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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 5101 “EDUCANDO GERAÇÕES A SERVIÇO DA VIDA”: PRÁTICAS EDUCATIVAS E OS EDUCADORES NOS COLÉGIOS CONFESSIONAIS CATÓLICOS NO SÉCULO XX Samara Mendes Araújo Silva 1 Considerações Iniciais Os Colégios Confessionais Católicos são reconhecidamente instituições de ensino de referência para sociedade brasileira durante o século XX. Para alcançar este respaldo social tais escolas foram constituindo-se e se transformando em espaços de formação da juventude, e, atendendo as demandas provenientes da sociedade, bem como influenciando esta mesma sociedade quando era necessário e conveniente aos interesses da Igreja. Os colégios religiosos reafirmaram constantemente sua excelência enquanto espaço de ensino-aprendizagem e formação humana perante a sociedade na qual se inseriram, buscando estratégias para denotar seus “avanços e progressos” e “resultados elevados” no tocante à educação dos discentes sob seus cuidados. E, apesar das alterações pelas quais passaram as escolas confessionais católicas ao longo do século XX, podemos depurar da proposta educacional da Igreja Católica, as seguintes linhas mestras: um ensino que evita a massificação e pautado numa grade curricular tida como de excelente nível acadêmico; um quadro de profissionais com alto índice de qualificação e baixo índice de rotatividade; uma estrutura de serviços e de equipamentos auxiliares, bastante sofisticada e considerada como atual e eficaz; uma ‘aura’ de respeitabilidade e credibilidade; uma pedagogia inspirada e inspiradora de comportamentos de cunho liberal; uma assistência religiosa ‘discreta’, onde ser católico não implica em ser católico praticante.2 (SILVA, 2007, p.47-48) Dentre os elementos elencados enquanto fator de qualidade no conjunto da educação ofertada nas escolas católicas figurava o quadro docente altamente qualificado e com baixa 1 Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará. Professora Adjunto no Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Campus Reitoria. E-Mail: <[email protected]>. 2 CRESPO, Samyra B. Serpa. Os colégios católicos de elite e algumas questões postas pela chamada “educação libertadora”. In: PAIVA, Vanilda (org). Catolicismo, educação e ciência. São Paulo: Edições Loyola, 1991.p.145.

UAN O G RAÇÕ S A S RVIÇO A VIA”: PRÁTICAS EDUCATIVAS … · sociedade quando era necessário e conveniente aos interesses da Igreja. ... sociais tradicionais de mulher na sociedade

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ISSN 2236-1855 5101

“EDUCANDO GERAÇÕES A SERVIÇO DA VIDA”: PRÁTICAS EDUCATIVAS E OS EDUCADORES NOS COLÉGIOS

CONFESSIONAIS CATÓLICOS NO SÉCULO XX

Samara Mendes Araújo Silva1

Considerações Iniciais

Os Colégios Confessionais Católicos são reconhecidamente instituições de ensino de

referência para sociedade brasileira durante o século XX. Para alcançar este respaldo social

tais escolas foram constituindo-se e se transformando em espaços de formação da juventude,

e, atendendo as demandas provenientes da sociedade, bem como influenciando esta mesma

sociedade quando era necessário e conveniente aos interesses da Igreja.

Os colégios religiosos reafirmaram constantemente sua excelência enquanto espaço de

ensino-aprendizagem e formação humana perante a sociedade na qual se inseriram,

buscando estratégias para denotar seus “avanços e progressos” e “resultados elevados” no

tocante à educação dos discentes sob seus cuidados.

E,

apesar das alterações pelas quais passaram as escolas confessionais católicas ao longo do século XX, podemos depurar da proposta educacional da Igreja Católica, as seguintes linhas mestras:

‘um ensino que evita a massificação e pautado numa grade curricular tida como de excelente nível acadêmico;

um quadro de profissionais com alto índice de qualificação e baixo índice de rotatividade;

uma estrutura de serviços e de equipamentos auxiliares, bastante sofisticada e considerada como atual e eficaz;

uma ‘aura’ de respeitabilidade e credibilidade;

uma pedagogia inspirada e inspiradora de comportamentos de cunho liberal;

uma assistência religiosa ‘discreta’, onde ser católico não implica em ser católico praticante.’2 (SILVA, 2007, p.47-48)

Dentre os elementos elencados enquanto fator de qualidade no conjunto da educação

ofertada nas escolas católicas figurava o quadro docente altamente qualificado e com baixa

1 Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará. Professora Adjunto no Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Campus Reitoria. E-Mail: <[email protected]>.

2 CRESPO, Samyra B. Serpa. Os colégios católicos de elite e algumas questões postas pela chamada “educação libertadora”. In: PAIVA, Vanilda (org). Catolicismo, educação e ciência. São Paulo: Edições Loyola, 1991.p.145.

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rotatividade de seus integrantes, alguns professores os integravam por 20 anos, outros

chegaram a lecionar na mesma instituição de ensino por mais 30 anos seguidos.

Outro fator relevante às práticas educativas e aos educadores dos colégios confessionais

é a articulação e envolvimento pessoal destes profissionais com projeto da instituição de

formação intelectual, moral, religiosa e cívica dos educandos. Posto que, geralmente, os

docentes corroboravam com os propósitos não somente da administração da escola, mas

especificamente com a aspiração dos pais dos discentes, estes, por vezes, egressos destas

instituições e/ou de outras similares, que desejavam para os educandos uma formação

intelectual “sólida” e, acima de tudo, eivada de valores morais familiares tradicionais cristãos.

Com o objetivo de refletir sobre as práticas educativas dos professores que atuavam em

instituições confessionais católicas brasileiras durante o século XX, especialmente aquelas

que se propunham a ofertar exclusivamente educação para as mulheres, tomou-se como

espaço de análise os Colégios dirigidos pelas Irmãs Catarinas de Sena no Brasil, escolas com

mais de um século de existência, (sendo a mais antiga sediada em Belém-PA, em

funcionamento desde 1903) estas instituições desde a fundação estão sob a direção da mesma

Congregação no país. Analisou-se a partir de fontes orais, jornais, documentos primários e

fotografias as práticas educativas de professores que lecionaram nas instituições savinianas

piauienses em Teresina3 e Parnaíba4 (PI), durante os anos entre 1906 a 1973, período em que

somente as mulheres frequentavam suas salas de aula.

Utilizando o aporte da História Cultural no campo da História da Educação,

possibilitou-nos identificar, nos espaços das confessionais católicas, ações e elementos dos

quais os docentes se utilizavam no exercício de suas práticas educativas, e, que pode-se

apontar analiticamente como contribuintes para (des)construção e/ou reforço dos papéis

sociais tradicionais de mulher na sociedade brasileira.

Acrescentamos, conforme, constatou Mogarro (2004, p. 458) em estudo sobre

professores portugueses da década de 1960, “a imagem do professor surge, (...), como

modelo e exemplo para seus alunos. Esta imagem reflete como um espelho, um

perfeccionismo individual construído através da educação.” (grifo nosso) Em outros termos,

o profissional docente, independente da sociedade em que esteja alocado, exerce influência

3 A escola saviniana na cidade de Teresina (PI), capital do estado, iniciou suas atividades em outubro de 1906. Recebeu o nome de Sagrado Coração de Jesus – CSCJ. Mantém-se em atividade até a presente data ofertando todos os níveis da Educação Básica.

4 A escola saviniana na cidade litorânea de Parnaína (PI) recebeu as primeiras alunas em junho de 1907. Em homenagem a padroeira da cidade foi denominado de Colégio Nossa Senhora das Graças – CNSG. Mantém-se em atividade até a presente data ofertando todos os níveis da Educação Básica.

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sobre as gerações que está ensinando, não somente pelos conteúdos formais, também pelas

condutas e posturas que adota ao longo do percurso formativo.

Compreender as relações históricas pertinentes às práticas educativas constituídas

pelos docentes em seus diferentes lugares de atuação e suas repercussões se faz necessário,

em decorrência de quatro motivações iniciais, e, destas desprender-se-ão outras mais. São

elas: motivações pedagógicas; motivações sociais; motivações culturais; motivações políticas.

Passemos a analisar as práticas educativas desenvolvidas pelas educadoras e

educadores dos Colégios Savinianos piauienses no interstício de sete décadas dedicadas a

formação de mulheres.

Os Educadores Savianianos

Em observância à proposta educacional e tendo coerência com a historicidade de suas

instituições que primam pela estabilidade. Esta estabilidade inclui a composição do quadro

docente das escolas mantidas e administradas por religiosos.

Para manter um quadro de profissionais com mudanças mínimas, estas instituições

escolares estabeleceram critérios rigorosos de seleção (incluindo neste processo

questionários que incluem conhecer intimidades do candidato tais como crenças pessoais,

valores morais, comportamentos em público, etc.), além da disponibilidade para atender as

exigências do trabalho docente.

Este processo criterioso de seleção visa identificar se o pretenso candidato compartilha

dos “preceitos educacionais estabelecidos pela Igreja Católica” (SILVA, 2010, p.114) e

assegurar a menor rotatividade possível no quadro docente nas instituições escolares

confessionais católicas.

Ao longo da História da Educação brasileira estas escolas tem sido exitosas em manter

em seus quadros funcionais professores, considerados de alto nível acadêmico e prestígio

social, por longos períodos.

O quadro de professores do Colégio das Irmãs5 sempre foi tido como sendo de alto nível e com pouca rotatividade dos docentes que o integravam, era constituído por professores laicos e por algumas religiosas. Exemplos desta baixa rotatividade dos docentes são os professores Luzia Couto (Educação Física) e Waldir de Figueiredo Gonçalves6 (História Geral) que ingressaram no corpo docente do Colégio de Teresina ainda na década de 1930 e permaneceram trabalhando até a década de 1970; e o professor José de Lima Couto (Inglês) admitido no Colégio de Parnaíba em 1934 e permaneceu na

5 Denominação popular adotada no território piauiense para os Colégios Savinianos. 6 A professora Luzia Couto foi contratada em 1935 e o professor Waldir de Figueiredo Gonçalves iniciou em 1938.

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ativa até a década de 1970. Além da exigência legal, para assegurar-se da qualificação e titulação dos docentes, estes eram registrados no Ministério da Educação. (SILVA, 2007, p.86)

No século XX a admissão nos quadros funcionais como docente de um colégio católico

é mais complexa e demorada que atualmente. Aquele que desejasse lecionar neste tipo de

escola deveria, além de comprovar publicamente ser católico praticante, ou seja,

administração da escola e a comunidade a que este pertencia deviam reconhecer no

pretendente ao cargo de docente os seguintes valores e práticas cristãs:

caminhar com Cristo na via do amor, devotada à caridade para com todos os irmãos, especialmente pobres e sofredores, num serviço fraterno e amoroso, que abraça a missão educativa, bem como a assistencial, sob qualquer forma que esta se apresente. (COLÉGIO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS, 2008, p.02).

Reconhecidos os valores cristãos e familiares o aspirante a professor teria de ser aferido

em seus atributos pedagógicos. Este procedimento era realizado, em geral, através de testes e

estágios nas escolas gratuitas7 mantidas pelas escolas católicas.

os novos professores iniciavam suas atividades docentes nas classes noturnas e a partir da avaliação de seu desempenho eram inseridos como regentes nas classes diurnas. Tal fato aconteceu com o professor Carlos Iglesias Brandão de Oliveira. (SILVA, 2007, p.86)

O professor referenciado anteriormente foi admitido no Colégio Saviniano de Teresina

na década de 1970 para lecionar Biologia, conforme os registros localizados na Secretaria do

Colégio8, atuou poucos anos após sua efetivação, tendo pedido demissão. Posteriormente o

professor Carlos Iglesias Brandão de Oliveira ingressou como docente do Curso de Medicina

da Universidade Federal do Piauí (UFPI) – Campus Ininga/Teresina.

Este é outro indicativo da qualidade do corpo docente destes Colégios Católicos é o

posterior ingresso de membros de seu corpo docente nos quadros funcionais dos cursos

superiores instalados no Estado, no caso piauiense: Faculdade de Filosofia (FAFI), da

7 As escolas gratuitas funcionavam no contraturno ou noturno. Eram ofertados cursos gratuitos para população de menor poder aquisitivo e ou em convênio com governos estaduais e municipais. As discentes das escolas gratuitas não eram permitidas manter conversas ou trocar correspondências no horário regular de aula ou nas dependências das escolas. Caso isto acontecesse a aluna da escola gratuita poderia ser expulsa. Para maiores informações ver: SILVA, Samara Mendes Araújo. As Órfãs Sociais dos Colégios das Irmãs: as Escolas Gratuitas nos Colégios Confessionais Católicos no Século XX. IN: Caminhos da Educação: tessituras de olhares e saberes. MARTINS, Elcimar Simão; MAIA, Gabrielle Bessa Pereira; ARAÚJO, Maria das Graças de; MAIA, Maryland Bessa Pereira; SILVA, Samara Mendes Araújo [orgs] Fortaleza: Edições UFC, 2014.

8 Os anos letivos informados foram obtidos nas relações de docentes dos Colégios, não constituem conjunto completo de atividade exercida pelos docentes nas instituições pois há ausência de relações referentes a vários anos letivos.

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Faculdade de Direito (FADI), e posteriormente nas Universidades Federal do Piauí (UFPI) e

Estadual do Piauí (UESPI).

[...] docentes que atuaram nos Colégios (...) que iniciaram a docência no ensino superior piauiense, pois parte do corpo docente dos Colégios, tornou-se professor da Faculdade de Filosofia e da Faculdade de Direito e, posteriormente, ingressaram nos quadros funcionais das Universidades Federal do Piauí (UFPI) e Estadual do Piauí (UESPI), dentre outros como exemplos deste fato, podemos citar os seguintes docentes: João Gabriel Baptista (DGH/UFPI), Antonio Ferreira de Sousa Sobrinho (professor do DEFE/UFPI), Carlos Said (professor do DGH/UFPI), Catarina de Sena Siqueira Mendes (professora do Departamento de Letras/UFPI), Celso Barros (professor do Departamento de Direito/UFPI), Cleide Maria Teixeira Veloso dos Passos (Departamento de Letras/UESPI), Diogo José Ayrimoraies Soares (DEFE/UFPI), Maria do Amparo Borges Ferro (DEFE/UFPI), Carlos Iglésias Brandão de Oliveira (CSS/UFPI), Maria do Carmo Alves do Bonfim (DEFE/UFPI), Moisés de Barros Andrade (História/UESPI), José Camillo da Silveira Filho (DHG/UFPI), Maria Conceição Castelo Branco (DEFI/UFPI), Pe. Raimundo José Ayrimoraes Soares (DEFI/UFPI). (SILVA, 2010, p. 140-141)

O docente de uma escola católica além de ser portador de valores cristãos, deve ser

referência no meio acadêmico, e, possuir certo destaque intelectual, é recomendável, ainda,

que detenha certa notoriedade social. Esta relevância no meio público poderia obter

ocupando cargos públicos ou mesmo participando ativamente das atividades escolares.

Entre os professores savinianos piauienses que adquiriram notoriedade social citamos:

Joaquim Vaz da Costa que lecionou Corografia e História da Educação entre 1932 e

19559 no Colégio de Teresina. Além de docente atuava como desembargador na capital

piauiense, e, ocasionalmente, fazia contribuições em dinheiro para manutenção do Colégio.

Uma das vezes que tal fato aconteceu foi no ano de 1935, quando o professor doou a

quantia de oitocentos e trinta e sete mil quatrocentos réis (837$400).

A diretora do Colégio de Teresina, Irmã Catarina Levrini, em 14 de junho de 1935,

assinou recibo atestando o recebimento de valor destinado ao Colégio em testamento pelo

Desembargador Vaz da Costa. E, que o valor foi entregue pelo próprio testamentário em vida,

tendo este retirado o montante de sua caderneta da Caixa Econômica.

O professor Waldir segundo os registros do Colégio foi contratado em 1938. Foi o primeiro presidente de honra do Grêmio Cultural Santa Catarina de Sena, fundado em 1944 no Colégio de Teresina. E, em 1976, por ocasião das comemorações do aniversário de 70 anos do Colégio foi escolhido para fazer o discurso de abertura da solenidade que encerrou tais festividades no

9 Os anos letivos informados foram obtidos nas relações de docentes dos Colégios, não constituem conjunto completo de atividade exercida pelos docentes nas instituições, pois há ausência de relações referentes a vários anos letivos.

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dia 24 de outubro, no Teatro 4 de setembro. Outra forma de homenagear este docente foi utilizar seu nome em repetidas ocasiões para designar turmas de formandas do Colégio. (SILVA, 2010, p.143)

O professor lecionou História Geral até a década de 197010. Era considerado um

professor sério e rígido pelas alunas que frequentaram as diferentes turmas do Colégio das

Irmãs em Teresina. “Em 1944, as alunas do Colégio de Teresina fundaram o Grêmio Cultural

Santa Catarina de Sena, que segundo o professor Valdir os objetivos se ‘resume no

alevantamento moral, cívico e intelectual de nossas patrícias.’ (ZODÍACO, 1944, p. 16).”

(SILVA, 2010, p. 146)

Professor Leônidas de Castro Mello lecionava História Natural nos anos iniciais

da década de 1930 (1932 a 1934)11 no Colégio de Teresina, enquanto conciliava suas

atribuições docentes com a atividade de médico do Serviço de Profilaxia Rural do estado e

vereador no mandato de 1929.

Em maio de 1934, Leônidas Mello foi eleito governador do estado do Piauí pela

Assembleia Constituinte do Piauí, o que levou a deixar a docência no Colégio das Irmãs.

Permaneceu como governador piauiense até 29 de outubro de 1945, quando foi substituído

por Antônio Leôncio Ferraz. “Durante sua administração concluiu o Liceu Piauiense e

construiu vários prédios destinados a grupos escolares. Edificou também a Secretaria de

Saúde e o Hospital Getúlio Vargas.” (FGV-CPDOC)

Durante a longa carreira pública Leônidas Melo não se desvencilhou dos afazeres

docentes, exercendo os cargos de professor da Escola Normal Oficial do Piauí e professor e

diretor do Ginásio Oficial do Piauí, o que lhe permitia participar de Bancas Examinadoras

Oficiais e Inspeções nos Colégios Savinianos. Ainda publicou os livros Do Pneumotórax

Artificial no Tratamento da Tuberculose Pulmonar (tese de conclusão do curso de

Medicina, 1920) e Trechos do meu caminho (1976).

Os docentes savinianos explicitam em suas práticas cotidianas os preceitos

preconizados pela instituição eclesiástica e pela sociedade que a apoiava e exalta durante seu

percurso enquanto resguarda os valores desta. Pois, é atribuída a Igreja Católica e as

instituições filiadas a esta – nas quais se incluem as escolas – durante praticamente todo o

10 Os anos letivos informados foram obtidos nas relações de docentes dos Colégios, não constituem conjunto completo de atividade exercida pelos docentes nas instituições, pois há ausência de relações referentes a vários anos letivos.

11 Os anos letivos informados foram obtidos nas relações de docentes dos Colégios, não constituem conjunto completo de atividade exercida pelos docentes nas instituições, pois há ausência de relações referentes a vários anos letivos.

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século XX a tarefa de salvaguardar, manter e replicar os valores sociais e culturais

considerados uteis e dignos a sociedade a existente.

Por isso, os profissionais que atuavam em escolas – especialmente as católicas – em

particular os docentes eram observados atentamente em suas ações pedagógicas e pessoais,

pois as suas

[...] qualidades desenvolviam-se e afirmavam-se no campo individual, mas projetavam-se nos papéis sociais que o professor representava, nomeadamente na atividade profissional – uma afirmação que começava na escola e se projetava na comunidade. (MOGARRO, 2004, p.460)

Porque “a função do professor era a de ser orientador e guia do pensamento dos seus

alunos” (MOGARRO, 2004, p.459) dentro e fora dos espaços da escola. A tarefa de ensinar e

ser exemplo para os discentes não cessava nem com o término do horário das aulas, nem com

a conclusão do curso pelos alunos. Ser docente de uma instituição escolar católica ultrapassa

a profissão, é similar a participar a uma congregação, um seleto grupo com prerrogativas,

obrigações sociais, em ultima instância partícipe da tríade12 da “boa formação” das futuras

gerações.

Neste ponto “é importante ressaltar que a sociedade daquela época atribuía à educação

um papel fundamental, no sentido de que a escola era co-responsável pela “boa

formação” das moças. (...)” (MOURA, e INÁCIO FILHO, 2002, p.1) grifo nosso

Portanto, ao elencar nomes de ex-docentes Colégios Savianianos piauienses e verificar

a inserção social no contexto piauiense de alguns destes profissionais, antes de abordar as

práticas educativas destes. Para alguns provocará estranheza, contudo, necessário é

rememorar a compreensão de Peter Burke (2008), que por se ter maior amplitude explicativa

e narrativa na História Cultural,

[...] o historiador cultural abarca artes do passado que outros historiadores não conseguem alcançar. A ênfase em “culturas” inteiras oferece uma saída para a atual fragmentação da disciplina em especialistas de história de população, diplomacia, mulheres, ideias, negócios, guerra e assim por diante. ( p.06)

Então,

Conhecer os nomes dos professores que atuavam nos Colégios das Irmãs é apenas um dos elementos que nos proporcionam conhecer aspectos das práticas pedagógicas desenvolvidas naqueles estabelecimentos de ensino que estavam “empenhado em atingir o fim de educar e promover a juventude visando a sua formação integral, segundo uma escala de valores humanos e

12 Tríade que responsável por formar com “valores dignos” e aceitáveis as futuras gerações eram: família, Igreja Católica e escola. Valores relacionados pautados pela religiosidade católica, família tradicional e o respeito pela autoridade e hierarquia social.

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cristãos e inspirando-se nos princípios da lei de ensino em vigor.”13 (SILVA, 2010, p. 141)

Compreender o lugar social dos docentes e sua inserção no contexto destas relações

sociais nos permite consequentemente decodificar os significados e valores constituídos e

atribuídos por estes sujeitos aos símbolos culturais presentes em suas atividades enquanto

interagiam com os discentes savinianos, posto que

A cultura é ainda uma forma de expressão e tradução da realidade que se faz de forma simbólica, ou seja, admite-se que os sentidos conferidos às palavras, às coisas, às ações e aos atores sociais se apresentem de forma cifrada, portando já um significado e uma apreciação valorativa. (PESAVENTO, 2008, p.08) grifo nosso

Permitindo-nos delinear interpretações da situação histórica mediada por estes sujeitos

sociais, buscando compreender os fatores mobilizadores e/ou desencadeadores de práticas

educativas inerentes aos espaços católicos de formação das mulheres durante maior parcela

das décadas do século XX (70 anos).

A “Missão” das Práticas Educativas Savinianas: formar intelectual, moral e religiosamente as novas gerações

As primeiras Escolas Savinianas foram instaladas no Norte (Pará) e Nordeste (Piauí) do

Brasil, nos primeiros anos do século XX, num cenário de conflitos entre católicos e anti-

clericais (décadas iniciais do século XX), por religiosas italianas enviadas diretamente de

Siena (Itália) pela Madre Superiora da Congregação Savina Petrilli, objetivando instruir

juventude feminina.

No Piauí, em particular, a abertura das Escolas Savinianas foi uma solicitação pessoal

de Dom Joaquim Antônio de Almeida (1º Bispo do Piauí)14 à Madre Geral da Congregação

das Irmãs Pobres de Santa Catarina de Sena, Savina Petrilli, no ano de 1906, para que as

Irmãs fundassem um Colégio dedicado a educar às meninas e jovens mulheres piauienses

13 COLÉGIO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS. Relatório das Atividades do Colégio Sagrado Coração de Jesus no ano de 1983. Teresina, PI, 1984. p. 02.

14 A Diocese do Piauí foi criada, a partir do desmembramento da diocese do Maranhão, tendo a cidade de Teresina como sede episcopal e a Igreja Nossa Senhora das Dores como catedral, em 20 de fevereiro de 1901, pelo Papa Leão XIII, através da Bula Supremum Catholicam Ecclesiam, mas esta bula só foi publicada em 06 de janeiro de 1903 pela Nunciatura apostólica. No entanto, o primeiro bispo nomeado para o Piauí, Monsenhor Antonio Fabrício de Araújo Pereira, do clero pernambucano, não aceitou o cargo e conseguiu a dispensa da Santa Sé. Demoraram-se quase cinco anos para que outro bispo fosse nomeado para dirigir a diocese do Piauí, tal só acontece apenas em 14 de dezembro de 1905, quando o Papa Pio X, por meio do breve apostólico Cunctis ubinique peteat, determinou que o “Monsenhor Joaquim Antônio de Almeida, então reitor do Seminário da Paraíba” (SILVA, 2001, p. 80) e ex-aluno do Seminário da Prainha em Fortaleza29, fosse sagrado Bispo da Diocese do Piauí. “O primeiro bispo do Piauí foi sagrado no dia 04 de fevereiro de 1906, na catedral de Nossa Senhora das Neves, na cidade de João Pessoa, capital da Paraíba, por Dom Júlio Tonti, Núncio apostólico.” (SILVA, 2001, p. 80) E, assumiu a direção da diocese piauiense no dia 12 de março de 1906. (SILVA, 2010, p.86)

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primeiramente em Teresina, e, em uma segunda solicitação pede a abertura de um Colégio

nos mesmos moldes na cidade de Parnaíba.

A motivação para os pedidos do Bispo Dom Joaquim Antônio de Almeida, recém-

empossado na nova Diocese piauiense, era a crescente importância escolar e social assumida

pelo Instituto Batista Correntino (inaugurado em 1904 na cidade de Corrente, na região Sul

do estado), este estabelecimento escolar em conjunto com instrução formal ofertada obtinha

a ampliação do número de adeptos para a profissão de fé Cristã Batista.

O Bispo Dom Joaquim Antônio de Almeida organizou e estruturou ainda nos primeiros

anos de sua gestão na Diocese piauiense vários estabelecimentos escolares confessionais

católicos – tanto para mulheres quanto homens15 – atendendo aos preceitos estabelecidos no

Concílio de Trento no tocante a questões físicos-materiais (arquitetura dos prédios, escolha

dos locais para construção dos prédios, mobiliário, etc), profissionais (seleção dos

profissionais, formação, vigilância e acompanhamento, etc.), corpo docente (seleção dos

profissionais, formação, vigilância e acompanhamento, etc.), currículo e atividades

complementares (conteúdos ministrados, estratégias de ensino, material didático, atividades

extracurriculares, etc.) com a pretensão de que a educação fosse uma via exemplar e eficiente

de evangelização e conversão, não somente dos discentes que frequentavam as escolas

católicas, mas de qualquer individuo que, por ventura, tivesse contato com um discente ou

ex-aluno oriundo deste tipo de estabelecimento escolar.

Portanto, obter conhecimentos sobre

os currículos, as práticas pedagógicas, os educadores, a rotina escolar e as estratégias adotadas nas escolas savinianas para incentivar e difundir o catolicismo e o patriotismo, além das ações de caridade praticadas e as formas de obtenção de recursos financeiros, enfim, a cultura escolar dos Colégios das Irmãs Catarinas, é possível visualizar a presença e participação efetiva destas instituições no processo de constituição, consolidação e expansão do sistema educacional piauiense. E, compreender a configuração da sociedade contemporânea brasileira a partir da análise da cultura escolar católica, o que nos ‘permite articular, descrever e analisar, de uma forma muito rica e complexa, os elementos chaves que compõem o fenômeno educativo, tais como os tempos, os sujeitos, os conhecimentos e as práticas escolares.’ (FARIA FILHO, 2003, p. 85). (SILVA, 2010, p.108)

Proporcionando desnudar a cultura escolar destes estabelecimento constituíram a

identidade de seus educandos para além dos tempos escolares, de tal modo, a infundir-lhe

comportamentos que extrapolaram os “tempos de escola” e moldaram-lhes o caráter.

15 Cabe lembrar que somente a partir de meados da década 1970 os estabelecimentos escolares confessionais irão adotar plenamente a coeducação, até este período existiram escolas especificas para cada gênero.

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Tal como rememora a ex-aluna Erice Moura ao lembrar da realização dos trabalhos de

grupo promovidos pelo professor Josias Carneiro16, nos diz que

quando entrou o professor Josias Carneiro foi que começou este negócio de trabalho em grupo e eu sentia uma dificuldade porque eu era muito individualista, tá entendendo, e aí foi nessa época que já começou em 63, 64, por aí assim, foi que foi começando mas não tinha, cada um fazia o seu trabalho e estava encerrado. (...). (RODRIGUES, 2008).

A prática adotada pelo docente revelou à discente aspecto de sua personalidade,

forçando-o a engendrar mecanismos para superá-lo. Nesta situação específica, esta aluna

frequentava o Curso Normal, e, após a obtenção da formação como Normalista teria de

realizar atividades em grupos.

A metodologia de ensino empregada pelo professor Josias Carneiro, considerada

atípica nas salas dos Colégios católicos nos idos da década de 1960, instiga-nos a obsevar de

forma mais detidamente, estas

as práticas pedagógicas desenvolvidas nos espaços dos Colégios das Irmãs Catarinas, nos revela algo além dos métodos de ensino, conteúdos, sistemas de avaliação, nos contam sobre a postura e a forma de “agir e pensar” dos professores e, também, da postura das alunas; bem como as formas de interação existentes entre os diferentes sujeitos que integram o processo educativo, e as relações sociais que permeavam os espaços educativos. (SILVA, 2010, p.141)

Aos docentes destas instituições reconhecidamente (até o presente com nível de

excelência acadêmica, cultural e social) era exigido constante aperfeiçoamento, o qual “devia,

pois, basear-se na avaliação crítica e autocrítica do trabalho realizado.” (MOGARRO, 2004,

p.459)

Por isso rememorar os tempos escolares e as práticas dos docentes que deste

fizeram parte provoca comparações, produções de escalas de valores, avaliações de

atitudes transcorridas, etc.. Tal se procedeu Eva Maria Evangelista Leal (ex- aluna do

Colégio de Teresina) ao lembrar de seus professores e da forma como cada um ensinava

seus conteúdos específicos, e ao mencionar as habilidades que tinham os professores a

partir de sua perspectiva de aluna.

O Professor Diogo17, ah uma beleza, bem caladinho, comportado, ..., as sandálias desabotoadas, falava bem baixinho, quanto mais a gente – se a

16 Professor Josias Carneiro da Silva lecionou no Colégio de Teresina durante a década de 1960. Os anos letivos informados foram obtidos nas relações de docentes dos Colégios, não constituem conjunto completo de atividade exercida pelos docentes nas instituições pois há ausência de relações referentes a vários anos letivos.

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gente falava na sala aí ele diminuía a voz pra gente poder ficar calada pra poder prestar atenção. A Irmã Jacira18 era um pinga fogo, bem pequenininha tomava conta de todas, a ...s, principalmente na, nas festas de 7 de setembro, que ela era diretora do Colégio. Ela prezava muito pelas festas principalmente a de 7 de setembro com ordem militar.(LEAL, 2006)

Enquanto Josina Jacobina lembrou-se repetidamente dos professores Barreto19,

Ribamar Meneses20, Carlos Iglésias21, Nazareno Fonteles22 e da Irmã Sebastiana23, por que

Primeiro porque eles davam muito abertura a gente pra conversar, né. O professor Barreto

mesmo gostava de brincar com a gente; o professor Ribamar Meneses tinha um negócio de

Valença. Ah! Nós vamos somar aqui vamos fazer não sei o que! Você quer ir pra Valença? Ele

brincava muito em sala de aula. Todos os dois, apesar de ser professor e também de uma

matéria bem complicada, que é matemática, mas eles brincavam muito na sala de aula. Aí a

gente conseguia, né, se sentir melhor.

[...]. E o Iglésias, porque também era bonito, na época, chamava atenção de todo mundo. Tinha uma amiga nossa que estava paquerando com ele. Até namorou com ele aí a gente fazia a maior fofoca do mundo. Aí ele também brincava, né! E a Irmã Sebastiana, porque era a Irmã que mais deu abertura pra gente. Mais conversava com a gente. (JACOBINO, 2006, p. 09-10) grifo nosso

17 Professor Diogo Jose Ayrimoraies Soares lecionou no Colégio de Teresina nas décadas de 1960 até 1970 as disciplinas Fundamentos Histórico-Filosóficos e Sociais, Religião, O.S.P.B., Preparação Pedagógica e Estudos Sociais. Os anos letivos informados foram obtidos nas relações de docentes dos Colégios, não constituem conjunto completo de atividade exercida pelos docentes nas instituições pois há ausência de relações referentes a vários anos letivos.

18 Irmã Jacira Cunha de Souza lecionou no Colégio de Teresina na década de 1960 a disciplina Instrução Moral e Cívica. Os anos letivos informados foram obtidos nas relações de docentes dos Colégios, não constituem conjunto completo de atividade exercida pelos docentes nas instituições pois há ausência de relações referentes a vários anos letivos.

19 Alirio Barreto Filho lecionou no Colégio de Teresina na década de 1970 lecionou a disciplina Matemática. Os anos letivos informados foram obtidos nas relações de docentes dos Colégios, não constituem conjunto completo de atividade exercida pelos docentes nas instituições pois há ausência de relações referentes a vários anos letivos.

20 José Ribamar Meneses lecionou no Colégio de Teresina na década de 1970 lecionou a disciplina Matemática. Os anos letivos informados foram obtidos nas relações de docentes dos Colégios, não constituem conjunto completo de atividade exercida pelos docentes nas instituições pois há ausência de relações referentes a vários anos letivos.

21 Carlos Iglesias Brandão de Oliveira lecionou no Colégio de Teresina na década de 1970 lecionou a disciplina Biologia. Os anos letivos informados foram obtidos nas relações de docentes dos Colégios, não constituem conjunto completo de atividade exercida pelos docentes nas instituições pois há ausência de relações referentes a vários anos letivos.

22 Jose Nazareno Cardeal Fonteles lecionou no Colégio de Teresina na década de 1970. Os anos letivos informados foram obtidos nas relações de docentes dos Colégios, não constituem conjunto completo de atividade exercida pelos docentes nas instituições pois há ausência de relações referentes a vários anos letivos.

23 Irmã Sebastiana Gomes da Costa lecionou no Colégio de Teresina na década de 1970, as disciplinas: Introdução Social, Matemática e Religião. Os anos letivos informados foram obtidos nas relações de docentes dos Colégios, não constituem conjunto completo de atividade exercida pelos docentes nas instituições pois há ausência de relações referentes a vários anos letivos.

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Josina Jacobino exalta em suas memórias a “abertura” dos professores em sala no

momento de explicar os conteúdos, contudo é importante frisar, que mesmo nestes

fragmentos de tempo de aparente descontração há a supervisão e controle das ações

pedagógicas e educativas por parte da administração dos Colégios, seja pela presença física

das religiosas em sala ou através das próprias alunas.

A ex-aluna Teresinha Meireles nos relata as estratégias de supervisão adotadas nos

Colégios Savinianos, onde em cada classe uma aluna era escolhida para relatar

detalhadamente os acontecimentos do dia à direção da escola. Estas alunas eram

denominadas de Prefeitas pela administração da escola. Contudo entre as alunas, recebiam

outro epíteto menos honroso,

Entre todas as alunas o relacionamento era bom. Agora tinha uma inclusive a gente chamava picolé de freira porque tudo que acontecia na sala ela ia contar sabe? Aí nós descobrimos quem era, aí essa a gente isolava, não, quer dizer essa não participava nada com a gente.ninguém queria porque o que acontecia a Irmã sabia tudo. (MEIRELES, 2008, p. 07)

No contexto da existência das instituições escolares confessionais católicas a esta foi

“(...) atribuído o papel de “formadora” do caráter de suas educandas.” (MOURA, e

INÁCIO FILHO, 2002, p.2). Portanto, era considerado salutar e lícito que fosse relatado

diariamente tudo que ocorria em classe para que as religiosas avaliassem se os docentes

estavam transmitindo as visões de mundo, valores e interesses conforme preconizado pela

Igreja Católica e se o trabalho pedagógico estava organizado e sendo desenvolvido de modo

que a formação das alunas contemplasse o almejado pelas famílias e pela sociedade.

Acrescentemos que

Os valores oficiais do catolicismo e do nacionalismo perpassavam toda a vida nacional, como os eixos fundamentais que orientavam a atividade social. Assim como o catolicismo e os seus valores foram expressos nestes textos de forma repetida e veementemente, refletindo a total impregnação da vida pessoal e profissional pelas referências doutrinárias da religião católica. Neste sentido, os ambientes educativos também sofreram uma intensa influência desses valores. (MOGARRO, 2004, p. 462)

Em suas práticas educativas, uma docente que explicita de maneira icônica esta

imbricação entre catolicismo e nacionalismo pode ser traduzida na postura assumida – intra

e extra- classe – pela professora Esther Couto. “A postura da professora Esther na defesa

pública e efetiva das práticas católicas era a concretização dos objetivos da educação católica

voltada para as mulheres: educar mulheres para defender e difundir o catolicismo e o

civismo.” (SILVA, 2010, p.144)

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Professora Esther Couto, foi contratada como professora do Colégio de Teresina na

década de 1930 e lecionou até os anos de 1950. Atuava no Curso Normal, ministrando a

disciplina Didática.

A professora Esther para complementar sua ação educativa escrevia regularmente a

coluna A Imprensa religiosa, no Jornal A Imprensa, “os escritos da professora faziam

coro com discurso e postura assumida pelas instituições religiosas católicas e ao fazer uso

da imprensa tem como objetivo de divulgar o catolicismo e alertar a população católica

para os perigos da modernidade.” (SILVA, 2010, p. 145)

Os colégios católicos, nos quais se inserem os savinianos, partilham e difundem

durante os séculos XIX e XX a máxima de que educação – particularmente a feminina – é

para além de instrumentalização científico – intelectual, pois a formação da mulher em

“educar, significava algo mais que instruir. Referia-se à formação completa que ia desde o

domínio do Francês às boas maneiras, os trabalhos manuais, prendas domésticas, dentre

outras atribuições femininas.” (MOURA, e INÁCIO FILHO, 2002, p.2)

Mesmo quando a mulher obtém a profissionalização através dos estudos, a presença do

universo doméstico é constantemente reendossada e reforçada de sobremaneira,

especialmente quando o exercício profissional acontece na área do magistério. Conforme

constatou Mogarro (2004) ao analisar imagens e representação de professoras em Portugal

ainda no universo feminino, a dimensão familiar e doméstica foi apresentada, (...), de forma entrelaçada com o exercício da atividade docente – é o ideal da professora que também é mulher e mãe, numa identificação de funções similares que se traduzia no cruzamento do espaço profissional com o universo familiar e doméstico. (MOGARRO, 2004, p.460)

Traçar uma análise minuciosa das práticas educativas inerentes aos lugares escolares

singulares que são as instituições escolares confessionais católicas demanda e requer uma

profundidade que um artigo não comporta neste momento nos foi possível fornecer um

panorama da história da docência e práticas educativas desenvolvidas nos Colégios

Savinianos piauienses (Colégios das Irmãs), incluindo as memórias e “marcas” constituídas

nas alunas pelos professores, decorrentes dos ensinamentos nos “tempos de escola”.

Incluindo algumas reflexões para futuras continuidades das analises sobre as práticas

discorridas nestes lugares de formação. Posto que a

A frase “100 anos educando gerações a serviço da vida” foi adotada como slogan do centenário do Colégio das Irmãs de Parnaíba e está no material de divulgação das festividades do centenário comemorado em 2007. O material

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produzido para dá ênfase ao aspecto da educação católica ofertada pelo Colégio e às praticas educativas e formativas embasadas e fundamentadas no carisma savianiano que visam à formação intelectual e humana dos alunos, sintetizando que o objetivo da educação saviniana é dotar seus educandos com conhecimentos científicos e, também, contribuir para a formação ética, moral e religiosa destes (SILVA, 2010, p.140)

Enveredar pelo estudo das práticas educativas é iniciar a conhecer as diferentes formas

pelas quais as instituições confessionais educam e constroem as futuras gerações através da

atuação dos professores nas salas de aula e fora destes espaços.

Considerações Finais

Os estudos da História das práticas educativas nos espaços escolares confessionais

revelam claramente este imbricamento e fluidez entre as fronteiras do pessoal e da atividade

profissional. Revelando a necessidade urgente de compressão e apreensão clara da escola

enquanto lugar de exercício de práticas sociais e culturais.

Pois conforme afirmou Pesavento (2008, p.09),

[...] todos trabalham com a mesma ideia do resgate de sentidos conferidos ao mundo, e que se manifestam em palavras, discursos, imagens, coisas, práticas. Se estamos em busca de retraçar uma postura e uma intenção partilhada de traduzir o mundo a partir da cultura, é preciso descobrir os fios, tecer a trama geral deste modo de fazer História, prestar atenção em elementos recorrentes e, talvez, relevar as diferenças entre os autores, o que, sem dúvida, é um risco.

Assumimos esse risco. grifo nosso

Ao assumir este risco, evidenciamos nas práticas educativas presentes nas escolas

católicas durante o século XX o reforço da hierarquização das normas escolares e sociais

vigentes presentes nas práticas de todos os professores, mesmo daqueles considerados mais

“liberais”.

Em outros momentos, alguns docentes portaram-se perante as alunas como inspiração

e/ou modelo para a escolha de suas futuras carreiras profissionais propiciando a alteração do

papel social tradicional exclusivo de esposa e mãe atribuído, até, então, a mulher na

sociedade brasileira.

Neste lugar prenhe de contradições – carente de maiores análises sob diferentes óticas

– estão presentes práticas educativas tradicionais e inovadoras convivendo secularmente,

educando e produzindo as mentes e corpos das novas gerações.

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Referências

BURKE, Peter. O que é História Cultural? 2 ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. COLÉGIO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS. Projeto político institucional (documento inconcluso). Teresina, PI, 2008. MELO, Leônidas. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/leonidas-de-castro-melo>. MOGARRO, Maria João. Os professores e suas imagens: a profissão docente em Portugal nos anos de 1960. IN: MENEZES, Maria Cristina (org). Educação, Memória, História: possibilidades, leituras. Campinas (SP): Mercado de Letras, 2004, p. 451 – 472. MOURA, Geovana Ferreira Melo e INÁCIO FILHO, Geraldo Educação. Feminina na Escola Confessional: a arte de ensinar. IN: Anais da 25ª Reunião Anual da ANPED. Caxambu (MG), 2002. Disponível em: http://25reuniao.anped.org.br/ PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica. SILVA, Samara Mendes Araújo. Educar Crianças e Jovens À Luz da Fé e Cultura: as instituições escolares confessionais católicas na sociedade piauiense (1906 a 1973). 2010. Tese (Doutorado em Educação Brasileira) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2010. SILVA, Samara Mendes Araújo. À luz dos valores religiosos: escolas confessionais católicas e a escolarização das mulheres piauienses (1906 – 1973). 2007. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2007.