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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, CIÊNCIAS CONTÁBEIS E TURISMO
DEPARTAMENTO TURISMO
RIO DE SOL, DE CÉU, DE MAR
A Bossa Nova e a imagem turística da Cidade Maravilhosa
Flávia Beatriz Marques Caetano Machado Souza
NITERÓI
2012
FLÁVIA BEATRIZ MARQUES CAETANO MACHADO SOUZA
RIO DE SOL, DE CÉU, DE MAR
A Bossa Nova e a imagem turística da Cidade Maravilhosa
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de Graduação em Turismo da
Universidade Federal Fluminense como
requisito parcial de avaliação para obtenção do
grau de Bacharel em Turismo.
Orientadora: Profª. Drª. Karla Estelita Godoy
NITERÓI
2012
S729 Souza, Flávia Beatriz Marques Caetano Machado
Rio de sol, de céu, de mar : A Bossa Nova e a imagem turística da Cidade
Maravilhosa / Flávia Beatriz Marques Caetano Machado Souza -- Niterói: UFF,
2012. 128p.
Monografia ( Graduação em Turismo )
Orientador: Karla Estelita Godoy, D.Sc.
1. Turismo 2. Imagem 3. Rio de Janeiro 4. Bossa Nova.
CDD. 338.4791
RIO DE SOL, DE CÉU, DE MAR
A Bossa Nova e a imagem turística da Cidade Maravilhosa
Flávia Beatriz Marques Caetano Machado Souza
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de Graduação em Turismo da
Universidade Federal Fluminense como
requisito parcial de avaliação para obtenção do
grau de Bacharel em Turismo.
BANCA EXAMINADORA
Prof.ª Drª. KARLA ESTELITA GODOY – ORIENTADORA Universidade Federal Fluminense
Prof. Dr. MARCELLO DE BARROS TOMÉ MACHADO Universidade Federal Fluminense
Prof.ª Drª. HELENA CATÃO HENRIQUES FERREIRA Universidade Federal Fluminense
Niterói, 13 de junho de 2012.
AGRADECIMENTOS
Inicio agradecendo a Deus, a quem dedico minha fé incondicional, pela
benção da vida e pela honra e graça de ter “anjos” que estão ao meu lado.
À minha família, sou grata por tudo! Pelo amor, dedicação e zelo com que fui
criada, ensinando que respeito pelo próximo se aprende em casa, desde pequeno.
Mãe, pai e avó: não há palavras para agradecer pelos belos exemplos de caráter,
honestidade, garra e fé que me foram dados por vocês! Gestos e palavras de
incentivo – e até mesmo os válidos “puxões de orelha” – me fizeram seguir adiante e
trazer comigo os valores que me foram ensinados. Maninha, meu orgulho, sinta-se
incluída nesse enredo de amor e saiba que tenho aprendido muito com você! É
imensa a felicidade de compartilhar esta e todas as vitórias com vocês, meus
amores.
A Universidade Federal Fluminense, pela oportunidade de ter me graduado
em um importante centro acadêmico federal de ensino público e de qualidade, que
agregou muito além de conhecimento e formação profissional a minha vida. Muito
me orgulho de ter concluído o ensino superior nesta instituição, na qual espero colar
outros graus.
Ao corpo docente da Faculdade de Turismo da Universidade Federal
Fluminense, mestres e doutores de extremo gabarito, capazes de ensinar, cativar e
inspirar a cada um de nós. O conhecimento é de fato uma das maiores riquezas que
adquirimos na vida e vocês, professores, são profissionais que tem a grande
responsabilidade não apenas de transmitir aprendizados, mas de participar
ativamente da formação pessoal e profissional de seus alunos. A sua contribuição foi
riquíssima e as lições ensinadas ficarão para sempre como exemplos a serem
seguidos, por aqueles que reconhecerem a sua importância e grandiosidade.
A professora Karla Estelita Godoy, minha orientadora e grande parceira neste
trabalho. A admiração e o respeito por você são anteriores à construção do meu
projeto de monografia, no entanto, foi em uma de suas disciplinas optativas, a partir
da produção de um artigo científico, que surgiu a ideia de desenvolver este tema
como trabalho final, e a parceria entre nós foi formada. Obrigada por ter abraçado o
meu projeto e pelo carinho com o qual me orientou desde o início, mas tenha a
certeza de que a sua contribuição foi muito além da orientação. Era motivador saber
que eu poderia contar com o seu respaldo durante todos os meses de pesquisa e
trabalho, com o seu olhar crítico, porém sutil e muito generoso. Fui muito feliz em tê-
la escolhido como orientadora e espero dar continuidade a muitos projetos ao seu
lado.
À socióloga Edinha Diniz, agradeço por ter-me recebido tão gentilmente em
sua casa, dispondo-se a me dar uma verdadeira aula sobre a música brasileira, em
especial a Bossa Nova e a história por trás deste inspirador e famoso movimento e
estilo musical, colaborando de forma valiosíssima para a minha pesquisa.
Por fim, agradeço (e muito) aos meus queridos amigos, “irmãos” de longa ou
curta data que me foram dados de presente pela vida. Nada teria sido tão prazeroso
não fosse a sua companhia, o seu carinho, os seus conselhos – dos mais sensatos
aos mais insanos – e o seu apoio. Vocês são e serão sempre as minhas jóias, minha
segunda família. Gracias, hermanos!
“Minha alma canta
Vejo o Rio de Janeiro
Estou morrendo de saudade
Rio, teu mar, praias sem fim
Rio, você foi feito pra mim”
Antônio Carlos Jobim, 1962.
RESUMO
Este trabalho se dedicou a estudar o processo de construção e difusão da imagem turística da cidade do Rio de Janeiro em sua mais famosa representação: a Cidade Maravilhosa. A partir da observação dos signos e elementos naturais, culturais e históricos inerentes a imagem da cidade carioca, bem como da relevância que a música brasileira assume enquanto difusora desta, foi feita uma análise sobre a relação entre o turismo, o universo das imagens e a Bossa Nova – estilo musical surgido na cidade carioca, entendido como uma importante peça de propagação da imagem do Rio mundo a fora. Para a fundamentação teórica deste trabalho, foi realizado um estudo analítico, descritivo, bibliográfico e discográfico, no qual são contemplados conceitos, autores, especialistas e produções referentes ao tema. Um panorama histórico, social e cultural do Rio de Janeiro, com recorte temporal compreendido entre o início do século XX e a contemporaneidade foi traçado em virtude de destacar marcos, acontecimentos e fatos de relevância para a compreensão da temática abordada neste trabalho e para o alcance dos objetivos ao qual o mesmo estava proposto. Considerou-se pertinente identificar os principais elementos, símbolos e representações associados à cidade do Rio e presentes nas letras de diversas canções da Bossa Nova, para que ponderações respaldadas pudessem ser feitas acerca da relevância da repercussão nacional e internacional deste estilo na reafirmação e propagação de um ideário de belezas, boemia, sensualidade e exotismo, através da fórmula “amor, sorriso e flor”, o que possivelmente exerceu influências no turismo apesar do contexto de caos e desigualdades observado na Cidade Maravilhosa. Palavras-chave: Turismo. Imagem. Rio de Janeiro. Bossa Nova.
ABSTRACT
This work aims to study the process of construction and dissemination of tourist image of the city of Rio de Janeiro in his most famous representation: the marvelous city. From the observation of signs and natural, cultural and historical elements inherent in the image of the city of Rio de Janeiro, as well as the relevance that the Brazilian music assumes while this stray, was made an analysis on the relationship between tourism, the universe of images and the Bossa Nova – musical style that emerged in the city of Rio de Janeiro, understood as an important piece of image propagation of Rio world outside. For theoretical work, was an accomplished analytical study, descriptive, and bibliographic record, which included concepts, authors, experts, and productions for the theme. A historic, social and cultural landscape of Rio de Janeiro, with temporal clipping from the beginning of the 20th century and the contemporary stroke was due to highlight milestones, events and facts of importance to the understanding of the subject matter covered in this work and to the achievement of the goals to which it was proposed. It was considered appropriate to identify the main elements, symbols and representations associated with the city of Rio and present in the letters of several songs of Bossa Nova, to which weights supported could be made about the relevance of the impact nationally and internationally in this style in the reaffirmation and propagation of an ideology of beauties, Bohemia, sensuality and exoticism, via the formula "love, smile and flower", which possibly has exerted influences on tourism despite the context of chaos and inequalities observed in the marvelous city. Keywords: Tourism. Image. Rio de Janeiro. Bossa Nova.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................... 10
1 TURISMO E IMAGENS......................................................................... 16
1.1 IMAGENS, ESTEREÓTIPOS E IMAGINÁRIOS SOCIAIS ................... 20
1.2 A FORMAÇÃO DA IMAGEM TURÍSTICA DOS LUGARES.................. 24
1.3 O PAPEL DAS IMAGENS E REPRESENTAÇÕES NA PUBLICIDADE DOS DESTINOS....................................................................................
27
2 A (RE)CRIAÇÃO DO RIO DE JANEIRO E DE SUA IMAGEM............. 31
2.1 MARCOS HISTÓRICOS PRECEDENTES............................................ 33
2.2 AS REFORMAS E A (RE)CONSTRUÇÃO DE UMA VITRINE NACIONAL.............................................................................................
35
2.3 CIDADE MARAVILHOSA: A PRIMEIRA IMAGEM TURÍSTICA DO RIO.........................................................................................................
40
2.4 ZONA SUL CARIOCA – CENÁRIO DE BELEZAS E CONTRASTES... 43
2.5 SER CARIOCA É ESSENCIAL.............................................................. 47
2.6 BOEMIA E MPB – A INFLUÊNCIA DO SOM NA IMAGEM CARIOCA. 50
3 BOSSA NOVA, UM CAPÍTULO À PARTE NA HISTÓRIA DO RIO DE JANEIRO.........................................................................................
53
3.1 A DÉCADA DE 50 E A NOVA BOSSA DA CIDADE MARAVILHOSA... 53
3.2 “QUE ISTO É BOSSA NOVA, ISTO É MUITO NATURAL”................... 56
3.3 OS DESAFINADOS............................................................................... 58
3.4 DO APOGEU ÀS CRITICAS.................................................................. 61
3.5 1964: ANO ÍMPAR................................................................................. 64
4 O RIO DA BOSSA NOVA..................................................................... 66
4.1 A CIDADE CANTADA............................................................................ 68
4.2 OS LEGADOS DA BOSSA NOVA......................................................... 74
4.3 CHEGA DE SAUDADE: ROTEIROS MUSICAIS NO RIO DE JANEIRO...............................................................................................
78
4.4 BOSSA NOVA, MÍDIA E MARKETING TURÍSTICO CARIOCA............ 80
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 85
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS................................................................................. 88
DISCOGRÁFICAS................................................................................. 94
ANEXOS
ANEXO A. LETRAS DAS MÚSICAS..................................................... 96
ANEXO B. FIGURAS............................................................................. 113
11
INTRODUÇÃO
A motivação primeira deste trabalho é poder analisar a imagem turística
da cidade do Rio de Janeiro através de letras da música brasileira,
compreendidas como importantes registros e objetos de estudo, a fim de que
se possam identificar nelas associações e representações da cidade carioca
que respaldem a sua imagem de Cidade Maravilhosa e a sua difusão pelo
mundo.
O início deste projeto e a decisão de transformar a paixão pelo Rio e
pela Bossa Nova1 no tema do trabalho final ocorreram juntas, no decorrer da
disciplina eletiva Tópicos Avançados em Turismo I, na qual era proposta a
construção de um artigo científico. Já havia cursado algumas matérias que
tratavam de patrimônio cultural e das suas possíveis relações com o turismo e
houve uma identificação pessoal. Para o artigo, o desafio principal era analisar
em que medida a Bossa Nova influenciava no turismo do Rio de Janeiro. O
artigo foi feito, porém as análises se tornaram superficiais e havia a intenção de
aprofundá-las em um trabalho mais elaborado, com uma estrutura que
viabilizasse o estudo das temáticas e contextos relativos ao tema.
A hipótese defendida para este trabalho é que a Bossa Nova tenha
contribuído significativamente para a difusão da imagem turística Rio Cidade
Maravilhosa e para o turismo na cidade através de suas canções, na medida
em que reafirmava o ideário de belezas, exotismo, cenários paradisíacos,
sensualidade, alegria e boemia, fazendo clara alusão às paisagens e lugares
cariocas. Tal temática foi entendida pela orientadora deste trabalho como um
olhar interessante sobre a imagem turística da cidade, plausível de ser
desenvolvido como trabalho de conclusão de curso e como uma reflexão de
extrema relevância para os turismólogos, pois atenta para a grande
possibilidade do uso do patrimônio e do legado cultural e musical para o
planejamento turístico da cidade do Rio, bem como pelos profissionais de
marketing na publicidade da imagem turística carioca.
1 Estilo e movimento musical criado no Rio de Janeiro, em fins da década de 1950. Neste trabalho, quando grafada em letras maiúsculas, a Bossa Nova faz referência ao estilo e movimento musical. No entanto, quando bossa nova surgir grafada em letras minúsculas, fará referência ao ritmo musical, criado por João Gilberto.
12
Ao analisar a história do país, percebe-se que o Rio de Janeiro é de fato
um estado de importância ímpar no contexto nacional. Do momento em que
passou a ser a capital da colônia, em 1763, até meados da década de 1960, o
Rio se manteve como um importante centro irradiador de cultura, tecnologia,
tendências, modernidade e progresso para o Brasil. No decorrer destes quase
duzentos anos, a cidade carioca presenciou três importantes períodos
históricos – o Brasil Colônia, o Império e a República – período marcado por
acontecimentos e mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais que
delinearam o rumo da história do país, mundialmente reconhecido pela sua
capital.
O século XX é considerado para este trabalho como um período crucial,
no qual transformações bastante significativas aconteceram no país e em
especial no Rio de Janeiro, que ganhou visibilidade internacional através de
uma imagem que mesclava beleza paisagística, exotismo, simbologia e
sensualidade – aspectos de uma “terra que a todos seduz2”. O lugar onde mar
e montanhas compõem um retrato paradisíaco tornou-se inspiração para
diversas manifestações culturais, principalmente para a música e, nesse
contexto a Bossa Nova ganha destaque.
Discorrer e fazer reflexões sobre a construção e a difusão da imagem
da cidade do Rio bem como investigar a sua relação com a Bossa Nova é a
grande motivação para este trabalho. Este estilo musical genuinamente carioca
teve grande repercussão nacional e principalmente internacional, tornando-se
um ícone musical brasileiro de reconhecida qualidade e originalidade. Muitas
de suas letras falam íntima e poeticamente da cidade do Rio, afinal seus
compositores moravam na cidade e percebiam nela uma fonte inesgotável de
inspiração. Para além disso, o contexto vivido no país e em sua então capital
federal, às vésperas de ser substituída por Brasília em 1960, estava em
sinergia com o otimismo e a exaltação ao composto “amor, sorriso e flor” que
muito se adequava as canções do primeiro momento da Bossa Nova. Era um
momento de satisfação da população em relação ao governo do presidente
Juscelino Kubitschek, que por conta disso ficou conhecido como Presidente
Bossa Nova. A proposta de mudanças e melhorias embutidas ao slogan da
2 Trecho da marchinha Cidade Maravilhosa, de André Filho, criada em 1934 em homenagem e exaltação a cidade do Rio de Janeiro.
13
campanha governamental de JK “50 anos em 5”, e as promessas de trazer a
modernidade e o progresso para o país refletiam no otimismo do povo e em
diversas esferas da sociedade, inclusive a cultural. A Bossa Nova não
contrastava em nada com este governo e, apesar das criticas e do
tradicionalismo de alguns em relação a este novo e original estilo que mesclava
o samba com o jazz americano, tudo virou Bossa.
Se, por um lado a música assume a importante missão de levar imagens
capazes de atrair as atenções do mundo ao cantar com uma batida harmônica
e genial letras que em geral falam de amenidades e amores que remetem a
cenários do Rio de Janeiro, por outro, recai sobre as músicas uma dúvida: se
alimentam o imaginário, capacitam-no e são incididas pela sua capacidade de
“„inventar o mundo” e tornando-o convincente e desejável. Então, que Rio de
Janeiro essas letras representam? A imagem de uma Cidade Maravilhosa
estaria ganhando visibilidade mundial atrelada ao sucesso da Bossa Nova?
Nesse contexto, o presente trabalho tem por objetivo analisar o processo
de construção da imagem da cidade do Rio de Janeiro como Cidade
Maravilhosa, bem como identificar nas letras das músicas da Bossa Nova a
presença dos signos culturais e paisagísticos que remetem a Cidade
Maravilhosa, investigando a possível influência da música na reafirmação e
difusão desta imagem de maravilhas e amenidades. Pretende-se compreender
qual ou quais “Rios de Janeiro” foram retratados pela nova bossa de se compor
e tocar proposta por João Gilberto, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Menescal,
Ronaldo Bôscoli e companhia, em um dos estilos musicais de maior sucesso
do país.
Apesar desta imagem em muito contrastar com a realidade de
desigualdades sócio econômicas da cidade do Rio e os graves problemas
urbanos como a violência e a favelização percebidos nela, também resguarda
proximidades com o cenário de exuberante beleza natural de uma cidade que é
praiana e urbana ao mesmo tempo, e por conta disso particulariza o estilo de
vida dos seus moradores, os cariocas, bem como a sua relação com o espaço
e com o mar, deixando-a mais leve, boêmia, com ares exóticos de
permissividade e sensualidade. Tais características, aliadas a diversidade e
riqueza histórica e cultural da cidade carioca atribuem a ela uma “vocação”
turística. O turismo, por sua vez, tende a se apropriar da imagem de uma
14
cidade maravilhosa, a fazer a sua promoção e, consequentemente, a produção
e reprodução de imaginários e representações do Rio associados a ela. Sob
este aspecto, a música – neste caso específico a Bossa Nova – é entendida
como uma “ferramenta” de difusão e reafirmação de imagens e imaginários, o
que para o turismo representa uma perfeita e valiosa trilha sonora para o
marketing carioca.
A metodologia adotada para o trabalho foi uma pesquisa bibliográfica,
descritiva e analítica, fundamentada e referenciada em livros, artigos e
trabalhos científicos, matérias de jornais e revistas (impressos e online),
músicas, entre outros materiais relativos ao tema. Os conceitos e
considerações dos autores e especialistas nas temáticas propostas
embasaram o desenvolvimento do conteúdo deste trabalho. Além disso, foi
realizada uma entrevista semiestruturada com a socióloga, pesquisadora e
escritora Edinha Diniz, pautada em um roteiro pensado em conjunto com a
orientadora deste trabalho visando seguir uma ordem cronológica e de
raciocínio que delineasse os rumos da conversa e que nos permitisse respaldar
o desenvolvimento deste estudo, em especial do capítulo III. Não houve
aplicação de formulário nem questionário de perguntas para que a entrevista
ocorresse de forma livre, espontânea e informal.
A partir das considerações, objetos e hipóteses de estudo mencionados,
compreende-se este tema como uma relevante reflexão para o turismo e para
os profissionais da área, visto que servirá de base para estudos e trabalhos
futuros acerca da relação entre as imagens, a música e o turismo, enfatizando
a importância das representações na percepção dos lugares, especificamente
no caso do Rio de Janeiro.
Por este motivo, dada a apresentação da temática a ser abordada neste
trabalho e em vias de fundamentar o estudo que se segue, no Capítulo I será
analisada a relação entre o turismo e o universo das imagens. Serão
apresentados os conceitos de turismo – entendido como fenômeno social
complexo e atividade econômica comercial altamente lucrativa e propulsora do
desenvolvimento e de impactos as comunidades –, bem como a conceituação
de imagem, imaginários, representações e estereótipos, ressaltando a
relevância de se atrelarem lugares a imagens e identidades visuais e sonoras
convergentes e atrativas. Posteriormente, será estudado o processo de
15
formação da imagem turística dos lugares e sua relação com o marketing
turístico e a publicidade dos destinos. Autores como Susana Gastal, Rosana
Bignami, Philip Kotler, Michel Maffesoli, Krippendorf, John Urry, Mario Beni
entre outros, foram de grande valia para a fundamentação, construção e
desenvolvimento deste estudo.
A título de contextualização, no Capítulo II será apresentada uma análise
sobre o processo de construção da imagem da cidade do Rio de Janeiro. Para
a realização desta, foi considerado o recorte temporal desde o início do século
XX até a contemporaneidade, no qual foram identificados e ponderados
momentos históricos, sociais, políticos e culturais no contexto nacional que
tenham tido ou expresso alguma relevância para a construção da imagem
carioca. Entretanto, foram ressaltados marcos históricos precedentes ao século
XX considerados cruciais a compreensão da importância da cidade do Rio no
cenário nacional e que possivelmente tenham contribuído para enriquecer e
respaldar ainda mais a sua imagem. As reformas urbanas ocorridas no início
do século XX, realizadas pelo então prefeito Pereira Passos, objetivavam
modernizar a cidade utilizando o modelo de urbanização parisiense,
demonstrando a intenção de criar uma nova imagem do Rio. Neste contexto,
serão destacados os principais símbolos e elementos presentes direta ou
indiretamente na imagem da “Cidade Maravilhosa”, assim como as suas
associações e representações ao longo do tempo e na contemporaneidade. A
paisagem – principalmente da Zona Sul da cidade – e o próprio carioca, bem
como as manifestações culturais e a música brasileira são temáticas que
ganham destaque neste capítulo. Autores como Marcello Tomé Machado,
Celso Castro, Maurício de Abreu, José Menezes entre outros foram estudados
para o desenvolvimento deste capítulo.
A seguir, no capítulo III será apresentada e analisada a Bossa Nova –
estilo musical criado no Rio de Janeiro em fins da década de cinqüenta – desde
o contexto de seu surgimento, passando pela sua relação cultural com a
política e a história vivida pelo país naquele momento e destacando as
principais ideologias, compositores e composições, bem como ressaltando a
sua íntima relação com a cidade carioca. A identificação dos traços da cidade
nas canções e o grande apelo que tiveram são fatores que fundamentam a
hipótese de que essas músicas foram importantes difusoras de uma imagem
16
poetizada da cidade, que coexiste com uma realidade de belezas e problemas
sociais. Nesse sentido, serão apresentados os principais compositores da
Bossa Nova e a sua relação com a cidade do Rio de Janeiro. Momentos
marcantes desde o apogeu às criticas são relatados e analisados no decorrer
deste capítulo, que termina com a chegada da ditadura militar e o “fim
anunciado” da Bossa Nova frente ao novo contexto nacional. O movimento
perde força, passa a sua segunda fase e com o tempo, as produções musicais
são feitas em sua maioria no exterior. Para este capítulo, autores, compositores
e músicos, bem como canções e filmes foram utilizados como base teórica.
Por fim, no capítulo IV será analisada a relação entre a Bossa Nova e a
cidade do Rio de Janeiro através das letras das canções que faziam alusão
clara a paisagens, cenários, signos e características cariocas. Após retratar a
“cidade cantada”, será enaltecida a importância da Bossa Nova para o país e,
em especial para a cidade do Rio, através da analise dos legados cultural,
musical e turístico deixados por ela, bem como da sua reconhecida importância
como patrimônio nacional e carioca. Em seguida, a criação de roteiros turístico-
musicais a partir da Bossa Nova na cidade do Rio de Janeiro será analisada e
a obra de Ruy Castro – importante jornalista e escritos que dedicou quatro de
suas obras literárias a falar da relação entre o Rio e a Bossa Nova – será
utilizada como principal embasamento teórico. Enfim, após analisar tais
temáticas, será apresentada a relação específica entre a Bossa Nova, a mídia
e o marketing turístico carioca ainda hoje, apesar do fim de sua produção
musical.
Exposto todo o conteúdo citado e feitas todas as análises e
ponderações, este trabalho se encerrará com a apresentação das
considerações finais, retomando os objetivos iniciais e pondo à prova as
hipóteses que pautaram o presente trabalho. Em anexo ao trabalho, estão as
letras das músicas citadas no decorrer do texto, assim como a lista de figuras.
17
1 TURISMO E IMAGENS
Fenômeno social complexo, dinâmico e passível de múltiplos olhares, o
turismo teve seu desenvolvimento como atividade socioeconômica bastante
relacionada aos avanços científicos e tecnológicos, que marcaram a segunda
metade do século XIX e o século XX. Neste período, as viagens turísticas
passaram a ser um “imperativo social” diante do novo contexto de maior fluxo e
troca de informação, dos avanços nos meios de transporte e tecnológicos.
No decorrer do século XX, o turismo ganhou força em todo o mundo e,
atualmente, destaca-se como um dos mais expressivos fenômenos sociais e
uma das atividades econômicas mais lucrativas do setor de serviços, que
apresenta em geral crescentes índices de empregabilidade e participação no
Produto Interno Bruto (PIB) dos países, segundo a Organização Mundial do
Turismo (OMT). Fatores como a globalização e os avanços na área de
transportes e de tecnologia da informação também são cruciais para o
desenvolvimento da atividade turística, visto que rompem com barreiras
geográficas e socioeconômicas, permitindo a difusão e instantaneidade da
troca de informação, e a maior mobilidade dos indivíduos pelo mundo. As
inovações tecnológicas facilitaram os deslocamentos e estimularam nas
pessoas o desejo de viajar, corroborando para que o turismo se tornasse um
dos “objetos de consumo mais desejados da população desse novo século”.
(CAMPOS, 2005).
Diante deste cenário, o turismo passou a ser objeto de estudo de
profissionais e pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento,
dispostos a analisá-lo em sua complexidade, definir conceitos, elaborar
fundamentos, áreas de abrangência, código de ética, formas de planejamento e
técnicas de implementação, observando e minimizando os seus impactos.
De acordo com a Organização Mundial do Turismo (2001, p.38), “o
turismo compreende as atividades que realizam as pessoas durante suas
viagens e estadas em lugares diferentes ao seu entorno habitual, por um
período consecutivo inferior a um ano, com finalidade de lazer, negócio ou
outras”. Não se restringindo apenas a uma atividade econômica, o turismo
passou a ser compreendido como um fenômeno social, em constante
transformação, motivado principalmente pela busca das pessoas pelo melhor
18
aproveitamento do seu tempo livre, pela satisfação de necessidades relativas
ao seu bem-estar e por experiências únicas e agregadoras. Segundo
Alexandre Panosso Neto, “a melhor forma de definir turismo é utilizando o
termo fenômeno, que significa a ação objetiva e intersubjetiva que se manifesta
em si mesma, que pode ser apreendida pela consciência e que possui uma
essência em si.” (2005, p.144).
Já Mario Beni (2003, p.35) afirma que o turismo é um “fenômeno tão
grande e complexo que se torna praticamente impossível de expressá-lo
corretamente.” Entretanto, o próprio autor conceitua o turismo como um
complexo processo, no qual fatores como realização pessoal e social, de
natureza motivacional, econômica, cultural, ecológica, entre outros de natureza
tanto material quanto subjetiva, influenciam na escolha dos destinos pelo
turista.
Sob outra ótica, Salah-Eldin Wahab compreende o turismo como:
[...] uma atividade humana intencional, que serve como meio de comunicação e como elo de interação entre os povos, tanto de dentro de um país como fora dos limites geográficos dos países. Envolve o deslocamento temporário de pessoas para outras regiões, países ou continentes, visando à satisfação de necessidades outras que não o exercício de uma função remunerada. Para o país receptor, o turismo é uma indústria cujos produtos são consumidos no local formando exportações invisíveis. Os benefícios desse fenômeno podem ser verificados na vida econômica, política, cultural e psicossociológica da comunidade. (1977, p.63).
De acordo com José Menezes (2004),
É próprio do homem buscar conhecer as diferenças culturais, intentar, compreender significados para as vidas de outros grupos sociais, visitar lugares que não são os seus para compreendê-los em sua espacialização histórica e cultural própria. (2004, p. 20).
Nesse sentido, podemos analisar que a prática do turismo tem um
significado especial para os viajantes: representa a busca do “anti-cotidiano”,
defendido por Krippendorf (1989, p. 27) como um aspecto das viagens,
caracterizadas por serem ou funcionarem como uma válvula de escape do dia-
a-dia, um ciclo de reconstituição característico da sociedade industrial, no qual
as pessoas buscam aproveitar seu tempo livre para desligar, relaxar,
distanciar-se da sua rotina diária. Não é à toa que destinos exóticos, culturas
19
diferentes, paisagens de sol e mar estão entre os mais procurados por turistas
e viajantes de todo o mundo.
O ato de viajar e a curiosidade do homem em relação ao desconhecido
são, sem dúvida, muito antigos. Cada turista é único e, portanto, suas
necessidades motivacionais também o são. John Urry, referindo-se às
motivações que levam os indivíduos a viajarem, argumenta que:
os lugares são escolhidos para ser contemplados porque existe uma expectativa, sobretudo através de devaneios e fantasias, em relação a prazeres intensos, seja em escala diferente, seja envolvendo sentidos diferentes daqueles com que habitualmente nos deparamos. (1996, p.18).
Contudo, ao analisarmos os motivos que levam as pessoas a viajar,
percebemos semelhanças no comportamento e nas expectativas do
consumidor de turismo, que ocasionam a possibilidade de traçarmos
determinados perfis. Por exemplo, a passividade é percebida como uma
característica geral do turista Psicocêntrico – classificação de Stanley Plog
(1977) para o turista que procura destinos conhecidos, serviços criados para
pensar no turista; não corre riscos e não tem interesse particular em interagir
com os residentes – isto é, aqueles que, em suas viagens, têm por objetivo
principal distanciar-se do cotidiano, buscar descontração e entretenimento em
lugares diferentes do habitual (geralmente destinos turísticos em voga), através
de roteiros pré-estipulados, sem a preocupação de conhecer a fundo e interagir
com o destino, a cultura e a população local. Já o turista Alocêntrico, de acordo
com Plog, tem como principal objetivo a interatividade com o destino de sua
viagem, motivado pela sua necessidade de vivenciar novos lugares, conhecer e
participar da rotina e cultura dos seus habitantes, e viver experiências
memoráveis.
Em todo caso, cabe ressaltar que classificações, como as citadas acima,
dentre diversas outras, são baseadas na percepção de autores e
pesquisadores acerca do perfil comportamental, das motivações e das
expectativas das pessoas em suas viagens, que levam a definições genéricas
e, por vezes, restritivas. Todavia, pondera-se que o comportamento humano é
dinâmico, mutável e até mesmo imprevisível, quando exposto a situações
diferentes das habituais, como no caso das viagens, onde o fator emocional e a
20
curiosidade podem (ou não) ficar mais aguçados. Portanto, nos atermos
apenas a classificações engessadas significa ignorarmos a dinamicidade do
comportamento humano, que pode assumir posturas variadas e divergentes
das previamente definidas e comumente percebidas nas classificações e
tipologias do turismo.
No campo das expectativas, o estudo do turismo e a sua análise como
atividade torna-se ainda mais complexa. Frente à intangibilidade dos “produtos
turísticos” – destinos com infraestrutura turística criada para atender a
demanda de visitantes –, os agentes do trade turístico3 se deparam com o
seguinte obstáculo: como trabalhar a promoção de um lugar, de forma a torná-
lo atrativo e a ocasionar nas pessoas encantamento e expectativas em relação
a ele?
A resposta encontrada pelo marketing turístico foi o uso das imagens
como a peça chave no processo de compra e venda de viagens e no momento
de escolha do destino. A partir das imagens, os lugares são percebidos, lidos e
interpretados, criados e recriados no imaginário dos turistas. Outros aspectos
relevantes como o senso comum, os estereótipos, a cultura local, a sua
paisagem, dentre outros são construídos imaginários sociais – de forma
induzida ou não – isto é, referências socialmente compartilhadas que remetem
as pessoas a representações e contribuem para a formação de identidades
locais.
No entanto, é importante termos em mente que, no turismo, “os fatores
de motivação, que propiciam esse movimento pelo mundo, são inúmeros.
Alguns são facilmente detectados; outros, por envolverem muita subjetividade,
são difíceis de ser avaliados” (PANOSSO NETO, 2005). Um mesmo destino é
passível de diversas interpretações que mantém uma íntima e dinâmica relação
entre dois conceitos-chave: imagem e realidade. Nesse sentido, serão
apresentados, a seguir, conceitos, linhas de pesquisa e autores de diferentes
áreas de conhecimento, como as da sociologia, da antropologia e do
3 Trade turístico – organizações privadas e governamentais atuantes no setor de "Turismo e Eventos" como os Hotéis, Agências de Viagens especializadas em Congressos, Transportadoras Aéreas, Marítimas e Terrestres, além de Promotores de Feiras, Montadoras e Serviços Auxiliares (tradução simultânea, decoração, equipamentos de áudio visuais, etc.) (EMBRATUR, 1995).
21
marketing, que contribuirão para nos aprofundarmos na compreensão desta
complexa relação entre turismo e imagens.
1.1. IMAGENS, ESTEREÓTIPOS E IMAGINÁRIOS SOCIAIS – CONCEITOS
[...] falar de imagem não significa se referir apenas a uma foto ou pintura, mas a todos os elementos que constituem uma narrativa visual específica e com vida (visualidade) independente. (GASTAL, 2005, p.50)
A visão sempre foi o sentido mais explorado e valorizado na
comunicação humana, e, a imagem, seu principal produto, se apresenta como
uma importante ferramenta de leitura, interpretação e compreensão da vida em
sociedade. O fato é que, desde a Antiguidade, estudos vêm sendo realizados
por de diversas áreas do conhecimento sobre as temáticas do real e do
imaginário, na tentativa de compreender a relação existente entre estes dois
universos. Considerado por muitos um tema intrigante, controverso e
absolutamente passível de diferentes teorias, a formação ou criação de
imagens pelo homem e pela sociedade, assim como pelo Turismo, está
bastante relacionada à esfera da subjetividade e das percepções.
O filósofo Platão é considerado um dos seus principais precursores, à
época de 400 a.C. Estudos revelam que Platão defendia que o homem está em
permanente contato com dois tipos de realidade: a inteligível e a sensível. A
partir desta concepção, o filósofo criou a Teoria das Idéias, conhecida também
como Teoria das Formas, a qual se constitui uma importante ferramenta para a
compreensão deste assunto, visto que denota a existência de dois mundos
paralelos – o Mundo das Idéias e o Mundo dos Sentidos. Segundo filósofos e
estudantes das teorias de Platão, no Mundo das Idéias, a idéia é considerada
pura, perfeita e inteligível, exatamente correspondente à realidade. Em
contrapartida, no Mundo Sensível, a percepção do mundo material é
considerada distorcida pela influência dos sentidos, que apreendem a realidade
apenas em parte e contribuem para que haja uma projeção dela, uma
representação do real que corresponde às imagens. As autoras Maria Lúcia
Aranha e Maria Helena Martins (1997), no livro Filosofando: Introdução à
22
Filosofia, compreendem que o mundo sensível é o universo "das essências
imutáveis, que o homem atinge pela contemplação e pela depuração dos
enganos dos sentidos". Percebe-se, então, a forte ligação entre as imagens e
as percepções, ambas influenciadas pelos sentidos.
Com o passar dos séculos, esta temática continuou a ser estudada e,
talvez por isso, haja na atualidade uma gama de autores, conceitos e teorias
acerca do universo das imagens. Complementando ou pautando-se na teoria
de Platão acerca da existência de dois domínios, no que tange ao real e às
imagens, Lúcia Santaella e Winfried Nöth fazem a seguinte afirmação:
O mundo das imagens se divide em dois domínios. O primeiro é o domínio das imagens como representações visuais: desenhos, pinturas, gravuras, fotografias e as imagens cinematográficas, televisivas, holo e infográficas pertencem a esse domínio. Imagens, nesse sentido, são objetos materiais, signos que representam o nosso meio ambiente visual. O segundo é o domínio imaterial das imagens na nossa mente. Neste domínio, imagens aparecem como visões, fantasias, imaginações, esquemas, modelos ou, em geral, como representações mentais. Ambos os domínios da imagem não existem separados, pois estão inextricavelmente ligados já na sua gênese. (SANTAELLA; NÖTH, 2001, p.15)
A compreensão do aspecto abstrato e simbólico das imagens também
se faz presente nas análises de Rosana Bignami (2002, p. 12), que afirma que
a imagem “pode ser associada a um conjunto de percepções a respeito de
algo, a uma representação de um objeto ou ser, a uma projeção futura, a uma
lembrança ou recordação passada”.
Susana Gastal, (2005, p.46) entende imagem como “visualidade
concreta”, porém considera a existência das “imagens mentais, aquelas dos
sonhos e de outras formas de trabalhos psíquicos”. Segundo o texto de Gastal,
a imagem implica a presença de um observante que, a partir de um ponto de
vista estabelecido, constitui visualmente um mundo possível, onde se
estabelecem figuras situadas em um determinado tempo e espaço. O autor
classifica imagem como uma conjectura de comunicação visual, na qual se
materializa “um fragmento do universo perceptivo e que apresenta a
característica de prolongar a sua existência ao longo do tempo”.
Já na compreensão de Yacarim Barbosa (2001, p.31), “a imagem talvez
seja um dos temas de maior relevância quando se trata do turismo”. A partir de
suas possíveis criações, recriações e reproduções socioculturais, o turismo
23
trabalha a divulgação dos mais diversos destinos. As imagens, assim como as
viagens, são abstratas e estão completamente relacionadas a percepções e
identificação pessoal, o que torna o produto turístico singular e diferenciado dos
demais.
A imagem de um lugar pode ser definida como um conjunto de atributos
formado por crenças, idéias e impressões que as pessoas têm sobre
determinado local (KOTLER, P. et al., 2005, p.182-183). Segundo o autor, as
imagens costumam representar a simplificação de inúmeras associações e
fragmentos de informações e são produtos mentais que sintetizam múltiplas
informações e impressões de determinados destinos.
De acordo com Rosana Bignami (2002, p.16), a imagem sempre irá se
constituir a partir de características que “se destacaram ou foram impostas
como padrão representativo da realidade e que irão posteriormente caracterizá-
la”, o que denota a relação entre imagem e estereótipo baseados em “sinais
reconhecíveis do meio”, ou seja, que “representam idéias, às quais irão se unir
uma provisão de imagens, escolhidas na grande confusão do mundo exterior
com base no que a cultura já definiu”, proporcionando uma visão de mundo
estereotipada.
Nesse sentido, os estereótipos estariam relacionados a pré-concepções,
pré-conceitos sobre alguém ou algum lugar, a partir de crenças que
simplificam, classificam e categorizam o todo, respaldando a criação de
imagens simplistas. Segundo Kotler:
Qual é a diferença entre uma imagem e um estereótipo? Um estereótipo sugere uma imagem amplamente difundida que é bastante distorcida e simplista, e que provoca uma atitude favorável ou desfavorável em relação à localidade. Uma imagem, por sua vez, é mais uma opinião pessoal que varia de indivíduo para indivíduo. (1994, p. 152)
Um claro exemplo de estereótipo seria o da mulher brasileira,
geralmente associado à figura da mulata do corpo “cheio de curvas”, que
esbanja sensualidade e anda com molejo e requebrado. Este estereótipo da
mulher brasileira é salientado culturalmente pelo Carnaval, pelas músicas e até
mesmo pela literatura. Tal percepção toma o todo por uma parte, sendo, então,
uma noção generalista, pré-concebidas e não fundamentadas do real. No
24
entanto, apesar de muitas das vezes assumir um teor pejorativo acerca de
algo, os estereótipos são comumente difundidos, isto é, socialmente
compartilhados, o que, para o turismo, pode ser extremamente prejudicial. O
fato é que imagens, estereótipos e imaginários são conceitos aparentemente
iguais, por vezes confundidos pelas pessoas. Sob o ponto de vista de Susana
Gastal (2005, pag.12-13):
[...] pode-se dizer que também haverá em comum, nos diferentes tipos de deslocamento, a presença de imagens e imaginários. Imagens porque, na própria cidade ou no estrangeiro, antes de se deslocarem para um novo lugar, as pessoas já terão entrado em contato com ele visualmente por meio de fotos em jornais, folhetos, cenas de filmes, páginas da internet ou mesmo por velhos e queridos cartões-postais. Imaginários porque as pessoas terão sentimentos, alimentados por amplas e diversificadas redes de informação, que as levarão a achar um local „romântico‟, outro „perigoso‟, outro „bonito‟, outro „civilização‟.
A criação e difusão de imaginários sociais a partir de imagens e
estereótipos, também se constituem uma importante abordagem a ser
destacada na relação entre o turismo e o universo das imagens. Michel
Maffesoli (2001) defende que “não é a imagem que produz o imaginário, mas o
contrário. A existência de um imaginário determina a existência de um conjunto
de imagens. A imagem não é suporte, mas resultado”, e em sua fala cita, para
exemplificar, a cidade de Paris e o imaginário que a cerca:
Há um imaginário parisiense que gera uma forma particular de pensar a arquitetura, os jardins públicos, a decoração das casas, a arrumação dos restaurantes, etc. O imaginário de Paris faz Paris ser o que é. Isso é uma construção histórica, mas também o resultado der uma atmosfera e, por isso mesmo, uma aura que continua a produzir novas imagens. (Maffesoli, 2001, apud Gastal, 2005).
A partir de tais ponderações, compreende-se que a imagem é trabalhada
no sentido de fomentar a curiosidade e as expectativas do turista, utilizando-se
de idéias, símbolos e representações mais voltadas aos anseios do turista do
que à realidade do espaço. Conforme o entendimento de Gastal (2004) o
turista preenche os territórios ou lugares desconhecidos com os imaginários
que tem sobre eles. Esta colocação denota que a visão do turista não se furta
da imaginação, contudo, também não se prende à retina ou a materialidade do
25
que observa, havendo um misto entre a realidade e a idealização do real no
seu olhar e nas suas percepções.
De fato, certas vezes, as imagens levantadas pelas campanhas
publicitárias “levam o turista a confundir o lugar ideal com o lugar real, fato que
somente é elucidado após a consumação da visita” (Coriolano apud Brito,
2002, p.20) e que pode ocasionar situações de desconforto e frustração para
os turistas e, consequentemente, um marketing negativo do local visitado.
Sendo assim, constata-se que somente ao vivenciar a cidade o turista poderá
construir as suas próprias impressões, que possivelmente estejam pautadas na
relação entre as suas expectativas e as suas experiências de viagem.
1.2. A FORMAÇÃO DA IMAGEM TURÍSTICA DOS LUGARES
Os olhos são verdadeiros instrumentos de observação. Na medida em
que olhamos as paisagens, analisamos também a sua imagem, seja ela prévia
ou associada instantaneamente. As tecnologias que geram apelo visual são
recursos largamente utilizados no turismo para a promoção de destinos,
confirmando a máxima popular de que a publicidade é a alma do negócio. No
turismo a maneira como um lugar será visto e percebido pelas pessoas é uma
das questões centrais no desenvolvimento da atividade e a produção de
imagens turísticas se demonstra como uma prerrogativa inicial. Na tentativa de
entender e definir como se processa a formação da imagem turística dos
lugares, cabe analisar a visão dos principais autores e estudiosos do tema,
contrapondo abordagens diversas.
Bignami (2002) afirma que a imagem turística de um lugar deve ser
considerada a partir de dois níveis, um orgânico e um induzido, sendo a
imagem orgânica a imagem inicial, que se desenvolve a partir dos
conhecimentos obtidos acerca de um lugar, por meio da educação, das artes e
da socialização, e a imagem induzida, um resultado da divulgação turística de
um lugar. Na mesma linha de raciocínio, a autora denomina ainda um outro
conceito de imagem – a imagem complexa, que se forma no momento em que
o turista mantem uma relação direta com o local. Tal compreensão nos leva a
26
perceber a complexidade da formação de imagens para o turista, a qual se
inicia antes mesmo da sua estada.
Complementando este viés de entendimento, em seu texto, Bignami
(2002, p.16) considera a existência de uma imagem primaria ou inicial
construída a respeito do lugar, e que existe previamente à motivação para
realizar uma viagem. Bignami (2002, p.16) aponta para uma situação onde o
turista não possui nenhuma imagem inicial ou orgânica do local, fazendo com
que a primeira imagem coincida com a obtida através da divulgação da
localidade, ou seja, com que a imagem primária se torne a imagem induzida.
Nesse sentido, acredita-se que a imagem de um lugar é formada a partir
de um processo cognitivo que se dá através da assimilação das informações
difundidas pelos agentes envolvidos com a atividade turística, bem como de
conceitos obtidos por meio da produção cultural, ou dos meios de
comunicação, como filmes, músicas ou reportagens. Cabe ressaltar a
existência de três principais atores no processo de criação de imagens
turísticas – os agentes turísticos, a mídia e os turistas – ambos com
participação ativa e dinâmica. Nesse sentido, Gastal (2005) ressalta que, na
“sociedade da imagem”, o público não apenas estará “saturado por sofisticados
acervos de memória disponibilizado pela fotografia, pelo cinema e pela
televisão, criando museus imaginários pessoais”, o que implica no fato de que
a formação de imagens seja influenciada não apenas pela percepção das
pessoas como também pelo que já existe previamente a este contato, sejam
fotografias, músicas, filmes ou demais símbolos e representações.
O turismo faz parte de um mundo de símbolos, ideias, sonhos e
representações, pois é, antes de tudo, um conjunto de pré-concepções e
percepções de imagens e valores de significado cultural, construído por quem
viaja antes mesmo da experiência realizada. (Coriolano apud Brito, 2002, p.5).
Sob a ótica do marketing, Philip Kotler afirma que:
Os espaços são compreendidos e percebidos de formas distintas, a partir da somatória dos aspectos materiais com os perceptuais ou mentais, que em conjunto formam a imagem do lugar. Definimos imagem de um lugar como um conjunto de atributos formado por crenças, idéias e impressões que as pessoas têm desse local. As imagens costumam representar a simplificação de inúmeras associações e fragmentos de informações e são o produto da mente
27
tentando processar e enquadrar enormes quantidades de dados relacionados a um lugar. (2005, p.182)
Segundo Kotler 2005 (apud Bignami, 2002), a imagem de um lugar pode
ser entendida como um conjunto de crenças, ideias e impressões que as
pessoas assimilam sobre ele, sendo portanto um síntese das diversas
informações relacionadas com o lugar; um somatório de aspectos tangíveis
(reais) e de aspectos puramente perceptuais, os quais podem ser manipulados
pelos sentidos e por agentes externos como a mídia e a publicidade para
fomentar o imaginário das pessoas por meio de representações. Na lógica do
marketing, estas representações estão muito mais voltadas para os anseios e
expectativas do turista do que à realidade do espaço, tornando-se as imagens
muitas vezes mais importantes do que o “produto” a ser consumido, havendo
então uma sobreposição e uma projeção da realidade.
Há ainda de se considerarem os casos em que o turista não tenha
nenhuma imagem formada do destino para o qual viajará, havendo apenas em
sua mente informações soltas e difusas. Neste caso, “a imagem primária será a
imagem induzida” (BIGNAMI, 2005, p.16) e os estereótipos podem vir a
influenciar na percepção final do destino. Ainda conforme a autora, o olhar do
observador tenderá a “reproduzir o objeto observado da maneira como ele o
entendeu e aprendeu, mediante suas imagens já constituídas e memorizadas
em seu processo de aprendizagem.” (BIGNAMI, 2005 p.17).
Alguns destinos destacam-se por suas imagens e representações,
associações imediatas. Paris, a Cidade Luz, ícone do romantismo, moda e da
sofisticação, é sem dúvidas um dos destinos mais procurados por casais em
lua de mel; Roma, a Cidade Eterna, roteiro dos adeptos de turismo cultural; e
Nova York, a “Cidade que nunca dorme”, sinônimo de compras, negócios,
modernidade e entretenimento. A cidade do Rio de Janeiro também se encaixa
nesse contexto: a mundialmente conhecida Cidade Maravilhosa é também
chamada de Cidade dos Contrastes, Cidade Bossa Nova, Capital do samba, do
Carnaval e das mais belas mulheres brasileiras. De acordo com Sandra
Pesavento (2007), “é por meio dessas representações que o espaço se
transforma em lugar, portador de um significado e de uma memória”. Ainda
citando a autora:
28
A cidade é objeto da produção de imagens e discursos que se colocam no lugar da materialidade e do social e os representam. Assim, a cidade é um fenômeno que se revela pela percepção de emoções e sentimentos dados pelo viver urbano e também pela expressão de utopias, de esperanças, de desejos e medos, individuais e coletivos, que esse habitar em proximidade propicia. (PESAVENTO, 2007)
De maneira geral, o termo representação se refere a imagens, signos,
símbolos, figuras ou outras formas de substituição restrita da coisa que se quer
registrar. Porém, nesse sentido, a representação deverá ser entendida como
um objeto material, concreto, que pertence ao domínio das imagens como
representações visuais e que se origina e traduz uma representação mental.
O fenômeno turístico pode influenciar de forma direta na imagem dos
destinos mistificando a realidade dos lugares e revalorizando traços culturais. A
imagem turística de um lugar é resultante de um complexo processo que inclui
a cognição, as percepções, as expectativas e os agentes externos, dentre os
quais a cultura, a mídia e a publicidade se sobressaem.
1.3. O PAPEL DAS IMAGENS E REPRESENTAÇÕES NA PUBLICIDADE
DOS DESTINOS
Para além de um fenômeno social altamente consolidado, o turismo é
antes de tudo uma atividade extremamente comunicacional que permite a
criação e reprodução social de imagens e imaginários. Na percepção de
Droguett e Cunha (2004, p.150), há “na práxis do Turismo uma ação
comunicativa inscrita nas imagens audiovisuais que a mídia promove para o
exercício da crítica a respeito da conquista do espaço físico e humano, do qual
somos todos responsáveis”. Ambos os autores consideram que a mídia é “[...] o
principal instrumento de mediação entre os agentes humanos e comerciais do
Turismo” (2004, p.146).
Os lugares ganham a conotação de destinos turísticos e passam a ser a
matéria-prima para que se construa e se promova uma imagem atrativa, cuja
função é despertar nas pessoas uma vontade irresistível e por vezes a
necessidade de conhecer e vivenciar um determinado local. Percebe-se,
29
portanto, que explorar as imagens dos destinos através da divulgação se
constitui uma estratégia do marketing turístico. Nesse contexto, o marketing
turístico assume um papel de destaque no planejamento e desenvolvimento da
atividade, consagrando, redescobrindo e até mesmo (re)criando destinos.
Kotler (2005) afirma que “Sem uma imagem original e diferenciada, um lugar
potencialmente atraente pode passar despercebido em meio ao vasto mercado
de lugares disponíveis”. Ainda de acordo com o autor, a imagem turística de
um lugar pode ser classificada da seguinte forma: excessivamente atraente –
atrai públicos em demasia, sem ter a condição de atender suas demandas;
positiva – o lugar é bem visto por seus públicos; fraca – não é clara a imagem
do lugar, não há evidência de aspectos relativos ao lugar; contraditória –
quando aspectos negativos e positivos coexistem sobre o mesmo lugar;
negativa – a imagem é vinculada a aspectos negativos.
Entende-se que a classificação das imagens turísticas é dinâmica e
extremamente sensível a percepção da demanda acerca da qualidade e da
veracidade das informações publicitárias divulgadas. “A imagem de um lugar
pode mudar rapidamente quando os meios de comunicação e a propaganda
boca a boca disseminam notícias a seu respeito” (Kotler, 2005, p.182).
Sob a compreensão de Ruschmann (1999), o marketing é, portanto,
muito mais do que a modernização das técnicas de venda: é um conceito
voltado para o consumidor buscando identificar e satisfazer necessidades e
desejos. Já Mario Beni afirma que “o marketing de turismo pode ser definido
como um processo administrativo através do qual as empresas e outras
organizações de turismo identificam seus clientes (turistas), reais e potenciais,
e com eles se comunicam para conhecerem e influenciarem suas
necessidades, desejos e motivações nos planos local, regional, nacional e
internacional em que atuam, com o objetivo de formular e adaptar seus
produtos para alcançar a satisfação ótima da demanda” (Beni, 2003).
Gastal (2003, p.57), compreende que “Trabalhar no turismo significa
alimentar, reforçar ou renovar imaginários, para além das propostas de
marketing”. Para “produtos” intangíveis, como é o caso do turismo, a
publicidade assume ainda maior importância e, por outro lado, maior risco e
dificuldade de se implementar, afinal, vender o intangível é vender imagens.
Para atingir os diferentes tipos de público, técnicas como exaltar as
30
características positivas presentes na paisagem, dar ao lugar ares
paradisíacos, enfatizar as experiências que poderiam ser vivenciadas na
viagem e os sentimentos como a felicidade e a realização são algumas das
estratégias adotadas pelos agentes turísticos para criar, consolidar e promover
imagens turísticas. A apropriação das características e elementos pré-
existentes no espaço, de maneira a mistificar o lugar, agregar-lhe valor turístico
e dessa forma, fomentar o imaginário dos turistas torna-se o objetivo específico
do marketing turístico e como artifícios são usados a mídia, os canais de
comunicação, as fotografias, os cartões postais e os souvenires como meios de
tangibilização dos lugares e viagens, conferindo-lhes um aspecto palpável, uma
maneira de levar mais do que recordações para casa. Neste momento, é
pertinente ressaltar a consideração de Urry:
A fotografia, portanto, está intimamente ligada ao olhar do turista. As imagens fotográficas organizam nossas expectativas ou nossos devaneios sobre os lugares que poderíamos contemplar. Quando estamos viajando, registramos imagens daquilo que contemplamos. Escolhemos parcialmente para onde ir, a fim de capturar imagens em um filme. A obtenção de imagens fotográficas organiza em parte nossas experiências enquanto turistas. Nossas recordações dos lugares onde estivemos são estruturadas em grande medida através das imagens fotográficas e o texto, sobretudo verbal, que tecemos em torno dessas imagens quando as mostramos para os outros. (1996, p.187).
Como se pode notar, trabalhar com a imagem de um destino é algo
bastante complexo. O turismo é bastante influenciado por fatores externos e
macro-ambientais, tais como propaganda, o clima, tensões políticas,
fenômenos naturais, crises, taxas de câmbio, moda, entre outros. Por não ser
um consumo essencial, é entendido com supérfluo e sendo substituído.
Explica-se assim o fato do turismo ser entendido como elástico, intangível,
perecível, inseparável, sazonal, imaterial, heterogêneo e ainda, fazer parte do
setor de serviços, por estar intimamente relacionado ao universo das imagens
e das percepções.
A comunicação turística serve para entendermos melhor o papel do marketing para o turismo, porque ela é uma portadora de imagens que são feitas. A comunicação se faz através dos veículos da mídia, mas ela é feita também pelos profissionais que trabalham na área, o recepcionista de um posto de informações, o guia de turismo, o monitor de um atrativo histórico-cultural. Os turistas também fazem a
31
comunicação pois emitem mensagens para outros turistas. É esta dimensão humana que faz a riqueza do turismo. (YASOSHIMA, 2004, p.12)
O marketing turístico é, portanto, compreendido como uma estratégia
vital, cuja principal função é promover o destino de maneira a encantar,
seduzir, emocionar o turista. Porém, nem sempre o marketing é desenvolvido
desta forma e o poder de persuasão pode vir a ser usado em virtude de criar
falsas imagens dos destinos, ocasionando nos turistas expectativas não
correspondidas e frustrações. “Não se trata de informar o real. A publicidade
não fala jamais do produto do qual ela construiu a imagem: pela metáfora, que
consiste em designar o real fazendo referência a um outro real, a publicidade
contorna o real.” (ROSEMBERG, 2000, p.60)
É justamente este o cerne da polêmica em torno do marketing turístico.
A questão central é de que forma o turismo se apropria das características
naturais e culturais do destino para a criação e promoção da imagem turística
dos mesmos? Este questionamento será o viés deste trabalho e conduzirá as
analises que se seguem acerca da imagem turística da cidade do Rio de
Janeiro, a Cidade Maravilhosa.
32
2. A (RE)CRIAÇÃO DO RIO DE JANEIRO E DE SUA IMAGEM
O Rio de Janeiro é um estado de extrema importância no contexto
nacional. Foi eleito a capital do país e assim permaneceu durante um período
de quase 200 anos, compreendido entre 1763 e 1960, no qual foi palco de
diversos acontecimentos e importantes eventos da história nacional.
Localizado na região sudeste do Brasil, o Rio de Janeiro é um estado de
pequenas proporções territoriais (43,6 km²), mas que resume bem o país em
sua diversidade social, cultural e econômica. A capital fluminense, alcunhada
de Cidade Maravilhosa, está atualmente entre as mais belas e famosas do
mundo, alcançando uma projeção internacional jamais vista. Descrever a
cidade do Rio de Janeiro não é uma tarefa fácil, afinal são várias as
características e particularidades deste lugar.
A praia é incontestavelmente um espaço de interação e integração entre
os cariocas e os visitantes da cidade. São cerca de 30 quilômetros de orla que
vai do Leme ao Pontal e forma um cenário paradisíaco, marca registrada do
Rio. Nela, é possível encontrar durante todo o dia, inclusive nos dias de
inverno, pessoas caminhando ou pedalando nos calçadões da orla,
desfrutando da paisagem e da brisa do mar. As praias fazem parte do dia a dia
do carioca e possivelmente por este motivo exerçam tamanha influencia tanto
no seu estilo de vida quanto na imagem que se faz dele. Quanto a isso, a
historiadora e pesquisadora Monica Velloso (1986) afirma que já na década de
1920, o Rio de Janeiro era descrito como uma “cidade contemplativa, cercada
de montanhas, olhando o mar” e o carioca como um povo dotado de “instinto
de navegação, que o faria debruçar-se saudoso ao cais, sempre em busca de
novos horizontes”.
Contudo, sintetizar o Rio a belas praias não seria justo, a cidade tem
muito mais a oferecer. A supervalorização da orla marítima como o principal
atrativo turístico da cidade é também de certa forma uma ação restritiva pois se
sobrepõe a diversidade cultural e a rica história carioca. Inclusive, diversidade e
o contraste talvez sejam as palavras-chaves para compreender a identidade
urbana desta cidade, que apresenta ainda hoje importantes marcas da
presença européia no país, desde a época da colonização até o Império.
33
A cidade que nasceu de frente para o mar possui uma topografia
privilegiada que a emoldura e ainda mantém viva a maior floresta urbana do
mundo, a Floresta da Tijuca, além de Parques e Lagoas em sintonia com o
lugar. Bairros boêmios e badalados da Zona Sul e do Centro do Rio aparecem
nas suas principais representações e durante os séculos, em especial no
século XX, passaram por uma série de intervenções e reformas para
adaptarem-se a modernidade, agregando valores e expressões culturais que
compuseram o imaginário que ronda esta cidade múltipla e democrática.
A construção da cidade do Rio de Janeiro e a atual imagem que se faz
dela são frutos de um projeto consecutivo (porém descontinuo) de
transformação e modernização, o que possivelmente seja a raiz de problemas
urbanos e sociais ainda vistos. Aparentemente não houve o devido
gerenciamento unificado das ações relativas a urbanização da cidade,
geralmente feitas de forma acelerada, imediatista e pouco planejada. As
favelas cariocas são um claro exemplo deste processo e também constituem
uma famosa representação da cidade. Apesar de terem sido vistas durante
muitas décadas de forma pejorativa, como um lado negativo do Rio, atualmente
o que se percebe é a inversão deste conceito através do reconhecimento das
comunidades como ambientes mais humanitários e até mesmo turísticos –
assunto bastante polêmico e plausível de debates com viés ético e social. No
que tange a este assunto, é inegável que as recentes medidas pacificadoras
tomadas pelo Governo Federal e Estadual através das instaurações de UPP‟s
(Unidades de Polícia Pacificadora) nas comunidades sejam importantes
intervenções e estejam contribuído para desmistificar o imaginário de medo e
impunidade associados as favelas, ressalvando certas proporções.
Rio de tantas maravilhas, de tantas desigualdades; de tantas belezas e
de tantos contrastes. “Cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos”4.
Como se percebe, a vocação turística carioca não está relacionada apenas as
suas belezas naturais, mas também a uma série de elementos e símbolos aos
quais seremos apresentados a seguir, no intuito de remontar o processo de
criação de sua imagem.
4 Trecho retirado da música "Rio 40 Graus”, composta por Fernanda Abreu, Fausto Fawcett e Carlos
Laufer, gravada por Fernanda Abreu no álbum Sla 2 Be Sample, em 1992.
34
2.1. MARCOS HISTÓRICOS PRECEDENTES
Logo no início do século XIX, mais precisamente no ano de 1808, a
Família Real e a Corte Portuguesa vieram para o Brasil devido a um contexto
mundial bastante instável ocasionado pela ameaça de invasão e tomada de
territórios pelo francês Napoleão Bonaparte. Segundo o historiador Luiz
Alencastro (apud Machado, 2008, p.38) “No total, pelo menos quinze mil
pessoas transferiram-se de Portugal para o Rio de Janeiro no período”,
somando-se a Família Real, a Corte e seus respectivos servos. Contudo, o Rio
de Janeiro – capital do Brasil Colônia – não tinha infraestrutura para receber e
acomodar tamanha quantidade de pessoas, acostumadas ao clima e aos
padrões de vida europeus. Foi então que teve início uma série de reformas
estruturais e arquitetônicas no estado, em especial na cidade carioca. Já nesta
época, havia a intenção do então Príncipe Regente, D. Pedro I, de dar “ares”
de modernidade ao local, baseados na civilização européia.
Tais reformas eram de fato necessárias, afinal o contingente
populacional crescera abruptamente e para acomodá-lo a solução encontrada
foi em detrimento da população carioca: o confisco de residências feito pelo
Príncipe Regente, representado pelas letras “PR” escritas nas casas que
seriam tomadas. Estas letras ganharam a conotação de “ponha-se na rua” pela
população e o fato já demonstra a história de exclusão vivida pela camada
social mais pobre no Brasil.
O cenário encontrado na época pela Corte Portuguesa no Rio era
extremamente insalubre e melhorias como pavimentação, iluminação pública,
abastecimento de água, entre outras, tiveram que ser feitas de imediato. O
urbanismo veio acompanhado da arquitetura e do paisagismo típicos europeus,
trazidos para o Brasil através de importantes construções como o Palácio da
Quinta da Boa Vista, o Jardim Botânico – inicialmente chamado de Real Horto,
o Paço Imperial, a Biblioteca Real e o Museu Real – atualmente conhecidos
como Biblioteca Nacional e Museu Nacional, a Academia de Bela- Artes, entre
outras heranças deixadas para cidade carioca. Além disso, no que tange as
melhorias infraestruturais feitas na cidade, foram criados hospitais, igrejas
35
católicas, escolas, bancos (inclusive o Banco do Brasil) e o primeiro jornal
carioca, a Gazeta do Rio de Janeiro.
O Rio de Janeiro tornou-se a residência fixa da Corte Portuguesa no
Brasil e ganhou o status de Reino Unido de Algarves. Nesta época, com a
Abertura dos Portos e com os novos Tratados de Aliança e Amizade, muitos
imigrantes, dentre eles artistas e comerciantes estrangeiros, vieram para o Rio
de Janeiro aumentando ainda mais o número de moradores da cidade que,
sem o planejamento urbano adequado, crescia desordenadamente.
Paralelamente a isso, eram importados e introduzidos na cultura nacional os
padrões de vida e comportamento de diferentes países europeus, o que
contribuiu para a diversidade cultural percebida ainda hoje no Brasil, em
especial em suas principais capitais, como é o caso do Rio. Percebe-se então
que o Porto não desempenhava apenas uma função comercial, pelo contrário,
através dele riquezas nacionais eram levadas a baixo custo e “estrangeirismos”
eram trazidos e incorporados como o que há de melhor e mais moderno.
Ainda neste século, dois grandes marcos ocorreram na história nacional:
a Proclamação da Independência do Brasil, por D Pedro I em 1822 e a
Proclamação da República, que decretava o fim do Império, em 1889, por
Marechal Deodoro da Fonseca. Tais episódios representaram importantes
momentos de transição, repletos de pressões políticas, nacionais e
internacionais, em meio a um contexto social instável e de descontentamento
popular. Contudo, estas mudanças foram consideradas grandes passos rumo a
democracia e, por terem se dado na capital nacional, ganhavam maior
evidência e visibilidade. Neste meio tempo, por volta do meado do século XIX,
iniciava-se no Brasil (em especial no Rio de Janeiro) o período conhecido como
Belle Époque, que perduraria até as primeiras décadas do século XX em vias
de implementar mudanças e transformações urbanísticas baseadas em moldes
europeus para trazer ares de modernidade ao país.
O Brasil também beneficiou-se muito com as obras e grandes
empreendimentos do banqueiro e diplomata mais famoso do Império: o Sr.
Irineu Evangelista de Souza, conhecido como Barão e, mais tarde, como
Visconde de Mauá. Responsável pela construção da primeira ferrovia
brasileira, nomeada Estrada de Ferro Mauá, e pela Companhia de Iluminação e
Gás do Rio de Janeiro, o Visconde de Mauá promoveu inovações que
36
contribuíram significativamente para o avanço da capital do país, atraindo
investimentos estrangeiros e imigrantes que instalaram-se nas localidades
onde atualmente encontram-se os bairros que formam a Zona Sul do Rio de
Janeiro, lugar de privilegiada paisagem.
O Rio de Janeiro “reinava” absoluto dentre os demais estados nacionais
no início do século XX: era a capital federal do país que vivia um período de
desenvolvimento e crescimento econômico. A cidade destacava-se como o
principal centro irradiador de cultura para as outras cidades brasileiras, ou seja,
era a representação clara de uma vitrine nacional e estava aos poucos sendo
adequada aos moldes estrangeiros. O Rio de Janeiro tornou-se a principal
representação brasileira, por suas expressões culturais e históricas, e ainda
sediava importantes instituições como o Banco do Brasil, indústrias, ferrovias e
um porto bastante movimentado.
Em contrapartida a todos estes avanços, era notório que a capital do
Brasil, em especial o centro da cidade, apresentava uma série de problemas
urbanos e estruturais, o que fazia com que fosse considerado insalubre. Havia
na cidade um claro “paradoxo” entre as belas paisagens da Zona Sul, com o
apelo da vista para o mar, e a situação miserável do centro e dos seus
arredores.
2.2. AS REFORMAS E A (RE)CONSTRUÇÃO DE UMA VITRINE NACIONAL
No início do século XX, a cidade do Rio de Janeiro ainda era
considerada bastante insalubre e enfrentava sérios problemas urbanos e
sociais, portanto era consenso a necessidade de reformas e transformações.
Nessa época, doenças graves como febre amarela, varíola, peste bubônica e
tuberculose tornavam-se epidemias devido a falta de higiene e a pouca
ventilação no centro e, com isso, afetavam grande parte da população que vivia
nas ruas do centro da cidade, nos chamados cortiços e em casarões antigos –
ambos construções coletivas e precárias com pouco ou nenhum saneamento
básico, que abrigavam uma grande quantidade de pessoas à margem do
acesso a educação e saúde. Os índices de mortalidade eram muito elevados e
37
o Governo se viu obrigado a tomar medidas para “solucionar” o problema. No
entanto, segundo Machado (2008):
Somente no início do século XX, mais precisamente a partir do governo do Presidente Rodrigues Alves, a realidade atrasada da cidade começou a mudar e o projeto da modernidade, não apenas para o Rio de Janeiro, mas para o Brasil, começou então a se tornar realidade. (MACHADO, 2008, p.66)
Em 1902 Rodrigues Alves assume a presidência do país em meio a este
contexto e deixa clara a proposta de remodelar a cidade, deixando-a mais bela,
moderna e saudável. Ora, acreditava-se que a capital federal necessita ser
uma vitrine nacional e, por conseguinte, um belo cartão-postal. Então, nada
mais plausível do que reformar a cidade. Tendo por slogan “O Rio civiliza-se!”,
criado pelo jornalista Figueiredo Pimentel na coluna Binóculo, da Gazeta de
Notícias, esse ideário de transformação da paisagem urbana se refletia
também na paisagem social.
As reformas urbanas iniciaram-se em 1903, sob administração do então
prefeito do Rio de Janeiro, o engenheiro Francisco Pereira Passos,
responsável por implementar o Plano de Embelezamento e Saneamento da
Cidade do Rio, que visava fazer intervenções sanitárias, viárias e estéticas
baseadas na reformulação do Plano de Melhoramentos de 1875, idealizado a
partir do Plano de Remodelação parisiense.
Dessa forma, fica evidente a intenção do Governo nacional de
reestruturar o Rio de Janeiro de acordo com a estética urbana francesa. Tais
medidas exerceriam influência na história, na cultura e no comportamento dos
cariocas e principalmente, na construção desta nova imagem da cidade,
fortemente influenciada pelos ideais modernistas europeus. Ocorreram
importantes transformações políticas, sociais, culturais e econômicas que
redefiniram a configuração da cidade, a então capital federal.
O projeto do Rio de Janeiro para ser o passaporte do Brasil para o mundo moderno seria construído com o progresso, (...), ou seja, a entrada triunfal do país na modernidade seria através da Cidade do Rio de Janeiro, desde que “radicalmente modificada em seu corpo físico, urbanístico e arquitetônico, com sua população fecundada pelos fluxos imigratórios e sua cultura renovada pela absorção integral do mundo francês”. Há aí a clara intenção de fazer do Rio de
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Janeiro a “Paris dos Trópicos”. (LESSA, 2000, apud MACHADO, 2008, p.66)
O principal o objetivo do Plano era o embelezamento da cidade e
acreditava-se que isso só seria possível com a erradicação dos cortiços do
Centro, retirando a população pobre, afastando as doenças e assim
revitalizando o lugar. A idéia era alargar, pavimentar e arborizar as ruas
principais, transformando-as em avenidas centrais. Para isso, seriam
necessárias demolições dos morros e desapropriações das pensões, casas de
cômodo e cortiços do centro, conhecidos como “cabeças de porco”. As
reformas do Porto do Cais do Rio de Janeiro (obras para drenagem e
construção de muralha do cais, além de colocação de trilhos da Estrada de
Ferro Leopoldina e linhas do Cais do Porto), juntamente as obras do Canal do
Mangue, a demolição do Morro do Senado e abertura de grandes avenidas
como a Avenida Central (atual Av. Rio Branco), Avenida Mem de Sá, Avenida
Passos, Avenida Francisco Bicalho e Avenida Rodrigues Alves no Centro, além
da Avenida Atlântica, em Copacabana, trouxeram as desejadas melhorias em
relação à acessibilidade, estética e ventilação. Além disso, reformas no
Passeio Público, Praça XV, Praça Tiradentes e Largo da Lapa foram feitas,
paralelamente a obras de escoamento das águas pluviais, demonstrando
preocupação com esgotamento sanitário e com o sistema de abastecimento de
água, bastante precários na época. Segundo Castro (2001, p.120), “o Rio é
transformado em uma metrópole, com boa parte do ar ainda colonial da cidade
sendo substituída por uma aparência mais condizente com a belle époque das
principais capitais européias”.
Estas grandes reformas ficaram conhecidas como o “Bota-abaixo” de
Pereira Passos e durante todo o período em que elas ocorreram houve
resistência por parte das camadas mais pobres da sociedade carioca,
principalmente pelo fato de serem elas as mais afetadas. Dentre as
manifestações de resistência popular, a mais conhecida deste período foi
possivelmente a Revolta da Vacina em 1904, desencadeada pela imposição do
Governo na vacinação obrigatória. A vacina foi criada pelo cientista e
sanitarista Oswaldo Cruz, nomeado Diretor Geral de Saúde Pública pelo
presidente Rodrigues Alves, para minimizar a proliferação das “pestes” da
39
época, doenças descritas anteriormente, e reduzir as elevadas taxas de
mortalidade na população carioca, em especial a população central.
A intenção era a de tornar o Rio uma Europa possível, e para isso era necessário esconder ou mesmo destruir o que significava atraso ou motivo de vergonha aos olhos das nossas elites. Vielas escuras e esburacadas, epidemias, becos mal afamados, cortiços, povo, pobreza destoavam visivelmente do modelo civilizatório sonhado.” (VELLOSO, 1988, p. 11)
Segundo o historiador André Nunes de Azevedo (2003), “Não houve
apenas uma reforma urbana. Aconteceram duas reformas em paralelo, dois
planos urbanísticos completamente distintos”. O autor acredita que as reformas
urbanísticas propostas pelo Presidente Rodrigues Alves e implementadas pelo
prefeito Pereira Passos tinham diferentes objetivos. A primeira propunha como
idéia central que “a cidade precisava deixar de ser insalubre, pois, visto como
porta de entrada da captação de imigração, o Rio preocupava a elite
cafeicultora, que nesse momento estava em crise de mão-de-obra e dependia
muito da imigração para sanar essa questão”. Já a reforma do prefeito Pereira
Passos, segundo o autor, “estava menos preocupada com o tipo de progresso
material que Rodrigues Alves buscava e mais centrada na ideia de civilização:
Pereira Passos queria civilizar o Rio de Janeiro. Assim, ele convoca a
população para se incluir, tomar contato com o Teatro Municipal e com a
Escola de Belas-Artes, por exemplo”, afirma Azevedo (2003).
No início da década de 20, a demolição do Morro do Castelo no Centro
da Cidade do Rio de Janeiro tornou-se um episódio que também ganhou
destaque na história carioca, dando continuidade às obras de saneamento e
embelezamento iniciadas por Pereira Passos e Rodrigues Alves. Segundo
historiadores, no lugar do antigo morro surgiu o bairro do Castelo, e os antigos
moradores se deslocaram para o Morro do Borel, no bairro da Tijuca,
originando a atual Favela do Morro do Borel. A terra retirada do Morro do
Castelo foi usada para aterrar parte da Urca, Lagoa Rodrigo de Freitas, Jardim
Botânico, área do Jóquei Clube e muitas áreas da Baía de Guanabara.
Embora fosse um sítio histórico, o morro havia se transformado em local de residência de inúmeras famílias pobres, que se beneficiavam dos aluguéis baratos das antigas construções ali existentes. Situava-se, entretanto, na área de maior valorização do solo da cidade, a dois passos da Avenida Rio Branco. Daí porque era preciso eliminá-lo, não
40
apenas em nome da higiene e estética, mas também da reprodução do capital. (ABREU, 1987, P.)
O fato é que a modernização da cidade ocasionou a perda de território
para um enorme contingente de pessoas de baixa renda que moravam nos
cortiços do centro da cidade e, por conta da falta de opção e da procura por
locais próximos aos seus trabalhos, começaram a fazer construções
igualmente precárias nos morros da cidade, formando as primeiras favelas, na
região dos morros da Saúde e da Providência, no Centro.
Segundo Jacqueline Lima, Doutora em Sociologia e Mestre em História
Social da Cultura pela PUC-RJ, “a reforma urbana não só possuía uma
dimensão física, mas também simbólica, já que o espaço estava sendo
transformado na pretensão de que o Rio de Janeiro se tornasse àquilo que
então era entendido como uma capital moderna”. Na construção desta nova
imagem da cidade, os indivíduos foram se apropriando dos novos valores e
tornando-se um dos seus principais elementos.
Nos projetos, passado e futuro se entrelaçavam, ambos idealizados e ambos no rastro dos modelos e paradigmas estéticos da Europa Ocidental. Ao recolher fragmentos do passado e monumentalizá-los nas edificações propostas, os arquitetos “inventaram uma tradição” que buscava apagar as raízes portuguesas e coloniais para sublinhar uma origem mítica. (HOBSBAWN & RANGER, 1997)
Mais uma vez, como no período da chegada da Família Real e da Corte
Portuguesa, percebe-se a intencional tentativa de re-criação da imagem da
cidade do Rio de Janeiro através de mudanças e reformas baseadas em
moldes europeus, que respaldassem a arquitetura e o paisagismo no
planejamento urbano, obviamente colocando a estética do belo em detrimento
do “feio”, que seriam a pobreza, a insalubridade e os problemas sociais,
mascarando-os ou simplesmente afastando-os das vistas do povo estrangeiro.
41
2.3. CIDADE MARAVILHOSA: A PRIMEIRA IMAGEM TURÍSTICA DO RIO
Ainda no início do século XX, mais precisamente no ano de 1908, a
cidade do Rio de Janeiro comemorava o centenário da chegada da Família
Real Portuguesa no Brasil. Em homenagem ao fato, o jornalista e escritor
maranhense Paulo Coelho Neto, conhecido como “Príncipe dos Prosadores
brasileiros”, escreveu um artigo para o jornal A Notícia, enaltecendo as belezas
da cidade e desviando o foco dos problemas e da série de obras e mudanças
pelas quais a cidade passava na época.
A repercussão da imagem da cidade fica clara com a publicação do livro
Rio: La Ville Merveilleuse, de Jeanne Catulle Mendes, em 1912. O título, se
traduzido para o português, resulta na expressão “Cidade Maravilhosa” e
acredita-se que a partir deste momento houve a associação do Rio a sua mais
famosa representação, o que contribuiu significativamente para a criação da
primeira imagem turística do local. O termo foi atribuído pelo escritor Coelho
Neto, que publicou em 1928 o livro de contos A cidade maravilhosa. O escritor
foi considerado um dos mais lidos de sua época, o que nos permite pensar no
papel de sua obra na construção de uma imagem do Rio de Janeiro.
A tradição dos Bailes de Carnaval na cidade do Rio tem início em 1932
e, inspirado na atmosfera de desenvolvimento, modernização e exaltação da
cidade carioca, André Filho compôs em 1934 a marchinha de Carnaval "Cidade
Maravilhosa". A canção de melodia alegre e letra simples complementava a
imagem que vinha sendo construída: “cidade maravilhosa, cheia de encantos
mil”, a “terra que a todos seduz” tornou-se o “coração do meu Brasil”. A
musicalidade havia se tornado mais um símbolo da cidade, já conhecida como
o berço do samba, e a marchinha Cidade Maravilhosa popularizou-se e logo foi
consagrada como o Hino Oficial da cidade do Rio de Janeiro.
Cidade maravilhosa, Cheia de encantos mil!
Cidade maravilhosa, Coração do meu Brasil!
Cidade maravilhosa, Cheia de encantos mil!
Cidade maravilhosa, Coração do meu Brasil!
Berço do samba e das lindas canções
Que vivem n'alma da gente,
És o altar dos nossos corações
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Que cantam alegremente.
Jardim florido de amor e saudade,
Terra que a todos seduz,
Que Deus te cubra de felicidade,
Ninho de sonho e de luz.
(Andre Filho, 1934)
A temática de mar, sol, música, alegria, boemia, sensualidade e
cordialidade compunha a imagem da cidade do Rio, que se expandia e
ampliava seus espaços de sociabilidade. Livrarias, cafés e restaurantes a
beira-mar eram freqüentados por cariocas, visitantes, artistas, músicos e até
mesmo políticos, interessados em experimentar a dolce vita carioca.
No decorrer do século, novos símbolos e elementos foram trazidos para
a cidade do Rio e contribuíram para complementar e respaldar esta sua
imagem. A paisagem da cidade ganha dois dos seus mais famosos e
tradicionais ícones e cartões postais: o Bondinho (teleférico) do Pão de Açúcar,
ainda em 1912 e o Cristo Redentor, imponentemente colocado no Corcovado,
em 1931. Ambos ofereciam uma vista panorâmica e muito privilegiada da
cidade do Rio, deslumbrando assim os seus moradores e estimulando a vinda
de visitantes de todo o mundo para apreciá-los.
A princípio construídos sem intenção turística, apenas para
embelezamento da cidade, estes dois símbolos são ainda hoje cartões postais
que exercem fascínio em todo o mundo. Recentemente, no ano de 2007, o
Cristo Redentor foi eleito uma das Sete Maravilhas do Mundo Contemporâneo,
registrando na história sua importância como um patrimônio da humanidade.
Desta forma, se reafirma no imaginário social uma representação carioca que
contempla a natureza mas que está respaldada na idéia do Rio de Janeiro ser
uma cidade moderna, maravilhosa e aberta para o mundo.
A nossa Paris dos Trópicos havia de fato ganhado novos ares e já atraia
mais olhares e investimentos estrangeiros. A cidade passa a ter enfim uma
imagem repaginada, recriada, que se traduz em belezas, modernidade e
diversidade. Neste novo estereótipo, o próprio carioca tem papel de destaque
por seu estilo de vida. Um claro exemplo disso é o Zé Carioca – o que de início
43
parece ser só um personagem de desenho animado, possui uma
representação simbólica muito maior do que se imagina.
Criado na década de 40 pelo próprio Walt Disney em uma turnê pelo
Brasil, o personagem José Carioca foi um “presente” que caricaturava a figura
do “Bom Malandro Carioca” em um animal que tinha as cores da bandeira
nacional, o papagaio. Tinha como principais características ser divertido,
boêmio, criativo e piadista, fazendo alusão ao famoso “jeitinho” dos cariocas e
dos brasileiros de resolver os problemas do dia a dia. O personagem
representava o malandro alérgico a trabalho, o “boa gente” porém “caloteiro”
(termo pejorativo usado para designar pessoas que não cumprem com seus
compromissos financeiros). Ao que parece, sua construção foi uma crítica
disfarçada, uma sátira ao carioca, que assim como o Zé Carioca, era sempre
associado a símbolos como a praia, a tradicional feijoada, o gosto pelas
mulheres, pelo samba e pelo futebol.
A figura típica do “bom malandro” já estava presente no imaginário
atribuído ao brasileiro antes mesmo da criação do Zé Carioca. O malandro
seria a figura do mulato brasileiro – derivado da miscigenação típica do país –
que dribla o preconceito e consegue uma certa ascensão social por meio de
favores conquistados com muita ginga e simpatia. O personagem Macunaíma,
de Mário de Andrade, lançado em 1928, já trazia esta essência malandra e
mestiça do caráter nacional.
Na década de quarenta era notória a presença de grandes hotéis na
cidade do Rio de Janeiro, em especial na orla da Zona Sul carioca, dentre os
quais o mais famoso e tradicional é sem dúvidas o Copacabana Palace.
Construção luxuosa, imponente e de vista privilegiada, data da década de 20 e
contribuiu de forma significativa para o desenvolvimento turístico do Rio de
Janeiro. Também nesta década, inaugura-se o Hotel Glória, outro tradicional
empreendimento hoteleiro que passa recentemente5 por reformas, com a
promessa de trazer de volta o seu glamour característico aliado a modernidade.
O imaginário do maravilhoso estava então instaurado e a cidade carioca
começava a exportar suas belezas em formato de cartão-postal. Sua paisagem
5 Em 2008, o Grupo EBX, do empresário e empreendedor carioca Eike Batista, adquiriu o Hotel Glória, que passa a se chamar Gloria Palace Hotel. As reformas foram iniciadas logo em seguida a compra e tem previsão para serem encerradas até 2014.
44
e as suas características plurais – e ao mesmo tempo singulares – se
destacaram como um dos principais atrativos do lugar, motivando a vinda de
turistas e visitantes de todo o mundo para desvendar os segredos mistificados
na imagem da Cidade Maravilhosa. A incomparável beleza da cidade, o estilo
de vida e a relação do carioca com o mar, a variedade de cenários em um
mesmo lugar, os ares de boemia, a musicalidade, a pluralidade cultural, a
receptividade e até mesmo o próprio carioca são os símbolos e elementos que
compõem a imagem do Rio, conferindo a ela o respaldo para o título de
maravilhosa. A sua vocação turística foi sendo aflorada e aprimorada
juntamente com as transformações pelas quais a cidade passou, amparada em
todo o processo de remodelação desta eterna vitrine nacional.
Os anos dourados – período que tem início na década de 50 devido ao
acelerado processo de crescimento econômico e desenvolvimento nacional –
também foi crucial para a formação da imagem turística da cidade do Rio.
Pontos atrativos da cidade como o Jardim Botânico, o Jóquei Clube, a Quinta
da Boa Vista, O Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a Floresta da Tijuca e as
praias de Copacabana, Ipanema e Arpoador tornaram-se pontos turísticos,
juntamente com o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar.
2.4. ZONA SUL CARIOCA – CENÁRIO DE BELEZAS E CONTRASTES
O imaginário social da cidade do Rio de Janeiro é comumente associado
as paisagens da Zona Sul carioca. Cartões postais, fotografias, campanhas
publicitárias e souvenires sugerem uma cidade de beleza singular, que mescla
em seu território o mar e a urbanização. Neste contexto, bairros como
Copacabana, Ipanema, Urca, Flamengo, Gávea, São Conrado, Leme, entre
outros, constituem a imagem cênica da Cidade Maravilhosa e neles estão os
seus mais famosos e procurados pontos turísticos. Não por acaso. Esta área
da cidade é de fato privilegiada pela natureza: combina a vista para o mar com
o frescor a abundância de vida da Floresta da Tijuca – a maior floresta urbana
do mundo. Quem observa o Rio através da zona sul da cidade percebe que a
beleza e os contrastes são características bem marcantes da cidade.
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De fato a zona sul do Rio era a representação do ideário de
modernidade e beleza estética desejado para a cidade e em virtude disso, no
decorrer do século XX, recebeu maiores investimentos do Governo para
promover o desenvolvimento urbano e viário do local. O impulso dado aos
meios de transporte, desde os bondes elétricos até os primeiros carros,
permitia as pessoas desfrutar das regalias de se viver na cidade a beira mar e
tão logo a praia tornou-se moda e, mais do que isso, passou a fazer parte da
programação habitual de finais de semana – o espaço de lazer e socialização
preferido do carioca. Adquiriu então importante papel de lugar democrático
para convívio social, no qual o culto ao corpo e aos esportes ao ar livre eram
feitos cotidianamente.
A história das praias do Rio de Janeiro e de sua fachada marítima é uma seqüência de grandes transformações em contínuo diálogo com a borda do mar. É uma história, como era de se esperar, repleta de fatos contraditórios, muitas vezes inspirada em realizações européias, desde a Nice do século XIX até a Barcelona de finais do século XX, mas com uma magnitude espacial muito superior, que se conjuga com a intensidade de sua paisagem. É, em síntese, uma história apaixonante da engenharia e do urbanismo contemporâneos, que caracteriza essa relação entre a cidade e o mar. (ANDREATTA, V.; CHIAVARI, P.; REGO, H. 2009, p.16)
Já no início do século XX, a zona sul da cidade era considerada um
espaço privilegiado, glamouroso, e morar nela tornou-se o desejo de muitos
cariocas, principalmente dos que tinham maior poder aquisitivo. Bares,
restaurantes, casas de show, cassinos, bingos e prédios residenciais foram
sendo construídos com vista para o mar. Na década de 20, com a construção
do luxuoso hotel Copacabana Palace, visitantes ilustres vinham se hospedar no
Rio e a cidade tornou-se um fervo cultural e social, servindo de inspiração para
músicos, poetas, escritores, jornalistas e até mesmo para reuniões políticas. O
Túnel Velho, que ligava Botafogo a Copacabana também impulsionou bastante
o crescimento demográfico desta área da cidade, que estava em voga e por
conta disso atraía um grande número de pessoas interessadas em viver o
glamour e ter o status social de moradores da zona sul da capital federal. Neste
contexto, o bairro de Copacabana consolidava-se como a “Pérola do Atlântico”
e inicia-se também a construção de um loteamento voltado para as classes
altas da sociedade para a ocupação de Ipanema e Leblon.
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O símbolo de modernidade em que se tornou o Rio de Janeiro brevemente teria outras características nas quais se apoiar, além daquelas de renovação de sua área central. Em poucas décadas, a expansão e a construção de um novo bairro, Copacabana, trariam para esta cidade um amplo conjunto de símbolos de modernidade. Com a criação e a ocupação do bairro de Copacabana foi possível “inventar” a Zona Sul, topônimo até então não utilizado, e que só surgiria em fins da década de 1920 em Copacabana, e o seu oposto, o “subúrbio”, termo até então utilizado com outro significado, de arredores ou periferia da cidade, que não lhe conferia ainda uma característica de topônimo no Rio de Janeiro. (CARDOSO, 2010, p.80)
Contudo, não era apenas o belo que atraía as pessoas, mas também as
oportunidades que este local oferecia em termos de trabalho – por ter um
comércio mais desenvolvido e a proximidade do centro da cidade – e qualidade
de vida. Formada por bairros tradicionalmente voltados para as classes mais
abastadas, esta área se diferenciava bastante do restante da cidade pela
qualidade da infraestrutura que oferecia (econômica, política, cultural e de
serviços), e pelo cotidiano que essa estrutura possibilitava. Com tantas
vantagens, morar na zona sul do Rio tornou-se caro devido a valorização
imobiliária do local. Famílias tradicionais, artistas e políticos fixaram residência
em condomínios de luxo e mansões na orla, desde a Urca a Copacabana.
Paralelamente a isso, diante do contexto das reformas no centro da
cidade e do bota-abaixo dos cortiços e “cabeças de porco”, os antigos
moradores passaram a migrar para outras áreas que fossem próximas do
Centro e que oferecessem melhores e maiores oportunidades – a zona sul se
encaixava perfeitamente neste perfil, mas a valorização imobiliária do local
encarecia e muito o custo de vida e, sendo assim, outras formas de habitação
foram procuradas pela população de baixa renda. Morar na zona sul “deixou”
de ser um privilégio para poucos e o cenário de desigualdades evidentes
passou a se constituir: teve início o processo de favelização da zona sul da
cidade.
Viabilizou então o desenvolvimento de sua própria negação, ou seja, a proliferação de um habitat que já vinha timidamente se desenvolvendo na cidade e que, por sua informalidade e falta de controle, simbolizava tudo o que se pretendeu erradicar da cidade. Este habitat foi a favela (ABREU e VAZ, 1991, p. 3)
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Segundo Abreu e Vaz (1991, p. 2) “o aparecimento da favela está
intimamente ligado a todo um conjunto de transformações desencadeadas pela
transição da economia brasileira de uma fase tipicamente mercantil-
exportadora para uma fase capitalista-industrial”. E afirma ainda que “trata-se
do momento em a cidade passa a ter um crescimento demográfico
extremamente rápido (fruto de migrações internas e estrangeiras) que
agravava sobremaneira a questão habitacional”.
Os morros começaram a ser ocupados verticalmente, de forma
inadequada e sem o respaldo do Governo, através de casebres com condições
precárias, sem acesso a saneamento básico. O problema do centro da cidade
apenas estava deslocando-se e esta é a raiz de graves problemas sociais e
das desigualdades percebidas ainda hoje na cidade. A presença de favelas no
Rio de Janeiro, especificamente nos bairros da Zona Sul da cidade, se
configura atualmente como a expressão de conflitos e contradições no espaço
urbano carioca.
A partir dos anos de 1930 as favelas ganham maior visibilidade na
cidade. O Plano agache foi o primeiro documento oficial a citar a presença de
favelas no Rio de Janeiro, quando esta presença já começava a incomodar.
Em 1950, as favelas estavam distribuídas por toda a cidade, sendo os pontos
de maior concentração a Zona Norte (servida pelo trem), a área central e a
Zona Sul.
Durante o período que vai de 1940 a 1960, diversas foram as
intervenções do Governo no espaço urbano da Zona Sul na tentativa de
impedir o avanço das favelas, como as remoções que visavam higienizar a
cidade e tirar pessoas de áreas de risco como encostas de morros. Na década
de 70, a zona sul passa novamente por um intenso processo de valorização e
verticalização da orla em contrapartida ao aumento do número de favelas (e de
moradores) e da segregação ocasionada na cidade partida, contexto no qual
pobreza e riqueza urbana ocupavam “quase” o mesmo espaço e dividiam as
atenções do Governo. Evidências dos contrastes em meio as belezas da zona
sul da Cidade Maravilhosa.
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2.5. SER CARIOCA É ESSENCIAL
Como temos visto no decorrer deste capítulo, a imagem da cidade
carioca é uma construção composta por uma série de acontecimentos,
símbolos, agentes e elementos que estão presentes na chamada identidade
cultural carioca – a qual é entendida como “aspectos que surgem de nosso
pertencimento a culturas étnicas, raciais, lingüísticas, religiosas, e, acima de
tudo nacionais” (HALL, 2001, p. 08). Mediante o contexto de mudanças e
intervenções culturais, urbanísticas e sociais que o Rio de Janeiro (em
particular a sua cidade homônima) esteve exposto desde que foi intitulado a
capital do Brasil Imperial, por consequência, a cultura carioca não poderia ser
mais híbrida e multi-facetada.
Nessa composição, há que se destacar um elemento chave, uma peça
fundamental para o entendimento da Cidade Maravilhosa: o próprio carioca.
Ilustre figura do imaginário popular nacional e internacional, o carioca – termo
utilizado para designar e definir os moradores da cidade do Rio de Janeiro –
possui uma identidade plural que me muito se assemelha a realidade brasileira.
Na metrópole “tropicalizada”, os cariocas representam bem mais do que
apenas habitantes. Ditam moda, criam e exportam estilo de vida. São adorados
e criticados por conseguirem conciliar trabalho e lazer. Trocam o escritório pela
praia no final da tarde e batem palmas para o pôr do sol sem o menor pudor;
cultivam o estilo de vida peculiar de quem mora no Rio: desfrutam da sua
cidade.
Os cariocas de fato inspiram. Adriana Calcanhoto, uma não-carioca,
expressou sua visão sobre os moradores da cidade do Rio através da música
“Cariocas”:
Cariocas são bonitos
Cariocas são bacanas
Cariocas são sacanas
Cariocas são dourados
Cariocas são modernos
Cariocas são espertos
Cariocas são diretos
Cariocas não gostam de dias nublados
Cariocas nascem bambas
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Cariocas nascem craques
Cariocas tem sotaque
Cariocas são alegres
Cariocas são atentos
Cariocas são tão sexys
Cariocas são tão claros
Cariocas não gostam de sinal fechado.
(Adriana Calcanhoto, 1996)
Bonitos, bacanas, sacanas, modernos, espertos, alegres, bambas,
dourados. São várias as características e adjetivos associados aos cariocas, a
partir dos quais estereótipos e identidades são criados e recriados. Zé Carioca,
o papagaio mais famoso da Disney, é uma clara evidência de como é
estereotipado o morador da cidade do Rio, para além, o próprio brasileiro.
Esperto, bamba, sacana, alegre, craque, bacana, tal qual a canção de Adriana
Calcanhoto. A ideia de recriar e modernizar a imagem da cidade do Rio de
Janeiro no início do século XX trouxe como consequência também a imediata
associação do povo brasileiro a imagem e aos estereótipos construídos do
carioca. Um povo mestiço, genética e culturalmente, marcado pela alegria, pela
boemia e pelo famoso jeitinho brasileiro.
Contudo, apesar dos estereótipos e da possível verossimilhança de
algumas características presentes neles, o carioca é um povo apaixonado,
tanto pela sua cidade, quanto pelo seu estilo de vida. Vinícius de Moraes, um
ilustre carioca, descreve o que é ser carioca na prosa Estado da Guanabara,
do livro Para viver um grande amor (1962):
Um carioca que se preza nunca vai abdicar de sua cidadania. Ninguém é carioca em vão. Um carioca é um carioca. Ele não pode ser nem um pernambucano, nem um mineiro, nem um paulista, nem um baiano, nem um amazonense, nem um gaúcho. Enquanto que, inversamente, qualquer uma dessas cidadanias, sem diminuição de capacidade, pode transformar-se também em carioca; pois a verdade é que ser carioca é antes de mais nada um estado de espírito . (...) Pois ser carioca, mais que ter nascido no Rio, é ter aderido à cidade e só se sentir completamente em casa, em meio à sua adorável desorganização. Ser carioca é não gostar de levantar cedo, mesmo tendo obrigatoriamente de fazê-lo; é amar a noite acima de todas as coisas, porque só a noite induz ao bate-papo ágil e descontínuo; é trabalhar com um ar de ócio, com um olho no ofício e outro no telefone, de onde sempre pode surgir um programa; é ter como único programa o não tê-lo; é estar mais feliz de caixa baixa do que alta; é
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dar mais importância ao amor que ao dinheiro. Ser carioca é ser Di Cavalcanti.
A adoração pelo carioca e pelas singularidades do seu estilo de vida
possivelmente serviram de inspiração para o poeta, escritor e compositor
Vinícius de Moraes em suas obras que muito relatavam o Rio de Janeiro e
complementavam a imagem da cidade maravilhosa.
Millôr Fernandes, outro ilustre carioca, jornalista, escritor e desenhista,
decifra o carioca no texto O carioca é. Antes de tudo.
“Os paulistanos que me perdoem, mas ser carioca é essencial. Os derrotistas que me desculpem, mas o carioca taí mesmo pra ficar e seu jeito não mudou. Continua livre por mais que o prendam, buscando uma comunicação humana por mais que o agridam, aceitando o pão que o diabo amassou como se fosse o leite da bondade humana. O carioca, todos sabem, é um cara nascido dois terços no Rio e outro terço em Minas, Ceará, Bahia, e São Paulo, sem falar em todos os outros Estados, sobretudo o maior deles o estado de espírito. Tira de letra, o carioca, no futebol como na vida. Não é um conformista -- mas sabe que a vida é aqui e agora e que tristezas não pagam dívidas.”
Neste trecho, o autor faz alusão a tradicional rixa e quase inevitável
comparação entre cariocas, paulistas, mineiros e outros brasileiros, que
fundamenta e/ou é fundamentada em estereótipos, corroborando em uma visão
generalista e bastante simplista da realidade. Em seguida, Millôr continua sua
definição (e exaltação) do carioca:
Amante de sua cidade, patriota do seu bairro, o carioca vai de som (na música), vai de olho (é um paquerador incansável e tem um pescoço que gira 360 graus), vai de olfato (o odor é de suprema importância na fisiologia sexual do carioca). Sem falar, que, em tudo, vai de espírito; digam o que disserem, o papo, invenção carioca, ainda é o melhor do Brasil, incorporando as tendências básicas do discurso nacional: o humanismo mineiro, o pragmatismo paulista, a verborragia baiana.
Este texto representa a visão do carioca sobre si mesmo e
paralelamente a isso, deixa evidente a pluralidade intrínseca a “carioquice” ou
“cariquiocidade”, neologismos que tentam definir o jeito do morador da cidade
do Rio de Janeiro. Jovens, sarados, descontraídos, sociáveis, boêmios,
descompromissados, espaçosos, ecléticos, musicais, sensuais, receptivos,
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enfim, seja como forem vistos, os cariocas são considerados fascinantes
objetos de estudo e continuam a ditar moda, a inspirar.
2.6. BOEMIA E MPB – A INFLUÊNCIA DO SOM NA IMAGEM CARIOCA
A relevância francesa na construção da imagem da cidade do Rio de
Janeiro não se restringiu apenas ao modelo de modernidade e urbanização no
qual foram baseadas as reformas do início do século XX. Bem antes disso,
ainda no século XIX, Paris surge na história carioca como uma fonte de
inspiração cultural: tem origem lá a famosa boemia carioca.
Segundo Seigel (1992), a boemia é um fenômeno social e literário que
teve lugar em diversos pontos do planeta e em diferentes épocas. O termo diz
respeito à artistas que se reconhecem como tais e que procuram definir seus
valores em contraposição aos da burguesia, por meio da arte. Os boêmios
eram, em sua maioria, jovens que opunham-se aos padrões sociais e políticos
convencionais e se expressavam através das artes, seja pela música, pela
literatura ou pela pintura. Possuíam hábitos de vida noturna e desregrada,
geralmente associada a bebida e até mesmo as drogas, compreendidas como
meios alucinógenos de escapismo da realidade.
No Rio de Janeiro, mais especificamente na segunda metade do século
XIX, a boemia exercia influencias na Belle Époque carioca e também
resguardava proximidades com o universo das artes, em especial a literatura e
a música. Diversas produções artísticas ilustravam os conflitos políticos, sociais
e culturais vivenciados na cidade, pois apesar de considerados pelo senso
comum da época como malandros e “vagabundos” por manterem hábitos
noturnos e desregrados, os boêmios tinham um cunho intelectual aflorado e
muito influenciaram não apenas na imagem que ainda hoje se faz do carioca,
bem como na criação de diversos gêneros e estilos da música brasileira, que
tem no Rio de Janeiro um de seus berços mais ilustres.
São vários os bairros cariocas que ficaram conhecidos como redutos da
boemia, dentre os quais a Lapa é considerado o mais tradicional. Vila Isabel,
Estácio, Gamboa, Copacabana, Madureira e Tijuca se destacam por terem sido
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o palco da criação e produção da MPB na cidade no decorrer do século XX e
ainda hoje, como legado musical e cultural, seus bares, botequins e casas de
show são bastante freqüentados por cariocas e turistas.
Os botequins cariocas são instituições que carregam a alma da nossa Cidade Maravilhosa. Instituições democráticas. Pontos de convergência de pessoas de todas as classes, todos os sexos, todos os times. Em torno dos seus balcões nascem letras e músicas inesquecíveis, gírias influentes, críticas temidas. (STUDART, 2009)
E foi assim, em conversas e encontros despretenciosos de bar – hábito
do carioca – que estilos musicais e famosas composições foram criadas,
muitos deles tendo a própria cidade como fonte maior de inspiração. Não é por
acaso que o Rio e o carioca são “cantados” e homenageados por muitos
artistas da MPB.
Estilos e gêneros musicais como o choro, as marchinhas de Carnaval, o
samba e suas derivações (o samba-canção, samba de raíz e o samba enredo),
a bossa nova, o funk, dentre outros, apesar de existirem de diferentes formas
em outras partes do país, são entendidos como expressões musicais urbanas
do Rio de Janeiro. O samba, por exemplo, extrapola a categoria local e ganha
status de símbolo da identidade nacional brasileira a partir da década de 1930.
Compositores e músicos como Bezerra da Silva, Braguinha, Carmen Miranda,
Cartola, Clara Nunes, Ivone Lara, Martinho da Vila, Noel Rosa, Pixinguinha
entre tantos outros tornaram-se ícones da MPB.
Os sambas e as marchinhas ocuparam cinqüenta por cento do mercado de música gravada no Brasil entre 1931 e 1940, o que era uma façanha, sabendo-se que esse período coincidiu com o do apogeu criativo da canção americana [...] Não por acaso, aquela seria depois chamada de a “época de ouro” da nossa música popular. (SEVERIANO; HOMEM DE MELLO, 1997 apud CASTRO, 2001, p.104).
Também na cidade carioca foram realizados diversos Festivais de
Música ao longo do século XX, que contribuíram para a descoberta e
consolidação de muitos ícones e grandes músicos da MPB, inclusive através
de canções de protesto criadas em resposta a ditadura e a censura do regime
militar. Tais fatos corroboram com a idéia de que “além de ser veículo para
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uma boa idéia, a canção (e a música popular como um todo) também ajuda a
pensar a sociedade e a história. A música não é apenas boa para ouvir, mas
também é „boa para pensar‟” (Napolitano 2005, p. 11).
Como se pode perceber, a música tem papel de destaque no cotidiano
do carioca, bem como na história e na cultura do Rio de Janeiro. Através dela,
imagens são “cantadas” e imaginários sociais da cidade são construídos. Os
elementos formados e os símbolos que povoam a escuta musical também não
existem sem um espaço imaginário, espaço onde movimentos, velocidades,
distâncias, durações, dinâmicas e alturas se medem e se articulam, tal como
num sistema lógico e organizado. (RODRIGUES, 2007, p.80)
A música é uma manifestação cultural que só vem a contribuir, enquanto
registro representativo, para a análise da imagem carioca. Entretanto, se a
música alimenta o imaginário e a sua capacidade de recriar e reinventar o
mundo, então, qual é o Rio representado através dela? Para responder a tal
questionamento, será estudado a seguir o estilo musical genuinamente carioca
que, por meio das letras de suas canções, consolidou e propagou a imagem da
Cidade Maravilhosa do Rio de Janeiro: a Bossa Nova.
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3. BOSSA NOVA, UM CAPÍTULO À PARTE NA HISTÓRIA DO RIO DE JANEIRO Em meio a uma nova atmosfera de desenvolvimento e otimismo vivida
no país durante a década de 1950, o Rio de Janeiro foi mais uma vez o palco
do surgimento de um estilo musical, que muitos autores preferem tratar como
movimento musical, a Bossa Nova. Criada por ilustres mestres da música
brasileira, a Bossa Nova representou uma interessante inovação, pois
harmonizava, em suas canções, ritmos completamente distintos: o jazz e o
samba. Através de letras suaves e alegres, a cidade do Rio de Janeiro e o
carioca eram bastante exaltados.
A Bossa Nova propunha uma mudança rítmica inegável, que pouco foi
reconhecida em sua genialidade no Brasil, mas que internacionalmente foi
aplaudida de pé. A proposta era uma nova forma de cantar e compor baseada
na “sutileza interpretativa” de um cantar baixo, harmonioso, sempre
acompanhado de sofisticados arranjos, ao som da nova batida de um violão.
Criticada por muitos brasileiros por ser considerada uma música
americanizada “partida de jovens da classe média branca” e por ter letras que
levantavam a bandeira do “amor, sorriso e flor”, a Bossa Nova foi do apogeu ao
fim em pouco tempo, mas chegou ao exterior e contribuiu significativamente
para a difusão da música brasileira e da imagem da cidade maravilhosa pelo
mundo, como será visto, a seguir.
3.1. A DÉCADA DE 50 E A NOVA BOSSA DA CIDADE MARAVILHOSA O contexto da década de 1950 era de mudanças e progresso no Brasil.
Com o final da Era Vargas e o início do governo de Juscelino Kubitschek (JK),
a promessa de desenvolvimento vinha se concretizando, e este período da
história nacional ficou conhecido como “Anos Dourados”. Foi um momento de
expressiva prosperidade econômica, política e cultural no país, no qual se
observava a entrada de novas tecnologias e o crescimento industrial, aliado ao
fortalecimento das instituições financeiras.
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A proposta era fortalecer a imagem do Brasil desvencilhando-o do atraso
ao qual era associado. Havia no país um forte apelo nacionalista, impulsionado
pelo Governo e expresso através do slogan da presidência de JK: “50 anos em
5”, ou seja, recuperar cinqüenta anos de atraso em cinco anos de governo.
Essa era a meta do presidente, que objetivava promover uma política
desenvolvimentista, pautada no progresso nacional e na oficialização de um
projeto de modernização, mais um na história nacional, em especial na carioca.
JK visava romper com os antigos padrões políticos e econômicos
vigentes, atraindo capital internacional para o país e intensificando a
industrialização e o processo de urbanização. Através do Programa de Metas,
ocasionou mudanças na economia nacional, expandindo o parque industrial –
principalmente a indústria automobilística. Vivenciava-se a aproximação
cultural e política do Brasil com os Estados Unidos, que influenciaria no
crescimento econômico nacional e tiraria o Brasil da condição de mero
importador de mercadorias e bens de consumo dando-lhe possibilidades de
fazer frente junto ao mercado com as grandes potências. O ponto alto do Plano
de Metas do governo JK era a criação de uma nova capital federal, Brasília – “a
capital do futuro” –, e a sua transferência do Rio de Janeiro para o Centro-
Oeste do país, que se deu em 1960.
O período em que esteve no governo foi de indubitável importância na
história nacional, em especial na história do Rio de Janeiro, que, com a
construção de Brasília, deixara de ser a capital federal. No entanto, o estado e
a cidade homônima mantiveram-se no posto de centro irradiador de cultura,
moda (e modismos) e tendências para todo o país. O Rio havia construído uma
imagem de cidade maravilhosa e a sua fama já ultrapassava os limites do
Atlântico.
Pensar nos “Anos Dourados” é refletir sobre um momento quase lúdico
no cenário nacional, onde a política, a economia e as artes estavam atreladas
ao otimismo do pós-guerra e ao desenvolvimentismo, aspectos que
contribuíam para que o patriotismo fosse exaltado e para que o presidente JK
caísse nas graças do povo.
Culturalmente, o país também passava por transformações que
acompanhavam este ideário de transgressão e modernidade. O conceito de
importar largamente, implementado no governo de JK, exercia influências na
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música. Ritmos como o jazz e o be-bop norte americanos, que chegavam no
Brasil através do rádio, contribuiriam para “repaginar” o samba. Em meio a este
contexto de novidades e progresso, surgiu a Bossa Nova.
Bossa nova, cinema novo, mentalidade nova, capital nova, enfim, um novo país. Tudo representava a modernidade. Tudo levava a crer que estavam, finalmente, sendo criadas as condições materiais e, provavelmente culturais, para a transformação do país numa grande nação, ou para o cumprimento do seu destino. (MONTENEGRO, 2001, p. 375).
O samba, principalmente o samba-canção, não correspondia a essa
nova atmosfera nacional propagada pelo governo JK, mas a Bossa Nova se
encaixava perfeitamente neste cenário, tanto em seu nome quanto em sua
proposta musical, que se assemelhava a do Governo nas intenções de ruptura
com o antigo e de busca pelo novo. De acordo com José Ramos Tinhorão,
“esse divórcio [...] atingiria o auge em 1958, quando um grupo de moços, entre
17 e 22 anos, rompeu definitivamente com a herança do samba popular,
modificando o que lhe restava de original, ou seja, o próprio ritmo” (1974, p.
222). Não à toa, Juscelino Kubitschek ficou conhecido como “Presidente bossa-
nova”, mesmo nome dado à canção de Juca Chaves, compositor famoso por
suas sátiras políticas:
Bossa nova é ser presidente
Desta terra descoberta por Cabral
Para tanto basta ser tão simplesmente: Simpático, risonho, original.
Depois desfrutar da maravilha
De ser presidente do Brasil,
Voar da Velha - Cap pra Brasília
Ver o Alvorada e voar de Volta ao Rio.
Voar, voar, voar.
Voar, voar pra bem distante
Até Versalhes onde duas mineirinhas,
Valsinhas dançam como debutantes.
Interessante...
Mandar parente a jato pro dentista,
Almoçar com tenista campeã.
Também poder ser um bom artista exclusivista,
Tomando com Dilermando
Umas aulinhas de violão.
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Isto é viver como se aprova, é ser um presidente bossa-nova
Bossa mesmo, bossa nova.
(Juca Chaves, 1958)
O termo bossa nova acabou sendo apropriado para caracterizar a
realidade do país entre meados da década de cinqüenta e início dos anos
sessenta. O Brasil foi o campeão da Copa do Mundo de 1958, a
industrialização ampliava a oferta de empregos e os direitos trabalhistas
traziam mais conforto e tranqüilidade à população. Nada mais natural, que a
população estivesse satisfeita com o novo governo e tomada pelo otimismo
trazido pelas boas novas. A Bossa Nova foi o ritmo que embalou este momento
histórico do Brasil, apostando, cantando e propagando um país moderno,
alegre, cheio de bossa, cheio de charme. A música tornara-se um elemento de
identificação sociocultural, uma forma de internacionalizar o Brasil do
progresso.
3.2. “QUE ISTO É BOSSA NOVA, ISTO É MUITO NATURAL”
A palavra bossa vem de uma etimologia popular que significa jeito, e era
empregada quando se fazia algo de original. A expressão “cheia de bossa”
servia para designar alguém com a capacidade de atitudes ou frases
inesperadas que eram recebidas como demonstração de inteligência ou
verdadeiro bom-humor. Assim, associa-se a bossa nova a uma nova batida.
Musicalmente, a palavra bossa era usada para designar um jeito
diferente de cantar ou tocar. O músico João Gilberto criou uma sonoridade que
tinha um ritmo original, uma nova estética musical com influências do jazz
americano e do samba tradicional. Juntamente ao violão, novos instrumentos e
novos arranjos eram trazidos de forma harmoniosa e sofisticada, o que foi
considerado uma revolução na música. Sua inovadora “batida” de violão e seu
jeito coloquial de cantar baixinho foram incorporados ao estilo, então, a partir
desta criação, a nova “bossa” criada por João Gilberto ficou assim conhecida
como Bossa Nova.
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Surgiria uma música mais voltada para o detalhe, baseada quase sempre no canto, violão e pequenos conjuntos; desenvolver-se-ia a prática do 'canto-falado' ou do 'cantar baixinho', do texto bem pronunciado, do tom coloquial da narrativa musical, do acompanhamento e canto integrando-se mutuamente, em lugar da valorização da 'grande voz' ou do solista. (CAMPOS, 1974, p.72)
A idéia era inovar nas melodias e compor letras que, em geral,
exaltavam aspectos positivos, belezas naturais e sentimentos que causassem
bem-estar, resguardando proximidades com o perfil otimista do governo JK e
se distanciando dos tradicionais e melancólicos sambas-canção. Roberto
Menescal, no seu jeito simples e objetivo de falar, disse em entrevista,
referindo-se ao início da bossa nova e à maneira como e por quem era
composta: "no início, a gente tinha o mar como clube, tocava violão e
namorava. Esta era a nossa vida de rapazes lá no Rio na década de 50 (...) a
música da época – bolero e samba-canção – não entusiasmava o pessoal
(entre 18 e 19 anos de idade) e se buscava uma nova música que tinha a ver
mais com a gente".
Na Bossa-nova, procura-se integrar a melodia, harmonia e contraponto na realização da obra, de uma maneira a não se permitir a prevalência de qualquer deles somente pela existência do parâmetro posto em evidência [...] o cantor não mais se opõe como solista à orquestra. Ambos se integram se conciliam, sem apresentarem elementos de contraste (CAMPOS, 2005, p. 22).
A Bossa Nova tem dois berços principais: o Beco das Garrafas, uma
travessa da Rua Duvivier, em Copacabana, onde se encontravam várias casas
de show, ficando conhecida por este curioso nome porque os moradores do
local jogavam garrafas nos boêmios que freqüentavam os bares, em que
músicos como Billy Blanco e Tom Jobim tocavam, e já adaptavam influências
de outros ritmos ao tradicional samba-canção; e o apartamento de Nara Leão,
onde os jovens Roberto Menescal, Carlos Lyra, Chico Feitosa, Ronaldo Bôscoli
entre outros e a própria Nara se reuniam para encontros de música e criação.
A classe média tinha, por conta de sua condição financeira privilegiada,
mais acesso à música erudita, a ritmos americanos, e, naturalmente, trouxeram
estas influências para transformar e sofisticar o samba. O grupo compartilhava
de uma mesma concepção cultural, ideológica e, principalmente, estética,
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facilitando a convergência musical. Compreende-se, pois, que, além de berço
da Bossa Nova, a cidade do Rio de Janeiro era também fonte de inspiração
para os músicos e compositores deste estilo, e, por este motivo, muitas das
canções retratam o Rio de forma poética, exaltando suas belezas e
contribuindo para a difusão da imagem de uma cidade maravilhosa, envolta em
um ideário de belezas, sensualidade (da mulher carioca e suas curvas
acentuadas comparadas a topografia da cidade), de musicalidade e alegria.
O primeiro registro que se tem da Bossa Nova é o LP Canção do amor
demais, da cantora Elizete Cardoso, em 1958, considerado pela crítica como
um álbum de transição dos boleros e samba-canções para a Bossa Nova.
Segundo Ruy Castro (1990, p.75), o disco é considerado um marco, pois era
composto por canções de uma “nova dupla, Tom e Vinícius”, e principalmente
porque “João Gilberto acompanhava Elizete ao violão em duas faixas (Chega
de Saudade e Outra Vez), fazendo pela primeira vez o que seria a „batida da
Bossa Nova‟” (CASTRO, 1990, p. 75). O ano de 1958 de fato marcou a história
do país: o Brasil crescia em visibilidade internacional através da música – com
a bossa nova – e através do esporte – a nação brasileira comemora a primeira
vitória na Copa do Mundo de Futebol. Manteve-se o clima otimista e
desenvolvimentista com mais dois bons motivos.
João Gilberto lança seu primeiro álbum, “Chega de Saudade”, e a bossa
nova torna-se a nova princesinha da MPB. Segundo Nelson Motta (2000), “tudo
virou bossa, do presidente à geladeira, do sapato à enceradeira [...].
Amplificada pela sociedade, caiu na boca do povo para designar tudo que era
(ou queria ser) novidade.” A canção Chega de Saudade, homônima ao LP
considerado o marco inicial da bossa nova, é de autoria de Antônio Carlos
Jobim e Vinícius de Moraes, com acompanhamento de João Gilberto. Nasce a
parceria de três grandes mestres, que mudaria a história da música brasileira.
3.3. OS DESAFINADOS
No início, era apenas um grupo de jovens músicos da zona sul carioca
que se inspirava na cidade e em influências do jazz para criar melodias e
compor canções. Em pouco tempo, tornaram-se ícones memoráveis da música
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brasileira, alguns com fama e destaque internacional. Considera-se que a
bossa nova tenha sido resultante do encontro entre a poesia de Vinícius de
Moraes, os arranjos de Tom Jobim, o jeito de tocar violão e a voz de João
Gilberto. Entretanto, não se pode deixar de comentar a importância e a
influência de músicos como Nara Leão, Carlos Lyra, Roberto Menescal,
Ronaldo Bôscoli e outros artistas que fizeram da Bossa Nova um diferencial da
música brasileira.
Antônio Carlos Jobim, o Tom Jobim, era maestro, compositor, pianista,
cantor, arranjador e violonista, e iniciou sua carreira tocando piano em bares e
boates de Copacabana, no famoso Beco das Garrafas, no fim da década de
quarenta. Sua parceria com o poeta e compositor Vinícius de Moraes começou
na gravação da peça “Orfeu da Conceição”. Deste espetáculo, surgiu a música
“Se todos fossem iguais a você”, sucesso da Bossa Nova. Ambos os artistas
são ilustres exemplos da produtiva boemia carioca do século XX e deram à
Bossa Nova sofisticação musical e poesias em forma de letras. Da parceria,
foram criados clássicos da bossa nova como “Só danço samba”, “Garota de
Ipanema”, “Ela é carioca”, “Insensatez”, entre outras. Segundo Castro (2001,
p.16),
Tom Jobim abriu o piano e libertou dezenas de melodias. Muitas ganhariam letras de um poeta ao mesmo tempo sério e moleque, chamado Vinícius de Moraes e seriam ouvidas pela primeira vez nas vozes de Sylvinha Telles e de um jovem baiano que acabara de inventar uma batida de violão: João Gilberto.
João Gilberto é considerado “o dono da bossa”. O músico inovou com
arranjos e harmonia na batida de violão e com o cantar baixo que fazia
sobressair mais a música do que o intérprete. João Gilberto juntou-se a Tom
Jobim e Vinícius de Moraes, e esta parceria fez da bossa nova um marco
musical de extrema sofisticação. Segundo Campos (1974, p.34), “João Gilberto
surgiu em 1958, cantando e tocando violão, conseguindo no instrumento
efeitos nunca ouvidos antes quer em jazz ou em qualquer outra música
regional ou em nosso populário.” Em 1960, João Gilberto gravou o disco “O
amor, o sorriso e a flor”, título que seria uma das principais referências e
críticas a/da Bossa Nova.
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A criação original de João Gilberto para o samba, que se internacionalizou com o nome de bossa nova, e que é, até hoje, a contribuição brasileira mais importante à cultura mundial, corre na veia de boa parte da música popular que se faz no mundo. Esse trabalho de transformação do samba e sua consolidação é obra de uma personalidade artística genial, dessas que surgem de tempos em tempos com uma missão civilizadora heróica. (Edinha Diniz).
Ainda na zona sul da cidade carioca, o apartamento de Nara Leão era o
ponto de encontro de músicos bossanovistas. Carlos Lyra e Roberto Menescal
– compositores e violonistas – foram professores de violão de Nara Leão e,
posteriormente, se tornaram seus parceiros juntamente com Ronaldo Bôscoli,
Sérgio Mendes e outros músicos. Nara foi intitulada musa da Bossa Nova e,
dentre as canções mais conhecidas que interpretou, estão “O barquinho”, “A
banda”, “Pobre menina rica” e “Com açúcar e com afeto”.
Roberto Menescal é considerado um dos mais importantes compositores
da Bossa Nova, ao lado de Tom Jobim, Carlos Lyra, Vinícius de Moraes. Criou
clássicos do movimento e da própria música popular brasileira, como “O
barquinho”, “Você”, “Nós e o mar”, “Ah, se eu pudesse”, “Rio”, entre outras.
Ronaldo Bôscoli foi um dos seus parceiros mais constantes. Mais tarde, tornou-
se produtor e arranjador musical de diversos espetáculos.
Sylvia Telles foi a primeira intérprete profissional a se integrar à Bossa
Nova, em 1958, ao participar de um espetáculo intitulado "Carlos Lyra, Sylvia
Telles e os seus Bossa Nova". A cantora gravou um disco com doze canções
de Tom Jobim, entre elas “Só em teus braços”, “Dindi” e “A felicidade” (parceria
com Vinícius).
Baden Powell, violonista da noite da carioca da época, fez parcerias com
Vinícius de Moraes, Tom Jobim e Billy Blanco na composição de sambas. A
Bossa Nova também pode ser ouvida nas vozes de Elis Regina – interpretando
Corcovado, Águas de março e Chega de saudade, de Tom Jobim e Vinícius de
Moraes – e Chico Buarque de Holanda, intérprete e parceiro de Tom e Vinícius
em composições. Elis também era apresentadora, ao lado de Jair Rodrigues,
do programa de televisão “O fino da Bossa”, da TV Record.
Segundo Chediak (1990, p.11), Tom Jobim de fato se destaca, pois “das
dez músicas mais gravadas, cinco são de sua autoria: „Garota de Ipanema‟,
„Samba de uma nota só‟, „Corcovado‟, „A felicidade’ e „Desafinado’, cada uma
com mais de 100 gravações, sendo que „Garota de Ipanema‟ já teve mais de
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300.” Além das famosas parcerias citadas anteriormente, Tom fez também um
LP com Frank Sinatra, chamado Frank Albert Sinatra & Antônio Carlos Jobim –
The Complete Reprise Recordings (1967), com faixas como “The Girl From
Ipanema”, “Wave”, “Quiet Nights of Quiet Stars”, “How Insensative”, “One Note
Samba”, “Desafinado”, dentre outras versões em inglês de grandes sucessos
da bossa nova.
Os artistas mencionados contribuíram de forma valiosíssima para a
produção musical da Bossa Nova através de canções consideradas clássicos
da música brasileira.
3.4. DO APOGEU ÀS CRITICAS Posteriormente ao lançamento do LP “Chega de Saudade”,
compreendido como o marco inicial da Bossa Nova no Brasil, o ritmo passou a
dividir opiniões. Alguns autores e estudiosos consideram que a Bossa Nova
tenha se tornado um movimento musical, isto é, extrapolado os limites de um
estilo diante da sua amplitude inicialmente nacional e, em pouco tempo,
internacional. A Bossa não era apenas uma novidade musical, mas
representava uma nova realidade, uma nova conjuntura vivida pelo país,
congruente com a política desenvolvimentista de JK e com o progresso
econômico observado durante o seu governo. A música era feita por jovens do
Rio de Janeiro e tornou-se “moda” entre eles, a partir dos shows de Tom,
Vinícius e João Gilberto, feitos nos bares da zona sul e em palcos
universitários.
O primeiro festival de bossa nova foi realizado na Faculdade de
Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FAU/UFRJ), em 21 de
maio de 1960, produzido e apresentado por Ronaldo Bôscoli, com a
participação de Nara Leão e Johnny Alf, entre outros mestres reunidos em
torno de João Gilberto, que acabara de lançar O Amor, o Sorriso e a Flor, seu
segundo LP. Cerca de duas mil pessoas compareceram ao anfiteatro a céu
aberto para assistir ao show, que ficou conhecido como “a noite do amor, do
sorriso e da flor”. Fazer parte da juventude bossa nova era cool, moderno e
pop.
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A partir de então, como afirma Nelson Motta (2000), “tudo virou bossa” e
nem a moda ficou de fora da “onda que se ergueu do mar”. Para além da
música, uma estética e um modo de vida foram inventados. As moças imitavam
o cabelo de Nara Leão, sua franja, seus arcos. Era chique usar sapatos
mocassins sem meias, como Tom Jobim. Surgiu o terno bossa nova, uma
composição de duas calças e um paletó que procurava ser, ao mesmo tempo,
elegante e despojado, e que se tornou o sonho de consumo dos rapazes da
época, conforme relata a historiadora Micheliny Verunschk.
Musicalmente, segundo Campos (1974, p.143), “a Bossa Nova deu uma
virada sensacional na música brasileira, fazendo com que ela passasse de
influenciada a influenciadora do Jazz”. As músicas brasileiras deste estilo logo
foram internacionalizadas e, em 1962 (aos vinte e um de novembro, mais
especificamente), a Bossa Nova foi consagrada com um show na mais
tradicional sala de concertos de Nova York, o Carnegie Hall.
O concerto “Bossa Nova - New Brazilian Jazz” teve um público de cerca
de três mil pessoas que superlotou a casa e foi comandado por Tom Jobim,
João Gilberto, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Luiz Bonfá e outros músicos,
aplaudidos de forma entusiasmada, conforme a matéria “Fãs americanos
aplaudem com entusiasmo „show‟ de bossa nova em Nova Iorque”, do Jornal
do Brasil, de 22 de novembro de 1962. Ainda segundo a matéria do JB,
O Itamarati recebeu despachos dos EUA informando que ao concerto compareceram nada menos que 300 repórteres, fotógrafos, cinegrafistas e críticos especializados de toda a América do Norte e da imprensa mundial, o que deverá garantir grande repercussão ao show da bossa nova.
Canções como “Corcovado”, “O barquinho”, “Samba da minha terra”,
“Desafinado”, “Influência do Jazz”, “Manhã de Carnaval”, “Ah se eu pudesse”,
“Samba de uma nota só” e “Outra vez” foram cantadas no show e deixaram o
público impressionado, mais até do que no Brasil. Tom Jobim já era
reconhecido nos Estados Unidos como “o compositor de „Desafinados‟” e
cantou “Corcovado” em português e inglês. Segundo conta a matéria do JB, os
ingressos já estavam esgotados uma semana antes do concerto. Durante o
espetáculo, foram servidas xícaras de café (o tradicional cafezinho preparado à
moda brasileira) como uma iniciativa para apresentar mais um derivado da
64
cultura nacional que, assim como a bossa nova, foi apreciado pelo público do
show.
A Bossa Nova ganhara projeção internacional e, com o show,
potencializara a sua repercussão nacional. Era o apogeu da inovação musical
que mesclava com harmonia a música e a poesia, genuinamente carioca, “[...]
conseguindo que o Brasil passasse a exportar para o mundo produtos
acabados e não mais matéria-prima musical, „macumba para turistas‟, segundo
a expressão de Oswald de Andrade.” (CAMPOS, 1974, p.143).
Foi intensa a produção musical da Bossa Nova, brilhantes parcerias
foram feitas e clássicos compostos e tocados em muitos festivais de música. A
canção “Garota de Ipanema” é um claro exemplo de sucesso. Criada por
Vinícius de Moraes e Tom Jobim, inspirados em uma jovem carioca que os
encantava com seu caminhar pela orla da zona sul. A música “nasceu” no Bar
do Veloso, tradicional local onde os ilustres bossanovistas compunham e
“praticavam” a vida de boêmios. A garota de Ipanema era Helô Pinheiro,
modelo lembrada ainda hoje por ter sido a inspiração para a canção brasileira
mais gravada e traduzida de todos os tempos, considerada, na época, a
música mais ouvida no mundo inteiro. O bar recebeu posteriormente o nome da
canção, Garota de Ipanema e a música, por sua vez, contribui para a difusão
da imagem do Rio através das paisagens da zona sul e da mulher carioca, de
forma romantizada.
Apesar de considerada por muitos artistas como uma evolução
harmônica, melódica e poética do samba, uma forma genial de se tocar e
compor, a Bossa Nova dividia opiniões. Recebeu muitas críticas por sua
proposta de se desvencilhar do samba – colocado como ultrapassado e
melodramático – e foi considerada por muitos como um subgênero do samba.
O segmento musical de oposição ao movimento e de defesa do samba fazia,
inclusive, restrições à sua classificação como MPB – o movimento musical era
considerado elitista demais para ser compreendido como música popular
brasileira.
Os nacionalistas mais radicais procuraram desclassificar a bossa-nova enquanto manifestação musical brasileira e popular. Para isso, apresentavam-na como “modismo” e apontavam as influências do Jazz e da música erudita, presentes na melodia e na harmonia, bem como seu caráter de manifestação promovida por um grupo social
65
afastados das “raízes brasileiras”, a pequena burguesia da zona sul carioca. (RODRIGUES, 1996, p. 30)
A primeira fase da Bossa Nova mostra um Brasil sem mazelas,
associado à imagem do Rio de Janeiro, mais precisamente à paisagem e ao
cotidiano da juventude de classe média da zona sul da cidade carioca, o que
ocasionavam questionamentos e críticas em relação ao otimismo exagerado e
à “alienação poética” promovida através das composições. Tais visões sobre a
Bossa Nova levaram a uma ruptura sem conserto.
3.5. 1964: ANO ÍMPAR
O ano de 1964 foi um marco na história nacional. Momento em que se
instaura o regime ditatorial mais severo da história nacional, que teve reflexos,
inclusive, no campo das artes, em especial na música, por seu poder de
difusão de idéias e persuasão do povo para causas defendidas pelos
compositores. O período de 1962 (com o fim do governo JK) a 1964 foi de
grande turbulência política, e sinalizava que mudanças estariam por vir não
apenas no campo político, como também no social e no cultural.
O cenário de otimismo do governo JK (1955-1961) daria lugar ao medo e
à censura advinda do Golpe Militar de 64. Muitos artistas, professores,
estudantes universitários, ativistas partidários foram reprimidos, perseguidos e
alguns se tornaram até presos políticos. A Música Popular Brasileira foi afetada
pelo novo regime político, e os músicos tinham de ter suas composições e
álbuns aprovados pela censura, para que pudessem lançá-los.
O ano de 1964 representou também o momento em que Bossa Nova
teve seu “fim” anunciado no Brasil, resistindo até 1965, ainda que de forma
redesenhada. Paradoxalmente ao sucesso dos primeiros anos da década de
sessenta, a Bossa Nova passou por um período de divisão, no qual alguns
cantores e compositores, como Nara Leão e Carlos Lyra, surgiram com uma
nova proposta musical: as canções de protesto, uma resposta à instauração da
ditadura militar no país e à situação de miséria e alienação política de grande
parte da população brasileira. Nesta divisão, o movimento perdeu força e a
fórmula “amor, sorriso e flor” passou a ser ferrenhamente criticada no país.
66
Tais canções, contemporâneas da explosão da vida universitária verificada a partir de 1965, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo (onde é lançada a moda dos shows nas Faculdades, despertando desde logo o interesse comercial das televisões), vinham atender a um propósito de protesto particular da alta classe média contra o rigorismo do Regime militar instalado no país (TINHORÃO, 1974, p. 233).
Ainda na década de sessenta, a Bossa dá lugar a uma nova moda: o
Rock nacional, recém-nascido em Brasília. De acordo com Castro (2001), nas
décadas de setenta e oitenta, muito ou quase tudo do que se produziu de
Bossa Nova não foi gravado no Brasil, mas sim nos Estados Unidos, por
artistas brasileiros e americanos. Apesar disso, a bossa nova deixou um legado
musical e cultural de extremo valor para o país, para a música popular
brasileira e para a cidade do Rio de Janeiro, cuja imagem foi tão amplamente
divulgada nas canções de Tom Jobim, Vinícius de Moraes, João Gilberto e
companhia.
67
4. O RIO DA BOSSA NOVA
A Bossa Nova tornou-se a cara do Rio, e vice-versa. A cidade, além de
berço do movimento musical, passou a ser, paralelamente, sua grande musa
inspiradora – tal como a garota de Ipanema. Paisagens, atrativos naturais e
culturais, quiçá o próprio carioca, estão dentre as principais temáticas
abordadas nas canções. E o Rio passava a ser Bossa Nova! Estava nas
músicas, nos versos de Tom e Vinícius, e até mesmo nas melodias de João
Gilberto, Menescal, Bôscoli, Lyra e companhia. Tudo o que era referente à
Bossa Nova remetia a Rio de Janeiro, afinal essa era a nova bossa do
momento: a atmosfera era propícia a isso e o clima de “amor, sorriso e flor” foi
instaurado durante os Anos Dourados, na Cidade Maravilhosa.
O otimismo em seu auge, o país estava bem economicamente,
politicamente satisfeito e havia acabado de conquistar, em 1958, o título de
campeões da Copa do Mundo de Futebol. O brasileiro estava feliz e, apesar de
problemas graves e crônicos do país, como a desigualdade social, a má
distribuição da renda, a violência e a desordem urbana (inclusive no Rio com a
presença das favelas), o clima era de contentamento e crença no progresso do
Brasil. O presidente se mostrava comprometido com a população, elaborando e
implementando políticas públicas e melhorias em infraestrutura. A Bossa Nova,
a exaltação nacional e, em especial, da antiga capital federal, encaixavam-se
como uma luva nos Anos Dourados.
Mesmo passado este momento de euforia, com o fim do governo JK, a
transferência da capital para Brasília e o início da ditadura militar, a Bossa
Nova construiu, até 1964, um importante e valioso legado para o país, tanto no
aspecto cultural, quanto no musical e turístico – sim, turístico, se analisarmos
sob a ótica de que a imagem do Rio Bossa Nova se consolidou e, com o
sucesso nacional e internacional da música, expandiu-se mundo a fora.
Ipanema nunca mais foi o mesmo bairro, mas sim, passou a ser o lar da Garota
de Ipanema.
Tamanha foi a importância da Bossa Nova que, quase cinqüenta anos
mais tarde, do que se considera ter sido o seu marco inicial (1958), este gênero
musical foi escolhido como Patrimônio Cultural Carioca, e ainda ganhou uma
data em sua homenagem – uma dupla homenagem, pois o dia escolhido é a
68
data de aniversário de um dos mais completos e brilhantes artistas da música
popular brasileira, o maestro carioca (e apaixonado pelo Rio), Antônio Carlos
Jobim, o Tom.
A Bossa Nova adquiriu tão grande relevância e reconhecimento que
turistas e fãs de todo o mundo vinham ao Rio de Janeiro em busca da música e
dos lugares cantados nela: o Beco das Garrafas, os bares e boates da Zona
Sul carioca, o mar de Copacabana, as moças dos corpos dourados de
Ipanema, o pôr do sol no Arpoador, o Cristo Redentor e o Corcovado retratados
por Tom da janela do avião e da janela de seu quarto no apartamento na
famosa Rua Nascimento Silva, também em Ipanema. Alguns dos mais belos
cartões postais do Rio de Janeiro eram frequentemente cantados nas músicas
bossanovistas e associados ao amor, às belezas, ao sentimento de orgulho e
felicidade de se viver na Cidade Maravilhosa, também conhecida como Rio de
Janeiro.
Tal repercussão fez da Bossa Nova uma importante “ferramenta” de
promoção da imagem do Rio de Janeiro, aquela que vinha sido construída
desde o início do século XX, conforme se mostrou no desenvolvimento do
presente trabalho. E foi além, consolidou uma imagem que vinha sendo
formada, dando a ela um toque especial de qualidade musical e poesia,
mostrando o Rio de uma forma ideal e quase romântica. Roteiros musicais
foram pensados a partir disso e a importância em criá-los é ressaltada pelo
autor Ruy Castro, em algumas de suas obras dedicadas a analisar a relação
entre o Rio, a Bossa Nova e os seus compositores – rica fonte de informações
e referências para este trabalho.
Analisando este contexto sob o ponto de vista do turismo, percebe-se
que a Bossa Nova foi, dentre outros importantes elementos, fatos históricos,
políticos e culturais, um valioso difusor de imagens, estimulando imaginários
sobre o Rio e contribuindo para que o marketing turístico carioca se
respaldasse em suas canções e melodias para representar a cidade. A mídia e
os meios de comunicação também estão atrelados a este contexto, visto que
reafirmam essa mensagem, através da trilha sonora de filmes, novelas,
campanhas publicitárias e turísticas, dentre outros.
Enfim, após termos estudado e analisado toda a trajetória e o processo
de produção musical da Bossa Nova, posteriormente ao estudo do processo de
69
construção (e reconstrução) da imagem da cidade do Rio de Janeiro no
decorrer do século XX – amparado nos conceitos de imagens, imaginários,
marketing turístico e publicidade – este último capítulo será dedicado a analisar
e compreender a relação entre o Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa (e todo
o simbolismo inerente a esta alcunha), e a Bossa Nova. O subcapítulo a seguir,
chamado “A cidade cantada”, expressa essa relação, para que, em seguida,
ressaltemos o(s) legados deixados pela Bossa e a sua relevância como
consolidadora e difusora desta imagem, a gerar influências no turismo carioca,
e que incontestavelmente tornou-se a sua trilha sonora, apesar da importância
do samba, no contexto musical.
4.1. A CIDADE CANTADA
A inovação musical e a genialidade harmônica dos arranjos e melodias
foram de fato cruciais para que a Bossa Nova alcançasse a projeção nacional e
principalmente internacional, que atingiu. Entretanto, todo o contexto político,
social, econômico e cultural vivido em meados do século XX, no Rio de Janeiro
– a então capital federal –, exerceu grande influência na construção ideológica
do movimento bossanovista. A cidade não fora apenas o berço da Bossa Nova,
estava presente nas músicas e era uma notória fonte de inspiração. Nesse
sentido, para a melhor compreensão da relação existente entre o Rio, a Bossa
Nova e o universo das imagens, as letras das canções serão mais enfatizadas
neste capítulo do que a sua inegável contribuição em termos de música.
Mas, apesar de todo esse saudável caos de ritmos e sons, nada mais carioca do que a Bossa Nova e nada mais Bossa Nova do que o Rio – como pode constatar quem se veja num fim de tarde à beira-mar, com o Arpoador ou o Dois Irmãos ao fundo, vários sotaques e línguas diferentes ao alcance dos ouvidos e, nas proximidades, um bando de gente bonita, de todas as cores de pele e cabelo. Isso é o Rio, e a eterna batida sincopada é a trilha sonora que o mundo inteiro conhece e adora. (CASTRO, 2006, p.19)
“Nada mais carioca do que a Bossa Nova e nada mais Bossa Nova do
que o Rio”. A frase é de Ruy Castro, autor que considera em sua fala a
existência de uma imediata associação entre a Bossa Nova e a cidade carioca.
70
De fato, ao ouvir as canções de Tom, Vinícius, João Gilberto e companhia,
identificamos e nos remetemos aos mais conhecidos cenários da cidade do Rio
de Janeiro. As letras retratavam de forma suave e poética aspectos
característicos do Rio de Janeiro e da geração carioca da década de cinquenta,
descrevendo não apenas lugares e pontos turísticos da cidade, como também
situações comuns à vida dos moradores do Rio, recriando uma espécie de
identidade carioca através das canções. Segundo a pesquisadora, antropóloga
e historiadora Simone Luci Pereira (2004), a Bossa Nova se enquadra nas
“canções que evocam imagens, sonoridades e poesias” e que, por
conseguinte, “nos remetem a uma experiência visual, sugerindo impressões e
sentimentos, e ao mesmo tempo imagens [...] do cenário natural da cidade do
Rio de Janeiro”, o que fica evidenciado na música “Samba do Avião”:
Minha alma canta // Vejo o Rio de Janeiro // Estou morrendo de saudade // Rio, teu mar, praias sem fim // Rio, você foi feito pra mim // Cristo Redentor // Braços abertos sobre a Guanabara // Este samba é só porque // Rio, eu gosto de você // A morena vai sambar // Seu corpo todo balançar // Rio de sol, de céu, de mar // Dentro de mais um minuto estaremos no Galeão. (Tom Jobim, 1962)
A canção foi composta em 1962, por Antônio Carlos Jobim, enquanto
admirava encantado a vista, de dentro de um avião, no momento da chegada
ao Rio de Janeiro. A partir da observação da letra, verifica-se a idealização da
imagem da cidade do Rio de Janeiro, através da exaltação de sua beleza
cênica e de lugares específicos como o Cristo Redentor, a Baía de Guanabara
e o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro6, imediatamente associados a
sentimentos de reverência, orgulho e alegria por chegar à Cidade Maravilhosa.
A música de Tom Jobim pode ser considerada uma bela e explicita declaração
de amor ao Rio, assim como a música “Rio”, de Roberto Menescal e Ronaldo
Bôscoli. A canção, que desde seu título já faz referência direta ao local,
descreve o cenário da cidade e a sua relação com o mar, resguardando
proximidades com a combinação “amor, sorriso e flor”, tradicionalmente
presente nas canções bossanovistas.
6 O Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro foi rebatizado em janeiro de 1999 como Aeroporto Galeão – Antônio Carlos Jobim, em homenagem ao compositor Antonio Carlos Jobim, falecido cinco anos antes.
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Rio que mora no mar
Sorrio pro meu Rio
Que tem no seu mar
Lindas Flores que nascem morenas
Em jardins de sol
Rio serras de veludo
Sorrio pro meu Rio que sorri de tudo
Que é adorado quase todo dia
E alegre como a luz
Rio é mar, eterno se fazer amar
Oh meu Rio, é lua
Amiga branca e nua
É sol, é sal, é sul
São mãos se descobrindo em tanto azul
Por isso é que o meu Rio da mulher beleza
Acaba num instante com qualquer tristeza
Meu Rio que não dorme por quem não se cansa
Meu Rio que balança
Sorrio, sorrio, sorrio
(Rio, Roberto Menescal & Ronaldo Bôscoli)
Muitas outras composições fazem alusão direta ao Rio e contribuíam
significativamente para reafirmar a imagem de uma cidade maravilhosa,
cercada por ideário de amores, belezas, poesia e música. Neste contexto, há
de se destacar a música “Corcovado”, cuja letra relata exatamente essa
combinação e é considerada, por Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello
(1998, p.37), como “um cartão postal do Rio de Janeiro, poética e
musicalmente impregnado pelo espírito da Bossa Nova”.
Num cantinho um violão/ Este amor, uma canção/ Pra fazer feliz a quem se ama/ Muita calma pra pensar/ E ter tempo pra sonhar/ Da janela vê se o Corcovado/ O Redentor, que lindo! [...]. (Antonio Carlos Jobim, 1960)
Essa tendência da Bossa Nova em evocar as paisagens da cidade e o
próprio carioca pode ser percebida em diversas letras que destacam o cenário
específico da zona sul, justamente onde as músicas eram compostas. Os
bairros de Copacabana e Ipanema eram os mais retratados, afinal, segundo
72
Castro, “isso era muito natural: estavam apenas falando da vizinhança, de sua
realidade próxima” (CASTRO, 1999, p.59). Estes bairros eram considerados o
reduto da Bossa Nova e da produtiva boemia carioca da época e ganharam
notoriedade e visibilidade internacional através das vozes dos bossanovistas.
Em Copacabana, estavam o famoso Beco das Garrafas e o apartamento da
Nara Leão, além das boates, bares e casas de show – lugares nos quais os
músicos e compositores se apresentavam. Segundo Castro (2006, p. 83), “há
um sabor de Bossa Nova em tudo que se refira a Copacabana”. Tal fascínio
pelo bairro está refletido em muitas canções, como “Sábado em Copacabana”:
Um bom lugar pra se encontrar, Copacabana // Pra passear, à beira-mar, Copacabana // Depois um bar à meia-luz, Copacabana // Eu esperei por essa noite uma semana // Um bom jantar, depois dançar, Copacabana // Pra se amar, um só lugar, Copacabana // A noite passa tão depressa // Mas vou voltar lá pra semana // Se eu encontrar um novo amor, Copacabana. (Sábado em Copacabana, Carlos Guinle & Dorival Caymmi, 1956)
e “Copacabana de sempre”: Copacabana, praia dourada // Marcada a sol em mim // Sei do seu corpo de areia // Sei das amargas sereias // Asas atadas aos pés // Ondas dos meus jacarés // Copacabana, berço da bossa // Coisa tão nossa (Copacabana de sempre, Roberto Menescal & Ronaldo Bôscoli)
Copacabana era considerada “a vitrine da Bossa Nova”, enquanto
Ipanema era considerada “o coração musical do movimento”, segundo Ruy
Castro (1999, p.30). Tom e Vinícius mantinham uma relação de adoração e
plena familiarização com estes bairros, e foi da vista propiciada por eles que
surgiram grandes composições. A famosa moça do corpo dourado que
desfilava sua beleza e encantava o músico e o poeta com o seu balançado era
a jovem Helô Pinheiro, inspiração para a música Garota de Ipanema, uma das
mais gravadas, ouvidas e traduzidas da Bossa Nova, quiçá da música
brasileira. Vinícius (apud Castro, 1990, p.58), referindo-se a Helô Pinheiro,
afirma que “para ela fizemos, com todo o respeito e mudo encantamento, o
samba que a colocou nas manchetes do mundo inteiro e fez da nossa querida
Ipanema uma palavra mágica para os ouvintes estrangeiros”.
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Olha que coisa mais linda // Mais cheia de graça // É ela a menina // Que vem e que passa // Num doce balanço, a caminho do mar // Moça do corpo dourado // Do sol de Ipanema // O seu balançado // É mais que um poema // É a coisa mais linda que eu já vi passar [...]. (Garota de Ipanema, Antônio Carlos Jobim & Vinícius de Moraes, 1962)
A garota de Ipanema tornou-se um símbolo da Cidade Maravilhosa, um
mito da feminilidade e da sensualidade natural da mulher carioca, caracterizada
pelo seu balançado – pelo seu jeito de andar – e pela sua pele morena do sol.
Tais aspectos também são associados à beleza da mulher carioca na canção
“Ela é Carioca”, dos mesmos compositores, cuja letra diz:
Ela é carioca/ Ela é carioca/ Basta o jeitinho dela andar/ Nem ninguém tem carinho assim, para dar/ Eu vejo na cor dos seus olhos/ As noites do Rio, ao luar/ Vejo a mesma luz, vejo o mesmo céu/ Vejo o mesmo mar [...]. (Antonio Carlos Jobim & Vinícius de Morais, 1963).
A orla do Rio de Janeiro também assume grande relevância nas
composições e o vai e vem das ondas no mar da Zona Sul juntamente ao
balançar das moças que desfilavam na imortalizada Ipanema da década de
sessenta condiz com a temática da Bossa: une a beleza, a leveza e a
harmonia, como mostra a música Balanço Zona Sul, de Tito Madi (1963), na
qual mais uma vez são citados bairros da Rio como o Leme e o Leblon:
Balança toda pra andar/ Balança até pra falar/ Balança tanto que já balançou/ Meu coração/ Balança mesmo que é bom/ Do Leme até o Leblon/ [...] Balance os cabelos seus / Balance e vai, mas não vai/ E se cair vai caindo, caindo / Nos braços meus.
Além de ser o ponto de encontro da juventude carioca, a praia era um
cenário democrático, em que desfilam belas moças de corpos dourados de sol
e onde deslizam barquinhos, “no macio azul do mar”, como na composição de
Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli (1961), “O barquinho”. A canção também
relata a atmosfera característica do Rio e da própria Bossa Nova, em uma letra
que fala de verão, céu e mar azuis, amor e um barquinho:
Dia de luz/ Festa de sol/ E o barquinho a deslizar/ No macio azul do mar/ Tudo é verão/ O amor se faz/ Num barquinho pelo mar/ Que desliza sem parar/ [...] E o sol beija o barco e luz/ Dias tão azuis.
74
A beleza da cidade do Rio de Janeiro era constantemente relatada pela
Bossa Nova e a cidade, que já possuía importância ímpar no contexto nacional,
consolida-se como o principal cartão-postal do país, um símbolo máximo de
brasilidade. A Bossa Nova se transforma, segundo Ruy Castro, na “trilha
sonora que o mundo inteiro conhece e aprova”. Em consonância com a opinião
de Castro, Nelson Motta (2000, p.10) também ressalta que “a bossa nova era a
trilha-sonora que nos faltava” e a cidade, enfim, produz uma música que projeta
a sua imagem e o estilo de vida do próprio carioca. Diversas composições
fazem alusão clara e direta a lugares, paisagens e pontos turísticos do Rio, e,
até mesmo as que não o fazem, traduzem de forma indireta o “estado de
espírito” e o clima da cidade, de forma de que o ouvinte facilmente identifique
esta proximidade. “Wave”, de Tom Jobim, é um belo exemplo disso.
Vou te contar,
os olhos já não podem ver
coisas que só o coração pode entender
Fundamental é mesmo o amor
é impossível ser feliz sozinho
O resto é mar,
é tudo que eu nem sei contar
são coisas lindas que eu tenho pra te dar
vem de mansinho a brisa e me diz
é impossível ser feliz sozinho
da primeira vez era a cidade
da segunda o cais e a eternidade
Agora eu já sei
da onda que se ergueu no mar
e das estrelas que esquecemos de contar
o amor se deixa surpreender
enquanto a noite vem nos envolver
(Wave, Antônio Carlos Jobim,1967)
75
4.2. OS LEGADOS DA BOSSA NOVA
Diante de sua incontestável importância para a música e para a cultura
brasileira, a Bossa Nova deixou importantes legados com o fim da sua
produção musical. Passado mais de meio século desde o seu surgimento, em
1958, a Bossa Nova foi instituída como Patrimônio Cultural Carioca, por
decreto publicado no Diário Oficial do Município, do dia 16 de outubro de 2007,
pelo então prefeito César Maia, sob a declaração de que a Bossa Nova “é um
dos gêneros musicais brasileiros consagrados mundialmente e uma referência
para várias gerações de artistas.” O reconhecimento de bens como patrimônio
material e imaterial pode ser feito por órgãos da esfera federal, estadual ou
municipal, como o Instituto Estadual do Patrimônio Artístico e Cultural
(INEPAC) e a Secretaria Extraordinária de Promoção, Defesa,
Desenvolvimento e Revitalização do Patrimônio e da Memória Histórico-
Cultural da cidade do Rio de Janeiro (SEDREPAHC), criada pela Prefeitura do
Rio de Janeiro, em 2006, e responsável pelo “tombamento” da Bossa Nova
como patrimônio cultural da cidade.
Tal feito confere à Bossa Nova o reconhecimento pelo valioso legado
cultural deixado para o país e para a cidade do Rio de Janeiro, devendo ser
preservado como um patrimônio cultural imaterial, definido de acordo com a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) como:
as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural." (apud IPHAN)
Compreenda-se patrimônio imaterial como sendo o legado cultural
transmitido de geração em geração e constantemente recriado pelas
comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a
natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e
continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade
cultural e à criatividade humana, segundo informa o Instituto do Patrimônio
76
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A Bossa Nova teve a sua relevância
cultural compreendida como patrimônio carioca, conforme o Decreto citado
anteriormente, reconhecendo, portanto, a necessidade de preservação deste
importante legado para o país, mantendo viva a memória social, musical e
cultural da cidade do Rio de Janeiro.
Em 2008, foram realizados diversos eventos no Brasil e em outros
países, como os Estados Unidos e o Japão, em comemoração aos 50 anos da
Bossa Nova. Apresentações, shows, palestras, lançamentos de livros,
exposições, filmes entre outros marcaram a data como uma iniciativa para
reavivar a importância e a representatividade deste movimento musical. No Rio
de Janeiro, tais eventos apoiaram-se em uma temática que relacionava a
Bossa Nova como um valioso cartão-postal carioca, na tentativa de
reaproximar os moradores da cidade deste gênero musical. Um circuito musical
foi feito no antigo Beco das Garrafas, em Copacabana, com entrada gratuita e
ao ar livre, relembrando os tempos em que a Bossa Nova era alí criada por
Jobim, Vinícius, João Gilberto e companhia. Centros culturais de instituições
financeiras, como o Centro Cultural do Banco do Brasil e o Itaú Cultural,
também promoveram ações comemorativas, como exposições e mostras
virtuais, remontando o surgimento e a história da Bossa Nova, apresentando
imagens, músicas, composições e reflexões de estudiosos e especialistas do
tema.
A MPB Marketing criou o projeto Bossa Nova 50 anos, promovendo
espetáculos na cidade do Rio e no interior do estado, em Volta Redonda, no
ano de 2008. O show no Rio foi realizado ao ar livre na Praia de Ipanema, no
dia 01 de maio de 2008, também em comemoração ao aniversário da cidade
do Rio, e contou com a participação de músicos consagrados como Carlos
Lyra, Roberto Menescal, Marcos Valle, Leila Pinheiro, João Donato e da nova
geração, como Maria Rita, Fernanda Takai e Bossacucanova. A prefeitura da
cidade estimou o público em cerca de setenta mil pessoas.
A Folha de São Paulo lançou a Coleção Folha 50 Anos de Bossa Nova,
disponibilizando nas bancas aos fãs uma coleção com mais de vinte CD’s e
livros dos maiores artistas e compositores da bossa. Já a Som Livre, gravadora
musical brasileira, lançou o CD “Um cantinho, um violão e bossa nova” com
canções que marcaram a música brasileira. Segundo o produtor cultural e
77
criador do projeto “Agenda Bossa Nova”, Fred Rossi, que trabalhou com nomes
como Vinícius de Moraes, as homenagens à Bossa Nova são justas, pois “ela
abriu espaços em todo o mundo, com ênfase no Japão, Europa e Estados
Unidos, e todos nos beneficiamos disso”, afirmou Rossi.
Outra importante iniciativa, no que tange ao reconhecimento do legado
cultural deixado pela Bossa Nova, foi o dia 25 de janeiro, instituído como o Dia
Nacional da Bossa Nova, pelo Congresso, no dia 17 de abril de 2009, através
de aprovação de um projeto que resultou na Lei 11.926. A data foi escolhida
por ser o dia de aniversário do maestro Tom Jobim, um dos maiores ícones do
movimento.
Entende-se também que a Bossa Nova deixou um valioso legado
musical através de clássicos da música: composições de grande sucesso que
foram aplaudidas nacional e internacionalmente, ganhando o status de jóias da
música brasileira. A obra, seus compositores e intérpretes foram imortalizados
e deixaram sua marca registrada na história.
A genialidade musical de João Gilberto, a bossa poética de Vinícius de
Moraes, o “tom” e a sofisticação do maestro Antônio Carlos (Brasileiro) Jobim,
entre outros atributos e mestres da Bossa Nova, conquistaram fãs em todo o
mundo, levando um “produto” brasileiro de qualidade para o exterior. Foram e
ainda são aplaudidos e lembrados por músicas como “Garota de Ipanema”,
“Corcovado”, “Desafinado”, “Ela é carioca”, “Wave”, “Samba do Avião”, “Se
todos fossem iguais a você”, “Só tinha de ser com você”, “Mas que nada”,
“Copacabana”, “Eu sei que vou te amar”, “Chega de Saudade”, regravadas,
traduzidas e com várias versões criadas em países de todo o mundo.
Hoje, viva e “repaginada”, a nova Bossa Nova continua mantendo e
conquistando fãs pelo mundo, e, no Brasil, ela pode ser ouvida através de uma
nova geração de artistas como Bebel Gilberto (filha de João Gilberto), Maria
Rita (através de regravações das canções de Elis Regina) e Bossacucanova. A
música brasileira é lembrada internacionalmente pela Bossa Nova, e a sua
repercussão foi maior fora do que dentro do próprio país.
Além do legado cultural e musical citados anteriormente, considera-se
que a Bossa Nova também tenha deixado a sua marca no turismo,
especialmente para a cidade do Rio de Janeiro, através de um valioso e
potencial legado turístico. As músicas que muito “cantavam” a cidade carioca
78
fizeram grande sucesso e contribuíram significativamente para a projeção e
difusão de uma imagem poética da Cidade Maravilhosa, pautada no ideário de
belezas naturais, musicalidade, no estilo de vida alegre e boêmio e no próprio
carioca.
Uma importante ação que considera valioso o legado deixado pela
Bossa Nova e seus compositores no que tange ao turismo é a mudança no
nome do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro que foi rebatizado e passou
a ser denominado Aeroporto Internacional Tom Jobim. O Projeto de Lei previa
no Artigo 1º que “O Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro,
passa a ser denominado Aeroporto Internacional Tom Jobim. Esta lei entrará
em vigor após a sua aprovação”, conforme expõe o pronunciamento do
parlamentar Sr. Júlio Campos, parlamentar do Partido da Frente Liberal
(PFL/MT), em 28/06/1995, disponível no Portal Atividade Legislativa do Senado
Federal. Tal Projeto de Lei foi aprovado pelo Senado e em 1999 houve a
renomeação do mais importante aeroporto carioca, principal portão de entrada
de turistas estrangeiros no Rio de Janeiro. Ainda segundo o pronunciamento
dado pelo Sr. Júlio Campos, a justificativa para a alteração do nome do
aeroporto:
Tal providência associa o aeroporto da principal cidade turística do Brasil ao nome do nosso compositor mais conhecido no mundo afora. Músico, maestro, compositor, Tom Jobim é o mais internacional dos cidadãos cariocas. Por intermédio de sua obra admirável celebrou o Brasil, celebrou o Rio de Janeiro em algumas obras-primas do cancioneiro popular nacional. E a sua música, viajando pelo mundo todo, levou consigo as indeléveis imagens da cidade, passando a fazer parte do imaginário de milhares de pessoas que, todo ano, chegam dos quatros cantos do mundo em busca das belezas naturais do Rio. Nada mais adequado, portanto, que o nome do mais internacional dos compositores brasileiros seja conferido à porta de entrada da cidade com a qual manteve ligações especiais. [...] Nesse sentido, parece-me indiscutível a pertinência de se conceder ao Aeroporto do Rio de Janeiro, cidade que constituiu fonte de permanente inspiração para a sua obra, o nome de Tom Jobim. Julgando, pois, o presente projeto de lei oportuno, meritório, esperamos seu acolhimento pelos ilustres Pares do Senado Federal e do Congresso Nacional. (apud Senado Federal – Pronunciamentos)
Tais ações denotam que apesar do fim da produção bossanovista e do
seu movimento musical no Brasil, há um reconhecimento do seu valor cultural e
da importância deste estilo musical para o país, percebida também no turismo.
79
Muitos visitantes ainda vêm ao Rio em busca dos redutos da boemia e
dos lugares presentes nas canções de Tom, Vinícius e companhia. A criação
de roteiros turísticos baseados nos famosos berços da Bossa Nova e nos
lugares que os compositores costumavam freqüentar constitui-se como um
válido investimento para o setor de turismo. Desta forma, seria proporcionada a
turistas e fãs a oportunidade de vivenciar experiências, que remetessem às
histórias da Bossa Nova, conhecendo e estando em lugares como o Beco das
Garrafas, em Copacabana, ou no antigo Bar do Veloso, atual Garota de
Ipanema, em homenagem à mais famosa canção composta lá, ou na Toca do
Vinícius, um Centro de Referência da Bossa Nova endereçado na Rua Vinícius
de Morais, em Ipanema.
Muitos destes lugares não mantêm sua estrutura original e, em alguns
casos, de acordo com Castro (2006, p.15), “as construções originais ainda
existem, mas sua transformação em banco ou churrascarias desfigurou-as de
tal forma que nada mais restou da sua antiga identidade”. Entretanto, Castro
ressalta que “apesar disso, vale uma visita aos velhos endereços, pra entender
como a Bossa Nova sempre se nutriu da paisagem carioca, física e humana, e
a inseminou em troca”.
Com o intuito de preservar esta memória e apresentar aos cariocas e fãs
da Bossa Nova um guia turístico do Rio de Janeiro da Bossa Nova, o próprio
Ruy Castro escreveu o livro Rio Bossa Nova – Um Roteiro Lítero-Musical, que
possui grande relevância para o turismo e o desenvolvimento potencial do
segmento de turismo cultural e do turismo musical no Rio de Janeiro.
4.3. CHEGA DE SAUDADE: ROTEIROS MUSICAIS NO RIO DE JANEIRO
Uma interessante forma de “reencontrar” a Bossa Nova no Rio de
Janeiro hoje em dia é através do escritor Ruy Castro, que dedicou quatro de
suas obras a este gênero musical. Depois de livros como Chega de Saudade,
A onda que se ergueu no mar e Ela é carioca, que contam as histórias e
estórias da Bossa Nova, o autor lançou, em 2006, o livro Rio Bossa Nova – Um
Roteiro Lítero-Musical, de grande valor cultural e turístico. Segundo o autor, a
principal motivação para escrever esse livro foi sua inconformação com a
80
“insistência (das pessoas) em condenar a bossa nova ao passado. Ela está em
todos os lugares, dentro e fora do Brasil”.
A idéia de produzir o livro surgiu de conversas do autor com amigos e
turistas em bares, nas quais se lamentava o fato de não existir um guia
turístico-musical com referências dos lugares associados à Bossa Nova, no Rio
de Janeiro. Ruy Castro remonta um mapa urbano-musical com roteiros e dicas
baseados na Bossa Nova e nos lugares onde ainda hoje se pode encontrar e
ouvir as famosas canções bossanovistas. Além disso, o autor presenteia os
leitores com depoimentos de Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Roberto
Menescal e outros mestres da bossa, e com imagens da época e dos músicos
em seu cotidiano de composição.
Bairros da zona sul como a Urca, Copacabana, Ipanema, Leblon, entre
outros, bem como bairros do Centro e até mesmo da zona norte da cidade são
citados nos roteiros e dicas presentes no livro, entretanto, como não poderia
ser diferente, seis capítulos do livro são dedicados a lugares e pontos da zona
sul carioca. Bares e boates do Rio, que guardam relíquias e lembranças deste
estilo musical, também estão presentes no roteiro criado por Ruy Castro.
Segundo a matéria publicada no jornal online Folha.com (09/12/2006), Castro
afirma que "o livro tem uma seqüência geográfica. A pessoa pode fazer um tour
e, naturalmente, ver os endereços. Se a construção original não existir, vale
fazer um exercício de imaginação e pensar que Tom, Vinicius, Carlinhos Lyra e
Nara Leão viveram e trabalharam naqueles sítios históricos". Na mesma
entrevista, Castro reitera a presença da Bossa Nova na cidade e afirma
também que “ainda dá para fazer uma incursão sentimental pela Bossa Nova,
no Rio. Poucas cidades no mundo têm essa consciência preservacionista que o
Rio passou a ter de dez anos pra cá”.
A Bossa Nova continua sendo uma referência forte para a cidade do Rio
de Janeiro: as músicas cantam uma cidade realmente maravilhosa, afrodisíaca
e paradisíaca. A composição “amor, sorriso e flor” combina com “sol, mar e céu
azul”, tipicamente carioca, conquistou muitos fãs em todo o mundo e ainda atrai
muitos visitantes para a cidade do Rio. Como diria Gilberto Gil, em “Aquele
abraço” – uma canção composta em 1969 com “tom” de Bossa Nova – “o Rio
de Janeiro continua lindo // o Rio de Janeiro continua sendo...”, e a cidade está
de “braços abertos” para o mundo. Em consequência deste fato, o turismo se
81
apropriou da imagem da Cidade Maravilhosa, cantada na Bossa Nova, para
fazer o marketing e as campanhas publicitárias do Rio, como veremos a seguir.
4.4. O MARKETING TURÍSTICO CARIOCA, A MÍDIA E A BOSSA NOVA
O universo das imagens, a produção e a propagação de imaginários
acerca de um local ou até mesmo de uma viagem são fatores que impulsionam
o turismo. A experiência turística se inicia na imaginação do viajante, na sua
intenção de conhecer e vivenciar o destino. Nesse sentido, aspectos e signos
sociais, culturais, naturais e históricos, referentes a um dado local que se
deseje conhecer, exercem influência direta ou indireta na motivação e nas
expectativas das pessoas em relação a ele.
Analisando especificamente o aspecto cultural e a sua influência na
imagem que se faz de um lugar, percebe-se que elementos e características
típicas se encarregam de distinguir e tornar único um local. A relação entre o
espaço e seus moradores, as manifestações tradicionais, o seu idioma, o seu
cotidiano entre outros aspectos denotam a interação de uma sociedade com o
espaço e o contexto no qual se inserem. O sentimento de pertencimento de um
povo a uma dada comunidade fica notório através da manutenção destes
hábitos culturais e tradicionais, passados de geração em geração, que
diferenciam e conferem singularidade.
No Rio de Janeiro, tal fato é percebido através da adoração da maioria
dos cariocas pelo seu estilo de vida e pela sua cidade. A fama boêmia, praiana
e a vocação artística e turística da cidade, caracterizada por suas belezas
naturais, pela alegria do seu povo e pela tradição do bem receber, do estar de
bem com a vida. Neste contexto, os aspectos culturais estão bastante aliados a
presença do mar e pela exuberante natureza vista e apreciada na cidade
carioca. Urbana e praiana, a paisagem tem uma influência singular em diversos
aspectos no Rio, inclusive na atividade econômica da cidade, onde business e
lazer estão lado a lado através do turismo.
Nesse sentido, a imagem turística da cidade está também associada a
componentes naturais e a manifestações culturais genuinamente cariocas. No
82
que tange à música, o Rio pode até ser a cidade do samba e do Carnaval por
seu caráter popular, mas a Bossa Nova acaba sendo mesmo a famosa trilha
sonora da Cidade Maravilhosa, e está bastante presente no imaginário coletivo
que se faz dela. De acordo com Vaz (1999, p.104):
A música [...] é um forte ingrediente na constituição da imagem mercadológica de uma localidade. Cidades, regiões e países ficaram marcados no imaginário popular em função de algumas canções de grande repercussão [...] “Garota de Ipanema” (Tom Jobim e Vinícius de Moraes) popularizou um bairro e uma praia do mundo inteiro. E que dizer de “Corcovado”, dos mesmos autores [...].
“Cidade Maravilhosa, cheia de encantos mil”; “Coração do meu Brasil”;
“Rio de sol, de céu, de mar”; “Cariocas são, bonitos, cariocas são bacanas”;
“Minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro”; “Cristo Redentor, braços abertos
sob a Guanabara”; ”Dia de luz, festa de sol”; “Moça do corpo dourado, do sol
de Ipanema”; “Ela é carioca, ela é carioca”; “Um bom lugar pra se encontrar,
Copacabana”; “Olha que coisa mais linda que vem e que passa [...] num doce
balanço, a caminho do mar”; “Da janela vê-se o Corcovado, o Redentor, que
lindo!”. Estes são versos de composições famosas como “Cidade Maravilhosa”,
“Cariocas”, “Corcovado”, “Rio”, “Samba do avião”, “Ela é carioca”, “Garota de
Ipanema”, “O barquinho” e “Sábado em Copacabana”, que retratam, recriam e
enchem de simbologia e poesia o Rio de Janeiro e a cidade carioca. Todas
tiveram uma participação na propagação deste ideário, que é de imediato
associado ao Rio de Janeiro, o que possivelmente influencia no fato do local
ser o principal destino turístico nacional.
A alcunha de Cidade Maravilhosa, recebida no início do século XX e
consagrada como hino da cidade por meio da marchinha homônima, surgiu
aparentemente sem grandes pretensões e, no entanto, agregou à cidade do
Rio uma simbologia que, até hoje, bem mais de meio século após a sua
composição, mantém uma espécie de mistificação da sua paisagem e de seus
moradores, a partir do ideal de maravilhas e belezas. Se analisarmos a história
do Rio de Janeiro, em especial durante o século XX – salvos os marcos e
acontecimentos que antecederam a sua chegada –, perceberemos que houve
uma construção desta imagem e do imaginário ao qual o Rio de Janeiro é
frequentemente associado. Tal construção, cabe ressaltar, passou por períodos
83
de recriação, de renovação, de exaltação, muitas vezes intencional e
respaldada politicamente, o que resultou na construção de uma imagem forte,
no país e no exterior, apesar das evidentes desigualdades e dos graves
problemas socioeconômicos enfrentados no Rio de Janeiro, percebidos através
da proliferação de favelas em meio à cidade, inclusive e tradicionalmente na
Zona Sul, ocasionando verdadeiras contradições e paradoxos. No entanto,
apesar destes pesares, o Rio de Janeiro se mantém como o principal destino
turístico do país, e a publicidade ainda se respalda na imagem Rio Cidade
Maravilhosa.
Durante o século passado, em paralelo à construção dessa imagem, o
turismo se desenvolveu e se estabilizou como um fenômeno social complexo,
como uma lucrativa atividade comercial e como uma “indústria de sonhos”, ao
fomentar o imaginário das pessoas em relação aos destinos e às viagens. É
válido considerar que há autores e pesquisadores que condenam a associação
do turismo com o termo indústria – “a indústria do turismo” –, pois consideram
que o turismo não deva ser compreendido desta forma, nem sequer resumido a
isto, justamente por se tratar de um fenômeno social complexo. Em
consonância a este ponto de vista, justifica-se a utilização da expressão
“indústria dos sonhos” como uma mera analogia, pois, de fato, a atividade
turística estimula a produção e a reprodução de imagens e imaginários, que,
por sua vez, geram sonhos, expectativas e motivações nas pessoas em viajar.
Na análise de Aoun (2001, p.32), é possível observar a relação entre o
turismo, as imagens e a publicidade:
As diversas imagens que em grande parte são fabricadas secretamente pela fantasia e pelo desejo humanos, como resposta à insatisfação da vida urbana, são resgatadas pela publicidade e convertidas em realidade na forma de espaços turísticos apresentados como alternativos e postos à disposição para o consumo.
Nesse sentido, o marketing turístico é entendido como uma importante e
estratégica ferramenta de divulgação dos destinos e das suas respectivas
imagens, contribuindo para consolidá-las e reafirmá-las. A partir da
compreensão de que o turismo é uma atividade bastante sensível à demanda,
e esta, por sua vez, é, em certa medida, influenciada pela mídia e pelo
84
marketing, Rosana Bignami (2002, p.19) afirma que “vários lugares, após terem
sido vistos ou conhecidos por meio dos meios de comunicação, tiveram
aumentos significativos no número de turistas”.
Como se percebe, os meios de comunicação são outra importante forma
de propagar imagens e destinos: são diversos os tipos de meios para a
veiculação de ideias, seja através das mídias tradicionais, da mídia digital, da
mídia impressa, da mídia virtual, enfim, a comunicação do marketing tem um
amplo leque de ferramentas para informar, seduzir, persuadir e influenciar
opiniões e comportamentos. A todo instante, são passadas ao público
mensagens, que têm por objetivo convencer o expectador da “verdade” que
está sendo transmitida. À luz dessa compreensão, a mídia e a publicidade
podem ser consideradas linguagens de sedução direcionadas a emocionar,
impressionar e atrair o público, nem sempre de forma verossímel. Em sinergia
a este raciocínio, Gastal (2004) observa que o autêntico seria aquilo que se
constrói coerente consigo mesmo, o que é exemplificado com o caso da cidade
de Gramado (RS), considerada a “Alemanha brasileira”. Segundo a
compreensão da autora, não há uma pretensão de Gramado em ser
comparada à Alemanha, apenas construiu-se este imaginário por haver
autenticidade e coerência nesta representação.
Em se tratando de Rio de Janeiro, a imagem de uma cidade maravilhosa
se perpetua através de filmes, novelas, campanhas publicitárias, sites da
internet e até mesmo de campanhas públicas para incentivo e fomento do
turismo na cidade carioca, inclusive por algumas promovidas pelo Governo do
Estado ou pelo Ministério do Turismo (MTur), nas quais se percebe-se que a
trilha sonora geralmente utilizada são as famosas canções da Bossa Nova.
Exemplo recente de que a Bossa Nova ainda representa o Rio é o filme “Rio”,
uma mega produção Hollywoodiana, dirigida pelo brasileiro Carlos Saldanha,
um dos produtores de “A Era do Gelo”. A animação retrata o Rio em suas
paisagens e pontos turísticos, como a Vista Chinesa, a Pedra da Gávea, o
Corcovado e a Praia de Ipanema, tendo como trilha sonora o ritmo e a batida
sincopada do violão da Bossa Nova.
Além disso, signos culturais, naturais e musicais cariocas também têm
sido percebidos em campanhas publicitárias de empresas privadas de
diferentes ramos, desde bancos a fabricantes de bebidas, como é o caso do
85
Itaú e da Diageo, dona da marca de uísque Johnnie Walker. Tais marcas se
apropriam de características relativas à cidade carioca para promover
campanhas publicitárias. O banco Itaú, por exemplo, percebeu nas ciclovias da
orla do Rio de Janeiro o costume carioca de praticar esportes ao ar livre que
propiciem a apreciação da paisagem e lançou, em 2010, um programa de
aluguel público de bicicletas, não restrito apenas à orla, que se tornou a nova
mania dos moradores do Rio, percebido principalmente nas ciclovias da Zona
Sul carioca. As bicicletas laranjas – a cor símbolo do banco – foram uma
estratégia de marketing e publicidade, que fez sucesso e agradou não apenas
aos cariocas, como também aos turistas da cidade do Rio, que agora podem
desfrutar mais da paisagem e praticar exercício físico, sem impacto ao meio
ambiente.
Já a Diageo, empresa famosa pelas campanhas publicitárias da marca
de uísque Johnnie Walker, lançou em 2011 uma propaganda na qual o Pão de
Açúcar, chamado de Gigante adormecido, se levanta e anda, a partir do slogan
“Keep walking, Brazil!” (que traduzido para o português significa “Siga em
frente, Brasil”, fazendo alusão à força da imagem do Rio de Janeiro –
representação internacional do Brasil –, mesmo diante dos problemas de
diferentes naturezas que o país enfrenta. “Escolhemos o Rio de Janeiro não só
como cartão-postal, mas também como ícone da retomada do país”, diz
Leonardo Medeiros, diretor de marketing de uísques da empresa, para a
matéria “O resgate da marca RIO”, da revista online Exame.com (22/12/2011).
Para o turismo, nada mais vantajoso do que ter a cidade do Rio de
Janeiro na mídia, associada à mensagem de renovação e de força embutidas
no slogan e na simbologia do levantar de um gigante adormecido para seguir
em frente.
86
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho buscou analisar a construção da imagem turística
da cidade do Rio de Janeiro, bem como identificar nas letras das músicas da
Bossa Nova a presença dos signos culturais e paisagísticos que remetam à
Cidade Maravilhosa. Para contextualizar o estudo e facilitar a sua compreensão
pelos leitores, o tema foi estruturado, buscando fazer uma conexão entre as
variáveis: turismo, imagens, Rio de Janeiro e Bossa Nova, percebidas como
peças-chave para a compreensão da dita vocação turística carioca.
Nesse sentido, a relação entre o turismo e o universo das imagens foi
analisada como fundamental e extremamente relevante, visto que a natureza
turística de um destino se respalda em uma imagem que o identifique como
atrativo. Observa-se que a imagem turística de um lugar é fruto de construções
históricas e culturais que não necessariamente condizem fielmente à realidade,
porém se apropriam dela ressaltando os seus aspectos positivos visando
encantar, seduzir e contemplar as aspirações dos turistas, gerando
expectativas e motivações em relação aos lugares e ao tipo de experiência que
se possa vivenciar neles.
Analisando o caso do Rio de Janeiro, através de um panorama histórico,
social e cultural, com recorte temporal compreendido entre o início do século
XX e a contemporaneidade, foi possível observar que a construção da imagem
da cidade carioca se deu de maneira intencional e gradual, porém descontínua,
fruto de iniciativas públicas de vieses políticos que, apesar de distintos, tinham
o intuito aparente de desviar o olhar do atraso e dos graves problemas sociais
percebidos no Rio, levando o foco para intervenções que prometiam trazer
modernidade, “ares estrangeiros” e progresso para a cidade, exaltando as suas
belezas naturais e manifestações culturais.
A partir da observação deste panorama, a imagem Cidade Maravilhosa,
baseada na alcunha homônima dada ao Rio em 1934, foi percebida como a
maior representação da cidade. Nesse sentido, foram identificados como
símbolos presentes na imagem turística carioca: a beleza natural e paisagística
da cidade, entendida como seu principal cartão-postal; o exotismo tropical
singular de uma cidade rodeada pelo mar; a sensualidade e a beleza da mulher
87
carioca; a boemia; e a relação do carioca com a sua cidade, refletida em seu
estilo de vida alegre, receptivo.
Tendo analisado tais aspectos, constatou-se que a Bossa Nova
contribuiu para a reafirmação e difusão da imagem do Rio descrita
anteriormente, exaltando seus principais símbolos e ressaltando o sentimento
de orgulho de ser carioca, de estar no Rio. Muitas dentre as suas composições
retratam a cidade de forma poética, fazendo alusão clara as suas paisagens,
pontos turísticos, bairros e até mesmo ao próprio carioca e, com isso, associam
o Rio a um cenário de belezas e amenidades. É válido destacar que a imagem
referida está atrelada e restrita ao cenário da Zona Sul da cidade do Rio, uma
área marcada por belezas e contrastes que muito se assemelha a realidade
nacional.
A imagem da Cidade Maravilhosa ganhou força e maior visibilidade
atrelada ao sucesso nacional e internacional da Bossa Nova, confirmando a
hipótese inicial deste trabalho. A partir dos estudos e análises feitas, concluiu-
se que a Bossa Nova contribuiu significativamente para a difusão da imagem
Rio Cidade Maravilhosa e, consequentemente, atraiu olhares de diferentes
países do mundo para o Brasil e para o estado.
Cabe ressaltar que o objetivo deste trabalho não era analisar a influência
da Bossa Nova na demanda de turistas da cidade do Rio de Janeiro e,
justamente por isso, não há a presença de dados estatísticos e pesquisas
neste sentido. No entanto, constatou-se que, através das músicas, a imagem
da cidade do Rio tornou-se reconhecida mundialmente e possivelmente tenha
se tornado mais atrativa.
Para além da reafirmação e da difusão da imagem carioca, a Bossa
Nova é compreendida como um importante patrimônio cultural imaterial do Rio
de Janeiro, por sua riqueza musical resguardada através do valioso legado
deixado para a cidade. A inovação que mesclava o tradicional samba brasileiro
com o “moderninho” jazz americano foi considerada genial e marcou a história
da música brasileira.
Finalizando os estudos, concluiu-se, portanto, que, apesar do fim da
produção musical da Bossa Nova e dos problemas de ordem urbana,
econômica e social ainda percebidos no Rio de Janeiro, o marketing turístico
da cidade e a mídia ainda associam a imagem turística carioca à Bossa Nova
88
em campanhas publicitárias, filmes, propagandas e outros. No entanto, apesar
disso e do reconhecimento da relação entre a cidade e a Bossa, constata-se
que ainda haja muito a ser trabalhado no sentido de desenvolver roteiros
turístico-musicais e empreendimentos pela cidade do Rio, que permitam aos
turistas, fãs e visitantes viverem experiências e terem contato com a história e
as músicas bossanovistas.
89
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Universidade Metodista de São Paulo, 2004.
95
REFERÊNCIAS DISCOGRÁFICAS
Título: Balanço Zona Sul Autor da canção: Tito Madi Ano: 1963 Título: Cariocas Autor da canção: Calcanhoto, Adriana. Ano: 1996 Título: Chega de saudade Autor da canção: Jobim, Antonio Carlos e Moraes, Vinícius de. Ano: 1958 Título: Cidade Maravilhosa Autor da canção: Filho, André. Ano: 1934 Título: Copacabana de sempre Autor da canção: Bôscoli, Ronaldo; Menescal, Roberto.
Título: Corcovado Autor da canção: Jobim, Antonio Carlos. Ano: 1960
Título: Desafinado Autor da canção: Jobim, Antonio Carlos. Ano: 1958
Título: Diz que fui por aí Autor da canção: Leão, Nara; Kéti, Zé. Ano: 1964
Título: Ela é carioca Autor da canção: Jobim, Antonio Carlos e Moraes, Vinícius de. Ano: 1963
Título: Garota de Ipanema Autor da canção: Jobim, Antonio Carlos e Moraes, Vinícius de. Ano: 1962
Título: Mas que nada Autor da canção: Sérgio Mendes Ano: 1966 Título: O barquinho Autor da canção: Bôscoli, Ronaldo; Menescal, Roberto. Ano: 1961
96
Título: Presidente Bossa-Nova Autor da canção: Chaves, Juca. Ano: 1958 Título: Rio Autor da canção: Bôscoli, Ronaldo; Menescal, Roberto. Título: Sábado em Copacabana Autor da canção: Caymmi, Dorival; Guinle, Carlos. Ano: 1957 Título: Samba de verão Autor da canção: Valle, Marcos; Valle, Paulo Sérgio Ano: 1964
Título: Samba do avião Autor da canção: Jobim, Antonio Carlos; Moraes, Vinícius de. Ano: 1962
Título: Se todos fossem iguais a você Autor da canção: Jobim, Antônio Carlos; Moraes, Vinícius de. Ano: 1956
Título: Só tinha de ser com você Autor da canção: Jobim, Antônio Carlos. Ano: 1964
Título: Wave Autor da canção: Jobim, Antonio Carlos. Ano: 1967
97
ANEXO A – LETRAS DE MÚSICAS ANALISADAS BALANÇO ZONA SUL, TITO MADI, 1963.
Balança toda pra andar
Balança até pra falar
Balança tanto que já balançou
Meu coração
Balança mesmo que é bom
Do leme até o leblon
E vai juntando um punhado de gente
Que sofre com seu andar
Mas ande bem devagar
Que é pra não se cansar
Vai caminhando
Balam balançando sem parar
Balance os cabelos seus
Balance e vai mas não vai
E se cair vai caindo caindo
Nos braços meus
98
CORCOVADO, ANTÔNIO CARLOS JOBIM, 1960.
Num cantinho um violão
Este amor, uma canção
Prá fazer feliz a quem se ama
Muita calma prá pensar
E ter tempo prá sonhar
Da janela vê-se o Corcovado
O Redentor, que lindo!
Quero a vida sempre assim
Com você perto de mim
Até o apagar da velha chama
E eu que era triste
Descrente deste mundo
Ao encontrar você eu conheci
O que é felicidade
Meu amor
99
CHEGA DE SAUDADE, ANTÔNIO CARLOS JOBIM E VINÍCIUS DE MORAES, 1958.
Vai minha tristeza
E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer
Chega de saudade
A realidade é que sem ela não há paz
Não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim, não sai de mim, não sai
Mas se ela voltar, se ela voltar
Que coisa linda, que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei
Na sua boca
Dentro dos meus braços
Os abraços hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calado assim
Abraços e beijinhos, e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio de você viver sem mim
Não há paz
Não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim, não sai de mim, não sai
Dentro dos meus braços
Os abraços hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calado assim
Abraços e beijinhos, e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio de você viver sem mim
Não quero mais esse negócio de você longe de mim
Vamos deixar desse negócio de você viver sem mim.
100
COPACABANA DE SEMPRE, ROBERTO MENESCAL E RONALDO BÔSCOLI.
Copacabana, praia dourada
Marcada a sol em mim
Sei do seu corpo de areia
Sei das amargas sereias
Asas atadas aos pés
Ondas dos meus jacarés
Copacabana, berço da bossa
Coisas tão nossas
Ficou tão lindo o seu rosto
Posto que bem mais mulher
Venha comigo pra ver
Tudo que eu quero dizer
Inda que seja breve
Ou que leve a vida e mais
Vamos por esses becos
Esquinas, bares que eu sei demais
Toda Copacabana que mora em frente
Ao mar azul de anil
Nada é mais carioca que a nossa copa
Que o seu perfil
Copacabana, de mar inteiro
Do mar primeiro bem
Eu me confesso pequeno
Face a seu corpo moreno
Face ao Atlântico Sul, Copacabana
101
DESAFINADO, ANTÔNIO CARLOS JOBIM E NEWTON MENDONÇA, 1958.
Se você disser que eu desafino amor
saiba que isso em mim provoca imensa dor
só privilegiados têm ouvido igual ao seu
eu possuo apenas o que Deus me deu
Se você insiste em classificar
meu comportamento de anti-musical
eu mesmo mentindo devo argumentar
que isso é Bossa-Nova
que isso é muito natural
O que você não sabe nem sequer pressente
é que os desafinados também têm um coração
fotografei você na minha rolleyflex
revelou-se a sua enorme ingratidão
Só não poderá falar assim do meu amor
esse é o maior que você pode encontrar,
voce com a sua música esqueceu o principal
que no peito dos desafinados
no fundo do peito bate calado
que no peito dos desafinados também bate um coração
102
DIZ QUE EU FUI POR AÍ, NARA LEÃO E ZÉ KÉTI, 1964.
Se alguém perguntar por mim
Diz que fui por aí
Levando o violão embaixo do braço
Em qualquer esquina eu paro
Em qualquer botequim eu entro
Se houver motivo
É mais um samba que eu faço
Se quiserem saber se volto
Diga que sim
Mas só depois que a saudade se afastar de mim
Tenho um violão para me acompanhar
Tenho muitos amigos, eu sou popular
Tenho a madrugada como companheira
A saudade me dói, o meu peito me rói
Eu estou na cidade, eu estou na favela
Eu estou por aí
Sempre pensando nela
103
ELA É CARIOCA, ANTÔNIO CARLOS JOBIM E VINICIUS DE MORAES, 1963.
Ela é carioca
Ela é carioca
Basta o jeitinho dela andar
Nem ninguém tem carinho assim para dar
Eu vejo na cor dos seus olhos
As noites do Rio ao luar
Vejo a mesma luz, vejo o mesmo céu
Vejo o mesmo mar
Ela é meu amor, só me vê a mim
A mim que vivi para encontrar
Na luz do seu olhar
A paz que sonhei
Só sei que sou louco por ela
E pra mim ela é linda demais
E além do mais
Ela é carioca
Ela é carioca
104
GAROTA DE IPANEMA, ANTÔNIO CARLOS JOBIM E VINICIUS DE MORAES, 1964.
Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela menina
Que vem e que passa
Num doce balanço, a caminho do mar
Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar
Ah, porque estou tão sozinho
Ah, porque tudo é tão triste
Ah, a beleza que existe
A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha
Ah, se ela soubesse
Que quando ela passa
O mundo sorrindo se enche de graça
E fica mais lindo
Por causa do amor.
105
MAS QUE NADA, SÉRGIO MENDES, 1966.
O ariá raió
Obá obá obá
Mas que nada
Sai da minha frente
Eu quero passar
Pois o samba está animado
O que eu quero é sambar
Esse samba
Que é misto de maracatu
É samba de preto velho
Samba de preto tú
Mas que nada
Um samba como este tão legal
Você não vai querer
Que eu chegue no final
O ariá raió
Obá obá obá
106
O BARQUINHO, ROBERTO MENESCAL E RONALDO BÔSCOLI.
Dia de luz
Festa de sol
E o barquinho a deslizar
No macio azul do mar
Tudo é verão
O amor se faz
Num barquinho pelo mar
Que desliza sem parar
Sem intenção nossa canção
Vai saindo desse mar
E o sol beija o barco e luz
Dias tão azuis
Volta do mar
Desmaia o sol
E o barquinho a deslizar
E a vontade de cantar
Céu tão azul
Ilhas do sul
E o barquinho é um coração
Deslizando na canção
Tudo isso é paz
Tudo isso traz
Uma calma de verão e então
O barquinho vai
A tardinha cai
O barquinho vai
107
RIO, RONALDO BÔSCOLI E ROBERTO MENESCAL.
Rio que mora no mar
Sorrio pro meu Rio
Que tem no seu mar
Lindas Flores que nascem morenas
Em jardins de sol
Rio serras de veludo
Sorrio pro meu Rio que sorri de tudo
Que é adorado quase todo dia
E alegre como a luz
Rio é mar, eterno se fazer amar
Oh meu Rio, é lua
Amiga branca e nua
É sol, é sal, é sul
São mãos se descobrindo em tanto azul
Por isso é que o meu Rio da mulher beleza
Acaba num instante com qualquer tristeza
Meu Rio que não dorme por quem não se cansa
Meu Rio que balança
Sorrio, sorrio, sorrio
108
SÁBADO EM COPACABANA, CARLOS GUINLE E DORIVAL CAYMMI, 1955.
Depois de trabalhar toda semana
Meu sábado não vou desperdiçar
Já fiz o meu programa pra essa noite
E já sei por onde começar
Um bom lugar pra se encontrar, Copacabana
Pra passear, à beira-mar ,Copacabana
Depois um bar à meia-luz, Copacabana
Eu esperei por essa noite uma semana
Um bom jantar, depois dançar, Copacabana
Pra se amar, um só lugar, Copacabana
A noite passa tão depressa
Mas vou voltar lá pra semana
Se eu encontrar um novo amor, Copacabana
109
SAMBA DE VERÃO, MARCOS VALLE E PAULO SÉRGIO VALLE.
Você viu só que amor
Nunca vi coisa assim
E passou, nem parou
Mas olhou só pra mim...
Se voltar vou atrás
Vou pedir, vou falar
Vou dizer que o amor
Foi feitinho prá dar...
Olha, é como o verão
Quente o coração
Salta de repente
Para ver
A menina que vem...
Ela vem sempre tem
Esse mar no olhar
E vai ver, tem que ser
Nunca tem quem amar
Hoje sim, diz que sim
Já cansei de esperar
Não parei, nem dormi
Só pensando em me dar...
Peço, mas você não vem
Bem!
Deixo então!
Olho o céu
Falo só
Mas você vem...
Deixo então!
Olho o céu
Falo só
Mas você vem...
110
SAMBA DO AVISÃO, ANTÔNIO CARLOS JOBIM, 1962.
Minha alma canta
Vejo o Rio de Janeiro
Estou morrendo de saudade
Rio, teu mar, praias sem fim
Rio, você foi feito pra mim
Cristo Redentor
Braços abertos sobre a Guanabara
Este samba é só porque
Rio, eu gosto de você
A morena vai sambar
Seu corpo todo balançar
Rio de sol, de céu, de mar
Dentro de mais um minuto estaremos no Galeão
Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro
Cristo Redentor
Braços abertos sobre a Guanabara
Este samba é só porque
Rio, eu gosto de você
A morena vai sambar
Seu corpo todo balançar
Aperte o cinto, vamos chegar
Água brilhando, olha a pista chegando
E vamos nós
Aterrar
111
SE TODOS FOSSEM IGUAIS A VOCÊ, ANTÔNIO CARLOS JOBIM E
VINÍCIUS DE MORAES, 1956.
Vai tua vida
Teu caminho é de paz e amor
A tua vida
É uma linda canção de amor
Abre os teus braços e canta
A última esperança
A esperança divina
De amar em paz
Se todos fossem
Iguais a você
Que maravilha viver
Uma canção pelo ar
Uma mulher a cantar
Uma cidade a cantar, a sorrir, a cantar, a pedir
A beleza de amar
Como o sol, como a flor, como a luz
Amar sem mentir, nem sofrer
Existiria a verdade Verdade que ninguém vê Se todos fossem no mundo iguais a você
112
SÓ TINHA DE SER COM VOCÊ, ANTÔNIO CARLOS JOBIM, 1964.
É, só eu sei
Quanto amor eu guardei
Sem saber que era só prá você
É, só tinha de ser com você
Havia de ser prá você
Senão era mais uma dor
Senão não seria o amor
Aquele que a gente não vê
O amor que chegou para dar
O que ninguém deu pra você
É, você que é feita de azul
Me deixa morar nesse azul
Me deixa encontrar minha paz
Você que é bonita demais
Se ao menos pudesse saber
Que eu sempre fui só de você
Você sempre foi só de mim
Que eu sempre fui só de você
Você sempre foi só de mim
113
WAVE, ANTÔNIO CARLOS JOBIM, 1967.
Vou te contar,
os olhos já não podem ver
coisas que só o coração pode entender
Fundamental é mesmo o amor
é impossível ser feliz sozinho
O resto é mar,
é tudo que eu nem sei contar
são coisas lindas que eu tenho pra te dar
vem de mansinho a brisa e me diz
é impossível ser feliz sozinho
da primeira vez era a cidade
da segunda o cais e a eternidade
Agora eu já sei
da onda que se ergueu no mar
e das estrelas que esquecemos de contar
o amor se deixa surpreender
enquanto a noite vem nos envolver
114
ANEXO B. LISTA DE FIGURAS
Vista aérea orla do Leblon, década de 1960
Disponível em <http://rioantigofotos.blogspot.com.br/2009/08/leblon-na-decada-de-60-fotos-do-rio.html> Praia de Ipanema – RJ, década de 1960
Disponível em <http://www.rentanapartmentinrio.com/ipanemariobrasil.html>
115
Vista aérea da Orla de Copacabana – RJ
Disponível em <http://www.aluguetemporada.com.br/imovel/p916188> Vista aérea da Praia de Ipanema - RJ
Disponível em <http://www.turismobrasil.gov.br/promocional/destinos/R/Rio_Janeiro.html>
116
Calçadão de Copacabana – RJ
Disponível em <http://exame.abril.com.br/negocios/empresas/noticias/bhg-compra-do-hotel-rio-palace> Vista aérea do Calçadão de Copacabana – RJ
Disponível em <http://olhares.uol.com.br/calcadao-de-copacabana-foto2358179.html>
117
Vista aérea da orla de Ipanema e da Lagoa Rodrigo de Freitas – RJ
Disponível em <http://www.kwanzastur.com.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=49&Itemid=56> Vista aérea do Cristo Redentor (Morro do Corcovado) e da Baía de Guanabara
Disponível em <http://blog.agenciapreview.com/2010/05/25/rio-de-janeiro/>
118
Cartaz publicitário da Bossa Nova
Disponível em <http://braziliansounds.com/bossa-nova-from-brazil/?lang=pt> Cartaz publicitário Bossa Nova
Disponível em <http://phullana.wordpress.com/2011/06/25/a-girl-meets-bossa-nova/>
119
Caricatura de João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes
Disponível em <http://truereverber.blogspot.com.br/2011/11/no-final-da-decada-de-1950-no-rio-de.html#.T7rN2tm4a2s> A Bossa Nova do Rio de Janeiro
Disponível em <http://amarildocharge.wordpress.com/ilustracao/>
120
Antônio Carlos Jobim
Disponível em <http://scissorhands.wordpress.com/page/132/> Vinícius de Moraes
Disponível em <http://www.brasilescola.com/literatura/vinicius-moraes.htm> Tom & Vinícius
Disponível em <http://cafehistoria.ning.com/profile/LorenaLima>
121
Nara Leão
Disponível em <http://nicolaufrederico.jor.br/blog/?tag=bossa-nova> Encontro entre Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Ronaldo Bôscoli, Roberto Menescal e Carlos Lyra.
Disponível em <http://www.diariodorio.com/bossa-nova-declarada-patrimnio-cultural-carioca/>
122
João Gilberto
Disponível em <http://entretenimento.uol.com.br/famosos/joao-gilberto/index.htm> Carlos Lyra, Roberto Menescal, Marcos Velle e João Donato.
Disponível em <http://rollingstone.com.br/guia/cd/os-bossa-nova/>
123
Vinícius de Moraes e a Garota de Ipanema, Helô Pinheiro.
Disponível em <http://www.pierdeipanema.com.br/image/202/helo-pinheiro-garota-de-ipanema-e-vinicius-de-moraes> Esboço da composição Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes
Disponível em <http://www.moleskinerie.com/2005/09/there_really_is.html>
124
Bar do Veloso, década de 1960. Atual Garota de Ipanema, Ipanema – RJ
Disponível em <http://revistaengenho.blogspot.com.br/2011/04/musico-nao-vai-praia.html> Vista frontal do Bar Garota de Ipanema, na Rua Vinícius de Moraes, Ipanema - RJ
Disponível em <http://www.agenciapreview.com/detalheImagem.asp?cod_foto=2430>
125
Vista frontal da Toca do Vinícius, em Ipanema – RJ
Disponível em <http://www.overmundo.com.br/guia/entrando-na-toca-do-vinicius> Toca do Vinícius, em Ipanema – RJ
Disponível em <http://www.riofilmcommission.rj.gov.br/location/toca-do-vinicius>
126
Rio Bossa Nova
Disponível em <http://rioemdisco.blogspot.com.br/2008_06_01_archive.html> “Bossa Nova – Puro Sabor Brasileiro”
Disponível em <http://www.pignes.org/2011_02_13_archive.html>
127
Folder Guia da Bossa Nova
Disponível em <http://blog.helvecio.com/wpress/category/estilo/> Folder de divulgação Show de Bossa Nova
Disponível em <http://blogdomauroferreira.blogspot.com.br/2008_03_09_archive.html>
128
Imagem turística orla Rio de Janeiro
Disponível em <http://www.brasil.gov.br/copadomundo/brasil-2014/cidades-sede-atualizacao/rio-de-janeiro> Publicidade turística carioca – a pluralidade da Cidade Maravilhosa
Disponivel em <http://smkgirls1.blogspot.com.br/2010/08/smk-verao-2010.html>
129
Cartão-postal Carioca – Cristo Rdentor, Baía de Guanabara e Pão de Açúcar
Disponível em <http://www.viajaresimples.com.br/randomico.php?id=15> Cartão-postal do Morro do Pão de Açúcar
Disponível em <http://www.viajaresimples.com.br/randomico.php?id=15>