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1 PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

ulsd055423 tm tese - Repositório da Universidade de ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/1062/2/20735_ulsd055423_tm_tese.pdf · O crescimento dos aglomerados urbanos e o fortalecimento

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1

PPAARRTTEE II

EENNQQUUAADDRRAAMMEENNTTOO TTEEÓÓRRIICCOO

2

3

CCAAPPÍÍTTUULLOO 11

Poder, Estado e Cidadania

Thus the security of individuals, and consequently

the common peace, necessarily require that the

right of using the sword to punish be transferred to

some man or some assembly; that man or that

assembly therefore is necessarily understood to

hold sovereign power in the commonwealth by

right.

De Cive, Thomas Hobbes1

1.1 Poder e Responsabilidade

Designa-se por Poder, a capacidade de agir ou determinar a acção, a faculdade que

substancia a autoridade e o comando, o domínio ou a possibilidade de influência ou

manipulação das circunstâncias, dos recursos e das crenças que condicionam tanto as

acções como as omissões dos indivíduos, das organizações e das comunidades.

Do ponto de vista dos cidadãos do mundo dito ocidental e industrializado, o

exercício do poder governativo, carece tanto de fundamento legitimador como de

objectivo.

Aprecia-se a ideia de que o uso do poder terá uma função social, que se destina à

produção de condições de bem-estar2 aos que são governados. O vigor desta noção, é

1 On the Citizen (De Cive) Cap. VI – “On the right of the Assembly or Man, who holds sovereign authority in the commonwealth”, § VI – Hobbes, T. (2005b:78) 2 De entre outras, a liberdade, segurança e justiça (CRP).

4

evidente nos Estados que abraçaram o modelo político social, os denominados Estados-

providência.

Porém, é hoje frequentemente questionado se essas expectativas, fundadas no

sedimento histórico e filosófico que enforma as representações colectivas, não estarão

desenquadradas das capacidades, ou mesmo das intenções dos respectivos governos.

O lugar e a função que o indivíduo desempenha no sistema social, condicionaram

sempre a sua esfera de acção e o seu relacionamento com o poder que o governa;

condicionaram igualmente as suas imagens e pensamentos, as suas construções e formas

de agir.

Os cidadãos ocidentais são hoje capazes de se questionar sobre o que legitima e

delimita a autoridade exercida por estruturas, igualmente compostas por homens, às

quais todos devem obediência. Questão legítima no sentido em que o exercício pleno

das funções de um governo, dificilmente se harmoniza inteiramente com a liberdade

pessoal dos indivíduos governados.

O que confere autoridade às instâncias de poder? Quem exerce o poder, porque

razão, com que fundamento e em que medida?

A procura de respostas para estas interrogações, dinamizou os sistemas sociais

fazendo com que os homens procurassem, além das explicações escatológicas,

fundamentos para as respectivas ordens sociais. O nascimento do homem livre e

autónomo, dotado de direitos, no período da modernidade histórica, foi determinante

para o surgimento e desenvolvimento de novos e diferentes tipos de Estado3 e sistemas

3 Marcello Caetano (1992:140) definiu o conceito de Estado sob diversos prismas: (1) Colectividade que num determinado território possua o poder político em nome próprio, (2) Colectividade que no território possua o poder político soberano, (3) Sistema dos órgãos de uma colectividade que exerçam o poder político no território por ela possuída, (4) Pessoa colectiva que, para efeitos das relações de direito interno, tem por órgão o governo.

5

de governação, para a dinâmica das suas políticas e para a construção dos edifícios

legais ainda em vigor.

O posicionamento do homem comum4 no contexto social, histórico, política e

economicamente considerado, encontra-se assim, em constante mutação. A construção

social do lugar e papel do cidadão, em relação ao colectivo e ao poder que o governa,

oscila entre maior ou menor autonomia, liberdade e responsabilidade. Mas, para além

disso, o homem comum questiona-se ainda sobre o que o todo colectivo e os órgãos que

detêm a soberania e o poder, lhe podem fornecer.

1.2 Transição para a Modernidade: Uma nova dialéctica Indivíduo / Estado

Nas organizações sociais pré-modernas as comunidades, na sua maioria,

pequenas, eram baseadas na infra-estrutura familiar e fortemente estratificadas. A

importância do homem revelava-se pelo lugar que ocupava na cadeia hierárquica do seu

estrato social e na função que desempenhava na comunidade.

Esta dimensão e composição das comunidades, gerava uma fácil identificação

entre os seus membros. A segurança individual, globalmente entendida, era mantida

pela pertença a um grupo (família, aldeia, ofício) e pela força dos laços de dependência

e interdependência nele gerados.5

4 Chamamos homem comum ao cidadão não empossado de poder governativo sobre os restantes cidadãos, por oposição aquele que governa, o soberano, líder, déspota ou dirigente democraticamente eleito, no momento em que exerce esse poder de governação. Ainda assim, optámos por colocar o termo em itálico para o distinguir claramente do texto, despindo-o da sua carga minimizadora e investindo-o de uma carga meramente funcional relacionada apenas com os objectivos da nossa explicação. 5 Não fosse o risco de disputa dos territórios e suas riquezas pelos estratos sociais mais elevados e detentores do poder e da força (que só a estes dizia respeito, mas que a todos afectava), os problemas de segurança civil das comunidades, resumir-se-iam à vigilância exercida sobre os forasteiros. Vagabundos, nómadas, saltimbancos e almocreves, eram gente sem ligações a qualquer lugar, que não se identificariam com a comunidade de passagem e que, por isso, eram o alvo principal do controlo das populações agregadas. Vd. Robert, P. (2002:37) e Castel, R. (2003:12).

6

Os conflitos entre membros da plebe eram resolvidos entre os próprios ofendidos

e ofensores, pessoalmente ou representados pelos chefes de família e só residualmente,

com recurso à regulação de uma entidade considerada neutra e exterior ao conflito.

Cada um assumia a responsabilidade pela sua própria segurança, pela segurança

dos seus familiares e património, “sob controlo da comunidade local e com o seu

apoio”6.

O crescimento dos aglomerados urbanos e o fortalecimento da importância de

determinadas actividades económicas levou à criação de organizações mais complexas,

um processo que levaria ao fim dos sistemas feudais e ao início da modernidade,

rompendo com a ordem social fundada apenas na pertença ao grupo. A nova ordem

seria marcada por uma nova concepção do Homem enquanto indivíduo com direitos e

capacidades, destacado e reconhecido fora da sua inscrição no colectivo; do Poder

como necessário e funcional; de uma Justiça universal, apoiada na lei escrita, destinada

por igual a todos os homens e entendida como força criadora de processos justos e

reguladora de conflitos.

Para Hobbes, o governo era uma criação artificial e voluntária, produzida pela

associação dos entes governados (todos os indivíduos), através de um Pacto ou Contrato

Social. Este produto não provinha da natureza humana, cujo estado natural seria o de

“guerra do homem contra o outro homem”7, uma vez que cada indivíduo procuraria o

6 Robert, P. (2002:34) 7 “Hereby it is manifest that during the time men live without a common Power to keep them all in awe, they are in that condition which is called Warre; and such a warre, as is of every man, against every man.” In Leviathan, Cap. XIII – Of the natural Condition of Mankind as concerning their felicity and misery, Hobbes, T. (2005a:88)

7

bem para si mesmo8, mas antes da necessidade de equilibrar esse comportamento

natural, através do exercício do poder e da força, por um governo soberano9.

Só a constatação racional de que a vida individual e comum poderia ser melhor, se

apenas o governo exercesse legitimamente o poder e a força, dando ao indivíduo a paz,

segurança e liberdade para se dedicar à satisfação de outras necessidades levaria,

segundo aquele pensador, os indivíduos à associação e à submissão a um governante ou

conselho.

No Contrato hobbesiano, os soberanos assumiriam o compromisso de exercer o

direito e recorrer à força em nome de todos, libertando o cidadão do medo de perder a

sua subsistência e da tarefa contínua de competir com outros pelo seu bem-estar. Nesta

perspectiva, o Contrato implicaria mais obrigações para os soberanos que para os

súbditos e, é nesta conformidade, que a garantia da segurança e protecção dos cidadãos

surge como uma função do soberano e, por conseguinte, do Estado.10

Por outro lado, na concepção de Hobbes, a “insegurança” seria uma condição

natural por oposição à “segurança”, essa sim, artificial e proporcionada apenas pelo

exercício do poder, que permitiria a existência da sociedade11.

8 "For every man is assumed to be naturally after his own good; he seeks Justice only incidentally, for the sake of peace" In De Cive, Cap. III – Of the other Laws of Nature, § XXI, Hobbes, T. (2005b:52) 9 “And if men were as they should be, that would be the best form of commonwealth. But to rule men as they are, there must be power (which comprises both right and strength) to compel” In De Cive, Cap. XVI – Of the Kingdome of God under the Old Agreement, § XV, Hobbes, T. (2005b:198) 10 No séc. XVI e antes de Hobbes, Thomas More, na obra alegórica intitulada Utopia (do grego U Topos, significando “lugar nenhum”), havia já descrito aquilo que considerava ser uma sociedade desenvolvida e próspera. Referiu-se, entre outras questões, ao poder do soberano, à sua fundamentação e objectivos, bem como à ética do seu exercício. Para More, o soberano teria o seu poder fundado na legitimidade que os governados lhe outorgariam e, com tal poder associavam-se deveres, nomeadamente o de lhes proporcionar condições de segurança e dignidade pessoal que conduzissem à felicidade: “[...] pois que a sua grandeza, para não falar na sua segurança, reside na riqueza do seu povo mais ainda que na sua; se mostrasse que os súbditos escolhem um rei não para ele, mas para si próprios, a fim de viverem felizes, em segurança, ao abrigo da violência e do insulto, graças aos seus esforços e à sua solicitude; que o rei, por conseguinte, deve ocupar-se mais do bem-estar do seu povo que do seu [...]”, More, T. (2004:33) 11 Este é um aspecto controverso, da construção ideológica de Hobbes. Crê-se que a sua abordagem, possa legitimar a fundação de Estados securitários, musculados e absolutos, nos quais a vigilância e protecção são factores essenciais à continuidade da coesão social e mesmo à liberdade de cada indivíduo. O enquadramento histórico da vida e do pensamento deste autor, fará com que a sua obra faça sentido para o leitor actual, ajudando a compreender porque razão um Estado não absoluto e totalitário, não poderia

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Tal como Hobbes, Locke defenderia a existência de um estado natural original, no

qual o homem teria vivido sem a orientação de qualquer autoridade política, bem como

a geração de um consenso entre homens livres que serviria de base de sustentação ao

poder político. Os termos desse pacto determinariam a forma e alcance do governo

estabelecido. Todavia, segundo Locke, crente no facto dos homens nascerem livres e

iguais, o exercício do Poder deveria ser limitado constitucionalmente, concebendo o

“Pacto” como um instrumento jurídico de delegação na entidade governativa, entre

outros, do direito de reprimir o desvio.12 Lançando as bases do pensamento liberal,

Locke arguiu que seria a associação de homens livres que daria estabilidade política ao

Estado. O Homem, como ser naturalmente livre13, edificaria a sua própria

independência e segurança com o trabalho e com a construção do seu património.14

Emerge, neste contexto, a distinção entre dois tipos de segurança ou protecção, e

que Castel (2003) também refere. Um primeiro tipo, a protecção civil ou segurança

garantir, na visão daquele filósofo, a segurança total. Aliás, Max Weber viria a constatar, sem qualquer perspectiva ou intenção doutrinária e em época diferente, que o monopólio do exercício da violência pertence ao Estado. 12 As teorias do Contrato Social, viriam a desenvolver-se, a gerar e fundamentar posturas distintas das suas premissas iniciais, contudo, sob todas as perspectivas enunciadas, o Contrato, implica que haja um órgão encarregue da soberania que detém a força, o poder e a responsabilidade de manter a paz e a ordem que a todos serve e todos liberta. Neste prisma, a acção da soberania está intimamente ligada à segurança e manutenção da ordem e paz públicas e, bem assim, com a formação, doutrina e modo de funcionamento das instituições que protagonizam o exercício das respectivas prerrogativas de prevenção e repressão do desvio, nomeadamente as instâncias policiais, judiciais e prisionais. O ideal sócio-político edificado pelo pensamento desses filósofos, baseando-se numa premissa de garantia de protecção dos cidadãos a dois níveis paralelos, o da segurança civil, fundada nas instituições do Estado de direito e o da segurança social, baseada na propriedade, possui uma coerência assinalável que determinou a longevidade das suas ideias, levando a que as mesmas se impusessem a partir do séc. XVIII, após um novo impulso dado pelos pensadores da Revolução Francesa, disseminando-se pelos séculos seguintes e influenciando profundamente o direito e a filosofia das organizações políticas europeias actuais. 13 A defesa dos direitos naturais do homem gerou, contra a linha hobbesiana que preconizava a submissão total do indivíduo ao soberano, uma forte oposição às capacidades de intervenção do Estado, nos domínios considerados na esfera da vida privada dos cidadãos. O Estado existiria, no entender de Locke, apenas na medida do necessário, ou seja, a sua função seria apenas a de proteger o indivíduo para que este gozasse da liberdade de se desenvolver e empreender. 14 A propriedade representaria a garantia que o homem comum teria para se manter livre das redes de dependência e de tutela hierárquica e social que caracterizavam a sua condição pré-moderna. A importância desta concepção reside para além do sentido restrito dos bens materiais, radicando-se no conjunto de condições de manutenção da liberdade e autonomias pessoais de cada cidadão e, consequentemente da sua sobrevivência e bem-estar. A propriedade é a fonte material que garante ainda, a redução dos efeitos da exposição ao risco, inerente à própria vida humana.

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pública15, que é um dever do Estado de Direito, materializado pela acção do sistema

judicial e dos organismos policiais, destinando-se a garantir a protecção de pessoas e

bens16. Outra, a protecção social, enquanto conjunto de meios e medidas proporcionadas

pela propriedade, que se destinam a assegurar o bem-estar do homem, na eventualidade

da concretização dos principais riscos, susceptíveis de causar degradação da vida,

vulnerabilizar ou por em causa a independência do indivíduo e que podem decorrer da

velhice, da doença ou dos acidentes.17 A segunda forma de protecção encontrar-se-á

mais tarde no elenco funcional dos Estados-providência.

Hodiernamente, Estado é geralmente entendido, como o responsável prima facie

pela regulação e controlo dos comportamentos desviantes18. Esta é uma construção

relativamente recente, mas de grande impacto sobre o entendimento que cada indivíduo

tem do seu próprio quadro de deveres, nomeadamente, aqueles que concernem à sua

segurança – a sua autoprotecção19, dado que é esse entendimento que influencia o

raciocínio de que a responsabilidade individual é subsidiária à do Estado.

15 No presente trabalho utilizaremos indistintamente o termo Segurança Civil e Segurança Pública, pretendendo definir a acção de prevenção e repressão do delito, vigilância e protecção de pessoas e bens, manutenção da ordem e paz pública, tipicamente exercido pelos organismos policiais. 16 A propósito dos fins da governação Marcello Caetano escreveu: “Colocamos a segurança em primeiro lugar ao enumerar os fins da sociedade política porque parece certo ter sido essa a primeira necessidade que levou os homens a instituir um poder político. O primeiro interesse do homem no mundo é viver. Para viver os homens precisam de se amparar contra os perigos da Natureza, contra as cobiças de outros homens, contra a violência dos mais fortes. [...] A segurança não é não é só a organização da força posta ao serviço de interesses vitais: é também, por outro lado, a garantia da estabilidade dos bens e, por outro, a da duração das normas e da irrevogabilidade das decisões do Poder que importem justos interesses a respeitar, quer dizer, a certeza.” Caetano, M. (1992:144) 17 Castel, R. (2003:20) 18 Distinto do conceito juridico-penal de crime, por ser mais flexível, amplo e próximo da fenomenologia social, pretendendo significar, não só os crimes propriamente ditos, mas todas as condutas que atentam contra a o equilíbrio homeostático de uma dada ordem social e cultural, no sentido em que colidem com as normas informais e as expectativas dos pares (Dias, J. et Andrade, M. 1997:73). 19 Utilizaremos profusamente o termo autoprotecção para significar a tomada de medidas passivas de protecção contra o delito, por aqueles que são as suas potenciais vítimas. A par da concessão pelo Estado de responsabilidades de segurança pública a entidades privadas, a autoprotecção compõe o conceito de “privatização do risco” a que adiante também aludiremos.

10

1.3 Génese e Âmbito do Estado-providência

Durante o séc. XIX, germinaram novas formas de entender as necessidades de

segurança ao nível social. Após a consolidação dos sistemas de governação

centralizados desenvolvidos sobretudo na Europa continental, o advento e expansão do

capitalismo liberal e da industrialização, geraram consequências profundas nos

contextos sociais, económicos e políticos dos Estados20, que romperam definitivamente

com os resquícios de um passado constituído por modelos ainda ancorados na pré-

modernidade.

Neste contexto de transformação, cedo se tornou evidente que a aquisição e

manutenção da propriedade, não era equitativa e que os riscos capazes de afectar o bem-

estar dos homens, seriam diferentes conforme o plano económico e social em que estes

se encontravam colocados.

O lançamento das bases do edifício do Estado-Providência, não terá sido alheio ao

surgimento de movimentos socialistas, movimentos esses que se apresentavam como

resposta socio-política em face das consequências do desenvolvimento económico e

industrial, considerado socialmente desequilibrado21. A inauguração de sistemas de

protecção social e as mudanças ideológicas e políticas operadas nos respectivos

20 Referimo-nos à decadência da aristocracia e a emergência da burguesia comercial e industrial, cuja instalação modificaria as actividades de produção, os hábitos de consumo e, bem assim a sujeição do homem a novos riscos, inclusivamente, aqueles associados ao trabalho fabril, à explosão demográfica e à densificação urbanística. O movimento de pessoas do campo para as cidades com vista a servir de mão-de-obra para as industrias, deparou com uma reduzida oferta de habitação, falta de condições de higiene e de saneamento básico, o que teve como consequência o surgimento de problemas graves de saúde e mesmo de ordem pública , decorrentes da excessiva aglomeração de pessoas e da escassez de recursos. 21 Percebendo o curso das grandes transformações operadas pela industrialização e preocupado em manter a estabilidade do seu sistema económico e político, Otto von Bismarck, príncipe da Prússia e governante conservador, elaborou os primeiros actos de protecção social estatal, planeando e executando reformas que dariam origem aos primeiros seguros sociais obrigatórios, para cobertura das situações de doença, acidentes de trabalho, invalidez e velhice. Na primeira década do séc. XX, a Inglaterra liberal e trabalhista seguiria o exemplo prussiano, sendo os mecanismos de protecção social gradualmente adoptados pelos países escandinavos sociais-democratas como a Noruega, a Suécia e a Dinamarca, seguindo-se-lhes mais tarde a França e os Estados Unidos.

11

Estados, poderá assim, ter feito parte de uma estratégia de manutenção do poder para

uns ou de conquista, para outros.

O Estado-providência, com a sua actual configuração, surge após a II Grande

Guerra. Ao elenco das tarefas do Estado22 passará a acrescentar-se, a prevenção da

pobreza e a protecção dos cidadãos contra os principais riscos sociais, assinalando como

fins, o bem-estar e a justiça social.

Esta forma de governação, caracterizada por ser social e politicamente actuante,

apresenta o Estado (providência) como actor (social) reorganizador da sociedade,

tornando-o um sistema que regula e medeia as relações entre a sociedade civil e o poder

político, que procede à regulação e controlo das actividades económicas e da

estratificação social. Interferindo na vida social e económica, o Estado-providência,

concebe e põe em prática políticas sociais, actuando como ponto de equilíbrio entre o

desenvolvimento e a sustentação social (Mozzicaffreddo 2002:3).

Assim, intervindo e influenciando diversos sistemas e processos sociais, o Estado-

providência complexificou-se, (1) criando aparelhos destinados a compensar o choque

nas expectativas de equidade e justiça sociais, provocado pelo desenvolvimento

económico, (2) substituindo as redes sociais informais que anteriormente sustentavam

os custos sociais do processo de desenvolvimento e da degradação económica, física

e/ou mental dos cidadãos (a pobreza, a velhice ou a doença...) com vista a controlar o

quadro de “incertezas sociais”, (3) respondendo às dinâmicas sociais, mobilizando

recursos políticos e sociais.23

Estas características e mecanismos particulares do providencialismo,

influenciaram profundamente o direito penal e a criminologia. A tendência

22 Defesa externa, segurança pública, diplomacia, justiça e tributação de impostos para manutenção das restantes. 23 Mozzicafreddo J. (2002:4), Castel R. (2003:87)

12

mobilizadora do Estado-providência, para a resolução de problemas sociais e o

raciocínio de que a delinquência seria uma falha do processo de socialização e, bem

assim, resultado de um deficiente desempenho do Estado na resolução dos problemas

sociais, fez diversificar e aumentar a atenção do Estado sobre as carências sociais,

económicas, educacionais e mesmo psicológicas, consideradas criminogénas.24

Consequentemente, procurou-se continuar a dirigir recursos para a compensação dessas

insuficiências, na tentativa de (1) prevenir e controlar a criminalidade, (2) recuperar os

agentes do crime e (3) reconstituir a coesão social quebrada.25

Este quadro complexo, adensou não só as responsabilidades e as dimensões de

intervenção, mas também os custos da governação, fazendo reflectir na carga fiscal

imposta aos governados, muito do seu meio de sustentação.26

As políticas do Estado-providência, nomeadamente as de prevenção criminal,

foram erigidas em condições económicas favoráveis que garantiram a sua

sustentabilidade27, condições essas que viriam a ser perturbadas, não só pelo peso de

uma máquina em constante crescimento, mas também por um grande número de

24 Garland D. (2002:15) 25 Estas tarefas do Estado incluem medidas sociais, legislativas e policiais que envolvem tanto recursos próprios do Estado, como de instituições da sociedade civil. A crença de que, sendo a sociedade criminógena, será tarefa essencial atacar todos os aspectos que dão origem e mantêm o comportamento desviante, invoca a necessidade de actuar a dois níveis. Um nível indirecto: melhorando as condições socioeconómicas, de acesso à educação, à habitação e ao trabalho, procedendo à integração sociocultural de grupos étnicos minoritários e suportando a coesão do tecido social por substituição aos grupos de pertença naturais (família, comunidade restrita). A um nível directo: assumindo a protecção de crianças e jovens em perigo, a tutela dos jovens delinquentes (necessitados de educação para o direito), assumindo a exclusividade da acção penal com uma postura fortemente garantista, sobretudo em relação ao respeito dos direitos dos que são visados, concedendo, por princípio, uma “segunda oportunidade” ao delinquente condenado, esperando que a pena aplicada tenha tido como resultado a recuperação do agente do crime (Castel R. 2003:87; Garland D. 2002:15) 26 “O Estado converteu-se, em todos os países, numa empresa gigantesca: produz bens, fornece energia, domina a circulação de produtos e das ideias através dos transportes e das comunicações, controla a moeda, orienta o crédito, regula a repartição dos rendimentos e nos períodos críticos intervém no consumo, ao mesmo tempo que ministra a instrução e se ocupa cada vez mais de todos os graus da cultura. Esta hipertrofia do fim económico e cultural do Estado verificada nos nossos dias exerce profunda influência na sua estrutura [...]” (Caetano, M. 1992:147) 27 O pós Segunda Grande Guerra, trouxe tanto na Europa como nos Estados Unidos, um sinal de esperança generalizado, associado a um impulso nas condições socioeconómicas dos respectivos cidadãos, sobretudo nos trabalhadores dos sectores primários e secundários. (Garland 2002:49)

13

transformações e avanços externos que viriam, por seu turno, a condicionar o

desenvolvimento das organizações sociais ocidentais28.

O surgimento das tecnologias de informação, o desenvolvimento do sector dos

serviços, e a expansão da iniciativa privada, viria a constituir-se uma perturbação

adicional à continuada edificação do Estado-providência, o qual, começaria a mostrar

sinais de recuo.

1.4 Retracção do Estado-providência

Estado e economia são dois mundos em cisão; fazendo hoje parte de universos

distintos em que, o primeiro está contido e a segunda vive e expande-se livremente sem

constrangimentos fronteiriços, linguísticos ou culturais. Esta circunstância põe em crise

o conceito de Estado-nação, tendo as economias ascendido a um patamar supra nacional

que os Estados não regulam ou controlam individualmente.

A expansão e liberalização do comércio mundial imprimiram, no último quartel

do séc. XX, uma grande pressão sobre o fundamento do Estado-nação, do Estado-

providência e da própria noção de soberania. Estes conceitos são frequentemente

declarados falidos, impondo-se novas regras, desta vez, não pelos Estados, mas pelos

grupos económicos de dimensão extra-nacional.29

A retirada (ou retracção) do Estado-providência ter-se-á iniciado nos anos 70 do

séc. XX, respondendo novamente “aos desafios” deste “desenvolvimento”

(Mozzicaffreddo 2002:6), levando o Estado a uma encruzilhada, entre uma economia

28 Les Johnston, identifica quatro grandes grupos de mutações: as mudanças económicas, a Globalização e “localização”, as mudanças nos sistemas de estratificação social e as mudanças políticas e do Estado. (Jonhston, L. 1998:194) 29 A este facto está aliado outro – o advento da globalização juntou em competição, no mesmo mercado, os Estados de direito democrático, onde as economias são reguladas e os direitos sociais consagrados

14

que já não controla e o suporte dos custos da desqualificação social dos cidadãos não

integrados no mercado de trabalho.30 A dissolução e privatização de uma série de

responsabilidades que outrora assumira, nomeadamente, algumas do âmbito da

segurança pública civil e social, marcam o momento actual, com inevitáveis reflexos ao

nível do sentir, tanto das comunidades, como dos indivíduos.31

Actualmente, existem novos modelos de poder global que transcendem os Estados

nas suas limitações fronteiriças, culturais e económicas e, essa nova realidade, não

parece comportar a dependência do indivíduo em relação ao Estado nos moldes, até

hoje, preconizados.

A este facto alude Giddens (2005) e também Recassens (2003); uma das

consequências da modernidade é a fragmentação dos anteriores conceitos de fixação das

dimensões espacio-temporais que, para além de alterar toda a conceptualização da vida

quotidiana do homem comum, reequaciona a problemática da segurança.

As preocupações de segurança e os respectivos investimentos dos Estados

também se globalizaram, passando a estar relacionadas com grandes questões de

segurança transnacional, como o terrorismo, os tráficos de armas, drogas e pessoas,

legalmente, com outros Estados onde tais aspectos não fazem parte nem da tradição histórica, nem da fundação política e filosófica. 30 Esta retracção encoraja, entre outros fenómenos, o crescimento de um novo mercado laboral, assente na oferta de trabalhos precários e salários baixos que surge como alternativa de sobrevivência para as franjas desfavorecidas da população. Estas circunstâncias socio-económicas estão correlacionadas com a concentração dessa população (crescentemente identificada também pelas diferenças étnica, raciais e culturais) em zonas degradadas, que rapidamente passam a ser classificadas como inseguras, em face da decadência tanto urbana como humana. O aparecimento de tais bolsas de decadência social, económica e urbana relaciona-se com um outro fenómeno: a rejeição da autoridade policial. Este factor adicional tem, em muitos casos, resultado num abandono do policiamento dessas áreas que ficam entregues a si próprias, em contraste com o aumento de policiamento em áreas e populações mais favorecidas, como se de uma necessidade de defesa dos segundos contra os primeiros se tratasse. (Waddington 1999:244). 31 “O impacto da crise (...) do Estado social no Estado-nação faz com que parte desta segurança (pública / do cidadão) esteja destinada a desaparecer, salvo se for assumida por instâncias supra-estatais e sobretudo por instituições infra-estatais que, recordemo-lo, continuam a ser uma extensão do Estado mas sob formas diferentes do conceito de Estado-nação centralizado. O resto será absorvido pelo sector privado ou perder-se-á, incrementando a conflitualidade social e alterando os níveis sociais de tolerância / confiança.” (Recassens, A 2003:374).

15

entre outros32. Apesar, da inevitável transferência entre global e local, parece haver uma

tendência securitária virada para o exterior que se reflecte também nos organismos

policiais, causando uma paradoxalidade nas suas condutas: ora de proximidade e

interacção com o cidadão, ora de afastamento e demonstração de força repressiva em

relação a fenómenos, aparentemente, afastados das realidades das comunidades mais

restritas.33

1.5 Atomização e Responsabilização: colisão entre expectativas sociais e acção

governativa

Nas sociedades modernas, o indivíduo está colocado à margem das protecções

típicas da pertença a grupos de proximidade, não logrando encontrar uma substituição

completa para a satisfação das suas necessidades de segurança (Castel, R. 2003:23).

O crescimento dos aglomerados urbanos, a concentração populacional e o

crescimento demográfico, não contribuíram para a construção da coesão entre os

indivíduos; pelo contrário, despersonalizaram os agregados humanos forçando a

mutação dos laços sociais entre estes. As teias de relacionamentos são mais

diversificadas, mas menos sólidas e independentes da proximidade física entre os

sujeitos, existindo uma noção de ligação com o outro que não está relacionada com a

comunhão do espaço de vivência comunitária. Os ritmos, as rotinas e os rituais dos

habitantes das cidades impõem esta desagregação dos laços sociais, alimentando o

32 Os relatórios OCTA (Organised Crime Treath Assessment) da EUROPOL têm-no reflectido repetidamente. 33 “(...) podemos apreciar uma tendência, no âmbito do global, para o desenvolvimento de políticas cada vez mais claramente repressivas, enquanto que ao nível local, se pretende assimilar o assistencial. Porém, (...) nem sempre essa assimilação do assistencial se consegue de forma isenta de postulados repressivos, fundados na exploração (nem sempre honesta) das inseguranças, da pequena delinquência e dos medos dos cidadãos, por parte de quem se constitui elemento gerador de opiniões, de políticas ou de práticas neste campo.” (Recassens, A 2003:369).

16

individualismo e diluindo o controlo social. Este desenvolvimento reforça a

dependência do indivíduo em relação ao Estado, no que ao controlo social diz

respeito.34 Para este aspecto em particular, também contribuiu a centralização do

poder35 e a densificação do aparelho legal, que retirou aos cidadãos e às comunidades as

competências de auto-regulação, autoprotecção e auto-defesa de que, outrora, faziam

uso.

A avocação da capacidade de produção normativa pelo Estado, a criação de

instâncias que se substituem ao controlo social (típico dos grupos e das sociedades pré-

modernas) e a extinção gradual e progressiva da participação em grupos de pertença e

de referência, decorrente da massificação das agregações humanas, teve como resultado,

a criação de uma dependência dos cidadãos em relação a essas estruturas artificiais.36

A actual tendência para a reforma do quadro de competências dos Estados,

significou uma inflexão que se traduz num recurso sistemático ao discurso de

responsabilização do cidadão, nomeadamente no que diz respeito à prevenção criminal,

redefinindo as esferas privadas da sua segurança, onde se espera que exerça

autoprotecção.

Chega-se assim a uma encruzilhada em que, por um lado, a segurança e a justiça

estão “delegadas” nas instâncias formalmente criadas para esse efeito, mas, por outro,

os Estados caminham no sentido de, eles próprios, concessionarem algumas das suas

responsabilidades e/ou as devolverem aos cidadãos.

34 O frequente apelo popular ao reforço de policiamento, tem por base uma lógica de transferência da responsabilidade pela segurança que foi incutida aos cidadãos, habituando-os a ver nas instituições policiais a fonte dessa condição de bem-estar. 35 Sobretudo após a Revolução Francesa. 36 É perceptível que a investida da modernidade, centralizando o poder e fundando o Estado sob o império da lei, fragilizou a acção de cada indivíduo na sua autoprotecção e auto-defesa. Esta transformação desproveu as comunidades das suas formas de auto-regulação e controlo. A capacidade reactiva passou a pertencer ao Estado, o qual, “invadiu o espaço social ao aplicar soluções jurídicas para todo o tipo de conflitos” (Cusson 2006:180)

17

Paradoxalmente, o tema da insegurança e do sentimento de insegurança, passou

definitivamente a figurar nos discursos e nas agendas políticas, transformando-se numa

preocupação primordial para as sociedades e Estados ocidentais. O crime e a

insegurança são temas que invocam as expectativas dos cidadãos em relação ao

Estado37, num momento de transformação da atitude do seu fornecedor, até agora

exclusivo.

Acontece porém, que o modelo de governação do Estado moderno está carregado

de um significado e de uma funcionalidade herdada historicamente. Essa herança,

enraizada hodiernamente, na cultura de uma grande parte dos cidadãos do mundo

ocidental, sobretudo na Europa, faz com que estes esperem da estrutura governativa, um

conjunto de garantias de limitação ou mesmo de supressão dos riscos, sejam eles

sociais, económicos, ambientais ou de segurança civil; factor, que provoca a colisão

entre as expectativas sociais e as actuais políticas de segurança social e civil do Estados.

1.6 Privatização do Risco e da Segurança

O papel exclusivista do Estado como garante da segurança civil transfigura-se,

através da reorganização do aparelho judicial e policial e de alterações legislativas que

denunciam, por um lado, a alteração da anterior filosofia de funcionamento do Estado

multi-interventivo e, por outro, a implementação da retórica da responsabilização do

cidadão pela sua própria esfera de segurança pessoal. Este novo paradigma que

congrega a concessão à iniciativa privada de serviços de segurança, outrora públicos,

37 A “criminalidade passou (…) a ser um problema político maior da sociedade contemporânea – a questão da insegurança entre os cidadãos remete para a relação entre o Estado e a população, remete para a capacidade de protecção do poder político. Os cidadãos questionam cada vez mais a capacidade do Estado para garantir a sua segurança.” Sá, Teresa V., Segurança e o seu Sentimento na Cidade, in Actas do

18

com a devolução de responsabilidade ao cidadão individual, designa-se comummente

“Privatização do Risco”.

Se nos reportarmos aos conhecimentos históricos e sociais que temos sobre as

comunidades da pré-modernidade, poderemos porventura questionar-mo-nos, sobre se a

responsabilidade pela esfera de segurança pessoal que cada indivíduo tem (sobre si

mesmo), alguma vez deixou de existir.

Contudo, bem observadas as políticas criminais e de segurança dos Estados

europeus, adivinharemos que a veiculação do discurso da responsabilidade individual,

pelos órgãos oficiais responsáveis, tem sido mais evidente e frequente nas últimas

décadas do séc. XX e no início do séc. XXI.

Durante os períodos de florescimento e estabilidade do Estado-providência, as

garantias oferecidas pelo Estado solidificaram não só um sentimento de segurança

social, mas consequentemente, também um sentimento de segurança geral que se

estendia ao campo da própria defesa do cidadão contra o crime, muito embora as

estatísticas criminais não tenham confirmado qualquer redução deste fenómeno, antes

pelo contrário38. Por contraponto, a anunciada falência do Estado-providência, as

reformas de austeridade, o discurso de crise, do medo e do risco, contribuem, nas

sociedades habituadas a estabilidade e garantias de segurança social e civil, para a

emergência de um sentimento de insegurança generalizado que passa facilmente, do

socio-económico para o sócio-criminal e vice-versa39. Por outro lado, a segurança40 tem

IV Congresso Português de Sociologia, disponível e recuperado em Abril de 2006 em: http://www.aps.pt/ivcong-actas/Acta047.PDF a partir da consulta a: http://www.aps.pt/ivcong-actas.htm. 38 Garland D. (2002:106) 39 A sondagem mundial “Voice of the People” da Gallup International de 2003 (www.voice-of-the-people.net) feita para o World Economic Forum, revela que os resultados económicos fracos de determinados países, afectou negativamente a visão dos seus cidadãos sobre outros factores, nomeadamente aqueles que se relacionam com a segurança. O inverso veio a demonstrar-se igualmente verdadeiro, a incerteza, falta de confiança e instabilidade, nomeadamente em relação à segurança internacional e nacional, afecta a percepção dos cidadãos sobre o desenvolvimento económico. Pessoas de regiões e países que ultrapassaram grandes dificuldades ao nível da segurança e da economia

19

uma posição a ocupar no mercado de bens de consumo e, portanto, o fornecimento de

tal serviço também é susceptível de ser “liberalizado” e concessionado à iniciativa

privada. É visível a proliferação da oferta de seguros, empresas de equipamentos e

tecnologia destinada à vigilância, alarme e segurança passiva de bens móveis e imóveis,

bem como de empresas privadas de prestação de serviços de segurança (muitas das

quais multinacionais).41

Também nos sistemas prisionais se começa a ensaiar a privatização de serviços.

Diversos estudos e experiências, pretendem demonstrar ser possível privatizar parcial

ou mesmo integralmente os serviços de reclusão, como uma forma de prestação de

serviços executada por particulares contratados pelo Estado.42

Como afirma Oliveira (2006:29), hoje, “(...) a satisfação das necessidades

públicas não são, obrigatoriamente, prosseguidas de forma directa pela administração. O

sector privado pode desempenhar um papel importante nessa área, quer se trate da

produção de bens, quer da prestação de serviços públicos, sem que isso signifique, uma

atitude de afastamento pura e simples do Estado, mas, apenas (...) a escolha de uma

outra forma de intervenção na prossecução das tarefas públicas.”43

(Afeganistão, Kosovo, Bosnia Herzegovina, Quénia, Geórgia, etc.) têm visões mais optimistas do seu futuro, o que significa que a avaliação do futuro tem sempre por referência o passado e o presente. 40 Aqui poderemos incluir tanto a segurança civil como a social pois, não obstante passarmos a debruçarmo-nos apenas sobre a primeira, poderemos afirmar que, também no campo da segurança social, se assiste a uma proliferação de serviços privatizados. A título meramente exemplificativo, refira-se o surgimento de Instituições Particulares de Solidariedade Social que, sendo originárias de outros países, se multinacionalizam, recebendo apoios dos diversos Estados onde prestam os seus serviços. 41 O Relatório de Segurança Privada do ano de 2005, da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (5 de Junho de 2006) indica que em Portugal, o sector da prestação de serviços de segurança privada contava com 99 empresas, 50 entidades que funcionam em regime de autoprotecção, empregando-se um total de 34 403 vigilantes, número de operacionais substancialmente superior aos quadros de pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública ou da Guarda Nacional Republicana, o que indica a sua importância, considerada, no preâmbulo do relatório citado como “uma actividade económica e social relevante de actuação ao nível da segurança interna do País”. Sobre este assunto leia-se ainda Jonhston, L. (1998: 196-201) e Gilling, D. (1997:150-158). 42 Esta nova realidade que surge sob diversas formas debutou-se nos anos 80 do séc. XX no Canadá e posteriormente nos Estados Unidos da América. A este propósito leia-se Palley, C. (1996:158 e seg.). 43 Oliveira, J. F. (2006:29)

20

Essa nova colocação do Estado em face das suas competências, destaca-se da

concepção centralizadora e intervencionista da governação, para assumir uma forma de

actuação reguladora e não necessariamente participativa nas actividades de prestação de

serviços e produção de bens e de bem-estar.

A prestação do serviço policial, também se alterou, adequando-se a esta nova

colocação estatal e à sociedade do risco (Ericson, R. et Haggerty, K.:1999). As técnicas

de serviço policial vêm sendo reavaliadas e reestruturadas, com vista à prestação de

apoio à comunidade, de consultadoria de segurança e de recolha e gestão de informação

para outras entidades. Esta faceta do trabalho policial é uma marca da pós-modernidade

que vem acrescentar à manutenção da ordem e paz públicas, um enorme volume de

tarefas preventivas direccionadas para a detecção e gestão dos riscos, por um lado e para

o controlo da criminalidade, por outro.

Neste sentido, o trabalho policial é, em grande medida, pedagógico e profiláctico,

assistindo os cidadãos, mas não se lhes substituindo necessariamente, na execução de

tarefas de prevenção criminal. É no contexto descrito que surgem os programas de

policiamento comunitário e de proximidade44, os quais pretendem envolver e

responsabilizar sistematicamente as comunidades policiadas, na prevenção e resolução

dos seus próprios problemas criminais e cívicos. Paralelamente, a pretexto da

44 Os termos “Policiamento Comunitário” e “Policiamento de Proximidade” são muitas vezes usados indistintamente e, em nosso entender, de forma errada. Por “Policiamento Comunitário” dever-se-á entender uma forma de auto-policiamento em que é a comunidade que exerce a iniciativa da vigilância e controlo, sob orientação da Polícia (de que é exemplo o programa Neighbourhood Watch). Este modelo é característico dos países anglo-saxónicos que não foram submetidos à influência directa das invasões napoleónicas e à implementação das noções de Estado centralizado, omnipotente e omnipresente (o modelo civil e administrativo da Europa continental é também designado modelo do Código Napoleónico ou Civil Law). Já “Policiamento de Proximidade”, designa um modelo genérico característico da Europa continental. Neste caso, o ónus de policiar continua a ser em primeira instância um dever e responsabilidade do Estado por via das instituições policiais, todavia, em aproximação com a comunidade servida, na medida em que se pretende flexibilizar a acção policial, adaptando-a ao contexto particular de uma dada população, atacando os seus problemas específicos e fazendo uso dos seus recursos humanos e institucionais locais. Dir-se-ia que este modelo continental, tem mais de “policiamento de aproximação”, uma vez que decorre da necessidade sentida pelas polícias e pelas populações de inverter o conceito base que preside às políticas centralizadoras da segurança.

21

globalização e da alteração imposta sobre fenómenos como o terrorismo, a

criminalidade organizada e transfronteiriça, bem como as migrações (sobretudo, as

imigrações), os Estados ocidentais empenham-se, em uníssono, na construção de

edifícios legislativos e sistemas de segurança musculados que, distanciando-se da

realidade das comunidades locais, se propõem a garantir uma macro-segurança.45

As metamorfoses funcionais dos Estados e dos seus governos, suscitam questões

pertinentes sobre, não apenas o que cabe, de facto, ao Estado fazer, mas do que são os

Estados ainda capazes de assumir, de forma integral e exclusiva, sobretudo no que à

segurança e protecção de pessoas e seus bens diz respeito.46 Impõe-se, por outra via,

questionar que percepção têm os cidadãos, no actual momento, sobre a sua

responsabilidade na limitação dos riscos, nomeadamente, nos de vitimação por acção

criminosa, uma vez que, a retracção do Estado-providência indica que, boa parte do

fornecimento de segurança pública, tenderá a ser suprimido das funções estatais e

45 Afirma Recassens i Brunet, referindo-se às alterações de paradigma da segurança e dos direitos, liberdades e garantias, decorrentes da “globalização”: “Esta redefinição de espaços coloca graves problemas no plano da segurança, conceito que se encontra, desde as suas origens modernas, vinculada à forma do Estado-nação e através dela, á ideia de soberania. A aparição de espaços macro-securitários de tipo supra-estatal, como o espaço policial europeu, fez das seguranças nacionais uma questão multilateral. A emergência de um espaço de segurança levantou um grande número de interrogações sobre os seus mecanismos operacionais e de controlo. No âmbito global, aparecem políticas claramente repressivas relacionadas com grandes temas securitários (terrorismo, drogas, livre circulação e estrangeiros, crime organizado, violência,...) abrindo-se um amplo debate sobre os riscos derivados da construção de uma Europa fortaleza em lugar de uma Europa dos cidadãos. Por outro lado, mas simultaneamente, a exigência de uma maior atenção dirigida a uma segurança vocacionada para o cidadão e suas necessidades básicas, desenvolveu um crescente interesse pelos aspectos micro-securitários nos espaços locais, chamando a si os aspectos assistênciais, da solução de problemas, da mediação, etc. mas, ao mesmo tempo, consagra-se também como o espaço das inseguranças relacionadas com a pequena delinquência, do risco e dos medos dos cidadãos. As respostas a tal dualidade plasmam-se nos conceitos «brandos» de policiamento comunitário e de proximidade ou «duros» e traumáticos como os da tolerância zero. Enquanto que os primeiros pretendem incrementar a segurança a partir da aproximação da polícia aos cidadãos, o uso de técnicas de patrulha urbana em diálogo permanente com os cidadãos (dos quais obtém informação enquanto promove a criação de um sentimento de segurança) e a aposta na prevenção / proactividade, os segundos baseiam-se na pressão férrea aplicada a certos espaços urbanos, na dureza das sanções, uma certa permissividade à rudeza na actuação policial e a uma política de eficácia a todo o custo, fundados em princípios de repressão / reactividade.” (Recasens I Brunet, 2003:368) Tradução do autor. 46 Particularmente em Portugal, estas questões poderão ter uma premência ainda maior, quando analisadas à luz do passado histórico recente do país, não olvidando a sua herança social, política e até religiosa. O importante papel da Igreja Católica na formação das consciências pessoais e colectivas, o peso do Estado Novo altamente interventivo, a descolonização e a curta vida da democracia, implantada na transição para

22

assumido pelo sector privado, outra perder-se-á, deixando aos cidadãos, o ónus de

incrementarem as suas próprias medidas de protecção. Recassens (2003:374), alerta

para a possibilidade deste fenómeno de transferência resultar no aumento da

conflitualidade social e da alteração dos níveis sociais de tolerância e confiança.

Enquanto isso, surgem novas formas de encarar o crime e a sua prevenção, numa

abordagem em tudo, relacionada com o conceito moderno de risco.

1.7 Prevenção Situacional: Uma nova criminologia para novos paradigmas sócio-

políticos

A adopção de medidas passivas, adequadas a reduzir ou evitar o risco de

concretização do crime e dos seus resultados danosos a que chamamos autoprotecção,

faz parte do nosso comportamento quotidiano, quantas vezes inconsciente e

determinado pelos factores de análise de risco e vulnerabilidade já aflorados.47

O fenómeno criminal é normal48, inerente à vida social, podendo representar um

meio subjectivo ou colectivo de resolução de obstáculos49 e, portanto, constituindo-se

num risco permanente.

os novos paradigmas políticos e económicos mundiais, gera um potencial criador de uma sensação de ruptura entre o esperado e o adquirido, no que à relação entre cidadão e Estado diz respeito. 47 Afirma Cusson (2006:183) que “autoprotecção é a principal actividade do cidadão que age enquanto vítima potencial.” 48 Na esteira do pensamento precursor de Durkheim e da Teoria do Controlo Social que advoga a existência, no homem, de uma tendência natural para o desvio que se concretizará caso não existam factores endógenos e exógenos que impeçam a prática do delito. A abordagem preconizada pelo Controlo Social, como teoria criminológica, radica no princípio de que o delito não só é um acontecimento comum e normal, como ocorrerá certamente caso não existam motivos que o impeçam. O enfoque incide sobre os mecanismos de controlo interno e externo que levam um dado indivíduo a interiorizar atitudes e padrões de comportamento que contrariam a naturalidade do desvio (e não aqueles que o proporcionam ou condicionam). Ora, se todos os indivíduos são natural e fortemente compelidos a servirem-se a si próprios, recorrendo facilmente a condutas anti-sociais e ao crime para satisfação das suas necessidades e ensejos (bastando para tanto que não existam sistemas de controlo eficazes para os inibir) as Teorias do Controlo Social respondem, apelando a uma melhoria da capacidade de controlo das acções delituosas, colocando a tónica na disciplina, partindo, como refere Garland (2002:15) de uma “visão mais negra da

23

Neste sentido, mais do que procurar razões para a ocorrência de delitos ou

investigar profundamente as motivações dos delinquentes, importará aceitar que,

independentemente de quaisquer razões, os delitos acontecem e acontecerão. Essa

constatação deveria resultar na criação de mecanismos de adaptação na vítima potencial,

levando à prevenção pelo controlo das circunstâncias habilitadoras da sua ocorrência,

limitando as oportunidades de execução do crime. Do ponto de vista da vítima

potencial, esta acção compõe-se da selecção, limitação e controlo do risco.50

Entende-se assim, que todos os cidadãos têm de forma natural uma quota parte da

responsabilidade pela criação e manutenção da sua própria segurança e, por

consequência, da segurança daqueles que integram o seu espaço de comunhão, como a

condição humana” do que aquela preconizada pelas políticas sociais e criminais características dos Estados-Providência. 49 A Teoria da Escolha Racional ou da Análise Estratégica (Rational Choice Theory para os anglo-saxónicos e Analyse Stratégique para os francófonos), desenvolvida na criminologia por Clarke a partir dos anos 80 do séc. XX, caracteriza a prática do crime como relativamente normal. O agente do delito, confrontando o benefício pessoal que poderá retirar da acção e as protecções e defesas apresentadas pelo alvo desejado, decide agir rompendo com o normativo. O conceito de “oportunidade” é colocado em plano central, explicando a ocorrência do crime pela existência ou ausência de elementos de segurança que impeçam a prática do acto. “Situação” e “disposição” são factores indissociáveis na explicação do acto, na medida em que, apenas a soma das circunstâncias de oportunidade e a presença de um sujeito disposto a delinquir, resultarão no crime. A “disposição”, entende-se, como a escolha pela prática do acto, oferecida que foi, a oportunidade adequada à sua concretização (Gilling 1997:61). Cusson (2006:109) revela reservas quanto a esta perspectiva, afirmando que a racionalidade do acto delituoso é questionável, revelando “uma desconcertante combinação de racionalidade e irracionalidade”. Naturalmente, esta racionalidade imperfeita e muito circunstancial que Clarke (1997:15) nos propõe, não deve ser generalizada como uma característica universal de todos os delinquentes, nem esse parece ser o objectivo da sua concepção. As escolhas são sempre processos complexos (ainda que aparentem ser rudimentares e simplistas), sujeitos que estão a um grande número de constrangimentos de ordem pessoal, temporal, espacial e situacional que poderão influenciar a decisão de cometer o delito. Porém, havendo uma motivação / necessidade prévias e surgindo a oportunidade de satisfação através do delito, a decisão tomada no momento, irá basear-se nos factores mais evidentes e fáceis de inteligir. Tal não implica irracionalidade no acto, mas sim a redução dos pressupostos da decisão a um mínimo indispensável. Gilling (1997:63) alerta para o facto de a Teoria da Escolha Racional se demarcar do determinismo simplista do pensamento clássico, que assumia sem reservas ou grandes explicações a existência do livre-arbítrio, renovando a noção de escolha, como instrumento heurístico que leve a perceber a mecânica do aproveitamento de oportunidades. 50 Gassin (2003:653), afirma que o interesse por este tipo de acções de prevenção da delinquência se explica pela ineficácia dos anteriormente mencionados (a protecção social e a prevenção policial). Não pretendendo fazer da discussão dessa afirmação o mote do presente trabalho, entendemos que todas as vertentes da acção preventiva do crime, sejam elas legislativas, sociais, policiais ou de foro particular, formam um conjunto complementar de medidas, não representando de forma isolada uma solução racional para o inevitável problema da criminalidade, da delinquência ou do comportamento desviante, globalmente entendido. Uma política criminal que se baseie apenas no controlo do comportamento

24

sua família e a comunidade onde se inserem. Esta responsabilidade é materializada de

forma consciente e inconsciente, em acções do quotidiano individual e colectivo.51 O

apelo a esta responsabilização partilhada entre cidadãos e governos surge,

frequentemente, nos discursos oficiais como mote para a restauração do sentimento de

segurança e da segurança pública (Eggers e O'Leary:1995), através de um processo de

reintegração entre população e instâncias de controlo, especialmente as polícias. As

organizações policiais deverão identificar-se com as suas comunidades e os cidadãos

deverão reconhecer que grande parte da missão de policiar uma “sociedade livre” não é

da Polícia, mas dos próprios cidadãos que a compõem.52

Em comunidades “saudáveis”, os indivíduos estabelecem e fiscalizam códigos de

conduta, tanto formais como informais, ou seja, procedem ao controlo social, à

regulação dos comportamentos dentro do seu espaço de convivência. Pessoas que

actuam fora das normas da comunidade, são severamente admoestados pelos restantes.

Mas, em comunidades “doentes”, o sentimento de insegurança mantém as pessoas

encerradas em suas casas, inviabiliza a actividade comercial, quebra os laços entre

indivíduos e entrega as ruas ao tipo de desordens que geram e alimentam a

criminalidade (Idem). Assim, a comunidade dilui-se e, porque os indivíduos se demitem

do seu papel regulador entrar-se-á em estado de anomia.

A conjugação do conceito de normalidade do crime, das Teorias do Controlo

Social e da Escolha Racional do delinquente, por um lado, e a perspectiva de

responsabilização subjectiva pela esfera de segurança individual, fundamenta o

humano, sem atender a preocupações de ordem social, económica, educativa, enfim, de prevenção integral e sustentada, estará condenada a transformar-se em mera repressão. 51 Não obstante, Gassin (2003:660) evidenciar a desagregação que conduz os cidadãos a deixar para os poderes públicos a tarefa de controlo social e Cusson (2006:180) referir a transferência da capacidade reactiva do indivíduo e comunidade para o Estado, que “invadiu o espaço social ao aplicar soluções jurídicas para todo o tipo de conflitos”. 52 Eggers, W., O'Leary, J. (1995)

25

raciocínio de que, não sendo possível eliminar o risco de crime, haverá que proceder ao

controlo da sua ocorrência.

Neste prisma, para que a incidência do crime seja reduzida, haverá que (1)

eliminar oportunidades para a sua ocorrência, (2) aumentar os esforços e os riscos da

sua prática, (3) reduzir ou suprimir os potenciais benefícios (Felson e Clarke:1998).

Estes aspectos enformam um conjunto de estratégias de prevenção criminal53, que têm

intenção de criar condições que desmobilizem a prática do crime, através da imposição

de dificuldades que encareçam os potenciais benefícios e reduzam as oportunidades.

O conceito de Situational Crime Prevention (Clarke:1997), entre nós já traduzida

por “Prevenção Situacional”, foca-se na redução de oportunidades em detrimento de

qualquer análise sobre as motivações ou características do “homem delinquente”54.

Embora admitindo que a redução de oportunidades, relativamente a determinados

alvos, possa gerar um fenómeno de transferência das atenções criminosas para outros,

as estratégias preventivas permitem direccionar as protecções de acordo com a

importância relativa de cada alvo55.

53 Entre outras obras, estas teorias estão vertidas de forma condensada e dirigida à praxis na obra que os dois autores publicaram em 1998 sob o título Opportunity Makes the Thief: Practical theory for crime prevention, Police Research Series, Paper 98, Home Office, London, aproveitando o adágio popular (por sinal, não constrangido por fronteiras culturais): “A ocasião faz o ladrão!”. 54 A teoria da Prevenção Situacional foca a prevenção na perspectiva da supressão das condições que proporcionam a ocorrência do crime. A Prevenção Situacional é dirigida para problemas específicos e concretos. Começa pela eleição de categorias específicas de crimes que são objecto de uma análise, no sentido de identificar quais condições que proporcionam a oportunidade para a sua ocorrência; constrói os métodos adequados à resolução dos problemas identificados e molda as ferramentas de avaliação de resultados; cria instrumentos e técnicas destinados a reduzir a incidência do delito, as quais se destinarão a desencorajar os potenciais delinquentes, tornando o alvo mais difícil (Increasing the effort), aumentando o risco da acção (Increasing the risks), tornando o delito menos rentável para o criminoso (Reducing the rewards). As acções preventivas características da prevenção situacional resultam na arquitectura defensiva dos edifícios e dos espaços públicos (Design Out Crime), preparação de bloqueios electrónicos de equipamentos furtados, à instalação em fábrica de sistemas de localização de viaturas, da colocação de alarmes em estabelecimentos ou ampolas de líquido colorido em peças de roupa para venda, à melhoria da iluminação pública, da contratação de segurança privada, ao aumento de policiamento em determinadas zonas ou promoção de campanhas de informação e sensibilização destinadas a grupos de risco específicos, entre outros (Vd. Anexo 11). 55 Avaliações feitas à aplicação deste tipo de acções de prevenção, têm revelado uma fraca ou mesmo uma inexistente propensão para a geração de transferência da incidência delituosa, conforme revela o Problem Oriented Policing Center in: http://www.popcenter.org/about-situational.htm.

26

Na esteira do trabalho de Clarke, os investigadores Felson e Cohen produziram

um diagrama que sintetiza as condições necessárias para a ocorrência do crime: (1) um

alvo adequado e disponível, (2) um potencial criminoso devidamente motivado e (3) a

ausência de um “guardião” (seja uma figura de autoridade, ou qualquer outro elemento

humano ou tecnológico que exerça pressão contrária à motivação delinquente)56.

Esta abordagem (conhecida como Routine Activity Theory: RAT) pretende focar-

se nos aspectos da redução dos riscos de incidência criminal, identificando claramente o

problema concreto que se coloca e fornecendo ferramentas básicas para encontrar a

solução apropriada, celebrizando-se pelo acompanhamento de um gráfico triangular (V.

Fig 1) que sintetiza a análise do problema criminal, assente em três parâmetros básicos

(vitima / alvo, delinquente, “guardião”).

De forma sucinta, a teoria baseia-se na ideia de que, na ausência de controlos

adequados, potenciais delinquentes intentarão contra alvos atraentes. De certa forma, as

únicas condições realmente necessárias à concretização do crime são o encontro, no

mesmo local, de um potencial delinquente devidamente motivado e o respectivo alvo /

vítima. A contrario senso, se alvo e potencial delinquente nunca se encontrarem no

mesmo local, não ocorrerá o delito. Ainda que possam surgir circunstâncias que

proporcionem o delito, a protecção poderá passar pela introdução da figura do

“guardião”, alguém ou alguma coisa que exerça, pela sua presença, um controlo sobre a

segurança do alvo, nomeadamente um meio físico de segurança passiva.

56 Marcus Felson no final dos anos 70 do séc. XX desenvolveu, em conjunto com Stanley Cohen, esta equação que resume a sua Routine Activity Theory, vocacionada para os aspectos operacionais do crime e utilizada pela Prevenção Situacional como modelo de análise e trabalho sobre determinados “problemas criminais”. Os autores procuraram, com a sua abordagem, investigar como é que a organização espacio-temporal das actividades sociais abre caminho para a concretização das tendências naturais para delinquir, argumentando que a flutuação dos índices de criminalidade se relaciona com as alterações de padrão nas rotinas dos indivíduos e das comunidades.

27

Fig.1:

Adaptado de Felson, M., Clarke, R. (1998) – Opportunity Makes the Thief: Practical theory for crime prevention, Police Research Series, Paper 98, Home Office, London, p. 4

Destas teorias resulta uma perspectiva diferente sobre a responsabilidade do

Estado e a do indivíduo na prevenção e repressão da criminalidade, uma vez que a

mesma sugere que antes do Estado, as tarefas de prevenção estarão ao alcance da

autoridade do cidadão, da sua célula familiar e dos sucessivos círculos da comunidade.

Assim, assume-se claramente o objectivo prático de aplicar medidas adequadas a

antecipar as alterações das rotinas normais diárias, o que implica a elaboração de

estratégias preventivas, aplicadas à vida quotidiana57.

Sendo a autoprotecção uma actividade natural de cada indivíduo, o estado de

segurança uma artificialidade (num mundo de riscos) e se a construção dos Estados

modernos, sob o modelo liberal e de direito democrático se pauta pela intervenção

mínima das suas instâncias e pelo respeito pelos direitos, liberdades e garantias

individuais, então, a intervenção policial preventiva e repressiva em prol da segurança

pública é residual e complementar, em face da actividade de autoprotecção encetada por

cada cidadão.

57 Daí o termo Everyday Life Criminolog.y (Vd. Felson, M. (2002)).

28

Porém, como assumem os cidadãos, o seu papel no teatro da prevenção criminal?

Onde se colocam os cidadãos, na sua relação com o Estado e o que esperam eles deste?

1.8 Síntese conclusiva do capítulo 1: Poder, Estado e Cidadania

Ao fazermos uma retrospectiva histórica das concepções de Poder e Estado,

revisitando de forma comparativa os períodos da pré-modernidade, implementação da

noção de Estado-nação, advento do Estado-providência ou Estado-social e o actual

momento da sua retracção, aperceber-nos-emos das alterações de posicionamento do

homem comum na sua relação com as entidades governativas.

Num primeiro momento, assistimos ao destaque do homem comum da sua

realidade grupal. A projecção da individualidade, desequilibrou os parâmetros sociais

fortemente estratificados que definiam que o homem morreria com o estatuto com que

nascera. Este rompimento com o paradigma fatalista, promoveu o desenvolvimento

humano, permitindo o empreendimento individual, mas introduzindo de forma

inevitável, a noção de risco.

A centralização do Poder (fragmentado desde o fim do Império Romano até ao

final da Idade Média), a recriação da noção de coisa pública e de estruturas de controlo

baseadas na Lei escrita e destinadas a todos, viria a ter reflexos nas condições de vida

do homem comum. Surgem as noções de Estado, Nação, Lei, Justiça e de força pública,

aliviando a pressão dos estratos sociais e substituindo lentamente os foros privados e as

formas primitivas de auto-regulação, controlo e protecção.

A revolução industrial e a consequente expansão dos meios urbanos, viria alterar

novamente os contextos sociais e económicos, magnificando os riscos e pressionando os

Estados a intervirem na economia com a criação de sistemas de apoio aos cidadãos.

29

Surge o Estado-providência, multiplicando-se as instituições destinadas a apoiar os

cidadãos em cada incerteza existencial, substituindo os grupos de referência e suporte

social, entretanto, desaparecidos ou em desagregação.

A expansão das economias, acompanhando o avanço das tecnologias de

comunicação, assume uma escala global, pondo em crise a noção de Estado-nação e

abalando as estruturas do Estado-providência que, com aquele, se relacionava. Os

Estados, limitados na sua soberania pelas fronteiras, reconsideram as suas posições.

Perdendo-se a capacidade de intervir e controlar plenamente as economias de forma

isolada, surgem alianças e organizações supra-estatais que pretendem desempenhar

papéis de regulação e controlo económico, colocando-se à mesma altura que aqueles

que pretendem regular e/ou controlar. Por outro lado, conflitos de escala mundial,

revelam a fragilidade das relações internacionais e o potencial de destruição dos

confrontos bélicos da era industrial, levando a que, novamente, se reveja o elenco e as

dimensões dos riscos da vivência humana na modernidade.

Hoje, os Estados procuram gerir-se em rede, estabelecendo comunidades de

interesse e deslocando os centros de decisão para matérias de interesse comum, por um

lado, e redimensionando-se internamente, procurando aligeirar o seu aparelho.

Colocados no momento histórico e social actual e perspectivando aquela

retrospectiva no que á segurança diz respeito, facilmente se vislumbram indícios de

retorno a paradigmas de responsabilidade individual, por um lado, e de exercício

privado de competências relacionadas com a segurança (só “pública” com a

centralização da administração do Estado), por outro.

Porém, este “retorno”, que recoloca o indivíduo perante a responsabilidade

individual de garantir a sua esfera pessoal de segurança, não atende ao facto de que, o

30

próprio desenvolvimento das sociedades ter contribuído para a desagregação das

comunidades auto-responsabilizadas onde o controlo social se impunha naturalmente.

O fim da vivência rural, a industrialização, a concentração demográfica em

aglomerados urbanos em constante crescimento, a atomização do indivíduo, a

centralização do poder governativo e a proliferação da acção reguladora e fiscalizadora

do Estado são, entre muitos outros, factores (causas e consequências) relacionados com

o desaparecimento dos laços sociais que permitiam (ou obrigavam) indivíduos e

comunidades a auto-regularem e a procederem ao necessário controlo do seu

quotidiano.

Esta abordagem, leva-nos a crer que os cidadãos das sociedades ocidentais e

industrializadas erguidas sobre os preceitos do Estado omnipresente e omnipotente,

assistencial e multi-interventivo, se encontram entre o “tigre e o abismo”. Por um lado,

os Estados procedem à alteração do seu papel na relação com os cidadãos, diminuindo o

seu aparelho e as áreas da sua intervenção directa, nomeadamente, introduzindo

alterações aos modelos de segurança pública (apoiados em teorias e modelos

criminológicos que salientam o potencial preventivo individual e situacional); por outro,

os cidadãos atomizados, sobretudo aqueles que vivem em grandes aglomerados

urbanos, formatados na crença de que o Estado, a Lei e as Instituições Públicas são

fornecedores de segurança e bem-estar, fazem face à falta de recursos sociais que lhes

permitam regressar, ainda que de forma mitigada, à autoprotecção e ao auto-controlo

social, num meio urbano, aparentemente, pouco propício a esse modus vivendi.

O surgimento de novas teorias criminológicas que aceitam o crime como algo

definitivamente normal e incontornável, recomendando estratégias de autoprotecção e a

implementação de novas filosofias de policiamento, revela a tendência para a devolução

de responsabilidades de prevenção criminal aos cidadãos.

31

Porém, uma solução completamente satisfatória parece estar apenas ao alcance de

alguns, uma vez que, parecendo impossível um retorno perfeito ao paradigma pré-

moderno de organização social, a autoprotecção se substanciará grandemente no recurso

ao novo mercado de bens e serviços de segurança.

32

CCAAPPÍÍTTUULLOO 22

SSeennttiimmeennttooss ddee IInnsseegguurraannççaa

[...] America could see a future with fewer police

and more security. We are fast approaching a crisis

point in our country as crime and fear of crime

paralyze our nation. How we respond will go a

long way in determining what we become as a

nation.

The Beat Generation: Community Policing at Its

Best,

William D. Eggers e John O'Leary58

2.1 Génese e Substância dos Sentimentos de Insegurança

Subjectivo e pessoal, o sentimento de insegurança relaciona-se tão directamente

com as construções sociais, os medos e angústias pessoais (tenham elas fundamento ou

não) quanto com os factores inteligíveis de perigo real ou de risco concretizável em

facto danoso.

A subjectividade do sentimento não significa necessariamente uma

irracionalidade, ao contrário, não sendo um adquirido imediato da consciência, mas uma

composição baseada nas percepções individuais (e colectivas) e surgidas no seu

58 Eggers, W., O'Leary, J. (1995) – The Beat Generation: Community Policing at Its Best, in «Policy Review», Number 74, The Heritage Foundation, recuperado a partir de http://www.policyreview.org/fall95/thegg.html em Maio de 2006.

33

contexto particular específico e por referência aos tipos de protecções que uma dada

sociedade, assegura ou não (Castel, R. 2003:6).

Poder-se-á assim dizer, que o surgimento de um medo específico, implica um

reconhecimento, mesmo que vago, das vulnerabilidades e fragilidades, em face de um

contexto de risco ou perigo, independentemente da substância do seu fundamento. A

percepção pessoal de quem julga a situação de risco ou perigo, é composta e

contaminada por factores endógenos e exógenos, nos quais se podem contar: o passado

de experiências, sensações e emoções, a auto-imagem, composta pela visão própria dos

circunstancialismos pessoais (os morais, culturais, ideológicos, sociais, económicos,

étnicos, de género, etc.) a análise do ambiente, entre outros. O cálculo poderá resultar

no sentimento de insegurança, se o conjunto de “potencialidades” for vencido pelo

conjunto de “fragilidades”.

Temos assim, por um lado uma génese multifactorial e, por outro, uma substância

de natureza variável de acordo com as circunstâncias particulares de modo, tempo e

lugar. Daí que, cada sentimento de insegurança deva ser analisado nas suas

circunstâncias específicas, atendendo a todos os factores que podem, de alguma forma,

contribuir para o seu surgimento: o crime, a vitimação, a notícia do crime, a

publicitação por via dos media, o local, o florescimento ou a decadência do espaço

urbano, o passado individual ou colectivo, as condições sociais e económicas, os

factores culturais, históricos e políticos, enfim, todos os elementos objectivos e

subjectivos capazes de representar uma força ou uma vulnerabilidade, na construção

mental dos medos.

A existência de um sentimento que perturba a autoconfiança, causa

intranquilidade, gera ansiedade e cria temor relativamente a certas situações, locais,

34

momentos ou pessoas motivou, principalmente a partir das últimas décadas do séc. XX,

o estudo das causas para o seu surgimento e existência.

As abordagens são múltiplas, mas revela-se hoje, unânime e consistente, que o

sentimento de insegurança, não significa apenas o medo do crime. Nesta perspectiva,

não existirá uma relação causal, directa e singular, entre a ocorrência do crime, a

vitimação e o seu surgimento. A génese deste sentimento é composta por vários factores

conjugados, nos quais a percepção das vulnerabilidades em relação ao crime poderá ter

um papel central e bem mais relevante que o crime propriamente dito.59

Roché (1993:135), define o sentimento de insegurança como o conjunto das

manifestações de medo pessoal ou das preocupações com a ordem, verbais,

comportamentais, individuais ou colectivas60, ou seja, o sentimento de insegurança é

uma construção da realidade vivida, assente por um lado, nos medos e, por outro, nas

preocupações.

O medo é a reacção psico-fisiológica imediata à percepção de um risco ou perigo;

perigo esse que, uma vez assimilado pelo indivíduo, se torna difuso e nele se inscreve

como um registo permanente e independente dos acontecimentos que, inicialmente, o

originaram. Este medo gera a angústia designada por sentimento de insegurança.

O motor alternativo ou cumulativo da génese do sentimento de insegurança é o

conjunto de preocupações “com a ordem, verbais, comportamentais, individuais ou

colectivas.”61. Estas traduzem-se, primacialmente, em factores que nenhuma relação

59 Nesta perspectiva, a expressão “fear of crime”, comummente encontrada na literatura anglo-saxónica especializada tem, como adverte Leitão, menos consistência que a expressão “sentimento de insegurança”, uma vez que este sentimento não se resume ao medo da vitimação criminosa, abarcando um universo bastante mais vasto de componentes. Vd. Leitão, J. (2000:4) 60 Roché, S. (1993:135) 61 Idem

35

têm com a existência de crime ou de perturbação da paz pública, mas encontram a sua

génese noutros contextos, quantas vezes de natureza social, política e económica.62

De facto, postas em perspectiva as vulnerabilidades dos cidadãos nas sociedades

modernas (ou pós-modernas), perceber-se-á que estas se caracterizam mais por questões

de cariz social do que de vitimação criminal. São maiores as “incertezas da existência”63

do que as eventualidades da agressão criminosa. A perda do emprego, a doença, a

incapacidade económica para manter a habitação ou garantir uma velhice confortável, a

degradação física e do espaço de vivência, são preocupações muito mais incisivas e

marcantes que quaisquer outras64.

O sentimento de insegurança é, então, a composição indissociável de medos e

preocupações de natureza social, patrimonial, cívica, emocional, de integridade e

dignidade pessoal. São essas as preocupações que, mais profundamente, se inscrevem

nos indivíduos e que, adicionadas ao discurso do medo e à percepção dos riscos globais,

se transformam num sentimento de insegurança que, para utilizar o termo empregue por

Roché, se vai “cristalizar” sobre um objecto, o crime.

Quando tal acontece, gera-se frequentemente uma procura de respostas

compensadoras, com base num reforço securitário, revelando uma tendência para o

apelo ao endurecimento das condutas repressivas do Estado.

62 Não é despiciendo afirmar, que todos esses factores sociais, políticos e económicos, poderão contribuir para a construção e manutenção do sentimento de insegurança, não obstante se continuar a associar esse sentimento directamente ao crime, à marginalidade e ao comportamento anti-social. Daí a nossa tónica inicial em relação aos aspectos da segurança civil e da segurança social. 63 “Tout ce passe cependant comme si le retrait d’un garant trascendant de la sécurité avait laissé subsister comme son ombre portée un desir absolu d’être prémuni contre toutes les incertitudes de l’existence.” Castel, R. (2003:87) 64 “[…] a problemática das pessoas e bens e da ordem nas ruas, deverá ser lida à luz de outros factos sociais maciços que caracterizam as últimas décadas: a precaridade e o desemprego crescentes no mundo do trabalho e mais geralmente da economia, ao mesmo tempo que o trabalho-emprego, o sucesso na carreira profissional e a ascensão na escala hierárquica dos rendimentos e postos de comando continuam a fornecer, em termos de integração, os valores ou representação mais activos.” Sá, Teresa V., Segurança e o seu Sentimento na Cidade, in Actas do IV Congresso Português de Sociologia, disponível e recuperado em Abril de 2006 em: http://www.aps.pt/ivcong-actas/Acta047.PDF a partir da consulta a: http://www.aps.pt/ivcong-actas.htm

36

2.2 Incivilidades ou Comportamento Anti-Social

Roché (1993) relaciona a insegurança com o que designa por uma “nova

violência”, constituída por incivilidades típicas da vivência do quotidiano citadino.

As incivilidades caracterizam-se por comportamentos como o vandalismo dirigido

ao mobiliário e equipamentos urbanos e à propriedade privada, os ajuntamentos

incomodativos do sossego público, as vozearias, injúrias e comportamentos insultuosos,

as desordens, os graffiti, a má vizinhança, o fenómeno dos “arrumadores”, os

comportamentos resultantes do abuso do álcool ou com vista ao seu consumo, como o

botellón 65 e até a mendicidade, entre outros.

Em boa parte dos casos, estes actos não se enquadram legalmente no

ordenamento jurídico-penal, não obstante, constituírem uma ofensa ao ordenamento

social, aí representando um impacto negativo.

Roché (1994:25) afirma ainda que: “as desordens constituem precisamente

aquilo que alimenta a inquietação e reforça o argumento da insegurança. São esses os

actos que cada um identifica como sinais da impotência dos polícias, do laxismo dos

magistrados e da esterilidade do trabalho social.”66

65 Costume popular, sobretudo entre os jovens espanhóis, de beber álcool em lugares públicos. O nome advém do consumo de bebidas ou misturas de bebidas alcoólicas em garrafas de litro ou litro e meio, facilmente adquiridas a preços baixos em supermercados, pelos grupos que as consomem antes de continuar o seu divertimento em bares ou discotecas, onde são mais caras. O fenómeno Botellón ganhou contornos globais com a organização de encontros de jovens, convocados pela Internet que, literalmente invadiam os espaços públicos das cidades, bebendo álcool da forma descrita. Em consequência, tornaram-se comuns as emergências médicas provocadas pelo consumo excessivo, as desordens, o ruído incontrolável e o lixo deixado no final de cada encontro. As autoridades espanholas, reconhecendo a gravidade do fenómeno, actuaram com algumas contra-medidas, nomeadamente, proibindo a venda de bebidas alcoólicas após as 22 horas, autorizando as juntas provinciais a legislar (Ley Antibotellón), proibindo esse comportamento em algumas cidades e criando até Botellódromos, ou seja, locais destinados ocasional ou permanentemente, à prática do Botellón, reduzindo os prejuízos inerentes a esta conduta, tanto para os seus praticantes como para os demais cidadãos. 66 Roché, S. (1994:25)

37

O fenómeno das incivilidades e a descoberta da sua importância para a construção

do sentimento de insegurança deu origem a uma série de novas preocupações, sobretudo

por parte das instituições policiais, reflectindo-se nas suas estratégias de actuação.

2.3 Decadência do Ambiente Urbano

Se, para além do conhecimento de factos criminais, existir uma percepção de

desordem opressora, motivada pela degradação do ambiente urbano, a reacção será

igualmente emocional ou comportará a alteração racional e autoprotectora das rotinas

quotidianas?

A decadência dos espaços urbanos é um dos factores ambientais que influencia

directa e negativamente o bem-estar e a percepção da segurança. A degradação

pressiona directamente o surgimento de uma sensação de insegurança que induz um

apelo ao reforço securitário policial, quando na maior parte dos casos a colocação de um

candeeiro de iluminação pública, a substituição de um contentor de lixo queimado, a

pintura de uma parede com graffitis ou a reparação de uma paragem de autocarro

vandalizada, será o suficiente para sanar o problema (não eliminando o comportamento

que o originou, mas impedindo o surgimento do sentimento de insegurança).

O vandalismo, comportamento muitas vezes associado à insatisfação social, surge

e propaga-se com extrema velocidade quando não existe oposição ou controlo social.

Quanto mais é destruído, mais se revela a tendência crescente dessa destruição. 67

67 “Broken Windows – The police and neighborhood safety”, um estudo dos americanos James Wilson e George Kelling marcou uma viragem no pensamento sobre a segurança, abordando aspectos da prevenção da criminalidade e do sentimento de insegurança das populações relacionados com a deterioração do espaço e consequente proliferação das incivilidades e da pequena criminalidade. Uma das frases mais marcantes do seu trabalho refere, a propósito do vandalismo que: “se a primeira janela partida num edifício não for reparada, as pessoas que gostam de os partir tenderão a pensar que ninguém se preocupa com esse edifício e mais janelas serão partidas. Em breve o edifício não terá janelas...” Wilson, J., Kelling, G. (1982) (tradução do autor).

38

A imagem de um edifício em degradação, é comum a muitas cidades. A existência

de imóveis nestas condições, estando acessíveis à invasão, tornando-se numa fonte de

contaminação do ambiente urbanístico e do bem-estar social, reflecte o abandono e o

desleixo ou impotência dos seus proprietários quando os há ou dos responsáveis

administrativos e políticos, dos quais ainda se espera alguma acção. Esses imóveis

acabam por se tornar realmente num local de refúgio de alguns indivíduos marginais e

de muitos outros marginalizados.

Porém, mesmo que tal não aconteça, o sentimento restará junto dos cidadãos que

terão de conviver com a imagem degradada e degradante do imóvel.

O abandono de certas zonas urbanas, o envelhecimento gradual e contínuo das

populações de determinados bairros e a substituição não equilibrada das residências por

outro tipo de utilização dos imóveis (convertidos em estabelecimentos comerciais,

industriais ou armazéns) proporciona a desertificação que, por seu turno, leva à

decadência do lugar que acaba por se tornar ermo e estéril. Essas zonas serão, mais cedo

ou mais tarde, conotados como propensas à criminalidade, quer essa percepção seja

consubstanciada em factos ou não.

A falta de manutenção e vigilância ambiental urbana facilita os factores de

degradação, abre caminho para a marginalização do espaço, por via do abandono a que

é votado por um número significativo de cidadãos, deixando-o a outros que, por várias

razões que não são apenas criminais, o ocupam.

2.4 Media e Medo

Frequentemente, problemas concretos, ocasionais ou extraordinários de

delinquência, situações particulares de alguns espaços ou ocorrências criminais graves

39

mas pouco expressivas em termos globais, são repetidamente mostrados ao público quer

por iniciativa dos órgãos de comunicação social, quer por vontade de cidadãos, grupos

ou organizações. Essa conduta, raras vezes inocente, acrescenta às inquietações sociais,

dados pouco objectivos mas significativos do ponto de vista das representações pessoais

da violência, da desorganização social, da falta de civismo e, naturalmente, do crime.

As aproximações políticas e mediáticas, quantas vezes inflamadas pelas

necessidades do momento, contribuem para promover a confusão entre o que é a

criminalidade e o que é a insegurança, e entre esta e o sentimento da sua existência. A

actuação de vários grupos de interesse na temática da insegurança pode promover,

inclusivamente, a eleição de novas preocupações criminais.

Já Best (1999) o havia referido, elaborando um diagrama a que chamou

“Quadrado de Ferro da Institucionalização”68, com o qual ensaia uma explicação para a

promoção pública de novos problemas criminais69.

Esta construção artificial, que superlativiza alguns acontecimentos, assinalando-os

como novos problemas ou preocupações, transmitida a um público sem recursos

culturais e informativos que lhe permita fazer uma filtragem crítica da mensagem, leva

à assimilação de medos (e preocupações), à assunção de que a raridade de um

acontecimento violento é generalizável, fazendo com que o destinatário se coloque a si

próprio, na gama de alvos potenciais.

Também a propósito da influência dos media na produção de sinais de alerta sobre

os riscos criminais, Innes (2004), concebeu o conceito de “Signal Crimes”. Innes,

68 Best, J. (1999:63-69) 69 No seu diagrama, Best fez representar a conjugação dos interesses dos Media, dos Activistas, dos Governos e dos Especialistas, a qual produz uma instrumentalização (servindo os interesses de cada uma das partes do “Quadrado de Ferro”, de um conjunto delas ou de todas) do crime e da insegurança, quantas vezes dirigida para a “institucionalização” de novos tipos penais, de novas estratégias policiais, de novas atitudes e condutas, chegando mesmo a incentivar novos produtos de mercado.

40

considera que as pessoas interpretam alguns incidentes criminais como indicadores ou

“sinais de alerta” relativos aos riscos existentes no seu espaço social.70

A cobertura mediática de acontecimentos criminais considerados, pelos órgãos de

comunicação social, como tendo relevância ou dignidade informativa poderá, assim,

funcionar como gerador ou transformador das reacções sociais ao crime e, bem assim,

do quotidiano colectivo, uma vez que as audiências interpretarão as notícias como sinais

do estado em que se encontra a comunidade e a ordem social.

Invariavelmente, a gravitação dos media em torno das questões criminais,

sobretudo aquelas que reportam o crime violento, apesar de serem residuais, elegem o

crime à categoria de problema social, produzindo nos espectadores uma ansiedade

difusa, mas suficientemente desconfortável para, ao desvanecer-se (como acontecerá

após o choque proporcionado pela confrontação com o facto), se cristalizar na memória

individual e colectiva da audiência.

Assim, do geral para o particular, a perspectiva do “Signal Crime” refere-se à

forma como alguns acontecimentos noticiados pelos órgãos de comunicação social

atingem o universo pessoal de cada indivíduo.

A utilização de técnicas de exposição e representação retóricas atractivas,

construídas pelos agentes noticiosos e repórteres, encarregar-se-á, na maior parte das

vezes, de tornar o facto numa história digna de ser contada e conhecida. Quanto mais

violento for o acontecimento e emotivo o seu impacto, maior ansiedade causará

naqueles que absorvem a notícia da sua ocorrência. O choque emocional da notícia,

poderá então ser um factor de bloqueio à reacção racional.

Porém, a reacção emocional terá uma validade reduzida no consciente do

receptor, o que não significa que se eclipse totalmente. Innes, argumenta que os “Signal

70 Innes, M. (2004:15)

41

Crimes” se transformam de “acontecimentos presentes” em “acontecimento históricos”,

cuja ressonância perdurará na memória colectiva que funcionará como moldura para as

percepções, avaliações e discursos futuros, sempre influenciados pelas preocupações do

momento vivido.71

Assim, a publicidade do delito na comunidade (no caso, por via da comunicação

social), poderá, de acordo com a mesma teoria, contribuir para a sua prevenção, pela

promoção dos comportamentos de autoprotecção das potenciais vítimas.72

A abordagem de Innes, sugere uma reflexão sobre a forma como alguns crimes se

desenvolvem na memória colectiva e que função desempenhará essa informação uma

vez aí chegada. Se adicionalmente aquelas que são as notícias prestadas pela

comunicação social, uma comunidade reconhecer a existência, no seu seio, de certos

problemas criminais graves, qual será o reflexo dessa percepção e desse conhecimento,

para além da instalação de um eventual sentimento de insegurança?

2.5 Síntese conclusiva do capítulo 2: Sentimentos de Insegurança

A génese e a substância do sentimento de insegurança são aspectos que carecem

de análise cuidada atendendo à sua complexidade. Nem a primeira, nem a segunda, se

71 Innes, M. (2004:19) 72 Cautelosamente assinale-se que, aparentemente em sentido contrário a esta afirmação de Felson (2002:115-116), a revitimação acontece com frequência em meios onde um delito é comum e publicamente reconhecido. Nem sempre poderemos afirmar que o conhecimento da existência do risco de vitimação pelo crime aproveita inteiramente à construção de meios para a sua prevenção, embora possa contribuir para uma mais clara percepção do risco. A revitimação é um fenómeno comum. Sabe-se também que um alvo (pessoa, casa, estabelecimento...) que tenha sido atingido pelo crime, “apresenta um risco anormalmente elevado de voltar a sê-lo” (Cusson, M. 2006:186 e seg.). Um alvo que demonstra ser vulnerável está sujeito a ser atingido várias vezes pela acção dos criminosos, enquanto não forem tomadas medidas de protecção ou deixar de ser atractivo. A maioria dos casos de revitimação acontece pouco tempo depois do primeiro deixando, em muitos deles, pouco tempo à vitima para se reorganizar e tomar precauções. Existirão outros casos em que as medidas de autoprotecção mais eficazes, exigirão recursos que não estarão facilmente ao dispor da vítima. Porém, de forma mais ou menos espontânea as vítimas aplicarão os meios que tiverem disponíveis para reduzir os danos e por mais ténue que seja o resultado

42

fundamentam directamente num único factor de origem. Ao contrário e como ficou

exposto, ambas dependem de um conjunto de circunstâncias que se constituem como as

causas suficientes e necessárias ao seu surgimento, determinando ainda a sua natureza.

O sentimento de insegurança, frequentemente classificado como subjectivo,

pessoal e de forma mais radical e não subscrita neste trabalho, irracional, relaciona-se

tão directamente com os medos e angústias pessoais, construções sociais com ou sem

fundamento, quanto com os factores inteligíveis de perigo real ou de risco concretizável

em facto danoso73.

Roché, refere que o sentimento de insegurança é o conjunto das manifestações de

medo pessoal ou das preocupações com a ordem, verbais, comportamentais, individuais

ou colectivas74. Esse mal-estar, essa agitação, que amiúde se procura justificar com a

existência do crime, facto social dominador e opressivo, gera uma procura de respostas

compensadoras, normalmente, com base num reforço securitário.75

Os sinais de risco estão subtilmente inscritos em factores do quotidiano, como

sejam, as demonstrações de incivilidade ou comportamento anti-social e de decadência

dos espaços urbanos, aos quais se adicionam as “incertezas da existência” a que se

refere Castel (2003:87), fazendo nota do peso das preocupações e medos relativos à

segurança de cariz social. De forma menos subtil, esses sinais são enfatizados por

políticas mediáticas que dão primazia ao crime, à insegurança, ao escândalo, à guerra, à

das medidas que tomem, será sempre o resultado possível na medida das potencialidades e dos constrangimentos a que estão sujeitos. 73Para efeitos do presente trabalho e como adiante se exporá mais profusamente, entendemos estabelecer que o perigo é a possibilidade eminente e incontrolável de ocorrência do facto danoso, enquanto que o risco representa a ameaça previsível e controlável, inerente a determinado comportamento, situação ou contexto. Neste sentido, ao falarmos de risco, assumimos que existe uma previsibilidade da ocorrência do dano, o que permite limitar, controlar ou evitar o perigo, ou seja, a concretização efectiva dos factores de risco, resultando em dano. 74 Roché, S. (1993:135) 75 Castel (2003:6), refere, por seu turno, que Insegurança e Protecção não são registos oponentes: não é por falta de protecções que nos sentimos mais inseguros. Aliás, afirma mesmo que o levantamento de barreiras securitárias invoca o aumento do sentimento de insegurança individual e colectivo.

43

miséria e à desgraça, contribuindo para a sedimentação dos elementos necessário a

compor um sentimento difuso que se irá cristalizar sobre o objecto: Crime (Roché, S.

1993:135).

Hodiernamente, constata-se uma preocupação avassaladora em evidenciar os

riscos e os perigos; esse registo é patente nos discursos veiculados pela comunicação

social, mas também pelos veiculados através dos aparelhos políticos e institucionais,

perpassando-se para a Vox Populi e para o ideário popular. Quando tal acontece, é

comum a proliferação de respostas colectivas que procuram compensar o aumento do

sentimento de insegurança com a implementação de medidas de reforço securitário; é

essa a perspectiva de Roché que nos leva a proceder ao raciocínio a contrario senso de

que, concomitantemente, é menos comum o surgimento de respostas que sigam uma

linha de conduta destinada autoprotecção, ou seja, em que o indivíduo e a comunidade,

se responsabilizem autonomamente pela análise dos riscos e pelo esforço de prevenção

criminal.

Ressaltam destes raciocínios duas questões importantes que pretendemos ver

salientadas: em primeiro lugar, qual o fundamento da opção individual e colectiva pelo

reforço securitário, como resposta ao surgimento de sentimentos de insegurança, ainda

que de causa difusa; em segundo lugar, qual o relevo do papel da comunicação social na

sinalização dos riscos e na construção de respostas individuais e colectivas a essa

sinalização.

Quanto ao primeiro aspecto propomo-nos avançar com a seguinte

conceptualização: na sua generalidade, os sentimentos de insegurança surgem do

desequilíbrio entre as expectativas de segurança e as percepções do risco (Giddens, A.

2005:25), gerando uma sensação de aumento da probabilidade de frustração dessas

mesmas expectativas.

44

Existindo expectativas de segurança, estas implicam um determinado nível de

conhecimento das ameaças e a existência de um grau confortável de confiança na

possibilidade de as evitar ou ultrapassar. A confiança a que nos referimos76 pode ser

construída com base na execução permanente de um cálculo entre “potencialidades”

versus “fragilidades”, para o qual contribuem, não só as características próprias do

indivíduo, mas todos os factores que lhe são exteriores.

De entre os factores exógenos que contribuem para as potencialidades, poder-se-

ão encontrar instituições símbolos de Poder, personificadas nas instâncias formais de

controlo, mais concretamente, os aparelhos policiais e judiciais. Estas instituições

possuem um valor simbólico que transcende a sua funcionalidade, apresentando-se

como repositórios formais de fiabilidade (Recasens, A. 2003:371). Este simbolismo é

um cânone da modernidade que pretendeu substituir os processos de auto-regulação e

controlo, característicos dos períodos anteriores da história, sendo essa, uma razão

possível para que, à generalidade dos discursos sobre a insegurança, esteja associado

um apelo do reforço securitário.77

76 Numa conceptualização substancialmente menos complexa daquela proposta por Giddens (2005:23) e que, de forma resumida, definimos por uma consciência dos riscos que, em face do conhecimento das potencialidades, das garantias e das compensações, não se torna impeditiva do desenvolvimento da acção humana. 77 A Polícia é o organismo do Poder representativo da força pública e da ordem, surge como um ponto de contacto (ou acesso) privilegiado do público com as instituições, quando emergem problemas que dizem respeito á segurança (Recasens, A. 2003:371), mas não só. Em muitos outros casos, as instituições policiais são um primeiro recurso dos cidadãos para problemas colaterais à segurança, propriamente dita, mas que se encontram no plano da paz e tranquilidade públicas (Onde se incluem outras situações que compõem uma grande parte do trabalho quotidiano das forças e serviços policiais, nomeadamente: o controlo, registo e reporte de incivilidades, a prostituição, as vozearias e outros ruídos perturbadores da tranquilidade e descanso, a alteração das condições normais de vivência urbana ainda que da competência de outros actores, como sejam, a acumulação excessiva de detritos urbanos nos respectivos contentores e na via pública, as deficiências na iluminação pública, a falta de passadeiras, a existência de animais vadios nas ruas, entre outros.). Este facto, indica que o exercício da função policial se presume fiável e capaz de fornecer confiança (Idem). Existindo uma disfunção promotora de falhas de contacto entre cidadão e Estado “quebra-se a criação / transmissão de fiabilidade”, quebrando-se a “confiança no «sistema especializado», «polícia» e nos seus sujeitos / agentes policiais.” (Ibidem).

45

Quanto ao segundo aspecto, afigura-se-nos que o papel dos Media na sinalização

dos riscos, talvez só exista, de modo perfunctório. Ou seja, a divulgação na

comunicação social de casos relacionados com a criminalidade e insegurança poderá

influenciar a escala de medos e preocupações gerais, mas isto não implica

necessariamente, que contribua para o alerta relativamente às características de um

fenómeno concreto e particular, nem para a construção de respostas individuais e

colectivas dirigidas a esse fenómeno.

Desta forma, o alerta não funcionará concretamente para determinado fenómeno,

mas contribuirá como elemento componente do sentimento difuso de intranquilidade

relativamente ao fenómeno em geral, neste caso, o criminal.

46

CCAAPPÍÍTTUULLOO 33

RRiissccoo,, PPeerriiggoo ee RReeaaccççããoo

El afianzamiento del concepto de seguridad se

efectúa en detrimento del concepto premoderno de

orden, ya que mientras el primero cabe vincularlo

a la noción moderna de riesgo, el segundo se hala

indisolublemente unido a la noción premoderna de

obediencia al Estado-administración.

Globalización, Riesgo y Seguridad,

Amadeu Recasens I Brunet78

3.1 Conceitos de Risco e de Perigo

As noções de risco e de perigo estão largamente disseminadas e são aceites como

circunstâncias inevitáveis da condição humana.

O risco e o perigo não existem em concreto79, são construções racionais, modelos

de análise destinados a prever factos danosos futuros, potencialmente consequentes de

outros, quer decorrentes da acção humana, quer de circunstancialismos naturais.80 Real,

é apenas o facto danoso, no momento, em que se concretiza.

O risco, representa o potencial nefasto, previsível, limitável ou controlável,

resultante de determinado comportamento, situação ou contexto. Já o perigo, traduz a

possibilidade eminente e incontrolável de ocorrência de um facto danoso. Neste sentido,

78 Recasens I Brunet, A. (2003:371) 79 Dean, M. (1999:131) 80 Na literatura de língua inglesa, encontrar-se-ão termos diferentes que pretendem distinguir os riscos inerentes da acção humana (Risks), das circunstâncias catastróficas produzidas pela natureza (Hazards). Não se encontra, em português, uma palavra adequada a revelar claramente essa distinção.

47

ao falarmos de risco, assumimos que existe a previsibilidade de ocorrência de um dano

(físico, material, moral, etc.), previsibilidade essa, que permite equacionar medidas de

limitação e controlo, com vista à supressão da sua concretização efectiva ou à redução

do seu impacto danoso. 81

Uma análise distanciada das possibilidades de ocorrência do dano, revelará os

riscos e permitirá a adopção de mecanismos de prevenção, evitando ou controlando a

sua concretização. Por oposição, a impossibilidade de prevenir, mas tão só de reagir,

definirá a situação de perigo.

Todas as actividades humanas envolvem de forma inevitável uma variedade de

riscos que se aprendem a conhecer e se tentam controlar, sendo que, nesta

conformidade, o conceito de risco pode ser definido como “uma forma sistemática de

lidar com os acasos e as inseguranças”82 e, assim sendo, a sua essência é a de

“referência” que permite aos indivíduos e ás organizações, criar mecanismos de

selecção entre riscos toleráveis e intoleráveis83, de protecção contra a sua ocorrência ou

de limitação dos seus danos, quando se concretizem.

81 Estas duas definições centrais no presente trabalho, foram concebidas após um vasto conjunto de leituras, de entre as quais acabou por ter particular influência, a discussão sobre esta mesma distinção, incluída no texto de Amadeu Recasens I Brunet, Globalización, Riesgo y Seguridad: El Continuóse de lo que Alguien Empezóse in «La Seguridad en la Sociedad del Riesgo. Un Debate Abierto», Colección Políticas de Seguridad, n.º 2, Atelier, Barcelona , 2003 (p.370). Aí se confrontam de forma extremamente sintética as perspectivas de Beck, Luhman e Giddens, sendo que optámos por construir as definições utilizadas neste trabalho numa aproximação maior aos dois primeiros autores referidos. 82 Que, na perspectiva de Beck (2005:21), são induzidos e introduzidos pela própria modernização, não numa perspectiva meramente individual, mas no contexto global dos riscos civilizacionais (entre os quais se contam os ambientais e industriais) assumindo, assim, a sua relação com o conceito de modernização reflexiva introduzido por Giddens (2005:25 e seg.). Importará, no entanto, referir que Giddens aponta como sendo, uma consequência da modernidade, o surgimento do conceito de risco em substituição dos conceitos pré-modernos de sorte, fortuna ou azar, revelando, não a génese do risco mas a tomada da sua consciência (V. ainda Gotthard 2000). 83 Partindo da premissa inicial de que a produção de riqueza implica a produção de risco e de que a distribuição da primeira está relacionada com a distribuição do segundo, Beck refere que os riscos existem em todos os aspectos da vida, não sendo possível aos cidadãos subtraírem-se a eles. Porém, na sua perspectiva, a sociedade moderna alterou os seus paradigmas de funcionamento, aceitando o risco como algo inerente ao desenvolvimento e, sem outra alternativa, desenvolvendo parâmetros de tolerância (Beck, U. 2005:19).

48

Nesta perspectiva, a percepção pública dos riscos e a sua aceitação dentro de

determinados níveis são produto de uma construção social, influenciada pela cultura84,

pelas experiências, pelas expectativas e ensejos do indivíduo, organização ou

comunidade. A Sociedade do Risco como Beck (2005) apelida o actual momento, não

comporta mais riscos ou é mais perigosa do que formas anteriores de ordem social.85

Contrariamente, poderemos afirmar que, nas sociedades pré-modernas não existiria uma

noção de risco como a que existe hoje (Giddens 2005), magnificada e presente na

tomada de todas as decisões humanas. Esta nova noção está intimamente associada às

expectativas e projecções futurísticas e com a aspiração de controlar, calcular e decidir o

futuro. 86

3.2 “Estar protegido é estar ameaçado”

Os cidadãos das sociedades modernas, industrializadas e munidas de políticas de

protecção social, em que o direito e a democracia se assumem como pilares essenciais

da estrutura social e política, construíram ensejos de desenvolvimento individual e

colectivo, compatíveis com as garantias oferecidas pelos seus sistemas políticos. A

criação de expectativas de fornecimento de condições de segurança social e civil, junto

desses cidadãos, gerou paralelamente, a noção de que os riscos sociais e civis seriam

controlados (parcial ou mesmo inteiramente) pela entidade governativa.

84 Referindo-se aos riscos ambientais e ao trabalho desenvolvido por movimentos ecologistas, Douglas e Wildavsky (1982:186), focam os alertas dos grupos de defesa do ambiente, como uma forma de promoção do conhecimento dos riscos ambientais, que por sua vez, influencia a opinião pública, condicionando ainda o desenvolvimento de processos de adaptação e reacção a esses mesmos riscos. 85 Comporta, isso sim, uma distinção sobre a consciência do risco e não sobre a sua dimensão real. 86 Bechmann, Gotthard Risk and the Post-Modern Society, Universidad del Pais Vasco, San Sebastian, Agosto de 2000, recuperado em Janeiro de 2006 a partir de: http://www.itas.fzk.de/deu/Itaslit/bech00d_abstracte.htm .

49

Porém, observa-se nos discursos (políticos, públicos e também científicos) um

aumento da atenção relativamente ao “sentimento de insegurança” e ao “risco” que

reflecte o sentir público.

Sendo estas, supostamente, as sociedades mais ricas, saudáveis, economicamente

viáveis e pacíficas de que há registo87, porque vislumbram, os cidadãos ocidentais, o

futuro com temor? Qual é a razão das incertezas modernas?

Castel (2003), chama atenção para estes aspectos (aparentemente) paradoxais,

característicos das sociedades contemporâneas, afirmando que é a construção de

protecções contra as inseguranças sociais e civis que aumenta a percepção pública das

fragilidades e provoca um sentimento de insegurança generalizado.88

A retracção do Estado-Providência e a consequente privatização do risco,

devolvendo aos cidadãos impróvidos, responsabilidades de autoprotecção nas duas

vertentes da segurança, traduz-se numa instabilidade que contribui, desta forma, para o

surgimento e manutenção do sentimento de insegurança e da incerteza em relação ao

futuro.89

3.3 Percepção dos riscos e vitimação criminal

Poder-se-á afirmar que todos os seres vivos, providos que são de um instinto

básico de preservação, são levados a reagir proporcionalmente (mas quantas vezes,

desproporcionadamente) à percepção que têm de qualquer acontecimento danoso

potencial ou eminente, com o qual são confrontados.

87 A observação deste fenómeno tem por base o contraste desse sentir, com o facto de nunca antes terem existido tantas formas de garantir a segurança quer civil, quer social. 88 A construção de protecções potencia o sentimento de insegurança porque evidencia as vulnerabilidades; “estar protegido é estar ameaçado” (Castel, R. 2003:6)

50

De um ponto de vista inteiramente abstracto, os juízos individuais de prognose

sobre o risco envolvido em cada actividade quotidiana, dependem do reconhecimento

das vulnerabilidades e fragilidades pessoais, em face de um potencial resultado danoso,

ou perigo. O não reconhecimento ou menosprezo das fragilidades pessoais e a

sobrevalorização das potencialidades e forças, promoverá uma maior exposição a

situações de risco e a resultados danosos90.

Porém, a noção de risco é uma construção social, que constitui uma escala de

valoração por referência à cultura dominante91, que se desenvolve reflexivamente, a

partir da relação de um conjunto complexo de factores endógenos92 e exógenos93 ao

sujeito.94 Essa complexidade torna difícil, senão mesmo impossível, sistematizar ou

padronizar os mecanismos que sustentam a parametrização do risco, dos sinais de alerta

perante uma qualquer situação de perigo, bem como a respectiva acção ou reacção dos

sujeitos de forma individual.

Ao falar-se de cultura, invoca-se uma qualidade colectiva, composta não só, dos

parâmetros de avaliação do que constitui um risco, mas também, da distinção entre

89 Gassin (2003:660), relativamente à prevenção criminal e à capacidade subjectiva de prevenção do delito, alerta para a desagregação que conduz os cidadãos a deixar para os poderes públicos, a tarefa de tratar da necessária regulação de comportamentos. 90 O que poderá ajudar a explicar porque razão, aqueles que julgamos mais frágeis ou vulneráveis, como os idosos, são de facto os que menos são vítimas de crime (Cusson, M. 2006:163 e seg.) ou de acidentes, contrariamente aos jovens que mais facilmente se expõem a esses e outros riscos. 91 Entendida como forma colectiva de sentir, pensar e agir, onde se inclui a ética, os sistemas de valores, a noção de justiça (Douglas, M. 1985:10), que fundamentam enfim, todo o contexto de integração do indivíduo com o social e o seu quadro de expectativas relativamente ao colectivo. 92 Onde se inclui a Auto-Imagem, entendida como a noção que o indivíduo tem do quadro das suas forças e fragilidades e do potencial de acção / reacção que o resultado da sua equação produz. 93 Como os recursos proporcionados pelo meio ambiente, pela comunidade e pelas instituições. 94 A percepção subjectiva do risco ou perigo, é influenciada por factores contextuais (o ambiente, momento, cultura do colectivo), circunstanciais (contornos da sua geração) e pessoais (o passado de experiências, sensações e emoções, a auto-imagem, a moral, ideologia, estatuto socio-económico, nível de formação académica e cultura geral, etnia, género, etc.) (Douglas, M. et Wildavsky, A:1982).

51

riscos toleráveis e intoleráveis95, sobretudo, daqueles que se correm voluntária e

conscientemente com vista à aquisição de um benefício.

Contudo, esta equação “Risco versus Benefício” é mais facilmente compreendida

ao nível da economia e do desenvolvimento industrial (Douglas, M. 1985:23).

Tratando-se do risco de vitimação criminal, “tolerância” poderá ter um significado

diferente, uma vez que a exposição ao potencial danoso não obedece aos mesmos

critérios.

Não se excluindo a existência de casos de exposição voluntária a riscos elevados

de vitimação criminal com vista à obtenção de benefícios, por exemplo, atravessar um

parque urbano a sós, a pé e durante a noite, com vista a visitar amigos, consciente da

possibilidade de ser assaltado. Noutros, a exposição ao risco de vitimação criminal será

involuntária. No segundo caso, a exposição poderá decorrer da alteração das

circunstâncias e contextos próprios onde os actores vivem. A alteração de qualquer

circunstância social, económica, política ou cultural, pode desencadear consequências

ao nível dos fenómenos criminais que são alheios às decisões dos actores / potenciais

vítimas.

Assim, e nestes casos, “tolerância” poderá significar o grau variável de aceitação

do tipo, volume de ocorrências ou gravidade de determinados tipos de crime, sem que

haja uma reacção correspondente, seja ela de tentativa de controlo, autoprotecção ou

resistência.

A percepção do risco e a produção de mecanismos para a sua gestão é selectiva,

ou seja, existindo em todas as actividades humanas um determinado grau de risco

associado, sendo que os riscos decorrentes de cada uma dessas actividades são

95 A preordenação de riscos depende, em grande medida dos aspectos culturais que distinguem cada sociedade. A percepção pública do risco e o nível de tolerância à sua existência são, segundo Douglas e

52

valorados diferentemente, torna-se impossível atender, a todo o momento e de forma

igual, a todos os factos potencialmente danosos96.

Assim sendo, os indivíduos procedem à organização dos riscos por ordem de

importância, importância essa que, mais uma vez, é atribuída por referência a uma

escala de valores, que reflecte não só os seus circunstancialismos pessoais, mas também

a cultura onde o sujeito se insere.

Se algumas das preocupações do quotidiano humano forem perspectivadas,

fazendo uma revisitação à Hierarquia das Necessidades teorizada por Maslow97, poder-

se-á estabelecer um paralelo interessante para perceber que a insegurança, não é vista na

escala dos problemas, como uma prioridade necessariamente absoluta, sobretudo,

quando se confronta com as questões da existência / sobrevivência. Desta forma, e tal

como se organizam as necessidades na pirâmide das motivações humanas de Maslow, é

comum que factores de ordem social e económica relacionados com as necessidades

básicas, compitam com os que são relativos à segurança (Inquérito de Vitimação de

1994 do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça, citado por

Wildavsky (1982), construções colectivas, semelhantes à linguagem ou o gosto estético, existindo na selecção dos riscos uma grande influência com a forma de organização social. 96 (Douglas, M. 1985:30) 97 De acordo com Maslow, existiria uma escala hierárquica e dinâmica em que a transposição de um patamar, com a satisfação de uma necessidade, faria apresentar uma nova necessidade a satisfazer. Esta dinâmica exigiria uma busca constante pela satisfação de necessidades e, naturalmente, por meios que proporcionassem a sua concretização. Na base da pirâmide das necessidades, Maslow colocou as necessidades fisiológicas que constituem os meios de sobrevivência e preservação da espécie, como sejam, a alimentação, o descanso, o conforto físico, etc. Satisfeitas estas necessidades, apresentam-se as necessidades de segurança: a busca de protecção contra a ameaça, risco, perigo ou as privações. As necessidades sociais incluem a necessidade de associação, de participação, de aceitação por parte de grupo de pertença, de troca de amizade, de afecto e amor. A necessidade de estima ou auto-estima envolve o apreço pelos outros e pelo próprio, a autoconfiança, a necessidade de aprovação social e de respeito, de status, prestígio e consideração, factores que obrigam a uma compreensão e avaliação permanente do respeito pela normatividade ética e social. A necessidade de auto realização, situada no topo da pirâmide, traduz-se pelo desenvolvimento continuado do potencial individual, pela independência e autonomia. Maslow, A. (1943) – A Theory of Human Motivation in «Psychology Review», n.º 50, pp. 370-396, disponível e recuperado a partir de “Classics in the History of Psychology”, York University, Toronto, Canadá (Agosto 2000) in http://www.psychclassics.yoku.ca/Maslow/motivation.htm em Julho de 2007.

53

Ferreira E. (1998) pp. 11–13; Esteves, A. (1999) p. 47; Peixoto, A. (2004) p.79) pelo

lugar prioritário na escala de preocupações.

A eleição de aspectos sociais e económicos à frente de aspectos securitários na

escala de preocupações de um dado indivíduo ou comunidade, poderá indicar que a

priorização dos riscos, globalmente considerados, poderá obedecer à mesma lógica. Ou

seja, poderão ser consideradas mais importantes as ameaças aos diversos factores

relacionados com a sobrevivência98, do que aquelas que se relacionam com a segurança

criminal (ainda que potencialmente se dirijam ao património como, aliás, acontece na

maioria dos casos).

A “tolerância” (ao risco de vitimação criminal) pode, deste modo, relacionar-se

com a forma como as preocupações e riscos em geral são priorizados, ocupando um

lugar na escala e revelando apenas a sua importância quando estão satisfeitas as

necessidades prioritárias, ou um facto danoso grave e de impacto elevado surpreende ou

se magnifica de forma opressiva no seio dos indivíduos e/ou das comunidades.

3.4 Imunidade Subjectiva

A percepção do risco obedece a uma racionalização que obedece à forma como o

mesmo é construído e percepcionado socialmente. O homem tem uma tendência para

agrupar os riscos,99 para os ordenar e também para os relativizar de acordo com os seus

parâmetros socio-culturais.

98 Manutenção do emprego, viabilidade do negócio, obtenção de rendimento económico e manutenção da sustentabilidade do núcleo familiar, etc. 99 (Giddens, A. 1997:116)

54

Esta “ordenação dos riscos”100, é uma estratégia subjectiva de filtragem que

permite classificar e ordenar os mesmos, de acordo com os níveis de tolerância e

aceitação que a sociedade possui relativamente a eles.

Este processo de seriação produz o que se chama “imunidade subjectiva”101,

tratando-se da forma como os riscos existentes nos dois extremos da escala de

probabilidades são relativizados. Se por um lado, os riscos mais comuns que resultam

das actividades do quotidiano são tendencialmente ignorados, também aqueles que se

revelam raros, parecem ser menosprezados.102

Concomitantemente, essa estratégia impede que a atenção do indivíduo se

disperse, na percepção e igual validação de todos os riscos, independentemente da

probabilidade de ocorrência e do valor atribuído ao potencial dano.103 Essa dispersão,

tenderia a criar no indivíduo um “pânico” constante que o impediria de se desenvolver e

empreender.

No extremo, a imunidade subjectiva, ainda que entendida como um mecanismo

útil para a sobrevivência e evolução humana, poderá conduzir a uma excessiva

confiança e à pulverização dos parâmetros de avaliação do risco que, afastando o sujeito

da realidade, potenciam as probabilidades de concretização do facto danoso.104 Como já

referido anteriormente, um desequilíbrio entre o quadro das vulnerabilidades

(fragilidade) em favor do das potencialidades (confiança), poderá promover uma maior

exposição a situações de risco e aos seus resultados danosos.105

100 (Crook, S. 1999:160-seg.) 101 (Douglas, M. 1985:29) 102 (Douglas,M. 1985:30) 103 (Douglas, M. 1985:30) 104 Da mesma forma, uma excessiva vulnerabilidade subjectiva, seria paralisadora da acção humana 105 Relativamente à “Confiança”, “Credibilidade” e “Segurança”, Giddens (2005:27 e seg.), recuperando e discutindo as ideias de Niklas Luhman, refere que risco e confiança se entrelaçam “normalmente para reduzir ou minimizar os perigos a que determinados tipos de actividades estão sujeitos.” (2005:24).

55

Por outro lado, o estabelecimento de uma habituação a um determinado nível

considerado normal de risco versus confiança, tende a deixar os indivíduos pouco alerta

para o surgimento de novos riscos, ou para a alteração das características de certos

riscos. A existência de tais mecanismos em pano de fundo, influencia as percepções dos

indivíduos em relação às alterações mais subtis do seu meio, até ao momento em que

são surpreendidos pela ocorrência do facto criminoso, quantas vezes de efeito

traumático profundo e prolongado. A atenção dos indivíduos aos fenómenos é também

ela selectiva, levando os cidadãos a fazerem uma escala das suas preocupações, entre as

quais se encontrará a preocupação com a sua segurança, competindo com a sua

sobrevivência, entre outras, numa miríade de variáveis em constante jogo.106

3.5 Síntese conclusiva do capítulo 3: Risco, Perigo e Reacção

Risco e perigo são duas noções abstractas que se destinam a projectar o potencial

de ocorrência de dano, decorrente da acção humana ou de fenómenos que lhe são

alheios. A capacidade de proceder a avaliações sobre o risco, revela as capacidades de

análise e manipulação do meio pelo Homem, com vista à concretização dos seus

objectivos de desenvolvimento. Assim, a forma como o Homem, concebe, selecciona,

hierarquiza e tolera os riscos não se limita à linearidade de uma correlação entre causa e

consequência.

A noção de risco, surge com a advento da modernidade (Recassens, A. 2003:371;

Giddens, A. 2005:21; Beck, U. 2005:19), acrescentando-se aos de “sorte” ou “destino” e

contrariando a noção até então vigorante de impossibilidade de controlo das ocorrências

106 Recuperamos aqui a teoria de Maslow Maslow, A. (1943) – A Theory of Human Motivation in «Psychology Review», n.º 50, pp. 370-396, disponível e recuperado a partir de “Classics in the History of

56

nocivas, até então, atribuídas a origens escatológicas e/ou exteriores à vontade do

Homem, sendo, efectivamente, na modernidade que o Homem passa a tomar a vida nas

suas próprias mãos.

Se a construção de alguns modelos de governação, de importância central na

história e reflexo inequívoca nas expectativas dos cidadãos, desempenhou um papel

importante no controlo de alguns riscos, foi porque o seu desenvolvimento contribuiu

para a sua emergência.107

No advento da modernidade, a criação, solidificação e expansão das instituições

sociais veio criar melhores condições para que um crescente número de pessoas,

pudessem usufruir “de uma existência segura e compensadora” (Giddens, A. 2005:5),

desenvolvendo-se do ponto de vista institucional, por forma a criar compensações para

os efeitos de uma, cada vez maior, consciência dos riscos. A este factor, também alude

Castel (2003:7) quando afirma que “as sociedades modernas são construídas sobre o

terreno da insegurança, porque são sociedades de indivíduos que não encontram, nem

em si mesmos, nem no seu meio, a capacidade de assegurar a sua protecção”, isto,

apesar de serem, provavelmente, as mais seguras das que jamais existiram. O

sentimento de insegurança, não sendo um adquirido imediato da consciência, surge nos

indivíduos por referência aos níveis de protecção que as sociedades asseguram aos seus

cidadãos, explicando porque “estar protegido é estar ameaçado” (Idem).

Mas a percepção individual ou colectiva dos riscos está também condicionada,

pelos aspectos culturais que distinguem cada sociedade. A percepção do risco e o nível

de tolerância à sua existência, são construções colectivas, com pressupostos idênticos à

Psychology”, York University, Toronto, Canadá (Agosto 2000) in http://www.psychclassics.yoku.ca/Maslow/motivation.htm em Julho de 2007. 107 A consolidação do conceito de segurança efectua-se vinculando-se à noção moderna de risco e em detrimento do conceito pré-moderno de ordem, unido à noção de obediência ao Estado – administração (Recassens, A. 2003:371)

57

linguagem ou ao gosto estético e a organização social condiciona o seu elenco

determinando o quadro de imunidades e vulnerabilidades subjectivas (Douglas, M. et

Wildavsky, A.:1982).

Uma vez que todas as acções (e mesmo omissões) poderão comportar um

determinado risco, importará conhecer a sua importância para conhecer se vale a pena

corrê-lo. Assim, a selecção dos riscos mais e menos sérios, mais e menos prováveis, tem

em vista o encontro da linha mediana que permite a prossecução das acções humanas.

Trata-se de um jogo de avaliações sobre os riscos toleráveis e intoleráveis, aqueles que

se podem correr tendo em vista um benefício compensador e aqueles cujo benefício é

reduzido em face do elevado risco que é necessário correr para o atingir.

Todavia, deveremos manter em perspectiva que nem toda a sujeição aos riscos é

voluntária, ou decorre da acção, existindo factores que determinam a possibilidade de

ocorrência de facto danoso que não decorrem da acção do sujeito, mas de omissões em

face de alterações do seu contexto circunstancial.

Tomemos como exemplo o risco de vitimação criminal. A alteração de um

conjunto de circunstâncias alheias à acção dos indivíduos pode alterar as suas

dimensões sociais, económicas, espaciais, imprimindo alterações às formas e aos níveis

de ocorrência de determinados delitos.108 Se se pretender uma abordagem meramente

linear, poder-se-ía supor que tais alterações ambientais ou circunstanciais, revelassem

mais cedo ou mais tarde os sinais das suas consequências, nomeadamente, no nível e

108 As mudanças sociais que se operaram no pós-guerra (tanto nos Estados Unidos da América como na Europa) levaram a um aumento do trabalho feminino, aumentaram o número de estudantes e proporcionaram mais actividades que conduziram ao aproveitamento dos espaços públicos em detrimento da manutenção das famílias em suas casas. O aumento da produção industrial, o desenvolvimento da economia capitalista e o aumento do consumo, promoveram o fabrico e a comercialização de novos equipamentos como televisões e rádios e mais tarde computadores pessoais e outros equipamentos electrónicos. Em resultado desta transformação, passaram a existir mais casas que permaneciam desocupadas a maior parte do dia, contendo em si objectos apetecíveis, quer pelo seu valor, quer pela sua dimensão (fáceis de subtrair, transportar e transaccionar). A conjugação destes factores contribuiu para o aumento do crime contra o património (Garland 2002:49).

58

tipo de criminalidade, obrigando a uma revisão das estratégias de actuação das

potenciais vítimas.

Porém, mais uma vez, a linearidade do raciocínio parece não ter correspondente

no mundo real. Se assim fosse, não seriam detectadas alterações no número ou na

tipologia dos crimes registados pelas autoridades policiais, nem haveria reflexo público

dessas alterações, dado que a adaptação do público à ocorrência do delito e a

consequente reposição da normalidade seria automática.

Sendo assim, ao pretender estudar-se as percepções e estratégias de um grupo ou

comunidade perante o risco, importa isolar o facto danoso em concreto, seleccionar a população

em estudo e analisar o seu contexto de vivência, bem como o seu sistema de crenças e de

valores, por forma a tornar claro o conjunto de variáveis particulares que as influenciam.

59

CCAAPPÍÍTTUULLOO 44

Parâmetros Metodológicos da Investigação Empírica

4.1 Modelo de análise: Construção das percepções e estratégias de adaptação ao crime

Nos capítulos que antecederam, procurou fazer-se, de forma alargada, uma

abordagem aos diversos aspectos da problemática que anima o presente trabalho;

problemática essa que se pode sintetizar na questão central: Porque razão os cidadãos,

individual e colectivamente considerados, não correspondem ao alarme público

relativo aos riscos de vitimação criminal, com a implementação de medidas de

autoprotecção?

Foi, no período compreendido entre Agosto de 2004 a Agosto de 2006, que

despontaram as questões que animaram a necessidade de investigar as razões para o

aparente repúdio das lógicas de autoprotecção com vista a reduzir o potencial de risco /

vitimação criminal.

No ano de 2005, um aumento dos casos de furto no interior de estabelecimentos

comerciais, levou a que o crime contra o património na cidade de Elvas se transferisse,

da protecção dos registos policiais para a opinião pública, através da acção informativa

da comunicação social local.

As notícias veiculadas pela comunicação social local, geraram uma discussão

pública, na qual se apontavam responsabilidades às instâncias formais de controlo,

nomeadamente, à Polícia.

Entretanto, o emprego, pela Polícia, de um discurso que apelava à partilha de

responsabilidades pela preservação da segurança pública e à construção de medidas de

60

autoprotecção, seguindo a linha da Prevenção Situacional (Clarke:1997; Felson et

Clarke:1998), foi contestado de forma pública, nomeadamente, através de crónicas

escritas nos jornais locais.

A indignação pública, levantou no espírito do autor um conjunto de questões. Em

primeiro lugar, a de saber porque existe uma aparente repulsa pela autoprotecção e de

que forma, isso se poderá justificar pela noção que os cidadãos têm da responsabilidade

do Estado perante si. O discurso dicotómico “cidadão pagador de impostos / titular de

direitos” ilustra, em certa medida, uma aparente tendência para julgar que, não são os

cidadãos que têm de tomar a iniciativa de se proteger, mas contrariamente, caberá à

força pública o ónus de garantir essa protecção.

Para enquadrar o conjunto de raciocínios necessários à construção das hipóteses,

foram explorados vários pontos de vista, que procuraram ir ao encontro das dimensões

de análise colocadas pela questão de partida. Por um lado, a construção social das

percepções do risco e, por outro, as lógicas de controlo do risco.

Quanto ao primeiro aspecto (a construção social das percepções do risco),

importará reter como elementos mais importantes, a assimilação dos discursos

colectivos à experiência individual e a imunidade / vulnerabilidade subjectiva.

Para a análise do primeiro elemento, tem especial importância atender de forma

longitudinal à imprensa, a qual, funciona com mais clareza em meios de dimensão

pequena, como espelho da vox populi, mas também, como mecanismo de transferência

(reflexiva) de percepções entre grupos e indivíduos.

Relativamente ao segundo elemento, importará recolher informações que

reflictam o conhecimento que os cidadãos têm da sua realidade criminal, do seu

potencial de vitimação, da sua relação com as instituições fornecedoras de segurança e

das razões que os impelem a implementar ou não, medidas de autoprotecção. Estas

61

componentes das dimensões, vão de encontro ao objecto central da análise que se

pretende efectuar e que incide nas percepções e estratégias de um grupo restrito de uma

dada comunidade, em relação ao risco de vitimação criminal a que estão sujeitos.

Quanto ao segundo aspecto (as lógicas de controlo do risco), foi útil ao

enquadramento, a perspectiva histórica da filosofia e da política, que procurou descrever

o processo de desenvolvimento social da pré-modernidade à modernidade, da fundação

do conceito de Estado-nação à sua desvalorização, pelo surgimento da chamada

“globalização”, e da génese do Estado-providência aos actual momento de retracção e

consequente “privatização do risco”.

Este percurso, determinante para a alteração, em mais do que um momento, das

lógicas e estratégias de controlo do risco, contribuiu para a transfiguração dos papéis,

quer dos cidadãos, quer dos Estados, modulando o raciocínio que o homem comum faz

sobre a sua responsabilidade de autoprotecção. Como foi referido, a construção social

do lugar e papel do cidadão, em relação ao colectivo e ao poder que o governa, oscila

entre maior ou menor autonomia, liberdade e responsabilidade, porém, a percepção

dessa posição poderá não acompanhar imediatamente as alterações estruturais ou

conjunturais do meio.

A actual lógica de “privatização do risco” surge durante a retracção do Estado-

providência, e por referência a essa sua decadência, como se do sintoma dessa retracção

se tratasse. Não só se vislumbra o aligeirar da intervenção do Estado, através da

concessão à iniciativa privada de responsabilidades para com o público que até hoje

eram suas, como se implementa uma lógica de responsabilização do cidadão pela

protecção da sua própria esfera pessoal, familiar, comunitária, etc.

Ora, este momento de transição poderá ter como consequência a descentralização

do indivíduo em relação ao seu ambiente social e político, esperando ainda viver de

62

acordo com os paradigmas do Estado social (mantendo o quadro de

expectativas/confiança em face do Estado e das suas instituições, por aculturação a um

modelo socio-político de sustentabilidade já em crise), mas forçado a reconstruir-se na

relação com um outro modelo de Estado, mais ligeiro na sua intervenção e mais

empenhado em responsabilizar o cidadão. Daí poderá emergir a ambivalência nas

estratégias de cada um dos actores que importará analisar.

Para atingir estes objectivos, foi equacionada a construção de um questionário

(Anexo 1) que, aliado à leitura de dados estatísticos relativos à criminalidade e à

contabilização e análise de conteúdo de notícias da imprensa escrita, procurará recolher

dados que permitam uma interpretação das percepções e estratégias da população em

estudo: os comerciantes da cidade de Elvas.

O conteúdo desse inquérito obedecerá à operacionalização de conceitos expressa

de forma resumida no quadro n.º 1, onde se procura esquematizar o raciocínio que

presidiu à sua elaboração, por referência ao objecto e modelo de análise.

Quadro n.º 1: Operacionalização de conceitos

Dimensões Variáveis Indicadores Perguntas

Maior problema do comércio P. 6

Conhecimento de comerciantes vítimas de furto P. 8

Aquisição de MSP* após notícias na comunicação social P.12.3

Posse de meios sem ter sido vítima P. 13.3+13.6

Tendência de desenvolvimento da criminalidade P. 22

Justificação / causas da tendência apontada P. 23

1. Construção social das

percepções do risco

Plano colectivo

& Plano

individual

(imunidade / vulnerabilidade subjectiva) Probabilidade de vitimação futura P. 25

Posse de seguro P. 7

Posse de meios de segurança passiva P. 11

Momento da aquisição dos meios P. 12

Posse de meios sem ter sido vítima P. 13

Inexistência de meios sem ter sido vítima P. 14

Aquisição de meios após a vitimação P. 15

Conduta após o crime P. 16

Justificação da conduta pós crime P. 17+18+19+20+21

2. Lógicas de controlo do

risco

Lógicas de protecção

estatal &

Lógicas de privatização

do risco

Como reduzir a criminalidade P. 24

** MMSSPP:: MMeeiiooss ddee SSeegguurraannççaa PPaassssiivvaa

63

O inquérito procurará dividir a população em estudo escolhida entre aqueles que

(1) já foram vítima / alvo de furto e aqueles que (2) nunca o foram. Em cada um

destes grupos procurar-se-á conhecer os (a) que possuem meios de protecção passiva

(medidas de autoprotecção); e os (b) que não os possuem. Em qualquer dos casos,

tentar-se-á recolher pistas que permitam perceber as razões de cada um dos grupos

seleccionados.

Fig. 2: Divisão da população em estudo

Assim, a hipótese nuclear do estudo, em resposta à pergunta de partida, reside na

existência de uma ambivalência entre os discursos colectivos (percepcionados através

da análise de conteúdo da imprensa) e as percepções individuais (auto-reveladas através

do inquérito), por um lado, e as expectativas relativas à protecção policial e as praxis de

autoprotecção, por outro.

Esta ambivalência decorrerá do sistema de crenças e valores da população em

estudo que, de acordo com a hipótese avançada, apesar de sinais de mudança no

contexto risco criminal, promoverá a continuação de lógicas de protecção estatal em

detrimento de lógicas de “privatização do risco”.

Mais concretamente, definiremos as seguintes sub-hipóteses:

64

1. Existe uma tendência generalizada para a remessa da responsabilidade pela

segurança, para os organismos policiais.

2. Quem nunca foi alvo / vítima de furto tem menor propensão para a

implementação de medidas de autoprotecção.

3. Existe uma discrepância entre a percepção dos riscos de vitimação e o

investimento em medidas de autoprotecção, ou seja, a percepção da

probabilidade de vitimação não significa a adopção de uma atitude correlativa de

adopção de medidas de autoprotecção.

4.2 Processo de escolha de técnicas

Aguçado o interesse de conhecer e impossibilitada a compatibilização desse

interesse com a integração actuante no meio sujeito a investigação, coube procurar

técnicas que separassem claramente o investigador do actor social. Que metodologia

seria capaz de trazer resultados e interpretações credíveis e independentes?

A investigação empírica, é aquela onde “se fazem observações para compreender

melhor o fenómeno a estudar” (Hill et Hill, 2005:19), ou seja, para construir teorias

adequadas a explicar os fenómenos. No caso e revisitando a afirmação de Copans, dir-

se-ia que, a “tomada directa de contacto com a realidade social”109 ter-se-ia de fazer

com recurso à aplicação complementar de vários instrumentos e ao cruzamento dos

resultados, com eles, obtidos.

Ao autor interessava, não só o enquadramento do fenómeno criminal particular de

Elvas mas, sobretudo, a percepção que as potenciais vítimas teriam dos seus riscos e dos

papéis reservados a si e ao Estado, nas suas diversas manifestações formais, bem como,

109 Copans, J. in AAVV (1998) p. 29

65

da noção geral de alteração ambiental proporcionadora de mudanças nos fenómenos

criminais.

Porém, o fenómeno que se pretendeu estudar não estava acessível a partir da mera

observação das estatísticas já existentes.110 Embora essas tenham sido uma fonte

primordial para a construção do estudo, houve necessidade de diversificar as técnicas e

os instrumentos de pesquisa, com o objectivo de ir ao encontro da percepção das

potenciais vítimas.

Optou-se, então, por recorrer ao cruzamento de técnicas de recolha de informação.

Por um lado, uma análise de conteúdo sobre a imprensa que tivesse um duplo cariz

(quantitativo e qualitativo), com vista a demonstrar as variações na atenção dada pela

comunicação social ao fenómeno criminal, ilustrando, se possível, a alteração dos

discursos públicos durante um dado período de tempo que se entendeu definir em não

menos que 10 anos111. Este procedimento visava a comparação do desenvolvimento dos

discursos mediáticos com as estatísticas da criminalidade local registada em igual

período.112 Por outro, a construção de um inquérito por questionário que fosse

directamente ao encontro das percepções das vítimas ou potenciais vítimas.

110 Em termos estatísticos, para além da consulta aos inevitáveis Censos 2001 e os anuários estatísticos da Região do Alentejo (2000 e 2003) do INE, que permitiram acesso a informações demográficas, sociais e económicas sobre o concelho e cidade, obteve-se da própria Secção Policial de Elvas do Comando de Polícia de Portalegre e da Direcção Nacional da PSP, dados estatísticos sobre a criminalidade registada na cidade. Destaca-se ainda a utilização de pesquisas já efectuadas, nomeadamente, pelo grupo de trabalho da Câmara Municipal de Elvas que realizou o Diagnóstico Social do Concelho. Este documento revelou-se essencial ao enquadramento realizado do lugar e da população do estudo, uma vez que, nele convergem um grande número de informações e estatísticas que se encontravam dispersas, até à sua realização. Assumindo o objectivo de se constituir “como uma primeira e imprescindível etapa de qualquer processo de desenvolvimento social ao proporcionar uma visão global e concreta das necessidades e potencialidades do concelho de Elvas” (p. 16), o Diagnóstico Social do Concelho de Elvas serviu, no nosso caso, como ferramenta de enquadramento da comunidade alvo do estudo nas suas diversas dimensões. 111 A extensão temporal escolhida deveu-se a um concurso de razões. Em primeiro lugar, procurou-se um momento em que os discursos da comunicação social em relação à insegurança fossem, de certo modo, comparáveis com os de 2005, tendo encontrado esse paralelo em 1994; em segundo lugar, pretendeu-se fazer, na medida do possível, uma comparação entre os discursos de imprensa e as estatísticas da criminalidade registada. 112 Pretendeu-se, desta forma, proceder a uma análise comparativa em contexto histórico (Giddens, A. 2004:654), embora, recorrendo a um conjunto de fontes limitadas.

66

A utilização desta técnica de natureza quantitativa, permite, através da recolha de

informações no seio de um conjunto restrito de indivíduos (amostra), extrair indícios

que representam a informação ou opinião de um conjunto mais alargado (universo) de

pessoas (Ferreira, V. 2005:167). Convenientemente, os inquiridos deverão ter uma

ligação entre si que se relacione igualmente com o objectivo do estudo, fazendo com

que se constituam unidades sociais ou unidades de análise (Idem) e representem a

população.

Revela-se, assim, a primeira grande vantagem da utilização deste instrumento, a

qual se substancia na capacidade de recolher amostras quantificáveis das percepções

que uma dada população tem do meio e dos fenómenos que constituem o seu contexto

de vivência / experiência. Desta forma, é possível quantificar um grande número de

dados e estabelecer entre eles um elevado número de correlações (Quivy et

Campenhoudt 2003:189).

A lógica de representatividade, permite ainda proceder a investigações, utilizando

menos recursos financeiros e temporais para alcançar resultados credíveis.

Porém, o inquérito tem também alguns limites que convém salientar. Um deles

será a dificuldade de objectivar as perguntas a serem colocadas, ao ponto de não se

constituirem passíveis de má interpretação por parte dos inquiridos. Decorrendo dessa

primeira dificuldade, surgem outras duas: a necessidade de fechamento das respostas

possíveis e a possível directividade do inquérito.

A necessidade (estatística) de manter as possibilidades de resposta fechadas,

condiciona as possibilidades de replicação dos inquiridos. Este aspecto, poderá resultar

numa adesão às hipóteses de resposta pré-definidas e elencadas (pré-codificadas), ainda

que haja a possibilidade de optar por uma “outra” hipótese de resposta (Ferreira, V.

2005:169). Por outro lado, esta limitação, poderá resultar numa superficialidade de

67

alguns dos dados recolhidos, com impacto na ocultação de alguns “processos ou

concepções ideológicas profundas” (Quivy et Campenhoudt 2003:189).

A directividade do inquérito (Ferreira, V. 2005:170) é a tendência que existe para

o investigador direccionar as possíveis respostas para a problemática que se pretende

investigar, nos seus cânones de estruturação, ignorando os da população alvo, impondo

ao inquirido, a formulação teórica do investigador, através de perguntas e respostas dela

impregnadas. No caso em particular do presente estudo, o inquérito foi construído em

observação ao próprio contexto sócio-económico do meio urbano, sendo especialmente

dirigido aos comerciantes do comércio tradicional. A sua concepção baseou-se na

exploração dos discursos veiculados através da comunicação social e aqueles, expressos

directamente pelos indivíduos desse grupo em particular, fora do contexto de

investigação.

A utilização cruzada da análise estatística da criminalidade registada, da análise

de conteúdo das notícias da comunicação social local e da aplicação de um inquérito por

questionário, pretenderam substanciar uma recolha, análise e interpretação dos indícios

do fenómeno a estudar, numa dupla perspectiva, a colectiva e a individual. Procurou

obter-se, por um lado, uma visão sobre os discursos relativos à alteração dos riscos

associados à criminalidade e, por outro, uma avaliação das percepções individuais e

colectivas do risco. O cruzamento de informação de fontes diversas, pretendeu

enriquecer, mas também credibilizar as interpretações possíveis dos dados resultantes

do inquérito, fundamentando-os na ligação dos inquiridos com o seu meio.

68

4.3 Das estatísticas da criminalidade registada

Revelou-se de extrema importância aceder aos dados estatísticos da criminalidade

registada pela Polícia de Segurança Pública de Elvas durante no período de uma década

antecedendo o estudo.113 Estes dados serviriam para referenciar as flutuações nas

estatísticas criminais com os discursos impressos na comunicação social local em

período idêntico, comparando ambos os registos e tentando perceber aproximações e

discrepâncias.

Porém, a política da PSP relativamente ao arquivo de documentação estatística,

impossibilitou a reunião de dados estatísticos sobre a criminalidade registada a partir de

uma única fonte. A Direcção Nacional da PSP apenas forneceu os mapas estatísticos

gerais relativos aos anos de 1998 a 2006. Os dados de 1996 e 1997 disponíveis referem-

se apenas ao crime contra o património e foram recolhidos directamente das folhas

estatísticas ainda existentes nos arquivos mortos da Secção da PSP de Elvas. Toda a

informação relativa aos anos de 1995 e 1994 é inexistente.114

Um olhar sobre estas estatísticas da criminalidade registada na cidade de Elvas,

revela que o peso dos crimes contra o património, no quadro geral dos crimes

denunciados pelas vítimas ou detectados pelas autoridades policiais, é elevado para o

contexto sócio-demográfico da localidade.115

No período de dez anos compreendido entre 1996 e 2006, evidenciam-se

variações ligeiras dos registos de “furtos em edifícios comerciais ou industriais com

113 Inicialmente procurou-se fazer a recolha entre os anos de 1994 e 2005, mas, como adiante se explicará, esse desígnio foi impossível de concretizar. 114 Uma inundação nos arquivos do Comando de Polícia de Portalegre destruiu estes documentos. Os dados recolhidos em Elvas referem-se apenas ao crime contra o património registado em 1996 e 1997. 115 Essa incidência superior do crime contra o património relativamente a todos os outros crimes é uma tendência comum, já reportada no caso português: Ferreira, E. (1998), Lourenço, N. e Lisboa, M. (1998).

69

arrombamento, escalamento ou chave falsa”116, contrastando com variações menos

significativas nos restantes períodos inter-anuais117.

O peso relativo deste tipo muito particular de crimes, no contexto global do crime

contra o património registado em Elvas, no período em apreço, apesar de constituir

apenas 9%, assume um lugar relevante no respectivo conjunto, uma vez que é apenas

inferior às ocorrências de furto no interior de viatura (24%) e de grupos residuais de

crimes definidos nos mapas estatísticos do Gabinete de Política Legislativa e

Planeamento do Ministério da Justiça118 como “outros danos” (18 %) e os “outros

furtos” (16%).

Estas informações, apoiaram a fundamentação das questões iniciais que

assaltaram o autor. Se, o peso da criminalidade contra o património se fazia sentir de tal

forma; se a comunicação social aumentou gradualmente a sua atenção sobre o

fenómeno da delinquência e criminalidade; que mudanças se operaram efectivamente ao

nível dos comportamentos individuais?

A recolha e análise estatística, dos dados da criminalidade registada entre os anos

de 1996 e 2006, executou-se após ter sido dirigido à Direcção Nacional de Polícia,

através do Comando de Polícia de Portalegre, um pedido de autorização para o efeito,

expressamente indicando os efeitos e objectivos académicos já amplamente

enunciados.119

116 A designação não correspondendo a nenhuma definição legal, enquadra-se, na maioria das vezes, no crime de furto qualificado, conforme tipificado no artigo 204.º do Código Penal. A designação feita para efeitos de enquadramento estatístico acima referida, oferece a vantagem de esclarecer de per se, o tipo de crime (furto), o alvo (estabelecimento comercial) e o método utilizado (arrombamento, escalamento ou chave falsa), o que facilita a definição e delimitação dos universos a seleccionar e do fenómeno a estudar. 117 O peso relativo dos registos de furtos em edifícios comerciais ou industriais com arrombamento, escalamento ou chave falsa entre todos os crimes contra o património é em 1997 e 2005 de 11% e 15%, respectivamente, valores que se traduzem numa excepção, uma vez que nos restantes anos do decénio compreendido entre 1996 e 2006, esse peso situa-se entre o mínimo de 4% e o máximo de 9%. 118 Instrumento de Notação do Sistema Estatístico Nacional com base na Lei n.º 6/89, de 15 de Abril, registado no INE sob o n.º 9624. 119 Inicialmente, pretendia-se fazer o estudo entre 1994 e 2006, porém, muitas das estatísticas necessárias não se encontravam disponíveis nem na Direcção Nacional da PSP nem no Comando de Polícia de Portalegre. O programa informático da Direcção-Geral de Política Legislativa também não permitiu destacar os dados estatísticos da

70

4.4 Da análise de conteúdo da imprensa escrita

O papel dos meios de comunicação social, na formação das opiniões e

sensibilidades do público é indiscutível. Os títulos jornalísticos, a linguagem utilizada e

as formas de abordagem de determinados fenómenos criminais fundamentam

convicções e suspeições, formam modos de pensar e condicionam atitudes.

Como já referido anteriormente, também os media desempenham um papel na

criação de percepções sobre a volumetria de segurança (ou insegurança) em

determinadas comunidades ou contextos.

Um olhar sobre a imprensa local120 publicada entre 1995 e 2005, revela que a

ocorrência de furtos em estabelecimentos comerciais (bem como toda a criminalidade,

particularmente, aquela que visou o património), não passou despercebida. As variações

de intensidade deste fenómeno, obtiveram um reflexo ao nível tanto das imagens como

dos discursos veiculados pela comunicação local, importando analisar a intensidade e a

evolução dessas expressões ao longo do decénio em apreço.

A contagem, recolha e análise de notícias relativas à criminalidade, bem como

editoriais e artigos de opinião, publicadas pelo semanário “Linhas de Elvas”121 no

período mencionado, constituiu um ponto de partida para a contextualização das noções

criminalidade de Elvas de todos os dados distritais. Assim, optou-se por aproveitar os dados gerais possíveis fornecidos pela Direcção Nacional da PSP (1998-2006) completando-os com os dados da criminalidade contra o património ainda existentes no Núcleo de Operações e Informações da Secção Policial de Elvas (1996-1997). 120 As informações jornalísticas, veiculadas através da imprensa escrita local, foram de extrema importância na avaliação do impacto social do fenómeno criminal, bem como na reacção pública das instituições, das entidades lesadas e da população em geral, assumindo especial destaque o jornal semanário “Linhas de Elvas”, o mais representativo órgão de comunicação social escrito da cidade. 121 A escolha deste jornal foi facilitada por, à data da recolha, ser a única publicação jornalística independente de dimensão local, com arquivos disponíveis sobre todo o período em estudo. Durante o trabalho, ressurgiu o semanário “O Despertador”, publicação outrora suspensa, que regressou às bancas. Porém, a recolha de dados já se encontrava em fase adiantada, não se antevendo a necessidade de acrescentar novas fontes.

71

de risco criminal, localmente concebidas, bem como da sinalização da alteração dos

seus tipos122.

Pretendeu-se com esse processo, ilustrar o papel que a comunicação social local

desempenhou na sinalização, não só dos riscos e da transformação da sua natureza, mas

também, dos contextos sociais e económicos da comunidade que poderão ter

influenciado as circunstâncias do quotidiano e o sentir público relativo à insegurança.

Para o efeito, foi obtida autorização da direcção do «Linhas de Elvas» para

consultar os volumes existentes nos arquivos do semanário.

A recolha, feita pessoalmente pelo autor, entre Março de 2006 e Março de 2007,

obedeceu primeiramente à definição de um conjunto de palavras-chave invocadoras do

tema da criminalidade e insegurança (Vd. Anexo 2) que servissem de guia para a

sinalização de notícias de interesse.

Foi construído um formulário (Vd. Anexo 3) que permitisse, de forma rápida, a

sinalização de notícias para a posterior quantificação. Procurou contabilizar-se a

incidência de referências à criminalidade e insegurança nas primeiras páginas, notícias,

crónicas e sondagens de opinião, evidenciando paralelamente a percentagem de

referências à criminalidade contra o património que cada uma dessas categorias

encerrava.

Do ponto de vista qualitativo, procurou-se evidenciar as notícias mais marcantes,

quer da perspectiva dos factos narrados, quer da perspectiva da sinalização da mudança.

Este último aspecto, pareceu-nos de grande importância, devido à pretensão de

122 A leitura exploratória compreendeu as edições do final 1993 e o final de 2005, atendendo-se especialmente a dois períodos. No primeiro momento a sensibilidade popular para a existência de factores perturbadores da paz e segurança, levariam a um movimento municipal e popular, que culminaria com a realizou de uma manifestação de brado nacional sobre a insegurança. O protesto dirigido também contra o poder central, requereu um reforço securitário, em consequência da alteração do tipo e número de delitos e comportamentos desviantes na cidade (nomeadamente a dependência de drogas, o vandalismo e a prostituição). O segundo período foi caracterizado pelo aumento gradual de notícias relativas aos furtos no interior de estabelecimentos comerciais na cidade, residências e pessoas, as quais rapidamente relançaram o tema da insegurança, questionando-se as autoridades.

72

estabelecer um paralelo entre as notícias sinalizadoras de alterações dos padrões da

criminalidade com o comportamento dos cidadãos e potenciais vítimas.

4.5 Do inquérito por questionário

Como já justificado anteriormente, esta técnica, revela-se adequada a reunir uma

gama variada de informação de forma flexível a partir de um universo composto de um

número elevado de sujeitos, fazendo uma triagem relativamente aos aspectos de ordem

sócio-demográfica, valorativa ou ideológica que os unem ou dividem e que poderão

fundamentar as condutas individuais que se pretendem estudar.

No caso do presente estudo e em resultado da observação descrita anteriormente,

seleccionaram-se como unidades de análise os comerciantes de Elvas. Esta escolha

prende-se com duas razões distintas e concorrentes: em primeiro lugar, os alvos dos

delitos mais mediáticos da jornalisticamente apelidada “vaga de assaltos” foram os

estabelecimentos do comércio tradicional123, atingidos em grande número, de forma

temporalmente delimitável e através de métodos semelhantes; em segundo lugar,

esperava-se que os actores deste sector de actividade, quer pelas suas afinidades

funcionais, quer pela semelhança da generalidade dos seus problemas quotidianos,

revelassem, não as percepções da generalidade dos cidadãos da sua cidade, mas as suas

percepções particulares, condicionadas pelos constrangimentos da sua actividade, a

escala das suas preocupações comuns e a sua cultura.

123 Para os efeitos deste trabalho, entende-se que “Comércio Tradicional” define uma categoria de estabelecimentos comerciais correspondente a micro, pequenas e/ou médias empresas de comércio a retalho, vocacionados para a comercialização de produtos destinados a satisfazer necessidades gerais e permanentes do quotidiano, com atendimento personalizado, integrados no espaço urbano e geralmente funcionando num único ponto de venda ou loja. Esta categorização funciona por oposição às grandes superfícies comerciais generalistas ou especializadas, cadeias de lojas de marca e negócios de franchising operando de forma isolada ou integrados em centros comerciais, ainda que se qualifiquem com as características anteriormente apontadas.

73

Durante o mês de Julho de 2006, foram executadas por jovens integrados no

Programa Municipal de Ocupação de Tempos Livres (Câmara Municipal de Elvas) duas

tarefas prévias imprescindíveis. A primeira, foi o levantamento dos estabelecimentos

comerciais da cidade de Elvas, a segunda, o pré-teste dos inquéritos, executado em 9

estabelecimentos.124

O levantamento referido, feito agrupando unidades territoriais correspondentes

aos diversos bairros da cidade, contabilizou inicialmente 550 estabelecimentos

comerciais. Contudo, nem todos os estabelecimentos comerciais identificados se

enquadravam no conceito de “comércio tradicional” utilizado no presente trabalho. Uma

filtragem final elegeu um universo composto de 430 (n = 430) locais de comércio

adequados às intenções do estudo125, optando-se por fazer incidir o Inquérito com

recurso à selecção de uma amostra de não menos de 50%, por forma a compatibilizar os

recurso disponíveis com a necessidade de minimizar a possibilidade de ocorrência de

erros de dispersão de resultados e/ou de representatividade.

Em conformidade com o descrito, optou-se por contabilizar o número de

estabelecimentos qualificáveis como “comércio tradicional” em cada arruamento,

dividindo o número obtido, no momento imediatamente anterior à recolha, por dois.

Nos casos em que só existisse um estabelecimento ou o número obtido com o cálculo

era ímpar, a aplicação de inquéritos seria feita aos remanescentes, optando-se sempre

pela obtenção de dados por excesso e nunca por defeito. Deste procedimento, resultou

124 Três na zona histórica, dois nos Bairros da Boa-Fé e Cidade Jardim, respectivamente e um no Bairro Europa e Fonte Nova, respectivamente, obedecendo esta distribuição ao número de estabelecimentos de cada uma das zonas. 125 Foram eliminadas do levantamento descrito as grandes superfícies comerciais, estações de abastecimento de combustível, stands automóveis, estabelecimentos operando em regime de concessão de marca ou franchising e estabelecimentos do prestação de serviços como agências imobiliárias, de viagens e funerárias, procurando a aproximação ao conceito de comércio tradicional já definido supra. Foram mantidos, no entanto, estabelecimentos de prestação de serviços como oficinas de reparação de automóveis, electrodomésticos e cabeleireiros, os quais, pela diversidade dos destinatários, relação

74

uma amostra de 242 estabelecimentos, correspondendo a 56,2 % do universo

anteriormente apurado.

O inquérito foi planeado para ser administrado indirectamente, com vista a

proporcionar orientação aos inquiridos e clarificação presencial de quaisquer dúvidas

surgidas no decurso do procedimento, reduzindo eventuais desvios de interpretação das

questões. Da mesma forma, pretendeu-se controlar a taxa de respostas, garantindo, na

medida do possível, que o inquérito seria completamente respondido. Ainda assim,

foram anulados 5 inquéritos, sendo validados 237 (55,1% do universo encontrado).

Optou-se por limitar as respostas, estruturando o inquérito de molde a

apresentarem-se perguntas fechadas aos inquiridos, porém, em alguns casos, foi deixada

a possibilidade do inquirido poder acrescentar respostas que pudessem futuramente,

proporcionar outras perspectivas do problema e das suas origens, esperando-se que esse

procedimento pudesse possibilitar a introdução de informação não equacionada

previamente, que viesse a enriquecer as conclusões do estudo.

A natureza do questionário determinou que algumas respostas se tivessem

planeado para surgirem através de escalas de medida nominais, noutros casos, optou-se

por fornecer ao inquirido a possibilidade de responder de forma múltipla, pretendendo-

se, assim, avaliar a frequência de respostas a um dado quesito particular.126

Este instrumento, para além de procurar colmatar a necessidade de informação

acima referida, pretendeu recolher outro tipo de informação que pudesse contribuir para

encontrar causas ou razões para a existência ou ausência dos comportamentos de

autoprotecção, no âmbito do universo escolhido.

imediata e constante com o público consumidor e integração no tecido urbano, se distinguem dos anteriores. 126 Na pergunta “Qual o maior problema do comércio de Elvas?”, optou-se por solicitar ao inquirido que apontasse cumulativamente três problemas, sendo que de entre as várias opções de ordem concorrencial, administrativa, económica se encontra “A falta de segurança”, intencionando-se encontrar a posição do tema segurança / insegurança na ordenação da generalidade dos problemas dos comerciantes.

75

Sendo que, o objectivo a que nos propomos, incide genericamente sobre todos os

comerciantes e não apenas aqueles que já foram alvos de crime, o inquérito apresenta

questões que pretendem revelar qual o conhecimento que os comerciantes têm do

fenómeno criminal, particularizar a sua percepção sobre o desenvolvimento do

fenómeno criminal e de avaliação do risco de vitimação, procurando ainda verificar-se a

implementação e / ou existência de meios de protecção adequados ao risco

percepcionado em qualquer dos grupos127.

Esses aspectos seriam tidos como variáveis a par dos factores sócio-demográficos,

com vista ao estabelecimento de relações de influência nos diferentes tipos de

comportamento em face do risco de vitimação criminal.

Posteriormente, e com recurso ao mesmo instrumento, tentou definir-se que

razões fundamentam cada uma das posições assumidas, por cada grupo.

Aplicados os Inquéritos128 e validados 237 (duzentos e trinta e sete), os mesmos,

foram introduzidos e tratados por uma licenciada em sociologia com recurso ao

SPSS129. A informação obtida por via deste processo e que adiante se exporá, viria a ser

comparada na tentativa de estabelecer correlações que fossem ao encontro dos

indicadores pré-definidos e das questões levantadas.

127 Aqueles cujos estabelecimentos foram alvo de furto e aqueles, cujos estabelecimentos não foram alvos de furto. 128 Os inquéritos foram aplicados entre 15 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 2007, por uma equipa de quatro pessoas integradas num programa de ocupação de jovens da Câmara Municipal de Elvas, coordenada por uma socióloga daquela edilidade. 129 Programa informático para tratamento de dados estatísticos (Statistical Package for the Social Sciences)

76

CCAAPPÍÍTTUULLOO 55

Contextualização do Universo em Estudo

5.1 Enquadramento geográfico

O concelho de Elvas situa-se na região do Nordeste Alentejano, junto à fronteira

com a região espanhola da Extremadura. Pertence ao distrito de Portalegre e é

circundado de norte a noroeste pelos concelhos de Campo Maior, Arronches e

Monforte, a sul por Borba, Vila Viçosa e Alandroal (Distrito de Évora) e a leste por

Espanha.

Fig. 3: Fig. 4:

A área total do concelho de Elvas é de 631,768 km², compondo-se de 11

freguesias. Sete dessas freguesias são eminentemente rurais130 e quatro compõem o

perímetro urbano da cidade131.

130 Barbacena, St.ª Eulália, S. Brás e S. Lourenço, S. Vicente, Terrugem, Vila Boim e Vila Fernando 131 Ajuda, Salvador e St.º Ildefonso, Alcáçova, Assunção e Caia e S. Pedro

77

A cidade de Elvas constitui o principal aglomerado do concelho, ocupando um

perímetro aproximado de 50 Hectares, perto da antiga fronteira com Espanha, tendo a

cerca de 12 Km a cidade espanhola de Badajoz.

5.2 Enquadramento histórico, funcional e económico

Encontra-se frequentemente uma relação directa entre a localização de uma cidade

e a razão da sua existência. A urbe é um sistema onde o local, as gentes e as actividades

se fundem, gerando a concentração populacional, criando as edificações apropriadas ao

acolhimento de pessoas e às actividades por elas desenvolvidas, evoluindo condicionada

por uma função primordial que lhe dá origem e pelos fluxos transformadores de gentes

que a povoam.

Como refere Teresa Salgueiro (1999), lembrando um conceito edificado pela

geografia francesa clássica, a escolha do local mais apropriado à construção de uma

cidade é determinada pelos imperativos da sua criação. 132

As colinas sobranceiras a uma planície fértil e bem irrigada no local onde hoje se

encontra a cidade de Elvas, viabilizaram a instalação e o desenvolvimento de

aglomerações humanas que cresceram e ganharam importância relativa nesta zona da

península ibérica. Essas mesmas características proporcionariam também, em vários

momentos históricos, a implantação sólida e segura de fortificações e contingentes

bélicos munidos de reservas alimentares produzidas localmente.

O estabelecimento da nacionalidade e a criação das fronteiras do território criaram

uma vocação para Elvas; a vigilância e defesa da fronteira do território tornaram-se a

função da cidade.

132 Salgueiro, T. (1999:123)

78

Quadro n.º 2: Dados demográficos do Concelho de Elvas por freguesia

CONCELHO DE ELVAS POR FREGUESIAS (no ano de 2005)

Freguesias Área (Km²) População Residente Tipo

Alcáçova 9,2 2305

Ajuda, Salvador e St.º Ildefonso 91,1 1494

Assunção 8,0 7927

Caia e S. Pedro 94,3 3779

NÚCLEO

URBANO

(Elvas - Cidade)

S. Brás e S. Lourenço 51,7 1946

St. ª Eulália 95,65 1334

Barbacena 31,16 777

S. Vicente 101,05 808

Terrugem 72,7 1307

Vila Boim 25,6 1331

Vila Fernando 51,3 353

ZONAS

EMINENTEMENTE

RURAIS

Total 631,76 23361

Fontes: Instituto Nacional de Estatística – Portugal – Censos 2001 – Resultados Definitivos e Diagnóstico Social do Concelho de Elvas 2005

Assim, quando a base de sustentação económica da povoação era agrícola e sendo

ainda apenas um lugar de passagem sem grande relevância comercial, o que fez de

Elvas um local de tamanha importância foi, quase exclusivamente, a sua localização

fronteiriça de importância estratégica para a defesa militar do território nacional, tendo

sido nesse local que foram criadas no séc. XVIII133 as forças armadas portuguesas,

inexistentes como corpo militar organizado até aquele século.

A função estratégica defensiva da cidade esvaziou-se em três momentos

identificáveis. Um primeiro, quando foi definitivamente afastado o perigo de invasão;

133 A este propósito veja-se o papel do Conde Lippe, soberano de Schaumbourg e marechal general do exército português.

79

um segundo, com o fim da Guerra colonial e um terceiro, nos primeiros anos do séc.

XXI, com a reestruturação dos serviços da administração central do Estado.

No caso de Elvas, a extinção da sua função primordial e a consequente retirada de

militares que constituíam o suporte humano e económico do tecido urbano, tornou

evidente a condição periférica da cidade relativamente aos centros de decisão,

afastando-a ainda das rotas comerciais que outrora lhe haviam garantido alguma

importância.134

Tendo-se suportado grandemente na presença de grupos de militares em constante

renovação e, deparando-se com a extinção dessa situação privilegiada, a cidade viu-se

confrontada com roturas na sua economia urbana e local, pouco diversificada, sem uma

verdadeira especialidade e vocacionada para mercados muito particulares (os militares e

os espanhóis). A cidade começou a sentir o peso da interioridade, entrando num grupo

periférico caracterizado apenas pela sua condição geográfica. A propósito disto, refere

João Garrinhas:

“Para além do impacto de um novo processo de desmilitarização, iniciado na década de 70, como

cidade fronteiriça, Elvas sofreu a partir dos meados dos anos 80, o embate da integração europeia e de

todas as reestruturações económicas, políticas e institucionais, que directa ou directamente, a ela estão

associadas, desaparecendo muitos dos factores que serviram de base, durante décadas, à estruturação de

um território de fronteira.”135

134 O declínio da função defensiva das localidades fronteiriças fortificadas “e a localização periférica destes lugares, face ao centro principal de desenvolvimento do país, explicam que as suas regiões tenham sido áreas de emigração e que, por isso, as cidades tenham permanecido estagnadas ou conhecido um crescimento populacional moderado durante muito tempo” (Salgueiro, T. 1999:124) 135 Garrinhas, J. (2001:326)

80

O princípio dos anos 90 do séc. XX, viria a trazer com essa integração europeia e

com a supressão das fronteiras internas do chamado espaço Schengen, novas e

profundas transformações na existência de Elvas.

Esta nova fase da história recente da cidade foi documentada directamente pelos

órgãos de comunicação social locais, que relataram em discurso directo o fim de uma

era e o início de um novo conjunto de preocupações e problemas136, compassados ao

ritmo das necessidades avassaladoras da Pan-Europa e da globalização.

A existência de Badajoz como cidade mais próxima foi determinante para a

definição dos percursos de desenvolvimento de Elvas, uma vez que aquela cidade é,

ainda hoje, a mais influente de todas as que lhe estão próximas.

Badajoz, foi sempre motor de mudança, factor de dinamismo da sua vizinha

portuguesa. Quer exercendo voluntariamente pressões negativas no período em que era

assumidamente um baluarte avançado de um inimigo, ou involuntariamente durante a

guerra civil espanhola, quer exercendo pressões positivas como na constituição de uma

clientela preferencial do comércio tradicional elvense; a sua presença e relação com a

sua congénere e convigilante foram determinantes em todos os avanços e recuos sociais,

económicos, estratégicos e militares.

Sanchez Marroyo (2001) refere que a fronteira separadora de territórios e

definidora de países, é “tanto de encontro como de refúgio”. Junto à fronteira sempre se

encontraram colectivos sociais que comungavam experiências humanas comuns (de

afectos e proximidades), sendo que este acontecimento ultrapassava as limitações legais

136 Um dos primeiros sinais foi a deslocação de 250 funcionários alfandegários residentes no concelho de Elvas, por via da preparação da liberalização das fronteiras decorrente da aplicação do Acordo de Schengen. O «Linhas de Elvas», semanário da cidade, questionou o futuro económico das famílias, mas também da cidade de Elvas, que se suportaria em parte nas transacções proporcionadas por estes consumidores. Vd. Carvalho, M. in «Linhas de Elvas», ano XLV, n.º 2271, 28 Out. 1994, p.7

81

impostas pela linha artificial separadora de delimitações administrativas

independentes.137

O grau de permeabilidade e a acessibilidade da fronteira sempre estiveram

historicamente condicionados por diversos factores, dos quais destaca as metamorfoses

e convulsões políticas de cada momento e aos quais acrescentamos as suas resultantes

económicas. Terão sido esses desenvolvimentos políticos que determinaram o sentido

de fluxos humanos entre os Estados que partilhavam a fronteira, provocando com isso

semelhanças nos seus percursos políticos contemporâneos, ainda que em ritmos

distintos.138

Enquanto persistiu a delimitação política e administrativa, o contrabando

constituiu uma actividade lucrativa que permitiria rendimentos a uma parte da

população de ambos os lados da fronteira, sobretudo em épocas de maiores dificuldades

materiais139.

Porém, foi a protecção dada pela fronteira que permitiu criar na existência de

diferenças, oportunidades locais para o florescimento de determinadas actividades

económicas, tendo em vista a clientela de além.

O comércio tradicional de Elvas140 que havia surgido após o início do séc. XIX,

quando a cidade deixa de ser um centro administrativo régio, reforça-se entre meados

dos anos 70 e durante os anos 80 do séc. XX, apostando em fornecer produtos aos

consumidores espanhóis.

O fim das fronteiras terrestres entre os países europeus subscritores do Acordo de

Schengen, veio a forçar a interpenetração dos mercados, numa competição directa de

137 Sanchez Marroyo, F. (2001:159) 138 Idem, pp. 159 e 160 139 Ibidem, pp. 164 e 165

82

interesses económicos. Esta nova realidade, trouxe sérios impactos no sector primário,

decrescendo substancialmente a população dedicada às actividades agrícolas, sobretudo

devido às reformas da Política Agrícola Comum. A supressão das fronteiras políticas e

o estabelecimento da livre circulação de mercadorias e pessoas na União Europeia, após

a assinatura do acordo de Schengen, eliminou através de vários motivos concorrentes, a

origem das vantagens proporcionadas pelos comerciantes do lado português.

Por outro lado, em Espanha assistiu-se a uma redução do consumo privado, o que,

aliado à alteração dos modelos de oferta comercial, nomeadamente com a construção de

grandes superfícies comerciais em Badajoz, veio a atingir o mercado elvense o qual, não

estando preparado para a mudança e não se tendo conseguido adaptar à nova realidade

competitiva, entrou numa nova crise.

A este mesmo aspecto alude Garrinhas (2001) ao afirmar que “a abertura de

grandes superfícies comerciais em Badajoz, a saturação de um modelo comercial com

graves deficiências estruturais e extremamente vulnerável a efeitos conjunturais, são

factores que contribuíram para a crise da economia elvense.”141

Também com a integração europeia, o espaço outrora “micro” passou a

confrontar-se com as dimensões “macro” de uma Europa sem fronteiras.

Paralelamente, a supressão de fronteiras representou a abertura a uma

competitividade directa entre os vários agentes económicos, independentemente da

nacionalidade, na qual a fronteira deixou de representar uma protecção; por outro, a

140 A Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Elvas foi inaugurada em 28 de Janeiro de 1894, acto que revela a importância do lugar e das actividades aí desenvolvidas, o nível de esclarecimento e o envolvimento social e associativo dos seus habitantes. 141 Garrinhas, J. (2001:329)

83

construção de novas vias de comunicação, revelou ser prioritário ligar os grandes

centros de decisão e produção e não necessariamente promover as economias locais.142

Indiscutivelmente, a supressão das fronteiras beneficiou economicamente o lado

Espanhol, mais bem preparado para o embate da competição, bem fornecido de

infraestruturas básicas e com um desenvolvimento económico bastante mais sustentado

e estruturado.

A cidade de Badajoz, a cerca de 12 Km do centro de Elvas, assumiu claramente a

sua importância, colocando Elvas na sua zona de influência, vindo a apresentar índices

de crescimento elevados, tanto ao nível económico, como demográfico.143

Resulta claro que Badajoz é o polo de atracção demográfico e económico da

região e que a sua influência sobre Elvas é superior a qualquer outra cidade, portuguesa.

Elvas, por seu turno, toma para si o papel de substrato. É um local de

características pouco comuns que se encontra no ponto de cruzamento de influências de

diversa ordem, deixada à margem de um desenvolvimento que parecia certo, não tivesse

passado ele pela auto-estrada a caminho de Madrid.

5.3 Enquadramento Sócio-Demográfico

A maior parte da população do concelho de Elvas concentra-se no conjunto de

freguesias que compõem o núcleo urbano da sede do concelho.

Como já plasmado, a população da cidade de Elvas de acordo com os Census

2001, situava-se nos 15505 habitantes. Segundo a análise feita pelo Diagnóstico Social

142 Um exemplo paradigmático disto encontra-se na construção da auto-estrada Lisboa–Madrid que, como bem refere o Diagnóstico Social do Concelho de Elvas de 2005, “circunda o exterior da cidade”, não se destinando propriamente a servi-la.

84

do Concelho de Elvas, “O povoamento no território concelhio, nos últimos anos, tem

acompanhando o sentido negativo da variação da densidade populacional dos concelhos

limítrofes […]. Embora com valores intermédios (-6,7%), comparativamente com

concelhos que têm visto a sua população por km² decrescer bastante, como é o caso de

Monforte, Alandroal e Arronches, o município de Elvas mantém-se com uma variação

inferior à verificada na região do Alto Alentejo (-8,8%).”144

Conforme corrobora o mesmo Diagnóstico, a década de 70 do séc. XX foi

caracterizada por um crescimento demográfico, porém, após esse período e sobretudo

nas duas décadas que se lhe seguiram, o concelho de Elvas e todo o Alto Alentejo

declinaram esse crescimento. São apontadas como razões mais frequentes os

movimentos migratórios internos, por um lado, e a tendência europeia para o

envelhecimento populacional, por outro.

A conjugação destes dois factores, aos quais também não é alheia a

desqualificação urbana proporcionada pela supressão de fronteiras e a retirada de

serviços essenciais à manutenção da coesão e qualidade de vida citadina, abre caminho

para um forte ciclo vicioso, em que a falta de atractivos proporciona a saída de pessoas

e valências importantes que, por sua vez, faz com que os investimentos não sejam

vocacionados para o local.

Assim, a ausência de população jovem procurando novas oportunidades e a

permanência de uma população idosa crescente, agrava as taxas de envelhecimento da

população145.

143 Entre 1992 e 2002 a população de Badajoz aumentou de cerca de 121.000 para 137.000 habitantes (um crescimento de cerca de 13,4%), enquanto que Elvas reduziu de cerca de 24.000 para 23.000 habitantes (menos 4,2%), denotando envelhecimento e elevada dependência dos dispositivos de Segurança Social. 144 Diagnóstico Social do Concelho de Elvas (2006:27)

85

Quadro n.º 3: Quadro comparativo da densidade populacional entre concelhos do Alto Alentejo

Densidade populacional 1991 – 2002 Zona geográfica 1991 2002 Tx. Variação

Portugal 107,3 hab / km² 113,2 hab / km² 5,5%

Alto Alentejo 21,7 hab / km² 19,8 hab / km² -8,8%

Elvas 38,7 hab / km² 36,1 hab / km² -6,7%

Campo Maior 34.6 hab / km² 33.6 hab / km² -2,9%

Arronches 11,7 hab / km² 10.5 hab / km² -10,2%

Monforte 9,0 hab / km² 7.8 hab / km² -13,3%

Borba 56,9 hab / km² 52.3 hab / km² -8,1%

Vila Viçosa 46,5 hab / km² 45.0 hab / km² -3,2%

Alandroal 13,5 hab / km² 11.8 hab / km² -12,6%

Fonte: Instituto Nacional de Estatística – Portugal – Censos 1991 – Resultados Definitivos e Anuário Estatístico da Região Alentejo 2003

Estes factores preocupantes, influenciaram as políticas de segurança locais,

obrigando a uma adequação dos meios à população servida. Na verdade, o

envelhecimento da população no concelho de Elvas durante o ano de 2002, atingiu

131,6%, o que significa dizer que, por cada 131 idosos residentes, existem 100 jovens.

145 Apesar de tudo, o Diagnóstico Social do Concelho revela que “Elvas é um dos concelhos do Alentejo com maior percentagem de jovens residentes” e o “terceiro município alentejano com menor índice de envelhecimento, apenas superado por Évora (129,6%) e Sines (102,8%)” p. 33.

86

87

IIII PPAARRTTEE

EEXXPPOOSSIIÇÇÃÃOO EE AANNÁÁLLIISSEE DDEE RREESSUULLTTAADDOOSS

88

89

CCAAPPÍÍTTUULLOO 11

Crime contra o património registado pela PSP de Elvas

À semelhança do que acontece noutras comunidades, em Elvas o grupo dos

crimes contra o património é aquele que tem maior expressão.

Todavia, nenhuma das variações anuais registadas nos últimos anos, sejam

tendencialmente de subida ou de descida, são muito significativas ou abruptas.

Quadro n.º 4: Crimes registados na Secção da PSP de Elvas entre 1998 – 2006

Crimes contra

as pessoas Crimes contra o património

Crimes contra a vida em sociedade

Crimes contra a paz e

humanidade &

Crimes contra a identidade

cultural e integridade

pessoal

Crimes contra o Estado

Crimes previstos em

legislação avulsa

Totais

1998 187 286 31 0 3 52 559

1999 180 361 37 0 5 52 635

2000 205 264 31 0 13 76 589

2001 212 327 23 0 8 85 655

2002 201 362 33 0 11 90 697

2003 200 349 54 0 14 73 690

2004 204 353 52 0 14 77 700

2005 158 386 46 0 12 45 647

2006 216 262 34 0 10 55 577

Fonte: DN/PSP

Como se pode verificar pela leitura do quadro 4, os crimes contra o património

denunciados146 são sempre os que atingem os valores mais altos secundados pelo grupo

dos crimes contra as pessoas. Esta tendência é transversal e já foi verificada noutros

estudos feitos em Portugal.147

146 Em 1998 foram contabilizadas 24 ocorrências de “Receptação e Auxílio Material”, conduta que nunca antes ou depois desse ano havia sido referenciada. Apesar de, no quadro n.º 6, essas ocorrências constarem incluídas na coluna relativa aos “Crimes contra o património”, as mesmas foram suprimidas dos quadros seguintes explicando-se, assim, a diferença entre os totais apresentados nesses mesmos quadros. 147 Ferreira, E. (1998); Lourenço, N. e Lisboa, M. (1998).

90

Gráfico n.º 1: Crimes registados pela PSP de Elvas entre 1998 e 2006

Fonte: DN/PSP

Percebe-se ainda que, no total dos dados anuais disponíveis (1998-2006) houve

um pico na criminalidade geral registada em 2004 (finalizando um triénio 2002-2004

com maior número de registos), muito embora tenha sido em 2005 que o crime contra o

património revelou maior tendência para o aumento.

Na generalidade dos crimes registados pelas autoridades policiais, a amplitude

detectada entre o valor mais baixo (1998) e o mais alto (2004) é de 141 registos.

Quanto aos crimes contra o património as variações são igualmente ligeiras, uma

vez que entre o valor mais baixo (1996) e o mais alto (2005) encontram-se 144 registos.

As variações de maior impacto ocorrem entre 1998 e 1999 com mais 99 registos, 1999

para 2000 com menos 97 registos e entre 2005 e 2006 com menos 124 crimes, sendo as

variações negativas, por norma, reportáveis à detenção de suspeitos pela prática desses

crimes.

91

Quadro n.º 5: Crimes contra o património registados na Secção da PSP de Elvas entre 1996 – 2006

2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 Totais

TIPO DE CRIME

Furto e tráfico de obras de arte 0 0 0 0 1 1 0 1 0 0 0 3

Furto / Roubo por esticão 6 6 8 7 6 5 2 7 1 2 1 51

Furto de veículo motorizado 23 22 30 31 20 30 20 35 26 21 17 275

Furto em veículo motorizado 56 91 113 107 107 69 53 71 59 48 57 831

Furto em residência c/arrombamento, escalamento ou chave falsa

11 18 26 29 23 16 28 25 19 8 16 219

Furto em edifício comercial ou industrial c/arrombamento, escalamento ou chave falsa

26 68 21 23 21 14 20 28 15 32 25 293

Furto em estabelecimento de ensino c/arrombamento, escalamento ou chave falsa

5 5 3 2 1 1 1 0 0 2 1 21

Furto em outros edifícios c/arrombamento, escalamento ou chave falsa

6 14 9 7 9 26 8 9 8 11 7 114

Furto por carteirista 17 5 6 4 17 17 9 11 7 7 12 112

Furto em supermercado 0 4 0 0 0 0 0 1 1 6 8 20

Outros furtos 38 51 49 50 57 57 47 64 46 55 50 564

Roubo na via pública (excepto esticão) 19 20 22 26 26 21 14 8 3 2 4 165

Outros roubos 3 2 3 2 5 2 1 0 0 0 0 18

Outros danos 37 62 53 50 59 48 51 82 67 58 37 604

Abuso de confiança 5 6 3 4 2 6 3 6 9 0 0 44

Outros crimes contra a propriedade 3 3 0 0 0 0 0 2 0 0 0 8

Burla com fraude bancária 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2

Burla relativa a seguros 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 2

Burla p/ obtenção de alimentos, bebidas ou serviços

0 1 2 1 1 4 1 2 1 0 0 13

Burla informática ou nas comunicações 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1

Outras burlas 1 6 4 4 7 9 5 9 0 13 7 65

Abuso de cartão de garantia ou crédito 3 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 5

Outros crimes contra o património 0 0 1 1 0 1 0 0 0 0 0 3

Totais 262 386 353 349 362 327 264 361 262 265 242 3433

Fontes: DN/PSP e Secção Policial de Elvas

No caso particular dos crimes de furto em edifício comercial ou industrial com

arrombamento, escalamento ou chave falsa, que passaremos a designar simplesmente

como furtos no interior de estabelecimento, verifica-se que o desenvolvimento dos

mesmos acompanhou de certa forma, as tendências dos restantes crimes contra o

património.

Todavia, apesar da sua percentagem ser estável em quase todo o decénio

compreendido entre 1996 e 2006, nota-se um ligeiro aumento do seu volume de 9% em

92

1996 para os 11% em 1997 e um aumento abrupto dos 6% em 2004 para os 15% em

2005.

Gráfico n.º 2: Crimes contra o património registados pela PSP de Elvas entre 1996 e 2006

Fontes: DN/PSP e Secção Policial de Elvas

Se relativamente ao primeiro período em referência, não se notou um reflexo

grande ao nível dos discursos da comunicação social, no ano de 2005, a conjugação dos

discursos com a realidade estatística dos registos policiais foi notória.

A variação destes registos foi claramente acompanhada pelo aumento de notícias

na comunicação social que se referiam a este assunto, facto que revela a proximidade

entre a população, a notícia e a realidade criminal. No caso de Elvas e deste fenómeno

em particular, poder-se-á afirmar que o reporte da comunicação social e a percepção dos

cidadãos não é dissonante com a estatística criminal, uma vez que foi efectivamente em

2005 que o furto no interior de estabelecimento atingiu valores mais altos nas

estatísticas policiais.

93

No geral, no decénio compreendido entre 1996 e 2006, a percentagem relativa de

furtos no interior de estabelecimento rondou os 9%, não sendo, de todo, o crime mais

expressivo deste grupo. Aí evidenciaram-se especialmente, as ocorrências de furtos no

interior de viaturas e danos, para além de categorias residuais, como sejam, “outros

furtos”.148

Gráfico n.º 3: Furtos registados em edifícios comerciais ou industriais com arrombamento, escalamento ou chave falsa em Elvas 1996 – 2006

Fontes: DN/PSP e Secção Policial de Elvas

Quadro n.º 6: Comparação da percentagem de incidência do furto no interior de estabelecimento entre todos os crimes

contra o património em Elvas entre 1996 e 2006 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Furto no interior de estabelecimento 25 32 15 28 20 14 21 23 21 68 26 Crimes contra o património registados 242 265 262 361 264 327 362 349 353 386 262 Percentagem encontrada 9% 11% 5% 7% 7% 4% 5% 6% 6% 15% 9%

Fontes: DN/PSP e Secção Policial de Elvas

148 O elevado volume de furtos no interior de viatura pode explicar-se pelo aumento do parque automóvel, pela degradação pessoal nos casos de toxicodependência em que o agente deixa de poder suportar economicamente o consumo recorrendo apenas a meios lícitos e naturalmente, pela oportunidade fácil de praticar um furto de forma rápida e relativamente segura, muito embora com ganhos habitualmente medíocres.

94

O registo de ocorrências de dano, apesar de também surgirem sem outra razão de

fundo que não seja causar prejuízo patrimonial a outrem, prende-se muitas vezes com a

prática falhada do furto, quer pela constatação de inexistência de bem a furtar após

inicio da operação, quer pela desistência motivada pela necessidade de fuga.

Este fenómeno ocorre frequentemente com furtos no interior de estabelecimentos

comerciais, contribuindo para o avultar de queixas por dano, mas também para um

elevado número de participações simples sem intenção de prossecução criminal.

Paralelamente, a tentativa não concretizada do furto resultando apenas em danos,

comporta prejuízos que desmotivam a apresentação de queixa-crime por parte dos

lesados, contribuindo para a existência de crimes sem registo policial.

Gráfico n.º 4: Evolução do crime contra o património e dos furtos no interior de estabelecimento em Elvas no decénio 1996-2006

Fontes: DN/PSP e Secção Policial de Elvas

95

Gráfico n.º 5: Percentagens do crime contra o património registado pela PSP de Elvas entre 1996 e 2006

Fontes: DN/PSP e Secção da PSP de Elvas

96

CCAAPPÍÍTTUULLOO 22

Os Discursos da Insegurança e a Criminalidade na Imprensa escrita

2.1 Incidência dos discursos da criminalidade e da insegurança no Jornal Linhas de Elvas

entre 1994 e 2006

A comunicação social reproduz, por um lado, os discursos populares (e, bem assim, das

representações que lhes estão relacionadas) e, por outro, difunde as ideias de indivíduos e grupos

que influenciam as construções e opiniões dos restantes.

A criminalidade e a insegurança, são temas que, pelas suas características encontram quase

sempre lugar nas páginas dos jornais, na difusão rádio jornalística e na televisão. Qualquer notícia

chocante ou facto anómalo atrai a curiosidade e desperta a necessidade de saber.

Feita uma análise retrospectiva de um decénio de publicações do jornal semanário “Linhas de

Elvas” (LE) (os que melhor ilustram os discursos e sensibilidades jornalísticas e populares ao longo

desse tempo), procurou perceber-se quais as tendências quantitativas e qualitativas do reporte de

factos de natureza criminal ou análogos e, dentro desses, quais aqueles que se relacionavam com o

crime contra o património.

Como já anteriormente referido, optou-se por fazer a recolha atendendo a uma quádrupla

distinção: (1) as referências de primeira página; (2) as notícias no interior do jornal; (3) os

editoriais, as crónicas e as cartas; (4) e as pequenas entrevistas de tipo “sondagem temática”.

No que diz respeito aos títulos de primeira página relacionados com a criminalidade e

insegurança, observa-se que no período entre 1994 e 2006, os aumentos mais significativos ocorrem

entre 1996 e 1997 (uma subida em 18 ocorrências relativamente ao ano anterior), entre 1998 e 1999

(uma subida em 16 ocorrências), e uma subida gradual até 2001, seguindo-se um período de

variações pouco expressivas com tendência para o recrudescimento.

97

No que diz respeito apenas ao crime contra o património, verifica-se que os anos de 1997, o

biénio 2000 / 2001, o ano de 2003 e o ano de 2005, são aqueles em que as opções editoriais mais

frequentemente levaram à primeira página do LE tais referências.

Gráfico n.º 6 – Crimes na 1.ª Página do «Linhas de Elvas» 1994 - 2006

Fonte: Análise de conteúdo ao semanário Linhas de Elvas 1994-2006

Quadro n.º 7 – Crimes na 1.ª Página do «Linhas de Elvas» 1994 - 2006

Crimes na 1.ª Página do «Linhas de Elvas» 1994 - 2006

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 TOTAIS

Todas 16 15 10 28 19 35 47 51 48 47 43 49 36 444 C/Património 2 2 3 10 5 5 10 10 7 11 3 14 9 100

Na totalidade dos anos contabilizados (1994 a 2006), observa-se que 22,5% das referências de

primeira página aos temas da insegurança e criminalidade são relativas ao crime contra o

património (100 de 444 ocorrências), não aparentando haver uma relação directa na incidência de

títulos de primeira página relativos à criminalidade geral e ao crime contra o património. Porém,

ressalta a impressão de que é em 2001 e, posteriormente, em 2005, que o volume das chamadas de

primeira página é maior, evidenciando-se o ano de 2005, como sendo aquele em que a notícia sobre

o crime contra o património foi mais vezes utilizada como chamariz (28,5 % das chamadas de

primeira página). Este facto poder-se-á relacionar com a exploração mediática de uma série de

98

furtos em estabelecimentos comerciais ocorridos nesse mesmo ano, condizendo com as estatísticas

policiais.

Para ilustrar melhor o impacto, poder-se-á referir que o crime e a insegurança apareceram em

média na primeira página do “LE” uma vez por cada edição de 2001 (51 edições por ano / 51

referências = 1); sendo que o crime contra o património surgiu na primeira página, em média, uma

vez em cada cinco edições.

Em 2005 a criminalidade e insegurança foram ligeiramente menos utilizadas na primeira

página, mas o crime contra o património passou a surgir uma vez, em cada quatro (3,6) edições,

fruto sobretudo, do pior momento na ocorrência de furtos na cidade confirmado pelas estatísticas

policiais.

No que diz respeito às notícias propriamente ditas, verifica-se que o ano de 1996 é aquele em

que, independentemente do conteúdo das primeiras páginas, surgiram mais referências ao crime

contra o património.

Verifica-se ainda que na generalidade e em todo o período em observação, 37,5% das notícias

e reportagens relativas aos temas da insegurança e criminalidade são sobre o crime contra o

património (696 de 1855 ocorrências).

Quadro n.º 8 – Crimes nas notícias do «Linhas de Elvas» 1994 - 2006

Notícias do «Linhas de Elvas»

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Totais

Todas 59 128 159 95 108 121 146 137 133 167 171 239 192 1855

C/Património 2 74 123 50 60 63 70 35 27 48 32 67 45 696

A tendência demonstrada para realçar o crime contra o património nas primeiras páginas em

2005, observa-se igualmente nas notícias existentes no interior do jornal. O crime contra o

património atingiu 28% da totalidade das notícias, percentagem próxima das referências feitas em

primeira página nesse mesmo ano.

99

Gráfico n.º 7 – Crimes nas notícias do «Linhas de Elvas» 1994 – 2006

Fonte: Análise de conteúdo ao semanário Linhas de Elvas 1994-2006

Na realidade é o ano de 1996, que apresenta a mais elevada incidência de notícias relativas ao

crime contra o património, contando-se em 77,3 % (123 de 159) do total das notícias relativas á

temática da criminalidade e insegurança.

Conforme o momento e as informações mais relevantes, o LE publicava pequenas entrevistas

/ sondagens temáticas de rua. O tema da insegurança e da criminalidade não foi esquecido nos

momentos em que o assunto renascia, pelas notícias de ocorrências policiais, pelos protestos

populares contra a criminalidade ou pelas posições políticas assumidas em relação a essa temática.

Também as crónicas demonstraram tendência para reaparecer sempre que tais circunstâncias

se verificavam.

Essa tendência veio a ser mais evidente a partir do ano 2000, sendo que a insegurança e a

criminalidade deixaria de ser conotada como assunto estranho ao contexto regional alentejano e,

mais particularmente, elvense, para passar a integrar normalmente o conjunto de conteúdos dos

discursos públicos.

100

Gráfico n.º 8 – Crimes nas Crónicas e Sondagens de rua relativas do «Linhas de Elvas» 1994 - 2006

Fonte: Análise de conteúdo ao semanário Linhas de Elvas 1994-2006

Quadro n.º 9 – Crimes nas Crónicas e Sondagens de rua relativas do «Linhas de Elvas» 1994 – 2006

Crónicas e Sondagens de rua relativas à Insegurança e Crime no «Linhas de Elvas»

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Crónicas 7 7 6 3 1 6 4 2 2 1 7 4

Sondagens 1 4 3 3 1 2 5 1

As sondagens e crónicas acompanharam as tendências das análises anteriores, havendo neste

caso de atender a três momentos de alta, a saber, 1994 aquando das grandes discussões sobre a

toxicodependência, 2000 – 2001 onde se destaca uma subida das preocupações com os bairros de

barracas, agressões a agentes de autoridade e o desaparecimento dos guardas-nocturnos e 2005 de

forma isolada e bastante significativa, sobretudo, por referência aos furtos no interior de

estabelecimentos e outros crimes contra o património.

101

2.2 Conteúdos discursivos no Jornal Linhas de Elvas entre 1994 e 2006

Ao nível dos discursos, verificam-se igualmente alguns aspectos de interesse, nomeadamente,

o gradual desaparecimento do discurso da pacatez dos lugares, da raridade perturbadora das

ocorrências criminais e a noção de estagnação social e económica da cidade.

No dia 31 de Dezembro de 1993, o Semanário “LE” fechou o ano numa retrospectiva das

notícias mais marcantes desse ano. Referindo-se à criminalidade e às incivilidades com

preocupação e sentido crítico, transparece da leitura da referida retrospectiva, que a actuação das

autoridades policiais foi durante o ano em foco, inadequada em relação às necessidades e

expectativas do público. A prostituição, tráfico e consumo de droga e a ocorrência de furtos no

interior de viaturas, foram os comportamentos apontados como sendo mais frequentes e opressivos,

notando-se um sentimento generalizado de frustração relativamente ao progresso da cidade, que se

cristalizara nas palavras de abertura da peça, dizendo: “Ao contrário de tudo resto em Elvas, a

criminalidade desenvolve-se”149.

No seguimento daquela tendência, a primeira página da edição de 4 de Fevereiro de 1994 do

“LE”, surgia com o título “Homicídio”, introduzindo a peça da seguinte forma: “A aldeia de Pias no

concelho de Serpa, viveu esta semana uma noite de violência com tentativa de homicídio de uma

mulher. É a agitação do crime que chega à calma planície alentejana”150. Esta notícia, não se

referindo a particularmente a Elvas, tem relevo por chamar a atenção para a atipicidade do crime

relativamente a um meio habitualmente idealizado pela sua pacatez, pouco dado a acontecimentos

violentos. Este discurso invoca ainda um meio social que observa com espanto a ocorrência do

149 “Ó da guarda” in «Linhas de Elvas», ano XLIV, n.º 2229, 31 Dez 1993, p. 17 150 A notícia, desenvolvida na página 16 (a última) e cujo título passa a ser “Tentativa de homicídio em Pias” (e já não “homicídio”), refere que um jovem de 27 anos com perturbações mentais teria atacado com um machado, uma mulher de 34, a qual já vinha assediando sexualmente havia algum tempo, causando-lhe ferimentos graves mas não a matando. No contexto situacional e, tendo em consideração o móbil e as condicionantes particulares do seu agente, o crime em causa não seria mais susceptível de se verificar na planície alentejana do que em qualquer outro sítio, ou seja, as condições do lugar não terão influído no tipo, no método ou no móbil do delito. No caso, a generalização foi uma figura de estilo que anunciou uma mudança que estava efectivamente a acontecer, mas para a qual ainda não existia um

102

crime, como se de um fenómeno importado das grandes cidades se tratasse. Com o tempo e a

alteração das características do meio e, consequentemente, da criminalidade, observar-se-á uma

tendência para a perda do referido discurso, ou melhor, para a invocação das características de

“pequeno meio social e urbano” por referência ao passado.

Apoiando esta afirmação, regista-se que a 11 de Março de 1994, a edição do “LE” abre

novamente com o título “Ó da Guarda” na primeira página. A edição vem repleta de referências à

insegurança: “Decididamente a cidade de Elvas já começa a ser uma grande metrópole europeia”,

introduz o repórter, alegando que essa categoria fora conquistada por tudo quanto se pode encontrar

de negativo em grandes cidades.151.

Neste prisma, uma das notícias mais emblemáticas desta fase da comunicação social de Elvas,

aparece na página nove da edição n.º 2242 de 01 de Abril de 1994. Noticia-se a morte de dois

jovens consumidores de droga elvenses, o que, viria a contribuir para o surgimento de um

movimento social que exigia mais e melhor segurança.

Na primeira página, escreve-se:

“Em menos de duas semanas, a cidade de Elvas foi sacudida pela notícia do falecimento de dois jovens,

vitimados pela droga. Maria de Lurdes Fanico, de 28 anos de idade, e Nuno Gonçalo Ramos, de 23, deixaram-nos numa

altura em que, porventura, ainda tinham o “sonho de viver” bem presente. O “Linhas” conta-lhe como foram as últimas

horas de vida do Nuno Ramos, para que ninguém fique alheio à terrível realidade que nos rodeia”152

O desenvolvimento da notícia identifica, inequivocamente, os dois cidadãos, apresentando

fotografias de ambos, algo que seria difícil de encontrar com tanta precisão num órgão de

comunicação social de dimensão nacional. Este factor de proximidade, dir-se-ia mesmo, de plena

familiaridade com as personagens da notícia, traduz-se numa maior intensidade emotiva junto dos

leitores e cidadãos elvenses. A realidade do consumo e tráfico de drogas, do crime que

exemplo suficientemente bom para se tornar notícia: “Homicídio” in «Linhas de Elvas», ano XLIV, 2233 (por erro de impressão pois o n.º correcto seria 2234), 04 Fev. 1994, pp. 1 e 16. 151 “Ó da guarda” in «Linhas de Elvas», ano XLIV, n.º 2239, 11 Mar 1994, pp. 1 e 11: O pretexto da notícia é uma casa abandonada que serviria de coito de consumidores de drogas, referindo à margem que a Brigada Fiscal da GNR havia,

103

eventualmente lhe possa estar associado e do resultado degradante do consumo tem aqui, um

enfoque dificilmente imaginável em meios de maior dimensão onde a coesão social é mais diluída.

A emergência de agitação social em torno da “insegurança” suscita, quase de imediato, a

reacção política dos responsáveis autárquicos. Na edição de 22 de Abril de 1994, pode ler-se:

“A autarquia elvense está preocupada com a escalada de violência na cidade, associada à problemática da droga.

Em comunicado datado de Segunda-feira, é referido que a edilidade está já a desenvolver esforços em

colaboração com a Polícia de Segurança Pública para dotar Elvas de um Corpo de Guardas-nocturnos, havendo mesmo

contactos nesse sentido com o Governo Civil de Portalegre.

Simultaneamente, a Câmara irá solicitar ao Ministro da Administração Interna o preenchimento integral do

quadro da PSP, pois a secção local da Polícia debate-se com a falta de 10 unidades.

Além disso, a Câmara irá pedir a intervenção urgente da Polícia Judiciária na cidade, “esperando com estas

medidas banir de Elvas o tráfico de droga e restituir-lhe a legalidade própria de qualquer cidade europeia” – conforme

se diz no último parágrafo deste comunicado.”153

No dia 13 de Maio de 1994 o “LE” apresenta a foto de uma viatura incendiada em primeira

página, ilustrando uma notícia reveladora do que aparenta ser um descontrolo social e policial sobre

o comportamento desviante.

“Na madrugada de ontem, quinta-feira, o vandalismo voltou a fazer acto de presença em pleno centro de Elvas.

Cerca das 4 horas, foi ateado fogo a tábuas que se encontravam na Travessa de Gil Sardinha, para servirem de

andaime a uma obra que ali decorre. Como se calcula, os moradores acordaram apavorados com as chamas junto às

janelas dos seus quartos.

Não contentes, os presumíveis autores da “façanha” dirigiram-se à Rua dos Chilões e repetiram idêntica

operação com um automóvel que ali se encontrava estacionado. A viatura, um Citroën Visa propriedade de Manuel

Caldeira Geraldes, ficou no estado que a imagem documenta.

Em Elvas, o vandalismo chega assim à idade do “fogo”...”154

dias antes da reportagem, detido dois traficantes, apreendendo droga. O cenário negativo é complementado com a notícia da possibilidade de saída da Secção da PSP de Elvas 152 “Droga de Vida” in «Linhas de Elvas», ano XLIV, n.º 2242, 01 Abr. 1994, p. 1 153 Esta intervenção política típica, desenvolve-se de forma cuidadosa e em diversas frentes. Nota-se uma intenção clara do município em definir uma posição dinâmica e capaz, em face dos acontecimentos que perturbam a paz pública. A publicitação de um conjunto de intenções e a construção de um discurso de coesão e colaboração em torno do suporte da actividade policial já existente, por um lado, e a tomada de medidas concretas (como a constituição de um corpo de guardas nocturnos) por outro, anuncia a preocupação da edilidade, mas também o seu potencial reactivo e dirigido às ansiedades da população: “Câmara aprovou regulamento de edificações urbanas... e está preocupada com a violência” in «Linhas de Elvas», ano XLIV, n.º 2245, 22 Abr. 1994, p. 2 154 “Vandalismo - A ferro e fogo” In «Linhas de Elvas», n.º 2248, ano XLI, 13 Mai. 1994, p. 1

104

No dia 20 de Maio de 1994, o processo de acumulação de tensões sociais e políticas locais

atinge o seu auge, com a organização de uma manifestação popular. Esta manifestação, veio a ser

seguida por um canal televisivo nacional que, aproveitando a ocasião realizou uma emissão em

directo, na qual, o Presidente da Câmara e populares reivindicaram do poder central o reforço de

meios policiais para fazer face à insegurança, ao crime e ao vandalismo.155

Foi na edição do dia 27 de Maio desse ano que, de forma quase exclusiva se fez uma alusão

profunda aquela manifestação, a qual foi ainda contaminada com polémicas paralelas que,

entretanto, se haviam gerado e que, lentamente, minariam a objectividade da discussão pública

sobre a insegurança,156 passando a servir apenas as iniciativas e os discursos políticos. 157

Curiosamente, na mesma edição o “LE” apresenta na rubrica “Cantinho da memória” um

esboço da insegurança já sentida 19 anos antes, espelhado numa das suas notícias da época.

O próprio jornal, entendeu fornecer aos seus leitores, num artigo de informação pública não

noticiosa, um conjunto de conselhos práticos, pretendendo dar aos leitores ferramentas para detectar

os sinais típicos do consumo de drogas, revelando a linguagem utilizada entre toxicodependentes e

indicando lugares em Elvas conotados com o fenómeno.158

Paradoxalmente, após esta publicação, segue-se um vazio noticioso sobre a insegurança, a

polémica em torno desta matéria é substituída por outros assuntos como, os meios materiais do

Hospital de Elvas (o que também gerou uma manifestação pública, desta feita com 5 mil

manifestantes – mais 3 mil que aquela feita pela segurança), a possibilidade de alienação comercial

do Forte da Graça e a entrada do Sporting Clube Campomaiorense na 1.ª liga de futebol; gerando-

se, após o pico de conturbação e protestos, um silêncio generalizado relativamente à insegurança

urbana.

155 “Elvenses manifestaram-se hoje para pedir segurança: contra o vandalismo marchar, marchar” in «Linhas de Elvas», ano XLIV, n.º 2249, 20 Mai. 1994, pp. 1 e 20. 156 “O ringue” (rubrica satírica intitulada “De boca aberta”), “Reflexão” (Maria José Rijo), “No pasó nada” (Manuel Carvalho); “Eu e as coisas” (João Góis); Caixas com notas da polémica entre o Presidente da Câmara e a Rádio Elvas; “Assim não, senhor Presidente”; “A droga, a insegurança e a televisão” (João Candeias Garrinhas); “Cantinho da memória” in «Linhas de Elvas», ano XLIV, n.º 2250, 27 Mai. 1994, pp. 1, 7, 8, 12, 13, 17 e 22. 157 “CDU e Segurança” in «Linhas de Elvas», ano XLIV, n.º 2251, 3 Jun. 1994, p. 2.

105

Em Dezembro de 1994, o Presidente da Câmara Municipal de Elvas revela em entrevista ao

“LE”, fazendo um balanço do seu mandato, considerar que as manifestações pela segurança (e pela

manutenção do Hospital de Elvas), obtiveram resultados positivos:

“Eu acho que a cidade beneficiou com ambas as concentrações. A população de Elvas é acanhada e até tinha

medo de reclamar aquilo que merecia por direito próprio. Com as manifestações as pessoas começaram a aperceber-se

que podiam gritar e protestar contra aquilo que estava mal. Só por isso já valeu a pena.

Naquilo que diz respeito à segurança na cidade alguma coisa foi melhorada. Há outra preocupação de vigilância.

O programa Guardas – Nocturnos imediatamente foi lançado e eu só tenho que lamentar que o Comandante Distrital da

PSP leve já quase um ano para admitir os guardas-nocturnos. Mas isso é uma resposta que ele terá de dar a alguém

[...]”159

A convicção pessoal do autarca sobre a uma melhoria da segurança urbana, permite-lhe

relembrar a proposta da edilidade para a constituição de um corpo de Guardas-nocturnos, auxiliar e

complementar da actividade de vigilância policial.

As notícias relativas à actividade policial continuariam sem grande destaque nos meses

seguintes, com excepção de algumas referências a casos pontuais. 160

Contudo, a tónica das apresentações jornalísticas incide invariavelmente na quantidade de

queixas apresentadas (dados fornecidos semanalmente pela própria PSP de Elvas), insistindo no

alarme e continuando a denotar ainda, estranheza em face do fenómeno criminal.

Note-se que, no final dos anos 90 do séc. XX, uma grande parte dos crimes e um grande

volume das queixas se prende com a emissão de cheques sem provisão, delito que viria a ser

descriminalizado em 1997, com evidentes benefícios, tanto estatísticos, como operacionais.

Esse mesmo factor fica evidenciado na leitura atenta da edição de 31 de Março de 1995 do

“LE” onde se encontra o título: “PSP (outra vez) com muita actividade”. Reporta-se como

actividade de uma semana o registo de sete acidentes de viação, a recepção de doze queixas, sendo

158 “Como prevenir... Para não ter que remediar” in «Linhas de Elvas», ano XLIV, n.º 2254, 24 Jun. 1994, p. 9 159 Rondão Almeida, Presidente da Câmara Municipal de Elvas, em entrevista a João Fernando, Manuel Carvalho e Rui Cambóias in «Linhas de Elvas», ano XLV, n.º 2280, 30 Dez. 1994, pp. 1, 16, 17 e 18. 160 Apesar de não ter sido noticiada qualquer outra ocorrência em edições anteriores, encontra-se acompanhado de uma foto, este título curioso: “Na madrugada de segunda-feira, muito perto do centro da cidade: mais um automóvel assaltado” in «Linhas de Elvas», ano XLV, n.º 2288, 24 Fev. 1995, pp. 1 e 9.

106

metade delas por cheques sem provisão e ainda, quatro detenções, uma das quais resultante na

aplicação da medida de coacção de prisão preventiva do suspeito (detido em flagrante delito pela

prática roubo e posse de droga).161 Na mesma edição, a cronista Maria Luísa Moreira, faz alusão à

crise de valores sociais e políticos, à desagregação dos núcleos familiares, às “mentiras

governativas” (sic) e ao desemprego, como factores de promoção de insegurança.162

A noção de que a segurança, é uma condição de bem-estar a proporcionar de forma articulada

pelas diversas estruturas de poder, vem bem espelhada numa crónica de Ventura Trindade, editada

em 28 de Abril de 1995, sob o título “Guardas de Parques, Câmara Municipal e PSP”, onde se pode

ler:

“[....] A Câmara Municipal, como primeira e principal responsável pelo bem-estar da população, quer da

residente, quer também dos visitantes nacionais e estrangeiros que passam pela nossa cidade, tem que assumir,

responsável e urgentemente, uma acção concertada com o Comando da PSP e sanear a situação. Até nem será difícil,

nem haverá que recorrer a soluções complicadas ou mesmo originais. Também não serão necessárias manifestações –

comícios com televisão e tudo...; bastará, por exemplo, seguir medidas já tomadas por outras Câmaras Municipais, em

localidades onde, infelizmente, jovens e também, nalguns casos adultos, nas mesmas circunstâncias das que ocorrem em

Elvas, actuavam em parques e zonas de estacionamento [...].”163

O excerto apresentado, revela a opinião de que, o problema dos “arrumadores” de

automóveis, não é uma questão exclusivamente policial, mas uma preocupação de toda

comunidade. Sublinhe-se, aliás, que na óptica do próprio cronista, a actuação policial sobre este

problema, é subsidiária relativamente à responsabilidade e iniciativa da Câmara Municipal.

A edição de 19 de Maio de 1995 anuncia “Furtos aumentaram na nossa cidade mas... as noites

prometem ser mais seguras”164, referindo-se à apresentação, pela Câmara Municipal de Elvas, de

um grupo de nove guardas-nocturnos, cumprindo os intentos anunciados pelo autarca um ano antes.

Na edição seguinte, sob o título “Agressões, Furtos e Acidentes”165, observa-se: “A PSP de Elvas

161 “PSP (outra vez) com muita actividade” in «Linhas de Elvas», ano XLV, n.º 2293, 31 Mar. 1995, p. 28. 162 Idem, p. 5. 163 “Guardas de Parques, Câmara Municipal e PSP” in «Linhas de Elvas», ano XLV, n.º 2297, 28 Abr. 1995, p. 5. 164 “Furtos aumentaram na nossa cidade mas... as noites prometem ser mais seguras” in «Linhas de Elvas», ano XLV, n.º 2300, 19 Mai. 1995, p. 28. 165 “Agressões, Furtos e Acidentes” in «Linhas de Elvas», ano XLV, n.º 2301 de 26 Mai. 1995, p. 32.

107

continua a registar várias ocorrências na nossa cidade. Esperemos que com a entrada em actividade

dos Guardas-nocturnos a situação melhore um pouco.”

Porém, as edições subsequentes do “LE” anunciam um aumento quase contínuo das piores

situações. Títulos como “Nova onda de Assaltos”166, “Continua a maré negra”167, “Acidentes

continuam a aumentar”168 e “Criminalidade continua a aumentar”169, tornam-se comuns, mas

continuam a ser temperados com referências à pacatez do lugar, algo bem patente em 25 de Outubro

de 1996 quando o título “Elvas sacudida por onda de... assaltos, atropelamentos e outros

acidentes”170 é complementado com o seguinte texto:

“Semana Negra

Elvas registou nestes últimos dias um elevadíssimo número de ocorrências policiais, onde sobressaem (pela

negativa, como se compreende), diversos assaltos e tentativas de furto, acidentes de viação e, entre estes últimos, três

atropelamentos.

Uma semana para esquecer, marcada por acontecimentos que ainda se tornam notados quando ocorrem numa

cidade pequena e (relativamente) pacata como a nossa.”

O acompanhamento da actividade policial, passou a fazer parte de uma rotina informativa,

anunciando com frequência aumentos da criminalidade, evidenciando-se os furtos e roubos a

pessoas e em estabelecimentos, a sinistralidade rodoviária e, por vezes, fazendo notícia de capturas

e detenções, porém, num registo que dá uma relevância menor à eficácia policial.

Em 1997, começam a ser noticiados outros tipos de crime. Nota-se um ascendente de

informações relativas a furtos no interior de residências e de estabelecimentos, algo que até então

era residual.

Em 24 de Janeiro de 1997, o “LE” tem na sua 1.ª página o título “Ao Assalto!”:

“No princípio da semana os assaltos voltaram a Elvas. Segunda-feira pela manhã, o alvo foi uma residência do

Rossio do Calvário (que os elvenses conhecem por Bairro das Caixas), donde “voaram” uma câmara de vídeo e diversos

objectos em ouro e prata. Poucas horas depois, na madrugada de terça-feira, os amigos do alheio entraram no semi-

166 “Nova onda de assaltos” in «Linhas de Elvas», ano XLVI, n.º 2320 de 13 Out. 1995, pp. 1 e 20. 167 “Continua a maré negra” in «Linhas de Elvas», ano XLVI, n.º 2321 de 20 Out. 1995, pp. 1 e 20. 168 “Acidentes continuam a aumentar” in «Linhas de Elvas», ano XLVI, n.º 2329 de 15 Dez. 1995, p. 28. 169 “Criminalidade continua a aumentar” in «Linhas de Elvas», ano XLVI, n.º 2338 de 16 Fev. 1996, p. 20.

108

internato de Nossa Senhora da Encarnação, nos Terceiros – por uma janela que a imagem reproduz – e furtaram do

interior do edifício um vídeo e uma elevada quantidade de iogurtes destinados às refeições das crianças. Tudo isto numa

semana em que (conforme contamos na página 20) a PSP de Elvas identificou os autores de diversos outros furtos e

recuperou o produto dos mesmos.171

Algumas edições mais tarde, aparecerão sem chamada de primeira página, os títulos:

“Larápios Identificados”172 e “Mais Larápios Identificados”173, notícias que inauguram uma fase em

que, para cada notícia de um novo furto, aparecerão notícias de identificação de suspeitos,

detenções e apreensões de droga. Surge ainda, durante o ano de 1997, um ciclo de crimes que

culminarão na detenção de um homem que alegadamente seria responsável por várias dezenas de

furtos174.

Após o Verão de 1997, anuncia-se a descida da criminalidade no 3.º trimestre desse mesmo

ano175, seguindo-se várias edições em que pouco muda nos títulos e nos discursos. O

acompanhamento jornalístico da criminalidade é feito semanalmente, anotando todas as flutuações

no volume de queixas-crime, acidentes de viação e alguns casos estranhos ou apelativos.

Na edição de 18 de Setembro de 1998, noticia-se a activação de um Centro de Apoio ao

Toxicodependente (CAT) nas instalações abandonadas do antigo Dispensário Dr. Januário

Carvalheiro no Largo de S. Domingos, em pleno centro histórico da cidade. A notícia da eventual

inauguração é encabeçada pelo título de primeira página “Droga com Dias Contados” tendo por

subtítulo introdutório: “Antigo dispensário ao abandono vai acolher Centro de Atendimento de

Toxicodependentes”176, fazendo transparecer que a existência desta valência social, contribuiria

decisivamente para erradicar o consumo de drogas. No seguimento dessa notícia, a edição n.º 2499

170 João Fernando, “Elvas sacudida por onda de... assaltos, atropelamentos e outros acidentes” in «Linhas de Elvas», ano XLVII, n.º 2373 de 25 Out. 1996, pp. 1 e 11. 171 “Ao assalto!” in «Linhas de Elvas», ano XLVII, n.º 2386 de 24 Jan. 1997, pp. 1 e 20. 172 “Larápios identificados” in «Linhas de Elvas», ano XLVII, n.º 2390 de 21 Fev. 1997, p. 20 (última) 173 “Mais larápios identificados” in «Linhas de Elvas», ano XLVII, n.º 2391 de 28 Fev. 1997, p. 20 (última) 174 “Assaltante detido” in «Linhas de Elvas», n.º 2408, ano XLVII, 27 Jun. 1997, pp. 1, 16 e 17 175 “Criminalidade diminui no último trimestre”, in «Linhas de Elvas», n.º 2423, ano XLVIII, 17 Out. 1997, p. 17 176 “Droga com dias contados” in «Linhas de Elvas», n.º 2470, ano XLIX, 18 Set. 1998, pp. 1, 19

109

de 9 de Abril 1999, viria a anunciar na 1.ª e 9.ª páginas o seguinte: “Cura Demorada:

Toxicodependentes ainda sem apoio”, revelando que o projecto se encontrava, ainda, por executar.

Em 1999, a comunicação social local volta a referir-se a um caso em que apenas a um

delinquente, são imputadas várias dezenas de crimes.177

Em algumas notícias de crime, que anunciam com bastante precisão os métodos utilizados

pelos delinquentes, transparece um contraste entre o planeamento e organização dos furtos e a falta

de preparação das autoridades policiais e do comércio da cidade para enfrentar o crime.

O título “Assalto” que aparece na primeira página da edição de 4 de Fevereiro de 2000 do

“LE” acompanhada com a introdução: “Rendeu cerca de 1900 contos – em material desportivo – o

assalto a um estabelecimento comercial do centro da cidade, na madrugada de quarta – feira”,

continua na página treze com o título “Mais um Assalto – Em pleno centro da cidade”, fazendo um

relato suficientemente completo do método e da capacidade de organização dos assaltantes178

Do teor da notícia ressalta ainda a preocupação do jornalista em evidenciar o facto do furto ter

ocorrido no centro da cidade, referindo-se, desta forma, a uma excessiva ousadia e aparente

descontracção dos autores do ilícito.

Suceder-se-iam notícias de vários outros furtos no interior de estabelecimento com

características idênticas, embora mais rudimentares e aparentemente menos organizados e

lucrativos.

O ano de 2000, viria a trazer mudanças nas competências das forças de segurança. A

distribuição formal de competências de investigação criminal à PSP e GNR, para a maior parte dos

177 O discurso jornalístico denota desconhecimento sobre o funcionamento do sistema judicial, não esclarecendo os aspectos mais complexos das decisões judiciais e dos procedimentos policiais. Refira-se a título de exemplo que, na introdução citada, se confunde o momento do primeiro interrogatório e consequente aplicação de medida de coação, com o julgamento dos factos. Não obstante, este aspecto também poderá ser revelador de um distanciamento entre a comunicação social e as autoridades policiais e judiciárias, capazes de fornecer a informação correcta: “Agarra que é ladrão” in «Linhas de Elvas», n.º 2531, ano L, 29 Nov. 1999, pp. 1, 10 e 11 178 “Assalto” e “Mais um Assalto – em pleno centro da cidade” in «Linhas de Elvas», n.º 2541, ano L, 4 Fev. 2000, pp. 1 e 13

110

crimes previstos no Código Penal e em legislação avulsa, decorrente da entrada em vigor da Lei de

Organização da Investigação Criminal (LOIC).179

O ano de 2001 viria a ser relativamente moderado, no que diz respeito a notícias alarmantes.

Contudo, regressariam algumas referências a assaltos a residências e estabelecimentos comerciais180,

bem como a todo o tipo de comportamentos desviantes lesivos do património e sossego da

população:

“Várias instituições da cidade foram alvo de assalto durante os últimos dias. Para além disso, há ainda um

significativo número de actos de vandalismo a registar, numa altura em que se verificam várias mortes na sequência de

36 acidentes de viação, em todo o distrito.

O concelho de Elvas fica marcado por quatro detenções, duas das quais por posse de droga.”181

Em novembro as agressões a membros das forças de segurança que começavam a ser

noticiadas com maior frequência na comunicação social nacional, surgiram igualmente em Elvas,

ganhando honras de primeira página182 e contribuindo para relançar o debate da insegurança e da

autoridade dos agentes do estado. No mesmo mês, o “LE” regressa às sondagens de rua perguntando

aos cidadãos se consideravam Elvas uma cidade segura.183

Em Agosto de 2002, surge o título: “Guardas-nocturnos em Vias de Extinção?”184, colocando

em perspectiva o silêncio relativo à sua actividade com o seu gradual desaparecimento.185

179 Aprovada pela Lei n.º 21/2000 de 10 de Agosto, alterada pelo Dec. – Lei n.º 305/2002, de 13 de Dezembro. Em boa verdade, muita dessa actividade investigatória já era levada a cabo em momento anterior à aprovação e entrada em vigor da LOIC, porém com contornos distintos, menos estruturados e com uma diminuta coordenação formal entre as diversas autoridades policiais e, entre estas e as competentes autoridades judiciárias. Inevitavelmente, a urgência da operacionalização dos termos da LOIC, causou um choque nas estruturas policiais mais habituadas ao exercício de competências administrativas e de ordem pública, as quais, tiveram um tempo reduzido para se preparar para a recepção de milhares de inquéritos que se encontravam na Polícia Judiciária, juntamente com outros recém abertos, e cuja investigação, já lhes seria delegada pelo Ministério Público. Se por um lado, a forma rápida como todo o processo de transformação da organização da investigação criminal trouxe alguns inconvenientes para os organismos policiais de competência genérica, por outro lado, a maior proximidade das comunidades e o conhecimento dos seus problemas sócio-criminais específicos, garantiu uma eficácia crescente destas polícias no tratamento dos crimes que mais directamente afectam o cidadão comum. “Vestidos para o sub-mundo (Agentes da PSP)” in «Linhas de Elvas», n.º 2554 ano L, 05 Mai. 00, p.7; “Nas teias do crime” in «Linhas de Elvas», n.º 2627, ano LII, 12 Out. 01, pp. 1, 12 e 24 180 “Assalto a dois” in «Linhas de Elvas», n.º 2589, ano LI, 12 Jan. 01, pp. 1 e 13 181 “Assaltos, Vandalismo e Mortes” in «Linhas de Elvas», n.º 2597, ano LI, 09 Mar. 01, pp. 1, 2, 15 e 24 182 “Agentes da polícia agredidos – Na Sequência de uma briga familiar” in «Linhas de Elvas», n.º 2630, ano LII, 02 Nov. 01, pp. 1, 13 183 “Considera Elvas uma cidade segura?” in «Linhas de Elvas», n.º 2632, ano LII, 16 Nov. 01, p. 5 184 “Guardas Nocturnos em vias de extinção?” in «Linhas de Elvas», n.º 2669, ano LII, 2 Ago. 2002, p. 3

111

O ano de 2003, comparativamente aos períodos anteriores, viria a ser pouco pródigo em novas

abordagens jornalísticas ao crime e ao trabalho policial. No dia 3 de Janeiro é noticiado um assalto à

Sé186, numa edição que efectua uma retrospectiva do crime e da actividade policial de 2002.

“Acidentes, Roubos e Alegado Homicídio” é o título apresentado para a rubrica. Uma leitura do

corpo de texto dá-nos a descrição de alguns casos que foram resolvidos pelas autoridades. Este

registo de escrita continua noutra da edição n.º 2692, de 10 de Janeiro com “Acidente e Viatura

Vandalizada” e depois na edição 2693, de 17 de Janeiro com “Incêndios e Furtos”. Na edição de 4

de Abril, é publicada, sob o título “Comandante Distrital da Polícia está Triste”, uma entrevista com

o comandante do Comando de Polícia de Portalegre, na qual o mesmo descreve o seu desalento pela

constante falta de cuidado dos cidadãos, vítimas de acidentes e crimes que poderiam ser facilmente

evitados através da adopção de comportamentos mais cautelosos187, indo ao encontro da noção de

que cada cidadão é o primeiro responsável pela sua própria segurança.

O início do ano de 2004, traz de regresso à comunicação social local, uma Câmara Municipal

e uma Polícia que tentam reaproximar-se e trabalhar em conjunto. A edição de 23 de Janeiro de

2004 do “LE”, noticia as preocupações de ambas autoridades no controlo das incivilidades, iniciadas

com a ocorrência de danos em património municipal.188

Tornando-se notório que Schengen abrira portas, não só para a circulação de pessoas, mas

também para a circulação bens de consumo ilícitos, como as drogas189, facilitando ainda outras

actividades, como a exploração da prostituição190, as autoridades de ambos os lados sentiriam

necessidade de reforçar a vigilância sobre indivíduos nacionais e estrangeiros que faziam uso da

fronteira. Os controlos ocasionais para verificação documental efectuados pelo Serviço de

185 Em 2004 já só restavam dois dos iniciais nove que haviam sido recrutados após tanta polémica, e que foram desaparecendo sem que a opinião pública se apercebesse. 186 “Sé Assaltada - Intrusos procuravam dinheiro” in «Linhas de Elvas», n.º 2691, ano LIII, 03 Jan. 2003, pp. 1 e 24 187 “Comandante Distrital da Polícia está triste” in «Linhas de Elvas», n.º 2704, ano LIII, 4 Abr. 2003, pp. 1 e 14 188 “Vandalismo - A Câmara elvense está indignada com os estragos que são feitos na iluminação das rotundas” in «Linhas de Elvas», n.º 2745, ano LIV, 23 Jan. 2004, pp. 1 e 5 189 “Interceptados em Badajoz: português levava 50 quilos de heroína” in Linhas de Elvas, n.º 2588, ano LI, 05 Jan. 2001, pp. 1 e 2

112

Estrangeiros e Fronteiras, Guarda Nacional Republicana e autoridades espanholas, junto à fronteira

do Caia, sobretudo em períodos de maior afluência como o advento do Campeonato da Europa de

Futebol - Euro 2004, resultaram, muitas vezes, em apreensões de droga e detenções191, indiciando a

possibilidade da passagem desses e outros produtos ilícitos ser comum em quaisquer outras alturas.

A abolição das fronteiras dentro do espaço designado Schengen, e a existência de uma auto-estrada

de ligação entre Lisboa e Madrid que passa junto de Elvas e Badajoz, ligando ambas as cidades,

transformou substancialmente as rotinas da cidade portuguesa. Badajoz assumiu-se como o mercado

mais forte, quer para os bens lícitos como para os ilícitos, passando a ser o local preferencial para

aquisição e consumo de drogas. Concomitantemente, o crime contra o património, relacionado com

a necessidade de satisfação imediata dos dependentes de drogas, tornou-se mais difícil de controlar.

O produto dos furtos ou roubos praticados em Elvas, passou a ser deslocado e transaccionado em

Espanha, sendo rapidamente entregue a receptadores em troca de dinheiro ou drogas. Esta alteração

terá contribuído, directamente, para a mutação das características do crime contra o património em

Elvas.192 A melhoria das vias de comunicação, por outro lado, também facilitou a deslocação de

criminosos que, vindos de centros urbanos maiores (quer de Portugal, quer entre Portugal e

Espanha) e trazidos pelas auto-estradas, procuravam alvos fáceis e rentáveis em locais ainda pouco

prevenidos.193

A 25 de Novembro de 2004, o “LE”, noticia que numa só noite dois estabelecimentos da

cidade foram alvo de furto194 e a edição de 23 de dezembro de 2004, revela que uma Capela da

190 “Portugueses acusados de pertencer a rede de prostituição em Badajoz” in Linhas de Elvas, n.º 2794, ano LV, 30 Dez. 2004, pp. 1 e 2 191 “SEF Apreendeu 7,5 Kg de Cocaína” in «Linhas de Elvas», n.º 2767, ano LIV, 25 Jun. 2004, pp. 1 e 3 192 A aquisição de droga é, por norma, liquidada em dinheiro ou, em alternativa, por troca com objectos valiosos, de pequena dimensão e fáceis de revender. Assim, a procura de vítimas e de alvos que proporcionassem um acesso a dinheiro, jóias e telemóveis ou outros equipamentos valiosos, demonstrou uma tendência de aumento. 193 Acresce ainda o facto de o estabelecimento comercial “El Corte Inglés” de Badajoz, ter passado a disponibilizar um transporte colectivo gratuito entre Elvas e o centro comercial pacence, facilitando ainda mais as deslocações. 194 “Duas Lojas Assaltadas” in «Linhas de Elvas», n.º 2789, ano LV, 25 Nov. 2004, p. 5

113

cidade fora, pela segunda vez, alvo de introdução, danos e furto de moedas e objectos

eucarísticos195.

O ano de 2005 inicia-se com um aumento de notícias sobre os furtos no interior de

estabelecimentos comerciais, cometidos durante a noite com recurso ao arrombamento. A edição de

13 de Janeiro de 2005 do “LE” informa existir uma “vaga de assaltos em Campo Maior”, noticiando

a pratica destes crimes contra uma ourivesaria, a Repartição de Finanças e um quiosque196,

acrescentando que em Elvas, também um estabelecimento comercial fora alvo de furto197.

Em Março de 2005, surge a notícia de que a Câmara Municipal teria intenção de criar uma

polícia municipal como forma de complementar o trabalho da PSP:

“Rondão quer polícia municipal

O presidente da edilidade elvense, Rondão Almeida, pretende criar a Polícia Municipal no concelho de Elvas,

pelo que o executivo camarário ponderou, na reunião de 23 de Fevereiro, elaborar o respectivo regulamento. “Ainda

não foi desta vez que incluímos este corpo no Quadro de Pessoal da Câmara, mas ficou aqui bem clara a ideia e a

necessidade que existe de haver essa força para que, em conjunto com a PSP, possa garantir uma melhor qualidade de

serviço”, referiu.

O autarca não revelou, no entanto, quais seriam as funções dessa Polícia Municipal, uma vez que ainda não está

regulamentada. Contudo, uma coisa é certa: “Não se confunde com aquilo que é o trabalho da PSP. Cada um tem o seu

próprio território de actuação, pelo que estou convencido que as duas forças da autoridade se vão complementar”,

acrescentou.

Quanto ao número de efectivos, Rondão Almeida esclareceu que 15 a 20 agentes seriam “mais do que suficientes

para ajudar os cerca de 80 que a PSP de Elvas tem”. “A ideia é criar um quadro que dê resposta às necessidades, já que

não faz qualquer sentido que a PSP tenha de andar a vigiar as nossas escolas ou os nossos parques de estacionamento”,

sublinhou.[...]”198

Em 24 de Março de 2005 o “LE”, reproduz uma notícia do semanário nacional “Expresso”,

indicando que as taxas de crescimento da criminalidade registada no interior e zonas rurais de

195 “Nossa Senhora de Conceição novamente assaltada – Dinheiro, cálice de prata e relógio de parede roubados” in «Linhas de Elvas», n.º 2793, ano LV, 23 Dez. 2004, p. 40 196 “Vaga de assaltos em Campo Maior” in «Linhas de Elvas», n.º 2796, ano LV, 13 Jan. 2005, pp. 1 e 2 197 “Assalto rende mais de 140 contos” in «Linhas de Elvas», n.º2796, ano LV, 13 Jan.2005, p.3 198 A notícia apresenta um reforço das intenções de melhoria da segurança, transmitindo essa mensagem ao público em período de preparação para a campanha para as eleições autárquicas de 2005: “Rondão quer Polícia Municipal” in «Linhas de Elvas», n.º 2803, ano LV, 3 Mar. 2005, p. 3

114

Portugal entre os anos de 2003 e 2004, haviam ultrapassado as dos grandes centros urbanos199. A

primeira página do jornal apresenta uma fotografia dos danos resultantes de um furto ocorrido num

estabelecimento de comercialização de viaturas em Elvas, cuja notícia surge na página 3.

Apesar do conteúdo neutro da notícia do “Expresso” relativamente ao contexto particular de

Elvas, a apresentação de percentagens de variação da criminalidade e a distinção entre zonas

territoriais e respectivas forças de segurança, invoca a localização interior da cidade no contexto

territorial português, como sendo um factor de risco, evidenciado pela tendência de aumento da

criminalidade nas zonas mais despovoadas por transferência da anteriormente existente nas zonas

urbanas.

O artigo em causa confronta divergências na explicação do fenómeno por parte das duas

forças de segurança responsáveis, mas aponta como pontos consensuais a melhoria das vias de

comunicação, o aumento do consumo e tráfico de drogas nas regiões do interior, sobretudo, nas

regiões fronteiriças que terá tido como consequência o aumento de crimes que habitualmente lhe

estão associados, nomeadamente, alguns crimes contra o património tais como furtos e roubos.

Em Abril de 2005, surge, ao nível dos discursos públicos, uma nova ruptura na tolerância à

criminalidade. A repetição de furtos no interior de estabelecimentos comerciais na cidade de Elvas,

fez ressurgir os protestos públicos, sobretudo, por parte dos agentes económicos mais atingidos. A

edição do dia 7 de Abril de 2005 destaca, na primeira página, o título “Comerciantes preocupados

com número de assaltos – Registaram-se vários roubos recentemente em Elvas”200, ilustrando com

duas fotografias os danos deixados pelos criminosos e as pedras utilizadas nos arrombamentos de

montras e portas de vidro. As páginas 12 e 13 do jornal, densamente ilustradas, revelam e

descrevem a ocorrência de sete furtos no interior de estabelecimentos, de 31 de Março à data da

edição. Num dos casos, a detenção em flagrante delito do autor da introdução e tentativa de furto e

199 Marcelino, V, “Crime aumenta no interior”, Expresso in «Linhas de Elvas», n.º 2806, ano LV, 24 Mar. 2005, pp. 1 e 9 200 “Comerciantes preocupados com número de assaltos” in «Linhas de Elvas», n.º 2808, ano LV, 7 Abr. 2005, pp. 1, 12 e 13

115

sua consequente apresentação ao Ministério Público, viria a resultar na imposição de uma medida

de coacção de apresentações semanais, facto não compreendido pela população, mormente pelas

vítimas do crime.

Na maioria dos delitos reportados, os valores subtraídos são reduzidos relativamente aos

danos causados pelos arrombamentos e introduções.201

Com contornos diferentes, surge incluída na peça jornalística, a referência ao furto ocorrido

numa loja de artigos ópticos que havia aberto recentemente, na qual, a acção criminosa aparentou

ter sido planeada, destacando-se claramente das restantes. Os contornos do relato, indiciam uma

acção de grupo bem coordenada e previamente planeada, utilizando viaturas de fuga e prevendo a

subtracção de uma grande quantidade de material valioso. Aliás, algumas edições mais tarde, viria a

ser anunciada a captura de alguns indivíduos oriundos do leste europeu, pelas autoridades policiais

espanholas em Benidorm, estando na posse de parte do espólio subtraído daquele

estabelecimento.202

Retira-se da leitura dos depoimentos mencionados na notícia, que existe uma crescente

resistência à apresentação de queixa-crime, motivada pela convicção de que tal procedimento não

trará a resolução do problema e contribuirá para engrossar as estatísticas. É feita referência à

actuação das autoridades judiciais, reputadas pela tolerância relativamente ao tratamento dado aos

delinquentes e protesta-se a falta de policiamento nocturno, imputando a esse factor, a criação de

condições propícias à prática do crime.

Na habitual nota da semana, o director do “LE” questiona: “Voltou a Insegurança?”, numa

intervenção que foca o período de insegurança e movimentação social de protesto ocorrido nos anos

90 e já referido anteriormente, prosseguindo com uma análise pessoal do fenómeno criminal em

Elvas, as suas causas e os seus reflexos. Este discurso, reflecte o sentimento difuso de insegurança

201 Uma das vítimas entrevistadas, declara ter contactado a companhia de seguros que lhe terá revelado a existência de 38 reclamações por furto entre os meses de Janeiro e Fevereiro daquele ano. Referindo que a empresa considerava a cidade de Elvas como um local de alto risco. 202 “Óculos recuperados em Benidorm” in «Linhas de Elvas», n.º 2811, ano LV, 28 Abr. 2005, pp. 1 e 3

116

da população de Elvas, confirma a noção de perda de coesão própria dos lugares pequenos e refere

o aumento dos riscos de vitimação criminal, avançando algumas causas para esse fenómeno

opressivo:

“Voltou a Insegurança?

Há uns anos atrás a criminalidade constituía a principal fonte de notícias e de conversa da sociedade elvense.

Quem não se lembra da onda de assaltos, da pequena criminalidade e mesmo dos assassinatos que então ocorreram?

Nessa época – falamos da primeira metade da década de 90 – os principais responsáveis pela insegurança eram os

toxicodependentes, alguns mais agressivos que outros, mas os modus operandi eram semelhantes em quase todos os

casos. A insegurança e a taxa de criminalidade da cidade até chegou a ser comparada pela comunicação social nacional

à registada em bairros como os da Musgueira, de Chelas ou de Cova da Moura, os perigosos guetos da periferia da

capital do País. A situação até gerou um debate televisivo na praça da República. Quem não se lembra desse período

negro da nossa história que coincidiu (poderá ser só uma coincidência) com o início do declínio comercial, e

consequentemente económico, da cidade?

Assistimos, neste momento, a outra onde de assaltos. Uma onda que, a meu ver, não se assemelha à ocorrida

naquela época, simplesmente porque parece ter origem em três tipos de modos de operar. Senão vejamos: o pequeno

assalto, geralmente feito de noite aos comércios pouco protegidos, sem alarmes, às máquinas de café, jogos e

parquímetros, e cujo furto se limita a trocos, parece ter origem no pequeno delinquente, aquele que precisa

urgentemente de dinheiro metálico, palpável, para comprar a droga que lhe alimenta o vício. Por isso não toca em mais

nada. É esse criminoso que é, muitas vezes, apanhado em flagrante, que é presente a Tribunal e que, por ser geralmente

do concelho, as pessoas temem no dia-a-dia pelo seu aspecto normalmente degradante e sujo, o que desmotiva da

denúncia às autoridades policiais.

Depois temos os outros, aqueles que assaltam as vivendas, geralmente de dia, um crime já pensado e estudado

pois não podem correr o risco de ser detectados. Este crime procura, geralmente, dinheiro, ouro, jóias, antiguidades ou

outros objectos de valor, presentes na quase totalidade dos lares. Geralmente é este tipo de crime cometido por cidadãos

de Leste e outros emigrantes ou etnias. Também é o roubo típico dos indivíduos que conhecem os hábitos e as posses

das vítimas.

Por último, temos o crime organizado. É praticado por meliantes astutos, experientes e com conhecimentos

tecnológicos e do mercado negro, onde facilmente colocam os produtos furtados. Geralmente assaltam bancos,

ourivesarias, ópticas ou armazéns e pouco se importam com alarmes, polícias ou outros métodos persuasivos. Este tipo

de crime, de que temos assistido a um aumento gradual em todo o Alentejo, é normalmente perpetuado por gente

violenta e com cadastro. E é este que nos deve preocupar neste momento. A nós, enquanto pacatos cidadãos pagadores

de impostos, coimas e multas, às polícias e também ao sistema judicial, correndo o risco, se não o fizermos, de

transformar o País num igual a tantos outros onde impera o medo e o terror de viver ou simplesmente sair à rua!203

203 “As notas da semana... – Voltou a Insegurança?” in «Linhas de Elvas», n.º 2808, ano LV, 7 Abr. 2005, p. 5

117

Na página 7 da mesma edição, o “LE” relança nos seus inquéritos de rua, questões relativas à

segurança. Motivada pelos depoimentos de comerciante e polícia, recolhidos na reportagem em que

se focavam os furtos no interior de estabelecimentos, lança-se a pergunta: “Depois dos assaltos,

quem deveria ficar a vigiar os estabelecimentos?”, revelando que a convicção da maioria dos

entrevistados era a de que, a Polícia, uma vez detectado o crime, teria obrigação de guardar o

estabelecimento até ao dia e hora de abertura do mesmo.204

A manifestação de indignação relativamente ao procedimento policial que determinava a

devolução da responsabilidade do local ao seu proprietário ou usufrutuário após findas as

diligências de recolha de indícios, revela a expectativa dos cidadãos, relativamente ao serviço de

segurança prestado pelas autoridades policiais. Observa-se que os cidadãos entrevistados, na sua

maioria, presumiam que as autoridades policiais automaticamente assumiriam a responsabilidade

pela segurança do estabelecimento assaltado, quaisquer que fossem as circunstâncias.205

A edição de 14 de Abril de 2005, descreve a continuação dos crimes contra o património

onde, mais uma vez, são os estabelecimentos comerciais, os alvos preferenciais dos delinquentes:

“Assaltos: dia sim... dia sim – Casas comerciais de Elvas continuam a ser alvo dos amigos do

alheio”, lê-se na primeira página. Na página 3, repleta de fotografias dos acontecimentos,

descrevem-se os furtos ocorridos durante a semana decorrida. De um supermercado de dimensões

médias terão sido subtraídos perfumes no valor de 4000 €, após ter sido quebrada uma montra

expositora. Uma série de outros furtos visou a obtenção rápida de dinheiro. Um quiosque foi

assaltado, segundo o proprietário, pela sexta vez; telefones, máquinas de café e de brindes foram

arrombadas no Hospital e no Clube de Ténis durante o funcionamento de cada uma das instituições.

204 “Inquéritos: Depois dos assaltos, quem deveria ficar a vigiar os estabelecimentos?” in «Linhas de Elvas», n.º 2808, ano LV, 7 Abr. 2005, p. 7 e “Comerciantes preocupados com número de assaltos” in «Linhas de Elvas», n.º 2808, ano LV, 7 Abr. 2005, p. 13. 205 Após o contacto com o proprietário do local de comércio e terminadas as diligências de recolha de indícios úteis à investigação, a responsabilidade sobre o local é devolvida ao seu proprietário, a não ser que o mesmo requisite força pública para que aí se mantenha segurança, nesse caso, por forma a não empenhar operacionais em serviço normal de escala, são nomeados elementos que, estando fora de serviço, sejam voluntários para o desempenho de tarefas na sua hora de folga. Essa solução importa custos para o particular requisitante. Assim determina o Despacho Normativo n.º

118

No encerramento da peça jornalística, regista-se o desabafo do proprietário de quiosque e

recolhem-se outras impressões:

“ «É a sexta vez que vêm aqui, a última foi em Janeiro», revelou, ao mesmo tempo que mostrava um saco onde

guarda as várias fechaduras que foi obrigado a trocar.

João Santana frisou também que não tenciona apresentar queixa na PSP. «Fi-lo duas vezes e ao fim de um ano

recebia uma carta do Ministério Público a dizer que o caso tinha sido arquivado contra desconhecidos. Nunca foi

apanhado ninguém. Participo o furto mas não apresento queixa», afiançou.

Face a esta «onda terrível» de assaltos, «se a justiça não actuar» e «se tiver pistas correctas», João Santana não

descarta a hipótese «de ir à procura deles para verem que os comerciantes não estão intimidados». ”206

As declarações do proprietário do quiosque ilustram saturação e falta de confiança nos

sistemas de controlo e penalização, porém, demonstram também que as soluções de autoprotecção

encontradas, se traduziam por meras repetições dos elementos de protecção que já existiam antes.

Na edição de 21 de Abril de 2005 do “LE”, o crime sai da primeira página para ocupar a

segunda e terceira com o título “Assaltos diminuíram em Elvas... mas aumentaram na região”,

descrevendo-se uma eventual transferência da atenção de alguns dos criminosos que actuariam na

região, que não terá sido suficiente para evitar outro furto no interior de estabelecimento durante a

madrugada e com recurso a arrombamento207. Já em 28 de Abril, dia para o qual fora convocada

uma reunião do Conselho Municipal de Segurança, noticia-se apenas um assalto frustrado pelo

accionamento de um alarme.208

Nessa mesma edição, o cronista Ventura Trindade, dedica a sua coluna à insegurança:

“(...) vamos falar dos problemas concretos da intranquilidade na cidade quanto à falta de segurança dos últimos

tempos. É certo que o “cancro” da insegurança é um mal, infelizmente generalizado em todo o País; a nossa

proximidade a Badajoz, pode “facilitar” a actividade dos meliantes / malfeitores o que mais complica a acção da Polícia

na nossa cidade, apesar da colaboração, ao que dizem exemplar, da Guarda Civil.

(…) não podemos concordar com o Senhor Comissário / Comandante quando, recentemente, sugeriu que os

cidadãos se acautelassem com grades nas janelas, portas e montras.

218/82, de 12 de Outubro, dos Ministérios da Qualidade de Vida, da Administração Interna e da Cultura e Coordenação Científica, publicado no Diário da República, n.º 236, Série I de 12 de Outubro de 1982. 206 “Assaltos: dia sim... dia sim” in «Linhas de Elvas», n.º 2809, ano LV, 14 Abr. 2005, p. 1 e 3 207 “Assaltos diminuíram em Elvas... e aumentaram na região” in «Linhas de Elvas», n.º 2810, ano LV, 21 Abr. 2005, pp. 2 e 3 208 “Alarme afasta intruso” in «Linhas de Elvas», n.º 2811, ano LV, 28 Abr. 2005, p. 3

119

A seguir o seu conselho a Câmara Municipal teria que alterar a sua candidatura a Património Mundial e passar a

candidatura para cidade de gradeamento. É evidente que não vamos chegar ao que seria um exagero.

O que temos todos direito de exigir, em contrapartida dos impostos que pagamos, é que o Estado, pelo Governo,

passe a dotar de mais meios humanos e de equipamentos modernos a P.S.P. e a G.N.R. em todo o País para que melhor

possam cumprir as suas obrigações, nomeadamente a prevenção e repressão da criminalidade. (…)”209

A noção de obrigações do Estado perante o cidadão, também se encontra vincada no texto; o

discurso relativo à dicotomia cidadão pagador de impostos / titular de direitos, demonstra essa

mesma convicção.

No dia 05 de Maio de 2005, o “LE” publica a sua reportagem sobre o Conselho Municipal de

Segurança, reunido no dia 28 de Abril desse ano, no auge da publicidade à criminalidade,

promovida pela comunicação social da cidade.

A notícia sobre esta reunião frisa o tempo decorrido após a primeira e única assembleia do

mesmo género mantida até então, a qual fora também a sessão inaugural. O reflexo noticioso da

reunião do conselho lançou, através do seu órgão directos, o Presidente da Câmara, como principais

justificações para a criminalidade, as características especiais de localização de Elvas, as mudanças

nos paradigmas da criminalidade, a deficiente acção de reinserção e a falta de recursos das forças de

segurança.

Quanto ao período de inactividade do Conselho Municipal de Segurança escreve-se:

“Conselho reactivado

O Conselho Municipal de Segurança, criado por uma lei210 aprovada no Executivo de António Guterres, esteve

bastante tempo sem reunir211 porque a “própria filosofia do poder central era não dar resposta àquilo que eram as

preocupações que estão inseridas nas competências do poder municipal”, justifica Rondão Almeida. No governo de

Durão Barroso, defende, “houve uma inversão total naquilo que foi a política de prevenção em relação ao crime. Não

valia a pena o conselho estar a funcionar quando, para se poupar dinheiro, acabou por se eliminar tudo o que eram

projectos de integração da pessoas na própria sociedade”, afirma, lembrando a desactivação do posto da PSP, das

assistentes sociais e dos professores do ensino básico no bairro das Pias.

209 “(in) Segurança na cidade / Polícia Municipal” in «Linhas de Elvas», n.º 2811, ano LV, 28 Abr. 2005, p. 11 210 Lei 33/98, de 18 de Julho 211 O art.º 7.º da Lei 33/98, de 18 de Julho, indica que a periodicidade das reuniões é trimestral, mediante convocação do presidente da câmara municipal.

120

O autarca refere também que o retomar das presentes reuniões não se deve à vaga de assaltos que se têm

verificado em Elvas. “ Com a mudança de políticas, olha-mos novamente para a questão social e há novamente

orientações a nível nacional no sentido de voltarmos a dinamizar estes Conselhos de segurança”, declara.”212

A edição imediatamente seguinte a primeira página do “LE” viria a apresentar o título

“Roubaram-lhe TUDO!”213 contando a história de um distribuidor de mercadorias que, tendo

parado no Bairro das Pias foi rodeado pelos moradores e despojado de todo o material. Na sua

intervenção, a polícia viria a recuperar parte dos bens. Anuncia-se a continuação dos furtos, um

assalto à mão armada numa bomba de gasolina no limite urbano da cidade do qual veio a resultar

uma detenção efectuada pela Guardia Civil em território espanhol214 e confirma-se por comunicado

do Cuerpo Nacional de Policia a apreensão de 120 pares de óculos proveniente de um assalto a uma

loja de artigos óptico de Elvas e a detenção de dois cidadãos romenos, suspeitos da prática desse

crime.215

Nas edições seguintes, o registo mantém-se, continuando as informações de furtos no interior

de estabelecimentos e viaturas, acompanhados por algumas detenções216 e notícias de operações

policiais217.

No dia 4 de Agosto de 2005 é noticiada a detenção em flagrante delito de dois jovens que se

encontravam no interior de um restaurante, após terem arrombado a porta e já estando na posse de

todo o dinheiro que se encontrava no interior da máquina de venda de tabaco. A polícia suspeitou

que os mesmos jovens terão praticado outros furtos na mesma noite.218 A partir destas detenções,

que aparentariam ser pouco significantes, a chamada “onda de assaltos” foi suprimida e o discurso

212 “(in) Segurança em debate” in «Linhas de Elvas», n.º 2812, ano LV, 5 Mai. 2005, p. 13 (n.: Até à conclusão do presente trabalho, o conselho municipal de segurança não voltaria a ser convocado). 213 “Roubaram-lhe TUDO!” in «Linhas de Elvas», n.º 2813, ano LV, 12 Mai. 2005, pp. 1 e 2 214 “Bombas assaltadas” in «Linhas de Elvas», n.º 2813, ano LV, 12 Mai. 2005, p. 3 215 “De Benidorm para Elvas” in «Linhas de Elvas», n.º 2813, ano LV, 12 Mai. 2005, p. 2 216 “Quatro detidos por furto e droga” in «Linhas de Elvas», n.º 2817, ano LV, 9 Jun. 2005, p. 3 217 “Operação Defesa culmina com a detenção de duas pessoas e apreensão de diverso material” in «Linhas de Elvas», n.º 2819, ano LV, 23 Jun. 2005, p. 15 218 “Dois detidos em flagrante” in «Linhas de Elvas», n.º 2825, ano LV, 4 Ago. 2005, p. 3

121

da comunicação social passou a referir mais detenções e operações policiais219, passando as notícias

de furtos a ser mais ocasionais e menos alarmantes.

A campanha para as eleições autárquicas (de 9 de Outubro de 2005) passou a dominar a

imprensa local.

Em Dezembro de 2005, tanto a PSP220 como a GNR221 fizeram balanços de recuperação em

face da criminalidade registada, lançando novamente algumas justificações para a alteração da

criminalidade, apresentando dados estatísticos que reflectiam a actividade operacional e prestando

alguns conselhos à população.

No mesmo mês anuncia-se pela primeira vez o risco da Maternidade de Elvas ser

desactivada222, repete-se o anúncio já anterior e recorrentemente feito da saída da PSP de Elvas para

ser substituída pela GNR223 e retoma-se o assunto do encerramento do Regimento de Infantaria

n.º8224 sendo estas situações vistas com preocupação pela edilidade e pela população225, pela

desqualificação que tais alterações implicariam.

A eleição destes novos problemas na comunidade local sublimaria a problemática da

insegurança. O crime contra os estabelecimentos voltaria a fazer parte das notícias226, porém, a

importância deste fenómeno na comunicação social, viria a relativizar-se.

No início da retrospectiva noticiosa do ano de 2005, o “LE” relembra como se de um passado

longínquo se tratasse: “Onda de assaltos atingiu comércio”.227

219 “PSP e GNR detêm vários indivíduos na região” in «Linhas de Elvas», n.º 2826, ano LV, 11 Ago. 2005, p. 2 220 “Crimes desceram em Elvas desde o início do ano” e “Conselhos aos comerciantes neste Natal” in «Linhas de Elvas», n.º 2842, ano LVI, 2 Dez. 2005, p. 2 221 “Criminalidade no distrito em baixa” in «Linhas de Elvas», n.º 2842, ano LVI, 2 Dez. 2005, p. 9 222 “Maternidade poderá estar em risco” in «Linhas de Elvas», n.º 2843, ano LVI, 9 Dez. 2005, p. 28 223 “PSP pode sair de Elvas” in «Linhas de Elvas», n.º 2845, ano LVI, 22 Dez. 2005, pp. 1 e 5 224 “Exército quer mesmo encerrar RI8” in «Linhas de Elvas», n.º 2846, ano LVI, 29 Dez. 2005, pp. 1 e 13 225 “A preocupação mais grave tem a ver com os militares” in «Linhas de Elvas», n.º 2846, ano LVI, 29 Dez. 2005, p. 3 226 “Assaltos na cidade” in «Linhas de Elvas», n.º 2849, ano LVI, 19 Jan. 2006, p. 2 227 “Onda de assaltos atingiu comércio” in «Linhas de Elvas», n.º 2847, ano LVI, 5 Jan. 2006, p. 9

122

CCAAPPÍÍTTUULLOO 33

Perspectivas dos comerciantes de Elvas: Análise dos resultados da aplicação do

inquérito

3.1 Caracterização Sócio-Demográfica da amostra

Os indivíduos que responderam ao inquérito, cujos resultados apresentaremos de seguida são

lojistas e comerciantes do comércio tradicional da cidade fronteiriça de Elvas. Este grupo foi

especialmente escolhido como alvo da aplicação do inquérito, por representar uma faixa da

população perfeitamente delimitável cuja actividade fora, durante o ano de 2005, especialmente

atingida pelo crime contra o património, havendo disso, reflexos intensos ao nível dos discursos da

comunicação social.

A amostra (n=237) em análise é constituída por indivíduos de ambos os sexos, pertencendo

44,5% ao sexo masculino e 55,5% ao sexo feminino.

Gráfico n.º 9 – Género dos Inquiridos

45%

55%

Masculino Feminino

Fonte: Inquérito aos comerciantes de Elvas

Relativamente aos grupos etários, os indivíduos estão distribuídos entre os 18 anos e os 78

anos de idade, existindo entre estes dois extremos e como seria de esperar, uma grande variedade de

123

casos. Revelou-se pertinente formar escalões etários de forma a diminuir as discrepâncias, optando-

se por formar quatro distinções etárias (menos de 30 anos, 30 a 49 anos; 50 a 69 anos e mais de 69

anos).

Atendendo ao gráfico 10, poderemos constatar que a maioria dos membros da amostra têm

idades compreendidas entre os 30 e os 49 anos (49,6%), seguindo-se os que têm idades

compreendidas entre os 50 e os 69 anos (28,2%). Os comerciantes mais jovens, com menos de 30

anos de idade representam 18,4% desta amostra; os restantes 3,8% pertencentes a esta amostra têm

mais de 69 anos de idade. A média das idades, na amostra, situa-se aproximadamente nos 43

anos.228

Gráfico 10 – Idade dos Inquiridos

3,8

28,2

49,6

18,4

0

10

20

30

40

50

60

Menos de 30 anos Dos 30 aos 49 anos Dos 50 aos 69 anos Mais de 69 anos

Fonte: Inquérito aos comerciantes de Elvas

Os grupos etários, quando analisados á luz da variável “género” (quadro 10), revelam que são

os indivíduos do sexo feminino, aqueles que pertencem aos escalões mais jovens, sendo que 83,2%

têm idades compreendidas entre os 18 e os 49 anos. Os membros do sexo masculino nos escalões

etários mencionados, situam-se na percentagem dos 48,6%, estando 51,5% destes, acima dos 50

anos de idade, contrapondo-se a apenas 16,8% de mulheres com mais de 50 anos.

228 Anexo 4: Caracterização sócio-demográfica da amostra, quadro 4, p. 17.

124

Quadro 10 – Escalões Etários segundo o Género

11 10,7% 32 24,4%

39 37,9% 77 58,8%

46 44,7% 20 15,3%

7 6,8% 2 1,5%

103 100,0% 131 100,0%

Menos de 30 anos

Dos 30 aos 49 anos

Dos 50 aos 69 anos

Mais de 69 anos

Total

Escalões

Etários

N Column %

Masculino

N Column %

Feminino

Sexo do Inquirido

Relativamente às habilitações literárias, entendeu-se agregar os vários escalões definidos

primeiramente. Assim, foram agrupados todos os indivíduos que não têm quaisquer habilitações

literárias (apenas um caso) com aqueles que sabem ler e escrever (7 casos) e os que possuem o 1.º

ciclo (43 casos); no segundo agrupamento encontramos os indivíduos possuidores do 2.º e 3.º

ciclos; a terceira agregação compreende indivíduos possuidores de instrução secundária ou curso

profissional equivalente e, por fim, encontramos de forma isolada aqueles que possuem formação

superior (quadro 11). 229

Quadro 11 – Habilitações Literárias

Habilitações Literárias Número Percentagem

Sem habilitações até ao 1.º ciclo (4.ª classe) 51 21,5

2º Ciclo (6º ano) e 3º Ciclo (9º ano) 86 36,3

Ensino Secundário (10º - 12º ano) e Curso Profissional 84 35,5

Curso Superior 14 5,9

Não Respondeu 2 0,8

Total 237 100,0

Estamos, assim, em presença de uma amostra em que os indivíduos se situam

predominantemente numa faixa que inclui os possuidores do 2.º e 3.º ciclo (36,3%) e os detentores

do ensino secundário e profissional, com 35,5% (num conjunto agregado de 71,8% da população

inquirida). Verifica-se ainda que os indivíduos com escolaridade até ao 1.º ciclo representam 21,5%

e que a percentagem mais escolarizada, com um curso superior, não vai além dos 5,9 %. Houve

ainda dois indivíduos que não responderam a esta questão.

229 Anexo 4: Caracterização sócio-demográfica da amostra, quadro 2 e 3, p. 17.

125

Analisando esta mesma questão mas segundo o género, verificamos pela análise do quadro 12

que são os indivíduos do sexo feminino os detentores de maiores habilitações, não só ao nível do

ensino superior (8,4% contra 2,9% dos homens) como também no secundário e profissional (37,4%

contra 33,3 % dos homens) e do 2º e 3ºCiclos (38,9% contra 33,3 % dos homens).

Quadro 12 – Habilitações literárias segundo o género

Género

Masculino Feminino

N Column % N Column % Sem habilitações até ao 1.º ciclo (4.ª classe) 31 29,6 20 15,3 2º Ciclo (6º ano) e 3º Ciclo (9º ano) 35 33,3 51 38,9 Ensino Secundário (10º - 12º ano) e Curso Profissional 35 33,3 49 37,4 Curso Superior 3 2,9 11 8,4 NS/NR 1 1 0 0

Habilitações Literárias

Total 105 100,0 131 100,0

Todavia, importa reter que, discriminados, todos os indicadores, verifica-se que o peso dos

cursos de formação profissional entre a formação das mulheres é inferior ao dos homens (1,5% para

5,7%). Os indivíduos do sexo masculino distribuem-se predominantemente entre o 2º Ciclo (33,3%)

e o ensino secundário e profissional (33,3%).230

3.2 Caracterização da Actividade Comercial de Elvas

3.2.1 Localização dos Estabelecimentos Comerciais

A análise ao comércio de Elvas foi realizada dividindo a cidade em treze zonas (gráfico 11).

Pretendeu-se inicialmente dividir os bairros da cidade, porém, por uma questão de continuidade

geográfica, semelhança e pouca representatividade quando analisados de forma isolada, optou-se

por agregar os Bairros de St.ª Luzia e S. Pedro. Outros bairros com representatividade igualmente

reduzida, não foram agregados pelo claro destaque geográfico que possuem.

230 Anexo 4: Caracterização sócio-demográfica da amostra, quadro 7, p. 19.

126

Gráfico 11 – Zona do Estabelecimento Comercial

8,9

0,4

1,3

1,7

1,7

2,5

2,1

1,3

3,4

2,1

2,1

6,3

66,2

0 10 20 30 40 50 60 70

Centro Histórico

Cidade Jardim

Jardim Municipal

Estrada Nacional nº 4

Belhó

Revoltilho

Bairro Europa

Raposeira

Bairro Rui de Melo

Bairro da Fonte Nova

Bairros de Sta. Luzia e S. Pedro

Bairro de Sto. Onofre

Bairro da Boa Fé

Fonte: Inquérito aos comerciantes de Elvas

Assim, a zona com maior número de inquéritos aplicados foi o Centro Histórico com 66,2%,

acompanhando de forma equilibrada a representatividade desta zona, relativamente às restantes.

Seguiu-se a Cidade Jardim (8,9%), Bairro da Boa Fé (6,3%) e com apenas 3,4% o Bairro da Fonte

Nova. As restantes localidades têm valores muito baixos em termos de representatividade.

3.2.2 Ramo da Actividade Comercial

Elvas tem uma actividade comercial diversificada como se constata pela análise do quadro 13,

tendo o maior destaque no ramo da restauração e bebidas (29,1%), seguindo-se o ramo das modas e

confecções (12,2%) e mercearia (9,3%). Os restantes ramos de actividade não têm valores muito

significativos.

Para além destas actividades, que no inquérito estavam pré-codificadas, deixou-se uma

questão em aberto para a identificação de outras actividades que aí não se enquadrassem. Assim,

127

houve 77 indivíduos que referiram outras actividades, as quais se encontram desagregadas e

totalmente descriminadas em anexo.231

Quadro 13 – Ramo da Actividade Comercial

Ramo da Actividade Comercial Número Percentagem

Restauração e bebidas 69 29,1

Modas e confecções 29 12,2

Mercearia 22 9,3

Papelaria 10 4,2

Informática e electrónica 5 2,1

Sapataria 5 2,1

Artigos ópticos 4 1,7

Electrodomésticos 4 1,7

Farmácia 3 1,3

Comunicações 2 0,8

Fotografia 2 0,8

Joalharia 2 0,8

Brinquedos 1 0,4

Livraria 1 0,4

Tabacaria e revistas 1 0,4

Outro 77 32,5

Total 237 100,0

3.2.3 Tempo de Actividade

A maioria dos comerciantes inquiridos (31,2%) refere que os seus estabelecimentos (por

referência ao momento da aplicação do inquérito), estão abertos há menos de 5 anos. A estes

seguem-se aqueles que dizem terem iniciado as suas actividades num período anterior ao inquérito

que se compreende entre os 5 e os 9 anos (28,3%). Com 21,1% encontramos os que têm as suas

actividades há mais de 20 anos e com 19% os que têm há mais de 10 e menos de 19 anos (gráfico

12).

231 Anexo 4: Caracterização sócio-demográfica da amostra, quadro 10, p. 21.

128

Gráfico 12 – Tempo da Actividade Comercial

0,421,1

19

28,3

31,2

Menos de 5 anos 5 a 9 anos 10 a 19 anos 20 anos ou mais NS/NR

Fonte: Inquérito aos comerciantes de Elvas

3.3 Percepção sobre os principais problemas dos comerciantes de Elvas

Pretendendo apreender de que forma os comerciantes de Elvas priorizavam os problemas que,

mais particularmente, os preocupavam, solicitou-se que os mesmos elencassem os três mais

significativos de entre uma lista de situações de natureza variada, nomeadamente, relacionadas com

as infra-estruturas urbanas, economia e mercado e, obviamente, com a segurança.232 Tentava-se

assim, perceber a posição da «segurança» no quadro de preocupações dos membros da amostra.

Os três principais problemas identificados pelos comerciantes de Elvas são essencialmente e

por ordem de importância, a “Falta de poder de compra dos clientes” (91,1%), “O IVA demasiado

alto” (83,5%) e a “Concorrência espanhola” (51,9%). A preocupação com “A falta de segurança”

surge como a quarta razão apontada pelos comerciantes, apenas referida em 19% dos casos, ou seja,

80,6% dos inquiridos não aponta a falta de segurança como um dos problemas prioritários do

comércio de Elvas, quando observado em face de outros.

O problema menos invocado pelos comerciantes recai sobre os vendedores ambulantes,

invocado por apenas 10,5% dos inquiridos (quadro 14).

232 Manteve-se ainda a possibilidade dos inquiridos acrescentarem ao elenco uma resposta não prevista. V. Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 2, p. 25.

129

Quadro 14 – Percepções sobre os maiores problemas do Comércio de Elvas

Opinião Problemas do Comércio de Elvas

Sim Não NR Total

Falta de poder de compra dos clientes 216

91,1% 20

8,4% 1

0,4% 237

100%

O IVA demasiado alto 198

83,5% 38

16,0% 1

0,4% 237

100%

A concorrência espanhola 123

51,9% 113

47,7% 1

0,4% 237

100%

A falta de segurança 45

19,0% 191

80,6% 1

0,4% 237

100%

Os vendedores ambulantes 25

10,5% 211

89,0% 1

0,4% 237

100%

As más acessibilidades (cargas e descargas) 41

17,3% 195

82,3% 1

0,4% 237

100%

Os licenciamentos e a fiscalização 33

13,9% 203

85,7% 1

0,4% 237

100%

Esta questão revela-se particularmente interessante quando comparada com outros estudos

feitos em Portugal.

No âmbito do inquérito de vitimação de 1994233, foi revelado que a população portuguesa

considerava como problema mais grave o da droga, com uma percentagem de 42%, seguindo-se o

desemprego com 28% e depois a criminalidade com 12%.

Num outro estudo publicado em 1999 e executado na cidade de Lisboa,234 foi pedido aos

inquiridos que indicassem os três principais problemas da sociedade portuguesa no momento da

entrevista. O problema considerado mais importante foi novamente o da droga com 29,5% das

respostas, seguindo-se o do desemprego com 27,9% das opiniões, e em terceiro lugar, com uma

diferença significativa, a criminalidade com 6,7%, resultados semelhantes aos obtidos no inquérito

de vitimação de 1994.

Em 2004, foram apresentados os resultados de um estudo semelhante, desta feita, levado a

cabo na ilha de S. Miguel235. Neste exemplo, questionaram-se os entrevistados sobre qual era o

principal problema da sociedade portuguesa, deixando a resposta à sua espontaneidade. Os

resultados, apesar de muito variados, incidiram sobretudo na problemática da droga (28%),

233 Inquérito de Vitimação de 1994 do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça, citado por Eduardo V. Ferreira (1998) pp. 11 a 13. 234 Esteves, A. (1999) p. 47

130

seguindo-se os políticos (5%), surgindo a criminalidade novamente em terceiro lugar com 4%, ex

equo com o desemprego, a falta de dinheiro e a falta de civismo.

Dos três estudos referidos, destacam-se duas preocupações não sujeitas a variação, apesar da

diferença entre os universos e o período de quase 10 anos que mediou entre o primeiro e o último

estudo.

A droga é apontada como primeira preocupação em todos aqueles, precedendo a

criminalidade, colocada em terceiro lugar na classificação. Ambas as problemáticas parecem ser

transversais, mas perfeitamente distintas uma da outra. Por outro lado, surge à evidência uma gama

de problemas de cariz social que encabeçam as principais preocupações dos cidadãos,

nomeadamente, o desemprego, a credibilidade da classe dirigente, a falta de recursos económicos, e

até, no caso de S. Miguel, a falta de civismo, factor indiciador de uma consciência de perda de

valores na relação entre pares.

Sendo o estudo de Elvas de cariz diferente, não faria sentido colocar a problemática da droga

como um dos itens do elenco destinado à selecção dos inquiridos, até porque, pretendendo-se

perceber onde estava a insegurança na escala dos problemas, não de todos os cidadãos, mas apenas

dos cidadãos comerciantes, tal problemática situar-se-ia sempre subsumida na da percepção geral da

insegurança.

Porém, destaca-se aqui o reduzido destaque dado pelos inquiridos às matérias relacionadas

com a criminalidade, quando perspectivadas em conjunto com problemas de natureza diferente,

sobretudo aqueles que mais facilmente interferem com a sua sobrevivência, no caso com a

continuidade da actividade.

No caso, procurou fazer-se um elenco daqueles que poderiam ser os problemas do comércio e

dos comerciantes, fazendo incluir na lista a “falta de segurança” entre problemas de outras

categorias.

235 Peixoto, A. (2004) p.79

131

Quadro 15 – Percepção dos maiores problemas do comércio de Elvas segundo o género

91 86,7% 124 94,7%

14 13,3% 6 4,6%

0 ,0% 1 ,8%

105 100,0% 131 100,0%

86 81,9% 111 84,7%

19 18,1% 19 14,5%

0 ,0% 1 ,8%

105 100,0% 131 100,0%

53 50,5% 70 53,4%

52 49,5% 60 45,8%

0 ,0% 1 ,8%

105 100,0% 131 100,0%

20 19,0% 24 18,3%

85 81,0% 106 80,9%

0 ,0% 1 ,8%

105 100,0% 131 100,0%

14 13,3% 11 8,4%

91 86,7% 119 90,8%

0 ,0% 1 ,8%

105 100,0% 131 100,0%

20 19,0% 21 16,0%

85 81,0% 109 83,2%

0 ,0% 1 ,8%

105 100,0% 131 100,0%

15 14,3% 18 13,7%

90 85,7% 112 85,5%

0 ,0% 1 ,8%

105 100,0% 131 100,0%

Maior problema do comércio de Elvas

Sim

Não

NS/NR

Total

Falta de poder de compra dos clientes

Sim

Não

NS/NR

Total

O IVA demasiado alto

Sim

Não

NS/NR

Total

A concorrência espanhola

Sim

Não

NS/NR

Total

A falta de segurança

Sim

Não

NS/NR

Total

Os vendedores ambulantes

Sim

Não

NS/NR

Total

As más acessibilidades (cargas e descargas)

Sim

Não

NS/NR

Total

Os licenciamentos e a fiscalização

N Column %

Masculino

N Column %

Feminino

Sexo do Inquirido

A escala dos problemas identificados no comércio de Elvas quando observados através do

cruzamento com a variável independente “género” (quadro 15), revelam diferenças muito ligeiras e

pouco significativas. Para ambos os sexos o maior problema do comércio de Elvas passa pela falta

de poder de compra dos clientes. O sexo feminino identifica ainda, numa percentagem ligeiramente

maior em comparação com o sexo masculino, o «IVA demasiado alto» e a «concorrência

espanhola». Já o sexo masculino, inclina-se numa percentagem ligeiramente maior para as questões

relacionadas com «os vendedores ambulantes», «as más acessibilidades» e «os licenciamentos e a

fiscalização».

Contudo, e como já expresso, as diferenças são insignificantes, podendo-se concluir que os

três grandes problemas são, efectivamente e para a generalidade dos inquiridos, de natureza

económica.

132

3.4 Vitimação e Revitimação

A grande maioria (70%) dos comerciantes inquiridos não foi vítima de furto, porém a amostra

revelou uma incidência bastante alta de vitimação. 29,5% dos inquiridos indicou que os seus

estabelecimentos já haviam sido alvo de assalto (quadro 16).

Quadro 16 – Estabelecimento alvo de furto

Estabelecimento Alvo de Furto Número Percentagem

Sim 70 29,5

Não 166 70,0

NS 1 0,4

Total 237 100,0

Analisando os estabelecimentos comerciais que foram alvo de assalto (quadro 17)

constatamos que, a maior incidência de assaltos foi revelada no Centro Histórico de Elvas (67,1%),

seguindo-se o Bairro da Boa Fé (12,9%) e Belhó (4,3%). Os estabelecimentos comerciais nas zonas

do Jardim Municipal, do Revoltilho e do Bairro Rui de Melo não sofreram assaltos.

Estes resultados explicam-se facilmente pelo elevado volume de estabelecimentos comerciais

existentes no centro histórico que foram seleccionados para a amostra (157) em relação a todo o

resto da cidade (80), reflectindo o universo correspondente.

Aos que já foram vítimas de furto (70 comerciantes), foi questionada a quantidade de vezes

que tinham sido vítimas de assaltado (quadro 18). A análise das respostas indica que em 2006, antes

de Julho (mês de aplicação do inquérito) 8,8% dos inquiridos já havia sido vitimado, pelo menos,

uma vez. Cinco (5) dos vinte e um (21) casos de vitimação auto-revelada são referem uma repetição

da vitimação e existe mesmo um caso em que o inquirido revelou ter sido assaltado três vezes.

133

Quadro 17 – Zona de maior incidência de assaltos

47 67,1% 110 66,3% 0 ,0% 157

2 2,9% 18 10,8% 1 100,0% 21

0 ,0% 1 ,6% 0 ,0% 1

1 1,4% 2 1,2% 0 ,0% 3

3 4,3% 1 ,6% 0 ,0% 4

0 ,0% 4 2,4% 0 ,0% 4

1 1,4% 5 3,0% 0 ,0% 6

1 1,4% 4 2,4% 0 ,0% 5

0 ,0% 3 1,8% 0 ,0% 3

2 2,9% 6 3,6% 0 ,0% 8

2 2,9% 3 1,8% 0 ,0% 5

2 2,9% 3 1,8% 0 ,0% 5

9 12,9% 6 3,6% 0 ,0% 15

70 100,0% 166 100,0% 1 100,0% 237

Zona do estabelecimento

Centro Histórico

Cidade Jardim

Jardim Municipal

Estrada Nacional nº 4

Belhó

Revoltilho

Bairro Europa

Raposeira

Bairro Rui de Melo

Bairro da Fonte Nova

Bairros de Sta. Luzia e S. Pedro

Bairro de Sto. Onofre

Bairro da Boa Fé

Total

N Column %

Sim

N Column %

Não

N Column %

NS/NR

N

Total

Estabelecimento alvo de furto com escalamento, arrombamento ou chave

falsa fora da hora de funcionamento

Nos cinco anos anteriores (período de 2000 a 2005), 19% dos inquiridos indicou ter sido

vítima de assalto, pelo menos uma vez. Os casos de uma revitimação representam 5,9% (14

eventos) e de duas revitimações (três assaltos) representam 1,3% ou três casos.

Antes do ano de 2000, 10,5% dos inquiridos declara ter sido vítima de assalto pelo menos

uma vez, sendo que 4,6% foi vítima mais do que uma vez.

Quadro 18 – Quantidade de vezes de que foi alvo de furto segundo o ano

167 70,5%

49 20,7%

15 6,3%

5 2,1%

1 ,4%

237 100,0%

167 70,5%

25 10,5%

28 11,8%

14 5,9%

3 1,3%

237 100,0%

167 70,5%

45 19,0%

14 5,9%

10 4,2%

1 ,4%

237 100,0%

Alvo de FurtoNão foram assaltados

Nenhuma

1 vez

2 vezes

3 vezes

Total

Em 2006

Não foram assaltados

Nenhuma

1 vez

2 vezes

3 vezes

Total

Entre 2005 e 2000

Não foram assaltados

Nenhuma

1 vez

2 vezes

4 vezes

Total

Antes de 2000

N Column %

134

Embora, estes dados não indiquem causas ou consequências para a revitimação, lançam pistas

para perceber que o fenómeno do furto no interior de estabelecimentos se encontra amplamente

instalado, ao ponto de existir um número significativo de casos de repetição. Estas repetições, ou,

coincidências entre o facto criminoso e o alvo, poderiam, mais do que qualquer outro evento, fazer

a população em estudo questionar-se sobre a extensão e gravidade do problema da criminalidade,

não sendo plausível, por isso, que o fenómeno lhes seja invisível.

Indo um pouco mais longe, quisemos saber se os comerciantes inquiridos conheciam, entre os

seus pares, outros que já pudessem ter sido vítimas de assalto. A esmagadora maioria dos

comerciantes inquiridos (83,5%) indicaram conhecer outros comerciantes que foram alvo de furto

nos últimos 10 anos. Apenas 16,5% revelaram não conhecer outros comerciantes nessas

circunstâncias.236 Não sendo este um indicador do volume e taxa de incidência deste tipo crime,

revela que os comerciantes estão apetrechados com informação sobre a vitimação e logo, o risco da

sua concretização, adquirida, não pela comunicação social ou por outras fontes, mas veiculada

através das relações pessoais que mantêm com os seus pares.

3.5 Representações sobre o desenvolvimento da criminalidade na última década

Na opinião da maioria dos comerciantes inquiridos (59,1%), a criminalidade em Elvas está a

aumentar, porém, 19% da amostra, contrariando a maioria, considera que a criminalidade está a

reduzir e é menor do que há 10 anos. Apenas 6,3% consideram que o fenómeno apenas é diferente e

uns expressivos 15,2% dos inquiridos, julgam que nada se alterou na última década (gráfico 13).

236 Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 5, p. 26.

135

Gráfico 13: Percepção sobre o desenvolvimento da criminalidade de Elvas na última década

59,1

15,2

6,3

0,4

19

0

10

20

30

40

50

60

70

Menor que há 10

anos

Maior que há 10

anos

Igual à de 10 anos Diferente de a de há

10 anos

NS/NR

Fonte: Inquérito aos comerciantes de Elvas

Atendendo às estatísticas policiais, percepciona-se claramente que o período anual onde

ocorreram mais assaltos a estabelecimentos (entre 1996 e 2006) foi o ano de 2005, tendo havido

entre esse ano e o ano anterior (1994) uma subida em mais 47 casos de furto no interior de

estabelecimento (representando uma subida de 69,1%). No ano seguinte (2006), as estatísticas

policiais revelam uma redução de 68 para 26 casos, representando um decréscimo em 61,1%.

O confronto destes dados revela que a maioria dos comerciantes de Elvas possuem uma

percepção do desenvolvimento positivo (crescimento) deste tipo de criminalidade, bastante

aproximado às estatísticas policiais da criminalidade registada, desconhecendo-se se terão igual

percepção sobre a sua descida.237

Dos inquiridos que referem que a criminalidade está a aumentar ou está diferente, 65,4%

apontam como as três principais razões, por ordem de importância: o desemprego (73,5%), a crise

económica (65,8%) e a fronteira luso – espanhola ser livre (43,9%). A razão menos invocada, com

apenas 6,5% é a auto-estrada Lisboa-Madrid.

237 As limitações temporais deste estudo, inibem o esclarecimento d a existência da percepção contrária: Os mesmos inquiridos terão igual noção do decrescimento deste tipo de crime?

136

As razões aqui apontadas para o crescimento ou alteração do conteúdo da criminalidade

conjugam-se com as percepções dos inquiridos sobre os problemas do comércio. Aí, a

criminalidade era apresentada como a quarta preocupação, sendo antecedida por três razões de

ordem eminentemente económica (a falta de poder de compra dos clientes, o IVA demasiado alto e

a concorrência espanhola); neste caso, a própria criminalidade é representada como sendo uma

consequência de factores eminentemente económicos, considerados problemáticos: o desemprego, a

crise económica e a questão da fronteira luso-espanhola.

Quadro 19 – Razões invocadas pelos comerciantes para justificar a subida ou as alterações das características da Criminalidade em

Elvas Opinião

Criminalidade em Elvas está a aumentar ou está diferente porque: Sim Não NR

Total

Falta eficácia às polícias 53

34,2% 100

64,5% 2

1,3% 155

100%

Falta eficácia aos Tribunais 51

32,9% 102

65,8% 2

1,3% 155

100%

A fronteira luso - espanhola é livre 68

43,9% 85

54,8% 2

1,3% 155

100%

A auto-estrada Lisboa - Madrid 10

6,5% 143

92,3% 2

1,3% 155

100%

A crise económica 102

65,8% 51

32,9% 2

1,3% 155

100%

O desemprego 114

73,5% 39

25,2% 2

1,3% 155

100%

Os imigrantes 50

32,3% 103

66,5% 2

1,3% 155

100%

A invocação de problemáticas ligadas à economia, quer seja por povoar genuinamente a

listagem de preocupações primeiras da população inquirida, quer seja por pulverização mimética

das crenças e dos discursos, é sistemática e recorrente quando se destina a justificar a existência e

origem de problemas de ordem diversa.

O discurso da problemática do desemprego parece ser transversal na sociedade portuguesa (Sá

et Reto 2002:93)238; acompanhando-o, a crise (económica) e o medo dela, parecem estar

intimamente ligados na vox populi, com a “condição” de ser português, motivo de fácil imputação

238 “[...] o desemprego, provavelmente não só como realidade mas como ameaça à segurança do emprego, constitui uma preocupação permanente dos portugueses, que, [...] reúne apreciações sistematicamente pessimistas.” (Sá et Reto 2002:94)

137

para os restantes males (nomeadamente o crime) para os quais, à falta de outra justificação, se

remete ainda frequentemente para a má governação (Sá et Reto 2002:97-99).

Na opinião dos mesmos inquiridos, existirão algumas medidas que se poderiam adoptar com o

intuito de reduzir a criminalidade em Elvas. São, assim, apontadas por ordem de importância, as

três acções seguintes: «mais rigor na aplicação da lei por parte dos Tribunais» (62,4%), «penas mais

pesadas» (56,5%) e «mais polícias» (54,4%). A medida menos referida pelos comerciantes, com

2,1% tem a ver com o investimento das vítimas em meios de segurança passiva (quadro 20).

É curioso observar que as justificações apontadas pelos inquiridos para o aumento da

criminalidade se encontram sustentadas, sobretudo, em factores sócio-económicos e circunstanciais

da vida da própria cidade (desemprego, crise económica e fronteira luso-espanhola livre), mas as

soluções apontadas para esse problema são de cariz penal e policial (Mais rigor punitivo dos

tribunais, penas mais pesadas e maior número de polícias), deixando para último plano o papel da

responsabilidade individual do cidadão e nunca aproveitando a possibilidade de acrescentar

medidas, nomeadamente medidas sociais e económicas, que pudessem fazer face aos problemas

geradores do aumento da criminalidade que foram encontrados.

Aparentemente, reside aqui uma grande discrepância entre o problema percepcionado e a

solução veiculada a qual se parece destinar a reprimir as consequências e não atender às causas

criminógenas, propriamente ditas.

Curiosamente, apenas quatro inquiridos (1,7%) indicaram como outra forma de reduzir a

criminalidade (fora do elenco de soluções pré-codificadas) a «criação de mais postos de trabalho», o

que, embora não se possa considerar um método linear para a redução da criminalidade, revela uma

solução coerente com as causas apontadas para o aumento da criminalidade, pela maioria dos

inquiridos.

138

Quadro 20 – Medidas adoptadas com o intuito de reduzir a Criminalidade em Elvas

Opinião Reduzir a criminalidade com:

Sim Não NR Total

Mais polícias 129

54,4% 107

45,1% 1

0,4% 237

100%

Mais meios materiais para a Polícia 90

38% 146

61,6% 1

0,4% 237

100%

Leis que facilitem mais a actuação policial 123

51,9% 113

47,7% 1

0,4% 237

100%

Penas mais pesadas 134

56,5% 102 43%

1 0,4%

237 100%

Mais rigor dos Tribunais a aplicar a lei 148

62,4% 88

37,1% 1

0,4% 237

100%

Câmara de vigilância nas ruas (CCTV) 31

13,1% 205

86,5% 1

0,4% 237

100%

Maior colaboração da população com as autoridades 24

10,1% 212

89,5% 1

0,4% 237

100%

Maior cuidado dos cidadãos 11

4,6% 225

94,9% 1

0,4% 237

100%

Investimento das vítimas em meios de segurança passiva 5

2,1% 231

97,5% 1

0,4% 237

100%

Ao cruzarmos estas respostas com as variáveis independentes sócio-demográficas,239

verificamos uma ligeira tendência para que os inquiridos do sexo masculino se inclinem mais para

soluções musculadas do tipo, «mais polícias», «mais meios materiais para as polícias» e «leis que

facilitem mais a actuação policial», enquanto que os membros do género feminino indicam uma

apetência ligeiramente maior para o reconhecimento da importância da acção individual, os meios

de segurança passiva mas, em contrapartida, demonstrando uma maior exigência relativamente à

acção do aparelho judicial, apelando a um maior rigor na aplicação das leis e a reformas legislativas

no sentido de aumentar as penas.

Na generalidade, também se verifica uma maior tendência para os indivíduos com mais de 50

anos de idade e uma escolaridade que não ultrapassa o 3.º ciclo, apontarem como principais factores

de redução da criminalidade, aquelas de cariz policial: «mais polícias» e «mais meios materiais para

as polícias».

De entre todos os escalões etários pré-definidos são, claramente, os indivíduos com menos de

30 anos de idade que mais frequentemente mencionam o «investimento das vitimas em meios de

239 Anexo 7: Outros cruzamentos com variáveis sócio-demográficas, quadro 2, p. 56.

139

segurança passiva», ainda que com uma percentagem tímida (4,7%), uma vez que o grosso da opção

desta faixa etária vai para as «penas mais pesadas» (60,5%).

3.6 Projecção da probabilidade de vitimação no futuro

Na generalidade, a projecção que os comerciantes de Elvas inquiridos fazem da possibilidade

dos seus estabelecimentos comerciais serem futuramente alvo de assalto distribui-se da seguinte

forma: a esmagadora maioria (70,9%) referem que é «muito provável» ou «provável» serem vítimas

de assalto contra 22,8% que referem que é «pouco provável». Havendo mesmo 3,8% de indivíduos

que dão como certo que irão ser vítimas de assalto, em contrapartida 1,3% refere que é

«impossível» virem a ser assaltados (gráfico 14).

Esta representação do risco é condizente com a percepção do desenvolvimento positivo da

criminalidade anteriormente descrito, concluindo-se que uma boa parte dos comerciantes elvenses

inquiridos se sente vulnerável e teme um futuro em que a vitimação lhe parece altamente provável.

Por outro lado, da leitura que se faz das suas opiniões sobre as estratégias a implementar para

o controlo da criminalidade, percebe-se um grande pendor para a adesão a soluções de base estatal e

eminentemente repressiva, sendo que a “privatização do risco”, ou seja, as iniciativas individuais de

autoprotecção, não parecem colher muitos adeptos. Essa conclusão pode-se extrair do confronto das

soluções mais apontadas para a resolução do problema da criminalidade240 e as menos apontadas:

«maior cuidado dos cidadãos» com apenas 4,6% e «investimento das vítimas em meios de

segurança passiva» com 2,1% das respostas (quadro 20).

140

Gráfico 14 – Probabilidade de vitimação de acordo com as potenciais vítimas

1,31,3

22,8

50,6

20,3

3,8

Certo Muito Provável Provável Pouco Provável Impossível NS/NR

Fonte: Inquérito aos comerciantes de Elvas

Neste contexto, pareceu-nos importante conhecer os meios de segurança passiva mais

implementados pelos comerciantes inquiridos.

3.7 Meios de segurança passiva nos estabelecimentos comerciais

Na generalidade e tendo em conta os dados do quadro 21, vislumbra-se que os comerciantes

inquiridos, não aderem de forma ampla à implementação de meios de segurança passiva, apesar da

maioria ter, pelo menos um dos meios indicados.

O meio de segurança passiva mais utilizado pelos comerciantes de Elvas (quadro 21) recai

sobre a colocação de grades mas montras (43,9%), seguindo-se as fechaduras reforçadas com

trancas (40,1%). Com valores um pouco mais reduzidos surge o alarme local (34,6%) e ligação à

central privada de alarmes (32,1%). O meio de segurança passiva menos utilizado (7,6%) por estes

comerciantes diz respeito à colocação de portas blindadas e vídeo vigilância (9,3%).

Todavia, dado o número e a variedade de estabelecimentos comerciais em análise, foi

intentado um cruzamento que permitisse descortinar a predominância de um ou mais meios de

240 Maior rigor dos tribunais a aplicar a lei (62,4%), Penas mais pesadas (56,5%), Mais polícias (54,4%).

141

segurança passiva em cada tipo de estabelecimento, bem como, a existência de meios de segurança

passiva típicos de um dado estabelecimento.

Quadro 21 – Meios de Segurança Passiva

Opinião Meios de Segurança Passiva

Sim Não NR Total

Possui alarme local 82

34,6% 155

65,4% 0

0% 237

100%

Possui ligação à central pública de alarmes 43

18,1% 193

81,4% 1

0,4% 237

100%

Possui ligação à central privada de alarmes 76

32,1% 160

67,5% 1

0,4% 237

100%

Possui grades nas montras 104

43,9% 132

55,7% 1

0,4% 237

100%

Possui portas blindadas 18

7,6% 218 92%

1 0,4%

237 100%

Possui fechaduras reforçadas com trancas 95

40,1% 141

59,5% 1

0,4% 237

100%

Possui vidros inquebráveis 55

23,2% 181

76,4% 1

0,4% 237

100%

Possui vídeo vigilância (CCTV) 22

9,3% 214

90,3% 1

0,4% 237

100%

O quadro 9 do anexo 5 (p. 28 dos anexos), agrupa os estabelecimentos visitados durante o

processo de aplicação dos inquéritos por tipo de actividade comercial fazendo, sobre cada um

destes, uma análise dos meios que, maioritariamente, possuem. Surge à evidência que a maioria dos

tipos de estabelecimentos alvo (não se trata aqui de analisar cada caso) do estudo possui, pelo

menos, um dos meios de segurança passiva sugeridos no elenco do inquérito (não significando com

isto que todos tenham meios de segurança passiva). 241

Percebe-se ainda da análise do mesmo quadro que existem dois estabelecimentos (tipo e

simultaneamente casos: joalharias) que possuem todos os meios de segurança passiva do elenco

pré-definido.

Esta opção poderá justificar-se por duas ordens de factores concorrentes. Em primeiro lugar, o

valor comercial do bem transaccionado, quer dentro, quer fora do circuito legal; em segundo lugar,

o volume de negócio associado aos dois estabelecimentos mencionados. O valor de uma jóia, pedra

ou metal precioso, aliado à sua dimensão, normalmente pequena, facilmente transportável e

241 Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 8 e 9, pp. 27 - 28.

142

ocultável, faz desses objectos, bens altamente apetecíveis do ponto de vista do crime aquisitivo.

Reconhecendo estas características, os comerciantes do ramo da joalharia, poderão agir

naturalmente em conformidade com as teorias da prevenção situacional, melhorando a defesa dos

seus estabelecimentos de forma a proteger a sua integridade e impedir a subtracção. Para os

comerciantes deste tipo de bens, compensará de forma mais óbvia, a implementação de métodos

destinados a desencorajar os potenciais delinquentes, tornando o alvo mais difícil (Increasing the

effort), pela colocação de grades, vidros e portas blindadas e aumentando o risco da acção

(Increasing the risks), com a colocação de câmaras de video-vigilância e alarmes locais e remotos,

reconhecendo que o delito executado com sucesso, será sempre altamente rentável para o

criminoso, sendo difícil actuar nesse campo (Reducing the rewards).

3.8 Estabelecimentos nunca assaltados que não possuem meios de segurança passiva

O inquérito foi planeado para distinguir entre os estabelecimentos que, no decénio anterior,

foram assaltados e aqueles que não o foram. Posteriormente a esta separação, intentou-se perceber

se cada uma das categorias tinha ou não meios de segurança passiva e posteriormente perceber as

razões que cada um dos grupos apontava para as suas opções. Assim, questionaram-se os

comerciantes que não haviam sido alvo de furto nos dez anos anteriores ao inquérito e que não

possuíam meios de segurança passiva, porque razões não implementavam essas medidas de

autoprotecção.

De uma forma geral, a percepção desses comerciantes (quadro 22) é de que a segurança dos

cidadãos é obrigação e responsabilidade das Instituições e do Estado (13,5%), seguindo-se o facto

de não acharem provável que os seus estabelecimentos venham a ser alvo de furto (7,2%). Apenas

2,1% dos comerciantes referem que a responsabilidade pela segurança dos estabelecimentos é

exclusiva das autoridades policiais.

143

Quadro 22 – Justificação dada pelos comerciantes que não foram vítimas de furto nos últimos 10 anos, para não ter meios de

segurança passiva

Factores Número Percentagem

Não acha provável o seu estabelecimento ser alvo de furto 17 7,2

Confia que as patrulhas policiais garantem vigilância suficiente 9 3,8

Responsabilidade da segurança é exclusiva das autoridades policiais 5 2,1

Instituições e Estado têm obrigação de zelar pela segurança dos cidadãos 32 13,5

NS/NR 1 0,4

Total 64 27,0

Outros casos 173 73,0

Total 237 100,0

Ao proceder a uma análise cruzando as variáveis sócio-demográficas (Anexo 5: Percepções e

estratégias dos comerciantes, quadro 10 e 11, pp. 29 – 30 dos anexos), verifica-se que não existe

uma diferenciação relevante entre géneros, uma vez que a opinião mais frequente em qualquer dos

sexos é a de que as instituições e o Estado têm obrigação de zelar pela segurança dos cidadãos.

Retenha-se, porém, que 34,3% das mulheres inquiridas referiu não achar provável que o seu

estabelecimento venha a ser assaltado contra apenas 17,2% dos homens, o que indica que entre as

mulheres existe uma maior confiança e optimismo em relação à segurança (Idem).

Analisando a mesma questão mas agora segundo os escalões etários aos quais os inquiridos

pertencem, verificamos que é a faixa entre os 30 e os 69 anos de idade, aquela que mais tende para a

responsabilização do Estado pela segurança dos cidadãos. Também aqui se nota que são os

indivíduos com menos de 30 anos de idade que revelam maior confiança e sensação de imunidade,

pois embora existindo 45,5% destes que indiquem igualmente que «as instituições e o Estado têm

obrigação de zelar pela segurança dos cidadãos», 36,4% afirmam ser pouco provável vir a ser

vitimado (Idem).

Por fim e em relação às habilitações literárias, verificamos que existe um ligeira diferenciação

em relação aos inquiridos detentores com o ensino secundário e curso profissional. Os inquiridos

que possuem habilitações até ao 3º ciclo e curso superior são aqueles cuja opinião reforça a

tendência anterior de que «as instituições e o estado têm obrigação de zelar pela segurança dos

144

cidadãos». Os inquiridos detentores do ensino secundário e curso profissional têm uma maior

tendência para julgar que os seus estabelecimentos não irão ser alvo de furto.242

Após estas análises podemos concluir que este grupo de inquiridos não encerra diferenças

acentuadas de opinião, excepto quando observados no prisma das suas habilitações literárias.

Globalmente considerada, a população em análise tende para confiar nas soluções estatais,

alheando-se de qualquer intervenção de tipo subjectivo.

3.9 Estabelecimentos nunca assaltados que possuem meios de segurança passiva

Tornou-se pertinente analisar os estabelecimentos que nunca tinham sido alvo de furto mas

que, contrariamente à categoria anteriormente analisada, possuíam meios de segurança passiva.

Desta forma e de acordo com a leitura do quadro 31 do anexo 5,243 verificamos que, de uma forma

geral, os estabelecimentos que possuem meios de segurança passiva, adquiriram-nos num dos três

momentos principais seguintes: em primeiro lugar quando montaram o negócio (66,9%), outros

quando assumiram o negócio o estabelecimento comercial já os possuía (21,9) e por último, quando

a comunicação social começou a falar de crimes (3,8%).

O facto de outros comerciantes terem sido alvo de assalto, não foi apontado como uma razão

de peso na decisão de adquirirem meios de segurança passiva (apenas com 1,3% das respostas),

muito embora, como já analisado anteriormente, 83,5% de todos os comerciantes inquiridos terem

indicado conhecer outros comerciantes que foram alvo de furto nos últimos 10 anos.

As três principais razões mais apontadas para justificar a decisão de aquisição de meios de

segurança passiva foram, por ordem de importância (quadro 23): «dever de se protegerem a si

242 Após esta análise descritiva e com o intuito de se verificar se existe, ou não, associação entre as duas varáveis em apreço, aplicou-se o teste de Coeficiente V de Cramer. Os dados apurados, permitem concluir que existe uma relação de associação média (0,537) entre a opinião que os inquiridos têm sobre o facto do estabelecimento comercial não ter sido alvo de furto nos últimos 10 anos nem possuir meios de segurança passiva e as suas habilitações (Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 11, p. 30 e quadro 16, p. 31). 243 Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 31, p. 42.

145

próprios» (77,9%), «terem medo de serem assaltados» (74,5%), «percepção do aumento do crime»

(66,9%).

Na sua grande maioria os comerciantes agora em análise consideram «provável» (52,4%) os

seus estabelecimentos serem futuramente alvo de assalto, 18,1% afirmam ser mesmo «muito

provável» e 3,6% consideram «certo» que essa possibilidade se concretize, enquanto existe ainda

uma faixa significativa de 24,7% destes inquiridos que, imbuídos de maior confiança afirmam ser

«Pouco provável» virem a ser vitimados.244

Quadro 23 – Razões que pesaram na decisão de adquirirem meios de segurança passiva

16 10,3%

136 87,7%

3 1,9%

155 100,0%

120 77,9%

32 20,8%

2 1,3%

154 100,0%

114 74,5%

37 24,2%

2 1,3%

153 100,0%

23 14,9%

129 83,8%

2 1,3%

154 100,0%

47 30,5%

105 68,2%

2 1,3%

154 100,0%

103 66,9%

49 31,8%

2 1,3%

154 100,0%

Razão da Aquisição

Sim

Não

NR

Total

O seguro exigiu

Sim

Não

NR

Total

Tem o dever de se proteger a si

próprio

Sim

Não

NR

Total

Tem medo de ser assaltado

Sim

Não

NR

Total

A polícia não se preocupa e não

faz nada

Sim

Não

NR

Total

A polícia não tem capacidade

para garantir a segurança

Sim

Não

NR

Total

O crime está a aumentar

N Column %

Assim, a procura de meios de segurança passiva pela generalidade dos membros deste grupo

em particular, reflecte uma percepção de aumento da criminalidade e o receio de ser vitimado que

conduz e justifica a autoprotecção. São os que percepcionam uma tendência crescente da

criminalidade, que julgam estar mais sujeitos à vitimação e que, por consequência, pensam ser

provável ou certo vir a ser vitimados, aqueles que mais investem em meios de segurança passiva.

As suas preocupações com a segurança, materializadas nas acções de prevenção e implementação

146

de medidas de autoprotecção, poderão ser o fundamento da sua menor propensão para a

vitimação.245 Note-se que para a maioria dos comerciantes que nunca foram alvo de assalto (57,8%)

a percepção que têm em relação à criminalidade em Elvas, é de que esta está maior do que há 10

anos, por outro lado cerca de 22% consideram que a criminalidade é menor do que há 10 anos.

Apenas 6,6% consideram-na diferente de a de 10 anos.246

Quadro 24 – Percepção dos comerciantes que nunca foram alvo de assalto sobre a situação da criminalidade em Elvas e os métodos com vista à sua redução

36 21,7%

96 57,8%

23 13,9%

11 6,6%

166 100,0%

93 56,0%

73 44,0%

166 100,0%

54 32,5%

112 67,5%

166 100,0%

84 50,6%

82 49,4%

166 100,0%

93 56,0%

73 44,0%

166 100,0%

108 65,1%

58 34,9%

166 100,0%

23 13,9%

143 86,1%

166 100,0%

20 12,0%

146 88,0%

166 100,0%

9 5,4%

157 94,6%

166 100,0%

3 1,8%

163 98,2%

166 100,0%

Criminalidade em Elvas e Métodos com vista à sua redução

Menor que há 10 anos

Maior que há 10 anos

Igual à de 10 anos

Diferente de a de há 10 anos

Total

Situação da Criminalidade

Sim

Não

Total

Mais polícias

Sim

Não

Total

Mais meios materiais para a Polícia

Sim

Não

Total

Leis que facilitem mais a actuação

policial

Sim

Não

Total

Penas mais pesadas

Sim

Não

Total

Mais rigor dos Tribunais a aplicar a lei

Sim

Não

Total

Câmara de vigilância nas ruas (CCTV)

Sim

Não

Total

Maior colaboração da população com as

autoridades

Sim

Não

Total

Maior cuidado dos cidadãos

Sim

Não

Total

Investimento das vítimas em meios de

segurança passiva

N Percentagem

244 Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 33, p. 44. 245 Depois desta análise descritiva procedeu-se à verificação da existência de alguma relação de dependência entre as variáveis em estudo. Assim, e considerando que estamos na presença de uma variável ordinal (“Probabilidade do estabelecimento ser futuramente assaltado”) e outra dicotómica (possui meios de segurança passiva, em que cada indicador tem uma escala dicotómica de sim e não), aplicou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov, sendo que, o resultado revelou não existir dependência nenhuma entre as variáveis em causa. A conclusão dada pela verificação executada, vai de encontro à interpretação descritiva feita anteriormente, já que para os comerciantes, independentemente de possuírem ou não meios de segurança passiva, tendem a julgar com desconfiança a sua segurança no futuro, considerando ser «provável» e «muito provável» virem a ser futuramente assaltados, Vd. Anexo 8: Outros Testes Kolmogorov – Smirnov, quadros 4, 8, 12, 16, 20, 24, 28 e 32.

147

Quanto aos métodos com vista à redução da criminalidade em Elvas, estes comerciantes são

da opinião de que, em primeiro lugar, deveria haver mais rigor por parte dos Tribunais na aplicação

da lei (65,1%), em segundo e com o mesmo grau de importância as penas deveriam ser mais

pesadas e deveria haver mais policiamento (56%). As questões ligadas à acção dos cidadãos nestas

temáticas, são pouco sugestionadas, apesar de ser esta população, aquela que se encontra mais

precavida.

Em síntese, poder-se-á dizer que, os dados disponíveis indicam, novamente, existir uma

tendência para as instâncias formais. Na opinião dos inquiridos, a segurança é uma responsabilidade

das autoridades, que deverão agir de forma a diminuírem a criminalidade.247

Porém, esta faixa da amostra, não obstante nunca ter sido vitimizada, tende à implementação

de mais meios de segurança passiva, revelando um maior pessimismo em relação à sua segurança

no futuro, e não descartando a tendência, aparentemente transversal, para as soluções de cariz

estatal.

Este conjunto de características indicia que, entre os comerciantes que nunca foram

assaltados, existe um grupo cuja sensação de vulnerabilidade, impõe um maior investimento em

protecções. Todavia, esse investimento não afasta o sentimento de insegurança, nem faz com que os

comerciantes se julguem menos sujeitos ao risco de assalto, uma vez que continuam a projectar um

futuro incerto no que concerne a sua segurança, apelando ainda a medidas estatais que reforcem e

apoiem o seu próprio investimento.

3.10 Estabelecimentos que foram assaltados

Em relação aos estabelecimentos que foram alvo de furto nos 10 anos anteriores ao inquérito

(70 estabelecimentos), também achámos pertinente perceber que meios de segurança passiva

246 Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 34, p. 45. 247 Idem.

148

possuem, quando é que os adquiriram, se foi antes ou depois de terem sido assaltados, bem como,

porque razão o fizeram.

Assim, e em conformidade com o quadro 25, constatamos que de uma forma geral, a maioria

dos estabelecimentos que possuem meios de segurança passiva, adquiriram-nos em primeiro lugar

quando montaram o negócio (45,7%), outros, depois de terem sido assaltados (27,1%) e por último,

quando assumiram o negócio, o estabelecimento comercial já os possuía (10%).

O facto da comunicação social ter começado a falar em crimes, em nada parece ter

contribuído para a tomada de decisão do comerciante em adquirirem meios de segurança passiva.

Após esta análise constatamos que a maioria dos comerciantes de Elvas já assaltados possuem, pelo

menos, um meio de segurança passiva. As três principais razões apontadas, por ordem de

importância, para a aquisição de meios de segurança passiva após terem sido assaltos, passaram por

(quadro 26): o crime está a aumentar (43,3%); têm medo de voltarem a ser assaltados (41,8%);

dever de se protegerem a si próprios (40,3%).

149

ESTABELECIMENTOS QUE FORAM ALVO DE ASSALTO

14 51,9% 2 7,4% 0 ,0% 9 33,3% 2 7,4% 0 ,0% 27

18 41,9% 1 2,3% 0 ,0% 10 23,3% 5 11,6% 9 20,9% 43

32 45,7% 3 4,3% 0 ,0% 19 27,1% 7 10,0% 9 12,9% 70

6 42,9% 1 7,1% 0 ,0% 6 42,9% 1 7,1% 0 ,0% 14

26 46,4% 2 3,6% 0 ,0% 13 23,2% 6 10,7% 9 16,1% 56

32 45,7% 3 4,3% 0 ,0% 19 27,1% 7 10,0% 9 12,9% 70

11 50,0% 1 4,5% 0 ,0% 8 36,4% 2 9,1% 0 ,0% 22

21 43,8% 2 4,2% 0 ,0% 11 22,9% 5 10,4% 9 18,8% 48

32 45,7% 3 4,3% 0 ,0% 19 27,1% 7 10,0% 9 12,9% 70

16 45,7% 0 ,0% 0 ,0% 12 34,3% 6 17,1% 1 2,9% 35

16 45,7% 3 8,6% 0 ,0% 7 20,0% 1 2,9% 8 22,9% 35

32 45,7% 3 4,3% 0 ,0% 19 27,1% 7 10,0% 9 12,9% 70

2 33,3% 0 ,0% 0 ,0% 2 33,3% 1 16,7% 1 16,7% 6

30 46,9% 3 4,7% 0 ,0% 17 26,6% 6 9,4% 8 12,5% 64

32 45,7% 3 4,3% 0 ,0% 19 27,1% 7 10,0% 9 12,9% 70

14 45,2% 1 3,2% 0 ,0% 13 41,9% 2 6,5% 1 3,2% 31

18 46,2% 2 5,1% 0 ,0% 6 15,4% 5 12,8% 8 20,5% 39

32 45,7% 3 4,3% 0 ,0% 19 27,1% 7 10,0% 9 12,9% 70

8 61,5% 2 15,4% 0 ,0% 1 7,7% 2 15,4% 0 ,0% 13

24 42,1% 1 1,8% 0 ,0% 18 31,6% 5 8,8% 9 15,8% 57

32 45,7% 3 4,3% 0 ,0% 19 27,1% 7 10,0% 9 12,9% 70

3 42,9% 1 14,3% 0 ,0% 3 42,9% 0 ,0% 0 ,0% 7

29 46,0% 2 3,2% 0 ,0% 16 25,4% 7 11,1% 9 14,3% 63

32 45,7% 3 4,3% 0 ,0% 19 27,1% 7 10,0% 9 12,9% 70

Possuem meios de segurança passiva

Sim

Não

Total

Alarme local

Sim

Não

Total

Ligação a central pública de alarmes

Sim

Não

Total

Ligação a central privada de alarmes

Sim

Não

Total

Grades nas montras

Sim

Não

Total

Portas blindadas

Sim

Não

Total

Fechaduras reforçadas com trancas

Sim

Não

Total

Vidros inquebráveis

Sim

Não

Total

Vídeo vigilância (CCTV)

N Row %

Quando montou /

fundou o negócio

N Row %

Quando outros

comerciantes

foram assaltados

N Row %

Quando a

comunicação

social começou

a falar do crime

N Row %

Depois de ter sido

assaltado

N Row %

Não adquiriu. Já

axistiam quando

assumiu o

negócio

N Row %

Outro

N

Total

Adquiriu meios de segurança passiva

Quadro 25 – Meios de segurança passiva e o momento da sua aquisição

150

Na opinião da maioria dos comerciantes que já foram vítimas de assalto (independentemente

de possuírem ou não meios de segurança passiva), é «provável» e até «muito provável» virem a ser

(novamente) vítimas de assalto no futuro (quadro 27).

Quadro 26 – Razões que pesaram na aquisição de meios de segurança passiva

0 ,0

42 62,7

25 37,3

67 100,0

27 40,3

15 22,4

25 37,3

67 100,0

28 41,8

14 20,9

25 37,3

67 100,0

4 6,0

38 56,7

25 37,3

67 100,0

16 23,9

26 38,8

25 37,3

67 100,0

29 43,3

13 19,4

25 37,3

67 100,0

Razão da AquisiçãoSim

Não

NR

Total

O seguro o exigiu

Sim

Não

NR

Total

Tem o dever de se proteger a

si próprio

Sim

Não

NR

Total

Tem medo de voltar a ser

assaltado

Sim

Não

NR

Total

A polícia não se preocupa e

não faz nada

Sim

Não

NR

Total

A polícia preocupa-se mas

não tem capacidade

Sim

Não

NR

Total

O crime está a aumentar

N Percentagem

Pela análise do quadro 27 constata-se que dos estabelecimentos que possuem ligação à central

privada de alarmes, vídeo vigilância, alarme local e ligação à central pública de alarmes, os seus

comerciantes acham «provável» virem a ser futuramente alvo de assalto (63,6%, 57,1%, 51,9% e

50%, respectivamente), por outro lado, os estabelecimentos que não possuem grades nas mostras

(54,3%) também manifestam a mesma opinião.248

248 Após esta análise descritiva, procedeu-se à verificação da existência de alguma relação de dependência entre as variáveis em estudo. Assim, e considerando que estamos na presença de uma variável ordinal (“Probabilidade do estabelecimento ser futuramente assaltado”) e outra dicotómica (possui meios de segurança passiva, em que cada indicador tem uma escala dicotómica de sim e não), aplicou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov, sendo que a análise vem reforçar a interpretação descritiva feita anteriormente, já que para os comerciantes, independentemente de possuírem ou não meios de segurança passiva, as suas opiniões são unânimes demonstrando assim, uma tendência homogénea quanto ao facto de ser provável e muito provável virem a ser novamente assaltados no futuro, o que significa não existir dependência nenhuma entre as variáveis em causa, Vd. Anexo 8: Outros Testes Kolmogorov – Smirnov, quadros 2, 6, 10, 14, 18, 22, 26 e 30.

152

ESTABELECIMENTOS QUE FORAM ALVO DE ASSALTO

1 3,7% 8 29,6% 14 51,9% 3 11,1% 0 ,0% 1 3,7% 27

2 4,7% 10 23,3% 18 41,9% 10 23,3% 3 7,0% 0 ,0% 43

3 4,3% 18 25,7% 32 45,7% 13 18,6% 3 4,3% 1 1,4% 70

1 7,1% 4 28,6% 7 50,0% 0 ,0% 1 7,1% 1 7,1% 14

2 3,6% 14 25,0% 25 44,6% 13 23,2% 2 3,6% 0 ,0% 56

3 4,3% 18 25,7% 32 45,7% 13 18,6% 3 4,3% 1 1,4% 70

1 4,5% 6 27,3% 14 63,6% 1 4,5% 0 ,0% 0 ,0% 22

2 4,2% 12 25,0% 18 37,5% 12 25,0% 3 6,3% 1 2,1% 48

3 4,3% 18 25,7% 32 45,7% 13 18,6% 3 4,3% 1 1,4% 70

2 5,7% 12 34,3% 13 37,1% 6 17,1% 1 2,9% 1 2,9% 35

1 2,9% 6 17,1% 19 54,3% 7 20,0% 2 5,7% 0 ,0% 35

3 4,3% 18 25,7% 32 45,7% 13 18,6% 3 4,3% 1 1,4% 70

0 ,0% 2 33,3% 2 33,3% 2 33,3% 0 ,0% 0 ,0% 6

3 4,7% 16 25,0% 30 46,9% 11 17,2% 3 4,7% 1 1,6% 64

3 4,3% 18 25,7% 32 45,7% 13 18,6% 3 4,3% 1 1,4% 70

1 3,2% 11 35,5% 12 38,7% 6 19,4% 0 ,0% 1 3,2% 31

2 5,1% 7 17,9% 20 51,3% 7 17,9% 3 7,7% 0 ,0% 39

3 4,3% 18 25,7% 32 45,7% 13 18,6% 3 4,3% 1 1,4% 70

0 ,0% 2 15,4% 6 46,2% 4 30,8% 0 ,0% 1 7,7% 13

3 5,3% 16 28,1% 26 45,6% 9 15,8% 3 5,3% 0 ,0% 57

3 4,3% 18 25,7% 32 45,7% 13 18,6% 3 4,3% 1 1,4% 70

1 14,3% 1 14,3% 4 57,1% 1 14,3% 0 ,0% 0 ,0% 7

2 3,2% 17 27,0% 28 44,4% 12 19,0% 3 4,8% 1 1,6% 63

3 4,3% 18 25,7% 32 45,7% 13 18,6% 3 4,3% 1 1,4% 70

Possuem meios de segurança passiva

Sim

Não

Total

Alarme local

Sim

Não

Total

Ligação a central pública

de alarmes

Sim

Não

Total

Ligação a central privada

de alarmes

Sim

Não

Total

Grades nas montras

Sim

Não

Total

Portas blindadas

Sim

Não

Total

Fechaduras reforçadas

com trancas

Sim

Não

Total

Vidros inquebráveis

Sim

Não

Total

Vídeo vigilância (CCTV)

N Row %

Certo

N Row %

Muito Provável

N Row %

Provável

N Row %

Pouco Provável

N Row %

Impossível

N Row %

NS/NR

N

Total

Probabilidade do estabelecimento ser futuramente assaltado

Quadro 27 – Meios de segurança passiva e projecção da possibilidade de virem a ser futuramente assaltados

153

3.11 Contrato de Seguro

Quando questionados sobre possuírem ou não seguro contra furto, 76,8% dos inquiridos

responderam afirmativamente, enquanto que 22,4% responderam negativamente.249

Tentando perceber se o facto dos comerciantes terem ou não um seguro contra furtos,

contribuía para a diminuição dos assaltos de que poderiam vir a ser alvo, verificou-se que 28% dos

comerciantes que possuem seguro foram vítimas de assalto, enquanto que 71,4% não foram alvo de

furto (quadro 28). Dos que não possuem nenhum seguro, 35,8% foram vítimas de assalto, enquanto

que 64,2% não foram alvo de furto.250

Quadro 28 – Comparação da incidência de furto entre comerciantes com e sem seguro

51 28,0% 130 71,4% 1 ,5% 182 100,0%

19 35,8% 34 64,2% 0 ,0% 53 100,0%

0 ,0% 2 100,0% 0 ,0% 2 100,0%

Possui seguro

contra a furtos

Sim

Não

NS/NR

N

% por

seguro

Sim

N

% por

seguro

Não

N

% por

seguro

NS/NR

N

% por

seguro

Total

Estabelecimento alvo de furto

Estes dados indiciam que a existência de seguro não tem uma relação directa com o potencial

de vitimação, nem aumenta a segurança do estabelecimento. A sua existência não é um factor de

redução do risco de assalto mas tão-somente do controlo ou limitação do impacto do dano. Porém, a

opção de limitar os prejuízos decorrentes do crime com a contratação de um seguro pode estar

associada a outros investimentos em meios de segurança passiva.

Tornou-se imperativo analisar outra associação: Os comerciantes que possuem seguro contra

furtos, possuem outros meios de segurança passiva? A partir de uma análise qualitativa dos dados

expostos no quadro 29, conclui-se que a maioria dos indicadores são mais elevados no grupo dos

inquiridos que possuem seguro e meios de segurança passiva, podendo-se supor que a opção de

249 Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 6, p. 26.

154

possuir um seguro contra furtos poderá influenciar a decisão de recorrer a meios materiais de

segurança passiva, aumentando a segurança e reduzindo o risco de assalto. 251

Quadro 29 – Seguro contra furtos e meios de segurança passiva

73 40,1% 8 15,1% 1 50,0% 82

109 59,9% 45 84,9% 1 50,0% 155

182 100,0% 53 100,0% 2 100,0% 237

38 20,9% 5 9,4% 0 ,0% 43

143 78,6% 48 90,6% 2 100,0% 193

1 ,5% 0 ,0% 0 ,0% 1

182 100,0% 53 100,0% 2 100,0% 237

70 38,5% 5 9,4% 1 50,0% 76

112 61,5% 47 88,7% 1 50,0% 160

0 ,0% 1 1,9% 0 ,0% 1

182 100,0% 53 100,0% 2 100,0% 237

82 45,1% 21 39,6% 1 50,0% 104

99 54,4% 32 60,4% 1 50,0% 132

1 ,5% 0 ,0% 0 ,0% 1

182 100,0% 53 100,0% 2 100,0% 237

16 8,8% 2 3,8% 0 ,0% 18

165 90,7% 51 96,2% 2 100,0% 218

1 ,5% 0 ,0% 0 ,0% 1

182 100,0% 53 100,0% 2 100,0% 237

75 41,2% 18 34,0% 2 100,0% 95

106 58,2% 35 66,0% 0 ,0% 141

1 ,5% 0 ,0% 0 ,0% 1

182 100,0% 53 100,0% 2 100,0% 237

41 22,5% 14 26,4% 0 ,0% 55

140 76,9% 39 73,6% 2 100,0% 181

1 ,5% 0 ,0% 0 ,0% 1

182 100,0% 53 100,0% 2 100,0% 237

17 9,3% 5 9,4% 0 ,0% 22

164 90,1% 48 90,6% 2 100,0% 214

1 ,5% 0 ,0% 0 ,0% 1

182 100,0% 53 100,0% 2 100,0% 237

Possui meios de segurança passiva

Sim

Não

Total

Alarme local

Sim

Não

NS/NR

Total

Ligação a central pública de alarmes

Sim

Não

NS/NR

Total

Ligação a central privada de alarmes

Sim

Não

NS/NR

Total

Grades nas montras

Sim

Não

NS/NR

Total

Portas blindadas

Sim

Não

NS/NR

Total

Fechaduras reforçadas com trancas

Sim

Não

NS/NR

Total

Vidros inquebráveis

Sim

Não

NS/NR

Total

Video vigilância (CCTV)

N Column %

Sim

N Column %

Não

N Column %

NS/NR

N

Total

Possui seguro contra furtos

Dever-se-á ter ainda em atenção o detalhe de que, das razões para a aquisição de meios de

segurança passiva apontadas pelos inquiridos, a “exigência da seguradora” foi a menos indicada

250 Esta análise meramente descritiva revela-nos que os comerciantes que possuem seguro contra furtos têm menos 7,8% casos de vitimação mas, por outro lado, também verificamos que existe uma grande percentagem de comerciantes que não possuindo seguro, também não foram vítimas de assalto. 251 Após esta observação meramente descritiva, partiu-se para o teste à independência entre as variáveis, possuir meios de segurança passiva e ter ou não seguro. Para tal e considerando que estamos perante duas variáveis dicotómicas foi aplicado o teste de Qui-Quadrado. Do output obtido por este teste (Vd. Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 24, p. 36) verifica-se que não é possível dar continuidade a esta análise, uma vez que as condições de aplicabilidade do mesmo não são satisfeitas. Desta forma e como alternativa foi realizado o Coeficiente V de Cramer com o intuito de se verificar se existe, ou não, associação estatística entre as duas variáveis em estudo, verificando-se que existe, efectivamente, uma relação de associação entre estes dois meios de segurança passiva e o facto de ter ou não seguro, porém essa associação estatística é fraca devido ao valor do coeficiente (0,221 e 0,200 respectivamente). Os quadros discriminativos contendo estes testes foram suprimidos dos anexos.

155

quer pelos comerciantes já assaltados (0%)252, quer por aqueles que nunca o foram (10,3%).253 Esta

revelação indicia que a opção de adicionar ao seguro, meios de autoprotecção, é uma iniciativa dos

próprios comerciantes, reforçando as suas defesas e limitando o impacto potencial do dano.

A análise do gráfico 15 revela que, a maioria dos estabelecimentos que já foram alvo de

assalto possuem seguro contra furtos (72,9%).

Gráfico 15 – Situação dos estabelecimentos já assaltados quanto à posse de seguro contra furtos

72,9

27,1

Sim Não

Fonte: Inquérito aos comerciantes de Elvas

Dando continuidade à análise, achou-se pertinente verificar se o facto do estabelecimento ter

ou não um seguro contra furto, teria influência na confiança com que os inquiridos já assaltados

enfrentavam o seu futuro. Assim, solicitou-se-lhes que graduassem a probabilidade de virem a ser

novamente assaltados. Pela análise do quadro 30, constata-se que, o facto do estabelecimento ter ou

não um seguro contra furto, não influência de forma relevante (considerando outros cruzamentos

efectuados) a opinião dos inquiridos sobre a probabilidade de revitimação futura, sendo que 78,5%

dos inquiridos declarou que essa repetição é «certa», «muito provável» ou «provável». A maioria

destes comerciantes (61,4%) acha também que a criminalidade em Elvas está maior do que há 10

anos, por outro lado cerca de 18,6% consideram que a mesma esta igual do que há 10 anos (quadro

31).

252 Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 26, p. 38. 253 Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 32, p. 43.

156

Quadro 30 – Situação dos estabelecimentos possuidores de seguro, já assaltados, quanto à probabilidade de virem a ser novamente assaltados

Possui seguro contra furtos

Sim Não Total Probabilidade do estabelecimento se futuramente assaltado

N Column % N Column % N Certo 2 3,9 1 5,3 3 Muito Provável 14 27,5 4 21,1 18 Provável 24 47,1 8 42,1 32 Pouco Provável 10 19,6 3 15,8 13 Impossível 1 2,0 2 10,5 3 NS/NR 0 ,0 1 5,3 1 Total 51 100,0 19 100,0 70

No seguimento destas ideias, de acordo com os dados expostos no quadro 31 e como já

aflorado anteriormente, também estes comerciantes são de opinião que a redução da criminalidade

passa por penas mais pesadas (58,6%), mais rigor por parte dos Tribunais na aplicação da lei

(57,1%), pela implementação de leis que facilitem mais a actuação policial (55,7%), mais

policiamento e mais meios materiais para as autoridades policiais (50%).

Todos estes métodos sugeridos pelos comerciantes se inclinam para instâncias formais,

fazendo com que as soluções subjectivas, não sejam bem acolhidas. Em síntese, poder-se-á dizer

que, os dados disponíveis indicam existir, também nestes casos, uma tendência para as instâncias

formais. A colaboração da população com as autoridades, um maior cuidado dos cidadãos e um

investimento das vítimas em meios de segurança passiva, não são ideias expressas por parte destes

inquiridos como forma de redução da criminalidade (quadro 31).

Não se consegue saber se as companhias seguradoras exigem dos seus segurados uma atitude

mais pró-activa, no sentido destes adquirirem meios de segurança passiva com vista a reduzir o

risco de assalto, levando a uma redução da anuidade do seguro ou em troca de outros benefícios,

uma vez que essa questão não faz parte do questionário.

Assim sendo, a relação indirecta que se podia estabelecer entre o facto do estabelecimento ter

seguro e possuir meios de segurança passiva, com a sua menor propensão para o assalto, não

acontece unicamente nestes estabelecimentos em particular. Os estabelecimentos que não possuem

157

seguro nem tem meios de segurança passiva, também são menos assaltados, o que fragiliza a

hipótese de relação entre os dois aspectos enunciados.

Quadro 31 – Situação da Criminalidade em Elvas e métodos com vista à sua redução

(inquiridos possuidores de seguro, já assaltados)

9 12,9%

43 61,4%

13 18,6%

4 5,7%

1 1,4%

70 100,0%

35 50,0%

34 48,6%

1 1,4%

70 100,0%

35 50,0%

34 48,6%

1 1,4%

70 100,0%

39 55,7%

30 42,9%

1 1,4%

70 100,0%

41 58,6%

28 40,0%

1 1,4%

70 100,0%

40 57,1%

29 41,4%

1 1,4%

70 100,0%

7 10,0%

62 88,6%

1 1,4%

70 100,0%

4 5,7%

65 92,9%

1 1,4%

70 100,0%

2 2,9%

67 95,7%

1 1,4%

70 100,0%

2 2,9%

67 95,7%

1 1,4%

70 100,0%

Criminalidade em Elvas e Métodos com vista à reduçãoMenor que há 10 anos

Maior que há 10 anos

Igual à de 10 anos

Diferente de a de há 10 anos

NS/NR

Total

Situação da criminalidade

Sim

Não

NS/NR

Total

Mais polícias

Sim

Não

NS/NR

Total

Mais meios materiais para a Polícia

Sim

Não

NS/NR

Total

Leis que facilitem mais a actuação

policial

Sim

Não

NS/NR

Total

Penas mais pesadas

Sim

Não

NS/NR

Total

Mais rigor dos Tribunais a aplicar a lei

Sim

Não

NS/NR

Total

Câmara de vigilância nas ruas (CCTV)

Sim

Não

NS/NR

Total

Maior colaboração da população com

as autoridades

Sim

Não

NS/NR

Total

Maior cuidado dos cidadãos

Sim

Não

NS/NR

Total

Investimento das vítimas em meios de

segurança passiva

N Percentagem

158

3.12 Acção dos comerciantes após terem sido vítimas de assaltos

Como se tem vindo a referir houve 70 estabelecimentos da amostra que, antes do momento de

aplicação do inquérito haviam já sido alvo de assalto, pelo menos, uma vez nos 10 anos que o

antecederam. Após estas ocorrências os comerciantes agiram, privilegiando, sempre em primeiro

lugar, uma comunicação às entidades policiais não se desejando, contudo, procedimento criminal

(40%). Em segundo plano, 35,7% dos comerciantes manifestaram o desejo de iniciarem sempre

procedimento criminal. Refira-se que houve 11 comerciantes que não manifestaram as suas

opiniões, quanto às acções tomadas após terem sido vítimas de assalto (quadro 32), sendo que esta

ausência de resposta estava prevista no inquérito.254

Quadro 32 – Conduta após ocorrência de assalto

25 35,7

28 40,0

0 ,0

2 2,9

4 5,7

11 15,7

70 100,0

Posição tomada sempre que o estabelecimento foi alvo de furtoDesejou sempre procedimento criminal

Comunicou sempre à Polícia mas não desejou proced. criminal

Nem sempre desejou procedimento criminal

Nem sempre comunicou à Polícia

Nunca comunicou nem desejou procedimento criminal

NR

Total

N Percentagem

Salienta-se que houve um número reduzido entre os comerciantes inquiridos (5,7%) que, após

ter sido vítima de assalto, não comunicou, de todo, o facto às autoridades. Nestes casos, a opção

sustentou-se no facto do impacto material do crime ser reduzido, não justificando, na opinião deste

grupo, a informação às autoridades ou a apresentação de queixa-crime. Este raciocínio revela que a

comunicação ou a demonstração formal de procedimento criminal junto das autoridades é

condicionada, não por um sentimento de dever cívico para com a comunidade de potenciais vítimas

e portanto por razões de natureza de prevenção geral, mas pelo impacto individual do facto.

Demonstra ainda que o recurso às autoridades pós-facto pode ser instrumental e apenas intentado

em face de um juízo valorativo da vítima em relação à gravidade, não do crime, mas do seu

resultado material.

159

Analisando de uma forma mais detalhada, nota-se que, dos 35,7% comerciantes inquiridos

que desejaram sempre procedimento criminal (quadro 32), a esmagadora maioria (76%) fê-lo com o

intuito de penalizar os criminosos, enquanto que outros, tencionaram apenas alertar a polícia,

recuperar bens furtados e agir de forma correcta, ambas as razões com um peso percentual de 12%

(quadro 33).

Dos que comunicaram sempre à polícia, mas não desejaram procedimento criminal (40%) a

maioria, fê-lo com a simples razão de recuperar algum material que tivesse sido furtado (53,6%),

enquanto outros o fizeram apenas como forma de alertar a polícia (35,7%). Também houve aqueles

que nem sempre comunicaram à polícia e fizeram-no por considerarem que o prejuízo foi baixo e

não justificava a comunicação. De igual modo, os comerciantes que nunca comunicaram às

entidades policiais nem desejaram procedimento criminal, também adoptaram esta medida pela

mesma razão, ou seja, pelo facto do prejuízo ser baixo e não justificar a queixa.255

Estes valores indiciam que um dos factores determinantes para a opção de formalizar ou não

procedimento penal é o valor do furto, onde podemos supor estar incluído o dano provocado com a

eventual introdução forçada, ou outros. Mais uma vez o factor material / económico, condiciona a

conduta dos inquiridos, como já foi possível observar anteriormente.

254 Trata-se daqueles que foram assaltados e têm meios de segurança passiva mas que, no entanto, não responderam à P15 nem à P16. 255 Procurando verificar a intensidade da relação entre a variável criminalidade em Elvas (P22) e a variável probabilidade de assalto (P25), utilizamos o Coeficiente de Correlação de Spearman, dado que estamos em presença de duas variáveis ordinais. O quadro 4 do Anexo 6: Conduta após a vitimação, p. 51, mostra que existe uma associação positiva fraca ou directa (o que significa que a variação de duas variáveis se processa no mesmo sentido) que, não sendo estatisticamente significativa, pode levar a concluir que a opinião destes inquiridos sobre a situação criminal em Elvas pouco influencia a sua percepção sobre a possibilidade de virem a ser assaltados no futuro.

159

0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0

3 12,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 3

19 76,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 19

3 12,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 3

25 100,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 25

0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0

0 ,0% 10 35,7% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 10

0 ,0% 15 53,6% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 15

0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0

0 ,0% 1 3,6% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 1

0 ,0% 1 3,6% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 1

0 ,0% 1 3,6% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 1

0 ,0% 28 100,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 28

0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0

0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0

0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0

0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0

0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0

0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 2 100,0% 0 ,0% 2

0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0

0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0

0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 2 100,0% 0 ,0% 2

0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 4 100,0% 4

0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0

0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0

0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0

0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 4 100,0% 4

Razão que pesou na decisão

O seguro o exigia

Para alertar a Polícia

Penalizar os criminosos

Outro

Total

Desejar procedimento criminal

O seguro não o exigia

Apenas para alertar a Polícia

Para que pudesse recuperar algum

material

A queixa não produz melhores resultados

O procedimento criminal representa um

incómodo p/ o queixoso

Outro motivo

NR

Total

Comunicar sempre à polícia mas

não desejar procedimento criminal

Prejuízo baixo e não justificava a queixa

Já tinha feito antes e PSP não rec.mat.

nem deteve suspeitos

Depois de apresentar queixa é-se muito

incomodado pela PSP

Depois de apresentar queixa é-se muito

inc. pelo Tribunal

Total

Não desejar procedimento criminal

Prejuízo baixo e não justificava a

comunicação

Já tinha feito antes e PSP não fez nada

A comunicação não tem valor algum

Total

Não comunicar sempre à polícia

Prejuízo baixo e não justificava a queixa

Já tinha feito antes e PSP não rec.mat.

nem deteve suspeitos

Após apres.queixa foi mt incomodado

p/PSP c/ dilig.inquérito

Após apresentar queixa foi mt

incomodado p/Tribunal c/dilig.

Total

Não comunicar nem desejar

procedimento criminal

N Column %

Desejou sempre

procedimento

criminal

N Column %

Comunicou sempre

à Polícia mas não

desejou proced.

criminal

N Column %

Nem sempre

desejou

procedimento

criminal

N

Column

%

Nem sempre

comunicou à

Polícia

N

Column

%

Nunca

comunicou nem

desejou

procedimento

criminal

N

Total

Posição tomada sempre que o estabelecimento foi alvo de furto

Quadro 33 – Razões que pesaram na tomada de posição sempre que o estabelecimento foi alvo de furto

160

3.13 Relações entre as variáveis sócio-demográficas e as percepções sobre o risco

Analisaram-se as opiniões dos inquiridos relativamente aos factores susceptíveis de reduzir a

criminalidade em função das variáveis independentes: género, capital escolar e escalão etário,

tendo-se ainda em consideração as mesmas variáveis quanto à posição assumida pelas vítimas

sempre que o estabelecimento foi alvo de furto.

Dando início a esta análise, no que ao género diz respeito e de acordo com a observação do

quadro 34, verifica-se que existem algumas diferenças em termos de valorização dos factores

referidos como redutores da criminalidade na localidade de Elvas. Neste sentido, o género feminino

valoriza em primeiro lugar o maior rigor dos Tribunais na aplicação da lei (68,7%), sendo de que

este mesmo factor aparece para os membros do género masculino como o terceiro mais valorizado

(55,2%). O segundo factor mais valorizado para o sexo feminino passa pela existência de penas

mais pesadas (58,8%), enquanto que para o sexo masculino, o segundo factor tem a ver com mais

policiamento (58,1%). Este último factor é o terceiro mais valorizado pelo género feminino

(51,1%).

Pelo que foi observado poder-se-á dizer que os factores referidos para redução da

criminalidade, com excepção do factor “Mais rigor dos Tribunais a aplicar a lei”, não são

influenciados pelo género dos inquiridos, havendo unanimidade sobre a importância de uma

máquina penal rigorosa.256

256 Após esta observação descritiva, partiu-se para o teste à independência entre as variáveis, factores de redução da criminalidade e o género. Para tal e considerando que estamos perante duas variáveis dicotómicas foi aplicado o teste de Qui-Quadrado. Do output obtido por este teste (Vd. Anexo 7: Cruzamentos com variáveis sócio-demográficas, quadro 3, p. 57) verifica-se que não é possível analisá-los por via do teste Qui-Quadrado, considerando que as condições de aplicabilidade do mesmo não são satisfeitas. Desta forma e como alternativa foi realizado o Coeficiente V de Cramer com o intuito de se verificar se existe, ou não, alguma associação entre os mesmos factores e o género. Da análise dos quadros 4 a 20 do anexo 7, verifica-se que a hipótese é nula, excepto para o factor “Mais rigor dos Tribunais a aplicar a lei”. Esta constatação revela que, mesmo não sendo possível dar continuidade à análise do teste Qui-Quadrado, existe efectivamente uma relação de associação entre este factor “Mais rigor dos Tribunais a aplicar a lei” e o género, porém,

161

Com o objectivo de avaliar a coerência entre os factores de redução de criminalidade e os

escalões etários dos inquiridos, foi igualmente estabelecida uma relação entre ambos.

Reportando-nos novamente ao quadro 34, verificamos que a maioria dos indivíduos com

menos de 30 anos consideram como aspecto mais importante a existência de penas mais pesadas

(60,5%), enquanto que os indivíduos com mais de 30 anos valorizam mais o rigor dos Tribunais na

aplicação da lei. Em relação ao segundo factor mais valorizado, os indivíduos com menos de 30

anos e com mais de 50 consideram que é necessário haver mais polícias (58,1% e 60,6%,

respectivamente), enquanto que para os indivíduos pertencentes ao escalão etário dos 30 aos 49

anos se valoriza a existência de penas mais pesadas (58,6%).257

essa associação é fraca (No estudo deste coeficiente considera-se uma associação tanto mais fraca quando mais os valores apurados se afastam de 1), devido ao valor do coeficiente (0,155). 257 Tendo partido para a verificação da independência das variáveis em estudo, constatámos estar perante uma variável dicotómica e outra ordinal, sendo aplicado o teste de Kolmogorov-Smirnov. Do output resultante deste teste (quadros 21 a 38 do anexo 7) indica que significa não existe, do ponto de vista estatístico, qualquer dependência entre as variáveis em causa.

162

61 58,1% 47 44,8% 62 59,0% 56 53,3% 58 55,2% 10 9,5% 9 8,6% 2 1,9% 1 1,0%

67 51,1% 43 32,8% 61 46,6% 77 58,8% 90 68,7% 20 15,3% 15 11,5% 9 6,9% 4 3,1%

128 54,2% 90 38,1% 123 52,1% 133 56,4% 148 62,7% 30 12,7% 24 10,2% 11 4,7% 5 2,1%

25 58,1% 19 44,2% 18 41,9% 26 60,5% 24 55,8% 7 16,3% 5 11,6% 4 9,3% 2 4,7%

56 48,3% 36 31,0% 67 57,8% 68 58,6% 76 65,5% 15 12,9% 13 11,2% 4 3,4% 3 2,6%

40 60,6% 29 43,9% 36 54,5% 33 50,0% 42 63,6% 6 9,1% 6 9,1% 2 3,0% 0 ,0%

5 55,6% 5 55,6% 1 11,1% 5 55,6% 5 55,6% 2 22,2% 0 ,0% 1 11,1% 0 ,0%

126 53,8% 89 38,0% 122 52,1% 132 56,4% 147 62,8% 30 12,8% 24 10,3% 11 4,7% 5 2,1%

36 70,6% 26 51,0% 22 43,1% 28 54,9% 30 58,8% 7 13,7% 3 5,9% 1 2,0% 0 ,0%

50 58,1% 23 26,7% 48 55,8% 47 54,7% 53 61,6% 13 15,1% 9 10,5% 3 3,5% 4 4,7%

39 46,4% 36 42,9% 45 53,6% 50 59,5% 55 65,5% 9 10,7% 11 13,1% 7 8,3% 1 1,2%

3 21,4% 5 35,7% 8 57,1% 8 57,1% 10 71,4% 1 7,1% 1 7,1% 0 ,0% 0 ,0%

1 50,0% 0 ,0% 0 ,0% 1 50,0% 0 ,0% 1 50,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0%

129 54,4% 90 38,0% 123 51,9% 134 56,5% 148 62,4% 31 13,1% 24 10,1% 11 4,6% 5 2,1%

Masculino

Feminino

Total

Sexo

Menos de 30 anos

Dos 30 aos 49 anos

Dos 50 aos 69 anos

Mais de 69 anos

Total

Escalões

Etários

Até ao 1º Ciclo (4º ano)

2º e 3º Ciclo (6º - 9º ano)

Ens. Secundário (10º - 12º

ano) e Curso Profissional

Curso Superior

NR

Total

Habilitações

Literárias

N Row %

Mais polícias

N Row %

Mais meios

materiais para

a Polícia

N Row %

Leis que

facilitem mais

a actuação

policial

N Row %

Penas mais

pesadas

N Row %

Mais rigor dos

Tribunais a

aplicar a lei

N Row %

Câmara de

vigilância

nas ruas

(CCTV)

N Row %

Maior

colaboração da

população com

as autoridades

N Row %

Maior

cuidado dos

cidadãos

N Row %

Investimento

das vítimas

em meios de

seg. passiva

Factores de Redução da Criminalidade

Quadro 34 – Factores de Redução da Criminalidade e Características Escolares/Biográficas

(Nota: Os valores indicados representam, para cada factor de redução da criminalidade, a percentagem de inquiridos que respondeu positivamente)

163

Quanto às habilitações (quadro 34), verificamos que existe alguma homogeneidade, no seio

dos inquiridos, para a tendência de considerar a intensificação do rigor dos tribunais na aplicação da

lei, como o principal factor conducente à redução da criminalidade (62,4% de todas as opiniões). Os

indivíduos com menor capital de instrução escolar, são os que claramente destacam como principal

solução para os problemas da criminalidade, o aumento dos efectivos policiais (70,6%), porém

colocando 58,8% das suas opiniões na solução mais indicada pela maioria.

Curiosamente, a generalidade das opiniões dirige-se para a acção do aparelho judicial, o qual,

não obstante estar a uma relativa distância do cidadão comum, aparece antes das soluções policiais.

Esta tendência poderá indiciar que os inquiridos reconhecem que a acção policial está condicionada

pela acção dos tribunais, quer do ponto de vista da aplicação da lei e penalização dos criminosos,

quer pelo controlo que é exercido sobre a acção policial. Não é à polícia que se dirigem a maioria

dos apelos, mas sim à justiça.

Da verificação da existência de uma associação entre a escolaridade e a solução encontrada

para a redução da criminalidade258 veio a concluir-se que o capital escolar dos inquiridos influencia

a sua posição perante esta questão, embora a associação encontrada seja frágil.

A posição tomada sempre que o estabelecimento foi alvo de furto, apresenta em termos de

género (quadro 35) algumas diferenças ligeiras, uma vez que a maioria dos homens (48,5%) optam

por comunicar sempre à polícia mas não desejam procedimento criminal, enquanto que a maioria

das mulheres (35,1%), aparentemente mais adeptas da formalidade de procedimentos, optam em

primeiro lugar, pelo procedimento criminal.259

258 Para a verificação da existência, ou não, de associação entre as duas variáveis, recorreu-se ao Coeficiente V de Cramer. Da análise dos quadros 4 a 20, do anexo 7, verifica-se que o valor do Coeficiente de V de Cramer para as variáveis: “leis que facilitem mais a actuação da polícia”, “penas mais pesadas”, “câmara de vigilância nas ruas (CCTV)”, “maior colaboração da população com as autoridades” e “maior cuidado dos cidadãos”, é superior ao nível de significância, ou seja, não existe associação estatística entre estas variáveis e as habilitações literárias. Por outro lado, o valor do Coeficiente de V de Cramer para as variáveis: “mais polícias”, “mais meios materiais para a polícia”, “mais rigor dos Tribunais a aplicar a lei” e “investimento das vítimas em meios de segurança passiva”, é inferior ao nível de significância, isto é, existe uma associação entre estas variáveis e as habilitações literárias. Porém trata-se de uma associação fraca devido aos seus baixos valores. 259 Após esta observação descritiva, executou-se o teste à independência entre as variáveis, posição tomada e o género. Aplicou-se o teste de Qui-Quadrado (quadro 49, do anexo 7: Outros cruzamentos com variáveis sócio-demográficas, p.68) com resultado improcedente. Em alternativa, foi realizado o Coeficiente V de Cramer (quadro 50, do anexo 7:

164

Analisando estas mesmas posições, agora de acordo com os escalões etários (quadro 35),

constatamos que os indivíduos com menos de 30 anos e com idades compreendidas entre os 50 e os

69 anos tendem a optar mais facilmente por efectuar uma comunicação dos factos à polícia mas sem

desejarem procedimento criminal (36,4% e 55%), enquanto que os indivíduos com mais de 69 anos e

com idades compreendidas entre os 30 e os 49 anos optam, em primeiro lugar, pelo procedimento

criminal (40% e 42,4%).260

Outros cruzamentos com variáveis sócio-demográficas, p.68) verificando-se não existir uma associação estatística significativa entre a posição tomada sempre que o estabelecimento foi alvo de furto e o género. 260 No seguimento desta interpretação e pretendendo verificar se as distribuições de opinião em relação à posição tomada sempre que o estabelecimento foi alvo de furto variam em função dos escalões etários (idade), e como estamos perante uma variável nominal e outra ordinal foi aplicado o teste de Kruskal-Wallis. Da análise do quadro 51 do anexo 7, p. 68, verifica-se que é possível concluir que a distribuição de opiniões sobre as posições tomadas sempre que o estabelecimento é alvo de furto entre os escalões etários, não é estatisticamente relevante.

165

12 36,4% 16 48,5% 0 ,0% 0 ,0% 1 3,0% 4 12,1% 33

13 35,1% 12 32,4% 0 ,0% 2 5,4% 3 8,1% 7 18,9% 37

25 35,7% 28 40,0% 0 ,0% 2 2,9% 4 5,7% 11 15,7% 70

3 27,3% 4 36,4% 0 ,0% 0 ,0% 2 18,2% 2 18,2% 11

14 42,4% 11 33,3% 0 ,0% 2 6,1% 1 3,0% 5 15,2% 33

6 30,0% 11 55,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 3 15,0% 20

2 40,0% 1 20,0% 0 ,0% 0 ,0% 1 20,0% 1 20,0% 5

25 36,2% 27 39,1% 0 ,0% 2 2,9% 4 5,8% 11 15,9% 69

7 31,8% 10 45,5% 0 ,0% 0 ,0% 1 4,5% 4 18,2% 22

12 42,9% 13 46,4% 0 ,0% 1 3,6% 0 ,0% 2 7,1% 28

5 29,4% 4 23,5% 0 ,0% 1 5,9% 3 17,6% 4 23,5% 17

1 33,3% 1 33,3% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 1 33,3% 3

25 35,7% 28 40,0% 0 ,0% 2 2,9% 4 5,7% 11 15,7% 70

Masculino

Feminino

Total

Sexo

Menos de 30 anos

Dos 30 aos 49 anos

Dos 50 aos 69 anos

Mais de 69 anos

Total

Escalões

Etários

Até ao 1º Ciclo (4º ano)

2º e 3º Ciclo (6º - 9º ano)

Ens. Secundário (10º - 12º

ano) e Curso Profissional

Curso Superior

Total

Habilitações

Literárias

N Row %

Desejou sempre

procedimento

criminal

N Row %

Comunicou

sempre à Polícia

mas não desejou

proced. criminal

N Row %

Nem sempre

desejou

procedimento

criminal

N Row %

Nem sempre

comunicou à

Polícia

N Row %

Nunca comunicou

nem desejou

procedimento

criminal

N Row %

NS/NR

N

Total

Posição tomada sempre que o estabelecimento foi alvo de furto

Quadro 35 – Posição perante o furto e características sócio-demográficas

166

3.14 Definição de Perfis dos Comerciantes de Elvas

O desenvolvimento de todas as análises que foram feitas ao longo desta dissertação,

demonstram-nos as possíveis relações existentes entre as variáveis. Desta forma e com a

intenção de definirmos grupos de comerciantes, traçaram-se perfis dos mesmos, tendo em

conta que, de acordo com o seu perfil os comerciantes tomam decisões em relação à escolha

de meios de segurança passiva, bem como a sua posição perante o facto de serem assaltados.

Deste modo, optou-se pela utilização da Análise de Homogeneidade (HOMALS)261,

uma vez que esta permite formar subgrupos distintos, através dos quais é possível identificar

as associações, afastamentos e oposições entre variáveis. Assim, o recurso à análise das

correspondências enquanto técnica privilegiada de estudo estatístico numa investigação, parte

do pressuposto de que existem relações preferenciais entre variáveis. Através deste tratamento

múltiplo procurou-se identificar e quantificar de forma optimizada uma solução discriminante

entre as variáveis.

Para o estudo proposto procedemos à leitura dos resultados em apenas duas dimensões,

tendo em conta que são as que apresentam maior variância explicada por cada dimensão,

segundo os seus valores próprios (Anexo 9: Homals, quadro 4, p. i). A interpretação e análise

261 Técnica que visa reduzir os dados de forma a representar a estrutura da relação entre variáveis nominais, em poucas dimensões, normalmente duas ou três. Esta técnica estatística inscreve-se na linha da análise multidimensional dos dados, também designada de optimização da escala, segundo a tradição dos estudos anglo-saxónicos. Parte do pressuposto da existência de relações bi e multivariadas entre variáveis. A leitura dos resultados da análise de correspondências incide sobre as contribuições de cada variável para a construção das dimensões obtidas. Este teste é particularmente apropriado à abordagem simultânea de múltiplos indicadores e ao tratamento de variáveis qualitativas (extensível a variáveis quantitativas desde que transformadas em qualitativas). A HOMALS vai submeter os dados qualitativos de input a um processo de quantificação. A transformação desencadeada tem por objectivo estimar quantificações óptimas para os parâmetros em análise: categorias e objectos. A cada categoria será associada uma quantificação e a cada objecto um score. O objectivo deste teste passa por formar subgrupos distintos, através dos quais é possível identificar as associações, afastamentos e oposições entre variáveis. É fundamental a análise das relações entre os múltiplos indicadores seleccionados, na perspectiva de pesquisar as suas configurações. Essas diferentes configurações podem permitir identificar grupos de indivíduos que, coexistindo no mesmo espaço, partilham sistemas distintos de perfis. Da análise do posicionamento relativo detido por esses grupos, decorre a possibilidade de se aferir o tipo de relações estabelecidas entre eles. Fala-se em homogeneidade no sentido em que a proximidade de um certo número de categorias (de diferentes variáveis) induz a presença de indivíduos que partilham tendencialmente as mesmas

167

dos resultados foi, por sua vez, dividida em duas etapas. Na primeira, procedemos à leitura do

quadro de quantificações por variável e por dimensão, incidindo principalmente nas variáveis

cujos scores eram mais relevantes. Quanto maior for o score, a quantificação, mais

discriminante é a variável. A segunda etapa foi dedicada à leitura da projecção gráfica das

combinações múltiplas estabelecidas. Para a sua interpretação utilizamos um critério

dedutivo, de segmentação do geral para o particular, isto é, analisando em primeiro lugar a

tendência de comportamento global das variáveis no espaço, dividindo-o posteriormente nas

duas dimensões consideradas, e por último, segmentando-as por quadrantes. Para a construção

de cada agrupamento de variáveis, teve-se preferencialmente em conta, as categorias cujas

projecções se mostraram mais discriminantes para o conjunto. Os resultados das

correspondências foram interpretados à luz de um sistema de oposições entre as variáveis que

mais caracterizam cada agrupamento.

Através da leitura das tabelas das quantificações, é possível identificar alguns subgrupos

tendencialmente partilhados pelos mesmos indivíduos (Anexo 9: Homals, quadros 4 a 17).262

Desta leitura, podemos referir que na primeira dimensão se opõem os comerciantes que

tendencialmente têm menos de 50 anos, com habilitações literárias entre o 3º Ciclo (9º anos) e

o Ensino Superior, em que os seus estabelecimentos comerciais têm menos de 10 anos de

actividade e possuem meios de segurança passiva, tais como: alarme local, ligação à central

pública e privada de alarmes, vidros inquebráveis e vídeo vigilância, aos que, pelo contrário,

têm mais de 50 anos, em que as suas habilitações literárias vão desde aqueles que não sabem

ler, que sabem ler e escrever e 1º (4º anos) e 2º Ciclos (6º ano), em que os seus

estabelecimentos comerciais têm mais de 10 anos de actividade e não possuem nenhuns meios

de segurança passiva.

características. Assim, a diferentes núcleos de homogeneidade correspondem grupos de indivíduos com perfis distintos, mas que coexistem, com maior ou menor proximidade, no mesmo espaço.

168

Quadro n.º 36 – Discriminação das características das personagens oponentes da primeira dimensão de análise

1.ª DIMENSÃO Características Comerciante tipo 1 Comerciante tipo 2

Idade do inquirido - 50 Anos + 50 Anos

Habilitações literárias 3.º Ciclo /ensino superior Sem escolaridade / 2.º ciclo

Tempo de actividade do estabelecimento

- 10 Anos + 10 Anos

Existência de meios de segurança passiva

Sim, possui

X

Não possui

A segunda dimensão, opõe os comerciantes que tendencialmente não foram alvo de

assalto e não possuem nenhuns meios de segurança passiva, aos que foram assaltados e

possuem meios de segurança passiva.

Os primeiros, aqueles que não foram alvo de assalto e não possuem nenhuns meios de

segurança passiva acham que, por essa razão, será certo e provável virem a ser alvo de

assalto; contudo, existem também alguns que mantêm a opinião de que é impossível serem

vítimas de assalto.

Aqueles que, pelo contrário, foram assaltados e possuem meios de segurança passiva,

tais como: grades nas montras, portas blindadas, fechaduras reforçadas com trancas,

consideram que, por esse motivo, é pouco provável virem a ser vítimas de assalto; porém,

existem também alguns que acham muito provável virem a serem vítimas de assalto no

futuro.

Quadro n.º 37 – Discriminação das características das personagens oponentes da segunda dimensão de análise

2.ª DIMENSÃO Características Comerciante tipo 1 Comerciante tipo 2

Já foi vítima de assalto Não Sim

Existência de meios de segurança passiva Não possui

X Sim, possui

De seguida, recorrendo à análise do gráfico bidimensional (figura 5), constituído pela 1ª

e 2ª dimensões, passamos à descrição das imagens planas, sendo possível identificar os

diferentes perfis destes comerciantes, tendo sido possível identificar três perfis.

262 As variáveis a negrito nos quadros são as contempladas em cada dimensão para identificação dos perfis dos comerciantes

169

Podemos observar que o 1º Grupo de comerciantes ao qual chamamos os “Muito

Prevenidos” é constituído tendencialmente por comerciantes que tem mais de 69 anos de

idade, que sabem ler e escrever e têm o 2º Ciclo (6º ano), os seus estabelecimentos comerciais

têm entre os 10 e os 19 anos de actividade e já foram assaltados. Como tal, utilizam meios de

autoprotecção contra novos possíveis assaltos, isto é, possuem meios de segurança passiva,

tais como: Portas blindadas, fechaduras reforçadas com trancas, grades nas montras, mesmo

assim acham muito provável virem a ser vítimas de assalto no futuro.

No grupo dos “Desprevenidos” encontramos tendencialmente os comerciantes

pertencentes ao escalão etário entre os 50 e os 69 anos de idade, que não sabem ler ou têm o

1º Ciclo (4º ano), os seus estabelecimentos comerciais têm 20 anos ou mais anos de

actividade, nunca foram assaltados, não são adeptos de meios de autoprotecção, não

utilizando nenhum meio de segurança passiva, considerando que é impossível virem a ser

vítimas de assalto.

Em oposição a este grupo temos o grupo dos “Pouco Prevenidos”, o qual é constituído

tendencialmente por comerciantes que menos de 50 anos de idade, que têm como habilitações

literárias o 3º Ciclo (9º ano), Curso Superior e Profissional, os seus estabelecimentos

comerciais têm menos de 10 anos de actividade e nunca foram assaltados. Utilizam alguns

meios de segurança passiva, tais como: Ligação à central pública e privada de alarmes, vídeo

vigilância. Não têm grades nas montras, nem vidros inquebráveis e dão como certo virem a

ser vítimas de assalto no futuro.

É de referir que neste plano as categorias “ensino secundário”, “alarme local” e os que

consideram “pouco provável” e “provável” virem a ser vítimas de assalto, não são

diferenciadoras uma vez que estão próximas de zero e por esse motivo correspondem ao perfil

médio. Neste sentido, estas quatro categorias não fazem parte de nenhum dos grupos

analisados.

170

Importa finalmente referir que estes três perfis são os mais diferenciadores dos

comerciantes em análise, na medida em que são definidos pelas dimensões que justamente

têm associados valores próprios mais elevados.

Fig: 5

-1 0 1 2

Dimensão 1

-2

-1

0

1

2

Dimensão 2

Não sabe ler

Sabe ler e escrever

1º Ciclo

2º Ciclo 3º Ciclo

Curso Profissional Curso Superior

< 30 anos

Dos 30 aos 49 anos

Dos 50 aos 69 anos

> 69 anos

< 5 anos

5 a 9 anos

10 a 19 anos

20 anos ou mais Não

Não

Sim

Não

Sim

Sim

Não

Sim

Não

Sim

Não

Sim

Certo

Muito Provável

Impossível

Hab. Literárias

Esc. Etários

Tempo de activ. do

estabelecimento

Estab. alvo de furto

Alarme local

Ligação a central

pública de alarmes

Ligação a central

privada de alarmes

Grades nas montras

Portas blindadas

Fechaduras

reforçadas com

trancas

Vidros inquebráveis

Vídeo vigilância

(CCTV)

Probabilidade do

estabel. ser

futuramente

assaltado

Perfil do Comerciante de Elvas

Comerciantes “Desprevenidos”

Comerciantes”Pouco Prevenidos”

Comerciantes “Muito Prevenidos”

171

CCOONNCCLLUUSSÕÕEESS

O presente estudo, foi impulsionado pela necessidade de compreender as razões pelas

quais os cidadãos, individual e colectivamente considerados, não correspondem ao alarme

público relativo aos riscos de vitimação criminal, com a implementação de medidas de

autoprotecção. Este quesito levou, por sua vez, à eleição de uma hipótese nuclear que

propunha a possibilidade de existência de uma ambivalência entre os discursos colectivos e

as percepções individuais, por um lado, e as expectativas relativas à protecção policial e as

praxis de autoprotecção, por outro.

A análise de conteúdo às notícias da comunicação social local evidenciou a crescente

atenção dada ao fenómeno da criminalidade. No decorrer de pouco mais de um decénio de

publicações analisadas (1994 – 2006), os discursos do Jornal “Linhas de Elvas” foram sendo

alterados quer ao nível do conteúdo, quer ao nível da intensidade, sendo perceptível o

progressivo abandono do discurso invocativo de um ideário de tranquilidade materializado

na imagem das “calmas planícies alentejanas”. Nesse cenário, qualquer perturbação da paz e

da ordem, constituiria um acontecimento de ruptura da estabilidade social e fonte de surpresa

e indignação; um sinal de mudança que implicaria a desestabilização e o sentimento de

impreparação em face de novos riscos.

Apesar de questionável que tal ideário representasse fielmente a realidade, a invocação

contextual de “não ocorrência”, por contraponto ao movimento, foi-se tornando cada vez

mais rara, com o reflexo crescente de novas formas de criminalidade espelhadas nas páginas

dos jornais.

Acompanhando essa alteração, surgiriam discursos de novos actores263 que, assumindo

lugar na construção de um novo discurso público veiculado jornalisticamente, carrearam

263 Políticos, comentadores e a propagação da vox populi por via da imprensa.

172

elementos para a construção de um novo sentir, desta vez relacionado com a constatação de

“chegada” do crime como consequência do desenvolvimento e aparente desproporção entre

os seus níveis de incidência e a dimensão do lugar e do seu povo.

Observou-se, porém, que os discursos públicos de alarme da comunicação social

elvense, na generalidade e quando analisados numa perspectiva quantitativa, acompanham de

forma relativamente fidedigna as flutuações da criminalidade registada pela Polícia. Esta

conclusão resulta da comparação entre o crescimento e o decrescimento de notícias relativas

à criminalidade e insegurança e as estatísticas policiais.

Existem três razões concorrentes para este resultado: em primeiro lugar, a cidade de

Elvas representa ainda uma comunidade relativamente pequena e atenta em que os seus

membros ainda se reconhecem e em que as notícias de maior relevo se espalham

rapidamente (como acontece sempre que há um crime), sendo a comunicação social

beneficiária desta dinâmica. Em segundo lugar, decorrendo da mesma ordem de razões (em

acumulação com a difícil habituação aos novos contextos sociais e criminais), o impacto

social de um crime é ainda superior em Elvas do que seria numa cidade de maior

dimensão,264 algo sobejamente assinalado pelos discursos da imprensa escrita. Em terceiro e

último lugar, a relação entre as autoridades policiais e a comunicação social caracteriza-se

por uma grande proximidade,265 levando a que a comunicação social esteja, normalmente, ao

corrente da actividade criminal e/ou policial.

264 Consideramos este aspecto particularmente saudável, porquanto revela existir ainda alguma coesão social que, embora possa não servir para criar um movimento de autoprotecção individual e comunitário, revela capacidade de indignação e exigência em face dos poderes públicos. 265 De novo, tal abertura decorre da dimensão da comunidade e da proximidade das instituições. Esta proximidade decorre ainda da necessidade das autoridades policiais poderem estabelecer ligações não institucionais com a opinião pública, tomando muitas vezes a iniciativa de esclarecer em vez de esconder a notícia. Ressalvados os direitos individuais das pessoas envolvidas e o segredo de justiça, a estratégia de não esconder o facto criminoso da comunicação social permite manter o elo de confiança com a comunidade, mantendo aberto um canal de informação não formal.

173

Analisando os discursos da imprensa escrita, poder-se-ia supor que, em determinados

momentos, a criminalidade e insegurança seriam um problema de importância primordial

para os comerciantes.

Porém, na sua generalidade e como atrás ficou demonstrado, os comerciantes antes de

mencionarem a «insegurança» como um óbice à sua actividade, indicam outros aspectos de

ordem económica e social. Nem mesmo do ponto de vista do desempenho do papel de

“sentinela”, emitindo alertas sobre o aumento do risco de vitimação criminal, a comunicação

social parece ter grande relevância na alteração do modus vivendi dos inquiridos.266

Contudo, embora os resultados do inquérito não permitam afiançar esta interpretação,

parece-nos ser possível afirmar, ainda que de forma cautelosa, que o discurso da insegurança

e da criminalidade tem um papel sedimentar na construção dos sentimentos de insegurança

gerais e na perspectivação de um futuro inseguro (Roché, S. 1993:135), o que, por sua vez, e

de forma correlacionar, contribui para a construção de percepções e estratégias.

Para além do mais, uma maioria assinalável de comerciantes inquiridos conhecia, no

momento do inquérito, outros que já haviam sido vitimados na década anterior.267

Não sendo (nem pretendendo ser) um indicador do volume e taxa de incidência deste

tipo crime, estes dados permitem concluir que, de uma forma ou de outra, os inquiridos estão

munidos de informação sobre os riscos de vitimação. Informação essa, adquirida, quer pela

comunicação social, quer através das relações pessoais que mantêm com os seus pares.

Ora, como bem ficou patente, a grande maioria dos comerciantes da cidade de Elvas

inquiridos têm a percepção que a criminalidade em Elvas está em desenvolvimento268,

266 Relativamente aos comerciantes já assaltados, o início do discurso da insegurança e do crime na comunicação social não foi uma razão que tenha pesado na decisão de adquirir meios de segurança passiva (Quadro 25 do Anexo 5, p. 37), já relativamente aos inquiridos que nunca foram alvo de assalto, os discursos da comunicação social pesaram na aquisição de meios de segurança passiva em apenas 3,8% dos casos (Quadro 31 do Anexo 5, p. 42). 267 Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 5, p. 26.

174

apontando como causas dessa tendência, razões de ordem sócio-económica e estrutural como

o desemprego, a crise económica e a abertura da fronteira luso – espanhola e projectando de

forma esmagadora a probabilidade de serem vítimas de assalto no futuro.269

Porém, quando questionados sobre as medidas que serão mais indicadas à redução da

criminalidade indicam por ordem de importância, o «maior rigor na aplicação da lei por parte

dos Tribunais», «penas mais pesadas» e «mais polícias», sendo o «investimento das

potenciais vítimas em meios de segurança passiva» a medida menos referida.270

De uma forma geral, os cruzamentos feitos com as variáveis sócio-demográficas

(género, idade e habilitações literárias), apesar de apontarem algumas diferenças entre os

vários grupos seleccionados, não o fazem de forma significativa e de modo a contrariar as

tendências gerais quer das percepções, quer das estratégias dos comerciantes que

participaram no estudo.

De facto, quer seja por razões relacionadas com os condicionalismos particulares desta

população,271 quer com os seus arquétipos,272 a generalidade dos comerciantes inquiridos

tende a apelar aos poderes formais, designadamente tribunais e polícias, no sentido da

resolução dos problemas da criminalidade e insegurança, ainda que assinalem

peremptoriamente que a sua génese se radica em fenómenos sociais e económicos que,

obviamente, aquelas instâncias não podem resolver. De qualquer forma fica, na maior parte

dos casos, excluída desta equação o papel do próprio cidadão e no caso em particular, o do

comerciante, na prevenção do crime, nomeadamente, através da aplicação de técnicas e

utilização de equipamentos destinados a aumentar a protecção dos respectivos

estabelecimentos.

268 59,1% das respostas inclinam-se para a expressão de uma percepção da tendência de aumento no decénio que antecedeu a aplicação do inquérito, enquanto 15,2% denota não necessariamente um aumento, mas uma alteração de tipologia (vd. Gráfico 13, p. 135) 269 vd. Gráfico 14, p. 140. 270 vd. Quadro 20, p. 138.

175

Se, de certo modo, é possível atribuir, quer as percepções, quer as soluções

encontradas, ao sistema de crenças e valores das sociedades ocidentais, erigidas sob a

pressão do Estado centralizado e da regulação dos inúmeros aspectos da vida dos cidadãos,

como amplamente mencionado nos capítulos anteriores, é necessário alargar o campo de

visão e perceber que existem aspectos bastante mais imediatos e de natureza menos

complexa que podem influenciar estas posturas.

Assim, se por um lado se poderá julgar que as estratégias de pendor estatal se

sustentam na crença que o Estado é, efectivamente, o detentor da suprema capacidade e

competência de garantir a segurança, estando para isso dotado daquelas duas ferramentas

(Tribunais e Polícia), simultaneamente simbólicas273 desse poder e actuantes no cenário

social;274 a verdade é que não deixa de ser interessante poder equacionar o valor da temática

“criminalidade e insegurança”, na escala de problemas desta população como factor capaz de

influenciar tais opiniões e atitudes.

In casu, os comerciantes de Elvas, apesar da pressão da criminalidade que sofreram em

dado momento do seu passado recente, dos protestos e da publicidade dos acontecimentos

criminosos expressos por via da comunicação social ou transferidos inter pares, quando

questionados sobre quais eram os três maiores problemas do comércio de Elvas, elegeram de

forma evidente aspectos relacionados com a sua existência económica. 275

271 Nomeadamente os geográficos, histórico-funcionais e económicos. 272 Isto é, o quadro de valores e representações culturais decorrentes do passado histórico-político e social. 273 A este propósito veja-se Waddington (1999:6 e seg.) 274 Muito embora os inquiridos não considerem que as instâncias formais de controlo tenham responsabilidades no aumento da criminalidade, esta tendência é mais evidente naqueles que nunca foram vítimas de assalto, talvez porque a sua aparente “imunidade” à vitimação, não careceu de investimento especial na autoprotecção. 275 Como anteriormente referido, o tópico da «falta de segurança» é apenas o quarto dos problemas mais apontado pelos inquiridos, sendo eleitos como três principais problemas, a uma grande distância e por ordem de importância, a «Falta de poder de compra dos clientes», «O IVA demasiado alto» e a «Concorrência espanhola». A posição de tal problemática em quarto lugar na escala das mais apontadas e a uma distância razoável das restantes, revela que a criminalidade e insegurança não são, ou melhor, não eram, no momento da aplicação do inquérito, uma prioridade para os comerciantes, apesar dos mesmos reconhecerem, como inicialmente se afirmou, a alteração da criminalidade, havendo mesmo uma percentagem significativa que crê no aumento do fenómeno e num risco criminal de concretização quase certa. Vd. Quadro 14, p. 129.

176

Esta aparente ambivalência parece susceptível de revelar que as preocupações,

ansiedades, percepções e necessidades, quer individuais, quer colectivas são dinâmicas,

contendo elementos moldáveis às circunstâncias e assumindo entre si posições diferentes na

respectiva hierarquia.

Assim, o binómio «Segurança / Insegurança», oscila de posição na escala das

preocupações, conforme a interferência / influência de outros elementos exógenos, podendo

afirmar-se que no momento da aplicação do inquérito,276 esta preocupação havia sido

ultrapassada por questões relacionadas com a economia e, portanto, com a sobrevivência dos

respectivos negócios.

É, por conseguinte, possível pensar que a posição que os comerciantes de Elvas

assumem para si (relativamente à manutenção da sua própria segurança), é susceptível de

variação, não porque estes actores considerem que a segurança é algo que lhes seja

inteiramente alheio ou de valor irrelevante, mas porque existem razões de ordem económica

que se lhe sobrepõem.

Na verdade, a percepção de que existe um quadro circunstancial adverso no campo da

segurança económica agrupa, não só as referidas necessidades, como as classifica e ordena

de acordo com o risco que impende sobre a satisfação de cada agrupamento.

Revisitando a “Hierarquia das Necessidades” de Maslow277, dir-se-ia que deverá ser

difícil impor a um comerciante que se preocupe com a protecção do seu estabelecimento

contra o crime, antes de se preocupar com a sobrevivência do seu negócio e, portanto, a

276 Após um decréscimo da incidência de furtos no interior de estabelecimentos comerciais, marcado por detenções e decisões judiciais tendentes a decretar prisão preventiva aos suspeitos, e um alívio da pressão da comunicação social sobre o assunto. 277 No elenco hierárquico das necessidades, teorizado por Maslow as necessidades fisiológicas (básicas), tais como a fome, a sede, o sexo surgiam em primeiro lugar; seguiam-se as necessidades de segurança, que vão da simples necessidade de estar seguro dentro de uma casa, a formas mais elaboradas de segurança, como um emprego, uma religião, a ciência, entre outras; em terceiro lugar surgiam as necessidades de amor, afeição e sentimentos de pertença tais como o afecto e o carinho dos outros; em quarto lugar emergiam as necessidades de estima, que passam por duas vertentes, o reconhecimento das nossas capacidades pessoais e o

177

necessidade de autoprotecção apenas surge quando estiver relativamente bem garantida a

necessidade básica de “sobrevivência”.

Impõe-se ainda referir que, sob este prisma, a análise subjectiva do risco é feita de

forma globalizante e não fragmentada por tipos de risco (sociais, económicos, criminais,

etc.).

No entanto, não se pretende afirmar de forma peremptória que as preocupações

económicas eliminam as preocupações com a segurança, mas sim que aquelas competem

com estas de forma permanente. Não sendo a vida humana fragmentável, a aceitação dos

riscos é produzida através de uma avaliação sobre o conjunto ou “pacote” de riscos e não de

forma segmentada sobre cada um deles (Giddens, A.1997:116).

Assim, poder-se-ía dizer que, no caso dos comerciantes de Elvas, o “pacote” de riscos

económico-financeiros que condiciona a sobrevivência e saúde do seu negócio, tem (ou teve

no momento da aplicação do inquérito) um valor superior ao “pacote” riscos de vitimação

criminal, não obstante, do posto de vista da criação do sentimento de insegurança, ambos os

aspectos tenham um peso relevante e se apresentem de forma, relativamente diluída e

sedimentar.

Assinale-se, por outro lado, o facto dos inquiridos não parecerem imputar às instâncias

formais de controlo, as maiores responsabilidades no aumento ou alteração das

características da criminalidade,278 regressando como justificação para estas metamorfoses,

reconhecimento dos outros face à nossa capacidade de adequação às funções que desempenhamos; por fim, apareceriam as necessidades de auto-realização, em que o indivíduo procura tornar-se aquele que almeja ser. 278 A opção de responsabilização das Polícias (34,2%) e dos Tribunais (32,9%) por esta tendência de manutenção ou aumento dos níveis de criminalidade foi negativa, revelando que a maioria dos inquiridos não sentem que as instancias formais de controlo não estão a fazer o que está ao seu alcance para controlar a criminalidade, mas que existem factores exógenos à sua esfera de actuação que impedem a concretização desses intentos (os sociais e económicos).

178

as razões de ordem social e estrutural como «o desemprego», «a crise económica», e a

liberdade de circulação na fronteira luso-espanhola.279

Se é plausível que tais justificações surjam por imitação das mais amplamente

difundidas nos discursos de massa,280 também a partir delas se poderá reforçar a ideia de que,

nas percepções dos inquiridos, está patente uma profunda preocupação com o equilíbrio

social e económico em que a criminalidade e a insegurança surgem como resultados

inevitáveis, com tendência para a agudização. Daí a revelação de um juízo prognóstico de

vitimação provável no futuro, por parte da maioria.

Ora, neste contexto, poderia ser expectável que esse juízo de prognose sobre a

magnificação dos riscos de vitimação criminal, pudesse levar as potenciais vítimas a agir no

sentido de investirem em meios de autoprotecção.

Apesar de ser rara a completa inexistência de meios de segurança passiva,281 as

estratégias encontradas apelam à intervenção do Estado como primeiro, senão mesmo único,

responsável pela garantia da segurança dos cidadãos, cabendo, na opinião dos inquiridos, às

suas instituições tomar medidas para reduzir o crime e repor a paz e a ordem.

Na maioria dos casos estudados, não foi possível estabelecer uma relação directa entre

as percepções de aumento do risco de vitimação criminal e de implementação de medidas de

segurança passiva.

Se a postura dos cidadãos inquiridos for observada através da contextualização dos

seus cânones culturais e dos seus circunstancialismos particulares, poder-se-á afirmar que a

ambivalência mencionada na hipótese é apenas aparente.

Sendo verdade que, actualmente, a protecção e defesa sustentada na comunidade

declinou, sendo substituída por formas pós-modernas de defesa própria em que o

279 Recorde-se que a «falta de eficácia das polícias» e «a falta de eficácia dos tribunais» colheram 34,2% e 32,9% das respostas, respectivamente. 280 A este propósito leia-se Reto et Sá (2002:97).

179

investimento individual é assumido como primeira linha de actuação e defesa, também é

verdade que o ambiente e cultura dos cidadãos de Elvas ainda sustém reminiscências de

paradigmas anteriores.

A estrutura e dimensões urbanas de Elvas, contribuem para a conservação da coesão do

tecido social. A cidade, que ao longo do tempo sedimentou o seu cariz defensivo e

comercial, construiu-se sobre esses dois pilares, acentuando as suas características mais

eminentes e enformando as crenças e valores dos seus habitantes, em redor desses contextos

particulares.

A presença militar de séculos, contribuiu para a moldagem de um ideário de segurança,

fortalecido pela presença dos símbolos mais sólidos do Estado, as instituições militares. Do

ponto de vista das actividades económicas, a localização da cidade junto da fronteira

contribuiu, nos tempos de paz, para a construção de uma actividade comercial com traços

típicos e fortemente vocacionada para os visitantes, mormente os espanhóis.

Simultaneamente, dever-se-á manter em perspectiva a história recente de Portugal,

nomeadamente os efeitos das políticas centralizadoras do Estado Novo e a ruptura com esse

sistema de governação dirigindo a gestão do Estado para a implementação do modelo de

Estado-providência.282

Estas particularidades, aliadas ao vários factores mencionados nos primeiros capítulos

do presente trabalho, poderão ter contribuído para a solidificação da crença na

responsabilidade do Estado (substituindo a segurança sustentada na comunidade), largamente

disseminada, mas não terá sido o único factor para essa composição.

Assim, para além dos cânones culturais a que se fez menção, deveremos atender aos

circunstancialismos próprios da população elvense.

281 Atendendo também ao extenso elenco de medidas constantes na Pergunta 11 do questionário (vd. Anexo 1). 282 Quando tal modelo de governação começava a dar mostras de retracção noutros países e comunidades.

180

Com o alargamento do espaço de transacções, por via da aplicação da Convenção de

Aplicação do Acordo de Schengen (CAAS) e com a implementação de reformas ao nível da

função pública que implicam o reequacionar da distribuição de valências pelo território

nacional, a cidade de Elvas ressentiu-se da sua condição periférica e o seu comércio, da

competição aberta com um vizinho economicamente mais forte, mas que, apesar do poder de

compra mais elevado dos seus cidadãos, reduziu a sua participação na clientela tradicional.

Este conjunto de factores, proporciona dois resultados. Em primeiro lugar, o aumento

das preocupações relativamente à economia e subsistência dos negócios dos inquiridos, em

segundo lugar, um sentimento reforçado de carência de suporte estatal por via da necessidade

de acorrer primeiramente àquela preocupação. Isto porque, a adopção de lógicas de

“privatização do risco” / autoprotecção apesar de poder ser concretizada de inúmeras formas

(vd. Anexo 10), carece sempre de algum investimento próprio, nomeadamente com impacto

no potencial económico dos comerciantes, mas também de uma cultura de empreendimento

individual e desprendimento das instâncias formais.

Assim, numa dupla perspectiva, não só a resistência às estratégias de “privatização do

risco” poderá decorrer das crenças e valores da população, como das circunstâncias sociais e

económicas próprias dos inquiridos, não constituindo uma ambivalência em que os pólos se

antagonizam, mas sendo antes, uma resposta pragmática, moldada naquelas condicionantes,

em que o apelo à intervenção do Estado em prol da segurança pretende também obviar ao

aumento de investimento dos particulares.

Consequentemente, a afirmação de que existe uma discrepância entre a percepção dos

riscos de vitimação e o investimento em meios de segurança passiva, apesar de ser uma

tendência, não é uma verdade inteiramente generalizável.

O inquérito aplicado aos comerciantes de Elvas, detectou 166 casos de comerciantes

que, nunca tendo sido vítimas de assalto, possuíam meios de segurança passiva.

181

Esses inquiridos, apesar de não aliviarem as instâncias formais de controlo da

responsabilidade de protecção e defesa dos cidadãos contra o crime, apontaram como

principais razões para as sua opção, por ordem de importância, o «dever de se protegerem a

si próprios», «terem medo de serem assaltados» e a percepção do aumento do crime. Na sua

grande maioria, estes comerciantes consideram «provável», «muito provável» e mesmo certo

que os seus estabelecimentos venham a ser futuramente alvo de assalto283.

A procura de meios de segurança passiva pela generalidade destes indivíduos, reflecte

uma percepção de aumento da criminalidade e o receio de ser vitimado que conduz e

justifica a autoprotecção.

Conclui-se que, são precisamente os que percepcionam uma tendência crescente da

criminalidade, que julgam estar mais sujeitos à vitimação e que, por consequência, pensam

ser provável ou certo vir a ser vitimados, aqueles que mais investem em meios de segurança

passiva. As suas preocupações com a segurança, materializadas nas acções de prevenção e

implementação de medidas de autoprotecção, poderão ser ainda o fundamento da sua menor

propensão para a vitimação. Note-se que, para a maioria dos comerciantes que nunca foram

alvo de assalto, a percepção que têm em relação à criminalidade em Elvas, é de que esta está

maior do que há 10 anos.284

Porém, quando questionados quanto aos métodos susceptíveis de reduzir a

criminalidade, estes comerciantes também são da opinião de que, em primeiro lugar, deveria

haver «mais rigor por parte dos Tribunais na aplicação da lei», em segundo e com o mesmo

grau de importância as «penas deveriam ser mais pesadas» e deveria haver «mais

283 Apesar de existir ainda uma faixa significativa de 24,7% de inquiridos que, nunca tendo sido alvo de assalto e possuindo alguns meios de segurança passiva, imbuídos de maior confiança afirmam ser «Pouco provável» virem a ser vitimados. Estes comerciantes revelam uma extraordinária “imunidade subjectiva” e um grande optimismo e confiança em face do futuro. V. Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 33, p. 44. 284 Cerca de 22% destes indivíduos consideram que a criminalidade é menor do que há 10 anos e apenas 6,6% a consideram diferente da de há 10 anos, coincidindo, grosso-modo com aqueles que acham pouco provável serem vítimas de assalto no futuro. V. Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 34, p. 45.

182

policiamento», apelando à intervenção das instâncias formais de controlo. As questões

ligadas à acção dos cidadãos nestas temáticas, continuam a ser pouco apontadas, apesar de

ser esta população a que se encontra mais precavida.

Em síntese, poder-se-á afirmar que, os dados disponíveis indicam, novamente, existir

uma tendência para delegar nas instâncias formais essa protecção.285 Esta faixa da amostra,

não obstante nunca ter sido vitimizada, tende à implementação de mais meios de segurança

passiva, revelando um maior pessimismo em relação à sua segurança no futuro, e não

descartando a tendência, aparentemente transversal, para procurar soluções de cariz estatal.

Este conjunto de características indicia que, entre os comerciantes que nunca foram

assaltados, existe um grupo cuja sensação de vulnerabilidade, impõe um maior investimento

em protecções.

Todavia, esse investimento não afasta o sentimento de insegurança, nem faz com que

os comerciantes se julguem menos sujeitos ao risco de assalto, uma vez que continuam a

projectar um futuro incerto no que concerne à sua segurança, apelando ainda a medidas

estatais que reforcem e apoiem o seu próprio investimento. Se a construção de protecções

potencia o sentimento de insegurança porque evidencia as vulnerabilidades (Castel, R.

2003:6), cautelosamente, dir-se-á apenas que os dados que são possíveis analisar revelam

que, se a construção de protecções não potenciar o sentimento de insegurança por evidenciar

as vulnerabilidades, certamente também não contribui para a sua diminuição.

Na tentativa de formar subgrupos entre os comerciantes estudados, por identificação

das associações, afastamentos e oposições entre variáveis, estabeleceram-se três perfis

diferenciados.

Assim, detectou-se um agrupamento ao qual se optou por designar “Muito

Prevenidos”. Os comerciantes “Muito Prevenidos” têm, tendencialmente, uma idade

285 Idem.

183

avançada (acima dos 69 anos de idade), uma escolaridade baixa (até ao 2.º ciclo) e exploram

estabelecimentos com mais de 10 anos de actividade que já foram assaltados.

Este grupo, tende a possuir alguns meios de segurança passiva, obrigados pelas

circunstâncias da sua vitimação e pela experiência vivencial característica da sua faixa etária a

assumir uma postura mais cautelosa relativamente aos seus bens. A opção pela

implementação de meios de segurança passiva, coloca os estabelecimentos destes indivíduos

numa classificação segura em relação ao grupo dos “Desprevenidos”.

Neste agrupamento dos “Desprevenidos”encontram-se comerciantes um pouco mais

jovens que os anteriores (entre os 50 e os 69 anos de idade) mas menos instruídos (não sabem

ler ou têm o 1º Ciclo), os seus estabelecimentos comerciais têm 20 anos ou mais anos de

actividade e nunca foram assaltados. Os circunstancialismos diferenciadores mais evidentes

são a instrução, mas sobretudo, a ausência de situações de vitimação, circunstância essa que,

aparentemente, ajuda ao reforço de uma imunidade em face do risco de crime: os

estabelecimentos comerciais de pessoas com o perfil indicado não possuem meios de

segurança passiva. Estes comerciantes consideram ser impossível, virem a ser vítimas de

assalto no futuro, porque em 20 anos de actividade não o foram. Fica por apurar as razões

concretas da ausência de episódios de vitimação286 que poderão ser de natureza situacional,

como a localização do estabelecimento, ou funcional, como os bens que nele são

transaccionados e o grau de atracção por eles suscitado.

Numa faixa intermédia, encontram-se os comerciantes “Pouco Prevenidos”. Estes

comerciantes têm, na generalidade menos de 50 anos de idade, melhor instrução que qualquer

dos anteriores (3º Ciclo, Curso Superior e Profissional), a sua actividade comercial é recente

(menos de 10 anos de actividade) e nunca foram assaltados.

286 Não foi possível com a utilização do inquérito analisar a localização exacta de cada estabelecimento e a sua posição na via pública em relação a elementos urbanos proporcionadores e melhores condições de segurança,

184

Porém, a ausência de episódios de vitimação, ao contrário dos indivíduos do grupo dos

“Desprevenidos”, não os impede de utilizarem alguns meios de segurança passiva com

justificação na crença da vitimação futura ser uma certeza.

As opções de meios de segurança dentro do elenco apresentado centram-se sobretudo

em equipamentos electrónicos (ligação à central pública e privada de alarmes, vídeo

vigilância), refutando outros meios mais rudimentares (grades nas montras ou vidros

inquebráveis) cuja relação custo / eficácia é questionável.

Este grupo em particular, revela um melhor enquadramento em face da realidade

criminal e das probabilidades de vitimação. Embora parecendo exagerada a afirmação de ser

certa a vitimação, a verdade é que este facto surge num contexto de não vitimação que não

conduz à imunidade, mas antes, ao alargamento da consciência do risco e, por sua vez, à

implementação de medidas de autoprotecção.

Indo ao encontro do que já havia sido revelado pelo inquérito, a aplicação da análise de

homogeneidade “HOMALS”, confirma a existência de uma faixa importante da população

inquirida que tem medo do futuro, apesar de aparentar saber proteger-se, reduzindo as

hipóteses de vitimação futura.

Os comerciantes “Pouco Prevenidos”, parecem poder vir a transformar-se em “Muito

Prevenidos” com o tempo, porém, desenvolvendo estratégias mais actualizadas, sustentadas

menos em meios rudimentares de protecção pela criação de barreiras físicas nos

estabelecimentos, mas aderindo a meios tecnologicamente avançados, disponibilizados

através da contratação de empresas de prestação de serviços de segurança privada (alarmes,

equipamentos de vigilâncias, etc.).

tais como, existência de boa iluminação pública, passeios altos e estradas a boa distância das montras e portas, inexistência de portas traseiras, etc.

185

Relativamente à conduta dos comerciantes inquiridos após a vitimação,287 é possível

observar que foi privilegiada a comunicação às entidades policiais, sem desejo de

procedimento criminal, justificando a maior parte dos inquiridos que tal comunicação

prendia-se com o intuito de recuperar algum material subtraído e como forma de alertar a

polícia. Estes resultados indiciam que a comunicação às autoridades policiais, sem

apresentação formal de queixa, tem dois objectivos principais: um, de cariz inteiramente

individual, que se substancia na tentativa de recuperar os bens subtraídos (reduzindo o

prejuízo causado pelo crime) e outro, dirigido a uma prevenção geral do delito.

“Dar conhecimento às autoridades” sem a respectiva demonstração de desejo de

procedimento criminal, é uma conduta na qual o autor procede a uma semi-inscrição288 no

sistema formal. Dando conhecimento dos factos, o sujeito afirma pretender alertar as

autoridades para a possibilidade de repetição do fenómeno mas, por outra via, ao não

accionar o procedimento criminal, evita o envolvimento com a máquina investigatória

policial / judicial. O evitamento de inscrição formal no circuito oficial dos procedimentos

policiais e judiciais cumprirá apenas parcialmente o “dever cívico” do lesado, uma vez que

inibirá a possibilidade das autoridades policiais utilizarem o caso concreto na imputação a

um futuro suspeito que venha a ser descoberto.

Daqui parece resultar que a inscrição do cidadão lesado (assumindo a sua posição de

vítima e aderindo ao sistema para fazer valer os seus direitos e apoiando outras

investigações), é pouco atractiva e dificilmente compete com o primeiro objectivo individual

que é económico: a recuperação de bens subtraídos.

Os comerciantes que manifestaram sempre o desejo de procedimento criminal surgem

em segundo lugar; destes, a esmagadora maioria justifica o seu procedimento com o intuito

de penalizar os criminosos, enquanto que os restantes inquiridos tencionaram apenas alertar a

287 70 casos, representando 29,5% dos 237 inquiridos haviam já sido vítimas de furto

186

polícia, recuperar bens furtados e “agir de forma correcta”, revelando uma maior tendência

para a necessidade de reposição da ordem de valores sociais que ultrapassa os objectivos

individuais do sujeito / vítima.

A posição assumida pelos comerciantes cujo estabelecimento foi alvo de furto, se

perspectivado através das variáveis sócio-demográficas, revela algumas diferenças. Desta

análise resultou que a maioria dos homens opta por comunicar sempre à polícia, mas não

desejam procedimento criminal, ao passo que a maioria das mulheres optam, em primeiro,

lugar pelo procedimento criminal.

Analisando estas mesmas posições segundo os escalões etários aos quais os indivíduos

pertencem, constatamos que os indivíduos com menos de 30 anos e com idades

compreendidas entre os 50 e os 69 anos optam, em primeiro plano, por comunicar sempre à

polícia mas não desejam procedimento criminal, enquanto que os indivíduos de idade superior

a 69 anos e na faixa compreendida entre os 30 e os 49 decidem, primeiramente, apresentar

queixa.

Do ponto de vista das habilitações literárias, verificamos que a maioria dos indivíduos

detentores do 3º Ciclo, do Ensino Secundário e dos que sabem ler e escrever, optam sempre

por accionar os mecanismos formais, em detrimento dos detentores do 1º e 2º Ciclo e Curso

Profissional, os quais comunicam sempre à Polícia, mas não prosseguem com a apresentação

de queixa-crime.

Esta análise permite afirmar, como já vimos supra, que a opção de comunicação à

Polícia sem desejo de procedimento criminal é maioritariamente adoptada por indivíduos do

sexo masculino e a de procedimento criminal é uma opção mais comum entre os indivíduos

do sexo feminino. Porém, a variedade de cambiantes entre estes dois grupos de inquiridos,

não permite estabelecer um perfil exacto em qualquer deles.

288 Para utilizar a terminologia de Gil (2005:15 e seg. 74 e seg.).

187

Na generalidade, o que estes dados nos permitem observar, é uma tendência para uma

“não inscrição” dos indivíduos inquiridos junto das instâncias formais, mesmo quando a elas

recorrem com vista a serem apoiados na pós-vitimação. Este factor, revela que, apesar da

população em estudo crer que é às instâncias formais que cabe o controlo da criminalidade, a

adesão que fazem a esses sistemas é limitada pela gravidade do seu problema em particular.

Assim, é determinante para uma total adesão ao sistema, o valor considerável do

prejuízo sofrido. Mais uma vez, o factor de sustentabilidade material pesa, sobrepondo-se a

quaisquer intenções ou ideários de prevenção geral, em relação aos quais, ainda assim, são as

mulheres, os sujeitos mais activos.

Em síntese e seguindo as sub-hipóteses levantadas, é possível confirmar que existe

uma tendência generalizada para relegar a responsabilidade pela segurança no Estado,

mormente, nos organismos policiais. Essa tendência é transversal e inteligível a partir das

opiniões dos inquiridos, quer tenham ou não sido vítimas de assalto, quer tenham ou não

meios de segurança passiva nos seus estabelecimentos.289

O apuramento desta tendência deverá produzir uma reflexão sobre os efeitos da

“privatização do risco” entendida como consequência da retracção do papel do Estado em

face da população governada.

Actualmente, apesar de terem sido claramente ultrapassados os paradigmas de

protecção sustentada na comunidade290 e de se estar em pleno processo de transição entre

uma segurança, «bem» público da responsabilidade do Estado e outra suportada sobretudo na

acção preventiva individual, os cidadãos e as comunidades de cidadãos, dependendo das suas

circunstâncias particulares subsistem num limbo em que as três eras lutam pela coexistência.

289 Porém é curioso notar que o apelo pelo reforço da acção Estatal, tem um maior pendor judicial do que, propriamente, policial. 290 Referem Eggers, W., O'Leary, J. (1995) que, ainda e sobretudo hoje, a grande parte da missão de policiar uma “sociedade livre” não é da Polícia, mas dos próprios cidadãos que a compõem, sendo que apenas essa responsabilização poderá garantir o restabelecimento dos laços de coesão de uma dada comunidade.

188

Numa comunidade como a elvense, a possibilidade de manutenção de ligações

interpessoais e de um espírito comunitário, representa ainda um pilar importante de coesão

social com reflexos ao nível do sentimento de segurança. Porém, as transformações sociais e

políticas ocorridas, sobretudo durante o séc. XX em Portugal, levaram a que hoje recaia

sobre o Estado e não sobre a comunidade, as principais expectativas dos cidadãos, no que

respeita ao fornecimento do bem “segurança”.

Assim, não estando ainda completamente dissolvido o papel da comunidade,

apresentando-se o Estado como actor principal na produção de segurança através de todo o

seu aparato legislativo e administrativo (apesar da introdução recente de um novo paradigma

que aligeira a sua intervenção e responsabiliza o individuo), são poucos aqueles que se

propõem assumir imediatamente tal responsabilidade pessoal na sua própria esfera de

segurança.

Apesar das razões de ordem económica que podem contribuir para o processo de

selecção de estratégias de prevenção do crime, nomeadamente, não elegendo métodos

susceptíveis de aumentar os encargos da actividade comercial, esta refutação cívica da

metamorfose funcional do Estado, deverá aproveitar à reflexão dos legisladores e dos

estrategas policiais, sobre o sistema legislativo e os modelos de policiamento adequados a

garantir, não só a segurança dos cidadãos mas também a manutenção do seu sentimento de

segurança.291

291 Para se poder atingir tamanho nível de integração, é necessário que os cidadãos tenham confiança nas instâncias de controlo e que as instâncias de controlo sejam capazes de apoiar a educação cívica para a segurança desempenhando, assim, um papel verdadeiramente assistencial. Assim, é possível aos serviços de polícia adoptarem posturas menos interventivas e mais assistenciais, passando a assessorar o público e não a substituir-se a ele nas tarefas básicas de vigilância e prevenção criminal. A implementação de um verdadeiro modelo de policiamento comunitário deverá devolver à população a responsabilidade primeira pela sua autoprotecção. A comunidade deverá policiar-se a si mesma sob orientação e com o apoio da Polícia, sendo da responsabilidade dos cidadãos, assumir uma posição mais pro-activa, nomeadamente, através da implementação de sistemas de segurança passiva. Porém, diga-se em abono da verdade que este processo tem maior potencial em sociedades pacificadas, do que noutras com elevado nível de conflitualidade social e criminal.

189

Por outro lado, a actual tendência de retracção do Estado, concessionando parcial ou

totalmente a terceiros, algumas das suas responsabilidades tradicionais e a Privatização do

Risco na perspectiva de fenómeno individual de assunção voluntária de responsabilidade

(ainda que condicionada pelo potencial económico em face do risco), poderá vir a gerar um

impacto preocupante no futuro que se consubstanciará na divisão de níveis de protecção e

segurança, mediante a capacidade económica das potenciais vítimas. Não se trata apenas de

atender à retracção do Estado e à auto-responsabilização dos cidadãos, mas também aos

possíveis resultados dessa conjugação. 292

Não foi possível aferir com exactidão se os comerciantes que nunca foram alvo /

vítima de furto têm, ou não, menor propensão para a implementação de medidas de

autoprotecção. Existe porém, a possibilidade de concluir que, efectivamente uma faixa

significativa da população inquirida, aparenta ter uma consciência do risco que os impele à

autoprotecção. Contudo, julga-se que estes dados são insuficientes para se concluir acerca da

maior propensão destes comerciantes para a autoprotecção, podendo ser o facto de estarem

melhor protegidos a influenciar positivamente a sua imunidade à vitimação.

A existência de uma discrepância entre a percepção dos riscos de vitimação e o

investimento em medidas de autoprotecção, também é relativa.

Na generalidade, os inquiridos têm uma percepção de aumento do risco de elevada

probabilidade de vitimação futura. De entre os mais pessimistas, destacam-se os melhor

protegidos e invictos dos inquiridos, numa aproximação à expressão de Castel (2003:6):

“estar protegido é estar ameaçado”.

292 Na verdade a Privatização do Risco operando em duas vertentes (a da conduta individual e da privatização de sectores relacionados com as diversas vertentes da segurança, outrora sob responsabilidade do Estado) terá como resultado tendencial, por um lado, o aumento do encargo individual sobre a segurança individual a ser suportado pelo cidadão e, por outro, o alargamento da oferta de bens de mercado destinados a garantir melhorias de protecção. Esta realidade revelará, a breve trecho, uma distinção clara entre aqueles que se suportam apenas nos mecanismos públicos de segurança e aqueles que possuem capacidade económica para encontrarem no sector privado um complemento de protecção.

190

Pode-se, isso sim, confirmar que, quanto mais protegidos estão os estabelecimentos,

menos vitimados são esses negócios comparativamente a outros; e que os estabelecimentos

mais protegidos têm proprietários e exploradores que se revelam os mais pessimistas e

inseguros de todos aqueles que fizeram parte do estudo. Esta constatação poderia ser o

suficiente para refutar a existência de uma tal discrepância, porém, nos outros casos,

nomeadamente naqueles em que os estabelecimentos foram assaltados e possuem meios de

segurança passiva, ou os que não os possuem, tendo sido assaltados, o futuro continua a ser

encarado com apreensão.

As percepções dos comerciantes de Elvas, apontam para uma consciência viva dos

riscos de vitimação criminal, temperada pela crença de que a manutenção da segurança é um

dever primordial e incontornável do Estado.

Estas convicções assumem um carácter transversal em toda a população alvo,

manifestando-se independentemente das estratégias que cada inquirido aplica no seu

quotidiano. Não obstante o investimento por alguns realizado em meios de segurança

passiva, o Estado, nas suas vertentes orgânicas e funcionais atinentes à segurança, surge

inevitavelmente como principal reduto da sua protecção.

191

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