Upload
ngokiet
View
212
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
3
CCAAPPÍÍTTUULLOO 11
Poder, Estado e Cidadania
Thus the security of individuals, and consequently
the common peace, necessarily require that the
right of using the sword to punish be transferred to
some man or some assembly; that man or that
assembly therefore is necessarily understood to
hold sovereign power in the commonwealth by
right.
De Cive, Thomas Hobbes1
1.1 Poder e Responsabilidade
Designa-se por Poder, a capacidade de agir ou determinar a acção, a faculdade que
substancia a autoridade e o comando, o domínio ou a possibilidade de influência ou
manipulação das circunstâncias, dos recursos e das crenças que condicionam tanto as
acções como as omissões dos indivíduos, das organizações e das comunidades.
Do ponto de vista dos cidadãos do mundo dito ocidental e industrializado, o
exercício do poder governativo, carece tanto de fundamento legitimador como de
objectivo.
Aprecia-se a ideia de que o uso do poder terá uma função social, que se destina à
produção de condições de bem-estar2 aos que são governados. O vigor desta noção, é
1 On the Citizen (De Cive) Cap. VI – “On the right of the Assembly or Man, who holds sovereign authority in the commonwealth”, § VI – Hobbes, T. (2005b:78) 2 De entre outras, a liberdade, segurança e justiça (CRP).
4
evidente nos Estados que abraçaram o modelo político social, os denominados Estados-
providência.
Porém, é hoje frequentemente questionado se essas expectativas, fundadas no
sedimento histórico e filosófico que enforma as representações colectivas, não estarão
desenquadradas das capacidades, ou mesmo das intenções dos respectivos governos.
O lugar e a função que o indivíduo desempenha no sistema social, condicionaram
sempre a sua esfera de acção e o seu relacionamento com o poder que o governa;
condicionaram igualmente as suas imagens e pensamentos, as suas construções e formas
de agir.
Os cidadãos ocidentais são hoje capazes de se questionar sobre o que legitima e
delimita a autoridade exercida por estruturas, igualmente compostas por homens, às
quais todos devem obediência. Questão legítima no sentido em que o exercício pleno
das funções de um governo, dificilmente se harmoniza inteiramente com a liberdade
pessoal dos indivíduos governados.
O que confere autoridade às instâncias de poder? Quem exerce o poder, porque
razão, com que fundamento e em que medida?
A procura de respostas para estas interrogações, dinamizou os sistemas sociais
fazendo com que os homens procurassem, além das explicações escatológicas,
fundamentos para as respectivas ordens sociais. O nascimento do homem livre e
autónomo, dotado de direitos, no período da modernidade histórica, foi determinante
para o surgimento e desenvolvimento de novos e diferentes tipos de Estado3 e sistemas
3 Marcello Caetano (1992:140) definiu o conceito de Estado sob diversos prismas: (1) Colectividade que num determinado território possua o poder político em nome próprio, (2) Colectividade que no território possua o poder político soberano, (3) Sistema dos órgãos de uma colectividade que exerçam o poder político no território por ela possuída, (4) Pessoa colectiva que, para efeitos das relações de direito interno, tem por órgão o governo.
5
de governação, para a dinâmica das suas políticas e para a construção dos edifícios
legais ainda em vigor.
O posicionamento do homem comum4 no contexto social, histórico, política e
economicamente considerado, encontra-se assim, em constante mutação. A construção
social do lugar e papel do cidadão, em relação ao colectivo e ao poder que o governa,
oscila entre maior ou menor autonomia, liberdade e responsabilidade. Mas, para além
disso, o homem comum questiona-se ainda sobre o que o todo colectivo e os órgãos que
detêm a soberania e o poder, lhe podem fornecer.
1.2 Transição para a Modernidade: Uma nova dialéctica Indivíduo / Estado
Nas organizações sociais pré-modernas as comunidades, na sua maioria,
pequenas, eram baseadas na infra-estrutura familiar e fortemente estratificadas. A
importância do homem revelava-se pelo lugar que ocupava na cadeia hierárquica do seu
estrato social e na função que desempenhava na comunidade.
Esta dimensão e composição das comunidades, gerava uma fácil identificação
entre os seus membros. A segurança individual, globalmente entendida, era mantida
pela pertença a um grupo (família, aldeia, ofício) e pela força dos laços de dependência
e interdependência nele gerados.5
4 Chamamos homem comum ao cidadão não empossado de poder governativo sobre os restantes cidadãos, por oposição aquele que governa, o soberano, líder, déspota ou dirigente democraticamente eleito, no momento em que exerce esse poder de governação. Ainda assim, optámos por colocar o termo em itálico para o distinguir claramente do texto, despindo-o da sua carga minimizadora e investindo-o de uma carga meramente funcional relacionada apenas com os objectivos da nossa explicação. 5 Não fosse o risco de disputa dos territórios e suas riquezas pelos estratos sociais mais elevados e detentores do poder e da força (que só a estes dizia respeito, mas que a todos afectava), os problemas de segurança civil das comunidades, resumir-se-iam à vigilância exercida sobre os forasteiros. Vagabundos, nómadas, saltimbancos e almocreves, eram gente sem ligações a qualquer lugar, que não se identificariam com a comunidade de passagem e que, por isso, eram o alvo principal do controlo das populações agregadas. Vd. Robert, P. (2002:37) e Castel, R. (2003:12).
6
Os conflitos entre membros da plebe eram resolvidos entre os próprios ofendidos
e ofensores, pessoalmente ou representados pelos chefes de família e só residualmente,
com recurso à regulação de uma entidade considerada neutra e exterior ao conflito.
Cada um assumia a responsabilidade pela sua própria segurança, pela segurança
dos seus familiares e património, “sob controlo da comunidade local e com o seu
apoio”6.
O crescimento dos aglomerados urbanos e o fortalecimento da importância de
determinadas actividades económicas levou à criação de organizações mais complexas,
um processo que levaria ao fim dos sistemas feudais e ao início da modernidade,
rompendo com a ordem social fundada apenas na pertença ao grupo. A nova ordem
seria marcada por uma nova concepção do Homem enquanto indivíduo com direitos e
capacidades, destacado e reconhecido fora da sua inscrição no colectivo; do Poder
como necessário e funcional; de uma Justiça universal, apoiada na lei escrita, destinada
por igual a todos os homens e entendida como força criadora de processos justos e
reguladora de conflitos.
Para Hobbes, o governo era uma criação artificial e voluntária, produzida pela
associação dos entes governados (todos os indivíduos), através de um Pacto ou Contrato
Social. Este produto não provinha da natureza humana, cujo estado natural seria o de
“guerra do homem contra o outro homem”7, uma vez que cada indivíduo procuraria o
6 Robert, P. (2002:34) 7 “Hereby it is manifest that during the time men live without a common Power to keep them all in awe, they are in that condition which is called Warre; and such a warre, as is of every man, against every man.” In Leviathan, Cap. XIII – Of the natural Condition of Mankind as concerning their felicity and misery, Hobbes, T. (2005a:88)
7
bem para si mesmo8, mas antes da necessidade de equilibrar esse comportamento
natural, através do exercício do poder e da força, por um governo soberano9.
Só a constatação racional de que a vida individual e comum poderia ser melhor, se
apenas o governo exercesse legitimamente o poder e a força, dando ao indivíduo a paz,
segurança e liberdade para se dedicar à satisfação de outras necessidades levaria,
segundo aquele pensador, os indivíduos à associação e à submissão a um governante ou
conselho.
No Contrato hobbesiano, os soberanos assumiriam o compromisso de exercer o
direito e recorrer à força em nome de todos, libertando o cidadão do medo de perder a
sua subsistência e da tarefa contínua de competir com outros pelo seu bem-estar. Nesta
perspectiva, o Contrato implicaria mais obrigações para os soberanos que para os
súbditos e, é nesta conformidade, que a garantia da segurança e protecção dos cidadãos
surge como uma função do soberano e, por conseguinte, do Estado.10
Por outro lado, na concepção de Hobbes, a “insegurança” seria uma condição
natural por oposição à “segurança”, essa sim, artificial e proporcionada apenas pelo
exercício do poder, que permitiria a existência da sociedade11.
8 "For every man is assumed to be naturally after his own good; he seeks Justice only incidentally, for the sake of peace" In De Cive, Cap. III – Of the other Laws of Nature, § XXI, Hobbes, T. (2005b:52) 9 “And if men were as they should be, that would be the best form of commonwealth. But to rule men as they are, there must be power (which comprises both right and strength) to compel” In De Cive, Cap. XVI – Of the Kingdome of God under the Old Agreement, § XV, Hobbes, T. (2005b:198) 10 No séc. XVI e antes de Hobbes, Thomas More, na obra alegórica intitulada Utopia (do grego U Topos, significando “lugar nenhum”), havia já descrito aquilo que considerava ser uma sociedade desenvolvida e próspera. Referiu-se, entre outras questões, ao poder do soberano, à sua fundamentação e objectivos, bem como à ética do seu exercício. Para More, o soberano teria o seu poder fundado na legitimidade que os governados lhe outorgariam e, com tal poder associavam-se deveres, nomeadamente o de lhes proporcionar condições de segurança e dignidade pessoal que conduzissem à felicidade: “[...] pois que a sua grandeza, para não falar na sua segurança, reside na riqueza do seu povo mais ainda que na sua; se mostrasse que os súbditos escolhem um rei não para ele, mas para si próprios, a fim de viverem felizes, em segurança, ao abrigo da violência e do insulto, graças aos seus esforços e à sua solicitude; que o rei, por conseguinte, deve ocupar-se mais do bem-estar do seu povo que do seu [...]”, More, T. (2004:33) 11 Este é um aspecto controverso, da construção ideológica de Hobbes. Crê-se que a sua abordagem, possa legitimar a fundação de Estados securitários, musculados e absolutos, nos quais a vigilância e protecção são factores essenciais à continuidade da coesão social e mesmo à liberdade de cada indivíduo. O enquadramento histórico da vida e do pensamento deste autor, fará com que a sua obra faça sentido para o leitor actual, ajudando a compreender porque razão um Estado não absoluto e totalitário, não poderia
8
Tal como Hobbes, Locke defenderia a existência de um estado natural original, no
qual o homem teria vivido sem a orientação de qualquer autoridade política, bem como
a geração de um consenso entre homens livres que serviria de base de sustentação ao
poder político. Os termos desse pacto determinariam a forma e alcance do governo
estabelecido. Todavia, segundo Locke, crente no facto dos homens nascerem livres e
iguais, o exercício do Poder deveria ser limitado constitucionalmente, concebendo o
“Pacto” como um instrumento jurídico de delegação na entidade governativa, entre
outros, do direito de reprimir o desvio.12 Lançando as bases do pensamento liberal,
Locke arguiu que seria a associação de homens livres que daria estabilidade política ao
Estado. O Homem, como ser naturalmente livre13, edificaria a sua própria
independência e segurança com o trabalho e com a construção do seu património.14
Emerge, neste contexto, a distinção entre dois tipos de segurança ou protecção, e
que Castel (2003) também refere. Um primeiro tipo, a protecção civil ou segurança
garantir, na visão daquele filósofo, a segurança total. Aliás, Max Weber viria a constatar, sem qualquer perspectiva ou intenção doutrinária e em época diferente, que o monopólio do exercício da violência pertence ao Estado. 12 As teorias do Contrato Social, viriam a desenvolver-se, a gerar e fundamentar posturas distintas das suas premissas iniciais, contudo, sob todas as perspectivas enunciadas, o Contrato, implica que haja um órgão encarregue da soberania que detém a força, o poder e a responsabilidade de manter a paz e a ordem que a todos serve e todos liberta. Neste prisma, a acção da soberania está intimamente ligada à segurança e manutenção da ordem e paz públicas e, bem assim, com a formação, doutrina e modo de funcionamento das instituições que protagonizam o exercício das respectivas prerrogativas de prevenção e repressão do desvio, nomeadamente as instâncias policiais, judiciais e prisionais. O ideal sócio-político edificado pelo pensamento desses filósofos, baseando-se numa premissa de garantia de protecção dos cidadãos a dois níveis paralelos, o da segurança civil, fundada nas instituições do Estado de direito e o da segurança social, baseada na propriedade, possui uma coerência assinalável que determinou a longevidade das suas ideias, levando a que as mesmas se impusessem a partir do séc. XVIII, após um novo impulso dado pelos pensadores da Revolução Francesa, disseminando-se pelos séculos seguintes e influenciando profundamente o direito e a filosofia das organizações políticas europeias actuais. 13 A defesa dos direitos naturais do homem gerou, contra a linha hobbesiana que preconizava a submissão total do indivíduo ao soberano, uma forte oposição às capacidades de intervenção do Estado, nos domínios considerados na esfera da vida privada dos cidadãos. O Estado existiria, no entender de Locke, apenas na medida do necessário, ou seja, a sua função seria apenas a de proteger o indivíduo para que este gozasse da liberdade de se desenvolver e empreender. 14 A propriedade representaria a garantia que o homem comum teria para se manter livre das redes de dependência e de tutela hierárquica e social que caracterizavam a sua condição pré-moderna. A importância desta concepção reside para além do sentido restrito dos bens materiais, radicando-se no conjunto de condições de manutenção da liberdade e autonomias pessoais de cada cidadão e, consequentemente da sua sobrevivência e bem-estar. A propriedade é a fonte material que garante ainda, a redução dos efeitos da exposição ao risco, inerente à própria vida humana.
9
pública15, que é um dever do Estado de Direito, materializado pela acção do sistema
judicial e dos organismos policiais, destinando-se a garantir a protecção de pessoas e
bens16. Outra, a protecção social, enquanto conjunto de meios e medidas proporcionadas
pela propriedade, que se destinam a assegurar o bem-estar do homem, na eventualidade
da concretização dos principais riscos, susceptíveis de causar degradação da vida,
vulnerabilizar ou por em causa a independência do indivíduo e que podem decorrer da
velhice, da doença ou dos acidentes.17 A segunda forma de protecção encontrar-se-á
mais tarde no elenco funcional dos Estados-providência.
Hodiernamente, Estado é geralmente entendido, como o responsável prima facie
pela regulação e controlo dos comportamentos desviantes18. Esta é uma construção
relativamente recente, mas de grande impacto sobre o entendimento que cada indivíduo
tem do seu próprio quadro de deveres, nomeadamente, aqueles que concernem à sua
segurança – a sua autoprotecção19, dado que é esse entendimento que influencia o
raciocínio de que a responsabilidade individual é subsidiária à do Estado.
15 No presente trabalho utilizaremos indistintamente o termo Segurança Civil e Segurança Pública, pretendendo definir a acção de prevenção e repressão do delito, vigilância e protecção de pessoas e bens, manutenção da ordem e paz pública, tipicamente exercido pelos organismos policiais. 16 A propósito dos fins da governação Marcello Caetano escreveu: “Colocamos a segurança em primeiro lugar ao enumerar os fins da sociedade política porque parece certo ter sido essa a primeira necessidade que levou os homens a instituir um poder político. O primeiro interesse do homem no mundo é viver. Para viver os homens precisam de se amparar contra os perigos da Natureza, contra as cobiças de outros homens, contra a violência dos mais fortes. [...] A segurança não é não é só a organização da força posta ao serviço de interesses vitais: é também, por outro lado, a garantia da estabilidade dos bens e, por outro, a da duração das normas e da irrevogabilidade das decisões do Poder que importem justos interesses a respeitar, quer dizer, a certeza.” Caetano, M. (1992:144) 17 Castel, R. (2003:20) 18 Distinto do conceito juridico-penal de crime, por ser mais flexível, amplo e próximo da fenomenologia social, pretendendo significar, não só os crimes propriamente ditos, mas todas as condutas que atentam contra a o equilíbrio homeostático de uma dada ordem social e cultural, no sentido em que colidem com as normas informais e as expectativas dos pares (Dias, J. et Andrade, M. 1997:73). 19 Utilizaremos profusamente o termo autoprotecção para significar a tomada de medidas passivas de protecção contra o delito, por aqueles que são as suas potenciais vítimas. A par da concessão pelo Estado de responsabilidades de segurança pública a entidades privadas, a autoprotecção compõe o conceito de “privatização do risco” a que adiante também aludiremos.
10
1.3 Génese e Âmbito do Estado-providência
Durante o séc. XIX, germinaram novas formas de entender as necessidades de
segurança ao nível social. Após a consolidação dos sistemas de governação
centralizados desenvolvidos sobretudo na Europa continental, o advento e expansão do
capitalismo liberal e da industrialização, geraram consequências profundas nos
contextos sociais, económicos e políticos dos Estados20, que romperam definitivamente
com os resquícios de um passado constituído por modelos ainda ancorados na pré-
modernidade.
Neste contexto de transformação, cedo se tornou evidente que a aquisição e
manutenção da propriedade, não era equitativa e que os riscos capazes de afectar o bem-
estar dos homens, seriam diferentes conforme o plano económico e social em que estes
se encontravam colocados.
O lançamento das bases do edifício do Estado-Providência, não terá sido alheio ao
surgimento de movimentos socialistas, movimentos esses que se apresentavam como
resposta socio-política em face das consequências do desenvolvimento económico e
industrial, considerado socialmente desequilibrado21. A inauguração de sistemas de
protecção social e as mudanças ideológicas e políticas operadas nos respectivos
20 Referimo-nos à decadência da aristocracia e a emergência da burguesia comercial e industrial, cuja instalação modificaria as actividades de produção, os hábitos de consumo e, bem assim a sujeição do homem a novos riscos, inclusivamente, aqueles associados ao trabalho fabril, à explosão demográfica e à densificação urbanística. O movimento de pessoas do campo para as cidades com vista a servir de mão-de-obra para as industrias, deparou com uma reduzida oferta de habitação, falta de condições de higiene e de saneamento básico, o que teve como consequência o surgimento de problemas graves de saúde e mesmo de ordem pública , decorrentes da excessiva aglomeração de pessoas e da escassez de recursos. 21 Percebendo o curso das grandes transformações operadas pela industrialização e preocupado em manter a estabilidade do seu sistema económico e político, Otto von Bismarck, príncipe da Prússia e governante conservador, elaborou os primeiros actos de protecção social estatal, planeando e executando reformas que dariam origem aos primeiros seguros sociais obrigatórios, para cobertura das situações de doença, acidentes de trabalho, invalidez e velhice. Na primeira década do séc. XX, a Inglaterra liberal e trabalhista seguiria o exemplo prussiano, sendo os mecanismos de protecção social gradualmente adoptados pelos países escandinavos sociais-democratas como a Noruega, a Suécia e a Dinamarca, seguindo-se-lhes mais tarde a França e os Estados Unidos.
11
Estados, poderá assim, ter feito parte de uma estratégia de manutenção do poder para
uns ou de conquista, para outros.
O Estado-providência, com a sua actual configuração, surge após a II Grande
Guerra. Ao elenco das tarefas do Estado22 passará a acrescentar-se, a prevenção da
pobreza e a protecção dos cidadãos contra os principais riscos sociais, assinalando como
fins, o bem-estar e a justiça social.
Esta forma de governação, caracterizada por ser social e politicamente actuante,
apresenta o Estado (providência) como actor (social) reorganizador da sociedade,
tornando-o um sistema que regula e medeia as relações entre a sociedade civil e o poder
político, que procede à regulação e controlo das actividades económicas e da
estratificação social. Interferindo na vida social e económica, o Estado-providência,
concebe e põe em prática políticas sociais, actuando como ponto de equilíbrio entre o
desenvolvimento e a sustentação social (Mozzicaffreddo 2002:3).
Assim, intervindo e influenciando diversos sistemas e processos sociais, o Estado-
providência complexificou-se, (1) criando aparelhos destinados a compensar o choque
nas expectativas de equidade e justiça sociais, provocado pelo desenvolvimento
económico, (2) substituindo as redes sociais informais que anteriormente sustentavam
os custos sociais do processo de desenvolvimento e da degradação económica, física
e/ou mental dos cidadãos (a pobreza, a velhice ou a doença...) com vista a controlar o
quadro de “incertezas sociais”, (3) respondendo às dinâmicas sociais, mobilizando
recursos políticos e sociais.23
Estas características e mecanismos particulares do providencialismo,
influenciaram profundamente o direito penal e a criminologia. A tendência
22 Defesa externa, segurança pública, diplomacia, justiça e tributação de impostos para manutenção das restantes. 23 Mozzicafreddo J. (2002:4), Castel R. (2003:87)
12
mobilizadora do Estado-providência, para a resolução de problemas sociais e o
raciocínio de que a delinquência seria uma falha do processo de socialização e, bem
assim, resultado de um deficiente desempenho do Estado na resolução dos problemas
sociais, fez diversificar e aumentar a atenção do Estado sobre as carências sociais,
económicas, educacionais e mesmo psicológicas, consideradas criminogénas.24
Consequentemente, procurou-se continuar a dirigir recursos para a compensação dessas
insuficiências, na tentativa de (1) prevenir e controlar a criminalidade, (2) recuperar os
agentes do crime e (3) reconstituir a coesão social quebrada.25
Este quadro complexo, adensou não só as responsabilidades e as dimensões de
intervenção, mas também os custos da governação, fazendo reflectir na carga fiscal
imposta aos governados, muito do seu meio de sustentação.26
As políticas do Estado-providência, nomeadamente as de prevenção criminal,
foram erigidas em condições económicas favoráveis que garantiram a sua
sustentabilidade27, condições essas que viriam a ser perturbadas, não só pelo peso de
uma máquina em constante crescimento, mas também por um grande número de
24 Garland D. (2002:15) 25 Estas tarefas do Estado incluem medidas sociais, legislativas e policiais que envolvem tanto recursos próprios do Estado, como de instituições da sociedade civil. A crença de que, sendo a sociedade criminógena, será tarefa essencial atacar todos os aspectos que dão origem e mantêm o comportamento desviante, invoca a necessidade de actuar a dois níveis. Um nível indirecto: melhorando as condições socioeconómicas, de acesso à educação, à habitação e ao trabalho, procedendo à integração sociocultural de grupos étnicos minoritários e suportando a coesão do tecido social por substituição aos grupos de pertença naturais (família, comunidade restrita). A um nível directo: assumindo a protecção de crianças e jovens em perigo, a tutela dos jovens delinquentes (necessitados de educação para o direito), assumindo a exclusividade da acção penal com uma postura fortemente garantista, sobretudo em relação ao respeito dos direitos dos que são visados, concedendo, por princípio, uma “segunda oportunidade” ao delinquente condenado, esperando que a pena aplicada tenha tido como resultado a recuperação do agente do crime (Castel R. 2003:87; Garland D. 2002:15) 26 “O Estado converteu-se, em todos os países, numa empresa gigantesca: produz bens, fornece energia, domina a circulação de produtos e das ideias através dos transportes e das comunicações, controla a moeda, orienta o crédito, regula a repartição dos rendimentos e nos períodos críticos intervém no consumo, ao mesmo tempo que ministra a instrução e se ocupa cada vez mais de todos os graus da cultura. Esta hipertrofia do fim económico e cultural do Estado verificada nos nossos dias exerce profunda influência na sua estrutura [...]” (Caetano, M. 1992:147) 27 O pós Segunda Grande Guerra, trouxe tanto na Europa como nos Estados Unidos, um sinal de esperança generalizado, associado a um impulso nas condições socioeconómicas dos respectivos cidadãos, sobretudo nos trabalhadores dos sectores primários e secundários. (Garland 2002:49)
13
transformações e avanços externos que viriam, por seu turno, a condicionar o
desenvolvimento das organizações sociais ocidentais28.
O surgimento das tecnologias de informação, o desenvolvimento do sector dos
serviços, e a expansão da iniciativa privada, viria a constituir-se uma perturbação
adicional à continuada edificação do Estado-providência, o qual, começaria a mostrar
sinais de recuo.
1.4 Retracção do Estado-providência
Estado e economia são dois mundos em cisão; fazendo hoje parte de universos
distintos em que, o primeiro está contido e a segunda vive e expande-se livremente sem
constrangimentos fronteiriços, linguísticos ou culturais. Esta circunstância põe em crise
o conceito de Estado-nação, tendo as economias ascendido a um patamar supra nacional
que os Estados não regulam ou controlam individualmente.
A expansão e liberalização do comércio mundial imprimiram, no último quartel
do séc. XX, uma grande pressão sobre o fundamento do Estado-nação, do Estado-
providência e da própria noção de soberania. Estes conceitos são frequentemente
declarados falidos, impondo-se novas regras, desta vez, não pelos Estados, mas pelos
grupos económicos de dimensão extra-nacional.29
A retirada (ou retracção) do Estado-providência ter-se-á iniciado nos anos 70 do
séc. XX, respondendo novamente “aos desafios” deste “desenvolvimento”
(Mozzicaffreddo 2002:6), levando o Estado a uma encruzilhada, entre uma economia
28 Les Johnston, identifica quatro grandes grupos de mutações: as mudanças económicas, a Globalização e “localização”, as mudanças nos sistemas de estratificação social e as mudanças políticas e do Estado. (Jonhston, L. 1998:194) 29 A este facto está aliado outro – o advento da globalização juntou em competição, no mesmo mercado, os Estados de direito democrático, onde as economias são reguladas e os direitos sociais consagrados
14
que já não controla e o suporte dos custos da desqualificação social dos cidadãos não
integrados no mercado de trabalho.30 A dissolução e privatização de uma série de
responsabilidades que outrora assumira, nomeadamente, algumas do âmbito da
segurança pública civil e social, marcam o momento actual, com inevitáveis reflexos ao
nível do sentir, tanto das comunidades, como dos indivíduos.31
Actualmente, existem novos modelos de poder global que transcendem os Estados
nas suas limitações fronteiriças, culturais e económicas e, essa nova realidade, não
parece comportar a dependência do indivíduo em relação ao Estado nos moldes, até
hoje, preconizados.
A este facto alude Giddens (2005) e também Recassens (2003); uma das
consequências da modernidade é a fragmentação dos anteriores conceitos de fixação das
dimensões espacio-temporais que, para além de alterar toda a conceptualização da vida
quotidiana do homem comum, reequaciona a problemática da segurança.
As preocupações de segurança e os respectivos investimentos dos Estados
também se globalizaram, passando a estar relacionadas com grandes questões de
segurança transnacional, como o terrorismo, os tráficos de armas, drogas e pessoas,
legalmente, com outros Estados onde tais aspectos não fazem parte nem da tradição histórica, nem da fundação política e filosófica. 30 Esta retracção encoraja, entre outros fenómenos, o crescimento de um novo mercado laboral, assente na oferta de trabalhos precários e salários baixos que surge como alternativa de sobrevivência para as franjas desfavorecidas da população. Estas circunstâncias socio-económicas estão correlacionadas com a concentração dessa população (crescentemente identificada também pelas diferenças étnica, raciais e culturais) em zonas degradadas, que rapidamente passam a ser classificadas como inseguras, em face da decadência tanto urbana como humana. O aparecimento de tais bolsas de decadência social, económica e urbana relaciona-se com um outro fenómeno: a rejeição da autoridade policial. Este factor adicional tem, em muitos casos, resultado num abandono do policiamento dessas áreas que ficam entregues a si próprias, em contraste com o aumento de policiamento em áreas e populações mais favorecidas, como se de uma necessidade de defesa dos segundos contra os primeiros se tratasse. (Waddington 1999:244). 31 “O impacto da crise (...) do Estado social no Estado-nação faz com que parte desta segurança (pública / do cidadão) esteja destinada a desaparecer, salvo se for assumida por instâncias supra-estatais e sobretudo por instituições infra-estatais que, recordemo-lo, continuam a ser uma extensão do Estado mas sob formas diferentes do conceito de Estado-nação centralizado. O resto será absorvido pelo sector privado ou perder-se-á, incrementando a conflitualidade social e alterando os níveis sociais de tolerância / confiança.” (Recassens, A 2003:374).
15
entre outros32. Apesar, da inevitável transferência entre global e local, parece haver uma
tendência securitária virada para o exterior que se reflecte também nos organismos
policiais, causando uma paradoxalidade nas suas condutas: ora de proximidade e
interacção com o cidadão, ora de afastamento e demonstração de força repressiva em
relação a fenómenos, aparentemente, afastados das realidades das comunidades mais
restritas.33
1.5 Atomização e Responsabilização: colisão entre expectativas sociais e acção
governativa
Nas sociedades modernas, o indivíduo está colocado à margem das protecções
típicas da pertença a grupos de proximidade, não logrando encontrar uma substituição
completa para a satisfação das suas necessidades de segurança (Castel, R. 2003:23).
O crescimento dos aglomerados urbanos, a concentração populacional e o
crescimento demográfico, não contribuíram para a construção da coesão entre os
indivíduos; pelo contrário, despersonalizaram os agregados humanos forçando a
mutação dos laços sociais entre estes. As teias de relacionamentos são mais
diversificadas, mas menos sólidas e independentes da proximidade física entre os
sujeitos, existindo uma noção de ligação com o outro que não está relacionada com a
comunhão do espaço de vivência comunitária. Os ritmos, as rotinas e os rituais dos
habitantes das cidades impõem esta desagregação dos laços sociais, alimentando o
32 Os relatórios OCTA (Organised Crime Treath Assessment) da EUROPOL têm-no reflectido repetidamente. 33 “(...) podemos apreciar uma tendência, no âmbito do global, para o desenvolvimento de políticas cada vez mais claramente repressivas, enquanto que ao nível local, se pretende assimilar o assistencial. Porém, (...) nem sempre essa assimilação do assistencial se consegue de forma isenta de postulados repressivos, fundados na exploração (nem sempre honesta) das inseguranças, da pequena delinquência e dos medos dos cidadãos, por parte de quem se constitui elemento gerador de opiniões, de políticas ou de práticas neste campo.” (Recassens, A 2003:369).
16
individualismo e diluindo o controlo social. Este desenvolvimento reforça a
dependência do indivíduo em relação ao Estado, no que ao controlo social diz
respeito.34 Para este aspecto em particular, também contribuiu a centralização do
poder35 e a densificação do aparelho legal, que retirou aos cidadãos e às comunidades as
competências de auto-regulação, autoprotecção e auto-defesa de que, outrora, faziam
uso.
A avocação da capacidade de produção normativa pelo Estado, a criação de
instâncias que se substituem ao controlo social (típico dos grupos e das sociedades pré-
modernas) e a extinção gradual e progressiva da participação em grupos de pertença e
de referência, decorrente da massificação das agregações humanas, teve como resultado,
a criação de uma dependência dos cidadãos em relação a essas estruturas artificiais.36
A actual tendência para a reforma do quadro de competências dos Estados,
significou uma inflexão que se traduz num recurso sistemático ao discurso de
responsabilização do cidadão, nomeadamente no que diz respeito à prevenção criminal,
redefinindo as esferas privadas da sua segurança, onde se espera que exerça
autoprotecção.
Chega-se assim a uma encruzilhada em que, por um lado, a segurança e a justiça
estão “delegadas” nas instâncias formalmente criadas para esse efeito, mas, por outro,
os Estados caminham no sentido de, eles próprios, concessionarem algumas das suas
responsabilidades e/ou as devolverem aos cidadãos.
34 O frequente apelo popular ao reforço de policiamento, tem por base uma lógica de transferência da responsabilidade pela segurança que foi incutida aos cidadãos, habituando-os a ver nas instituições policiais a fonte dessa condição de bem-estar. 35 Sobretudo após a Revolução Francesa. 36 É perceptível que a investida da modernidade, centralizando o poder e fundando o Estado sob o império da lei, fragilizou a acção de cada indivíduo na sua autoprotecção e auto-defesa. Esta transformação desproveu as comunidades das suas formas de auto-regulação e controlo. A capacidade reactiva passou a pertencer ao Estado, o qual, “invadiu o espaço social ao aplicar soluções jurídicas para todo o tipo de conflitos” (Cusson 2006:180)
17
Paradoxalmente, o tema da insegurança e do sentimento de insegurança, passou
definitivamente a figurar nos discursos e nas agendas políticas, transformando-se numa
preocupação primordial para as sociedades e Estados ocidentais. O crime e a
insegurança são temas que invocam as expectativas dos cidadãos em relação ao
Estado37, num momento de transformação da atitude do seu fornecedor, até agora
exclusivo.
Acontece porém, que o modelo de governação do Estado moderno está carregado
de um significado e de uma funcionalidade herdada historicamente. Essa herança,
enraizada hodiernamente, na cultura de uma grande parte dos cidadãos do mundo
ocidental, sobretudo na Europa, faz com que estes esperem da estrutura governativa, um
conjunto de garantias de limitação ou mesmo de supressão dos riscos, sejam eles
sociais, económicos, ambientais ou de segurança civil; factor, que provoca a colisão
entre as expectativas sociais e as actuais políticas de segurança social e civil do Estados.
1.6 Privatização do Risco e da Segurança
O papel exclusivista do Estado como garante da segurança civil transfigura-se,
através da reorganização do aparelho judicial e policial e de alterações legislativas que
denunciam, por um lado, a alteração da anterior filosofia de funcionamento do Estado
multi-interventivo e, por outro, a implementação da retórica da responsabilização do
cidadão pela sua própria esfera de segurança pessoal. Este novo paradigma que
congrega a concessão à iniciativa privada de serviços de segurança, outrora públicos,
37 A “criminalidade passou (…) a ser um problema político maior da sociedade contemporânea – a questão da insegurança entre os cidadãos remete para a relação entre o Estado e a população, remete para a capacidade de protecção do poder político. Os cidadãos questionam cada vez mais a capacidade do Estado para garantir a sua segurança.” Sá, Teresa V., Segurança e o seu Sentimento na Cidade, in Actas do
18
com a devolução de responsabilidade ao cidadão individual, designa-se comummente
“Privatização do Risco”.
Se nos reportarmos aos conhecimentos históricos e sociais que temos sobre as
comunidades da pré-modernidade, poderemos porventura questionar-mo-nos, sobre se a
responsabilidade pela esfera de segurança pessoal que cada indivíduo tem (sobre si
mesmo), alguma vez deixou de existir.
Contudo, bem observadas as políticas criminais e de segurança dos Estados
europeus, adivinharemos que a veiculação do discurso da responsabilidade individual,
pelos órgãos oficiais responsáveis, tem sido mais evidente e frequente nas últimas
décadas do séc. XX e no início do séc. XXI.
Durante os períodos de florescimento e estabilidade do Estado-providência, as
garantias oferecidas pelo Estado solidificaram não só um sentimento de segurança
social, mas consequentemente, também um sentimento de segurança geral que se
estendia ao campo da própria defesa do cidadão contra o crime, muito embora as
estatísticas criminais não tenham confirmado qualquer redução deste fenómeno, antes
pelo contrário38. Por contraponto, a anunciada falência do Estado-providência, as
reformas de austeridade, o discurso de crise, do medo e do risco, contribuem, nas
sociedades habituadas a estabilidade e garantias de segurança social e civil, para a
emergência de um sentimento de insegurança generalizado que passa facilmente, do
socio-económico para o sócio-criminal e vice-versa39. Por outro lado, a segurança40 tem
IV Congresso Português de Sociologia, disponível e recuperado em Abril de 2006 em: http://www.aps.pt/ivcong-actas/Acta047.PDF a partir da consulta a: http://www.aps.pt/ivcong-actas.htm. 38 Garland D. (2002:106) 39 A sondagem mundial “Voice of the People” da Gallup International de 2003 (www.voice-of-the-people.net) feita para o World Economic Forum, revela que os resultados económicos fracos de determinados países, afectou negativamente a visão dos seus cidadãos sobre outros factores, nomeadamente aqueles que se relacionam com a segurança. O inverso veio a demonstrar-se igualmente verdadeiro, a incerteza, falta de confiança e instabilidade, nomeadamente em relação à segurança internacional e nacional, afecta a percepção dos cidadãos sobre o desenvolvimento económico. Pessoas de regiões e países que ultrapassaram grandes dificuldades ao nível da segurança e da economia
19
uma posição a ocupar no mercado de bens de consumo e, portanto, o fornecimento de
tal serviço também é susceptível de ser “liberalizado” e concessionado à iniciativa
privada. É visível a proliferação da oferta de seguros, empresas de equipamentos e
tecnologia destinada à vigilância, alarme e segurança passiva de bens móveis e imóveis,
bem como de empresas privadas de prestação de serviços de segurança (muitas das
quais multinacionais).41
Também nos sistemas prisionais se começa a ensaiar a privatização de serviços.
Diversos estudos e experiências, pretendem demonstrar ser possível privatizar parcial
ou mesmo integralmente os serviços de reclusão, como uma forma de prestação de
serviços executada por particulares contratados pelo Estado.42
Como afirma Oliveira (2006:29), hoje, “(...) a satisfação das necessidades
públicas não são, obrigatoriamente, prosseguidas de forma directa pela administração. O
sector privado pode desempenhar um papel importante nessa área, quer se trate da
produção de bens, quer da prestação de serviços públicos, sem que isso signifique, uma
atitude de afastamento pura e simples do Estado, mas, apenas (...) a escolha de uma
outra forma de intervenção na prossecução das tarefas públicas.”43
(Afeganistão, Kosovo, Bosnia Herzegovina, Quénia, Geórgia, etc.) têm visões mais optimistas do seu futuro, o que significa que a avaliação do futuro tem sempre por referência o passado e o presente. 40 Aqui poderemos incluir tanto a segurança civil como a social pois, não obstante passarmos a debruçarmo-nos apenas sobre a primeira, poderemos afirmar que, também no campo da segurança social, se assiste a uma proliferação de serviços privatizados. A título meramente exemplificativo, refira-se o surgimento de Instituições Particulares de Solidariedade Social que, sendo originárias de outros países, se multinacionalizam, recebendo apoios dos diversos Estados onde prestam os seus serviços. 41 O Relatório de Segurança Privada do ano de 2005, da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (5 de Junho de 2006) indica que em Portugal, o sector da prestação de serviços de segurança privada contava com 99 empresas, 50 entidades que funcionam em regime de autoprotecção, empregando-se um total de 34 403 vigilantes, número de operacionais substancialmente superior aos quadros de pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública ou da Guarda Nacional Republicana, o que indica a sua importância, considerada, no preâmbulo do relatório citado como “uma actividade económica e social relevante de actuação ao nível da segurança interna do País”. Sobre este assunto leia-se ainda Jonhston, L. (1998: 196-201) e Gilling, D. (1997:150-158). 42 Esta nova realidade que surge sob diversas formas debutou-se nos anos 80 do séc. XX no Canadá e posteriormente nos Estados Unidos da América. A este propósito leia-se Palley, C. (1996:158 e seg.). 43 Oliveira, J. F. (2006:29)
20
Essa nova colocação do Estado em face das suas competências, destaca-se da
concepção centralizadora e intervencionista da governação, para assumir uma forma de
actuação reguladora e não necessariamente participativa nas actividades de prestação de
serviços e produção de bens e de bem-estar.
A prestação do serviço policial, também se alterou, adequando-se a esta nova
colocação estatal e à sociedade do risco (Ericson, R. et Haggerty, K.:1999). As técnicas
de serviço policial vêm sendo reavaliadas e reestruturadas, com vista à prestação de
apoio à comunidade, de consultadoria de segurança e de recolha e gestão de informação
para outras entidades. Esta faceta do trabalho policial é uma marca da pós-modernidade
que vem acrescentar à manutenção da ordem e paz públicas, um enorme volume de
tarefas preventivas direccionadas para a detecção e gestão dos riscos, por um lado e para
o controlo da criminalidade, por outro.
Neste sentido, o trabalho policial é, em grande medida, pedagógico e profiláctico,
assistindo os cidadãos, mas não se lhes substituindo necessariamente, na execução de
tarefas de prevenção criminal. É no contexto descrito que surgem os programas de
policiamento comunitário e de proximidade44, os quais pretendem envolver e
responsabilizar sistematicamente as comunidades policiadas, na prevenção e resolução
dos seus próprios problemas criminais e cívicos. Paralelamente, a pretexto da
44 Os termos “Policiamento Comunitário” e “Policiamento de Proximidade” são muitas vezes usados indistintamente e, em nosso entender, de forma errada. Por “Policiamento Comunitário” dever-se-á entender uma forma de auto-policiamento em que é a comunidade que exerce a iniciativa da vigilância e controlo, sob orientação da Polícia (de que é exemplo o programa Neighbourhood Watch). Este modelo é característico dos países anglo-saxónicos que não foram submetidos à influência directa das invasões napoleónicas e à implementação das noções de Estado centralizado, omnipotente e omnipresente (o modelo civil e administrativo da Europa continental é também designado modelo do Código Napoleónico ou Civil Law). Já “Policiamento de Proximidade”, designa um modelo genérico característico da Europa continental. Neste caso, o ónus de policiar continua a ser em primeira instância um dever e responsabilidade do Estado por via das instituições policiais, todavia, em aproximação com a comunidade servida, na medida em que se pretende flexibilizar a acção policial, adaptando-a ao contexto particular de uma dada população, atacando os seus problemas específicos e fazendo uso dos seus recursos humanos e institucionais locais. Dir-se-ia que este modelo continental, tem mais de “policiamento de aproximação”, uma vez que decorre da necessidade sentida pelas polícias e pelas populações de inverter o conceito base que preside às políticas centralizadoras da segurança.
21
globalização e da alteração imposta sobre fenómenos como o terrorismo, a
criminalidade organizada e transfronteiriça, bem como as migrações (sobretudo, as
imigrações), os Estados ocidentais empenham-se, em uníssono, na construção de
edifícios legislativos e sistemas de segurança musculados que, distanciando-se da
realidade das comunidades locais, se propõem a garantir uma macro-segurança.45
As metamorfoses funcionais dos Estados e dos seus governos, suscitam questões
pertinentes sobre, não apenas o que cabe, de facto, ao Estado fazer, mas do que são os
Estados ainda capazes de assumir, de forma integral e exclusiva, sobretudo no que à
segurança e protecção de pessoas e seus bens diz respeito.46 Impõe-se, por outra via,
questionar que percepção têm os cidadãos, no actual momento, sobre a sua
responsabilidade na limitação dos riscos, nomeadamente, nos de vitimação por acção
criminosa, uma vez que, a retracção do Estado-providência indica que, boa parte do
fornecimento de segurança pública, tenderá a ser suprimido das funções estatais e
45 Afirma Recassens i Brunet, referindo-se às alterações de paradigma da segurança e dos direitos, liberdades e garantias, decorrentes da “globalização”: “Esta redefinição de espaços coloca graves problemas no plano da segurança, conceito que se encontra, desde as suas origens modernas, vinculada à forma do Estado-nação e através dela, á ideia de soberania. A aparição de espaços macro-securitários de tipo supra-estatal, como o espaço policial europeu, fez das seguranças nacionais uma questão multilateral. A emergência de um espaço de segurança levantou um grande número de interrogações sobre os seus mecanismos operacionais e de controlo. No âmbito global, aparecem políticas claramente repressivas relacionadas com grandes temas securitários (terrorismo, drogas, livre circulação e estrangeiros, crime organizado, violência,...) abrindo-se um amplo debate sobre os riscos derivados da construção de uma Europa fortaleza em lugar de uma Europa dos cidadãos. Por outro lado, mas simultaneamente, a exigência de uma maior atenção dirigida a uma segurança vocacionada para o cidadão e suas necessidades básicas, desenvolveu um crescente interesse pelos aspectos micro-securitários nos espaços locais, chamando a si os aspectos assistênciais, da solução de problemas, da mediação, etc. mas, ao mesmo tempo, consagra-se também como o espaço das inseguranças relacionadas com a pequena delinquência, do risco e dos medos dos cidadãos. As respostas a tal dualidade plasmam-se nos conceitos «brandos» de policiamento comunitário e de proximidade ou «duros» e traumáticos como os da tolerância zero. Enquanto que os primeiros pretendem incrementar a segurança a partir da aproximação da polícia aos cidadãos, o uso de técnicas de patrulha urbana em diálogo permanente com os cidadãos (dos quais obtém informação enquanto promove a criação de um sentimento de segurança) e a aposta na prevenção / proactividade, os segundos baseiam-se na pressão férrea aplicada a certos espaços urbanos, na dureza das sanções, uma certa permissividade à rudeza na actuação policial e a uma política de eficácia a todo o custo, fundados em princípios de repressão / reactividade.” (Recasens I Brunet, 2003:368) Tradução do autor. 46 Particularmente em Portugal, estas questões poderão ter uma premência ainda maior, quando analisadas à luz do passado histórico recente do país, não olvidando a sua herança social, política e até religiosa. O importante papel da Igreja Católica na formação das consciências pessoais e colectivas, o peso do Estado Novo altamente interventivo, a descolonização e a curta vida da democracia, implantada na transição para
22
assumido pelo sector privado, outra perder-se-á, deixando aos cidadãos, o ónus de
incrementarem as suas próprias medidas de protecção. Recassens (2003:374), alerta
para a possibilidade deste fenómeno de transferência resultar no aumento da
conflitualidade social e da alteração dos níveis sociais de tolerância e confiança.
Enquanto isso, surgem novas formas de encarar o crime e a sua prevenção, numa
abordagem em tudo, relacionada com o conceito moderno de risco.
1.7 Prevenção Situacional: Uma nova criminologia para novos paradigmas sócio-
políticos
A adopção de medidas passivas, adequadas a reduzir ou evitar o risco de
concretização do crime e dos seus resultados danosos a que chamamos autoprotecção,
faz parte do nosso comportamento quotidiano, quantas vezes inconsciente e
determinado pelos factores de análise de risco e vulnerabilidade já aflorados.47
O fenómeno criminal é normal48, inerente à vida social, podendo representar um
meio subjectivo ou colectivo de resolução de obstáculos49 e, portanto, constituindo-se
num risco permanente.
os novos paradigmas políticos e económicos mundiais, gera um potencial criador de uma sensação de ruptura entre o esperado e o adquirido, no que à relação entre cidadão e Estado diz respeito. 47 Afirma Cusson (2006:183) que “autoprotecção é a principal actividade do cidadão que age enquanto vítima potencial.” 48 Na esteira do pensamento precursor de Durkheim e da Teoria do Controlo Social que advoga a existência, no homem, de uma tendência natural para o desvio que se concretizará caso não existam factores endógenos e exógenos que impeçam a prática do delito. A abordagem preconizada pelo Controlo Social, como teoria criminológica, radica no princípio de que o delito não só é um acontecimento comum e normal, como ocorrerá certamente caso não existam motivos que o impeçam. O enfoque incide sobre os mecanismos de controlo interno e externo que levam um dado indivíduo a interiorizar atitudes e padrões de comportamento que contrariam a naturalidade do desvio (e não aqueles que o proporcionam ou condicionam). Ora, se todos os indivíduos são natural e fortemente compelidos a servirem-se a si próprios, recorrendo facilmente a condutas anti-sociais e ao crime para satisfação das suas necessidades e ensejos (bastando para tanto que não existam sistemas de controlo eficazes para os inibir) as Teorias do Controlo Social respondem, apelando a uma melhoria da capacidade de controlo das acções delituosas, colocando a tónica na disciplina, partindo, como refere Garland (2002:15) de uma “visão mais negra da
23
Neste sentido, mais do que procurar razões para a ocorrência de delitos ou
investigar profundamente as motivações dos delinquentes, importará aceitar que,
independentemente de quaisquer razões, os delitos acontecem e acontecerão. Essa
constatação deveria resultar na criação de mecanismos de adaptação na vítima potencial,
levando à prevenção pelo controlo das circunstâncias habilitadoras da sua ocorrência,
limitando as oportunidades de execução do crime. Do ponto de vista da vítima
potencial, esta acção compõe-se da selecção, limitação e controlo do risco.50
Entende-se assim, que todos os cidadãos têm de forma natural uma quota parte da
responsabilidade pela criação e manutenção da sua própria segurança e, por
consequência, da segurança daqueles que integram o seu espaço de comunhão, como a
condição humana” do que aquela preconizada pelas políticas sociais e criminais características dos Estados-Providência. 49 A Teoria da Escolha Racional ou da Análise Estratégica (Rational Choice Theory para os anglo-saxónicos e Analyse Stratégique para os francófonos), desenvolvida na criminologia por Clarke a partir dos anos 80 do séc. XX, caracteriza a prática do crime como relativamente normal. O agente do delito, confrontando o benefício pessoal que poderá retirar da acção e as protecções e defesas apresentadas pelo alvo desejado, decide agir rompendo com o normativo. O conceito de “oportunidade” é colocado em plano central, explicando a ocorrência do crime pela existência ou ausência de elementos de segurança que impeçam a prática do acto. “Situação” e “disposição” são factores indissociáveis na explicação do acto, na medida em que, apenas a soma das circunstâncias de oportunidade e a presença de um sujeito disposto a delinquir, resultarão no crime. A “disposição”, entende-se, como a escolha pela prática do acto, oferecida que foi, a oportunidade adequada à sua concretização (Gilling 1997:61). Cusson (2006:109) revela reservas quanto a esta perspectiva, afirmando que a racionalidade do acto delituoso é questionável, revelando “uma desconcertante combinação de racionalidade e irracionalidade”. Naturalmente, esta racionalidade imperfeita e muito circunstancial que Clarke (1997:15) nos propõe, não deve ser generalizada como uma característica universal de todos os delinquentes, nem esse parece ser o objectivo da sua concepção. As escolhas são sempre processos complexos (ainda que aparentem ser rudimentares e simplistas), sujeitos que estão a um grande número de constrangimentos de ordem pessoal, temporal, espacial e situacional que poderão influenciar a decisão de cometer o delito. Porém, havendo uma motivação / necessidade prévias e surgindo a oportunidade de satisfação através do delito, a decisão tomada no momento, irá basear-se nos factores mais evidentes e fáceis de inteligir. Tal não implica irracionalidade no acto, mas sim a redução dos pressupostos da decisão a um mínimo indispensável. Gilling (1997:63) alerta para o facto de a Teoria da Escolha Racional se demarcar do determinismo simplista do pensamento clássico, que assumia sem reservas ou grandes explicações a existência do livre-arbítrio, renovando a noção de escolha, como instrumento heurístico que leve a perceber a mecânica do aproveitamento de oportunidades. 50 Gassin (2003:653), afirma que o interesse por este tipo de acções de prevenção da delinquência se explica pela ineficácia dos anteriormente mencionados (a protecção social e a prevenção policial). Não pretendendo fazer da discussão dessa afirmação o mote do presente trabalho, entendemos que todas as vertentes da acção preventiva do crime, sejam elas legislativas, sociais, policiais ou de foro particular, formam um conjunto complementar de medidas, não representando de forma isolada uma solução racional para o inevitável problema da criminalidade, da delinquência ou do comportamento desviante, globalmente entendido. Uma política criminal que se baseie apenas no controlo do comportamento
24
sua família e a comunidade onde se inserem. Esta responsabilidade é materializada de
forma consciente e inconsciente, em acções do quotidiano individual e colectivo.51 O
apelo a esta responsabilização partilhada entre cidadãos e governos surge,
frequentemente, nos discursos oficiais como mote para a restauração do sentimento de
segurança e da segurança pública (Eggers e O'Leary:1995), através de um processo de
reintegração entre população e instâncias de controlo, especialmente as polícias. As
organizações policiais deverão identificar-se com as suas comunidades e os cidadãos
deverão reconhecer que grande parte da missão de policiar uma “sociedade livre” não é
da Polícia, mas dos próprios cidadãos que a compõem.52
Em comunidades “saudáveis”, os indivíduos estabelecem e fiscalizam códigos de
conduta, tanto formais como informais, ou seja, procedem ao controlo social, à
regulação dos comportamentos dentro do seu espaço de convivência. Pessoas que
actuam fora das normas da comunidade, são severamente admoestados pelos restantes.
Mas, em comunidades “doentes”, o sentimento de insegurança mantém as pessoas
encerradas em suas casas, inviabiliza a actividade comercial, quebra os laços entre
indivíduos e entrega as ruas ao tipo de desordens que geram e alimentam a
criminalidade (Idem). Assim, a comunidade dilui-se e, porque os indivíduos se demitem
do seu papel regulador entrar-se-á em estado de anomia.
A conjugação do conceito de normalidade do crime, das Teorias do Controlo
Social e da Escolha Racional do delinquente, por um lado, e a perspectiva de
responsabilização subjectiva pela esfera de segurança individual, fundamenta o
humano, sem atender a preocupações de ordem social, económica, educativa, enfim, de prevenção integral e sustentada, estará condenada a transformar-se em mera repressão. 51 Não obstante, Gassin (2003:660) evidenciar a desagregação que conduz os cidadãos a deixar para os poderes públicos a tarefa de controlo social e Cusson (2006:180) referir a transferência da capacidade reactiva do indivíduo e comunidade para o Estado, que “invadiu o espaço social ao aplicar soluções jurídicas para todo o tipo de conflitos”. 52 Eggers, W., O'Leary, J. (1995)
25
raciocínio de que, não sendo possível eliminar o risco de crime, haverá que proceder ao
controlo da sua ocorrência.
Neste prisma, para que a incidência do crime seja reduzida, haverá que (1)
eliminar oportunidades para a sua ocorrência, (2) aumentar os esforços e os riscos da
sua prática, (3) reduzir ou suprimir os potenciais benefícios (Felson e Clarke:1998).
Estes aspectos enformam um conjunto de estratégias de prevenção criminal53, que têm
intenção de criar condições que desmobilizem a prática do crime, através da imposição
de dificuldades que encareçam os potenciais benefícios e reduzam as oportunidades.
O conceito de Situational Crime Prevention (Clarke:1997), entre nós já traduzida
por “Prevenção Situacional”, foca-se na redução de oportunidades em detrimento de
qualquer análise sobre as motivações ou características do “homem delinquente”54.
Embora admitindo que a redução de oportunidades, relativamente a determinados
alvos, possa gerar um fenómeno de transferência das atenções criminosas para outros,
as estratégias preventivas permitem direccionar as protecções de acordo com a
importância relativa de cada alvo55.
53 Entre outras obras, estas teorias estão vertidas de forma condensada e dirigida à praxis na obra que os dois autores publicaram em 1998 sob o título Opportunity Makes the Thief: Practical theory for crime prevention, Police Research Series, Paper 98, Home Office, London, aproveitando o adágio popular (por sinal, não constrangido por fronteiras culturais): “A ocasião faz o ladrão!”. 54 A teoria da Prevenção Situacional foca a prevenção na perspectiva da supressão das condições que proporcionam a ocorrência do crime. A Prevenção Situacional é dirigida para problemas específicos e concretos. Começa pela eleição de categorias específicas de crimes que são objecto de uma análise, no sentido de identificar quais condições que proporcionam a oportunidade para a sua ocorrência; constrói os métodos adequados à resolução dos problemas identificados e molda as ferramentas de avaliação de resultados; cria instrumentos e técnicas destinados a reduzir a incidência do delito, as quais se destinarão a desencorajar os potenciais delinquentes, tornando o alvo mais difícil (Increasing the effort), aumentando o risco da acção (Increasing the risks), tornando o delito menos rentável para o criminoso (Reducing the rewards). As acções preventivas características da prevenção situacional resultam na arquitectura defensiva dos edifícios e dos espaços públicos (Design Out Crime), preparação de bloqueios electrónicos de equipamentos furtados, à instalação em fábrica de sistemas de localização de viaturas, da colocação de alarmes em estabelecimentos ou ampolas de líquido colorido em peças de roupa para venda, à melhoria da iluminação pública, da contratação de segurança privada, ao aumento de policiamento em determinadas zonas ou promoção de campanhas de informação e sensibilização destinadas a grupos de risco específicos, entre outros (Vd. Anexo 11). 55 Avaliações feitas à aplicação deste tipo de acções de prevenção, têm revelado uma fraca ou mesmo uma inexistente propensão para a geração de transferência da incidência delituosa, conforme revela o Problem Oriented Policing Center in: http://www.popcenter.org/about-situational.htm.
26
Na esteira do trabalho de Clarke, os investigadores Felson e Cohen produziram
um diagrama que sintetiza as condições necessárias para a ocorrência do crime: (1) um
alvo adequado e disponível, (2) um potencial criminoso devidamente motivado e (3) a
ausência de um “guardião” (seja uma figura de autoridade, ou qualquer outro elemento
humano ou tecnológico que exerça pressão contrária à motivação delinquente)56.
Esta abordagem (conhecida como Routine Activity Theory: RAT) pretende focar-
se nos aspectos da redução dos riscos de incidência criminal, identificando claramente o
problema concreto que se coloca e fornecendo ferramentas básicas para encontrar a
solução apropriada, celebrizando-se pelo acompanhamento de um gráfico triangular (V.
Fig 1) que sintetiza a análise do problema criminal, assente em três parâmetros básicos
(vitima / alvo, delinquente, “guardião”).
De forma sucinta, a teoria baseia-se na ideia de que, na ausência de controlos
adequados, potenciais delinquentes intentarão contra alvos atraentes. De certa forma, as
únicas condições realmente necessárias à concretização do crime são o encontro, no
mesmo local, de um potencial delinquente devidamente motivado e o respectivo alvo /
vítima. A contrario senso, se alvo e potencial delinquente nunca se encontrarem no
mesmo local, não ocorrerá o delito. Ainda que possam surgir circunstâncias que
proporcionem o delito, a protecção poderá passar pela introdução da figura do
“guardião”, alguém ou alguma coisa que exerça, pela sua presença, um controlo sobre a
segurança do alvo, nomeadamente um meio físico de segurança passiva.
56 Marcus Felson no final dos anos 70 do séc. XX desenvolveu, em conjunto com Stanley Cohen, esta equação que resume a sua Routine Activity Theory, vocacionada para os aspectos operacionais do crime e utilizada pela Prevenção Situacional como modelo de análise e trabalho sobre determinados “problemas criminais”. Os autores procuraram, com a sua abordagem, investigar como é que a organização espacio-temporal das actividades sociais abre caminho para a concretização das tendências naturais para delinquir, argumentando que a flutuação dos índices de criminalidade se relaciona com as alterações de padrão nas rotinas dos indivíduos e das comunidades.
27
Fig.1:
Adaptado de Felson, M., Clarke, R. (1998) – Opportunity Makes the Thief: Practical theory for crime prevention, Police Research Series, Paper 98, Home Office, London, p. 4
Destas teorias resulta uma perspectiva diferente sobre a responsabilidade do
Estado e a do indivíduo na prevenção e repressão da criminalidade, uma vez que a
mesma sugere que antes do Estado, as tarefas de prevenção estarão ao alcance da
autoridade do cidadão, da sua célula familiar e dos sucessivos círculos da comunidade.
Assim, assume-se claramente o objectivo prático de aplicar medidas adequadas a
antecipar as alterações das rotinas normais diárias, o que implica a elaboração de
estratégias preventivas, aplicadas à vida quotidiana57.
Sendo a autoprotecção uma actividade natural de cada indivíduo, o estado de
segurança uma artificialidade (num mundo de riscos) e se a construção dos Estados
modernos, sob o modelo liberal e de direito democrático se pauta pela intervenção
mínima das suas instâncias e pelo respeito pelos direitos, liberdades e garantias
individuais, então, a intervenção policial preventiva e repressiva em prol da segurança
pública é residual e complementar, em face da actividade de autoprotecção encetada por
cada cidadão.
57 Daí o termo Everyday Life Criminolog.y (Vd. Felson, M. (2002)).
28
Porém, como assumem os cidadãos, o seu papel no teatro da prevenção criminal?
Onde se colocam os cidadãos, na sua relação com o Estado e o que esperam eles deste?
1.8 Síntese conclusiva do capítulo 1: Poder, Estado e Cidadania
Ao fazermos uma retrospectiva histórica das concepções de Poder e Estado,
revisitando de forma comparativa os períodos da pré-modernidade, implementação da
noção de Estado-nação, advento do Estado-providência ou Estado-social e o actual
momento da sua retracção, aperceber-nos-emos das alterações de posicionamento do
homem comum na sua relação com as entidades governativas.
Num primeiro momento, assistimos ao destaque do homem comum da sua
realidade grupal. A projecção da individualidade, desequilibrou os parâmetros sociais
fortemente estratificados que definiam que o homem morreria com o estatuto com que
nascera. Este rompimento com o paradigma fatalista, promoveu o desenvolvimento
humano, permitindo o empreendimento individual, mas introduzindo de forma
inevitável, a noção de risco.
A centralização do Poder (fragmentado desde o fim do Império Romano até ao
final da Idade Média), a recriação da noção de coisa pública e de estruturas de controlo
baseadas na Lei escrita e destinadas a todos, viria a ter reflexos nas condições de vida
do homem comum. Surgem as noções de Estado, Nação, Lei, Justiça e de força pública,
aliviando a pressão dos estratos sociais e substituindo lentamente os foros privados e as
formas primitivas de auto-regulação, controlo e protecção.
A revolução industrial e a consequente expansão dos meios urbanos, viria alterar
novamente os contextos sociais e económicos, magnificando os riscos e pressionando os
Estados a intervirem na economia com a criação de sistemas de apoio aos cidadãos.
29
Surge o Estado-providência, multiplicando-se as instituições destinadas a apoiar os
cidadãos em cada incerteza existencial, substituindo os grupos de referência e suporte
social, entretanto, desaparecidos ou em desagregação.
A expansão das economias, acompanhando o avanço das tecnologias de
comunicação, assume uma escala global, pondo em crise a noção de Estado-nação e
abalando as estruturas do Estado-providência que, com aquele, se relacionava. Os
Estados, limitados na sua soberania pelas fronteiras, reconsideram as suas posições.
Perdendo-se a capacidade de intervir e controlar plenamente as economias de forma
isolada, surgem alianças e organizações supra-estatais que pretendem desempenhar
papéis de regulação e controlo económico, colocando-se à mesma altura que aqueles
que pretendem regular e/ou controlar. Por outro lado, conflitos de escala mundial,
revelam a fragilidade das relações internacionais e o potencial de destruição dos
confrontos bélicos da era industrial, levando a que, novamente, se reveja o elenco e as
dimensões dos riscos da vivência humana na modernidade.
Hoje, os Estados procuram gerir-se em rede, estabelecendo comunidades de
interesse e deslocando os centros de decisão para matérias de interesse comum, por um
lado, e redimensionando-se internamente, procurando aligeirar o seu aparelho.
Colocados no momento histórico e social actual e perspectivando aquela
retrospectiva no que á segurança diz respeito, facilmente se vislumbram indícios de
retorno a paradigmas de responsabilidade individual, por um lado, e de exercício
privado de competências relacionadas com a segurança (só “pública” com a
centralização da administração do Estado), por outro.
Porém, este “retorno”, que recoloca o indivíduo perante a responsabilidade
individual de garantir a sua esfera pessoal de segurança, não atende ao facto de que, o
30
próprio desenvolvimento das sociedades ter contribuído para a desagregação das
comunidades auto-responsabilizadas onde o controlo social se impunha naturalmente.
O fim da vivência rural, a industrialização, a concentração demográfica em
aglomerados urbanos em constante crescimento, a atomização do indivíduo, a
centralização do poder governativo e a proliferação da acção reguladora e fiscalizadora
do Estado são, entre muitos outros, factores (causas e consequências) relacionados com
o desaparecimento dos laços sociais que permitiam (ou obrigavam) indivíduos e
comunidades a auto-regularem e a procederem ao necessário controlo do seu
quotidiano.
Esta abordagem, leva-nos a crer que os cidadãos das sociedades ocidentais e
industrializadas erguidas sobre os preceitos do Estado omnipresente e omnipotente,
assistencial e multi-interventivo, se encontram entre o “tigre e o abismo”. Por um lado,
os Estados procedem à alteração do seu papel na relação com os cidadãos, diminuindo o
seu aparelho e as áreas da sua intervenção directa, nomeadamente, introduzindo
alterações aos modelos de segurança pública (apoiados em teorias e modelos
criminológicos que salientam o potencial preventivo individual e situacional); por outro,
os cidadãos atomizados, sobretudo aqueles que vivem em grandes aglomerados
urbanos, formatados na crença de que o Estado, a Lei e as Instituições Públicas são
fornecedores de segurança e bem-estar, fazem face à falta de recursos sociais que lhes
permitam regressar, ainda que de forma mitigada, à autoprotecção e ao auto-controlo
social, num meio urbano, aparentemente, pouco propício a esse modus vivendi.
O surgimento de novas teorias criminológicas que aceitam o crime como algo
definitivamente normal e incontornável, recomendando estratégias de autoprotecção e a
implementação de novas filosofias de policiamento, revela a tendência para a devolução
de responsabilidades de prevenção criminal aos cidadãos.
31
Porém, uma solução completamente satisfatória parece estar apenas ao alcance de
alguns, uma vez que, parecendo impossível um retorno perfeito ao paradigma pré-
moderno de organização social, a autoprotecção se substanciará grandemente no recurso
ao novo mercado de bens e serviços de segurança.
32
CCAAPPÍÍTTUULLOO 22
SSeennttiimmeennttooss ddee IInnsseegguurraannççaa
[...] America could see a future with fewer police
and more security. We are fast approaching a crisis
point in our country as crime and fear of crime
paralyze our nation. How we respond will go a
long way in determining what we become as a
nation.
The Beat Generation: Community Policing at Its
Best,
William D. Eggers e John O'Leary58
2.1 Génese e Substância dos Sentimentos de Insegurança
Subjectivo e pessoal, o sentimento de insegurança relaciona-se tão directamente
com as construções sociais, os medos e angústias pessoais (tenham elas fundamento ou
não) quanto com os factores inteligíveis de perigo real ou de risco concretizável em
facto danoso.
A subjectividade do sentimento não significa necessariamente uma
irracionalidade, ao contrário, não sendo um adquirido imediato da consciência, mas uma
composição baseada nas percepções individuais (e colectivas) e surgidas no seu
58 Eggers, W., O'Leary, J. (1995) – The Beat Generation: Community Policing at Its Best, in «Policy Review», Number 74, The Heritage Foundation, recuperado a partir de http://www.policyreview.org/fall95/thegg.html em Maio de 2006.
33
contexto particular específico e por referência aos tipos de protecções que uma dada
sociedade, assegura ou não (Castel, R. 2003:6).
Poder-se-á assim dizer, que o surgimento de um medo específico, implica um
reconhecimento, mesmo que vago, das vulnerabilidades e fragilidades, em face de um
contexto de risco ou perigo, independentemente da substância do seu fundamento. A
percepção pessoal de quem julga a situação de risco ou perigo, é composta e
contaminada por factores endógenos e exógenos, nos quais se podem contar: o passado
de experiências, sensações e emoções, a auto-imagem, composta pela visão própria dos
circunstancialismos pessoais (os morais, culturais, ideológicos, sociais, económicos,
étnicos, de género, etc.) a análise do ambiente, entre outros. O cálculo poderá resultar
no sentimento de insegurança, se o conjunto de “potencialidades” for vencido pelo
conjunto de “fragilidades”.
Temos assim, por um lado uma génese multifactorial e, por outro, uma substância
de natureza variável de acordo com as circunstâncias particulares de modo, tempo e
lugar. Daí que, cada sentimento de insegurança deva ser analisado nas suas
circunstâncias específicas, atendendo a todos os factores que podem, de alguma forma,
contribuir para o seu surgimento: o crime, a vitimação, a notícia do crime, a
publicitação por via dos media, o local, o florescimento ou a decadência do espaço
urbano, o passado individual ou colectivo, as condições sociais e económicas, os
factores culturais, históricos e políticos, enfim, todos os elementos objectivos e
subjectivos capazes de representar uma força ou uma vulnerabilidade, na construção
mental dos medos.
A existência de um sentimento que perturba a autoconfiança, causa
intranquilidade, gera ansiedade e cria temor relativamente a certas situações, locais,
34
momentos ou pessoas motivou, principalmente a partir das últimas décadas do séc. XX,
o estudo das causas para o seu surgimento e existência.
As abordagens são múltiplas, mas revela-se hoje, unânime e consistente, que o
sentimento de insegurança, não significa apenas o medo do crime. Nesta perspectiva,
não existirá uma relação causal, directa e singular, entre a ocorrência do crime, a
vitimação e o seu surgimento. A génese deste sentimento é composta por vários factores
conjugados, nos quais a percepção das vulnerabilidades em relação ao crime poderá ter
um papel central e bem mais relevante que o crime propriamente dito.59
Roché (1993:135), define o sentimento de insegurança como o conjunto das
manifestações de medo pessoal ou das preocupações com a ordem, verbais,
comportamentais, individuais ou colectivas60, ou seja, o sentimento de insegurança é
uma construção da realidade vivida, assente por um lado, nos medos e, por outro, nas
preocupações.
O medo é a reacção psico-fisiológica imediata à percepção de um risco ou perigo;
perigo esse que, uma vez assimilado pelo indivíduo, se torna difuso e nele se inscreve
como um registo permanente e independente dos acontecimentos que, inicialmente, o
originaram. Este medo gera a angústia designada por sentimento de insegurança.
O motor alternativo ou cumulativo da génese do sentimento de insegurança é o
conjunto de preocupações “com a ordem, verbais, comportamentais, individuais ou
colectivas.”61. Estas traduzem-se, primacialmente, em factores que nenhuma relação
59 Nesta perspectiva, a expressão “fear of crime”, comummente encontrada na literatura anglo-saxónica especializada tem, como adverte Leitão, menos consistência que a expressão “sentimento de insegurança”, uma vez que este sentimento não se resume ao medo da vitimação criminosa, abarcando um universo bastante mais vasto de componentes. Vd. Leitão, J. (2000:4) 60 Roché, S. (1993:135) 61 Idem
35
têm com a existência de crime ou de perturbação da paz pública, mas encontram a sua
génese noutros contextos, quantas vezes de natureza social, política e económica.62
De facto, postas em perspectiva as vulnerabilidades dos cidadãos nas sociedades
modernas (ou pós-modernas), perceber-se-á que estas se caracterizam mais por questões
de cariz social do que de vitimação criminal. São maiores as “incertezas da existência”63
do que as eventualidades da agressão criminosa. A perda do emprego, a doença, a
incapacidade económica para manter a habitação ou garantir uma velhice confortável, a
degradação física e do espaço de vivência, são preocupações muito mais incisivas e
marcantes que quaisquer outras64.
O sentimento de insegurança é, então, a composição indissociável de medos e
preocupações de natureza social, patrimonial, cívica, emocional, de integridade e
dignidade pessoal. São essas as preocupações que, mais profundamente, se inscrevem
nos indivíduos e que, adicionadas ao discurso do medo e à percepção dos riscos globais,
se transformam num sentimento de insegurança que, para utilizar o termo empregue por
Roché, se vai “cristalizar” sobre um objecto, o crime.
Quando tal acontece, gera-se frequentemente uma procura de respostas
compensadoras, com base num reforço securitário, revelando uma tendência para o
apelo ao endurecimento das condutas repressivas do Estado.
62 Não é despiciendo afirmar, que todos esses factores sociais, políticos e económicos, poderão contribuir para a construção e manutenção do sentimento de insegurança, não obstante se continuar a associar esse sentimento directamente ao crime, à marginalidade e ao comportamento anti-social. Daí a nossa tónica inicial em relação aos aspectos da segurança civil e da segurança social. 63 “Tout ce passe cependant comme si le retrait d’un garant trascendant de la sécurité avait laissé subsister comme son ombre portée un desir absolu d’être prémuni contre toutes les incertitudes de l’existence.” Castel, R. (2003:87) 64 “[…] a problemática das pessoas e bens e da ordem nas ruas, deverá ser lida à luz de outros factos sociais maciços que caracterizam as últimas décadas: a precaridade e o desemprego crescentes no mundo do trabalho e mais geralmente da economia, ao mesmo tempo que o trabalho-emprego, o sucesso na carreira profissional e a ascensão na escala hierárquica dos rendimentos e postos de comando continuam a fornecer, em termos de integração, os valores ou representação mais activos.” Sá, Teresa V., Segurança e o seu Sentimento na Cidade, in Actas do IV Congresso Português de Sociologia, disponível e recuperado em Abril de 2006 em: http://www.aps.pt/ivcong-actas/Acta047.PDF a partir da consulta a: http://www.aps.pt/ivcong-actas.htm
36
2.2 Incivilidades ou Comportamento Anti-Social
Roché (1993) relaciona a insegurança com o que designa por uma “nova
violência”, constituída por incivilidades típicas da vivência do quotidiano citadino.
As incivilidades caracterizam-se por comportamentos como o vandalismo dirigido
ao mobiliário e equipamentos urbanos e à propriedade privada, os ajuntamentos
incomodativos do sossego público, as vozearias, injúrias e comportamentos insultuosos,
as desordens, os graffiti, a má vizinhança, o fenómeno dos “arrumadores”, os
comportamentos resultantes do abuso do álcool ou com vista ao seu consumo, como o
botellón 65 e até a mendicidade, entre outros.
Em boa parte dos casos, estes actos não se enquadram legalmente no
ordenamento jurídico-penal, não obstante, constituírem uma ofensa ao ordenamento
social, aí representando um impacto negativo.
Roché (1994:25) afirma ainda que: “as desordens constituem precisamente
aquilo que alimenta a inquietação e reforça o argumento da insegurança. São esses os
actos que cada um identifica como sinais da impotência dos polícias, do laxismo dos
magistrados e da esterilidade do trabalho social.”66
65 Costume popular, sobretudo entre os jovens espanhóis, de beber álcool em lugares públicos. O nome advém do consumo de bebidas ou misturas de bebidas alcoólicas em garrafas de litro ou litro e meio, facilmente adquiridas a preços baixos em supermercados, pelos grupos que as consomem antes de continuar o seu divertimento em bares ou discotecas, onde são mais caras. O fenómeno Botellón ganhou contornos globais com a organização de encontros de jovens, convocados pela Internet que, literalmente invadiam os espaços públicos das cidades, bebendo álcool da forma descrita. Em consequência, tornaram-se comuns as emergências médicas provocadas pelo consumo excessivo, as desordens, o ruído incontrolável e o lixo deixado no final de cada encontro. As autoridades espanholas, reconhecendo a gravidade do fenómeno, actuaram com algumas contra-medidas, nomeadamente, proibindo a venda de bebidas alcoólicas após as 22 horas, autorizando as juntas provinciais a legislar (Ley Antibotellón), proibindo esse comportamento em algumas cidades e criando até Botellódromos, ou seja, locais destinados ocasional ou permanentemente, à prática do Botellón, reduzindo os prejuízos inerentes a esta conduta, tanto para os seus praticantes como para os demais cidadãos. 66 Roché, S. (1994:25)
37
O fenómeno das incivilidades e a descoberta da sua importância para a construção
do sentimento de insegurança deu origem a uma série de novas preocupações, sobretudo
por parte das instituições policiais, reflectindo-se nas suas estratégias de actuação.
2.3 Decadência do Ambiente Urbano
Se, para além do conhecimento de factos criminais, existir uma percepção de
desordem opressora, motivada pela degradação do ambiente urbano, a reacção será
igualmente emocional ou comportará a alteração racional e autoprotectora das rotinas
quotidianas?
A decadência dos espaços urbanos é um dos factores ambientais que influencia
directa e negativamente o bem-estar e a percepção da segurança. A degradação
pressiona directamente o surgimento de uma sensação de insegurança que induz um
apelo ao reforço securitário policial, quando na maior parte dos casos a colocação de um
candeeiro de iluminação pública, a substituição de um contentor de lixo queimado, a
pintura de uma parede com graffitis ou a reparação de uma paragem de autocarro
vandalizada, será o suficiente para sanar o problema (não eliminando o comportamento
que o originou, mas impedindo o surgimento do sentimento de insegurança).
O vandalismo, comportamento muitas vezes associado à insatisfação social, surge
e propaga-se com extrema velocidade quando não existe oposição ou controlo social.
Quanto mais é destruído, mais se revela a tendência crescente dessa destruição. 67
67 “Broken Windows – The police and neighborhood safety”, um estudo dos americanos James Wilson e George Kelling marcou uma viragem no pensamento sobre a segurança, abordando aspectos da prevenção da criminalidade e do sentimento de insegurança das populações relacionados com a deterioração do espaço e consequente proliferação das incivilidades e da pequena criminalidade. Uma das frases mais marcantes do seu trabalho refere, a propósito do vandalismo que: “se a primeira janela partida num edifício não for reparada, as pessoas que gostam de os partir tenderão a pensar que ninguém se preocupa com esse edifício e mais janelas serão partidas. Em breve o edifício não terá janelas...” Wilson, J., Kelling, G. (1982) (tradução do autor).
38
A imagem de um edifício em degradação, é comum a muitas cidades. A existência
de imóveis nestas condições, estando acessíveis à invasão, tornando-se numa fonte de
contaminação do ambiente urbanístico e do bem-estar social, reflecte o abandono e o
desleixo ou impotência dos seus proprietários quando os há ou dos responsáveis
administrativos e políticos, dos quais ainda se espera alguma acção. Esses imóveis
acabam por se tornar realmente num local de refúgio de alguns indivíduos marginais e
de muitos outros marginalizados.
Porém, mesmo que tal não aconteça, o sentimento restará junto dos cidadãos que
terão de conviver com a imagem degradada e degradante do imóvel.
O abandono de certas zonas urbanas, o envelhecimento gradual e contínuo das
populações de determinados bairros e a substituição não equilibrada das residências por
outro tipo de utilização dos imóveis (convertidos em estabelecimentos comerciais,
industriais ou armazéns) proporciona a desertificação que, por seu turno, leva à
decadência do lugar que acaba por se tornar ermo e estéril. Essas zonas serão, mais cedo
ou mais tarde, conotados como propensas à criminalidade, quer essa percepção seja
consubstanciada em factos ou não.
A falta de manutenção e vigilância ambiental urbana facilita os factores de
degradação, abre caminho para a marginalização do espaço, por via do abandono a que
é votado por um número significativo de cidadãos, deixando-o a outros que, por várias
razões que não são apenas criminais, o ocupam.
2.4 Media e Medo
Frequentemente, problemas concretos, ocasionais ou extraordinários de
delinquência, situações particulares de alguns espaços ou ocorrências criminais graves
39
mas pouco expressivas em termos globais, são repetidamente mostrados ao público quer
por iniciativa dos órgãos de comunicação social, quer por vontade de cidadãos, grupos
ou organizações. Essa conduta, raras vezes inocente, acrescenta às inquietações sociais,
dados pouco objectivos mas significativos do ponto de vista das representações pessoais
da violência, da desorganização social, da falta de civismo e, naturalmente, do crime.
As aproximações políticas e mediáticas, quantas vezes inflamadas pelas
necessidades do momento, contribuem para promover a confusão entre o que é a
criminalidade e o que é a insegurança, e entre esta e o sentimento da sua existência. A
actuação de vários grupos de interesse na temática da insegurança pode promover,
inclusivamente, a eleição de novas preocupações criminais.
Já Best (1999) o havia referido, elaborando um diagrama a que chamou
“Quadrado de Ferro da Institucionalização”68, com o qual ensaia uma explicação para a
promoção pública de novos problemas criminais69.
Esta construção artificial, que superlativiza alguns acontecimentos, assinalando-os
como novos problemas ou preocupações, transmitida a um público sem recursos
culturais e informativos que lhe permita fazer uma filtragem crítica da mensagem, leva
à assimilação de medos (e preocupações), à assunção de que a raridade de um
acontecimento violento é generalizável, fazendo com que o destinatário se coloque a si
próprio, na gama de alvos potenciais.
Também a propósito da influência dos media na produção de sinais de alerta sobre
os riscos criminais, Innes (2004), concebeu o conceito de “Signal Crimes”. Innes,
68 Best, J. (1999:63-69) 69 No seu diagrama, Best fez representar a conjugação dos interesses dos Media, dos Activistas, dos Governos e dos Especialistas, a qual produz uma instrumentalização (servindo os interesses de cada uma das partes do “Quadrado de Ferro”, de um conjunto delas ou de todas) do crime e da insegurança, quantas vezes dirigida para a “institucionalização” de novos tipos penais, de novas estratégias policiais, de novas atitudes e condutas, chegando mesmo a incentivar novos produtos de mercado.
40
considera que as pessoas interpretam alguns incidentes criminais como indicadores ou
“sinais de alerta” relativos aos riscos existentes no seu espaço social.70
A cobertura mediática de acontecimentos criminais considerados, pelos órgãos de
comunicação social, como tendo relevância ou dignidade informativa poderá, assim,
funcionar como gerador ou transformador das reacções sociais ao crime e, bem assim,
do quotidiano colectivo, uma vez que as audiências interpretarão as notícias como sinais
do estado em que se encontra a comunidade e a ordem social.
Invariavelmente, a gravitação dos media em torno das questões criminais,
sobretudo aquelas que reportam o crime violento, apesar de serem residuais, elegem o
crime à categoria de problema social, produzindo nos espectadores uma ansiedade
difusa, mas suficientemente desconfortável para, ao desvanecer-se (como acontecerá
após o choque proporcionado pela confrontação com o facto), se cristalizar na memória
individual e colectiva da audiência.
Assim, do geral para o particular, a perspectiva do “Signal Crime” refere-se à
forma como alguns acontecimentos noticiados pelos órgãos de comunicação social
atingem o universo pessoal de cada indivíduo.
A utilização de técnicas de exposição e representação retóricas atractivas,
construídas pelos agentes noticiosos e repórteres, encarregar-se-á, na maior parte das
vezes, de tornar o facto numa história digna de ser contada e conhecida. Quanto mais
violento for o acontecimento e emotivo o seu impacto, maior ansiedade causará
naqueles que absorvem a notícia da sua ocorrência. O choque emocional da notícia,
poderá então ser um factor de bloqueio à reacção racional.
Porém, a reacção emocional terá uma validade reduzida no consciente do
receptor, o que não significa que se eclipse totalmente. Innes, argumenta que os “Signal
70 Innes, M. (2004:15)
41
Crimes” se transformam de “acontecimentos presentes” em “acontecimento históricos”,
cuja ressonância perdurará na memória colectiva que funcionará como moldura para as
percepções, avaliações e discursos futuros, sempre influenciados pelas preocupações do
momento vivido.71
Assim, a publicidade do delito na comunidade (no caso, por via da comunicação
social), poderá, de acordo com a mesma teoria, contribuir para a sua prevenção, pela
promoção dos comportamentos de autoprotecção das potenciais vítimas.72
A abordagem de Innes, sugere uma reflexão sobre a forma como alguns crimes se
desenvolvem na memória colectiva e que função desempenhará essa informação uma
vez aí chegada. Se adicionalmente aquelas que são as notícias prestadas pela
comunicação social, uma comunidade reconhecer a existência, no seu seio, de certos
problemas criminais graves, qual será o reflexo dessa percepção e desse conhecimento,
para além da instalação de um eventual sentimento de insegurança?
2.5 Síntese conclusiva do capítulo 2: Sentimentos de Insegurança
A génese e a substância do sentimento de insegurança são aspectos que carecem
de análise cuidada atendendo à sua complexidade. Nem a primeira, nem a segunda, se
71 Innes, M. (2004:19) 72 Cautelosamente assinale-se que, aparentemente em sentido contrário a esta afirmação de Felson (2002:115-116), a revitimação acontece com frequência em meios onde um delito é comum e publicamente reconhecido. Nem sempre poderemos afirmar que o conhecimento da existência do risco de vitimação pelo crime aproveita inteiramente à construção de meios para a sua prevenção, embora possa contribuir para uma mais clara percepção do risco. A revitimação é um fenómeno comum. Sabe-se também que um alvo (pessoa, casa, estabelecimento...) que tenha sido atingido pelo crime, “apresenta um risco anormalmente elevado de voltar a sê-lo” (Cusson, M. 2006:186 e seg.). Um alvo que demonstra ser vulnerável está sujeito a ser atingido várias vezes pela acção dos criminosos, enquanto não forem tomadas medidas de protecção ou deixar de ser atractivo. A maioria dos casos de revitimação acontece pouco tempo depois do primeiro deixando, em muitos deles, pouco tempo à vitima para se reorganizar e tomar precauções. Existirão outros casos em que as medidas de autoprotecção mais eficazes, exigirão recursos que não estarão facilmente ao dispor da vítima. Porém, de forma mais ou menos espontânea as vítimas aplicarão os meios que tiverem disponíveis para reduzir os danos e por mais ténue que seja o resultado
42
fundamentam directamente num único factor de origem. Ao contrário e como ficou
exposto, ambas dependem de um conjunto de circunstâncias que se constituem como as
causas suficientes e necessárias ao seu surgimento, determinando ainda a sua natureza.
O sentimento de insegurança, frequentemente classificado como subjectivo,
pessoal e de forma mais radical e não subscrita neste trabalho, irracional, relaciona-se
tão directamente com os medos e angústias pessoais, construções sociais com ou sem
fundamento, quanto com os factores inteligíveis de perigo real ou de risco concretizável
em facto danoso73.
Roché, refere que o sentimento de insegurança é o conjunto das manifestações de
medo pessoal ou das preocupações com a ordem, verbais, comportamentais, individuais
ou colectivas74. Esse mal-estar, essa agitação, que amiúde se procura justificar com a
existência do crime, facto social dominador e opressivo, gera uma procura de respostas
compensadoras, normalmente, com base num reforço securitário.75
Os sinais de risco estão subtilmente inscritos em factores do quotidiano, como
sejam, as demonstrações de incivilidade ou comportamento anti-social e de decadência
dos espaços urbanos, aos quais se adicionam as “incertezas da existência” a que se
refere Castel (2003:87), fazendo nota do peso das preocupações e medos relativos à
segurança de cariz social. De forma menos subtil, esses sinais são enfatizados por
políticas mediáticas que dão primazia ao crime, à insegurança, ao escândalo, à guerra, à
das medidas que tomem, será sempre o resultado possível na medida das potencialidades e dos constrangimentos a que estão sujeitos. 73Para efeitos do presente trabalho e como adiante se exporá mais profusamente, entendemos estabelecer que o perigo é a possibilidade eminente e incontrolável de ocorrência do facto danoso, enquanto que o risco representa a ameaça previsível e controlável, inerente a determinado comportamento, situação ou contexto. Neste sentido, ao falarmos de risco, assumimos que existe uma previsibilidade da ocorrência do dano, o que permite limitar, controlar ou evitar o perigo, ou seja, a concretização efectiva dos factores de risco, resultando em dano. 74 Roché, S. (1993:135) 75 Castel (2003:6), refere, por seu turno, que Insegurança e Protecção não são registos oponentes: não é por falta de protecções que nos sentimos mais inseguros. Aliás, afirma mesmo que o levantamento de barreiras securitárias invoca o aumento do sentimento de insegurança individual e colectivo.
43
miséria e à desgraça, contribuindo para a sedimentação dos elementos necessário a
compor um sentimento difuso que se irá cristalizar sobre o objecto: Crime (Roché, S.
1993:135).
Hodiernamente, constata-se uma preocupação avassaladora em evidenciar os
riscos e os perigos; esse registo é patente nos discursos veiculados pela comunicação
social, mas também pelos veiculados através dos aparelhos políticos e institucionais,
perpassando-se para a Vox Populi e para o ideário popular. Quando tal acontece, é
comum a proliferação de respostas colectivas que procuram compensar o aumento do
sentimento de insegurança com a implementação de medidas de reforço securitário; é
essa a perspectiva de Roché que nos leva a proceder ao raciocínio a contrario senso de
que, concomitantemente, é menos comum o surgimento de respostas que sigam uma
linha de conduta destinada autoprotecção, ou seja, em que o indivíduo e a comunidade,
se responsabilizem autonomamente pela análise dos riscos e pelo esforço de prevenção
criminal.
Ressaltam destes raciocínios duas questões importantes que pretendemos ver
salientadas: em primeiro lugar, qual o fundamento da opção individual e colectiva pelo
reforço securitário, como resposta ao surgimento de sentimentos de insegurança, ainda
que de causa difusa; em segundo lugar, qual o relevo do papel da comunicação social na
sinalização dos riscos e na construção de respostas individuais e colectivas a essa
sinalização.
Quanto ao primeiro aspecto propomo-nos avançar com a seguinte
conceptualização: na sua generalidade, os sentimentos de insegurança surgem do
desequilíbrio entre as expectativas de segurança e as percepções do risco (Giddens, A.
2005:25), gerando uma sensação de aumento da probabilidade de frustração dessas
mesmas expectativas.
44
Existindo expectativas de segurança, estas implicam um determinado nível de
conhecimento das ameaças e a existência de um grau confortável de confiança na
possibilidade de as evitar ou ultrapassar. A confiança a que nos referimos76 pode ser
construída com base na execução permanente de um cálculo entre “potencialidades”
versus “fragilidades”, para o qual contribuem, não só as características próprias do
indivíduo, mas todos os factores que lhe são exteriores.
De entre os factores exógenos que contribuem para as potencialidades, poder-se-
ão encontrar instituições símbolos de Poder, personificadas nas instâncias formais de
controlo, mais concretamente, os aparelhos policiais e judiciais. Estas instituições
possuem um valor simbólico que transcende a sua funcionalidade, apresentando-se
como repositórios formais de fiabilidade (Recasens, A. 2003:371). Este simbolismo é
um cânone da modernidade que pretendeu substituir os processos de auto-regulação e
controlo, característicos dos períodos anteriores da história, sendo essa, uma razão
possível para que, à generalidade dos discursos sobre a insegurança, esteja associado
um apelo do reforço securitário.77
76 Numa conceptualização substancialmente menos complexa daquela proposta por Giddens (2005:23) e que, de forma resumida, definimos por uma consciência dos riscos que, em face do conhecimento das potencialidades, das garantias e das compensações, não se torna impeditiva do desenvolvimento da acção humana. 77 A Polícia é o organismo do Poder representativo da força pública e da ordem, surge como um ponto de contacto (ou acesso) privilegiado do público com as instituições, quando emergem problemas que dizem respeito á segurança (Recasens, A. 2003:371), mas não só. Em muitos outros casos, as instituições policiais são um primeiro recurso dos cidadãos para problemas colaterais à segurança, propriamente dita, mas que se encontram no plano da paz e tranquilidade públicas (Onde se incluem outras situações que compõem uma grande parte do trabalho quotidiano das forças e serviços policiais, nomeadamente: o controlo, registo e reporte de incivilidades, a prostituição, as vozearias e outros ruídos perturbadores da tranquilidade e descanso, a alteração das condições normais de vivência urbana ainda que da competência de outros actores, como sejam, a acumulação excessiva de detritos urbanos nos respectivos contentores e na via pública, as deficiências na iluminação pública, a falta de passadeiras, a existência de animais vadios nas ruas, entre outros.). Este facto, indica que o exercício da função policial se presume fiável e capaz de fornecer confiança (Idem). Existindo uma disfunção promotora de falhas de contacto entre cidadão e Estado “quebra-se a criação / transmissão de fiabilidade”, quebrando-se a “confiança no «sistema especializado», «polícia» e nos seus sujeitos / agentes policiais.” (Ibidem).
45
Quanto ao segundo aspecto, afigura-se-nos que o papel dos Media na sinalização
dos riscos, talvez só exista, de modo perfunctório. Ou seja, a divulgação na
comunicação social de casos relacionados com a criminalidade e insegurança poderá
influenciar a escala de medos e preocupações gerais, mas isto não implica
necessariamente, que contribua para o alerta relativamente às características de um
fenómeno concreto e particular, nem para a construção de respostas individuais e
colectivas dirigidas a esse fenómeno.
Desta forma, o alerta não funcionará concretamente para determinado fenómeno,
mas contribuirá como elemento componente do sentimento difuso de intranquilidade
relativamente ao fenómeno em geral, neste caso, o criminal.
46
CCAAPPÍÍTTUULLOO 33
RRiissccoo,, PPeerriiggoo ee RReeaaccççããoo
El afianzamiento del concepto de seguridad se
efectúa en detrimento del concepto premoderno de
orden, ya que mientras el primero cabe vincularlo
a la noción moderna de riesgo, el segundo se hala
indisolublemente unido a la noción premoderna de
obediencia al Estado-administración.
Globalización, Riesgo y Seguridad,
Amadeu Recasens I Brunet78
3.1 Conceitos de Risco e de Perigo
As noções de risco e de perigo estão largamente disseminadas e são aceites como
circunstâncias inevitáveis da condição humana.
O risco e o perigo não existem em concreto79, são construções racionais, modelos
de análise destinados a prever factos danosos futuros, potencialmente consequentes de
outros, quer decorrentes da acção humana, quer de circunstancialismos naturais.80 Real,
é apenas o facto danoso, no momento, em que se concretiza.
O risco, representa o potencial nefasto, previsível, limitável ou controlável,
resultante de determinado comportamento, situação ou contexto. Já o perigo, traduz a
possibilidade eminente e incontrolável de ocorrência de um facto danoso. Neste sentido,
78 Recasens I Brunet, A. (2003:371) 79 Dean, M. (1999:131) 80 Na literatura de língua inglesa, encontrar-se-ão termos diferentes que pretendem distinguir os riscos inerentes da acção humana (Risks), das circunstâncias catastróficas produzidas pela natureza (Hazards). Não se encontra, em português, uma palavra adequada a revelar claramente essa distinção.
47
ao falarmos de risco, assumimos que existe a previsibilidade de ocorrência de um dano
(físico, material, moral, etc.), previsibilidade essa, que permite equacionar medidas de
limitação e controlo, com vista à supressão da sua concretização efectiva ou à redução
do seu impacto danoso. 81
Uma análise distanciada das possibilidades de ocorrência do dano, revelará os
riscos e permitirá a adopção de mecanismos de prevenção, evitando ou controlando a
sua concretização. Por oposição, a impossibilidade de prevenir, mas tão só de reagir,
definirá a situação de perigo.
Todas as actividades humanas envolvem de forma inevitável uma variedade de
riscos que se aprendem a conhecer e se tentam controlar, sendo que, nesta
conformidade, o conceito de risco pode ser definido como “uma forma sistemática de
lidar com os acasos e as inseguranças”82 e, assim sendo, a sua essência é a de
“referência” que permite aos indivíduos e ás organizações, criar mecanismos de
selecção entre riscos toleráveis e intoleráveis83, de protecção contra a sua ocorrência ou
de limitação dos seus danos, quando se concretizem.
81 Estas duas definições centrais no presente trabalho, foram concebidas após um vasto conjunto de leituras, de entre as quais acabou por ter particular influência, a discussão sobre esta mesma distinção, incluída no texto de Amadeu Recasens I Brunet, Globalización, Riesgo y Seguridad: El Continuóse de lo que Alguien Empezóse in «La Seguridad en la Sociedad del Riesgo. Un Debate Abierto», Colección Políticas de Seguridad, n.º 2, Atelier, Barcelona , 2003 (p.370). Aí se confrontam de forma extremamente sintética as perspectivas de Beck, Luhman e Giddens, sendo que optámos por construir as definições utilizadas neste trabalho numa aproximação maior aos dois primeiros autores referidos. 82 Que, na perspectiva de Beck (2005:21), são induzidos e introduzidos pela própria modernização, não numa perspectiva meramente individual, mas no contexto global dos riscos civilizacionais (entre os quais se contam os ambientais e industriais) assumindo, assim, a sua relação com o conceito de modernização reflexiva introduzido por Giddens (2005:25 e seg.). Importará, no entanto, referir que Giddens aponta como sendo, uma consequência da modernidade, o surgimento do conceito de risco em substituição dos conceitos pré-modernos de sorte, fortuna ou azar, revelando, não a génese do risco mas a tomada da sua consciência (V. ainda Gotthard 2000). 83 Partindo da premissa inicial de que a produção de riqueza implica a produção de risco e de que a distribuição da primeira está relacionada com a distribuição do segundo, Beck refere que os riscos existem em todos os aspectos da vida, não sendo possível aos cidadãos subtraírem-se a eles. Porém, na sua perspectiva, a sociedade moderna alterou os seus paradigmas de funcionamento, aceitando o risco como algo inerente ao desenvolvimento e, sem outra alternativa, desenvolvendo parâmetros de tolerância (Beck, U. 2005:19).
48
Nesta perspectiva, a percepção pública dos riscos e a sua aceitação dentro de
determinados níveis são produto de uma construção social, influenciada pela cultura84,
pelas experiências, pelas expectativas e ensejos do indivíduo, organização ou
comunidade. A Sociedade do Risco como Beck (2005) apelida o actual momento, não
comporta mais riscos ou é mais perigosa do que formas anteriores de ordem social.85
Contrariamente, poderemos afirmar que, nas sociedades pré-modernas não existiria uma
noção de risco como a que existe hoje (Giddens 2005), magnificada e presente na
tomada de todas as decisões humanas. Esta nova noção está intimamente associada às
expectativas e projecções futurísticas e com a aspiração de controlar, calcular e decidir o
futuro. 86
3.2 “Estar protegido é estar ameaçado”
Os cidadãos das sociedades modernas, industrializadas e munidas de políticas de
protecção social, em que o direito e a democracia se assumem como pilares essenciais
da estrutura social e política, construíram ensejos de desenvolvimento individual e
colectivo, compatíveis com as garantias oferecidas pelos seus sistemas políticos. A
criação de expectativas de fornecimento de condições de segurança social e civil, junto
desses cidadãos, gerou paralelamente, a noção de que os riscos sociais e civis seriam
controlados (parcial ou mesmo inteiramente) pela entidade governativa.
84 Referindo-se aos riscos ambientais e ao trabalho desenvolvido por movimentos ecologistas, Douglas e Wildavsky (1982:186), focam os alertas dos grupos de defesa do ambiente, como uma forma de promoção do conhecimento dos riscos ambientais, que por sua vez, influencia a opinião pública, condicionando ainda o desenvolvimento de processos de adaptação e reacção a esses mesmos riscos. 85 Comporta, isso sim, uma distinção sobre a consciência do risco e não sobre a sua dimensão real. 86 Bechmann, Gotthard Risk and the Post-Modern Society, Universidad del Pais Vasco, San Sebastian, Agosto de 2000, recuperado em Janeiro de 2006 a partir de: http://www.itas.fzk.de/deu/Itaslit/bech00d_abstracte.htm .
49
Porém, observa-se nos discursos (políticos, públicos e também científicos) um
aumento da atenção relativamente ao “sentimento de insegurança” e ao “risco” que
reflecte o sentir público.
Sendo estas, supostamente, as sociedades mais ricas, saudáveis, economicamente
viáveis e pacíficas de que há registo87, porque vislumbram, os cidadãos ocidentais, o
futuro com temor? Qual é a razão das incertezas modernas?
Castel (2003), chama atenção para estes aspectos (aparentemente) paradoxais,
característicos das sociedades contemporâneas, afirmando que é a construção de
protecções contra as inseguranças sociais e civis que aumenta a percepção pública das
fragilidades e provoca um sentimento de insegurança generalizado.88
A retracção do Estado-Providência e a consequente privatização do risco,
devolvendo aos cidadãos impróvidos, responsabilidades de autoprotecção nas duas
vertentes da segurança, traduz-se numa instabilidade que contribui, desta forma, para o
surgimento e manutenção do sentimento de insegurança e da incerteza em relação ao
futuro.89
3.3 Percepção dos riscos e vitimação criminal
Poder-se-á afirmar que todos os seres vivos, providos que são de um instinto
básico de preservação, são levados a reagir proporcionalmente (mas quantas vezes,
desproporcionadamente) à percepção que têm de qualquer acontecimento danoso
potencial ou eminente, com o qual são confrontados.
87 A observação deste fenómeno tem por base o contraste desse sentir, com o facto de nunca antes terem existido tantas formas de garantir a segurança quer civil, quer social. 88 A construção de protecções potencia o sentimento de insegurança porque evidencia as vulnerabilidades; “estar protegido é estar ameaçado” (Castel, R. 2003:6)
50
De um ponto de vista inteiramente abstracto, os juízos individuais de prognose
sobre o risco envolvido em cada actividade quotidiana, dependem do reconhecimento
das vulnerabilidades e fragilidades pessoais, em face de um potencial resultado danoso,
ou perigo. O não reconhecimento ou menosprezo das fragilidades pessoais e a
sobrevalorização das potencialidades e forças, promoverá uma maior exposição a
situações de risco e a resultados danosos90.
Porém, a noção de risco é uma construção social, que constitui uma escala de
valoração por referência à cultura dominante91, que se desenvolve reflexivamente, a
partir da relação de um conjunto complexo de factores endógenos92 e exógenos93 ao
sujeito.94 Essa complexidade torna difícil, senão mesmo impossível, sistematizar ou
padronizar os mecanismos que sustentam a parametrização do risco, dos sinais de alerta
perante uma qualquer situação de perigo, bem como a respectiva acção ou reacção dos
sujeitos de forma individual.
Ao falar-se de cultura, invoca-se uma qualidade colectiva, composta não só, dos
parâmetros de avaliação do que constitui um risco, mas também, da distinção entre
89 Gassin (2003:660), relativamente à prevenção criminal e à capacidade subjectiva de prevenção do delito, alerta para a desagregação que conduz os cidadãos a deixar para os poderes públicos, a tarefa de tratar da necessária regulação de comportamentos. 90 O que poderá ajudar a explicar porque razão, aqueles que julgamos mais frágeis ou vulneráveis, como os idosos, são de facto os que menos são vítimas de crime (Cusson, M. 2006:163 e seg.) ou de acidentes, contrariamente aos jovens que mais facilmente se expõem a esses e outros riscos. 91 Entendida como forma colectiva de sentir, pensar e agir, onde se inclui a ética, os sistemas de valores, a noção de justiça (Douglas, M. 1985:10), que fundamentam enfim, todo o contexto de integração do indivíduo com o social e o seu quadro de expectativas relativamente ao colectivo. 92 Onde se inclui a Auto-Imagem, entendida como a noção que o indivíduo tem do quadro das suas forças e fragilidades e do potencial de acção / reacção que o resultado da sua equação produz. 93 Como os recursos proporcionados pelo meio ambiente, pela comunidade e pelas instituições. 94 A percepção subjectiva do risco ou perigo, é influenciada por factores contextuais (o ambiente, momento, cultura do colectivo), circunstanciais (contornos da sua geração) e pessoais (o passado de experiências, sensações e emoções, a auto-imagem, a moral, ideologia, estatuto socio-económico, nível de formação académica e cultura geral, etnia, género, etc.) (Douglas, M. et Wildavsky, A:1982).
51
riscos toleráveis e intoleráveis95, sobretudo, daqueles que se correm voluntária e
conscientemente com vista à aquisição de um benefício.
Contudo, esta equação “Risco versus Benefício” é mais facilmente compreendida
ao nível da economia e do desenvolvimento industrial (Douglas, M. 1985:23).
Tratando-se do risco de vitimação criminal, “tolerância” poderá ter um significado
diferente, uma vez que a exposição ao potencial danoso não obedece aos mesmos
critérios.
Não se excluindo a existência de casos de exposição voluntária a riscos elevados
de vitimação criminal com vista à obtenção de benefícios, por exemplo, atravessar um
parque urbano a sós, a pé e durante a noite, com vista a visitar amigos, consciente da
possibilidade de ser assaltado. Noutros, a exposição ao risco de vitimação criminal será
involuntária. No segundo caso, a exposição poderá decorrer da alteração das
circunstâncias e contextos próprios onde os actores vivem. A alteração de qualquer
circunstância social, económica, política ou cultural, pode desencadear consequências
ao nível dos fenómenos criminais que são alheios às decisões dos actores / potenciais
vítimas.
Assim, e nestes casos, “tolerância” poderá significar o grau variável de aceitação
do tipo, volume de ocorrências ou gravidade de determinados tipos de crime, sem que
haja uma reacção correspondente, seja ela de tentativa de controlo, autoprotecção ou
resistência.
A percepção do risco e a produção de mecanismos para a sua gestão é selectiva,
ou seja, existindo em todas as actividades humanas um determinado grau de risco
associado, sendo que os riscos decorrentes de cada uma dessas actividades são
95 A preordenação de riscos depende, em grande medida dos aspectos culturais que distinguem cada sociedade. A percepção pública do risco e o nível de tolerância à sua existência são, segundo Douglas e
52
valorados diferentemente, torna-se impossível atender, a todo o momento e de forma
igual, a todos os factos potencialmente danosos96.
Assim sendo, os indivíduos procedem à organização dos riscos por ordem de
importância, importância essa que, mais uma vez, é atribuída por referência a uma
escala de valores, que reflecte não só os seus circunstancialismos pessoais, mas também
a cultura onde o sujeito se insere.
Se algumas das preocupações do quotidiano humano forem perspectivadas,
fazendo uma revisitação à Hierarquia das Necessidades teorizada por Maslow97, poder-
se-á estabelecer um paralelo interessante para perceber que a insegurança, não é vista na
escala dos problemas, como uma prioridade necessariamente absoluta, sobretudo,
quando se confronta com as questões da existência / sobrevivência. Desta forma, e tal
como se organizam as necessidades na pirâmide das motivações humanas de Maslow, é
comum que factores de ordem social e económica relacionados com as necessidades
básicas, compitam com os que são relativos à segurança (Inquérito de Vitimação de
1994 do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça, citado por
Wildavsky (1982), construções colectivas, semelhantes à linguagem ou o gosto estético, existindo na selecção dos riscos uma grande influência com a forma de organização social. 96 (Douglas, M. 1985:30) 97 De acordo com Maslow, existiria uma escala hierárquica e dinâmica em que a transposição de um patamar, com a satisfação de uma necessidade, faria apresentar uma nova necessidade a satisfazer. Esta dinâmica exigiria uma busca constante pela satisfação de necessidades e, naturalmente, por meios que proporcionassem a sua concretização. Na base da pirâmide das necessidades, Maslow colocou as necessidades fisiológicas que constituem os meios de sobrevivência e preservação da espécie, como sejam, a alimentação, o descanso, o conforto físico, etc. Satisfeitas estas necessidades, apresentam-se as necessidades de segurança: a busca de protecção contra a ameaça, risco, perigo ou as privações. As necessidades sociais incluem a necessidade de associação, de participação, de aceitação por parte de grupo de pertença, de troca de amizade, de afecto e amor. A necessidade de estima ou auto-estima envolve o apreço pelos outros e pelo próprio, a autoconfiança, a necessidade de aprovação social e de respeito, de status, prestígio e consideração, factores que obrigam a uma compreensão e avaliação permanente do respeito pela normatividade ética e social. A necessidade de auto realização, situada no topo da pirâmide, traduz-se pelo desenvolvimento continuado do potencial individual, pela independência e autonomia. Maslow, A. (1943) – A Theory of Human Motivation in «Psychology Review», n.º 50, pp. 370-396, disponível e recuperado a partir de “Classics in the History of Psychology”, York University, Toronto, Canadá (Agosto 2000) in http://www.psychclassics.yoku.ca/Maslow/motivation.htm em Julho de 2007.
53
Ferreira E. (1998) pp. 11–13; Esteves, A. (1999) p. 47; Peixoto, A. (2004) p.79) pelo
lugar prioritário na escala de preocupações.
A eleição de aspectos sociais e económicos à frente de aspectos securitários na
escala de preocupações de um dado indivíduo ou comunidade, poderá indicar que a
priorização dos riscos, globalmente considerados, poderá obedecer à mesma lógica. Ou
seja, poderão ser consideradas mais importantes as ameaças aos diversos factores
relacionados com a sobrevivência98, do que aquelas que se relacionam com a segurança
criminal (ainda que potencialmente se dirijam ao património como, aliás, acontece na
maioria dos casos).
A “tolerância” (ao risco de vitimação criminal) pode, deste modo, relacionar-se
com a forma como as preocupações e riscos em geral são priorizados, ocupando um
lugar na escala e revelando apenas a sua importância quando estão satisfeitas as
necessidades prioritárias, ou um facto danoso grave e de impacto elevado surpreende ou
se magnifica de forma opressiva no seio dos indivíduos e/ou das comunidades.
3.4 Imunidade Subjectiva
A percepção do risco obedece a uma racionalização que obedece à forma como o
mesmo é construído e percepcionado socialmente. O homem tem uma tendência para
agrupar os riscos,99 para os ordenar e também para os relativizar de acordo com os seus
parâmetros socio-culturais.
98 Manutenção do emprego, viabilidade do negócio, obtenção de rendimento económico e manutenção da sustentabilidade do núcleo familiar, etc. 99 (Giddens, A. 1997:116)
54
Esta “ordenação dos riscos”100, é uma estratégia subjectiva de filtragem que
permite classificar e ordenar os mesmos, de acordo com os níveis de tolerância e
aceitação que a sociedade possui relativamente a eles.
Este processo de seriação produz o que se chama “imunidade subjectiva”101,
tratando-se da forma como os riscos existentes nos dois extremos da escala de
probabilidades são relativizados. Se por um lado, os riscos mais comuns que resultam
das actividades do quotidiano são tendencialmente ignorados, também aqueles que se
revelam raros, parecem ser menosprezados.102
Concomitantemente, essa estratégia impede que a atenção do indivíduo se
disperse, na percepção e igual validação de todos os riscos, independentemente da
probabilidade de ocorrência e do valor atribuído ao potencial dano.103 Essa dispersão,
tenderia a criar no indivíduo um “pânico” constante que o impediria de se desenvolver e
empreender.
No extremo, a imunidade subjectiva, ainda que entendida como um mecanismo
útil para a sobrevivência e evolução humana, poderá conduzir a uma excessiva
confiança e à pulverização dos parâmetros de avaliação do risco que, afastando o sujeito
da realidade, potenciam as probabilidades de concretização do facto danoso.104 Como já
referido anteriormente, um desequilíbrio entre o quadro das vulnerabilidades
(fragilidade) em favor do das potencialidades (confiança), poderá promover uma maior
exposição a situações de risco e aos seus resultados danosos.105
100 (Crook, S. 1999:160-seg.) 101 (Douglas, M. 1985:29) 102 (Douglas,M. 1985:30) 103 (Douglas, M. 1985:30) 104 Da mesma forma, uma excessiva vulnerabilidade subjectiva, seria paralisadora da acção humana 105 Relativamente à “Confiança”, “Credibilidade” e “Segurança”, Giddens (2005:27 e seg.), recuperando e discutindo as ideias de Niklas Luhman, refere que risco e confiança se entrelaçam “normalmente para reduzir ou minimizar os perigos a que determinados tipos de actividades estão sujeitos.” (2005:24).
55
Por outro lado, o estabelecimento de uma habituação a um determinado nível
considerado normal de risco versus confiança, tende a deixar os indivíduos pouco alerta
para o surgimento de novos riscos, ou para a alteração das características de certos
riscos. A existência de tais mecanismos em pano de fundo, influencia as percepções dos
indivíduos em relação às alterações mais subtis do seu meio, até ao momento em que
são surpreendidos pela ocorrência do facto criminoso, quantas vezes de efeito
traumático profundo e prolongado. A atenção dos indivíduos aos fenómenos é também
ela selectiva, levando os cidadãos a fazerem uma escala das suas preocupações, entre as
quais se encontrará a preocupação com a sua segurança, competindo com a sua
sobrevivência, entre outras, numa miríade de variáveis em constante jogo.106
3.5 Síntese conclusiva do capítulo 3: Risco, Perigo e Reacção
Risco e perigo são duas noções abstractas que se destinam a projectar o potencial
de ocorrência de dano, decorrente da acção humana ou de fenómenos que lhe são
alheios. A capacidade de proceder a avaliações sobre o risco, revela as capacidades de
análise e manipulação do meio pelo Homem, com vista à concretização dos seus
objectivos de desenvolvimento. Assim, a forma como o Homem, concebe, selecciona,
hierarquiza e tolera os riscos não se limita à linearidade de uma correlação entre causa e
consequência.
A noção de risco, surge com a advento da modernidade (Recassens, A. 2003:371;
Giddens, A. 2005:21; Beck, U. 2005:19), acrescentando-se aos de “sorte” ou “destino” e
contrariando a noção até então vigorante de impossibilidade de controlo das ocorrências
106 Recuperamos aqui a teoria de Maslow Maslow, A. (1943) – A Theory of Human Motivation in «Psychology Review», n.º 50, pp. 370-396, disponível e recuperado a partir de “Classics in the History of
56
nocivas, até então, atribuídas a origens escatológicas e/ou exteriores à vontade do
Homem, sendo, efectivamente, na modernidade que o Homem passa a tomar a vida nas
suas próprias mãos.
Se a construção de alguns modelos de governação, de importância central na
história e reflexo inequívoca nas expectativas dos cidadãos, desempenhou um papel
importante no controlo de alguns riscos, foi porque o seu desenvolvimento contribuiu
para a sua emergência.107
No advento da modernidade, a criação, solidificação e expansão das instituições
sociais veio criar melhores condições para que um crescente número de pessoas,
pudessem usufruir “de uma existência segura e compensadora” (Giddens, A. 2005:5),
desenvolvendo-se do ponto de vista institucional, por forma a criar compensações para
os efeitos de uma, cada vez maior, consciência dos riscos. A este factor, também alude
Castel (2003:7) quando afirma que “as sociedades modernas são construídas sobre o
terreno da insegurança, porque são sociedades de indivíduos que não encontram, nem
em si mesmos, nem no seu meio, a capacidade de assegurar a sua protecção”, isto,
apesar de serem, provavelmente, as mais seguras das que jamais existiram. O
sentimento de insegurança, não sendo um adquirido imediato da consciência, surge nos
indivíduos por referência aos níveis de protecção que as sociedades asseguram aos seus
cidadãos, explicando porque “estar protegido é estar ameaçado” (Idem).
Mas a percepção individual ou colectiva dos riscos está também condicionada,
pelos aspectos culturais que distinguem cada sociedade. A percepção do risco e o nível
de tolerância à sua existência, são construções colectivas, com pressupostos idênticos à
Psychology”, York University, Toronto, Canadá (Agosto 2000) in http://www.psychclassics.yoku.ca/Maslow/motivation.htm em Julho de 2007. 107 A consolidação do conceito de segurança efectua-se vinculando-se à noção moderna de risco e em detrimento do conceito pré-moderno de ordem, unido à noção de obediência ao Estado – administração (Recassens, A. 2003:371)
57
linguagem ou ao gosto estético e a organização social condiciona o seu elenco
determinando o quadro de imunidades e vulnerabilidades subjectivas (Douglas, M. et
Wildavsky, A.:1982).
Uma vez que todas as acções (e mesmo omissões) poderão comportar um
determinado risco, importará conhecer a sua importância para conhecer se vale a pena
corrê-lo. Assim, a selecção dos riscos mais e menos sérios, mais e menos prováveis, tem
em vista o encontro da linha mediana que permite a prossecução das acções humanas.
Trata-se de um jogo de avaliações sobre os riscos toleráveis e intoleráveis, aqueles que
se podem correr tendo em vista um benefício compensador e aqueles cujo benefício é
reduzido em face do elevado risco que é necessário correr para o atingir.
Todavia, deveremos manter em perspectiva que nem toda a sujeição aos riscos é
voluntária, ou decorre da acção, existindo factores que determinam a possibilidade de
ocorrência de facto danoso que não decorrem da acção do sujeito, mas de omissões em
face de alterações do seu contexto circunstancial.
Tomemos como exemplo o risco de vitimação criminal. A alteração de um
conjunto de circunstâncias alheias à acção dos indivíduos pode alterar as suas
dimensões sociais, económicas, espaciais, imprimindo alterações às formas e aos níveis
de ocorrência de determinados delitos.108 Se se pretender uma abordagem meramente
linear, poder-se-ía supor que tais alterações ambientais ou circunstanciais, revelassem
mais cedo ou mais tarde os sinais das suas consequências, nomeadamente, no nível e
108 As mudanças sociais que se operaram no pós-guerra (tanto nos Estados Unidos da América como na Europa) levaram a um aumento do trabalho feminino, aumentaram o número de estudantes e proporcionaram mais actividades que conduziram ao aproveitamento dos espaços públicos em detrimento da manutenção das famílias em suas casas. O aumento da produção industrial, o desenvolvimento da economia capitalista e o aumento do consumo, promoveram o fabrico e a comercialização de novos equipamentos como televisões e rádios e mais tarde computadores pessoais e outros equipamentos electrónicos. Em resultado desta transformação, passaram a existir mais casas que permaneciam desocupadas a maior parte do dia, contendo em si objectos apetecíveis, quer pelo seu valor, quer pela sua dimensão (fáceis de subtrair, transportar e transaccionar). A conjugação destes factores contribuiu para o aumento do crime contra o património (Garland 2002:49).
58
tipo de criminalidade, obrigando a uma revisão das estratégias de actuação das
potenciais vítimas.
Porém, mais uma vez, a linearidade do raciocínio parece não ter correspondente
no mundo real. Se assim fosse, não seriam detectadas alterações no número ou na
tipologia dos crimes registados pelas autoridades policiais, nem haveria reflexo público
dessas alterações, dado que a adaptação do público à ocorrência do delito e a
consequente reposição da normalidade seria automática.
Sendo assim, ao pretender estudar-se as percepções e estratégias de um grupo ou
comunidade perante o risco, importa isolar o facto danoso em concreto, seleccionar a população
em estudo e analisar o seu contexto de vivência, bem como o seu sistema de crenças e de
valores, por forma a tornar claro o conjunto de variáveis particulares que as influenciam.
59
CCAAPPÍÍTTUULLOO 44
Parâmetros Metodológicos da Investigação Empírica
4.1 Modelo de análise: Construção das percepções e estratégias de adaptação ao crime
Nos capítulos que antecederam, procurou fazer-se, de forma alargada, uma
abordagem aos diversos aspectos da problemática que anima o presente trabalho;
problemática essa que se pode sintetizar na questão central: Porque razão os cidadãos,
individual e colectivamente considerados, não correspondem ao alarme público
relativo aos riscos de vitimação criminal, com a implementação de medidas de
autoprotecção?
Foi, no período compreendido entre Agosto de 2004 a Agosto de 2006, que
despontaram as questões que animaram a necessidade de investigar as razões para o
aparente repúdio das lógicas de autoprotecção com vista a reduzir o potencial de risco /
vitimação criminal.
No ano de 2005, um aumento dos casos de furto no interior de estabelecimentos
comerciais, levou a que o crime contra o património na cidade de Elvas se transferisse,
da protecção dos registos policiais para a opinião pública, através da acção informativa
da comunicação social local.
As notícias veiculadas pela comunicação social local, geraram uma discussão
pública, na qual se apontavam responsabilidades às instâncias formais de controlo,
nomeadamente, à Polícia.
Entretanto, o emprego, pela Polícia, de um discurso que apelava à partilha de
responsabilidades pela preservação da segurança pública e à construção de medidas de
60
autoprotecção, seguindo a linha da Prevenção Situacional (Clarke:1997; Felson et
Clarke:1998), foi contestado de forma pública, nomeadamente, através de crónicas
escritas nos jornais locais.
A indignação pública, levantou no espírito do autor um conjunto de questões. Em
primeiro lugar, a de saber porque existe uma aparente repulsa pela autoprotecção e de
que forma, isso se poderá justificar pela noção que os cidadãos têm da responsabilidade
do Estado perante si. O discurso dicotómico “cidadão pagador de impostos / titular de
direitos” ilustra, em certa medida, uma aparente tendência para julgar que, não são os
cidadãos que têm de tomar a iniciativa de se proteger, mas contrariamente, caberá à
força pública o ónus de garantir essa protecção.
Para enquadrar o conjunto de raciocínios necessários à construção das hipóteses,
foram explorados vários pontos de vista, que procuraram ir ao encontro das dimensões
de análise colocadas pela questão de partida. Por um lado, a construção social das
percepções do risco e, por outro, as lógicas de controlo do risco.
Quanto ao primeiro aspecto (a construção social das percepções do risco),
importará reter como elementos mais importantes, a assimilação dos discursos
colectivos à experiência individual e a imunidade / vulnerabilidade subjectiva.
Para a análise do primeiro elemento, tem especial importância atender de forma
longitudinal à imprensa, a qual, funciona com mais clareza em meios de dimensão
pequena, como espelho da vox populi, mas também, como mecanismo de transferência
(reflexiva) de percepções entre grupos e indivíduos.
Relativamente ao segundo elemento, importará recolher informações que
reflictam o conhecimento que os cidadãos têm da sua realidade criminal, do seu
potencial de vitimação, da sua relação com as instituições fornecedoras de segurança e
das razões que os impelem a implementar ou não, medidas de autoprotecção. Estas
61
componentes das dimensões, vão de encontro ao objecto central da análise que se
pretende efectuar e que incide nas percepções e estratégias de um grupo restrito de uma
dada comunidade, em relação ao risco de vitimação criminal a que estão sujeitos.
Quanto ao segundo aspecto (as lógicas de controlo do risco), foi útil ao
enquadramento, a perspectiva histórica da filosofia e da política, que procurou descrever
o processo de desenvolvimento social da pré-modernidade à modernidade, da fundação
do conceito de Estado-nação à sua desvalorização, pelo surgimento da chamada
“globalização”, e da génese do Estado-providência aos actual momento de retracção e
consequente “privatização do risco”.
Este percurso, determinante para a alteração, em mais do que um momento, das
lógicas e estratégias de controlo do risco, contribuiu para a transfiguração dos papéis,
quer dos cidadãos, quer dos Estados, modulando o raciocínio que o homem comum faz
sobre a sua responsabilidade de autoprotecção. Como foi referido, a construção social
do lugar e papel do cidadão, em relação ao colectivo e ao poder que o governa, oscila
entre maior ou menor autonomia, liberdade e responsabilidade, porém, a percepção
dessa posição poderá não acompanhar imediatamente as alterações estruturais ou
conjunturais do meio.
A actual lógica de “privatização do risco” surge durante a retracção do Estado-
providência, e por referência a essa sua decadência, como se do sintoma dessa retracção
se tratasse. Não só se vislumbra o aligeirar da intervenção do Estado, através da
concessão à iniciativa privada de responsabilidades para com o público que até hoje
eram suas, como se implementa uma lógica de responsabilização do cidadão pela
protecção da sua própria esfera pessoal, familiar, comunitária, etc.
Ora, este momento de transição poderá ter como consequência a descentralização
do indivíduo em relação ao seu ambiente social e político, esperando ainda viver de
62
acordo com os paradigmas do Estado social (mantendo o quadro de
expectativas/confiança em face do Estado e das suas instituições, por aculturação a um
modelo socio-político de sustentabilidade já em crise), mas forçado a reconstruir-se na
relação com um outro modelo de Estado, mais ligeiro na sua intervenção e mais
empenhado em responsabilizar o cidadão. Daí poderá emergir a ambivalência nas
estratégias de cada um dos actores que importará analisar.
Para atingir estes objectivos, foi equacionada a construção de um questionário
(Anexo 1) que, aliado à leitura de dados estatísticos relativos à criminalidade e à
contabilização e análise de conteúdo de notícias da imprensa escrita, procurará recolher
dados que permitam uma interpretação das percepções e estratégias da população em
estudo: os comerciantes da cidade de Elvas.
O conteúdo desse inquérito obedecerá à operacionalização de conceitos expressa
de forma resumida no quadro n.º 1, onde se procura esquematizar o raciocínio que
presidiu à sua elaboração, por referência ao objecto e modelo de análise.
Quadro n.º 1: Operacionalização de conceitos
Dimensões Variáveis Indicadores Perguntas
Maior problema do comércio P. 6
Conhecimento de comerciantes vítimas de furto P. 8
Aquisição de MSP* após notícias na comunicação social P.12.3
Posse de meios sem ter sido vítima P. 13.3+13.6
Tendência de desenvolvimento da criminalidade P. 22
Justificação / causas da tendência apontada P. 23
1. Construção social das
percepções do risco
Plano colectivo
& Plano
individual
(imunidade / vulnerabilidade subjectiva) Probabilidade de vitimação futura P. 25
Posse de seguro P. 7
Posse de meios de segurança passiva P. 11
Momento da aquisição dos meios P. 12
Posse de meios sem ter sido vítima P. 13
Inexistência de meios sem ter sido vítima P. 14
Aquisição de meios após a vitimação P. 15
Conduta após o crime P. 16
Justificação da conduta pós crime P. 17+18+19+20+21
2. Lógicas de controlo do
risco
Lógicas de protecção
estatal &
Lógicas de privatização
do risco
Como reduzir a criminalidade P. 24
** MMSSPP:: MMeeiiooss ddee SSeegguurraannççaa PPaassssiivvaa
63
O inquérito procurará dividir a população em estudo escolhida entre aqueles que
(1) já foram vítima / alvo de furto e aqueles que (2) nunca o foram. Em cada um
destes grupos procurar-se-á conhecer os (a) que possuem meios de protecção passiva
(medidas de autoprotecção); e os (b) que não os possuem. Em qualquer dos casos,
tentar-se-á recolher pistas que permitam perceber as razões de cada um dos grupos
seleccionados.
Fig. 2: Divisão da população em estudo
Assim, a hipótese nuclear do estudo, em resposta à pergunta de partida, reside na
existência de uma ambivalência entre os discursos colectivos (percepcionados através
da análise de conteúdo da imprensa) e as percepções individuais (auto-reveladas através
do inquérito), por um lado, e as expectativas relativas à protecção policial e as praxis de
autoprotecção, por outro.
Esta ambivalência decorrerá do sistema de crenças e valores da população em
estudo que, de acordo com a hipótese avançada, apesar de sinais de mudança no
contexto risco criminal, promoverá a continuação de lógicas de protecção estatal em
detrimento de lógicas de “privatização do risco”.
Mais concretamente, definiremos as seguintes sub-hipóteses:
64
1. Existe uma tendência generalizada para a remessa da responsabilidade pela
segurança, para os organismos policiais.
2. Quem nunca foi alvo / vítima de furto tem menor propensão para a
implementação de medidas de autoprotecção.
3. Existe uma discrepância entre a percepção dos riscos de vitimação e o
investimento em medidas de autoprotecção, ou seja, a percepção da
probabilidade de vitimação não significa a adopção de uma atitude correlativa de
adopção de medidas de autoprotecção.
4.2 Processo de escolha de técnicas
Aguçado o interesse de conhecer e impossibilitada a compatibilização desse
interesse com a integração actuante no meio sujeito a investigação, coube procurar
técnicas que separassem claramente o investigador do actor social. Que metodologia
seria capaz de trazer resultados e interpretações credíveis e independentes?
A investigação empírica, é aquela onde “se fazem observações para compreender
melhor o fenómeno a estudar” (Hill et Hill, 2005:19), ou seja, para construir teorias
adequadas a explicar os fenómenos. No caso e revisitando a afirmação de Copans, dir-
se-ia que, a “tomada directa de contacto com a realidade social”109 ter-se-ia de fazer
com recurso à aplicação complementar de vários instrumentos e ao cruzamento dos
resultados, com eles, obtidos.
Ao autor interessava, não só o enquadramento do fenómeno criminal particular de
Elvas mas, sobretudo, a percepção que as potenciais vítimas teriam dos seus riscos e dos
papéis reservados a si e ao Estado, nas suas diversas manifestações formais, bem como,
109 Copans, J. in AAVV (1998) p. 29
65
da noção geral de alteração ambiental proporcionadora de mudanças nos fenómenos
criminais.
Porém, o fenómeno que se pretendeu estudar não estava acessível a partir da mera
observação das estatísticas já existentes.110 Embora essas tenham sido uma fonte
primordial para a construção do estudo, houve necessidade de diversificar as técnicas e
os instrumentos de pesquisa, com o objectivo de ir ao encontro da percepção das
potenciais vítimas.
Optou-se, então, por recorrer ao cruzamento de técnicas de recolha de informação.
Por um lado, uma análise de conteúdo sobre a imprensa que tivesse um duplo cariz
(quantitativo e qualitativo), com vista a demonstrar as variações na atenção dada pela
comunicação social ao fenómeno criminal, ilustrando, se possível, a alteração dos
discursos públicos durante um dado período de tempo que se entendeu definir em não
menos que 10 anos111. Este procedimento visava a comparação do desenvolvimento dos
discursos mediáticos com as estatísticas da criminalidade local registada em igual
período.112 Por outro, a construção de um inquérito por questionário que fosse
directamente ao encontro das percepções das vítimas ou potenciais vítimas.
110 Em termos estatísticos, para além da consulta aos inevitáveis Censos 2001 e os anuários estatísticos da Região do Alentejo (2000 e 2003) do INE, que permitiram acesso a informações demográficas, sociais e económicas sobre o concelho e cidade, obteve-se da própria Secção Policial de Elvas do Comando de Polícia de Portalegre e da Direcção Nacional da PSP, dados estatísticos sobre a criminalidade registada na cidade. Destaca-se ainda a utilização de pesquisas já efectuadas, nomeadamente, pelo grupo de trabalho da Câmara Municipal de Elvas que realizou o Diagnóstico Social do Concelho. Este documento revelou-se essencial ao enquadramento realizado do lugar e da população do estudo, uma vez que, nele convergem um grande número de informações e estatísticas que se encontravam dispersas, até à sua realização. Assumindo o objectivo de se constituir “como uma primeira e imprescindível etapa de qualquer processo de desenvolvimento social ao proporcionar uma visão global e concreta das necessidades e potencialidades do concelho de Elvas” (p. 16), o Diagnóstico Social do Concelho de Elvas serviu, no nosso caso, como ferramenta de enquadramento da comunidade alvo do estudo nas suas diversas dimensões. 111 A extensão temporal escolhida deveu-se a um concurso de razões. Em primeiro lugar, procurou-se um momento em que os discursos da comunicação social em relação à insegurança fossem, de certo modo, comparáveis com os de 2005, tendo encontrado esse paralelo em 1994; em segundo lugar, pretendeu-se fazer, na medida do possível, uma comparação entre os discursos de imprensa e as estatísticas da criminalidade registada. 112 Pretendeu-se, desta forma, proceder a uma análise comparativa em contexto histórico (Giddens, A. 2004:654), embora, recorrendo a um conjunto de fontes limitadas.
66
A utilização desta técnica de natureza quantitativa, permite, através da recolha de
informações no seio de um conjunto restrito de indivíduos (amostra), extrair indícios
que representam a informação ou opinião de um conjunto mais alargado (universo) de
pessoas (Ferreira, V. 2005:167). Convenientemente, os inquiridos deverão ter uma
ligação entre si que se relacione igualmente com o objectivo do estudo, fazendo com
que se constituam unidades sociais ou unidades de análise (Idem) e representem a
população.
Revela-se, assim, a primeira grande vantagem da utilização deste instrumento, a
qual se substancia na capacidade de recolher amostras quantificáveis das percepções
que uma dada população tem do meio e dos fenómenos que constituem o seu contexto
de vivência / experiência. Desta forma, é possível quantificar um grande número de
dados e estabelecer entre eles um elevado número de correlações (Quivy et
Campenhoudt 2003:189).
A lógica de representatividade, permite ainda proceder a investigações, utilizando
menos recursos financeiros e temporais para alcançar resultados credíveis.
Porém, o inquérito tem também alguns limites que convém salientar. Um deles
será a dificuldade de objectivar as perguntas a serem colocadas, ao ponto de não se
constituirem passíveis de má interpretação por parte dos inquiridos. Decorrendo dessa
primeira dificuldade, surgem outras duas: a necessidade de fechamento das respostas
possíveis e a possível directividade do inquérito.
A necessidade (estatística) de manter as possibilidades de resposta fechadas,
condiciona as possibilidades de replicação dos inquiridos. Este aspecto, poderá resultar
numa adesão às hipóteses de resposta pré-definidas e elencadas (pré-codificadas), ainda
que haja a possibilidade de optar por uma “outra” hipótese de resposta (Ferreira, V.
2005:169). Por outro lado, esta limitação, poderá resultar numa superficialidade de
67
alguns dos dados recolhidos, com impacto na ocultação de alguns “processos ou
concepções ideológicas profundas” (Quivy et Campenhoudt 2003:189).
A directividade do inquérito (Ferreira, V. 2005:170) é a tendência que existe para
o investigador direccionar as possíveis respostas para a problemática que se pretende
investigar, nos seus cânones de estruturação, ignorando os da população alvo, impondo
ao inquirido, a formulação teórica do investigador, através de perguntas e respostas dela
impregnadas. No caso em particular do presente estudo, o inquérito foi construído em
observação ao próprio contexto sócio-económico do meio urbano, sendo especialmente
dirigido aos comerciantes do comércio tradicional. A sua concepção baseou-se na
exploração dos discursos veiculados através da comunicação social e aqueles, expressos
directamente pelos indivíduos desse grupo em particular, fora do contexto de
investigação.
A utilização cruzada da análise estatística da criminalidade registada, da análise
de conteúdo das notícias da comunicação social local e da aplicação de um inquérito por
questionário, pretenderam substanciar uma recolha, análise e interpretação dos indícios
do fenómeno a estudar, numa dupla perspectiva, a colectiva e a individual. Procurou
obter-se, por um lado, uma visão sobre os discursos relativos à alteração dos riscos
associados à criminalidade e, por outro, uma avaliação das percepções individuais e
colectivas do risco. O cruzamento de informação de fontes diversas, pretendeu
enriquecer, mas também credibilizar as interpretações possíveis dos dados resultantes
do inquérito, fundamentando-os na ligação dos inquiridos com o seu meio.
68
4.3 Das estatísticas da criminalidade registada
Revelou-se de extrema importância aceder aos dados estatísticos da criminalidade
registada pela Polícia de Segurança Pública de Elvas durante no período de uma década
antecedendo o estudo.113 Estes dados serviriam para referenciar as flutuações nas
estatísticas criminais com os discursos impressos na comunicação social local em
período idêntico, comparando ambos os registos e tentando perceber aproximações e
discrepâncias.
Porém, a política da PSP relativamente ao arquivo de documentação estatística,
impossibilitou a reunião de dados estatísticos sobre a criminalidade registada a partir de
uma única fonte. A Direcção Nacional da PSP apenas forneceu os mapas estatísticos
gerais relativos aos anos de 1998 a 2006. Os dados de 1996 e 1997 disponíveis referem-
se apenas ao crime contra o património e foram recolhidos directamente das folhas
estatísticas ainda existentes nos arquivos mortos da Secção da PSP de Elvas. Toda a
informação relativa aos anos de 1995 e 1994 é inexistente.114
Um olhar sobre estas estatísticas da criminalidade registada na cidade de Elvas,
revela que o peso dos crimes contra o património, no quadro geral dos crimes
denunciados pelas vítimas ou detectados pelas autoridades policiais, é elevado para o
contexto sócio-demográfico da localidade.115
No período de dez anos compreendido entre 1996 e 2006, evidenciam-se
variações ligeiras dos registos de “furtos em edifícios comerciais ou industriais com
113 Inicialmente procurou-se fazer a recolha entre os anos de 1994 e 2005, mas, como adiante se explicará, esse desígnio foi impossível de concretizar. 114 Uma inundação nos arquivos do Comando de Polícia de Portalegre destruiu estes documentos. Os dados recolhidos em Elvas referem-se apenas ao crime contra o património registado em 1996 e 1997. 115 Essa incidência superior do crime contra o património relativamente a todos os outros crimes é uma tendência comum, já reportada no caso português: Ferreira, E. (1998), Lourenço, N. e Lisboa, M. (1998).
69
arrombamento, escalamento ou chave falsa”116, contrastando com variações menos
significativas nos restantes períodos inter-anuais117.
O peso relativo deste tipo muito particular de crimes, no contexto global do crime
contra o património registado em Elvas, no período em apreço, apesar de constituir
apenas 9%, assume um lugar relevante no respectivo conjunto, uma vez que é apenas
inferior às ocorrências de furto no interior de viatura (24%) e de grupos residuais de
crimes definidos nos mapas estatísticos do Gabinete de Política Legislativa e
Planeamento do Ministério da Justiça118 como “outros danos” (18 %) e os “outros
furtos” (16%).
Estas informações, apoiaram a fundamentação das questões iniciais que
assaltaram o autor. Se, o peso da criminalidade contra o património se fazia sentir de tal
forma; se a comunicação social aumentou gradualmente a sua atenção sobre o
fenómeno da delinquência e criminalidade; que mudanças se operaram efectivamente ao
nível dos comportamentos individuais?
A recolha e análise estatística, dos dados da criminalidade registada entre os anos
de 1996 e 2006, executou-se após ter sido dirigido à Direcção Nacional de Polícia,
através do Comando de Polícia de Portalegre, um pedido de autorização para o efeito,
expressamente indicando os efeitos e objectivos académicos já amplamente
enunciados.119
116 A designação não correspondendo a nenhuma definição legal, enquadra-se, na maioria das vezes, no crime de furto qualificado, conforme tipificado no artigo 204.º do Código Penal. A designação feita para efeitos de enquadramento estatístico acima referida, oferece a vantagem de esclarecer de per se, o tipo de crime (furto), o alvo (estabelecimento comercial) e o método utilizado (arrombamento, escalamento ou chave falsa), o que facilita a definição e delimitação dos universos a seleccionar e do fenómeno a estudar. 117 O peso relativo dos registos de furtos em edifícios comerciais ou industriais com arrombamento, escalamento ou chave falsa entre todos os crimes contra o património é em 1997 e 2005 de 11% e 15%, respectivamente, valores que se traduzem numa excepção, uma vez que nos restantes anos do decénio compreendido entre 1996 e 2006, esse peso situa-se entre o mínimo de 4% e o máximo de 9%. 118 Instrumento de Notação do Sistema Estatístico Nacional com base na Lei n.º 6/89, de 15 de Abril, registado no INE sob o n.º 9624. 119 Inicialmente, pretendia-se fazer o estudo entre 1994 e 2006, porém, muitas das estatísticas necessárias não se encontravam disponíveis nem na Direcção Nacional da PSP nem no Comando de Polícia de Portalegre. O programa informático da Direcção-Geral de Política Legislativa também não permitiu destacar os dados estatísticos da
70
4.4 Da análise de conteúdo da imprensa escrita
O papel dos meios de comunicação social, na formação das opiniões e
sensibilidades do público é indiscutível. Os títulos jornalísticos, a linguagem utilizada e
as formas de abordagem de determinados fenómenos criminais fundamentam
convicções e suspeições, formam modos de pensar e condicionam atitudes.
Como já referido anteriormente, também os media desempenham um papel na
criação de percepções sobre a volumetria de segurança (ou insegurança) em
determinadas comunidades ou contextos.
Um olhar sobre a imprensa local120 publicada entre 1995 e 2005, revela que a
ocorrência de furtos em estabelecimentos comerciais (bem como toda a criminalidade,
particularmente, aquela que visou o património), não passou despercebida. As variações
de intensidade deste fenómeno, obtiveram um reflexo ao nível tanto das imagens como
dos discursos veiculados pela comunicação local, importando analisar a intensidade e a
evolução dessas expressões ao longo do decénio em apreço.
A contagem, recolha e análise de notícias relativas à criminalidade, bem como
editoriais e artigos de opinião, publicadas pelo semanário “Linhas de Elvas”121 no
período mencionado, constituiu um ponto de partida para a contextualização das noções
criminalidade de Elvas de todos os dados distritais. Assim, optou-se por aproveitar os dados gerais possíveis fornecidos pela Direcção Nacional da PSP (1998-2006) completando-os com os dados da criminalidade contra o património ainda existentes no Núcleo de Operações e Informações da Secção Policial de Elvas (1996-1997). 120 As informações jornalísticas, veiculadas através da imprensa escrita local, foram de extrema importância na avaliação do impacto social do fenómeno criminal, bem como na reacção pública das instituições, das entidades lesadas e da população em geral, assumindo especial destaque o jornal semanário “Linhas de Elvas”, o mais representativo órgão de comunicação social escrito da cidade. 121 A escolha deste jornal foi facilitada por, à data da recolha, ser a única publicação jornalística independente de dimensão local, com arquivos disponíveis sobre todo o período em estudo. Durante o trabalho, ressurgiu o semanário “O Despertador”, publicação outrora suspensa, que regressou às bancas. Porém, a recolha de dados já se encontrava em fase adiantada, não se antevendo a necessidade de acrescentar novas fontes.
71
de risco criminal, localmente concebidas, bem como da sinalização da alteração dos
seus tipos122.
Pretendeu-se com esse processo, ilustrar o papel que a comunicação social local
desempenhou na sinalização, não só dos riscos e da transformação da sua natureza, mas
também, dos contextos sociais e económicos da comunidade que poderão ter
influenciado as circunstâncias do quotidiano e o sentir público relativo à insegurança.
Para o efeito, foi obtida autorização da direcção do «Linhas de Elvas» para
consultar os volumes existentes nos arquivos do semanário.
A recolha, feita pessoalmente pelo autor, entre Março de 2006 e Março de 2007,
obedeceu primeiramente à definição de um conjunto de palavras-chave invocadoras do
tema da criminalidade e insegurança (Vd. Anexo 2) que servissem de guia para a
sinalização de notícias de interesse.
Foi construído um formulário (Vd. Anexo 3) que permitisse, de forma rápida, a
sinalização de notícias para a posterior quantificação. Procurou contabilizar-se a
incidência de referências à criminalidade e insegurança nas primeiras páginas, notícias,
crónicas e sondagens de opinião, evidenciando paralelamente a percentagem de
referências à criminalidade contra o património que cada uma dessas categorias
encerrava.
Do ponto de vista qualitativo, procurou-se evidenciar as notícias mais marcantes,
quer da perspectiva dos factos narrados, quer da perspectiva da sinalização da mudança.
Este último aspecto, pareceu-nos de grande importância, devido à pretensão de
122 A leitura exploratória compreendeu as edições do final 1993 e o final de 2005, atendendo-se especialmente a dois períodos. No primeiro momento a sensibilidade popular para a existência de factores perturbadores da paz e segurança, levariam a um movimento municipal e popular, que culminaria com a realizou de uma manifestação de brado nacional sobre a insegurança. O protesto dirigido também contra o poder central, requereu um reforço securitário, em consequência da alteração do tipo e número de delitos e comportamentos desviantes na cidade (nomeadamente a dependência de drogas, o vandalismo e a prostituição). O segundo período foi caracterizado pelo aumento gradual de notícias relativas aos furtos no interior de estabelecimentos comerciais na cidade, residências e pessoas, as quais rapidamente relançaram o tema da insegurança, questionando-se as autoridades.
72
estabelecer um paralelo entre as notícias sinalizadoras de alterações dos padrões da
criminalidade com o comportamento dos cidadãos e potenciais vítimas.
4.5 Do inquérito por questionário
Como já justificado anteriormente, esta técnica, revela-se adequada a reunir uma
gama variada de informação de forma flexível a partir de um universo composto de um
número elevado de sujeitos, fazendo uma triagem relativamente aos aspectos de ordem
sócio-demográfica, valorativa ou ideológica que os unem ou dividem e que poderão
fundamentar as condutas individuais que se pretendem estudar.
No caso do presente estudo e em resultado da observação descrita anteriormente,
seleccionaram-se como unidades de análise os comerciantes de Elvas. Esta escolha
prende-se com duas razões distintas e concorrentes: em primeiro lugar, os alvos dos
delitos mais mediáticos da jornalisticamente apelidada “vaga de assaltos” foram os
estabelecimentos do comércio tradicional123, atingidos em grande número, de forma
temporalmente delimitável e através de métodos semelhantes; em segundo lugar,
esperava-se que os actores deste sector de actividade, quer pelas suas afinidades
funcionais, quer pela semelhança da generalidade dos seus problemas quotidianos,
revelassem, não as percepções da generalidade dos cidadãos da sua cidade, mas as suas
percepções particulares, condicionadas pelos constrangimentos da sua actividade, a
escala das suas preocupações comuns e a sua cultura.
123 Para os efeitos deste trabalho, entende-se que “Comércio Tradicional” define uma categoria de estabelecimentos comerciais correspondente a micro, pequenas e/ou médias empresas de comércio a retalho, vocacionados para a comercialização de produtos destinados a satisfazer necessidades gerais e permanentes do quotidiano, com atendimento personalizado, integrados no espaço urbano e geralmente funcionando num único ponto de venda ou loja. Esta categorização funciona por oposição às grandes superfícies comerciais generalistas ou especializadas, cadeias de lojas de marca e negócios de franchising operando de forma isolada ou integrados em centros comerciais, ainda que se qualifiquem com as características anteriormente apontadas.
73
Durante o mês de Julho de 2006, foram executadas por jovens integrados no
Programa Municipal de Ocupação de Tempos Livres (Câmara Municipal de Elvas) duas
tarefas prévias imprescindíveis. A primeira, foi o levantamento dos estabelecimentos
comerciais da cidade de Elvas, a segunda, o pré-teste dos inquéritos, executado em 9
estabelecimentos.124
O levantamento referido, feito agrupando unidades territoriais correspondentes
aos diversos bairros da cidade, contabilizou inicialmente 550 estabelecimentos
comerciais. Contudo, nem todos os estabelecimentos comerciais identificados se
enquadravam no conceito de “comércio tradicional” utilizado no presente trabalho. Uma
filtragem final elegeu um universo composto de 430 (n = 430) locais de comércio
adequados às intenções do estudo125, optando-se por fazer incidir o Inquérito com
recurso à selecção de uma amostra de não menos de 50%, por forma a compatibilizar os
recurso disponíveis com a necessidade de minimizar a possibilidade de ocorrência de
erros de dispersão de resultados e/ou de representatividade.
Em conformidade com o descrito, optou-se por contabilizar o número de
estabelecimentos qualificáveis como “comércio tradicional” em cada arruamento,
dividindo o número obtido, no momento imediatamente anterior à recolha, por dois.
Nos casos em que só existisse um estabelecimento ou o número obtido com o cálculo
era ímpar, a aplicação de inquéritos seria feita aos remanescentes, optando-se sempre
pela obtenção de dados por excesso e nunca por defeito. Deste procedimento, resultou
124 Três na zona histórica, dois nos Bairros da Boa-Fé e Cidade Jardim, respectivamente e um no Bairro Europa e Fonte Nova, respectivamente, obedecendo esta distribuição ao número de estabelecimentos de cada uma das zonas. 125 Foram eliminadas do levantamento descrito as grandes superfícies comerciais, estações de abastecimento de combustível, stands automóveis, estabelecimentos operando em regime de concessão de marca ou franchising e estabelecimentos do prestação de serviços como agências imobiliárias, de viagens e funerárias, procurando a aproximação ao conceito de comércio tradicional já definido supra. Foram mantidos, no entanto, estabelecimentos de prestação de serviços como oficinas de reparação de automóveis, electrodomésticos e cabeleireiros, os quais, pela diversidade dos destinatários, relação
74
uma amostra de 242 estabelecimentos, correspondendo a 56,2 % do universo
anteriormente apurado.
O inquérito foi planeado para ser administrado indirectamente, com vista a
proporcionar orientação aos inquiridos e clarificação presencial de quaisquer dúvidas
surgidas no decurso do procedimento, reduzindo eventuais desvios de interpretação das
questões. Da mesma forma, pretendeu-se controlar a taxa de respostas, garantindo, na
medida do possível, que o inquérito seria completamente respondido. Ainda assim,
foram anulados 5 inquéritos, sendo validados 237 (55,1% do universo encontrado).
Optou-se por limitar as respostas, estruturando o inquérito de molde a
apresentarem-se perguntas fechadas aos inquiridos, porém, em alguns casos, foi deixada
a possibilidade do inquirido poder acrescentar respostas que pudessem futuramente,
proporcionar outras perspectivas do problema e das suas origens, esperando-se que esse
procedimento pudesse possibilitar a introdução de informação não equacionada
previamente, que viesse a enriquecer as conclusões do estudo.
A natureza do questionário determinou que algumas respostas se tivessem
planeado para surgirem através de escalas de medida nominais, noutros casos, optou-se
por fornecer ao inquirido a possibilidade de responder de forma múltipla, pretendendo-
se, assim, avaliar a frequência de respostas a um dado quesito particular.126
Este instrumento, para além de procurar colmatar a necessidade de informação
acima referida, pretendeu recolher outro tipo de informação que pudesse contribuir para
encontrar causas ou razões para a existência ou ausência dos comportamentos de
autoprotecção, no âmbito do universo escolhido.
imediata e constante com o público consumidor e integração no tecido urbano, se distinguem dos anteriores. 126 Na pergunta “Qual o maior problema do comércio de Elvas?”, optou-se por solicitar ao inquirido que apontasse cumulativamente três problemas, sendo que de entre as várias opções de ordem concorrencial, administrativa, económica se encontra “A falta de segurança”, intencionando-se encontrar a posição do tema segurança / insegurança na ordenação da generalidade dos problemas dos comerciantes.
75
Sendo que, o objectivo a que nos propomos, incide genericamente sobre todos os
comerciantes e não apenas aqueles que já foram alvos de crime, o inquérito apresenta
questões que pretendem revelar qual o conhecimento que os comerciantes têm do
fenómeno criminal, particularizar a sua percepção sobre o desenvolvimento do
fenómeno criminal e de avaliação do risco de vitimação, procurando ainda verificar-se a
implementação e / ou existência de meios de protecção adequados ao risco
percepcionado em qualquer dos grupos127.
Esses aspectos seriam tidos como variáveis a par dos factores sócio-demográficos,
com vista ao estabelecimento de relações de influência nos diferentes tipos de
comportamento em face do risco de vitimação criminal.
Posteriormente, e com recurso ao mesmo instrumento, tentou definir-se que
razões fundamentam cada uma das posições assumidas, por cada grupo.
Aplicados os Inquéritos128 e validados 237 (duzentos e trinta e sete), os mesmos,
foram introduzidos e tratados por uma licenciada em sociologia com recurso ao
SPSS129. A informação obtida por via deste processo e que adiante se exporá, viria a ser
comparada na tentativa de estabelecer correlações que fossem ao encontro dos
indicadores pré-definidos e das questões levantadas.
127 Aqueles cujos estabelecimentos foram alvo de furto e aqueles, cujos estabelecimentos não foram alvos de furto. 128 Os inquéritos foram aplicados entre 15 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 2007, por uma equipa de quatro pessoas integradas num programa de ocupação de jovens da Câmara Municipal de Elvas, coordenada por uma socióloga daquela edilidade. 129 Programa informático para tratamento de dados estatísticos (Statistical Package for the Social Sciences)
76
CCAAPPÍÍTTUULLOO 55
Contextualização do Universo em Estudo
5.1 Enquadramento geográfico
O concelho de Elvas situa-se na região do Nordeste Alentejano, junto à fronteira
com a região espanhola da Extremadura. Pertence ao distrito de Portalegre e é
circundado de norte a noroeste pelos concelhos de Campo Maior, Arronches e
Monforte, a sul por Borba, Vila Viçosa e Alandroal (Distrito de Évora) e a leste por
Espanha.
Fig. 3: Fig. 4:
A área total do concelho de Elvas é de 631,768 km², compondo-se de 11
freguesias. Sete dessas freguesias são eminentemente rurais130 e quatro compõem o
perímetro urbano da cidade131.
130 Barbacena, St.ª Eulália, S. Brás e S. Lourenço, S. Vicente, Terrugem, Vila Boim e Vila Fernando 131 Ajuda, Salvador e St.º Ildefonso, Alcáçova, Assunção e Caia e S. Pedro
77
A cidade de Elvas constitui o principal aglomerado do concelho, ocupando um
perímetro aproximado de 50 Hectares, perto da antiga fronteira com Espanha, tendo a
cerca de 12 Km a cidade espanhola de Badajoz.
5.2 Enquadramento histórico, funcional e económico
Encontra-se frequentemente uma relação directa entre a localização de uma cidade
e a razão da sua existência. A urbe é um sistema onde o local, as gentes e as actividades
se fundem, gerando a concentração populacional, criando as edificações apropriadas ao
acolhimento de pessoas e às actividades por elas desenvolvidas, evoluindo condicionada
por uma função primordial que lhe dá origem e pelos fluxos transformadores de gentes
que a povoam.
Como refere Teresa Salgueiro (1999), lembrando um conceito edificado pela
geografia francesa clássica, a escolha do local mais apropriado à construção de uma
cidade é determinada pelos imperativos da sua criação. 132
As colinas sobranceiras a uma planície fértil e bem irrigada no local onde hoje se
encontra a cidade de Elvas, viabilizaram a instalação e o desenvolvimento de
aglomerações humanas que cresceram e ganharam importância relativa nesta zona da
península ibérica. Essas mesmas características proporcionariam também, em vários
momentos históricos, a implantação sólida e segura de fortificações e contingentes
bélicos munidos de reservas alimentares produzidas localmente.
O estabelecimento da nacionalidade e a criação das fronteiras do território criaram
uma vocação para Elvas; a vigilância e defesa da fronteira do território tornaram-se a
função da cidade.
132 Salgueiro, T. (1999:123)
78
Quadro n.º 2: Dados demográficos do Concelho de Elvas por freguesia
CONCELHO DE ELVAS POR FREGUESIAS (no ano de 2005)
Freguesias Área (Km²) População Residente Tipo
Alcáçova 9,2 2305
Ajuda, Salvador e St.º Ildefonso 91,1 1494
Assunção 8,0 7927
Caia e S. Pedro 94,3 3779
NÚCLEO
URBANO
(Elvas - Cidade)
S. Brás e S. Lourenço 51,7 1946
St. ª Eulália 95,65 1334
Barbacena 31,16 777
S. Vicente 101,05 808
Terrugem 72,7 1307
Vila Boim 25,6 1331
Vila Fernando 51,3 353
ZONAS
EMINENTEMENTE
RURAIS
Total 631,76 23361
Fontes: Instituto Nacional de Estatística – Portugal – Censos 2001 – Resultados Definitivos e Diagnóstico Social do Concelho de Elvas 2005
Assim, quando a base de sustentação económica da povoação era agrícola e sendo
ainda apenas um lugar de passagem sem grande relevância comercial, o que fez de
Elvas um local de tamanha importância foi, quase exclusivamente, a sua localização
fronteiriça de importância estratégica para a defesa militar do território nacional, tendo
sido nesse local que foram criadas no séc. XVIII133 as forças armadas portuguesas,
inexistentes como corpo militar organizado até aquele século.
A função estratégica defensiva da cidade esvaziou-se em três momentos
identificáveis. Um primeiro, quando foi definitivamente afastado o perigo de invasão;
133 A este propósito veja-se o papel do Conde Lippe, soberano de Schaumbourg e marechal general do exército português.
79
um segundo, com o fim da Guerra colonial e um terceiro, nos primeiros anos do séc.
XXI, com a reestruturação dos serviços da administração central do Estado.
No caso de Elvas, a extinção da sua função primordial e a consequente retirada de
militares que constituíam o suporte humano e económico do tecido urbano, tornou
evidente a condição periférica da cidade relativamente aos centros de decisão,
afastando-a ainda das rotas comerciais que outrora lhe haviam garantido alguma
importância.134
Tendo-se suportado grandemente na presença de grupos de militares em constante
renovação e, deparando-se com a extinção dessa situação privilegiada, a cidade viu-se
confrontada com roturas na sua economia urbana e local, pouco diversificada, sem uma
verdadeira especialidade e vocacionada para mercados muito particulares (os militares e
os espanhóis). A cidade começou a sentir o peso da interioridade, entrando num grupo
periférico caracterizado apenas pela sua condição geográfica. A propósito disto, refere
João Garrinhas:
“Para além do impacto de um novo processo de desmilitarização, iniciado na década de 70, como
cidade fronteiriça, Elvas sofreu a partir dos meados dos anos 80, o embate da integração europeia e de
todas as reestruturações económicas, políticas e institucionais, que directa ou directamente, a ela estão
associadas, desaparecendo muitos dos factores que serviram de base, durante décadas, à estruturação de
um território de fronteira.”135
134 O declínio da função defensiva das localidades fronteiriças fortificadas “e a localização periférica destes lugares, face ao centro principal de desenvolvimento do país, explicam que as suas regiões tenham sido áreas de emigração e que, por isso, as cidades tenham permanecido estagnadas ou conhecido um crescimento populacional moderado durante muito tempo” (Salgueiro, T. 1999:124) 135 Garrinhas, J. (2001:326)
80
O princípio dos anos 90 do séc. XX, viria a trazer com essa integração europeia e
com a supressão das fronteiras internas do chamado espaço Schengen, novas e
profundas transformações na existência de Elvas.
Esta nova fase da história recente da cidade foi documentada directamente pelos
órgãos de comunicação social locais, que relataram em discurso directo o fim de uma
era e o início de um novo conjunto de preocupações e problemas136, compassados ao
ritmo das necessidades avassaladoras da Pan-Europa e da globalização.
A existência de Badajoz como cidade mais próxima foi determinante para a
definição dos percursos de desenvolvimento de Elvas, uma vez que aquela cidade é,
ainda hoje, a mais influente de todas as que lhe estão próximas.
Badajoz, foi sempre motor de mudança, factor de dinamismo da sua vizinha
portuguesa. Quer exercendo voluntariamente pressões negativas no período em que era
assumidamente um baluarte avançado de um inimigo, ou involuntariamente durante a
guerra civil espanhola, quer exercendo pressões positivas como na constituição de uma
clientela preferencial do comércio tradicional elvense; a sua presença e relação com a
sua congénere e convigilante foram determinantes em todos os avanços e recuos sociais,
económicos, estratégicos e militares.
Sanchez Marroyo (2001) refere que a fronteira separadora de territórios e
definidora de países, é “tanto de encontro como de refúgio”. Junto à fronteira sempre se
encontraram colectivos sociais que comungavam experiências humanas comuns (de
afectos e proximidades), sendo que este acontecimento ultrapassava as limitações legais
136 Um dos primeiros sinais foi a deslocação de 250 funcionários alfandegários residentes no concelho de Elvas, por via da preparação da liberalização das fronteiras decorrente da aplicação do Acordo de Schengen. O «Linhas de Elvas», semanário da cidade, questionou o futuro económico das famílias, mas também da cidade de Elvas, que se suportaria em parte nas transacções proporcionadas por estes consumidores. Vd. Carvalho, M. in «Linhas de Elvas», ano XLV, n.º 2271, 28 Out. 1994, p.7
81
impostas pela linha artificial separadora de delimitações administrativas
independentes.137
O grau de permeabilidade e a acessibilidade da fronteira sempre estiveram
historicamente condicionados por diversos factores, dos quais destaca as metamorfoses
e convulsões políticas de cada momento e aos quais acrescentamos as suas resultantes
económicas. Terão sido esses desenvolvimentos políticos que determinaram o sentido
de fluxos humanos entre os Estados que partilhavam a fronteira, provocando com isso
semelhanças nos seus percursos políticos contemporâneos, ainda que em ritmos
distintos.138
Enquanto persistiu a delimitação política e administrativa, o contrabando
constituiu uma actividade lucrativa que permitiria rendimentos a uma parte da
população de ambos os lados da fronteira, sobretudo em épocas de maiores dificuldades
materiais139.
Porém, foi a protecção dada pela fronteira que permitiu criar na existência de
diferenças, oportunidades locais para o florescimento de determinadas actividades
económicas, tendo em vista a clientela de além.
O comércio tradicional de Elvas140 que havia surgido após o início do séc. XIX,
quando a cidade deixa de ser um centro administrativo régio, reforça-se entre meados
dos anos 70 e durante os anos 80 do séc. XX, apostando em fornecer produtos aos
consumidores espanhóis.
O fim das fronteiras terrestres entre os países europeus subscritores do Acordo de
Schengen, veio a forçar a interpenetração dos mercados, numa competição directa de
137 Sanchez Marroyo, F. (2001:159) 138 Idem, pp. 159 e 160 139 Ibidem, pp. 164 e 165
82
interesses económicos. Esta nova realidade, trouxe sérios impactos no sector primário,
decrescendo substancialmente a população dedicada às actividades agrícolas, sobretudo
devido às reformas da Política Agrícola Comum. A supressão das fronteiras políticas e
o estabelecimento da livre circulação de mercadorias e pessoas na União Europeia, após
a assinatura do acordo de Schengen, eliminou através de vários motivos concorrentes, a
origem das vantagens proporcionadas pelos comerciantes do lado português.
Por outro lado, em Espanha assistiu-se a uma redução do consumo privado, o que,
aliado à alteração dos modelos de oferta comercial, nomeadamente com a construção de
grandes superfícies comerciais em Badajoz, veio a atingir o mercado elvense o qual, não
estando preparado para a mudança e não se tendo conseguido adaptar à nova realidade
competitiva, entrou numa nova crise.
A este mesmo aspecto alude Garrinhas (2001) ao afirmar que “a abertura de
grandes superfícies comerciais em Badajoz, a saturação de um modelo comercial com
graves deficiências estruturais e extremamente vulnerável a efeitos conjunturais, são
factores que contribuíram para a crise da economia elvense.”141
Também com a integração europeia, o espaço outrora “micro” passou a
confrontar-se com as dimensões “macro” de uma Europa sem fronteiras.
Paralelamente, a supressão de fronteiras representou a abertura a uma
competitividade directa entre os vários agentes económicos, independentemente da
nacionalidade, na qual a fronteira deixou de representar uma protecção; por outro, a
140 A Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Elvas foi inaugurada em 28 de Janeiro de 1894, acto que revela a importância do lugar e das actividades aí desenvolvidas, o nível de esclarecimento e o envolvimento social e associativo dos seus habitantes. 141 Garrinhas, J. (2001:329)
83
construção de novas vias de comunicação, revelou ser prioritário ligar os grandes
centros de decisão e produção e não necessariamente promover as economias locais.142
Indiscutivelmente, a supressão das fronteiras beneficiou economicamente o lado
Espanhol, mais bem preparado para o embate da competição, bem fornecido de
infraestruturas básicas e com um desenvolvimento económico bastante mais sustentado
e estruturado.
A cidade de Badajoz, a cerca de 12 Km do centro de Elvas, assumiu claramente a
sua importância, colocando Elvas na sua zona de influência, vindo a apresentar índices
de crescimento elevados, tanto ao nível económico, como demográfico.143
Resulta claro que Badajoz é o polo de atracção demográfico e económico da
região e que a sua influência sobre Elvas é superior a qualquer outra cidade, portuguesa.
Elvas, por seu turno, toma para si o papel de substrato. É um local de
características pouco comuns que se encontra no ponto de cruzamento de influências de
diversa ordem, deixada à margem de um desenvolvimento que parecia certo, não tivesse
passado ele pela auto-estrada a caminho de Madrid.
5.3 Enquadramento Sócio-Demográfico
A maior parte da população do concelho de Elvas concentra-se no conjunto de
freguesias que compõem o núcleo urbano da sede do concelho.
Como já plasmado, a população da cidade de Elvas de acordo com os Census
2001, situava-se nos 15505 habitantes. Segundo a análise feita pelo Diagnóstico Social
142 Um exemplo paradigmático disto encontra-se na construção da auto-estrada Lisboa–Madrid que, como bem refere o Diagnóstico Social do Concelho de Elvas de 2005, “circunda o exterior da cidade”, não se destinando propriamente a servi-la.
84
do Concelho de Elvas, “O povoamento no território concelhio, nos últimos anos, tem
acompanhando o sentido negativo da variação da densidade populacional dos concelhos
limítrofes […]. Embora com valores intermédios (-6,7%), comparativamente com
concelhos que têm visto a sua população por km² decrescer bastante, como é o caso de
Monforte, Alandroal e Arronches, o município de Elvas mantém-se com uma variação
inferior à verificada na região do Alto Alentejo (-8,8%).”144
Conforme corrobora o mesmo Diagnóstico, a década de 70 do séc. XX foi
caracterizada por um crescimento demográfico, porém, após esse período e sobretudo
nas duas décadas que se lhe seguiram, o concelho de Elvas e todo o Alto Alentejo
declinaram esse crescimento. São apontadas como razões mais frequentes os
movimentos migratórios internos, por um lado, e a tendência europeia para o
envelhecimento populacional, por outro.
A conjugação destes dois factores, aos quais também não é alheia a
desqualificação urbana proporcionada pela supressão de fronteiras e a retirada de
serviços essenciais à manutenção da coesão e qualidade de vida citadina, abre caminho
para um forte ciclo vicioso, em que a falta de atractivos proporciona a saída de pessoas
e valências importantes que, por sua vez, faz com que os investimentos não sejam
vocacionados para o local.
Assim, a ausência de população jovem procurando novas oportunidades e a
permanência de uma população idosa crescente, agrava as taxas de envelhecimento da
população145.
143 Entre 1992 e 2002 a população de Badajoz aumentou de cerca de 121.000 para 137.000 habitantes (um crescimento de cerca de 13,4%), enquanto que Elvas reduziu de cerca de 24.000 para 23.000 habitantes (menos 4,2%), denotando envelhecimento e elevada dependência dos dispositivos de Segurança Social. 144 Diagnóstico Social do Concelho de Elvas (2006:27)
85
Quadro n.º 3: Quadro comparativo da densidade populacional entre concelhos do Alto Alentejo
Densidade populacional 1991 – 2002 Zona geográfica 1991 2002 Tx. Variação
Portugal 107,3 hab / km² 113,2 hab / km² 5,5%
Alto Alentejo 21,7 hab / km² 19,8 hab / km² -8,8%
Elvas 38,7 hab / km² 36,1 hab / km² -6,7%
Campo Maior 34.6 hab / km² 33.6 hab / km² -2,9%
Arronches 11,7 hab / km² 10.5 hab / km² -10,2%
Monforte 9,0 hab / km² 7.8 hab / km² -13,3%
Borba 56,9 hab / km² 52.3 hab / km² -8,1%
Vila Viçosa 46,5 hab / km² 45.0 hab / km² -3,2%
Alandroal 13,5 hab / km² 11.8 hab / km² -12,6%
Fonte: Instituto Nacional de Estatística – Portugal – Censos 1991 – Resultados Definitivos e Anuário Estatístico da Região Alentejo 2003
Estes factores preocupantes, influenciaram as políticas de segurança locais,
obrigando a uma adequação dos meios à população servida. Na verdade, o
envelhecimento da população no concelho de Elvas durante o ano de 2002, atingiu
131,6%, o que significa dizer que, por cada 131 idosos residentes, existem 100 jovens.
145 Apesar de tudo, o Diagnóstico Social do Concelho revela que “Elvas é um dos concelhos do Alentejo com maior percentagem de jovens residentes” e o “terceiro município alentejano com menor índice de envelhecimento, apenas superado por Évora (129,6%) e Sines (102,8%)” p. 33.
89
CCAAPPÍÍTTUULLOO 11
Crime contra o património registado pela PSP de Elvas
À semelhança do que acontece noutras comunidades, em Elvas o grupo dos
crimes contra o património é aquele que tem maior expressão.
Todavia, nenhuma das variações anuais registadas nos últimos anos, sejam
tendencialmente de subida ou de descida, são muito significativas ou abruptas.
Quadro n.º 4: Crimes registados na Secção da PSP de Elvas entre 1998 – 2006
Crimes contra
as pessoas Crimes contra o património
Crimes contra a vida em sociedade
Crimes contra a paz e
humanidade &
Crimes contra a identidade
cultural e integridade
pessoal
Crimes contra o Estado
Crimes previstos em
legislação avulsa
Totais
1998 187 286 31 0 3 52 559
1999 180 361 37 0 5 52 635
2000 205 264 31 0 13 76 589
2001 212 327 23 0 8 85 655
2002 201 362 33 0 11 90 697
2003 200 349 54 0 14 73 690
2004 204 353 52 0 14 77 700
2005 158 386 46 0 12 45 647
2006 216 262 34 0 10 55 577
Fonte: DN/PSP
Como se pode verificar pela leitura do quadro 4, os crimes contra o património
denunciados146 são sempre os que atingem os valores mais altos secundados pelo grupo
dos crimes contra as pessoas. Esta tendência é transversal e já foi verificada noutros
estudos feitos em Portugal.147
146 Em 1998 foram contabilizadas 24 ocorrências de “Receptação e Auxílio Material”, conduta que nunca antes ou depois desse ano havia sido referenciada. Apesar de, no quadro n.º 6, essas ocorrências constarem incluídas na coluna relativa aos “Crimes contra o património”, as mesmas foram suprimidas dos quadros seguintes explicando-se, assim, a diferença entre os totais apresentados nesses mesmos quadros. 147 Ferreira, E. (1998); Lourenço, N. e Lisboa, M. (1998).
90
Gráfico n.º 1: Crimes registados pela PSP de Elvas entre 1998 e 2006
Fonte: DN/PSP
Percebe-se ainda que, no total dos dados anuais disponíveis (1998-2006) houve
um pico na criminalidade geral registada em 2004 (finalizando um triénio 2002-2004
com maior número de registos), muito embora tenha sido em 2005 que o crime contra o
património revelou maior tendência para o aumento.
Na generalidade dos crimes registados pelas autoridades policiais, a amplitude
detectada entre o valor mais baixo (1998) e o mais alto (2004) é de 141 registos.
Quanto aos crimes contra o património as variações são igualmente ligeiras, uma
vez que entre o valor mais baixo (1996) e o mais alto (2005) encontram-se 144 registos.
As variações de maior impacto ocorrem entre 1998 e 1999 com mais 99 registos, 1999
para 2000 com menos 97 registos e entre 2005 e 2006 com menos 124 crimes, sendo as
variações negativas, por norma, reportáveis à detenção de suspeitos pela prática desses
crimes.
91
Quadro n.º 5: Crimes contra o património registados na Secção da PSP de Elvas entre 1996 – 2006
2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 Totais
TIPO DE CRIME
Furto e tráfico de obras de arte 0 0 0 0 1 1 0 1 0 0 0 3
Furto / Roubo por esticão 6 6 8 7 6 5 2 7 1 2 1 51
Furto de veículo motorizado 23 22 30 31 20 30 20 35 26 21 17 275
Furto em veículo motorizado 56 91 113 107 107 69 53 71 59 48 57 831
Furto em residência c/arrombamento, escalamento ou chave falsa
11 18 26 29 23 16 28 25 19 8 16 219
Furto em edifício comercial ou industrial c/arrombamento, escalamento ou chave falsa
26 68 21 23 21 14 20 28 15 32 25 293
Furto em estabelecimento de ensino c/arrombamento, escalamento ou chave falsa
5 5 3 2 1 1 1 0 0 2 1 21
Furto em outros edifícios c/arrombamento, escalamento ou chave falsa
6 14 9 7 9 26 8 9 8 11 7 114
Furto por carteirista 17 5 6 4 17 17 9 11 7 7 12 112
Furto em supermercado 0 4 0 0 0 0 0 1 1 6 8 20
Outros furtos 38 51 49 50 57 57 47 64 46 55 50 564
Roubo na via pública (excepto esticão) 19 20 22 26 26 21 14 8 3 2 4 165
Outros roubos 3 2 3 2 5 2 1 0 0 0 0 18
Outros danos 37 62 53 50 59 48 51 82 67 58 37 604
Abuso de confiança 5 6 3 4 2 6 3 6 9 0 0 44
Outros crimes contra a propriedade 3 3 0 0 0 0 0 2 0 0 0 8
Burla com fraude bancária 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2
Burla relativa a seguros 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 2
Burla p/ obtenção de alimentos, bebidas ou serviços
0 1 2 1 1 4 1 2 1 0 0 13
Burla informática ou nas comunicações 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Outras burlas 1 6 4 4 7 9 5 9 0 13 7 65
Abuso de cartão de garantia ou crédito 3 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 5
Outros crimes contra o património 0 0 1 1 0 1 0 0 0 0 0 3
Totais 262 386 353 349 362 327 264 361 262 265 242 3433
Fontes: DN/PSP e Secção Policial de Elvas
No caso particular dos crimes de furto em edifício comercial ou industrial com
arrombamento, escalamento ou chave falsa, que passaremos a designar simplesmente
como furtos no interior de estabelecimento, verifica-se que o desenvolvimento dos
mesmos acompanhou de certa forma, as tendências dos restantes crimes contra o
património.
Todavia, apesar da sua percentagem ser estável em quase todo o decénio
compreendido entre 1996 e 2006, nota-se um ligeiro aumento do seu volume de 9% em
92
1996 para os 11% em 1997 e um aumento abrupto dos 6% em 2004 para os 15% em
2005.
Gráfico n.º 2: Crimes contra o património registados pela PSP de Elvas entre 1996 e 2006
Fontes: DN/PSP e Secção Policial de Elvas
Se relativamente ao primeiro período em referência, não se notou um reflexo
grande ao nível dos discursos da comunicação social, no ano de 2005, a conjugação dos
discursos com a realidade estatística dos registos policiais foi notória.
A variação destes registos foi claramente acompanhada pelo aumento de notícias
na comunicação social que se referiam a este assunto, facto que revela a proximidade
entre a população, a notícia e a realidade criminal. No caso de Elvas e deste fenómeno
em particular, poder-se-á afirmar que o reporte da comunicação social e a percepção dos
cidadãos não é dissonante com a estatística criminal, uma vez que foi efectivamente em
2005 que o furto no interior de estabelecimento atingiu valores mais altos nas
estatísticas policiais.
93
No geral, no decénio compreendido entre 1996 e 2006, a percentagem relativa de
furtos no interior de estabelecimento rondou os 9%, não sendo, de todo, o crime mais
expressivo deste grupo. Aí evidenciaram-se especialmente, as ocorrências de furtos no
interior de viaturas e danos, para além de categorias residuais, como sejam, “outros
furtos”.148
Gráfico n.º 3: Furtos registados em edifícios comerciais ou industriais com arrombamento, escalamento ou chave falsa em Elvas 1996 – 2006
Fontes: DN/PSP e Secção Policial de Elvas
Quadro n.º 6: Comparação da percentagem de incidência do furto no interior de estabelecimento entre todos os crimes
contra o património em Elvas entre 1996 e 2006 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Furto no interior de estabelecimento 25 32 15 28 20 14 21 23 21 68 26 Crimes contra o património registados 242 265 262 361 264 327 362 349 353 386 262 Percentagem encontrada 9% 11% 5% 7% 7% 4% 5% 6% 6% 15% 9%
Fontes: DN/PSP e Secção Policial de Elvas
148 O elevado volume de furtos no interior de viatura pode explicar-se pelo aumento do parque automóvel, pela degradação pessoal nos casos de toxicodependência em que o agente deixa de poder suportar economicamente o consumo recorrendo apenas a meios lícitos e naturalmente, pela oportunidade fácil de praticar um furto de forma rápida e relativamente segura, muito embora com ganhos habitualmente medíocres.
94
O registo de ocorrências de dano, apesar de também surgirem sem outra razão de
fundo que não seja causar prejuízo patrimonial a outrem, prende-se muitas vezes com a
prática falhada do furto, quer pela constatação de inexistência de bem a furtar após
inicio da operação, quer pela desistência motivada pela necessidade de fuga.
Este fenómeno ocorre frequentemente com furtos no interior de estabelecimentos
comerciais, contribuindo para o avultar de queixas por dano, mas também para um
elevado número de participações simples sem intenção de prossecução criminal.
Paralelamente, a tentativa não concretizada do furto resultando apenas em danos,
comporta prejuízos que desmotivam a apresentação de queixa-crime por parte dos
lesados, contribuindo para a existência de crimes sem registo policial.
Gráfico n.º 4: Evolução do crime contra o património e dos furtos no interior de estabelecimento em Elvas no decénio 1996-2006
Fontes: DN/PSP e Secção Policial de Elvas
95
Gráfico n.º 5: Percentagens do crime contra o património registado pela PSP de Elvas entre 1996 e 2006
Fontes: DN/PSP e Secção da PSP de Elvas
96
CCAAPPÍÍTTUULLOO 22
Os Discursos da Insegurança e a Criminalidade na Imprensa escrita
2.1 Incidência dos discursos da criminalidade e da insegurança no Jornal Linhas de Elvas
entre 1994 e 2006
A comunicação social reproduz, por um lado, os discursos populares (e, bem assim, das
representações que lhes estão relacionadas) e, por outro, difunde as ideias de indivíduos e grupos
que influenciam as construções e opiniões dos restantes.
A criminalidade e a insegurança, são temas que, pelas suas características encontram quase
sempre lugar nas páginas dos jornais, na difusão rádio jornalística e na televisão. Qualquer notícia
chocante ou facto anómalo atrai a curiosidade e desperta a necessidade de saber.
Feita uma análise retrospectiva de um decénio de publicações do jornal semanário “Linhas de
Elvas” (LE) (os que melhor ilustram os discursos e sensibilidades jornalísticas e populares ao longo
desse tempo), procurou perceber-se quais as tendências quantitativas e qualitativas do reporte de
factos de natureza criminal ou análogos e, dentro desses, quais aqueles que se relacionavam com o
crime contra o património.
Como já anteriormente referido, optou-se por fazer a recolha atendendo a uma quádrupla
distinção: (1) as referências de primeira página; (2) as notícias no interior do jornal; (3) os
editoriais, as crónicas e as cartas; (4) e as pequenas entrevistas de tipo “sondagem temática”.
No que diz respeito aos títulos de primeira página relacionados com a criminalidade e
insegurança, observa-se que no período entre 1994 e 2006, os aumentos mais significativos ocorrem
entre 1996 e 1997 (uma subida em 18 ocorrências relativamente ao ano anterior), entre 1998 e 1999
(uma subida em 16 ocorrências), e uma subida gradual até 2001, seguindo-se um período de
variações pouco expressivas com tendência para o recrudescimento.
97
No que diz respeito apenas ao crime contra o património, verifica-se que os anos de 1997, o
biénio 2000 / 2001, o ano de 2003 e o ano de 2005, são aqueles em que as opções editoriais mais
frequentemente levaram à primeira página do LE tais referências.
Gráfico n.º 6 – Crimes na 1.ª Página do «Linhas de Elvas» 1994 - 2006
Fonte: Análise de conteúdo ao semanário Linhas de Elvas 1994-2006
Quadro n.º 7 – Crimes na 1.ª Página do «Linhas de Elvas» 1994 - 2006
Crimes na 1.ª Página do «Linhas de Elvas» 1994 - 2006
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 TOTAIS
Todas 16 15 10 28 19 35 47 51 48 47 43 49 36 444 C/Património 2 2 3 10 5 5 10 10 7 11 3 14 9 100
Na totalidade dos anos contabilizados (1994 a 2006), observa-se que 22,5% das referências de
primeira página aos temas da insegurança e criminalidade são relativas ao crime contra o
património (100 de 444 ocorrências), não aparentando haver uma relação directa na incidência de
títulos de primeira página relativos à criminalidade geral e ao crime contra o património. Porém,
ressalta a impressão de que é em 2001 e, posteriormente, em 2005, que o volume das chamadas de
primeira página é maior, evidenciando-se o ano de 2005, como sendo aquele em que a notícia sobre
o crime contra o património foi mais vezes utilizada como chamariz (28,5 % das chamadas de
primeira página). Este facto poder-se-á relacionar com a exploração mediática de uma série de
98
furtos em estabelecimentos comerciais ocorridos nesse mesmo ano, condizendo com as estatísticas
policiais.
Para ilustrar melhor o impacto, poder-se-á referir que o crime e a insegurança apareceram em
média na primeira página do “LE” uma vez por cada edição de 2001 (51 edições por ano / 51
referências = 1); sendo que o crime contra o património surgiu na primeira página, em média, uma
vez em cada cinco edições.
Em 2005 a criminalidade e insegurança foram ligeiramente menos utilizadas na primeira
página, mas o crime contra o património passou a surgir uma vez, em cada quatro (3,6) edições,
fruto sobretudo, do pior momento na ocorrência de furtos na cidade confirmado pelas estatísticas
policiais.
No que diz respeito às notícias propriamente ditas, verifica-se que o ano de 1996 é aquele em
que, independentemente do conteúdo das primeiras páginas, surgiram mais referências ao crime
contra o património.
Verifica-se ainda que na generalidade e em todo o período em observação, 37,5% das notícias
e reportagens relativas aos temas da insegurança e criminalidade são sobre o crime contra o
património (696 de 1855 ocorrências).
Quadro n.º 8 – Crimes nas notícias do «Linhas de Elvas» 1994 - 2006
Notícias do «Linhas de Elvas»
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Totais
Todas 59 128 159 95 108 121 146 137 133 167 171 239 192 1855
C/Património 2 74 123 50 60 63 70 35 27 48 32 67 45 696
A tendência demonstrada para realçar o crime contra o património nas primeiras páginas em
2005, observa-se igualmente nas notícias existentes no interior do jornal. O crime contra o
património atingiu 28% da totalidade das notícias, percentagem próxima das referências feitas em
primeira página nesse mesmo ano.
99
Gráfico n.º 7 – Crimes nas notícias do «Linhas de Elvas» 1994 – 2006
Fonte: Análise de conteúdo ao semanário Linhas de Elvas 1994-2006
Na realidade é o ano de 1996, que apresenta a mais elevada incidência de notícias relativas ao
crime contra o património, contando-se em 77,3 % (123 de 159) do total das notícias relativas á
temática da criminalidade e insegurança.
Conforme o momento e as informações mais relevantes, o LE publicava pequenas entrevistas
/ sondagens temáticas de rua. O tema da insegurança e da criminalidade não foi esquecido nos
momentos em que o assunto renascia, pelas notícias de ocorrências policiais, pelos protestos
populares contra a criminalidade ou pelas posições políticas assumidas em relação a essa temática.
Também as crónicas demonstraram tendência para reaparecer sempre que tais circunstâncias
se verificavam.
Essa tendência veio a ser mais evidente a partir do ano 2000, sendo que a insegurança e a
criminalidade deixaria de ser conotada como assunto estranho ao contexto regional alentejano e,
mais particularmente, elvense, para passar a integrar normalmente o conjunto de conteúdos dos
discursos públicos.
100
Gráfico n.º 8 – Crimes nas Crónicas e Sondagens de rua relativas do «Linhas de Elvas» 1994 - 2006
Fonte: Análise de conteúdo ao semanário Linhas de Elvas 1994-2006
Quadro n.º 9 – Crimes nas Crónicas e Sondagens de rua relativas do «Linhas de Elvas» 1994 – 2006
Crónicas e Sondagens de rua relativas à Insegurança e Crime no «Linhas de Elvas»
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Crónicas 7 7 6 3 1 6 4 2 2 1 7 4
Sondagens 1 4 3 3 1 2 5 1
As sondagens e crónicas acompanharam as tendências das análises anteriores, havendo neste
caso de atender a três momentos de alta, a saber, 1994 aquando das grandes discussões sobre a
toxicodependência, 2000 – 2001 onde se destaca uma subida das preocupações com os bairros de
barracas, agressões a agentes de autoridade e o desaparecimento dos guardas-nocturnos e 2005 de
forma isolada e bastante significativa, sobretudo, por referência aos furtos no interior de
estabelecimentos e outros crimes contra o património.
101
2.2 Conteúdos discursivos no Jornal Linhas de Elvas entre 1994 e 2006
Ao nível dos discursos, verificam-se igualmente alguns aspectos de interesse, nomeadamente,
o gradual desaparecimento do discurso da pacatez dos lugares, da raridade perturbadora das
ocorrências criminais e a noção de estagnação social e económica da cidade.
No dia 31 de Dezembro de 1993, o Semanário “LE” fechou o ano numa retrospectiva das
notícias mais marcantes desse ano. Referindo-se à criminalidade e às incivilidades com
preocupação e sentido crítico, transparece da leitura da referida retrospectiva, que a actuação das
autoridades policiais foi durante o ano em foco, inadequada em relação às necessidades e
expectativas do público. A prostituição, tráfico e consumo de droga e a ocorrência de furtos no
interior de viaturas, foram os comportamentos apontados como sendo mais frequentes e opressivos,
notando-se um sentimento generalizado de frustração relativamente ao progresso da cidade, que se
cristalizara nas palavras de abertura da peça, dizendo: “Ao contrário de tudo resto em Elvas, a
criminalidade desenvolve-se”149.
No seguimento daquela tendência, a primeira página da edição de 4 de Fevereiro de 1994 do
“LE”, surgia com o título “Homicídio”, introduzindo a peça da seguinte forma: “A aldeia de Pias no
concelho de Serpa, viveu esta semana uma noite de violência com tentativa de homicídio de uma
mulher. É a agitação do crime que chega à calma planície alentejana”150. Esta notícia, não se
referindo a particularmente a Elvas, tem relevo por chamar a atenção para a atipicidade do crime
relativamente a um meio habitualmente idealizado pela sua pacatez, pouco dado a acontecimentos
violentos. Este discurso invoca ainda um meio social que observa com espanto a ocorrência do
149 “Ó da guarda” in «Linhas de Elvas», ano XLIV, n.º 2229, 31 Dez 1993, p. 17 150 A notícia, desenvolvida na página 16 (a última) e cujo título passa a ser “Tentativa de homicídio em Pias” (e já não “homicídio”), refere que um jovem de 27 anos com perturbações mentais teria atacado com um machado, uma mulher de 34, a qual já vinha assediando sexualmente havia algum tempo, causando-lhe ferimentos graves mas não a matando. No contexto situacional e, tendo em consideração o móbil e as condicionantes particulares do seu agente, o crime em causa não seria mais susceptível de se verificar na planície alentejana do que em qualquer outro sítio, ou seja, as condições do lugar não terão influído no tipo, no método ou no móbil do delito. No caso, a generalização foi uma figura de estilo que anunciou uma mudança que estava efectivamente a acontecer, mas para a qual ainda não existia um
102
crime, como se de um fenómeno importado das grandes cidades se tratasse. Com o tempo e a
alteração das características do meio e, consequentemente, da criminalidade, observar-se-á uma
tendência para a perda do referido discurso, ou melhor, para a invocação das características de
“pequeno meio social e urbano” por referência ao passado.
Apoiando esta afirmação, regista-se que a 11 de Março de 1994, a edição do “LE” abre
novamente com o título “Ó da Guarda” na primeira página. A edição vem repleta de referências à
insegurança: “Decididamente a cidade de Elvas já começa a ser uma grande metrópole europeia”,
introduz o repórter, alegando que essa categoria fora conquistada por tudo quanto se pode encontrar
de negativo em grandes cidades.151.
Neste prisma, uma das notícias mais emblemáticas desta fase da comunicação social de Elvas,
aparece na página nove da edição n.º 2242 de 01 de Abril de 1994. Noticia-se a morte de dois
jovens consumidores de droga elvenses, o que, viria a contribuir para o surgimento de um
movimento social que exigia mais e melhor segurança.
Na primeira página, escreve-se:
“Em menos de duas semanas, a cidade de Elvas foi sacudida pela notícia do falecimento de dois jovens,
vitimados pela droga. Maria de Lurdes Fanico, de 28 anos de idade, e Nuno Gonçalo Ramos, de 23, deixaram-nos numa
altura em que, porventura, ainda tinham o “sonho de viver” bem presente. O “Linhas” conta-lhe como foram as últimas
horas de vida do Nuno Ramos, para que ninguém fique alheio à terrível realidade que nos rodeia”152
O desenvolvimento da notícia identifica, inequivocamente, os dois cidadãos, apresentando
fotografias de ambos, algo que seria difícil de encontrar com tanta precisão num órgão de
comunicação social de dimensão nacional. Este factor de proximidade, dir-se-ia mesmo, de plena
familiaridade com as personagens da notícia, traduz-se numa maior intensidade emotiva junto dos
leitores e cidadãos elvenses. A realidade do consumo e tráfico de drogas, do crime que
exemplo suficientemente bom para se tornar notícia: “Homicídio” in «Linhas de Elvas», ano XLIV, 2233 (por erro de impressão pois o n.º correcto seria 2234), 04 Fev. 1994, pp. 1 e 16. 151 “Ó da guarda” in «Linhas de Elvas», ano XLIV, n.º 2239, 11 Mar 1994, pp. 1 e 11: O pretexto da notícia é uma casa abandonada que serviria de coito de consumidores de drogas, referindo à margem que a Brigada Fiscal da GNR havia,
103
eventualmente lhe possa estar associado e do resultado degradante do consumo tem aqui, um
enfoque dificilmente imaginável em meios de maior dimensão onde a coesão social é mais diluída.
A emergência de agitação social em torno da “insegurança” suscita, quase de imediato, a
reacção política dos responsáveis autárquicos. Na edição de 22 de Abril de 1994, pode ler-se:
“A autarquia elvense está preocupada com a escalada de violência na cidade, associada à problemática da droga.
Em comunicado datado de Segunda-feira, é referido que a edilidade está já a desenvolver esforços em
colaboração com a Polícia de Segurança Pública para dotar Elvas de um Corpo de Guardas-nocturnos, havendo mesmo
contactos nesse sentido com o Governo Civil de Portalegre.
Simultaneamente, a Câmara irá solicitar ao Ministro da Administração Interna o preenchimento integral do
quadro da PSP, pois a secção local da Polícia debate-se com a falta de 10 unidades.
Além disso, a Câmara irá pedir a intervenção urgente da Polícia Judiciária na cidade, “esperando com estas
medidas banir de Elvas o tráfico de droga e restituir-lhe a legalidade própria de qualquer cidade europeia” – conforme
se diz no último parágrafo deste comunicado.”153
No dia 13 de Maio de 1994 o “LE” apresenta a foto de uma viatura incendiada em primeira
página, ilustrando uma notícia reveladora do que aparenta ser um descontrolo social e policial sobre
o comportamento desviante.
“Na madrugada de ontem, quinta-feira, o vandalismo voltou a fazer acto de presença em pleno centro de Elvas.
Cerca das 4 horas, foi ateado fogo a tábuas que se encontravam na Travessa de Gil Sardinha, para servirem de
andaime a uma obra que ali decorre. Como se calcula, os moradores acordaram apavorados com as chamas junto às
janelas dos seus quartos.
Não contentes, os presumíveis autores da “façanha” dirigiram-se à Rua dos Chilões e repetiram idêntica
operação com um automóvel que ali se encontrava estacionado. A viatura, um Citroën Visa propriedade de Manuel
Caldeira Geraldes, ficou no estado que a imagem documenta.
Em Elvas, o vandalismo chega assim à idade do “fogo”...”154
dias antes da reportagem, detido dois traficantes, apreendendo droga. O cenário negativo é complementado com a notícia da possibilidade de saída da Secção da PSP de Elvas 152 “Droga de Vida” in «Linhas de Elvas», ano XLIV, n.º 2242, 01 Abr. 1994, p. 1 153 Esta intervenção política típica, desenvolve-se de forma cuidadosa e em diversas frentes. Nota-se uma intenção clara do município em definir uma posição dinâmica e capaz, em face dos acontecimentos que perturbam a paz pública. A publicitação de um conjunto de intenções e a construção de um discurso de coesão e colaboração em torno do suporte da actividade policial já existente, por um lado, e a tomada de medidas concretas (como a constituição de um corpo de guardas nocturnos) por outro, anuncia a preocupação da edilidade, mas também o seu potencial reactivo e dirigido às ansiedades da população: “Câmara aprovou regulamento de edificações urbanas... e está preocupada com a violência” in «Linhas de Elvas», ano XLIV, n.º 2245, 22 Abr. 1994, p. 2 154 “Vandalismo - A ferro e fogo” In «Linhas de Elvas», n.º 2248, ano XLI, 13 Mai. 1994, p. 1
104
No dia 20 de Maio de 1994, o processo de acumulação de tensões sociais e políticas locais
atinge o seu auge, com a organização de uma manifestação popular. Esta manifestação, veio a ser
seguida por um canal televisivo nacional que, aproveitando a ocasião realizou uma emissão em
directo, na qual, o Presidente da Câmara e populares reivindicaram do poder central o reforço de
meios policiais para fazer face à insegurança, ao crime e ao vandalismo.155
Foi na edição do dia 27 de Maio desse ano que, de forma quase exclusiva se fez uma alusão
profunda aquela manifestação, a qual foi ainda contaminada com polémicas paralelas que,
entretanto, se haviam gerado e que, lentamente, minariam a objectividade da discussão pública
sobre a insegurança,156 passando a servir apenas as iniciativas e os discursos políticos. 157
Curiosamente, na mesma edição o “LE” apresenta na rubrica “Cantinho da memória” um
esboço da insegurança já sentida 19 anos antes, espelhado numa das suas notícias da época.
O próprio jornal, entendeu fornecer aos seus leitores, num artigo de informação pública não
noticiosa, um conjunto de conselhos práticos, pretendendo dar aos leitores ferramentas para detectar
os sinais típicos do consumo de drogas, revelando a linguagem utilizada entre toxicodependentes e
indicando lugares em Elvas conotados com o fenómeno.158
Paradoxalmente, após esta publicação, segue-se um vazio noticioso sobre a insegurança, a
polémica em torno desta matéria é substituída por outros assuntos como, os meios materiais do
Hospital de Elvas (o que também gerou uma manifestação pública, desta feita com 5 mil
manifestantes – mais 3 mil que aquela feita pela segurança), a possibilidade de alienação comercial
do Forte da Graça e a entrada do Sporting Clube Campomaiorense na 1.ª liga de futebol; gerando-
se, após o pico de conturbação e protestos, um silêncio generalizado relativamente à insegurança
urbana.
155 “Elvenses manifestaram-se hoje para pedir segurança: contra o vandalismo marchar, marchar” in «Linhas de Elvas», ano XLIV, n.º 2249, 20 Mai. 1994, pp. 1 e 20. 156 “O ringue” (rubrica satírica intitulada “De boca aberta”), “Reflexão” (Maria José Rijo), “No pasó nada” (Manuel Carvalho); “Eu e as coisas” (João Góis); Caixas com notas da polémica entre o Presidente da Câmara e a Rádio Elvas; “Assim não, senhor Presidente”; “A droga, a insegurança e a televisão” (João Candeias Garrinhas); “Cantinho da memória” in «Linhas de Elvas», ano XLIV, n.º 2250, 27 Mai. 1994, pp. 1, 7, 8, 12, 13, 17 e 22. 157 “CDU e Segurança” in «Linhas de Elvas», ano XLIV, n.º 2251, 3 Jun. 1994, p. 2.
105
Em Dezembro de 1994, o Presidente da Câmara Municipal de Elvas revela em entrevista ao
“LE”, fazendo um balanço do seu mandato, considerar que as manifestações pela segurança (e pela
manutenção do Hospital de Elvas), obtiveram resultados positivos:
“Eu acho que a cidade beneficiou com ambas as concentrações. A população de Elvas é acanhada e até tinha
medo de reclamar aquilo que merecia por direito próprio. Com as manifestações as pessoas começaram a aperceber-se
que podiam gritar e protestar contra aquilo que estava mal. Só por isso já valeu a pena.
Naquilo que diz respeito à segurança na cidade alguma coisa foi melhorada. Há outra preocupação de vigilância.
O programa Guardas – Nocturnos imediatamente foi lançado e eu só tenho que lamentar que o Comandante Distrital da
PSP leve já quase um ano para admitir os guardas-nocturnos. Mas isso é uma resposta que ele terá de dar a alguém
[...]”159
A convicção pessoal do autarca sobre a uma melhoria da segurança urbana, permite-lhe
relembrar a proposta da edilidade para a constituição de um corpo de Guardas-nocturnos, auxiliar e
complementar da actividade de vigilância policial.
As notícias relativas à actividade policial continuariam sem grande destaque nos meses
seguintes, com excepção de algumas referências a casos pontuais. 160
Contudo, a tónica das apresentações jornalísticas incide invariavelmente na quantidade de
queixas apresentadas (dados fornecidos semanalmente pela própria PSP de Elvas), insistindo no
alarme e continuando a denotar ainda, estranheza em face do fenómeno criminal.
Note-se que, no final dos anos 90 do séc. XX, uma grande parte dos crimes e um grande
volume das queixas se prende com a emissão de cheques sem provisão, delito que viria a ser
descriminalizado em 1997, com evidentes benefícios, tanto estatísticos, como operacionais.
Esse mesmo factor fica evidenciado na leitura atenta da edição de 31 de Março de 1995 do
“LE” onde se encontra o título: “PSP (outra vez) com muita actividade”. Reporta-se como
actividade de uma semana o registo de sete acidentes de viação, a recepção de doze queixas, sendo
158 “Como prevenir... Para não ter que remediar” in «Linhas de Elvas», ano XLIV, n.º 2254, 24 Jun. 1994, p. 9 159 Rondão Almeida, Presidente da Câmara Municipal de Elvas, em entrevista a João Fernando, Manuel Carvalho e Rui Cambóias in «Linhas de Elvas», ano XLV, n.º 2280, 30 Dez. 1994, pp. 1, 16, 17 e 18. 160 Apesar de não ter sido noticiada qualquer outra ocorrência em edições anteriores, encontra-se acompanhado de uma foto, este título curioso: “Na madrugada de segunda-feira, muito perto do centro da cidade: mais um automóvel assaltado” in «Linhas de Elvas», ano XLV, n.º 2288, 24 Fev. 1995, pp. 1 e 9.
106
metade delas por cheques sem provisão e ainda, quatro detenções, uma das quais resultante na
aplicação da medida de coacção de prisão preventiva do suspeito (detido em flagrante delito pela
prática roubo e posse de droga).161 Na mesma edição, a cronista Maria Luísa Moreira, faz alusão à
crise de valores sociais e políticos, à desagregação dos núcleos familiares, às “mentiras
governativas” (sic) e ao desemprego, como factores de promoção de insegurança.162
A noção de que a segurança, é uma condição de bem-estar a proporcionar de forma articulada
pelas diversas estruturas de poder, vem bem espelhada numa crónica de Ventura Trindade, editada
em 28 de Abril de 1995, sob o título “Guardas de Parques, Câmara Municipal e PSP”, onde se pode
ler:
“[....] A Câmara Municipal, como primeira e principal responsável pelo bem-estar da população, quer da
residente, quer também dos visitantes nacionais e estrangeiros que passam pela nossa cidade, tem que assumir,
responsável e urgentemente, uma acção concertada com o Comando da PSP e sanear a situação. Até nem será difícil,
nem haverá que recorrer a soluções complicadas ou mesmo originais. Também não serão necessárias manifestações –
comícios com televisão e tudo...; bastará, por exemplo, seguir medidas já tomadas por outras Câmaras Municipais, em
localidades onde, infelizmente, jovens e também, nalguns casos adultos, nas mesmas circunstâncias das que ocorrem em
Elvas, actuavam em parques e zonas de estacionamento [...].”163
O excerto apresentado, revela a opinião de que, o problema dos “arrumadores” de
automóveis, não é uma questão exclusivamente policial, mas uma preocupação de toda
comunidade. Sublinhe-se, aliás, que na óptica do próprio cronista, a actuação policial sobre este
problema, é subsidiária relativamente à responsabilidade e iniciativa da Câmara Municipal.
A edição de 19 de Maio de 1995 anuncia “Furtos aumentaram na nossa cidade mas... as noites
prometem ser mais seguras”164, referindo-se à apresentação, pela Câmara Municipal de Elvas, de
um grupo de nove guardas-nocturnos, cumprindo os intentos anunciados pelo autarca um ano antes.
Na edição seguinte, sob o título “Agressões, Furtos e Acidentes”165, observa-se: “A PSP de Elvas
161 “PSP (outra vez) com muita actividade” in «Linhas de Elvas», ano XLV, n.º 2293, 31 Mar. 1995, p. 28. 162 Idem, p. 5. 163 “Guardas de Parques, Câmara Municipal e PSP” in «Linhas de Elvas», ano XLV, n.º 2297, 28 Abr. 1995, p. 5. 164 “Furtos aumentaram na nossa cidade mas... as noites prometem ser mais seguras” in «Linhas de Elvas», ano XLV, n.º 2300, 19 Mai. 1995, p. 28. 165 “Agressões, Furtos e Acidentes” in «Linhas de Elvas», ano XLV, n.º 2301 de 26 Mai. 1995, p. 32.
107
continua a registar várias ocorrências na nossa cidade. Esperemos que com a entrada em actividade
dos Guardas-nocturnos a situação melhore um pouco.”
Porém, as edições subsequentes do “LE” anunciam um aumento quase contínuo das piores
situações. Títulos como “Nova onda de Assaltos”166, “Continua a maré negra”167, “Acidentes
continuam a aumentar”168 e “Criminalidade continua a aumentar”169, tornam-se comuns, mas
continuam a ser temperados com referências à pacatez do lugar, algo bem patente em 25 de Outubro
de 1996 quando o título “Elvas sacudida por onda de... assaltos, atropelamentos e outros
acidentes”170 é complementado com o seguinte texto:
“Semana Negra
Elvas registou nestes últimos dias um elevadíssimo número de ocorrências policiais, onde sobressaem (pela
negativa, como se compreende), diversos assaltos e tentativas de furto, acidentes de viação e, entre estes últimos, três
atropelamentos.
Uma semana para esquecer, marcada por acontecimentos que ainda se tornam notados quando ocorrem numa
cidade pequena e (relativamente) pacata como a nossa.”
O acompanhamento da actividade policial, passou a fazer parte de uma rotina informativa,
anunciando com frequência aumentos da criminalidade, evidenciando-se os furtos e roubos a
pessoas e em estabelecimentos, a sinistralidade rodoviária e, por vezes, fazendo notícia de capturas
e detenções, porém, num registo que dá uma relevância menor à eficácia policial.
Em 1997, começam a ser noticiados outros tipos de crime. Nota-se um ascendente de
informações relativas a furtos no interior de residências e de estabelecimentos, algo que até então
era residual.
Em 24 de Janeiro de 1997, o “LE” tem na sua 1.ª página o título “Ao Assalto!”:
“No princípio da semana os assaltos voltaram a Elvas. Segunda-feira pela manhã, o alvo foi uma residência do
Rossio do Calvário (que os elvenses conhecem por Bairro das Caixas), donde “voaram” uma câmara de vídeo e diversos
objectos em ouro e prata. Poucas horas depois, na madrugada de terça-feira, os amigos do alheio entraram no semi-
166 “Nova onda de assaltos” in «Linhas de Elvas», ano XLVI, n.º 2320 de 13 Out. 1995, pp. 1 e 20. 167 “Continua a maré negra” in «Linhas de Elvas», ano XLVI, n.º 2321 de 20 Out. 1995, pp. 1 e 20. 168 “Acidentes continuam a aumentar” in «Linhas de Elvas», ano XLVI, n.º 2329 de 15 Dez. 1995, p. 28. 169 “Criminalidade continua a aumentar” in «Linhas de Elvas», ano XLVI, n.º 2338 de 16 Fev. 1996, p. 20.
108
internato de Nossa Senhora da Encarnação, nos Terceiros – por uma janela que a imagem reproduz – e furtaram do
interior do edifício um vídeo e uma elevada quantidade de iogurtes destinados às refeições das crianças. Tudo isto numa
semana em que (conforme contamos na página 20) a PSP de Elvas identificou os autores de diversos outros furtos e
recuperou o produto dos mesmos.171
Algumas edições mais tarde, aparecerão sem chamada de primeira página, os títulos:
“Larápios Identificados”172 e “Mais Larápios Identificados”173, notícias que inauguram uma fase em
que, para cada notícia de um novo furto, aparecerão notícias de identificação de suspeitos,
detenções e apreensões de droga. Surge ainda, durante o ano de 1997, um ciclo de crimes que
culminarão na detenção de um homem que alegadamente seria responsável por várias dezenas de
furtos174.
Após o Verão de 1997, anuncia-se a descida da criminalidade no 3.º trimestre desse mesmo
ano175, seguindo-se várias edições em que pouco muda nos títulos e nos discursos. O
acompanhamento jornalístico da criminalidade é feito semanalmente, anotando todas as flutuações
no volume de queixas-crime, acidentes de viação e alguns casos estranhos ou apelativos.
Na edição de 18 de Setembro de 1998, noticia-se a activação de um Centro de Apoio ao
Toxicodependente (CAT) nas instalações abandonadas do antigo Dispensário Dr. Januário
Carvalheiro no Largo de S. Domingos, em pleno centro histórico da cidade. A notícia da eventual
inauguração é encabeçada pelo título de primeira página “Droga com Dias Contados” tendo por
subtítulo introdutório: “Antigo dispensário ao abandono vai acolher Centro de Atendimento de
Toxicodependentes”176, fazendo transparecer que a existência desta valência social, contribuiria
decisivamente para erradicar o consumo de drogas. No seguimento dessa notícia, a edição n.º 2499
170 João Fernando, “Elvas sacudida por onda de... assaltos, atropelamentos e outros acidentes” in «Linhas de Elvas», ano XLVII, n.º 2373 de 25 Out. 1996, pp. 1 e 11. 171 “Ao assalto!” in «Linhas de Elvas», ano XLVII, n.º 2386 de 24 Jan. 1997, pp. 1 e 20. 172 “Larápios identificados” in «Linhas de Elvas», ano XLVII, n.º 2390 de 21 Fev. 1997, p. 20 (última) 173 “Mais larápios identificados” in «Linhas de Elvas», ano XLVII, n.º 2391 de 28 Fev. 1997, p. 20 (última) 174 “Assaltante detido” in «Linhas de Elvas», n.º 2408, ano XLVII, 27 Jun. 1997, pp. 1, 16 e 17 175 “Criminalidade diminui no último trimestre”, in «Linhas de Elvas», n.º 2423, ano XLVIII, 17 Out. 1997, p. 17 176 “Droga com dias contados” in «Linhas de Elvas», n.º 2470, ano XLIX, 18 Set. 1998, pp. 1, 19
109
de 9 de Abril 1999, viria a anunciar na 1.ª e 9.ª páginas o seguinte: “Cura Demorada:
Toxicodependentes ainda sem apoio”, revelando que o projecto se encontrava, ainda, por executar.
Em 1999, a comunicação social local volta a referir-se a um caso em que apenas a um
delinquente, são imputadas várias dezenas de crimes.177
Em algumas notícias de crime, que anunciam com bastante precisão os métodos utilizados
pelos delinquentes, transparece um contraste entre o planeamento e organização dos furtos e a falta
de preparação das autoridades policiais e do comércio da cidade para enfrentar o crime.
O título “Assalto” que aparece na primeira página da edição de 4 de Fevereiro de 2000 do
“LE” acompanhada com a introdução: “Rendeu cerca de 1900 contos – em material desportivo – o
assalto a um estabelecimento comercial do centro da cidade, na madrugada de quarta – feira”,
continua na página treze com o título “Mais um Assalto – Em pleno centro da cidade”, fazendo um
relato suficientemente completo do método e da capacidade de organização dos assaltantes178
Do teor da notícia ressalta ainda a preocupação do jornalista em evidenciar o facto do furto ter
ocorrido no centro da cidade, referindo-se, desta forma, a uma excessiva ousadia e aparente
descontracção dos autores do ilícito.
Suceder-se-iam notícias de vários outros furtos no interior de estabelecimento com
características idênticas, embora mais rudimentares e aparentemente menos organizados e
lucrativos.
O ano de 2000, viria a trazer mudanças nas competências das forças de segurança. A
distribuição formal de competências de investigação criminal à PSP e GNR, para a maior parte dos
177 O discurso jornalístico denota desconhecimento sobre o funcionamento do sistema judicial, não esclarecendo os aspectos mais complexos das decisões judiciais e dos procedimentos policiais. Refira-se a título de exemplo que, na introdução citada, se confunde o momento do primeiro interrogatório e consequente aplicação de medida de coação, com o julgamento dos factos. Não obstante, este aspecto também poderá ser revelador de um distanciamento entre a comunicação social e as autoridades policiais e judiciárias, capazes de fornecer a informação correcta: “Agarra que é ladrão” in «Linhas de Elvas», n.º 2531, ano L, 29 Nov. 1999, pp. 1, 10 e 11 178 “Assalto” e “Mais um Assalto – em pleno centro da cidade” in «Linhas de Elvas», n.º 2541, ano L, 4 Fev. 2000, pp. 1 e 13
110
crimes previstos no Código Penal e em legislação avulsa, decorrente da entrada em vigor da Lei de
Organização da Investigação Criminal (LOIC).179
O ano de 2001 viria a ser relativamente moderado, no que diz respeito a notícias alarmantes.
Contudo, regressariam algumas referências a assaltos a residências e estabelecimentos comerciais180,
bem como a todo o tipo de comportamentos desviantes lesivos do património e sossego da
população:
“Várias instituições da cidade foram alvo de assalto durante os últimos dias. Para além disso, há ainda um
significativo número de actos de vandalismo a registar, numa altura em que se verificam várias mortes na sequência de
36 acidentes de viação, em todo o distrito.
O concelho de Elvas fica marcado por quatro detenções, duas das quais por posse de droga.”181
Em novembro as agressões a membros das forças de segurança que começavam a ser
noticiadas com maior frequência na comunicação social nacional, surgiram igualmente em Elvas,
ganhando honras de primeira página182 e contribuindo para relançar o debate da insegurança e da
autoridade dos agentes do estado. No mesmo mês, o “LE” regressa às sondagens de rua perguntando
aos cidadãos se consideravam Elvas uma cidade segura.183
Em Agosto de 2002, surge o título: “Guardas-nocturnos em Vias de Extinção?”184, colocando
em perspectiva o silêncio relativo à sua actividade com o seu gradual desaparecimento.185
179 Aprovada pela Lei n.º 21/2000 de 10 de Agosto, alterada pelo Dec. – Lei n.º 305/2002, de 13 de Dezembro. Em boa verdade, muita dessa actividade investigatória já era levada a cabo em momento anterior à aprovação e entrada em vigor da LOIC, porém com contornos distintos, menos estruturados e com uma diminuta coordenação formal entre as diversas autoridades policiais e, entre estas e as competentes autoridades judiciárias. Inevitavelmente, a urgência da operacionalização dos termos da LOIC, causou um choque nas estruturas policiais mais habituadas ao exercício de competências administrativas e de ordem pública, as quais, tiveram um tempo reduzido para se preparar para a recepção de milhares de inquéritos que se encontravam na Polícia Judiciária, juntamente com outros recém abertos, e cuja investigação, já lhes seria delegada pelo Ministério Público. Se por um lado, a forma rápida como todo o processo de transformação da organização da investigação criminal trouxe alguns inconvenientes para os organismos policiais de competência genérica, por outro lado, a maior proximidade das comunidades e o conhecimento dos seus problemas sócio-criminais específicos, garantiu uma eficácia crescente destas polícias no tratamento dos crimes que mais directamente afectam o cidadão comum. “Vestidos para o sub-mundo (Agentes da PSP)” in «Linhas de Elvas», n.º 2554 ano L, 05 Mai. 00, p.7; “Nas teias do crime” in «Linhas de Elvas», n.º 2627, ano LII, 12 Out. 01, pp. 1, 12 e 24 180 “Assalto a dois” in «Linhas de Elvas», n.º 2589, ano LI, 12 Jan. 01, pp. 1 e 13 181 “Assaltos, Vandalismo e Mortes” in «Linhas de Elvas», n.º 2597, ano LI, 09 Mar. 01, pp. 1, 2, 15 e 24 182 “Agentes da polícia agredidos – Na Sequência de uma briga familiar” in «Linhas de Elvas», n.º 2630, ano LII, 02 Nov. 01, pp. 1, 13 183 “Considera Elvas uma cidade segura?” in «Linhas de Elvas», n.º 2632, ano LII, 16 Nov. 01, p. 5 184 “Guardas Nocturnos em vias de extinção?” in «Linhas de Elvas», n.º 2669, ano LII, 2 Ago. 2002, p. 3
111
O ano de 2003, comparativamente aos períodos anteriores, viria a ser pouco pródigo em novas
abordagens jornalísticas ao crime e ao trabalho policial. No dia 3 de Janeiro é noticiado um assalto à
Sé186, numa edição que efectua uma retrospectiva do crime e da actividade policial de 2002.
“Acidentes, Roubos e Alegado Homicídio” é o título apresentado para a rubrica. Uma leitura do
corpo de texto dá-nos a descrição de alguns casos que foram resolvidos pelas autoridades. Este
registo de escrita continua noutra da edição n.º 2692, de 10 de Janeiro com “Acidente e Viatura
Vandalizada” e depois na edição 2693, de 17 de Janeiro com “Incêndios e Furtos”. Na edição de 4
de Abril, é publicada, sob o título “Comandante Distrital da Polícia está Triste”, uma entrevista com
o comandante do Comando de Polícia de Portalegre, na qual o mesmo descreve o seu desalento pela
constante falta de cuidado dos cidadãos, vítimas de acidentes e crimes que poderiam ser facilmente
evitados através da adopção de comportamentos mais cautelosos187, indo ao encontro da noção de
que cada cidadão é o primeiro responsável pela sua própria segurança.
O início do ano de 2004, traz de regresso à comunicação social local, uma Câmara Municipal
e uma Polícia que tentam reaproximar-se e trabalhar em conjunto. A edição de 23 de Janeiro de
2004 do “LE”, noticia as preocupações de ambas autoridades no controlo das incivilidades, iniciadas
com a ocorrência de danos em património municipal.188
Tornando-se notório que Schengen abrira portas, não só para a circulação de pessoas, mas
também para a circulação bens de consumo ilícitos, como as drogas189, facilitando ainda outras
actividades, como a exploração da prostituição190, as autoridades de ambos os lados sentiriam
necessidade de reforçar a vigilância sobre indivíduos nacionais e estrangeiros que faziam uso da
fronteira. Os controlos ocasionais para verificação documental efectuados pelo Serviço de
185 Em 2004 já só restavam dois dos iniciais nove que haviam sido recrutados após tanta polémica, e que foram desaparecendo sem que a opinião pública se apercebesse. 186 “Sé Assaltada - Intrusos procuravam dinheiro” in «Linhas de Elvas», n.º 2691, ano LIII, 03 Jan. 2003, pp. 1 e 24 187 “Comandante Distrital da Polícia está triste” in «Linhas de Elvas», n.º 2704, ano LIII, 4 Abr. 2003, pp. 1 e 14 188 “Vandalismo - A Câmara elvense está indignada com os estragos que são feitos na iluminação das rotundas” in «Linhas de Elvas», n.º 2745, ano LIV, 23 Jan. 2004, pp. 1 e 5 189 “Interceptados em Badajoz: português levava 50 quilos de heroína” in Linhas de Elvas, n.º 2588, ano LI, 05 Jan. 2001, pp. 1 e 2
112
Estrangeiros e Fronteiras, Guarda Nacional Republicana e autoridades espanholas, junto à fronteira
do Caia, sobretudo em períodos de maior afluência como o advento do Campeonato da Europa de
Futebol - Euro 2004, resultaram, muitas vezes, em apreensões de droga e detenções191, indiciando a
possibilidade da passagem desses e outros produtos ilícitos ser comum em quaisquer outras alturas.
A abolição das fronteiras dentro do espaço designado Schengen, e a existência de uma auto-estrada
de ligação entre Lisboa e Madrid que passa junto de Elvas e Badajoz, ligando ambas as cidades,
transformou substancialmente as rotinas da cidade portuguesa. Badajoz assumiu-se como o mercado
mais forte, quer para os bens lícitos como para os ilícitos, passando a ser o local preferencial para
aquisição e consumo de drogas. Concomitantemente, o crime contra o património, relacionado com
a necessidade de satisfação imediata dos dependentes de drogas, tornou-se mais difícil de controlar.
O produto dos furtos ou roubos praticados em Elvas, passou a ser deslocado e transaccionado em
Espanha, sendo rapidamente entregue a receptadores em troca de dinheiro ou drogas. Esta alteração
terá contribuído, directamente, para a mutação das características do crime contra o património em
Elvas.192 A melhoria das vias de comunicação, por outro lado, também facilitou a deslocação de
criminosos que, vindos de centros urbanos maiores (quer de Portugal, quer entre Portugal e
Espanha) e trazidos pelas auto-estradas, procuravam alvos fáceis e rentáveis em locais ainda pouco
prevenidos.193
A 25 de Novembro de 2004, o “LE”, noticia que numa só noite dois estabelecimentos da
cidade foram alvo de furto194 e a edição de 23 de dezembro de 2004, revela que uma Capela da
190 “Portugueses acusados de pertencer a rede de prostituição em Badajoz” in Linhas de Elvas, n.º 2794, ano LV, 30 Dez. 2004, pp. 1 e 2 191 “SEF Apreendeu 7,5 Kg de Cocaína” in «Linhas de Elvas», n.º 2767, ano LIV, 25 Jun. 2004, pp. 1 e 3 192 A aquisição de droga é, por norma, liquidada em dinheiro ou, em alternativa, por troca com objectos valiosos, de pequena dimensão e fáceis de revender. Assim, a procura de vítimas e de alvos que proporcionassem um acesso a dinheiro, jóias e telemóveis ou outros equipamentos valiosos, demonstrou uma tendência de aumento. 193 Acresce ainda o facto de o estabelecimento comercial “El Corte Inglés” de Badajoz, ter passado a disponibilizar um transporte colectivo gratuito entre Elvas e o centro comercial pacence, facilitando ainda mais as deslocações. 194 “Duas Lojas Assaltadas” in «Linhas de Elvas», n.º 2789, ano LV, 25 Nov. 2004, p. 5
113
cidade fora, pela segunda vez, alvo de introdução, danos e furto de moedas e objectos
eucarísticos195.
O ano de 2005 inicia-se com um aumento de notícias sobre os furtos no interior de
estabelecimentos comerciais, cometidos durante a noite com recurso ao arrombamento. A edição de
13 de Janeiro de 2005 do “LE” informa existir uma “vaga de assaltos em Campo Maior”, noticiando
a pratica destes crimes contra uma ourivesaria, a Repartição de Finanças e um quiosque196,
acrescentando que em Elvas, também um estabelecimento comercial fora alvo de furto197.
Em Março de 2005, surge a notícia de que a Câmara Municipal teria intenção de criar uma
polícia municipal como forma de complementar o trabalho da PSP:
“Rondão quer polícia municipal
O presidente da edilidade elvense, Rondão Almeida, pretende criar a Polícia Municipal no concelho de Elvas,
pelo que o executivo camarário ponderou, na reunião de 23 de Fevereiro, elaborar o respectivo regulamento. “Ainda
não foi desta vez que incluímos este corpo no Quadro de Pessoal da Câmara, mas ficou aqui bem clara a ideia e a
necessidade que existe de haver essa força para que, em conjunto com a PSP, possa garantir uma melhor qualidade de
serviço”, referiu.
O autarca não revelou, no entanto, quais seriam as funções dessa Polícia Municipal, uma vez que ainda não está
regulamentada. Contudo, uma coisa é certa: “Não se confunde com aquilo que é o trabalho da PSP. Cada um tem o seu
próprio território de actuação, pelo que estou convencido que as duas forças da autoridade se vão complementar”,
acrescentou.
Quanto ao número de efectivos, Rondão Almeida esclareceu que 15 a 20 agentes seriam “mais do que suficientes
para ajudar os cerca de 80 que a PSP de Elvas tem”. “A ideia é criar um quadro que dê resposta às necessidades, já que
não faz qualquer sentido que a PSP tenha de andar a vigiar as nossas escolas ou os nossos parques de estacionamento”,
sublinhou.[...]”198
Em 24 de Março de 2005 o “LE”, reproduz uma notícia do semanário nacional “Expresso”,
indicando que as taxas de crescimento da criminalidade registada no interior e zonas rurais de
195 “Nossa Senhora de Conceição novamente assaltada – Dinheiro, cálice de prata e relógio de parede roubados” in «Linhas de Elvas», n.º 2793, ano LV, 23 Dez. 2004, p. 40 196 “Vaga de assaltos em Campo Maior” in «Linhas de Elvas», n.º 2796, ano LV, 13 Jan. 2005, pp. 1 e 2 197 “Assalto rende mais de 140 contos” in «Linhas de Elvas», n.º2796, ano LV, 13 Jan.2005, p.3 198 A notícia apresenta um reforço das intenções de melhoria da segurança, transmitindo essa mensagem ao público em período de preparação para a campanha para as eleições autárquicas de 2005: “Rondão quer Polícia Municipal” in «Linhas de Elvas», n.º 2803, ano LV, 3 Mar. 2005, p. 3
114
Portugal entre os anos de 2003 e 2004, haviam ultrapassado as dos grandes centros urbanos199. A
primeira página do jornal apresenta uma fotografia dos danos resultantes de um furto ocorrido num
estabelecimento de comercialização de viaturas em Elvas, cuja notícia surge na página 3.
Apesar do conteúdo neutro da notícia do “Expresso” relativamente ao contexto particular de
Elvas, a apresentação de percentagens de variação da criminalidade e a distinção entre zonas
territoriais e respectivas forças de segurança, invoca a localização interior da cidade no contexto
territorial português, como sendo um factor de risco, evidenciado pela tendência de aumento da
criminalidade nas zonas mais despovoadas por transferência da anteriormente existente nas zonas
urbanas.
O artigo em causa confronta divergências na explicação do fenómeno por parte das duas
forças de segurança responsáveis, mas aponta como pontos consensuais a melhoria das vias de
comunicação, o aumento do consumo e tráfico de drogas nas regiões do interior, sobretudo, nas
regiões fronteiriças que terá tido como consequência o aumento de crimes que habitualmente lhe
estão associados, nomeadamente, alguns crimes contra o património tais como furtos e roubos.
Em Abril de 2005, surge, ao nível dos discursos públicos, uma nova ruptura na tolerância à
criminalidade. A repetição de furtos no interior de estabelecimentos comerciais na cidade de Elvas,
fez ressurgir os protestos públicos, sobretudo, por parte dos agentes económicos mais atingidos. A
edição do dia 7 de Abril de 2005 destaca, na primeira página, o título “Comerciantes preocupados
com número de assaltos – Registaram-se vários roubos recentemente em Elvas”200, ilustrando com
duas fotografias os danos deixados pelos criminosos e as pedras utilizadas nos arrombamentos de
montras e portas de vidro. As páginas 12 e 13 do jornal, densamente ilustradas, revelam e
descrevem a ocorrência de sete furtos no interior de estabelecimentos, de 31 de Março à data da
edição. Num dos casos, a detenção em flagrante delito do autor da introdução e tentativa de furto e
199 Marcelino, V, “Crime aumenta no interior”, Expresso in «Linhas de Elvas», n.º 2806, ano LV, 24 Mar. 2005, pp. 1 e 9 200 “Comerciantes preocupados com número de assaltos” in «Linhas de Elvas», n.º 2808, ano LV, 7 Abr. 2005, pp. 1, 12 e 13
115
sua consequente apresentação ao Ministério Público, viria a resultar na imposição de uma medida
de coacção de apresentações semanais, facto não compreendido pela população, mormente pelas
vítimas do crime.
Na maioria dos delitos reportados, os valores subtraídos são reduzidos relativamente aos
danos causados pelos arrombamentos e introduções.201
Com contornos diferentes, surge incluída na peça jornalística, a referência ao furto ocorrido
numa loja de artigos ópticos que havia aberto recentemente, na qual, a acção criminosa aparentou
ter sido planeada, destacando-se claramente das restantes. Os contornos do relato, indiciam uma
acção de grupo bem coordenada e previamente planeada, utilizando viaturas de fuga e prevendo a
subtracção de uma grande quantidade de material valioso. Aliás, algumas edições mais tarde, viria a
ser anunciada a captura de alguns indivíduos oriundos do leste europeu, pelas autoridades policiais
espanholas em Benidorm, estando na posse de parte do espólio subtraído daquele
estabelecimento.202
Retira-se da leitura dos depoimentos mencionados na notícia, que existe uma crescente
resistência à apresentação de queixa-crime, motivada pela convicção de que tal procedimento não
trará a resolução do problema e contribuirá para engrossar as estatísticas. É feita referência à
actuação das autoridades judiciais, reputadas pela tolerância relativamente ao tratamento dado aos
delinquentes e protesta-se a falta de policiamento nocturno, imputando a esse factor, a criação de
condições propícias à prática do crime.
Na habitual nota da semana, o director do “LE” questiona: “Voltou a Insegurança?”, numa
intervenção que foca o período de insegurança e movimentação social de protesto ocorrido nos anos
90 e já referido anteriormente, prosseguindo com uma análise pessoal do fenómeno criminal em
Elvas, as suas causas e os seus reflexos. Este discurso, reflecte o sentimento difuso de insegurança
201 Uma das vítimas entrevistadas, declara ter contactado a companhia de seguros que lhe terá revelado a existência de 38 reclamações por furto entre os meses de Janeiro e Fevereiro daquele ano. Referindo que a empresa considerava a cidade de Elvas como um local de alto risco. 202 “Óculos recuperados em Benidorm” in «Linhas de Elvas», n.º 2811, ano LV, 28 Abr. 2005, pp. 1 e 3
116
da população de Elvas, confirma a noção de perda de coesão própria dos lugares pequenos e refere
o aumento dos riscos de vitimação criminal, avançando algumas causas para esse fenómeno
opressivo:
“Voltou a Insegurança?
Há uns anos atrás a criminalidade constituía a principal fonte de notícias e de conversa da sociedade elvense.
Quem não se lembra da onda de assaltos, da pequena criminalidade e mesmo dos assassinatos que então ocorreram?
Nessa época – falamos da primeira metade da década de 90 – os principais responsáveis pela insegurança eram os
toxicodependentes, alguns mais agressivos que outros, mas os modus operandi eram semelhantes em quase todos os
casos. A insegurança e a taxa de criminalidade da cidade até chegou a ser comparada pela comunicação social nacional
à registada em bairros como os da Musgueira, de Chelas ou de Cova da Moura, os perigosos guetos da periferia da
capital do País. A situação até gerou um debate televisivo na praça da República. Quem não se lembra desse período
negro da nossa história que coincidiu (poderá ser só uma coincidência) com o início do declínio comercial, e
consequentemente económico, da cidade?
Assistimos, neste momento, a outra onde de assaltos. Uma onda que, a meu ver, não se assemelha à ocorrida
naquela época, simplesmente porque parece ter origem em três tipos de modos de operar. Senão vejamos: o pequeno
assalto, geralmente feito de noite aos comércios pouco protegidos, sem alarmes, às máquinas de café, jogos e
parquímetros, e cujo furto se limita a trocos, parece ter origem no pequeno delinquente, aquele que precisa
urgentemente de dinheiro metálico, palpável, para comprar a droga que lhe alimenta o vício. Por isso não toca em mais
nada. É esse criminoso que é, muitas vezes, apanhado em flagrante, que é presente a Tribunal e que, por ser geralmente
do concelho, as pessoas temem no dia-a-dia pelo seu aspecto normalmente degradante e sujo, o que desmotiva da
denúncia às autoridades policiais.
Depois temos os outros, aqueles que assaltam as vivendas, geralmente de dia, um crime já pensado e estudado
pois não podem correr o risco de ser detectados. Este crime procura, geralmente, dinheiro, ouro, jóias, antiguidades ou
outros objectos de valor, presentes na quase totalidade dos lares. Geralmente é este tipo de crime cometido por cidadãos
de Leste e outros emigrantes ou etnias. Também é o roubo típico dos indivíduos que conhecem os hábitos e as posses
das vítimas.
Por último, temos o crime organizado. É praticado por meliantes astutos, experientes e com conhecimentos
tecnológicos e do mercado negro, onde facilmente colocam os produtos furtados. Geralmente assaltam bancos,
ourivesarias, ópticas ou armazéns e pouco se importam com alarmes, polícias ou outros métodos persuasivos. Este tipo
de crime, de que temos assistido a um aumento gradual em todo o Alentejo, é normalmente perpetuado por gente
violenta e com cadastro. E é este que nos deve preocupar neste momento. A nós, enquanto pacatos cidadãos pagadores
de impostos, coimas e multas, às polícias e também ao sistema judicial, correndo o risco, se não o fizermos, de
transformar o País num igual a tantos outros onde impera o medo e o terror de viver ou simplesmente sair à rua!203
203 “As notas da semana... – Voltou a Insegurança?” in «Linhas de Elvas», n.º 2808, ano LV, 7 Abr. 2005, p. 5
117
Na página 7 da mesma edição, o “LE” relança nos seus inquéritos de rua, questões relativas à
segurança. Motivada pelos depoimentos de comerciante e polícia, recolhidos na reportagem em que
se focavam os furtos no interior de estabelecimentos, lança-se a pergunta: “Depois dos assaltos,
quem deveria ficar a vigiar os estabelecimentos?”, revelando que a convicção da maioria dos
entrevistados era a de que, a Polícia, uma vez detectado o crime, teria obrigação de guardar o
estabelecimento até ao dia e hora de abertura do mesmo.204
A manifestação de indignação relativamente ao procedimento policial que determinava a
devolução da responsabilidade do local ao seu proprietário ou usufrutuário após findas as
diligências de recolha de indícios, revela a expectativa dos cidadãos, relativamente ao serviço de
segurança prestado pelas autoridades policiais. Observa-se que os cidadãos entrevistados, na sua
maioria, presumiam que as autoridades policiais automaticamente assumiriam a responsabilidade
pela segurança do estabelecimento assaltado, quaisquer que fossem as circunstâncias.205
A edição de 14 de Abril de 2005, descreve a continuação dos crimes contra o património
onde, mais uma vez, são os estabelecimentos comerciais, os alvos preferenciais dos delinquentes:
“Assaltos: dia sim... dia sim – Casas comerciais de Elvas continuam a ser alvo dos amigos do
alheio”, lê-se na primeira página. Na página 3, repleta de fotografias dos acontecimentos,
descrevem-se os furtos ocorridos durante a semana decorrida. De um supermercado de dimensões
médias terão sido subtraídos perfumes no valor de 4000 €, após ter sido quebrada uma montra
expositora. Uma série de outros furtos visou a obtenção rápida de dinheiro. Um quiosque foi
assaltado, segundo o proprietário, pela sexta vez; telefones, máquinas de café e de brindes foram
arrombadas no Hospital e no Clube de Ténis durante o funcionamento de cada uma das instituições.
204 “Inquéritos: Depois dos assaltos, quem deveria ficar a vigiar os estabelecimentos?” in «Linhas de Elvas», n.º 2808, ano LV, 7 Abr. 2005, p. 7 e “Comerciantes preocupados com número de assaltos” in «Linhas de Elvas», n.º 2808, ano LV, 7 Abr. 2005, p. 13. 205 Após o contacto com o proprietário do local de comércio e terminadas as diligências de recolha de indícios úteis à investigação, a responsabilidade sobre o local é devolvida ao seu proprietário, a não ser que o mesmo requisite força pública para que aí se mantenha segurança, nesse caso, por forma a não empenhar operacionais em serviço normal de escala, são nomeados elementos que, estando fora de serviço, sejam voluntários para o desempenho de tarefas na sua hora de folga. Essa solução importa custos para o particular requisitante. Assim determina o Despacho Normativo n.º
118
No encerramento da peça jornalística, regista-se o desabafo do proprietário de quiosque e
recolhem-se outras impressões:
“ «É a sexta vez que vêm aqui, a última foi em Janeiro», revelou, ao mesmo tempo que mostrava um saco onde
guarda as várias fechaduras que foi obrigado a trocar.
João Santana frisou também que não tenciona apresentar queixa na PSP. «Fi-lo duas vezes e ao fim de um ano
recebia uma carta do Ministério Público a dizer que o caso tinha sido arquivado contra desconhecidos. Nunca foi
apanhado ninguém. Participo o furto mas não apresento queixa», afiançou.
Face a esta «onda terrível» de assaltos, «se a justiça não actuar» e «se tiver pistas correctas», João Santana não
descarta a hipótese «de ir à procura deles para verem que os comerciantes não estão intimidados». ”206
As declarações do proprietário do quiosque ilustram saturação e falta de confiança nos
sistemas de controlo e penalização, porém, demonstram também que as soluções de autoprotecção
encontradas, se traduziam por meras repetições dos elementos de protecção que já existiam antes.
Na edição de 21 de Abril de 2005 do “LE”, o crime sai da primeira página para ocupar a
segunda e terceira com o título “Assaltos diminuíram em Elvas... mas aumentaram na região”,
descrevendo-se uma eventual transferência da atenção de alguns dos criminosos que actuariam na
região, que não terá sido suficiente para evitar outro furto no interior de estabelecimento durante a
madrugada e com recurso a arrombamento207. Já em 28 de Abril, dia para o qual fora convocada
uma reunião do Conselho Municipal de Segurança, noticia-se apenas um assalto frustrado pelo
accionamento de um alarme.208
Nessa mesma edição, o cronista Ventura Trindade, dedica a sua coluna à insegurança:
“(...) vamos falar dos problemas concretos da intranquilidade na cidade quanto à falta de segurança dos últimos
tempos. É certo que o “cancro” da insegurança é um mal, infelizmente generalizado em todo o País; a nossa
proximidade a Badajoz, pode “facilitar” a actividade dos meliantes / malfeitores o que mais complica a acção da Polícia
na nossa cidade, apesar da colaboração, ao que dizem exemplar, da Guarda Civil.
(…) não podemos concordar com o Senhor Comissário / Comandante quando, recentemente, sugeriu que os
cidadãos se acautelassem com grades nas janelas, portas e montras.
218/82, de 12 de Outubro, dos Ministérios da Qualidade de Vida, da Administração Interna e da Cultura e Coordenação Científica, publicado no Diário da República, n.º 236, Série I de 12 de Outubro de 1982. 206 “Assaltos: dia sim... dia sim” in «Linhas de Elvas», n.º 2809, ano LV, 14 Abr. 2005, p. 1 e 3 207 “Assaltos diminuíram em Elvas... e aumentaram na região” in «Linhas de Elvas», n.º 2810, ano LV, 21 Abr. 2005, pp. 2 e 3 208 “Alarme afasta intruso” in «Linhas de Elvas», n.º 2811, ano LV, 28 Abr. 2005, p. 3
119
A seguir o seu conselho a Câmara Municipal teria que alterar a sua candidatura a Património Mundial e passar a
candidatura para cidade de gradeamento. É evidente que não vamos chegar ao que seria um exagero.
O que temos todos direito de exigir, em contrapartida dos impostos que pagamos, é que o Estado, pelo Governo,
passe a dotar de mais meios humanos e de equipamentos modernos a P.S.P. e a G.N.R. em todo o País para que melhor
possam cumprir as suas obrigações, nomeadamente a prevenção e repressão da criminalidade. (…)”209
A noção de obrigações do Estado perante o cidadão, também se encontra vincada no texto; o
discurso relativo à dicotomia cidadão pagador de impostos / titular de direitos, demonstra essa
mesma convicção.
No dia 05 de Maio de 2005, o “LE” publica a sua reportagem sobre o Conselho Municipal de
Segurança, reunido no dia 28 de Abril desse ano, no auge da publicidade à criminalidade,
promovida pela comunicação social da cidade.
A notícia sobre esta reunião frisa o tempo decorrido após a primeira e única assembleia do
mesmo género mantida até então, a qual fora também a sessão inaugural. O reflexo noticioso da
reunião do conselho lançou, através do seu órgão directos, o Presidente da Câmara, como principais
justificações para a criminalidade, as características especiais de localização de Elvas, as mudanças
nos paradigmas da criminalidade, a deficiente acção de reinserção e a falta de recursos das forças de
segurança.
Quanto ao período de inactividade do Conselho Municipal de Segurança escreve-se:
“Conselho reactivado
O Conselho Municipal de Segurança, criado por uma lei210 aprovada no Executivo de António Guterres, esteve
bastante tempo sem reunir211 porque a “própria filosofia do poder central era não dar resposta àquilo que eram as
preocupações que estão inseridas nas competências do poder municipal”, justifica Rondão Almeida. No governo de
Durão Barroso, defende, “houve uma inversão total naquilo que foi a política de prevenção em relação ao crime. Não
valia a pena o conselho estar a funcionar quando, para se poupar dinheiro, acabou por se eliminar tudo o que eram
projectos de integração da pessoas na própria sociedade”, afirma, lembrando a desactivação do posto da PSP, das
assistentes sociais e dos professores do ensino básico no bairro das Pias.
209 “(in) Segurança na cidade / Polícia Municipal” in «Linhas de Elvas», n.º 2811, ano LV, 28 Abr. 2005, p. 11 210 Lei 33/98, de 18 de Julho 211 O art.º 7.º da Lei 33/98, de 18 de Julho, indica que a periodicidade das reuniões é trimestral, mediante convocação do presidente da câmara municipal.
120
O autarca refere também que o retomar das presentes reuniões não se deve à vaga de assaltos que se têm
verificado em Elvas. “ Com a mudança de políticas, olha-mos novamente para a questão social e há novamente
orientações a nível nacional no sentido de voltarmos a dinamizar estes Conselhos de segurança”, declara.”212
A edição imediatamente seguinte a primeira página do “LE” viria a apresentar o título
“Roubaram-lhe TUDO!”213 contando a história de um distribuidor de mercadorias que, tendo
parado no Bairro das Pias foi rodeado pelos moradores e despojado de todo o material. Na sua
intervenção, a polícia viria a recuperar parte dos bens. Anuncia-se a continuação dos furtos, um
assalto à mão armada numa bomba de gasolina no limite urbano da cidade do qual veio a resultar
uma detenção efectuada pela Guardia Civil em território espanhol214 e confirma-se por comunicado
do Cuerpo Nacional de Policia a apreensão de 120 pares de óculos proveniente de um assalto a uma
loja de artigos óptico de Elvas e a detenção de dois cidadãos romenos, suspeitos da prática desse
crime.215
Nas edições seguintes, o registo mantém-se, continuando as informações de furtos no interior
de estabelecimentos e viaturas, acompanhados por algumas detenções216 e notícias de operações
policiais217.
No dia 4 de Agosto de 2005 é noticiada a detenção em flagrante delito de dois jovens que se
encontravam no interior de um restaurante, após terem arrombado a porta e já estando na posse de
todo o dinheiro que se encontrava no interior da máquina de venda de tabaco. A polícia suspeitou
que os mesmos jovens terão praticado outros furtos na mesma noite.218 A partir destas detenções,
que aparentariam ser pouco significantes, a chamada “onda de assaltos” foi suprimida e o discurso
212 “(in) Segurança em debate” in «Linhas de Elvas», n.º 2812, ano LV, 5 Mai. 2005, p. 13 (n.: Até à conclusão do presente trabalho, o conselho municipal de segurança não voltaria a ser convocado). 213 “Roubaram-lhe TUDO!” in «Linhas de Elvas», n.º 2813, ano LV, 12 Mai. 2005, pp. 1 e 2 214 “Bombas assaltadas” in «Linhas de Elvas», n.º 2813, ano LV, 12 Mai. 2005, p. 3 215 “De Benidorm para Elvas” in «Linhas de Elvas», n.º 2813, ano LV, 12 Mai. 2005, p. 2 216 “Quatro detidos por furto e droga” in «Linhas de Elvas», n.º 2817, ano LV, 9 Jun. 2005, p. 3 217 “Operação Defesa culmina com a detenção de duas pessoas e apreensão de diverso material” in «Linhas de Elvas», n.º 2819, ano LV, 23 Jun. 2005, p. 15 218 “Dois detidos em flagrante” in «Linhas de Elvas», n.º 2825, ano LV, 4 Ago. 2005, p. 3
121
da comunicação social passou a referir mais detenções e operações policiais219, passando as notícias
de furtos a ser mais ocasionais e menos alarmantes.
A campanha para as eleições autárquicas (de 9 de Outubro de 2005) passou a dominar a
imprensa local.
Em Dezembro de 2005, tanto a PSP220 como a GNR221 fizeram balanços de recuperação em
face da criminalidade registada, lançando novamente algumas justificações para a alteração da
criminalidade, apresentando dados estatísticos que reflectiam a actividade operacional e prestando
alguns conselhos à população.
No mesmo mês anuncia-se pela primeira vez o risco da Maternidade de Elvas ser
desactivada222, repete-se o anúncio já anterior e recorrentemente feito da saída da PSP de Elvas para
ser substituída pela GNR223 e retoma-se o assunto do encerramento do Regimento de Infantaria
n.º8224 sendo estas situações vistas com preocupação pela edilidade e pela população225, pela
desqualificação que tais alterações implicariam.
A eleição destes novos problemas na comunidade local sublimaria a problemática da
insegurança. O crime contra os estabelecimentos voltaria a fazer parte das notícias226, porém, a
importância deste fenómeno na comunicação social, viria a relativizar-se.
No início da retrospectiva noticiosa do ano de 2005, o “LE” relembra como se de um passado
longínquo se tratasse: “Onda de assaltos atingiu comércio”.227
219 “PSP e GNR detêm vários indivíduos na região” in «Linhas de Elvas», n.º 2826, ano LV, 11 Ago. 2005, p. 2 220 “Crimes desceram em Elvas desde o início do ano” e “Conselhos aos comerciantes neste Natal” in «Linhas de Elvas», n.º 2842, ano LVI, 2 Dez. 2005, p. 2 221 “Criminalidade no distrito em baixa” in «Linhas de Elvas», n.º 2842, ano LVI, 2 Dez. 2005, p. 9 222 “Maternidade poderá estar em risco” in «Linhas de Elvas», n.º 2843, ano LVI, 9 Dez. 2005, p. 28 223 “PSP pode sair de Elvas” in «Linhas de Elvas», n.º 2845, ano LVI, 22 Dez. 2005, pp. 1 e 5 224 “Exército quer mesmo encerrar RI8” in «Linhas de Elvas», n.º 2846, ano LVI, 29 Dez. 2005, pp. 1 e 13 225 “A preocupação mais grave tem a ver com os militares” in «Linhas de Elvas», n.º 2846, ano LVI, 29 Dez. 2005, p. 3 226 “Assaltos na cidade” in «Linhas de Elvas», n.º 2849, ano LVI, 19 Jan. 2006, p. 2 227 “Onda de assaltos atingiu comércio” in «Linhas de Elvas», n.º 2847, ano LVI, 5 Jan. 2006, p. 9
122
CCAAPPÍÍTTUULLOO 33
Perspectivas dos comerciantes de Elvas: Análise dos resultados da aplicação do
inquérito
3.1 Caracterização Sócio-Demográfica da amostra
Os indivíduos que responderam ao inquérito, cujos resultados apresentaremos de seguida são
lojistas e comerciantes do comércio tradicional da cidade fronteiriça de Elvas. Este grupo foi
especialmente escolhido como alvo da aplicação do inquérito, por representar uma faixa da
população perfeitamente delimitável cuja actividade fora, durante o ano de 2005, especialmente
atingida pelo crime contra o património, havendo disso, reflexos intensos ao nível dos discursos da
comunicação social.
A amostra (n=237) em análise é constituída por indivíduos de ambos os sexos, pertencendo
44,5% ao sexo masculino e 55,5% ao sexo feminino.
Gráfico n.º 9 – Género dos Inquiridos
45%
55%
Masculino Feminino
Fonte: Inquérito aos comerciantes de Elvas
Relativamente aos grupos etários, os indivíduos estão distribuídos entre os 18 anos e os 78
anos de idade, existindo entre estes dois extremos e como seria de esperar, uma grande variedade de
123
casos. Revelou-se pertinente formar escalões etários de forma a diminuir as discrepâncias, optando-
se por formar quatro distinções etárias (menos de 30 anos, 30 a 49 anos; 50 a 69 anos e mais de 69
anos).
Atendendo ao gráfico 10, poderemos constatar que a maioria dos membros da amostra têm
idades compreendidas entre os 30 e os 49 anos (49,6%), seguindo-se os que têm idades
compreendidas entre os 50 e os 69 anos (28,2%). Os comerciantes mais jovens, com menos de 30
anos de idade representam 18,4% desta amostra; os restantes 3,8% pertencentes a esta amostra têm
mais de 69 anos de idade. A média das idades, na amostra, situa-se aproximadamente nos 43
anos.228
Gráfico 10 – Idade dos Inquiridos
3,8
28,2
49,6
18,4
0
10
20
30
40
50
60
Menos de 30 anos Dos 30 aos 49 anos Dos 50 aos 69 anos Mais de 69 anos
Fonte: Inquérito aos comerciantes de Elvas
Os grupos etários, quando analisados á luz da variável “género” (quadro 10), revelam que são
os indivíduos do sexo feminino, aqueles que pertencem aos escalões mais jovens, sendo que 83,2%
têm idades compreendidas entre os 18 e os 49 anos. Os membros do sexo masculino nos escalões
etários mencionados, situam-se na percentagem dos 48,6%, estando 51,5% destes, acima dos 50
anos de idade, contrapondo-se a apenas 16,8% de mulheres com mais de 50 anos.
228 Anexo 4: Caracterização sócio-demográfica da amostra, quadro 4, p. 17.
124
Quadro 10 – Escalões Etários segundo o Género
11 10,7% 32 24,4%
39 37,9% 77 58,8%
46 44,7% 20 15,3%
7 6,8% 2 1,5%
103 100,0% 131 100,0%
Menos de 30 anos
Dos 30 aos 49 anos
Dos 50 aos 69 anos
Mais de 69 anos
Total
Escalões
Etários
N Column %
Masculino
N Column %
Feminino
Sexo do Inquirido
Relativamente às habilitações literárias, entendeu-se agregar os vários escalões definidos
primeiramente. Assim, foram agrupados todos os indivíduos que não têm quaisquer habilitações
literárias (apenas um caso) com aqueles que sabem ler e escrever (7 casos) e os que possuem o 1.º
ciclo (43 casos); no segundo agrupamento encontramos os indivíduos possuidores do 2.º e 3.º
ciclos; a terceira agregação compreende indivíduos possuidores de instrução secundária ou curso
profissional equivalente e, por fim, encontramos de forma isolada aqueles que possuem formação
superior (quadro 11). 229
Quadro 11 – Habilitações Literárias
Habilitações Literárias Número Percentagem
Sem habilitações até ao 1.º ciclo (4.ª classe) 51 21,5
2º Ciclo (6º ano) e 3º Ciclo (9º ano) 86 36,3
Ensino Secundário (10º - 12º ano) e Curso Profissional 84 35,5
Curso Superior 14 5,9
Não Respondeu 2 0,8
Total 237 100,0
Estamos, assim, em presença de uma amostra em que os indivíduos se situam
predominantemente numa faixa que inclui os possuidores do 2.º e 3.º ciclo (36,3%) e os detentores
do ensino secundário e profissional, com 35,5% (num conjunto agregado de 71,8% da população
inquirida). Verifica-se ainda que os indivíduos com escolaridade até ao 1.º ciclo representam 21,5%
e que a percentagem mais escolarizada, com um curso superior, não vai além dos 5,9 %. Houve
ainda dois indivíduos que não responderam a esta questão.
229 Anexo 4: Caracterização sócio-demográfica da amostra, quadro 2 e 3, p. 17.
125
Analisando esta mesma questão mas segundo o género, verificamos pela análise do quadro 12
que são os indivíduos do sexo feminino os detentores de maiores habilitações, não só ao nível do
ensino superior (8,4% contra 2,9% dos homens) como também no secundário e profissional (37,4%
contra 33,3 % dos homens) e do 2º e 3ºCiclos (38,9% contra 33,3 % dos homens).
Quadro 12 – Habilitações literárias segundo o género
Género
Masculino Feminino
N Column % N Column % Sem habilitações até ao 1.º ciclo (4.ª classe) 31 29,6 20 15,3 2º Ciclo (6º ano) e 3º Ciclo (9º ano) 35 33,3 51 38,9 Ensino Secundário (10º - 12º ano) e Curso Profissional 35 33,3 49 37,4 Curso Superior 3 2,9 11 8,4 NS/NR 1 1 0 0
Habilitações Literárias
Total 105 100,0 131 100,0
Todavia, importa reter que, discriminados, todos os indicadores, verifica-se que o peso dos
cursos de formação profissional entre a formação das mulheres é inferior ao dos homens (1,5% para
5,7%). Os indivíduos do sexo masculino distribuem-se predominantemente entre o 2º Ciclo (33,3%)
e o ensino secundário e profissional (33,3%).230
3.2 Caracterização da Actividade Comercial de Elvas
3.2.1 Localização dos Estabelecimentos Comerciais
A análise ao comércio de Elvas foi realizada dividindo a cidade em treze zonas (gráfico 11).
Pretendeu-se inicialmente dividir os bairros da cidade, porém, por uma questão de continuidade
geográfica, semelhança e pouca representatividade quando analisados de forma isolada, optou-se
por agregar os Bairros de St.ª Luzia e S. Pedro. Outros bairros com representatividade igualmente
reduzida, não foram agregados pelo claro destaque geográfico que possuem.
230 Anexo 4: Caracterização sócio-demográfica da amostra, quadro 7, p. 19.
126
Gráfico 11 – Zona do Estabelecimento Comercial
8,9
0,4
1,3
1,7
1,7
2,5
2,1
1,3
3,4
2,1
2,1
6,3
66,2
0 10 20 30 40 50 60 70
Centro Histórico
Cidade Jardim
Jardim Municipal
Estrada Nacional nº 4
Belhó
Revoltilho
Bairro Europa
Raposeira
Bairro Rui de Melo
Bairro da Fonte Nova
Bairros de Sta. Luzia e S. Pedro
Bairro de Sto. Onofre
Bairro da Boa Fé
Fonte: Inquérito aos comerciantes de Elvas
Assim, a zona com maior número de inquéritos aplicados foi o Centro Histórico com 66,2%,
acompanhando de forma equilibrada a representatividade desta zona, relativamente às restantes.
Seguiu-se a Cidade Jardim (8,9%), Bairro da Boa Fé (6,3%) e com apenas 3,4% o Bairro da Fonte
Nova. As restantes localidades têm valores muito baixos em termos de representatividade.
3.2.2 Ramo da Actividade Comercial
Elvas tem uma actividade comercial diversificada como se constata pela análise do quadro 13,
tendo o maior destaque no ramo da restauração e bebidas (29,1%), seguindo-se o ramo das modas e
confecções (12,2%) e mercearia (9,3%). Os restantes ramos de actividade não têm valores muito
significativos.
Para além destas actividades, que no inquérito estavam pré-codificadas, deixou-se uma
questão em aberto para a identificação de outras actividades que aí não se enquadrassem. Assim,
127
houve 77 indivíduos que referiram outras actividades, as quais se encontram desagregadas e
totalmente descriminadas em anexo.231
Quadro 13 – Ramo da Actividade Comercial
Ramo da Actividade Comercial Número Percentagem
Restauração e bebidas 69 29,1
Modas e confecções 29 12,2
Mercearia 22 9,3
Papelaria 10 4,2
Informática e electrónica 5 2,1
Sapataria 5 2,1
Artigos ópticos 4 1,7
Electrodomésticos 4 1,7
Farmácia 3 1,3
Comunicações 2 0,8
Fotografia 2 0,8
Joalharia 2 0,8
Brinquedos 1 0,4
Livraria 1 0,4
Tabacaria e revistas 1 0,4
Outro 77 32,5
Total 237 100,0
3.2.3 Tempo de Actividade
A maioria dos comerciantes inquiridos (31,2%) refere que os seus estabelecimentos (por
referência ao momento da aplicação do inquérito), estão abertos há menos de 5 anos. A estes
seguem-se aqueles que dizem terem iniciado as suas actividades num período anterior ao inquérito
que se compreende entre os 5 e os 9 anos (28,3%). Com 21,1% encontramos os que têm as suas
actividades há mais de 20 anos e com 19% os que têm há mais de 10 e menos de 19 anos (gráfico
12).
231 Anexo 4: Caracterização sócio-demográfica da amostra, quadro 10, p. 21.
128
Gráfico 12 – Tempo da Actividade Comercial
0,421,1
19
28,3
31,2
Menos de 5 anos 5 a 9 anos 10 a 19 anos 20 anos ou mais NS/NR
Fonte: Inquérito aos comerciantes de Elvas
3.3 Percepção sobre os principais problemas dos comerciantes de Elvas
Pretendendo apreender de que forma os comerciantes de Elvas priorizavam os problemas que,
mais particularmente, os preocupavam, solicitou-se que os mesmos elencassem os três mais
significativos de entre uma lista de situações de natureza variada, nomeadamente, relacionadas com
as infra-estruturas urbanas, economia e mercado e, obviamente, com a segurança.232 Tentava-se
assim, perceber a posição da «segurança» no quadro de preocupações dos membros da amostra.
Os três principais problemas identificados pelos comerciantes de Elvas são essencialmente e
por ordem de importância, a “Falta de poder de compra dos clientes” (91,1%), “O IVA demasiado
alto” (83,5%) e a “Concorrência espanhola” (51,9%). A preocupação com “A falta de segurança”
surge como a quarta razão apontada pelos comerciantes, apenas referida em 19% dos casos, ou seja,
80,6% dos inquiridos não aponta a falta de segurança como um dos problemas prioritários do
comércio de Elvas, quando observado em face de outros.
O problema menos invocado pelos comerciantes recai sobre os vendedores ambulantes,
invocado por apenas 10,5% dos inquiridos (quadro 14).
232 Manteve-se ainda a possibilidade dos inquiridos acrescentarem ao elenco uma resposta não prevista. V. Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 2, p. 25.
129
Quadro 14 – Percepções sobre os maiores problemas do Comércio de Elvas
Opinião Problemas do Comércio de Elvas
Sim Não NR Total
Falta de poder de compra dos clientes 216
91,1% 20
8,4% 1
0,4% 237
100%
O IVA demasiado alto 198
83,5% 38
16,0% 1
0,4% 237
100%
A concorrência espanhola 123
51,9% 113
47,7% 1
0,4% 237
100%
A falta de segurança 45
19,0% 191
80,6% 1
0,4% 237
100%
Os vendedores ambulantes 25
10,5% 211
89,0% 1
0,4% 237
100%
As más acessibilidades (cargas e descargas) 41
17,3% 195
82,3% 1
0,4% 237
100%
Os licenciamentos e a fiscalização 33
13,9% 203
85,7% 1
0,4% 237
100%
Esta questão revela-se particularmente interessante quando comparada com outros estudos
feitos em Portugal.
No âmbito do inquérito de vitimação de 1994233, foi revelado que a população portuguesa
considerava como problema mais grave o da droga, com uma percentagem de 42%, seguindo-se o
desemprego com 28% e depois a criminalidade com 12%.
Num outro estudo publicado em 1999 e executado na cidade de Lisboa,234 foi pedido aos
inquiridos que indicassem os três principais problemas da sociedade portuguesa no momento da
entrevista. O problema considerado mais importante foi novamente o da droga com 29,5% das
respostas, seguindo-se o do desemprego com 27,9% das opiniões, e em terceiro lugar, com uma
diferença significativa, a criminalidade com 6,7%, resultados semelhantes aos obtidos no inquérito
de vitimação de 1994.
Em 2004, foram apresentados os resultados de um estudo semelhante, desta feita, levado a
cabo na ilha de S. Miguel235. Neste exemplo, questionaram-se os entrevistados sobre qual era o
principal problema da sociedade portuguesa, deixando a resposta à sua espontaneidade. Os
resultados, apesar de muito variados, incidiram sobretudo na problemática da droga (28%),
233 Inquérito de Vitimação de 1994 do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça, citado por Eduardo V. Ferreira (1998) pp. 11 a 13. 234 Esteves, A. (1999) p. 47
130
seguindo-se os políticos (5%), surgindo a criminalidade novamente em terceiro lugar com 4%, ex
equo com o desemprego, a falta de dinheiro e a falta de civismo.
Dos três estudos referidos, destacam-se duas preocupações não sujeitas a variação, apesar da
diferença entre os universos e o período de quase 10 anos que mediou entre o primeiro e o último
estudo.
A droga é apontada como primeira preocupação em todos aqueles, precedendo a
criminalidade, colocada em terceiro lugar na classificação. Ambas as problemáticas parecem ser
transversais, mas perfeitamente distintas uma da outra. Por outro lado, surge à evidência uma gama
de problemas de cariz social que encabeçam as principais preocupações dos cidadãos,
nomeadamente, o desemprego, a credibilidade da classe dirigente, a falta de recursos económicos, e
até, no caso de S. Miguel, a falta de civismo, factor indiciador de uma consciência de perda de
valores na relação entre pares.
Sendo o estudo de Elvas de cariz diferente, não faria sentido colocar a problemática da droga
como um dos itens do elenco destinado à selecção dos inquiridos, até porque, pretendendo-se
perceber onde estava a insegurança na escala dos problemas, não de todos os cidadãos, mas apenas
dos cidadãos comerciantes, tal problemática situar-se-ia sempre subsumida na da percepção geral da
insegurança.
Porém, destaca-se aqui o reduzido destaque dado pelos inquiridos às matérias relacionadas
com a criminalidade, quando perspectivadas em conjunto com problemas de natureza diferente,
sobretudo aqueles que mais facilmente interferem com a sua sobrevivência, no caso com a
continuidade da actividade.
No caso, procurou fazer-se um elenco daqueles que poderiam ser os problemas do comércio e
dos comerciantes, fazendo incluir na lista a “falta de segurança” entre problemas de outras
categorias.
235 Peixoto, A. (2004) p.79
131
Quadro 15 – Percepção dos maiores problemas do comércio de Elvas segundo o género
91 86,7% 124 94,7%
14 13,3% 6 4,6%
0 ,0% 1 ,8%
105 100,0% 131 100,0%
86 81,9% 111 84,7%
19 18,1% 19 14,5%
0 ,0% 1 ,8%
105 100,0% 131 100,0%
53 50,5% 70 53,4%
52 49,5% 60 45,8%
0 ,0% 1 ,8%
105 100,0% 131 100,0%
20 19,0% 24 18,3%
85 81,0% 106 80,9%
0 ,0% 1 ,8%
105 100,0% 131 100,0%
14 13,3% 11 8,4%
91 86,7% 119 90,8%
0 ,0% 1 ,8%
105 100,0% 131 100,0%
20 19,0% 21 16,0%
85 81,0% 109 83,2%
0 ,0% 1 ,8%
105 100,0% 131 100,0%
15 14,3% 18 13,7%
90 85,7% 112 85,5%
0 ,0% 1 ,8%
105 100,0% 131 100,0%
Maior problema do comércio de Elvas
Sim
Não
NS/NR
Total
Falta de poder de compra dos clientes
Sim
Não
NS/NR
Total
O IVA demasiado alto
Sim
Não
NS/NR
Total
A concorrência espanhola
Sim
Não
NS/NR
Total
A falta de segurança
Sim
Não
NS/NR
Total
Os vendedores ambulantes
Sim
Não
NS/NR
Total
As más acessibilidades (cargas e descargas)
Sim
Não
NS/NR
Total
Os licenciamentos e a fiscalização
N Column %
Masculino
N Column %
Feminino
Sexo do Inquirido
A escala dos problemas identificados no comércio de Elvas quando observados através do
cruzamento com a variável independente “género” (quadro 15), revelam diferenças muito ligeiras e
pouco significativas. Para ambos os sexos o maior problema do comércio de Elvas passa pela falta
de poder de compra dos clientes. O sexo feminino identifica ainda, numa percentagem ligeiramente
maior em comparação com o sexo masculino, o «IVA demasiado alto» e a «concorrência
espanhola». Já o sexo masculino, inclina-se numa percentagem ligeiramente maior para as questões
relacionadas com «os vendedores ambulantes», «as más acessibilidades» e «os licenciamentos e a
fiscalização».
Contudo, e como já expresso, as diferenças são insignificantes, podendo-se concluir que os
três grandes problemas são, efectivamente e para a generalidade dos inquiridos, de natureza
económica.
132
3.4 Vitimação e Revitimação
A grande maioria (70%) dos comerciantes inquiridos não foi vítima de furto, porém a amostra
revelou uma incidência bastante alta de vitimação. 29,5% dos inquiridos indicou que os seus
estabelecimentos já haviam sido alvo de assalto (quadro 16).
Quadro 16 – Estabelecimento alvo de furto
Estabelecimento Alvo de Furto Número Percentagem
Sim 70 29,5
Não 166 70,0
NS 1 0,4
Total 237 100,0
Analisando os estabelecimentos comerciais que foram alvo de assalto (quadro 17)
constatamos que, a maior incidência de assaltos foi revelada no Centro Histórico de Elvas (67,1%),
seguindo-se o Bairro da Boa Fé (12,9%) e Belhó (4,3%). Os estabelecimentos comerciais nas zonas
do Jardim Municipal, do Revoltilho e do Bairro Rui de Melo não sofreram assaltos.
Estes resultados explicam-se facilmente pelo elevado volume de estabelecimentos comerciais
existentes no centro histórico que foram seleccionados para a amostra (157) em relação a todo o
resto da cidade (80), reflectindo o universo correspondente.
Aos que já foram vítimas de furto (70 comerciantes), foi questionada a quantidade de vezes
que tinham sido vítimas de assaltado (quadro 18). A análise das respostas indica que em 2006, antes
de Julho (mês de aplicação do inquérito) 8,8% dos inquiridos já havia sido vitimado, pelo menos,
uma vez. Cinco (5) dos vinte e um (21) casos de vitimação auto-revelada são referem uma repetição
da vitimação e existe mesmo um caso em que o inquirido revelou ter sido assaltado três vezes.
133
Quadro 17 – Zona de maior incidência de assaltos
47 67,1% 110 66,3% 0 ,0% 157
2 2,9% 18 10,8% 1 100,0% 21
0 ,0% 1 ,6% 0 ,0% 1
1 1,4% 2 1,2% 0 ,0% 3
3 4,3% 1 ,6% 0 ,0% 4
0 ,0% 4 2,4% 0 ,0% 4
1 1,4% 5 3,0% 0 ,0% 6
1 1,4% 4 2,4% 0 ,0% 5
0 ,0% 3 1,8% 0 ,0% 3
2 2,9% 6 3,6% 0 ,0% 8
2 2,9% 3 1,8% 0 ,0% 5
2 2,9% 3 1,8% 0 ,0% 5
9 12,9% 6 3,6% 0 ,0% 15
70 100,0% 166 100,0% 1 100,0% 237
Zona do estabelecimento
Centro Histórico
Cidade Jardim
Jardim Municipal
Estrada Nacional nº 4
Belhó
Revoltilho
Bairro Europa
Raposeira
Bairro Rui de Melo
Bairro da Fonte Nova
Bairros de Sta. Luzia e S. Pedro
Bairro de Sto. Onofre
Bairro da Boa Fé
Total
N Column %
Sim
N Column %
Não
N Column %
NS/NR
N
Total
Estabelecimento alvo de furto com escalamento, arrombamento ou chave
falsa fora da hora de funcionamento
Nos cinco anos anteriores (período de 2000 a 2005), 19% dos inquiridos indicou ter sido
vítima de assalto, pelo menos uma vez. Os casos de uma revitimação representam 5,9% (14
eventos) e de duas revitimações (três assaltos) representam 1,3% ou três casos.
Antes do ano de 2000, 10,5% dos inquiridos declara ter sido vítima de assalto pelo menos
uma vez, sendo que 4,6% foi vítima mais do que uma vez.
Quadro 18 – Quantidade de vezes de que foi alvo de furto segundo o ano
167 70,5%
49 20,7%
15 6,3%
5 2,1%
1 ,4%
237 100,0%
167 70,5%
25 10,5%
28 11,8%
14 5,9%
3 1,3%
237 100,0%
167 70,5%
45 19,0%
14 5,9%
10 4,2%
1 ,4%
237 100,0%
Alvo de FurtoNão foram assaltados
Nenhuma
1 vez
2 vezes
3 vezes
Total
Em 2006
Não foram assaltados
Nenhuma
1 vez
2 vezes
3 vezes
Total
Entre 2005 e 2000
Não foram assaltados
Nenhuma
1 vez
2 vezes
4 vezes
Total
Antes de 2000
N Column %
134
Embora, estes dados não indiquem causas ou consequências para a revitimação, lançam pistas
para perceber que o fenómeno do furto no interior de estabelecimentos se encontra amplamente
instalado, ao ponto de existir um número significativo de casos de repetição. Estas repetições, ou,
coincidências entre o facto criminoso e o alvo, poderiam, mais do que qualquer outro evento, fazer
a população em estudo questionar-se sobre a extensão e gravidade do problema da criminalidade,
não sendo plausível, por isso, que o fenómeno lhes seja invisível.
Indo um pouco mais longe, quisemos saber se os comerciantes inquiridos conheciam, entre os
seus pares, outros que já pudessem ter sido vítimas de assalto. A esmagadora maioria dos
comerciantes inquiridos (83,5%) indicaram conhecer outros comerciantes que foram alvo de furto
nos últimos 10 anos. Apenas 16,5% revelaram não conhecer outros comerciantes nessas
circunstâncias.236 Não sendo este um indicador do volume e taxa de incidência deste tipo crime,
revela que os comerciantes estão apetrechados com informação sobre a vitimação e logo, o risco da
sua concretização, adquirida, não pela comunicação social ou por outras fontes, mas veiculada
através das relações pessoais que mantêm com os seus pares.
3.5 Representações sobre o desenvolvimento da criminalidade na última década
Na opinião da maioria dos comerciantes inquiridos (59,1%), a criminalidade em Elvas está a
aumentar, porém, 19% da amostra, contrariando a maioria, considera que a criminalidade está a
reduzir e é menor do que há 10 anos. Apenas 6,3% consideram que o fenómeno apenas é diferente e
uns expressivos 15,2% dos inquiridos, julgam que nada se alterou na última década (gráfico 13).
236 Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 5, p. 26.
135
Gráfico 13: Percepção sobre o desenvolvimento da criminalidade de Elvas na última década
59,1
15,2
6,3
0,4
19
0
10
20
30
40
50
60
70
Menor que há 10
anos
Maior que há 10
anos
Igual à de 10 anos Diferente de a de há
10 anos
NS/NR
Fonte: Inquérito aos comerciantes de Elvas
Atendendo às estatísticas policiais, percepciona-se claramente que o período anual onde
ocorreram mais assaltos a estabelecimentos (entre 1996 e 2006) foi o ano de 2005, tendo havido
entre esse ano e o ano anterior (1994) uma subida em mais 47 casos de furto no interior de
estabelecimento (representando uma subida de 69,1%). No ano seguinte (2006), as estatísticas
policiais revelam uma redução de 68 para 26 casos, representando um decréscimo em 61,1%.
O confronto destes dados revela que a maioria dos comerciantes de Elvas possuem uma
percepção do desenvolvimento positivo (crescimento) deste tipo de criminalidade, bastante
aproximado às estatísticas policiais da criminalidade registada, desconhecendo-se se terão igual
percepção sobre a sua descida.237
Dos inquiridos que referem que a criminalidade está a aumentar ou está diferente, 65,4%
apontam como as três principais razões, por ordem de importância: o desemprego (73,5%), a crise
económica (65,8%) e a fronteira luso – espanhola ser livre (43,9%). A razão menos invocada, com
apenas 6,5% é a auto-estrada Lisboa-Madrid.
237 As limitações temporais deste estudo, inibem o esclarecimento d a existência da percepção contrária: Os mesmos inquiridos terão igual noção do decrescimento deste tipo de crime?
136
As razões aqui apontadas para o crescimento ou alteração do conteúdo da criminalidade
conjugam-se com as percepções dos inquiridos sobre os problemas do comércio. Aí, a
criminalidade era apresentada como a quarta preocupação, sendo antecedida por três razões de
ordem eminentemente económica (a falta de poder de compra dos clientes, o IVA demasiado alto e
a concorrência espanhola); neste caso, a própria criminalidade é representada como sendo uma
consequência de factores eminentemente económicos, considerados problemáticos: o desemprego, a
crise económica e a questão da fronteira luso-espanhola.
Quadro 19 – Razões invocadas pelos comerciantes para justificar a subida ou as alterações das características da Criminalidade em
Elvas Opinião
Criminalidade em Elvas está a aumentar ou está diferente porque: Sim Não NR
Total
Falta eficácia às polícias 53
34,2% 100
64,5% 2
1,3% 155
100%
Falta eficácia aos Tribunais 51
32,9% 102
65,8% 2
1,3% 155
100%
A fronteira luso - espanhola é livre 68
43,9% 85
54,8% 2
1,3% 155
100%
A auto-estrada Lisboa - Madrid 10
6,5% 143
92,3% 2
1,3% 155
100%
A crise económica 102
65,8% 51
32,9% 2
1,3% 155
100%
O desemprego 114
73,5% 39
25,2% 2
1,3% 155
100%
Os imigrantes 50
32,3% 103
66,5% 2
1,3% 155
100%
A invocação de problemáticas ligadas à economia, quer seja por povoar genuinamente a
listagem de preocupações primeiras da população inquirida, quer seja por pulverização mimética
das crenças e dos discursos, é sistemática e recorrente quando se destina a justificar a existência e
origem de problemas de ordem diversa.
O discurso da problemática do desemprego parece ser transversal na sociedade portuguesa (Sá
et Reto 2002:93)238; acompanhando-o, a crise (económica) e o medo dela, parecem estar
intimamente ligados na vox populi, com a “condição” de ser português, motivo de fácil imputação
238 “[...] o desemprego, provavelmente não só como realidade mas como ameaça à segurança do emprego, constitui uma preocupação permanente dos portugueses, que, [...] reúne apreciações sistematicamente pessimistas.” (Sá et Reto 2002:94)
137
para os restantes males (nomeadamente o crime) para os quais, à falta de outra justificação, se
remete ainda frequentemente para a má governação (Sá et Reto 2002:97-99).
Na opinião dos mesmos inquiridos, existirão algumas medidas que se poderiam adoptar com o
intuito de reduzir a criminalidade em Elvas. São, assim, apontadas por ordem de importância, as
três acções seguintes: «mais rigor na aplicação da lei por parte dos Tribunais» (62,4%), «penas mais
pesadas» (56,5%) e «mais polícias» (54,4%). A medida menos referida pelos comerciantes, com
2,1% tem a ver com o investimento das vítimas em meios de segurança passiva (quadro 20).
É curioso observar que as justificações apontadas pelos inquiridos para o aumento da
criminalidade se encontram sustentadas, sobretudo, em factores sócio-económicos e circunstanciais
da vida da própria cidade (desemprego, crise económica e fronteira luso-espanhola livre), mas as
soluções apontadas para esse problema são de cariz penal e policial (Mais rigor punitivo dos
tribunais, penas mais pesadas e maior número de polícias), deixando para último plano o papel da
responsabilidade individual do cidadão e nunca aproveitando a possibilidade de acrescentar
medidas, nomeadamente medidas sociais e económicas, que pudessem fazer face aos problemas
geradores do aumento da criminalidade que foram encontrados.
Aparentemente, reside aqui uma grande discrepância entre o problema percepcionado e a
solução veiculada a qual se parece destinar a reprimir as consequências e não atender às causas
criminógenas, propriamente ditas.
Curiosamente, apenas quatro inquiridos (1,7%) indicaram como outra forma de reduzir a
criminalidade (fora do elenco de soluções pré-codificadas) a «criação de mais postos de trabalho», o
que, embora não se possa considerar um método linear para a redução da criminalidade, revela uma
solução coerente com as causas apontadas para o aumento da criminalidade, pela maioria dos
inquiridos.
138
Quadro 20 – Medidas adoptadas com o intuito de reduzir a Criminalidade em Elvas
Opinião Reduzir a criminalidade com:
Sim Não NR Total
Mais polícias 129
54,4% 107
45,1% 1
0,4% 237
100%
Mais meios materiais para a Polícia 90
38% 146
61,6% 1
0,4% 237
100%
Leis que facilitem mais a actuação policial 123
51,9% 113
47,7% 1
0,4% 237
100%
Penas mais pesadas 134
56,5% 102 43%
1 0,4%
237 100%
Mais rigor dos Tribunais a aplicar a lei 148
62,4% 88
37,1% 1
0,4% 237
100%
Câmara de vigilância nas ruas (CCTV) 31
13,1% 205
86,5% 1
0,4% 237
100%
Maior colaboração da população com as autoridades 24
10,1% 212
89,5% 1
0,4% 237
100%
Maior cuidado dos cidadãos 11
4,6% 225
94,9% 1
0,4% 237
100%
Investimento das vítimas em meios de segurança passiva 5
2,1% 231
97,5% 1
0,4% 237
100%
Ao cruzarmos estas respostas com as variáveis independentes sócio-demográficas,239
verificamos uma ligeira tendência para que os inquiridos do sexo masculino se inclinem mais para
soluções musculadas do tipo, «mais polícias», «mais meios materiais para as polícias» e «leis que
facilitem mais a actuação policial», enquanto que os membros do género feminino indicam uma
apetência ligeiramente maior para o reconhecimento da importância da acção individual, os meios
de segurança passiva mas, em contrapartida, demonstrando uma maior exigência relativamente à
acção do aparelho judicial, apelando a um maior rigor na aplicação das leis e a reformas legislativas
no sentido de aumentar as penas.
Na generalidade, também se verifica uma maior tendência para os indivíduos com mais de 50
anos de idade e uma escolaridade que não ultrapassa o 3.º ciclo, apontarem como principais factores
de redução da criminalidade, aquelas de cariz policial: «mais polícias» e «mais meios materiais para
as polícias».
De entre todos os escalões etários pré-definidos são, claramente, os indivíduos com menos de
30 anos de idade que mais frequentemente mencionam o «investimento das vitimas em meios de
239 Anexo 7: Outros cruzamentos com variáveis sócio-demográficas, quadro 2, p. 56.
139
segurança passiva», ainda que com uma percentagem tímida (4,7%), uma vez que o grosso da opção
desta faixa etária vai para as «penas mais pesadas» (60,5%).
3.6 Projecção da probabilidade de vitimação no futuro
Na generalidade, a projecção que os comerciantes de Elvas inquiridos fazem da possibilidade
dos seus estabelecimentos comerciais serem futuramente alvo de assalto distribui-se da seguinte
forma: a esmagadora maioria (70,9%) referem que é «muito provável» ou «provável» serem vítimas
de assalto contra 22,8% que referem que é «pouco provável». Havendo mesmo 3,8% de indivíduos
que dão como certo que irão ser vítimas de assalto, em contrapartida 1,3% refere que é
«impossível» virem a ser assaltados (gráfico 14).
Esta representação do risco é condizente com a percepção do desenvolvimento positivo da
criminalidade anteriormente descrito, concluindo-se que uma boa parte dos comerciantes elvenses
inquiridos se sente vulnerável e teme um futuro em que a vitimação lhe parece altamente provável.
Por outro lado, da leitura que se faz das suas opiniões sobre as estratégias a implementar para
o controlo da criminalidade, percebe-se um grande pendor para a adesão a soluções de base estatal e
eminentemente repressiva, sendo que a “privatização do risco”, ou seja, as iniciativas individuais de
autoprotecção, não parecem colher muitos adeptos. Essa conclusão pode-se extrair do confronto das
soluções mais apontadas para a resolução do problema da criminalidade240 e as menos apontadas:
«maior cuidado dos cidadãos» com apenas 4,6% e «investimento das vítimas em meios de
segurança passiva» com 2,1% das respostas (quadro 20).
140
Gráfico 14 – Probabilidade de vitimação de acordo com as potenciais vítimas
1,31,3
22,8
50,6
20,3
3,8
Certo Muito Provável Provável Pouco Provável Impossível NS/NR
Fonte: Inquérito aos comerciantes de Elvas
Neste contexto, pareceu-nos importante conhecer os meios de segurança passiva mais
implementados pelos comerciantes inquiridos.
3.7 Meios de segurança passiva nos estabelecimentos comerciais
Na generalidade e tendo em conta os dados do quadro 21, vislumbra-se que os comerciantes
inquiridos, não aderem de forma ampla à implementação de meios de segurança passiva, apesar da
maioria ter, pelo menos um dos meios indicados.
O meio de segurança passiva mais utilizado pelos comerciantes de Elvas (quadro 21) recai
sobre a colocação de grades mas montras (43,9%), seguindo-se as fechaduras reforçadas com
trancas (40,1%). Com valores um pouco mais reduzidos surge o alarme local (34,6%) e ligação à
central privada de alarmes (32,1%). O meio de segurança passiva menos utilizado (7,6%) por estes
comerciantes diz respeito à colocação de portas blindadas e vídeo vigilância (9,3%).
Todavia, dado o número e a variedade de estabelecimentos comerciais em análise, foi
intentado um cruzamento que permitisse descortinar a predominância de um ou mais meios de
240 Maior rigor dos tribunais a aplicar a lei (62,4%), Penas mais pesadas (56,5%), Mais polícias (54,4%).
141
segurança passiva em cada tipo de estabelecimento, bem como, a existência de meios de segurança
passiva típicos de um dado estabelecimento.
Quadro 21 – Meios de Segurança Passiva
Opinião Meios de Segurança Passiva
Sim Não NR Total
Possui alarme local 82
34,6% 155
65,4% 0
0% 237
100%
Possui ligação à central pública de alarmes 43
18,1% 193
81,4% 1
0,4% 237
100%
Possui ligação à central privada de alarmes 76
32,1% 160
67,5% 1
0,4% 237
100%
Possui grades nas montras 104
43,9% 132
55,7% 1
0,4% 237
100%
Possui portas blindadas 18
7,6% 218 92%
1 0,4%
237 100%
Possui fechaduras reforçadas com trancas 95
40,1% 141
59,5% 1
0,4% 237
100%
Possui vidros inquebráveis 55
23,2% 181
76,4% 1
0,4% 237
100%
Possui vídeo vigilância (CCTV) 22
9,3% 214
90,3% 1
0,4% 237
100%
O quadro 9 do anexo 5 (p. 28 dos anexos), agrupa os estabelecimentos visitados durante o
processo de aplicação dos inquéritos por tipo de actividade comercial fazendo, sobre cada um
destes, uma análise dos meios que, maioritariamente, possuem. Surge à evidência que a maioria dos
tipos de estabelecimentos alvo (não se trata aqui de analisar cada caso) do estudo possui, pelo
menos, um dos meios de segurança passiva sugeridos no elenco do inquérito (não significando com
isto que todos tenham meios de segurança passiva). 241
Percebe-se ainda da análise do mesmo quadro que existem dois estabelecimentos (tipo e
simultaneamente casos: joalharias) que possuem todos os meios de segurança passiva do elenco
pré-definido.
Esta opção poderá justificar-se por duas ordens de factores concorrentes. Em primeiro lugar, o
valor comercial do bem transaccionado, quer dentro, quer fora do circuito legal; em segundo lugar,
o volume de negócio associado aos dois estabelecimentos mencionados. O valor de uma jóia, pedra
ou metal precioso, aliado à sua dimensão, normalmente pequena, facilmente transportável e
241 Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 8 e 9, pp. 27 - 28.
142
ocultável, faz desses objectos, bens altamente apetecíveis do ponto de vista do crime aquisitivo.
Reconhecendo estas características, os comerciantes do ramo da joalharia, poderão agir
naturalmente em conformidade com as teorias da prevenção situacional, melhorando a defesa dos
seus estabelecimentos de forma a proteger a sua integridade e impedir a subtracção. Para os
comerciantes deste tipo de bens, compensará de forma mais óbvia, a implementação de métodos
destinados a desencorajar os potenciais delinquentes, tornando o alvo mais difícil (Increasing the
effort), pela colocação de grades, vidros e portas blindadas e aumentando o risco da acção
(Increasing the risks), com a colocação de câmaras de video-vigilância e alarmes locais e remotos,
reconhecendo que o delito executado com sucesso, será sempre altamente rentável para o
criminoso, sendo difícil actuar nesse campo (Reducing the rewards).
3.8 Estabelecimentos nunca assaltados que não possuem meios de segurança passiva
O inquérito foi planeado para distinguir entre os estabelecimentos que, no decénio anterior,
foram assaltados e aqueles que não o foram. Posteriormente a esta separação, intentou-se perceber
se cada uma das categorias tinha ou não meios de segurança passiva e posteriormente perceber as
razões que cada um dos grupos apontava para as suas opções. Assim, questionaram-se os
comerciantes que não haviam sido alvo de furto nos dez anos anteriores ao inquérito e que não
possuíam meios de segurança passiva, porque razões não implementavam essas medidas de
autoprotecção.
De uma forma geral, a percepção desses comerciantes (quadro 22) é de que a segurança dos
cidadãos é obrigação e responsabilidade das Instituições e do Estado (13,5%), seguindo-se o facto
de não acharem provável que os seus estabelecimentos venham a ser alvo de furto (7,2%). Apenas
2,1% dos comerciantes referem que a responsabilidade pela segurança dos estabelecimentos é
exclusiva das autoridades policiais.
143
Quadro 22 – Justificação dada pelos comerciantes que não foram vítimas de furto nos últimos 10 anos, para não ter meios de
segurança passiva
Factores Número Percentagem
Não acha provável o seu estabelecimento ser alvo de furto 17 7,2
Confia que as patrulhas policiais garantem vigilância suficiente 9 3,8
Responsabilidade da segurança é exclusiva das autoridades policiais 5 2,1
Instituições e Estado têm obrigação de zelar pela segurança dos cidadãos 32 13,5
NS/NR 1 0,4
Total 64 27,0
Outros casos 173 73,0
Total 237 100,0
Ao proceder a uma análise cruzando as variáveis sócio-demográficas (Anexo 5: Percepções e
estratégias dos comerciantes, quadro 10 e 11, pp. 29 – 30 dos anexos), verifica-se que não existe
uma diferenciação relevante entre géneros, uma vez que a opinião mais frequente em qualquer dos
sexos é a de que as instituições e o Estado têm obrigação de zelar pela segurança dos cidadãos.
Retenha-se, porém, que 34,3% das mulheres inquiridas referiu não achar provável que o seu
estabelecimento venha a ser assaltado contra apenas 17,2% dos homens, o que indica que entre as
mulheres existe uma maior confiança e optimismo em relação à segurança (Idem).
Analisando a mesma questão mas agora segundo os escalões etários aos quais os inquiridos
pertencem, verificamos que é a faixa entre os 30 e os 69 anos de idade, aquela que mais tende para a
responsabilização do Estado pela segurança dos cidadãos. Também aqui se nota que são os
indivíduos com menos de 30 anos de idade que revelam maior confiança e sensação de imunidade,
pois embora existindo 45,5% destes que indiquem igualmente que «as instituições e o Estado têm
obrigação de zelar pela segurança dos cidadãos», 36,4% afirmam ser pouco provável vir a ser
vitimado (Idem).
Por fim e em relação às habilitações literárias, verificamos que existe um ligeira diferenciação
em relação aos inquiridos detentores com o ensino secundário e curso profissional. Os inquiridos
que possuem habilitações até ao 3º ciclo e curso superior são aqueles cuja opinião reforça a
tendência anterior de que «as instituições e o estado têm obrigação de zelar pela segurança dos
144
cidadãos». Os inquiridos detentores do ensino secundário e curso profissional têm uma maior
tendência para julgar que os seus estabelecimentos não irão ser alvo de furto.242
Após estas análises podemos concluir que este grupo de inquiridos não encerra diferenças
acentuadas de opinião, excepto quando observados no prisma das suas habilitações literárias.
Globalmente considerada, a população em análise tende para confiar nas soluções estatais,
alheando-se de qualquer intervenção de tipo subjectivo.
3.9 Estabelecimentos nunca assaltados que possuem meios de segurança passiva
Tornou-se pertinente analisar os estabelecimentos que nunca tinham sido alvo de furto mas
que, contrariamente à categoria anteriormente analisada, possuíam meios de segurança passiva.
Desta forma e de acordo com a leitura do quadro 31 do anexo 5,243 verificamos que, de uma forma
geral, os estabelecimentos que possuem meios de segurança passiva, adquiriram-nos num dos três
momentos principais seguintes: em primeiro lugar quando montaram o negócio (66,9%), outros
quando assumiram o negócio o estabelecimento comercial já os possuía (21,9) e por último, quando
a comunicação social começou a falar de crimes (3,8%).
O facto de outros comerciantes terem sido alvo de assalto, não foi apontado como uma razão
de peso na decisão de adquirirem meios de segurança passiva (apenas com 1,3% das respostas),
muito embora, como já analisado anteriormente, 83,5% de todos os comerciantes inquiridos terem
indicado conhecer outros comerciantes que foram alvo de furto nos últimos 10 anos.
As três principais razões mais apontadas para justificar a decisão de aquisição de meios de
segurança passiva foram, por ordem de importância (quadro 23): «dever de se protegerem a si
242 Após esta análise descritiva e com o intuito de se verificar se existe, ou não, associação entre as duas varáveis em apreço, aplicou-se o teste de Coeficiente V de Cramer. Os dados apurados, permitem concluir que existe uma relação de associação média (0,537) entre a opinião que os inquiridos têm sobre o facto do estabelecimento comercial não ter sido alvo de furto nos últimos 10 anos nem possuir meios de segurança passiva e as suas habilitações (Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 11, p. 30 e quadro 16, p. 31). 243 Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 31, p. 42.
145
próprios» (77,9%), «terem medo de serem assaltados» (74,5%), «percepção do aumento do crime»
(66,9%).
Na sua grande maioria os comerciantes agora em análise consideram «provável» (52,4%) os
seus estabelecimentos serem futuramente alvo de assalto, 18,1% afirmam ser mesmo «muito
provável» e 3,6% consideram «certo» que essa possibilidade se concretize, enquanto existe ainda
uma faixa significativa de 24,7% destes inquiridos que, imbuídos de maior confiança afirmam ser
«Pouco provável» virem a ser vitimados.244
Quadro 23 – Razões que pesaram na decisão de adquirirem meios de segurança passiva
16 10,3%
136 87,7%
3 1,9%
155 100,0%
120 77,9%
32 20,8%
2 1,3%
154 100,0%
114 74,5%
37 24,2%
2 1,3%
153 100,0%
23 14,9%
129 83,8%
2 1,3%
154 100,0%
47 30,5%
105 68,2%
2 1,3%
154 100,0%
103 66,9%
49 31,8%
2 1,3%
154 100,0%
Razão da Aquisição
Sim
Não
NR
Total
O seguro exigiu
Sim
Não
NR
Total
Tem o dever de se proteger a si
próprio
Sim
Não
NR
Total
Tem medo de ser assaltado
Sim
Não
NR
Total
A polícia não se preocupa e não
faz nada
Sim
Não
NR
Total
A polícia não tem capacidade
para garantir a segurança
Sim
Não
NR
Total
O crime está a aumentar
N Column %
Assim, a procura de meios de segurança passiva pela generalidade dos membros deste grupo
em particular, reflecte uma percepção de aumento da criminalidade e o receio de ser vitimado que
conduz e justifica a autoprotecção. São os que percepcionam uma tendência crescente da
criminalidade, que julgam estar mais sujeitos à vitimação e que, por consequência, pensam ser
provável ou certo vir a ser vitimados, aqueles que mais investem em meios de segurança passiva.
As suas preocupações com a segurança, materializadas nas acções de prevenção e implementação
146
de medidas de autoprotecção, poderão ser o fundamento da sua menor propensão para a
vitimação.245 Note-se que para a maioria dos comerciantes que nunca foram alvo de assalto (57,8%)
a percepção que têm em relação à criminalidade em Elvas, é de que esta está maior do que há 10
anos, por outro lado cerca de 22% consideram que a criminalidade é menor do que há 10 anos.
Apenas 6,6% consideram-na diferente de a de 10 anos.246
Quadro 24 – Percepção dos comerciantes que nunca foram alvo de assalto sobre a situação da criminalidade em Elvas e os métodos com vista à sua redução
36 21,7%
96 57,8%
23 13,9%
11 6,6%
166 100,0%
93 56,0%
73 44,0%
166 100,0%
54 32,5%
112 67,5%
166 100,0%
84 50,6%
82 49,4%
166 100,0%
93 56,0%
73 44,0%
166 100,0%
108 65,1%
58 34,9%
166 100,0%
23 13,9%
143 86,1%
166 100,0%
20 12,0%
146 88,0%
166 100,0%
9 5,4%
157 94,6%
166 100,0%
3 1,8%
163 98,2%
166 100,0%
Criminalidade em Elvas e Métodos com vista à sua redução
Menor que há 10 anos
Maior que há 10 anos
Igual à de 10 anos
Diferente de a de há 10 anos
Total
Situação da Criminalidade
Sim
Não
Total
Mais polícias
Sim
Não
Total
Mais meios materiais para a Polícia
Sim
Não
Total
Leis que facilitem mais a actuação
policial
Sim
Não
Total
Penas mais pesadas
Sim
Não
Total
Mais rigor dos Tribunais a aplicar a lei
Sim
Não
Total
Câmara de vigilância nas ruas (CCTV)
Sim
Não
Total
Maior colaboração da população com as
autoridades
Sim
Não
Total
Maior cuidado dos cidadãos
Sim
Não
Total
Investimento das vítimas em meios de
segurança passiva
N Percentagem
244 Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 33, p. 44. 245 Depois desta análise descritiva procedeu-se à verificação da existência de alguma relação de dependência entre as variáveis em estudo. Assim, e considerando que estamos na presença de uma variável ordinal (“Probabilidade do estabelecimento ser futuramente assaltado”) e outra dicotómica (possui meios de segurança passiva, em que cada indicador tem uma escala dicotómica de sim e não), aplicou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov, sendo que, o resultado revelou não existir dependência nenhuma entre as variáveis em causa. A conclusão dada pela verificação executada, vai de encontro à interpretação descritiva feita anteriormente, já que para os comerciantes, independentemente de possuírem ou não meios de segurança passiva, tendem a julgar com desconfiança a sua segurança no futuro, considerando ser «provável» e «muito provável» virem a ser futuramente assaltados, Vd. Anexo 8: Outros Testes Kolmogorov – Smirnov, quadros 4, 8, 12, 16, 20, 24, 28 e 32.
147
Quanto aos métodos com vista à redução da criminalidade em Elvas, estes comerciantes são
da opinião de que, em primeiro lugar, deveria haver mais rigor por parte dos Tribunais na aplicação
da lei (65,1%), em segundo e com o mesmo grau de importância as penas deveriam ser mais
pesadas e deveria haver mais policiamento (56%). As questões ligadas à acção dos cidadãos nestas
temáticas, são pouco sugestionadas, apesar de ser esta população, aquela que se encontra mais
precavida.
Em síntese, poder-se-á dizer que, os dados disponíveis indicam, novamente, existir uma
tendência para as instâncias formais. Na opinião dos inquiridos, a segurança é uma responsabilidade
das autoridades, que deverão agir de forma a diminuírem a criminalidade.247
Porém, esta faixa da amostra, não obstante nunca ter sido vitimizada, tende à implementação
de mais meios de segurança passiva, revelando um maior pessimismo em relação à sua segurança
no futuro, e não descartando a tendência, aparentemente transversal, para as soluções de cariz
estatal.
Este conjunto de características indicia que, entre os comerciantes que nunca foram
assaltados, existe um grupo cuja sensação de vulnerabilidade, impõe um maior investimento em
protecções. Todavia, esse investimento não afasta o sentimento de insegurança, nem faz com que os
comerciantes se julguem menos sujeitos ao risco de assalto, uma vez que continuam a projectar um
futuro incerto no que concerne a sua segurança, apelando ainda a medidas estatais que reforcem e
apoiem o seu próprio investimento.
3.10 Estabelecimentos que foram assaltados
Em relação aos estabelecimentos que foram alvo de furto nos 10 anos anteriores ao inquérito
(70 estabelecimentos), também achámos pertinente perceber que meios de segurança passiva
246 Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 34, p. 45. 247 Idem.
148
possuem, quando é que os adquiriram, se foi antes ou depois de terem sido assaltados, bem como,
porque razão o fizeram.
Assim, e em conformidade com o quadro 25, constatamos que de uma forma geral, a maioria
dos estabelecimentos que possuem meios de segurança passiva, adquiriram-nos em primeiro lugar
quando montaram o negócio (45,7%), outros, depois de terem sido assaltados (27,1%) e por último,
quando assumiram o negócio, o estabelecimento comercial já os possuía (10%).
O facto da comunicação social ter começado a falar em crimes, em nada parece ter
contribuído para a tomada de decisão do comerciante em adquirirem meios de segurança passiva.
Após esta análise constatamos que a maioria dos comerciantes de Elvas já assaltados possuem, pelo
menos, um meio de segurança passiva. As três principais razões apontadas, por ordem de
importância, para a aquisição de meios de segurança passiva após terem sido assaltos, passaram por
(quadro 26): o crime está a aumentar (43,3%); têm medo de voltarem a ser assaltados (41,8%);
dever de se protegerem a si próprios (40,3%).
149
ESTABELECIMENTOS QUE FORAM ALVO DE ASSALTO
14 51,9% 2 7,4% 0 ,0% 9 33,3% 2 7,4% 0 ,0% 27
18 41,9% 1 2,3% 0 ,0% 10 23,3% 5 11,6% 9 20,9% 43
32 45,7% 3 4,3% 0 ,0% 19 27,1% 7 10,0% 9 12,9% 70
6 42,9% 1 7,1% 0 ,0% 6 42,9% 1 7,1% 0 ,0% 14
26 46,4% 2 3,6% 0 ,0% 13 23,2% 6 10,7% 9 16,1% 56
32 45,7% 3 4,3% 0 ,0% 19 27,1% 7 10,0% 9 12,9% 70
11 50,0% 1 4,5% 0 ,0% 8 36,4% 2 9,1% 0 ,0% 22
21 43,8% 2 4,2% 0 ,0% 11 22,9% 5 10,4% 9 18,8% 48
32 45,7% 3 4,3% 0 ,0% 19 27,1% 7 10,0% 9 12,9% 70
16 45,7% 0 ,0% 0 ,0% 12 34,3% 6 17,1% 1 2,9% 35
16 45,7% 3 8,6% 0 ,0% 7 20,0% 1 2,9% 8 22,9% 35
32 45,7% 3 4,3% 0 ,0% 19 27,1% 7 10,0% 9 12,9% 70
2 33,3% 0 ,0% 0 ,0% 2 33,3% 1 16,7% 1 16,7% 6
30 46,9% 3 4,7% 0 ,0% 17 26,6% 6 9,4% 8 12,5% 64
32 45,7% 3 4,3% 0 ,0% 19 27,1% 7 10,0% 9 12,9% 70
14 45,2% 1 3,2% 0 ,0% 13 41,9% 2 6,5% 1 3,2% 31
18 46,2% 2 5,1% 0 ,0% 6 15,4% 5 12,8% 8 20,5% 39
32 45,7% 3 4,3% 0 ,0% 19 27,1% 7 10,0% 9 12,9% 70
8 61,5% 2 15,4% 0 ,0% 1 7,7% 2 15,4% 0 ,0% 13
24 42,1% 1 1,8% 0 ,0% 18 31,6% 5 8,8% 9 15,8% 57
32 45,7% 3 4,3% 0 ,0% 19 27,1% 7 10,0% 9 12,9% 70
3 42,9% 1 14,3% 0 ,0% 3 42,9% 0 ,0% 0 ,0% 7
29 46,0% 2 3,2% 0 ,0% 16 25,4% 7 11,1% 9 14,3% 63
32 45,7% 3 4,3% 0 ,0% 19 27,1% 7 10,0% 9 12,9% 70
Possuem meios de segurança passiva
Sim
Não
Total
Alarme local
Sim
Não
Total
Ligação a central pública de alarmes
Sim
Não
Total
Ligação a central privada de alarmes
Sim
Não
Total
Grades nas montras
Sim
Não
Total
Portas blindadas
Sim
Não
Total
Fechaduras reforçadas com trancas
Sim
Não
Total
Vidros inquebráveis
Sim
Não
Total
Vídeo vigilância (CCTV)
N Row %
Quando montou /
fundou o negócio
N Row %
Quando outros
comerciantes
foram assaltados
N Row %
Quando a
comunicação
social começou
a falar do crime
N Row %
Depois de ter sido
assaltado
N Row %
Não adquiriu. Já
axistiam quando
assumiu o
negócio
N Row %
Outro
N
Total
Adquiriu meios de segurança passiva
Quadro 25 – Meios de segurança passiva e o momento da sua aquisição
150
Na opinião da maioria dos comerciantes que já foram vítimas de assalto (independentemente
de possuírem ou não meios de segurança passiva), é «provável» e até «muito provável» virem a ser
(novamente) vítimas de assalto no futuro (quadro 27).
Quadro 26 – Razões que pesaram na aquisição de meios de segurança passiva
0 ,0
42 62,7
25 37,3
67 100,0
27 40,3
15 22,4
25 37,3
67 100,0
28 41,8
14 20,9
25 37,3
67 100,0
4 6,0
38 56,7
25 37,3
67 100,0
16 23,9
26 38,8
25 37,3
67 100,0
29 43,3
13 19,4
25 37,3
67 100,0
Razão da AquisiçãoSim
Não
NR
Total
O seguro o exigiu
Sim
Não
NR
Total
Tem o dever de se proteger a
si próprio
Sim
Não
NR
Total
Tem medo de voltar a ser
assaltado
Sim
Não
NR
Total
A polícia não se preocupa e
não faz nada
Sim
Não
NR
Total
A polícia preocupa-se mas
não tem capacidade
Sim
Não
NR
Total
O crime está a aumentar
N Percentagem
Pela análise do quadro 27 constata-se que dos estabelecimentos que possuem ligação à central
privada de alarmes, vídeo vigilância, alarme local e ligação à central pública de alarmes, os seus
comerciantes acham «provável» virem a ser futuramente alvo de assalto (63,6%, 57,1%, 51,9% e
50%, respectivamente), por outro lado, os estabelecimentos que não possuem grades nas mostras
(54,3%) também manifestam a mesma opinião.248
248 Após esta análise descritiva, procedeu-se à verificação da existência de alguma relação de dependência entre as variáveis em estudo. Assim, e considerando que estamos na presença de uma variável ordinal (“Probabilidade do estabelecimento ser futuramente assaltado”) e outra dicotómica (possui meios de segurança passiva, em que cada indicador tem uma escala dicotómica de sim e não), aplicou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov, sendo que a análise vem reforçar a interpretação descritiva feita anteriormente, já que para os comerciantes, independentemente de possuírem ou não meios de segurança passiva, as suas opiniões são unânimes demonstrando assim, uma tendência homogénea quanto ao facto de ser provável e muito provável virem a ser novamente assaltados no futuro, o que significa não existir dependência nenhuma entre as variáveis em causa, Vd. Anexo 8: Outros Testes Kolmogorov – Smirnov, quadros 2, 6, 10, 14, 18, 22, 26 e 30.
152
ESTABELECIMENTOS QUE FORAM ALVO DE ASSALTO
1 3,7% 8 29,6% 14 51,9% 3 11,1% 0 ,0% 1 3,7% 27
2 4,7% 10 23,3% 18 41,9% 10 23,3% 3 7,0% 0 ,0% 43
3 4,3% 18 25,7% 32 45,7% 13 18,6% 3 4,3% 1 1,4% 70
1 7,1% 4 28,6% 7 50,0% 0 ,0% 1 7,1% 1 7,1% 14
2 3,6% 14 25,0% 25 44,6% 13 23,2% 2 3,6% 0 ,0% 56
3 4,3% 18 25,7% 32 45,7% 13 18,6% 3 4,3% 1 1,4% 70
1 4,5% 6 27,3% 14 63,6% 1 4,5% 0 ,0% 0 ,0% 22
2 4,2% 12 25,0% 18 37,5% 12 25,0% 3 6,3% 1 2,1% 48
3 4,3% 18 25,7% 32 45,7% 13 18,6% 3 4,3% 1 1,4% 70
2 5,7% 12 34,3% 13 37,1% 6 17,1% 1 2,9% 1 2,9% 35
1 2,9% 6 17,1% 19 54,3% 7 20,0% 2 5,7% 0 ,0% 35
3 4,3% 18 25,7% 32 45,7% 13 18,6% 3 4,3% 1 1,4% 70
0 ,0% 2 33,3% 2 33,3% 2 33,3% 0 ,0% 0 ,0% 6
3 4,7% 16 25,0% 30 46,9% 11 17,2% 3 4,7% 1 1,6% 64
3 4,3% 18 25,7% 32 45,7% 13 18,6% 3 4,3% 1 1,4% 70
1 3,2% 11 35,5% 12 38,7% 6 19,4% 0 ,0% 1 3,2% 31
2 5,1% 7 17,9% 20 51,3% 7 17,9% 3 7,7% 0 ,0% 39
3 4,3% 18 25,7% 32 45,7% 13 18,6% 3 4,3% 1 1,4% 70
0 ,0% 2 15,4% 6 46,2% 4 30,8% 0 ,0% 1 7,7% 13
3 5,3% 16 28,1% 26 45,6% 9 15,8% 3 5,3% 0 ,0% 57
3 4,3% 18 25,7% 32 45,7% 13 18,6% 3 4,3% 1 1,4% 70
1 14,3% 1 14,3% 4 57,1% 1 14,3% 0 ,0% 0 ,0% 7
2 3,2% 17 27,0% 28 44,4% 12 19,0% 3 4,8% 1 1,6% 63
3 4,3% 18 25,7% 32 45,7% 13 18,6% 3 4,3% 1 1,4% 70
Possuem meios de segurança passiva
Sim
Não
Total
Alarme local
Sim
Não
Total
Ligação a central pública
de alarmes
Sim
Não
Total
Ligação a central privada
de alarmes
Sim
Não
Total
Grades nas montras
Sim
Não
Total
Portas blindadas
Sim
Não
Total
Fechaduras reforçadas
com trancas
Sim
Não
Total
Vidros inquebráveis
Sim
Não
Total
Vídeo vigilância (CCTV)
N Row %
Certo
N Row %
Muito Provável
N Row %
Provável
N Row %
Pouco Provável
N Row %
Impossível
N Row %
NS/NR
N
Total
Probabilidade do estabelecimento ser futuramente assaltado
Quadro 27 – Meios de segurança passiva e projecção da possibilidade de virem a ser futuramente assaltados
153
3.11 Contrato de Seguro
Quando questionados sobre possuírem ou não seguro contra furto, 76,8% dos inquiridos
responderam afirmativamente, enquanto que 22,4% responderam negativamente.249
Tentando perceber se o facto dos comerciantes terem ou não um seguro contra furtos,
contribuía para a diminuição dos assaltos de que poderiam vir a ser alvo, verificou-se que 28% dos
comerciantes que possuem seguro foram vítimas de assalto, enquanto que 71,4% não foram alvo de
furto (quadro 28). Dos que não possuem nenhum seguro, 35,8% foram vítimas de assalto, enquanto
que 64,2% não foram alvo de furto.250
Quadro 28 – Comparação da incidência de furto entre comerciantes com e sem seguro
51 28,0% 130 71,4% 1 ,5% 182 100,0%
19 35,8% 34 64,2% 0 ,0% 53 100,0%
0 ,0% 2 100,0% 0 ,0% 2 100,0%
Possui seguro
contra a furtos
Sim
Não
NS/NR
N
% por
seguro
Sim
N
% por
seguro
Não
N
% por
seguro
NS/NR
N
% por
seguro
Total
Estabelecimento alvo de furto
Estes dados indiciam que a existência de seguro não tem uma relação directa com o potencial
de vitimação, nem aumenta a segurança do estabelecimento. A sua existência não é um factor de
redução do risco de assalto mas tão-somente do controlo ou limitação do impacto do dano. Porém, a
opção de limitar os prejuízos decorrentes do crime com a contratação de um seguro pode estar
associada a outros investimentos em meios de segurança passiva.
Tornou-se imperativo analisar outra associação: Os comerciantes que possuem seguro contra
furtos, possuem outros meios de segurança passiva? A partir de uma análise qualitativa dos dados
expostos no quadro 29, conclui-se que a maioria dos indicadores são mais elevados no grupo dos
inquiridos que possuem seguro e meios de segurança passiva, podendo-se supor que a opção de
249 Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 6, p. 26.
154
possuir um seguro contra furtos poderá influenciar a decisão de recorrer a meios materiais de
segurança passiva, aumentando a segurança e reduzindo o risco de assalto. 251
Quadro 29 – Seguro contra furtos e meios de segurança passiva
73 40,1% 8 15,1% 1 50,0% 82
109 59,9% 45 84,9% 1 50,0% 155
182 100,0% 53 100,0% 2 100,0% 237
38 20,9% 5 9,4% 0 ,0% 43
143 78,6% 48 90,6% 2 100,0% 193
1 ,5% 0 ,0% 0 ,0% 1
182 100,0% 53 100,0% 2 100,0% 237
70 38,5% 5 9,4% 1 50,0% 76
112 61,5% 47 88,7% 1 50,0% 160
0 ,0% 1 1,9% 0 ,0% 1
182 100,0% 53 100,0% 2 100,0% 237
82 45,1% 21 39,6% 1 50,0% 104
99 54,4% 32 60,4% 1 50,0% 132
1 ,5% 0 ,0% 0 ,0% 1
182 100,0% 53 100,0% 2 100,0% 237
16 8,8% 2 3,8% 0 ,0% 18
165 90,7% 51 96,2% 2 100,0% 218
1 ,5% 0 ,0% 0 ,0% 1
182 100,0% 53 100,0% 2 100,0% 237
75 41,2% 18 34,0% 2 100,0% 95
106 58,2% 35 66,0% 0 ,0% 141
1 ,5% 0 ,0% 0 ,0% 1
182 100,0% 53 100,0% 2 100,0% 237
41 22,5% 14 26,4% 0 ,0% 55
140 76,9% 39 73,6% 2 100,0% 181
1 ,5% 0 ,0% 0 ,0% 1
182 100,0% 53 100,0% 2 100,0% 237
17 9,3% 5 9,4% 0 ,0% 22
164 90,1% 48 90,6% 2 100,0% 214
1 ,5% 0 ,0% 0 ,0% 1
182 100,0% 53 100,0% 2 100,0% 237
Possui meios de segurança passiva
Sim
Não
Total
Alarme local
Sim
Não
NS/NR
Total
Ligação a central pública de alarmes
Sim
Não
NS/NR
Total
Ligação a central privada de alarmes
Sim
Não
NS/NR
Total
Grades nas montras
Sim
Não
NS/NR
Total
Portas blindadas
Sim
Não
NS/NR
Total
Fechaduras reforçadas com trancas
Sim
Não
NS/NR
Total
Vidros inquebráveis
Sim
Não
NS/NR
Total
Video vigilância (CCTV)
N Column %
Sim
N Column %
Não
N Column %
NS/NR
N
Total
Possui seguro contra furtos
Dever-se-á ter ainda em atenção o detalhe de que, das razões para a aquisição de meios de
segurança passiva apontadas pelos inquiridos, a “exigência da seguradora” foi a menos indicada
250 Esta análise meramente descritiva revela-nos que os comerciantes que possuem seguro contra furtos têm menos 7,8% casos de vitimação mas, por outro lado, também verificamos que existe uma grande percentagem de comerciantes que não possuindo seguro, também não foram vítimas de assalto. 251 Após esta observação meramente descritiva, partiu-se para o teste à independência entre as variáveis, possuir meios de segurança passiva e ter ou não seguro. Para tal e considerando que estamos perante duas variáveis dicotómicas foi aplicado o teste de Qui-Quadrado. Do output obtido por este teste (Vd. Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 24, p. 36) verifica-se que não é possível dar continuidade a esta análise, uma vez que as condições de aplicabilidade do mesmo não são satisfeitas. Desta forma e como alternativa foi realizado o Coeficiente V de Cramer com o intuito de se verificar se existe, ou não, associação estatística entre as duas variáveis em estudo, verificando-se que existe, efectivamente, uma relação de associação entre estes dois meios de segurança passiva e o facto de ter ou não seguro, porém essa associação estatística é fraca devido ao valor do coeficiente (0,221 e 0,200 respectivamente). Os quadros discriminativos contendo estes testes foram suprimidos dos anexos.
155
quer pelos comerciantes já assaltados (0%)252, quer por aqueles que nunca o foram (10,3%).253 Esta
revelação indicia que a opção de adicionar ao seguro, meios de autoprotecção, é uma iniciativa dos
próprios comerciantes, reforçando as suas defesas e limitando o impacto potencial do dano.
A análise do gráfico 15 revela que, a maioria dos estabelecimentos que já foram alvo de
assalto possuem seguro contra furtos (72,9%).
Gráfico 15 – Situação dos estabelecimentos já assaltados quanto à posse de seguro contra furtos
72,9
27,1
Sim Não
Fonte: Inquérito aos comerciantes de Elvas
Dando continuidade à análise, achou-se pertinente verificar se o facto do estabelecimento ter
ou não um seguro contra furto, teria influência na confiança com que os inquiridos já assaltados
enfrentavam o seu futuro. Assim, solicitou-se-lhes que graduassem a probabilidade de virem a ser
novamente assaltados. Pela análise do quadro 30, constata-se que, o facto do estabelecimento ter ou
não um seguro contra furto, não influência de forma relevante (considerando outros cruzamentos
efectuados) a opinião dos inquiridos sobre a probabilidade de revitimação futura, sendo que 78,5%
dos inquiridos declarou que essa repetição é «certa», «muito provável» ou «provável». A maioria
destes comerciantes (61,4%) acha também que a criminalidade em Elvas está maior do que há 10
anos, por outro lado cerca de 18,6% consideram que a mesma esta igual do que há 10 anos (quadro
31).
252 Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 26, p. 38. 253 Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 32, p. 43.
156
Quadro 30 – Situação dos estabelecimentos possuidores de seguro, já assaltados, quanto à probabilidade de virem a ser novamente assaltados
Possui seguro contra furtos
Sim Não Total Probabilidade do estabelecimento se futuramente assaltado
N Column % N Column % N Certo 2 3,9 1 5,3 3 Muito Provável 14 27,5 4 21,1 18 Provável 24 47,1 8 42,1 32 Pouco Provável 10 19,6 3 15,8 13 Impossível 1 2,0 2 10,5 3 NS/NR 0 ,0 1 5,3 1 Total 51 100,0 19 100,0 70
No seguimento destas ideias, de acordo com os dados expostos no quadro 31 e como já
aflorado anteriormente, também estes comerciantes são de opinião que a redução da criminalidade
passa por penas mais pesadas (58,6%), mais rigor por parte dos Tribunais na aplicação da lei
(57,1%), pela implementação de leis que facilitem mais a actuação policial (55,7%), mais
policiamento e mais meios materiais para as autoridades policiais (50%).
Todos estes métodos sugeridos pelos comerciantes se inclinam para instâncias formais,
fazendo com que as soluções subjectivas, não sejam bem acolhidas. Em síntese, poder-se-á dizer
que, os dados disponíveis indicam existir, também nestes casos, uma tendência para as instâncias
formais. A colaboração da população com as autoridades, um maior cuidado dos cidadãos e um
investimento das vítimas em meios de segurança passiva, não são ideias expressas por parte destes
inquiridos como forma de redução da criminalidade (quadro 31).
Não se consegue saber se as companhias seguradoras exigem dos seus segurados uma atitude
mais pró-activa, no sentido destes adquirirem meios de segurança passiva com vista a reduzir o
risco de assalto, levando a uma redução da anuidade do seguro ou em troca de outros benefícios,
uma vez que essa questão não faz parte do questionário.
Assim sendo, a relação indirecta que se podia estabelecer entre o facto do estabelecimento ter
seguro e possuir meios de segurança passiva, com a sua menor propensão para o assalto, não
acontece unicamente nestes estabelecimentos em particular. Os estabelecimentos que não possuem
157
seguro nem tem meios de segurança passiva, também são menos assaltados, o que fragiliza a
hipótese de relação entre os dois aspectos enunciados.
Quadro 31 – Situação da Criminalidade em Elvas e métodos com vista à sua redução
(inquiridos possuidores de seguro, já assaltados)
9 12,9%
43 61,4%
13 18,6%
4 5,7%
1 1,4%
70 100,0%
35 50,0%
34 48,6%
1 1,4%
70 100,0%
35 50,0%
34 48,6%
1 1,4%
70 100,0%
39 55,7%
30 42,9%
1 1,4%
70 100,0%
41 58,6%
28 40,0%
1 1,4%
70 100,0%
40 57,1%
29 41,4%
1 1,4%
70 100,0%
7 10,0%
62 88,6%
1 1,4%
70 100,0%
4 5,7%
65 92,9%
1 1,4%
70 100,0%
2 2,9%
67 95,7%
1 1,4%
70 100,0%
2 2,9%
67 95,7%
1 1,4%
70 100,0%
Criminalidade em Elvas e Métodos com vista à reduçãoMenor que há 10 anos
Maior que há 10 anos
Igual à de 10 anos
Diferente de a de há 10 anos
NS/NR
Total
Situação da criminalidade
Sim
Não
NS/NR
Total
Mais polícias
Sim
Não
NS/NR
Total
Mais meios materiais para a Polícia
Sim
Não
NS/NR
Total
Leis que facilitem mais a actuação
policial
Sim
Não
NS/NR
Total
Penas mais pesadas
Sim
Não
NS/NR
Total
Mais rigor dos Tribunais a aplicar a lei
Sim
Não
NS/NR
Total
Câmara de vigilância nas ruas (CCTV)
Sim
Não
NS/NR
Total
Maior colaboração da população com
as autoridades
Sim
Não
NS/NR
Total
Maior cuidado dos cidadãos
Sim
Não
NS/NR
Total
Investimento das vítimas em meios de
segurança passiva
N Percentagem
158
3.12 Acção dos comerciantes após terem sido vítimas de assaltos
Como se tem vindo a referir houve 70 estabelecimentos da amostra que, antes do momento de
aplicação do inquérito haviam já sido alvo de assalto, pelo menos, uma vez nos 10 anos que o
antecederam. Após estas ocorrências os comerciantes agiram, privilegiando, sempre em primeiro
lugar, uma comunicação às entidades policiais não se desejando, contudo, procedimento criminal
(40%). Em segundo plano, 35,7% dos comerciantes manifestaram o desejo de iniciarem sempre
procedimento criminal. Refira-se que houve 11 comerciantes que não manifestaram as suas
opiniões, quanto às acções tomadas após terem sido vítimas de assalto (quadro 32), sendo que esta
ausência de resposta estava prevista no inquérito.254
Quadro 32 – Conduta após ocorrência de assalto
25 35,7
28 40,0
0 ,0
2 2,9
4 5,7
11 15,7
70 100,0
Posição tomada sempre que o estabelecimento foi alvo de furtoDesejou sempre procedimento criminal
Comunicou sempre à Polícia mas não desejou proced. criminal
Nem sempre desejou procedimento criminal
Nem sempre comunicou à Polícia
Nunca comunicou nem desejou procedimento criminal
NR
Total
N Percentagem
Salienta-se que houve um número reduzido entre os comerciantes inquiridos (5,7%) que, após
ter sido vítima de assalto, não comunicou, de todo, o facto às autoridades. Nestes casos, a opção
sustentou-se no facto do impacto material do crime ser reduzido, não justificando, na opinião deste
grupo, a informação às autoridades ou a apresentação de queixa-crime. Este raciocínio revela que a
comunicação ou a demonstração formal de procedimento criminal junto das autoridades é
condicionada, não por um sentimento de dever cívico para com a comunidade de potenciais vítimas
e portanto por razões de natureza de prevenção geral, mas pelo impacto individual do facto.
Demonstra ainda que o recurso às autoridades pós-facto pode ser instrumental e apenas intentado
em face de um juízo valorativo da vítima em relação à gravidade, não do crime, mas do seu
resultado material.
159
Analisando de uma forma mais detalhada, nota-se que, dos 35,7% comerciantes inquiridos
que desejaram sempre procedimento criminal (quadro 32), a esmagadora maioria (76%) fê-lo com o
intuito de penalizar os criminosos, enquanto que outros, tencionaram apenas alertar a polícia,
recuperar bens furtados e agir de forma correcta, ambas as razões com um peso percentual de 12%
(quadro 33).
Dos que comunicaram sempre à polícia, mas não desejaram procedimento criminal (40%) a
maioria, fê-lo com a simples razão de recuperar algum material que tivesse sido furtado (53,6%),
enquanto outros o fizeram apenas como forma de alertar a polícia (35,7%). Também houve aqueles
que nem sempre comunicaram à polícia e fizeram-no por considerarem que o prejuízo foi baixo e
não justificava a comunicação. De igual modo, os comerciantes que nunca comunicaram às
entidades policiais nem desejaram procedimento criminal, também adoptaram esta medida pela
mesma razão, ou seja, pelo facto do prejuízo ser baixo e não justificar a queixa.255
Estes valores indiciam que um dos factores determinantes para a opção de formalizar ou não
procedimento penal é o valor do furto, onde podemos supor estar incluído o dano provocado com a
eventual introdução forçada, ou outros. Mais uma vez o factor material / económico, condiciona a
conduta dos inquiridos, como já foi possível observar anteriormente.
254 Trata-se daqueles que foram assaltados e têm meios de segurança passiva mas que, no entanto, não responderam à P15 nem à P16. 255 Procurando verificar a intensidade da relação entre a variável criminalidade em Elvas (P22) e a variável probabilidade de assalto (P25), utilizamos o Coeficiente de Correlação de Spearman, dado que estamos em presença de duas variáveis ordinais. O quadro 4 do Anexo 6: Conduta após a vitimação, p. 51, mostra que existe uma associação positiva fraca ou directa (o que significa que a variação de duas variáveis se processa no mesmo sentido) que, não sendo estatisticamente significativa, pode levar a concluir que a opinião destes inquiridos sobre a situação criminal em Elvas pouco influencia a sua percepção sobre a possibilidade de virem a ser assaltados no futuro.
159
0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0
3 12,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 3
19 76,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 19
3 12,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 3
25 100,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 25
0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0
0 ,0% 10 35,7% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 10
0 ,0% 15 53,6% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 15
0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0
0 ,0% 1 3,6% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 1
0 ,0% 1 3,6% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 1
0 ,0% 1 3,6% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 1
0 ,0% 28 100,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 28
0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0
0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0
0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0
0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0
0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0
0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 2 100,0% 0 ,0% 2
0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0
0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0
0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 2 100,0% 0 ,0% 2
0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 4 100,0% 4
0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0
0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0
0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0
0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 4 100,0% 4
Razão que pesou na decisão
O seguro o exigia
Para alertar a Polícia
Penalizar os criminosos
Outro
Total
Desejar procedimento criminal
O seguro não o exigia
Apenas para alertar a Polícia
Para que pudesse recuperar algum
material
A queixa não produz melhores resultados
O procedimento criminal representa um
incómodo p/ o queixoso
Outro motivo
NR
Total
Comunicar sempre à polícia mas
não desejar procedimento criminal
Prejuízo baixo e não justificava a queixa
Já tinha feito antes e PSP não rec.mat.
nem deteve suspeitos
Depois de apresentar queixa é-se muito
incomodado pela PSP
Depois de apresentar queixa é-se muito
inc. pelo Tribunal
Total
Não desejar procedimento criminal
Prejuízo baixo e não justificava a
comunicação
Já tinha feito antes e PSP não fez nada
A comunicação não tem valor algum
Total
Não comunicar sempre à polícia
Prejuízo baixo e não justificava a queixa
Já tinha feito antes e PSP não rec.mat.
nem deteve suspeitos
Após apres.queixa foi mt incomodado
p/PSP c/ dilig.inquérito
Após apresentar queixa foi mt
incomodado p/Tribunal c/dilig.
Total
Não comunicar nem desejar
procedimento criminal
N Column %
Desejou sempre
procedimento
criminal
N Column %
Comunicou sempre
à Polícia mas não
desejou proced.
criminal
N Column %
Nem sempre
desejou
procedimento
criminal
N
Column
%
Nem sempre
comunicou à
Polícia
N
Column
%
Nunca
comunicou nem
desejou
procedimento
criminal
N
Total
Posição tomada sempre que o estabelecimento foi alvo de furto
Quadro 33 – Razões que pesaram na tomada de posição sempre que o estabelecimento foi alvo de furto
160
3.13 Relações entre as variáveis sócio-demográficas e as percepções sobre o risco
Analisaram-se as opiniões dos inquiridos relativamente aos factores susceptíveis de reduzir a
criminalidade em função das variáveis independentes: género, capital escolar e escalão etário,
tendo-se ainda em consideração as mesmas variáveis quanto à posição assumida pelas vítimas
sempre que o estabelecimento foi alvo de furto.
Dando início a esta análise, no que ao género diz respeito e de acordo com a observação do
quadro 34, verifica-se que existem algumas diferenças em termos de valorização dos factores
referidos como redutores da criminalidade na localidade de Elvas. Neste sentido, o género feminino
valoriza em primeiro lugar o maior rigor dos Tribunais na aplicação da lei (68,7%), sendo de que
este mesmo factor aparece para os membros do género masculino como o terceiro mais valorizado
(55,2%). O segundo factor mais valorizado para o sexo feminino passa pela existência de penas
mais pesadas (58,8%), enquanto que para o sexo masculino, o segundo factor tem a ver com mais
policiamento (58,1%). Este último factor é o terceiro mais valorizado pelo género feminino
(51,1%).
Pelo que foi observado poder-se-á dizer que os factores referidos para redução da
criminalidade, com excepção do factor “Mais rigor dos Tribunais a aplicar a lei”, não são
influenciados pelo género dos inquiridos, havendo unanimidade sobre a importância de uma
máquina penal rigorosa.256
256 Após esta observação descritiva, partiu-se para o teste à independência entre as variáveis, factores de redução da criminalidade e o género. Para tal e considerando que estamos perante duas variáveis dicotómicas foi aplicado o teste de Qui-Quadrado. Do output obtido por este teste (Vd. Anexo 7: Cruzamentos com variáveis sócio-demográficas, quadro 3, p. 57) verifica-se que não é possível analisá-los por via do teste Qui-Quadrado, considerando que as condições de aplicabilidade do mesmo não são satisfeitas. Desta forma e como alternativa foi realizado o Coeficiente V de Cramer com o intuito de se verificar se existe, ou não, alguma associação entre os mesmos factores e o género. Da análise dos quadros 4 a 20 do anexo 7, verifica-se que a hipótese é nula, excepto para o factor “Mais rigor dos Tribunais a aplicar a lei”. Esta constatação revela que, mesmo não sendo possível dar continuidade à análise do teste Qui-Quadrado, existe efectivamente uma relação de associação entre este factor “Mais rigor dos Tribunais a aplicar a lei” e o género, porém,
161
Com o objectivo de avaliar a coerência entre os factores de redução de criminalidade e os
escalões etários dos inquiridos, foi igualmente estabelecida uma relação entre ambos.
Reportando-nos novamente ao quadro 34, verificamos que a maioria dos indivíduos com
menos de 30 anos consideram como aspecto mais importante a existência de penas mais pesadas
(60,5%), enquanto que os indivíduos com mais de 30 anos valorizam mais o rigor dos Tribunais na
aplicação da lei. Em relação ao segundo factor mais valorizado, os indivíduos com menos de 30
anos e com mais de 50 consideram que é necessário haver mais polícias (58,1% e 60,6%,
respectivamente), enquanto que para os indivíduos pertencentes ao escalão etário dos 30 aos 49
anos se valoriza a existência de penas mais pesadas (58,6%).257
essa associação é fraca (No estudo deste coeficiente considera-se uma associação tanto mais fraca quando mais os valores apurados se afastam de 1), devido ao valor do coeficiente (0,155). 257 Tendo partido para a verificação da independência das variáveis em estudo, constatámos estar perante uma variável dicotómica e outra ordinal, sendo aplicado o teste de Kolmogorov-Smirnov. Do output resultante deste teste (quadros 21 a 38 do anexo 7) indica que significa não existe, do ponto de vista estatístico, qualquer dependência entre as variáveis em causa.
162
61 58,1% 47 44,8% 62 59,0% 56 53,3% 58 55,2% 10 9,5% 9 8,6% 2 1,9% 1 1,0%
67 51,1% 43 32,8% 61 46,6% 77 58,8% 90 68,7% 20 15,3% 15 11,5% 9 6,9% 4 3,1%
128 54,2% 90 38,1% 123 52,1% 133 56,4% 148 62,7% 30 12,7% 24 10,2% 11 4,7% 5 2,1%
25 58,1% 19 44,2% 18 41,9% 26 60,5% 24 55,8% 7 16,3% 5 11,6% 4 9,3% 2 4,7%
56 48,3% 36 31,0% 67 57,8% 68 58,6% 76 65,5% 15 12,9% 13 11,2% 4 3,4% 3 2,6%
40 60,6% 29 43,9% 36 54,5% 33 50,0% 42 63,6% 6 9,1% 6 9,1% 2 3,0% 0 ,0%
5 55,6% 5 55,6% 1 11,1% 5 55,6% 5 55,6% 2 22,2% 0 ,0% 1 11,1% 0 ,0%
126 53,8% 89 38,0% 122 52,1% 132 56,4% 147 62,8% 30 12,8% 24 10,3% 11 4,7% 5 2,1%
36 70,6% 26 51,0% 22 43,1% 28 54,9% 30 58,8% 7 13,7% 3 5,9% 1 2,0% 0 ,0%
50 58,1% 23 26,7% 48 55,8% 47 54,7% 53 61,6% 13 15,1% 9 10,5% 3 3,5% 4 4,7%
39 46,4% 36 42,9% 45 53,6% 50 59,5% 55 65,5% 9 10,7% 11 13,1% 7 8,3% 1 1,2%
3 21,4% 5 35,7% 8 57,1% 8 57,1% 10 71,4% 1 7,1% 1 7,1% 0 ,0% 0 ,0%
1 50,0% 0 ,0% 0 ,0% 1 50,0% 0 ,0% 1 50,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0%
129 54,4% 90 38,0% 123 51,9% 134 56,5% 148 62,4% 31 13,1% 24 10,1% 11 4,6% 5 2,1%
Masculino
Feminino
Total
Sexo
Menos de 30 anos
Dos 30 aos 49 anos
Dos 50 aos 69 anos
Mais de 69 anos
Total
Escalões
Etários
Até ao 1º Ciclo (4º ano)
2º e 3º Ciclo (6º - 9º ano)
Ens. Secundário (10º - 12º
ano) e Curso Profissional
Curso Superior
NR
Total
Habilitações
Literárias
N Row %
Mais polícias
N Row %
Mais meios
materiais para
a Polícia
N Row %
Leis que
facilitem mais
a actuação
policial
N Row %
Penas mais
pesadas
N Row %
Mais rigor dos
Tribunais a
aplicar a lei
N Row %
Câmara de
vigilância
nas ruas
(CCTV)
N Row %
Maior
colaboração da
população com
as autoridades
N Row %
Maior
cuidado dos
cidadãos
N Row %
Investimento
das vítimas
em meios de
seg. passiva
Factores de Redução da Criminalidade
Quadro 34 – Factores de Redução da Criminalidade e Características Escolares/Biográficas
(Nota: Os valores indicados representam, para cada factor de redução da criminalidade, a percentagem de inquiridos que respondeu positivamente)
163
Quanto às habilitações (quadro 34), verificamos que existe alguma homogeneidade, no seio
dos inquiridos, para a tendência de considerar a intensificação do rigor dos tribunais na aplicação da
lei, como o principal factor conducente à redução da criminalidade (62,4% de todas as opiniões). Os
indivíduos com menor capital de instrução escolar, são os que claramente destacam como principal
solução para os problemas da criminalidade, o aumento dos efectivos policiais (70,6%), porém
colocando 58,8% das suas opiniões na solução mais indicada pela maioria.
Curiosamente, a generalidade das opiniões dirige-se para a acção do aparelho judicial, o qual,
não obstante estar a uma relativa distância do cidadão comum, aparece antes das soluções policiais.
Esta tendência poderá indiciar que os inquiridos reconhecem que a acção policial está condicionada
pela acção dos tribunais, quer do ponto de vista da aplicação da lei e penalização dos criminosos,
quer pelo controlo que é exercido sobre a acção policial. Não é à polícia que se dirigem a maioria
dos apelos, mas sim à justiça.
Da verificação da existência de uma associação entre a escolaridade e a solução encontrada
para a redução da criminalidade258 veio a concluir-se que o capital escolar dos inquiridos influencia
a sua posição perante esta questão, embora a associação encontrada seja frágil.
A posição tomada sempre que o estabelecimento foi alvo de furto, apresenta em termos de
género (quadro 35) algumas diferenças ligeiras, uma vez que a maioria dos homens (48,5%) optam
por comunicar sempre à polícia mas não desejam procedimento criminal, enquanto que a maioria
das mulheres (35,1%), aparentemente mais adeptas da formalidade de procedimentos, optam em
primeiro lugar, pelo procedimento criminal.259
258 Para a verificação da existência, ou não, de associação entre as duas variáveis, recorreu-se ao Coeficiente V de Cramer. Da análise dos quadros 4 a 20, do anexo 7, verifica-se que o valor do Coeficiente de V de Cramer para as variáveis: “leis que facilitem mais a actuação da polícia”, “penas mais pesadas”, “câmara de vigilância nas ruas (CCTV)”, “maior colaboração da população com as autoridades” e “maior cuidado dos cidadãos”, é superior ao nível de significância, ou seja, não existe associação estatística entre estas variáveis e as habilitações literárias. Por outro lado, o valor do Coeficiente de V de Cramer para as variáveis: “mais polícias”, “mais meios materiais para a polícia”, “mais rigor dos Tribunais a aplicar a lei” e “investimento das vítimas em meios de segurança passiva”, é inferior ao nível de significância, isto é, existe uma associação entre estas variáveis e as habilitações literárias. Porém trata-se de uma associação fraca devido aos seus baixos valores. 259 Após esta observação descritiva, executou-se o teste à independência entre as variáveis, posição tomada e o género. Aplicou-se o teste de Qui-Quadrado (quadro 49, do anexo 7: Outros cruzamentos com variáveis sócio-demográficas, p.68) com resultado improcedente. Em alternativa, foi realizado o Coeficiente V de Cramer (quadro 50, do anexo 7:
164
Analisando estas mesmas posições, agora de acordo com os escalões etários (quadro 35),
constatamos que os indivíduos com menos de 30 anos e com idades compreendidas entre os 50 e os
69 anos tendem a optar mais facilmente por efectuar uma comunicação dos factos à polícia mas sem
desejarem procedimento criminal (36,4% e 55%), enquanto que os indivíduos com mais de 69 anos e
com idades compreendidas entre os 30 e os 49 anos optam, em primeiro lugar, pelo procedimento
criminal (40% e 42,4%).260
Outros cruzamentos com variáveis sócio-demográficas, p.68) verificando-se não existir uma associação estatística significativa entre a posição tomada sempre que o estabelecimento foi alvo de furto e o género. 260 No seguimento desta interpretação e pretendendo verificar se as distribuições de opinião em relação à posição tomada sempre que o estabelecimento foi alvo de furto variam em função dos escalões etários (idade), e como estamos perante uma variável nominal e outra ordinal foi aplicado o teste de Kruskal-Wallis. Da análise do quadro 51 do anexo 7, p. 68, verifica-se que é possível concluir que a distribuição de opiniões sobre as posições tomadas sempre que o estabelecimento é alvo de furto entre os escalões etários, não é estatisticamente relevante.
165
12 36,4% 16 48,5% 0 ,0% 0 ,0% 1 3,0% 4 12,1% 33
13 35,1% 12 32,4% 0 ,0% 2 5,4% 3 8,1% 7 18,9% 37
25 35,7% 28 40,0% 0 ,0% 2 2,9% 4 5,7% 11 15,7% 70
3 27,3% 4 36,4% 0 ,0% 0 ,0% 2 18,2% 2 18,2% 11
14 42,4% 11 33,3% 0 ,0% 2 6,1% 1 3,0% 5 15,2% 33
6 30,0% 11 55,0% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 3 15,0% 20
2 40,0% 1 20,0% 0 ,0% 0 ,0% 1 20,0% 1 20,0% 5
25 36,2% 27 39,1% 0 ,0% 2 2,9% 4 5,8% 11 15,9% 69
7 31,8% 10 45,5% 0 ,0% 0 ,0% 1 4,5% 4 18,2% 22
12 42,9% 13 46,4% 0 ,0% 1 3,6% 0 ,0% 2 7,1% 28
5 29,4% 4 23,5% 0 ,0% 1 5,9% 3 17,6% 4 23,5% 17
1 33,3% 1 33,3% 0 ,0% 0 ,0% 0 ,0% 1 33,3% 3
25 35,7% 28 40,0% 0 ,0% 2 2,9% 4 5,7% 11 15,7% 70
Masculino
Feminino
Total
Sexo
Menos de 30 anos
Dos 30 aos 49 anos
Dos 50 aos 69 anos
Mais de 69 anos
Total
Escalões
Etários
Até ao 1º Ciclo (4º ano)
2º e 3º Ciclo (6º - 9º ano)
Ens. Secundário (10º - 12º
ano) e Curso Profissional
Curso Superior
Total
Habilitações
Literárias
N Row %
Desejou sempre
procedimento
criminal
N Row %
Comunicou
sempre à Polícia
mas não desejou
proced. criminal
N Row %
Nem sempre
desejou
procedimento
criminal
N Row %
Nem sempre
comunicou à
Polícia
N Row %
Nunca comunicou
nem desejou
procedimento
criminal
N Row %
NS/NR
N
Total
Posição tomada sempre que o estabelecimento foi alvo de furto
Quadro 35 – Posição perante o furto e características sócio-demográficas
166
3.14 Definição de Perfis dos Comerciantes de Elvas
O desenvolvimento de todas as análises que foram feitas ao longo desta dissertação,
demonstram-nos as possíveis relações existentes entre as variáveis. Desta forma e com a
intenção de definirmos grupos de comerciantes, traçaram-se perfis dos mesmos, tendo em
conta que, de acordo com o seu perfil os comerciantes tomam decisões em relação à escolha
de meios de segurança passiva, bem como a sua posição perante o facto de serem assaltados.
Deste modo, optou-se pela utilização da Análise de Homogeneidade (HOMALS)261,
uma vez que esta permite formar subgrupos distintos, através dos quais é possível identificar
as associações, afastamentos e oposições entre variáveis. Assim, o recurso à análise das
correspondências enquanto técnica privilegiada de estudo estatístico numa investigação, parte
do pressuposto de que existem relações preferenciais entre variáveis. Através deste tratamento
múltiplo procurou-se identificar e quantificar de forma optimizada uma solução discriminante
entre as variáveis.
Para o estudo proposto procedemos à leitura dos resultados em apenas duas dimensões,
tendo em conta que são as que apresentam maior variância explicada por cada dimensão,
segundo os seus valores próprios (Anexo 9: Homals, quadro 4, p. i). A interpretação e análise
261 Técnica que visa reduzir os dados de forma a representar a estrutura da relação entre variáveis nominais, em poucas dimensões, normalmente duas ou três. Esta técnica estatística inscreve-se na linha da análise multidimensional dos dados, também designada de optimização da escala, segundo a tradição dos estudos anglo-saxónicos. Parte do pressuposto da existência de relações bi e multivariadas entre variáveis. A leitura dos resultados da análise de correspondências incide sobre as contribuições de cada variável para a construção das dimensões obtidas. Este teste é particularmente apropriado à abordagem simultânea de múltiplos indicadores e ao tratamento de variáveis qualitativas (extensível a variáveis quantitativas desde que transformadas em qualitativas). A HOMALS vai submeter os dados qualitativos de input a um processo de quantificação. A transformação desencadeada tem por objectivo estimar quantificações óptimas para os parâmetros em análise: categorias e objectos. A cada categoria será associada uma quantificação e a cada objecto um score. O objectivo deste teste passa por formar subgrupos distintos, através dos quais é possível identificar as associações, afastamentos e oposições entre variáveis. É fundamental a análise das relações entre os múltiplos indicadores seleccionados, na perspectiva de pesquisar as suas configurações. Essas diferentes configurações podem permitir identificar grupos de indivíduos que, coexistindo no mesmo espaço, partilham sistemas distintos de perfis. Da análise do posicionamento relativo detido por esses grupos, decorre a possibilidade de se aferir o tipo de relações estabelecidas entre eles. Fala-se em homogeneidade no sentido em que a proximidade de um certo número de categorias (de diferentes variáveis) induz a presença de indivíduos que partilham tendencialmente as mesmas
167
dos resultados foi, por sua vez, dividida em duas etapas. Na primeira, procedemos à leitura do
quadro de quantificações por variável e por dimensão, incidindo principalmente nas variáveis
cujos scores eram mais relevantes. Quanto maior for o score, a quantificação, mais
discriminante é a variável. A segunda etapa foi dedicada à leitura da projecção gráfica das
combinações múltiplas estabelecidas. Para a sua interpretação utilizamos um critério
dedutivo, de segmentação do geral para o particular, isto é, analisando em primeiro lugar a
tendência de comportamento global das variáveis no espaço, dividindo-o posteriormente nas
duas dimensões consideradas, e por último, segmentando-as por quadrantes. Para a construção
de cada agrupamento de variáveis, teve-se preferencialmente em conta, as categorias cujas
projecções se mostraram mais discriminantes para o conjunto. Os resultados das
correspondências foram interpretados à luz de um sistema de oposições entre as variáveis que
mais caracterizam cada agrupamento.
Através da leitura das tabelas das quantificações, é possível identificar alguns subgrupos
tendencialmente partilhados pelos mesmos indivíduos (Anexo 9: Homals, quadros 4 a 17).262
Desta leitura, podemos referir que na primeira dimensão se opõem os comerciantes que
tendencialmente têm menos de 50 anos, com habilitações literárias entre o 3º Ciclo (9º anos) e
o Ensino Superior, em que os seus estabelecimentos comerciais têm menos de 10 anos de
actividade e possuem meios de segurança passiva, tais como: alarme local, ligação à central
pública e privada de alarmes, vidros inquebráveis e vídeo vigilância, aos que, pelo contrário,
têm mais de 50 anos, em que as suas habilitações literárias vão desde aqueles que não sabem
ler, que sabem ler e escrever e 1º (4º anos) e 2º Ciclos (6º ano), em que os seus
estabelecimentos comerciais têm mais de 10 anos de actividade e não possuem nenhuns meios
de segurança passiva.
características. Assim, a diferentes núcleos de homogeneidade correspondem grupos de indivíduos com perfis distintos, mas que coexistem, com maior ou menor proximidade, no mesmo espaço.
168
Quadro n.º 36 – Discriminação das características das personagens oponentes da primeira dimensão de análise
1.ª DIMENSÃO Características Comerciante tipo 1 Comerciante tipo 2
Idade do inquirido - 50 Anos + 50 Anos
Habilitações literárias 3.º Ciclo /ensino superior Sem escolaridade / 2.º ciclo
Tempo de actividade do estabelecimento
- 10 Anos + 10 Anos
Existência de meios de segurança passiva
Sim, possui
X
Não possui
A segunda dimensão, opõe os comerciantes que tendencialmente não foram alvo de
assalto e não possuem nenhuns meios de segurança passiva, aos que foram assaltados e
possuem meios de segurança passiva.
Os primeiros, aqueles que não foram alvo de assalto e não possuem nenhuns meios de
segurança passiva acham que, por essa razão, será certo e provável virem a ser alvo de
assalto; contudo, existem também alguns que mantêm a opinião de que é impossível serem
vítimas de assalto.
Aqueles que, pelo contrário, foram assaltados e possuem meios de segurança passiva,
tais como: grades nas montras, portas blindadas, fechaduras reforçadas com trancas,
consideram que, por esse motivo, é pouco provável virem a ser vítimas de assalto; porém,
existem também alguns que acham muito provável virem a serem vítimas de assalto no
futuro.
Quadro n.º 37 – Discriminação das características das personagens oponentes da segunda dimensão de análise
2.ª DIMENSÃO Características Comerciante tipo 1 Comerciante tipo 2
Já foi vítima de assalto Não Sim
Existência de meios de segurança passiva Não possui
X Sim, possui
De seguida, recorrendo à análise do gráfico bidimensional (figura 5), constituído pela 1ª
e 2ª dimensões, passamos à descrição das imagens planas, sendo possível identificar os
diferentes perfis destes comerciantes, tendo sido possível identificar três perfis.
262 As variáveis a negrito nos quadros são as contempladas em cada dimensão para identificação dos perfis dos comerciantes
169
Podemos observar que o 1º Grupo de comerciantes ao qual chamamos os “Muito
Prevenidos” é constituído tendencialmente por comerciantes que tem mais de 69 anos de
idade, que sabem ler e escrever e têm o 2º Ciclo (6º ano), os seus estabelecimentos comerciais
têm entre os 10 e os 19 anos de actividade e já foram assaltados. Como tal, utilizam meios de
autoprotecção contra novos possíveis assaltos, isto é, possuem meios de segurança passiva,
tais como: Portas blindadas, fechaduras reforçadas com trancas, grades nas montras, mesmo
assim acham muito provável virem a ser vítimas de assalto no futuro.
No grupo dos “Desprevenidos” encontramos tendencialmente os comerciantes
pertencentes ao escalão etário entre os 50 e os 69 anos de idade, que não sabem ler ou têm o
1º Ciclo (4º ano), os seus estabelecimentos comerciais têm 20 anos ou mais anos de
actividade, nunca foram assaltados, não são adeptos de meios de autoprotecção, não
utilizando nenhum meio de segurança passiva, considerando que é impossível virem a ser
vítimas de assalto.
Em oposição a este grupo temos o grupo dos “Pouco Prevenidos”, o qual é constituído
tendencialmente por comerciantes que menos de 50 anos de idade, que têm como habilitações
literárias o 3º Ciclo (9º ano), Curso Superior e Profissional, os seus estabelecimentos
comerciais têm menos de 10 anos de actividade e nunca foram assaltados. Utilizam alguns
meios de segurança passiva, tais como: Ligação à central pública e privada de alarmes, vídeo
vigilância. Não têm grades nas montras, nem vidros inquebráveis e dão como certo virem a
ser vítimas de assalto no futuro.
É de referir que neste plano as categorias “ensino secundário”, “alarme local” e os que
consideram “pouco provável” e “provável” virem a ser vítimas de assalto, não são
diferenciadoras uma vez que estão próximas de zero e por esse motivo correspondem ao perfil
médio. Neste sentido, estas quatro categorias não fazem parte de nenhum dos grupos
analisados.
170
Importa finalmente referir que estes três perfis são os mais diferenciadores dos
comerciantes em análise, na medida em que são definidos pelas dimensões que justamente
têm associados valores próprios mais elevados.
Fig: 5
-1 0 1 2
Dimensão 1
-2
-1
0
1
2
Dimensão 2
Não sabe ler
Sabe ler e escrever
1º Ciclo
2º Ciclo 3º Ciclo
Curso Profissional Curso Superior
< 30 anos
Dos 30 aos 49 anos
Dos 50 aos 69 anos
> 69 anos
< 5 anos
5 a 9 anos
10 a 19 anos
20 anos ou mais Não
Não
Sim
Não
Sim
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Certo
Muito Provável
Impossível
Hab. Literárias
Esc. Etários
Tempo de activ. do
estabelecimento
Estab. alvo de furto
Alarme local
Ligação a central
pública de alarmes
Ligação a central
privada de alarmes
Grades nas montras
Portas blindadas
Fechaduras
reforçadas com
trancas
Vidros inquebráveis
Vídeo vigilância
(CCTV)
Probabilidade do
estabel. ser
futuramente
assaltado
Perfil do Comerciante de Elvas
Comerciantes “Desprevenidos”
Comerciantes”Pouco Prevenidos”
Comerciantes “Muito Prevenidos”
171
CCOONNCCLLUUSSÕÕEESS
O presente estudo, foi impulsionado pela necessidade de compreender as razões pelas
quais os cidadãos, individual e colectivamente considerados, não correspondem ao alarme
público relativo aos riscos de vitimação criminal, com a implementação de medidas de
autoprotecção. Este quesito levou, por sua vez, à eleição de uma hipótese nuclear que
propunha a possibilidade de existência de uma ambivalência entre os discursos colectivos e
as percepções individuais, por um lado, e as expectativas relativas à protecção policial e as
praxis de autoprotecção, por outro.
A análise de conteúdo às notícias da comunicação social local evidenciou a crescente
atenção dada ao fenómeno da criminalidade. No decorrer de pouco mais de um decénio de
publicações analisadas (1994 – 2006), os discursos do Jornal “Linhas de Elvas” foram sendo
alterados quer ao nível do conteúdo, quer ao nível da intensidade, sendo perceptível o
progressivo abandono do discurso invocativo de um ideário de tranquilidade materializado
na imagem das “calmas planícies alentejanas”. Nesse cenário, qualquer perturbação da paz e
da ordem, constituiria um acontecimento de ruptura da estabilidade social e fonte de surpresa
e indignação; um sinal de mudança que implicaria a desestabilização e o sentimento de
impreparação em face de novos riscos.
Apesar de questionável que tal ideário representasse fielmente a realidade, a invocação
contextual de “não ocorrência”, por contraponto ao movimento, foi-se tornando cada vez
mais rara, com o reflexo crescente de novas formas de criminalidade espelhadas nas páginas
dos jornais.
Acompanhando essa alteração, surgiriam discursos de novos actores263 que, assumindo
lugar na construção de um novo discurso público veiculado jornalisticamente, carrearam
263 Políticos, comentadores e a propagação da vox populi por via da imprensa.
172
elementos para a construção de um novo sentir, desta vez relacionado com a constatação de
“chegada” do crime como consequência do desenvolvimento e aparente desproporção entre
os seus níveis de incidência e a dimensão do lugar e do seu povo.
Observou-se, porém, que os discursos públicos de alarme da comunicação social
elvense, na generalidade e quando analisados numa perspectiva quantitativa, acompanham de
forma relativamente fidedigna as flutuações da criminalidade registada pela Polícia. Esta
conclusão resulta da comparação entre o crescimento e o decrescimento de notícias relativas
à criminalidade e insegurança e as estatísticas policiais.
Existem três razões concorrentes para este resultado: em primeiro lugar, a cidade de
Elvas representa ainda uma comunidade relativamente pequena e atenta em que os seus
membros ainda se reconhecem e em que as notícias de maior relevo se espalham
rapidamente (como acontece sempre que há um crime), sendo a comunicação social
beneficiária desta dinâmica. Em segundo lugar, decorrendo da mesma ordem de razões (em
acumulação com a difícil habituação aos novos contextos sociais e criminais), o impacto
social de um crime é ainda superior em Elvas do que seria numa cidade de maior
dimensão,264 algo sobejamente assinalado pelos discursos da imprensa escrita. Em terceiro e
último lugar, a relação entre as autoridades policiais e a comunicação social caracteriza-se
por uma grande proximidade,265 levando a que a comunicação social esteja, normalmente, ao
corrente da actividade criminal e/ou policial.
264 Consideramos este aspecto particularmente saudável, porquanto revela existir ainda alguma coesão social que, embora possa não servir para criar um movimento de autoprotecção individual e comunitário, revela capacidade de indignação e exigência em face dos poderes públicos. 265 De novo, tal abertura decorre da dimensão da comunidade e da proximidade das instituições. Esta proximidade decorre ainda da necessidade das autoridades policiais poderem estabelecer ligações não institucionais com a opinião pública, tomando muitas vezes a iniciativa de esclarecer em vez de esconder a notícia. Ressalvados os direitos individuais das pessoas envolvidas e o segredo de justiça, a estratégia de não esconder o facto criminoso da comunicação social permite manter o elo de confiança com a comunidade, mantendo aberto um canal de informação não formal.
173
Analisando os discursos da imprensa escrita, poder-se-ia supor que, em determinados
momentos, a criminalidade e insegurança seriam um problema de importância primordial
para os comerciantes.
Porém, na sua generalidade e como atrás ficou demonstrado, os comerciantes antes de
mencionarem a «insegurança» como um óbice à sua actividade, indicam outros aspectos de
ordem económica e social. Nem mesmo do ponto de vista do desempenho do papel de
“sentinela”, emitindo alertas sobre o aumento do risco de vitimação criminal, a comunicação
social parece ter grande relevância na alteração do modus vivendi dos inquiridos.266
Contudo, embora os resultados do inquérito não permitam afiançar esta interpretação,
parece-nos ser possível afirmar, ainda que de forma cautelosa, que o discurso da insegurança
e da criminalidade tem um papel sedimentar na construção dos sentimentos de insegurança
gerais e na perspectivação de um futuro inseguro (Roché, S. 1993:135), o que, por sua vez, e
de forma correlacionar, contribui para a construção de percepções e estratégias.
Para além do mais, uma maioria assinalável de comerciantes inquiridos conhecia, no
momento do inquérito, outros que já haviam sido vitimados na década anterior.267
Não sendo (nem pretendendo ser) um indicador do volume e taxa de incidência deste
tipo crime, estes dados permitem concluir que, de uma forma ou de outra, os inquiridos estão
munidos de informação sobre os riscos de vitimação. Informação essa, adquirida, quer pela
comunicação social, quer através das relações pessoais que mantêm com os seus pares.
Ora, como bem ficou patente, a grande maioria dos comerciantes da cidade de Elvas
inquiridos têm a percepção que a criminalidade em Elvas está em desenvolvimento268,
266 Relativamente aos comerciantes já assaltados, o início do discurso da insegurança e do crime na comunicação social não foi uma razão que tenha pesado na decisão de adquirir meios de segurança passiva (Quadro 25 do Anexo 5, p. 37), já relativamente aos inquiridos que nunca foram alvo de assalto, os discursos da comunicação social pesaram na aquisição de meios de segurança passiva em apenas 3,8% dos casos (Quadro 31 do Anexo 5, p. 42). 267 Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 5, p. 26.
174
apontando como causas dessa tendência, razões de ordem sócio-económica e estrutural como
o desemprego, a crise económica e a abertura da fronteira luso – espanhola e projectando de
forma esmagadora a probabilidade de serem vítimas de assalto no futuro.269
Porém, quando questionados sobre as medidas que serão mais indicadas à redução da
criminalidade indicam por ordem de importância, o «maior rigor na aplicação da lei por parte
dos Tribunais», «penas mais pesadas» e «mais polícias», sendo o «investimento das
potenciais vítimas em meios de segurança passiva» a medida menos referida.270
De uma forma geral, os cruzamentos feitos com as variáveis sócio-demográficas
(género, idade e habilitações literárias), apesar de apontarem algumas diferenças entre os
vários grupos seleccionados, não o fazem de forma significativa e de modo a contrariar as
tendências gerais quer das percepções, quer das estratégias dos comerciantes que
participaram no estudo.
De facto, quer seja por razões relacionadas com os condicionalismos particulares desta
população,271 quer com os seus arquétipos,272 a generalidade dos comerciantes inquiridos
tende a apelar aos poderes formais, designadamente tribunais e polícias, no sentido da
resolução dos problemas da criminalidade e insegurança, ainda que assinalem
peremptoriamente que a sua génese se radica em fenómenos sociais e económicos que,
obviamente, aquelas instâncias não podem resolver. De qualquer forma fica, na maior parte
dos casos, excluída desta equação o papel do próprio cidadão e no caso em particular, o do
comerciante, na prevenção do crime, nomeadamente, através da aplicação de técnicas e
utilização de equipamentos destinados a aumentar a protecção dos respectivos
estabelecimentos.
268 59,1% das respostas inclinam-se para a expressão de uma percepção da tendência de aumento no decénio que antecedeu a aplicação do inquérito, enquanto 15,2% denota não necessariamente um aumento, mas uma alteração de tipologia (vd. Gráfico 13, p. 135) 269 vd. Gráfico 14, p. 140. 270 vd. Quadro 20, p. 138.
175
Se, de certo modo, é possível atribuir, quer as percepções, quer as soluções
encontradas, ao sistema de crenças e valores das sociedades ocidentais, erigidas sob a
pressão do Estado centralizado e da regulação dos inúmeros aspectos da vida dos cidadãos,
como amplamente mencionado nos capítulos anteriores, é necessário alargar o campo de
visão e perceber que existem aspectos bastante mais imediatos e de natureza menos
complexa que podem influenciar estas posturas.
Assim, se por um lado se poderá julgar que as estratégias de pendor estatal se
sustentam na crença que o Estado é, efectivamente, o detentor da suprema capacidade e
competência de garantir a segurança, estando para isso dotado daquelas duas ferramentas
(Tribunais e Polícia), simultaneamente simbólicas273 desse poder e actuantes no cenário
social;274 a verdade é que não deixa de ser interessante poder equacionar o valor da temática
“criminalidade e insegurança”, na escala de problemas desta população como factor capaz de
influenciar tais opiniões e atitudes.
In casu, os comerciantes de Elvas, apesar da pressão da criminalidade que sofreram em
dado momento do seu passado recente, dos protestos e da publicidade dos acontecimentos
criminosos expressos por via da comunicação social ou transferidos inter pares, quando
questionados sobre quais eram os três maiores problemas do comércio de Elvas, elegeram de
forma evidente aspectos relacionados com a sua existência económica. 275
271 Nomeadamente os geográficos, histórico-funcionais e económicos. 272 Isto é, o quadro de valores e representações culturais decorrentes do passado histórico-político e social. 273 A este propósito veja-se Waddington (1999:6 e seg.) 274 Muito embora os inquiridos não considerem que as instâncias formais de controlo tenham responsabilidades no aumento da criminalidade, esta tendência é mais evidente naqueles que nunca foram vítimas de assalto, talvez porque a sua aparente “imunidade” à vitimação, não careceu de investimento especial na autoprotecção. 275 Como anteriormente referido, o tópico da «falta de segurança» é apenas o quarto dos problemas mais apontado pelos inquiridos, sendo eleitos como três principais problemas, a uma grande distância e por ordem de importância, a «Falta de poder de compra dos clientes», «O IVA demasiado alto» e a «Concorrência espanhola». A posição de tal problemática em quarto lugar na escala das mais apontadas e a uma distância razoável das restantes, revela que a criminalidade e insegurança não são, ou melhor, não eram, no momento da aplicação do inquérito, uma prioridade para os comerciantes, apesar dos mesmos reconhecerem, como inicialmente se afirmou, a alteração da criminalidade, havendo mesmo uma percentagem significativa que crê no aumento do fenómeno e num risco criminal de concretização quase certa. Vd. Quadro 14, p. 129.
176
Esta aparente ambivalência parece susceptível de revelar que as preocupações,
ansiedades, percepções e necessidades, quer individuais, quer colectivas são dinâmicas,
contendo elementos moldáveis às circunstâncias e assumindo entre si posições diferentes na
respectiva hierarquia.
Assim, o binómio «Segurança / Insegurança», oscila de posição na escala das
preocupações, conforme a interferência / influência de outros elementos exógenos, podendo
afirmar-se que no momento da aplicação do inquérito,276 esta preocupação havia sido
ultrapassada por questões relacionadas com a economia e, portanto, com a sobrevivência dos
respectivos negócios.
É, por conseguinte, possível pensar que a posição que os comerciantes de Elvas
assumem para si (relativamente à manutenção da sua própria segurança), é susceptível de
variação, não porque estes actores considerem que a segurança é algo que lhes seja
inteiramente alheio ou de valor irrelevante, mas porque existem razões de ordem económica
que se lhe sobrepõem.
Na verdade, a percepção de que existe um quadro circunstancial adverso no campo da
segurança económica agrupa, não só as referidas necessidades, como as classifica e ordena
de acordo com o risco que impende sobre a satisfação de cada agrupamento.
Revisitando a “Hierarquia das Necessidades” de Maslow277, dir-se-ia que deverá ser
difícil impor a um comerciante que se preocupe com a protecção do seu estabelecimento
contra o crime, antes de se preocupar com a sobrevivência do seu negócio e, portanto, a
276 Após um decréscimo da incidência de furtos no interior de estabelecimentos comerciais, marcado por detenções e decisões judiciais tendentes a decretar prisão preventiva aos suspeitos, e um alívio da pressão da comunicação social sobre o assunto. 277 No elenco hierárquico das necessidades, teorizado por Maslow as necessidades fisiológicas (básicas), tais como a fome, a sede, o sexo surgiam em primeiro lugar; seguiam-se as necessidades de segurança, que vão da simples necessidade de estar seguro dentro de uma casa, a formas mais elaboradas de segurança, como um emprego, uma religião, a ciência, entre outras; em terceiro lugar surgiam as necessidades de amor, afeição e sentimentos de pertença tais como o afecto e o carinho dos outros; em quarto lugar emergiam as necessidades de estima, que passam por duas vertentes, o reconhecimento das nossas capacidades pessoais e o
177
necessidade de autoprotecção apenas surge quando estiver relativamente bem garantida a
necessidade básica de “sobrevivência”.
Impõe-se ainda referir que, sob este prisma, a análise subjectiva do risco é feita de
forma globalizante e não fragmentada por tipos de risco (sociais, económicos, criminais,
etc.).
No entanto, não se pretende afirmar de forma peremptória que as preocupações
económicas eliminam as preocupações com a segurança, mas sim que aquelas competem
com estas de forma permanente. Não sendo a vida humana fragmentável, a aceitação dos
riscos é produzida através de uma avaliação sobre o conjunto ou “pacote” de riscos e não de
forma segmentada sobre cada um deles (Giddens, A.1997:116).
Assim, poder-se-ía dizer que, no caso dos comerciantes de Elvas, o “pacote” de riscos
económico-financeiros que condiciona a sobrevivência e saúde do seu negócio, tem (ou teve
no momento da aplicação do inquérito) um valor superior ao “pacote” riscos de vitimação
criminal, não obstante, do posto de vista da criação do sentimento de insegurança, ambos os
aspectos tenham um peso relevante e se apresentem de forma, relativamente diluída e
sedimentar.
Assinale-se, por outro lado, o facto dos inquiridos não parecerem imputar às instâncias
formais de controlo, as maiores responsabilidades no aumento ou alteração das
características da criminalidade,278 regressando como justificação para estas metamorfoses,
reconhecimento dos outros face à nossa capacidade de adequação às funções que desempenhamos; por fim, apareceriam as necessidades de auto-realização, em que o indivíduo procura tornar-se aquele que almeja ser. 278 A opção de responsabilização das Polícias (34,2%) e dos Tribunais (32,9%) por esta tendência de manutenção ou aumento dos níveis de criminalidade foi negativa, revelando que a maioria dos inquiridos não sentem que as instancias formais de controlo não estão a fazer o que está ao seu alcance para controlar a criminalidade, mas que existem factores exógenos à sua esfera de actuação que impedem a concretização desses intentos (os sociais e económicos).
178
as razões de ordem social e estrutural como «o desemprego», «a crise económica», e a
liberdade de circulação na fronteira luso-espanhola.279
Se é plausível que tais justificações surjam por imitação das mais amplamente
difundidas nos discursos de massa,280 também a partir delas se poderá reforçar a ideia de que,
nas percepções dos inquiridos, está patente uma profunda preocupação com o equilíbrio
social e económico em que a criminalidade e a insegurança surgem como resultados
inevitáveis, com tendência para a agudização. Daí a revelação de um juízo prognóstico de
vitimação provável no futuro, por parte da maioria.
Ora, neste contexto, poderia ser expectável que esse juízo de prognose sobre a
magnificação dos riscos de vitimação criminal, pudesse levar as potenciais vítimas a agir no
sentido de investirem em meios de autoprotecção.
Apesar de ser rara a completa inexistência de meios de segurança passiva,281 as
estratégias encontradas apelam à intervenção do Estado como primeiro, senão mesmo único,
responsável pela garantia da segurança dos cidadãos, cabendo, na opinião dos inquiridos, às
suas instituições tomar medidas para reduzir o crime e repor a paz e a ordem.
Na maioria dos casos estudados, não foi possível estabelecer uma relação directa entre
as percepções de aumento do risco de vitimação criminal e de implementação de medidas de
segurança passiva.
Se a postura dos cidadãos inquiridos for observada através da contextualização dos
seus cânones culturais e dos seus circunstancialismos particulares, poder-se-á afirmar que a
ambivalência mencionada na hipótese é apenas aparente.
Sendo verdade que, actualmente, a protecção e defesa sustentada na comunidade
declinou, sendo substituída por formas pós-modernas de defesa própria em que o
279 Recorde-se que a «falta de eficácia das polícias» e «a falta de eficácia dos tribunais» colheram 34,2% e 32,9% das respostas, respectivamente. 280 A este propósito leia-se Reto et Sá (2002:97).
179
investimento individual é assumido como primeira linha de actuação e defesa, também é
verdade que o ambiente e cultura dos cidadãos de Elvas ainda sustém reminiscências de
paradigmas anteriores.
A estrutura e dimensões urbanas de Elvas, contribuem para a conservação da coesão do
tecido social. A cidade, que ao longo do tempo sedimentou o seu cariz defensivo e
comercial, construiu-se sobre esses dois pilares, acentuando as suas características mais
eminentes e enformando as crenças e valores dos seus habitantes, em redor desses contextos
particulares.
A presença militar de séculos, contribuiu para a moldagem de um ideário de segurança,
fortalecido pela presença dos símbolos mais sólidos do Estado, as instituições militares. Do
ponto de vista das actividades económicas, a localização da cidade junto da fronteira
contribuiu, nos tempos de paz, para a construção de uma actividade comercial com traços
típicos e fortemente vocacionada para os visitantes, mormente os espanhóis.
Simultaneamente, dever-se-á manter em perspectiva a história recente de Portugal,
nomeadamente os efeitos das políticas centralizadoras do Estado Novo e a ruptura com esse
sistema de governação dirigindo a gestão do Estado para a implementação do modelo de
Estado-providência.282
Estas particularidades, aliadas ao vários factores mencionados nos primeiros capítulos
do presente trabalho, poderão ter contribuído para a solidificação da crença na
responsabilidade do Estado (substituindo a segurança sustentada na comunidade), largamente
disseminada, mas não terá sido o único factor para essa composição.
Assim, para além dos cânones culturais a que se fez menção, deveremos atender aos
circunstancialismos próprios da população elvense.
281 Atendendo também ao extenso elenco de medidas constantes na Pergunta 11 do questionário (vd. Anexo 1). 282 Quando tal modelo de governação começava a dar mostras de retracção noutros países e comunidades.
180
Com o alargamento do espaço de transacções, por via da aplicação da Convenção de
Aplicação do Acordo de Schengen (CAAS) e com a implementação de reformas ao nível da
função pública que implicam o reequacionar da distribuição de valências pelo território
nacional, a cidade de Elvas ressentiu-se da sua condição periférica e o seu comércio, da
competição aberta com um vizinho economicamente mais forte, mas que, apesar do poder de
compra mais elevado dos seus cidadãos, reduziu a sua participação na clientela tradicional.
Este conjunto de factores, proporciona dois resultados. Em primeiro lugar, o aumento
das preocupações relativamente à economia e subsistência dos negócios dos inquiridos, em
segundo lugar, um sentimento reforçado de carência de suporte estatal por via da necessidade
de acorrer primeiramente àquela preocupação. Isto porque, a adopção de lógicas de
“privatização do risco” / autoprotecção apesar de poder ser concretizada de inúmeras formas
(vd. Anexo 10), carece sempre de algum investimento próprio, nomeadamente com impacto
no potencial económico dos comerciantes, mas também de uma cultura de empreendimento
individual e desprendimento das instâncias formais.
Assim, numa dupla perspectiva, não só a resistência às estratégias de “privatização do
risco” poderá decorrer das crenças e valores da população, como das circunstâncias sociais e
económicas próprias dos inquiridos, não constituindo uma ambivalência em que os pólos se
antagonizam, mas sendo antes, uma resposta pragmática, moldada naquelas condicionantes,
em que o apelo à intervenção do Estado em prol da segurança pretende também obviar ao
aumento de investimento dos particulares.
Consequentemente, a afirmação de que existe uma discrepância entre a percepção dos
riscos de vitimação e o investimento em meios de segurança passiva, apesar de ser uma
tendência, não é uma verdade inteiramente generalizável.
O inquérito aplicado aos comerciantes de Elvas, detectou 166 casos de comerciantes
que, nunca tendo sido vítimas de assalto, possuíam meios de segurança passiva.
181
Esses inquiridos, apesar de não aliviarem as instâncias formais de controlo da
responsabilidade de protecção e defesa dos cidadãos contra o crime, apontaram como
principais razões para as sua opção, por ordem de importância, o «dever de se protegerem a
si próprios», «terem medo de serem assaltados» e a percepção do aumento do crime. Na sua
grande maioria, estes comerciantes consideram «provável», «muito provável» e mesmo certo
que os seus estabelecimentos venham a ser futuramente alvo de assalto283.
A procura de meios de segurança passiva pela generalidade destes indivíduos, reflecte
uma percepção de aumento da criminalidade e o receio de ser vitimado que conduz e
justifica a autoprotecção.
Conclui-se que, são precisamente os que percepcionam uma tendência crescente da
criminalidade, que julgam estar mais sujeitos à vitimação e que, por consequência, pensam
ser provável ou certo vir a ser vitimados, aqueles que mais investem em meios de segurança
passiva. As suas preocupações com a segurança, materializadas nas acções de prevenção e
implementação de medidas de autoprotecção, poderão ser ainda o fundamento da sua menor
propensão para a vitimação. Note-se que, para a maioria dos comerciantes que nunca foram
alvo de assalto, a percepção que têm em relação à criminalidade em Elvas, é de que esta está
maior do que há 10 anos.284
Porém, quando questionados quanto aos métodos susceptíveis de reduzir a
criminalidade, estes comerciantes também são da opinião de que, em primeiro lugar, deveria
haver «mais rigor por parte dos Tribunais na aplicação da lei», em segundo e com o mesmo
grau de importância as «penas deveriam ser mais pesadas» e deveria haver «mais
283 Apesar de existir ainda uma faixa significativa de 24,7% de inquiridos que, nunca tendo sido alvo de assalto e possuindo alguns meios de segurança passiva, imbuídos de maior confiança afirmam ser «Pouco provável» virem a ser vitimados. Estes comerciantes revelam uma extraordinária “imunidade subjectiva” e um grande optimismo e confiança em face do futuro. V. Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 33, p. 44. 284 Cerca de 22% destes indivíduos consideram que a criminalidade é menor do que há 10 anos e apenas 6,6% a consideram diferente da de há 10 anos, coincidindo, grosso-modo com aqueles que acham pouco provável serem vítimas de assalto no futuro. V. Anexo 5: Percepções e estratégias dos comerciantes, quadro 34, p. 45.
182
policiamento», apelando à intervenção das instâncias formais de controlo. As questões
ligadas à acção dos cidadãos nestas temáticas, continuam a ser pouco apontadas, apesar de
ser esta população a que se encontra mais precavida.
Em síntese, poder-se-á afirmar que, os dados disponíveis indicam, novamente, existir
uma tendência para delegar nas instâncias formais essa protecção.285 Esta faixa da amostra,
não obstante nunca ter sido vitimizada, tende à implementação de mais meios de segurança
passiva, revelando um maior pessimismo em relação à sua segurança no futuro, e não
descartando a tendência, aparentemente transversal, para procurar soluções de cariz estatal.
Este conjunto de características indicia que, entre os comerciantes que nunca foram
assaltados, existe um grupo cuja sensação de vulnerabilidade, impõe um maior investimento
em protecções.
Todavia, esse investimento não afasta o sentimento de insegurança, nem faz com que
os comerciantes se julguem menos sujeitos ao risco de assalto, uma vez que continuam a
projectar um futuro incerto no que concerne à sua segurança, apelando ainda a medidas
estatais que reforcem e apoiem o seu próprio investimento. Se a construção de protecções
potencia o sentimento de insegurança porque evidencia as vulnerabilidades (Castel, R.
2003:6), cautelosamente, dir-se-á apenas que os dados que são possíveis analisar revelam
que, se a construção de protecções não potenciar o sentimento de insegurança por evidenciar
as vulnerabilidades, certamente também não contribui para a sua diminuição.
Na tentativa de formar subgrupos entre os comerciantes estudados, por identificação
das associações, afastamentos e oposições entre variáveis, estabeleceram-se três perfis
diferenciados.
Assim, detectou-se um agrupamento ao qual se optou por designar “Muito
Prevenidos”. Os comerciantes “Muito Prevenidos” têm, tendencialmente, uma idade
285 Idem.
183
avançada (acima dos 69 anos de idade), uma escolaridade baixa (até ao 2.º ciclo) e exploram
estabelecimentos com mais de 10 anos de actividade que já foram assaltados.
Este grupo, tende a possuir alguns meios de segurança passiva, obrigados pelas
circunstâncias da sua vitimação e pela experiência vivencial característica da sua faixa etária a
assumir uma postura mais cautelosa relativamente aos seus bens. A opção pela
implementação de meios de segurança passiva, coloca os estabelecimentos destes indivíduos
numa classificação segura em relação ao grupo dos “Desprevenidos”.
Neste agrupamento dos “Desprevenidos”encontram-se comerciantes um pouco mais
jovens que os anteriores (entre os 50 e os 69 anos de idade) mas menos instruídos (não sabem
ler ou têm o 1º Ciclo), os seus estabelecimentos comerciais têm 20 anos ou mais anos de
actividade e nunca foram assaltados. Os circunstancialismos diferenciadores mais evidentes
são a instrução, mas sobretudo, a ausência de situações de vitimação, circunstância essa que,
aparentemente, ajuda ao reforço de uma imunidade em face do risco de crime: os
estabelecimentos comerciais de pessoas com o perfil indicado não possuem meios de
segurança passiva. Estes comerciantes consideram ser impossível, virem a ser vítimas de
assalto no futuro, porque em 20 anos de actividade não o foram. Fica por apurar as razões
concretas da ausência de episódios de vitimação286 que poderão ser de natureza situacional,
como a localização do estabelecimento, ou funcional, como os bens que nele são
transaccionados e o grau de atracção por eles suscitado.
Numa faixa intermédia, encontram-se os comerciantes “Pouco Prevenidos”. Estes
comerciantes têm, na generalidade menos de 50 anos de idade, melhor instrução que qualquer
dos anteriores (3º Ciclo, Curso Superior e Profissional), a sua actividade comercial é recente
(menos de 10 anos de actividade) e nunca foram assaltados.
286 Não foi possível com a utilização do inquérito analisar a localização exacta de cada estabelecimento e a sua posição na via pública em relação a elementos urbanos proporcionadores e melhores condições de segurança,
184
Porém, a ausência de episódios de vitimação, ao contrário dos indivíduos do grupo dos
“Desprevenidos”, não os impede de utilizarem alguns meios de segurança passiva com
justificação na crença da vitimação futura ser uma certeza.
As opções de meios de segurança dentro do elenco apresentado centram-se sobretudo
em equipamentos electrónicos (ligação à central pública e privada de alarmes, vídeo
vigilância), refutando outros meios mais rudimentares (grades nas montras ou vidros
inquebráveis) cuja relação custo / eficácia é questionável.
Este grupo em particular, revela um melhor enquadramento em face da realidade
criminal e das probabilidades de vitimação. Embora parecendo exagerada a afirmação de ser
certa a vitimação, a verdade é que este facto surge num contexto de não vitimação que não
conduz à imunidade, mas antes, ao alargamento da consciência do risco e, por sua vez, à
implementação de medidas de autoprotecção.
Indo ao encontro do que já havia sido revelado pelo inquérito, a aplicação da análise de
homogeneidade “HOMALS”, confirma a existência de uma faixa importante da população
inquirida que tem medo do futuro, apesar de aparentar saber proteger-se, reduzindo as
hipóteses de vitimação futura.
Os comerciantes “Pouco Prevenidos”, parecem poder vir a transformar-se em “Muito
Prevenidos” com o tempo, porém, desenvolvendo estratégias mais actualizadas, sustentadas
menos em meios rudimentares de protecção pela criação de barreiras físicas nos
estabelecimentos, mas aderindo a meios tecnologicamente avançados, disponibilizados
através da contratação de empresas de prestação de serviços de segurança privada (alarmes,
equipamentos de vigilâncias, etc.).
tais como, existência de boa iluminação pública, passeios altos e estradas a boa distância das montras e portas, inexistência de portas traseiras, etc.
185
Relativamente à conduta dos comerciantes inquiridos após a vitimação,287 é possível
observar que foi privilegiada a comunicação às entidades policiais, sem desejo de
procedimento criminal, justificando a maior parte dos inquiridos que tal comunicação
prendia-se com o intuito de recuperar algum material subtraído e como forma de alertar a
polícia. Estes resultados indiciam que a comunicação às autoridades policiais, sem
apresentação formal de queixa, tem dois objectivos principais: um, de cariz inteiramente
individual, que se substancia na tentativa de recuperar os bens subtraídos (reduzindo o
prejuízo causado pelo crime) e outro, dirigido a uma prevenção geral do delito.
“Dar conhecimento às autoridades” sem a respectiva demonstração de desejo de
procedimento criminal, é uma conduta na qual o autor procede a uma semi-inscrição288 no
sistema formal. Dando conhecimento dos factos, o sujeito afirma pretender alertar as
autoridades para a possibilidade de repetição do fenómeno mas, por outra via, ao não
accionar o procedimento criminal, evita o envolvimento com a máquina investigatória
policial / judicial. O evitamento de inscrição formal no circuito oficial dos procedimentos
policiais e judiciais cumprirá apenas parcialmente o “dever cívico” do lesado, uma vez que
inibirá a possibilidade das autoridades policiais utilizarem o caso concreto na imputação a
um futuro suspeito que venha a ser descoberto.
Daqui parece resultar que a inscrição do cidadão lesado (assumindo a sua posição de
vítima e aderindo ao sistema para fazer valer os seus direitos e apoiando outras
investigações), é pouco atractiva e dificilmente compete com o primeiro objectivo individual
que é económico: a recuperação de bens subtraídos.
Os comerciantes que manifestaram sempre o desejo de procedimento criminal surgem
em segundo lugar; destes, a esmagadora maioria justifica o seu procedimento com o intuito
de penalizar os criminosos, enquanto que os restantes inquiridos tencionaram apenas alertar a
287 70 casos, representando 29,5% dos 237 inquiridos haviam já sido vítimas de furto
186
polícia, recuperar bens furtados e “agir de forma correcta”, revelando uma maior tendência
para a necessidade de reposição da ordem de valores sociais que ultrapassa os objectivos
individuais do sujeito / vítima.
A posição assumida pelos comerciantes cujo estabelecimento foi alvo de furto, se
perspectivado através das variáveis sócio-demográficas, revela algumas diferenças. Desta
análise resultou que a maioria dos homens opta por comunicar sempre à polícia, mas não
desejam procedimento criminal, ao passo que a maioria das mulheres optam, em primeiro,
lugar pelo procedimento criminal.
Analisando estas mesmas posições segundo os escalões etários aos quais os indivíduos
pertencem, constatamos que os indivíduos com menos de 30 anos e com idades
compreendidas entre os 50 e os 69 anos optam, em primeiro plano, por comunicar sempre à
polícia mas não desejam procedimento criminal, enquanto que os indivíduos de idade superior
a 69 anos e na faixa compreendida entre os 30 e os 49 decidem, primeiramente, apresentar
queixa.
Do ponto de vista das habilitações literárias, verificamos que a maioria dos indivíduos
detentores do 3º Ciclo, do Ensino Secundário e dos que sabem ler e escrever, optam sempre
por accionar os mecanismos formais, em detrimento dos detentores do 1º e 2º Ciclo e Curso
Profissional, os quais comunicam sempre à Polícia, mas não prosseguem com a apresentação
de queixa-crime.
Esta análise permite afirmar, como já vimos supra, que a opção de comunicação à
Polícia sem desejo de procedimento criminal é maioritariamente adoptada por indivíduos do
sexo masculino e a de procedimento criminal é uma opção mais comum entre os indivíduos
do sexo feminino. Porém, a variedade de cambiantes entre estes dois grupos de inquiridos,
não permite estabelecer um perfil exacto em qualquer deles.
288 Para utilizar a terminologia de Gil (2005:15 e seg. 74 e seg.).
187
Na generalidade, o que estes dados nos permitem observar, é uma tendência para uma
“não inscrição” dos indivíduos inquiridos junto das instâncias formais, mesmo quando a elas
recorrem com vista a serem apoiados na pós-vitimação. Este factor, revela que, apesar da
população em estudo crer que é às instâncias formais que cabe o controlo da criminalidade, a
adesão que fazem a esses sistemas é limitada pela gravidade do seu problema em particular.
Assim, é determinante para uma total adesão ao sistema, o valor considerável do
prejuízo sofrido. Mais uma vez, o factor de sustentabilidade material pesa, sobrepondo-se a
quaisquer intenções ou ideários de prevenção geral, em relação aos quais, ainda assim, são as
mulheres, os sujeitos mais activos.
Em síntese e seguindo as sub-hipóteses levantadas, é possível confirmar que existe
uma tendência generalizada para relegar a responsabilidade pela segurança no Estado,
mormente, nos organismos policiais. Essa tendência é transversal e inteligível a partir das
opiniões dos inquiridos, quer tenham ou não sido vítimas de assalto, quer tenham ou não
meios de segurança passiva nos seus estabelecimentos.289
O apuramento desta tendência deverá produzir uma reflexão sobre os efeitos da
“privatização do risco” entendida como consequência da retracção do papel do Estado em
face da população governada.
Actualmente, apesar de terem sido claramente ultrapassados os paradigmas de
protecção sustentada na comunidade290 e de se estar em pleno processo de transição entre
uma segurança, «bem» público da responsabilidade do Estado e outra suportada sobretudo na
acção preventiva individual, os cidadãos e as comunidades de cidadãos, dependendo das suas
circunstâncias particulares subsistem num limbo em que as três eras lutam pela coexistência.
289 Porém é curioso notar que o apelo pelo reforço da acção Estatal, tem um maior pendor judicial do que, propriamente, policial. 290 Referem Eggers, W., O'Leary, J. (1995) que, ainda e sobretudo hoje, a grande parte da missão de policiar uma “sociedade livre” não é da Polícia, mas dos próprios cidadãos que a compõem, sendo que apenas essa responsabilização poderá garantir o restabelecimento dos laços de coesão de uma dada comunidade.
188
Numa comunidade como a elvense, a possibilidade de manutenção de ligações
interpessoais e de um espírito comunitário, representa ainda um pilar importante de coesão
social com reflexos ao nível do sentimento de segurança. Porém, as transformações sociais e
políticas ocorridas, sobretudo durante o séc. XX em Portugal, levaram a que hoje recaia
sobre o Estado e não sobre a comunidade, as principais expectativas dos cidadãos, no que
respeita ao fornecimento do bem “segurança”.
Assim, não estando ainda completamente dissolvido o papel da comunidade,
apresentando-se o Estado como actor principal na produção de segurança através de todo o
seu aparato legislativo e administrativo (apesar da introdução recente de um novo paradigma
que aligeira a sua intervenção e responsabiliza o individuo), são poucos aqueles que se
propõem assumir imediatamente tal responsabilidade pessoal na sua própria esfera de
segurança.
Apesar das razões de ordem económica que podem contribuir para o processo de
selecção de estratégias de prevenção do crime, nomeadamente, não elegendo métodos
susceptíveis de aumentar os encargos da actividade comercial, esta refutação cívica da
metamorfose funcional do Estado, deverá aproveitar à reflexão dos legisladores e dos
estrategas policiais, sobre o sistema legislativo e os modelos de policiamento adequados a
garantir, não só a segurança dos cidadãos mas também a manutenção do seu sentimento de
segurança.291
291 Para se poder atingir tamanho nível de integração, é necessário que os cidadãos tenham confiança nas instâncias de controlo e que as instâncias de controlo sejam capazes de apoiar a educação cívica para a segurança desempenhando, assim, um papel verdadeiramente assistencial. Assim, é possível aos serviços de polícia adoptarem posturas menos interventivas e mais assistenciais, passando a assessorar o público e não a substituir-se a ele nas tarefas básicas de vigilância e prevenção criminal. A implementação de um verdadeiro modelo de policiamento comunitário deverá devolver à população a responsabilidade primeira pela sua autoprotecção. A comunidade deverá policiar-se a si mesma sob orientação e com o apoio da Polícia, sendo da responsabilidade dos cidadãos, assumir uma posição mais pro-activa, nomeadamente, através da implementação de sistemas de segurança passiva. Porém, diga-se em abono da verdade que este processo tem maior potencial em sociedades pacificadas, do que noutras com elevado nível de conflitualidade social e criminal.
189
Por outro lado, a actual tendência de retracção do Estado, concessionando parcial ou
totalmente a terceiros, algumas das suas responsabilidades tradicionais e a Privatização do
Risco na perspectiva de fenómeno individual de assunção voluntária de responsabilidade
(ainda que condicionada pelo potencial económico em face do risco), poderá vir a gerar um
impacto preocupante no futuro que se consubstanciará na divisão de níveis de protecção e
segurança, mediante a capacidade económica das potenciais vítimas. Não se trata apenas de
atender à retracção do Estado e à auto-responsabilização dos cidadãos, mas também aos
possíveis resultados dessa conjugação. 292
Não foi possível aferir com exactidão se os comerciantes que nunca foram alvo /
vítima de furto têm, ou não, menor propensão para a implementação de medidas de
autoprotecção. Existe porém, a possibilidade de concluir que, efectivamente uma faixa
significativa da população inquirida, aparenta ter uma consciência do risco que os impele à
autoprotecção. Contudo, julga-se que estes dados são insuficientes para se concluir acerca da
maior propensão destes comerciantes para a autoprotecção, podendo ser o facto de estarem
melhor protegidos a influenciar positivamente a sua imunidade à vitimação.
A existência de uma discrepância entre a percepção dos riscos de vitimação e o
investimento em medidas de autoprotecção, também é relativa.
Na generalidade, os inquiridos têm uma percepção de aumento do risco de elevada
probabilidade de vitimação futura. De entre os mais pessimistas, destacam-se os melhor
protegidos e invictos dos inquiridos, numa aproximação à expressão de Castel (2003:6):
“estar protegido é estar ameaçado”.
292 Na verdade a Privatização do Risco operando em duas vertentes (a da conduta individual e da privatização de sectores relacionados com as diversas vertentes da segurança, outrora sob responsabilidade do Estado) terá como resultado tendencial, por um lado, o aumento do encargo individual sobre a segurança individual a ser suportado pelo cidadão e, por outro, o alargamento da oferta de bens de mercado destinados a garantir melhorias de protecção. Esta realidade revelará, a breve trecho, uma distinção clara entre aqueles que se suportam apenas nos mecanismos públicos de segurança e aqueles que possuem capacidade económica para encontrarem no sector privado um complemento de protecção.
190
Pode-se, isso sim, confirmar que, quanto mais protegidos estão os estabelecimentos,
menos vitimados são esses negócios comparativamente a outros; e que os estabelecimentos
mais protegidos têm proprietários e exploradores que se revelam os mais pessimistas e
inseguros de todos aqueles que fizeram parte do estudo. Esta constatação poderia ser o
suficiente para refutar a existência de uma tal discrepância, porém, nos outros casos,
nomeadamente naqueles em que os estabelecimentos foram assaltados e possuem meios de
segurança passiva, ou os que não os possuem, tendo sido assaltados, o futuro continua a ser
encarado com apreensão.
As percepções dos comerciantes de Elvas, apontam para uma consciência viva dos
riscos de vitimação criminal, temperada pela crença de que a manutenção da segurança é um
dever primordial e incontornável do Estado.
Estas convicções assumem um carácter transversal em toda a população alvo,
manifestando-se independentemente das estratégias que cada inquirido aplica no seu
quotidiano. Não obstante o investimento por alguns realizado em meios de segurança
passiva, o Estado, nas suas vertentes orgânicas e funcionais atinentes à segurança, surge
inevitavelmente como principal reduto da sua protecção.
191
BBIIBBLLIIOOGGRRAAFFIIAA
AZINHAIS, José Carlos Duarte (2003) – A manipulação de uma fronteira- percursos para a construção
de uma teoria social sobre o contrabando no período salazarista (1928 – 1968) in «ELVAS – Caia, Revista
Internacional de Cultura e Ciências», n.º 1, Edições Colibri / Câmara Municipal de Elvas.
BECCARIA, Cesare (1998) – Dos Delitos e das Penas, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
BECHMANN, Gotthard (2000) – Risk and the Post-Modern Society, Universidad del Pais Vasco, San
Sebastian, disponível e recuperado a partir de: http://www.itas.fzk.de/deu/Itaslit/bech00d_abstracte.htm em
24.1.2006
BECK, Ülrich (2005) – Risk Society: Towards a New Modernity, Sage Publications, London.
BEST, Joel (1999) – Random Violence : How we talk about new crimes and new victims, University of
California Press, Los Angeles.
CAETANO, Marcello (1992) - Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Tomo I
(reimpressão), 6.ª Edição, Almedina, Lisboa.
CASTEL, Robert (2003) – L’insécurité Sociale: Qu’est-ce qu’être protégé?, La Republique des Ideés /
Seuil.
CLARKE, Ronald V. (1997) – Situational Crime Prevention: Successful Case Studies, 2. ª ed., Harrow
& Heston, New York.
CLARKE, Ronald V., ECK, John E. (2005) – Crime Analysis for Problem Solvers: In 60 Small Steps,
United States Department of Justice, Office of Community Oriented Policing Services, Washington.
COHEN, Stanley (1985) – Visions of Social Control: Crime, Punishment and Classification, Polity
Press, Cambridge.
COPANS, Jean (1998a) Da Etnologia à Antropologia in AAVV – Antropologia – Ciência das
sociedades primitivas? Colecção Perspectivas do Homem, n.º 13, Edições 70, Lisboa.
- (1998b) A Antropologia Política in AAVV – Antropologia – Ciência das sociedades primitivas?
Colecção Perspectivas do Homem, n.º 13, Edições 70, Lisboa.
CROOK, Stephen (1999) – Ordering Risks in AAVV – Risk and Social Cultural Theory: New
Directions and Perspectives (ed. Deborah Lupton) Cambridge University Press, Cambridge.
CULPITT, Ian (1999) – Social Policy & Risk, Sage Publications, London.
CUSSON, Maurice (1998) – La Prevention du Crime par la Police: Tactiques actuelles et orientations
pour demain, Cahier 19, École de Criminologie, Centre International de Criminologie Comparée, Université de
Montréal, Montréal.
- (2006) – Criminologia, Casa das Letras / Editorial Notícias, Cruz Quebrada.
DARWIN, Charles (1998) – The Origin of Species, Oxford University Press, Oxford.
DEAN, Mitchell (1999) – Risk, Calculable and Incalculable in AAVV – Risk and Social Cultural
Theory: New Directions and Perspectives (ed. Deborah Lupton) Cambridge University Press, Cambridge.
DENTINHO, Maria do Céu Ponce (1989) – ELVAS – Monografia, Edição da Câmara Municipal de
Elvas.
192
DIAS, J. de Figueiredo e ANDRADE, M. da Costa (1997) – Criminologia: O Homem Delinquente e a
Sociedade Criminógena, 2.ª Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra.
DOUGLAS, Mary, WILDAVSKY, Aaron (1982) – Risk and Culture: an Essay on the Selection of
Technical and Environmental Dangers, University of California Press, Berkeley.
DOUGLAS, Mary (1985) – Risk Acceptability According to the Social Sciences, in «Social Research
Perspectives: occasional reports on current topics», n.º 11, Russel Sage Foundation.
DURKHEIM, Émile (2004) – De la Division du Travail Social, Presses Universitaires de France (PUF),
Paris.
EGGERS, William D., O'LEARY, John (1995) – The Beat Generation: Community Policing at Its Best,
in «Policy Review», Number 74, The Heritage Foundation, disponível e recuperado a partir de:
http://www.policyreview.org/fall95/thegg.html em 13.5.2006.
ELIAS, Norbert (1991) – A Condição Humana, DIFEL, Lisboa.
- (1993) – A Sociedade dos Indivíduos, 2.ª Edição, Publicações Dom Quixote, Lisboa.
ERICSON, Richard, HAGGERTY, Kevin (1999) – Policing the Risk Society, Oxford, Clarendon.
ESTEVES, Alina Isabel Pereira (1999) – A Criminalidade na Cidade de Lisboa, Edições Colibri,
Lisboa.
FARIA, Miguel (1996) – Curso de Criminologia: Lições para a cadeira semestral do 3.º ano do Curso
de formação de Oficiais de Polícia, policopiado, Escola Superior de Polícia, Lisboa.
FELSON, Marcus (2002) – Crime and Everyday Life, 3.ª ed., Sage Publications, Thousand Oaks,
California.
FELSON, Marcus, CLARKE, Ronald V. (1998) – Opportunity Makes the Thief: Practical theory for
crime prevention, Police Research Series, Paper 98, Home Office, London.
FERNANDES, Luís M. F. (2001) – A Criminalidade Organizada Transnacional e Segurança Interna, in
«Polícia Portuguesa – Órgão de Informação e Cultura da PSP», Ano LXIV, II série, n.º 129, Direcção Nacional
da PSP, Lisboa.
FERREIRA, Eduardo V. (1998) – Crime e Insegurança em Portugal- Padrões e tendências, 1985-1996,
Celta Editora, Oeiras.
FERREIRA, Virgínia (2005) – O Inquérito por Questionário in AAVV, Metodologia das Ciências
Sociais, Silva, A., Pinto, J. (Orgs.), 13.ª Ed., Edições Afrontamento, Santa Maria da Feira.
FIEL, Elisabete e GARRINHAS, João P. (2004) – Elvas – análise da dinâmica habitacional recente in
«ELVAS – Caia, Revista Internacional de Cultura e Ciências», n.º 2, Edições Colibri / Câmara Municipal de
Elvas.
FIEL, Elisabete e GARRINHAS, João P. (2005) – Uma visão histórica da evolução urbana da cidade
de Elvas in «ELVAS – Caia, Revista Internacional de Cultura e Ciências», n.º 3, Edições Colibri / Câmara
Municipal de Elvas.
FUKUYAMA, Francis (2006) – A Construção de Estados: Governação e Ordem Mundial no Século
XXI, Gradiva, Lisboa.
GARLAND, David (2002) – The Culture of Control: Crime and Social Order in Contemporary Society,
Oxford University Press, New York.
193
GARRINHAS, João (2001) – Elvas: Retrato de um território de fronteira, in AAVV, «Actas do 1.º
Congresso Internacional do Caia e Guadiana – História e Vida Quotidiana», Ed. Câmara Municipal de Elvas,
Elvas
GASSIN, Raymond (2003) – Criminologie, 5е édition, Précis, Dalloz, Paris
GIDDENS, Anthony (1997) – Modernidade e Identidade pessoal, Celta Editora, Oeiras.
- (2004) – Sociologia, 4.ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
- (2005) – As Consequências da Modernidade, 4.ª Edição, 3.ª Reimpressão, Celta Editora, Oeiras.
GILLING, Daniel (1997) – Crime Prevention: Theory, Policy and Politics, UCL Press, London.
GIL, José (2005) – Portugal, Hoje: O Medo de Existir, Relógio D’Água, Lisboa
GONZÁLEZ RODRÍGUEZ, Alberto (2003) – Badajoz, avanzada de España ante Portugal in «ELVAS
– Caia, Revista Internacional de Cultura e Ciências», n.º 1, Edições Colibri / Câmara Municipal de Elvas.
HILL, Manuela M., HILL, Andrew (2005) – Investigação por Questionário, 2.ª Edição, Edições Sílabo,
Lisboa.
HOBBES, Thomas (2005a) – Leviathan, Cambridge University Press, Cambridge.
- (2005b) – On the Citizen (De Cive), Cambridge University Press, Cambridge.
INDOVINA, Francesco (2001) – Geologia da Insegurança Urbana: A Construção Social do Medo nas
Cidades in «Cidades, Comunidades e Territórios», n.º 2, CET-ISCTE, Lisboa.
INNES, Martin (2004) – Crime as a Signal, Crime as a Memory in «Journal for Crime, Conflict and
Media Culture», Vol. 1, n.º 2, Junho de 2004, disponível e recuperado a partir de: http://www.jc2m.co.uk em
9.6.2006.
JOHNSTON, Les (1998) – Late Modernity, Governance and Policing in How to Recognize Good
Policing: Problems and Issues (Ed. Jean-Paul Brodeur), Police Executive Research Forum, Sage Publications,
Thousand Oaks.
JUPP, Victor (2001) – Methods of Criminological Research, Routledge, London.
LEITÃO, José B. (2000) – Sentimentos de Insegurança, in «Polícia Portuguesa – Órgão de Informação e
Cultura da PSP», Ano LXII, II série, n.º 125, Direcção Nacional da PSP, Lisboa.
LOCKE, John (2002) – Segundo Tratado sobre o Governo, Martin Claret, São Paulo.
LOPES, Noémia M. (2001) – Automedicação: algumas reflexões sociológicas in «Sociologia» n.º 37, Novembro de
2001, disponível e recuperado a partir de: http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0873-
65292001000300008&lng=pt&nrm=iso em 9.6.2007.
LOURENÇO, Nelson e LISBOA, Manuel (1998) – Dez Anos de Crime em Portugal: análise
longitudinal da criminalidade participada às polícias (1984 – 1993), Cadernos do CEJ, Gabinete de Estudos
Jurídico-Sociais do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa.
MACHADO, Artur R. (2003) – Poder: Da Estrutura Individual à Construção Mediática, Autonomia
27, Azeitão.
MACHADO, Carla (2004) – Crime e Insegurança: Discursos do Medo, Imagens do Outro, Editorial
Notícias, Lisboa.
MANNHEIM, Herman (1985) – Criminologia Comparada, Vol. I e II, Fundação Calouste Gulbenkian,
Lisboa.
194
MASLOW, Abraham (1943) – A Theory of Human Motivation in «Psychology Review», n.º 50, pp. 370-
396, disponível e recuperado a partir de “Classics in the History of Psychology”, York University, Toronto,
Canadá (Agosto 2000) in http://www.psychclassics.yoku.ca/Maslow/motivation.htm em 31.7.2007.
MONTEIRO, Evelyne (1996) – Entre Liberalisme et Autoritarisme: Les Fluctuations des Politiques
Criminelles en France et au Portugal, in «Boletim de Documentação e Direito Comparado» n.º 67/68,
Ministério da Justiça, Lisboa.
MORE, Thomas (2004) – Utopia, Coisas de Ler Edições, Queluz.
MOZZICAFREDDO, Juan (2002) – Estado-Providência e Cidadania em Portugal, 2.ª Edição, Celta,
Oeiras.
OLIVEIRA, José F. (2006) – As Políticas de Segurança e os Modelos de Policiamento: A Emergência
do Policiamento de Proximidade, Almedina, Coimbra.
PALLEY, Claire (1995) – Utilité, Ampleur et Structure Possibles d’une Étude Speciale sur la Question
da la Privatisation des Prisons in «Boletim de Documentação e Direito Comparado» n.º 63/64, Ministério da
Justiça, Lisboa.
PEIXOTO, Alberto (2004) – Cartografia dos Medos, Polícia de Segurança Pública, Ponta Delgada.
QUIVY, Raymond, CAMPENHOUDT, Luc Van (2003) – Manual de Investigação em Ciências Sociais,
3.ª Edição, Gradiva, Lisboa.
RECASENS I BRUNET, Amadeu (2003) – Globalización, Riesgo y Seguridad: El Continuóse de lo que
Alguien Empezóse in «La Seguridad en la Sociedad del Riesgo. Un Debate Abierto», Colección Políticas de
Seguridad, n.º 2, Atelier, Barcelona.
ROBERT, Philippe (2002) – O Cidadão, o Crime e o Estado, Editorial Notícias, Lisboa.
ROCHÉ, Sebastian (1993) – Le Sentiment d'insécurité, Presses Universitaires de France (PUF), Paris.
- (1994) – Insécurité et libertés, Seuil, Paris.
- (1998) – Sociologie Politique de L'Insécurité, Presses Universitaires de France (PUF), Paris.
RODRIGUES, Jorge e PEREIRA, Mário (1995) – ELVAS, Cidades e Vilas de Portugal, Editorial
Presença, Lisboa.
RODRÍGUEZ FLORES, Maria P. (2003) – Contrabando y vida cotidiana: el reglamento de 1834 de la
Junta de Sanidad de Badajoz in «ELVAS – Caia, Revista Internacional de Cultura e Ciências», n.º 1, Edições
Colibri / Câmara Municipal de Elvas.
ROUSSEAU, Jean-Jacques (2003) – O Contrato Social, Europa América, Mem Martins.
SÁ, Jorge, RETO, Luís (2002) – Voxpupoli, Bertrand Editora, Lisboa.
SÁ, Teresa V. (2000) – Segurança e o seu Sentimento na Cidade, in «Actas do IV Congresso Português
de Sociologia», Universidade de Coimbra, Abril de 2000, disponível e recuperado a partir de:
http://www.aps.pt/ivcong-actas/Acta047.PDF em 16.4.2006.
SALGUEIRO, Teresa B. (1999) – A Cidade em Portugal. Uma Geografia Urbana, 3.ª Edição, Edições
Afrontamento, Porto.
SANCHEZ MARROYO, Fernando (2001) España – Portugal: La Frontera en la Época
Contemporánea, in AAVV «Actas do I Congresso Internacional do Caia e Guadiana – História e Vida
Quotidiana», Ed. Câmara Municipal de Elvas, Elvas
WADDINGTON, P. A. J. (1999) – Policing Citizens, UCL Press, London.
195
WILSON, James Q., KELLING, George L. (1982) – Broken Windows, The Police and Neighbourhood
Safety in «The Atlantic Monthly», Vol. 249, n. º 3, Março 1982, disponível e recuperado a partir de:
http://www.theatlantic.com/politics/crime/windows.html em 24.10. 2003.
Legislação:
� Constituição da República Portuguesa.
� Código Penal.
� Código de Processo Penal.
� Lei n.º 21/2000, de 10 de Agosto (Lei de Organização da Investigação Criminal).
� Lei 33/98, de 18 de Julho (Conselhos Municipais de Segurança).
Outros documentos consultados:
Relatório Anual de Segurança Interna do Ano de 2005, Gabinete Coordenador de Segurança do
Ministério da Administração Interna, disponível e recuperado a partir de: http://www.mai.gov.pt em 1.8.2006
Relatório de Segurança Privada do Ano de 2005, Secretaria – Geral do Ministério da Administração
Interna, 5 de Junho de 2006, disponível e recuperado a partir de: http://www.mai.gov.pt em 1.8.2006
Diagnóstico Social do Concelho de Elvas – 2005, Câmara Municipal de Elvas, 2006
Censos 2001, INE
Anuário estatístico da Região do Alentejo – 2000, INE
Anuário estatístico da Região do Alentejo – 2003, INE
Voice of the People – 2003, Gallup International, disponível e recuperado a partir de: www.voice-of-
the-people.net em 12.10.2006