assim, e durou muito tempo, era um programa muito visto, porque era um dos poucos programas produzidos ao vivo e com apresentadora.”

José Carlos Serroni

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uma série chamada “curumim”

Nós fizemos, por exemplo, uma série chamada “Curumim”, junto com a Secretaria Municipal de Educação. “Curumim” era uma série bastante longa, o roteirista era o Chico de Assis, esse Chico de Assis do teatro, das peças “Missa Leiga” etc. Eu acabei trabalhando muito ligado ao Chico. Ele é uma pessoa inteligente que escreve muito bem e tal, mas ele não tinha muita noção de como trabalhar com criança e com programas infantis. Então a gente tinha uma equipe espe-cializada em educação infantil, da Secretaria, que vinha aqui, uma vez ou duas por semana, fazer reuniões e organizar o curso. E depois, programa a programa, discutia-se linha por linha, discutiam com o Chico e comigo essa série. E essa série, ela era utilizada nas Emeis, Escolas Municipais de Educação Infantil. E a Emei utilizava esse material que a gente produ-zia aqui. Isso durou dois anos, era videocassete, é anos 80 isso, por aí. E também essa é uma experiência que fica assim meio termo entre a educação mais de curso e a educação geral. Porque a gente tentava fazer um programa que, se a criança, em casa, assistisse, ela aproveitaria alguma coisa. Se ela assistisse junto com o professor, o professor poderia tra-balhar em cima e explorar. E havia manuais para o professor seguir uma metodologia. Eu lembro que começamos só com escolas municipais de São Paulo, mas, logo, outros municí-pios pediam para participar desse tipo de trabalho. Foi um trabalho bastante interessante.”

Pedro Paulo de Martini

Estúdio, programa Curumim, TV Cultura, SP, 1981.

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dos avanços tecnológicos

De olho na Presidência da República, des-de o início, Paulo Maluf trata de consoli-dar a recepção do sinal da TV Cultura no interior paulista, para servir de veícu-lo para exposição de suas realizações à frente do Governo. Para tanto, pensa em utilizar uma estatal criada por seu ante-cessor, a Setasa (Serviços Especiais de Te-lecomunicações do Estado de São Paulo), que deveria funcionar como uma espécie de “Embratel” estadual. Porém, após ten-tar, sem sucesso, que a Setasa se respon-sabilizasse pela retransmissão dos sinais, Maluf a extingue, justapondo sua estru-tura à FPA.

Os técnicos oriundos da estatal passam então a gerenciar a implantação da Rede do Interior – por meio de acordos com o Ministério das Comunicações, Embratel e Telesp, Maluf obtém permissão para utili-zar a rede de microondas de telefonia, le-vando o sinal da TV Cultura a um número inédito de localidades. O relatório de 1982 mostra que em dezembro daquele ano re-cebiam o sinal da TV Cultura 446 dos 571 municípios do Estado.

duzentas estações

Quando foi em 80, na gestão do Paulo Maluf, o Gover-no criou uma empresa em São Paulo chamada Setasa. O objetivo dessa empresa era levar para todas as cidades do Estado de São Paulo, de forma integrada, todas as emisso-ras sediadas aqui na capital. Então, iniciaram-se estudos de ordem técnica, de ordem econômica, de ordem comercial, de interesses comerciais e evidentemente isso acabou não dando certo, porque as redes comerciais tinham interesses divergen-tes em termos de regiões do Estado de São Paulo. Uma tinha interesse em ir para o Vale, inicialmente, outra para o oeste do Estado, centro-oeste, outra para o extremo oeste, enfim, outra para o norte. Isso tornou muito difícil a empresa conciliar todos os interesses e, de forma integrada, interiorizar, o que acabou gerando a extinção da empresa. O Governo extinguiu e aproveitou a infra-estrutura dessa empresa, que era uma empresa ligada à Secretaria do Interior do Estado, para inte-riorizar a TV Cultura. Então aí se criou aqui dentro um núcleo chamado Núcleo Especial de Expansão. A Setasa já tinha instalado alguns pontos no interior do Estado. Praia Grande; no litoral norte, Caraguatatuba tinha outro ponto; Salesópo-lis; tinha aqui em Piedade; acho que Ibiúna; São Roque. Eram estações pequenas, que eram modelos ainda. De 81 a 82, quer dizer, em um ano praticamente, acho que foi o último ano do Maluf, o penúltimo ou último, esse núcleo especial de expan-são instalou duzentas estações.”

José Munhoz

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Câmera de TV para ENG. marca Bosch Série KCA (color), SP, 1982.

Apesar da montagem de dois novos estú-dios, “D” e “E”, e da adaptação do Teatro Franco Zampari para programas de audi-tório, não houve investimentos na reno-vação dos equipamentos, que eram os mesmos adquiridos e implantados entre 1968 e 1974.

A exceção ficou por conta da introdução no jornalismo de uma inovação tecnológica, o ENG (Eletronic News Gathering), um siste-ma portátil de gravação que marcou uma

nova etapa na produção de notícias. José Munhoz explica que, antes, o profissional saía à rua com uma câmera cinematográ-fica, captava as imagens, mas não tinha noção do resultado do trabalho, que era co-nhecido apenas após a revelação do filme e sua edição na moviola. “O surgimento do ENG trouxe um ganho de qualidade sig-nificativo, além de agilidade e produtivi-dade. O profissional vinha com a matéria pronta e a edição era muito mais rápida, não precisava revelar”.

a moderna tv cultura

Na verdade, o legado dessa época, taxado por muitos como “populista”, deu as bases a qua-se tudo o que se fez nos vinte anos seguintes: uma programação infanto-juvenil de alta qualidade, criativa e produzida localmente, secundada por uma programação adulta an-tenada com as necessidades do público, en-tremeando programas mais “ligeiros”, como o Festa Baile, com outros mais densos, como o Ligue para um Clássico ou o Cabaret Literário.

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A luta do Conselho pelaindependência

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A luta do Conselho pelaindependência

Público, Festival de Verão do Guarujá, SP, 1981.

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E m maio de 1982, Paulo Maluf renun-ciou ao mandato de governador para disputar uma cadeira de deputado

federal, enquanto Reynaldo de Barros dei-xava a Prefeitura paulistana para candi-datar-se a governador, numa tentativa de manter por mais quatro anos o malufismo no poder em São Paulo e pavimentar o so-nhado caminho de seu líder à Presidência da República.

A festa de transmissão do Governo esta-dual para o vice de Maluf, José Maria Ma-rin, preparada pelo PDS, partido de ambos, não teve porém a dimensão esperada. Em vez das vinte mil pessoas previstas, apenas duas mil compareceram. O país mudava, as forças de oposição à ditadura, capitaneadas pelo PMDB, iam ganhando terreno e pre-paravam-se para disputar o poder nos Es-tados nas eleições de novembro de 1982, as primeiras eleições diretas para governa-dor em vinte anos. O governo de Figueire-do não escondia o esgotamento do regime militar. Mesmo que o aparato fosse ainda inteiramente militar e repressivo, a medu-la estava exposta. Figueiredo já preferia o

cheiro de cavalo ao cheiro de povo e isso é um bom prenúncio do fim. Samuel Wainer, o jornalista fundador do diário Última Hora, costumava dizer que quando a ditadura abre uma fresta, a erosão torna-se inevitável. Ainda que o mandato do general-presiden-te tivesse um prazo mais dilatado que os dos governadores, e não estivesse certo quando haveria eleições diretas para a Presidência da República, o fato é que o tempo da aber-tura já estava correndo.

Sendo titular de um verdadeiro mandato-tampão – pois teria de passar o governo para seu sucessor apenas dez meses depois, em março de 1983 –, Marin acabou por de-sempenhar um papel crucial na afirmação da independência da Fundação Padre An-chieta. Curiosamente, não exerceu esse pa-pel de maneira direta e positiva, mas antes ao contrário: ao decretar a subordinação in-tegral do comando da instituição ao seu ga-binete, o governador substituto forçou que o Conselho Curador e o Poder Judiciário se posicionassem com relação às característi-cas e aos limites da autonomia da Funda-ção. Para tristeza do mandatário malufista,

o resultado final foi o oposto do desejado por ele, confirmando-se de maneira cabal a tese de independência da Fundação Padre Anchieta perante o Governo estadual.

Marin não foi o autor intelectual dessas me-didas contra a independência da TV Cultu-ra, tomadas menos de dois meses após a sua posse. Fazia apenas continuar o que Maluf desejava: o comando da Fundação Padre Anchieta.

Um desejo que se baseava, sem dúvida, na idéia de fazer das emissoras da Fundação, notadamente da TV Cultura, palanques de propaganda governamental, a serviço do mandatário de plantão. Embora tenha ha-vido, em geral, um espírito conciliador nas relações entre a instituição e os governos anteriores, o fato é que não havia qualquer obrigação legal do Conselho (ou da Direto-ria) da Fundação para acatar as determi-nações do Governo. Havia uma saudável tensão entre as forças que comandavam o processo, permitindo sem dúvida uma mar-gem de manobra dos dirigentes da Fun-dação e, mais do que tudo, um apreciável

Prefeito Reynaldo de Barros, programa Vox Populi, TV Cultura, SP, 19/12/1980.

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poder de barganha diante do Governo, do qual aliás a Fundação dependia para sobre-viver materialmente.

Foi exatamente essa não-obrigatoriedade de alinhar-se com o Governo que levou o governador José Maria Marin a intervir na Fundação em julho de 1982, substituindo o Estatuto de 1968 por um novo, por meio do Decreto Estadual nº 19.129/1982.

No Estatuto novo, a Fundação mantém auto-nomia técnica, administrativa e financeira (artigo 2º), subentendendo-se que não mais possui autonomia política (no sentido da escolha de seus dirigentes) ou de conteúdo.

Seu artigo 2º estipula que a Fundação fica vinculada à Secretaria de Estado da Cultura.

O Conselho passa a ter quinze membros, to-dos designados pelo governador (artigo 7º, caput), sendo três indicados pela sra. Renata Crespi da Silva Prado (por obrigação legal), um pela USP e os outros onze de livre indi-cação do governador (artigo 7º).

Não cabe mais ao Conselho deliberar sobre o Estatuto, mas apenas elaborar “propostas de alteração dos Estatutos” (artigo 11, inci-so I, letra b).

Cabe ao governador ainda “escolher livre-mente” o presidente da Fundação (artigo 13) e o superintendente geral (artigo 15). As quatro Coordenadorias criadas em 1978 são transfor-madas em cinco Superintendências Adjuntas (artigo 17), escolhidas pelo superintendente geral (artigo 15, inciso V). Cabe igualmente ao governador designar o Conselho Fiscal da Fundação, assim como seu presidente.

Por fim, apesar de dispor que a Fundação possui autonomia financeira, o novo Esta-tuto termina estipulando que “os planos, programas de trabalho, seus orçamentos e sistema financeiro (...)” devem ter aprova-ção prévia do governador (artigo 32).

Tratava-se de uma explícita intervenção centralizadora, extinguindo por completo qualquer autonomia da Fundação Padre An-chieta. Curiosamente, apesar de já no artigo 2º o Estatuto prever que a Fundação ficava

vinculada à Secretaria de Estado da Cultu-ra, em nenhum momento o mesmo Estatuto refere-se às atribuições do secretário titular desta pasta na gestão da Fundação – com exceção da vaga de conselheiro reservada à Secretaria –, ficando todo o poder de nomea-ção e controle nas mãos do próprio chefe do Executivo, fazendo da Fundação um mero apêndice do gabinete do governador.

Em decreto subseqüente, datado de 30 de ju-lho (Decreto Estadual nº 19.130/1982), o go-vernador Marin demite tanto o Conselho Curador quanto a Diretoria da Fundação es-colhidos na vigência da legislação anterior, ao mesmo tempo em que nomeia o novo Conselho, a nova Diretoria, a Superintendên-cia Geral e os superintendentes adjuntos.

O Conselho Curador destituído reagiu, po-rém, prontamente, entrando com pedido de mandado de segurança no Tribunal de Justiça contra as medidas do Governo. Fer-nando Fortes, advogado da Fundação Padre Anchieta desde os anos 70, que esteve no centro dos acontecimentos daquela época, faz um relato vívido daqueles dias difíceis.

Governador José Maria Marin, programa De Olho na Notícia, TV Cultura, SP, abril de 1982.

Assinatura do Estatuto da FPA, Roberto Muylaert, SP, 1982.

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tomar conta de direito e de fato

Infelizmente, o governo Maluf também se destacaria no epi-sódio de tentar tomar conta da TV Cultura. E tomar conta de direito e de fato. Foi justamente no mesmo ano em que houve a segunda edição do Festival de Verão do Guarujá, foi em 1982; quando ele estava saindo, tinha se desincom-patibilizado para se candidatar a deputado. Mas ficou o Calim Eid, que era o chefe da Casa Civil, continuou gover-nando, e o Marin, José Maria Marin, era o vice no exercício, digamos, apenas de direito, não é? Mas foi o Marin que assinou decretos, que, claro, o Maluf deixou redigidos, inter-vindo na Fundação. Intervindo mesmo, destituiu todos os conselheiros, todos os diretores, e nomeou outros. E alterou o Estatuto por decreto, alterou o Estatuto, e ficava evidente qual era o objetivo: tirar essa autonomia, que sempre foi a nota típica da Fundação Padre Anchieta, essa autonomia. O Sodré, ele foi presidente do Conselho muitos anos, ele vivia dizendo a origem: ele se inspirou na BBC para dar inde-pendência financeira e autonomia política institucional... Então, nessa época do Marin havia boatos de que a inter-venção viria, mas ninguém imaginava o tamanho.

O Conselho era composto de trinta e cinco membros. Mesmo a pequena parte que podia ser indicada pelo go-vernador, indicada formalmente e informalmente, porque há aqueles que são eleitos. Só podem ser eleitos aqueles que se inscreverem, e freqüentemente só se inscreviam in-dicados pelo governador. Mesmo assim, o Sodré conseguiu arregimentar dezoito, mas que dava a maioria absoluta dos outros. Os conselheiros, na sua imensa maioria elei-tos, porque os demais representavam órgãos do Estado, ou universidades, e os reitores não queriam assumir essa bandeira. Mas esses dezoito, que mais tarde seriam cita-dos no discurso do curador de fundações como os “dezoito do Fortes”, porque os dezoito me deram a procuração para entrar junto ao poder judiciário com um mandado de se-gurança contra o governador em nome da Fundação, que estava sendo violentada. Eles ignoraram que havia um outro presidente, um outro Conselho. Tanto que eu entrei com um mandado de segurança em nome da Fundação, primeiro. Eu queria deixar claro que eles não estavam sendo movidos por nenhum interesse pessoal, até porque nunca foram remunerados, nessa época nem a diretoria era, nem a diretoria, não ganhava nada... O único diretor, além do professor Amora, era o professor Cecílio, Alfre-do Cecílio Lopes, conselheiro aposentado do Tribunal de Contas, jurista, professor emérito do Mackenzie, ele era o diretor econômico. E então, por ser jurista, era com quem mais eu conversava quando tinha sessões, nas minhas vi-sitas periódicas à Fundação. E foi ele que me deu a notícia assim, de madrugada, eu me lembro bem que era de sexta para sábado, que o boato estava tomando posições e que tinha sido assinado o decreto. Enfim, eu fui para a Praça da Sé, eu me lembro perfeitamente, fui para a Praça da Sé comprar um “Diário Oficial”. Porque, claro, no sábado o meu escritório não estaria aberto, eu não ia receber. E eu me lembro de abrir e ler o “Diário Oficial” parado no meio da Praça da Sé, e que à medida que eu ia lendo eu via que tinha sido superada a pior das expectativas. Que era realmente botar o pé na porta, arrombou, arrombou mesmo...”

Fernando Fortes

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quarenta e cinco votos a zero

No mesmo sábado em que o decreto foi publicado, o pro-fessor Cecílio marcou a primeira reunião na casa do Sodré. Nessa reunião foi decidido o mandado de segurança, tem que ser contra o governador e eu sugiro que seja em nome da instituição. Então fui incumbido de redigir um mandado de segurança e me deram o prazo de vinte e quatro horas. Porque no domingo eles iam tentar trazer mais conselheiros, e aí era para formalizar a procuração etc. E eu tinha que fa-zer. E ele ainda chamou para colaborar no que fosse possível o Ely Lopes Meirelles, que fora secretário do Sodré, um jurista absolutamente notável, especializado em direito adminis-trativo, justamente a relação do Estado com os particulares. E uma nota pitoresca: no domingo eu fui, vamos dizer assim, com 70% da petição pronta à máquina, feita em casa, sem acesso a meus livros, sem acesso a Internet, sem computa-dor, eu levei uns 70% prontos. Pensei: “Depois eu arremato na segunda-feira...”. O que eu não imaginava era a soleni-dade, estavam lá quase esses dezoito, fizeram uma roda de cadeiras, dona Maria mandando servir café, essas coisas. Foi feita uma espécie de arena e, aberta a reunião, o Sodré me deu a palavra para eu ler a petição, petição que não estava terminada, e eu não tinha dito que não estava terminada. Enfim, eu comecei a ler, e quando chegou ao fim eu continuei improvisando como se eu estivesse lendo. Depois de termi-nar, o Sodré virou-se para o Ely, como quem diz: “O que você acha?” Aí eu me lembro que ele disse: “Nada a acrescentar e nem a modificar, está perfeita!”; palavra do Ely Meirelles. Ato contínuo, eu fui para uma máquina do Sodré, que era uma máquina de escrever, datilografar a procuração para pegar a assinatura de todos, que eram pessoas difíceis de reunir. E há um nome que eu sempre destaco: Virgílio Lopes da Silva, que fora secretário de Justiça, de Segurança, do Sodré, tal como o Ely foi também; ele estava no exterior. Mas ao tomar conhecimento, ele tinha deixado procuração com o filho dele, advogado também, e dizia, fazia questão de participar do mandado de segurança. Então na procuração está Virgílio Lopes da Silva representado por seu procurador Luís Felipe da lá, lá, lá. Segunda-feira damos entrada na primeira hora – a primeira hora do Tribunal de Justiça é treze, uma hora da tarde –, duas e meia eu tinha a liminar suspendendo os efei-tos dos dois decretos. E tinha que ser no Tribunal de Justiça, porque o réu, vamos dizer assim, é o governador, que tem foro privilegiado.

Então havia o impasse. Se bem que o presidente era o mesmo, e os conselheiros não se reúnem diariamente. E foi mantida uma diretoria de dois ou três. Mas havia um cargo executivo para o qual foi nomeado o Sérgio Zanin, que já estava lá, no Núcleo de Expansão do Interior, que era a Setasa, uma empresa que o Maluf tinha criado, resolveu desativar, e mandou todo mundo para lá. E o Zanin, pelo decreto, o Zanin ia ser o principal executivo da Fundação; mas ele realmente não chegou a tomar posse. E uma nota, uma nota curiosa também desse mandado, é que foi dada a liminar pelo presidente do Tribunal; por se tratar justa-mente de liminar, tinha que ser examinada como liminar pelo plenário do Tribunal de Justiça. Eram quarenta e cinco desembargadores. Não o mérito ainda, a liminar, é assim até hoje. E na votação, que ocorreu uns sessenta dias de-pois, foi ocorrer o quê? A votação foi de quarenta e quatro votos a um: teve um desembargador que votou pela cas-sação. Depois da liminar, o Maluf contratou, literalmente, um exército de advogados para tentar derrubar no Supre-mo, que era a segunda e última instância. Ele contratou o advogado Henrique Fonseca de Araújo, que tinha sido, até três meses antes, procurador-geral da República – imagine se não tinha trânsito dentro do Supremo. E ele entrou com um pedido de suspensão de segurança e foi negado, foi negado. Engraçado que quem representou a Procuradoria do Estado, que teve que contestar o mandado por dever de ofício, foi o Michel Temer, com quem eu dava aulas, eu era assistente dele na PUC. E ele, claro, teve que assinar, cons-trangido, porque é evidente que a causa para ele não era boa. E na votação de mérito, que aconteceu uns seis meses depois, a votação foi de quarenta e cinco votos a zero. Inclu-sive com declaração de voto desse desembargador, dizendo que tinha se enganado, que tinha errado quando votou pela cassação da liminar...

Logo em seguida o Montoro assumiu e assinou decretos reforçando a autonomia: “Tendo em vista o julgamento ocorrido, do mandado de segurança...”, não é?”

Fernando Fortes

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Chacrinha e as chacretes, Festival de Verão do Guarujá, SP, 1981.

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Jorge Ben Jor, Festival de Verão do Guarujá, SP, 1981.

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Nara Leão, Festival de Verão do Guarujá, SP, 1981.

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Também o advogado e educador Moacyr Ex-pedito Vaz Guimarães, ligado ao grupo de Abreu Sodré e membro do Conselho Curador, possui lembranças daqueles tempos de luta.

a anulação dos famigerados decretos

Foi uma intervenção direta, mas desastrada. Me lembro da atuação do Dílson Funaro, que era curador do advogado da Fundação. Nós conseguimos uma vitória total no Tribunal de Justiça, e aí eu tive a oportunidade de destacar quão acertado foi o Sodré em ter feito uma Fundação de direito privado. Porque sendo de direito privado não caberia ao governador praticar nem um ato em referência à Funda-ção. Ele não podia destituir curadores, ele não poderia nomear curadores, nem diretor, nem nada. Ele não tem competência administrativa junto à Fundação...

Tanto que no acórdão do Tribunal de Justiça tem lá uma parte que consagra exa-tamente a idéia do Sodré. O tribunal, o acórdão, diz: “Nem por ter sido instituída pelo Governo do Estado, se esse optou pela forma de fundação de direito privado, o Governo do Estado saiu de cena na hora em que a fundação passou a viver. Então só quem dirige os rumos da fundação é o Conselho Curador”. E aí voltou tudo atrás e continuou como era.”

Moacyr Expedito Guimarães

Esqueceram-se Maluf e seu sucessor que a Fundação Padre Anchieta era uma ins-tituição de direito privado, apenas criada pelo Estado, que lhe garantia a sobrevivên-cia através de contribuição financeira legal e obrigatória. A Justiça, provocada como vimos por um mandado de segurança, anulou, por unanimidade de seus desem-bargadores em São Paulo, os famigerados decretos do governador Marin. Entendeu o Tribunal que, constituindo-se a Fundação pessoa jurídica de direito privado por von-tade expressa do governo que a criou, não havia como o Estatuto ser modificado por outra instância que não o próprio Conse-lho Curador.

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Roberto Muylaert: a FPA em tempos dedemocracia com Franco Montoro

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Roberto Muylaert: a FPA em tempos dedemocracia com Franco Montoro

Cenário do programa Roda Viva, criado por Marcos Weinstock, TV Cultura, SP.

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a gestão de transição - renato ferrari

O ano de 1983 marca uma nova era para o Brasil. Após dezesseis anos de governos estaduais escolhidos indi-

retamente pelos grupos de apoio ao regime militar, dentro de um ambiente de bipar-tidarismo forçado, em novembro de 1982 ocorreram eleições diretas para governa-dor, com candidatos de cinco partidos po-líticos concorrendo ao cargo. Em São Paulo, venceu um candidato de oposição ao regi-me, o peemedebista André Franco Montoro, que tomou posse em março de 1983.

Os governos identificados com a ditadura, em que pesem os matizes mais ou menos liberais de alguns, haviam deixado um ras-tro de tecnocracia fria, negociatas escusas e truculência policial e política que era neces-sário eliminar. Tratava-se de limpar o “entu-lho autoritário”. Esta era a expectativa que se formava em torno dos governadores de oposição que tomavam posse em 1983.

Montoro fez jus a essa expectativa, reunin-do um secretariado combativo e lançando-se à reconstrução democrática do Estado. Deu prioridade às pequenas obras (em con-traste com a grandiloqüência das obras faraônicas da ditadura) e foi rigoroso na defesa dos direitos humanos.

Equipamentos da TV Manchete, SP, 03/06/1983.

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a gestão de transição - renato ferrari

O ano de 1983 marca uma nova era para o Brasil. Após dezesseis anos de governos estaduais escolhidos indi-

retamente pelos grupos de apoio ao regime militar, dentro de um ambiente de bipar-tidarismo forçado, em novembro de 1982 ocorreram eleições diretas para governa-dor, com candidatos de cinco partidos po-líticos concorrendo ao cargo. Em São Paulo, venceu um candidato de oposição ao regi-me, o peemedebista André Franco Montoro, que tomou posse em março de 1983.

Os governos identificados com a ditadura, em que pesem os matizes mais ou menos liberais de alguns, haviam deixado um ras-tro de tecnocracia fria, negociatas escusas e truculência policial e política que era neces-sário eliminar. Tratava-se de limpar o “entu-lho autoritário”. Esta era a expectativa que se formava em torno dos governadores de oposição que tomavam posse em 1983.

Montoro fez jus a essa expectativa, reunin-do um secretariado combativo e lançando-se à reconstrução democrática do Estado. Deu prioridade às pequenas obras (em con-traste com a grandiloqüência das obras faraônicas da ditadura) e foi rigoroso na defesa dos direitos humanos.

Talvez tenha cometido um erro ao propor como primeiro ato de seu governo uma devassa total no governo de Paulo Maluf. Num país no qual a culpa enobrece e a ge-neralização transforma-se em vácuo, fa-zer uma devassa absoluta torna-se tarefa quase inútil. A justiça é sempre mais lenta que a denúncia e o tempo prescreve qual-quer culpa.

Figueiredo, em seu primeiro pronunciamen-to depois da eleição direta dos novos gover-nadores, reafirmou o propósito de manter diálogo com a oposição e considerou a pos-se daqueles como um acontecimento que abria importante etapa no caminho da de-mocratização do país. A Folha de São Paulo se despedia de José Carlos Dias, José Serra e João Benedito de Azevedo Marques, seus co-laboradores, agora ocupando importantes cargos públicos no governo Montoro.

Na data da posse dos governadores, a chuva havia matado dezoito pessoas em Petrópo-lis e Teresópolis, como é costume acontecer em cada verão. O petróleo baixara 15% por decisão da Opep. Tancredo Neves tomava posse em Minas e Leonel Brizola, com gran-des festas, no Rio de Janeiro.

Montoro enfrentou não poucos dissabo-res no início de seu governo. Nem a direi-ta reacionária desejava que um governador

Posse do presidente Renato Ferrari, SP, junho de 1983.

democrático desse certo, nem o PT se alegra-ria de ver o governo dele promover grandes realizações.

Apenas vinte dias após a posse de Mon-toro “ondas de saques e manifestações violentas tomam conta das ruas de São Paulo”. No dia 5 de abril, no segundo e úl-timo dia dos saques, a multidão derrubou as grades do palácio do Morumbi. Mon-toro estava no palácio com o governador Tancredo Neves e, contrariando alguns de seus auxiliares diretos, resolveu des-cer até a escadaria do Bandeirantes e re-ceber os manifestantes. Como era de seu hábito, dialogou com firmeza e serenida-de e só se irritou quando uma das líderes da manifestação quase lhe quebrou os dentes da frente, por um descuido, com o microfone. Montoro exigiu silêncio e res-peito. A crise se esvaziou. No dia seguin-te, a imprensa reproduziu em abundância textos dos adeptos da ditadura referindo-se à fraqueza de Montoro. Tancredo, con-tudo, afirmou que o governo democrático de Montoro começou naquele dia, com a introdução de um novo estilo de diálogo com a sociedade, mesmo em uma situação extremamente arriscada.

O grupo editorial de Adolfo Bloch, que rece-bera parte das emissoras dos Diários Asso-ciados, inaugurava a Rede Manchete.

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a fpa no início da redemocratização

Na Fundação Padre Anchieta as coisas não correram a princípio tão bem para as forças democráticas que galgavam o poder esta-dual. Em junho de 1983, um Conselho ainda dominado por grupos ligados ao regime mi-litar e às elites conservadoras da Universi-dade de São Paulo elegeu para a Presidência da FPA Renato Ferrari, advogado e empre-sário que mais tarde seria secretário mu-nicipal de Cultura de Jânio Quadros. Essa eleição se fazia estratégica para o grupo an-tipeemedebista, porque Soares Amora, “so-drezista” histórico e presidente desde 1976, dificilmente criaria empecilhos à implanta-ção de novas idéias na FPA, segundo a filo-sofia do novo Governo do Estado. Com seu espírito democrático, o governador Monto-ro aceitou a eleição de Ferrari pelo Conse-lho, tendo em vista a histórica autonomia da instituição.

Montoro tomou posse no dia 15 de março. Em 23 de fevereiro o Tribunal de Justiça já havia concedido mandado de segurança

para invalidar em definitivo os Decretos nºs 19.129 e 19.130, de 30 de julho de 1982, pelos quais o governador José Maria Marin havia alterado os estatutos da FPA e dissol-vido o Conselho Curador.

Em 18 de maio de 1983, dois meses após a sua posse, Montoro publicou o Decreto Es-tadual n° 20.930, que revoga os decretos que mudavam os estatutos da FPA, retor-nando a emissora ao seu perfil de institui-ção pública, nem estatal, nem comercial.

Carlos Queiroz Telles foi então mantido por Ferrari como coordenador da programação de TV, que em linhas gerais exibiu a mes-ma grade de programas do período ante-rior, sem perda de qualidade, mas também sem avançar nas inovações introduzidas em 1980 e 1981. Sem dúvida, um dos desta-ques desse período foi o infantil Catavento, de 1985, que nesse mesmo ano ganharia o Prêmio Japão da NHK como melhor progra-ma infantil. Em 1987, Catavento ganharia o 9º Festival Internacional de Cinema, Vídeo e TV de Cuba na categoria de melhor pro-grama infantil.

Estúdio, programa Catavento, TV Cultura, SP, 1985.

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a infância alinhada ao ensino

Havia uma programação infantil dentro da TV, essa pro-gramação infantil dentro da TV Cultura estava ligada ao Departamento de Ensino. A Cultura tinha dois grandes blocos: programas de ensino e programas culturais. Como se pudesse haver uma distinção entre educação e cultura, mas havia uma distinção, os dois departamentos e o jornalismo. E os programas infantis ficavam sempre alinhados justamente para serem educativos na programação da área de ensino. O “Bambalalão” tem muito disso, o “Curumim” tinha disso. O “Catavento” surgiu também, ele seguia princípios pedagó-gicos, tinha uma orientação pedagógica clara, direta, havia uma pesquisa para dizer onde há uma deficiência, feita pela professora Célia Marques, quando a gente fez o “Catavento”. E o “Catavento” foi feito com recursos muito pobres.”

Célia Regina Ferreira Santos

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Passeata pelas Diretas Já, SP, 1984.

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Em novembro de 1983, a TV Cultura não par-ticipa do Sinted (Sistema Nacional de Te-levisões Educativas), em protesto contra a Portaria nº 162, de 31 de agosto de 1983, do Ministério da Educação, que determina que as televisões educativas devam ser subordi-nadas à TVE do Rio de Janeiro. A FPA nunca tomou conhecimento dessa portaria.

a emocionante cena política do tempo da abertura

Enquanto a FPA procurava enquadrar-se nos novos parâmetros democráticos, a cena polí-tica exibia uma movimentação crescente – e com lances emocionantes. Em 1983 já havia alguma liberdade no país, com pluripartida-rismo, eleições para governador e ausência de censura prévia à imprensa, mas o presidente ainda era um general, a Constituição era aque-la outorgada em 1967 e o risco de retrocesso mostrava-se real. A abertura política tinha de ser concluída para que o país se estabilizasse.

Em 02 de março de 1983, um jovem e relati-vamente desconhecido deputado federal por Mato Grosso, o peemedebista Dante de Oli-veira, propôs uma emenda constitucional que previa eleições presidenciais diretas. Se-ria uma iniciativa inócua, e até temerária, não fosse a crescente mobilização da população em torno da idéia. O início foi discreto: no dia 15 de junho de 1983, em Goiânia, Dante de Oli-veira reunia cinco mil pessoas em favor de sua emenda por eleições diretas para presidente. Em 27 de novembro, uma manifestação pelas eleições diretas em São Paulo, promovida pelo PT, juntou cerca de dez mil pessoas no Pacaem-bu. Em 12 de janeiro, Curitiba arregimentou trinta mil. Nos primeiros dias de 1984, as “for-ças vivas” da sociedade, incluindo os partidos de oposição ao regime, tinham aderido à cam-panha, que se tornou nacional, de proporções nunca vistas na história da República.

Em 25 de janeiro de 1984, na Praça da Sé, marco zero da cidade, por convocação de Franco Montoro, realizou-se o primeiro me-gacomício em favor da emenda de Dante de Oliveira: mais de trezentas mil pessoas, se-gundo a Folha de São Paulo, compareceram à praça, mas o movimento nas ruas próxi-mas chegou a quinhentas mil. Daí para frente, desencadeia-se o maior movimento de massa e de opinião da história do Bra-sil, só comparável à campanha pela aboli-ção da escravatura. Um milhão de pessoas na Avenida Presidente Vargas carioca em 10 de abril, um milhão e setecentas mil pesso-as reunidas pela campanha “Diretas Já” no Vale do Anhangabaú, em São Paulo.

Em 25 de abril de 1984, sob forte pressão do regime militar, a proposta de emenda cons-titucional de Dante de Oliveira foi rejeitada pelo Congresso Nacional, adiando a plena redemocratização do país por mais alguns anos. Contudo, as enormes manifestações pelas Diretas Já consolidaram a posição dos

democratas: depois delas, a permanência dos conservadores no poder tornara-se invi-ável. A festa da democracia viera para ficar.

No Brasil em festa, em 11 de janeiro de 1985 começava o Rock in Rio Festival, primeiro megaevento musical do país. E no mesmo dia 15 de janeiro em que, na “cidade do rock” de Jacarepaguá, se apresentavam Eduardo Dusek e o dinossauro AC/DC, na “cidade da política”, Brasília, o “rock” era outro: Tancre-do Neves, do PMDB, era eleito pelo Colégio Eleitoral o primeiro civil presidente da Re-pública a ser eleito desde 1960.

As esperanças em torno do novo presi-dente, porém, não duraram muito, pois Tancredo não tomaria posse, internado às vésperas da solenidade com uma séria infecção. Em 15 de março de 1985, foi o vi-ce-presidente eleito, José Sarney, que assu-miu a Presidência. Tancredo morreu a 21 de abril e coube a Sarney encaminhar a rede-mocratização do país.

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Bombeiros apagam focos do incêndio, TV Cultura, SP, março de 1986.

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muylaert reorganiza a fpa O mandato de Renato Ferrari encerrou-se em 1986, pouco depois de um espetacular incêndio destruir parte das instalações da TV Cultura.

Ocorrência relativamente comum em estú-dios de televisão – o fogo atingiu duramen-te outras emissoras paulistanas como a TV Globo (1969), a Record (1969), a Bandeirantes (1969) e a Excelsior (1970) –, o incêndio da Cul-tura como que marcava o fim da ditadura mi-litar na Fundação Padre Anchieta.

Solidariedade das emissoras

Durante o incêndio houve momentos de consternação, de choros, uma coisa muito triste. O pessoal, isso se dá assim, acho que o profissional de televisão, aqui particularmente tem essa relação, ela é muito mais forte. Mas mesmo nas outras emissoras comerciais, o profissional tem um carinho muito forte com a instituição dele. É uma coisa muito forte mesmo. Então nós, meio-dia, tocamos o barco para frente. Começamos improvisando recursos. Tínhamos o teatro, Franco Zampari, a gente procurou fazer uma programação lá no teatro. Nós tivemos o apoio das outras emissoras também, a gente ia editar na Bandeirantes, tivemos a TVE do Rio de Janeiro, a cessão de algumas máquinas, é uma solidariedade técnica muito grande. A Bandeirantes deu apoio para a gente, nós editávamos lá, enfim, o que a gente conseguia produzir a gente ia lá e editava, pegávamos alguns produtos também da TVE do Rio de Janeiro via rota de microondas. Enfim, a grade foi mais ou menos recupe-rada, passamos a produzir lá no teatro, dali a gente vinha e montava, e aí essas duas unidades maiores eram o nosso controle técnico, nosso master de programação.”

José Munhoz

o que não queimou, estragou

O foco do incêndio foi perto do pano do “Bambalalão” – um programa infantil nosso. Isso foi de madrugada, então, a hora que perceberam, a curva do incêndio estava num ponto onde você não tinha mais controle. A providência era, claro, chamar os especialistas de combate, o corpo de bom-beiros. Eu vim para cá na época, cheguei muito rápido, me ligaram, vim para cá. E a gente cercou as áreas com cortinas de água. A gente procurou isolar o foco do incêndio, ma-neira pela qual nós acabamos preservando parte de nossas instalações. Onde, coincidentemente, a gente tinha o acervo, onde tinha o arquivo, a gente conseguiu salvar todas as fitas com essas cortinas de água. O corpo de bombeiros cercou o fogo. Só que os circuitos de insuflamento de ar, quer dizer, de climatização dos ambientes, fizeram com que toda aquela fumaça, mais os produtos químicos usados pelos bombeiros, viessem e se depositassem em todas as nossas máquinas. Resultado: mesmo o que não queimou acabou deteriorando. E nós tivemos durante um longo período um trabalho de limpeza desses módulos, desses circuitos, com outros produ-tos químicos também.”

José Munhoz

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Folha de S. Paulo, 09/06/1986:

Roberto Muylaert assume a presidência da Fundação Padre Anchieta numa fase particu-larmente problemática da vida da RTC. Após o incêndio que em 28 de fevereiro último des-truiu o maior e mais importante estúdio da emissora (no bairro da Água Branca, zona oes-te de São Paulo) e consumiu Cz$ 276 milhões entre construção e equipamentos, a TV Cultu-ra viu-se reduzida em 90% de sua capacidade. Programas como o infantil “Bambalalão”, “Li-gue para um Clássico” e “Palavra de Mulher” passaram a ser gravados no Teatro Franco Zampari (Av. Tiradentes, zona central de São Paulo). As emissoras Manchete e Globo cede-ram suas “ilhas” para a edição de reportagens da Cultura e os programas passaram a ser transmitidos de um caminhão de externas instalado no pátio da RTC.

O novo presidente diz que o prédio destruído está em testes de estrutura (realizados por técnicos da Unicamp), ao fim dos quais será reiniciada sua reconstrução, com duração pre-vista de seis meses. Em regime de urgência estão sendo feitas adaptações num edifício contíguo, onde a partir de agosto deverão ser gravados alguns programas da emissora. Pelas contas de Muylaert, pouco dos US$ 12 milhões em que foi orçada a reconstrução da Cultura será gasto no prédio.

Segundo ele, o orçamento da RTC para este ano – Cz$ 225.315.678,00 – previa reformas nos estúdios e a suplementação não será grande. A maior parte da verba de reconstru-ção será gasta em equipamentos. A primeira parte deles deverá chegar ao Brasil em agosto (importada dos Estados Unidos e Japão), para atender às necessidades mais urgentes; a segunda, esperada para dentro de seis a oito meses, constitui o que ele chama de “equipa-mento da pesada” que deverá provocar a “re-novação total da emissora”. Eleito ao mesmo

Com efeito, findo o mandato de Ferrari, e com a correlação de forças no Conselho agora afi-nada com os novos tempos democráticos, Ro-berto Muylaert, profissional renomado da área da comunicação, foi eleito presidente da FPA em junho de 1986.

A complicada relação do malufismo com a Fundação, agravada pelos três anos da ges-tão Ferrari, acentuaram a necessidade de promover uma reforma completa na Fun-dação, e Muylaert assumiu essa tarefa com grande energia.

A reformulação da Fundação Padre Anchie-ta começou paralelamente à mudança dos estatutos, ampliando a base democrática do Conselho Curador e reforçando o poder dos cargos técnicos, ao criar diretorias remune-radas de Programação e Técnica. Mantém-se a inabalável independência da Fundação, cuja estrutura jurídico-administrativa, des-de o seu início, manteve-se intocada, permi-tindo todas as correções de rota necessárias ao aperfeiçoamento da FPA.

Muylaert, membro do Conselho Curador, to-mou posse no dia 09 de junho de 1986, tendo como vice a presidente do Conselho Estadual de Educação, Maria Aparecida Tamaso Garcia.

Vale reproduzir a reportagem produzida pela jornalista Renata Lo Prete na Folha de S. Pau-lo do mesmo dia 09 de junho, que espelha em detalhes o pensamento de Roberto Muylaert e as circunstâncias jurídico-institucionais que cercaram sua posse.

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tempo em que o governador Franco Monto-ro assinou decreto determinando mudanças estatutárias na Fundação Padre Anchieta – vetando o substitutivo do deputado Fernando Morais (PMDB-SP), aprovado pela Assembléia Legislativa, que modificava profundamente os estatutos da Fundação –, Muylaert diz que o projeto aprovado pela Assembléia, embora vetado, serviu de catalisador no processo que desembocou no decreto de Montoro.

Em sua opinião há pontos em comum entre ambos, como o aumento de representativida-de no Conselho Curador e a profissionalização da diretoria. A “profissionalização”, que signi-fica principalmente a remuneração dos mem-bros da diretoria, foi um dos pontos mais polêmicos do projeto de Morais, combatido por parte do Conselho Curador e inclusive pelo curador de fundações, Francisco Bandei-ra Lins. Segundo Muylaert essa questão ainda está em tramitação, mas ele e seus compa-nheiros de diretoria serão remunerados por suas funções.

“Os problemas da Cultura tem que ser ataca-dos como um todo, do ponto de vista admi-nistrativo e de programação”, diz Muylaert. Isso, para ele, não significa “chegar lá e mudar tudo”, pois em sua opinião “algumas coisas funcionam bem, como os técnicos da emisso-ra que, tendo condições, podem fazer um tra-balho do mais alto nível”. Usa como exemplo os programas feitos pela emissora em 1978 e 1980, durante os festivais internacionais de jazz em São Paulo, evento organizado por sua empresa Editeve (Muylaert fez ainda na Cul-tura os programas “Vox Populi” e “Quem se Comunica”).

Quando se fala do problema, Muylaert toca na questão dos sempre muito baixos índi-ces de audiência. “Parto do princípio que a emissora vai ter audiência, do contrário to-dos os planos que estamos fazendo para a

programação não valem nada”; diz ele, que terá como braço direito no setor o diretor de TV Roberto Oliveira (responsável, entre ou-tros, pelos programas “Oito e Meia”, da Ban-deirantes, e “Olho Mágico” da extinta Abril Vídeo). Em sua opinião a televisão educativa não deve competir com as emissoras comer-ciais, “o que não significa que não deva ter au-diência mensurável”.

Em linhas gerais, as inovações pretendidas por Muylaert no setor de programação in-cluem o fim de cursos curriculares completos (tipo “Telecurso 1° e 2° graus”), que devem ser substituídos por cursos complementares para “reforçar o ensino oficial e serem cobrados em aula”. Ainda na área de cursos pretende-se incluir alguns profissionalizantes. Há tam-bém orientação no sentido de dotar de mais recursos programas considerados “de suces-sos da emissora” como os infantis “Bambala-lão e Catavento”. Muylaert diz que pretende investir em programas jornalísticos, “coisa que as outras emissoras pouco fazem, ficando restritas aos ‘telejornais’”. Além disso fala em ampliar o telejornalismo cultural, “área em que a Cultura sempre atuou e em que preten-demos nos aprofundar”.

Muylaert diz acreditar que uma conjunção de fatores deverá contribuir para o sucesso de sua gestão à frente da RTC. Em primeiro lugar o fato de ele ser “o primeiro profissional da área a ocupar o cargo” (além de ex-presidente da Fundação Bienal, ele já dirigiu as revistas “Veja” e “Visão” e realizou para a TV Globo o projeto “São Paulo 2000”, entre outras coisas). Em sua opinião, o Conselho Curador da en-tidade não deverá se opor às mudanças que pretende realizar. “Tenho o apoio do conse-lho, e estou certo de que a única pessoa que pode dar o sinal de toque para o início das mudanças é o presidente da Fundação, por-que ela tem uma estrutura essencialmente presidencialista”.

Captar recursos

A Lei Sarney, que torna dedutíveis de imposto de renda investimentos na área da cultura, deverá ter efeito também sobre a RTC, na opi-nião de Muylaert, que pretende sistematizar na emissora vários instrumentos de capta-ção de recursos. Como a citação de empresas que colaborarem na produção dos programas, recurso que vem sendo utilizado pela TVE do Rio de Janeiro e que, ao contrário da propa-ganda de produtos, é permitido pelos estatu-tos da Fundação.

Além disso, tão logo os estúdios estejam fun-cionando normalmente, Muylaert preten-de que a RTC preste serviço a terceiros. “Não podemos veicular comerciais, mas nada nos impede de produzi-los para levantar recursos. O terceiro ponto dessa estratégia prevê a rea-lização de eventos, como festivais de música, que além de tornarem mais atraente a pro-gramação, porque exclusivos, possibilitariam a arrecadação de verbas com a bilheteria.

O deputado Fernando Morais diz que o decre-to assinado por Montoro determinando mu-danças na Fundação Padre Anchieta “é tímido e conservador no que diz respeito à participa-ção da sociedade no Conselho”. Ele qualificou ainda o decreto como “espertinho, porque ao mesmo tempo em que inclui um represen-tante da UEE (União Estadual de Estudantes) no Conselho, exclui dele representantes do sindicato dos jornalistas, artistas, radialistas e conselhos da mulher e do índio. Morais diz que “a sociedade terá dificuldade de controlar como seu dinheiro é gasto”.

Sobre Roberto Muylaert, acha que é um pro-fissional competente, mas é contra o fato de “a presidência estar novamente nas mãos de um membro do Conselho, e não de uma pes-soa de fora, contratada para o cargo”.

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Roberto Muylaert foi bastante fiel às pro-postas relatadas nesta matéria jornalísti-ca, publicada no dia de sua posse. Somente bem mais tarde, considerou, já fora da dire-ção da Cultura, que com a constante crise financeira da instituição, o jornalismo po-deria ser extinto em função do melhor apro-veitamento das verbas na produção infantil e cultural.

A boa matéria jornalística de Renata Lo Prete coloca uma questão que precisa ser aprofundada e que a meu ver constitui um dos marcos do relacionamento do Gover-no do Estado com a Fundação Padre An-chieta. O Estatuto decretado por Montoro, e adotado pelo Conselho da Fundação, constituiu uma enorme evolução jurídi-ca e institucional para a televisão pública em questão e mesmo como modelo para as demais televisões públicas do país. Em primeiro lugar, o novo Estatuto mantém a independência política, intelectual e ad-ministrativa da Fundação, acatando em gênero e número a decisão judicial que a considera uma fundação de direito priva-do. Quanto à composição do Conselho, ado-ta uma posição avançada e extremamente representativa da sociedade, dividindo-o em partes significativamente proporcio-nais. O número de membros do Conselho Curador eleva-se a quarenta e cinco (arti-go 8º), sendo:

• três membros vitalícios (representantes da sra. Renata Crespi da Silva Prado);

• vinte membros natos (representantes de entidades coletivas, entre elas duas novas universidades, a Unicamp e a Unesp);

• vinte e um membros eletivos; e

• um representante dos empregados da Fundação.

Sinal dos novos tempos, entre os membros natos encontram-se o representante da As-sociação Brasileira de Imprensa e o da até há pouco proscrita União Estadual dos Es-tudantes. A existência de um representan-te dos empregados, eleito diretamente por seus pares (artigo 12), também atesta a nova composição de forças que o governo demo-crático sugeria.

Esse equilíbrio permitiu à instituição enfren-tar todas as crises financeiras e institucionais que viriam, próprias de uma entidade que, embora independente, depende de verbas governamentais, obrigatórias por lei, mas indefinidas quanto ao valor. Garantiu-lhe, e isso é da maior importância, a independên-cia, hoje considerada atributo fundamental da televisão pública no Brasil e em todo o mundo, ainda que só adotada por algumas televisões como a BBC da Inglaterra e as tele-visões constitutivas da PBS americana, além da TV Cultura de São Paulo.

Já na organização funcional, o novo Esta-tuto aprofunda a profissionalização dos cargos diretivos, com a criação de quatro diretorias, além do já existente diretor pre-sidente, os quais compõem a Diretoria Exe-cutiva (artigo 18):

• diretor superintendente;

• diretor administrativo e financeiro;

• diretor técnico;

• diretor de programação.

Fator importante de profissionalização, a partir de então a Diretoria Executiva passa a ser remunerada, criando-se um vínculo empregatício antes inexistente entre os di-retores – incluindo o diretor presidente – e a Fundação (inciso X do artigo 14).

Na prática, a Presidência passa a ser com-partilhada entre o diretor presidente, que representa a Fundação perante o Conselho, a Justiça e a sociedade (artigo 20), e o dire-tor superintendente, que administra o dia-a-dia da Fundação, coisas como contratação de pessoal etc. (artigo 21).

Nesse contexto jurídico-institucional, Muy-laert presidiu a TV Cultura com amplo apoio do Conselho e reconhecimento da sociedade, atravessando algumas crises no setor de jorna-lismo e de direção.

Com o intuito de marcar os novos tempos, logo de início a marca RTC – identificada em demasia com Paulo Maluf – foi eliminada, adotando-se a tradicional TV Cultura.

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brasileiro não fala sigla

Consegui mudar o nome da emissora de RTC para Cultu-ra. O Roberto [Muylaert] falava: “Ah, isso não dá, o Con-selho não vai aprovar”. E eu respondia: “Roberto, é uma palavra mágica, é um nome mágico, Cultura. Segundo, o brasileiro não fala sigla, é difícil, não sabe falar sigla, e Cultura é um grande nome, mágico. E outra, esse negócio de TV educativa é um entulho autoritário, nós temos que ir para o lado cultural. A única chance dessa empresa, dessa televisão, é se ela tiver esse viés cultural forte, por-que teleeducação já não é mais, está mudando, a televi-são não é eficiente para fazer teleeducação, do jeito que está.” Mas ele falou: “É, mas o Conselho não aprova”; eu falei: “Então por que você não faz uma pesquisa?”, ou ele mesmo quem sugeriu, “Então vou fazer uma pesquisa”. Fez a pesquisa, e apesar da emissora estar há nove anos assinando RTC, oitenta por cento do público chamava de Cultura. Maior falta de sensibilidade que eu já vi na minha vida, não é? Os caras não percebiam que o povo chamava a emissora de outro nome. Eles se apresenta-vam como RTC, e não percebiam que todos chamavam de Cultura. E aí mudou.”

Roberto de Oliveira

Ao mesmo tempo, mudaram-se as chefias. Roberto de Oliveira, experiente diretor de TV, assumiu a Diretoria de Programação de TV no lugar de Queiroz Telles, montando uma equipe própria e iniciando um projeto de renovação da programação.

A mais admirável característica desse perío-do de profundas mudanças é que, longe de ter qualquer caráter de retaliação política ou de luta pelo poder entre grupos partidá-rios, as reformas de Muylaert tinham como foco prioritário obter eficiência operacional e melhoria da qualidade da programação.

dar força para a fundação

Eu acho que o Roberto Muylaert tinha muita habilidade, era muito simpático, e era um cara que gostava daquilo, moderno, com uma cabeça moderna. Então eu acho que foi importante, ele fez as funções dele de presidente. E eu acho que fiz as fun-ções do técnico de televisão, conhecendo também, obviamen-te, bastante a questão estratégica, porque é uma coisa que eu aprendi a fazer em televisão, essa questão estratégica. Eu acho que atuei bastante nisso, aliás, acho que talvez a minha importância maior tenha sido nisso. Fazer uma programação de manhã, e bem-sucedida. Fazer um jornal forte para dar força para a Fundação, força política. Fazer o “Roda Viva” para dar força política, eu acho que isso aí foi importante. Eu tinha essa consciência, eu sabia que a gente estava correndo riscos, não é? E eu me preocupava muito com isso. Então a gente começou a ganhar força política, tranqüilidade, influência. O Roberto chegava nos lugares mais fortalecido, também para negociar com o pessoal do Quércia. O pessoal acabou acei-tando e viu que não valia a pena mexer em um negócio que estava funcionando. E que estava dando crédito para eles. Aí o Roberto [Muylaert] começou a conseguir grana, começou a conseguir dinheiro, as contas ficaram estáveis, e assim foi.”

Roberto de Oliveira

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uma grande revolução

Cheguei lá como diretor adjunto, aí nós fizemos uma grande transformação na TV Cultura. Nós fizemos o “Roda Viva”, que dura até hoje, fizemos o “Metrópolis”, que não é esse “Metrópolis” que está agora, era um “Metrópolis” que era um estúdio inteiro, que tinha todos aqueles sets, etc. e tal que era. Para você ter uma idéia, a estréia do “Metrópolis” tinha lá duzentas pessoas no estúdio, a Marisa Monte que estava se lançando, a orquestra dos Heartbreakers, o conjunto do Heartbreakers. Era uma festa o “Metrópolis”, era um negócio assim, exuberante. Aí nós fizemos um programa de esporte radical que deu o “Esporte Espetacular” na Globo, mas era um programa chamado “Vitória”, que era domingo à noite e tinha uma tremenda audiência; os documentários... Então, foi uma grande revolução. Tem uma coisa que eu vou contar, que é bom que você ouça, aí o Roberto falou: “Marcos, vamos fazer um novo logotipo para a TV Cultura, fazer uma nova vinheta...”. Só que na época não tinha computação gráfica na TV Cultura, então o que a gente fez? Nós fizemos aquele logo de madeira, em 3-D, aí fomos para um lugar lá em cima, ficamos uma semana iluminando, com várias camadas de vidro; e cada vidro tinha um pedaço do boneco. Então en-trava um vidro assim, depois entrava um vidro assim, para a gente formar a figura do Padre Anchieta. Com madeira. Hoje você vai no computador do teu telefone celular, você faz isso apertando um botão, entendeu? Você pega essa figura gráfica, só transforma em, sei lá, em delta Z e aperta um botão. Um celular faz isso, e nós passamos meses para fingir que a gente tinha computador porque só tinha computador a Globo. Que era lá o Dias que montou aquele sistema de computadores para fazer aquelas vinhetas do Hans Donner. E a gente resolveu fazer uma coisa gráfica, a gente achava que tinha que fazer uma coisa com cara de computação grá-fica, não tinha grana para ir para os Estados Unidos, então a gente fez desse jeito que era puxar o piano em vez de puxar o banquinho. Mas enfim, faz parte da história da TV Cultura.

Marcos Weinstock

Marcos Weinstock, SP.

Página ao lado: Piloto do programa Metrópolis, março de 1998; Beth Carvalho e Maria Amélia Rocha Lopes, julho de 1991; Jimmy Cliff, 20/11/1990; Cadão Volpato e Raul Cortez, 15/04/1992; Maria Amélia Rocha Lopes com Marisa Monte e Nelson Motta, 04/03/1988; A Velha Dama Indigna, com Maria Alice Vergueiro, Edith e Cacá Rosset, 05/08/1988 - Progra-ma Metrópolis, TV Cultura, SP.

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Muylaert e sua equipe introduziram um componente novo à fórmula já vitoriosa de 1980-1981, que iria mostrar-se funda-mental para os rumos da FPA desde então: a adoção de um padrão de qualidade téc-nica equivalente ao das melhores emisso-ras do país.

vieram quinze pessoas da globo

Era o argumento que a gente usava para o jornalismo. A gente ainda não falava em TV pública, mas falava: “A Fundação é uma fundação independente, uma fundação de direito privado, ela não é obrigada a ser um órgão do Governo.” Portanto ela pode fazer um jornalismo baca-na. É óbvio que ela tem uma ligação com o Governo, isso implica em um monte de coisas, boas e ruins, mas nada impede de fazer uma boa televisão. E uma televisão com independência, respeitada. Aí todo mundo comprou essa briga e vieram quinze pessoas da Globo trabalhar com a gente no jornalismo, quinze. E gente muito boa, gente muito boa. A Graziela Azevedo, que é uma repórter fan-tástica, estava lá com a gente, a Mona Dorff, tinha um monte de gente. Muitos editores vieram da Globo, e aí ficou um jornalismo super bacana.”

Roberto de Oliveira

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A adoção de um alto padrão de qualidade sem dúvida deveu-se à habilidade de Muy-laert como administrador, aliada a ques-tões como o incêndio de fevereiro de 1986, que obrigou o Governo do Estado a investir em novas instalações e equipamentos.

E foi assim que a nova administração da FPA conseguiu dar um passo à frente em relação à programação criada por Queiroz Telles, pois, se boa parte dos programas que surgi-ram na gestão Muylaert foram na verdade novas versões de programas já existentes (caso do Roda Viva, de 1986, que substituiu Vox Populi, mas que ganhou um formato ex-tremamente original, que perdura até hoje, como o principal programa da TV Cultura; ou de Olhar Feminino, de 1987, que ocupou o lugar de Palavra de Mulher; ou de Enigma,

também de 1987, que repetiu a fórmula de Quem Sabe, Sabe; ou de Metrópolis, de 1989, que seguiu a linha do Panorama), o fato é que o padrão geral de produção desses pro-gramas é mais alto do que o dos anteriores, com sensível melhoria do resultado final.

A possibilidade de melhorar fortemente a qualidade técnica da programação sem dúvida era garantida e viabilizada pela in-dependência da Fundação, que era minima-mente afetada mesmo pelas mudanças de governo. Em março de 1987, Orestes Quércia tomou posse como governador do Estado de São Paulo – o segundo eleito pelo povo após a abertura política – e, apesar de fazer parte de um grupo que dentro do PMDB divergia de Montoro, o novo governador conviveu sem maiores problemas com Muylaert.

É verdade que, desconhecendo as caracte-rísticas jurídicas da FPA, Quércia preten-deu nomear um presidente por decreto logo após a sua posse, mas de pronto foi dissua-dido por Fernando Morais, que lhe explicou a natureza privada da Fundação. Desde en-tão, Quércia foi só colaboração com Roberto Muylaert, principalmente através de seu se-cretário da Fazenda, Frederico Mazzucchelli, economista ligado ao setor artístico, princi-palmente musical.

Lastreado pela independência da Fundação Padre Anchieta e pelo bom relacionamento com o Governo do Estado, Muylaert iniciou seus planos de dar à TV Cultura uma pro-gramação de alto nível. Um dos primeiros programas dessa fase, e que em 2007 conti-nua no ar, é Roda Viva.

Página ao lado: Programa Enigma, TV Cultura, SP, junho de 1987. Nesta página: Marisa de Barros e Luis Serra, progra-ma Palavra de Mulher, TV Cultura, SP, 08/04/1982.

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Auditório do programa Enigma, TV Cultura, SP, década de 1980.

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como nasceu o “roda viva”?

Como é que nasceu o “Roda Viva”? Logo que a gente começou esse trabalho, a gente tinha exaustivas reuniões diárias para discutir projetos de programas, para discutir programação, para discutir, enfim, como fazer, como sacudir um pouco aquele paquiderme, e o Roberto Oliveira, um dia, falou: “Olha, é, andei conversando aí...”, nas reuniões que ele tinha lá com o Muylaert, “... a gente chegou à conclusão, o Muylaert tem uma expectati-va de termos aqui um grande programa de entrevistas”, expec-tativa que eu imagino devia ser também do próprio Conselho da Fundação, e ele: “Mas tem de ser um programa de entrevistas novo, ele não pode ser mais um. Vamos fazer um programa de entrevistas que tenha relevância. Que chame atenção para aquilo que nós estamos, para o projeto que nós estamos desen-volvendo aqui dentro, e que seja um programa que também nos dê prestígio. Bom, como é que vai fazer?”. Aí começa-se a discutir. E foi indo. O consenso era o seguinte: primeiro, ele tem que ser um programa que, por ser um programa de entrevistas, tem que ter um entrevistado, no mínimo. E esse entrevistado não pode ser qualquer um, nós vamos trabalhar sempre com o primeiro time. Quer dizer, se nós vamos falar de Governo, nós temos que ter um ministro, no mínimo. Se a gente não puder ter o presidente da República, nós temos que ter um ministro, ou governadores. Secretário de Estado já está um pouco abaixo. Se nós estamos falando de futebol, tem que ser jogador de nível de seleção brasileira, no mínimo, entendeu? Se o assunto é cultura, têm que ser os tops. Então, quer dizer, a primeira coisa é assim. Tem que ser um programa que, quem sente aqui para falar, tenha o que falar, do ponto de vista de conteúdo, do ponto de vista de relevância, e do ponto de vista de inserção no contexto daquele assunto ali. Agora, como é que vai ser esse programa? Bom, a idéia melhor é a seguinte, como nós vamos, assim, a gen-

te quer ter visibilidade, uma coisa que cumpre com esse papel é fazer uma espécie de uma entrevista coletiva. Porque a gente vai poder selecionar os entrevistadores. Então nós não precisamos nos limitar aos profissionais do jornalismo que nós temos aqui dentro. A gente vai buscar na mídia aqueles que se consideram profissionais que possam botar contra a parede o entrevistado. Primeiro time com primeiro time.

Um programa que se propôs, desde sempre, fundamental, antes disso tudo, a ter independência total de pauta, não é? Indepen-dência total. Muito bem. Então o primeiro time com primeiro time. Com o efeito multiplicador disso. Se eu tenho na bancada, entrevistando, um cara do “Estado de São Paulo”, é possível que no dia seguinte o “Estado de São Paulo” olhe com um pouco mais de atenção para esse programa, e aí, ele mesmo vira um multiplicador. Então, bom, está legal. Então, a idéia de uma entrevista coletiva, onde a gente vai convidar semanalmen-te entrevistadores, que não precisam ser sempre os mesmos, pelo contrário, é bom variar, mas aí, o programa tem que ter um âncora. Bom, muito bem, você vai ter um âncora. Aí, nós entramos com um profissional que estava, não lembro, acho que estava saindo da TV Manchete, se não me engano, que já tinha passado pela Globo, que era o Rodolfo Gamberini. Gostou da idéia, ficou, então foi convidado a ser o âncora do programa, e aí, faltava o formato. Como é que você vai fazer um programa que cumpra com esse papel, mas que tenha um formato que seja diferente, não seja aquela coisa arrastada. Porque progra-ma de entrevista na televisão, você sabe, tem a tendência de ser uma coisa arrastada e chata.”

Valdir Zwetsch

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Vinheta do programa Roda Viva, 2ª versão, TV Cultura, SP.

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uma roda viva na tv brasileira

Aos 21 anos, o “Roda Viva” é, sem dúvida, o mais influente e reconhecido programa de entrevistas da TV brasileira. O conceito inovador criou e abriu um caminho próprio no formato, uma espécie de arena. Uma “roda” de entre-vistadores e um entrevistado no centro. Numa cadeira giratória, o entrevistado gira para todos os lados. Pois de todos os lados podem vir perguntas e questionamentos. E de todos os lados ele é acompanhado por câmeras que também o circundam.

A bancada comporta até oito entrevistadores, número que favorece a representação de “todos os lados” que garantem a diversidade de pensamento, a pluralidade de opiniões. A duração da entrevista, uma hora e meia, repre-senta o maior espaço dado pela televisão brasileira a um entrevistado. É outro fator que facilita o aprofundamento do debate em torno das idéias e das conjunturas que a cada momento precisam ser discutidas. E bem discutidas.

Por seu formato único, pelo tempo dedicado a cada entre-vista, pela diversidade de entrevistadores, entrevistados, opiniões e temas, o “Roda Viva” revelou e desmistificou personalidades e pensamentos que permearam a vida nacional ao longo desses anos. Políticos, trabalhadores, acadêmicos, pensadores, artistas, líderes empresariais e sindicais, representantes do poder ou de minorias tam-bém em busca de espaço no debate nacional, gente que construiu e reconstruiu o pensamento crítico a respeito da vida e do mundo. Eles falaram com o Brasil através do “Roda Viva”.

Esse canal de comunicação com a sociedade civil nasceu quando o Brasil dava seus passos iniciais rumo à redemo-cratização. Surgiu com o espírito de discutir o que não era discutido no ciclo escuro e doloroso do regime militar recém acabado. Na reabertura política, o “Roda Viva” significou a reabertura das idéias, da discussão, a busca de compreensões e luz nos rumos que se abriam a partir daquele momento. Não por acaso, seu primeiro convidado, na estréia em 29 de setembro de 1986, foi o então ministro da Justiça Paulo Brossard. Um representante da Justiça, área delicada que tanta discussão ensejava e que naquele momento foi submetida ao “abridor” do “Roda Viva”.

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um programa doidão

Eu estava na Band, havia acabado de fazer o programa da Marília Gabriela, chamado “Marília Gabi Gabriela”. Era um programa doidão, eu sofri muito com esse programa. Ele tinha um eixo móvel, eu fiz como se fosse uma aldeia redonda, como se fosse uma praça, com cenários em volta, um cenário redondo em volta. Quer dizer, para transmitir para televisão é uma encrenca, porque a televisão precisa de eixo, ela vive como em um palco italiano, platéia e palco. Então ela tem um eixo imaginário, aqui está o espectador, lá está a platéia, lá está o assunto. Se você inverte esse eixo na posição das câmeras, não faz um corte direito, dá uma inversão de eixo que as pessoas não entendem direito quando vêem no ar. Você, por exemplo, está em close na tela, olhando para o lado direito; quando você vai cortar para a pessoa que está conversando com você em close, a pessoa tem que estar olhando para o lado esquerdo, olhando para você. Porque a idéia do telespectador é que um está de frente para o outro; se você inverte o eixo, corto para você olhando para este lado, corto para o outro olhando também para o outro lado, então o telespectador tem a impressão que um está falando com a nuca do outro. Portanto, essa questão do eixo é uma coisa básica, por isso que toda televisão imita o teatro, o assunto ali e as câme-ras no lugar da platéia. E eu resolvi quebrar um pouco isso lá na Gabi, e fiz esse negócio que era uma encrenca, levei um mês para treinar os caras, sabia que o eixo era um eixo móvel, e imaginário, quer dizer, quando o assunto mudava, o eixo mudava, e as câmeras, o cara que era uma câmera frontal, ele virava a câmera da esquerda, a câmera estava em posições diferentes, mesmo sem sair do lugar, ele mu-dava porque o assunto mudava, enfim... O “Roda Viva” foi a seqüência disso. Eu chamei o Marcos Weinstock para ser o cenógrafo. Aliás, o Marcos fala que ele fez o “Roda Viva”, não é verdade? Ele foi ser o cenógrafo lá da Gabi.”

Roberto de Oliveira

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A confrontação de idéias, de forma clara e aprofundada, caracterizou a arena redonda do programa como o espaço do debate público democrático no novo Brasil que se rede-mocratizava. A independência na escolha de entrevistados e entrevistadores, a inexistência de qualquer controle de conteúdo nas entrevistas – não há restrições a perguntas e nunca se sabe previamente o que será abordado – e a abertura para todos os tipos de temas e personagens ga-rantiram substância e respeito ao programa. A única regra imposta foi a da relevância. Tema relevante, entrevistado relevante e uma entrevista feita de forma relevante.

Nessa perspectiva, passaram pela bancada do “Roda Viva” quase três mil entrevistadores até este agosto de 2007. Em geral, jornalistas, representantes dos principais veículos de comunicação do país. Mas também participaram da bancada representantes de universidades, entidades e or-ganizações conhecidas, reconhecidas e presentes no debate nacional.

Todos perguntaram, interpelaram, provocaram e deba-teram com mais de mil e cem personalidades brasileiras e estrangeiras. Foram também realizadas dezenas de edições especiais, no formato de debate, com o convidado sendo substituído por um tema central, então analisado e discutido por uma bancada de especialistas, escolhidos pelo reconhecimento adquirido em suas áreas de atuação e também de forma a contemplar a pluralidade dos pontos de vista envolvidos em cada tema. Questões importantes que inquietaram a vida nacional ou cruzaram barreiras novas do conhecimento foram tratadas dessa forma no programa, que também abriu o olhar para problemas mundiais e para as mudanças trazidas pela globalização. Personalidades estrangeiras igualmente deixaram seus depoimentos no “Roda Viva”, contribuindo assim para uma reflexão mais universal e abrangente, voltada para o pen-samento produzido em outros países e outras culturas a respeito das mudanças, crises ou dilemas seqüencialmente colocados ao mundo globalizado.

O conjunto resultante representa hoje o maior e mais importante acervo de idéias sobre a vida brasileira já realizado pela televisão. Seu arquivo é um verdadeiro mapa da sociedade e do pensamento do país. Suas mais de mil e seiscentas horas de entrevistas abrigam um precioso con-

junto de análises, raciocínios, críticas, propostas, contradi-ções, frases, tropeços, revelações e embates. Matéria-prima farta para o cartunista Paulo Caruso que na fase inicial do programa – e de volta a partir de 2005 – fez o registro caricato dos momentos e flagrantes do programa. Um dos mais reconhecidos artistas do cartoon brasileiro, Caruso reelaborou seu processo de trabalho, criando um novo modo de desenhar, ágil, sem esboços, de leitura rápida. A charge feita ao vivo e no calor de cada entrevista. O acervo em quadrinho, o registro e a crítica de humor do Brasil que passou pelo “Roda Viva”.

O “Roda Viva” nasceu no berço de uma TV pública. E como tal cresceu e se consolidou também como ferramenta de reflexão na idéia cidadã de uma televisão que busca o aprimoramento cultural e educativo do telespectador.”

Paulo Markun

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O Roda Viva ganhou o Prêmio APCA de me-lhor programa de debates na TV em 1987, repetindo o feito em 1988.

Páginas seguintes: Luiz Inácio Lula da Silva, novembro de 1986; Pedro Almodóvar, 1995; Ayrton Senna; Tom Jo-bim; Luiz Carlos Prestes, 12/10/1986; Ulisses Guimarães, 17/11/1986; Estúdio, “Eleições de 2000”; Governador An-dré Franco Montoro, 20/10/1986; Estúdio, “Televisão”, agosto de 1999; Estúdio, “Cruzado 1986”, dezembro de 1986; Estúdio, “Aids”, janeiro de 1987; Fernando Collor de Mello, agosto de 1991 - Programa Roda Viva, TV Cultura, SP.

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Como a TV Cultura, também a política nacional caminhava rumo ao aperfeiçoamento e à su-peração do “entulho autoritário”. Em outubro de 1988, o Congresso Constituinte promulga-va a nova Constituição brasileira, denomina-da Constituição Cidadã por Ulisses Guimarães, grande artífice da nova Carta. A inflação con-tudo era menos cidadã, pois atingira quatro dígitos e andava pela casa de 1.000% ao ano.

muylaert enfrenta uma grande crise

Mas nem tudo eram rosas naqueles tem-pos. Em 16 de junho de 1989, o jornalismo da TV Cultura pediu demissão coletiva, por não haver aceitado uma advertência do pre-sidente Muylaert sobre matéria tendencio-sa veiculada contra o governador Orestes Quércia. Durante uma manifestação de professores, uma tomada de câmera pouco sutil mostrou um cartaz retratando o rosto do governador sendo pisoteado no meio da lama, o que foi amplamente veiculado no telejornal. A situação assumiu tais propor-ções que Muylaert, para favorecer uma solu-ção, pediu demissão do Conselho.

Em seguida, após reuniões e considerações de toda ordem, o Conselho formou uma

comissão que convenceu Muylaert a reas-sumir seu cargo. No final do ano, em no-vembro, os funcionários da FPA entraram em greve por melhores salários, paralisação que durou duas semanas.

No contexto da crise, manifestou-se profun-da divergência entre o presidente e o diretor de Programação, um quase superintenden-te da Fundação. Roberto de Oliveira era um experimentado profissional de televisão que ajudou Muylaert a introduzir o alto pa-drão de qualidade na TV Cultura, ajudando na concepção e produção de quase todos os programas do período. Contudo, não se mos-trou muito fiel a Muylaert, que o havia tra-zido para a Cultura. Sendo impossível sua presença, após os incidentes e divergências, Oliveira retirou-se da FPA.

a vida continua

Mas televisão, como já afirmei, é um con-tínuo. A natureza diária da programação impede que a televisão pare em função de qualquer crise. Assim, a opção por investir em uma programação voltada ao público infantil e jovem aprofundava a experiência adquirida pela TV Cultura de Queiroz Telles na produção de programas infantis de alto

nível, como Bambalalão e Curumim (de 1980 e 1981, ainda na presidência Amora) e Cata-vento (de 1985, sob a presidência Ferrari). Foi sem dúvida essa experiência que serviu de base – sólida – aos antológicos Rá-Tim-Bum (de 1990), Glub-Glub (de 1991) e Castelo Rá-Tim-Bum (de 1994).

De fato, em 5 de fevereiro de 1990, estréia o Rá-Tim-Bum, e logo em seguida, em maio do mesmo ano, Ensaio e Vitrine.

O Ensaio, produzido com a sensibilidade de Fernando Faro desde 1969 na TV Tupi e rea-lizado com o nome de MPB Especial nos iní-cios da TV Cultura pública, constitui hoje o mais importante e completo registro da mú-sica popular brasileira em vídeo. O Ensaio penetra no caráter de cada artista a partir de um depoimento de cara inteira e de in-terpretações antológicas. Tem, ainda hoje, uma atualidade impressionante.

Mas foi na área infanto-juvenil que Muy-laert se destacou. De início, houve a oportu-nidade de elaborar uma nova versão de Vila Sésamo, seguindo o original norte-ameri-cano, mas a fórmula adotada por Queiroz Telles no final dos anos 70, de produzir lo-calmente a programação infantil, acabou prevalecendo.

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Tim Maia, 1990; Dominguinhos, 1990; Moreira da Silva, 31/06/1990; Martinho da Vila, 1990; Nelson

Gonçalves, 30/06/1993; Johnny Alf, 1990 - Programa Ensaio, TV Cultura, SP.

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todo mundo ficou feliz

E então eu estava lá com dificuldade de verba. Aí apareceu um cara do Banco Mundial junto com um representante da Children Television Workshop, que é a Vila Sésamo, e foram fazer uma oferta para nós. Depois disso, que eu tive as reuniões com eles, me disseram que ia ser uma barbaridade. O Banco Mundial está de braço dado com uma empresa privada; isso não podia acontecer, aconteceu...

As reuniões começavam aquelas reuniões suaves, assim do dono do mundo contra o pequenininho, dizendo: “Não, está aqui, uma boa notícia para vocês. Está aqui o cara da Children Television, nós vamos fazer o ‘Vila Sésamo’, nós vamos patrocinar...” “Nós quem?” “O Banco Mundial.” “Por quê?” “Porque são duzentos milhões de dólares para a Secretaria da Educação, já estão dezoi-to milhões reservados para vocês, para fazer cento e cinqüenta capítulos do ‘Vila Sésamo’, e a gente vai orientar tudo, vem a equipe americana...”; e não sei mais o quê. E logo na primeira reunião eu falei assim: “Mas, escuta, esses dezoito milhões de dó-lares para nós é, tem que ser o ‘Vila Sésamo’?” “Ah não, tem que ser um programa bom, de bom padrão...”. Na segunda reunião apresentei o “Rá-Tim-Bum” que já estava projetado: “Está aqui assim, assim, com todas as letras...”. Aí o cara respondeu: “Não, é o seguinte: eu vou levar esse projeto para a gente estudar, mas por hora é o ‘Vila Sésamo’ que a gente está preparado para fazer...”. Aí tivemos a terceira reunião. Aí eu falei: “Escuta, pode ser qualquer programa. Vocês financiam dezoito milhões de dólares, desde que seja o ‘Vila Sésamo’?” “Bom, de certa forma é isso

mesmo.” E ainda tivemos uma quarta reunião onde o cara virou para mim sem mais argumentos e falou: “Esses dezoito milhões de dólares vão ser pagos pela Secretaria da Educação, o senhor vai receber isso de bandeja, não tem que fazer nada, é só aceitar isso aqui.” Aí eu respondi uma coisa para ele que até hoje eu me lembro: “Se todo brasileiro agisse como eu estou agindo, nossa dívida externa não seria tão alta.” O cara ficou P da vida e foi embora batendo o pé, ele de braço dado com o outro.

Aí o que foi que eu fiz? Eu peguei aquele projeto, pus embaixo do braço e fui falar com o Mário Amato, na Fiesp. Era um grande amigo meu, um cara muito verde e amarelo. Patriota. Eu só contei para o Mário Amato essa história, aí ele: “Quanto que cus-taria se fizesse no Brasil?”; eu falei: “Em vez de dezoito milhões de dólares, dois e meio, que era o nosso orçamento.” “Você está brincando? Vamos fazer junto, eu pago a metade, você paga a metade.” Topei e assim saiu o “Rá-Tim-Bum”. Passa-se um ano, estréia, uma audiência absurda, e tem um concurso em Nova York, de melhor programa de TV do ano, eu inscrevi. Cheguei lá, havia três finalistas: “Rá-Tim-Bum”, “Vila Sésamo” e um cana-dense. Era tipo o Oscar, a gente de smoking, “And the winner is... Retimbum”. Nós ganhamos em Nova York, segundo lugar o “Vila Sésamo”, e terceiro o canadense. Aquilo foi uma coisa assim, que parece, sabe uma peça de teatro que fecha para todo mundo ficar feliz? Ganhamos, e o Mário Amato ficou feliz, todo mundo ficou feliz.”

Roberto Muylaert

Pres. Roberto Muylaert recebe a medalha de ouro no Festival de Televisão de Nova York, Estados Unidos.

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é pique, é pique, rá...

Quem deu o nome foi o Edu Lobo. Nós fomos almoçar, o Fernando Meirelles foi o diretor convidado para ser o dire-tor do “Rá-Tim-Bum”, e nós fomos no almoço onde estáva-mos o Edu Lobo, acho que a Célia Marques, o Fernando e eu. E a gente contando para eles que a festa mais impor-tante para a criança, o momento mais importante na vida da criança, que ela tem ainda tudo baseado nela, ela é egocêntrica, o momento mais importante na vida de uma criança é o dia do seu aniversário. É aquilo que ela espera o ano inteiro, o grande momento da festa, o cantar parabéns é um dos pontos altos da vida da criança. E a gente estava sem o nome do programa, aí o Edu Lobo falou: “Ah, o momento do parabéns, então por que não ‘Rá-Tim-Bum’?”; então ele deu o nome por causa do “É pique, é pique... Rá-Tim-Bum!” O “Rá-Tim-Bum” foi nomeado pelo Edu Lobo, ao tomar conhecimento, contado pela gente, que o grande momento da vida da criança é na festa de aniversário. Aí ficou, foi daí que o programa estreou, porque até as véspe-ras da estréia ele se chamava apenas Projeto Pré-escola...

O “Rá-Tim-Bum” não começa do zero, o “Rá-Tim-Bum” é um projeto que, vamos dizer, eu elaborei junto com a Célia Marques, e executei, coordenei, e ele utiliza o know-how que o “Catavento” criou, que o “Bambalalão” criou; o know-how do “Revistinha”, e incorpora o conhecimento que o Fernando tinha.”

Célia Regina Ferreira Santos

A emissora, a partir desse momento, passou a investir em programas que ampliavam o leque de opções “jovens”, para além dos pro-gramas educativos infantis.

Tendo como ponto de partida o programa de variedades infanto-juvenil Revistinha (de 1986, produzido até 1990), a nova direção da FPA lançou uma série de programas inovado-res dentro dessa linha, como Matéria Prima, de 1990, o qual, capitaneado pelo estreante Serginho Groisman, ao promover o debate entre jovens da platéia, de certa forma res-gatava a lacuna deixada pelo fim do pionei-ro Jovem Urgente em 1970. Revistinha recebeu o Prêmio APCA de melhor programa infantil de 1988 e 1999, enquanto Matéria Prima ga-nhou o Prêmio APCA de revelação de 1990.

Páginas seguintes: Frame 35 anos de TV Cultura, Rá-Tim-Bum, TV Cultura, SP, 26/10/1995. Programa Rá-

Tim-Bum, TV Cultura, 1989/1990.

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revista eletrônica

Eu fui fazer um programa maravilhoso, a gente trabalhou junto, que chamava “Revistinha”. Foi o início do departa-mento de programas infantis, a Célia Regina me chamou, falou que já tinha um monte de coisa gravada, que elas tinham aquelas planilhas enormes cheias de coisas. “O que nós vamos fazer com isso? Dá para ver se a gente faz um programa com isso tudo aqui?”. Aí a gente começou a pensar e costurar um tipo magazine, fizemos uma revista na verdade, não é? Que tinha partes gravadas, para eles depois porem ao vivo, e partes que eram já pré-gravadas. Fizemos um, fiz um roteiro prévio, chamamos várias pes-soas para fazer um teste de apresentador. Quem ganhou na apresentação foi a Luciene Adami e o Ney Piacentini. Ele já apresentava alguma coisa, mas foi a estréia da Luciene Adami também, foi muito legal. Fizemos tam-bém teste para redatora, que foi a Sandra Branco, que até virou escritora depois disso, de publicar livro, a Sandra Branco. Então tinha isso também, quer dizer, a gente conhecia muita gente, mas quando não se tinha a pessoa, faz-se teste, por que não?

O “Revistinha” era para um público desde o pré-ado-lescente até o adolescente, era uma revista eletrônica praticamente e tinha vários quadros curtos que falavam de vários temas, não é? Nós tínhamos assim algumas pessoas que se apresentavam diariamente dando dicas de música, de desenho, de culinária, enfim dos mais variados temas, e pequenos spots gravados com histórias, com his-torietas. Olha, era um programa, era uma equipe grande assim, uma coisa bem legal de trabalhar. Para mim foi uma experiência muito boa, e ganhou um prêmio, dois, não é? Durante dois anos, depois a gente estava fora, acho que quando ganhou o segundo, dois prêmios da Associação Paulista dos Críticos de Arte.”

Dan La Laina Sene

Luciene Adami e Ney Piacentini, programa Revistinha, TV Cultura, SP, 1988.

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Páginas anteriores: Sócrates, 1991; Fausto Silva, abril de 1991; Juca Kfouri, setembro de 1991; Fausto Fawcett, 20/03/1991; Sérgio Groisman, junho de 1991 - Programa Matéria Prima, TV Cultura, SP.

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o ator principal no rio de janeiro...

A Ana Muylaert já estava trabalhando com a equipe no “Mundo da Lua”, ela trabalhava nos roteiros junto com o Flávio. Mas o diretor foi embora, o elenco, parte do elenco já estava lá contratado, a parte da produção também estava mais ou menos montada. Mas se renovou tudo, tinha que buscar um diretor novo, tinha que se repensar o projeto, tinha que repen-sar cenário. Então a gente montou um grupo, que foi o Flávio de Souza, que era o roteirista, eu, que estava agindo como produtora executiva, a Ana, que era uma espécie de roteirista também, mas fazia também uma concepção visual, e o Marcos Weinstock, que fez a parte de cenografia do “Mundo da Lua”. O Marcos Weinstock já estava na casa porque ele fez alguns cenários importantes, fez o “Roda Viva”, que foi importante, ele fez a implantação do “Metrópolis”, que foi importante; ele já tinha feito algumas coisas lá. Então no “Mundo da Lua”, esse grupo, a gente considerou um grupo de criação. E aí a gente formatou, veio um diretor que era o Roberto Vignati, que era um diretor de teatro, diretor de televisão que tinha alguma experiência. Foi um projeto que foi uma loucura. Para mim, foi uma super experiência, porque a gente trabalhava com atores cedidos pela Globo, que eram o Antônio Fagundes, o Guarnieri, a Laura Cardoso, acho que eram os três atores cedidos pela Globo. E eles vinham para gravar, enfim, muito pontualmente. E a gente tinha pouco dinheiro, tinha que se virar. Um projeto de ficção em uma televisão é um dos projetos mais complexos de produção, porque, para fazer ficção se envolve tudo, para mim é

assim, depois que você faz ficção você faz qualquer coisa. Porque é muito complexo, é uma coisa de planejamento diário, muda muita coisa, tem muita novidade, muita, muito... como se diz? Coisas que acontecem no meio, você precisa inventar e pensar, e refazer. E eu lembro que o Fagundes estava fazendo o “Dono do Mundo” na Globo, você imagina... O personagem principal no Rio de Janeiro, e a gente estava em São Paulo. Ele era o pai, a Mira era a mãe, aí a Mira ficou grávida, depois dos primeiros episódios. O Fagundes só podia ir segunda tal hora, tal hora, o Guarnieri tal hora, tal hora, era assim... Então era uma família que tinha que, que tinha que ser uma família mas que a gente lidava com uma loucura de variáveis e ainda com gente, às ve-zes, de calibre muito alto que chegava lá, entendeu? Querendo tudo. E enfim, eu quase chorava toda noite, estava bem compli-cado, mas assim que a gente editou os primeiros episódios, eu trabalhei muito com a Ana, foi uma dedicação muito grande e foi um casamento de trabalho muito bom.

E quando a gente viu os primeiros episódios eu tive certeza que eu tinha uma coisa maravilhosa na mão, eu tinha certeza. Falava: “Que coisa incrível, que coisa maravilhosa.” Mas nem todo mundo gostava. Quando começamos a exibir não tínhamos muitos episódios, começamos a exibir semanal, e não deu muito retorno. Enfim, ele não teve um retorno tão imediato.”

Beth Carmona

Beth Carmona.

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Voltado ao público jovem houve ainda Vi-tória (de novembro de 1986, que duraria até 1992), programa de jornalismo esportivo de-dicado aos emergentes e tratando de temas pouco abordados pela mídia, “esportes ra-dicais” como skate, surf, snowboard, moun-tain bike, bicicross, vôo livre, canyoning, sonrisal, frisbee, rapel, sky surf, bungee jump, base jump, rolimã, wakeboard, entre outros. Além da temática inovadora, o Vitó-ria utilizava a estética – e a musicalidade – dos videoclipes na edição de suas matérias, revolucionando a forma de exibir esportes na TV brasileira. Reconhecido pela crítica, Vitória ganhou o Prêmio APCA de melhor programa esportivo de 1987.

foram beber na fonte do “vitória”

E aí o que foi legal foi o seguinte: a resposta foi imediata, porque a moçada descobriu o “Vitória”, que ali é que estava a coisa... Então começou a procurar também. Então muitas das idéias de pauta surgiram dos caras ligando lá: “Olha, gente, é o seguinte, eu tenho um grupo de bicicleta que sai toda noite e vai pedalar até a Serra da Cantareira, vocês não querem ir com a gente lá?”; “Tá, vamos lá para a Cantareira com os caras de bicicleta”. Tinha um cinegrafista maravilho-so, dois, era o Zé Martim e o outro era o Roberto; uns caras feríssimas que compraram a idéia, sabe? Então começaram a fazer: “Por que a câmera tem que estar sempre no tripé, com a luz certinha?”, sabe? “Inclina um pouco a câmera”. Se a matéria é de alpinismo você dá um efeito vertiginoso já na captação da imagem, não é? A gente sonorizava no “Vitória” gol com rock. Nunca ninguém tinha visto isso. Gol você tem que fazer com batucada, ou com aquele negócio lá do Canal 100 “tchantchantchan-tchantchan...”, não é? Como é que você coloca rock para sonorizar gol? E aí essas coisas foram indo, deu uma coisa maravilhosa. Eu sinto muita saudade, assim, do “Vitória”. Porque ele é um programa que acabou. E deixou esses filhotes por aí afora e é um barato. Porque os que já existiam, aquelas coisas de esporte que já existiam, “Globo Esporte”, não sei o quê, foram beber na fonte do “Vitória”, não é?”

Valdir Zwetsch

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o sucesso continua

O ano de 1990 trouxe novas realidades para o Brasil, com a eleição de Fernando Collor de Mello. Primeiro, o desmanche dos órgãos fe-derais de cultura, com a extinção da Funarte, da Embrafilme e da Lei Sarney de incentivo à cultura, entre outros. Depois, a completa abertura da economia brasileira ao proces-so de globalização, sem contar o confisco das contas bancárias dos brasileiros.

E tudo isso ocorria sem que a mudança de go-verno interferisse no dia-a-dia da Fundação: em 15 de março de 1991, Antônio Fleury Filho substituía Orestes Quércia – e tudo ia bem na TV Cultura.

Enquanto isso, a Abert produziu um código de ética, reclamado pelo período de transi-ção para a democracia. Collor privatizou a Usiminas. A desaprovação ao seu mandato, contudo, já atinge um alto percentual: 34% da população o consideravam ruim e péssi-mo. O “Pacote” anunciado pelo presidente propunha aumento de impostos, fim da es-tabilidade no emprego e fim da aposentado-ria por tempo de serviço. Brizola iniciava seu

segundo mandato e Moreira Franco, que não comparece à posse, qualifica-o como um Napoleão Bonaparte. Na Rússia, Yeltsin promovia a erosão de Gorbachev, o pai da glasnost, processo de abertura do regime co-munista. O magnata da imprensa inglesa Robert Maxwell compra o tablóide The Daily News, de Nova York.

Já na TV Cultura, os sucessos continuavam. Em 1992, um ano após a posse, Fleury inau-gurava a nova antena da Cultura, no Sumaré, um projeto audacioso que melhorou e muito a imagem da emissora na capital e criou um novo cartão-postal para São Paulo. Na telinha, surgia o Repórter Eco, um programa semanal voltado para a defesa do meio ambiente, em pauta no ano em que o mundo inteiro vem ao Brasil para discutir o assunto na Rio-92, a cé-lebre Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente. X-Tudo e Fanzine foram lan-çados para adolescentes e pré-adolescentes. Marcelo Rubens Paiva assumiu o Fanzine. O clima de inventividade reinante na Funda-ção estimulava jovens profissionais, como Cao Hamburger, a criar coisas novas de gran-de qualidade, como o excelente Lucas e Juqui-nha em: Perigo, Perigo, Perigo.

Página ao lado: Marcelo Rubens Paiva, programa Fanzine, TV Cultura, SP, 15/07/1992. Programa Vitória, TV Cultura, SP. Nesta página: Programa Repórter Eco, TV Cultura, SP, 1992. Logotipo do Repórter Eco, TV Cultura, SP, 1992.

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vamos inventar alguma coisa

Eles tinham acabado de fazer o “Mundo da Lua” e estava o cenário lá, montado ainda. Daí eu e a Bia Rosenberg – a Bia Rosenberg era a diretora do Departamento infanto-juvenil – e eu falei para ela: “Bia, vamos fazer alguma coisa dentro desse cenário. Já acabou a gravação, vamos inventar alguma coisa, a gente muda um pouco...” Então a gente inventou uma série de filmes, uma campanha de filmes pequenos de um minuto cada um, tratando da prevenção de acidentes domésticos para crianças. Chamava “Lucas e Juquinha em: Perigo, Perigo, Perigo”. É uma série de cinco filmes. A gente usou o cenário do “Mundo da Lua” e o personagem do “Mundo da Lua”, que era o Lucas. Então a gente já tinha o ator e um personagem. Daí in-ventamos o Juquinha, que era primo do Lucas, e fizemos essa série de cinco filmes de um minuto, que era para entrar nos intervalos, entre a programação. Essa série foi muito premiada em Nova York, foi um sucesso.”

Cao Hamburger

A programação infanto-juvenil mostrava-se tão promissora que Muylaert decidiu preencher o horário “nobre” da TV com ela. Assim, em 1992, além dos costumeiros horá-rios matinais, Rá-Tim-Bum ia ao ar às 18h45, seguido de Glub-Glub às 19h15 e finalmen-te Mundo da Lua às 19h45, terminando às 20h15. A audiência obtida foi enorme, con-solidando essa programação como o carro-chefe de toda a grade da emissora.

Programa Castelo Rá-Tim-Bum, TV Cultura, SP, setembro de 1994. Página ao lado: Lucas (Luciano Amaral), programa O Mundo da Lua, TV Cultura, SP, 1991.

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uma alternativa para a criança

E foi nessa época, nos anos 90, que a Cultura teve essa grande fase, áurea, sabe? Quando ela conseguiu criar uma alternativa para o público infantil no horário nobre. Foi aí que ela bateu mais de dez pontos de audiência, coisa que ela não conhecia. Ela investiu primeiro no “Rá-Tim-Bum”, depois no “Castelo Rá-Tim-Bum”. Ela montou uma grade onde tinha “O Mundo da Lua”, “Rá-Tim-Bum”, “Castelo Rá-Tim-Bum”, “X-Tudo”, “Glub-Glub” etc.; mais as séries muito legais que ela tinha comprado. E ela conseguiu fazer uma faixa alternativa aos jornais, a tudo que as outras emissoras não tinham. Ela conseguiu subverter a lógica da TV naquela época. Em quê? Havia a idéia: criança vê televisão de manhã, durante a tarde quem vê é a dona de casa e à noite é o homem, não é? Uma família. E ao colocar programação infantil de umas seis da tarde até as oito, nove horas da noite, a TV Cultura ofereceu, para um público ativo que estava lá, que é a criança, uma alternativa. Ela localizou antes que a criança tinha mudado. Ela não ia mais dormir com os bonequinhos dos Cobertores Parahyba. Ela mudou, ela tinha outra fase, e isso foi o grande, a época áurea da TV Cultura, mesmo! Onde ela conseguiu mostrar para o mercado esse desafio. Por causa disso, do seu desempenho, ela conse-guiu dinheiro para financiar sua grande produção, que foi o “Castelo Rá-Tim-Bum”, que está até hoje aí... Ela era susten-tada pelo Estado, ela pode ousar e ousou, ousou. “Matéria Prima” é o programa onde o jovem, o adolescente, começou a ser tratado na TV como um ser pensante.”

Leila Reis

Páginas anteriores: Logotipo do programa Glub-Glub; Glub e Glub e a caranguejo Carol, junho de 1993; Glub e Glub e a caranguejo Carol, junho de 1993 - Programa Glub-Glub, TV Cultura, SP. Raquel Barcha (Sherazade), 1995; Gérson de Abreu e o Boneco X, setembro de 1991; elenco do programa X-Tudo, 1997 - Programa X-Tudo, TV Cultura, SP. Estúdio de gravação do programa Castelo Rá-Tim-Bum, julho de 1997; elenco do pro-grama Castelo Rá-Tim-Bum, julho de 1993; elenco do programa Castelo Rá-Tim-Bum, agosto de 1993; estúdio de gravação do programa Castelo Rá-Tim-Bum, julho de 1993 - Programa Castelo Rá-Tim-Bum, TV Cultura, SP. Gianfrancesco Guarnieri, 1991; Antônio Fagundes, 1991 - Programa Mundo da Lua, TV Cultura, SP.

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O Rá-Tim-Bum constituiu um verdadeiro fe-nômeno na crítica especializada, levando de roldão os prêmios a que concorria. Foram dez prêmios de 1990 a 1992, incluindo a medalha de ouro do Festival de Cinema e TV de Nova York de 1990. Por sua vez, o Mundo da Lua ga-nhou o Prêmio APCA de melhor programa in-fantil de 1991, enquanto Castelo Rá-Tim-Bum recebeu a medalha de prata do Festival de Ci-nema e TV de Nova York e o Prêmio APCA de melhor programa infantil, ambos de 1994; o 9º Prêmio Sharp de Música, de 1995; e outra me-dalha de prata do Festival de Cinema e TV de Nova York, de 1995.

Por sua vez, Confissões de Adolescente, trama passada no Rio de Janeiro, produzida pela TV Cultura, que estreou em 1994, receberia tam-bém inúmeros prêmios, entre eles o presti-giado Prix Jeunesse de 1996, como melhor programa de ficção para adolescentes.

Enquanto as coisas iam de bom a melhor na Fundação Padre Anchieta, com aumento cons-tante de audiência, o país fervia. Na políti-ca federal, a crise Collor assumia proporções shakespearianas. O irmão Pedro abriu as com-portas nas edições da revista Veja de 13 e 23

de maio de 1992, acusando Paulo César Farias como chefe da corrupção do Governo. Em 29 de setembro abriu-se o processo de impeach-ment e em 2 de outubro o vice Itamar Franco o substituiu. Em outubro, no presídio paulis-tano do Carandiru, centenas de presos foram massacrados pela polícia. Em dezembro, com a certeza de que seria destituído, Collor de Mello renunciou à Presidência. Um fim melancólico para o primeiro presidente eleito pelo povo no país desde 1960.

Impávida em meio à crise geral, a TV Cultura se renovava a cada dia. Na área esportiva foi lançado um programa que inovava o debate futebolístico na TV, o famoso Cartão Verde.

Em outras áreas, a programação repetiu as fórmulas testadas e aprovadas ao longo de dezessete anos da FPA, com documentários estrangeiros, muita música de todos os ma-tizes (da erudita ao samba, passando pelo rock’n’roll), programas jornalísticos que da-vam ênfase à reflexão, desenhos educativos e telecursos.

No jornalismo, o Jornal da Cultura introduz o conceito de “âncora”.

Daniele Valente, Débora Seco, Luiz Gustavo, Georgiana Góes, Maria Mariana, elenco do programa Confissões de

Adolescente, TV Cultura, SP, 1994.

Página ao lado: Programa Castelo Rá-Tim-Bum, TV Cultura, SP, outubro de 1993.

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Carlos Nascimento, Jornal da Cultura, TV Cultura, SP.

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um jornal “ancorado”

O “Jornal da Cultura”, que a gente passou a fazer anco-rado. O âncora do “Jornal da Cultura”, que nós levamos, tiramos da Globo, para ir lá, o Carlos Nascimento, que hoje está aqui, na Band. Ele foi lá, entrou nesse espírito, todo mundo dizendo: “Ah, imagine que ele vai sair da Globo.” Ele estava por algum motivo descontente com a Globo, eu sei lá o quê, e calhou. A gente queria fazer um jornal ancorado, diário, com prestígio, e o jornal, para você ter uma idéia, na época, nós fizemos, isso começou em 86, em 88 saiu a nova Constituição. A Constituinte, presidida pelo saudoso Ulisses Guimarães, quando houve lá um evento, a promulgação da Constituinte, nós fomos chamados para dizer: “Olha, nós queremos que a transmissão seja feita ancorada, e o pool seja comandado pelo jornalismo da TV Cultura, por conta do jornal, do que está acontecendo com o ‘Jornal da Cultura’.”

Valdir Zwetsch

a essência da democracia

Eu fui muito ajudado pela Valéria Grillo, que foi minha parceira. Nós apresentávamos juntos o jornal, ela é uma pessoa mara-vilhosa e muito competente, conhece bem esse métier. E eu, além de apresentar esse jornal junto com ela, eu era o editor do jornal. Então eu escrevia comentários sobre as notícias que nós dávamos com muita liberdade, porque o Muylaert me dava muita autonomia e me dava muito apoio. Dessa forma o jornal ganhou uma certa força por ter fisionomia própria: eu era o âncora, dávamos a notícia e depois eu comentava numa lin-guagem diferente, também porque eu percebi que o timing na televisão não permite análises mais profundas e lógicas, então eu apelei muito para a linguagem poética, que é uma lingua-gem com uma maneira de despertar o interesse das pessoas pelo assunto, pela emoção. Eu fazia comentários mais poéticos, mas evidentemente deixando claro qual era minha opinião.

Eu diria o seguinte, na época era uma experiência diferente você ter alguém que comentasse as notícias. Eu acho que a es-sência da democracia é o respeito às diferenças e à diversidade, mas eu também acho que há valores e princípios universais. E essa minha convicção está muito ligada até à minha militân-cia na Anistia Internacional. Então, em qualquer parte do mun-do você não pode torturar as pessoas. Há valores e princípios que são universais. Então, a nossa linha editorial era uma linha comprometida com a defesa desses valores e desses princípios, mas é claro que também da aceitação das diferenças e da valorização da diversidade, mas sem abandonar os valores e princípios universais. O jornal tinha uma ética que eu acho que o distinguia, não tínhamos interesses por trás de nós.”

Rodolfo Konder

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uma antena para todos

Os projetos técnicos traçados e aprova-dos ao longo da administração Montoro foram ampliados e implementados pelas administrações de Orestes Quércia (mar-ço de 1987 a 1991) e Luiz Antônio Fleury Fi-lho (março de 1991 a janeiro de 1995), com a introdução dos modernos equipamentos da Ampex, adoção do sistema Betacam e, principalmente, com a instalação da nova antena no Sumaré (1992), garantindo a co-bertura de áreas da Grande São Paulo antes mal servidas pela torre do Pico do Jaraguá. Em 1993, a TV Cultura transforma-se em Rede Cultura, com a obtenção da conces-são de um canal de transmissão no satélite Brasilsat A2.

Roberto Muylaert conta que, ao descobrir que o sinal emitido a partir da antena do Pico do Jaraguá não chegava à periferia de São Pau-lo, enfiou na cabeça mudar a situação. Alu-gou por quarenta anos um terreno ao lado do Santuário Nossa Senhora de Fátima, no Sumaré, e embarcou para os Estados Uni-dos, junto com José Munhoz, para comprar os equipamentos necessários. “Fomos numa fei-ra de televisão em Las Vegas e negociamos o que de mais moderno havia, aproveitando a disputa entre os americanos da Harris e os ja-poneses da NEC. No Brasil ninguém possuía a nossa tecnologia, fomos os pioneiros.” Com isso, a TV Cultura não só ampliou a audiência na Grande São Paulo como se fortaleceu, pas-sando a reivindicar o direito de transmissão via satélite. “Fui umas dezessete vezes ver o ACM, que era ministro de Comunicação, mas ele não cedia, porque o Governo temia que a TVE, por causa da qualidade, perdesse o lugar para nós, o que realmente aconteceu quando, após a saída do ACM, conseguimos o sinal. Foi muito bom para o Governo de São Paulo, por-que a TV Cultura propiciava a visibilidade do Estado em todo o Brasil.”

Portanto, somente em 1993 é constituída a Rede Cultura de Televisão. Com a trans-missão via satélite (Brasilsat A2), a ótima programação da TV Cultura se impôs às de-mais televisões públicas estaduais que não tinham recursos técnicos nem financeiros para produzir uma programação completa, nos horários disponíveis. Assim, elas passa-ram a adotar a programação da FPA, o que veio a constituir, de fato, uma rede nacional de televisão educativa e cultural.

Enquanto isso, no país, em 1993 a inflação atingia o incrível patamar de 2.000% ao ano, ao passo que um plebiscito muito mal enun-ciado colocava num mesmo saco eleitoral presidencialismo, parlamentarismo e monar-quia. O presidencialismo ganhou e o Brasil perdeu essa grande oportunidade de experi-mentar mais uma vez o parlamentarismo. Em 1994, Itamar lançou o Plano Real, sob a lide-rança do ministro da Fazenda, Fernando Hen-rique Cardoso. Foi criada uma nova moeda, o real. Um real equivalia a uma URV, que valia um dólar norte-americano. A equação, habil-mente inventada por Pérsio Arida e André Lara Rezende, finalmente conseguiu vencer a inflação. Gerações de brasileiros, como eu, não sabiam mais o que era isso.

Nesse mesmo ano de 1994, a TV Cultura es-treava Castelo Rá-Tim-Bum, que seria mais um dos seus ícones, atingindo em anos subseqüentes, já no meu mandato, índices incríveis para uma TV pública: 12 pontos no Ibope. Roberto Muylaert encerrava seu mandato, praticamente, no período que vai da eleição à posse de FHC, de quem se-ria ministro. Nesse último ano, além da es-tréia do Castelo, foram lançados os quatro episódios, feitos por Cacá Diegues, do Veja Esta Canção. E, finalmente, com a Unes-co e mil emissoras de todo o mundo, a TV Cultura participa do Dia Internacional da Criança na Televisão.

Vinheta Veja esta Canção, TV Cultura, SP. Página ao lado: Antena do Sumaré, SP, 1992.

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Minha gestão:a idéia e a prática da TV pública

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Personagens do programa Cocoricó, TV Cultura, SP, 20/01/2005.

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a conjuntura da eleição

E m janeiro de 1995, Roberto Muylaert, convidado para integrar o governo de Fernando Henrique Cardoso, deixou a

Presidência da FPA como um verdadeiro mito.

O Estado brasileiro vivia uma situação em tudo diferente daquela de 1986. A euforia gerada pela redemocratização havia pas-sado, assim como os temores de retroces-so institucional. Desde 1988, o país possuía uma nova Constituição, as eleições ocor-riam sem incidentes e o impeachment de Fernando Collor de Mello em 1992, vivido sem maiores traumas, provara o quanto as instituições estavam fortes.

Por outro lado, a hegemonia global das te-orias neoliberais pressionava o Estado que, encurralado pelo alto endividamento, pou-co a pouco abandonou os investimentos produtivos, privatizou as empresas públi-cas e passou a dedicar-se apenas a algumas funções essenciais.

Em São Paulo, o papel de “enxugar” o Go-verno estadual coube notadamente a Mario Covas, que tomou posse em janeiro de 1995, com um déficit de 30 bilhões de reais.

A principal manchete no dia em que Covas assumiu o Governo de São Paulo foi a pos-se de Fernando Henrique Cardoso na Presi-dência da República, com apoio de 79% da população ao Plano Real. Finalmente em-placava um plano econômico e nós iríamos viver dentro dos parâmetros de um país com inflação controlada. Esse fato tam-bém revelava números que anteriormente submergiam nas espumas da inflação e da correção monetária. Por essa razão, o novo governador paulista ganhou a seguinte manchete: “Covas assume hoje dívida de 31 bilhões”. A classe média, já em vias de pre-coce desaparecimento, começa o ano en-dividada. Caetano Veloso afirma que FHC representa o encontro de São Paulo com o Brasil. Antonio Ermírio reclama do des-perdício de alimentação num país onde há fome. Governo adota medidas de austeri-dade para os Estados. Sem avisar Mario Co-vas, o Banco Central intervém no Banespa. Fernando Collor de Mello, absolvido pelo STF, esquia com a mulher em montanhas européias enquanto PC Farias passa o Na-tal na cadeia.

Nesse contexto, Covas, com toda a responsa-bilidade do seu passado de engenheiro que sabe fazer contas, prometia drástica redu-ção de despesas. Promessa que cumpriu ra-pidamente: entre os órgãos e as instituições atingidos por pesados cortes de orçamento estava a Fundação Padre Anchieta.

O governador Fleury, que fora bastan-te colaborativo com a FPA, financiando e concluindo a construção da torre do Ja-guaré, nos últimos meses do mandato es-tabeleceu um enorme controle de caixa,

Posse do governador Mario Covas, SP, 1º/01/1995.

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deixando de repassar recursos para qua-se toda a administração e inclusive para a TV Cultura. Dessa forma, não foram pagos nos últimos meses de seu governo alguns compromissos fiscais, inclusive o FGTS e fornecedores como a Embratel, a Telesp e a Eletropaulo.

Nas últimas semanas do governo Fleury, Muylaert estava política e psicologicamen-te distante da FPA, que formalmente ainda presidia, convidado que fora para participar do governo recém-eleito de Fernando Hen-rique Cardoso – inicialmente para o cargo de ministro da Cultura e finalmente para o de secretário da Comunicação Social, fun-ção com status de ministro. Desde fins de 1994, quem comandava de fato a Fundação era o seu superintendente, Renato Bitten-court. Com a ida de Muylaert para Brasília, em janeiro de 1995, Bittencourt assumiu interinamente a Presidência. Tal interini-dade, porém, seria curta, dado que a gestão em vigor terminava regimentalmente em junho desse ano, devendo pois ser realiza-da uma nova eleição. Ocorria, porém, uma grande conveniência de datas, pois a suces-são normal dos fatos previa que em abril de 1995 um novo presidente da FPA fosse eleito, evitando assim que a interinidade se prolongasse por muito tempo. Foi nesse processo que meu nome surgiu como can-didato à Presidência da FPA.

A escolha de meu nome para a Presidência da FPA tinha o apoio da maioria dos mem-bros do Conselho e, desde o início, do ex-pre-sidente e então secretário da Comunicação Social da Presidência da República, Roberto Muylaert, pois ambos trabalhamos na ela-boração de um projeto cultural para o can-didato Fernando Henrique. Acontece que, passados apenas três meses de sua estada em Brasília, Roberto Muylaert foi exonera-do de seu cargo no Governo federal, antes

portanto da realização da Reunião Extraor-dinária do Conselho Curador da FPA que me elegeria. Abreu Sodré, presidente do Conse-lho, considerava ser mais conveniente tra-zer de volta Roberto Muylaert para a FPA do que me eleger, pois sempre fui ligado à opo-sição ao regime militar, primeiro no MDB/PMDB e depois no PSDB, e era claramente vinculado ao grupo e ao pensamento do ex-governador Franco Montoro, de quem Sodré, além das divergências ideológicas, manti-nha uma certa mágoa, desde que Montoro se elegeu presidente da Assembléia Legisla-tiva contra ele.

Para realizar seu intento de barrar minha candidatura, Sodré reuniu alguns adeptos seus, além dos membros vitalícios, numa reunião noturna e reservada em sua casa. Propôs surpreender o candidato Cunha Lima, no dia da eleição, com a substituição de meu nome pelo de Muylaert. “Cunha Lima é um gentleman e surpreendido por esse apelo do Conselho, não se recusará a retirar sua candidatura”, afirmou Sodré aos presentes. Acontece que, nessa mesma noi-te, um dos participantes, apesar do sigilo solicitado por Sodré, comunicou-me os de-talhes do golpe programado.

Dias depois, era Muylaert que vinha a mim contar-me da intenção de alguns conse-lheiros de reconduzirem-no à Presidência. Cobrei o seu apoio, que foi mantido após in-tervenção da ex-conselheira Ruth Cardoso. Sodré ficou furioso com a revelação do pla-no; reuniu de novo o mesmo grupo e afir-mou que tinha sido traído por um “judas” que estava entre eles. Morreu acreditando que o “judas” era o professor Amora, mas equivocou-se. Nunca revelei o autor do te-lefonema. Realizada a eleição, em um quo-rum de trinta e seis conselheiros presentes, entre eles Abreu Sodré, fui eleito com trinta e três votos.

Presidente Jorge da Cunha Lima, SP, 1996.

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meu primeiro mandato à frente da fundação padre anchieta

Considerando as boas gestões anteriores de Roberto Muylaert e as boas relações de ami-zade que sempre mantivemos por um longo período, conservei a mesma diretoria dele: Renato Bittencourt, como superintenden-te; Beth Carmona, diretora de programação; engenheiro José Munhoz, diretor técnico; Francisco Alberto Souto Emilio, diretor ad-ministrativo; e Marco Nascimento, como chefe do jornalismo, cargo autônomo da Di-retoria de Programação.

Os problemas começaram logo. A diretora de programação não se comunicava com o res-ponsável pelo jornalismo. A estrutura téc-nica era extremamente corporativa. O corte súbito de 30% do orçamento, feito por Covas no intervalo entre a saída de Muylaert e a minha eleição, levou o superintendente a demitir, por absoluta necessidade, cerca de seiscentos funcionários, antes mesmo de minha posse. Empossado, deparei-me com um quadro de funcionários gratos a seus chefes por não terem sido demitidos na cota de 20% de demissões impostas. Isso ocasio-nou uma inconveniente gratidão por parte dos mantidos, desde então mais ligados aos seus protetores do que à instituição.

Fui secretário de Cultura do governo de Fran-co Montoro e, como Muylaert, tinha uma boa experiência como profissional de comuni-cação. Já havia sido diretor da Última Hora e da Senhor Vogue, secretário da Comunicação no início do governo Montoro, e presiden-te da Fundação Casper Líbero, que incluía a Rádio e Televisão Gazeta, além da Escola de Jornalismo Casper Líbero. Juntamente com um talentoso grupo de videomakers, entre os quais se destacam Fernando Meirelles, Mar-celo Tass, Marcelo Machado, Walter Silveira,

Serginho Groisman, além dos abelhas Ro-gério Gallo e Hugo Prata, criamos o TV Mix, talvez a maior inovação em linguagem de televisão realizada no Brasil.

Assumindo a Fundação Padre Anchieta, mi-nha posição diante da falta de recursos foi buscar verbas na iniciativa privada, o que ali-viou mas não resolveu o problema, além de ocasionar muitas críticas por parte daque-les que acham que o financiamento da TV pública é de exclusiva responsabilidade do Governo. Prometi a Covas, em um dos aber-tos, mas dramáticos, encontros que mantive com ele, buscar 20% do orçamento direta-mente na sociedade. Consegui muito mais, mas o Governo, por orientação do secretário do Planejamento, adquiriu o hábito de sub-trair do orçamento público parte do dinhei-ro novo conquistado. Além disso, apesar da publicidade institucional ter sido feita com base num rigoroso “police”, tanto no número de inserções quanto no conteúdo da comuni-cação publicitária, alguns críticos considera-vam inaceitável a presença de anúncios no intervalo e nos breaks de programação.

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um instrumento de sobrevivência

Foi nas gestões do Jorge [da Cunha Lima] que a propaganda virou um instrumento de sobrevivência da TV Cultura, de tal forma consolidado que não se pode mais abrir mão. O Go-verno do Estado já conta com esses aportes para a Fundação. Foi ele, Jorge, que estruturou uma diretoria de marketing, de receitas operacionais, que transformou a captação de publi-cidade numa atividade absolutamente consolidada. E não é só questão de vender publicidade. Para obter esses recursos, foi preciso enfrentar o “inimigo”, entre aspas, que no caso é o Governo federal, que é quem fiscaliza a radiodifusão. Porque as TVs educativas são proibidas de fazer propaganda de qualquer natureza. Nem mesmo institucional. Não pode dizer “agradecimento à Gradiente por ter doado a televisão para a gente dar de prêmio”. Não pode. Pela letra da lei. E mais, não pode receber patrocínio de ninguém, ainda que não seja feita divulgação do patrocínio. Isso está escrito num decreto-lei de 1967, da ditadura. É proibido que a TV educati-va divulgue propaganda de qualquer natureza, e é proibido receber patrocínio, ainda que não seja feita a divulgação de qual patrocinador. Nesse aspecto, claro, demonstramos que essa legislação está revogada pela própria Lei Sarney – hoje chamada Lei Rouanet, mas a essência é a mesma. Quem investe dinheiro em atividades culturais foi deduzido do imposto de renda e uma das formas de dar dinheiro para projetos culturais é patrocínio. Em troca, é da essência do pa-trocínio a divulgação do nome do patrocinador. Ora, se a Lei Sarney dizia que não apenas pode ser divulgado o patroci-nador, como deve ser e, dois, se uma das atividades sujeitas a incentivo é a TV educativa, então não precisa ser jurista para entender que foi revogada a lei anterior que dizia que a TV educativa não pode divulgar o patrocinador.”

Fernando Fortes

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tempos de penúria

A programação foi assim atingida tanto pelo corte de funcionários quanto pela súbita redu-ção do orçamento: projetos foram cancelados e o temor de novas demissões tornou-se um fator de desestabilização da nova gestão. Ca-balisticamente, os dias 15 de cada mês trans-formaram-se no Pátio, em dia da degola.

Outro fator que agravou a crise foi o fato de que as fornecedoras de serviços públicos (energia elétrica, telefonia etc.), até então estatais e muito condescendentes com os débitos da FPA, depois da privatização pas-saram a exigir regularidade no pagamento dos serviços prestados. Os problemas acu-mulavam-se desde fins de 1994, apesar dos imensos esforços de Renato Bittencourt em tentar contorná-los.

O pior dos problemas encontrados por mim, contudo, foi proveniente do mercado: a cri-se das televisões comerciais. Numa luta fe-roz pela publicidade, razão principal de sua sobrevivência, as televisões comerciais bai-xaram consideravelmente o nível de suas programações naquele meado dos anos 90. A programação vertical em busca de uma audiência universal, que reunisse “todos os espectadores, o tempo todo e ao mesmo tempo”, só poderia redundar na péssima programação dos domingos, que se tornou parâmetro para a programação do resto da semana. Isso acarretou uma certa perversão do mercado, ao qual foi ofertado o pior, pro-duzido com boa qualidade técnica.

Nesse período, a TV Cultura, mercê do su-cesso do Castelo Rá-Tim-Bum, atingiu níveis incríveis de audiência, o que fez as televi-sões comerciais despertarem para a neces-sidade de produzir programação infantil, o que em si era uma boa coisa. Mas o resul-tado foi a veiculação de filmes e desenhos

estrangeiros, muitos deles violentos e de escasso, senão nulo, valor artístico ou edu-cativo. As televisões a cabo, restritas a um público privilegiado, só divulgavam pro-gramações estrangeiras, como o Cartoon, o Disney Channel, o Discovery Kids etc. Essa enxurrada de duvidoso conteúdo, nos dois níveis de programação, a adulta e a infan-til, prejudicaria em curto tempo a audiência conquistada pela TV Cultura, que de forma horizontal busca um “universo de audiên-cia” atendendo públicos diversificados.

Diante de tantos problemas, o esforço da di-reção e dos funcionários foi imenso, apesar de todas essas dificuldades. E novos progra-mas surgiram.

Ainda em junho de 1995, O Menino, a Favela e as Tampas de Panela, episódio brasileiro da série inglesa Open a Door, dirigido por Cao Hamburguer, estreou com um sucesso extra-ordinário, no Brasil e pelo mundo afora, ame-alhando prêmios por onde passou. Apenas em 1996 ele obteve o Prix Jeunesse Interna-tional, o Sol de Prata do 12º Rio Cine Festival e o Silver World Metal do 39º The New York Festival. Em 1997 seriam mais quatro prê-mios. Lançamos ainda um programa chama-do Leituras do Brasil, sobre os grandes livros de nossa formação: Os sertões, de Euclides da Cunha; Casa grande & senzala, de Gilberto Freyre; e O povo brasileiro, de Darcy Ribeiro. Quando diretor da Senhor Vogue, eu já havia publicado resumos dessas obras feitos por grandes nomes da academia, que servem até hoje de “isca” para os estudantes desejosos de uma iniciação pelos meandros da bibliogra-fia sobre nosso país.

No ano seguinte, abrimos nossa home page, com dicas para professores utilizarem nossa programação nas salas de aula. E estreamos o Cocoricó, que aperfeiçoava a grande experi-ência da emissora com programas infantis.

Cao Hamburguer, diretor, programa Castelo Rá-Tim-Bum, TV Cultura, SP, 1995.

Abaixo: Prix Jeunesse International, recebido pelo pro-grama O Menino a Favela e as Tampas de Panela, 1996.

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O Menino, a Favela e as Tampas de Panela, TV Cultura, SP, agosto de 1995.

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a gênese do cocoricó

Sempre passou pela minha cabeça fazer um programa que revelasse às crianças da ci-dade o mundo rural, o mundo das fazendas, não como um suporte para o conhecimento do universo, como fez Monteiro Lobato, mas, com mais humildade, levar às crianças a pe-quena revelação de uma cocheira ou de um galinheiro, um mundo que a criança citadina desconhece. Isso me veio à cabeça depois que José Mindlin contou uma pequena história. Num fim de semana ele levou seu neto menor a uma festa, na fazenda de um amigo. Num determinado momento, o neto viu uma gali-nha parada, completamente parada. E então pediu ao avô: “Vovô, dá corda na galinha que acabou a pilha”. Vejam só, para aquele me-nino, cheio de oportunidades, filho de uma importante família, galinha era apenas um objeto de loja de brinquedos. Como o Caste-lo Rá-Tim-Bum estava no auge da audiência, atingindo em julho de 1996 índices de doze pontos, carregava a programação geral, pelo que o jornalismo andava pelos seis pontos de audiência. Ainda não se fizera sentir o efei-to da guerra mercadológica das televisões e o Castelo era o único grande programa infantil no ar. Convoquei os colaboradores para pen-sar na criação de um novo programa: Fazen-da Rá-Tim-Bum. Cao Hamburguer já estava contratado pela Globo e, portanto, impossibi-litado de assumir a tarefa. Ana Muylaert foi convidada para sugerir e realizar um roteiro, o que fez com muita graça.

Depois de inúmeras propostas e bem antes que pudéssemos realizar alguma coisa em torno do Rá-Tim-Bum, resolvemos realizar o Cocoricó, investindo exclusivamente em bo-necos, com muita música, cenários coloridos e alegres. O programa exibe personagens ru-rais – galinhas, vacas, asnos – e o Júlio, boneco de grande carisma que logo ganhou espa-ço e atenção do público infantil. Sob todos os

pontos de vista, Cocoricó é, desde seu lança-mento em 1996, um grande sucesso, encan-tando crianças e recolhendo prêmios por todo o mundo. Em 1996 ganhou o Prêmio APCA de Melhor Programa de Televisão Infantil; em 1997, o Prêmio Unesco do VI Festival Interna-cional de Cine para Niños y Jovenes de Mon-tevideo (Uruguai); e em 2003, o Prix Jeunesse Ibero Americano (Chile) e o Prêmio de Melhor Série Televisiva do VII Festival de Cine Infan-til de Ciudad Guayana (Venezuela).

Enquanto pensávamos a renovação da TV Cultura, o cenário televisivo brasileiro se mo-vimentava, com a explosão de novas faixas de transmissão, o que levou ao surgimento de novas emissoras, algumas de caráter res-trito, como é o caso da TV Senado, uma das modalidades institucionais de televisão dos poderes, que iniciou suas transmissões em 1996. No mesmo ano, surge a Rede Vida, emissora ligada à Igreja Católica, que tem seus transmissores em São José do Rio Preto. E ainda, em São Paulo, o Serviço Nacional do Comércio cria sua televisão, a TV Senac, que iria ao ar no ano seguinte.

Antenada com o que ocorria pelo planeta, a TV Cultura realiza um importante encontro internacional com os representantes do Gru-po de Biarritz, para discutir a televisão públi-ca, com a presença de dezenove presidentes e diretores de televisões educativas de todo o mundo.

A Cultura participa também do MIP TV, maior feira de produção televisiva do mun-do, e eu tomo posse como membro da Aited (Associação Internacional de Televisão Edu-cativa e de Descoberta). Com isso, a Funda-ção Padre Anchieta abre caminho para sua participação nos grandes debates interna-cionais que se travavam em torno da tese e da prática de uma televisão pública dentro e fora do Brasil.

Página ao lado: Menino Júlio, Kiko e Kako (papagaios), Alípio (cavalo), Mimosa (vaca), Lola, Lalá, Lilica (gali-

nhas) e Galileu (galo), programa Cocoricó, TV Cultura, SP, fevereiro de 1997.

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Menino Júlio e personagens do programa Cocoricó, abril de 1996; menino Júlio e produção do programa Cocoricó, 14/04/2005; elenco (manipulação dos bonecos) do programa Cocoricó, abril de 1996 - Programa Cocoricó, TV Cultura, SP. Estúdio de gravação do programa Turma da Cultura; Luciano Amaral, Mariana Elisabetsky, Pedro, Fabiano Augusto e Cinthya Rachel - Programa Turma da Cultura, TV Cultura, SP.

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Em outubro desse ano, tomamos uma im-portante decisão: abrir espaços de trinta segundos em nossa programação para pa-trocínios publicitários institucionais.

Em novembro, contratamos com a Assem-bléia Legislativa de São Paulo os serviços de instalação e transmissão da TV Assem-bléia, que nos garantia uma receita mensal de 150 mil reais. Na mesma ocasião, o Go-verno japonês fez uma doação de equipa-mentos Betamax à TV Cultura, no valor de 600 mil dólares.

Estávamos em 1997 e a Cultura passava a transmitir os filmes da Mostra Internacio-nal de Cinema, realizada por Leon Cakof. Estreava a Turma da Cultura, para público adolescente, e o Minuto Científico, verdadei-ra proeza: explicar em um minuto, através de um esquete dramático, um fato científi-co relevante. O programa foi realizado em parceria com a Estação Ciência, dirigido pelo professor Ernest Hamburguer, e ga-nhou inúmeros prêmios, entre eles o VIII Prix Leonardo de 1997 (Parma, Itália); o Prê-mio Cidade de Montreal do 9º Festival Té-léscience, em 1998 (Montreal, Canadá); o 1º Prêmio do Festival Internacional de Progra-mas Científicos para a Juventude, também em 1998 (Marselha, França); e o Dragão de Prata do 1º Festival do Filme Científico de Beijing, em 2000 (Beijing, China).

Em maio, reunimos vinte e duas grandes empresas para tentar patrocínios publicitá-rios da ordem de 8 milhões de reais anuais, o que nos possibilitou um considerável au-mento de arrecadação.

O Superior Tribunal de Justiça concedeu liminar autorizando a comercialização dos intervalos das emissoras educativas do Brasil; ao passo que o Governo fede-ral criava a Anatel (Agência Nacional de

Telecomunicações), agência reguladora das atividades de telecomunicação.

A TV Futura, da Fundação Roberto Marinho, iniciou suas transmissões a cabo, com apoio financeiro de dez grandes empresas públi-cas e privadas, além de instituições como a Fiesp.

No plano político, é aprovada a emenda, de polêmica qualidade, permitindo a reeleição de presidente, governadores e prefeitos.

As emissoras de televisão no Brasil têm a tradição de realizar diretamente boa par-te de sua programação, à exceção dos “en-latados” importados dos Estados Unidos, Europa e Japão. Já em países como os Esta-dos Unidos, mais de 50% da programação veiculada pelas emissoras deve ser feita por produtores independentes. No Channel Four, da Inglaterra, 90% da programação é feita fora, ficando para a produção da emis-sora apenas o jornalismo. Entendendo que essa linha de atuação é mais democrática, abrindo espaço para a pluralidade de idéias no vídeo, a TV Cultura tornou-se a primeira emissora brasileira a trabalhar com a tercei-rização, realizando dezoito programas expe-rimentais com produtores independentes. Além disso, o Projeto PIC-TV (Programa de Integração Cinema-TV), feito com a Secreta-ria de Estado da Cultura, financiou e reali-zou a produção de mais de quarenta e cinco longas-metragens.

uma taxa necessária e rejeitada

Fundamental para que uma televisão públi-ca seja independente e produtiva é resolver a questão da estabilidade financeira. Televi-são é coisa cara. Um bom programa de meia hora custa 50 mil dólares. Como a verba

de Governo depende da situação financei-ra e da boa vontade do governante, apesar de ser uma obrigação legal, e como as ver-bas de publicidade ainda eram incipientes, além de serem consideradas inadequadas, a solução seria adotar procedimentos “made in England”. Na Inglaterra, o cidadão paga uma taxa pela utilização de cada aparelho de televisão, o que garante à BBC uma recei-ta anual dela proveniente da ordem de 2,8 bilhões de libras.

Estando de acordo o governador e a Assem-bléia, em janeiro de 1998 foi aprovada a Lei nº 9.904, que em seu artigo 2º autorizava a cria-ção de uma taxa destinada à Fundação Padre Anchieta, na forma de uma fração acrescida à conta de energia. Uma taxa modesta, que iria transformar a TV Cultura numa verda-deira TV pública, capaz de cumprir inteira-mente sua missão educativa de promover a formação crítica do cidadão. Exatamente no curto período que medrou entre a aprova-ção da lei e sua posterior rejeição, acirrou-se incrivelmente o interesse pela Presidência da Fundação. Era ano eleitoral na FPA, meu mandato se encerrava em junho e a única coisa que faltava à Cultura para se transfor-mar numa “BBC tropical” eram os recursos. Mas a taxa foi rejeitada pela opinião pública após incrível campanha desencadeada pelos meios de comunicação comerciais e pelo Mi-nistério Público, que contestava a legalidade da lei. Então o Governo desistiu da lei e a TV Cultura perdeu uma enorme oportunidade de acrescentar à sua adequada estrutura ju-rídico-administrativa um fator de indepen-dência e estabilidade: recursos.

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Páginas anteriores e ao lado: Ilana Kaplan e Brian Penido, programa Minuto Científico, TV Cultura, SP, agosto de 1996.

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absoluta independência

Quando eu era secretário de Cultura, houve uma grande dis-cussão na Fundação sobre a questão de recursos. O Governo do Estado tinha suas dificuldades financeiras, orçamentárias, e a televisão buscava no Governo recursos que ele não tinha possibilidade de repassar, não havia como repassar verbas mais substanciais para a Fundação. E aí iniciou um proces-so de discussão de algum outro mecanismo que pudesse assegurar à Fundação a sua sustentabilidade. E dentro dessa avaliação, um dos conselheiros, Antônio Carlos Mendes, nos levou uma proposta no sentido de que fosse criada uma taxa para dar sustentabilidade à Fundação, cujos recursos se-riam diretamente encaminhados para a Fundação. Ela seria cobrada sobre o consumo de energia elétrica, na conta de luz. E na realidade, quem consumisse acima de um determinado valor é que pagaria essa taxa. Nós conversamos então com o Governo do Estado, na pessoa do secretário da Casa Civil, na época o deputado Walter Feldman, e discutimos na Assem-bléia Legislativa sobre a possibilidade de se implementar uma taxa desse tipo. O governador Mario Covas deu sinal verde para que isso pudesse ter prosseguimento, e na Assem-bléia Legislativa nós logramos êxito em relação à aprovação dessa taxa. Ocorre que, no momento em que ela foi aprovada e encaminhada ao governador Mario Covas para a sua san-ção, houve um grande movimento por parte de alguns veícu-

los de comunicação, que fizeram uma campanha muito forte contra a existência dessa taxa. Eu acho que a criação dessa taxa incomodou sobremaneira setores de comunicação, veículos de comunicação privados, que passaram a fazer uma campanha muito forte contra ela. Essa taxa seria evidente-mente um mecanismo mais eficiente, mais adequado para que a Fundação tivesse sua absoluta independência finan-ceira em relação à sua sustentabilidade, à sua manutenção, à sua capacidade de investimento. Mas houve uma grande mobilização de alguns veículos contrários a isso, o Ministério Público também se articulou contra a manutenção dessa taxa... E se criou uma grande polêmica. Apesar de uma série de manifestações de juristas defendendo a legalidade dessa taxa, existia uma série de manifestações contrárias, também juridicamente. E o governador Mario Covas entendeu então de não adotar essa taxa, que geraria uma receita diretamen-te vinculada à TV Cultura. Aliás, modelo esse que existe em vários países do mundo, o modelo que se buscava adotar aqui é o modelo que existe hoje em Portugal, existe na Alemanha, na Áustria, na Inglaterra, taxas que são cobradas, França. Taxas que são cobradas e que garantem a manuten-ção de uma emissora pública.”

Marcos Mendonça

Presidente Marcos Mendonça, SP, novembro de 2005.

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meu segundo mandato como presidente da tv cultura

Em junho de 1998 encerrou-se meu primeiro mandato como presidente da TV Cultura. A eleição que me concedeu um segundo man-dato foi precedida de lutas e procedimentos bastante agressivos.

Estávamos vivendo um período democrá-tico na política brasileira, e a disputa pe-las instituições culturais tornou-se tão acirrada quanto a disputa por cargos po-líticos. O Masp, a Fundação Bienal de São Paulo e a Fundação Padre Anchieta passa-ram a interessar quadros da burguesia de-salojados do poder político após o fim da ditadura militar. Era natural que Abreu Sodré desejasse colocar na Presidência da Fundação, da qual foi fundador, alguém de sua inteira confiança. Eu, como já disse, apesar das boas relações sociais que man-tínhamos, não era nem do agrado políti-co nem de sua confiança. Em quase todas as reuniões que precederam a Assembléia Ordinária convocada para as eleições, hou-ve manifestações de clara desestabilização de meu mandato, no plano político, moral e financeiro.

Sodré acusava-me, como se pode verificar nas atas das reuniões, de comunista, por ter veiculado uma série sobre a União Soviética após a queda do Muro de Berlim, sem fazer qualquer menção às atrocidades do stalinis-mo e do regime comunista. “Acontece”, de-fendi-me, “que a matéria era datada após a queda do muro, quando Stalin já havia sido enterrado e desterrado do Kremlin”. No pla-no moral, Sodré acusou-me de veicular em horário nobre “o olhar cúpido de um voyeur adolescente sobre uma prostituta de liseuse, na janela do vizinho”. “Acontece”, esclareci, “que o filme foi exibido às 11 horas da noi-te, portanto para pessoas pretensamente

adultas, e que se tratava de uma obra-pri-ma da solidão humana, Não Amarás, filme de uma série do consagrado diretor polonês Krzysztof Kieslowski”. Quanto à situação fi-nanceira, com ajuda do conselheiro Edemar Cid Ferreira e de pareceres encomendados a dois jovens da Price Waterhouse, minha gestão foi desqualificada por apresentar um patrimônio negativo. Tal patrimônio de fato foi considerado negativo, porque tive a decência de incluir no orçamento as dívidas trabalhistas anteriormente dele subtraídas. Tais dívidas, de médio e longo prazo, com um valor final de difícil aferi-mento, não podiam ser consideradas passi-vos de curto prazo, e assim ser incluídas em sua totalidade como fator para tornar o pa-trimônio negativo. Estávamos, sim, viven-do uma crise financeira, porque até aquele momento o Governo não tinha disponibili-zado nem um tostão para investimentos. E isso em um período de grandes transforma-ções tecnológicas da televisão. As reuniões preparadas para causar a desmoralização do presidente tiveram um efeito contrário, pois minha luta e meu desempenho foram reconhecidos pelo Conselho, árbitro jurídi-co e institucional da atuação do presidente da Fundação.

O grupo que me apoiava, bastante politizado, promoveu inúmeras reuniões estratégicas a fim de evitar surpresas numa eleição prece-dida de tantas tentativas de desestabilização do comando da Fundação. Decidiu-se então em quem o grupo votaria para a renovação dos conselheiros eletivos, incluindo uma lista de conselheiros que não teriam apoio em sua reeleição, entre os quais estava o ex-presidente Roberto Muylaert apesar de uma única voz discordante: a minha. Procedeu-se à eleição, como previsto, sem a candidatura de Edemar Cid Ferreira e com a rejeição a Ro-berto Muylaert. Este, logo após a proclama-ção dos resultados, justamente abalado em

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seus sentimentos, declarou que nunca mais poria os pés no recinto da Fundação Padre Anchieta. Os conselheiros de oposição so-freram grande derrota. Alguns não disputa-ram a reeleição, outros não foram reeleitos, enquanto outros nunca mais compareceram às reuniões do Conselho, como foi o caso de Abreu Sodré.

Tudo isso se passou com muita emoção e não sem dissabores. O grupo de oposição, que en-volvia os conselheiros ligados a figuras como Sodré, Paulo Maluf e Mário Amato, tinha como candidato natural Roberto Muylaert, indicação forte por todos os seus méritos pretéritos. Não querendo ele ser candidato, em meio a tantas reuniões armadas e desar-madas, alguém sugeriu a candidatura de Mário Amato, que se proclamava um can-didato de conciliação. Mário foi procurar o governador Mario Covas, que lhe respondeu reconhecer suas qualificações para ser can-didato, esclarecendo, porém, que o governa-dor não mandava na Fundação; ele tinha apenas uns poucos votos de seus secretá-rios, e esses votos já estavam prometidos ao “Jorginho”, como às vezes me chamava.

Apesar de afirmar inúmeras vezes que a TV Cultura era uma instituição na qual “eu pago e não mando”, Covas nunca interferiu na instituição. Nunca me pediu que colocas-se qualquer notícia na programação. Nunca solicitou emprego para ninguém. Apenas uma vez me pediu que recebesse o cardeal d. Aloísio Lorscheider, de Aparecida. Mas ti-vemos boas discussões sobre dinheiro, pois ele costumava me receber e aos membros do Conselho, quando pedíamos audiência. Um dia fui reclamar da falta absoluta de investi-mento no seu mandato. Ele me afirmou ira-do que não tinha esparadrapo para colocar na cabeça das crianças no Hospital das Clíni-cas, e que eu ainda ia pedir dinheiro para te-levisão! Com a liberdade que ele concedia ao

interlocutor retruquei: “O governador coloca esparadrapo na cabeça de milhares de crian-ças e a televisão Cultura coloca pensamento na cabeça de milhões de crianças. As coisas se equivalem”. Ele me respondeu com a ob-jetividade de engenheiro: “O que você está querendo é dinheiro, não é?” “Sim”, respondi, “dinheiro para investimento”. E ele me deu o primeiro e único investimento governamen-tal em minha gestão: 2 milhões de reais.

a gestão continuada

O mandato prossegue, pois reeleição é sem-pre uma continuidade cabalística.

Com enorme participação da TV Cultura, emissora anfitriã do encontro fundador, criou-se a Abepec (Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais). A Associação reúne todas as televisões es-taduais brasileiras, além da TVE do Rio de Janeiro e da TV Nacional de Brasília, que pertencem ao Governo federal. Logo em se-guida é criada a RPTV (Rede Pública de Tele-visão). Essa rede transmite, em tempo real, seis horas de programação diária, consti-tuindo-se num forte instrumento de divul-gação dos valores culturais produzidos fora dos centros emissores hegemônicos que são o Rio e São Paulo.

A Unesco, com adesão de mais de mil tele-visões de todo o mundo, cria o “Dia Inter-nacional da Criança na Televisão”. O Brasil tem uma participação relevante na primei-ra transmissão baseada no tema seguinte: “O País que Nós Queremos”. A participação da TV Cultura foi empolgante e nos traria a alegria do primeiro Emmy conquistado pela emissora, justamente o Prêmio Dia In-ternacional da Criança na Televisão, pelo conjunto das mais de dezesseis horas de programação veiculadas nesse dia.

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Os programas seguiam seu caminho ao priorizar as programações infantis: Cocoricó (de 1996) ganha a terceira temporada, e o in-fanto-juvenil Turma da Cultura (de 1997) se afirma como linguagem adequada a adoles-centes. X-Tudo (iniciado em 1992) já havia sido reformulado, ganhando novo fôlego.

A programação infanto-juvenil continuou a ocupar o horário nobre, como vinha acon-tecendo desde 1992. Em abril de 1998, Coco-ricó iniciava às 17h30, passando por X-Tudo (às 18h30) e fechando com Turma da Cultura (que era transmitido ao vivo e misturava ca-racterísticas dos anteriores Revistinha e Ma-téria Prima), o qual terminava às 20h.

O grande desafio da TV Cultura sempre foi produzir uma programação para jovens, que, na grade de horários, fizesse a transição entre a programação infantil e a programa-ção adulta. O problema – revelou-nos uma pesquisa encomendada sobre o tema – resi-dia no fato de que os adolescentes homens estavam geralmente na rua e não assistiam televisão nesse horário; apenas as meninas, em grande escala, estavam em casa. Assim, foi produzido o X-Tudo, que servia para am-bos os sexos e uma faixa variável de idades.

O Turma da Cultura, substituto do Revistinha, sustentou uma pequena ampliação de pú-blico entre os jovens, mas, para obter resul-tados expressivos, o modelo pedia grandes bandas e um apresentador com indiscutível carisma, capaz de atrair a “moçada”, o que não foi possível na época. Contudo, ficou demonstrado que esse horário deve mesmo ser reservado aos jovens.

A tradição de produzir programas inovado-res, vanguardistas e reflexivos foi incremen-tada, lançando-se entre outros o erudito Leituras do Brasil (de 1995), que abordava em cada programa uma grande obra literá-ria que tratasse da realidade brasileira.

O ano de 1999 começa com novidades polí-ticas e culturais. Fernando Henrique inicia seu segundo mandato como presidente da República. Dez dias depois, Covas é empos-sado governador dos paulistas, também em seu segundo mandato. Ainda em janei-ro, o real sofre um severo ataque especu-lativo e o Governo é obrigado a liberar sua cotação diante do dólar. É o fim da “âncora cambial”, criada em 1994. As exportações são favorecidas pela grande desvaloriza-ção do real.

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voltada exclusivamente à captação de recur-sos por meio da venda de programas, licencia-mento de produtos, prestação de serviços etc. Essas eram atividades empreendidas desde os anos 80, mas de maneira descoordenada (in-ciso VI do artigo 18 e artigo 25).

A antiga “Diretoria Administrativa e Financei-ra”, de funções burocráticas, tornou-se simples setor, perdendo o status de diretoria.

Nesse mesmo ano de 2000, enquanto na TV Cultura debatíamos a qualidade da progra-mação e a missão educadora da TV na socie-dade brasileira, as TVs comerciais iniciavam um movimento que ampliava o já tradicional descompromisso com as causas culturais, en-tregando-se a um verdadeiro vale-tudo para chamar a atenção das massas.

Em junho, a audiência do programa de Gugu Liberato, do SBT, supera a do global Faustão, iniciando uma verdadeira guerra de atrações e jogadas de marketing. Em ju-lho, a Globo lança No Limite, primeiro “rea-lity show” exibido no país.

Contra a incrível popularização da programa-ção dos domingos, cada vez mais apelativa,

lançamos em agosto de 2000 o Domingo Me-lhor, um programa sério, que reunia atra-ções especiais e oferecia diversão e arte para toda a família. Participaram diversos apre-sentadores da Cultura, levando o melhor do que produzimos para o público dos domin-gos. Dentre as estréias de agosto de 2000 estavam Provocações, o esportivo Movix e o musical Jazz & Cia.

Provocações, programa de entrevistas apre-sentado por Antônio Abujamra, vinha tra-zer inovação onde ela parecia impossível, pois o formato do “talk show” mostrava es-tar esgotado. Mesmo o consagrado Jô So-ares só tirava proveito do próprio talento, não mais do modelo. Abujamra nos apre-sentou uma hipótese nova. Olho no olho. Cara na cara. Ele teve completa liberdade para impactar o entrevistado com pergun-tas provocadoras e inusitadas. A direção de Fernando Faro completou e possibilitou os efeitos desejados. Se Provocações não se tor-nou um ícone, devido à audiência modesta da emissora, tornou-se o melhor programa de entrevistas da televisão, com uma adesão considerável entre os jovens, que enviam centenas de mensagens por dia aos endere-ços da TV Cultura.

Em setembro morre Roberto de Abreu Sodré, que concebeu e fundou a TV Cultura. No mesmo ano, na porta da instituição que ele tanto amou e respeitou, morre o prof. Antô-nio Soares Amora, um dos seus fundadores e quinto presidente da Fundação.

mudando o estatuto

No ano emblemático de 2000, ocorreu a pri-meira mudança nos estatutos da Fundação Padre Anchieta desde 1986. Sem tocar nas estruturas essenciais da Fundação, as no-vidades referem-se aos rumos que a minha gestão dava à entidade. A idéia de fortalecer o jornalismo, dotando-o de um caráter inde-pendente, voltado para o interesse público, resultou na criação de uma estrutura pró-pria para o setor, que se destacou da Direto-ria de Programação, constituindo a partir de então a Diretoria de Jornalismo (inciso V do artigo 18 e artigo 24).

Por outro lado, as dificuldades financeiras por que passava a Fundação, com sucessivos cortes de orçamento por parte do Governo estadual, fizeram surgir uma nova diretoria, denomi-nada “Diretoria de Receitas Operacionais”,

Página ao lado: Gastão Moreira, programa Musikaos, TV Cultura, SP, 11/04/2001. Programa Movix, TV Cultu-ra, SP, junho de 2000.

Nesta página: Programa Movix, TV Cultura, SP, junho de 2000.

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Antônio Abujamra, programa Provocações, TV Cultura, SP, 2000.

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No espírito da terceirização da produção, estreamos o Sãos & Salvos, seriado de fic-ção voltado ao público adolescente, em co-produção com a Produtora A Filmes. Os cenários eram de Angeli e os figurinos de Marcelo Sommer.

O público jovem ganhava, também em agosto de 2000, RG, programa misto de jornalismo e entretenimento jovem, apre-sentado por “Soninha” (Sonia Francine), jornalista lançada pela MTV, com grande empatia entre o público jovem.

Meses antes da estréia do RG, outro progra-ma voltado para o público jovem era lan-çado pela TV Cultura. Enquanto RG seguia a linha aberta pelo histórico Jovem Urgente de 1969, Musikaos procurava trilhar o ca-minho aberto pelo menos antigo, mas não menos célebre, Fábrica do Som, de 1983, pos-sivelmente o mais importante programa musical dos anos 80.

Estreado em fevereiro de 2000, o Musikaos pretendia exibir o novo, dando espaço para as nascentes bandas amadoras. Apesar de

bem dirigido por Davilson Brasileiro e con-duzido pelo carismático Gastão Moreira, ex-VJ da MTV, contando com a presença de figuras como Jorge Mautner e personalida-des instigantes da vida cultural dos velhos e novos tempos, o programa não se tornou, porém, uma referência importante, nem teve boa audiência. Sempre me indaguei: por quê?

Hoje, creio que temos uma resposta. O mo-delo de bandas pequeno-burguesas de ga-ragem e barzinhos, efervescente nos anos 80, já estava esgotado. A novidade nascia na periferia e nós não percebemos. O rap, altamente representativo de uma nova cultura ou contracultura, invadia a peri-feria com uma poesia nova, longa, com ri-mas e ritmos originais, e ainda com grande conteúdo social, antiburguês. Pareciam litanias de louvor ou destruição. Ban-das agressivas transpuseram as barreiras da periferia, como os Racionais MC. Mas o rap mesmo não foi percebido por nós. Preferimos insistir nas bandas de rock. O verdadeiro “musikaos” estava em outras garagens.

Luca Andrada, vinheta do programa Sãos & Salvos, TV Cultura/Produtora A Filmes, SP, 2000.

“Soninha” (Sonia Francine), programa RG, TV Cultura, SP, 2000.

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Antônio Nóbrega, programa Leituras do Brasil, TV Cultura, SP, novembro de 1995.

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o jornalismo público

Contudo, a marca registrada de minhas ges-tões (1995-2004) foi a ênfase no jornalismo, dentro de uma mentalidade que fortalecia a idéia de TV pública na FPA.

A necessidade de criar um jornalismo com-patível com a finalidade da televisão pública tornou-se imperativa para minha equipe.

Essa idéia tornou-se uma obsessão para mim, desde que expus meus conceitos so-bre o espetáculo e a compreensão da notí-cia para alguns colegas na Universidade Livre de Barcelona. Quase tudo na televisão pública deve e pode ser diferente da televi-são comercial, pelo simples fato de que o produto da TV comercial é a audiência (que se vende), enquanto o produto da TV públi-ca é a programação (que é gratuita). Dessa forma, a formação crítica do telespectador, que é nossa principal missão, pede um

jornalismo mais analítico, que possibilite uma reflexão, ainda que instantânea, so-bre o fato noticiado. Ela exige uma pauta de interesse da sociedade e não a pauta com-pulsória do interesse do mercado ou da po-lítica. Exige um timing menos frenético na apresentação. Pluralismo de opiniões trans-mitidas. Debates. E, jamais, a promoção de preconceitos ou defesa sistemática de ideo-logias, crenças e estéticas da moda.

Essa opção acentuou-se ao longo do ano de 1998, quando inúmeros seminários e deba-tes foram realizados pela FPA a fim de dis-cutir as bases de um jornalismo público na TV pública brasileira e na Fundação em especial. Trabalhamos duramente esses conceitos com nossos jornalistas. Fizemos um grande seminário, recolhidos numa fazenda. Submetemos todas as idéias aos funcionários do setor. Com humildade, ela-boramos um Guia, que foi reescrito a cento e vinte mãos. Mas creio que seria melhor

passar a palavra ao diretor de jornalismo, a quem incumbi de implantar a idéia.

O resultado dessa nova postura do jorna-lismo se refletia mesmo no espaço físico. Quando da instalação da nova redação da televisão, justamente denominada Reda-ção Vladimir Herzog, criou-se uma relação espacial entre a mesa dos apresentadores e as mesas dos editores, possibilitando-se a intervenção destes diretamente na trans-missão, quando solicitados pelos âncoras ou pelo “coringa”, uma espécie de elo entre os protagonistas do jornalismo público, a re-dação e o telespectador.

Também do ponto de vista técnico essa nova postura trouxe reflexos. Ocorre a conclusão das instalações da nova Central de Jornalis-mo, inaugurando o Sistema de Editoração Ele-trônica Basys (setenta computadores e três servidores), além da implantação de estações digitais de edição não linear (Avid e DS).

Ilha de edição não linear (digital) Avid Media Composer, TV Cultura, SP, 1998.

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o interesse do público e o interesse público

A TV Cultura não tinha nada de pesquisa sobre e para a televisão. Eles sequer acompanhavam os dados do Ibope, recebiam e não acompanhavam, porque não havia tradição na casa. Havia até uma certa desconfiança, uma mentalidade de que olhar para os dados da audiência era se curvar às exigências da audiência, se curvar ao mercado, portanto, se-ria uma traição aos princípios que regiam a TV pública, que é oferecer um conteúdo alternativo. Eu então entrei de cara nesse debate propondo uma outra maneira de ver as coisas. Para resumir muito sucintamente, era o seguinte: a pesquisa em si, ela não desqualifica nada, o que pode desqualificar é o uso que você faz dela. E o que eu propunha era que a TV Cultura não só examinasse os dados do Ibope com a cautela necessária, como também fizesse pesquisa para saber como a sua programação estava sendo encarada pelo gosto popular, não para se adaptar à média do gosto popular, mas para não fazer coisas que seguramente não teria ninguém interessado em assistir. É totalmente diferente.

E aí nós desenvolvemos toda uma abordagem sobre isso, estabelecendo uma diferença sobre o que era interesse do público e interesse público para uma TV pública. Essa discussão, ela foi bem longe. Porque há um limite, e aí nós voltamos ao tema da autoria que foi muito discutido nessa época. Não dá para você, com o dinheiro público, com verba pública, você desconhecer simplesmente quem é o seu públi-co. Porque senão você leva a noção de autoria a um extremo de que a TV põe no ar o que bem entende, porque ela é dona do interesse público, e se as pessoas não assistem é proble-ma das pessoas. Isso também não pode ser feito. Você tem que arranjar um caminho em que você seja autor, mas não um autor individual, personalizado. Na TV Cultura autor é a instituição: então foi desenvolvida toda uma noção de autoria institucional.

Na Cultura havia uma grande discussão sobre o que é a TV pública, da qual eu me beneficiei muito. Havia uma tradição lá. E uma camada grande de funcionários, com o Jorge na liderança, claro, com uma visão muito larga, espírito muito aberto para discutir essas coisas. Então me beneficiei do ambiente em que eu entrei, e tentei na medida das minhas forças contribuir com aspectos nessa discussão, que estavam ligados ao que eu conhecia.

Nesse período a gente acabou fazendo uma grande discus-são sobre o jornalismo público, que era um anseio antigo, uma idéia antiga do Marco Antonio Coelho e do Jorge. E eu entrei nesse debate também, com a discussão do interesse público e do interesse do público, e com a definição de que o jornalismo público era aquele independente do poder político e do mercado. Isso foi uma coisa que eu trouxe para o debate, esse tipo de formulação, tentando justamente dialogar com os dois hemisférios com os quais a TV Cultura dialoga, pela situação específica dela de ser uma funda-ção de direito privado com recursos públicos. Então ela, ao mesmo tempo, fica muito submetida ao poder público, o Governo do Estado dá a ela 80 milhões/ano, e ao mesmo tempo ela precisa ir buscar no mercado publicitário algum tipo de compensação, ou algum tipo de complementação, melhor dizendo, de verba. Então o jornalismo público seria aquele que conseguisse ficar independente de uma coisa e de outra.”

Carlos Novaes

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pondo de pé o conceito de tv pública

O [Roberto] Muylaert começou a implantar a TV pública sem ter teorizado sobre isso e sem ter montado um arcabouço ideológico disso. O arcabouço institucional e jurídico já estava montado. Qual é a diferença de uma TV pública para uma TV privada e para uma TV estatal? É que na TV pública, o po-der, o Governo, provê de recursos, só que este sócio, digamos, majoritário, não manda. Ele paga e não manda. É a definição mais simples que pode existir, mais resumida, do que é uma TV pública: é aquela em que o Governo paga e não manda. No caso da TV Cultura, ele dá a maior parte e não manda nela. Porque qual é a definição de poder para mim? É quem con-trata e quem demite. O resto é conversa fiada. Quem contrata e quem demite o presidente da Fundação Padre Anchieta? O presidente da Diretoria Executiva da Fundação Padre Anchie-ta? Um Conselho Curador com quarenta e cinco membros, no qual o Governo tem quatro votos. Então o Governo não manda. O Governo pode fazer política e pode mandar fazendo política, para eleger determinado cara e para não eleger deter-minado cara, está certo? Mas ele não determina o cara, quem

determina é o Conselho Curador, onde o Governo não tem a maioria, o principal acionista não tem a maioria. E este Con-selho Curador é uma representação, má ou boa, não importa, mas é uma representação da sociedade.

A pessoa que pôs de pé o conceito de TV pública e que exe-cutou na prática uma TV pública chama-se Jorge da Cunha Lima, porque ele viu essa situação, esse quadro. “Está bom, já que eu tenho uma televisão assim, por que eu tenho que me curvar à questão do mercado? Eu tenho que fazer com que o mercado entenda que isto é uma TV diferente.” Que é uma TV feita para uma sociedade, para o homem. Não é feita para o consumidor e para o mercado. Porque a Rede Globo é feita para o consumidor e para o mercado, ponto. Quem diz isso é o Boni: “Nós fizemos a Rede Globo para os anunciantes. O break foi pensado antes, depois que veio a programação.” Essa grande emissora, fantástica, que é a Rede Globo, foi feita com essa matriz de pensamento, uma televisão feita para o mercado, para as agências de publici-dade, das quais eles eram oriundos, tanto o Walter Clark e o Boni. Eram homens de publicidade, não eram homens de

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programação, de dramaturgia, eram homens da publicida-de, então eles fizeram uma emissora para o mercado. Aqui não, a emissora pode ser feita para a sociedade. A progra-mação tem que cumprir um objetivo ligado à sociedade.

Qual é esse objetivo, essa missão? Ajudar na formação crítica do homem para que ele exerça a cidadania. A nossa programação tem que ser o tempo todo voltada para esse tipo de pensamen-to, para essa missão. Então a programação infantil tem que ajudar a criança a ter um comportamento crítico, para que ela possa ser um bom cidadão. Os desenhos que passam aqui têm que apresentar questões importantes: não jogar lixo, escovar o dente direitinho, entendeu? Têm que apresentar ensinamentos para essa criança, para ela poder ter uma postura crítica, apre-sentar ensinamentos não dogmáticos, ensinamentos que aju-dem essa criança a ter uma postura crítica frente à sociedade, e que ela possa depois no futuro ser um bom cidadão ou ajudar a ela ser um bom cidadão. Para a criança, o adolescente, o jovem, o adulto, toda a programação tem que ser assim.”

Marco Antônio Coelho

compromisso com a formação

A TV pública tem uma função de realmente formar e informar a população num plano realmente indepen-dente, e de maneira nenhuma ligada às tendências des-se próprio público. A TV pública é uma instituição que não pode pautar os seus programas, seja de rádio, seja de televisão, pelo nível de audiência. Não pode abaixar o seu padrão porque a audiência quer um programa banal, vulgar... Ela tem que partir de um projeto de informação, de formação dessa audiência, criando, sem dúvida, atrativos nessa programação; porém não ceden-do absolutamente à banalização para o aumento dessa audiência. Então o que pauta essa diferença entre uma TV pública e uma TV comercial é que as suas programa-ções, as suas programações de rádio e televisão, não são pautadas pela audiência, mas são pautadas pelo seu projeto educacional de formação, de informação; essa é a diferença.”

Modesto Carvalhosa

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A grande base da TV pública era sem dúvi-da o telejornalismo, elo mais vulnerável e menos integrado ao papel de servir ao in-teresse público na grade de programação da emissora. As modificações no jornalis-mo foram iniciadas em 1999, com a estréia de Conversa Afiada, ancorado pelo jornalis-ta Paulo Henrique Amorin (que seria subs-tituído em 2002 pelo Programa Econômico, apresentado por Luis Nassif). Em 2000 se-guiu-se a criação de dois novos programas: Matéria Pública (uma revista vespertina) e Diário Paulista (jornal regional vesper-tino). Junto aos mais antigos Opinião Bra-sil, Jornal da Cultura, Roda Viva e Metrópolis, formaram o núcleo central do novo telejor-nalismo público da TV Cultura.

Frame do programa Diário Paulista, TV Cultura, SP. Vinheta do programa Matéria Pública, TV Cultura, SP. Frame do Programa Econômico, TV Cultura, SP. Luis Nassif, Programa Econômico, TV Cultura, SP. Paulo Henrique Amorin, programa Conversa Afiada, TV Cultura, SP.

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não faz isso? Isso é natural. Então a morte te atrai indepen-dentemente de qualquer coisa, o sexo também, são coisas atávicas, enfim. E o jornalismo descobriu isso instintivamente e carreia as suas pautas normalmente para isso. Por isso atrai, vende e o jornalista sobrevive, o periódico sobrevive. E com a industrialização, com os grandes conglomerados de comuni-cação, isso cada vez foi ficando mais verdadeiro. Antigamente tinha o jornal dos democratas, o jornal dos republicanos, o jornal dos comunistas, as pessoas liam para saber qual era a posição dos caras, qual era a versão de realidade que tinham determinados estamentos ideológicos. Todos esses jornais morreram, aqui e no mundo. O que ficou? O mercado. Até em função do debate do socialismo real, não sei o quê, o que ficou foi o mercado. O mercado é que domina o jornalismo hoje, completamente.

Então onde pode ser diferente? Em uma TV pública, porque ela não precisa do mercado. Ela não precisa tanto do mercado, ou ao menos ela não deveria precisar nada do mercado. Por isso é uma coisa concedida pela sociedade, a sociedade paga o tribu-to para ter uma TV pública onde você possa se informar, para que seus filhos possam ter um tipo de programação impor-tante, que ajude na formação deles para serem bons cidadãos, sem esse viés da venda de mercadorias. E isso o Jorge percebeu.

E aí ele queria fazer um telejornalismo que tivesse também essa característica. Característica que já existia na produção infantil da TV Cultura e que já existia em algumas produções jornalísticas, a partir de uma matriz que foi criada originaria-mente sem ninguém ter pensado nisso.”

Marco Antônio Coelho

o jornalismo não acompanha a programação

Ora, se é para seguir a missão pública, por que o jornalismo dessa programação não era? Essa é uma coisa importante que precisa ser dita neste livro porque é um marco: o jornalismo da TV Cultura muda com a chegada do Jorge. Os programas jornalísticos já tinham um componente de TV pública. O “Roda Viva” já existia, o “Roda Viva” é um produto que ajuda na formação crítica do adulto, certo? É o melhor programa feito pela televisão brasileira, ele ajuda na formação crítica. O cara que assiste o “Roda Viva”, uma hora e meia de discussão, ele se posiciona criticamente depois melhor. O “Roda Viva” existia, o “Repórter Eco” já existia, os documentários já existiam, eram já conteúdos jornalísticos de TV pública, mas o telejornalismo ainda não possuía, e o Jorge percebeu que isso estava defasa-do com relação à missão, com relação à questão da TV pública.

Eu cheguei aqui por causa disso, eu vim para mudar isso.

Porque em um lugar onde você não precisa estar voltado para o mercado, onde você precisa estar voltado para a sociedade, para o homem, por que você precisa fazer um jornalismo do espetáculo? O jornalismo do espetáculo, o jornalismo espe-tacular, é feito para vender mercadoria, não é feito porque é importante. Quando você conta uma chacina, sem explicar, ou seja, quando você trata de questões da morte sem explicar. “Morreram trinta caras! Caíram não sei quantos caras, não sei o quê!” O que você está querendo dizer com isso? Você está, na verdade, você está querendo buscar audiência. Por quê? Porque o demasiadamente humano...

São coisas engraçadas, o jornalismo trabalha com quatro temas específicos o tempo todo. Um desses temas é a morte, morte que pode ser de reputação também, pode ser morte física, catástrofe é até melhor ainda. Outro tema é sexo. Um outro, a emoção com dor, do tipo de mãe chorando, filho em situação de risco. E outro, a emoção da vitória, seu time ga-nhando, o Guga, não sei o quê, pararará. Se você analisar, mais ou menos 70% do noticiário está dentro desses quatro temas. Por quê? Porque isso está ligado a uma coisa que o Nietzsche fala, o demasiadamente humano, algo que atrai o ser huma-no independentemente de qualquer motivação ideológica, independentemente de qualquer importância, de interesse pú-blico, está certo? Você está andando em uma estrada, teve um acidente do lado, você diminui e dá uma olhada, todo mundo

Marco Antônio Coelho, diretor de jornalismo, TV Cultura, SP.

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pensando e implantando a tv pública no brasil

E o Jorge percebeu essa lacuna. “Isso está errado.” Ele tentou fazer no primeiro mandato dele, tentou convencer os jornalistas a pensarem sobre isso. O que se tinha era só uma base e agora você precisa montar o arcabouço inteiro desse negócio, fazer com que o dia-a-dia incorpore isso, porque o padrão de se fazer jornalismo é de mercado. O jornalista sabe destruir, não sabe construir. Ele sem-pre trabalha com o passado, é sempre o que aconteceu, queimou, matou, morreu, ele não trabalha com o proces-so, ele não sabe contar uma história de processo. Ele tem dificuldades em descrever uma política pública, ele não foi treinado para isso. Ele é um pouco do historiador momen-tâneo, sem a profundidade do historiador, mas trabalha com um temário reduzido. Então ele trabalha sempre com o passado, ele trabalha com conseqüências, ele nunca trabalha com a causa. Então essas são as questões que a gente começou se colocar.

E aí começou um processo lindo aqui dentro, bárbaro. E é de autoria dele, do Jorge, dentro da história da TV Cultura isso é importante que fique registrado, é que houve um trabalho de dois anos, praticamente, com a redação, para a redação tentar descobrir como fazer diferente isso. E nós conseguimos até chegar em um guia. E aqui está a diferen-ça. Nesse guia está tudo o que eu te falei agora. Está a ques-tão da construção, a questão da atualidade, da destruição, a cobertura do poder público. Porque havia um problema, que é o fato de todo mundo dizer que a TV Cultura era uma emissora estatal e não uma emissora pública.

A gente, para poder criar um novo jornalismo, discutir um novo jornalismo que pudesse ser diferente, a gente teve que ir verificar a história do jornalismo. Isso foi feito de forma coletiva. Muito interessante. Fomos estudar e delegamos grupos de estudos, dividimos a redação. Na época eram cento e vinte jornalistas, dividimos em doze grupos de dez, cada grupo dizia o que achava de determinada coisa. Foi um trabalho longo, foram vários workshops, tudo para que os jornalistas pudessem pensar, porque uma das coisas mais complicadas que tem é pensar. O jornalista não pensa, é incrível isso. É complicado fazê-lo pensar. Então a gente foi estudar, pegamos tudo que tinha sido escrito sobre jorna-lismo, tudo que foi feito, procuramos estudar bastante.

Para nosso espanto, tem muito pouca coisa. É incrível, como é que pode ter pouca coisa sobre algo que interfere tão diretamente na vida das pessoas. Mas tem pouca teoria escrita sobre o jornalismo. E se você pegar todos os manu-ais de jornalismo – isso é outra coisa – como eles definem interesse público? Vai no manual da “Folha”, não tem. Vai no manual do “Globo”, não tem. Na Rede Globo não tem. No nosso tem. Nós procuramos achar uma definição de in-teresse público que coadunasse com a missão que a gente tem, com a missão da TV pública. Então o que são histórias de interesse público? Como chegar nisso? Eu chegava para o repórter e falava assim: “Quando você pegar uma pauta, você tem que olhar para a pauta assim: o que tem de interesse público nela? Pensa sobre isso, faça essa pauta ter interesse público.” Por quê? Porque se há uma relação, há uma história de homens se relacionando como cidadãos, normalmente essa é uma história de interesse público. A história de um homem só, ela precisa ter um significado universalizante para ela ser de interesse público, senão não vale. O filho da Xuxa não interessa, então o casamento da Marta não interessa, o caso dela não interessa, está certo, da prefeita. Não vamos dar essa matéria, não é de interesse público, segundo a nossa ótica.

Isso tudo quem estimulou, quem desenvolveu, ajudou a desenvolver, discutia, foi o Jorge. Nunca houve uma coisa tão democrática, uma gestão tão democrática como a do Jorge, tudo foi discutido. “O que vocês querem fazer? Vocês têm essa possibilidade, porque vocês estão numa emissora pública. Aqui vocês podem escrever e falar sobre só coisas de interesse público, então precisamos discutir o que é interesse público.” O Jorge sentava na reunião de pauta que a gente tinha todo dia às duas da tarde e discutia com todo mundo. Então foi um processo riquíssimo e que mudou o telejorna-lismo da TV Cultura.”

Marco Antônio Coelho

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o conforto da repetição

Ao longo de cinco anos, tão estimulantes quanto exaustivos, acom-panhei de perto os humores de uma Redação composta por mais de cento e cinqüenta pessoas, envolvidas no mister de conceber e executar um modelo de jornalismo na contramão dos consensos. Como em todo processo de ruptura, houve embates e desencon-tros, o que era previsível; o que não se imaginou foi a extensão da dependência de grande parte desses profissionais às rotinas e práticas assentadas pela tradição jornalística. Mesmo sensíveis às novas premissas teóricas em formulação e estimulados a ousar, na hora de pôr a mão na massa eles eram traídos por uma espécie de inconsciente coletivo, uma força primária que os impelia a fazer como sempre se fez. É verdade que, muitas vezes, nesses momentos, o volume de trabalho, a praticidade, a pressão e os prazos exíguos obrigavam-nos a recorrer a expedientes testados fartamente e aprovados pela experiência; mas não é menos verdadeiro o fato de que a idéia de competência disseminada no mercado passa pela capacidade do profissional em arremedar fórmulas estabelecidas arbitrariamente há mais de sessenta anos – as escolas de comuni-cação ajudam a moldar esse imaginário, bem como os veículos e os consumidores de notícias, que realimentam a cadeia naturali-zando valores tomados de empréstimo.

Diante da ambição das mudanças, os resultados decepcionavam. No intuito de desatar o nó, as chefias aumentavam as cobranças, provocavam; a Redação no início se excitava, depois, impotente, se resignava e cedia ao chamado imperioso da repetição. No limite do desconforto que essa circunstância ensejava, muita gente questio-nou, por desnecessária, a personalização do jornalismo desenvol-vido numa emissora pública – “querem reinventar a roda”, pontu-avam com frustração travestida de sarcasmo. No mais das vezes, o cabo de guerra gerou muito calor e pouca luz, infelizmente.

Hoje, longe da arena, o comportamento dos meus pares já não suscita a antiga indignação; procuro me deter sobre ele de modo desapaixonado. Quando faço isso me ocorrem duas constatações: 1) não se deve, em hipótese alguma, desprezar a força das conven-ções jornalísticas; elas ajudam a compor, com destaque, o que se poderia nomear de mitologias midiáticas; 2) o projeto capitaneado por Jorge da Cunha Lima e Marco Antônio Coelho deixa como le-gado uma advertência poderosa – na TV Cultura, nunca mais será tão confortável a tarefa de repetir.”

Nivaldo Freixeda

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Essa busca do jornalismo público deve ser um processo, uma tentativa permanente, uma busca aberta. A maior dificuldade é acei-tarmos a tese de substituir o espetáculo da notícia pela idéia da compreensão dos aconte-cimentos. Isso exige, em primeiro lugar, uma reavaliação permanente da pauta. Buscar sempre uma pauta de interesse da sociedade. Depois, como bem explicou Nivaldo Freixe-da, a questão da formação dos profissionais é fundamental. Torna-se necessário um treina-mento permanente, seminários, discussões, reuniões de pauta, mas sobretudo um desejo de superar a formação “repetitiva” dos nossos jornalistas. Porque a regra é que haja uma fi-xação muito maior nos modelos consagrados do que na linguagem criativa. E jornalismo público exige linguagem criativa, para evitar que a reflexão seja hermética e daí incompre-ensível. O comando do jornalismo em geral já precisa disso, mas no jornalismo público isso é indispensável: os editores precisam ser cul-tos, com uma visão universal e humanista. Tenho consciência de que o jornalismo, ape-sar dos esforços enormes do Marco Antonio Coelho, do Nivaldo Freixeda, dos apresenta-dores e demais responsáveis pelos jornais da casa, ainda não pode considerar-se um mode-lo de jornalismo público, mas uma amostra. O ritmo da apresentação ganhou movimenta-ção crítica com a presença do “coringa” – que funciona como a consciência crítica da edição – e dos editores, que saem de suas mesas para explicar melhor alguma matéria. O editor precisa valer-se mais da contribuição dos co-lunistas especializados e mesmo dos contatos acadêmicos, e os repórteres precisam libertar-se da rigidez das pautas e da “encomenda” do editor para ter olhos e ouvidos mais abertos ao contexto de suas matérias. A experiência dos abelhas no TV Mix da TV Gazeta ainda pode servir de modelo a esse desempenho. Isso exige continuidade. A substituição mui-to freqüente de quadros de comando e de jor-nalistas, aliada à corte que outras emissoras

fazem a nossos melhores colaboradores, não favorece a formação de uma equipe prepara-da para o jornalismo público. Mas a tentativa lacrou o gênero. Como diz o Freixeda, nunca mais nos libertaremos desse fetiche e, como afirmou o Coelho, jornalismo “chapa-branca”, jamais.

Acompanhando esse renovado projeto de aperfeiçoamento do jornalismo público, aprofunda-se a digitalização da produção da TV Cultura. Foram adquiridas câme-ras e VTs Betacam digitais para as áreas de produção e câmeras e VTs DVCam digitais para o jornalismo. Ocorreu a implantação do novo Sistema Master de Programação, com a inclusão de servidor digital de vídeo para a exibição de chamadas promocionais e publicidades em geral, além da implan-tação de estações digitais de edição não li-near (Avid e Protools). Foi ampliada a rede de computadores da Fundação, com a in-corporação de aproximadamente duzentas máquinas por permuta com a Acer. Por fim, garantindo a segurança do sistema, foi ins-talado um sistema de nobreak de energia para os estúdios e transmissores da TV.

um ano terrível para a cultura

O ano de 2001 começou sob os maus auspí-cios de uma reportagem de Laura Mattos, in-titulada, com pesada ironia, “Um castelo em ruínas”. Publicado na Folha de S. Paulo em ja-neiro desse ano, o texto relatava um pretenso cenário desesperador na TV Cultura, deses-pero realçado pela comparação com os “anos dourados” de Roberto Muylaert. O interessan-te é que a matéria derivou de uma entrevista que eu havia concedido a ela no ano ante-rior, às vésperas do Natal, exatamente para dizer que pela primeira vez terminávamos o ano em “azul”, isto é, com superávit contábil

e dinheiro em caixa. Contudo, é verdade que o corte sucessivo de verbas públicas, os con-tingenciamentos anuais e a impossibilidade completa de investimentos havia criado pro-blemas estruturais sérios, apesar do aumento substancial de recursos vindos da publicida-de institucional. Laura Mattos remontou os cacos e fez uma matéria devastadora. Possi-velmente não percebeu a jornalista os danos que sua reportagem iria causar.

Toda revelação pública de problemas pode constituir um fator importante na tomada de consciência dos administradores e cola-boradores de uma instituição pública. Mas pode também se virar contra a instituição, que passa a carregar o rótulo de problemáti-ca, à beira do caos, mudando o humor de in-vestidores e colaboradores. Foi o que ocorreu em 2001. O impacto causado à imagem da TV Cultura pela reportagem de Mattos produziu efeitos terríveis. Tínhamos na ocasião inú-meras promessas de contratos e compromis-sos de publicidade, todos à espera de março, mês em que as empresas anunciantes costu-mam definir suas verbas publicitárias e as campanhas que promoverão. Pois bem, a ma-téria de Laura Mattos reduziu substancial-mente nossa inserção publicitária. E, o que foi pior, reverteu a tendência de crescimen-to que vínhamos tendo desde que decidimos inserir publicidade em nossa grade. Como resultado, o “Castelo”, que apesar dos proble-mas estava muito bem encaminhado em ja-neiro, sofreu deveras algumas rachaduras.

Contudo, o ano terrível estava só começan-do. Em 6 de março o Estado fica de luto: mor-re o governador Mario Covas, sob enorme comoção da população de São Paulo. Seu cortejo fúnebre, aplaudido de São Paulo até o Boqueirão em Santos, mesclava reconhe-cimento e tristeza. O vice Geraldo José Ro-drigues Alckmin Filho é então empossado governador de São Paulo.

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o terceiro mandato

Apesar dos solavancos, e ainda sob o im-pacto da trágica morte de Covas, em junho fui empossado presidente da FPA, inician-do meu terceiro mandato na Presidência da Cultura. Foi a mais tranqüila das minhas re-eleições, no contexto de um governo recém-empossado e de uma crise diagnosticada que buscava seus caminhos de superação.

Mas novas surpresas ainda estavam por vir. Em 11 de setembro, os atentados que derru-bam as torres gêmeas de Nova York provo-cam um terremoto na economia global. Em decorrência dela, a publicidade cai quase a zero, impactando a já combalida verba pu-blicitária recebida pela TV Cultura e agra-vando a crise aberta em janeiro.

Em meio à crise generalizada, acirra-se a guerra de audiência entre as TVs comerciais, apostando nas atrações de gosto pretensa-mente “popular”. Em novembro de 2001, o SBT lança o reality show Casa dos Artistas, de

enorme sucesso, impondo acachapante der-rota à terceira edição de No Limite, veiculada pela Globo na mesma época.

Nesse mesmo mês, nova crise atinge a TV Cultura, dessa vez de natureza ética e prin-cipalmente midiática. Em 19 de novembro, a revista Época saiu às ruas exibindo a jorna-lista Soninha Francine em sua capa, no con-texto de uma matéria na qual declarava ser usuária de maconha. No dia 21 de novem-bro, a apresentadora teve seu contrato com a FPA rescindido e o programa RG foi sus-penso. O anúncio do fim do programa gerou controvertida polêmica e bastante excita-ção nos meios de comunicação, sobretudo nos internautas. Ao lado de algumas impor-tantes manifestações de apoio à atitude da Cultura, quase duas mil manifestações de jovens, por meio da Internet, condenaram a atitude deste presidente.

Prefiro deixar a palavra ao sociólogo Carlos Novaes, que assessorou a Diretoria da FPA no episódio.

O governador de São Paulo, Mario Covas, durante a cerimônia de posse, SP, 10/01/1999. Atentado ao World Trade Center, programa Conversa Afiada, TV Cultura, SP, 11/09/2001.

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ela tomou parte

Eu dizia o seguinte: olha, se a Soninha fosse apresentadora do telejornal da noite, “Jornal da Cultura”, eu estaria aqui dizendo: “Vocês estão loucos de se preocupar com o assunto. Não tem nada a ver. É a vida dela. Ela falou que fuma maco-nha ou não falou, não me interessa isso. Isso não tem nem o que ser discutido. Volta todo mundo pro seu trabalho aqui e deixa a moça em paz. Ela vai apresentar o jornal da noite, como sempre.” Se ela fosse cenógrafa, também. Se ela estives-se no vídeo em outra função, qualquer coisa. Mas só havia um lugar em que ela não poderia continuar na TV Cultura depois de dizer que fuma maconha: é sendo apresentadora de um programa para jovens, onde o assunto era discutido com total liberdade. Porque aí ela não tinha mais condições de represen-tar a TV pública naquela discussão – ela tomou parte. Esse era o argumento. Isso aqui tem um projeto, isso aqui é TV pública. Ela representa a TV pública. Como é que ficam os pais agora? A molecada vai assistir o “RG”, e os pais assistem junto. Porque a gente sabia, por pesquisas, que os pais assistiam o “RG” junto com os filhos, às vezes. Quando sabiam que tinha um tema sobre sexualidade, alguma coisa assim, assistiam junto. Porque dava gancho, dava conversa o “RG”. Era um programa sensacional. E a Soninha, ela trabalhava muito bem. Ela fazia um excelente programa. Eu achava que ela era uma excelen-te profissional. Ela fazia um papel muito bom ali. Ela, com um menino, que era o diretor do programa, que era o Daniel [Benevides], que era muito inteligente. Então eles faziam uma ótima dupla, faziam um ótimo trabalho. Mas veja, ela come-teu um erro monumental. Porque o que deve vir para dentro do programa são os problemas do mundo sobre os quais ela, com o máximo de isenção possível, conduz algum debate. E veja, se não me falha a memória, num espaço de onze meses, discutiu-se três vezes o problema das drogas no programa dela. Não é pouca coisa. Em onze meses, três vezes em um programa ao vivo. Então, para mim estava muito claro o que a gente tinha que fazer. Eu falei: “Tem que, primeiro, ser rom-pido o contrato com a empresa dela, porque ela tinha uma empresa que tinha assinado o contrato com a TV Cultura. E o programa acaba aqui. Esse programa está morto. Não há mais a menor possibilidade de continuar com esse programa. Esse projeto se esgotou com esse episódio, porque os pais não poderão ter mais tranqüilidade.”

Carlos Novaes

De 2001, como vimos, pode-se dizer tudo, menos que foi monótono. Apesar de tantas desditas, como era de se esperar nem tudo foram problemas. Em 25 de janeiro, em Por-to Alegre, sob inspiração de Chico Whitaker, militante católico de esquerda, e Oded Gra-jew, do PT, ocorre o primeiro Fórum Social Mundial, visando obter alternativas à glo-balização capitalista.

Em março, na TV Cultura, o prof. José Roberto Sadek coordenava o Núcleo de Projetos e Tele-educação, que estabeleceria relações bastan-te criativas com a TV Escola do Ministério da Educação. Uma dessas ações foi a série edu-cativa Arte e Matemática, que estreou em no-vembro de 2001 e obteria inúmeros prêmios.

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descobrindo as fronteiras

“Arte e Matemática” é uma série de treze programas, em co-produção com a TV Escola (Ministério da Educação), e se destina ao público jovem e adulto interessado em desco-brir as fronteiras e a simbiose entre as diversas formas de conhecimento humano, especialmente a Arte, a Matemáti-ca e a Ciência. É particularmente útil para educadores que pretendem se aproximar, com prazer e sem preconceitos, dos universos matemático e artístico. Foi desenvolvido um site onde o educador encontra subsídios para a utilização dos programas na sala de aula.

Quando Carlos Nascimbeni e eu, pela TV Cultura, e José Roberto Sadek, pela TV Escola, estávamos concebendo a série, queríamos formato e conteúdo inovadores. A TV Cultura aca-bara de adquirir equipamentos digitais de última geração. Nossa intenção inicial de mostrar a matemática presente de maneira aparente nas obras de arte, principalmente atra-vés da geometria e nos compassos musicais, foi mudando. Descobrimos que a matemática estava muito mais presente na arte do que supúnhamos. E com uma sofisticação dos pri-mórdios aos fractais, a matemática utilizada para analisar a Teoria do Caos. Tínhamos desconhecimento das implicações e da abrangência da matemática. Chegamos à conclusão que precisaríamos de consultores. Mas quem poderia encarar o desafio de fazer a ponte desses conhecimentos de maneira despojada e interessante?

Nós três estudamos na Escola de Comunicações da USP e tivemos aula de estatística com o professor Luiz Barco, figu-ra simpática, profundo conhecedor de matemática. Procu-ramos o prof. Barco e foi um ótimo reencontro. Ele é muito carismático e é ligado aos meios de comunicação (nos anos 70 deu teleaulas no Telecurso 1º Grau). Ele aceitou e convi-dou o prof. Márcio Nascimento para dividir a consultoria de matemática.

Para a consultoria de história da arte me lembrei da dra. Cacilda Teixeira da Costa, minha amiga de muitos anos, ex-assistente do prof. Walter Zanini, que dispensa apresentação. Ela gostou do projeto e aceitou.

A série derruba idéias equivocadas, como compartimen-tações estanques, e através de programas agradáveis de serem assistidos, restitui, entre a arte e a matemática, a equiparidade que sempre existiu. Por mais estranhos que os conceitos pareçam num primeiro momento, ao assistir os programas e acessar o site com as “dicas” de como podem ser aplicados em sala de aula, sem dúvida estamos dando um salto qualitativo na formação dos parâmetros críticos criativos. A direção da série é de Sérgio Zeigler, e a trilha so-nora, de Cid Campos. Além de ser veiculada na TV Cultura e na TV Escola, foi distribuída para várias escolas, instituições e comercializada em cópias.”

Walter Silveira

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o segundo ano do terceiro mandato

Em 2002, agrava-se a crise financeira com os contingenciamentos decretados pelo Governo e com a migração de recursos da FPA, sobras do orçamento de 2001, para ou-tras contas do Estado. Além disso, são reti-radas de nosso orçamento as verbas para pagamentos de contenciosos trabalhistas, sempre pagos anteriormente pelo Gover-no estadual. Tínhamos absoluta consciên-cia da crise da FPA, que envolvia sobretudo o sucateamento de seu parque produtivo, devido aos sete anos jejunos de qualquer in-vestimento público em infra-estrutura, ma-nutenção e desenvolvimento tecnológico. E isso em plena era de mudanças dos paradig-mas técnicos e científicos, observados em todo o mundo.

Isso não impediu, contudo, a estréia de um telejornal, Edição de Sábado, nem o lan-çamento em julho do Ilha Rá-Tim-Bum, primeira produção infantil inteiramente digital feita no Brasil.

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Programa Ilha Rá-Tim-Bum, TV Cultura, SP, fevereiro de 2002.

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vestindo o “ilha rá-tim-bum”

Na época que se fez o “Rá-Tim-Bum”, as cores eram bem primárias. Tinha também essa coisa do que era moderno. Naquela época era essa mistura de texturas, o listrado com o xadrez, com o estampado, que foi uma coisa que foi ultra usada. O grupo Corpo usou. O “Rá-Tim-Bum” é totalmente essa estética, era uma coisa que era muito, muito forte. As cores eram bem primárias. Hoje em dia é bonito usar as cores quebradas. O primário tem uma cara de coisa antiga. Na épo-ca do “Castelo”, o must era o patchwork. Você pode ver que tem um monte de patchwork. O Nino tem, a Morgana tem, o doutor Vítor é puro patchwork, o próprio doutor Abobrinha, são vários tipos de xadrez misturados, isso era uma tendência ultra da época que a gente estava fazendo, no “Castelo”. Que é o que eu estou falando da estética atual. No “Ilha Rá-Tim-Bum”, você vai ver muito elemento clubber. A Polca, o Zabum-ba, eles são meio clubber.

O próprio “Ilha Rá-Tim-Bum” foi difícil para mim, esse negócio de você partir de bicho, gente vestida de bicho, mas foi um pouco proposta minha a estética que ficou. Porque devia ser uma coisa sugestiva, que desse um ar de super-herói, por exemplo, um pouco de Polca e Zabumba; também uma coisa bem monstro, que era o Nefasto. A Hipácia, a gente partiu muito de uma coisa histórica, a gente foi pesquisar quem ti-nha sido de fato a personagem Hipácia. Então nós trouxemos elementos egípcios para ela, e depois eu considerei que aque-la pessoa chegou com aquelas vestimentas egípcias e passou a viver na natureza e a natureza passou a viver nela. Então começou a nascer planta na roupa, na cabeça dela, no corpo dela, e aquela roupa desgastou, rasgou, queimou. Então a gente pegou, fez o figurino, depois eu passei vela queimando tudo. Fui eu, fiz questão de fazer isso, foi uma delícia, foi ma-ravilhoso. Teoricamente seria tarefa dos efeitos especiais, mas eu queria muito ver o que ia acontecer. E depois vai pintura de tudo, até porque a gente usava essas folhagens falsas, de plás-tico, tal, e elas denunciam muito. Então houve uma pintura que fez com que aquilo ficasse mais realista. Tudo, tudo, tudo passou. O Nefasto a gente desgastou mesmo, lixou, arreben-tou o tecido todo para depois passar pela pintura.

Tiveram uns que foram mais complicados por uma questão de volume, como o Zabumba. O Zabumba, eu diria que é quase como se não tivesse dado tempo de a gente terminar,

porque a gente teve que gravar de uma hora para outra. Pu-xaram assim, quase como se não tivesse dado tempo mesmo. E aí quando a gente fez o filme eu pude terminar o Zabumba, ficou um Zabumba muito mais interessante. Aí a Hipácia e o Nefasto, todos deram muito trabalho, todos levaram cola, tinta para dar esse elemento da vivência. Acho que teve ou-tras coisas assim, por exemplo, sujar o dente desses vilões, que a gente não fez na série porque na verdade não tive a idéia. Quando tive já existia a personagem, e acharam que para continuidade era muito ruim surgir isso depois, mas a gente fez no filme e deu, o fato deles serem meio sujões era uma coisa muito importante para o vilão. Então tem algumas coi-sas que a gente vai descobrindo depois, termina depois. Mas trabalho todos deram, aquele Solek foi muito complicado, porque tinha que parecer uma pele, e a gente deu uma super sorte de achar no mercado, no Bom Retiro mesmo, uma ma-lha que tinha aquele brilho melado de lagarto. A gente fez ele meio listrado, com duas cores, depois o Efeitos deu uma unida para não ficar uma interrupção tão grande da costura. Eu tive que localizar as listras também onde era necessário ter costura, porque não tinha como fazer uma malha justa sem todas aquelas costuras, então eu fiz aquele desenho baseado já na necessidade de modelagem e ficou bem legal.

Para o Solek, por exemplo, o rabo tinha uma estrutura, o braço mexia de um jeito e etc., que era muito importante falar para o ator, ele participou disso tudo. Ele tinha um tra-balho corporal interessante e eu fui contando para ele quais eram os elementos que a gente ia dar para ele trabalhar. Nós demos um rabo, só a estrutura, antes para ele já ensaiar, para ele já achar o personagem dele.

O Zabumba, a gente criou um personagem, até no meu dese-nho ele está um pouco encurvado. Era uma coisa meio “bad boy”, assim, meio jaquetão, mau. E ele estava fazendo um pé, aí cheguei com o diretor: “Ó, você lembra que eu te propus dele ficar...”. Aí o diretor pegou e o Luciano passou a fazer um pouco mais, porque para o volume do bumbum, para dar o ar da abelha, era mais interessante. Então às vezes têm essas trocas todas. Tem que ser feita com respeito só, não é impon-do nada para ninguém.”

Isabela Teles

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Programa Ilha Rá-Tim-Bum, TV Cultura, SP, dezembro de 2001.

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Enquanto isso, a Globo estréia o reality show Big Brother Brasil, consolidando no país o gênero que se tornaria símbolo dos novos tempos televisivos que se abriam no século XXI.

No começo desse ano morre José Bonifá-cio Coutinho Nogueira, do grupo fundador e primeiro presidente da Fundação Padre Anchieta.

No intuito de produzir mais rendas com ser-viços, iniciamos as tratativas para operar a TV Justiça do Supremo Tribunal Federal, por 190 mil reais mensais.

a universidade da madrugada

Um dos maiores empenhos de minha gestão na programação da TV Cultura foi a criação da Universidade da Madrugada, que estréia em novembro de 2002. A idéia era promo-ver a formação complementar do homem para a cidadania, a partir de programas que tratassem das mais altas expressões cultu-rais promovidas pela humanidade através dos tempos. O programa iria basear-se em aulas ou conferências realizadas com au-tores de grande reputação nos diversos te-mas escolhidos. Em primeiro lugar, isso possibilitaria a produção de um “estoque do

pensamento” dos mais importantes inte-lectuais brasileiros. Depois, poderíamos re-velar temas e conteúdos não habituais aos currículos altamente especializados de nos-sos cursos superiores. Possibilitaríamos ain-da o acesso à informação às camadas mais desinformadas da população, tanto por te-rem freqüentado escolas ruins quanto pela falta de background familiar.

Depois de gravada por três câmeras, a aula realizada em auditórios abertos era editada com ilustrações, comentários e demais re-cursos de uma produção sofisticada. Assim, transformava-se em programa de televisão.

Para que a experiência não perturbasse a lógi-ca da grade de programação pré-existente na TV Cultura, resolvemos colocar a programa-ção na madrugada, o que lhe valeu o nome de batismo: Universidade da Madrugada.

O professor Antônio Medina, especialista da USP em cultura e literatura grega, afirmou que ficou muito famoso nas padarias onde curtia suas insônias, pois padeiros e vende-dores assistiam suas aulas sobre Homero.

A Universidade começou com uma aula mag-na de Alain Tourraine, proferida em francês, após uma incrível tempestade de verão, no Te-atro Franco Zampari. Prudentes, contratamos

um serviço de valet para estacionar os carros de um público presumivelmente de elite. Nin-guém usou o serviço. 80% do auditório de 280 lugares veio de metrô. 60% eram da classe C, conforme pesquisa realizada. Uma surpresa total. Todos os outros cursos mantiveram essa proporção, inclusive a aula inaugural de Fer-nando Henrique Cardoso.

Com ajuda da universidade privada Anhem-bi Morumbi, cujo reitor, prof. Gabriel Mario Rodrigues, financiou a produção, o projeto transformou-se num verdadeiro sucesso.

O programa ganhou aos poucos uma certa notoriedade, acabando por chamar a atenção do Centro Cultural da CPFL, um dos maiores pólos culturais do Estado, localizado na sede da empresa em Campinas. Seu responsável, Augusto Rodrigues, com apoio total do pre-sidente da CPFL Energia, Wilson Ferreira Jr., financiou a realização de uma série de aulas, conferências e eventos que, transformados em programas de televisão, hoje acumulam mais de quatrocentos títulos, dos quais du-zentos foram transformados em DVD, com grande vendagem popular.

Da mesma forma, interessaram-se pelo pro-jeto a Universidade São Marcos e a Editora Abril. A TV Cultura produziu para a Univer-sidade São Marcos, com apoio de sua reitora,

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Luciana Hernani, uma série de grandes con-ferências intituladas Universo do Conheci-mento; enquanto a Editora Abril produziu Humanidades, palestras a duas mãos com fi-lósofos, sociólogos e literatos de renome.

Pertencem ao conjunto de programas vei-culados na Universidade da Madrugada as séries: Café Filosófico, Balanço do Século XX, Ética, Grandes Cursos Cultura, A Invenção do Contemporâneo, além das já citadas Huma-nidades e Universo do Conhecimento.

O Café Filosófico, que dá a visão filosófica dos grandes temas da vida cotidiana, ga-nhou horário nobre e está fazendo um gran-de sucesso.

Mas nem tudo foi acerto. Em novembro de 2002 foi ao ar um programa que, produzido com a melhor das intenções, redundou em um completo fracasso. A Rede Pública de Televisão, em reuniões da Abepec, manifes-tava o desejo e a necessidade de transmitir um programa que fosse a cara do Brasil, com produtos originados nas diversas geradoras da rede. Assim, shows, notícias, entrevistas interessantes, seriam enviados de todos os Estados para compor a programação do Alô Brasil, posteriormente Alô Alô. Esse progra-ma seria ancorado num auditório em São Paulo, sob comando da comediante Fafy

Siqueira: o auditório seria apenas um recur-so para a integração das matérias nacionais a serem enviadas pelos Estados. Acontece que os Estados não enviaram shows, entre-vistas, nem documentários e o programa tornou-se apenas o auditório da Fafy. Ape-sar das grandes qualidades artísticas da apresentadora, o programa acabou não ten-do nenhum sentido na grade de programa-ção da TV Cultura e foi retirado do ar.

Continuávamos a produzir com qualidade, mas a falta de recursos para investimento ia claramente minando as condições para produzir no futuro. Como a crise financeira da Fundação não dava sinais de trégua, pas-samos a elaborar então um Planejamento Estratégico, a fim de diagnosticar e apontar soluções para os problemas da instituição. Indicamos ao Governo todos os benefícios de se financiar um enxugamento das estru-turas técnicas e de pessoal, cujos resultados seriam apreciados em menos de onze me-ses. Expusemos ao Conselho, em documen-to transparente, mas alarmante, a situação real dos equipamentos, dos arquivos, com graves conseqüências para a programação e para a conservação de nossa riquíssima documentação cinematográfica e videográ-fica. A redução de arrecadação publicitária ocorrida a partir do “11 de setembro” piorava ainda mais a situação.

Página ao lado: Alain Tourraine, programa Universi-dade da Madrugada, TV Cultura, SP, 2002. Programa Universidade da Madrugada - série I Curso Livre de Humanidades, TV Cultura, SP, 2002. Fernando Henri-que Cardoso, programa Universidade da Madrugada - série Universo do Conhecimento, TV Cultura, SP, 2004.

Nesta página: Maria Rita Kehl, programa Universidade da Madrugada - série Universo do Conhecimento, TV Cultura, SP, 2005. Pierre Levy, programa Universidade da Madrugada - série Universo do Conhecimento, TV Cultura, SP, 2004. Fafy Siqueira, programa Alô Alô, TV Cultura, SP, 2002.

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transparência total

A transparência dos problemas da TV Cul-tura, transmitida em memorando ao Con-selho da Fundação, foi transformada em artigo de Ethevaldo Siqueira, em sua coluna do Estadão de 4 de maio de 2003. O artigo, cujas informações já eram públicas na me-dida em que foram transmitidas ao Conse-lho, causou grandes dissabores ao Governo, que apareceu como responsável pela crise da FPA. Na verdade, a imprensa foi ainda mais dura comigo do que com o Governo, pois eu era responsável pela gestão e pela programação. Solicitei uma audiência com o governador, que me convidou para jantar e concedeu-me três horas. Notei a mágoa do governador com o fato de que ele teria sido muito prejudicado com o relatório enviado

pelo superintendente Manoel Luiz Luciano Vieira ao Conselho, e de que ninguém da Fundação havia defendido o Governo, tanto em relação ao relatório quanto ao artigo do Estadão e de todos os demais jornais e revis-tas importantes do país que o reproduziram. Tentei mostrar que não havia nenhuma des-consideração para com o governador e o Go-verno, que entendíamos a política fiscal do Estado, mas que precisávamos da ajuda per-manente do Governo para resolver a grande crise da televisão, sobretudo, pois era a par-te mais atingida da FPA.

Propus ao secretário da Fazenda, membro de nosso Conselho Curador, que indicasse um novo superintendente para o lugar do Lu-ciano Vieira, que havia se demitido do cargo depois da repercussão de seu relatório.

Frame Grandes Cursos: Ver TV de Olhos Fechados, TV Cultura, SP, 2002. Frame Grandes Cursos: Humanidades, TV Cultura, SP, 2002.

Frame Grandes Cursos com o prof. Ismail Xavier: O Cinema Clássico no Espelho de Hitchcock, TV Cultura, SP, 2002. Frame Grandes Cursos com o escritor Milton Ha-toum: A Construção do Romance, TV Cultura, SP, 2002.

Frame Grandes Cursos: Uma Visita ao Mundo Cultu-ral Árabe, TV Cultura, SP, 2002. Frame de abertura de Grandes Cursos, TV Cultura, SP, 2002.

A função de superintendente criava um gra-ve problema de duplicidade de comando, pois as atribuições do presidente executivo e do superintendente eram quase as mes-mas. Um superintendente novo, sem conhe-cer as regras da Fundação, imaginando-se interventor do Governo na instituição, po-deria causar alguns embaraços.

O superintendente escolhido, proposto pela secretária de Estado da Cultura, Claudia Costin, possuía um bom currículo acadêmi-co e profissional e parecia alguém qualifica-do para assumir aquele cargo: Julieda Puig Pereira Paes.

Desde o começo, porém, Paes assumiu uma posição bastante agressiva, acusando as administrações que a antecederam de

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responsáveis por um “incêndio” muito pior do que o incêndio real do tempo do Monto-ro, que destruiu nossas instalações. Do pon-to de vista técnico, administrou através de consultorias e empresas de auditoria, demi-tindo praticamente quase toda a Diretoria de Administração e Finanças.

Essas auditorias tomaram conhecimento formal do Plano Estratégico elaborado por mim e por nossos colaboradores, e concor-daram com os diagnósticos. Contudo, emi-tiram pareceres mais denunciativos que propositivos, baseados nas comparações de benchmarking privados com dados aleató-rios colhidos sem qualquer caráter científi-co em sabatinas administrativas. Adverti a presidência da Booz Allen sobre essa meto-dologia, mas quem havia contratado a em-presa era a superintendente. A Booz Allen não tomou conhecimento de minhas ad-vertências, e o que se produziu foi uma ca-tilinária contra a Administração, feita por escrito e oralmente em assembléia inusita-da, realizada em pleno pátio, na presença de centenas de funcionários, enquanto o pre-sidente se encontrava hospitalizado para uma cirurgia nos rins.

Fácil imaginar-se a repercussão de tudo isso na imprensa e nos meios políticos. E até mesmo na Curadoria de Fundações, respon-sável pela FPA.

O governador, até mesmo para eximir-se das responsabilidades por tal crise, afir-mou que o problema da FPA não era finan-ceiro, mas de uma gestão que precisava ser modernizada. Enfim, o culpado era eu. Com meu Planejamento Estratégico produ-zi todo o diagnóstico para a modernização sugerida. Com redução de gastos, busca de recursos de serviços, publicidade e venda de produtos, amenizei a falta de recursos, mas só consegui amenizar a falta crônica

de investimentos comprando câmeras di-gitais de última geração. Houve diminuição no ritmo de produção, mas nunca perda de qualidade.

produzindo na crise

Assim, idealizamos e implementamos a TV Rá-Tim-Bum, que seria inaugurada nos pri-meiros meses da gestão Marcos Mendonça. A TV Rá-Tim-Bum surge como parte da es-tratégia de anteciparmos o advento da mul-tiprogramação, com experiências em TV a cabo veiculando programação infantil, TV do conhecimento e TV de informação pública.

Em 7 de setembro estreamos o Guerrilha, em parceria com o Itaú Cultural. No mesmo mês, pusemos no ar o Conjuntura Econômica, pro-grama jornalístico de análises e entrevistas sobre economia, dirigido por Luis Nassif.

No fim do ano, apesar de todas as dificul-dades, estreamos os Contos da Meia-noite, e uma série inédita de dramaturgia para adolescentes que refletia o ambiente real de uma escola de periferia: Galera.

Contos da Meia-noite, produzido por um ta-lentoso grupo de produtores independentes de Belo Horizonte, liderados por Eder San-tos, conquistou o público e a crítica por al-gumas razões complementares: textos da melhor qualidade de autores brasileiros, atores famosos e uma linguagem inédita, sobrepondo recursos de grafismo e de som-bra às interpretações. O formato ocasionou alguma polêmica entre os que preferem um texto nu e cru na televisão e os que acredi-tam que o texto sempre pede socorro à ima-gem. De qualquer forma, temos a certeza de que uma das coisas mais difíceis de se pro-duzir em televisão é literatura, seja o teatro, a poesia ou mesmo o conto.

Visita de crianças à TV Rá-Tim-Bum, TV Cultura, SP, 25/02/2005. Estúdio do programa Guerrilha, TV Cultura, SP, 12/12/2004.

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a falta da palavra escrita

O projeto foi concebido a partir de uma reflexão de Jorge da Cunha Lima, então presidente da TV Cultura, sobre a falta da palavra escrita na televisão: a TV trabalha com a oralidade e não trabalha com a palavra escrita. O Jorge disse que a TV não encara a palavra escrita pelos escritores e quando o faz não a respeita, adapta. Nós colocamos a palavra do escritor como foi escrita, somente sintetizada, criando um diálogo entre os dois suportes e dando impor-tância para o texto sem abdicar da imagem. O diferencial da série é reunir recursos de projeção de imagens sobre os atores e aplicação de texturas e sombras. O resultado é uma releitura de textos com o objetivo de incentivar o livro e a leitura através da televisão, dando maior visibili-dade ao escritor nacional ao levar sua arte a um público mais amplo.

A série tem cem módulos, de até dez minutos de duração cada, com leitura de obras de contistas consagrados da literatura nacional, desde Álvares de Azevedo até os con-temporâneos de vanguarda. Contemplou todas as escolas de nossa história literária. Obras de consagrados escritores como Lygia Fagundes Telles, Ignácio de Loyola Brandão, Machado de Assis, Mário de Andrade, entre outros, são apresentadas por meio de interpretações de grandes no-mes do teatro, entre eles Antônio Abujamra, Beatriz Segall, Lázaro Ramos, Paulo César Pereio, Walmor Chagas e Giulia Gam. “Contos da Meia-noite”, apresentado por Teresa Frei-re, contextualiza o autor, a obra e a importância daquele texto. A direção é do videoartista Eder Santos, a direção de fotografia é de Evandro Rogers e a seleção de autores e textos de Fernando Martins.”

Walter Silveira

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Beth Goulart; Giulia Gam; Matheus Nachtergaele; Beatriz Segall; Marília Pêra - programa Contos da

Meia-noite, TV Cultura, SP, 2003.

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Já a série de ficção Galera, estreada em de-zembro de 2003, segue a linha teledrama-túrgica iniciada nos anos 90 com Mundo da Lua e Confissões de Adolescente. Inovando, Galera retrata o cotidiano de adolescentes comuns em uma típica escola pública pau-listana, fugindo da glamorização estilizada que cerca suas congêneres exibidas na TV comercial.

a cara dos adolescentes

“Galera” foi concebido para suprir a necessidade de uma tele-dramaturgia voltada para o público jovem. Os episódios narram a história de um grupo de adolescentes que estuda na mesma sala de aula de uma escola pública. Completam o elenco os pro-fessores, o diretor e o inspetor de alunos. São quinze episódios, cada episódio trata de um tema. No site da TV Cultura há um aprofundamento do que foi abordado no programa, o perfil de cada personagem, além do “Galera Voluntária”, que divulga a experiência de jovens com trabalho voluntário.

A escolha de temas como homossexualismo, primeiro em-prego, virgindade, violência, drogas, teve como base pesquisa realizada entre os adolescentes. O público jovem é um público muito inconstante, de difícil identificação, e quase não há, na TV aberta, programação voltada para ele. A Globo exibe a novela adolescente “Malhação”, mais direcionada para pais e avós do que propriamente para os jovens.

Os personagens de “Galera” têm características físicas e psicológicas marcantes e, principalmente, com a “cara” do adolescente de bairro paulistano – miscigenada, classe média baixa, engajada em questões da atualidade (política, cultura, comportamento, ética etc.). A agilidade nos cortes, a descons-trução da cronologia, o caráter quase documental em alguns momentos, história em quadrinhos, videoclipes, a mistura de linguagem e técnica provocam a ruptura de gêneros e reproduzem o efeito de “zapear” canais de TV, característico dos adolescentes. Outro diferencial é o respeito a seu público alvo. A série não pretende impor “verdades”. Ela levanta ques-tões, mas deixa para o jovem tirar suas conclusões, porque ele é capaz disso. O grande mérito do “Galera” foi encontrar um formato que criou a identificação e, pode-se dizer, uma interação dos adolescentes com os personagens.”

Walter Silveira

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Roberta Youssef, personagem Ana K., e Bárbara Mascarenhas, personagem Max, programa Galera, TV Cultura, SP, 2003.

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a eleição de 2004

Embora não houvesse, naquele contexto de crise e penúria, nenhum candidato que se dispusesse a concorrer às eleições para presidente da Fundação Padre Anchieta, fui indicado candidato para um quarto mandato, com apoio maciço dos membros do Conselho, que compreenderam a minha luta pela sobrevivência e pela independência da instituição apesar de todas as dificuldades enfrentadas. Eu não deseja-va isso, pois o percurso fora desgastante, sobretudo após o governador me ter conferido publicamente um diploma de gestão ultrapassada, a ser necessariamente modernizada. Mas havia ainda uma luta nacional para introdução dos princípios e da defesa da televisão pública no Brasil, que fazíamos por intermédio da Abepec, que eu presidia, e que reunia todas as televisões abertas estaduais do país.

Nesse contexto de uma eleição para presidente, precedida da renovação de um terço dos membros eletivos do Conselho, fui procurado pelo chefe da Casa Civil, Arnaldo Madeira, ao qual propus, como era de praxe, a sugestão de dois nomes que seriam posteriormente indicados por seis conselheiros. Entre eles, foi indicado o nome do ex-secretário da Cultura, Marcos Mendonça. Com indicação e apoio do Conselho, Mar-cos Mendonça foi eleito seu membro, com ótima votação, até mesmo pelo seu grande desempenho na Secretaria, com a construção da Sala São Paulo e a renovação radical da Osesp, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo.

Logo após a sua indicação, Marcos Mendonça veio pessoal-mente comunicar-me que seria candidato à Presidência, com apoio do Governo.

Afirmei-lhe que eu já era candidato, indicado por grande maioria do Conselho e que, por uma questão de princípio, a eleição não deveria ser resolvida no Palácio dos Bandeiran-tes, até mesmo para que a luta nacional em favor de uma televisão pública, independente do mercado e do poder, não fosse desmoralizada. A questão não era mais ser ou não ser candidato, mas sim que os princípios fossem preservados.

Apesar de possuir um relacionamento político e fraternal com Marcos Mendonça desde a fundação do PMDB, a pres-são sobre o eleitorado composto pelos membros do Conselho foi intensa e muito pesada. Ainda que sem a presença visível

Com a estréia do ótimo Galera fechava-se o ano de 2003. Em 2004 encerrava-se meu ter-ceiro mandato à frente da Fundação, e no-vos desafios surgiram.

sucessão: um processo mal iniciado e bem concluído

Nesse episódio de minha sucessão, que le-vou Marcos Mendonça a ser o oitavo presi-dente da Fundação Padre Anchieta, prefiro não exercer o papel de historiador, mas sim dar meu testemunho, como mais um entre-vistado do livro.

Site da TV Cultura, SP.

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do governador, os cabos eleitorais se utilizaram de todos os recursos de persuasão, sem muitos resultados, pois a maio-ria do Conselho manifestou-se sempre pela independência e a favor de minha reeleição.

Ethevaldo Siqueira, um dos subscritores de minha candida-tura, fez um artigo arrasador contra minha gestão e contra o gestor, no “Estadão”. A candidatura, que eu já não deseja-va, tornou-se uma questão de honra.

Nunca, porém, na história da TV Cultura, houve disputa que não terminasse com o consenso, à exceção do governo Maluf-Marins, cuja disputa acabou na Justiça, com ampla vitória da instituição, confirmada como fundação de direito privado.

O bom entendimento pessoal com Marcos Mendonça facilita-va a adoção de um entendimento que evitasse o desgaste com-pleto da instituição e possibilitasse um avanço institucional.

Propus então uma reforma estatutária que concedesse ao Conselho mais poder, mais atuação, no qual o presidente tivesse a representação institucional, internacional e nacio-nal. E que também se formassem comitês com capacidade de sugerir e acompanhar de perto a fidelidade da gestão aos princípios definidos como missão da Fundação Padre An-chieta. Aceitos esses princípios, não importaria mais quem seria o candidato à Presidência Executiva ou à Presidência do Conselho.

Marcos Mendonça aceitou a proposta em seu nome e, provavelmente, em nome do Governo. Contudo, eu disse que confirmaria a minha posição e proposta em artigo a ser publicado no “Estado de São Paulo”, no qual eu responderia às acusações de Ethevaldo Siqueira e colocaria as condições que envolviam maior poder para o Conselho. Tinha eu em vista sobretudo o futuro, após aquela intromissão indevida do Governo. O artigo foi publicado e as condições aceitas por ambas as partes, após consulta detalhada a todos os membros do Conselho.

Recomendaram-me alguns conselheiros amigos que, embora me garantissem seus votos em qualquer hipótese, melhor seria que eu fosse candidato à Presidência, mais profissionalizada,

do Conselho. Essa opção proporcionaria mais condições para que eu continuasse minha luta nacional em favor da TV pú-blica, ao mesmo tempo em que evitava um confronto direto com o Governo, senhor do orçamento destinado, votado e por vezes contingenciado da Fundação Padre Anchieta. E assim o fiz.

Fomos ambos eleitos. Mantivemos sempre uma convivência fecunda que possibilitou ao Marcos tanto realizar obras indispensáveis quanto equilibrar as finanças com ajuda do Governo e adotar medidas saneadoras. O novo presidente da Fundação aceitou também, até com humildade, reco-mendações mercadológicas do Conselho e do presidente do Comitê de Marketing, Roberto Teixeira da Costa, assim como recomendações na área de programação, vindas do Con-selho e deste amigo e presidente, Jorge da Cunha Lima, até mesmo com a retirada de alguns programas do ar. Impor-tante ainda foi a contribuição de Yoshiaki Nakano na área de administração financeira.

Este é o meu testemunho dos fatos que envolveram a eleição de Marcos Mendonça para a Presidência Executiva, em 2004, e minha eleição para presidente do Conselho da Fundação Padre Anchieta.”

Jorge da Cunha Lima

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A gestão Marcos Mendonça

Rolando Boldrin e Dominguinhos, programa Sr. Brasil, TV Cultura, SP, 05/07/2005.

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E m junho de 2004 inicia-se o manda-to de Marcos Mendonça. Como Cunha Lima, Mendonça havia ocupado ante-

riormente o cargo de secretário de Estado da Cultura. Contudo, ao contrário de Muylaert e Cunha Lima, Mendonça não possuía experi-ência em televisão. Sua gestão como secre-tário notabilizara-se pela reformulação da Orquestra Sinfônica Estadual – transforma-da graças a seu empenho em uma das mais importantes orquestras do mundo – e pela implantação de sua sala de apresentações, a Sala São Paulo – igualmente tida como das melhores em seu gênero em todo o mundo.

A gestão de Mendonça começa com a maior modificação dos estatutos da FPA desde 1986. Tais mudanças ocorrem em duas eta-pas. A primeira se dá em 2004, coincidindo com a eleição do novo diretor presidente, tratando-se basicamente de duas modifi-cações. De um lado, fortalece-se o papel do presidente do Conselho Curador, que passa a ter a função de representar a Fundação perante organismos institucionais do país e do exterior (artigo 13, § 2º), gozando desde então de remuneração (artigo 14, inciso X e § 1º). Por outro lado, elimina-se a justapo-sição de poderes que desde 1986 havia, no interior da Diretoria Executiva, entre o dire-tor presidente e o diretor superintendente. Ambos eram eleitos pelo Conselho Curador e tinham várias atribuições comuns (como contratar e demitir funcionários), o que po-tencializava os choques de comando, como vimos no caso de Julieda Puig.

Com a reforma de 2004, extingue-se o cargo de diretor superintendente (artigos 18 e 20, inciso XII), passando o diretor presidente a ter o controle total sobre a Diretoria Exe-cutiva, pois toda a diretoria é desde então de sua livre escolha. Como medida comple-mentar, recria-se a Diretoria Administrati-va e Financeira (artigo 18).

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um conflito interno muito forte

Havia na Fundação um conflito interno muito forte entre a gestão do Jorge da Cunha Lima, que era o presidente, e a gestão da superintendente, a Julieda. Na realidade, existia um Estatuto da Fundação absolutamente inadequado, absolutamente anacrônico, que estabelecia prerrogativas iguais tanto para o presidente como para o superintendente, agravadas pelo fato de que cada um deles podia assinar iso-ladamente. Na prática, um poderia fazer uma coisa e outro poderia fazer outra. E os dois eram eleitos pelo Conselho, ou seja, com mandatos eletivos. Então, evidentemente, se não houvesse uma coesão, uma ação de entrosamento entre o presidente e o superintendente, a Fundação se tornava abso-lutamente inadministrável. E era o que estava acontecendo naquele momento.”

Marcos Mendonça

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Presidente Marcos Mendonça, TV Cultura, SP, 2005.

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A segunda reforma, bem mais abrangen-te, ocorre em dezembro de 2005. Dessa vez a própria estrutura de poder da Fundação é alterada, tanto no que concerne à com-posição do Conselho Curador quanto às normas que regem suas deliberações. Os conselheiros eletivos, que desde 1986 eram vinte e um (em um total de quarenta e cin-co membros), passam a vinte e três mem-bros (em um total de quarenta e sete). Por outro lado, a inscrição de candidaturas dos conselheiros eletivos passa a depender de oito assinaturas de seus pares e/ou de con-selheiros vitalícios (artigo 11, § 2º), contra cinco assinaturas de seus pares anterior-mente (artigo 11, § 2º, do Estatuto de 2000). Entre os conselheiros natos, sai o represen-tante da Associação Brasileira de Impren-sa e em seu lugar entra o representante do Pensamento Nacional das Bases Empresa-riais (artigo 10, número 20).

Maiores mudanças ocorrem nas normas que regem o quorum das reuniões do Con-selho Curador. Até então, para que uma reu-nião ocorresse era necessária a presença da maioria absoluta dos membros. Com a re-forma, o quorum mínimo passa para um terço dos membros. Em termos numéricos, o quorum mínimo passa de vinte e três para dezesseis conselheiros (artigo 17, ca-put). Por outro lado, facilitou-se a presen-ça dos representantes natos dos Governos estadual e municipal, ao facultar-se que os secretários (e também os reitores das uni-versidades) indiquem representantes com poder de voz e voto, o que antes era proibido (artigo 17, § 2º).

Decisões estratégicas como celebração de convênios ou acordos, aprovação de orça-mentos, prestação de contas ou relatórios anuais e um incerto “casos omissos em ge-ral” deixam de exigir a aprovação da maio-ria absoluta dos conselheiros, bastando para

serem aprovadas a anuência da maioria dos presentes na reunião (artigo 15). Numerica-mente, isso significa que, de uma exigência anterior de vinte e três votos a favor (obri-gatoriamente), a aprovação dessas ques-tões torna-se possível com o voto favorável de nove membros (maioria de um terço do Conselho, ou dezesseis membros, novo quo-rum mínimo para a reunião).

O número de votos necessários para se cons-tituir comissões setoriais e designar relato-res de matérias da ordem do dia também cai, de doze votos favoráveis (maioria de vo-tos de um quorum mínimo de vinte e três membros) para nove (maioria de um terço do Conselho, ou dezesseis membros, novo quorum mínimo para a reunião).

Do ponto de vista administrativo, são extin-tas as Diretorias de Programação, Jornalis-mo e Receitas Operacionais, mantendo-se as Diretorias Administrativa e Financeira, e Técnica (artigo 18). Criou-se ainda uma Dire-toria da Vice-presidência, não ficando claro nas suas atribuições, porém, o papel que o vice-presidente ocupa no organograma da Fundação, além de substituir o presidente em seus impedimentos.

Contudo, a extinção de três das cinco dire-torias até então existentes não representou qualquer esforço em diminuir a estrutura da FPA e seus custos. Ao contrário, o que se fez foi flexibilizar o número de diretores, ao deixar a criação das diretorias “operacio-nais” – antes fixadas pelo Estatuto – a car-go do diretor presidente (artigo 18, § 3º). Ato imediato, Mendonça criou sete novas dire-torias: Expansão, Programação, Jornalismo, Marketing e Vendas, Rádio, Pesquisas, e Co-municação Institucional e Novos Projetos. Como resultado, das antigas cinco direto-rias passou-se a um total de dez – incluindo o novo diretor vice-presidente.

Para a “nova” Direção de Programação foi escolhido o jornalista Mauro Garcia, que no governo de Fernando Henrique Cardoso ha-via presidido a Fundação Roquette Pinto.

A imagem da FPA em meados de 2004 era de carência de verbas, a qual resultava em um quadro de reprises que incomodava os críticos. Mendonça assume com o discurso da renovação, apontando a necessidade de buscar recursos da iniciativa privada para alavancar a produção própria de programas. Seguia assim o caminho apontado e prati-cado pela gestão anterior, que desde 1996 vinha veiculando propaganda institucional em sua programação. A opção de Mendonça foi a de radicalizar as práticas em vigor, com a veiculação de anúncios comerciais “con-vencionais” nos intervalos dos programas, o que trouxe recursos adicionais, apesar de causar polêmica.

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receita da publicidade

Nós dinamizamos em muito o departamento de marketing da emissora. Nós tínhamos uma receita. De um lado cor-tar despesas, cortar custos, de outro buscar receita. Nós só poderíamos buscar um equilíbrio financeiro se nós conse-guíssemos cortar os custos. E, de outro lado, aumentar a nossa receita. E conseguimos impor uma gestão eficiente no sentido de controle de gastos – isso é algo que a gente tem mantido permanentemente. Temos buscado a cada dia aper-feiçoar o nosso mecanismo de ação interna para diminuir, minimizar, os custos operacionais a cada dia. E de outro lado intensificar a nossa ação na busca de receitas. Receitas pro-venientes de várias áreas. Uma delas, a área de publicidade, mas sem que essa receita venha de qualquer maneira atingir a absoluta e total independência da nossa programação. Uma publicidade que venha agregar recursos à Fundação, mas que não venha influenciar a nossa programação. Isso é uma regra que nós traçamos e que tem sido extremamente benéfica, porque nós enriquecemos a nossa programação com produtos da mais alta qualidade mercê, muitas vezes, desses recursos que permitiram que nós tivéssemos investido nessa programação de qualidade. Recursos que em parte também nos ajudaram a modernizar a televisão, equipá-la. Então acho que esse foi um elemento importante.”

Marcos Mendonça

O uso da publicidade gerou, porém, reações em vários setores da sociedade, como pode-mos ver nos depoimentos a seguir.

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a ditadura do mercado

Acho que a aposta sempre foi a de que a TV Cultura tem esse papel de ser o espaço de possibilidade de experimen-tação, de vitrine, de mostrar grupos que não são grupos majoritários, de fazer programas específicos segmentados, podendo ter pouca audiência. Acho que tem uma aposta dessa possibilidade, toda possibilidade que a TV comercial barra por questões de audiência e de lucro e de sintonia com o mercado e com a publicidade. Acho que no momento em que a TV Cultura abre para a publicidade, na verdade, acho que fica bem comprometido fazer um programa infantil com anúncio de nuggets, que é uma porcaria, cheia de caloria. Acho que muda a credibilidade mesmo. Acho que começa a cercear as possibilidades. Ainda não tenho obser-vado isso do ponto de vista editorial, mas é o caminho: você começa a ter que responder, chega uma hora que você está no mercado, você tem que responder ao mercado, não tem mistério, o capitalismo moderno, ele é muito explícito. Você acha que o anunciante vai botar anúncio num programa que fala que não pode comer bala o dia inteiro, se ele é um anunciante de bala? Estou fazendo um raciocínio um pouco grosseiro, mas você vai deixando um pouco menos grosseiro. A TV Cultura é o último espaço da televisão livre de anúncio. A publicidade, acho que é até uma coisa mais recente, ela tem um grau de cinismo hoje em dia, você tem um pedaço de publicidade que não tem o menor apreço, o menor escrú-pulo por nenhum valor moral, educacional, zero. Você tem um pedaço da publicidade, propagandas hoje na televisão, que você fala assim: “Que é isso, meu!” É importante você ter uma TV que seja livre de propaganda, que dê um pouco de descanso da propaganda, um contraste com a TV que é mais ruidosa, uma coisa de estímulo muito barra pesada, um estímulo de som.”

Bia Abramo

uma tv sem identidade

O que eu vejo na TV Cultura é uma confusão muito grande. Ela não tem um olhar tão ingênuo quanto tinha na primei-ra fase, que eu me lembro, mas hoje em dia é isso. O break está aí, tem Casas Bahia, tem tudo que qualquer TV comer-cial tem. Eu acho que existe um problema de identidade imenso, hoje, na TV Cultura, sabe? Problema de identidade sério. Qual é a função, para que existe a TV Cultura?

Ela era basicamente uma TV educativa e voltada para temas da cultura que muitas vezes uma rede comercial não tinha o menor interesse em desenvolver, não é? Isso, aliás, acho que com isso eles conseguiram chegar no topo da curva que eles conseguiram, que não foi pouco. Eles, eu acho que na época do Muylaert, nos primeiros momentos do Jor-ge, eles conseguiram alcançar resultados muito expressivos. Agora, hoje em dia, eu acho um projeto muito confuso. Eu acho que é uma TV que não tem uma identidade.”

Luciano Cury

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a autonomia ameaçada

Eu vejo um certo problema nos últimos anos, que é um problema aparentemente muito vinculado ao finan-ciamento. O fato de que a TV Cultura acabou primeiro recebendo o chamado patrocínio e depois passando a ter propaganda mesmo é algo com que eu realmente não simpatizo. Eu entendo a conjuntura que leva a isso, eu acho que é melhor do que a TV sucumbir. Agora, quan-do o Estado em larga medida investe no pagamento de juros, eu realmente acho lamentável que outras coisas te-nham prioridades e não aquelas voltadas à educação e à cultura, que deveriam ser o foco principal da TV Cultura. Porque essa carência de recursos implica que uma parte da programação vai depender de parceiros externos. E isso acaba tirando muito da autonomia da própria TV, no sentido de ela gerar sua programação, de ela fazer suas escolhas. As próprias leis de patrocínio, no Brasil, acabam tendo um problema que eu acho um tanto quanto sério, que é o fato de que empresas passam a arbitrar onde se deve investir em termos de cultura. Isso acaba levando a um sistema de patrocínio no qual a empresa acaba sendo quem decide como usar verbas que no fundo são públicas, porque são fruto de renúncia fiscal. Quer dizer, o imposto que deixa de ser recolhido aos cofres públicos para atender uma meta cultural, mas sendo que esse imposto e essa meta cultural não são arbitrados pela sociedade nem pelo Estado, mas sim por empresas. Con-cordo que uma cultura estatal ou governada pelo Estado não é a coisa mais desejada, mas não é uma alternativa positiva substituir o Estado pela grande empresa.”

Renato Janine Ribeiro

propaganda x autonomia

O Montoro deu autonomia à TV Cultura, deu independên-cia. Porque naquela época se fazia uma coisa absoluta-mente pura, não havia propaganda, não havia nada. E aí tal coisa: “Se o Estado podia bancar é ótimo! Agora, se o Estado é o governo Montoro”. Porque se é para virar uma televisão estatal, de um Governo que impõe regras, que impõe censura, então é melhor que coloque Casas Bahia mesmo, para conseguir dinheiro. Agora, quando possível, o interessante são propagandas institucionais de empresas que não imponham regras; que não tenham, que sejam absolutamente sérias nisso aí. Porque eu acho que isso é uma coisa que eles têm que controlar, é o papel do Con-selho. Fazer com que não haja, não misture as estações; como no jornal, o jornal só é bom quando ele não mistura a parte comercial com a parte editorial. Na hora que o jor-nal aceita mudar um artigo, um editorial em troca de uma propaganda, ele acabou com o jornal.”

José Carlos Dias

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Em contraponto ao aprofundamento do uso da publicidade, em maio de 2006 estréia a série de “vinhetas e programetes” Cultura no Intervalo, veiculando informações sucin-tas sobre personalidades e fatos do universo cultural, no intervalo dos programas e em meio aos anúncios comerciais.

Além dos recursos obtidos com a publicida-de, Mendonça procurou aumentar a recei-ta própria da emissora por meio da criação, em julho de 2004, da Cultura Marcas, agên-cia que tem como missão dar forma e su-porte ao licenciamento de produtos criados a partir das marcas e dos personagens vin-culados à TV Cultura e à TV Rá-Tim-Bum, além de responder pela venda e formatação de conteúdo para o mercado internacional. Até abril de 2007, a Cultura Marcas, em par-ceria com mais de vinte empresas, lançou mais de mil e duzentos produtos, tais como DVDs, brinquedos, jogos, CDs, artigos de hi-giene pessoal, sucos, artigos para festas, li-vros, álbuns de figurinhas etc.

e lançamos a cultura marcas

Trabalhamos muito fortemente a questão de licenciamento de nossos produtos. Ou seja, a gente conseguiu desenvolver um grande esforço na linha de regularizar a questão dos direitos na televisão, que era uma coisa que a televisão não trabalhava adequadamente até então. Nós nos esforça-mos para juridicamente equacionar os problemas que nós tínhamos. E lançamos a Cultura Marcas. Nós atingimos um grau de profissionalismo fantástico, a ponto de estarmos com um produto à venda pouco tempo após a sua exibição; como exemplo, o “Roda Viva” no dia seguinte já é comercia-lizado. Nós tivemos um famoso “Roda Viva”, extremamente polêmico, foi com o Roberto Jefferson, causou até espanto as pessoas saberem que, no dia seguinte, o DVD daquele programa já estava sendo comercializado nas livrarias de São Paulo. Isso mostra o grau de profissionalismo que a TV Cultura adquiriu. E há uma quantidade enorme de produtos. Hoje nós temos mais de mil produtos sendo comercializados. Desde produtos infantis, programas musicais, programas de debates, programas de palestras, enfim, a mais ampla gama de produtos sendo comercializados e com resultados extremamente positivos, porque fideliza o nosso espectador, cria um outro vínculo e cria uma outra fonte de receita para a própria Fundação.”

Marcos Mendonça

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Em sintonia com a filosofia da Cultura Marcas, passou-se a valorizar o acervo da emissora, que contém pérolas da cultura brasileira, de alto valor comercial, e corria o risco de perder-se caso não se procedesse à conservação adequada dos suportes e à mi-gração de mídias, dado que a leitura dos an-tigos suportes de vídeo e áudio dependem de equipamentos muitas vezes em fase de extinção. Foi assim que a gestão Mendonça iniciou o fundamental trabalho de digitali-zação do acervo da TV Cultura.

Essa valorização do acervo teve como paralelo a valorização da própria memória da Funda-ção, que ganhou um importante instrumen-to de preservação com a criação, em março de 2005, do Centro de Memória Audiovisual da Fundação Padre Anchieta. Coordenado desde seu surgimento por Rita Okamura, ex-direto-ra de Programação da Fundação, a ação do Centro é de fundamental importância para reter a memória de um veículo intrinseca-mente dinâmico e fugaz como a televisão, haja vista a quantidade de grandes emisso-ras – como a Paulista, a Excelsior e a Tupi – que dominaram o cenário televisivo do país por anos e depois desapareceram, sem que houvesse qualquer trabalho de preservação de sua produção e história.

a digitalização do acervo

Um dos elementos que eu acho extremamente importante e que marca a nossa gestão é a preocupação em relação à deterioração do nosso acervo. A Fundação, por falta de recursos financeiros, não vinha desenvolvendo uma ação no sentido de preservar o seu acervo. E esse acervo é um acervo riquíssimo, nós temos mais de duzentas mil horas gravadas, a história da televisão brasileira em grande parte passa pela TV Cultura. E esse acervo riquíssimo estava ameaçado de perder-se, porque o tempo e o processo de desgaste químico desse material, o mau armazenamento, enfim, estava pondo em risco uma quantidade enorme de horas de gravação, ou grande parte desse acervo. Então uma das nossas grandes preocupações foi buscar recursos para começarmos o proces-so de digitalização desse acervo. Esse foi um passo extrema-mente importante que eu acho que nós conseguimos dar. Isso nos conforta e nos anima muito. Aquele risco que nós tínhamos, de perda da nossa história, da nossa memória, foi afastado, mercê do esforço que nós fizemos e do investimen-to que nós fizemos.”

Marcos Mendonça

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Outro fato relevante foi sem dúvida a volta, em 2004, da transmissão do sinal analógi-co da TV Cultura pelo satélite da Embratel, transmissão que fora cancelada em 1999. Dessa forma, a programação da TV Cultura voltou a estar acessível à imensa massa de espectadores do interior do país, mal servi-dos por precárias ou inexistentes estações retransmissoras, que têm no sinal captado em antenas parabólicas sua principal forma de acesso à televisão.

a tv cultura por todo o brasil

Tivemos também uma ação que permitiu ampliar muito fortemente o espectro da TV Cultura. O nosso sinal havia sido retirado das antenas parabólicas já há alguns anos – quando eu assumi, a TV Cultura estava ausente das parabó-licas – e um dos grandes pleitos que nós tínhamos era que a TV voltasse a transmitir para as parabólicas. Nós voltamos a transmitir por satélite, e hoje temos o nosso sinal trans-mitido para dezessete milhões de parabólicas no país. Então o alcance da TV Cultura, independentemente da formação de rede própria, ou Rede Pública de Televisão, por si só, pela antena parabólica, ele já atinge o Brasil todo através dessas dezessete milhões de antenas parabólicas. Também foi um passo importantíssimo no sentido de disseminar o sinal da TV Cultura por todo o Brasil.”

Marcos Mendonça

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Enquanto a Fundação Padre Anchieta deba-tia-se com uma crise de recursos que já se mostrava crônica, uma nova estrela despon-tava nos céus televisivos brasileiros: a TV Re-cord. Mais antiga emissora em atividade no país (foi fundada em 1953), a paulista Record havia mudado de mãos em 1989: os funda-dores Machado de Carvalho, após uma curta aliança com Silvio Santos e sua TVS, acabam vendendo a veneranda TV para os riquís-simos evangélicos da Igreja Universal do Reino de Deus. Sob o comando dos “bispos” neopentecostais, que possuem recursos às mãos-cheias, a Record iniciou a luta pelos primeiros lugares de audiência. Após quin-ze anos de tentativas, em 2004 finalmente um novo modelo é consolidado, calcado na diminuição da programação evangélica na grade de programação, na teledramaturgia com padrões “globais” – criando um centro de produção de novelas no Rio de Janeiro, denominado RecNov, inspirado no Projac, e contratando dúzias de atores consagrados, tais como Patrícia Travassos e Beatriz Se-gall – e no jornalismo de qualidade. Desde então, a TV Record passou a disputar a vice-liderança da audiência com o SBT, com cres-cente sucesso. Em fevereiro de 2007, o SBT fica definitivamente para trás. Vice-líder inconteste, agora o alvo da Record é a todo-

poderosa líder TV Globo. Se isso ocorrer, será a maior reviravolta no cenário televisivo brasileiro desde os anos 70.

Enquanto os milhões da fé lutam com os milhões globais, a TV Cultura sob o coman-do de Marcos Mendonça resiste e tenta for-talecer sua programação. Uma das marcas da administração Mendonça, coerente com sua anterior atuação junto à Orquestra Sin-fônica do Estado, foi o fortalecimento da programação voltada para a música de con-certo, com a introdução de nada menos que seis novos programas: Fortíssimo e Por Den-tro da Orquestra (ambos de julho de 2005); Resumo da Ópera, Repertório, Movimento e Prelúdio (os quatro de agosto de 2005). Pre-lúdio inova ao promover um concurso entre jovens concertistas, sob o comando do maes-tro Júlio Medaglia, um veterano da emissora. Produto cultural de alta complexidade, que conta com um público ainda restrito no Bra-sil, a música de concerto tem pouca chance de vicejar nas emissoras comerciais, tornan-do-se assim fundamental esse esforço da TV Cultura em abrir espaços para ela.

Frame do programa Fortíssimo Dança, TV Cultura, SP, 2005. Raphael Campos e Júlio Medaglia, programa Prelúdio, TV Cultura, SP, 2005. Programa Resumo da Ópera ,TV Cultura, SP, 2005.

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Júlio Medaglia e Josias Matschulat, programa Prelúdio, TV Cultura, SP, 09/12/2006.

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um patrimônio da humanidade

Uma emissora que divulgue e difunda a música clássica é fundamental mesmo que ela não seja ouvida. Eu gosto de pensar nesses termos, porque uma emissora que toque música clássica é a melhor expressão de que Ibope não im-porta. O Ibope tem lá a sua validade, mas as emissoras não existem para o Ibope. Porque música clássica nunca vai ser campeã de audiência, mas se você não tem uma emissora de música clássica, o que será da pessoa que gosta de ouvir música clássica, que é um patrimônio da cultura da huma-nidade? Nós não estamos falando de qualquer coisa, nós estamos falando de um patrimônio acumulado por muitos séculos, é um patrimônio da humanidade, a emissora está tocando música clássica para assegurar aos poucos que gos-tam de música clássica o acesso a essa maravilha da cultura, e assegurar que aqueles que querem se iniciar nesse mundo tenham a possibilidade de ter acesso a isso. Isso é muito bom para a gente entender o que é o papel de uma emisso-ra que dê baixa audiência, mas que tenha qualidade.”

Eugênio Bucci

uma programação mais generalista

A gente sempre buscou fazer com que a TV Cultura tives-se uma programação mais generalista, de tal forma que ela pudesse atingir o maior número possível de pessoas. E também tivesse uma programação que, sem perder a sua qualidade, pudesse atender segmentos da sociedade que não têm a oportunidade de ter uma TV por assinatura. Porque a parcela da população que tem mais recursos tem a televisão por assinatura, que oferece opções diversificadas. A televisão aberta, no Brasil, ela basicamente excluiu da sua grade de programação a programação infantil produzida no Brasil. Ex-cluiu música de qualidade da programação. Quer dizer, toda a televisão brasileira hoje não tem mais musicais, não tem mais espetáculos musicais. Então a música saiu da progra-mação, da grade da programação brasileira. Música erudita não existe na televisão brasileira. Documentários sobre ações culturais, sobre meio ambiente, sobre a questão social do país praticamente estão ausentes da televisão brasileira. E nós investimos muito fortemente nisso. Quer dizer, a televisão Cultura tem feito um esforço gigantesco nessa direção. E isso também foi o outro lado do nosso trabalho.”

Marcos Mendonça

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Dr. Alegria, Cultura no Intervalo, TV Cultura, SP. Xan-du Quaresma, programa Senta Que Lá Vem Comédia, TV Cultura, SP, 11/07/2005. Silvia Poppovic, programa

Silvia Poppovic, TV Cultura, SP, março de 2005. Fagner e Rolando Boldrin, programa Sr. Brasil, TV Cultura, SP, 27/06/2005. Rolando Boldrin, programa Sr. Brasil, TV

Cultura, SP, 13/06/2005.

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novos programas

Por outro lado, pretendeu-se aumentar a au-diência – fator fundamental para sustentar a cota de anunciantes –, procurando atrair para a TV Cultura o público afeito à TV co-mercial. Para isso foram contratadas perso-nalidades famosas e montadas peças com enredos vistos como “populares”, encenadas por atores conhecidos do grande público.

Senta Que Lá Vem Comédia (de maio de 2005), gravado no Teatro Maria Della Costa, levou ao ar a encenação de peças cômicas em formato bastante tradicional, lançan-do mão de autores, atores e diretores con-sagrados. O resultado, porém, não agradou. Fugindo ao exemplo de um Contos da Meia-noite, em que o texto literário ganhava tex-turas visuais especificamente criadas para a TV, Senta Que Lá Vem Comédia optou por fa-zer da câmera mais um espectador planta-do na platéia do teatro, enquanto no palco, em meio a cenários precários, transcorria a encenação sem qualquer tratamento que a adaptasse para a transmissão televisiva. Em uma era de digitalização da produção das imagens, e com os equipamentos que a TV Cultura possui, tal opção é injustificável, re-dundando em óbvio fracasso.

Em junho de 2005 estreou a nova versão do Vitrine, apresentado por Rodrigo Rodri-gues e pela ex-VJ da MTV Sabrina Parlato-re. Em julho de 2005, foi a vez de estrear o novo programa de música “de raiz” da emis-sora, Sr. Brasil, comandado pelo veterano ator e cantor Rolando Boldrin. Sr. Brasil, ao exibir o que há de melhor na música popu-lar brasileira de todas as vertentes, sem ex-cluir aquelas de origem claramente urbana, transformou-se rapidamente em um ícone no cenário televisivo. Logo em seu ano de estréia ganhou o Prêmio APCA de melhor programa da televisão brasileira.

O maior símbolo desse esforço de populariza-ção é sem dúvida a vinda para a emissora da apresentadora Silvia Poppovic, que leva ao ar o programa de entrevistas do mesmo nome (estreado em março de 2005), em tudo idên-tico àqueles por ela comandados há anos na TV comercial. Apesar de Poppovic estar mui-to à frente de seus congêneres sensaciona-listas, pela maneira como aborda os temas e pela qualidade dos seus entrevistados, o fato é que o próprio formato do programa vai de encontro à política seguida pela FPA desde a sua criação, ao polemizar temas de importân-cia pública discutível, com intervenções nem sempre científicas ou educativas. Não foi à toa que o programa causou um certo mal-estar em boa parte da crítica.

Contudo, o caso mais polêmico foi sem dúvi-da aquele protagonizado pelo secretário de Estado da Educação, escritor e comunicador Gabriel Chalita. O programa de entrevistas Arena de Idéias, apresentado por Chalita, iria ao ar semanalmente às quintas-feiras na TV Cultura, tendo sua estréia – marcada para o dia 9 de junho de 2005 – anunciada inclusive na grade de programação oficial da emissora. O primeiro programa, já gravado, tinha como entrevistada dona Lu Alckmin, primeira-da-ma do Estado. Protestos veementes vindos de vários setores, incluindo uma ameaça de inquérito na Assembléia Legislativa, fizeram com que o programa de Chalita fosse cancela-do na semana de sua estréia.

Na busca de inovação, de uma parceria com a Linx Filmes surge Planeta Cidade (novembro de 2005), revista de variedades sobre a cida-de de São Paulo comandada por César Giobbi, colunista social do jornal O Estado de S. Paulo. Em parte focado nos “ricos & famosos” paulis-tanos, fiel portanto às origens de seu apresen-tador, Planeta Cidade possui, porém, quadros afinados com a tradição da emissora, caso do “Turista Urbano”, em que Ricardo Freire

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percorre a cidade com os olhos de um turista que tem o urbano como atração principal.

No campo jornalístico, houve o retorno de Opinião Nacional (novembro de 2005), pro-grama voltado a entrevistas de políticos, apresentado pelo experiente jornalista Ale-xandre Machado, ex-secretário de Comuni-cação Social do governo Mario Covas.

produção de terceiros

Uma outra característica da gestão Men-donça é sem dúvida o crescimento da vei-culação de produção nacional de terceiros, incluindo parcerias entre produtoras inde-pendentes e a FPA. Casos de parcerias são o programa de jornalismo ecológico co-elabo-rado com a produtora Canal Azul, H2O (de ju-nho de 2006); o programa de viagens Decola (também de junho de 2006), em co-produção com a Overmundo; e o programa Campus (de agosto de 2006), espaço que a FPA abre para que as universidades brasileiras possam exi-bir na TV Cultura suas produções em vídeo. O programa tem convênios com alguns dos principais cursos superiores do país, como a Universidade de São Paulo - USP, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, a Fundação Armando Álvares Penteado - Faap, a Universidade Cruzeiro do Sul, a Uni-versidade Católica de Santos, a Universida-de Estadual Paulista - Unesp, a Universidade Presbiteriana Mackenzie e a Fundação Ge-túlio Vargas - FGV. E o número de convênios não pára de crescer.

Já exemplos de produções de outras TVs edu-cativas ou afins são Mais Ação, da Rede Mi-nas (de junho de 2006), e Atitude.com (abril de 2005) da TVE.

Ao lado dessas inovações, algumas inicia-tivas vieram dar continuidade à linha de

programação que historicamente marca a TV Cultura. Uma delas é o programa Entreli-nhas (de julho de 2005), voltado à discussão de autores e textos literários. A longa tradi-ção da emissora na veiculação da música popular foi mantida e ampliada com pro-gramas como Imagem do Som (para exibi-ção de DVDs de shows, de setembro de 2005) e Repertório Popular (também de setembro de 2005).

Por fim, três outros aspectos chamam a atenção nos dois primeiros anos da gestão Mendonça.

Primeiro, a programação infantil, base da emissora há mais de vinte anos, passou a ter seus carros-chefe em grande parte as-sentados em material importado, com des-taque para os desenhos educativos Pingu, produzido pelos Tricksfilm Studios da Suíça (estreado em janeiro de 2006); e Viva Pitá-goras!, produzido pela japonesa NHK (estre-ado em abril de 2006).

Dentre as novidades produzidas na casa, te-mos Agendinha, revista infanto-juvenil que, estreada em julho de 2005, traz para o uni-verso infantil as experiências de Panorama (de 1975) e Metrópolis (de 1989), revistas cul-turais voltadas para o público adulto.

De julho de 2006 é Baú de Histórias, que lembra o quadro “Senta Que Lá Vem Histó-ria”, encenado no Rá-Tim-Bum original de 1990; e o Teatro Rá-Tim-Bum, encenação de clássicos infantis por inúmeras compa-nhias de teatro, também estreado em julho de 2006.

Baú de Histórias e Teatro Rá-Tim-Bum são reflexos diretos da TV Rá-Tim-Bum, inaugu-rada em dezembro de 2004 e que representa mais uma tentativa de financiar a produção própria, dado que se trata de um canal pago

Xandu Quaresma, programa Senta Que Lá Vem Comédia, TV Cultura, SP, 11/07/2005.

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que conta ainda com uma grade de anun-ciantes. A TV Rá-Tim-Bum também estimu-lou que fossem produzidos novos episódios dos veteranos Cocoricó (com um total de cento e trinta novos episódios em três anos) e Glub-Glub, ambos veiculados também na TV aberta (julho de 2005 e julho de 2006, respectivamente). Contudo, pela própria ló-gica mercadológica da emissora, que é ven-dida como produto a assinantes que pagam para assisti-la, a programação da TV Rá-Tim-Bum não é partilhada em tempo real com a TV Cultura aberta. Cada novidade do canal pago tem de passar por uma “quaren-tena” de até seis meses para ser disponibili-zada ao público do canal gratuito.

Na área esportiva, a principal estréia é sem dúvida a revista De Fininho (de maio de 2005). Apresentado pelo ex-tenista Fernan-do Meligeni, apelidado de “Fininho” pelos amigos, De Fininho constitui um dos pro-gramas mais inovadores da gestão Men-donça, ao trazer um toque de irreverência ao tradicionalmente laudatório jornalismo esportivo, lembrando assim o espírito do Vi-tória, de 1986.

Além do inovador De Fininho, a área espor-tiva na gestão Mendonça conheceu dois momentos opostos: ao verdadeiro boom que o setor sofreu em 2005, seguiu-se uma forte retração em 2006, notadamente no que diz respeito à transmissão de campeonatos.

Em 2005 a TV Cultura exibiu nada menos que nove campeonatos esportivos, sendo cinco de futebol – Campeonato Paulista Sé-rie A2, Copa das Confederações, Copa Fede-ração Paulista de Futebol, Copa Cultura de Juniores e Copa São Paulo de Futebol Júnior – e quatro de vôlei – Campeonato Paulista de Vôlei Masculino, Campeonato Paulista de Vôlei Feminino, Copa São Paulo de Vôlei Feminino e Superliga de Vôlei Masculino.

Com exceção da Copa das Confederações, to-dos foram produzidos pela TV Cultura.

Já em 2006, a TV Cultura não transmitiu nem um campeonato sequer, nem mesmo a tradicional Copa São Paulo de Futebol Jú-nior, limitando-se a retransmitir o Campeo-nato Português de Futebol.

No último ano da gestão Mendonça, o gran-de destaque é sem dúvida a criação do Nú-cleo de Produção Infantil Tatiana Belinky. Inaugurado em abril de 2007, reúne os pro-fissionais ligados à programação infantil tanto da TV Cultura quanto da TV Rá-Tim-Bum, que passam a trabalhar em estru-turas e estúdios próprios. O novo Núcleo surge com inúmeros projetos, entre eles a produção de uma animação do Castelo Rá-Tim-Bum e a continuação da produção do Cocoricó. Um desses projetos, porém, é sé-rio candidato a suscitar grandes polêmicas: trata-se da nova produção da série infantil Vila Sésamo.

Ao trazer para o Brasil do início dos anos 70 uma forma de produzir programas educati-vos desconhecida por aqui, pois nossa pro-gramação infantil ainda engatinhava na época, Vila Sésamo representou a semente da qual brotariam, anos depois, programas como Bambalalão, Rá-Tim-Bum, Castelo Rá-Tim-Bum e Cocoricó. Em 2007, Vila Sésamo surge como um parceiro da produção brasi-leira, em um sistema de troca rico e perti-nente, impensável nos anos 70. Além disso, o contrato com a Sesame Workshop robus-tece a capacidade de a TV Cultura absorver tecnologias inovadoras, elaboradas em cen-tros de excelência na produção de progra-mas infantis.

Também é importante o projeto Direções - Por um Novo Caminho na Teledramaturgia, em co-produção com o Sesc, estreado em 06

Páginas anteriores: César Giobbi e Hebe Camargo, programa Planeta Cidade, TV Cultura, SP. Alexandre Machado e Geraldo Alckmin, TV Cultura, SP. Jorge Es-costeguy e Mario Covas, programa Opinião Nacional, TV Cultura, SP, junho de 1994. Pita e Gora (pingüins), programa da série Viva Pitágoras!, TV Cultura, SP, 2006. Teco Cardoso, programa Repertório Popular, TV Cultura, SP. Eliana Fonseca, quadro Senta Que Lá Vem História, TV Cultura, SP. Frame do programa Viva Pitágoras!, TV Cultura, SP. Frame do programa Entrelinhas, TV Cultura, SP. Frame de abertura do programa Atitude.Com, TV Cultura, SP. Frame de abertura do programa Imagem do Som, TV Cultura, SP. Frame de abertura do programa Teatro Rá-Tim-Bum, TV Cultura, SP. Fernando Meligeni (caricatura), frame de abertura do programa De Fininho, TV Cultura, SP, maio de 2005.

de maio. Com direção artística de Antunes Fi-lho, Direções convidou dezesseis diretores de teatro sem experiência no vídeo, para que, com toda a liberdade, escolhessem textos, atores, cenografia etc. É a mais importante iniciativa para a renovação da teledramatur-gia brasileira nos últimos anos, em um qua-dro dominado pelo sensacionalismo e pela submissão total à audiência de massas.

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João Paulo, apresentador do programa Agendinha, TV Cultura, SP.

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O início da gestão Paulo Markun

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P aulo Markun foi empossado presidente da Fundação Padre Anchieta no dia 14 de junho de 2007. Jornalista profissional pertencente aos quadros da Fundação, seu nome foi bem

recebido pelos funcionários. Já boa parte dos quadros políticos es-tranhou que um novo nome fosse indicado pelo representante do Governo estadual no Conselho, o secretário da Cultura, João Sayad, quando Marcos Mendonça pleiteava a sua reeleição.

Membro eminente do partido do governador, o PSDB, com ótimo trânsito no Conselho Curador e boa avaliação dos meios artísticos e da mídia, por sua atuação, Mendonça era candidato à reeleição. Mas não foi, e a indicação feita por Sayad, aprovada previamente pelo governador José Serra, trouxe de volta a questão da independência administrativa de uma fundação de direito privado, ainda que enti-dade instituída e mantida pelo poder público.

Por mais claro que tenha sido o entendimento formal por parte dos três poderes do Estado, Judiciário, Executivo e Legislativo, em manifestações oficiais, de que a Fundação Padre Anchieta é uma instituição de direi-to privado, criada pelo Estado, mas gerida por um Conselho Curador, in-telectual e administrativamente independente do Governo estadual, o fato é que a cada crise ressurge a questão da independência. O modelo de organização institucional utilizado pela Fundação é tão forte, na de-fesa da sua autonomia, que serviu como uma das fontes de inspiração do Manifesto da Televisão Pública Nacional, aprovado por todo o campo da televisão pública brasileira e recomendado formalmente pelo presi-dente Lula ao ministro Franklin Martins, como base para a conceituação da Televisão Pública Nacional em fase de criação pelo Governo federal.

Como o candidato é sempre indicado originalmente por membros eletivos do Conselho, fica tácito que essa indicação é sempre pre-cedida de sugestões vindas tanto de conselheiros vitalícios quan-to eletivos. Com esse formato de entendimento prévio, mesmo nas maiores crises, até hoje o processo levou sempre à adoção de um candidato único. A persistência na indicação de Sayad levou o can-didato Marcos Mendonça a renunciar à sua candidatura para não ocasionar problemas futuros à instituição.

Apesar da renúncia do outro candidato, a candidatura de Paulo Markun teve que passar por um ritual de legitimação para que os membros eletivos do Conselho a adotassem. Pelo regimento, um mínimo de oito conselheiros eletivos deve indicar o candidato. Os membros eletivos solicitaram ao candidato que fizesse uma expla-nação sobre seus planos de trabalho e o grau de fidelidade declara-da à missão da Fundação e seus meios de comunicação.

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Markun expôs oralmente aos conselheiros eletivos a sua platafor-ma de trabalho. Foi então indicado candidato por dezoito de seus membros. Após essa exposição, foi convocada uma reunião na qual ele exporia e entregaria, por escrito, a sua proposta. Assim foi feito e na reunião extraordinária convocada para o dia 14 de junho de 2007, Markun foi eleito com trinta e oito votos dos quarenta e um pre-sentes. Na mesma ocasião foram reeleitos o presidente do Conselho Jorge da Cunha Lima e o secretário geral Mario Ernesto Humberg.

Na ocasião, Markun fez um discurso reafirmando os compromissos orais e escritos da campanha e comprometeu-se a presidir a FPA, que consi-dera mais ampla do que a Televisão Cultura, pois abriga, além das emis-soras já existentes, todos os meios de comunicação a serem criados no paradigma tecnológico da digitalização. Da mesma forma que elogiou o empenho de todos até agora, afirmou seu compromisso inabalável no cumprimento da missão da Fundação: “Se esse empenho coletivo cons-truiu nosso patrimônio, será preciso esforço ainda maior para enfrentar novos obstáculos. Neste início do século XXI, surgem outros meios pelos quais a Fundação Padre Anchieta pode realizar sua missão. Missão clara, indiscutível, registrada no próprio Estatuto: a defesa e o aprimoramento integral da pessoa humana, sua formação crítica para o exercício da ci-dadania e a valorização dos bens essenciais da nacionalidade brasileira, no contexto da compreensão dos valores universais”.

os primeiros passos e os primeiros problemas

Desejoso de assumir a presidência em toda a sua plenitude a partir do dia da posse, Markun preparou-se reunindo, desde o dia seguin-te ao da eleição, sua equipe de trabalho. No dia seguinte à posse, estando o Conselho Curador em recesso até a próxima reunião de agosto, Markun iniciou de fato o seu mandato. Entre suas primeiras medidas, a história deverá destacar uma mudança substancial no organograma funcional da Fundação e uma modificação da admi-nistração e programação da Rádio FM.

As modificações da rádio causaram um certo impacto na mídia, com a demissão de Salomão Schwartzman e o fim de seu programa Jornal da Manhã, tendo em vista sua boa audiência e o prestígio social do apre-sentador. Mas o fim desse e de outros dezesseis programas da rádio submeteram-se à diretriz de imprimir à programação a exclusividade da apresentação de música de concerto, conforme posicionamento antigo e tácito do Conselho Curador. As modificações da Rádio AM aguardarão a adoção do sistema digital, que dará à emissora a mesma qualidade de transmissão da atual FM.

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Com as medidas tomadas nas rádios da FPA, cujos reflexos começam a ser avaliados com mais objetividade, pode-se constatar que a Rádio FM, que renunciou à publicidade, adotando apenas um corpo de patrocina-dores, e tornou-se bem ortodoxa na transmissão de música clássica, na qual incluiu novamente o jazz, vem tendo boa aceitação com gastos bem menores do que os do modelo de negócios anterior.

uma nova gestão

As mudanças no modelo de gestão e organograma funcional abran-gem algumas medidas de caráter estratégico adotadas por Markun. Foi alterada a estrutura de comando da Fundação, com a criação de cinco Diretorias e escolha de seus titulares, a saber: Administração e Finanças, Celso Barbosa; Engenharia, José Chaves Felipe de Oliveira; Produção, Marcelo Amiky; Projetos Especiais, Mauro Garcia; Captação e Marketing, Cícero Feltrin.

Com vistas a agilizar o processo decisório, ao estilo dos bancos, todos os diretores passaram a trabalhar numa mesma sala, inclusive o presiden-te. Foi criada uma Coordenadoria de Núcleos em apoio à Diretoria nas áreas onde se concentra a atuação da Fundação. Nesses núcleos se de-senvolvem os conceitos dos programas e são tomadas as providências que antecedem a produção. Os núcleos têm atuação horizontal e pres-tam serviço a todas as Diretorias da Fundação. Esta Coordenadoria com-preende os seguintes núcleos: Jornalismo; Arte e Cultura; Infanto-Juvenil; Dramaturgia; Cidadania e Serviços; Música; Produção Independente e Parcerias; Educação; Eventos e Publicações; Rádio; Comunicação e Novos Negócios; Coordenação dos Núcleos.

Essas decisões, que não puderam ser apresentadas ao Conselho, em re-cesso, criaram um certo descontentamento entre alguns conselheiros, sobretudo pela falta de informações. Esse mal-estar inicial teve o efeito positivo de provocar o estabelecimento de um sistema de comunicação entre a Diretoria Executiva e o Conselho Curador, com a instalação mais rápida dos Comitês do Conselho, que acompanham de perto os diversos setores da administração em tudo o que diga respeito à sua atuação como Conselho Curador. Uma das principais atribuições do Conselho é zelar pela fidelidade da instituição à sua missão e ajudá-la a manter seu modelo de gestão, intelectual e administrativamente independentes, como lhe confere a lei que a criou e os estatutos que a regem.

Com essas decisões, Markun substitui o velho sistema pautado em uma hierarquia vertical por uma organização mais horizontalizada, o que constitui certamente um desafio numa instituição marcada por

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manter hábitos arraigados. Para viabilizar essa realidade, foi feito um planejamento estratégico de transformação nas primeiras dez sema-nas, visando duas finalidades principais: permitir que o novo processo se realize com informações e diagnósticos seguros, e permitir o estudo de um relacionamento mais estável com o Governo estadual, a partir de contratos ou outras modalidades que garantam recursos sem con-tingenciamentos, e investimentos sem constrangimentos.

Logo de início houve uma evolução no conceito de marketing, que busca atrair recursos, menos pelo aspecto financeiro, e mais por uma adequação recíproca aos interesses da empresa e, sobretudo, à missão da Fundação. A Cultura Marcas, que comercializa os licencia-mentos, será completada pela Cultura Imagens, que comercializará o acervo. Um trabalho intensivo buscará equipar a emissora para divi-dir o sinal entre as populações da capital e do interior do Estado.

uma tv atenta à agenda nacional

A experiência de Markun com a realização de eventos televisivos le-vou a emissora a organizar a produção e exibição, ainda em 2007, de programas especiais. Realizaram-se no período, com bastante su-cesso, os especiais: Faro 80 anos, no Franco Zampari, com a partici-pação de Toquinho, Paulinho da Viola e a Velha Guarda da Portela; Batalhas da Lei, evento comemorativo dos sessenta anos de reaber-tura da Assembléia Legislativa de São Paulo, com participação da TV Universitária; e a Flip – festa literária de Parati, na qual a Cultura realizou um grande esforço de cobertura do maior evento literá-rio do Brasil, montando uma tenda-estúdio, de onde gerou entre-vistas e programação especial para vários programas da emissora (Metrópolis, Vitrine, Entrelinhas e telejornais).

Além disso, houve a produção de cinco edições especiais do Roda Viva, com Guilherme Arriaga, Mia Couto, Amós Oz, Nadine Gordimer, e Robert Fisk e Lawrence Wright; e o Cultura em Campos, com a tradicio-nal cobertura do Festival de Campos do Jordão, incluindo a gravação e exibição completa dos concertos do festival. Xingu, a Terra Ameaçada, realização de Washington Novaes, deu prosseguimento a um caminho de documentários de grande interesse e profundidade, campo que a crítica sempre considerou como uma das vocações da TV Cultura e par-te complementar de um jornalismo verdadeiramente público. Markun comprometeu-se a dar recursos e estrutura para esse mister.

180 x Onze – Homenagem à faculdade mais famosa do Brasil iniciou o que poderíamos chamar de “televisão de agenda”, isto é, uma televisão

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atenta aos fatos históricos relevantes, à existência de instituições im-portantes na vida da nação e a eventos de cunho social. Foi realizado um show no Largo São Francisco e programações jornalísticas alusi-vas sobretudo à Carta aos Brasileiros, de Goffredo da Silva Telles, con-tra a ditadura militar.

jornalismo público

O núcleo de jornalismo da televisão passou, a partir do terceiro mês de mandato, por uma reformulação que visava uma maior adequa-ção aos objetivos da missão da FPA. No Jornal da Cultura houve a intro-dução gradual do novo formato, com ênfase na abordagem analítica do noticiário, oferecendo elementos da constituição dos fatos em lu-gar das amarras do “Hard News”.

O Opinião Nacional, criado para o aprofundamento da discussão de grandes questões nacionais, foi reformulado, contando com um painel de personalidades e a participação da audiência na forma de convida-dos presentes ao estúdio, além de participações eletrônicas dos teles-pectadores. A televisão brasileira é muito econômica em debates, fora dos períodos eleitorais. Além disso, só entrevista um número limitado de “vips” da cultura, da economia, da ciência e da política. Assim, espe-ra-se muito que a Cultura venha a corresponder à demanda da socie-dade com esse novo espaço, não eleitoral, dedicado ao debate.

O Metrópolis voltou ao horário noturno, às 19h30, e o Repórter Eco terá uma edição diária tendo em vista a importância cada dia maior da questão do meio ambiente.

outras novidades

Em 2007, a Cultura atendeu à grande demanda dos deficientes audi-tivos com a adoção do Closed Caption. Mas a decisão mais importante do período foi a adoção, recomendada a todas as televisões públicas do Brasil, de uma grade composta por faixas temáticas, que reúna programas afins em horários similares durante a semana, criando consistência, estimulando o hábito de horários na audiência e faci-litando a formação de rede com as emissoras do sistema público de televisão. Além disso, consolidaria a estratégia de busca de universos de audiência.

Pela terceira vez a Cultura hospeda Vila Sésamo. Desde a sua primeira produção no Brasil, em parceria da TV Cultura com a Globo, Vila Sésamo

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constitui-se num fator muito importante para a implantação de uma cultura de produção infantil no Brasil. O talento dos profissionais brasi-leiros, aliado à experiência transnacional dos produtores que acompa-nharam a produção no Brasil, consolidou um espaço e uma vocação. São Paulo pode e deve se transformar num pólo de produção infantil para a televisão e a TV Cultura deverá sediar essa ambição realizável.

educação

Na reunião do Conselho, realizada no dia 10 de setembro, Markun anun-ciou seu projeto para o Núcleo de Educação, absorvendo o projeto anun-ciado pela educadora Guiomar Namo de Mello e ampliando esse projeto para um contato mais específico com as áreas públicas de educação nos níveis federal, estadual e municipal, além de propor ações com setores educativos, científicos e tecnológicos nacionais e internacionais.

O anúncio mais importante foi o de um projeto de Universidade Virtual a ser realizado juntamente com a Secretaria de Ensino Superior do Governo estadual e a Fapesp.

No período foi contratado um Planejamento Estratégico, que servirá de base ao relacionamento com o Governo estadual, seja na base atual, seja na de um contrato de gestão.

desafios do futuro

A administração Markun será marcada por três importantes desafios. Um deles é equacionar o relacionamento com o poder público estadual, sobretudo no que diz respeito à participação do Estado no orçamento da Fundação Padre Anchieta.

Outra questão será a contribuição da TV Cultura para o fortalecimento das televisões públicas brasileiras, seja pela qualidade de sua produção, seja pela participação política e institucional na Abepec e pelo relacio-namento com a nova televisão pública nacional.

Por fim, o desafio da transição para o sistema digital de produção e transmissão.

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