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UENF UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO PAULO CÉSAR DA COSTA HEMÉRITAS O CINEMA AMBIENTAL CONTEMPORÂNEO EM QUESTÃO: CRÔNICA DA LUTA POR RECONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA GERAÇÃO Campos dos Goytacazes - RJ 2011

UENF UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE … · captar, na densa massa de sons que os cerca, o canto de Eurídice, o canto que a mantém prisioneira e que por sua vez é prisioneira

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UENF – UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY

RIBEIRO

PAULO CÉSAR DA COSTA HEMÉRITAS

O CINEMA AMBIENTAL CONTEMPORÂNEO EM QUESTÃO: CRÔNICA DA

LUTA POR RECONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA

GERAÇÃO

Campos dos Goytacazes - RJ

2011

PAULO CÉSAR DA COSTA HEMÉRITAS

O CINEMA AMBIENTAL CONTEMPORÂNEO EM QUESTÃO: CRÔNICA DA

LUTA POR RECONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA

GERAÇÃO

Defesa de dissertação apresentada ao Centro de

Ciências do Homem da Universidade Estadual do

Norte Fluminense Darcy Ribeiro como requisito

parcial à obtenção do título de mestre em

Cognição e Linguagem

Orientadora: Profª Drª Arlete Parrilha Sendra

Campos dos Goytacazes - RJ

2011

Agradecimentos

Ao finalizar o presente trabalho e o curso de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem,

gostaria de externar minha gratidão pela colaboração dos seguintes amigos, familiares,

professores e Instituições:

À FAPERJ – Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de

Janeiro pela concessão da bolsa de estudos.

A minha orientadora Professora Arlete Parrilha Sendra, amiga de todas as horas, pela

preciosa e exemplar atuação docente, agradeço especialmente pelo espírito ético

empreendido em nosso trabalho, a colaboração acadêmica, pedagógica e artística.

Aos amigos Carla Mota, Flávia Solares, Rita de Cássia e Lutiane Marques pelo

companheirismo e solidariedade – sempre.

Ao Professor Frederico Schwerin Secco pelo empréstimo de sua sabedoria.

Aos Professores Marcelo Gomes, Marcelo Sthel ,Glauco Tostes e Ulisses Guedes por

terem aberto as portas da Universidade.

Aos Professores Ismail Xavier da USP – Universidade de São Paulo e Cláudia Mesquita

da UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais pelas preciosas orientações em

cinema.

Ao Antonio Luiz Baldan, pela aproximação ao cinema ambiental.

À Miri Anne pelo apoio de mãe e companheira inspiradora, muito obrigado.

Aos meus pais Adhemar e Paula por todo apoio já fora de hora, mas imprescindíveis.

Agradeço especialmente ao Paulo, à Marianna e à Fernanda por ensinarem diariamente

lições exemplares da nossa Natureza.

Ora, vocês que vivem fora, digam-me, se por acaso lhes acontece

captar, na densa massa de sons que os cerca, o canto de Eurídice, o

canto que a mantém prisioneira e que por sua vez é prisioneira do

não canto que massacra todos os cantos, se conseguem reconhecer a

voz de Eurídice na qual soa o eco distante da música silenciosa dos

elementos, digam-me, dêem-me notícias dela, vocês extraterrestres,

vocês provisoriamente vencedores, para que eu possa retornar meus

planos de trazer Eurídice de volta ao centro da vida terrestre, de

restabelecer o reino dos deuses do dentro, dos deuses que habitam a

espessura densa das coisas, agora que os deuses de fora, os deuses

dos altos Olimpos e do ar rarefeito deram a vocês tudo o que podiam

dar, e está claro que não basta.

Calvino ( 2007: 364)

Resumo

A presente dissertação versa sobre a trajetória das produções de cinema sob viés

ambiental realizadas a partir dos anos 60, gênese dos movimentos sociais “verdes”. O

trabalho apresenta o diálogo entre as produções fílmicas e os conceitos de luta por

reconhecimento e direitos humanos de terceira geração, reivindicações relativas à

integridade do Ambiente.

Palavras-chave: Ambiente, Cinema, Direitos, Reconhecimento, Sociedade.

Abstract

This dissertation examines the trajectory of environmental film productions made from

the 60 year period in which social movements emerge, "green" and establishes a

dialogue between the film and the concepts of struggle for recognition and rights of the

third generation, claims relating to the integrity of the Environment.

Keywords: Environment, Film, Rights, Recognition, Society.

Sumário

Lista de ilustrações............................................................................................................9

Apresentação...................................................................................................................10

Parte I

Os “verdes”: cenários......................................................................................................12

Parte II

A luta por reconhecimento.............................................................................................21

Da luta luta por autoconservação à luta por reconhecimento..........................................21

O conceito de luta por autoconservação..........................................................................23

I - O Príncipe – Maquiavel..............................................................................................23

II - O Leviatã – Thomas Hobbes.....................................................................................25

O conceito de luta por reconhecimento – recíproco........................................................27

Parte III

Globalização, democracia e direitos humanos: cenários.................................................31

A questão ambiental e a discussão paradigmática das ciências.......................................31

Antecedentes...................................................................................................................31

1. “Tempo, espaço, procedimentos e substância da democracia”...................................34

2. “A incongruência de ordens”......................................................................................37

3. “A autoridade política do mercado mundial”..............................................................39

4. “As questões do espaço do meio ambiente”................................................................41

5. “Reaparece a questão da forma e da substância da democracia”................................43

6. “Novos sujeitos do processo democrático”.................................................................47

7. “A democracia industrial além do fossilismo e do fordismo”.....................................49

8. “Limites ambientais, sustentabilidade e direitos humanos”........................................50

Parte IV

Exemplificação de filmes ambientais..............................................................................53

Guerra ao terror...............................................................................................................53

Uma verdade inconveniente............................................................................................59

Os segredos da tribo........................................................................................................65

Parte V

Inventário de filmes sob viés ambiental no Brasil..........................................................69

Ficha técnica dos filmes..................................................................................................81

Considerações Finais.......................................................................................................85

Referências......................................................................................................................87

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Lista de ilustrações

Fotografias

01. Disponível em: www.cine-luz.blogspot.com, acessado em 10/01/2011

02. 4ª Mostra cinema e direitos humanos na América do Sul. Catálogo Oficial. São

Paulo: Cinemateca brasileira, 2009: 68.

03. FERREIRA, Manoel R. A Ferrovia do diabo. São Paulo: Melhoramentos, 2005:

352.

04. 32 ª Mostra internacional de cinema de São Paulo – SP. Catálogo oficial. São

Paulo: Imprensa oficial, 2008: 153.

05. “É tudo verdade” 15º Festival internacional de documentários. Catálogo oficial. São

Paulo: Imprensa oficial, 2010: 26.

06. “É tudo verdade” 15º Festival internacional de documentários. Catálogo oficial. São

Paulo: Imprensa oficial, 2010: 40.

07. “É tudo verdade” 15º Festival internacional de documentários. Catálogo oficial. São

Paulo: Imprensa oficial, 2010: 58.

08. XI FICA – Festival internacional de cinema e vídeo ambiental. Catálogo oficial.

Goiânia - GO: Agepel, 2009: 71.

09. 32 ª Mostra internacional de cinema de São Paulo – SP. Catálogo oficial. São

Paulo: Imprensa oficial, 2008: 167.

10. XII FICA – Festival internacional de cinema e vídeo ambiental. Catálogo oficial.

Goiânia - GO: Agepel, 2009: 41.

11. “É tudo verdade” 15º Festival internacional de documentários. Catálogo oficial. São

Paulo: Imprensa oficial, 2010: 94.

12. IX FICA – Festival internacional de cinema e vídeo ambiental. Catálogo oficial.

Goiânia - GO: Agepel, 2009: 45.

13. Son of Babylon. Disponível em: festival.sundance.org/a_son_of_baghdad/ -

acessado em 28.05.2010.

14. CUNHA, Marcio Werneck da. América de Americo: o desencontro de dois mundos

em Cabo Frio (1503-c.1512), incluindo o naufrágio da capitânia de Gonçalo Coelho em

Fernando de Noronha. Armação dos Búzios-RJ: Ágama, 2004, p.250.

15. “É tudo verdade” 15º Festival internacional de documentários. Catálogo oficial. São

Paulo: Imprensa oficial, 2010:21

16. Disponível em: www. escrevercinema.com, acessado em 10/01/2011.

17. XI FICA – Festival internacional de cinema e vídeo ambiental. Catálogo oficial.

Goiânia - GO: Agepel, 2009: 111.

18. LINS, Consuelo. O documentário de Eduardo Coutinho: cinema, televisão e vídeo.

Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004: 43.

LEÃO, Beto. O cinema Ambiental no Brasil: uma primeira abordagem. Goiânia – GO:

Agepel, 2001: 108.

19. LEÃO, Beto. O cinema Ambiental no Brasil: uma primeira abordagem. Goiânia –

GO: Agepel, 2001: 108.

10

Apresentação

Durante os últimos dois anos, foram analisadas as possibilidades de

enquadramento do amplo painel temático do cinema ambiental contemporâneo na

moldura interdisciplinar do curso de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem que

envolveu conhecimento nos campos da Semiótica, Filosofia, Antropologia e Cinética.

A presente pesquisa foi realizada junto ao acervo de filmes dos “festivais”

temáticos mais expressivos da América Latina e os arquivos audiovisuais da ECA –

Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – e da Cinemateca

Brasileira. Foram úteis também a biblioteca do CCH/ Centro de Ciências do Homem da

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro e a Biblioteca da

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, campus Leonel de Miranda.

Essencialmente, o texto a seguir apresenta o encontro entre o repertório

contemporâneo do cinema ambiental e a fundamentação teórica acerca das lutas por

reconhecimento dos direitos humanos de terceira geração, fenômeno percebido em

função da intensificação das atividades produtivas em escala global e o seu impacto no

“discurso da democracia e dos direitos humanos”.

A relativa pouca idade das preocupações da sociedade com a finitude dos

recursos naturais infere à questão uma série de concepções ingênuas, exageros e

deduções a respeito da relação entre o futuro da Humanidade e os níveis de sua

dependência ecológica. A curiosidade que as amplas possibilidades de informação que o

assunto ambiente demanda e uma série de eventos climáticos extremos – calamidades

associadas à “reação da Natureza” – fizeram brotar produções cinematográficas

documentais pelo mundo afora que associam o caos (planetário) e as agressões (locais)

aos ecossistemas ao pretenso amor (do sujeito) pela Natureza.

No campo das ciências sociais, há uma clara dificuldade em enxergar na

extensão do problema físico-geográfico contemporâneo uma crise ambiental, cujo

conceito tem uma amplitude impressionante. Não obstante, o de cinema passar por

transformações significativas facilmente observáveis pela dinamização dos mecanismos

eletrônicos de registro audiovisual.

Entretanto, a falta de unanimidade científica não representou em nossa análise,

ausência de aprofundamento sobre o tema. Existe ampla discussão na esfera do

11

“Pensamento Ambiental” e da “Filosofia” sobre a condição humana contemporânea, um

“chão explicativo” para esta análise.

A crônica do cinema ambiental contemporâneo pode constituir-se de uma ampla

reserva audiovisual. Uma nova visão de mundo e um aporte esclarecedor sobre os

impactos do relativo descaso com os direitos humanos de terceira geração, experiências

que não deverão repetir-se com tanta intensidade, no futuro, são os papéis valorosos

desejados para o cinema ambiental.

.

12

PARTE I - “Os Verdes”: cenários

A presente dissertação defende a proposição de que o cinema ambiental é um

instrumento de testemunho privilegiado da luta por reconhecimento dos direitos

humanos de terceira geração – aqueles vinculados à reivindicação pela integridade do

meio ambiente. A delimitação do objeto do presente estudo originou-se do

estranhamento quanto à repercussão do tema “direitos humanos” em uma análise

pormenorizada de filmes do gênero documentário sob viés ambiental produzidos, no

período de 2007 a 2010.

A crônica, cujo primeiro significado remete a uma leitura organizada de eventos

pelo fator tempo articula as obras de cinema ambiental contemporâneo, apresentadas no

trabalho, no sentido de estabelecer uma avaliação conjunta dos problemas ambientais

que se apresentam à vida cotidiana de sujeitos em atividade produtiva ao redor do

planeta.

Através da tradição própria do gênero documentário em seu compromisso ético

de filmar a apreensão parcial da realidade, a crônica do cinema ambiental narra os

pormenores da relação sociedade-natureza convertendo-se em fonte preciosa da história.

Nesse cinema não ficcional está compreendido um universo temático variado e o

objetivo do estudo foi realizar uma leitura panorâmica sobre a geopolítica ambiental, em

que despontaram, como argumento, assuntos como: poluição, habitats, contingência,

mundo do trabalho e limites do espaço natural.

Hipoteticamente, o universo temático do cinema ambiental estaria relativamente

subordinado à realidade particular das lutas por reconhecimento dos direitos humanos

de terceira geração 1– quadro teórico-político definido por Altvater (1999), e enfrentado

como conceito-chave da pesquisa.

1 A luta por reconhecimento dos direitos humanos apresentou-se, historicamente, através de

ações gradativas e permanentes. Considerando, a partir do século XVIII, o advento do

Iluminismo os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade encaminharam a reivindicação da

primeira geração de direitos humanos relativos a direitos civis que culminam com a Revolução

Francesa (1789). O pensamento socialista surgido no século XIX e as lutas por melhores

condições de trabalho e remuneração estariam associadas ao pleito dos direitos de segunda

geração, relativos a valorização do trabalho. A principal inovação relativa a terceira geração de

direitos humanos é que esta reivindicação é coletiva e relativa a interesses difusos. Os direitos

humanos relativos aos entornos sociais midiáticos estão sendo percebidos como de quarta

geração, a serem estabilizados.

13

A questão da luta por reconhecimento, recentemente revista por Honneth (2009),

está fundamentada a partir dos estudos jurídico-morais em Hegel, em sua fase docente

em Jena; é um conceito subsidiário ao presente trabalho. Os filmes de cinema ambiental

analisados foram selecionados a partir do rol de obras que participaram das edições

mais recentes dos seguintes Festivais: “FICA – Festival Internacional de Cinema e

Vídeo Ambiental”; “É tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários”;

”Mostra Cinema e Direitos Humanos da América Latina” e “Mostra Internacional de

Cinema de São Paulo”.

A proposta de estudo em questão fundamenta-se no estabelecimento de um

diálogo entre os filmes ambientais selecionados, a ótica artística de seus realizadores e a

abordagem teórica de Elmar Altvater sobre “os desafios da globalização e da crise

ecológica para o discurso da democracia e dos direitos humanos”. É um encontro

firmado entre as características espaço-temporais:

a) do pensamento político de Altvater, fragmentado pelo autor em oito

subtítulos;

b) dos filmes ambientais, apresentados por resenhas dos filmes, fichas técnicas e

ilustrações correspondentes.

Nos últimos 40 anos, movimentos sociais têm-se organizado com o objetivo de

preservar a garantia ao direito natural que povos e cidadãos têm de sobreviver em um

ambiente em harmonia perante o iminente risco de destruição dos ecossistemas que dão

suporte a sua existência.

Num contexto de globalização da economia, a desigualdade social – interna e

externa aos países – e o desrespeito aos direitos humanos animaram a luta desses

movimentos sociais pela integridade do meio ambiente, levando-os a assumirem novos

arranjos organizacionais, em fronteiras políticas móveis para além dos tradicionais

limites locais.

A incorporação e o apoio de organizações sociais de atuação internacional

exerceram-se a partir de uma retórica de alteridade em que o atraso, a corrupção, a

alimentação, a escolaridade, o desmatamento e o autoritarismo são aspectos evidentes

apreendidos pelo cinema ao emprestar sua estética variada da crueldade, do melodrama

e do suspense, transformando uma manifestação cultural midiática num instrumento

competitivo entre as diversas civilizações.

14

Como o núcleo de ação das organizações não governamentais é expositivo, os

apelos ocorrem através de campanhas de adesão, em mídia, que buscam o

convencimento de sua causa permanentemente. Os resultados concretos das ações

políticas mantém-se sempre em suspenso, não havendo, necessariamente, a

intermediação formal de um partido político entre as demandas sociais, essas

organizações e o Estado. Justificando-se, então, a importância dos veículos de

propaganda, como o cinema, a televisão e a internet. Para o terceiro setor – ONGs –

Organizações não governamentais, predominam ações comunicativas.

Foto nº 1 – “Aruanda”, filme de Lindoarte Noronha

Este panorama de lutas por reconhecimento dos direitos humanos de terceira

geração não indica o respeito prévio aos direitos humanos de primeira e segunda

gerações, o que não ocorre de maneira uniforme, segundo o panorama sócio-global. A

verdadeira inovação nesta luta são os limites espaço-temporais de sua ocorrência. O

novo lugar contrasta com o histórico de lutas reivindicativas por reconhecimento dos

direitos humanos tradicionais relativos à liberdade, ao trabalho e à cultura, bem situados

nas fronteiras nacionais onde se deram o foro e as deliberações das revoluções políticas

e sociais ocorridas a partir do século XVII, como as revoluções burguesas, as

independências das colônias da América e as revoluções socialistas.

15

A ilustração que nos ocorre é a experiência vivenciada por “mulheres, índios,

africanos, loucos, homossexuais e minorias” que, historicamente, custaram a ter

reconhecimento como sujeitos de direitos humanos.

A exemplo da “Declaração dos Direitos Humanos da Organização das Nações

Unidas – ONU”2, de 1948, marco histórico importante para a constituição de uma

assembléia supranacional de direitos humanos, ocorreram, a partir de 1994, julgamentos

em corte internacional por crimes ambientais ocorridos em Bophal – Índia e Chernobyl,

Ucrânia.

.

Foto nº 2 - “Corumbiara”3, filme de Vincent Carelli (2009).

A leitura textual do cinema ambiental contemporâneo revelaria, nesse sentido,

um viés discursivo construído entre dois antagonismos: o bem e o mal, caracterizando a

defesa (o bem) e o desrespeito (o mal) aos direitos humanos de terceira geração. A

atuação cognitiva dos filmes ambientais, a partir de um amplo campo de

experimentação e liberdade, teria um papel voltado à sensibilização da causa ambiental.

O sentido atuante das obras cinematográficas, sob viés ambiental, residiria em despertar

sentimentos altruístas capazes de incorporar ao público espectador o conhecimento,

2 A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi promulgada no dia 10 de dezembro de

1948 através da III Assembléia Geral das Nações Unidas, realizada entre Paris e Nova Iorque,

presidida por Herbert Evatt (resolução 217 A). “Cinquenta e um estados participaram, nenhum

votou contra, mas alguns se abstiveram (Arábia Saudita, África do Sul e bloco soviético).

Sessenta anos depois, a Declaração Universal ainda vigora e, embora largamente inaplicada,

seus trinta artigos estão traduzidos em 360 línguas e luzem mais do que nunca.” (REIS, Daniel

Aarão: 2009:3). 3 O fotograma apresenta o exato momento do encontro entre o indianista Marcelo Santos e um

casal sobrevivente do massacre da gleba Corumbiara. O filme, sob viés ambiental, mais

premiado da história do cinema brasileiro.

16

ocupando assim uma lacuna deixada por outros veículos midiáticos como a televisão,

que, na atualidade, não dispensa, cotidianamente, uma lógica ou relevância social à

cobertura de cada item de sua pauta jornalística.

Surge uma indagação: o testemunho da luta por reconhecimento dos direitos

humanos de terceira geração, expresso na tela pelos depoentes de filmes documentários

sob viés ambiental, é capaz de despertar no público receptor a luta por reconhecimento

desses mesmos direitos?

A comunicação do gênero ambiental intuída de reflexão, participação e mudança

nos costumes, influenciada pela tradição do gênero de cinema documentário – de

apreensão parcial da realidade – nos oferece, assim, um contraponto: articula-se como

um veículo convincente de denúncia e apelo da causa político-ambiental globalizada.

Pelo uso fiel das técnicas de captação de imagem-som, a força persuasiva do

cinema ambiental retrata, com realidade excepcional, as diversas modalidades de

destruição e conflito envolvendo a sociedade e a natureza, o que coloca o espectador

num lugar privilegiado na cena dos acontecimentos.

A partir dos anos 70, estudos científicos fundamentados em leis da

“termodinâmica” – relação entre a conservação e a qualidade da energia – e na

demografia apontaram, pioneiramente, o tempo de renovação dos recursos naturais

como limitadores do crescimento econômico. Esta perspectiva de futuro é que configura

uma “crise ambiental global”, justificada através da simulação de modelos matemáticos

baseados na finitude dos recursos naturais ante a escalada de incremento populacional.

Os custos ambientais tornaram-se, então, um elemento de ponderação do

mercado, ocasionando a contabilização de seus encargos ao orçamento de “governos” e

“corporações” com impacto político sobre a afirmação da legitimidade da causa

ambiental.

A criação de ministérios e secretarias do meio ambiente4, a promulgação de

legislação específica que ordena a relação entre sociedade e natureza e o funcionamento

de cursos de educação e gestão ambiental são alguns dos indícios formais da amplitude

que a questão atingiu.

4 Em 30 de outubro de 1973, o Decreto 73.030 da Presidência da República criava, no âmbito do

Ministério do Interior, a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), primeiro organismo

brasileiro, de ação nacional, orientada para a gestão integrada do meio ambiente. Fonte: (DIAS,

1990: 39).

17

Uma reação do mercado ocorreu, como se podia esperar, e surgiu na forma de

segmentação de uma “tecnologia verde”, com a produção dirigida ao consumidor

informado de uma gama de produtos tidos como naturais, integrais, orgânicos e

sustentáveis, a princípio de consumo saudável e de menor impacto ambiental.

Foto nº 3 - O presidente JK5 nas obras da rodovia Cuiabá- Porto Velho

A validade dessas iniciativas esbarra na impossibilidade do consumo desses

produtos universalizar-se num modelo econômico de extrema desigualdade; limitando-

se os mesmos aos gastos das classes sociais mais elevadas. Este tipo de oportunismo é

possível: apropria-se, episodicamente, do cinema sob viés ambiental através de autorias

variadas em que o sensacionalismo descortina para o mundo uma série de

acontecimentos em que a condição humana deplora por melhorias de qualidade de vida.

O avanço nas pesquisas em ciências ambientais como a Ecologia e a Biologia

tem suscitado reflexões sobre a perspectiva orgânica de renovação da Natureza, cuja

sobrevivência integral de seus habitats estaria apoiada numa dependência encadeada em

escala planetária. A sociedade humana, nesta perspectiva sistêmica, deveria reintegrar-

se como elemento orgânico da natureza e obedecer suas leis como reconhecimento a

condição inseparável de todos os seres. Essa ideia fundamenta a ação de organizações

sociais supranacionais em defesa de ecossistemas, fauna e flora estratégicos a esta

5 Em menos de 50 anos, a representatividade deste gesto sofreu uma reviravolta por conta de

uma nova consciência ambiental. Em 1960, o presidente da República Juscelino Kubitscheck

comemora, em Vilhena, a derrubada da última árvore para a execução das obras da rodovia.

18

integridade, como: a bacia amazônica, o complexo do pantanal matogrossense, o

Alaska, as baleias, a araucária, os ursos da Mongólia e o povo ianomâmi.

Há nesta visão de mundo, a constatação de um lapso temporal incorrigível entre

o período necessário para a renovação dos recursos naturais utilizados nos processos

produtivos (energia) – a longuíssimo prazo – e a ideia de progresso material das

sociedades de consumo (desenvolvimento) – a curtíssimo prazo. As soluções

experimentadas até o momento apontam para uma contradição entre as expectativas

econômicas de desenvolvimento e as expectativas ecológicas de conservação.

A “Era Nuclear” também inseriu um novo parâmetro temporal na questão

ambiental. Como exemplos dos efeitos ecológicos dos resíduos em acidentes nucleares,

temos o vazamento de Chernobyl, na Ucrânia e a destruição da cápsula de césio 137, em

Goiânia. A repercussão desses acidentes sobre o espaço ecológico é muito superior ao

tempo de vida de dezenas de gerações, suplantando um período costumeiro de gestão

governamental e a tomada de decisões legais.

O tempo de dissolução dos resíduos industriais tem suscitado muitas discussões

sobre o seu destino, o que levou Lawrence Summers (2000), do Banco Mundial a

afirmar: “Acho que a lógica econômica presente na ideia de se jogar uma carga de lixo

tóxico num país de salário mais baixo é impecável; deveríamos enfrentar este fato.”

Em 2010, o filme vencedor do XII FICA – Festival Internacional de Cinema e

Vídeo Ambiental, Hu xiao de jin shu – Heavy Metal, produzido na China, apresentou o

seguinte argumento:

Mais de vinte anos atrás, os resíduos eletrônicos do Japão, EUA,

Austrália e outros países foram transportados para uma pequena

cidade chamada Fengjang. Cerca de 50 mil trabalhadores imigrantes

das partes atingidas pela pobreza do centro-oeste da China formaram

um exército de desmantelamento de resíduos eletrônicos. Eles

decompõem e reciclam, com métodos primitivos cerca de 2 milhões

de toneladas de lixo eletrônico por ano. O filme conta a história de

sobrevivência de duas famílias de trabalhadores, Zhang e Qiu-xia,

escutando seus gemidos e suspiros. (XII FICA, 2010: 49).

Apesar de censurado em seu país, “Heavy Metal”, pôde ser exibido no Brasil e a

partir da repercussão internacional da premiação do XII FICA, a situação dos

trabalhadores de Fengjang aspira uma nova expectativa quanto à observação dos

direitos humanos de terceira geração.

19

O nível de revelação da Natureza, ao longo do século XX, foi extraordinário, o

cinema e a TV registraram imagens e sons e os exibiram com a descrição audiovisual

desde a profundidade dos oceanos às maiores altitudes das cordilheiras, da ictio à masto

fauna, o teor das culturas mais isoladas, os locais mais secos e menos habitados, o solo

da Lua, as erupções dos vulcões, que constituem a memória visual e narrativa

contemporânea destes ambientes, uma ampla reserva passível de atuar por substituição

em tempos de realidades virtuais. É factível que a ocultação, o segredo fossem os

últimos recursos do qual dispunha a Natureza para preservar-se.

As mudanças climáticas, a geopolítica dos recursos hídricos, o caráter negativo

da globalização e a persistência das desigualdades sociais são alguns dos temas

cristalizados com maior intensidade nos filmes, episodicamente exibidos pelas obras

sob viés ambiental, e transformados numa experiência que associa arte e conhecimento.

O acesso às facilidades tecnológicas de produção e edição, em vídeo, e a oferta

pública, em editais de fomento audiovisual, são alguns dos motivos que operaram

algumas mudanças na trajetória do cinema ambiental tanto qualitativas quanto

quantitativas.

É visível o deslocamento dos antigos depoentes de filmes documentários em

realizadores, levando para trás das câmeras lideranças de povos indígenas e de

comunidades extrativistas, exercendo um papel importante na democratização das

representações sociais.

Quanto ao número de produções, multiplicaram-se, expressivamente na última

década, ampliando, não somente, o eixo temático, apresentando escolhas por roteiros

sobre temas da natureza pormenorizada quanto visões macroespaciais. Floresceram

oportunidades de exibição através da organização de Festivais, como6: FICMA

(Barcelona), Ecofilmes (Atenas), Sembrando Cine (Lima), The Dutch Environmental

Film Festival (Amsterdã e Roterdã), Planet in Focus Toronto Environmental Festival

(Toronto), Voices from the Waters (Bangalore), Ekotopfilm (Bratislava) além de canais

de TV educativos e especializados. A presença dos espectadores nos festivais reside

também nas limitadas oportunidades de distribuição destes filmes no circuito comercial

de cinemas e nos canais de TV aberta.

6 Fonte: (FICA – Revista do festival internacional de cinema e vídeo ambiental, ano 1, vol. II,

2010: 72, 73, 74).

20

Neste cenário, o Brasil desponta como lugar de convergência de interesses

ambientais globais: historicamente, o país pensa o seu desenvolvimento de olho na

exploração veloz de imensas riquezas naturais, distribuídas por um território

continental. Assiste, cotidianamente, à ocorrência de conflitos ambientais, quer em

relação a disputas fundiárias entre nativos indígenas, garimpeiros e proprietários rurais,

quer casos alarmantes, de episódios de caráter fundiário na Amazônia, por exemplo

onde ocorreram o massacre da gleba Corumbiara (1985), o assassinato do líder sindical

Chico Mendes (Xapuri-Acre, 1989), o massacre de Eldorado de Carajás (1996) e o

assassinato da missionária Dorothy Stang (2008).

No país, desponta uma produção audiovisual da qual se pode extrair uma leitura

ambiental há pelo menos 50 anos, quando teve início a trajetória contemporânea do

cinema ambiental nacional com “Arraial do Cabo”, de Paulo Cesar Saraceni e Mario

Carneiro e “Aruanda”, de Linduarte Noronha, documentários brasileiros sobre o

cotidiano de comunidades pesqueira e quilombola, respectivamente.

Para a realização da hipótese – a que se propõe o estudo – esse apresenta como

metodologia, uma revisão teórica dos conceitos de luta por reconhecimento e de direitos

humanos de terceira geração, sobreposto aos filmes ambientais analisados.

Com o objetivo de situar a fundamentação teórica proposta, as obras de cinema

ambiental serão exemplificadas em epígrafe nas Partes II e III da dissertação e ilustradas

com fotografias representativas de seu argumento. Na Parte IV, estão apresentadas

particularidades específicas a três filmes do gênero ambiental de maior repercussão de

público e crítica no segmento cinético. Na Parte V há uma relação histórica da produção

nacional de filmes ambientais a partir dos anos 60. A dissertação finaliza-se com as

considerações finais e os referenciais bibliocinematográficos.

Foto nº 4 - “Mataram a Irmã Dorothy”, filme de Daniel Junge, (2008).

21

PARTE II - A luta por reconhecimento

Vilarejo na fronteira entre a Cisjordânia e Israel, Budrus ocupou as

manchetes em 2003, quando foi palco de um inusitado protesto não-

violento. O motivo foi o anúncio da construção de um muro pelos

israelenses que destruiria oliveiras históricas e economicamente

importantes. À frente do movimento estava Ayed Morrar, cuja

liderança comunitária e pacifista uniu em torno da causa facções

palestinas rivais, como a Fatah e o Hamas, e judeus progressistas.

Também importante para a mobilização foi IItezam, a filha de

Morrar, que conseguiu uma adesão maciça de mulheres. Ouvindo

todos os lados envolvidos, a diretora brasileira de origem libanesa

Júlia Bacha, monta um amplo painel de uma situação explosiva no

Oriente Médio que encontrou solução por via pacífica. (É tudo

verdade, 2010: 26).

Embora este filme seja sobre uma aldeia palestina, ele conta uma

história muito maior sobre o que é possível no Oriente Médio. Ayed

conseguiu fazer o que muitas pessoas acreditavam ser impossível:

uniu facções políticas locais palestinas, incluindo Fatah e Hamas;

trouxe as mulheres para o centro da luta, ao incentivar a liderança de

sua filha IItezam; e recebeu de braços abertos centenas de

israelenses, em território palestino pela primeira vez, convidando-os

a participar desta iniciativa pacifista.Enquanto muitos documentários

sobre o conflito palestino-israelense romantizam a noção de paz, ou

mergulham no sofrimento das vítimas do conflito, este filme se foca

no sucesso de um movimento pacifista liderado por um palestino.

(BACHA, 2010: 27)

Da luta por autoconservação à luta por reconhecimento

Seria o termo “luta por reconhecimento” aplicável àquelas [lutas] relativas aos

direitos humanos de terceira geração, frequentemente expressas nos filmes sob viés

ambiental?

O uso literal do termo “luta por reconhecimento” evoca uma discussão sobre sua

aplicabilidade quanto à atribuição esclarecedora-sensibilizadora apropriada pelo cinema.

Devido a seu maior teor investigativo e libertário para revelar novas realidades sociais

observáveis – como a terceira geração de direitos humanos – acreditamos que os filmes

permitam essas percepções eficientemente, se comparados a outras abordagens

midiáticas de história mais recente. A linguagem cinematográfica, amadurecida por uma

trajetória centenária, utiliza-se de recursos artísticos de sensibilização como a música, a

dança, a poesia e a fotografia. Ainda conta com as linhas de dramaturgia que, em

especial no gênero documentário, inserem às obras linhas melodramáticas ao explorar a

realidade social dos testemunhos. Como nas obras literárias consagradas, o gênero

22

documentário dispõe de uma voz do narrador que influencia a condução dos fatos, em

que pese a relativa perda da inocência do espectador contemporâneo.

Com o auxílio do léxico Grand Robert de la langue française, segundo Ricoeur

(2006), “reconhecer” seria:

“I. Apreender (um objeto) pela mente, pelo pensamento, ligando

entre si imagens, percepções que se referem a ele; distinguir,

identificar, conhecer por meio da memória, pelo julgamento ou pela

ação.

II. Aceitar, considerar verdadeiro (ou como tal).

III. Demonstrar por meio de gratidão que se está em dívida com

alguém (sobre alguma coisa, uma ação)”. (RICOEUR, 2006: 22-23 )

Quanto ao sentido filosófico do termo, apresenta-se a seguir um breve histórico

de seu tecido constitutivo:

A atualização histórica do significado do termo “luta por reconhecimento”

devemos à tese de livre docência do pensador Axel Honneth, da Universidade de

Frankfurt-Main7. Honneth recorre aos escritos do pensador alemão Hegel, em sua fase

em Jena, para esclarecer-nos sobre a necessidade primeira da presença de motivação

moral no florescimento das ações de “lutas por reconhecimento”. Hegel investigou, em

sua filosofia, os mecanismos sociais mais importantes nas formas de reconhecimento e

reciprocidade para a integração de uma comunidade ética. A vivência dos sentimentos:

amor, respeito e estima, constituem para Hegel, uma prática associada à formação da

identidade pessoal, portanto requer um reconhecimento íntimo, refletido em sua

opinião, nas relações pessoais onde surge a reciprocidade. As suas reflexões originaram-

se na observação dos conflitos imperantes nas relações familiares.

Hegel motivado por um novo panorama socioeconômico em curso na Europa

propusera uma mudança teórica relativa ao pensamento político vigente em Maquiavel e

Hobbes. As revoluções burguesas irradiaram pelo continente uma possibilidade concreta

de legitimação do regime democrático, sepultando um dos pilares mais resistentes da

hierarquia social: a ordenação perpétua segundo critérios de nascimento.

Os ares da liberdade soprados pela Revolução Francesa influenciaram de ideais

reformistas os pensadores alemães, cuja nação vivia uma conjuntura mista de

7 Instituição em cujo Departamento de Filosofia Social, fundado em 1924, por Max Horkheimer,

Felix Weil e Friedrich Polock notabilizaram-se os estudos do Instituto de Pesquisa Social,

responsável pelas pesquisas da Teoria Crítica (Escola de Frankfurt).

23

despotismo na política e feudalismo na economia. Hegel (1996), afirma, em Jena,

ocupada pelas forças de Bonaparte: “Vi o imperador – esta alma do mundo – cavalgar

pela cidade, em visita de reconhecimento: suscita, verdadeiramente, um sentimento

maravilhoso a visão de tal indivíduo, que, abstraído em seu pensamento, montado a

cavalo, abraça o mundo e o domina.” (HEGEL, 1996: 7 grifos do autor).

As duas principais doutrinas políticas que outrora inspiraram a condução dos

Estados Nacionais Modernos por seus soberanos – o Príncipe, de Maquiavel e o

Leviatã, de Thomas Hobbes – concebiam a política como um conceito social sobre a

luta por autoconservação física, num cenário de competição individual hostil, de

preocupações do bem estar pessoal no futuro. “O conceito de homem como um ser

egocêntrico, atento somente ao proveito próprio”, segundo Honneth (2009), justificaria

a presença de um soberano absoluto a mediar toda a sorte de conflitos pessoais

originados por esta competição.

A supremacia dos governantes, então, esteve vinculada ao controle das

aspirações individuais para a manutenção do Rei em seu Estado absolutista. O século

que separa no tempo as duas obras, “O Príncipe” e “O Leviatã” foi suficiente para

transformar as suposições de Maquiavel em perspectiva fundamentada cientificamente

por Hobbes (a ciência política), ao sabor das discussões recém-enumeradas por Galileu

e a ciência moderna.

Portanto, consideramos necessário esclarecer, brevemente, alguns tópicos de

duas obras desses pensadores para reativar tanto sua importância histórica como a

proposição de uma fundamentação teórica construída por oposição, em Hegel, sobre o

potencial motivador moral de uma “luta por reconhecimento”.

O conceito de luta por autoconservação

I - O Príncipe – Maquiavel

Não ignoro que a natureza invejosa dos homens, sempre prontos a

criticar e lentos a elogiar a ação dos outros, torna toda descoberta de

novas ordens e modos tão perigosa para seu autor quanto é para os

navegadores a procura de mares e terras desconhecidas. No entanto,

animada por esse desejo, que me leva sem cessar fazer o que é

vantajoso para todos, me determinei a abrir uma rota ainda não

trilhada na qual, sem dúvida, terei muita dificuldade de caminhar.

Maquiavel (Discorsi-proemio)

24

Niccolò Machiavelli (Florença, 1469-1527), foi secretário da república

principesca italiana, onde nascera, e que lhe serviu de inspiração em várias obras de sua

autoria como O Príncipe e Mandrágora. Maquiavel protagonizou, no cenário local,

momentos políticos cruciais, atuando na resolução de conflitos diplomáticos entre

Florença, seus vizinhos e a Igreja. Caminho comum trilhado por pensadores

renascentistas, Maquiavel tomou a releitura de autores clássicos (como Tito Lívio), em

seu fundamento teórico, exemplificado em sínteses comparativas elaboradas entre a

política das cidades-estado das sociedades clássicas (greco-romanas) e os estados

italianos.

Em sua cidade natal, o poder econômico das atividades mercantis pareceu

suplantar o rito tradicional que legitimava os nobres no poder. O cotidiano do Estado,

envolto em guerras, na Itália (entre os século XV e XVI), será o pano de fundo

inspirador da principal obra de Maquiavel, O Príncipe, “para quem a finalidade da arte

política é a manutenção da República”. (NASCIMENTO, 1998: 16 ). No entanto, a

burguesia florentina nascente chegou ao poder contestada. A casa financeira dos

Médicis é derrubada em 1494, retorna ao poder de Florença de 1512 a 1527, quando é

espoliada do poder novamente, agora por Carlos V, imperador do Sacro Império

Romano-Germânico.

Para Martins (1996), “A ilegitimidade do poder [que impera em pequenos

principados...governados por casas reinantes sem tradição dinástica] gera situações de

crise e instabilidade permanente, onde somente o cálculo político, a astúcia e a ação

rápida e fulminante contra os adversários são capazes de manter o príncipe.”

O manual de instruções políticas de Maquiavel (O Príncipe) discute o uso da

força militar e de medidas preventivas, como a auto-destruição de cidades para a

manutenção do poder. A militarização se faz necessária para conter tanto a oposição

interna quanto as ameaças externas: pelo uso de forças disponíveis; através de os

condottiere – milícias organizadas e dispendiosas – e através da militarização da

população ou do “cidadão soldado”. A prática parece ser tão comum na Europa

moderna que o historiador renascentista Buckhardt (1990), cita de seu anedotário:

Outrora, os habitantes de uma cidade – pelo visto, trata-se de Siena –

tiveram um general que os libertou da pressão estrangeira. Todos os

dias consultavam-se para saber como recompensá-lo, e concluíram

que não tinham em seu poder qualquer recompensa à sua altura, nem

mesmo se convertessem-no em senhor da cidade. Finalmente, um

25

deles levantou-se e sugeriu: Matemô-lo e então adorêmo-lo como

santo padroeiro da cidade”. E dizem que assim se fez com ele, à

semelhança do que fizera o Senado romano com Rômulo.

(BUCKHARDT, Jacob apud GAY, Peter, 1990: 131)

Pressionados pelo novo quadro – que se avizinhava – de transição entre o poder

descentralizado (feudal) e a constituição dos primeiros estados nacionais europeus com

bases mercantis, as potências europeias como a França e a casa dos Habsburgos, (ávidos

por novas conquistas territoriais estratégicas para o mapa europeu), executam uma série

de invasões ao território italiano. Pelo hábito de governar que se tornou práxis na

Modernidade (depotismo), restaram alguns conceitos inconvenientes dos princípios

maquiavélicos, conforme Houaiss (2001):

Maquiavélico: 1 - relativo a ou próprio do maquiavelismo; em que

há maquiavelismo; maquiavelista. Ex.: doutrina m., princípios m. 2 -

Derivação: sentido figurado. que envolve perfídia, falsidade; doloso,

pérfido Ex.: plano m. 3 - Derivação: sentido figurado. que se

caracteriza pela astúcia, duplicidade, má-fé; ardiloso, velhaco. Ex.:

governante m.

O cenário social de mudanças dos tempos modernos em que viveu Maquiavel, é

marcado por transformações em quatro sentidos: político, com o absolutismo moderno;

científico e cultural, pelo renascimento; econômico, com as grandes navegações e

religioso, pela reforma protestante.

II - O Leviatã – Thomas Hobbes

Esse mesmo ambiente tido como uno e limitado pode ser evocado

para explicar a ocorrência de conflitos de formato hobbesiano, onde

um mundo materialmente escasso estaria submetido à ação das

figuras do individualismo possessivo com desejos sem limites.

(ACSELRAD 2004: 14).

Como é possível deduzir desse excerto de Acselrad (2004), o núcleo do

pensamento hobbesiano continua a suscitar reflexões e pontuar as “teorias” em Ciências

Sociais, notadamente quando pensamos em conflitos contemporâneos que requeiram a

imposição de limites aos desejos humanos pela mediação do Estado.

Thomas Hobbes de Malmesbury (Aldeia de Westport, 1588- 1679) acreditava

que as pré-condições naturais de igualdade física e intelectual entre todos os homens os

colocavam em constante disputa por direitos universais de autoconservação, Essa luta,

estaria na raiz de suas afirmações mais conhecidas: “o homem é lobo do homem” e “a

26

guerra de todos contra todos”. Hobbes supunha que os homens, contraditoriamente,

geravam esta violência para vivenciar momentos de paz, acordados por um pacto ou

contrato social, afirmara:

O maior dos poderes humanos é aquele que é composto pelos

poderes de vários homens, unidos por consentimento numa só

pessoa, natural ou civil, que tem o uso de todos os seus poderes na

dependência de sua vontade: é o caso do poder de um Estado.

(HOBBES, 1997: 83).

Essas características vinculadas ao direito natural da sociedade humana,

assinaladas por Hobbes, a diferenciavam das demais sociedades, cooperativas

naturalmente, como as abelhas e formigas. O pensador inglês assistiu às mudanças

provocadas pela ascensão do Parlamento na Inglaterra, após o período entre as

revoluções burguesas e Revolução gloriosa. Carlos I foi decapitado e mesmo após a

restauração da monarquia, ela foi submetida ao Parlamento. As guerras européias

( como a dos 30 anos), influenciaram o pensamento hobbesiano, temerário da violência

e carnificina que assistira, conforme assinala Kennedy (1989):

Quando Luís XIV assumiu a direção plena do governo francês, em

março de 1661, o cenário europeu era particularmente favorável a

um monarca disposto a impor-lhe suas opiniões. Ao sul, a Espanha

ainda se esgotava na tentativa inútil de recuperar Portugal. Do outro

lado do Canal da Mancha, uma monarquia restaurada sob Carlos II

tentava pôr-se de pé, e nos círculos comerciais ingleses havia um

grande ciúme dos holandeses. (KENNEDY, 1989: 104).

O conceito de estado de natureza em Hobbes não designa as primeiras formas de

socialização do homem, trata-se de um exercício de suposições acerca do

comportamento social subtraído da presença do Estado Moderno. Para isso, seria

necessária a presença do Leviatã (Houaiss, 2001):

Leviatã: 1. monstro marinho do caos primitivo, mencionado na

Bíblia, e cujas origens remontariam à mitologia fenícia; encarna a

resistência oposta a Javé ou Jeová pelos poderes do mal. 2.

Derivação: por metáfora, por extensão de sentido. Rubrica: política.

o Estado, como soberano absoluto e com poder sobre seus súditos

que assim o autorizam através do pacto social [O termo foi retomado

no s. XVII por Thomas Hobbes (1588-1679) que assim designa o

Estado moderno, não para marcá-lo como arbitrário ou despótico,

mas para defendê-lo como poder absoluto.]3. Derivação: por

extensão de sentido. Rubrica: política. O Estado totalitário provido

de vasta burocracia. 4. Derivação: por analogia (da acp. 1).ser ou

27

coisa colossal, de aparência monstruosa. 5. qualquer coisa de

dimensões colossais.

O conceito de luta por reconhecimento recíproco

Em Hegel, encontraremos uma guinada teórica crítica a respeito da validade do

contrato social, especificamente, quanto a sua determinação de localizar

circunstancialmente a presença de motivação moral no surgimento da “luta por

reconhecimento”. Sob o ponto de vista de Hegel:

O direito é a relação da pessoa em seu procedimento para com o

outro, o elemento universal do seu ser livre ou a determinação,

limitação de sua liberdade vazia. Essa relação ou limitação, eu não

tenho por minha parte de maquiná-la ou introduzi-la de fora, o

próprio objeto é esse produzir do direito em geral, isto é, a relação

que reconhece. (HEGEL apud HONNETH, 2009:85).

Esta reflexão indica uma disposição prévia, íntima, em que aparece a

necessidade pessoal de reconhecimento recíproco, procedente às aspirações contratuais

perante o direito natural. Para Hegel, no momento anterior ao pleito do indivíduo pelos

direitos derivados do contrato social, é que está localizado o potencial das motivações

morais. A sua concepção indica a necessidade de os indivíduos sentirem-se

reconhecidos, mutuamente, antes de quaisquer conflito. Para confirmar a elaboração da

questão, Hegel, reafirma:

No reconhecer o si cessa de ser esse singular, ele está juridicamente

no reconhecer, isto é, não está mais em seu ser-aí imediato. O

reconhecido é reconhecido como válido imediatamente, por seu ser,

mas precisamente esse ser é gerado a partir do conceito; é ser

reconhecido. O homem é necessariamente reconhecente. Essa

necessidade é a sua própria, não o nosso pensamento em oposição ao

conteúdo. Como reconhecer, ele próprio é o movimento, e esse

movimento supera justamente seu estado de natureza: ele é

reconhecer. (HEGEL apud HONNETH, 2009:85).

Estas afirmações, em resumo, creditam ao sentimento de desprezo social

segundo Hegel, o florescimento das principais ações motivadoras das lutas por

reconhecimento recíproco. Uma transformação do pensamento em Hobbes quanto a sua

concepção de luta para assegurar a autoconservação física em um ambiente de

competição social. O autorrespeito proveniente do sentimento de amor próprio perante

as relações recíprocas asseguraria a iniciativa da luta por reconhecimento: uma luta

moralmente motivada. A partir de percepções particulares, esse potencial moral de “luta

28

por reconhecimento” poderia ser generalizado e acarretar o desenvolvimento de

conflitos sociais. Como? Através de uma linguagem comum motivar os movimentos

sociais.

Para Honneth (2009), “(...) a experiência de desrespeito está ancorada nas

vivências afetivas dos sujeitos humanos, de modo que possa dar, no plano motivacional,

o impulso para a resistência social e para o conflito, mais precisamente, para uma luta

por reconhecimento.”

Foto nº 5 - “Budrus”, filme de Júlia Bacha (2010).

Contudo, o interesse do presente trabalho na utilização do sentido filosófico do

termo “luta por reconhecimento”, em Hegel, é somente vislumbrar a tentativa de uma

aproximação teórica entre a novidade do amplo painel de reivindicações por direitos

humanos de terceira geração exibidos nos filmes sob viés ambiental. O seu potencial é

capaz de despertar e sensibilizar o florescimento dos sentimentos morais que motivem

as ações políticas pelas quais clamam os movimentos sociais “verdes”. Haveria nesta

reivindicação comunicativa, um poder catalisador.

Uma expressão desta tentativa de aproximação teórica que ilustra nosso interesse

pelo assunto é exemplificando a teoria da “luta por reconhecimento” pelas afirmações

de Nobre (2009):

A reconstrução da lógica dessas experiências do desrespeito e do

desencadeamento da luta em sua diversidade se articula por meio da

análise da formação da identidade prática do indivíduo num contexto

prévio de relações de reconhecimento. E isto em três dimensões

29

distintas, mas interligadas: desde a esfera emotiva que permite ao

indivíduo uma confiança em si mesmo, indispensável para os seus

projetos de autorrealização pessoal, até a esfera da estima social em

que esses projetos podem ser objeto de um respeito solidário,

passando pela esfera jurídico-moral em que a pessoa individual é

reconhecida como autônoma e moralmente imputável,

desenvolvendo assim uma relação de autorrespeito. No entanto, é

somente nas duas últimas dimensões que Honneth vê a possibilidade

de a luta ganhar contornos de um conflito social, pois na dimensão

emotiva não se encontra estruturalmente, segundo ele, uma tensão

moral que possa suscitar movimentos sociais, o que não faltaria às

formas de desrespeito como a privação de direitos e a degradação de

formas de vida, ligadas respectivamente às esferas do direito e da

estima social. (NOBRE apud HONNETH, 2009: 18).

Portanto, a “luta por reconhecimento” obedece a uma lógica articulada de

atitudes e percepções que consiste na ultrapassagem das seguintes etapas pelo

indivíduo: em primeiro lugar, por relações fundamentadas em sentimentos como o amor

e a amizade, relacionados ao campo emotivo, necessários ao sujeito para aquisição de

autoconfiança, imprescindível para sua autorrealização pessoal; em segundo lugar,

atuariam as relações jurídicas fundamentadas em direitos; nesta etapa jurídica e moral o

sujeito é reconhecido e atribuível de significados morais associados a sentimentos de

autorrespeito; a terceira etapa é aquela relativa à estima social, em que as aspirações do

sujeito em termos de autorrealização pessoal conduzem a uma experiência de

solidariedade reconhecida como autoestima.

Segundo Nobre (2009), “(...) interessam-lhe aqueles conflitos que se originam de

uma experiência de desrespeito social, de um ataque à identidade pessoal ou coletiva,

capaz de suscitar uma ação que busque restaurar relações de reconhecimento mútuo ou

justamente desenvolvê-las num nível evolutivo superior.” (NOBRE, 2009: 18).

A aproximação teórica ao conceito de luta por reconhecimento, vista aqui tanto

no sentido literal quanto filosófico, permite utilizá-la como modelo a ser sobreposto à

questão dos direitos humanos de terceira geração. A seguir, propõe-se uma discussão

sobre a trajetória de estabilização deste novo conceito – direitos humanos de terceira

geração – e as possibilidades de enquadramento ao amplo repertório temático do cinema

ambiental.

A constatação por se tratarem de obras documentais, a princípio não ficcionais,

transformam-se, textualmente, em experiências testemunhais imagético-sonoras bem

evidenciadas de luta por reconhecimento de direitos humanos de terceira geração,

aquelas vinculadas à integridade do ambiente. Estes testemunhos funcionam como

30

instrumento de convencimento à adesão pelas suas lutas ao público espectador,

cumprindo suas finalidades éticas8 de arte-conhecimento.

Quadro I

O esquema geral descritivo da teoria do reconhecimento por Honneth (2009) :

Objeto de reconhecimento/ Indivíduo Pessoa Sujeito

Modo de reconhecimento (carências

(autonomia

(particularidade

concretas)

formal)

individual)

Intuição Família

(afetivo) (amor)

Conceito Sociedade civil

(cognitivo)

(direito)9

Intuição intelectual Estado

(afeto que se tornou

(solidariedade)

racional)

Fonte: (HONNETH, 2009: 60)

8 Este compromisso está expresso no inciso I do Código de Ética do Fórum Nacional de

Organizadores de Eventos Audiovisuais. “I – A finalidade em si de um festival é promover o

produto audiovisual, respeitando-o como manifestação artística, formando e informando o

público.” (XII FICA, 2010: 13).

9 Localizada no centro do esquema geral de Honneth e no meio da trajetória entre as aspirações

individuais e o Estado, a arregimentação da sociedade civil pode garantir o sucesso das

reivindicações por direitos humanos de terceira geração.

31

PARTE III – Globalização, democracia e direitos humanos: cenários

No momento em que procuram realizar um filme sobre a reunião de

famílias dispersas por guerras, organizadas pela ONU entre os

refugiados do território do Saara Ocidental, há três décadas

disputado pelo Marrocos e a Frente Polisário, os cineastas Violeta

Ayala e Dan Fallshaw descobrem-se repentinamente no centro de

um turbilhão. Depois que os relatos dos saaráuis negros comprovam

a persistência de relações de escravidão deles em relação aos árabes,

em pleno século XXI e debaixo do nariz da ONU, os diretores

passam a correr enormes riscos. Neste terreno minado pelo

entrechoque feroz de vários interesses, eles têm de recorrer a um

mirabolante esquema para salvar não só os preciosos rolos de seu

filme, como sua própria vida. (É tudo verdade, 2010: 40).

As duas primeiras viagens aos campos foram tranqüilas, mas na

terceira, tudo mudou quando descobrimos a escravidão. Desde o

momento em que a frente Polisário percebeu que nós filmávamos

algo que era de seu desagrado, tentaram nos deter. Fomos presos,

oficiais militares da ONU vieram e a embaixada australiana em Paris

negociou nossa libertação da Argélia, um dos países mais perigosos

do mundo. Escondemos nossas fitas no deserto, torcendo para que

alguém as contrabandeasse para fora do país. Ao tentar recuperá-las,

acabamos nos metendo numa queda de braço política entre a FP e

Marrocos. Por 18 meses, éramos só nós dois, nossas pequenas

câmeras e sem nenhuma cópia de segurança, com a FP e Marrocos

na nossa vida. ( FALLSHAW; AYALA, 2010: 41).

A questão ambiental e a discussão paradigmática das ciências

Antecedentes – cenários

O funcionamento dinâmico da economia em escala planetária fez surgir uma

série de superações teóricas colocadas no campo das ciências sociais. As novas

fronteiras de atuação do mercado desregulamentado colocaram em xeque as políticas

públicas de desenvolvimento dos Estados nacionais, com impacto contundente à

soberania política; novos obstáculos foram colocados aos países “periféricos” no

sentido de integrar-se à ordem econômica mundializada. O funcionamento do livre

comércio e o imperativo da desregulamentação exprimem o futuro da economia sem

fronteiras e aparentemente sem limites.

Porém, um empecilho aos países da periferia da economia mundializada surgiu.

É um novo componente de respeito à ordem democrática internacional: o respeito às

normas ambientais. As imagens de desflorestamento, queimadas e outras técnicas

rudimentares da relação sociedade-natureza assumem nesta nova ordem um caráter de

sérias implicações comerciais.

32

Já nos países considerados industrializados, não é raro observar, rotineiramente,

representações sociais em que manifestantes de rua pleiteiam integridade nos planos de

seguridade social ou protestos anti-globalização, como os que sacudiram Seattle10

e o

entorno das reuniões do G-7 – grupo dos sete países mais ricos do planeta. A duração do

estado de bem estar social em alguns países aparece sob ameaça antes de sua desejada

universalização. As crises econômicas pelas quais passam, em princípios do século

XXI, Grécia e Portugal põem em risco a continuidade das políticas públicas do welfare

state.

O comportamento das forças de acumulação capitalista neste cenário

desregulamentado em que a economia mundial funciona a partir de economias

nacionais, tem, como desafio, administrar um limite ecológico. A discussão sobre a

validade dos paradigmas científicos, a despeito de uma possível crise ambiental global,

surgiu a propósito dos limites ecológicos do desenvolvimento econômico, constatados

nos inícios dos anos 70 pelo Clube de Roma e, teoricamente, por Meadows (1972),

sobre os limites do crescimento:

Se as atuais tendências de crescimento da população mundial –

industrialização, poluição, produção de alimentos e diminuição de

recursos naturais – continuarem imutáveis, os limites de crescimento

neste planeta serão alcançados algum dia dentro dos próximos cem

anos. O resultado mais provável será um declínio súbito e

incontrolável, tanto da população quanto da capacidade industrial.

(MEADOWS apud BRÜSEKE, 1985: 30).

Decorridos aproximadamente 40 anos desta afirmação, o discurso da

sustentabilidade tornou-se uma premissa da preocupação da ONU – Organização das

Nações Unidas – para que sejam asseguradas, no presente, às futuras gerações, os

recursos naturais condizentes com a satisfação de suas próprias necessidades.

(Comissão Brundtland, 1987)11

. Para as ciências sociais, o significado da crise

ambiental está além de quantificações e limites pois a relação entre sociedade-natureza

possui significados históricos e culturais que ensejam os conflitos pela posse e

exploração deste patrimônio material.

10

O filme Surplus do diretor Erik Gandini (2003) premiado na VII edição do FICA descreve as

cenas dos acontecimentos em Seattle e oferece uma ampla discussão sobre os malefícios sociais

da economia globalizada.

11 Fonte: (BRÜSEKE, 1995: 33)

33

Para Altvater (1999), “os paradigmas podem mudar porque o poder explicativo

dos conceitos teóricos falha diante de desafios históricos”. (ALTVATER, 1999:110). As

análises do campo econômico, por exemplo, que fundamentaram-se tendo por modelo

as sociedades beneficiadas pelo estado de bem estar social, tem como desafio a

superação deste modelo, num cenário de desregulamentação do mercado e o surgimento

dos limites do espaço ambiental.

Foto nº 6 - “ Roubados”, filme dos diretores Dan Fallshaw/ Violeta Ayala (2009).

Este novo paradigma científico – relativo aos limites do crescimento econômico

– surgiu há algumas décadas, e por conta de alguns acontecimentos sintomáticos, como

exemplificados:

a) crescimento e adensamento populacional urbano;

b) crescimento industrial acelerado;

c) destruição das florestas tropicais: pobreza e superexploração dos recursos

naturais em África, Ásia e Ámérica Latina.

Com o passar do tempo, esses fenômenos tornaram-se conhecidos e sua difusão

por veículos de comunicação cooperaram para a constatação de uma crise ambiental

global.

Para assegurar a trajetória de assimilação dos direitos humanos de terceira

geração, aqueles vinculados ao direito à integridade do ambiente, a seguir, distingue-se

um esquadrinhamento geral do assunto, em oito subtítulos propostos por Altvater

(1999), ilustrados por recortes temáticos do cinema ambiental contemporâneo,

apresentados em epígrafe, a seguir:

34

I “Tempo , espaço, procedimentos e substância da democracia”

“Os Representantes”, de Felipe Lacerda (2009): Quando começa a

acompanhar a instalação de um gabinete de crise para atender

problemas causados pela seca na Amazônia, em outubro de 2006, o

documentarista Felipe Lacerda descobre a ponta de um iceberg no

mecanismo de distribuição de cestas básicas, investigando o controle

exercido por José Melo, um deputado ligado ao governo estadual

amazonense, o cineasta embrenha-se por vilas ao redor da região de

Boas Novas (AM). Nessa pequena localidade, encontra o vereador

Quinho um perfeito interlocutor para revelar, muitas vezes

inadvertidamente, alguns meandros do varejo da política brasileira.

Em torno do vereador, articula-se uma rede clientelista, que distribui

favores, transporte e refeição a eleitores em dias de votação – o que

é vetado por lei – e mesmo dinheiro. (É tudo verdade, 2010: 58).

Fui para a Amazônia tentar entender como a população enfrentava a

maior crise ambiental da sua história e terminei por encontrar o

microcosmo da política brasileira.Depois de ter feito esse filme, não

consigo olhar a política sem questionar a legitimidade da democracia

representativa em uma sociedade desigual como a brasileira.O

controle dos meios de comunicação, a articulação com a Igreja, o

baixo nível educacional do país, a propaganda política institucional e

a manipulação das esperanças se articulam de maneira perversa para

a perpetuação de um sistema de poder baseado no assistencialismo

imediatista e na manutenção da miséria. (LACERDA, 2010: 59).

A democracia moderna é um regime político baseado em delimitações espaço-

temporais que asseguram a governabilidade dentro das fronteiras do tradicional Estado

nacional, onde ocorrem as deliberações políticas e a cidadania. Este vínculo histórico é

fruto de uma centralização política ocorrida no início dos tempos modernos e que

substituiu uma tradição anterior de política descentralizada conhecida, genericamente,

na Europa como feudalismo.

A formação dos Estados nacionais modernos esteve baseada em questões

territoriais, culturais e econômicas, mas a adoção de regimes democráticos é mais

recente, inaugura a “Era contemporânea” e a superação dos estados absolutistas –

monárquicos. Trata-se de uma conquista dos movimentos revolucionários

fundamentados nos ideais iluministas. Estas conquistas históricas estão ameaçadas por

uma realidade econômica de integração dos mercados mundiais.

Ainda não ocorreu a adoção da democracia para a governança global, embora já

ocorra uma gestão econômica ou exercício de poder dos mercados em dimensões

planetárias e uma demanda internacional significativa sobre o governo de reservas

florestais, como a região amazônica. Esses fenômenos abalam a confiança da soberania

35

política local que, neste contexto, está sob vigilância constante em relação a

procedimentos democráticos formais, uma exposição às restrições sistêmicas do

mercado.

Mas ainda há a necessidade de fronteiras que garantam o exercício democrático

de alguns procedimentos formais. A cidadania, o voto, o recurso ao direito estabelecido

de indivíduos e dos povos ocorrem em territórios nacionais. A história da democracia

revela que as conquistas relativas a direitos formais e substanciais deste regime

transformaram-se em padrões sociopolíticos originados com o iluminismo. Em resumo,

procedimentos e tempo de tomada de decisão democráticos constituíram-se a partir de

delimitações espaço-temporais relacionadas, diretamente, à cidadania baseada em

igualdade material e substancial.

Na história do pós-guerra ocorreu a consolidação do estado de bem estar social

coletivo como conquista ou reivindicação, em curso na Europa, perante os Estados

nacionais vigidos pela ONU como direitos sociais, econômicos e culturais, sob os

limites físicos destes estados, onde tradicionalmente operam os mecanismos de

reivindicação da democracia.

A partir dos anos 60, para Altvater (1999), o que mudou neste panorama foi a

exigibilidade de novos direitos:

Os direitos humanos tradicionais – da “primeira” e da chamada

“segunda” gerações – têm que ser complementados pelos da

“terceira” geração, reivindicação que vem ganhando cada vez mais

força. Portanto, direitos humanos compreendem também direitos de

indivíduos (e povos) em relação à integridade da natureza, isto é, do

meio ambiente em que os seres humanos vivem. A primeira geração

de direitos humanos se formou a partir de reivindicações de

indivíduos contra violações cometidas por agentes econômicos,

Estados, instituições políticas e agentes sociais; a segunda geração

combateu as violações, mesmo indiretas ou estruturais, à integridade

pessoal ou social, além de abranger o direito a um desenvolvimento

cultural, econômico e social autônomo, contra os obstáculos

resultantes de uma ordem internacional injusta; a terceira geração

inclui os direitos relativos à integridade ambiental. Além do direito

ao desenvolvimento, à justiça social e ao acesso à riqueza natural, a

integridade ambiental tornou-se uma questão em destaque, em

função da crise ambiental aguda. (ALTVATER, 1999: 115).

A partir destas afirmações esclarecedoras a respeito da existência destes direitos

humanos de terceira geração, pergunta-se como eles se manifestam no cenário atual de

mundialização?

36

Uma característica comum aos países tidos como desenvolvidos refere-se ao

atendimento pleno aos direitos humanos de primeira e segunda geração a partir do

término da segunda guerra mundial, “(...) tornaram-se pré-requisito para o discurso

democrático moderno”, Altvater (1999: 116). No entanto, esta ordem democrática

vivencia no momento os seguintes riscos: por um lado a constatação de limites

ecológicos inesperados; de outro, o enfraquecimento da soberania política local, em

função da sua superação por deliberações de ordem econômica.

A história européia revela os passos que levaram à lenta e gradativa

incompatibilização entre as fronteiras das políticas nacionais e a inexistência delas para

o funcionamento dinâmico da economia em escala mundial. O aparecimento

simultâneo tanto dos estados nacionais quanto dos mercados mundiais ocorreu devido

às grandes navegações e o Renascimento artístico, comercial e científico, que

significaram o sucesso do modelo imperialista europeu.

Para Altvater, “(...) a economia se separa do controle social e subjuga a

sociedade às leis de acumulação capitalista e da racionalidade que lhe é inerente.”

(ALTVATER, 1999: 117).

Foto nº 7 - “Os Representantes”, filme de Felipe Lacerda (2009).

A racionalidade praticada pela economia mercantilizada não combina

certamente, com os termos da política nacional. Para o núcleo decisório da economia as

fronteiras nacionais inexistem ou interessam apenas no sentido especulativo dos

mercados, acarretando “(...) uma tensão crescente entre globalização e estados

37

nacionais, restrições sistêmicas e desregulamentação política.” (ALTVATER, 1999:

117).

O conflito entre a necessidade de formalização no campo das decisões políticas e

a presença material em torno das questões sociopolíticas sofrem no momento, um

processo de intensificação, “Isso indica uma perda de controle político-administrativo

sobre as variáveis econômicas essenciais.” (ALTVATER, 1999: 117). É um processo

típico dos inícios da modernidade que colocam em choque, dois tipos de interesse: (1) -

os Estados nacionais soberanos que, numa relação binária (entre amigo e inimigo,

cidadão e estrangeiro), estabeleceram uma ordem política internacional de respeito

mútuo e de amplos benefícios ao cidadão reconhecido oficialmente; (2) - o mercado

mundializado que tem sua potência na contínua competição e não em inimigos. Desta

forma, o cenário atual, caracterizaria-se para Altvater (1999):

(...) o mercado desregulamentado segue sua racionalidade sem

compromissos, oferecendo uma utopia intimidadora e não amigável,

por causa de sua destrutividade ecológica... Consequentemente,

enquanto a racionalidade econômica, em sua forma pura, é a

desregulamentação, a forma pura de racionalidade política é a

regulamentação. A desregulamentação econômica prejudica a

soberania política – e, portanto, a capacidade de regulamentação

política – e vice-versa: a regulamentação política é um meio de

controlar e comprometer a racionalidade econômica. (ALTVATER,

1999: 118).

II “A incongruência de ordens”

“Morrendo em Abundância”, de Yorgos Avgeropoulos (2008):

Algumas empresas multinacionais têm conseguido controlar o

“coração” de nossa comida: a própria semente, enfim, a produção

agrícola mundial. Corretores de países desenvolvidos apostam com

os alimentos, aumentando e reduzindo preços e brincando com o

direito básico de milhões de pessoas: o acesso à comida. Enquanto

isso, quase um bilhão de pessoas no mundo estão desnutridas e 25

mil morrem de fome a cada dia. Será que a Terra não consegue mais

alimentar sua população? (FICA, 2009: 71).

A relação entre a desregulamentação requerida pelo mercado e o destino da

soberania do Estado, onde estão os limites territoriais de ações democráticas formais –

regulamentados – implicaram uma perda significativa de poder político do Estado. A

história comum a muitos estados nacionais revela que em sua delimitação espaço-

temporal (território-eleitoral) ocorre a validação dos procedimentos formais da

democracia quanto à harmonia em termos de tomada de decisão entre cidadãos e

38

Estado. Para Altvater, “(...) esta é a única forma pela qual uma nação pode ser uma

comunidade de destino.” (ALTVATER, 1999: 118). O espaço que envolve o Estado

nacional é, portanto, o lugar onde têm eficácia as regras formais de funcionamento da

democracia, onde pacificou-se o papel de mediador do Estado perante os diferentes

interesses sociais.

A incongruência de ordens, neste novo cenário econômico globalizado, teria

surgido como uma ameaça à harmonia entre governo e cidadãos, baseada na integridade

entre espaço territorial e direitos relativos à cidadania. “Desgastam-se os limites

territoriais, antes claros, do território do Estado, do poder da nação e do povo da nação.

Tornam-se menos claros os espaços inequívocos de direitos e deveres, assim como as

regras de participação em decisões e os mecanismos de legitimação.” (ALTVATER,

1999: 119).

Fundamentalmente, nos últimos anos, a autoridade conquistada por empresas

transnacionais que atuam nos países em desenvolvimento são um bom exemplo da

incongruência de ordens. A desatenção dos governos a determinadas regras de atuação

das empresas transnacionais, como a recente polêmica envolvendo o Congresso

Brasileiro e a indústria norte-americana Monsanto – a respeito do seu desejo de vender

aos agricultores brasileiros sementes geneticamente modificadas , “transgênicas” – sem

que houvesse o tempo necessário para uma avaliação dos impactos ambientais sobre a

saúde humana dos lavradores, sobre os ecossistemas que comportam as plantações e

sobre a saúde dos consumidores dos produtos derivados da soja transgênica, revela a

perda de autoridade dos Estados nacionais sobre os riscos inerentes às atividades

empresariais.

Foto nº 8 - “Morrendo em abundância”, filme de Yorgos Avgeropoulos (2009).

39

A ocorrência de intensa migração internacional é outra característica

problematizadora em termos da relação entre a política, a cidadania e o território dos

Estados nacionais. Paralelamente, a intensificação do fluxo migratório, em muitos

países, dissimula as conquistas de cidadania nacionais por conta do risco de perda de

identidade cultural, religiosa e étnica. Na opinião de Altvater:

Politicamente, a globalização e a desregulamentação, a ela

associada, também significam que: primeiro, a tomada de decisão

privatizada é despolitizada, ou seja, não precisa mais da legitimação

do cidadão. Os “poderes inconstitucionais” na economia e o mundo

da mídia precisam apenas apresentar um mercado atrativo para os

clientes, acenar com um lucro para os acionistas e alcançar uma taxa

de audiência alta; eles só tem que obedecer as regras da esfera

econômica (e da mídia). Os “poderes inconstitucionais” não estão

atrelados a decisões políticas; os cidadãos, que formam uma

comunidade política, são interessantes, antes de mais nada, como

sujeitos econômicos, particularmente como consumidores. Portanto,

a globalização levanta questões novas que não estavam na agenda,

uma vez que a restrição sistêmica do mercado internacional não era

uma questão séria e a soberania do Estado em um certo território era

uma premissa natural. (ALTVATER, 1999: 119).

III “A autoridade política do mercado mundial”

“Garapa”de José Padilha (2009): Segundo a ONU, mais de 920

milhões de pessoas sofrem de fome crônica no mundo. O significado

desses números depende da nossa compreensão do que significa

“passar fome”. Geralmente, os meios de comunicação discutem a

questão fornecendo números e debates sobre as suas causas. Para

que se compreenda o real significado do problema, é necessário

conhecê-lo de perto. Garapa é o resultado dessa preocupação. O

filme é fruto de mais de 45 horas de material filmado por uma

pequena equipe que, durante quatro semanas, acompanhou o

cotidiano de três famílias no Ceará. (FICA, 2009: 105).

A forma e a substância da democracia estão sendo abaladas pela crise ecológica.

A desarmonia de ordens tornou-se evidente por ocasião do Acidente de Chernobyl, na

Ucrânia. Os efeitos sobre a saúde humana deste acidente foram visíveis nos países

vizinhos e mesmo em outros continentes, destino comum dos produtos agropecuários da

Ucrânia, consumidos nos EUA e Brasil. O foro de reivindicação por esses direitos, por

esta cidadania ultrajada não estava localizado nos limites do Estado nacional. Este

exemplo nos revela que a perda parcial de soberania do Estado pode ser um indicativo

de que as sociedades territorialmente constituídas estão sofrendo por um lapso temporal

entre “as extensões de tempo (períodos múltiplos de 10 mil anos de meia-vida para o

40

material nuclear) e espaço (cruzando todo o planeta) tornaram-se muito grandes para a

dimensão humana que acompanha a tomada de decisões racionais.” (ALTVATER,

1999: 121).

Aparentemente a relação dinâmica entre globalização, desregulamentação e

despolitização é contraditória para a democracia, que num panorama político de

empoderamento crescente do mercado mundial, vê, por exemplo, os sistemas políticos

autoritários perderem seu significado ante a diminuição de poder da política perante o

poder econômico.

A história recente da América e dos países do leste europeu ilustram a resposta

política condizente aos tempos de globalização. A transição política no Brasil, sob a

forma de abertura lenta e gradual, a Lei de Anistia de 1979 são modelos de adequação

das democracias sob o temor da “restrição sistêmica” do mercado mundial.

Na opinião de Volk (1997), em relação à América Latina, “Altamente

transnacionalizado e fraco o Estado age como um síndico da sua própria falência, e o

processo despolitiza, desmobiliza, privatiza e assegura que qualquer abertura

democrática será limitada.”

O resultado deste quadro é que a desregulamentação da economia conseguiu

suplantar a regulamentação na política. Não é por acaso que os programas de

desenvolvimento dos países periféricos da economia mundial tem sérios obstáculos para

se concretizarem, porque os níveis de investimentos em infraestrutura, que melhorariam

a performance econômica local, custam a implementarem-se. Nos países tidos como

ricos, as dificuldades mais visíveis se dão na manutenção previdenciária do estado de

bem-estar social.

Para os países em desenvolvimento, uma série de enquadramentos quanto aos

direitos humanos de primeira, segunda e terceira geração são exigidos para que

pleiteiem ajuda internacional através das “agências de fomento” e instituições

internacionais.

A filiação às “instituições de ajuda internacional” estaria sujeita ao “(...) teste da

democracia, de modo a assegurar direitos humanos e padrões ecológicos mínimos. A

transparência democrática e o respeito aos diretos humanos são entendidos como

ingredientes irrenunciáveis de boa governança.” (ALTVATER, 1999:122).

41

Foto nº 9 - “Garapa”, filme de José Padilha (2008).

Desta forma, fica evidente a correspondência entre a vida política e econômica

dos países e instituições. “Países e povos que foram praticamente cuspidos do mercado

internacional estão em um estado mais desolador que muitas sociedades integradas a ele

de forma subalterna.” (ALTVATER, 1999: 116). Nesse caso, o papel dos governantes

estaria muito mais voltado às adaptações da economia nacional ao mercado, tornando-a

atraente ao capital que circula no mercado mundial, garantindo condições de

competitividade aos empreendimentos nacionais.

Os países sujeitos, então, às restrições sistêmicas do mercado mundial, como

aquelas relativas ao respeito a padrões mínimos de condições de trabalho e do ambiente

estariam em condições competitivas de receber estes investimentos, segundo Altvater,

“a democracia formal não custa nada. Pelo contrário, ela reduz os atritos sociais e,

portanto, os custos das transações econômicas.” (ALTVATER, 1999: 124).

IV “As questões do espaço do meio ambiente”

“Bananas”, de Fredrik Gertten ( 2009): A maior companhia de frutas

do mundo está em julgamento nos EUA sob a acusação de

envenenar seus funcionários. Pela primeira vez na História, um

pequeno escritório americano de advocacia representa os

trabalhadores nicaragüenses que alegam estar inférteis por causa das

substâncias tóxicas utilizadas pela empresa em suas plantações. Será

que esse pequeno escritório de advocacia terá uma chance contra o

poder de uma corporação multibilionária? ( FICA, 2010: 41).

42

O ponto de partida da discussão sobre as questões do espaço do meio ambiente

reside na impossibilidade de democratização de certas apropriações materiais. Apesar

de haver relativa igualdade política de condições dos cidadãos num regime democrático,

o mesmo não se pode afirmar quanto ao acesso e consumo do patrimônio natural. Essa

condição pode agravar-se com a possibilidade do aumento do consumo dos recursos

naturais apontar a chegada de um limite ecológico.

Os limites do crescimento ecológico desabonariam, assim, as perspectivas

econômicas de desregulamentação política e ultrapassagem das fronteiras nacionais,

instituindo novas fronteiras, relativas aos recursos naturais. Na opinião de Altvater,

(1999):

A questão democrática é radicalizada por dois lados antagônicos. De

um lado a globalização da economia e a mídia da informação

atravessam as fronteiras políticas tradicionais. De outro, a crise

ecológica cria fronteiras novas que não podem ser ignoradas a longo

prazo. Isso leva à questão tradicional de como compatibilizar um

mercado em expansão, sem amarras (globais) e desregulamentado, e

o lugar limitado da política. A nova questão diz respeito aos efeitos

dos limites do espaço ambiental sobre as possibilidades de

participação, a legitimação das instituições, a representação dos

interesses e, finalmente, a governabilidade do espaço ambiental,

limitado sob os auspícios dos processos econômicos sem fronteiras,

desenraizados e desregulamentados. Portanto, as respostas à questão

democrática tem que compreender os efeitos da globalização da

economia e da mídia (dissolução das fronteiras na política), assim

como os efeitos da crise ecológica (novas fronteiras da política).

(ALTVATER, 1999: 126, 127).

O surgimento desses novos parâmetros espaço-temporais colocam em questão

outros aspectos problematizadores: as fronteiras ecológica, política e econômica não

coincidem e, são configurados novos limites a partir da existência de entidades atuantes

na defesa de patrimônio ambiental através de sujeitos engajados em movimentos sociais

supranacionais (entidades ambientalistas). A ação desses sujeitos confronta a legislação

do espaço nacional àquelas do espaço ambiental. Esse conflito, “De um lado [do estado

nacional], há uma tendência forte e dominante de desregulamentação; de outro

[ambientalista], há uma necessidade incondicional de regulamentar a relação da

sociedade com a natureza.” (ALTVATER 1999: 127).

Assim, o discurso da produtividade e aumento da performance dos setores

produtivos, resumidos em programas de qualidade empresarial e aceleração do

43

crescimento econômico chocam-se com os alarmes ecológicos de exaustão dos recursos

naturais, poluição atmosférica e contaminação dos cursos d’água.

Foto nº 10 - “Bananas”, filme de Fredrik Gertten (2009).

V “Reaparece a questão da forma e da substância da democracia”

“A Cidade dos Mortos”, de Sérgio Trefaut (2009): Em torno das

tumbas do cemitério El Arafa, no Cairo, surgiu uma verdadeira

cidade, de um milhão de habitantes. Numa convivência estreita e

inusitada, mercados, casas, padarias, escolas infantis, oficinas

mecânicas e outros estabelecimentos espalharam o burburinho da

vida cotidiana entre os túmulos, nesta que é conhecida como

“Cidade dos Mortos”. Pelas ruas, pastores conduzem seus rebanhos

de cabras, não raro cruzando-se com os cortejos fúnebres que, como

é de esperar, são freqüentes ali. Uma população pobre leva adiante

sua luta pela sobrevivência naquele território em que, em princípio,

previa-se somente o descanso eterno. (É tudo verdade, 2010: 94).

Segundo o Banco Mundial, em 2004, o PIB12

– Produto Interno Bruto Mundial –

atingiu a cifra de US$ 41,4 trilhões de dólares, o que representa num universo de 6,54

bilhões de habitantes do planeta uma renda per capita aproximada de US$ 6.330,00 (seis

mil, trezentos e trinta dólares) ou US$ 17,85 diários para cada ser humano sobreviver,

aproximadamente R$ 30,00 (trinta reais). No entanto, a distribuição por continente deste

PIB, apresenta os seguintes números:13

12

Fonte: (Enciclopédia Abril 2007: 342) 13

Fonte: (Idem: 356)

44

TABELA 02: PIB MUNDIAL, POPULAÇÂO E RENDA PER CAPITA – 200414

CONTINENTES PIB % POPULAÇÃO % RENDA P CAPITA % sobre a

US$ milhões Total Milhões total US$ média

África

795.843,00 2%

924,50 14%

861 14%

América Central

182.499,00 0,1%

75,00 1%

2.433 38%

América do Norte

13.366.299,00 32%

441,90 7%

30.247 478%

América do Sul

1.189.059,00 3%

380,30 6%

3.127 49%

Ásia

10.847.478,00 26%

3.945,30 60%

2.749 43%

Europa

14.295.166,00 35%

744,30 11%

19.206 303%

Oceania

747.317,00 2%

33,20 1%

22.510 356%

TOTAIS

41.423.661,00 100% 6.544,5 100%

6.330

Considerando o raciocínio de Pzeworski (1994), quando afirma que “uma ordem

democrática nunca falhou depois da Segunda Guerra Mundial num país com renda per

capita superior a US$ 4.335,00” e de Lipset (1959), “Quanto mais se constrói uma

nação, maiores as chances de que ela sustente a democracia”, deduziremos que os dados

oferecidos na tabela acima sugerem que embora o problema substancial da democracia

não seja a produção econômica e sim a sua distribuição, a desigualdade observada (entre

os 14% sobre a renda média per capita com que sobrevivem os povos africanos

comparados aos 478% sobre a renda média per capita dos norte-americanos – em que

pese a relatividade destes números), pode ocasionar riscos ao curso do processo

democrático formal.

As riquezas produzidas pela América do Norte (32% do total) somadas às

produzidas pela Europa (35% do total), perfazem 67% da produção de riquezas

mundiais, distribuídas a uma população equivalente a 18% do total da população

14 Fonte: (Ibidem: 356)

45

mundial. Restaram assim, 33% da riqueza mundial para serem distribuídas a 82% de

população. Os impactos desta distribuição global das riquezas para o discurso da

democracia, para Altvater (1999), seriam:

A liberdade de decidir o futuro está aberta apenas para aqueles que

controlam as alternativas e não são obrigados a aceitar imposições.

Portanto, é difícil estabelecer estruturas globais de governança. Uma

das conseqüências disso é que a sustentabilidade ecológica ou não é

possível ou se torna possível apenas sob condições de extrema

desigualdade global. Portanto, o requisito básico da aplicabilidade

de procedimentos democráticos não é preenchido. (ALTVATER,

1999: 128,129).

Uma questão que envolve a distribuição desigual das condições substanciais da

democracia formal é quanto às perspectivas de universalização dos padrões de consumo

daqueles 18% de população mais desenvolvidos do planeta. Haveria limitação quanto

aos recursos ambientais necessários para a concretização desta perspectiva?

Uma das restrições que aparecem inicialmente neste debate sobre a relação entre

nações com maiores ou menores condições substanciais “democráticas” e acesso à

melhoria em seus níveis de renda per capita é aquela relativa à exploração de energias

fósseis. O nível tecnológico para exploração, distribuição e beneficiamento dos

derivados do petróleo tem exigido das nações industrializadas investimentos a cada dia

maiores, o que distancia da atividade os países em desenvolvimento, mesmo aquelas

nações que possuem riquezas minerais, mas que não dispõem de tecnologia de extração,

transporte e refino. Para Altvater (1999):

A extração das riquezas petrolíferas na região de Ogoni, na Nigéria,

é a maior responsável pelo subdesenvolvimento socioeconômico e

pela disseminação do caos político. Também nos casos do Equador,

do Afeganistão e mesmo da Austrália e dos estados que sucederam a

antiga União Soviética, ricos em matérias-primas, as riquezas em

matérias-primas minerais ou agrárias não se transformaram em

aumento de renda e riqueza das respectivas populações. A riqueza

natural, em sua maior parte, é transferida para os países

industrializados, onde é transformada em riqueza industrial e

apropriada por aqueles que dispõem do poder aquisitivo necessário,

isto é, moeda forte no mercado mundial. (ALTVATER, 1999: 131).

As desigualdades entre a renda per capita dos países mais industrializados e

aqueles em desenvolvimento têm acarretado ainda contornos mais graves em relação ao

desrespeito aos direitos humanos de terceira geração. A decisão estratégica de empresas

transnacionais instalarem atividades poluidoras ou de risco à integridade dos recursos

46

naturais (cursos d’água, solo, ar, fauna) em países onde são mais baixos os níveis de

renda per capita está sendo motivada pela possibilidade de redução de custos

indenizatórios. Como os cálculos atuariais são efetuados com base na expectativa de

ganhos que os cidadãos terão em sua vida econômica ativa, a opção por instalar

atividades poluidoras em países de baixos níveis de renda per capita reduz os possíveis

custos indenizatórios. Em resumo, o cálculo pecuniário sobre uma comunidade de renda

média, em torno de US$ 30.247,00, seria muito mais dispendioso que em uma

comunidade com ganhos médios de US$ 861,00.

Foto nº 11 - “Cidade dos mortos”, filme de Sérgio Trefaut (2009).

A valoração da vida atinge assim a questão da igualdade dos direitos humanos,

uma das premissas básicas da Declaração Universal da ONU: os direitos a um meio

ambiente saudável, a uma vida cuidadosa com o planeta em que vivemos, aberta às

próximas gerações.

O acesso ao meio ambiente sadio estaria sujeito também às mesmas lógicas

restritivas de distribuição de renda entre países industrializados e em desenvolvimento,

acarretando uma questão conflitante, como assinala Altvater (1999):

A democracia ocidental só poderia ser ocidentalizada se o estilo de

vida ocidental pudesse ser globalizado. Falando em termos

termodinâmicos: longe do equilíbrio entrópico, todas as

possibilidades de desenvolvimento e participação democrática estão

abertas. Mas os limites do espaço ambiental fazem com que os bens

ambientais necessários para a produção e o consumo tornem-se bens

oligárquicos, isto é, reservados a uma oligarquia que assegura seu

47

acesso aos recursos por meios monetários (seguindo portanto a

racionalidade econômica do resultado, e não a racionalidade política

da liberdade combinada com igualdade). (ALTVATER, 1999: 134).

VI “ Novos sujeitos do processo democrático”

Ainda há pastores?, de Jorge Pelicano (2006): Há lugares que quase

não existem. Casais de Folgosinho nem sequer é um lugar. Perde-se

no silêncio de um vale entre as montanhas de Portugal. Em outros

tempos foi um autêntico santuário de pastores. Hoje, os mais velhos

vão morrendo e os novos fogem da dura sina de ser pastor. (FICA,

2007: 45).

A cena da política ambiental requer delimitações espaço-temporais inovadoras,

como vimos até o momento, em uma ordem econômica mundializada. A incongruência

entre os limites tradicionais dos Estados nacionais e dos limites ecológicos (que não

podem ser sobrepostos), ofereceu um choque entre a legislação formal (nacional) e um

novo ethos ecológico, construído a partir da conflagração de uma crise ambiental global

– sua gênese está associada à percepção dos limites do crescimento econômico e da

finitude dos recursos naturais – surgiram assim novos atores políticos em torno da causa

ambiental – cuja atuação ocorre além das fronteiras nacionais de sua origem.

Foto nº 12 - “Ainda há pastores?”, filme de Jorge Pelicano (2006).

Esta constatação inicial permite afirmar se é possível a configuração de uma

democracia ecológica construída a partir de novos entornos sociais? O surgimento das

48

Organizações não Governamentais,15

anos 60, trouxe à cena política instituições

supranacionais em defesa do ambiente comum. É possível que a intensificação do

processo de globalização e a correspondente fragilização das democracias nacionais

tenham aberto espaço na sociedade civil para atuação das ONGs. Esses novos atores

políticos pleiteiam, junto ao Estado, a observância de normas internacionais relativas à

integridade do ambiente, como as “Convenções da Desertificação e da Biodiversidade”

e os “Protocolos de Kyoto e Montreal” e a “Dúzia suja”16

.

Sobre o papel social desempenhado pelas ONGs, diz Altvater:

Sempre houve grupos lutando contra a destruição de seu meio

ambiente, frequentemente de forma ágil. Com o predomínio

completo do capital nas sociedades modernas e a correspondente

devastação ambiental, o protesto outrora localmente limitado,

temporário e singular se expandiu, tornando-se uma característica

onipresente e permanente das sociedades modernas e pós-modernas.

Os antigos grupos de interesse locais e temporários, vinculados a

uma única questão, transformam-se em movimentos sociais

permanentes e, também em partidos de um lado, e organizações não

governamentais (ONGs), de outro. Os partidos ainda estão atrelados

ao território nacional, tal não se dá no entanto, com os novos

movimentos sociais e, ainda mais claramente, com organizações não

governamentais. Elas representam certos interesses sociais,

especialmente o de conservação da natureza, de forma muito mais

direta e flexível que os partidos. Tornam-se agentes importantes de

política ambiental. (ALTVATER, 1999: 136).

15 O WWF – Fundo Mundial para a Natureza, fundado em 1961, com sede na Suíça, mantém

representações em mais de 100 países e dedica-se a conter a degradação do meio ambiente,

conservar a biodiversidade, reduzir a poluição e promover o uso de recursos naturais

renováveis. Em 1971, surgiu no Canadá o Greenpeace, com o objetivo de protestar contra o uso

de energia nuclear. A partir de novas reivindicações como o desarmamento, a proteção dos

oceanos e das florestas tropicais e da qualidade do ar, a organização ampliou a sua atuação e

mantém escritórios em 29 países. Fonte: (Enciclopédia Abril, 2007: 213). 16 A convenção de combate à desertificação, de 1994, foi criada para combater a desertificação

principalmente, nos países africanos. A Convenção da Diversidade Biológica de 1992, pretende

estabelecer critérios de compensação econômica sobre o patrimônio genético explorado das

florestas de grande biodiversidade. O Protocolo de Kyoto, adotado em 1997, define metas de

redução de poluentes na atmosfera que provocam a intensidade do efeito estufa. Os EUA não

aceitam o acordo em função das restrições de sua economia. O Protocolo de Montreal estipula

metas para emissões de produtos químicos na atmosfera que produzem danos à camada de

ozônio. A dúzia “suja” foi estabelecida na Convenção de Estocolmo em relação à proibição do

uso agrícola de 12 produtos de alta toxidade para o ambiente e a saúde humana, os POPs –

poluentes orgânicos persistentes. Fonte: (Idem: 213,214).

49

No Brasil, foram criadas, pioneiramente a FBCN – Fundação Brasileira para a

Conservação da Natureza, em 1958 e a AGAPAN – Associação Gaúcha de Proteção ao

Ambiente Natural, em 1971. Em Campos dos Goytacazes, em 13 de dezembro de 1978

é criado o CNFCN – Centro Norte Fluminense para a Conservação da Natureza, cuja

trajetória se confunde com a história de lutas por qualidade de vida associada à

integridade dos ecossistemas locais.

VII “A democracia industrial além do fossilismo e do fordismo”

“Um negócio florescente”, de Ton van Zantvoort ( 2009): É um

documentário poético sobre habitantes do Quênia prisioneiros da

indústria global de flores. Os dilemas da indústria ficam claros a

partir de um mundo obscuro de opressão, abuso sexual e terríveis

condições de trabalho. So há uma conclusão possível: o aroma das

rosas importadas não é doce, mas amargo. O filme combina

observação e comentários dos personagens principais. A câmera é

ausente e presente ao mesmo tempo. Com grande humanidade, Van

Zantvoort nos mostra um mundo diferente em que toda vida humana

é valiosa. (FICA, 2010:50).

As condições prévias da democracia formal estiveram, desde o último século,

vinculadas a uma perspectiva de organização social muito ligada à atividade industrial.

É comum, numa hierarquia entre as nações, segregá-las entre aquelas mais e menos

industrializadas. O fordismo foi uma atribuição comum às democracias industriais e o

estado de bem estar social, uma condição da democracia formal desejável.

A adoção no Brasil por conta do Governo Federal, de um Programa de

Aceleração do Crescimento – PAC exprime uma norma comum aos países ocidentais: o

desejo de crescimento da renda. O investimento previsto pelo PAC em geração de

energia e infraestrutura visa dotar o país das condições materiais necessárias ao

desenvolvimento industrial e por fim aumentar a produtividade da sua economia.

Durante o século XX, as teorias de desenvolvimento visaram reunir atores sociais

(sindicatos, empresários e governos) em torno dos benefícios comuns ao aumento da

produtividade. Geração de empregos formais, aumentos reais de salários, aumento do

poder de compra são alguns dos adjetivos “positivos” requeridos pelos trabalhadores,

através dos sindicatos por um desenvolvimento econômico.

O motor das mudanças sociais e econômicas que atravessaram o século passado,

o fordismo, considerado aqui não apenas como um modelo de organização industrial,

50

mas como “modo de produção e regulamentação” inaugurou uma nova forma de relação

entre a sociedade e a natureza, por sua forte dependência aos recursos de energia fóssil.

Dentro da lógica descrita do desejo de crescimento das nações, este fordismo

representou um modelo baseado em apropriações crescentes dos recursos naturais. O

crescimento obtido pela indústria ocidental foi o resultado da expansão da utilização das

máquinas combustíveis em escala progressiva de substituição da força humana. A

realocação do trabalho humano encontra agora um novo desafio: os limites das

emissões das máquinas que intensificam o efeito estufa, o protagonista das mudanças

climáticas. Para Altvater (1999):

Nos limites do espaço ambiental, o vínculo entre crescimento de

produtividade (isto é, aumento de output de material e de energia por

input de trabalho) e aumento de salários ( isto é, crescente consumo

de energia e material per capita) está ecologicamente desatado. O

aumento na produtividade não pode ser alcançado sem um aumento

no consumo de recursos naturais. Nem a revolução da eficiência,

difundida por tecnocratas ecológicos, pode mudar isso. O uso da

energia fóssil é o principal responsável pelo efeito estufa; os

sistemas de transportes modernos (estradas, aeroportos etc.), pela

destruição de vidas; o lixo pela contaminação de solos e reservas

aquáticas; a destruição dos ecossistemas, pela extinção de espécies

etc. (ALTVATER, 1999: 139).

A constatação acima, leva-nos a refletir que a limitação ecológica imposta ao

sistema fossilista de produção tem suas repercussões no arranjo produtivo em que se

baseou o sistema econômico nos últimos anos. Podemos refletir, neste sentido sobre as

possíveis ameaças às formas substantivas da democracia formal e os episódios recentes

do cotidiano político observados no Equador, na Venezuela e na Bolívia.

VIII “ Limites ambientais, sustentabilidade e direitos humanos”

“Boca de Lixo”, Eduardo Coutinho (1992): O tema deste

documentário não poderia ser mais difícil, porque lida com o clichê

da pobreza brasileira: restos da civilização industrial do Ocidente,

periferia da periferia dos países ricos, quinto mundo, fim do mundo.

As primeiras imagens se assemelham a um filme de ficção científica,

daqueles em que o futuro é apenas a intensificação do que há de

mais caótico no presente: porcos atolam em restos, um cachorro

esquelético revolve detritos, um cavalo branco mastiga alguma coisa

em meio a uma névoa que paira sobre um deserto de lixo, um bando

de urubus voa sobre o lixão. No plano seguinte defrontamos o pior,

na imagem e também no som – até então praticamente inexistente: o

“bicho-homem entra em cena, em bando, todos falando ao mesmo

tempo com enxadas, pás e ancinhos, investem sobre o lixo que acaba

51

de ser despejado do caminhão, em uma imagem que provoca mal

estar e repulsa: repulsa de fazer parte de uma sociedade que produz

cenas de crianças, adultos e velhos chafurdando no lixo para comer,

o que, para dizer o mínimo, é constrangedor, mal estar de se deparar

com tal estado de degradação. (LINS, 2004: 87).

A inclusão de direitos ambientais no sistema de direitos humanos é uma medida

recente e deve fundamentar a legislação que regulamenta a relação sociedade-natureza.

No entanto, há controvérsia no campo das ciências sociais. Para a economia, por

exemplo, a racionalidade das ciências proverá as futuras gerações de instrumentos

tecnológicos que superarão os limites colocados pelo espaço ambiental.

Neste debate, as desigualdades sociais atuais, não são ponderadas. Para encarar

os novos limites que se impõem pelo espaço ambiental, há necessidade de um discurso

democrático renovado, em que novos atores e fronteiras sejam considerados. Uma série

de convenções, protocolos e acordos internacionais já vigoram, mas há necessidade da

constituição de uma corte internacional para mediar conflitos ambientais no caso de

acidentes residuais e agressões que atinjam fronteiras além daquelas dos Estados

nacionais. A partir dos trabalhos da Comissão Brundtland e da Conferência Rio-92, há

um consenso entre as entidades ambientalistas sobre a necessidade de respeito ao

conceito de sustentabilidade – a preocupação de desenvolver a economia atual até o

ponto de não comprometer as condições ambientais das gerações futuras.

Os programas de desenvolvimento deveriam absorver as premissas do conceito

de sustentabilidade, no entanto, “De fato, o desenvolvimento na forma que predomina

nos países altamente desenvolvidos, não é nem socialmente justo nem ecologicamente

sustentável.” (ALTVATER, 1999: 146).

A crise econômica que atinge os mercados, oportunamente, as reformas liberais

e o processo de globalização na economia fragilizaram as entidades locais que podiam

conter a degradação ambiental, o agravamento das questões sociais como, por exemplo,

o desemprego, a fome e a deterioração das cidades. A atuação das entidades da

sociedade civil e das ONGs vem ocupando espaços onde deveria atuar, historicamente,

o estado. No entanto, o seu papel ainda é limitado em relação a entidades em que

predomina a figura mediadora do Estado como as agências de fomento internacionais

(Banco Mundial e FMI) e as empresas transnacionais.

Enfim, o panorama de mudanças apresentadas até aqui condiz com uma

renovação dos conceitos estabelecidos nas ciências sociais acerca dos desafios de um

52

cenário globalizado e de novas fronteiras espaciais. A estrutura político-econômica

predominante do século XXI que combina democracias liberais à economia de mercado

parece não oferecer respostas convincentes aos desafios ecológicos apresentados. Em

muitos casos, o relativo afastamento entre as realidades sociais emanadas pelo poder

público – as verdades públicas – e o cotidiano apreendido pelo testemunho do cinema

documentário – as verdades privadas – oferecem variáveis para uma leitura cuidadosa

da realidade.

53

PARTE IV – Exemplificação de filmes ambientais

De maneira ostensiva, nossa aldeia global encontra-se inflacionada

pelo poder persuasivo das imagens veiculadas. Tudo está

mediatizado como presentificação de entidades virtuais a serviço dos

fluxos e refluxos do capital. A imagem é tudo e tudo é imagem –

esta parece ser a máxima da civilização telemática contemporânea.

( GALEFFI, 2007: 97)

Filmes polêmicos e premiados, como por exemplo “Guerra ao terror”, “Uma

verdade Inconveniente”, e “Os segredos da tribo” são exemplos de produções fílmicas

recentes que produziram significados político-ideológicos. Essas produções mantém um

vínculo estreito com a questão da luta por reconhecimento dos direitos humanos. Por

oferecerem um conjunto de representatividades sociais relacionadas a conceitos

importantes da Parte III desse trabalho, como o fossilismo, a oligarquia sobre as novas

delimitações espaciais e direitos dos povos estão sendo utilizados.

Guerra ao terror – pelos bolsões solares, guerra paralisa o cinema na Babilônia.

Entre as memórias importantes reservadas de minha infância, figuram aquelas

ocasiões em que vivenciamos, numa sala escura, as primeiras sessões de cinema. O

centro da cidade de São Paulo, nos anos 70, abrigava dezenas de grandes salas,

disputava-se, muitas vezes, com entusiasmo, um lugar privilegiado no grande

“Comodoro”, num tempo de avatares tecnológicos limitados. Durante os 90 minutos

daquelas representações ficcionais, os sentidos envolvidos captavam reações,

alimentaram sonhos ingênuos, inscritos, misteriosamente, no inconsciente. Era notável

que a cada filme, um acréscimo em nosso acervo onírico e cognitivo estava a

impulsionar leituras de mundo tão intensas, que hoje, não hesitam em ser evocadas, a

ponto de servir de instrumento revisor do meu olhar sobre o outro.

A alguns milhares de quilômetros dali, na cidade de Bagdá, o Al Zawra, o

Sinbad e o Al Khayan17

, eram alguns dos endereços importantes da sétima arte. Após

um longo período de solidão e saudade, os sonhos outrora acalentados pelos

14 Cinemas em Bagdá, disponível em: <http://cinematreasures.org/location/country. Acesso em

28.05.2010

54

espectadores das projeções de cinema, ressurgem, no Iraque, e nutrem a esperança desta

sociedade de reviver um tempo em que desfrutavam de autodeterminação.

A partir de maio de 2010, na avenida Sadoun, Bagdá18

, acionaram-se os antigos

projetores do cine “Semiramis” para a exibição de Son of Babylon, de autoria do

iraquiano Mohamed al Daradji. O filme apresenta elenco e locações nacionais,

redesenha caminhos para a cultura local buscar novas sensações visuais, reforça a

possibilidade de experimentar, coletivamente, um outro olhar sobre sua própria história,

realçando a perspectiva de “(...) uma referência cultural amplamente compartilhada.”

(COMOLLI, 2008).

O segundo longa-metragem da filmografia de Al Daradji, Son of Babylon é uma

narrativa inspirada nas dificuldades de três gerações de uma família curda, abalada pelas

incertezas de uma morte presumida durante a Guerra do Golfo.

Os ingredientes da trama iraquiana, em conjunto, quer sejam o cotidiano de

famílias monoparentais, o horizonte das paisagens áridas ou a travessia, assemelham-se

ao argumento principal comum a “Terra Sonâmbula” de Tereza Cruz (2009) e “Central

do Brasil”, de Walter Salles (1998), remetendo-nos à tradição literária do brasileiro

Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas) e do moçambicano Mia Couto (Terra

Sonâmbula). Apesar da suspensão do funcionamento das tradicionais salas de cinema

em Bagdá, na última década, em virtude da ocupação em curso das forças anglo-

americanas (a partir de 2003), a cidade não interrompeu sua trajetória de cidade

representada.

Foto nº 13 - Yasser Taleeb é Ahmed em Son of Babylon (2009)

18

Fonte: (jornal O Estado de São Paulo, caderno internacional, edição impressa de 8/05/2010,

com o seguinte título: Cinéfilos celebram a volta da cultura no Iraque. Filme de diretor

iraquiano leva identidade do país ao divã).

55

Guerra ao terror

Lançado no início de 2010, “Guerra ao terror”, filme premiado da diretora

Kathryn Bigelow versa sobre o cotidiano de um grupo de militares norte-americanos,

sediados no Iraque, em cumprimento à tarefa revestida de muito suspense: desarmar

minas terrestres instaladas pelo país. A obra é sustentada por um repertório político-

ideológico disseminado após os atentados ao World Trade Center, em 2001, favorável a

ocupação das tropas internacionais no Iraque. A invasão ao país, justificada pela

“Guerra ao terror” tem garantido o funcionamento da atividade petrolífera da região (a

3ª maior produtora mundial), ao custo de inestimáveis perdas humanitárias e destruição

de uma cultura milenar.

“Guerra ao terror” é uma ficção que utiliza recursos técnicos de documentário

para aumentar seu poder de convencimento quanto ao real. Um convite para análise das

representações sociais recentes produzidas pelo ocidente sobre a cultura oriental e a

cidade de Bagdá, capital iraquiana e vítima, na obra de Bigelow, das facetas de um novo

imperialismo, eficiente em duas estratégias conjuntas de fundamentação da sua ação

política19

: a dimensão territorialista e a cultural.

A dimensão territorialista da destruição:

Atinge a cidade através da guerra convencional, como: embargos econômicos,

corte de energia, água e racionamento ou com o saque do seu valioso patrimônio

cultural (museus, sítios arqueológicos e infraestrutura urbana). Por via dos

deslocamentos de constantes tropas invasoras, estimada num contingente de centenas de

milhares de soldados e armas pesadas, provocam, simetricamente, baixas humanitárias

com mortes e a diáspora do povo invadido20

. Para Said (2003), “Nossas lideranças e

seus vassalos intelectuais não parecem capazes de compreender que a história não pode

19 Na opinião de Wallerstein (2002): Em realidade, o fim da Guerra Fria suprimiu o último

sustentáculo da hegemonia e da prosperidade dos Estados Unidos, o escudo soviético. O

resultado foi o Iraque, a crise do golfo Pérsico. 20

Segundo informações recentes da ACNUR – Agência da ONU - Organização das Nações

Unidas para refugiados, o Iraque é o país líder das solicitações para asilo em países

industrializados com 12% do total mundial considerado (2008), apresentando de 20 a 60 (mil)

pedidos anuais desde 1990. Fonte: (disponível em: <http://www.onu.org.br. Acesso em

29.05.2010).

56

ser apagada – como se estivesse escrita num quadro negro – para que "nós" possamos

escrever nosso próprio futuro e impor nosso modo de vida aos povos inferiores.”

Apesar da existência de cidades da antiguidade e medievais na região invadida,

como Bagdá, Mossul, Níneve e Umma, o patrimônio cultural milenar não foi valorizado

nas locações. A guerra, objeto do filme, despreza as destruições irreparáveis aos

tesouros arqueológicos da antiga Mesopotâmia, considerada o berço da civilização, por

abrigar inúmeros registros da escrita cuneiforme21

.

O Iraque pós-ocupação revela a discrepância entre a significação de tecnologias

e mentalidades entre colonizados e império. Enquanto o povo iraquiano lamenta o

número de baixas humanitárias – uma centena de vezes maior que os números de óbitos

dos invasores – as tropas estrangeiras difundem, repetidamente, o exagero dos gastos

com o conflito dotado de novas tecnologias22

de guerra (aviões bombardeiros não

tripulados, artilharia de longo alcance). É a uma missão “civilizadora” de sustentar “o

pesado fardo”23

de impor a sua visão de democracia ao local.

A dimensão cultural:

Após os eventos de setembro de 2001, em Nova York, subiu o número de ações

afirmativas que contribuem para o agravamento do conceito de Oriente24

, já bastante

deturpado – agências de notícias internacionais esclareceram aos espectadores sobre o

21 Na opinião de Jarouche: Muitos dos processos matriciais da passagem das sociedades pré-

históricas para as sociedades complexas ocorreram pela primeira vez nessa região: as primeiras

tentativas de domesticação dos animais, de realização da agricultura, as primeiras cidades da

história. Até onde sabemos, a primeira vez que o homem registrou um sistema de escrita, isso

ocorreu em Uruk, um dos primeiros centros urbanos do sul da Mesopotâmia.(Jarouche, 2003). 22

Sob a ótica de Vieira Pinto (2005), é um episódio cíclico do imperialismo: “Agora, porém,

estamos na fase em que à produção do centro metropolitano não restam outras perspectivas de

conservar o ritmo de crescimento senão apelando pela substituição qualitativa de tecnologia.” 23

No auge do imperialismo do século XIX , o escritor Rudyard Kipling (1899), escreveu:

Assuma o fardo do Homem Branco

E obtenha a sua recompensa de sempre:

A censura daqueles que você melhora,

O ódio daqueles que você guarda. 24

Para Said, é possível creditar parte dos equívocos da política externa norte-americana a um

malogrado campo de estudos, o Orientalismo, o autor afirma que, “Especialistas do mundo árabe e muçulmano, como Bernard Lewis e Fuad Ajami, exerceram uma influência importante

sobre o Pentágono e o Conselho Nacional de Segurança de George Bush: ajudaram os falcões a

pensarem com conceitos tão grotescos como o "espírito árabe" e o "declínio secular do

islamismo."(SAID, 2003).

57

fim da ilusão, que tínhamos, sobre um suposto império desterritorializado:25

a questão

islâmica impediria a sua continuidade, ou suspensão, até a eliminação do terror ser

concluída.

“Guerra ao Terror”26

, de Kathryn Bigel (2009) tomou o cotidiano dos conflitos

como argumento principal do filme. Sob o ponto de vista particular dos invasores, os

protagonistas da narrativa têm em sua relação com o outro, o invadido, uma jornada

odiável, acompanhada em, contagem regressiva, entre as cenas da trama. A cidade de

Bagdá (filmada na Jordânia), aparece em “Guerra ao Terror”, sob uma atmosfera de

contínuo suspense e medo.

É um território de escombros e lixo (muitas sequências entre os protagonistas da

história se passam nas dependências sanitárias, onde se higienizam constantemente). A

narrativa despreza completamente o fazer cultural e histórico do outro, não distingue o

lugar que se assemelha às representações sociais das periferias de outras cidades

quaisquer. Este conjunto de imagens que pode transformar-se em monumento histórico,

soterra qualquer possibilidade de escritura de outra história. O Iraque, na visão do

ocupado, possibilitaria uma ótica minoritária a indicar uma tradição cultural bastante

recuada no tempo. No caso de “Guerra ao terror”, o campo de visão no cinema tornou-

se muito limitado.

Para Shohat e Stam (2007), a vertente imagética de conflitos no Iraque e a

cobertura jornalística, exibida em tempo real sobre a Guerra do Golfo, representam:

No caso da Guerra do Golfo, tecnologia de última geração foi posta a

serviço de idéias extraídas de fontes milenares, das cruzadas cristãs

contra os muçulmanos “às guerras selvagens” contra os índios. Na

Guerra do Golfo o extermínio em massa e a descontinuidade radical

entre vivos e os mortos revelam as limitações de um mundo visto

somente através do prisma do simulacro. (SHOHAT; STAM, 2007,

p.271).

25

Conforme o conceito de Meszáros (2006). 26

Premiado em 2010 com 6 prêmios do Oscar. Sobre o assunto, Ella Shohat afirma: “Até as

cerimônias de entrega do Oscar constituem uma forma poderosa de propaganda, a platéia é

global e o produto promovido é sempre americano, enquanto o resto do mundo é relegado à

categoria restrita de filme estrangeiro.” (SHOHAT, Ella; STAM, Robert, 2007, p. 271).

58

Esta visão que o Ocidente conserva do Oriente tem sua origem delimitada no

tempo e no espaço. Esta estranha racionalização de uma imagem do outro, teve um

objetivo claro que o constituiu, que facilitou a relação entre império e colônia, no

sentido da exploração, mereceu um campo de estudo específico na obra de Edward

Said: Orientalismo, em que investiga a literatura, a ciência e política coloniais.

A aventura marítima que o Renascimento científico impulsionou, ampliou as

referências cartográficas medievais. Nossa consciência sobre o que são lugar e destino

adotam como referências geográficas um planisfério muito semelhante ao utilizado

pelos grandes navegadores, contendo os limites do planeta. Para Bornheim (2000):

O outro lado do platonismo chama-se nominalismo, que destitui o

conceito de qualquer vínculo de ordem teológica. O nominalismo

não apresenta apenas caráter filosófico: de fato, ele invade todos os

setores da realidade humana: o filosófico, o científico, o político, o

artístico. O universal passa a ser interpretado, então, através de novas

balizas, que são a geográfica e a histórica.” (BORNHEIM, 2000, p.

9).

Para usar da cobiça colonialista recente, assumidamente enfocar as reservas de

petróleo da região do Golfo Pérsico, conforme a sua preocupação declarada em não

haver paralisação na produção das reservas, a antiga Babilônia revê uma história secular

de apropriações coloniais, a partir do século XVI, com o controle do império turco-

otomano até o início do século XX.

Neste correr do tempo, constituiu-se uma ideia do Oriente, que extrapola o

campo cartográfico. Para Said (1990):

O que quero provar é que a metamorfose de uma subespecialidade

filológica relativamente inócua (o orientalismo) em uma capacidade

de dirigir movimentos políticos, administrar colônias, fazer

declarações quase apocalípticas sobre a difícil missão civilizadora do

Homem Branco, é algo que ocorre dentro de uma cultura que se diz

liberal, muito preocupada em preservar as suas alardeadas regras de

universalidade, pluralidade e amplitude do pensamento. O que na

verdade se verifica é o exato oposto do liberalismo: o enrijecimento

da doutrina e do sentido, fornecidos pela “ciência”, que assume ares

de “verdade”. Se uma tal verdade se atribui o direito de considerar o

Oriente imutavelmente oriental, do modo que tenho mencionado, a

tolerância não passava de uma forma de opressão e preconceito

intelectual. (SAID, 1990: 259).

59

Foto nº 14 - Orbis typus universalis tabula de Jerônimo Marini (1512).

Um dos pilares que fundamentaram as teorias da cultura são as considerações

que as potências imperialistas, através do tempo, fizeram sobre o outro. Como estratégia

comum, os teóricos que contribuíram na afirmação de práticas coloniais, dissecavam as

características culturais das populações submetidas e dali constituíam sua própria

imagem, superior. A força catalisadora do Islã, que constitui territórios além daqueles

estabelecidos na cartografia política mundial tem sido uma das exceções de resistência a

uma cultura pós-moderna, em vias de universalização de seus costumes. Há um dilema

estabelecido: se as forças colonizadoras sobreviverão às redes materiais que caminham

para uma perspectiva multicultural.

Em meados dos anos 70, enquanto o Comodoro luzia, vivia o Brasil sob uma

cerrada ditadura. Sadam Hussein preparava um golpe militar no Iraque. Vestía-se um

bom jeans para ir ao cinema assistir a um filme sensacionalista e os EUA, em sua

política externa adoçava a vida destes generais. No despertar do milênio, o cine

Comodoro foi destruído pelas chamas e o Samiramis está de volta.

2 - Uma verdade inconveniente

A reação climática

Era como caminhar pela natureza atravessando o livro do

Apocalipse.

60

Em 2004 foi preciso reescrever os livros de ciência. Eles antes

diziam: “É impossível haver furacões no Atlântico Sul”. Mas

naquele ano, pela primeira vez, um furacão atingiu o Brasil.

Já começamos a ver as ondas de calor que, segundo os cientistas,

serão muito mais comuns se não enfrentarmos o problema do

aquecimento global. No verão de 2003, a Europa foi atingida por

uma fortíssima onda de calor que matou 35 mil pessoas.

Quase todas as geleiras de montanhas que existem no mundo estão

derretendo, várias delas rapidamente. Há uma mensagem nisso.

Surgiram cerca de 30 “novas doenças” nos últimos 25 a 30 anos.

Além disso, certas doenças antigas que estavam sob controle, hoje

voltam a atacar.

O que vemos é uma colisão colossal, sem precedentes, entre a nossa

civilização e o planeta Terra.

Ao ignorar o consenso científico em questões de importância crítica,

como as mudanças climáticas globais, estão ameaçando o futuro da

Terra.

Agora só depende de nós. Precisamos colocar em ação a nossa

democracia e a capacidade que Deus nos deu de raciocinar juntos

sobre o nosso futuro, e fazer opções morais para mudar as políticas e

os comportamentos nocivos que, se continuarem, deixarão um

planeta degradado, empobrecido e hostil para nossos filhos e netos –

e para toda a humanidade.

Precisamos tomar a decisão de transformar o século XXI em uma

época de renovação. Aproveitamos a oportunidade que está implícita

nesta crise, podemos liberar a criatividade, a inovação e a inspiração

– que são parte dos direitos de nascença do ser humano, tanto quanto

nossa vulnerabilidade, cobiça e mesquinharia. A escolha é nossa. A

responsabilidade é nossa. O futuro é nosso. (GORE, 2006).

Esta série de representações acerca das conseqüências catastróficas das reações

climáticas foram selecionadas do livro Uma verdade inconveniente, de Gore (2006).

São enunciações persuasivas que relacionam diretamente problemas climáticos de

alcance global ao comportamento das sociedades industrializadas perante o consumo27

.

O uso desmedido da energia fóssil e o acúmulo de gás carbônico na atmosfera são

apresentados por Gore, numa perspectiva progressiva, concomitante ao surgimento de

eventos climáticos extremos.

27 Nos últimos dez anos, a economia global sofreu prejuízos de quase US$ 1 trilhão por conta de

desastres naturais. Diante de fenômenos que afetam áreas cada vez mais povoadas, com impacto

global, a Organização das Nações Unidas criou o primeiro plano internacional de redução de

riscos de desastres. O objetivo é que todos os governos signatários adotem até 2015 as

diretrizes, uma espécie de guia sobre o que cada cidade, governo estadual e nacional precisa

fazer para proteger as populações e alertar países vizinhos dos riscos. Fonte: (disponível em:

<http://www.estadao.com.br. Acessado em:11.dez.2010).

61

Gore elaborou uma convocação humanitária enfática para que todos se associem

a uma causa aparentemente comum, levando o público a refletir sobre a continuidade de

sua trajetória destrutiva. Obedecendo a uma lógica do mercado cultural sob domínios

globais, o livro Uma verdade inconveniente, tornou-se filme do gênero documentário

em seguida, cristalizando-se em um produto vendável, em que figura, como estrela

principal do apelo mercadológico, o fenômeno das mudanças climáticas, aquelas que

ocasionam um temor universal, conhecido por aquecimento global.

A iniciativa de Gore incentiva a produção de um rol de artigos conhecidos

mercadologicamente como “linha verde”, artigos que amenizam o impacto sobre as

reações climáticas, por sua natureza não residual.

O cenário onde se dá a propagação desse mercado cultural, permitindo a difusão

e assimilação destas ideias e artigos, com um conteúdo ideológico, é um fenômeno

típico da modernidade, caracterizado para Michéa (1999):

Como expansão de si mesma ao infinito no tempo dos homens (que

é a subsistência da sua vida): a lógica da economia – fundada no

culto do desempenho e da valorização do cálculo e da eficácia –

tende a invadir a totalidade da existência e a transformar tudo o que

pode ser sagrado, respeitável, honrável ou simplesmente gratuito, em

“capital simbólico”, a ser “administrado” racionalmente. Nosso

vocabulário moderno nos dá um triste testemunho na vida moderna,

“administra-se” a vida afetiva, a imagem, a doença, o resultado de

uma partida esportiva, etc. (MICHÉA, 1994: 55).

Uma série de produtos industrializados aproveita o apelo do cenário de crise

ambiental para sedimentar uma imagem participativa e atualizada frente aos dilemas do

futuro, perante o público consumidor. Conforme a edição da revista Veja, dez/2010,

selecionamos as seguintes mensagens publicitárias:

1- Se um projeto não é bom para o planeta, não está nos nossos

projetos. Em cada novo projeto, a Honda busca alinhar o máximo de

benefícios à sociedade, sempre respeitando o meio ambiente.

Conheça alguns dos sonhos que a Honda transformou em realidade.

FCX primeiro modelo do mundo movido a hidrogênio e produzido

em série. ASIMO robô humanóide capaz de andar de mãos dadas,

reconhecer pessoas e ajudar em tarefas do dia a dia. CG TITAN MIX

é a primeira moto bicombustível. Funciona com álcool (etanol) ou

gasolina e polui muito menos.

2- OMO LÍQUIDO: super concentrado, o único a combinar o

insuperável poder de limpeza com o poder de preservar o planeta.

3- GOL ECOMOTION: eleito pela revista autoesporte o carro verde

do ano. Se você não viu, melhor consultar o oftalmologista. O Gol

ecomotion tem emissão reduzida de CO2, pneus verdes e economiza

62

em média 10% de combustível. O resultado é um impacto menor no

meio ambiente. (VEJA 2196, ano 43, págs. 4,5,6,7,14 e 15).

Do conteúdo de “Uma verdade inconveniente” é possível perceber considerações

discursivas de natureza diversa, ora emergindo do senso comum e da ciência, ora, da

religião, tornando-o um texto dirigido a um público abrangente. Esta obra aproxima-se

didaticamente, de um manual de sobrevivência, um texto que contém em suas centenas

de páginas, ilustrações (gráficos, fotografias, planisférios) e que prescreve

universalmente, uma saída para os dramas estabelecidos por motivo das mudanças

climáticas. Nesse sentido, a reação climática é causadora de transtornos, doenças,

mortes e um futuro sombrio de diversos endereços do planeta, reafirmando o próprio

subtítulo do livro: “O que devemos saber (e fazer) sobre o aquecimento global”.

Transcorridos cinco anos do lançamento de “Uma verdade inconveniente”, seu

maior dilema parece ser a sua sujeição à questão mais emblemática da teoria da cultura

contemporânea – a efemeridade das obras artísticas. Um delicado contorno precisa ser

enfrentado ao tratar de temas inerentes à continuidade da civilização humana – ao

passar pelo crivo do prazo de validade, característico, das obras de arte, numa teoria da

cultura das sociedades tidas como pós-modernas. A atividade de entretenimento a que

se dedicam o cinema e a literatura, a princípio, não compartilhariam de temas

“inconvenientes”. Na opinião de Garrard (2005), o discurso analisado, apresenta-se a

princípio,

Segundo uma lógica pós-modernista universalmente desabonadora, a

crença na existência de uma crise ambiental global é apenas mais

uma metanarrativa, pois a teoria da cultura insiste em que as

ameaças ambientais (como todo o resto) são socialmente construídas

e culturalmente definidas: não existem ameaças universais

compartilhadas – os diferentes grupos privilegiam aquelas com que

seus interesses particulares se confrontam. (GARRARD, 2005: 28).

A afirmação de Garrard logo é confirmada pelo próprio Gore, candidato

derrotado às eleições presidenciais dos EUA por George W. Bush, ao afirmar:

Enquanto o novo governo ia se firmando, eu tinha de tomar decisões

sobre o que fazer da minha vida. Afinal, eu agora estava sem

emprego. Não foi uma época fácil, mas me deu a chance de começar

de novo – de dar um passo atrás, considerar bem as coisas e

direcionar minhas energias. Comecei a lecionar em duas

universidades no Tenessee . Ao lado de Tipper, publiquei dois livros

sobre a família americana. Mudamos para Nashville e compramos

63

uma casa a menos de uma hora da nossa fazenda em Carthage.

Entrei para o mundo dos negócios e fundei duas novas empresas.

Tornei-me consultor de duas grandes empresas de alta tecnologia. Tenho grande entusiasmo por esses empreendimentos, e me sinto

afortunado por ter encontrado uma maneira de ganhar a vida e ao

mesmo tempo ajudar o mundo – pelo menos um pouquinho – a

caminhar na direção certa. (GORE, 2006: 9).

A visão de mundo expressa por Gore, observada pelo campo das representações

sociais, compartilhada pelos leitores e espectadores do filme, confirmada pelo sucesso

editorial e bilheteria de sua obra, revestida de preocupações altruístas, pode estar

intuindo na verdade a atenção com a duração do bem estar social das sociedades

industrializadas.

Os termos da proposta Gore de uma nova aliança global são inovadores ao

contrariar um legado secular conquistado, pioneiramente, pela sociedade norte-

americana conhecido como estado de bem estar social (welfare state)28

, um dos termos

fundantes da época moderna, em que “O desenvolvimento das instituições sociais

modernas e sua difusão em escala mundial criaram oportunidades bem maiores para os

seres humanos gozarem de uma existência segura e gratificante que qualquer tipo de

sistema pré-moderno.” (GIDDENS, 1991: 16).

O estado de bem estar social, fundamentado na obra de Keynes, fora iniciado

para remediar uma enorme crise em 1929, posteriormente alcançado por algumas

regiões reconstruídas da Europa e do Oriente com o apoio norte-americano. Após a

segunda guerra mundial, graças à manutenção de mecanismos de desenvolvimento

econômico que consideraram a exploração comercial sobre as regiões menos

industrializadas como América Latina e África no jogo da Guerra Fria, foi possível

ampliar o bem estar de boa parte do norte.

Os riscos iminentes que a reação climática oferece à durabilidade deste estado de

bem estar social, numa cartografia mundial de extrema desigualdade econômica, pode

ser na verdade, a real preocupação do texto de Gore. A influência do bem estar na vida

das sociedades industrializadas foi contagiante, segundo Hobsbawn (1999):

28 No espaço de autonomia das políticas nacionais, onde o Estado tinha margem de liberdade

para tratar da renda interna, da distribuição, de incentivos à demanda e ao crescimento,

mantendo-se regras internacionais graças à soltura da política monetária norte-americana, os

europeus fizeram o welfare state. Nesse espaço, fizemos a nossa industrialização. ( FIORI, 97:

170)

64

Pobreza? Naturalmente a maior parte da Humanidade continuava

pobre, mas nos velhos centros industrializados, que significado

poderia ter o “De pé, ó vítimas da fome!” da “Internationale” para

trabalhadores que agora esperavam possuir seu carro e passar férias

anuais remuneradas nas praias da Espanha? E se os tempos se

tornassem difíceis para eles, não haveria um Estado previdenciário

universal e generoso pronto a oferecer-lhes proteção, antes nem

sonhada, contra os azares da doença, da desgraça e mesmo da

terrível velhice dos pobres? (HOBSBAWN, 1999: 477).

A trajetória de reivindicações dentro do estado de bem estar social se inicia com

os primeiros sinais de que a conquistada qualidade de vida não era plena nas sociedades

tidas como desenvolvidas, com as jornadas estudantis de maio de 1968, em Paris. Nelas

segundo, Marcuse (1968):

Os estudantes não se revoltam contra uma sociedade pobre e mal

organizada, mas contra uma sociedade bastante rica e organizada. E

a revolta não é contra as desgraças dessa sociedade, mas contra seus

benefícios. Eles recusam o establishment e a obrigação de consagrar

toda a sua existência às exigências da sociedade industrial.

(MARCUSE, 1968: 20).

Neste novo cenário, no entanto, o estado do ambiente, o clima, a destruição da

natureza tem sido reivindicada como causa comum, além das fronteiras nacionais. A

difusão da pregação do texto “Uma verdade inconveniente”, em escala planetária,

através do cinema, internet, livro e televisão, o medo propagado justifica-se para Gore

(2006), pois:

Depois de mais de trinta anos estudando a crise climática, tenho

muita coisa para compartilhar. Procuro contar essa história de uma

maneira interessante para todos os tipos de leitores. Minha esperança

é aqueles que leem o livro ou assistem ao filme comecem a sentir o

mesmo que eu: o aquecimento global não é apenas uma questão

científica nem política. É na verdade uma questão moral. (GORE

2006: 10).

“Uma verdade inconveniente” tornou-se filme documentário de sucesso em todo

o mundo, dirigido por Guggenheim (2006), foi premiado com o Prêmio Nobel da Paz e

duas estatuetas do Oscar, o prêmio máximo da academia holywoodiana de cinema, e

obteve repercussão expressiva em todo o Brasil, circulando pelo circuito comercial e

informal de cinema.

O uso das técnicas do gênero documentário, na opinião de Nicholls (2005), tem

por objetivos, mais que uma busca,

65

Esses filmes representam de forma tangível aspectos de um mundo

que já ocupamos e compartilhamos. Tornam visível e audível, de

maneira distinta, a matéria de que é feita a realidade social, de

acordo com a seleção e a organização realizadas pelo cineasta.

Expressam nossa compreensão sobre o que a realidade foi, é e o que

poderá vir a ser. Esses filmes também transmitem verdades, se assim

quisermos. (NICHOLS, 2005: 26).

A reação do clima29

induzida, diretamente, pela passagem pecaminosa da

sociedade humana pelo “planeta”, sua responsabilização pela inviabilidade de seu

futuro, e o subordinamento da salvação do planeta a preceitos morais é, possivelmente,

uma construção ideológica inédita na história e contraria algumas tendências elaboradas

sobre as teorias da cultura. O recurso discursivo, utilizado no texto de Gore (2006), ao

combinar ciência, religião e senso comum, contraria, à primeira vista, as proposições

teóricas contemporâneas de Lyotard (1980)30

, quando relaciona a decadência das

metanarrativas a uma cultura tida como pós-moderna.

3 - Os Segredos da Tribo

Ninguém sabe exatamente por que os ianomâmis sobreviveram

enquanto muitas tribos vizinhas se extinguiram.

Na serra Parima, os ianomâmis estavam resguardados de contágio

externo. Seu isolamento nas terras altas, reforçado por suspeitas,

dificultava o comércio e a comunicação entre as aldeias.

Durante as epidemias, os grupos evitavam uns aos outros.

29

Na opinião de Ayode (2004), “Uma mudança no clima implica uma mudança na circulação

geral da atmosfera, da qual o clima depende em última análise. Contudo, o clima envolve não

somente a atmosfera como também a hidrosfera, a biosfera, a litosfera e a criosfera. Estes são

cinco componentes que formam o sistema climático. Este sistema também está sujeito a

influências extraterrestres, particularmente à do Sol”. (AYOADE, 2004: 211). Para o autor, as causas das mudanças climáticas, resumem-se em:

a. causas terrestres

1. migração polar e deriva continental

2. mudanças na topografia da terra

3. variações na composição atmosférica

4. mudanças na distribuição das superfícies continentais e hídricas

5. variações na cobertura de neve e de gelo

b. causas astronômicas

1. mudanças na excentricidade da órbita terrestre

2. mudanças na precessão dos equinócios

3. mudanças na obliqüidade do plano de eclíptica

c. causas extreterrestres

1. variações na quantidade de radiação solar (output solar)

2. variações na absorção da radiação solar exterior à atmosfera terrestre 30

Trata-se A condição pós-moderna, em que a decadência das metanarrativas figuram como

indicativo da pós-modernidade, no sentido filosófico.

66

Outra razão da sobrevivência dos ianomâmis é o fato de que não

havia malária nas montanhas.

Este estado de coisas começou a mudar na década de 50 em diante.

(TIERNEY, 2002: 398).

Sobre o estado de coisas que começou a mudar na década de 50 para os povos

ianomâmis é que versa o filme “Os Segredos da Tribo”, do diretor José Padilha (2009),

baseado na obra de Patrick Tierney – “Trevas do Eldorado: como cientistas e jornalistas

devastaram a Amazônia e violentaram a cultura ianomâmi”.

A força de povo guerreiro – ainda isolado dos altos da Amazônia – foi a

qualidade que despertou o interesse de pesquisadores em desvendar e contrabandear o

poder genético desses nativos.

O documentário de Padilha (2009) narra a trajetória das expedições de

antropólogos norte-americanos, franceses e venezuelanos, além da atuação dos

missionários salesianos junto à população ianomâmi da Amazônia venezuelana.

Ambientado em locações amazônicas, mas com depoimentos coletados em Caracas,

Estados Unidos e Europa, no filme, são colocados em discussão, através de

depoimentos e imagens de arquivo, as principais personagens do livro de Tierney: os

antropólogos Napoleon Chagnon, Jacques Lizot e Keneth Good, o cientista James Neel,

o escritor Patrick Tierney e alguns representantes não identificados da nação ianomâmi.

Foto nº 15 - “Os segredos da tribo”, filme de José Padilha (2009)

Um dos méritos do filme é demarcar bem o período histórico a que se refere, dos

anos 50 aos 70, e os escândalos que envolveram o primeiro encontro entre as

67

civilizações da selva amazônica (visitados) e a dos pesquisadores (visitantes). Os

episódios narrados na obra de Tierney impossibilitam a imparcialidade de quem assiste

ao filme. Apesar dos esforços planejados pela produção em ouvir o testemunho de todos

os envolvidos, a natureza das acusações deixa o espectador logo nos primeiros

momentos posicionado. As denúncias que envolvem principalmente:

1 - o abuso sexual de centenas de crianças praticados por Lizot, qualificado no

filme como um dos pupilos do professor Lévi-Strauss;

2 - a aplicação injetável de material radioativo nos nativos ianomâmis, através

das experiências de Neel, qualificado como militar atuante nos EUA, em projetos de

energia nuclear;

3 - a constatação do roubo do material genético indígena, praticado pela equipe

de Chagnon, em coletas sucessivas de sangue, pele e saliva, com ênfase para as imagens

de arquivo recuperadas da contaminação de sarampo e “influenza” sofrida pelos nativos

logo após os primeiros contatos;

4 – o casamento de Good com uma criança ianomâmi.

Para Padilha (2009):

“Segredos da Tribo” é um documentário muito importante para

mim, porque lida com um assunto que amo: a filosofia da ciência.

Nele exploro um evento da história da antropologia mundial, as

pesquisas que antropólogos famosos fizeram na Amazônia

venezuelana sobre os índios ianomâmi, para refletir um pouco sobre

o mundo dos antropólogos, e como eles se perderam no contexto de

suas pesquisas amazônicas, em parte por não disporem de

metodologias científicas confiáveis. (PADILHA, 2010: 21).

A pesquisa prévia realizada pela produção de “Os Segredos da tribo” localizou

entre a população ianomâmi adulta aqueles indivíduos que na condição ainda pueril

eram aliciados por Lizot. No testemunho dos nativos, há alguns relatos emocionados

sobre os costumes libidinais do antropólogo, entre os quais o de presentear os nativos

com facas, facões e armamentos de fogo em troca de favores sexuais. Segundo o filme,

o antropólogo contava com a anuência de autoridades francesas e venezuelanas para a

continuidade das práticas repugnantes em prol da continuidade de suas pesquisas de

campo. Tierney (2002), a partir dos depoimentos de Good, afirma:

68

Tayari-teri, a aldeia de Lizot, era a mais estranha de todas. Chagnon

construiu lá um galpão de depósito que Good visitava de tempos em

tempos. Um dos primeiros dados que o impressionou foi que o

número de homens ultrapassava grandemente o de mulheres e que a

estas proibiam a aproximação do bangalô de Lizot, onde o

antropólogo vivia com uma comunidade de garotos. As mulheres

usavam uma passagem separada em torno do conjunto de Lizot. E os

garotos executavam estranhas lides, incluindo cuidados com uma

pequena horta de maconha.Todos os rapazinhos estavam fumando e

usando desodorante e bugigangas. Era muito desagradável.

(TIERNEY, 2002: 181).

Com respeito às imagens de arquivo, no filme são retransmitidas imagens

produzidas pela equipe de Chagnon, de cunho etnográfico sobre momentos cruciais do

contato entre os pesquisadores e as experiências mal sucedidas com vacinas. A

mortandade por doenças transmitidas por expedições e experiências científicas chegou a

exterminar mais de 30 % das populações ianomâmis e os seus efeitos ainda são sentidos

até o momento na saúde ianomâmi. “Neel vacinou em Mavaca, no dia 15 de fevereiro,

uma quinta-feira. Já no domingo, dia 18 de fevereiro, houve um surto de epidemia de

sarampo nas cercanias da missão”. (TIERNEY, 2002: 105).

As imagens finais de “Os segredos da tribo” procuram não deixar dúvidas sobre

o papel destas expedições. Apesar de a imagem “arranhada” dos pesquisadores após a

repercussão de “Trevas do Eldorado”, o filme apresenta imagens de eventos realizados

em apoio aos pesquisadores, em atitudes corporativas em que o som de fundo é direto e

a câmera perambula durante minutos, sem nenhuma narração, por muitas estantes de

livros de Antropologia, como se pudesse interrogar o espectador para que serve tudo

isto, ninguém vai reparar os danos aos ianomâmis.

69

PARTE V – Inventário de filmes sob viés ambiental no Brasil

“Serras da desordem”, de Andrea Tonacci (2006): Carapiru é um

índio nômade, que escapa de um ataque surpresa de fazendeiros.

Durante dez anos ele perambula sozinho pelas serras do Brasil

Central, até ser capturado, a 2.000 km de distância. Levado a

Brasília pelo sertanista Sydney Ferreira Posuelo, em uma semana ele

se torna manchete por todo o país e centro de uma polêmica entre

antropólogos e lingüistas em relação à sua origem e identidade. Na

tentativa de identificar sua origem, ele reencontra um filho, com

quem retorna ao Maranhão. Porém o que Carapiru encontra ao

retornar já não está mais de acordo com sua vida nômade. (FICA,

2009: 111).

A crônica das lutas por reconhecimento: nacionais

O cinema ambiental do Brasil, apesar de uma intensa realização de filmes nos

últimos 50 anos, possui uma pequena produção analítico-teórica, limitada a algumas

publicações esparsas em revistas especializadas e ao livro pioneiro do jornalista Beto

Leão: O Cinema Ambiental no Brasil, uma primeira abordagem31

, que reúne

informações preciosas de mais de cem anos de cinema, dispersas por cinematecas e

institutos de pesquisas do país.

O conceito de o que é o cinema ambiental está em discussão, mas há

concordância entre os teóricos, como o Prof. Ismail Xavier, em afirmar que a maior

parte das produções consideradas ambientais, não ficcionais, pertenceriam ao conjunto

abrangente do gênero documentário. Para Andrade (2007):

(...) juntar dois níveis de sensibilidade, a ambiental e a artística, eis o

desafio a que se propõe o FICA, desde sua idealização, em 1999.

Despertava-se assim para a consciência do dever de questionar o

mundo, de manter acesa a preocupação com as condições

fundamentais para a manutenção da vida. (ANDRADE, 2007:11).

Portanto, há a necessidade de enquadramento de um filme como ambiental

surgiu apenas, recentemente, nos anos 90, posteriormente à realização de muitos filmes

31 A publicação foi encomendada pelos organizadores do III FICA. A realização do FICA, a

partir de 1999, é um marco importante para o registro do cinema ambiental, na medida em que

constituiu-se nos últimos doze anos no maior festival temático do país, assegurando qualidade

na projeção convergida para a mostra competitiva internacional do Festival. Ocorre ali o

encontro significativo de realizadores de dezenas de nacionalidades, permitindo a edição de

catálogos e revistas que constituem a memória audiovisual do gênero. A inclusão da prática de

atividades educativas de cinema na programação do Festival tem garantido o aperfeiçoamento

de dezenas de técnicos e realizadores.

70

que permitem uma leitura das questões políticas relativas a integridade dos recursos

naturais, surgidos no Brasil, a partir dos anos 60. O diretor de cinema João Batista de

Andrade, organizador do maior festival do gênero no Brasil, afirma: “Para ter um filme

militante no FICA, só se a obra escapasse do imediatismo do comércio das idéias e

fosse um bom cinema, antes de tudo.”

Através da obra de Leão (2001), foi possível realizar uma pesquisa organizada

através de um panorama descritivo abrangente, em que o autor relaciona o histórico de

filmes ambientais à delimitação regional de seus ecossistemas correspondentes. A

sistematização adotada pelo autor confere à obra o seguinte roteiro: Mata Atlântica,

Amazônia, Caatinga, Cerrados e Pantanal matogrossense. Os ambientes foram

problematizados com a referência de sua história audiovisual de maior

representatividade.

Foto nº 16 - “Boca de lixo”, filme do diretor Eduardo Coutinho (1992).

Para Leão (2001), o critério utilizado para transformar a sua obra em um registro

histórico, para o gênero, foi enquadrar os filmes pesquisados segundo um princípio:

O conceito de cinema ambiental adotado aqui é bastante amplo não

se restringindo aos filmes ecologicamente engajados, mas também

todos aqueles que tratam de temas que permitem uma leitura

ambiental, seja na forma de documentário ou ficção, reportagens e

séries para tv. (LEÃO, 2001, p. 7).

Foram selecionados, a partir das referências fílmicas da obra de Leão (2001), os

realizadores considerados de maior importância histórica e temática, apresentando-os a

71

seguir organizados em termos históricos32

. Os filmes de maior representividade para o

cinema ambiental nacional, a partir desta escolha, seriam os trinta e sete seguintes em

ordem cronológica de produção:

1 – “Arraial do Cabo”, de Paulo Cesar Saraceni e Mário Carneiro (1959).

Trata-se do primeiro filme documentário ambiental brasileiro. Segundo os

registros da Programadora Brasil (2010), Arraial do Cabo é uma denúncia sobre os

impactos da indústria mineradora sobre o extrativismo:

Com fotografia deslumbrante de Mário Carneiro, que co-dirige o

filme, e texto do jornalista Claudio Mello Souza, o documentário

mostra as transformações sociais e as interferências nas formas

primitivas de vida de pescadores do vilarejo de Arraial do Cabo, no

litoral do Estado do Rio de Janeiro. A Fábrica Nacional de Álcalis,

que se instalou no local, causa a morte dos peixes, o que faz com

que muitos integrantes da comunidade partam em busca de trabalho.

Os modos tradicionais de produção se chocam com os problemas da

industrialização. Gravuras de Oswaldo Goeldi abrem o filme.

(Programadora Brasil, 2010: 50).

2 – “Apelo”, de Trigueirinho Neto (1960).

É o primeiro filme da história do cinema ambiental no Brasil, segundo Bernadet

(2001), estaria relacionado a “Apelo”, um filme rodado por inspiração a tese de Mario

G. Ferri sobre o empobrecimento do solo, sua degradação:

Apelo, filme de curta metragem, a mais recente de Trigueirinho

Neto, é um documentário que nos parece novo no panorama

paulista, pela sua expressão e pelo fato de não se limitar a descrever,

mas de ser também uma tomada de posição. (...) Apelo trata da

vegetação no Brasil: a pobreza vegetal é mais frequentemente

oriunda da pobreza do solo que da falta de água, e um

reflorestamento cientificamente orientado permitiria obter resultados

satisfatórios. (BERNADET apud LEÃO, 2001: 11).

3 – “Aruanda”, de Linduarte Noronha (1960).

O filme é considerado por muitos uma obra de importância permanente e

decisiva para a estética do cinema novo. É o cotidiano de uma comunidade quilombola

32 Há uma polêmica que envolve a primazia do filme ambiental brasileiro entre os professores

Ismail Xavier e Jean Claude Bernadet. O prof. Ismail considera Arraial do Cabo (1959) como

pioneiro enquanto o prof. Bernadet, afirma a primazia a Apelo (1960).

72

em Serra do Talhado, na Paraíba. O diretor do documentário Linduarte Noronha,

realizou expedições de caráter jornalístico à comunidade e ficou impressionado com o

seu isolamento e a produção artesanal baseada em técnicas ancestrais de cerâmica.

Segundo o jornal O Estado de São Paulo:

E não é que o jovem Linduarte teve a caradura de se deslocar ao Rio

de Janeiro e pedir a Humberto Mauro, então presidente do Ince (

Instituto Nacional do Cinema Educativo), que lhe emprestasse

câmera e outros apetrechos? Diz que formulou o pedido a Mauro,

que, de tão surpreso gritou a um funcionário: “Este rapaz da Paraíba

quer que todos nós sejamos presos!” Mas como Mauro não era

Diretor igual aos outros, escravos da burocracia, Linduarte saiu do

Instituto com uma câmera Bell & Howell debaixo do braço. Voltou

com ela à Paraíba e lá começou a fazer história, ainda que sob

descrença e chacota de seus colegas de redação. (O Estado de SP,

29/12/2010: D12).

4 – “Kuarup, ritual fúnebre dos camaiurá”, de Heinz Förthmann (1966).

O filme que projetou Förthmann – fotógrafo e cinegrafista que acompanhou a

trajetória do Professor Darcy Ribeiro, segundo Mendes (2001):

[Forthmann] atingiu o auge de sua maturidade e rigor técnico como

fotógrafo, montador e etnólogo. A interação desenvolvida com os

Camaiurá e a sensibilidade com que registrou danças e lutas tribais,

transformaram o filme num clássico do cinema brasileiro e numa

obra humanista reveladora do profundo respeito que o realizador

manteve pelos povos indígenas com que conviveu. (MENDES apud

LEÃO, 2001: 55).

5 – “Os Homens do caranguejo”, de Ipojuca Pontes (1969).

Filme que narra o cotidiano de catadores de caranguejo em Livramento,

localidade próxima a João Pessoa.

6 – “Os Imaginários”, de Geraldo Sarno (1970).

No filme, Sarno narra a história sobre os artesãos santeiros em atividade na

cidade de Juazeiro do Norte, em Pernambuco.

7 - “O país de São Saruê”, de Wladimir Carvalho (1971).

Filme sobre uma das regiões mais áridas do Nordeste, o polígono da seca,

fronteiriça aos estados da Paraíba, Pernambuco e Ceará. Baseada na obra do cordelista

Manoel Camilo dos Santos, esteve censurada por nove anos. Para Carvalho (2001):

73

Com a extinção da nação cariri pelos colonizadores, os índios

perderam suas terras nos sertões do Nordeste, há quase três séculos.

No início dos anos 70, registra-se uma espécie de renascimento, com

a exploração de novos minérios. A antiga cultura pastoril, a

rusticidade dos costumes, os campos lavrados sol a sol, a folgaça do

Bumba-meu-Boi definham e convivem melancolicamente com

outras formas de vida trazidas pelo rádio, cinema e televisão. A

cadência do poema, uma forma próxima do épico, antiga grega

(também sertaneja) de se narrar a história, marca o longo prólogo,

como uma voz da terra, um monólogo do sertão, e só desaparece

totalmente na segunda metade do filme, quando passa a predominar

o som das entrevistas, o ritmo andante dos versos de Jomar Souto, à

medida que o filme avança, cede lugar à narração, que por suave é,

aos poucos, substituída pela fala dos entrevistados. (CARVALHO

apud LEÃO, 2001: 74).

8 – “Uirá – um índio em busca de Deus”, de Gustavo Dahl (1972).

Filme baseado na obra do Professor Darcy Ribeiro e que narra o

desaparecimento da nação urubu-caapor, em 1939.

9 – “Iracema uma transa Amazônica”, de Jorge Bodansky e Orlando Senna

(1974).

Um panorama dos conflitos sociais advindos do início da construção durante o

regime militar da Rodovia Transamazônica. Para Bodanzky (2001):

Eu comecei a trabalhar mais esse tipo de cinema a partir dos anos

70, partindo de uma questão social. O tema de meu primeiro grande

filme, Iracema, uma transa Amazônica, foi a colonização da

Amazônia, onde naquela época tinha início a devastação, no auge da

construção da Transamazônica. Para se ter uma idéia, a propaganda

governamental mostrava um trator derrubando uma árvore,

simbolizando o progresso. Já naquela época nós tínhamos na cabeça

que a coisa não era bem por aí, que esse era um caminho errado. Nós

queríamos mostrar o outro lado desse pseudo progresso, a

devastação da Amazônia. Então nós entramos na questão ecológica a

partir da questão social. Nós queríamos denunciar a presença do

homem no modo como a colonização estava sendo feita e acabamos

denunciando a sua agressão à natureza. Era também uma questão

política, pois queríamos denunciar um programa de governo com o

qual não concordávamos. (BODANZKY apud LEÃO, 2001: 61).

10 – “Ponto Final”, de José de Anchieta Costa (1975).

Filme sobre os riscos do excesso de poluição atmosférica e o uso de

equipamentos de proteção.

74

11 – “Roças” de Rogério Corrêa (1975).

Filme sobre uma comunidade de agricultores familiares em Barreirinha no

Maranhão com apoio da Igreja católica e fundamentada pelos princípios da Teologia da

Libertação.

12 – “Cubatão”, de Mário Kuperman (1976).

Filme sobre o distrito industrial localizado na baixada santista e considerado nos

anos 80 o local mais poluído do mundo. Para Kuperman (2001), “ela [a Ecologia] se

contaminou de tal forma, de um ranço ideológico, que virou coisa de fanático por

plantinha, flor ou passarinho. Entendo que a questão é bem mais complexa, traz em si

elementos sociais, políticos e econômicos.”

13 –“ Raso da Catarina”, de Hermano Penna (1977).

O filme sobre a lendária região onde estabeleceu-se o Arraial de Canudos. Para

Penna (2001):

Em primeiro lugar, o Raso da Catarina não era desabitado; no seu

interior existiam os remanescentes de um povo extraordinário pela

sua resistência étnica, os índios Pankararés. E mais, o Raso era

imensa Arca de Noé da fauna e da flora do Nordeste brasileiro,

sendo brutalmente agredida. Antigamente, ninguém entreva no

Raso, fora os índios e seus aliados: cangaceiros e outros perseguidos

da ordem, tudo pelo intrincado do mato e pela falta de água. Na

ocasião, duas estradas abandonadas da Petrobrás abriram o Raso

para os caçadores profissionais e a matança chegou em escala

industrial. Caminhões de peles e carnes de animais silvestres para

abastecer os mercados das cidades vizinhas a até mesmo Salvador.

(PENNA apud LEÃO, 2001: 60).

14 – “Raoni”, de Luiz Carlos Lacerda e Jean Pierre Dutilleux (1978).

Filme baseado na visita que o cacique Raoni faz, em São Paulo, ao indianista

Claudio Villas Boas para denunciar a ocupação irregular de áreas demarcadas no parque

Nacional do Xingu.

15 – “Augusto Ruschi – Guainumbi”, de Orlando Bonfim Neto (1979).

No filme, a biografia do naturalista Augusto Ruschi. Para Bonfim (2001): É o

único filme sobre o trabalho deste naturalista pioneiro na luta ecológica (que morreu do

veneno de um sapo), cuja existência foi voltada para o estudo de nossa flora e fauna.”

75

16 – “A década da destruição”, de Adrian Cowell (1980).

Filme sobre a Amazônia e os primeiros registros cinematográficos da destruição

da floresta para a construção da rodovia Rondônia-Manaus.

17 – “Sete quedas”, de Sylvio Back (1980).

O documentário que registra a paisagem de Sete Quedas em Guaíra, no Paraná, e

a angústia da destruição de suas corredeiras por conta da construção da Usina

Hidrelétrica de Itaipu.

18 – “A Ferrovia do Diabo”, de João Batista de Andrade (1981).

Filme baseado na obra de Manoel Rodrigues Ferreira e que mostra a condição

dos ferroviários após o abandono da ferrovia Madeira-Mamoré.

Foto nº 17 - “Serras da desordem”, filme de Andrea Tonacci (2007).

19 – “Mato Eles?”, de Sergio Bianchi (1983).

O documentário versa sobre o extermínio dos índios da reserva de

Mangueirinha, no Sudoeste do Paraná, último remanescente de Mata de pinhos

brasileiros, a “araucária angustifólia”. Para Bernadet (2001):

É o filme mais contundente sobre a questão dos índios; denuncia a

violência de que são vítimas, a violação de suas terras, os

assassinatos de líderes e denuncia também aqueles que afirmam,

sinceramente ou não, estarem interessados nos índios. Um filme que

interdita toda forma de boa consciência face ao genocídio que se

estende por séculos: a ironia ácida de Mato Eles? Nos impede

mesmo da segurança da comiseração. (BERNADET apud LEÃO,

2001: 40).

76

Foto nº 18 - “Cabra marcado para morrer”, filme de Eduardo Coutinho ( 1984).

20 – “Cabra marcado para morrer”, de Eduardo Coutinho (1984).

Filme sobre as Ligas camponesas em ação na Paraíba. O filme foi interrompido

durante vinte anos por conta da censura do regime militar no Brasil. Na sequência

acima, o momento em que a equipe de Coutinho reencontra Elisabeth Teixeira, a

protagonista do filme.

21 – “Raso da Catarina: Reserva Ecológica”, de Guido Araújo (1984).

Filme sobre o andamento das pesquisas científicas realizadas na reserva de

caatinga do Raso da Catarina, como: geomorfologia, pedologia e bioecologia.

22 – “Xingu”, de Washington Novaes (1985).

Série de onze episódios documentais sobre o cotidiano das nações que habitam o

Parque Nacional do Xingu.

23 – “Avaeté, semente da violência”, de Zelito Viana (1986).

Filme sobre o massacre dos índios cinta-largas, com atuação de Macsuara

Kadiweu e trilha sonora assinada por Egberto Gismonti.

77

24 – “Babaçu”, de Lyonel Lucini (1987).

Filme sobre as atividades extrativistas e artesanais em torno da economia do

Babaçu, no Maranhão com fotografia de Antonio Segatti.

25 – “Amazônia – Paraíso em perigo”, de Paulo Alceu (1988).

Um panorama da região amazônica após o assassinato do seringalista Chico

Mendes.

26 – “Caramujo flor”, de Joel Pizzini ( 1988).

Filme sobre a trajetória poética do escritor matogrossense Manoel de Barros.

27 – “Uma questão de terra”, de Manfredo Caldas (1988).

Filme sobre a questão fundiária e analisa as circunstâncias da morte da líder

camponesa Margarida Maria Alves.

28 - “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado (1989).

O filme popularizou-se por uma estética bem humorada e irreverente. É a

história de um lixão – da Ilha das Flores-SC – o diretor acompanha o percurso de

alimentos desde a sua aquisição em um supermercado até o seu descarte em um lixão.

Para Furtado (2001), “a idéia do filme é mostrar o absurdo dessa situação, seres

humanos, que numa escala de prioridade, estão depois dos porcos. Mulheres e crianças

que, num tempo determinado de cinco minutos, garantem, na sobra de porcos, sua

alimentação diária”.

29 – “A Paisagem Natural”, de Vladimir Carvalho (1990).

Documentário pertencente à tetralogia da terra, versa sobre Brasília – a última

utopia. Para Carvalho (2001):

Esse filme é uma espécie de panorama abarcando toda uma região,

com seus rios, cachoeiras, vales, grutas e cavernas, de inacreditável

beleza. Chamei-o de A Paisagem Natural e deixei-me levar (e

enlevar) pelo espetáculo caprichoso da fauna e da flora do Planalto.

O único narrador é um velho matador de onças que aparece com sua

espingarda a se vangloriar de suas proezas tão ingênuas quanto

predadoras.” (CARVALHO apud LEÃO, 2001: 85).

78

30 – “A Dívida da Vida”, de Octácio Bezerra (1993).

Filme sobre a devastação da Amazônia e o comércio de madeira pelo rio

Amazonas.

31 – “Josué de Castro – cidadão do mundo”, de Silvio Tendler (1994).

Filme sobre Josué de Castro e a sua concepção acerca de questões sociais como:

fome, pobreza e habitat.

32 – “Naturezas mortas”, de Penna Filho (1995).

Filme sobre o duro cotidiano dos trabalhadores da indústria carbonífera em

Criciúma – SC e seu impacto sobre a saúde humana.

33 – “Rio das Amazonas”, de Ricardo Dias (1995).

O filme narra o cotidiano das populações ribeirinhas da Amazônia acompanhado

do zoólogo Paulo Vanzolini, que celebrizou-se como compositor de MPB.

34 – “O cineasta da Selva”, de Aurélio Michiles (1997).

O filme biográfico sobre o cineasta Silvino Santos – o cineasta da borracha, o

autor dos primeiros documentários rodados na região amazônica. Dirigiu “No paiz das

Amazonas” (1922), “No rastro do Eldorado” e “Terra encantada” (1925).

35 – “Primeiros Viajantes”, de Sergio Sanz (1999).

O filme versa sobre as expedições de viajantes e naturalistas que lançam seu

olhar sobre a natureza brasileira em visita ao país nos séculos XVI e XVII.

36 – “O rio Paraíba do Sul”, de Mário Kuperman (1999).

Filme sobre o estado crítico do rio que cruza os Estados mais industrializados

do Brasil, também responsável pelo transporte em ciclos econômicos históricos como a

mineração e a cafeicultura. Para Kuperman (2001):

Nos três primeiros séculos de nossa história, a exploração do

território brasileiro ocorreu, sobretudo por via fluvial. A supremacia

do transporte pelos rios foi mantida até cerca de 1850, quando as

primeiras ferrovias foram inauguradas e teve início a expansão da

malha rodoviária. A decadência do transporte fluvial parece ter

79

determinado uma redução do interesse da sociedade pelos rios. Esta

série de documentários [sobre os rios Paraíba do Sul, Tietê e Iguape]

pretende ampliar as informações disponíveis sobre a extensa, pouco

conhecida e subutilizada rede fluvial do país. Como vias de

transporte, fontes de água e de alimento, quando se integraram à

expansão das cidades, esses cursos d’água passaram a sofrer as

conseqüências do adensamento populacional. Cada rio tem seu

metabolismo, as enchentes e as vazantes, os ciclos da flora e da

fauna e, sobretudo, as atividades e o convívio de habitantes de suas

margens determinam traços característicos. Essa série, com

abordagem de caráter “anímico”, objetiva resgatar e valorizar a as

peculiaridades de cada um desses cursos d’água. (KUPERMAN

apud LEÃO, 2001: 36).

37 – “Bubula – o cara vermelha’, de Luiz Eduardo Jorge (1999).

O filme percorre a trajetória do documentarista Jesco Von Puttkamer, especial

homenageado pela organização do FICA com o troféu em seu nome dedicado ao filme

melhor média metragem. Para os organizadores do FICA (2009), Jesco Von Puttkamer:

Foi o precursor do cinema antropológico em Goiás. Engenheiro,

fotógrafo e naturalista, sempre admirou a vida dos povos indígenas,

registrando-a durante 42 anos em película e fotografias. Jesco veio

para Goiás em 1948 depois de escapar da perseguição nazista.

Juntamente com os irmãos Villas Boas, Francisco Meirelles e outros,

participou das frentes de atração dos índios na Amazônia e no

Centro-Oeste. (IX FICA, 2009: 13).

Foto nº 19 - “Césio 137 o pesadelo de Goiânia”, filme de Roberto Pires (1989).

80

FICA – QUADRO GERAL DE PARTICIPAÇÕES APÓS 11 EDIÇÕES33

33

Fonte: (XI FICA: 2009: 11).

34 È possível considerar o crescimento das produções nacionais sob viés ambiental, que

chegaram a 264 em 2009, um dos resultados da política audiovisual do FICA – Festival

Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental de Goiás – GO.

Edição I II III IV V VI VII VIII IX X XI

Filmes inscritos 154 224 358 429 299 232 837 347 522 446 556

Estrangeiros 20 20 19 329 199 122 637 150 322 238 292

Nacionais34

17 18 17 100 100 110 200 197 200 208 264

Goianos 5 3 7 9 5 34 34 42 48 48 54

Filmes selecionados 37 38 36 49 28 29 31 27 31 31 29

Estrangeiros 20 15 18 24 12 11 15 12 17 10 18

Nacionais 17 23 18 25 16 18 16 15 14 21

11

Goianos 5 3 7 9 5 8 5 6 5 4 4

Países selecionados 8 15 18 24 12 11 15 12 17 10 13

81

Ficha técnica dos filmes analisados

1 – “Os segredos da tribo”

Direção de fotografia e câmera: Lula Carvalho

Edição: Felipe Lacerda

Som: Denilson Lelis

Música: João Nabuco

Produção Executiva: Marcos Prado

Direção: José Padilha

Estúdio: Stampede e Zazen Produções

2 – “Budrus”

Roteiro: Júlia Bacha

Câmera: Mohammed Fawzi, Shai Pollack

Edição: Geeta Gandbhir

Música: Kareem Rouston

Produção Executiva: Jehane Nouajaim, Ronit Avni, Julia Bacha

Direção: Júlia Bacha

Estúdio: Just Vision

3 – “Roubados”

Roteiro, fotografia e câmera: Dan Fallshaw e Violeta Ayala

Edição: Dan Fallshaw

Som direto: Peter Purcel

Edição de som: William Lawlor

Música: John Macdowell

Produção Executiva: Dan Fallshaw, Tom Zubrycki, Violeta Ayala

Direção: Dan Fallshaw, Deborah Dickson, Tom Zubricki, Violeta Ayala

Estúdio: United Motions Film

4 – “Os Representantes”

Roteiro, Edição, Som direto, Produção Executiva: Felipe Lacerda

Fotografia, Câmera: Alberto Bellezia

Edição de Som: Fiskal

Música: Fiskal

Direção: Felipe Lacerda

Estúdio: Aeroplano Filmes

5 – “A cidade dos Mortos”

Roteiro: Sérgio Tréfaut

Fotografia, Câmera: Nancy Abdel-Fattah, Carlo Lo Giudice, Inês Gonçalves

Edição: Pedro Marques

Edição de som: Sameh Gamal

Direção: Sérgio Tréfaut, José Sanchez-Montes

Estúdio: Faux/Atico Siete

82

6 – “Serras da Desordem”

Roteiro: Andrea Tonacci

Fotografia: Aloysio Raulino, Alziro Barbosa

Câmera: Fernando Coster

Edição: Cristina Amaral

Música: Rui Weber

Som direto: Valéria Martins Ferro e René Brasil

Direção, Produção Executiva: Andrea Tonacci

Estúdio: Extrema Produção Artística Ltda.

7 – “Garapa”

Roteiro: Felipe Lacerda e José Padilha

Fotografia, Câmera: Marcela Bourseau

Edição: Felipe Lacerda

Edição de som: Yan Saldanha

Direção: José Padilha

Estúdio: Zazen Produções

8 – “Morrendo em Abundância”

Roteiro: Yorgos Avgeropoulos

Fotografia: Dinesh Lal

Edição: Ylannis Biliris, Anna Prokou

Produção: Anastasia Skoubri

Direção: Yorgos Avgeropoulos

Estúdios: Small Planet

9 – “Corumbiara”

Roteiro, Fotografia: Vincent Carelli

Edição: Mari Corrêa e Tiago Torres

Direção: Vincent Carelli

Estúdios: Vídeo nas Aldeias

10 – “Um negócio florescente”

Roteiro: Ton van Zantvoort

Som: Stijn van Eekeln

Fotografia, Edição: Ton van Zantvoort

Direção: Ton van Zantvoort

Estúdio: Newton Films

83

11 – “Heavy Metal”

Roteiro e Fotografia: Huaqing Jin

Som e Produção: Chen’an Xia

Direção: Huaqing Jin

12 – “Bananas”

Roteiro: Fredrik Gertten

Fotografia; Frank Pineda

Edição: Jesper Osmund

Som: Martin Hennel

Produção: Margarete Jangard

Direção: Fredrik Gertten

Estúdios: Autlook Films

13 – “Boca de Lixo”

Roteiro: Eduardo Coutinho

Fotografia: Breno Silveira

Fotografia adicional: Luiz Augusto Tigu, Estevão Pantoja

Som direto: Flávio Protásio Cecon

Som adicional: Aloysio Compasso, Antônio Gomes

Música: Tim Rescala

Edição: Pablo Pessanha e Thereza Jassouroun

Produção executiva: Thereza Jassouroun

Direção: Eduardo Coutinho

Estúdios: Iser Vídeo e Cecip

14 – “Ainda há pastores?”

Roteiro: Cátia Vicente, Jorge Pelicano e João Morais

Fotografia: Jorge Pelicano/ Paulo César Fajardo

Edição, Produção: Jorge Pelicano

Direção: Jorge Pelicano

15 – “Mataram a irmã Dorothy”

Roteiro: Daniel Junge

Fotografia: Marcela Bourseau, Daniel Junge

Edição: Davie Coombe

Música: Pedro Bronfman

Produção: Henry Ansbacher

Direção; Daniel Junge

Estúdios: Just Media

84

17 –“ Uma verdade Inconveniente”

Roteiro: Lawrence Bender, Scott Burns, Laurie Lennard e Scott Z. Burns

Música: Michael Brook e Melissa Etheridge

Edição: Jay Lash Cassidy e Dan Swietlik

Direção: Davis Guggenheim

Estúdios: Lawrence Bender Productions / Participant Productions

Distribuidora: Paramount Classics / UIP

18 – “Guerra ao terror”

Roteiro: Mark Boal

Música: Marco Beltrami e Buck Sanders

Fotografia: Barry Ackroyd

Direção de arte: David Bryan

Fgurino: George L. Little

Edição: Chris Innis e Bob Murawski

Produção: Kathryn Bigelow, Nicolas Chartier, Mark Boal e Greg Shapiro

Direção: Kathryn Bigelow

Estúdios: First Light Productions / Kingsgate Films / Grosvenor Park Media

19 – “Son of Babylon”

Roteiro: Mohamed Al-Daradji, Jennifer Norridge, Mathel Khasea

Fotografia: Mohamed Al-Daradji, Duraid Al-Munajim

Edição: Pascale Chavance, Mohamed Jabarah

Música: Kad Achouri

Produção: Isabelle Stead, Atia Al-Daradji, Mohamed Al-Daradji, Dimitri de Clercq

Direção: Mohamed Al-Daradji

Estúdio: Roissy Films

85

Considerações finais

Através da presente dissertação foram apresentadas algumas características do

exame realizado de sessenta filmes reconhecidos como “cinema ambiental”,

enquadrados assim sob a ótica de autores especializados e corpo de jurados dos

“festivais” e “mostras” mais importantes da América Latina. O acervo audiovisual dos

últimos quarenta anos deste novo gênero do cinema documentário é uma fonte textual

ilustrada da condição humana perante uma consciência adquirida pelas limitações

ecológicas e os seus impactos sobre “o discurso da democracia e dos direitos humanos”,

tema que foi adotado desde o princípio do trabalho para justificá-lo, tendo em vista a

sua relevância social.

O objetivo da pesquisa foi revelar, numa primeira etapa, o conceito de cinema

ambiental, quais as suas principais características, quais os principais realizadores,

quando se iniciou e quais os seus problemas. Como metodologia, foi utilizada a análise

de filmes, entrevistas e pesquisa bibliográfica. O que mais despertou a atenção da

análise foi o florescimento de produções significativas em todos os continentes, sobre

questões ambientais bastante heterogêneas, das quais seria possível fazer uma leitura

ambiental.

Portanto, a delimitação do objeto do trabalho surgiu após uma investigação

sobre um tema que fosse comum aos filmes de cinema sob viés ambiental. A

experimentação da pesquisa, iniciada em março de 2009, percorreu inicialmente a visão

sacralizada da natureza, mas mostrou-se restritiva. A seguir, a análise foi estruturada

sobre a utilização de metanarrativas nos filmes, e a conclusão de que o assunto não é

pacífico nas teorias de cultura, sendo rechaçada.

Por fim, foi encontrado menor conflito teórico e maior abrangência sobre os

filmes a partir da constatação da delimitação definitiva: “o cinema ambiental

contemporâneo em questão: uma crônica da luta por reconhecimento dos direitos

humanos de terceira geração”. Este estudo dedicou-se a uma análise de filmes e dentre

algumas opções avaliadas nos últimos anos, encontrou, como característica comum aos

filmes, a reivindicação por direitos humanos, característica exemplificada ao longo

desta dissertação, através de resumos dos filmes e ilustrações. A hipótese, em nossa

opinião, realizou-se plenamente. Ao “enfrentar-se” o principal teórico do presente

86

trabalho, Altvater (1999), surgiu o aprofundamento de uma questão que está presente

em todas as nações: o cenário da globalização e seus efeitos na integridade do meio

ambiente. O recorte sobre as lutas por reconhecimento e a concepção filosófica do

termo foi uma opção adotada no sentido de ratificar o caráter de apreensão recente dos

direitos humanos de terceira geração.

A impressão inicial que tivemos sobre o cinema ambiental, ao assistirmos os

primeiros filmes num grande “festival”, nos remete a São Paulo, anos 70, numa sala

escura, e hoje, durante horas consecutivas, permaneceu, em mim aquele sentimento

juvenil de protesto e contestação tão comuns que parecia terem morrido. Senti-me

contagiado por pequenas platéias e renovada a expectativa do poder transformador da

comunicação e da integração dos povos, e como alerta da nossa consciência sobre o que

se passa além de nossos quintais.

87

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