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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
LUCIANA ROSENDO ALVES
ADOÇÃO E HOMOAFETIVIDADE:
Um breve estudo sobre a possibilidade jurídica da adoção de crianças e
adolescentes por pares homoafetivos
Tijucas
2010
LUCIANA ROSENDO ALVES
ADOÇÃO E HOMOAFETIVIDADE:
Um breve estudo sobre a possibilidade jurídica da adoção de crianças e
adolescentes por pares homoafetivos
Monografia apresentada como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel em Direito, pela
Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências
Sociais e Jurídicas, campus Tijucas.
Orientadora: MSc. Fernanda Sell de Souto Goulart
Fernandes
Tijucas
2010
LUCIANA ROSENDO ALVES
ADOÇÃO E HOMOAFETIVIDADE:
Um breve estudo sobre a possibilidade jurídica da adoção de crianças e
adolescentes por pares homoafetivos
Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em Direito e
aprovada pelo Curso de Direito do Centro de Ciências Sociais e Jurídicas, campus Tijucas.
Direito Civil/Direito de Família.
Tijucas, 9 de dezembro de 2010.
MSc. Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes
Orientadora
Prof. MSc. Marcos Alberto Carvalho de Freitas
Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica
O presente trabalho é fruto da dedicação, do estudo e da curiosidade,
fontes estas que levam ao conhecimento e fazem com que o ser
humano se torne mais ciente e centrado naquilo que desperte o
interesse dele.
Por isto, dedico o presente estudo àquelas pessoas que se deixam levar
pela vontade ínfima de querer aprender cada vez mais, e de fazer desta
ciência adquirida suporte para sua inovadora visão de mundo. Visão
esta que não se limita ao tradicional e ao costumeiro, visão esta que
busca constantemente na vida e nos estudos as melhores fugas para a
ignorância humana.
A Deus, base de toda força e amparo. Fonte de luz e sabedoria eternas.
À minha família, pela confiança, apoio e carinho sempre prestados.
À Professora Orientadora, Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes, pela atenção, paciência
e disposição para a orientação deste trabalho.
Aos Professores do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, campus Tijucas, que
muito contribuíram para a minha formação jurídica e pessoal.
Aos que colaboraram com suas críticas e sugestões para a realização deste trabalho.
Aos colegas de classe, amigos estes com os quais pude trocar experiências de vida e pelos
bons momentos vividos durante estes anos.
A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta pesquisa.
Uma das mais óbvias injustiças sociais é que os padrões de civilização
exigem de todos idêntica conduta sexual, conduta esta que pode ser
observada sem dificuldades por alguns indivíduos, graças às suas
organizações, mas que impõe a outros os mais pesados sacrifícios
psíquicos.
Sigmund Freud
A mente que se abre para uma nova idéia, jamais volta ao seu tamanho
original.
Albert Einstein
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca
do mesmo.
Tijucas, 9 de dezembro de 2010.
Luciana Rosendo Alves
Graduanda
RESUMO
A presente monografia tem por objetivo institucional a obtenção do título de bacharel em
Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, campus Tijucas. O objetivo geral, por sua vez, é
realizar um estudo sobre a possibilidade jurídica da Adoção de Crianças e Adolescentes por
pares homoafetivos no Brasil. Tratando seus objetivos específicos de aspectos relevantes
referentes à Adoção, a exposição do tema da união de pessoas do mesmo sexo e a
conseqüente junção destas duas temáticas, buscando-se aqui, comprovar a possibilidade legal
de se proceder a este tipo de Adoção. A justificativa para a produção do presente trabalho,
funda-se na busca pelo bem-estar do adotando, que, independente da sexualidade dos
adotantes, necessita de todo amparo afetivo e material para desenvolver-se de forma saudável
e feliz. Por assim expressar, a hipótese que dá essência a pesquisa, de que a possibilidade de
um casal homoafetivo adotar existe, comprova-se em amplos aspectos, sejam estes
doutrinários, jurisprudenciais e de certa forma legais. Para que o presente trabalho fosse
produzido utilizou-se o método indutivo como base lógica de pesquisa, cuja formulação dá-se
justamente pelo estudo e exposição de determinados elementos isolados a fim de se observar
uma obra final. Sendo que todos os produtos envolvidos na pesquisa, como o instituto da
Adoção e as considerações sobre a união de pessoas de sexos iguais, culminam no projeto que
leva a comprovação da possibilidade de pares homossexuais adotarem uma Criança ou um
Adolescente.
Palavras-chave: Adoção. Homoafetividade. União Homoafetiva. Adoção Homoafetiva.
RESÚMEN
El presente trabajo tiene por objetivo institucional la obtención de una licenciatura en Derecho
por la Universidad del Valle de Itajaí, campus Tijucas. El objetivo general, a su vez, es hacer
un estudio acerca de la posibilidad legal de la adopción de niños y adolescentes por parejas
homosexuales en Brasil. Tratando sus objetivos específicos de aspectos relevantes
relacionados con la adopción, la exposición del tema del matrimonio entre personas del
mismo sexo y la consecuente unión de estos dos temas, buscándose aquí comprobar la
posibilidad legal de se llevar a cabo este tipo de adopción. La justificativa para la producción
de este trabajo se basa en la búsqueda del bienestar del niño, que independientemente de la
sexualidad de los adoptantes, necesita de todo el apoyo afectivo y material para desarrollarse
de una manera sana y feliz. Por así expresar, la hipótesis que da esencia a la investigación,
que la posibilidad de una pareja homosexual adoptar existe, se comproba en aspectos
generales, sean estos doctrinarios, jurisprudenciales o de certa manera legales. Para que el
presente trabajo fuese producido, se utilizó el método inductivo como base lógica de
investigación, cuya formulación dase precisamente por el estudio y la exposición de
determinados elementos aislados con el fin de se observar un producto final. Así que todos los
productos que participan en la investigación, como el instituto de la adopción y las
consideraciones acerca de la unión de personas del mismo sexo, acaban en el proyecto que
lleva a la confirmación de la posibilidad de las parejas homosexuales adoptaren un niño o uno
adolescente.
Palabras clave: Adopción. Homosexualidad. Unión Homosexual. Adopción Homosexual.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Art. Artigo
CC Código Civil
CF Constituição Federal
CPC Código de Processo Civil
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
LICC Lei de Introdução ao Código Civil
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
TJ Tribunal de Justiça
LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS
Lista de categorias1 com seus respectivos conceitos operacionais
2, indispensáveis para
a correta compreensão de termos estratégicos do trabalho.
Adoção
Ato jurídico pelo qual as pessoas, cônjuges ou conviventes, assumem outra pessoa como
filho3.
Adolescente
É o que está na adolescência, que compreende a idade entre doze e dezoito anos4.
Adotado
Aquele que foi tomado como filho ao adquirir a filiação civil por meio da adoção5.
Adotante
Aquele que adquire a paternidade civil ao aceitar estranho como filho, mediante adoção6.
Casamento
É o vínculo entre o homem e a mulher, firmado perante o Estado, com o intuito de
constituição de uma família7.
Criança
Pessoa até doze anos de idade8.
Filiação
É o vínculo de parentesco da criança com a pessoa que a gerou ou a adotou9.
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
É a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo
respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, em
1 “Categoria” é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia. Cf. PASOLD,
Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. 9. ed.
Florianópolis: OAB Editora, 2005, p. 31. 2 “Conceito Operacional” é a definição para uma palavra ou expressão, que exprime o intuito de que tal definição
seja aceita para os efeitos das idéias que se expõe. Cf. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica:
idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. p. 45. 3 HORCAIO, Ivan. Dicionário Jurídico Referenciado. São Paulo: Primeira Impressão, 2007. p.58.
4 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 2. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 131.
5 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. p. 132.
6 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. p. 132.
7 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil. v.4: família e sucessões. São Paulo: Método,
2006. p.25. 8 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. p. 1131.
9 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil. p. 107.
complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e
qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação
ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os
demais seres humanos10
.
Sociedade de Fato
Sociedade não personificada. Grupo que, embora não se tenha formalizado legalmente, exerce
de fato as funções de uma sociedade11
.
União Estável
Consiste na união de um homem com uma mulher, sem ligações pelos vínculos matrimoniais,
durante tempo duradouro, sob o mesmo teto, ou diferente, com aparência de casados12
.
União Homoafetiva
É a união de duas pessoas do mesmo sexo. Relação afetiva, vínculo em que há
comprometimento amoroso13
.
10
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal
de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60. 11
HORCAIO, Ivan. Dicionário Jurídico Referenciado. p. 811. 12
PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato união estável. 5 ed. atual. e ampl. com a colaboração de William
Antonio Pedrotti. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 2001. p. 08. 13
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009. p.181.
SUMÁRIO
RESUMO ................................................................................................................................... 5
RESÚMEN ................................................................................................................................ 6
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................................................. 7
LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS .............................. 8
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12
2 ADOÇÃO ............................................................................................................................. 16
2.1 TENTATIVA CONCEITUAL ........................................................................................... 16
2.2 CONTEXTO HISTÓRICO ................................................................................................ 18
2.2.1 Contexto histórico da Adoção no Brasil .......................................................................... 20
2.3 EFEITOS ............................................................................................................................ 24
2.3.1 Da atribuição da situação de filho ao Adotado .............................................................. 25
2.3.2 Da ruptura do laço de parentesco com a família consanguínea e dos impedimentos
matrimoniais ............................................................................................................................. 25
2.3.3 Do direito à sucessão ....................................................................................................... 26
2.3.4 Do direito aos alimentos .................................................................................................. 26
2.3.5 Do nome .......................................................................................................................... 27
2.4 TIPOS DE ADOÇÃO ......................................................................................................... 27
2.4.1 Adoção simples ou comum ............................................................................................. 27
2.4.2 Adoção à brasileira .......................................................................................................... 28
2.4.3 Adoção “intuitu personae”............................................................................................... 29
2.4.4 Adoção de nascituro ........................................................................................................ 29
2.4.5 Adoção internacional ....................................................................................................... 30
2.4.6 Adoção por homossexual ou homoparental..................................................................... 31
3 UNIÃO DE PARES HOMOAFETIVOS ........................................................................... 32
3.1 TENTATIVA CONCEITUAL ........................................................................................... 33
3.2 CONTEXTO HISTÓRICO ................................................................................................ 34
3.3 A UNIÃO HOMOAFETIVA SOB O ASPECTO JURÍDICO .......................................... 37
3.3.1 Breve abordagem sobre o Estado e seus aspectos relevantes .......................................... 38
3.3.2 Dos princípios constitucionais fundamentais .................................................................. 39
3.3.2.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana .................................................................. 40
3.3.2.2 Princípio da igualdade .................................................................................................. 40
3.3.2.3 Princípio da liberdade ................................................................................................... 42
3.3.2.4 Princípio da diversidade familiar .................................................................................. 43
3.3.2.5 Princípio da afetividade ................................................................................................ 44
3.3.3 União Homoafetiva: Casamento, União Estável e Sociedade de Fato ........................... 46
3.3.3.1 Casamento .................................................................................................................... 47
3.3.3.2 União Estável ................................................................................................................ 49
3.3.3.3 Sociedade de Fato ......................................................................................................... 52
3.4 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA UNIÃO HOMOAFETIVA NO ÂMBITO
INTERNACIONAL ................................................................................................................. 53
4 A POSSIBILIDADE JURÍDICA DA ADOÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
POR PARES HOMOAFETIVOS ......................................................................................... 55
4.1 A ADOÇÃO HOMOPARENTAL NA ATUAL LEGISLAÇÃO ...................................... 55
4.1.1 Estatuto das famílias ........................................................................................................ 57
4.1.2 A dignidade humana como pressuposto básico da Adoção por homossexuais ............... 58
4.1.3 A Lei 12.010/09 e a Adoção por casais homossexuais.................................................... 60
4.1.3.1 O procedimento da Adoção .......................................................................................... 61
4.1.3.2 O registro de nascimento na Adoção por homossexuais .............................................. 64
4.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À ADOÇÃO POR PARES HOMOAFETIVOS ......... 66
4.3 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À ADOÇÃO POR PARES HOMOAFETIVOS ......... 70
4.4 CASOS DE ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS NO JUDICIÁRIO................................ 72
4.4.1 STJ – Superior Tribunal de Justiça .................................................................................. 72
4.4.2 TJ/RS – Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul ........................................ 74
4.4.3 TJ/GO – Tribunal de Justiça do Estado de Goiás ............................................................ 75
4.4.4 TJ/PR – Tribunal de Justiça do Estado do Paraná ........................................................... 76
4.4.5 TJ/SC – Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina ............................................... 77
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 78
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 83
1 INTRODUÇÃO
Ao se tratar de temas não convencionais ao prisma do cotidiano em que se vive
socialmente, é bastante comum haver alguma forma de desconforto. Neste aspecto destaca-se
a homossexualidade. Assunto já versado em se tratando de alguns pontos conhecidos como,
por exemplo, o preconceito e a união homossexual, no entanto, pouco amadurecido no que
tange à Adoção.
A justificativa para se abordar este tema é que isto traz ao conhecimento certos
questionamentos importantes, e isso envolve não apenas toda a caracterização da Adoção,
quem pode ou não adotar, mas também o anseio da Criança na esperança de ser amada e
querida por pessoas que a desejam. A reflexão também se faz realçada no pensamento que se
deve fazer ao se estudar o que será melhor para a Criança, se permanecer em orfanatos ou nas
ruas, ou lograr ser adotada por uma família que lhe dará todo o apoio de que necessita para ser
feliz, mesmo que esta família não seja a que cotidianamente se conhece.
Desta forma, o presente trabalho tem por objetivo geral realizar um breve estudo sobre
a possibilidade jurídica da Adoção de crianças e adolescentes por casais homossexuais,
inserindo neste tema o próprio ordenamento jurídico brasileiro e a posição de doutrinadores
sobre o assunto.
Os objetivos específicos, por sua vez, são: caracterizar o instituto da Adoção,
abordando seus aspectos relevantes; tratar das uniões homoafetivas diante do ordenamento
jurídico brasileiro e, por fim, analisar, por meio das doutrinas, leis e jurisprudências, a
possibilidade da Adoção de Crianças e Adolescentes por pares homossexuais.
Em suma, tem-se que a prática da Adoção caracteriza um aspecto muito relevante no
que tange ao direito de família. Pois, é através deste instituto que inúmeros efeitos se
desvendam e formam laços entre as pessoas que fazem parte dele.
Assim, para o desenvolvimento do presente trabalho foram apresentados diferentes
problemas, dos quais:
a) O que caracteriza a Adoção e quais os efeitos jurídicos que são gerados por ela?
13
A hipótese levantada inclina-se no sentido de que a Adoção é caracterizada por um
laço legal e afetivo que une pessoas estranhas, ou seja, aquele que adota e aquele que é
Adotado. Os efeitos que surgem a partir desta formalização são muitos, mas o principal é que
o Adotado passa a figurar como se fosse filho biológico de quem o adotou.
Desta forma, motivado pelos presentes questionamentos é que se observa a estrutura
principal do primeiro capítulo que, tangente ao ordenamento jurídico atual, busca-se uma
análise simples e informativa sobre a Adoção no país.
Logicamente que, não se olvidando da parte histórica da Adoção, também faz-se uma
visão geral deste âmbito, principalmente dentro da histórica jurídica nacional. Afinal, é
importante conhecer a evolução do instituto, pois, é dentro dele que se pode observar a
comparação dos próprios requisitos impostos ao Adotante que, como se poderá conhecer, teve
alguns pontos modificados ao longo dos tempos.
A segunda parte do presente trabalho, traz ao foco de estudo a união de pessoas do
mesmo sexo. E como não há de ser diferente, a primeiro plano busca-se conceituar o que vem
a ser a união homossexual, terminologia esta atualmente tratada no direito como União
Homoafetiva.
A homoafetividade aqui observada vem a destacar aspectos relevantes desde o trâmite
histórico até o tratamento jurídico que estas relações recebem do Estado. É assim que, vale-se
entender, antes de qualquer outra coisa, o contexto político-social em que a sociedade
brasileira está inserida. Para isto, observa-se a colocação da temática que trata exclusivamente
sobre o Estado Democrático de Direitos, cuja prerrogativa atuante finca-se na valorização dos
preceitos da dignidade da pessoa humana.
Neste sentido, o que provém de relance ao estudo, é a base principiológica em que o
Estado está colocado e moldado. Princípios como o da igualdade, da liberdade, da afetividade,
da diversidade familiar, e precipuamente o da dignidade da pessoa humana, costuram as
elevações ao entendimento da posição democrática em que a atual Constituição da República
se perfaz.
O que vem a trazer as incitações ao tema é que, mesmo com todos estes aparatos
garantidos pelo próprio Estado, o que se observa, contudo, é que as uniões homoafetivas não
tem o mesmo tratamento jurídico das uniões heterossexuais. E aqui se encontra o segundo
problema a ser estudado diante da pesquisa:
14
b) Como as relações homoafetivas são vistas diante do Casamento, da União Estável e
da Sociedade de Fato?
A hipótese levantada tende a esclarecer a possibilidade de as uniões homoafetivas
serem vistas dentro do Casamento, da União Estável e da Sociedade de Fato. Sugere-se,
portanto que estes relacionamentos podem ser considerados dentro das uniões estáveis, visto
que, são uniões afetivas, mas que não possuem formalização legal. Quanto ao Casamento, no
Brasil legalmente ainda não existe esta possibilidade, e quanto as sociedades de fato, parece
bastante inapropriada a colocação de uniões afetivas dentro de parâmetros puramente
financeiros.
É assim que, mais instigante do que se responder a este questionamento, é entrar no
campo do reconhecimento das uniões homoafetivas dentro dos parâmetros das entidades
familiares. Visto que, para se produzir a Adoção por pares é necessário que estes se figurem
como uma entidade familiar.
O terceiro capítulo, assim conduz a questão da Adoção por casais homoafetivos. Para
isto busca-se fazer um exame das condições jurídicas atuais, a fim de se poder buscar a
solução para a possibilidade da Adoção de Crianças e Adolescentes por pares homoafetivos.
A pesquisa a esta questão, desvenda-se justamente pela falta de legislação que ampare
o tema, sendo que, a obscuridade da legislação induz a impossibilidade da realização deste
tipo de Adoção. Ou seja, juridicamente, a lei não permite tal intento.
O que conforma a valorização dos quesitos principiológicos que defendem a Adoção
por casais do mesmo sexo, é que os tribunais vem a apresentar sua própria visão subjetivada
na conclusão de casos deste tipo. Sendo, portanto, imprescindível a colocação de
jurisprudências que tratem basicamente sobre a Adoção por homossexuais.
A linha de raciocínio que sustenta a Adoção por pessoas do mesmo sexo, segue os
fundamentos impostos pelas próprias condições auferidas àqueles que pretendem adotar. É
bastante difícil tentar fundamentar algo que não tem amparo legal expressamente cabível. As
bases fundam-se por princípios e por questões, muitas vezes inerentes às particularidades de
cada caso. Sendo que, o que se pode questionar em verdade, é o que se refere a possibilidade
de realização da Adoção conjunta por homossexuais. E neste sentido, vem o terceiro problema
a se pesquisar:
c) No Brasil, mesmo com esta lacuna de lei sobre o caso, será que é possível a Adoção
15
de Crianças e Adolescentes por casais homoafetivos?
A hipótese argüida é no sentido de que esta possibilidade existe. É perfeitamente
possível um casal homoafetivo adotar uma Criança ou um Adolescente, visto que a falta de
legislação, não pode ser impedimento para a realização deste ato. Mas sim que cada caso deve
ser estudado e analisado, a fim de se poder proporcionar ao adotando melhores condições de
vida.
A matéria, por fim, mostra-se instigante e perturbadora, visto que, além de se estudar a
possível realização desta espécie de Adoção, também é inescapável versar sobre o preconceito
existente para com homossexuais que desejam adotar. Para isto, também busca-se trazer ao
conhecimento reflexões e pesquisas que justamente lidam com o assunto com o intuito de se
trazer as conclusões sobre o desenvolvimento do adotando criado por homossexuais. Tudo
isto para fim de se esmagar o estigma negativo que se tem sobre pessoas homossexuais, e
neste mesmo sentido, ponderar que o direito à Adoção não pode ser um molde apenas
reforçado aos casais formados pelo par homem e mulher, sendo que, a sexualidade não pode
ser fator gerador de impedimentos a direitos garantidos a todos.
Assim sendo, o presente trabalho vem a reforçar o que há muito tempo já se desvela
no cenário social. Que a homoafetividade é uma realidade e merece tutela jurídica, com todo
respeito que da mesma forma são tutelados os relacionamentos heterossexuais. Tudo, como
forma de se tentar analisar a garantia da possibilidade de casais homoafetivos de constituir sua
própria família, direito este amparado pelo Estado e revigorado por princípios tangentes à
dignidade da pessoa humana.
2 ADOÇÃO
No Direito de Família existe diferentes relações que formam vínculos entre pessoas.
Dentre estes vínculos, há o Casamento, o nascimento dos filhos, a tutela, a Adoção, entre
outros.
Este capítulo tratará exclusivamente sobre a Adoção e, inicialmente se buscará
conceituá-la para em seguida abrir o seu rol de possibilidades e efeitos.
2.1 TENTATIVA CONCEITUAL
A Adoção, a primeira vista, pode ser entendida como um ato de pura vontade e
dedicação. E, juridicamente, pode ser definida conforme escreve Sílvio de Salvo Venosa:
A adoção é modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação
natural. Daí ser também conhecida como filiação civil, pois não resulta de
uma relação biológica, mas de manifestação de vontade, [...]. A adoção
contemporânea é, portanto um ato ou negócio jurídico que cria relações de
paternidade e filiação entre duas pessoas. O ato da adoção faz com que uma
pessoa passe a gozar do estado de filho de outra pessoa, independentemente
do vínculo biológico14
.
Assim sendo, a Adoção além de ser retratada como ato jurídico, configura-se
também como um ato de desejo, de carinho e de responsabilidade. Adotar alguém é fazer
deste, seu filho, como se biológico fosse. Tanto é assim que, após configurada a Adoção, o
Adotado deterá todos os direitos que o laço biológico proporciona a quem é filho natural.
Maria Berenice Dias, por sua vez, também trata da Adoção como um ato jurídico em
sentido estrito, cuja eficácia se condiciona à chancela judicial, onde cria-se um vínculo fictício
de paternidade-maternidade-filiação entre pessoas estranhas, diferente do que resultaria da
Filiação biológica15
.
Percebe-se, então que a Adoção, do ponto de vista jurídico, nada mais é do que um ato
jurídico. É tratada como um interesse em se obter algo. Ou, tratada de forma mais afetiva, vê-
14
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 253. 15
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 426.
17
se também como um desejo de trazer para si um ser humano para cuidá-lo.
Anna Paula Uziel, faz referência a família substituta na configuração do termo
Adoção:
A adoção, figura como uma das maneiras de colocação em família substituta.
É assim, uma das formas de criação do vínculo de filiação que necessitam do
intermédio do Estado, já que não se dá pelas vias naturais16
.
Percebe-se que até então, para limitar a Adoção a um conceito usam-se expressões
jurídicas como o ato jurídico, a Filiação e a inserção em família substituta, esta última
caracterizando-se como uma troca de família.
O ato jurídico é, segundo Roberto Senise Lisboa, “a ação humana que tem por fim
constituir, tutelar, alterar ou extinguir direitos”17
, sendo portanto, a base para o entendimento
do que vem a ser o instituto da Adoção.
A Filiação é o vínculo de parentesco criado entre a pessoa que gerou a Criança ou a
adotou18
. Ou seja, é como um laço que pode ser criado pelo modo natural ou artificial. Venosa
trata da Filiação de modo amplo e o explica conforme a seguir:
Todo o ser humano possui pai e mãe. Mesmo a inseminação artificial ou as
modalidades de fertilização assistida não dispensam o progenitor, o doador,
ainda que essa forma de paternidade não seja imediata. Desse modo, o
Direito não se pode afastar da verdade científica. A procriação é, portanto,
um fato natural. Sob o aspecto do Direito, a filiação é um fato jurídico do
qual decorrem inúmeros efeitos. Sob perspectiva ampla, a filiação
compreende todas as relações, e respectivamente sua constituição,
modificação e extinção, que tem como sujeitos os pais com relação aos
filhos19
.
Genericamente tratando, a Adoção quando configurada, cria o laço da Filiação na
família substituta, pois, o direito de Filiação abrange também o pátrio poder, atualmente
denominado poder familiar, que os pais acabam exercendo sobre os filhos menores20
.
No dicionário jurídico também encontramos uma definição para o termo da Adoção.
Maria Helena Diniz, disserta-o da seguinte maneira:
16
UZIEL, Anna Paula. Homossexualidade e Adoção. Rio de Janeiro: Garamond, 2007. p. 38. 17
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil, volume 1: teoria geral do direito civil. 3 ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003. p. 467. 18
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil. p. 107. 19
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p.205. 20
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p.205.
18
Ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém
mediante intervenção judicial, estabelece, independentemente de qualquer
relação de parentesco consangüíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação,
trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa, maior ou menor,
que, geralmente lhe é estranha. Dá origem, portanto, a uma relação jurídica
de parentesco civil entre adotante e adotado e entre os parentes daquele com
o adotado . É uma ficção legal que possibilita que se constitua entre o
adotante e o adotado um laço de parentesco de 1° grau em linha reta21
.
Note-se que nesta outra definição, percebe-se a enunciação da palavra “parentesco”.
Ela é entendida como um vínculo entre pessoas provenientes principalmente de um mesmo
ancestral, mas que pelo fato de haver outras formas de se obter o parentesco, este divide-se
em dois grupos: o natural e o civil, sendo que no primeiro o vínculo é consangüíneo e no
segundo é a Adoção22
.
Desta forma, subentende-se que, juridicamente, estabelece-se a Adoção como um ato
que, manifesta-se pela vontade de um declarante e que se concretizado produzirá certos
efeitos legais.
Adotar caracteriza-se então, como uma relação jurídica e como uma prova de desejo
em trazer ao lar um estranho para fazê-lo como seu filho.
2.2 CONTEXTO HISTÓRICO
Inicialmente, vale-se destacar a importância de se abrir uma ressalva sobre alguns
pontos referentes às considerações do direito romano e grego no que tange ao instituto da
Adoção. Como ressalta Roberto Senise Lisboa, “o sistema romano constitui-se historicamente
no berço ocidental do direito dos Estados que adotaram a lei como forma máxima de sua
expressão”23
. Logo, apesar de “conservador, preconceituoso e desigual”24
, o direito romano
foi o que nos legou a base para o direito atual.
Desde a antiguidade, a Adoção é tratada com certas considerações legais e vem
sofrendo determinadas mudanças. A idéia fundamental dela já estava presente na civilização
grega: caso alguém viesse a falecer sem algum descendente, não haveria pessoa capaz de
continuar o culto familiar. Nesse sentido, a Adoção então, se presumia como uma saída para
aqueles que naturalmente não tinham a possibilidade de um herdeiro de sangue. Partia esta
21
DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. p. 129. 22
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil. p. 103. 23
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. p. 83. 24
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. p. 85.
19
hipótese do princípio da adoptio naturam imitatur, ou seja, a Adoção deveria imitar a
natureza25
.
É importante reportar que neste contexto, “a adoção visava atender aos interesses dos
adultos”26
, diferente do que se pode considerar atualmente.
Assim sendo, o instituto da Adoção possuía como base o preceito da continuação do
nome familiar.
Como resultado da configuração desse instituto,
o adotado assumia o nome e a posição do adotante e herdava seus bens
como conseqüência da assunção do culto. O direito sucessório, permitido
exclusivamente pela linha masculina, também era corolário da continuidade
do culto familiar27
.
Sílvio de Salvo Venosa, ao considerar o Direito Romano, destaca ainda que:
Duas eram as modalidades de adoção no Direito Romano: a adoptio e a
adrogatio. A adoptio consistia na adoção de um sui iuritis, uma pessoa
capaz, por vezes um emancipado e até mesmo um pater famílias, que
abandonava publicamente o culto doméstico originário para assumir o culto
do adotante, tornando-se seu herdeiro. A adrogatio, modalidade mais antiga,
pertence ao Direito Público, exigia formas solenes que se modificaram e se
simplificaram no curso da história. Abrangia não só o próprio adotando, mas
também sua família, filhos e mulher, não sendo permitida ao estrangeiro28
.
E não somente na antiga Roma se encontram os vestígios da Adoção.
Sabe-se que o instituto também era conhecido no Egito, onde jovens eram
escolhidos na “Escola da Vida” para serem adotados pelo faraó e,
posteriormente, um deles poderia sucedê-lo no trono. Em Atenas, havia uma
boa regulamentação da adoção, e sua finalidade era, como na quase
totalidade das civilizações antigas, de cunho religioso, visando garantir a
continuidade do culto doméstico e evitar a extinção da família. Embora
homens e mulheres pudessem ser adotados, somente os cidadãos poderiam
fazê-lo29
.
Nota-se então, que a Adoção, mesmo hoje sendo uma ação bastante burocrática e
parecendo um instituto atual devido às suas leis e exigências, já era um fato comum praticado
25
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 255. 26
SOUZA, Hália Pauliv de. Adoção: exercício da fertilidade afetiva. São Paulo: Paulinas, 2008. p. 32. 27
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 255. 28
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 255 29
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2010. p. 37.
20
há muito tempo. Visto que em virtude de inúmeros fatores históricos e culturais, “a Adoção
passou por várias fases até chegar aos nossos dias. A primeira referência vem de tempos
remotos, desde a Lei das XII Tábuas e do Código de Hamurabi”30
. Logicamente que, nestes
tempos, tudo era feito com uma finalidade principal um tanto diferente do que se pode
observar hoje, além de que, os efeitos produzidos e os requisitos condicionados, também eram
distintos dos atuais.
2.2.1 Contexto histórico da Adoção no Brasil
Para se tratar sobre as questões históricas deste instituto no Brasil, deve-se fazer uma
breve explanação sobre leis importantes sobre a Adoção que vigoraram no país até a
promulgação da Lei n° 12.010 de 03 de agosto de 2009, que modificou toda parte da Adoção
do Novo Código Civil de 2002 e parte do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente.
Assim sendo, baseado no que expõe Eunice Ferreira Rodrigues Granato, três são as
leis que podem ser citadas, no que se refere ao contexto evolutivo da Adoção no país:
“A Lei 3.133, de 08 de maio de 1957, cujos dispositivos trouxeram marcantes
alterações à regras do código Civil então vigente, demonstrando o legislador intenção de
incentivar a prática da Adoção”31
. Uma característica que vale ser citada é que, no tocante aos
Adotantes, a lei “reduziu a idade mínima de cinqüenta para trinta anos de idade”32
a faixa
etária permitida para se adotar alguém.
Outra Lei importante na história da evolução da Adoção no Brasil é a Lei 4.655, de 02
de junho de 1965, onde “segundo esse diploma, a legitimação adotiva só podia ser deferida
quando o menor até sete anos de idade fosse abandonado, ou órfão não reclamado por
qualquer parente por mais de um ano [...]”33
. Esta lei apresentava também, dentre muitos
outros requisitos, a determinação da “exigência de um período de três anos de guarda do
menor pelos requerentes, para só então se deferir a legitimação (art. 1°, §2°)”34
.
E a Lei 6.697, de dez de outubro de 1979, também conhecida como “Código de
Menores”, teve como ponto principal a introdução da Adoção plena e a admissão da Adoção
30
SOUZA, Hália Pauliv de. Adoção: exercício da fertilidade afetiva. p. 32. 31
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 44. 32
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 44. 33
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 45. 34
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 46.
21
simples35
.
Já o Código Civil de 1916, que chamava de simples a Adoção de maiores como de
menores e só poderia adotar quem não tivesse filhos36
, trouxe ainda mais mudanças no que
tange ao instituto da Adoção no Brasil. Vale então, destacar alguns principais pontos e
características dele:
1. Adotante 16 anos mais velho que o adotando, com mais de 30 anos de
idade;
2. se o adotante fosse casado, casamento com duração superior a cinco anos;
3. duas pessoas não podiam adotar conjuntamente se não fossem marido e
mulher;
4. adotando com mais de 18 anos;
5. o tutor ou curador podia adotar, depois de prestadas as contas;
6. escritura pública;
7. possibilidade da adoção por estrangeiro sem restrições37
.
As condições expostas acima se comparadas com as que vigoraram no código civil de
2002, mostram que, a Adoção era mais dificultada, visto as exigências propostas.
Considerando-se o item 1: com a vigência do código civil de 1916, segundo havia em
seu artigo 1619, não mudou a condição de que o Adotante deveria ser pelo menos dezesseis
anos mais velho que o adotando, no entanto, atualmente, não é mais requisito o fato de o
Adotante ter mais que trinta anos de idade38
. Conforme já configura na Lei n° 12.010/09:
“Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil”39
.
Os itens 2 e 3 chamam a atenção pelo fato de que, se o Adotante fosse casado, a união
deveria ter pelo menos cinco anos de duração e que duas pessoas não poderiam adotar
conjuntamente se não fossem casados. Entretanto, este requisito já não configura. A nova lei
da Adoção de 2009, em seu artigo 42, § 2°, declara nesse sentido que, nenhuma pessoa pode
ser adotada por outras duas se elas não forem marido e mulher ou não viverem em União
Estável. A Lei n° 12.010/09 abre ainda a possibilidade de um casal de divorciados ou
separados judicialmente, adotarem alguém40
.
35
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 47. 36
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 425. 37
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 259. 38
BRASIL. Código Civil Brasileiro de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm. Acesso em: 22 mar. 2010. 39
BRASIL. Lei n° 12.010 de 03 de agosto de 2009. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm#art4. Acesso em: 26 mar. 2010. 40
BRASIL. Lei n° 12.010 de 03 de agosto de 2009. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm#art4. Acesso em: 26 mar. 2010.
22
O item 4 remete a Adoção de maiores de dezoito anos. Neste aspecto vale-se destacar
o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, no qual
buscando dar efetividade ao comando consagrador do princípio da proteção
integral, o ECA deu prevalente atenção aos interesses de crianças e
adolescentes. Passou a regular a adoção dos menores de 18 anos,
assegurando-lhes todos os direitos, inclusive sucessórios. Remanesceu o
Código Civil de 1916 regulamentando a adoção dos maiores de idade, que
podia ser levada a efeito por escritura pública e estabelecia diferenciações
em sede de direitos sucessórios41
.
Assim, em conforme com as leis atuais, não se ampara a Adoção do maior tanto
quanto se cuida da do menor. Visto que a Criança e o Adolescente ainda não são capazes de
se manterem. Anna Paula Uziel, destaca neste aspecto que “o Estado é o responsável pelas
crianças e pelos adolescentes cujos pais foram destituídos do pátrio poder, o que justifica sua
intervenção no desenrolar da vida desses sujeitos”42
. Logo, isso não quer dizer que o maior
não possui as garantias e privilégios de uma Adoção. O próprio ECA já resguardava esta
possibilidade, condição esta ainda válida com a nova lei da Adoção.
No tocante a Adoção por parte de tutor ou curador, conforme item 5, tanto durante a
vigência do código civil de 1916 como na atual Lei n° 12.010/09 era e é possível, visto que a
tutela configura como “instituto de proteção aos menores, que não estejam sob o poder
familiar dos pais, cujo escopo é assisti-los ou representá-los, bem como administrar os
bens”43
. Ou seja, a tutela em si pode se configurar como uma substituição de pais. Onde, o
Estado impõe a alguém, um encargo de cuidados a outra pessoa (menor).
Neste mesmo sentido, vale-se a curatela, que se caracteriza por representar um
“instituto de proteção à pessoa e ao patrimônio dos maiores incapazes”44
. Logo, salienta-se
que, a Adoção somente é permitida mediante a prestação das contas do tutor ou curador ao
Estado45
.
No tocante a forma de realização da Adoção, o item 6 aponta que deveria ser por meio
de escritura pública, como expõe Washington de Barros Monteiro:
41
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 425. 42
UZIEL, Anna Paula. Homossexualidade e Adoção. p. 39. 43
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil. p. 161. 44
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil. p. 171. 45
Art. 44. Enquanto não der contas de sua administração e não saldar o seu alcance, não poderá o tutor ou o
curador adotar o pupilo ou o curatelado. Cf. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente de 13 de julho de
1990. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em: 26 mar. 2010.
23
Pelo Código Civil de 1916, em sua redação original, a adoção deveria ser
realizada por meio de escritura pública, tanto a de maiores como a de
menores de idade (art. 134, n.I, combinado com o art. 375, primeira parte).
Com o advento da Constituição Federal, foi exigida a assistência do Poder
Público na adoção (art. 227, §5°). Já que a Lei n. 8.069, de 1990, regulava
somente a adoção de menor de idade, exigindo a sentença judicial para a sua
efetivação (art. 47), surgiu a dúvida sobre a necessidade de procedimento
judicial também para a adoção de maior de idade46
.
Entretanto, o Código Civil de 2002 trouxe o tira-teima sobre o impasse. Ele “colocou
fim àquela dúvida, no art. 1.623, parágrafo único, exigindo a sentença judicial também na
adoção de maior de idade”47
.
Maria Berenice Dias, ressalta conclusivamente sobre a Adoção de maior e menor de
dezoito anos da seguinte forma:
O atual Código Civil instituiu o sistema da adoção plena, mantendo a
orientação do ECA. Agora a Adoção, tanto de adultos, como de crianças e
adolescentes, reveste-se das mesmas características, sujeitando-se em
qualquer hipótese a processo judicial48
.
Outro aspecto interessante a se considerar é Adoção por estrangeiros realizada à
época. Praticamente, não havia diferença na Adoção praticada por brasileiros e estrangeiros,
conforme completa Venosa: “Nessa adoção civil não existia necessidade de estágio de
convivência, nem restrições para o adotante estrangeiro, residente dentro ou fora do país”49
.
Quer dizer, era só preencher os requisitos exigidos e a Adoção estava praticamente certa, nem
sequer havia a necessidade de um acompanhamento de convivência entre as partes
envolvidas.
Hoje, devido as reformas sofridas na legislação nacional, a Adoção internacional
passou a ser melhor acompanhada. O Código Civil nada trouxe sobre a Adoção internacional,
além de um artigo que estabelece que o ato deveria seguir condições estabelecidas em lei. Na
nova Lei n° 12.010/09, é onde encontramos os requisitos da Adoção por estrangeiro, inclusive
sobre o estágio da convivência50
.
46
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, v. 2: direito de família. 38 ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 339. 47
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. p. 339. 48
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 426. 49
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 260. 50
Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo em que a
autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso. §1° O estágio de convivência poderá ser
dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que
24
Uma das peculiaridades que ainda merece ser exposta sobre o Código Civil de 1916, é
sobre a condição desigual que o Adotado sofria perante os filhos naturais do Adotante. O
Adotado não usufruía do direito de sucessão como um filho biológico, ele simplesmente, em
alguns casos, recebia metade do que era devido ao filho de sangue. Maria Berenice Dias, ao
escrever sobre o assunto, esclarece que:
buscando dar efetividade ao comando do princípio da proteção integral, o
ECA deu prevalente atenção aos interesses de crianças e adolescentes.
Passou a regular a adoção dos menores de dezoito anos, assegurando-lhes
todos os direitos, inclusive sucessórios. Remanesceu o Código Civil de 1916
regulamentando a adoção dos maiores de idade, que podia ser levada a efeito
por escritura pública e estabelecia em sede de direitos sucessórios. O
adotado só tinha direito à herança se o adotante não tivesse prole biológica.
Advindo filhos depois da adoção, perceberia o filho adotado, somente a
metade do quinhão a que fazia jus a Filiação “legítima”. Esses dispositivos,
entretanto, foram considerados inconstitucionais pela jurisprudência a partir
da vigência da Constituição51
.
Ou seja, até a Constituição de 1988 ser promulgada, o Adotado se encontrava em uma
situação bastante desigual em relação aos filhos legítimos. Era filho, mas ao mesmo tempo
não estava na condição de filho natural, visto as diferenças impostas encontradas na própria
lei.
Atualmente, esta condição totalmente preconceituosa, já não vale mais. A Constituição
de 1988 cuidou para que os filhos, independente de serem adotados ou naturais, tivessem os
mesmo direitos resguardados52
.
2.3 EFEITOS
seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo. § 2
o A simples guarda de fato não autoriza, por
si só, a dispensa da realização do estágio de convivência. § 3o Em caso de adoção por pessoa ou casal residente
ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de, no mínimo, 30
(trinta) dias. § 4o O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça
da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de
garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do
deferimento da medida. Cf. BRASIL. Lei n° 12.010 de 03 de agosto de 2009. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm#art4> Acesso em: 26 mar. 2010. 51
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 426. 52
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. [...] §6° Os filhos, havidos ou
não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação. Cf. BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em: 22 mar. 2010.
25
É de comum sabedoria que atos resultam em conseqüências. E os efeitos que de uma
Adoção resultam, reproduzem basicamente as características que serão lançadas às pessoas
partes do processo de Adoção (Adotante e Adotado).
Estes efeitos, conforme disposição da Lei n° 12.010/09, art. 47, § 7°, começam a ter
validade a partir do trânsito em julgado da sentença, exceto, quando o Adotante vier a falecer
no curso do processo, situação que leva a Adoção a ter validade à data do óbito53
.
2.3.1 Da atribuição da situação de filho ao Adotado
Dentre as principais conseqüências resultantes da Adoção, tem-se a da condição em
que é posto o filho Adotado. Este figura como se biológico fosse, respondendo, inclusive no
direito de sucessões. Esta afirmativa encontra-se fundamentada no ECA, em seu artigo 41,
que enuncia da seguinte forma: “A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os
mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais
e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”54
.
2.3.2 Da ruptura do laço de parentesco com a família consanguínea e dos impedimentos
matrimoniais
Obviamente, não poderia a legislação ao fazer a “ruptura” do laço do Adotado com
sua família natural, esquecer dos impedimentos matrimoniais. Daí, haver de se levar em
consideração o direito de informação do Adotado sobre sua origem biológica.
O artigo 48 do ECA, cuidou justamente de tratar deste direito de conhecimento:
O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter
acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais
incidentes, após completar 18 (dezoito) anos. Parágrafo Único. O acesso ao
processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18
(dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e
psicológica55
.
Flávio Augusto Monteiro de Barros, ao tratar deste ponto, reforça:
53
BRASIL. Lei n° 12.010 de 03 de agosto de 2009. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm#art4> Acesso em: 26 mar. 2010. 54
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente de 13 de julho de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em: 26 mar. 2010. 55
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente de 13 de julho de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em: 26 mar. 2010.
26
Extinguem-se todos os vínculos entre o adotado e a sua família
consanguínea, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais. Anote-se,
porém, que se um dos cônjuges ou companheiros adotar o filho do outro,
mantém-se o vínculo do adotado com a família consangüínea, embora
também se crie vínculo com a família do adotante56
.
Isso quer dizer que, ao se configurar a Adoção, o filho Adotado perde o laço de
parentesco que havia com a família biológica destituída do poder familiar e adquire novo
vínculo de parentesco estendido a todos os parentes dos Adotantes.
2.3.3 Do direito à sucessão
Através do fato de o filho Adotado configurar, após a Adoção, como legítimo,
inevitavelmente, também irá responder ao direito de sucessões, instituto este que se
caracteriza por ser um “conjunto de princípios e normas que regem a transferência da herança,
ou do legado, ao herdeiro ou legatário, em razão da morte de alguém”57
.
Exemplo: como, neste caso, a mãe do Adotante passa a ser avó do Adotado, este terá,
conclusivamente, seus direitos sucessórios garantidos em relação aos novos parentes
ascendentes.
Assim, é desta nova relação de parentesco oriunda da Adoção, que pode-se citar ainda
exemplos de direitos a serem estendidos ao Adotado, como o de se poder pleitear alimentos58
.
2.3.4 Do direito aos alimentos
O direito aos alimentos não é algo que se refere apenas às necessidades alimentares,
como o nome estritamente leva a crer.
O vocábulo “alimentos” tem, todavia, conotação muito mais ampla do que
na linguagem comum, não se limitando ao necessário para o sustento de uma
pessoa. Nele se compreende não só a obrigação de prestá-los, como também
o conteúdo da obrigação a ser prestada. A aludida expressão tem, no campo
do direito, uma acepção técnica de larga abrangência, compreendendo não só
o indispensável ao sustento, como também o necessário à manutenção da
condição social e moral do alimentando59
.
56
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil. p. 127. 57
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil. p. 181. 58
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil. p. 128. 59
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. 4 ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 449.
27
O direito de pleiteá-los encontra base legal no Código Civil, art. 1.694, que enuncia:
Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os
alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua
condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
[...]60
.
Logo, pode também o filho Adotado, pedir ou ter de fornecer alimentos a quem os
deva ou necessite. Pois, trata-se de um dever recíproco entre estas partes61
, onde aquele que
tem a prerrogativa de pedir também aufere da obrigação de fornecer, quando assim se fizer
necessário.
2.3.5 Do nome
Outro dos efeitos mais importantes a ser citado, além do que já foi tratado
sucintamente sobre a sucessão e ao pedido de alimentos, é o do nome.
“A inscrição do adotado no registro civil consignará o nome dos adotantes como pais,
bem como o nome de seus ascendentes”62
, resultando assim, no registro de nascimento do
Adotado, preenchido com os nomes correspondentes à sua família substituta.
2.4 TIPOS DE ADOÇÃO
Como já tratado anteriormente, sabe-se que a característica primordial da Adoção é o
fato de se tomar como filho um estranho. Ou seja, tornar uma pessoa estranha ao laço
consaguineo, um parente como se legítimo fosse.
Desta forma, vale-se mencionar então, alguns dos tipos de Adoção assim considerados
pela doutrina, destacando seus conceitos, formas e outros aspectos relevantes a serem citados.
2.4.1 Adoção simples ou comum
É o tipo legal de Adoção previsto em nossa legislação. Acontece quando, uma pessoa
60
BRASIL. Código Civil Brasileiro de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 09 abr. 2010. 61
Art. 1696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os
ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. Cf. BRASIL. Código
Civil Brasileiro de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm. Acesso em: 06 ago. 2010. 62
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 277.
28
ou casal, no intuito de querer adotar uma Criança, vai até o órgão competente para realizar o
cadastro de inscrição que o levará ao processo da Adoção.
Na Adoção “é necessária a participação do Ministério Público, por se tratar de ação de
estado (CPC 82, II). [...]. A ação é processada nas varas de família, tanto a adoção de maiores
como de crianças e adolescentes, independentemente de existir situação que envolva litígio”63
.
A Adoção simples, para que tenha seu devido efeito legal, deve obedecer a todos os
requisitos impostos pela Lei, pois somente assim, pode-se garantir um processo sem
irregularidades e posteriores problemas.
2.4.2 Adoção à brasileira
Esta espécie de Adoção pode ser considerada como uma “Adoção por afeto”, pois, ela
não é feita do modo exigido por lei através do instituto da Adoção. Simplesmente se registra a
Criança como se ela fosse própria.
Este registro, feito no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, é
extremamente fácil, já que basta o suposto pai ou mãe ali comparecer e
declarar o nascimento, dizendo que a criança nasceu em casa, obedecendo ao
disposto no art. 54 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015, de 31.12.1973) e
somente “quando o oficial tiver motivo para duvidar da declaração, poderá ir
à casa do recém-nascido verificar a sua existência, ou exigir atestação do
médico ou parteira que tiver assistido o parto, ou testemunho de duas pessoa
que não forem os pais e tiverem visto o recém-nascido”. (L.R.P., art. 52, §
1°)64
.
Mas, será esta Adoção válida em todos os aspectos legais vigentes? Afinal, neste caso
não ocorre a Adoção e sim apenas o registro da Criança em nome do suposto pai ou mãe, sem
qualquer pedido judicial específico.
Esta situação torna-se complicada, pois, apesar da boa-fé e vontade por parte dos
supostos pais, esta é uma atitude que vai contra ao que se estabelece na lei. Logo, quando
alguém pratica ato que vai em desconforme ao que está legalmente permitido, há aí uma
possibilidade de uma condenação criminal.
É assim que, devido a esta inconformidade com a lei que, o registro efetuado
falsamente, poderá ser declarado nulo. Podendo provocar a qualquer tempo na vida das
63
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 442. 64
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 138.
29
pessoas envolvidas, uma brusca e dolorosa mudança65
.
2.4.3 Adoção “intuitu personae”
Este tipo de Adoção também beira a irregularidades. Pois, sabe-se que para se poder
adotar uma Criança, deve-se proceder a alguns requisitos legais apontados na Lei. Não se
admite no ordenamento jurídico brasileiro, que a mãe no desespero de dar seu filho, entregue-
o a pessoa que simplesmente se ofereça para cuidá-lo. Claro que infelizmente, isto acaba
acontecendo, mas não se pode esquecer que o Estado através de suas leis já ampara
legalmente este instituto e o organizou de forma a melhor dar assistência à Criança Adotante,
procurando protegê-la da melhor maneira possível.
No que tange a isto, Maria Berenice Dias, enfatiza que
existe uma exarcebada tendência de sacralizar a lista de preferência e não
admitir, em hipótese nenhuma, a adoção por pessoas não inscritas. [...]
Muitas vezes o candidato não se submeteu ao procedimento de inscrição até
porque jamais havia pensado em adotar. É o que se chama de adoção intuitu
personae, em que há o desejo de adotar determinado indivíduo66
.
Um exemplo a ser citado é o fato de uma gestante, sem condições de criar o filho que
espera, decide ainda durante a gestação que quando a Criança nascer, esta será entregue a uma
família já escolhida. Nestes casos, o casal “selecionado”, “não raro, passa a cuidar para que a
mãe tenha a assistência necessária, visando um parto bem-sucedido e uma Criança
saudável”67
.
Após, configurado o recebimento do menor pela nova família, é que vem o drama:
Simplesmente registrar a Criança como se ela própria fosse, ou tentar proceder ao caminho
legal e arriscar perdê-la para o encaminhamento à Adoção por outros casais?
2.4.4 Adoção de nascituro
A Adoção de uma Criança antes mesmo de seu nascimento, gera controvérsias.
O Código Civil de 2002, em seu artigo 2°, estabelece que a personalidade jurídica do
ser humano se inicia com seu nascimento com vida, mas que a lei coloca a salvo os direitos
65
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 141. 66
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 437. 67
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 141.
30
que possui o nascituro68
.
Então, como proceder a uma Adoção de uma pessoa que nem personalidade jurídica
tem? Esta possibilidade sequer está prevista do atual Código Civil, e mesmo que o nascituro
tenha seus direitos garantidos pela Lei, ao que parece, este é um assunto bastante imaturo e
muito polêmico no Brasil.
2.4.5 Adoção internacional
A Adoção por pessoas domiciliadas fora do Brasil, é amparada em todos os seus
aspectos pela atual legislação.
“É aquela que ocorre quando o adotante tem seu domicílio em um país e o adotado
tem residência habitual em outro”69
.
A Lei 12.010/09, no art. 51, §1°, estabelece que:
A adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro ou domiciliado
no Brasil somente terá lugar quando restar comprovado:
I - que a colocação em família substituta é a solução adequada ao caso
concreto;
II - que foram esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou
adolescente em família substituta brasileira, após consulta aos cadastros
mencionados no art. 50 desta Lei;
III - que, em se tratando de adoção de adolescente, este foi consultado, por
meios adequados ao seu estágio de desenvolvimento, e que se encontra
preparado para a medida, mediante parecer elaborado por equipe
interprofissional, observado o disposto nos §§ 1o e 2
o do art. 28 desta Lei
70.
Deve-se, nesta situação prestar devida atenção ao inciso II da Lei. Nele, percebe-se
que, somente poderá o adotando ser levado por pessoa de fora do país, nos casos em que a
Adoção por casal nacional não foi possível. Nota-se, portanto que, a Adoção no Brasil dá a
pessoa brasileira, a prerrogativa da preferência.
Remete-se então, ao parágrafo 2° deste mesmo artigo, que subscreve: “Os brasileiros
residentes no exterior terão preferência aos estrangeiros, nos casos de adoção internacional de
68
BRASIL. Código Civil Brasileiro de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 12 abr. 2010. 69
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. p. 119. 70
BRASIL. Lei n° 12.010 de 03 de agosto de 2009. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm#art4.> Acesso em: 12 abr. 2010.
31
criança ou adolescente brasileiro”71
.
Um outro aspecto relevante a se ressaltar é que, para a devida Adoção de pessoa por
outra estrangeira, deve-se observar o requisito do estágio de convivência. A Lei 12.010/09, no
seu art. 46, § 3°, coloca que:
Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do
País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de, no
mínimo, 30 (trinta) dias72
.
Ou seja, deve o Adotante estrangeiro conviver com o adotando, pelo prazo de 30 dias,
em território nacional, requisito este, de grande importância para a devida Adoção.
2.4.6 Adoção por homossexual ou homoparental
Este tipo de Adoção, de início, parece ser um dos que mais travam polêmicas.
Tanto o Código Civil de 2002, como o ECA e a nova Lei da Adoção n° 12.010/09, não
tratam especificamente sobre este tema. Sendo que a lei continua omissa e ainda fornecendo
suas lacunas para este tipo de procedimento.
Não se poderia, em hipótese alguma, restringir o direito de constituir família
fundamentando-se na idéia de que a homossexualidade gera o impedimento. Isto feriria todos
os princípios que regem a nossa sociedade.
“As únicas exigências para o deferimento da adoção (CC 1.625 e ECA 43) são que
esta apresenta reais vantagens para o adotado e se fundamente em motivos legítimos”73
.
Tratar desta espécie de Adoção, é trabalhar com uma temática ampla e atual, devendo-
se portanto, abrir também a discussão acerca da união de pessoas do mesmo sexo,
principalmente no que tange ao pedido de Adoção por casal homossexual. E este ponto será
visto a partir do próximo capítulo.
71
BRASIL. Lei n° 12.010 de 03 de agosto de 2009. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm#art4.> Acesso em: 12 abr. 2010. 72
BRASIL. Lei n° 12.010 de 03 de agosto de 2009. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm#art4.> Acesso em: 12 abr. 2010. 73
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 438.
3 UNIÃO DE PARES HOMOAFETIVOS
As pessoas, naturalmente, tem a necessidade de se relacionarem entre si. Seja por
motivos econômicos, de trabalho, amorosos, em fim, há uma gigantesca lista de motivos que
fazem com que os seres humanos iniciem suas relações sociais.
Quando, no entanto, abrem-se as discussões acerca das relações afetivas, pisa-se em
território muito subjetivo, afinal, como definir um relacionamento? O que faz com que duas
pessoas se aproximem, apaixonem-se, ou simplesmente se tornem amigas?
Isso, talvez, fique com as explicações para a ciência da psicologia ou da biologia, que
tanto estudam o próprio ser humano e seus comportamentos.
O que deve-se, no entanto, é perceber que cada indivíduo, munido com suas pessoais
características, está inserido em um meio social no qual existem regras que devem ser
respeitadas.
Estas regras, por sua vez, organizam e também protegem as inúmeras relações sociais
existentes entre as pessoas.
Dessas inúmeras relações, existe uma que há muito se vem discutindo na tentativa de
além de se tentar compreender melhor, procura-se diminuir a carga de preconceito largada
sobre as pessoas homossexuais. E aqui fala-se, então, da união entre as pessoas do mesmo
sexo.
Note-se que “a afetividade não é indiferente ao Direito, pois, é o que aproxima as
pessoas, dando origem aos relacionamentos que geram as relações jurídicas, fazendo jus ao
status de família”74
. Logo, o que se exprime desta prerrogativa que consiste em levar o afeto,
como ponto inicial das relações familiares, é que nos dias atuais, “para a configuração de uma
entidade familiar, não mais é exigida, como elemento constitutivo, a existência de um casal
heterossexual, a prática sexual – chamada pela feia expressão „débito conjugal‟ – e nem
74
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. p. 129.
33
capacidade reprodutiva”75
.
Isto, de fato, chama a atenção para um elemento importante. Como então, caracteriza-
se a relação entre as pessoas do mesmo sexo, a fim de se garantir, por exemplo, o direito de
constituir família com filhos adotivos? Afinal, a Adoção, como já tratada anteriormente, é fato
que exige certos requisitos e gera inúmeros efeitos. E é neste ponto que encontramos os
maiores entraves. Pois, independentemente de qualquer coisa, é sabido que mesmo com toda a
evolução que a sociedade sofre com o passar dos tempos, atualmente, ainda há muito
desconforto quando se fala em união homossexual.
Mas, por fim, o que é esta União Homoafetiva? Há nela, as mesmas características
jurídicas de uma relação entre pessoas de sexos diferentes? Precisa-se então, antes de
aprofundar-se nas questões mais complexas deste tipo de união, saber do que ela realmente se
trata.
3.1 TENTATIVA CONCEITUAL
Em primeiro lugar há que se entender, no entanto, a questão que envolve os termos
“homossexualismo” e o “homoafeto”, este último criado por Maria Berenice Dias, ao
considerar a relação de afeto dos casais homossexuais.
No princípio, chamavam-se sodomia as relações de pessoas do mesmo sexo.
Seguiu-se a expressão homossexualismo, que foi afastada por significar
"desvio ou transtorno sexual". O sufixo "ismo" utilizado para identificar
doença foi substituído por "dade", que quer dizer "um modo de ser". Com
essa mesma intenção, mas buscando subtrair o teor sexual dos
relacionamentos interpessoais, acaba-se por criar o neologismo
homoafetividade, para realçar que o aspecto relevante dos relacionamentos
não é de ordem sexual. A tônica é a afetividade, e o afeto independe do sexo
do par76
.
Agora há que destacar o que caracteriza uma pessoa homossexual. Para isso Maria
Helena Diniz considera a homossexualidade como a “atração erótica ou sexual que alguém
sente por pessoa de seu sexo”77
. Ou seja, o homem, por exemplo, sente-se atraído
sexualmente por outros homens e com isso passa a sentir o desejo de se relacionar com estes
indivíduos.
75
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. p. 128. 76
DIAS, Maria Berenice. Politicamente Correto. Maria Berenice. Porto Alegre, 2010. Disponível em:
<http://www.mariaberenice.com.br/pt/politicamente-correto.cont > Acesso em: 05 mai. 2010. 77
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. p. 858.
34
Note-se que, no primeiro momento, Maria Berenice Dias chama a atenção para o fato
de que até pouco tempo, a relação entre pessoas do mesmo sexo era denominada de
homossexualismo, termo que até então tinha uma conotação patológica. O que não é verdade.
Tanto que, atualmente, usa-se um termo mais correto: homoafetividade.
No segundo momento, Maria Helena Diniz conceitua a homossexualidade ligando-a
apenas ao sentido sexual do termo, e não ao aspecto propriamente afetivo, como faz Maria
Berenice Dias.
Isto denota que, independente das questões estarem já evoluídas, há a ligação direta da
condição homossexual com o relacionamento propriamente sexual. Mesmo havendo autores
que preferem deixar a questão puramente erótica de lado e abordar o tema através de um
ângulo mais afetuoso.
Mas, a questão é que ambas as abordagens não estão equivocadas, afinal, o homoafeto
não deixa de ser o afeto e a relação sexual que há entre os casais homossexuais, ou como já se
usa atualmente, homoafetivos.
É desta forma que, através de estudos e orientações que, ao longo dos anos, chegou-se
à conclusão de que a homossexualidade não pode ser considerada uma escolha ou opção
como muito se ouve. É algo mais complexo e merece mais respeito ao ser abordado.
A psiquiatria tratou por muito tempo a homossexualidade como doença. No
entanto, esse posicionamento já foi superado, e a Psicologia não busca mais
alterar a orientação sexual da pessoa, visto que não se trata do que não é
doença, mas auxilia na redução de eventual sofrimento psíquico causado
pela discriminação e preconceito78
.
É assim que, buscando-se dar eventual conceito ao que se entende por “União
Homoafetiva” que se tem por base o relacionamento afetivo e sexual havido entre indivíduos
de sexos iguais, seja esta relação puramente passageira ou com o intuito de se estabelecer uma
família.
3.2 CONTEXTO HISTÓRICO
A parte histórica da união ou simplesmente dos relacionamentos homoafetivos é
bastante complexa, pois apesar dos estudos e pesquisas, ainda pouco se sabe sobre a
78
NAHAS, Luciana Faísca. União Homossexual. Curitiba: Juruá, 2008. p. 114, apud RIOS, 2002. p. 113.
35
procedência do comportamento homossexual humano.
A origem da homossexualidade é controvertida, e por muito tempo foi
tratada com uma forma de comportamento sexual anômalo, ao lado de outras
classificações. A questão da homossexualidade não é tema novo na história
da humanidade, porém ainda vem carregado de preconceitos e alcunhas
pejorativas, há notícias de relacionamentos homossexuais desde culturas
primitivas, e civilizações antigas, como o Egito, em que existem relatos de
uniões entre faraós e jovens rapazes. Na Grécia e Roma antigas, civilizações
que influenciaram diretamente a cultura ocidental atual, conforme já
analisado, há notícias de incentivo à prática homossexual militar, inclusive
fazendo parte da educação dos jovens em algumas cidades como Esparta79
.
Muitas pessoas, talvez por preceitos religiosos, histórico-sociais ou simplesmente pela
falta de estudos, consideram que a homossexualidade é algo errado, imoral, sujo. Mas,
porque, mesmo sendo a prática homossexual algo já tão longínquo, como citado acima, ainda
gera tanta polêmica ou violência para com a vida das pessoas homossexuais? Não é fácil
compreender a origem não apenas dos relacionamentos homossexuais, mas também como
nasceu o repúdio a esta prática.
Quando se estuda a cultura grega clássica, historicamente se observa que a
homossexualidade era comum, mas que deveria obedecer a determinadas atitudes.
A atividade homossexual masculina era, em certa medida, vista como
normal, mas somente se fosse mantida dentro de certos parâmetros sociais
claramente definidos. Relacionamentos entre homens da mesma idade eram
desaprovados. Na Atenas Clássica, os relacionamentos homossexuais
possuíam idealmente algumas características de um rito de iniciação,
ocorrendo entre um rapaz imberbe e um mentor mais velho80
.
Esta idéia, hoje, pode ser vista com certa estranheza, afinal ao que consta era comum a
prática homossexual entre um jovem e um homem mais velho, com certa finalidade
ritualística. Entretanto, ao mesmo tempo em que na Grécia antiga esta atividade denotava
certa normalidade,
em Roma, os relacionamentos homossexuais masculinos eram vistos como
“gregos”, e só eram aceitáveis, para um cidadão, com um estrangeiro ou um
escravo; relacionamentos entre parceiros da mesma idade eram vistos como
especialmente repreensíveis, e só ocorriam em anedotas sobre o
79
NAHAS, Luciana Faísca. União Homossexual. p. 113. Apud, DAGNESE, 2000. p. 14-16. 80
PORTER, Roy. TEICH, Mikulas. Conhecimento sexual, ciência Sexual: a história das atitudes em relação à
sexualidade. Luiz Paulo Ruanet (Trad.); Gilson César Cardoso de Souza (Rev. Trad.). São Paulo: Fundação
Editora da UNESP, 1998. p. 46, apud K. J. Diver, 1978. p. 276-277.
36
comportamento escandaloso de certos imperadores81
.
Destaca-se que, em virtude da diferença que existia entre as culturas, principalmente
entre as antigas grega e a romana, nota-se o afastamento de idéias relacionadas ao
relacionamento homoafetivo. Talvez por questões ainda mais distantes historicamente ou por
motivos ainda não sabidos.
Outro aspecto interessante a se revelar é que muito pouco se sabe sobre a historicidade
da homossexualidade feminina, pois quase nada se há relatado em obras escritas ou nas artes
antigas82
.
A questão é que, mesmo que este fator não seja novidade para os seres humanos, a
desmedida falta de respeito e repúdio aos homossexuais perdura até os dias atuais. O ponto
principal, então, é porque tanta indiferença com algo que é simplesmente normal?
Alguns autores consideram que “a sociedade ocidental por muito tempo aceitou como
único modelo familiar legítimo o patriarcal, fundado no casamento solene, indissolúvel e
sacralizado, predominante até o início do século XX”83
.
Então, estaria esta idéia tradicional tão enraizada no mecanismo psicossocial a ponto
de muitas pessoas não conseguirem aceitar outra forma de família? Fazendo-as suprimir
qualquer outra forma de relação aquém da heterossexual?
O fato é que mesmo com a arraigada condição de pensamento preconceituoso em que
muitos indivíduos se fundam, a realidade é que
[...] a homossexualidade acompanha a história do homem. Não é crime nem
pecado; não é uma doença nem um vício. Também não é um mal contagioso,
nada justificando a dificuldade que as pessoas tem de ser amigas de
homossexuais84
.
Talvez, um dos pontos mais estáticos em relação ao não aceite da homossexualidade
por muitos indivíduos seja justamente o cunho religioso. Justamente aquele que deveria dar
suporte a toda forma de propagação de bondade e igualdade, é usado muitas vezes como
81
PORTER, Roy. TEICH Mikulas. Conhecimento sexual, ciência Sexual: a história das atitudes em relação à
sexualidade. p. 46-47 apud A. Richlin, 1983. p. 220. 82
PORTER, Roy. TEICH Mikulas. Conhecimento sexual, ciência Sexual: a história das atitudes em relação à
sexualidade. p. 47 apud C. Johns, 1982. p. 103. 83
NAHAS, Luciana Faísca. União Homossexual. p. 102. 84
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007. p. 183.
37
fundamento para a repressão à União Homoafetiva.
“A Igreja fez do casamento forma de propagar a fé cristã: crescei e multiplicai-vos. A
infertilidade dos vínculos homossexuais levou a Igreja a repudiá-los, acabando por serem
relegados à margem da sociedade”85
. Oras, um instituto tão forte como a Igreja,
independentemente do tipo de religião, é por certo que causa a influência sob aqueles que
aderem aos seus dogmas e ensinamentos. Não que a Igreja provoque a instigação ao
preconceito, mas que em virtude do seu elevado grau de importância acaba por estabelecer
bloqueios ao aceite de situações adversas àquilo que ela prega.
Há muito tempo que a Igreja usa-se de suas pregações sobre o inferno e o paraíso, para
reprimir ou estimular determinadas atitudes. “As descrições tradicionais do Céu e do Inferno
condensavam reforços positivos e negativos. Os aspectos variam de cultura para cultura, mas
se todos os reforçadores positivos ou negativos foram usados ou não, é difícil saber”86
. Isto
quer dizer que, quando se usa de aspectos ruins - que são inseridos na mente humana desde o
ponto inicial de sua criação - que pune certas atitudes e leva as pessoas a agirem de certa
forma desejada, há neste momento a idéia que leva ao ideal de manipulação.
No entanto, não cabe aqui fazer um estudo profundo nas questões da influência
psicológica que a religião causa ao ser humano. Mas, que se vale abordar sucintamente visto a
sua importância no inicial conhecimento do que pode indicar o não aceite da relação
homoafetiva. Afinal, isto sim parece representar um problema, pois bloqueia, por exemplo, o
anseio de se poder realizar um Casamento religioso entre homoafetivos. E é aí que mora a
barreira da desigualdade. Pois, por exemplo, se no Brasil um casal homem e mulher pode se
casar na Igreja (Católica), porque um casal homossexual não pode? Não deveria ser função da
Igreja justamente pregar e dar exemplos de igualdade entre os homens?
3.3 A UNIÃO HOMOAFETIVA SOB O ASPECTO JURÍDICO
Assim como já foram citados aspectos da homossexualidade, seus meandros históricos
e outras considerações, há uma essencial abordagem que se deve fazer a partir do momento
em que se passa a tratar das questões jurídicas.
De início, há que se estabelecer que quando se entra neste campo, deve-se esclarecer
85
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 182. 86
SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e comportamento humano. João Carlos Todorov (Trad.), Rodolfo
Azzi (Trad.). 10 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 384.
38
certos pontos relativos a uma peça muito importante: o Estado. Isso porque ficaria difícil
estudar a parte principiológica e normativa do Direito inclinado ao interesse do homoafeto,
sem antes entender este elemento tão fundamental.
3.3.1 Breve abordagem sobre o Estado e seus aspectos relevantes
Não é fácil pronunciar em poucas palavras o que seria o conceito de Estado.
A principal razão dessa dificuldade de conceituação repousa no fato de que o
Estado é um ser altamente heterogêneo, resultante de diversas naturezas. O
Estado é simultaneamente um fato social, e como tal passível de estudo pela
Sociologia, como também é um fenômeno normativo, e , nessas condições,
objeto de interesse do Direito; finalmente, o Estado apresenta-se como ente
que exerce o poder político dentro da Sociedade e, nesse sentido, interessa à
Ciência Política87
.
É notória a amplitude de estudos exigidos no campo abrangido por este termo. Paulo
Bonavides explica que “há pensadores que intentam caracterizar o Estado segundo posição
predominantemente filosófica; outros realçam o lado jurídico e, por último, não faltam
aqueles que levam mais em conta a formulação sociológica de seu conceito”88
. Quanto a este
aspecto, Bonavides cita Duguit quando
define o Estado, em sentido geral, como toda sociedade humana na qual há
diferenciação entre governantes e governados, e em sentido restrito como
grupo humano fixado em determinado território, onde os mais fortes
impõem aos mais fracos a sua vontade89
.
Há também que se fazer uma ressalva a uma conceituação de Estado definida por
Maria Helena Diniz, quando trata do Estado Democrático: “Diz-se daquele cujo governo tem
como base a democracia, sendo reconhecido pelo consenso geral, o qual é demonstrado nas
eleições, fundando-se, portanto, na vontade do povo”90
.
Este último requisito leva uma fonte bastante estimável a este elemento: os próprios
seres humanos.
Segundo escreve Paulo Márcio Cruz, “o Estado é uma forma de organização humana.
O elemento humano, a população, é, por óbvio, o pressuposto imprescindível da existência
87
BOTELHO, Alexandre. Curso de ciência política. Florianópolis: Obra Jurídica, 2005. p. 172-173. 88
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 64. 89
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. p. 64 apud Léon Duguit, 1923. p. 14 -15. 90
DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. p. 477.
39
estatal”91
.
É por assim dizer, que é graças às organizações humanas que o Estado existe, e é
“concebido assim nas normas constitucionais não só como fenômeno político ou de poder
(comunidade organizada em um território, com uma autoridade soberana), mas também como
um fenômeno jurídico: como um ordenamento jurídico”92
.
As infindáveis transformações sofridas pelas sociedades ao longo de toda história,
remete ao fato de que “com a evolução social, foi necessária uma revisão, não somente do
conceito de Constituição, mas também da concepção do Estado de Direito como um todo, a
fim de alcançar os anseios da sociedade”93
. Ou seja, conforme a linha do tempo avança,
modificações sucedem ao contexto social, seja na forma de pensamento, seja na forma
vivencial, ou o que seja, o que vale destacar é que conforme o tempo transcorre mudanças
automaticamente se sobrevém. E com estas, novas concepções, talvez antes inaceitáveis,
passam a se realçar no cenário social.
Desta forma, sendo então o Estado a própria organização que detém a soberania na
unidade territorial - conhecido como aquele que representa juridicamente a sociedade
soberana, ou apenas tratado como pátria94
- é que se pode observá-lo como o ente que abarca
toda organização humana ordenada num país, como por exemplo o Brasil.
E é neste aspecto que se vale atrair à temática dos princípios que regem esta
organização. Ou mais precisamente e resumidamente, aos princípios fundamentais garantidos
pela própria Constituição da República.
A seguir então, buscar-se-á elencar alguns dos principais princípios de direitos
fundamentais garantidos e normatizados, a visar a melhor compreensão das garantias
primordiais humanas.
3.3.2 Dos princípios constitucionais fundamentais
De início, ergue-se a função de antes de se realçar os pressupostos essenciais dos
princípios fundamentais, válido fazer uma ressalva a um elemento extremamente importante e
que dá origem ao vocábulo constitucional: a Constituição.
91
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2006. p. 44-45. 92
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 52. 93
NAHAS, Luciana Faísca. União Homossexual. p. 27. 94
CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Dicionário compacto do direito. 6 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 122.
40
Segundo escreve Sérgio Sérvulo da Cunha, Constituição é a
Lei fundamental de uma sociedade soberana, elaborada pelo povo ou seus
legítimos representantes, que organiza o governo, declara direitos e garantias
fundamentais e estabelece os preceitos superiores do ordenamento95
.
É nela que estão contidas as normas magnas do Estado Brasileiro. E com elas os
valores estipulados pelos princípios constitucionais que abrangem de forma magnífica os
direitos fundamentais humanos.
3.3.2.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Este princípio está pregado ao ordenamento jurídico brasileiro sob uma forma
primordial. Trata-se de fundamento básico, pois, encontra-se normatizado já no artigo 1° da
Constituição da República, onde se estabelece:
Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da
pessoa humana96
.
Basicamente, quando trata a Constituição deste princípio, em verdade procura
assegurar o respeito à dignidade das pessoas, conforme normatiza em seu primeiro artigo.
Sérgio Resende de Barros resume em uma única frase aquilo que vem a ser este
princípio: “é a versão axiológica da natureza humana”97
. Isto quer dizer que é como se fosse a
versão valorosa da própria natureza pessoal.
A relação havida no direito entre a orientação homossexual e a dignidade da pessoa
humana, é direta, pois como já abordado, figura nos princípios fundamentais constitucionais.
E nada, nem ninguém pode deixá-lo encoberto ou esquecido, pois, cada pessoa possui sua
orientação sexual, e há certamente que se reconhecer a dignidade nas relações entre pares
homoafetivos98
.
3.3.2.2 Princípio da igualdade
95
CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Dicionário compacto do direito. p. 66. 96
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em: 28 mai. 2010. 97
BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos: paradoxo da civilização. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p.
418. 98
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. p. 103.
41
Existe um princípio que, diga-se de passagem, pode ser considerado como um dos
mais notórios na alcunha dos relacionamentos humanos em sociedade. Este princípio faz
referência justamente à paridade de posição em que as pessoas estão inseridas no contexto
social. Trata-se do princípio da igualdade que, assim como o valor à dignidade humana,
também está fincado na Constituição da República:
Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: X – são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação99
.
Note-se que, inicialmente, o artigo busca a realização da premissa igualitária entre as
pessoas, e isto é primoroso.
É de esplêndida beleza assegurar tantos direitos e dar infindáveis amparos
constitucionais às pessoas. Ter garantidos estes direitos que inclusive remetem à
inviolabilidade à intimidade, fazem com que, seja possível fazer uma ligação entre o
homoafeto e estas garantias igualitárias.
Entretanto, é impossível estar a perceber esta temática sem questionar a aplicabilidade
efetiva destes princípios. É como ressalta Maria Berenice Dias:
[...] de nada adianta assegurar respeito à dignidade humana e à liberdade.
Pouco vale afirmar a igualdade de todos perante a lei, dizer que homens e
mulheres são iguais, que não são admitidos preconceitos ou qualquer forma
de discriminação. Enquanto houver segmentos alvos da exclusão social,
tratamento desigualitário entre homens e mulheres, a homossexualidade for
vista como crime, castigo ou pecado, não estaremos vivendo em um Estado
democrático de Direito100
.
Esta idéia crítica inserida pela autora acerca de se colocar este princípio em ação,
denota que realmente ainda há forte desamparo legal às uniões homossexuais. Afinal, de que
adianta termos uma Constituição que resguarda valores importantes, mas que na prática, o que
é o essencial, estes mesmos valores não são respeitados, ou são simplesmente ignorados?
Outra argumentação trazida pela mesma autora é no que se refere ao direito igualitário
99
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em: 28 mai. 2010. 100
DIAS, Maria Berenice. Um novo direito: direito homoafetivo. Direito das Famílias. Maria Berenice Dias
(Org.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 232.
42
à identidade sexual, pois, afirma que esta “é direito humano fundamental, necessariamente
também o é o direito à identidade homossexual, melhor dizendo: o direito à homoafetividade.
Portanto, a União Homoafetiva corresponde a um direito humano fundamental”101
. E como
direito principal, não deveria haver melhor consideração às uniões homoafetivas? Porque será
que o Estado Brasileiro ainda é tão omisso no que se refere a esse tema?
A questão ainda é controversa, mas mesmo as uniões homoafetivas sendo alvo de
negação do Estado e da intolerância de muitos, elas não podem ser simplesmente excluídas da
tutela jurídica102
, afinal são pessoas que como quaisquer outras, merecem todo o respeito e a
dignidade que lhes são de direito.
3.3.2.3 Princípio da liberdade
Há uma definição, dada por Sérgio Sérvulo da Cunha, que permite em pouquíssimas
palavras conceituar o que se tem por princípio da liberdade: “princípio segundo qual tudo o
que não é proibido é permitido”103
.
Assim seria fácil defender precipuamente as relações legalizadas entre pares
homoafetivos, no entanto, esta situação vai muito além de se levar em conta a conceituação de
um único princípio.
A orientação sexual adotada na esfera de privacidade não admite restrições,
o que configura afronta à liberdade fundamental a que faz jus todo ser
humano. Como todos os segmentos alvo do preconceito e discriminação
social, a uniões homoafetivas se sujeitam à deficiência de normação jurídica,
sendo deixadas à margem da sociedade e à míngua do direito104
.
E isto parece estar estagnado. Ao que demonstra, a liberdade que todos os seres
humanos tem de se relacionar com quem desejam parece ter limites. Aliás, limites ao não
convencional. Limites ao reconhecimento legal da relação homossexual.
A liberdade geral de ação implica em um direito e em uma permissão prima
facie. Cada um tem o direito a que o Estado não impeça as suas ações e/ou
omissões, bem como a permissão para fazer ou não fazer o que quiser.
Qualquer restrição a esta liberdade deve estar assentada em lei que, para isto,
apresente razões relevantes e constitucionalmente válidas, assentadas, em
101
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. p. 101. 102
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. p. 100. 103
CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Dicionário compacto do direito. p. 216. 104
DIAS, Maria Berenice. Um novo direito: direito homoafetivo. Direito das Famílias. Maria Berenice Dias
(Org.). p. 231.
43
geral, no direito de terceiros ou no interesse coletivo. Partindo dessas
premissas, o direito geral de personalidade não permite influência do Estado
na vida afetiva do indivíduo, tampouco na sua opção sexual, devendo ser-lhe
assegurado o direito de constituir família com a pessoa do mesmo ou do sexo
oposto; a procriação natural ou assistida; o direito à Adoção, ou mesmo o
direito de não ter filhos, etc. A proteção da personalidade do indivíduo
pressupõe a liberdade para o seu desenvolvimento [...]105
.
É com base nisto que se pressupõe a liberdade de relacionamentos e o estimável
direito de ter estes relacionamentos protegidos de forma legal. Ninguém pode interferir no
direito alheio sem uma fundamentação eloqüente e normatizada. E é nesse contexto que as
relações homoafetivas se subtraem. Não lhes são concedidos os mesmos direitos imprimidos
às relações heterossexuais. Oras, se um homem e uma mulher tem sua relação legalizada pelo
Casamento civil, porque homossexuais não tem essa mesma prerrogativa?
Afinal, o que vale é que cada pessoa se sinta amparada pelo Estado em todos os
sentidos, inclusive, na sua condição de se relacionar com quem desejar, pois independente de
qualquer outra coisa, “todos dispõe da liberdade de escolha, desimportando o sexo da pessoa
eleita, se igual ou diferente do seu”106
.
3.3.2.4 Princípio da diversidade familiar
Ao tratar das relações humanas, parece quase inevitável aludir aos relacionamentos
familiares.
Quando se fala em família, se pensa nos laços mais estreitos que unem os
seres humanos, em especial no parentesco, decorrente da descendência
biológica, da adoção, ou ainda da afinidade, bem como na conjugalidade,
relação amorosa entre duas pessoas com intuito de buscar uma vida em
comum107
.
Este pressuposto é quase como um ciclo natural do homem. “Se a família aparece
como a mais natural das categorias sociais, é porque ela funciona como esquema
classificatório e princípio de construção do mundo social”108
.
Aprende-se que a família é a base de tudo, e que é no seu seio que se encontra o
amparo afetivo de que os seres humanos necessitam.
105
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. p. 105, apud Pedro Pais de
Vasconcelos, 2006. p. 75. 106
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. p. 105. 107
NAHAS, Luciana Faísca. União Homossexual. p. 102. 108
UZIEL, Anna Paula. Homossexualidade e Adoção. p. 21.
44
Fundamenta o artigo 226, caput, da Constituição da República que, a família, base de
toda sociedade, recebe proteção especial do Estado109
. E é neste ponto que as discussões se
tornam alargadas.
A que família este dispositivo estaria se referindo? Ao composto familiar tradicional
formado pelo Casamento entre homem e mulher?
“Travam os tribunais brasileiros constantes debates acerca do reconhecimento das
relações homossexuais como entidades familiares, muito embora há quem sustente ser
variadíssimo o quadro de modalidades familiares existentes na sociedade em geral”110
.
Na Constituição da República encontram-se as entidades familiares por ela
normatizadas. Entretanto, há que se mencionar que ainda não há norma constitucional
explícita que se volte à família homossexual.
A Constituição, trás três entidades familiares ao seu texto constituinte, são elas: o
Casamento, a União Estável e a família monoparental, admitindo muitos tribunais o
pluralismo destas entidades com base no afeto111
.
3.3.2.5 Princípio da afetividade
Poderia considerar-se um grande equívoco não levar em conta, o afeto como um dos
pressupostos base de um relacionamento.
É absolutamente discriminatório afastar a possibilidade de reconhecimento
das uniões homossexuais. São relacionamentos que surgem de um vínculo
afetivo, geram o enlaçamento de vidas com desdobramentos de caráter
pessoal e patrimonial, estando a reclamar inserção no âmbito jurídico112
.
Há que se citar, assim, que estes relacionamentos são uma realidade já consumada,
mas padece da seguridade legal que lhe deveria ser natural.
O direito ao afeto é a liberdade de afeiçoar-se um indivíduo a outro. O afeto
ou afeição constitui, pois, um direito individual: uma liberdade que o Estado
deve assegurar a cada indivíduo, sem discriminações, senão as mínimas
109
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em: 15 jun. 2010. 110
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 65 apud Américo Luís
Martins da Silva, 1996. p. 03. 111
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. p. 65. 112
DIAS, Maria Berenice. Um novo direito: direito homoafetivo. Direito das Famílias. Maria Berenice Dias
(Org.). p. 233.
45
necessárias ao bem comum de todos113
.
Quer dizer, seria quase insano delegar a liberdade de relacionamentos limitada pela
barreira do tradicional. Ou seja, não seria justo privar pessoas do direito de constituir
relacionamentos amparados pela normativa do Estado, pelo mero detalhe da
homossexualidade.
Não se pode voltar à dogmática que imputava aos relacionamentos amorosos o cunho
meramente voltado à procriação.
A idéia sacralizada de família com fins exclusivamente procriativos levou à
rejeição dos vínculos afetivos centrados muito mais no envolvimento mútuo.
Toda relação sexual deveria tender à procriação. Daí a condenação da
homossexualidade masculina por haver perda de sêmen, enquanto a
homossexualidade feminina era considerada mera lascívia. A Igreja Católica,
ao pregar que sexo se destina fundamentalmente à procriação, considera a
relação homossexual uma aberração da natureza, uma transgressão à ordem
natural, verdadeira perversão, baseada na filosofia natural de Santo Tomás
de Aquino”114
.
Sustenta-se, portanto, que se poderia tentar minimizar esta idéia no pensamento social,
pois, é devido a ela que pessoas sofrem limitações diversas por causa de sua condição sexual.
E isso não poderia acontecer. Pelo menos não em um Estado Democrático de Direitos como o
Brasil, em que todas as pessoas devem ser consideradas agentes de direitos igualitários,
consideradas, é claro, cada uma em suas subjetividades.
Oras, porque não há ainda uma referência específica sobre a temática homoafetiva na
legislação brasileira? Porque tantos entraves na permissão do Casamento gay?
Há a omissão do legislador, que insiste em se furtar a se pronunciar sobre o
tema, não se manifestando sequer com relação à união homoafetiva, ou
união civil, tendo em vista a forte pressão que a Igreja exerce sobre o
parlamento brasileiro. É de notar que a idéia de pecado há muito deveria ter
sido extirpada da memória das cabeças pensantes, tendo em vista não só a
obviedade do tema, como o fato de que o Estado é laico. Assim, subsidiar o
odioso preconceito ao embasamento de pecado, além de piegas, chega a ser
até mesmo cruel. De outra banda, não se diga que o fim do casamento é a
procriação, pois se assim o fosse, casais estéreis, da mesma forma, não
113
BARROS, Sérgio Resende de. O direito ao afeto. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Belo
Horizonte, 2007. Disponível em: < http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=50> Acesso em: 15 jun. 2010. 114
DIAS, Maria Berenice. Um novo direito: direito homoafetivo. Direito das Famílias. Maria Berenice Dias
(Org.). p. 231.
46
poderiam casar115
.
E é com base nisto que inúmeros questionamentos como os citados anteriormente se
perfazem. Não é lógico continuar nesta situação omissa. É como se o direito estivesse se
esquecendo de abrigar o relacionamento homossexual, mesmo estando esta temática piscando
já há muito tempo pedindo amparo legal.
“É o afeto, também, norteador do direito de família. Hoje cada indivíduo é importante
e em sua individualidade deve ser respeitado”116
. E não apenas isto, mas também deveria ser
ouvido e ter seus direitos estendidos às suas necessidades fundamentais, neste caso, é claro, as
uniões homossexuais.
3.3.3 União Homoafetiva: Casamento, União Estável e Sociedade de Fato
Entrar no campo classificatório das uniões homoafetivas é envolver-se numa discussão
bastante longa. No entanto, há que se recordar que, como já citado, o afeto é um pressuposto
muito importante na caracterização de uma relação. E ao se tratar da homossexualidade, tem-
se que recordar que “a ausência da diversidade não impede a afetividade”117
, ou seja, não é
motivo de travas para que um relacionamento tome certas proporções.
“Hoje existe família sem casamento, está aí a união estável. Com o surgimento dos
contraceptivos, se pratica sexo recreativo. E há procriação sem sexo, em face dos avanços dos
modernos métodos de reprodução assistida”118
. É assim que as novas concepções de famílias
e relações afetivas se desencadeiam.
“Duas pessoas unidas com o objetivo de constituir família, e de prover aos indivíduos
assistência moral, afetiva e patrimonial, com os atributos da fidelidade e lealdade, são uma
entidade familiar, sejam do mesmo sexo ou não”119
. Dessa forma, sabendo-se haver esta
possibilidade de reconhecimento de entidade familiar em virtude dos pares homossexuais,
ainda se faz importante estudar os aspectos inerentes ao instituto do Casamento, à União
Estável e a Sociedade de Fato, justamente para se poder conhecer melhor suas características
e a possibilidade ou não do encaixe da União Homoafetiva em um destes elementos.
115
LOUZADA, Ana Maria. Casamento Homoafetivo. Direito das Famílias. Maria Berenice Dias (Org.). p. 240-
241. 116
LOUZADA, Ana Maria. Casamento Homoafetivo. Direito das Famílias. Maria Berenice Dias (Org.). p. 244. 117
NAHAS, Luciana Faísca. União Homossexual. p. 136. 118
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. p. 178. 119
NAHAS, Luciana Faísca. União Homossexual. p. 136.
47
3.3.3.1 Casamento
O Código Civil trata do instituto do Casamento a partir de seu artigo 1.511, onde
enuncia:
Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na
igualdade de direitos e deveres dos cônjuges120
.
No mesmo ordenamento, verifica-se inclusive, a caracterização do momento em que
o Casamento se configura, conforme artigo 1.514:
Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher
manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e
o juiz os declara casados121
.
É notória a especificação trazida pela normativa ao usar da expressão “o homem e a
mulher”. Alude-se aqui ao fato de que o Casamento é realizável apenas entre sexos distintos,
não fazendo qualquer menção a casais do mesmo sexo.
Ainda que de forma indireta, a Constituição Federal, ao reconhecer a união
estável “entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento”, e ao proclamar que “os direitos e
deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo
homem e pela mulher (art. 226, §§ 3° e 5°)122
, só admite casamento entre
pessoas que não tenham o mesmo sexo. Esse posicionamento é tradicional e
já era salientado nos textos clássicos romanos123
.
Entretanto, há especificado no Código Civil os impedimentos atribuídos para a
celebração do Casamento:
Art. 1.521. Não podem casar:
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o
120
BRASIL. Código Civil Brasileiro de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 17 jun. 2010. 121
BRASIL. Código Civil Brasileiro de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 17 jun. 2010. 122
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 3° - Para efeito da proteção do
Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar
sua conversão em Casamento. [...] § 5° - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher [...]. Conf. Cf. BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em: 17 jun. 2010. 123
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Vol. VI: direito de família. p. 127.
48
foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro
grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de
homicídio contra o seu consorte”124
.
Note-se que não há sequer relação à união entre homossexuais. Ou seja, não está
nesse rol a União Homoafetiva como um impedimento. E o caput do referido artigo é claro na
expressão: “não podem casar”.
Então, caso se fizesse uma conclusão ligando-se este enunciado aos itens que se
subscrevem abaixo, isto levaria àquela idéia já subentendida: se algo não está na categoria do
“não pode”, então presumiría-se, que “pode”.
No entanto, a legislação brasileira neste ponto ainda é ríspida. Parece que, mesmo
após ter havido “a separação Igreja/Estado em 1891”125
, o direito parece, neste ponto ainda
estar ligado à alcunha religiosa. Pois, é visto que, no âmbito do direito canônico, “o
casamento não é somente e simplesmente um contrato, mas é um contrato, um sacramento e
um estado”126
. E quando a relação homoafetiva entra nesse campo, como já mencionado
anteriormente, sabe-se que a sua aversão por parte da Igreja é imensa. No entanto, o que se
alude, na realidade, não é que a Igreja deva aceitar estas uniões.
O casamento homoafetivo aqui proposto para discussão é o casamento civil,
não se confundindo com o casamento religioso. Se a Igreja, com seus
dogmas irretocáveis, quer se opor à união de duas pessoas do mesmo sexo,
que leve seus preconceitos para o âmbito religioso, não devendo se ingerir
em assuntos que não lhe dizem respeito, notadamente para prejudicar
pessoas127
.
Válido salientar ainda, que muitos são os doutrinadores que se mostram
desfavoráveis a esta real situação. Maria Berenice Dias, por exemplo, salienta que
a doutrina clássica, que exige para o casamento o requisito da diversidade de
sexos, não mais se sustenta frente à repersonalização do direito das famílias,
124
BRASIL. Código Civil Brasileiro de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 17 de jun. 2010. 125
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. 7 ed. ver. e atual. Belo Horizonte: Del Rey,
2004. p. 37. 126
BORGHI, Hélio. Casamento e união estável: formação, eficácia e dissolução. 2 ed. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 2005. p. 34. 127
LOUZADA, Ana Maria. Casamento Homoafetivo. Direito das Famílias. Maria Berenice Dias (Org.). p. 241.
49
que busca assegurar o direito à felicidade calcado nos princípios
constitucionais”128
.
É desta forma que, no que tange ao instituto do Casamento homossexual, inúmeras
são as discussões e fundamentações que se pode sustentar, tanto em favor quanto em
contrário. No entanto, a questão é que no Brasil, ainda não é possível a celebração do
Casamento entre homossexuais, diga-se Carlos Roberto Gonçalves, ao elucidar que, “a
diferença de sexos é elemento estrutural do casamento, sem o qual inexiste vínculo
matrimonial”129
.
A exemplo de tal consideração, segue a jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. CASAMENTO HOMOSSEXUAL.
HABILITAÇÃO. AUSÊNCIA DE POSSIBILIDADE JURÍDICA DO
PEDIDO. ENTIDADE FAMILIAR. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 226, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
E 1.514, 1.517, 1535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL QUE TIPIFICAM A
REALIZAÇÃO DO CASAMENTO SOMENTE ENTRE HOMEM E
MULHER.[...]. Ainda que desejável o reconhecimento jurídico dos efeitos
civis de uniões de pessoas do mesmo sexo, não passa, a hipótese, pelo
Casamento, instituto, aliás, que já da mais remota antiguidade tem raízes não
somente na regulação do patrimônio, mas também na legitimidade da prole
resultante da união sexual entre homem e a mulher.[...]. Em se tratando de
discussão que tem centro a existência de lacuna da lei ou de direito,
indesviável a abordagem das fontes do direito e até onde o Juiz pode com
elas trabalhar. Ainda no que tange ao patrimônio, o direito brasileiro oferta
às pessoas do mesmo sexo, que vivam em comunhão de afeto e patrimônio,
instrumentos jurídicos válidos e eficazes para regular, segundo seus
interesses, os efeitos materiais dessa relação, seja pela via contratual ou, no
campo sucessório, a via testamentária.[...]. APELAÇÃO DESPROVIDA.
(SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70030975098, Sétima
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Conrado de Souza
Júnior, Julgado em 30/09/2009)130
.
3.3.3.2 União Estável
Outra espécie de união que possui grande importância nesta temática, é a União
Estável. “Em nível constitucional, a Carta de 1988131
foi a primeira dentre as nossas
Constituições a estabelecer proteção efetiva às uniões estáveis. As anteriores apenas
128
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. p. 159. 129
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. p. 127. 130
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n° 70030975098, da
Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, RS, de 30 set. 2009. Disponível
em: < http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris> Acesso em: 24 ago. 2010. 131
A expressão “Carta de 1988” refere-se à Constituição da República de 1988.
50
consideravam o casamento como base da sociedade”132
.
Serve-se importante acentuar, para fins de estudo, que existem diferenças entre
Casamento e União Estável, como explica Venosa: “enquanto o casamento é negócio jurídico,
a união estável é fato jurídico”133
. Foi assim que, em virtude da evolução em termos
constitucionais, que se passou a considerar legalmente uma nova forma de união entre duas
pessoas, sem a necessidade da celebração do Casamento e suas peculiaridades formais.
Esta nova forma de união legal passou a se caracterizar mediante alguns requisitos
para seu efetivo reconhecimento. E estes elementos podem ser encontrados na sua própria
definição: “a união estável é a relação afetivo-amorosa entre um homem e uma mulher, não-
adulterina e não-incestuosa, com estabilidade e durabilidade, vivendo sob o mesmo teto ou
não, constituindo família sem o vínculo do casamento”134
.
Esta singela definição trazida por Rodrigo da Cunha Pereira, faz alusão a seis pontos
a serem considerados, em resumo, no presente estudo. São eles:
1.“relação afetivo-amorosa”;
2.“entre homem e mulher”;
3.“não-adulterina”;
4.“não-incestuosa”;
5.“com estabilidade e durabilidade”;
6.“constituindo família sem vínculo de casamento”.
Importante se faz referenciar sobre um único item que é capaz de mudar todo o
contexto da caracterização da União Estável. O item número 2 traz explicitamente a condição
de que o casal deve ser formado por um homem e uma mulher. Note-se que se não fosse este
elemento, os outros itens caracterizariam normalmente a relação homossexual como
perfeitamente passível de ser reconhecida como União Estável.
Há que se aludir ainda que o posicionamento do autor ergue-se ao que já está
previamente estipulado no próprio Código Civil, que expõe:
132
BORGHI, Hélio. Casamento e união estável: formação, eficácia e dissolução. p. 47. 133
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 44. 134
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. p. 28-29.
51
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o
homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família135
.
A seguir, tem-se uma apelação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul, julgado em 02 de outubro de 2008, que trata sobre o tema:
APELAÇÃO. UNIÃO HOMOSSEXUAL. COMPETÊNCIA.
RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. A competência para
processar e julgar as ações relativas aos relacionamentos afetivos
homossexuais. A união homossexual merece proteção jurídica, porquanto
traz em sua essência o afeto entre dois seres humanos com o intuito
relacional. Uma vez presentes os pressupostos constitutivos, é de rigor o
reconhecimento da união homossexual, em face dos princípios
constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser humano. Via de
conseqüência, as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual,
em face do princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da união
heterossexual. NEGARAM PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº
70023812423, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui
Portanova, Julgado em 02/10/2008)136
.
Válido salientar neste âmbito que, torna-se um tanto complicado tentar legalizar algo
que a lei omite. Mesmo sabendo-se que todos os princípios de direito aludem à idéia da
perfeita caracterização do intento.
No que se refere ao reconhecimento da União Estável por pares homoafetivos, pois,
como escreve Maria Berenice Dias,
comprovada a existência de relacionamento duradouro, em que haja vida em
comum, coabitação e laços afetivos, se está frente a uma entidade familiar,
forma de convívio que goza de proteção constitucional. Nada justifica que se
lhe negue reconhecimento. Passando duas pessoas a manter relação
duradoura, pública e contínua, como se casados fossem, formam um núcleo
familiar à semelhança da união estável, independentemente do sexo a que
pertencem137
.
Entretanto, cabe agora ao legislador formalizar ou ao menos fazer qualquer
referência a esta situação, afinal, é injusto deixar ao vento o desejo das pessoas homossexuais
de legalizarem sua união, da mesma forma que o fazem as pessoas heterossexuais. O Estado,
em qualquer momento não poderia distinguir o direito das pessoas em virtude de sua
135
BRASIL. Código Civil Brasileiro de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 18 jun. 2010 136
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n° 70023812423, da
Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, RS, de 02 out. 2008. Disponível
em: <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris> Acesso em: 18 jun. 2010. 137
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. p. 162.
52
sexualidade. Isto é uma afronta gravíssima ao princípio constitucional da igualdade, princípio
este extremamente importante na nossa forma de Estado Democrático de Direitos.
3.3.3.3 Sociedade de Fato
Esta espécie de união vem moldada de um caráter um tanto mais abrangente. No que
concerne a isto, Venosa esclarece que,
enquanto não houver aceitação social majoritária das uniões homoafetivas
em nosso país, que se traduza em uma possibilidade legislativa, as uniões de
pessoas do mesmo sexo devem gerar apenas reflexos patrimoniais relativos
às sociedades de fato138
.
A motivação que empurra esta prerrogativa deve-se, essencialmente, à falta de
amparo legislativo.
A verdadeira aversão de boa parte da doutrina e da jurisprudência –
desgraçadamente majoritária – em se socorrer das normas legais que regem o
casamento e a união estável tem levado ao reconhecimento das famílias
homoafetivas ainda como meras sociedades de fato139
.
Na esfera deste tipo de sociedade, o que se realça mediante a união é a questão
meramente patrimonial. É neste aspecto que se faz citação da Súmula 380 do Supremo
Tribunal Federal140
, cuja substancialidade trata apenas do direito patrimonial dos conviventes.
Mesmo comprovada a convivência familiar duradoura, pública e contínua,
na imensa maioria das vezes, é reconhecida somente a existência de uma
sociedade de fato, sob o fundamento de ser impertinente qualquer indagação
sobre a vida íntima de um e de outro. A tendência é não conceder nem
alimentos e nem direitos sucessórios. Ao parceiro sobrevivente, no máximo
é deferida a metade – às vezes nem isso – do patrimônio adquirido durante a
vida em comum e, ainda assim, mediante prova de sua efetiva
colaboração141
.
Conclui-se que, basicamente, na esfera nacional no que tange à União Homoafetiva,
o que se observa é sua configuração na espécie de Sociedade de Fato. Pois, figura apenas no
138
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 396. 139
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. p. 164. 140
Súmula 380 STF: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível sua
dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. Conf. BRASIL. Supremo
Tribunal Federal. Súmula n° 380. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_301_400>
Acesso em: 18 jun. 2010. 141
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. p. 138.
53
pólo patrimonial do direito, sendo bastante controversas as disposições que fazem garantias
no plano sucessório e alimentício. Ficando, destarte, comprovada a impotência da legislação
brasileira no reconhecimento de outro tipo de união entre pares homossexuais.
Abaixo, tem-se como exemplo, uma jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, sobre a efetivação da partilha de bem em virtude de Sociedade de Fato:
RELACIONAMENTO HOMOSSEXUAL. SOCIEDADE DE FATO.
PARTILHA DE BEM IMÓVEL. 1. Cuidando-se de união homossexual e
que constitui sociedade de fato, é possível partilhar o proveito econômico
obtido pelo esforço comum do par. 2. Tendo as partes adquirido bem imóvel
com o esforço comum delas, cabível sua divisão igualitária, devendo ser
deduzido, no entanto, os valores pagos pela demandada por conta do negócio
que entabularam relativamente à venda do bem. Recurso provido em parte,
por maioria. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70015674195,
Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando
de Vasconcellos Chaves, Julgado em 27/09/2006)142
.
3.4 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA UNIÃO HOMOAFETIVA NO ÂMBITO
INTERNACIONAL
Para fins de estudo e informação, também se faz importante ter conhecimento da
situação das relações homoafetivas fora do contexto nacional. Isso promove melhor
elucidação sobre o tema, assim que poderia inclusive, servir de exemplo para a legislação
brasileira atual.
A França, através do Pacto Civil de Solidariedade (Lei 99.944/1999),
garantiu o direito à sucessão, imigração e declaração de renda conjunta. Em
1999 a Inglaterra reconheceu o status de família aos casais homossexuais. A
Argentina, notadamente Buenos Aires, no ano de 2003, passou a autorizar
uniões civis entre homossexuais143
, acompanhada pela Cidade do México e
o Uruguai no ano de 2007. Muito embora já haja reconhecimento de uniões
homoafetivas em diversos países desde 1989, somente foi possível este
reconhecimento em relação ao casamento civil no ano de 2001 na Holanda.
A seguir, no ano de 2003, o mesmo aconteceu na Bélgica. Em 2005, também
142
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n° 70015674195, da
Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, RS, de 27 set. 2006. Disponível
em: <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris> Acesso em: 18 jun. 2010. 143
Em 15 de julho de 2010, a Argentina legalizou definitivamente o Casamento homossexual estendendo-o aos
demais estados. A redação do Código Civil Argentino mudou e passou a ser considerada da seguinte forma:
“Art. 172. Es indispensable para la existencia del matrimonio el pleno y libre consentimiento expresado
personalmente por ambos contrayentes ante la autoridad competente para celebrarlo. El matrimonio tendrá los
mismos requisitos y efectos, con independencia de que los contrayentes sean del mismo o de diferente sexo. El
acto que careciere de alguno de estos requisitos no producirá efectos civiles aunque las partes hubieran obrado de
buena fe, salvo lo dispuesto en el artículo siguiente”. Conf. ARGENTINA. Código Civil de La Nación.
Disponível em: < http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/105000-
109999/109481/texactley340_libroI_S2_tituloI.htm>. Acesso em: 06 ago. 2010.
54
na Espanha, o Canadá e a Grã-Bretanha passaram a admiti-lo. Nos Estados
Unidos, o Estado de Massachusetts autoriza o casamento de pessoas do
mesmo sexo desde 2004. Em 2006 foi a vez da África do Sul. No ano de
2008 a Noruega veio se juntar ao rol dos países que admitem casamento
entre homossexuais144
.
São inúmeros os exemplos de países que atualmente protegem e legalizam a união
entre pares homoafetivos. Percebe-se, logicamente que estas decisões foram culminadas ao
longo do tempo. E no Brasil, espera-se que a situação também evolua ao mesmo nível, a fim
de consagrar às pessoas homossexuais, o direito ao Casamento e às outras prerrogativas do
direito de família que atualmente não lhes são admitidas.
Na África do Sul, a Corte Suprema (Supreme Court of Appeal of South
Africa) decidiu, em 2004, que „a capacidade daqueles que escolhem se casar
evidencia a liberdade, a autonomia e a dignidade de um casal comprometido
um a outro por uma vida. [...]. Nesse caso, a questão reside em saber se a
capacidade para se comprometer, e a habilidade de amar, nutrir, honrar e
sustentar transcende o fato incidental da orientação sexual. A resposta
sugerida pela própria Constituição e pelos dez anos de desenvolvimento sob
sua égide é Sim‟145
.
É aplaudível esta consideração da Suprema Corte da África do Sul em atender o
amor, a honra, a capacidade de nutrição e sustento, como pressupostos válidos da
possibilidade da União Homoafetiva. E mais, não somente válidos, mas que ficam acima da
condição sexual das pessoas. E este é um grande exemplo a ser estudado.
Isto denota respeito para com a dignidade sexual humana, pois valoriza seu aspecto
moral e o carimba com o selo da legalidade com base no amor e na vivência em conjunto.
A Espanha, neste contexto também merece destaque, pois, “em 21.04.2005, aprovou
tanto o casamento como o direito à adoção por homossexuais, promovendo alterações no
Código Civil”146
.
E este exemplo é bastante importante, afinal a Espanha parece ter englobado de uma
única vez as duas pretensões que, geralmente, alguém que deseje constituir família tem, que
são: Casamento e filhos. Pois, se a natureza, no contexto homossexual, não os presenteia
naturalmente com a prole, a Justiça assim o faz, sem travamentos ou limitações legais
referentes à condição sexual da pessoa.
144
LOUZADA, Ana Maria. Casamento Homoafetivo. Direito das Famílias. Maria Berenice Dias (Org.). p. 246. 145
TEPEDINO, Gustavo. União de pessoas do mesmo sexo à luz do direito civil-constitucional. Direito das
Famílias. Maria Berenice Dias (Org.). p. 212. 146
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. p. 68.
4 A POSSIBILIDADE JURÍDICA DA ADOÇÃO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES POR PARES HOMOAFETIVOS
A partir de agora, após as considerações realizadas sobre o instituto da Adoção no
Brasil, seu histórico, sua caracterização, efeitos e requisitos, e as ponderações concluídas
sobre a união homossexual, inicia-se o estudo que condensará estes dois temas. Isto com o
intuito de se poder analisar com maior amplitude, a possibilidade da Adoção por parte dos
pares homoafetivos.
4.1 A ADOÇÃO HOMOPARENTAL NA ATUAL LEGISLAÇÃO
Como já tratado no primeiro capítulo do presente trabalho, para que alguém possa
adotar é necessário que se encaixe dentro de determinados requisitos legais. Como é o caso,
por exemplo, da idade mínima do Adotante que não pode ser inferior a dezoito anos, e a
diferença de idade que deve haver entre o Adotante e o Adotado, que deve ser de pelo menos
dezesseis anos147
.
No entanto, além destas exigências, é preciso antes de qualquer coisa,
que os adotantes possuam idoneidade, responsabilidade para assumir ato de
tamanha importância, aptidão para ser pai e ambiente familiar adequado, sob
pena de indeferimento do pedido de adoção, conforme expressamente
determina o art. 29 do Estatuto da Criança e do Adolescente: Art. 29. Não se
deferirá colocação em família substituta a pessoa que revele, por qualquer
modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente
familiar adequado148
.
Há que se verificar sobretudo, a condição sócio-moral do Adotante, estudar se tem a
capacidade de tomar para si tal condição.
A adoção é um processo juridicamente legal e seguro, mas exige a
147
Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. (Redação dada
pela Lei nº 12.010, de 2009). [...] §3°. O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o
adotando. Cf. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente de 13 de julho de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em: 11 ago. 2010. 148
CARVALHO, Dimas Messias de. Adoçãoe Guarda. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p.32.
56
preparação emocional dos pretendentes. Requer responsabilidade,
redescobrir o significado da família, ampliar a visão do mundo para além da
integração e do comprometimento com o outro. Não pode ser feita de forma
impulsiva, por gratidão, piedade ou promessa, nem é um remédio para a
pobreza. Não é uma estratégia para solucionar os problemas conjugais;
tampouco é um instrumento para realizar esperanças ou alcançar metas
pessoais, pois cada pessoa deve realizar-se por si mesma, e não através do
outro149
.
E é justamente para assegurar que a Adoção não seja feita por qualquer equívoco
que, a legislação visando garantir a segurança da Criança e do Adolescente, protege-os de
modo a tornar o procedimento da Adoção muitas vezes lento e burocrático.
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei 8069/90), elaborado à
luz da nova Constituição, trouxe consigo um novo panorama, de caráter
nitidamente assistencial e protetor. Estabeleceu a teoria da proteção integral
a toda e qualquer criança e adolescente, tendo em vista a condição peculiar
da pessoa em desenvolvimento, e concebeu a criança e o adolescente como
sujeitos de direito150
.
Notadamente, o objetivo da Adoção volta-se para o bem-estar daquele que vai ser
Adotado, sendo que, caso seja percebida qualquer outra intenção ou que os Adotantes não
tenham capacidade de assumir tal ato, a Adoção não poderá ocorrer. Isto porque a finalidade
de tal conduta deve ser sempre a garantia de melhores condições de vida a serem
proporcionadas ao adotando.
Um aspecto muito importante a se tratar aqui é que, na realidade a legislação atual
não permite expressamente a Adoção por pares homoafetivos, entretanto, os Tribunais de
Justiça é que vem apresentando posicionamento contrário. Sendo assim que, a Adoção por
homossexuais, basicamente, não deve fugir dos presentes pressupostos. Pois,
a autorização para a adoção não se relaciona com a orientação sexual das
pessoas. Observa-se, isso sim, a dignidade dos adotantes, sua condição de
exercitar o papel de pai ou mãe e as vantagens para o adotando151
.
E não poderia ser diferente. Afinal, não haveria de se supor que a sexualidade do
Adotante poderia ser impedimento, visto que, são pessoas que também passam pelo mesmo
procedimento para Adoção, que as pessoas heterossexuais.
149
SOUZA, Hália Pauliv de. Adoção: exercício da fertilidade afetiva. p. 25. 150
GUERIN, Camila Rocha. Adoção e união homoafetiva. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Belo
Horizonte, 2007. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=524> Acesso em: 09 ago. 2010. 151
SOUZA, Hália Pauliv de. Adoção: exercício da fertilidade afetiva. p. 75.
57
Nem o Estatuto da Criança e do Adolescente e nem o Código Civil trazem
qualquer restrição quanto ao sexo, ao estado civil ou à orientação sexual do
adotante. A faculdade de adotar é outorgada tanto ao homem como à mulher
e a ambos, em conjunto ou isoladamente e independente do estado civil.
Assim, desimporta a opção de vida de quem quer adotar. Na ausência de
impedimentos, deve prevalecer o princípio consagrado pelo Estatuto, que
admite a adoção quando se funda em motivos legítimos e apresenta reais
vantagens ao adotando. Diante da preocupação do legislador com o bem-
estar da criança, nenhum motivo legítimo existe para deixá-la fora de um lar.
Constituindo os parceiros – ainda que do mesmo sexo – uma família é
legítimo o interesse na adoção, não se podendo deixar de ver a existência de
reais vantagens a quem não tem ninguém152
.
Tal prerrogativa consubstancia o fator necessidade. Quer dizer, uma Criança
colocada à Adoção, à espera ansiosa de um lar, não pode esperar, ela tem necessidades que
somente uma família pode proporcionar, seja esta uma família formada por um homem e uma
mulher, por homossexuais ou uma única pessoa, o que vale é o amparo afetivo e responsável
que este pequeno indivíduo vai passar a desfrutar.
4.1.1 Estatuto das famílias
Não haveria como colocar em foco o tema da Adoção por homossexuais sem atentar
para o Projeto de Lei N°. 2.285/2007, intitulado como “Estatuto das Famílias”. Este projeto,
elaborado pelo IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, e colocado em votação
pelo Deputado Sérgio Barradas Carneiro, vem com o intento de renovar a área civil do direito
das famílias.
A começar pela sua Justificativa, que vem a tratar das uniões homoafetivas de forma
direta, criticando inclusive, a atribuição destas uniões ao âmbito das sociedades de fato:
A jurisprudência brasileira tem procurado preencher o vazio normativo
infraconstitucional, atribuindo efeitos pessoais e familiares às relações entre
essas pessoas. Ignorar essa realidade é negar direitos às minorias,
incompatível com o Estado Democrático. Tratar essas relações cuja
natureza familiar salta aos olhos como meras sociedades de fato, como se as
pessoas fossem sócios de uma sociedade de fins lucrativos, é violência que
se perpetra contra o princípio da dignidade das pessoas humanas,
consagrado no art. 1º, III, da Constituição. Se esses cidadãos brasileiros
trabalham, pagam impostos, contribuem para o progresso do país, é
inconcebível interditar- lhes direitos assegurados a todos, em razão de suas
152
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. p. 213-214.
58
orientações sexuais153
.
O projeto é audacioso, e não se reduz a este enfoque. O artigo 68 versa
expressamente sobre o reconhecimento das uniões homoafetivas como entidade familiar,
relevando o direito à guarda e a Adoção de filhos:
Art. 68. É reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas de
mesmo sexo, que mantenham convivência pública, contínua, duradoura,
com objetivo de constituição de família, aplicando-se, no que couber, as
regras concernentes à união estável. Parágrafo único. Dentre os direitos
assegurados, incluem-se: I - guarda e convivência com os filhos; II – a
adoção de filhos; III – direito previdenciário; IV – direito à herança154
.
A normativa deste projeto de lei, que ainda está em trâmite de votação e estudo, é
bastante nova e faz referência a idéia de que o direito das famílias pode vir a ter uma nova
face, mais evoluída, abrangente e renovadora. A fim de, futuramente, o direito de família
poder amparar direitos que ainda são negados a casais formados por pessoas de sexos iguais.
4.1.2 A dignidade humana como pressuposto básico da Adoção por homossexuais
A dignidade humana aqui abordada volta-se tanto para o interesse do Adotante
quanto para o do adotando. Pois, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana salienta os mais
diversificados interesses, e neste caso existem vários.
A Constituição da República, em seu artigo 227, caput, enuncia:
Art.227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda
Constitucional nº 65, de 2010)155
.
O artigo é claro e protege os interesses da Criança com base na responsabilidade
153
INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Estatuto das Famílias - Projeto de Lei N°. 2.285 de
25 de outubro de 2007. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte, 2007. Disponível em:
<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=338> Acesso em: 09 set. 2010. 154
INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Estatuto das Famílias - Projeto de Lei N°. 2.285 de
25 de outubro de 2007. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte, 2007. Disponível em:
<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=338> Acesso em: 09 set. 2010. 155
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em: 09 ago. 2010.
59
lançada à família, ao Estado e à própria sociedade. Deixar uma Criança ou um Adolescente
sem o devido amparo de que necessita para se desenvolver, é fechar os olhos para um direito
constitucional garantido. Além de que privar este indivíduo do direito ao convívio familiar, é
marginalizar seu direito a uma vida digna.
E negar um lar não é proteger. Não se pode esquecer que a criança que
espera a adoção normalmente já passou por dolorosas experiências de vida –
foi abandonada pelos pais, ou foram eles destituídos do poder familiar – e
espera ansiosamente por alguém que a queira e a ame de verdade. Será que
alguém já foi a algum abrigo perguntar às crianças que lá estão depositadas
se aceitam ser adotadas por duas mulheres ou por dois homens que uma
equipe técnica reconheceu como tendo todas as condições de
desempenharem o papel de pai e de mãe? É função do Estado proteger essas
crianças. Não se pode deixar o preconceito vencer e simplesmente impedir a
adoção por duas pessoas que mantêm uma família homoafetiva. Está na hora
de acabar com a hipocrisia, com a onipotência do legislador que pensa que a
lei tem o poder mágico de impedir que a vida aconteça e que as pessoas
persigam o sonho de ter um LAR: Lugar de Afeto e Respeito156
.
Afinal, como já visto, os paradigmas do conceito de família já não são mais os
mesmos de antigamente. O que pesa, em verdade, é que ainda há aqueles que não conseguem
enxergar a União Homoafetiva como entidade familiar, devido justamente ao desamparo legal
que lhe é inerente.
Tratar a questão no campo do direito das obrigações é uma ofensa e uma
forma de discriminação, já que, ao contrário do que ocorreu no momento da
edição da Súmula 380 do STF, não há vedação constitucional expressa para
o reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo como entidades
familiares. Na realidade, a não aceitação no âmbito constitucional familiar
das uniões homossexuais se revela mais uma forma de discriminação157
.
Diga-se, também que tal desamparo legal fere profundamente os preceitos
estabelecidos no princípio que sustenta a dignidade da pessoa humana. A forma com que as
relações homoafetivas são tratadas é feia e preconceituosa.
Há, contudo, que se validar o que provém das jurisprudências, como a que se segue:
APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO.
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA
IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva
mantida entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo período de
156
DIAS, Maria Berenice. Adoção sem preconceito. Maria Berenice. Porto Alegre, 2010. Disponível em:
<http://www.mariaberenice.com.br/pt/adocao-sem-preconceito.cont> Acesso em: 10 ago. 2010. 157
NAHAS, Luciana Faísca. União Homossexual. p. 118 -119.
60
nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou através
dos séculos, não podendo o judiciário se olvidar de prestar a tutela
jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família.
A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a
diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização
do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre
pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, bem
como viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.
AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE
ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. A ausência de
lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem
mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com
os preceitos constitucionais (art. 4º da LICC). Negado provimento ao apelo,
vencido o Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. (SEGREDO DE
JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70009550070, Sétima Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em
17/11/2004)158
.
É vistosa a consideração e o respeito com que a relação homoafetiva é tratada no
texto jurisprudencial. Engloba a união homossexual dentro do âmbito da entidade familiar,
sendo considerada em paridade com a união heterossexual já legalmente reconhecida.
As uniões de pessoas do mesmo sexo têm potencial para, no caso concreto,
possuírem essa característica de afeto e conjugalidade. Basta analisar a
presença dos elementos fundamentais, como a intenção de ter uma vida em
comum, com mútua assistência afetiva e patrimonial, fidelidade,
durabilidade, continuidade e publicidade. Ou seja, no plano fático, podem se
igualar às uniões de pessoas de sexos diversos159
.
Enfim, já que o que pesa realmente é o bem-estar do adotando, se esta nova entidade
familiar possui todos os requisitos capazes de atribuir o bom desenvolvimento da Criança, não
há porque não deferir tal pretensão. E com isto, favorecer a estes indivíduos – Adotantes e
adotando – com toda dignidade que merecem, a realização do direito de ter a sua própria
família.
4.1.3 A Lei 12.010/09 e a Adoção por casais homossexuais
Um dos primeiros pontos a se considerar sobre esta lei, no que tange ao presente
assunto, é o art. 42, § 2°, que estabelece que a Adoção pode ser feita por maiores de dezoito
anos, mas que em se tratando de Adoção conjunta, é necessário que os Adotantes sejam
158
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n° 70009550070, da
Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, RS, de 17 de novembro de 2004.
Disponível em: < http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris> Acesso em: 10 de agosto de 2010. 159
NAHAS, Luciana Faísca. União Homossexual. p. 126.
61
casados ou vivam em União Estável160
.
Caso este requisito formal fosse realmente aplicado ao caso concreto, os pares
homoafetivos se veriam privados do direito de Adoção. Pois, como já analisado, sabe-se que
no Brasil ainda não é possível o Casamento entre homossexuais, e a União Estável entre estes
parceiros ainda é um tema bem controvertido.
Especialistas em direito de família, entretanto, vem debatendo o assunto e
fundamentando que a restrição não se justifica. Com efeito é um equívoco
pretender conceituar a união homoafetiva com união estável entre um
homem e uma mulher. As formas de constituição de família, descritas na
Constituição Federal, são meramente exemplificativas, existindo diversos
outros arranjos familiares possíveis não exemplificados na lei e nem por isso
considerados de segunda categoria ou desamparados da proteção do Estado,
que assegura assistência na pessoa de cada um dos membros que integra a
família, independente da forma de sua constituição (art. 226, §8°, CF)161
.
Entre as famílias possíveis, incluem as famílias homoafetivas, que também
recebem proteção do Estado, observadas suas peculiaridades162
.
Observa-se que a nova lei da Adoção, apesar de ter deixado o quesito da condição do
matrimônio ou da União Estável como pressupostos para a Adoção conjunta, ainda em vigor,
é bastante contundente e veio para aperfeiçoar este instituto.
Assim, buscando-se compreender de fato como ocorre a Adoção, neste caso, por
homossexuais, passa-se então para um item bastante importante: o procedimento para adotar.
4.1.3.1 O procedimento da Adoção
Tratado o argumento elencado no parágrafo segundo, do art. 42, citado no item
anterior, vê-se portanto, necessário esclarecer, de forma breve e direta, como deve ocorrer a
Adoção de uma Criança ou Adolescente se feita por um casal homossexual.
A primeira situação a ser considerada é com relação ao quesito encontrado no art. 50,
caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente:
160
Art. 42.[...] §2°. Para Adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou
mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família.[...]. Cf. BRASIL. Lei n° 12.010 de 03 de
agosto de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2009/Lei/L12010.htm#art4.> Acesso em 10 de agosto de 2010. 161
Art. 226 A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]. §8°. O Estado assegurará a
assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no
âmbito de suas relações. Cf. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de
1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em: 10 ago.
2010. 162
CARVALHO, Dimas Messias de. Adoção e Guarda. p. 36-37.
62
Art. 50. A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional,
um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e
outro de pessoas interessadas na adoção163
.
Para isto, é necessário que o casal que deseja adotar esteja inscrito nestes registros.
A inscrição nos cadastros postulantes à adoção será precedida de um período
de preparação psicossocial e jurídica, incluindo o contato com crianças e
adolescentes em condições de serem adotados, buscando estreitar o
relacionamento e criar vínculos de afinidade164
.
Entretanto, para que o registro da Criança ou do Adolescente seja válido é necessário
o consentimento dos pais ou do representante legal do adotando, desde que estes não sejam
desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar. E se o adotando tiver idade
maior de doze anos é necessário, inclusive, o seu consentimento165
.
Mas, e como funciona a habilitação das pessoas que desejam adotar?
Este é um procedimento fácil, mas que exige alguns requisitos formais. Vejamos:
Os pretendentes à adoção deverão se dirigir a um fórum de sua comarca,
com seu documento de identidade e um comprovante de residência. Nesse
momento, receberá uma lista dos documentos necessários para que a Vara da
Infância e da Juventude dê início ao processo166
.
A seguir, apresentará documentação necessária conforme estipula o art. 197-A, da
Lei 12.010/09:
Art. 197-A. Os postulantes à adoção, domiciliados no Brasil, apresentarão
petição inicial na qual conste:
I - qualificação completa;
II - dados familiares;
III - cópias autenticadas de certidão de nascimento ou casamento, ou
declaração relativa ao período de união estável;
IV - cópias da cédula de identidade e inscrição no Cadastro de Pessoas
Físicas;
V - comprovante de renda e domicílio;
VI - atestados de sanidade física e mental;
163
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente de 13 de julho de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em: 11ago. 2010. 164
CARVALHO, Dimas Messias de. Adoção e Guarda. p. 19. 165
Art. 45. A Adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando. §1°. O
consentimento será dispensado em relação à Criança ou Adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham
sido destituídos do poder familiar. §2° Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também
necessário o seu consentimento. Cf. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente de 13 de julho de 1990.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em: 11 ago. 2010. 166
SOUZA, Hália Pauliv de. Adoção: exercício da fertilidade afetiva. p. 33-34.
63
VII - certidão de antecedentes criminais;
VIII - certidão negativa de distribuição cível167
.
Recorde-se que, toda formalidade atribuída ao processo da Adoção visa a garantia da
seguridade do adotando. E que, caso o(s) pretendente(s) a adotar não apresente(m) as
condições observadas no art. 29 do Estatuto da Criança e do Adolescente, já citado
anteriormente, a Adoção não prosseguirá.
Os postulantes deverão obrigatoriamente participar de programas oferecidos
pela Justiça da Infância e da Juventude que inclua preparação psicológica,
orientação e estimulo à adoção inter-racial, adoção de menores com
necessidades específicas de saúde ou com deficiências, objetivando o
acolhimento de crianças e adolescentes com dificuldades de serem adotado s,
e adoção de grupos de irmãos, mantendo a família e evitando separações
dolorosas. Durante a participação do programa, desde que recomendável,
devem os postulantes manter contato com menores em condições de serem
adotados, estimulando a reciprocidade, o afeto, e preparando os interessados
para o exercício da paternidade ou maternidade responsável168
.
Esses programas de preparação são de suma importância, tanto na preparação dos
pretendentes a adotar quanto para o adotando.
Válido ressaltar que, quanto maior for o número de restrições ou exigências em
relação à Criança, maior poderá ser o tempo de espera na fila da Adoção. Importante destacar
também que o processo de Adoção corre em segredo de justiça e é gratuito, não sendo
deferida a Adoção sem a anterior análise dos interessados. Não se dá, inclusive, privilégios
ao(s) pretendente(s) com melhores condições financeiras, mas sim ao que melhor puder
atender às necessidades da Criança a ser adotada169
.
Neste âmbito salienta-se que os pares homossexuais, visando a garantir sua pretensão
na Adoção, devem, como todos os demais casais heterossexuais, submeter-se ao
procedimento acima elencado. Afinal, a sexualidade dos pretendentes, não poderá servir como
forma de discriminação na fase de Adoção.
Qualquer obstáculo ao deferimento da Adoção a um casal homossexual, devido à sua
sexualidade, viria em desacordo com a primazia sustentada pelo princípio da igualdade.
Princípio este que
167
BRASIL. Lei n° 12.010 de 03 de agosto de 2009. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm#art4.> Acesso em: 10 ago. 2010. 168
CARVALHO, Dimas Messias de. Adoção e Guarda. p. 20-21. 169
SOUZA, Hália Pauliv de. Adoção: exercício da fertilidade afetiva. p. 35.
64
em sua dimensão formal, objetiva a superação das desigualdades entre as
pessoas, por intermédio da aplicação da mesma lei a todos, vale dizer,
mediante a universalização das normas jurídicas em face de todos os sujeitos
de direito. Na esfera da sexualidade, âmbito onde a homossexualidade se
insere, isso significa, em princípio, a extensão do mesmo tratamento jurídico
a todas as pessoas, sem distinção de orientação sexual homossexual ou
heterossexual170
.
Assim, após superados os passos do processo para a Adoção, o juiz deferirá sua
sentença que, caso seja favorável aos Adotantes, seguirá efeito elencado no art. 199-A, da Lei
12.010/09:
Art.199-A. A sentença que deferir a adoção produz efeito desde logo,
embora sujeita a apelação, que será recebida exclusivamente no efeito
devolutivo, salvo se se tratar de adoção internacional ou se houver perigo de
dano irreparável ou de difícil reparação ao adotando171
.
Um aspecto importante a se fazer menção é que, desde o início do procedimento da
Adoção até a sua finalização, é indispensável a presença do Ministério Público, conforme
predispõe os seguintes artigos, do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 50.[...] § 1°. O deferimento da inscrição dar-se-á após prévia consulta
aos órgãos técnicos do juizado, ouvido o Ministério Público.[...].
Art. 199-C. Os recursos nos procedimentos de adoção e de destituição de
poder familiar, em face da relevância das questões, serão processados com
prioridade absoluta, devendo ser imediatamente distribuídos, ficando vedado
que aguardem, em qualquer situação, oportuna distribuição, e serão
colocados em mesa para julgamento sem revisão e com parecer urgente do
Ministério Público. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).[...].
Art. 199-D. [...].Parágrafo único. O Ministério Público será intimado da data
do julgamento e poderá na sessão, se entender necessário, apresentar
oralmente seu parecer. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)172
.
Assim sendo, após sentenciado, portanto, o pedido de Adoção, seguem-se ainda
alguns passos a serem considerados. Um deles é o caso do novo registro de nascimento do
adotando, que no caso da Adoção por homossexuais pode resultar em dúvidas.
4.1.3.2 O registro de nascimento na Adoção por homossexuais
170
RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Esmafe, 2001.
p. 70. 171
BRASIL. Lei n° 12.010 de 03 de agosto de 2009. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm#art4.> Acesso em: 10 ago. 2010. 172
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente de 13 de julho de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em: 13 ago. 2010.
65
Supondo-se que não tenha havido qualquer entrave após a sentença que deferiu o
pedido da Adoção. Como se procede o novo registro da Criança? Há ainda muitas exigências
formais a serem consideradas?
Estas respostas podem ser sanadas ao se considerar o exposto no art. 47, do Estatuto
da Criança e do Adolescente:
Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será
inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá
certidão.
§ 1º A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o
nome de seus ascendentes.
§ 2º O mandado judicial, que será arquivado, cancelará o registro original do
Adotado .
§ 3o A pedido do adotante, o novo registro poderá ser lavrado no Cartório do
Registro Civil do Município de sua residência. (Redação dada pela Lei nº
12.010, de 2009).
§ 4o Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas
certidões do registro. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009).
§ 5o A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido de
qualquer deles, poderá determinar a modificação do prenome. (Redação
dada pela Lei nº 12.010, de 2009) .
§ 6o Caso a modificação de prenome seja requerida pelo adotante, é
obrigatória a oitiva do adotando, observado o disposto nos §§ 1o e 2
o do art.
28 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009).
§ 7o A adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da
sentença constitutiva, exceto na hipótese prevista no § 6o do art. 42 desta Lei,
caso em que terá força retroativa à data do óbito. (Incluído pela Lei nº
12.010, de 2009).
§ 8o O processo relativo à adoção assim como outros a ele relacionados
serão mantidos em arquivo, admitindo-se seu armazenamento em microfilme
ou por outros meios, garantida a sua conservação para consulta a qualquer
tempo. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)173
.
Uma das primeiras considerações a se fazer é que, mediante o normatizado acima,
não se fornece comprovante ou certidão de Adoção, e sim se faz um novo registro da Criança,
no qual constará os nomes dos novos pais e dos seus ascendentes. Mas, e no caso da Adoção
por homossexuais, como fica o registro?
Como explica o professor Enézio de Deus Silva Júnior,
a existência de um registro de nascimento, no qual constem os nomes de dois
homens ou de duas mulheres pode se opor aos costumes, mas não ao
ordenamento positivo pátrio. Devendo espelhar a filiação não somente
173
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente de 13 de julho de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em: 13 ago. 2010.
66
biológica, mas também afetiva, a certidão de nascimento, em caso de adoção
homoafetiva bi-parental, deve contemplar os nomes dos pais/mães do
mesmo sexo, refletindo a realidade socioafetiva na qual a criança ou
adolescente estará inserida, através da adoção174
.
Maria Berenice Dias, também manifesta respostas quanto ao registro de nascimento
na Adoção homoafetiva:
A alegação de boa parte da doutrina, para sustentar a impossibilidade da
adoção por casais de gays ou lésbicas, é que eles não poderiam constar
como pais no registro de nascimento. O argumento não convence.
Distanciamento da verdade também ocorre quando o registro é levado a
efeito somente pela mãe, o que não quer dizer que o filho não tem um
genitor. E, ambas as hipóteses, o que é consignado não espelha a verdade
real. Assim, nessa linha de raciocínio, nenhum impedimento há para
alguém ser registrado por duas pessoas do mesmo sexo175
.
Diga-se desta forma, que tão importante quanto o novo registro de nascimento da
Criança, é também não se ater às idéias de que a certidão contendo, por exemplo, o nome dos
dois pais pode ser errado. Pois, não é. A Criança deve estar a par de sua realidade de vida,
contando claro, que tudo deve ser sempre explicado com atenção e cuidado para que não haja
qualquer problema no tocante a este fator.
Outro item ainda a ser focado é conforme, o §2° e o §4°, do art. 47, explicitado
anteriormente, que articula o fato de que o novo registro cancela o original, não havendo
qualquer menção aos parentes anteriores nem ao procedimento. Pois, busca-se com isto o
rompimento legal definitivo com a família destituída do poder familiar.
4.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À ADOÇÃO POR PARES HOMOAFETIVOS
Como já exposto anteriormente, observa-se grande carga de omissão jurídica por
parte do Estado no que se refere às uniões homoafetivas. Mais revelados ainda se fazem os
pressupostos arguidos diante do preconceito que se desvela sobre pessoas homossexuais.
Quando, por assim dizer, ousa-se ligar a presunção da família homoafetiva ao aspecto do
desejo da Adoção, aí a situação pode gerar ainda mais conflitos e opiniões das mais diversas
vertentes.
174
SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A certidão de nascimento na adoção por casal homossexual. Instituto
Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte, 2007. Disponível em:
<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=577> Acesso em: 13 ago. 2010. 175
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. p. 214.
67
Demasiado justo se faz mencionar que,
se os interessados, sejam eles homo ou heteroafetivos, tiverem boa conduta,
se viverem com decoro e tiverem bom padrão moral, cultural e espiritual –
ou seja, se os candidatos, após análise da equipe técnica, preencherem os
requisitos necessários -, poderão perfeitamente se inscrever para a Adoção.
Os pares homoafetivos tem as mesmas expectativas dos demais
pretendentes. Ficam ansiosos e sonham com o filho176
.
Imaginar que somente casais heterossexuais é quem se privilegiam do sonho de ter
filhos, é ignorar a própria realidade. É fechar os olhos e não querer enxergar os instintos da
própria natureza humana. Além do mais, afirma Rolf Madaleno,
a filiação ideal já não tem conceito jurídico e preferencial, advindo como
queria a lei num primeiro estágio, fosse biológica e matrimonial e admitindo
por espelho da natureza os vínculos apenas de adoção. São bem mais amplas
as configurações familiares e essas não se resumem ao modelo clássico do
pai e mãe do casamento e dos filhos conjugais, pois, no tocante à prole,
sabidamente não mais deriva unicamente da relação sexual, sendo possível
procriar em laboratório, com o uso de modernas tecnologias reprodutivas
dispensando o ato sexual, não sendo ignorado que mulheres lésbicas se
valem da inseminação artificial para ter filhos de doadores anônimos e que
homossexuais fazem uso de úteros alugados para sua realização paterno-
filial177
.
Isto mostra claramente que além da Adoção, há também outros modos de se
conseguir filhos. Os possíveis entraves que podem haver com o instituto da Adoção, podem
ser sanados pela inseminação artificial, por exemplo. Entretanto, há que se sustentar a idéia de
que na Adoção, vai ser dado um lar a quem não tem família, a quem infelizmente foi
abandonado pelos pais ou a quem a família não teve as condições saudáveis de criar. Estando
estas Crianças a viver em abrigos, dependendo da sorte e na esperança de ser acolhidas por
um novo lar.
Desta forma, é bastante válido esclarecer que
a filiação não é apenas exercida por vínculos de sangue e tampouco é a
principal, pois antes dos laços sanguíneos deve se fazer presente o
envolvimento afetivo e o desejo nato de querer ser pai ou mãe, no exercício
cotidiano da função parental, e esta independe do vínculo genético, mas
somente da sincera e desejada construção de alianças afetivas, como
176
SOUZA, Hália Pauliv de. Adoção: exercício da fertilidade afetiva. p. 75. 177
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. p. 490.
68
independe da opção sexual de quem adota178
.
Talvez um dos maiores percalços para o aceite social da Adoção por um casal
homossexual, além do preconceito, seja o medo de que o adotando sofra com problemas de
representação social e desenvolvimento psicológico179
, sendo ainda levado em conta questões
que auferem aos homossexuais comportamentos depravados. Dimas Messias de Carvalho,
salienta neste aspecto que
os argumentos, além de preconceituosos são ofensivos e distorcidos da
realidade, refletindo uma visão falsa e caricata da homossexualidade. O
desregramento, as condutas imorais e a libertinagem independem de opção
sexual, não sendo raros os casos de heterossexuais envolvidos em vidas
devassas de prostituição e vícios, entretanto não se questiona se a
convivência de crianças com heterossexuais pode desvirtuar seu caráter e
formação180
.
Neste mesmo sentido, Luiz Carlos de Barros Figueiredo, explica:
Da mesma forma, para tristeza de alguns mais radicais, as respostas às
questões supra mencionadas levarão à convicção de que muitos
homossexuais levam vidas inteiramente ajustadas, completamente fora dos
padrões estereotipados que se tenta generalizar, sem que sua preferência
sexual tenha influência negativa determinante no adotando, ao contrário do
que, eventualmente, pode ser observado em alguns heterossexuais que,
mesmo enquadrados na visão normal da maioria, podem influenciar
negativamente aquele a quem adotou, especificamente em função de sua
conduta sexual. (Por exemplo: mulher ninfomaníaca e/ou de vida sexual
promíscua, recebendo diversos homens em sua residência, onde convive uma
adolescente a quem adotou [...])181
.
Um outro fator de extremo interesse ao tema é que, devido a desinformação sobre o
assunto, há ainda o estereótipo de que a sexualidade dos pais influenciaria na dos filhos. Isso
seria um fato gerador de motivos de apreensão para com uma possível situação em que a
Criança se tornaria alvo de preconceito e repúdio por parte de pessoas próximas, além de
perturbações psicológicas.182
Anna Paula Uziel ressalta neste âmbito, que
algumas pesquisas focalizam a opção sexual de filhos que conviveram com a
homossexualidade do genitor do sexo oposto, e investigações feitas com
178
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. p. 490. 179
UZIEL, Anna Paula. Homossexualidade e Adoção. p. 72. 180
CARVALHO, Dimas Messias de. Adoção e Guarda. p. 36. 181
FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. 1ª Ed. (ano 2001), 6ª tiragem. Curitiba:
Juruá, 2006. p. 89. 182
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. p. 219.
69
grupos de filhos de pai ou mãe homossexual identificaram a presença de
outros elementos importantes na vida dessas crianças, como a escola, a
televisão, a interação com outras pessoas, configurando diferentes fontes de
referência183
.
E isto deve ser levado em consideração. Pois, julgar a futura situação psicológica e
sexual de uma Criança criada por homossexuais, é um estudo bastante complexo e que a
psicologia e os estudiosos do tema, vem procurando entender e esclarecer conforme as
possibilidades de pesquisa os permitem. Entretanto, continua a autora,
não há uma tendência a se reconhecer na parceira da mãe a figura do pai,
mas uma outra mãe, uma irmã mais velha. Pesquisas indicam, contrariando
também as imagens sobre as famílias homossexuais, que mães homossexuais
se empenham para que seus filhos tenham contatos sociais variados184
.
Neste mesmo sentido, é importante a colocação de Maria Berenice Dias, ao informar
que
na Califórnia, desde meados de 1970, vem sendo estudada a prole de
famílias não convencionais, filhos de quem vive em comunidade, em
casamento abertos, de mãe lésbicas ou pai gays. Concluíram os
pesquisadores que filhos de pais do mesmo sexo demonstram o mesmo nível
de ajustamento encontrado entre crianças que convivem com pais
heterossexuais. Nada há de incomum quanto ao desenvolvimento do papel
sexual. As meninas são tão femininas quanto as outras e os meninos tão
masculinos quanto os demais. Também não foi detectada qualquer tendência
importante no sentido de que filhos de pais homossexuais venham a se tornar
homossexuais185
.
Note-se, contudo que se a sexualidade dos pais ou das pessoas que criam os filhos
influenciasse na sexualidade dos mesmos, de forma a “perpetuar” essa sexualidade, não
poderia haver homossexuais filhos de heterossexuais. A vertente controversa também deveria
ser considerada, mas não é. O preconceito é tão violento e cego que inibe muitas vezes as
pessoas de pensarem a respeito.
A criança adotada por homoafetivos tem plenas condições de ser feliz e
desenvolver-se sadiamente, pois o amor não está ligado ao sexo de seus pais
nem a laços de consangüinidade. A saúde mental de uma criança é
determinada por sua educação, com amor, em um ambiente estável e
183
UZIEL, Anna Paula. Homossexualidade e Adoção. p. 73. 184
UZIEL, Anna Paula. Homossexualidade e Adoção. p. 73. 185
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito e a justiça. p. 219, apud FLAKS, FICHER,
MASTERPASQUA & JOSEPH, 1995. p. 80.
70
calmo186
.
É conclusivo, portanto, que a argumentação de que a Adoção de uma Criança por
pares homoafetivos poderia prejudicar o seu desenvolvimento, é equivocada e carece de
estudos realmente satisfatórios, havendo inclusive pesquisas que provam justamente o
contrário. Além de que, se verificado que os Adotantes são pessoas realmente capazes de criar
um filho adotivo, seria muito injusto alegar o impedimento da pretensão com base na sua
orientação homossexual e não no seu caráter e estilo de vida moralmente corretos.
4.3 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À ADOÇÃO POR PARES HOMOAFETIVOS
Enquanto há aqueles que estudam as leis e as doutrinas de forma a enxergar além do
que o que está minuciosamente escrito, há outros que se limitam a entender o que diz a lei. E
estas duas formas de se lidar com o direito pode fazer com que se perceba direções diferentes
de pensamentos e opiniões tangentes a determinados temas.
É o caso da homossexualidade e o direito de família. No direito, ao que parece uma
das maiores barreiras para a consideração da Adoção por pares homossexuais seja justamente
a visão positivada e estagnada. Pois, como considera Débora Vanessa Caús Brandão,
“acredita-se carecer de fundamento jurídico a afirmação que diz que se pode considerar as
parcerias homossexuais como uma entidade familiar”187
.
É uma afirmação bastante direta, afinal, fundamenta a não caracterização da União
Homoafetiva como entidade familiar justamente pela falta de legislação pertinente.
E este ponto afeta de forma considerável a questão que circunda o elo da Adoção
com a homossexualidade. Pois, a autora consagra especificamente que
antes de tudo, convém a exploração dos aspectos psicológicos relativos ao
tema, posto que os parceiros, por mais que se relacionem intimamente sob o
mesmo teto, não conseguem imitar a natureza humana como homem e
mulher, nos papéis de pai e de mãe188
.
O que se nota neste caso é que a valorização da idéia sacralizada de “pai e mãe”, é o
elemento-chave dos que enxergam a família como um mecanismo. Que, no caso de haver
186
SOUZA, Hália Pauliv de. Adoção: exercício da fertilidade afetiva. p. 77. 187
BRANDÃO, Débora Caús. Parcerias homossexuais: aspectos jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. p. 87. 188
BRANDÃO, Débora Caús. Parcerias homossexuais: aspectos jurídicos. p. 91.
71
falta de uma das duas peças-chaves, o mecanismo acaba sendo intimamente afetado. Ou seja,
a família deve mostrar-se perfeitamente caracterizada e com seus papéis bem definidos, como
explica Brandão:
A presença do pai e da mãe são presenças inquestionáveis, em todos os
estágios do crescimento psicobiológico dos filhos, o que se traduz em linha
direta para a inquestionabilidade da importância das presenças do homem e
da mulher, bem definidos, na constituição individual dos seus filhos. Em um
casal homossexual, sempre estará faltando um dos dois elementos. No casal
homossexual masculino, além da flagrante ausência da mãe-mulher, faltará,
também, a imagem bem definida do homem-pai, começando pelo fato de
aqueles dois companheiros que falam em parceria são dois iguais. Faltando a
mulher, faltará com ela a referência que remeterá a criança a distinguir as
diferenças da figura masculina. Além do que a criança estará sendo criada
por duas pessoas que não desejam, no sentido erótico, sexual e amoroso, a
mulher. Já no casal homossexual feminino, é flagrante a falta do pai ou do
homem e também da mulher; da mulher-mulher, bem definida. Em ambos os
quadros tem-se o que se chamaria didaticamente de uma orfandade dupla de
supostos pais ou mães vivos. Não é difícil avaliar a carga de angústia
extrema que se abaterá em crianças que supostamente viessem a ser
criadas nessas condições189
.
A autora demonstra clara preocupação com o bem-estar psíquico da Criança, cujo
suposto resultado danoso produzido é uma fonte de impedimento à Adoção pelas parcerias
homoafetivas. Visto que, segundo ela, a Criança deve estar inserida num contexto social em
que possa enxergar com facilidade os modelos masculino e feminino, como forma de melhor
compreender tais funções. A falta dos citados pressupostos, poderia abater de forma
considerável o desenvolvimento da Criança.
Conclui, assim que,
a necessidade da existência de um homem e de uma mulher é evidente.
Portanto os homossexuais não podem adotar conjuntamente porque, em
primeiro lugar, a lei não permite a convolação de núpcias e, em segundo
lugar, porque não formam entidade familiar190
.
Tais presunções colocadas pela autora objetivam além do não reconhecimento das
parcerias homoafetivas como família, propriamente dita, também enfocam sobre o
impedimento que existe na Adoção das Crianças por estas pessoas. Válido ressaltar,
sobretudo, que, a visão que a autora demonstra, sequer cita questões principiológicas de
direito e a realidade de Crianças em orfanatos e abrigos, ficando somente alçada nos supostos
189
BRANDÃO, Débora Caús. Parcerias homossexuais: aspectos jurídicos. p. 94. 190
BRANDÃO, Débora Caús. Parcerias homossexuais: aspectos jurídicos. p. 97.
72
problemas de ordem psicossocial do adotando.
4.4 CASOS DE ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS NO JUDICIÁRIO
Após feitas as considerações cabíveis sobre toda a temática do tema Adoção por
pares homoafetivos, faz-se imprescindível expor para fins de informação, decisões
importantes sobre o assunto.
A colocação jurisprudencial do posicionamento que Tribunais de Justiça e que o
Superior Tribunal de Justiça tem sobre o tema é de caráter bastante relevante, pois mostra que
mesmo que a legislação esteja a levar a possibilidade jurídica da Adoção para o lado
impeditivo, as decisões destes entes leva a uma inovação do tema.
4.4.1 STJ – Superior Tribunal de Justiça
Em primeiro momento, vale-se dar destaque a um importante julgado oriundo do
Superior Tribunal de Justiça, que este ano apresentou posição inovadora ao julgar a Adoção
de duas Crianças por um casal de pessoas do mesmo sexo:
DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE MENORES POR CASAL
HOMOSSEXUAL. SITUAÇÃO JÁ CONSOLIDADA. ESTABILIDADE
DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE
OS MENORES E A REQUERENTE. IMPRESCINDIBILIDADE DA
PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS MENORES. RELATÓRIO DA
ASSISTENTE SOCIAL FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS
VANTAGENS PARA OS ADOTANDOS. ARTIGOS 1º DA LEI 12.010/09
E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
DEFERIMENTO DA MEDIDA.
1. A questão diz respeito à possibilidade de adoção de crianças por parte de
requerente que vive em união homoafetiva com companheira que antes já
adotara os mesmos filhos, circunstância a particularizar o caso em
julgamento. 2. Em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da
informação, sem fronteiras ou barreiras, sobretudo as culturais e as relativas
aos costumes, onde a sociedade transforma-se velozmente, a interpretação da
lei deve levar em conta, sempre que possível, os postulados maiores do
direito universal. 3. O artigo 1º da Lei 12.010/09 prevê a "garantia do direito
à convivência familiar a todas e crianças e adolescentes". Por sua vez, o
artigo 43 do ECA estabelece que "a adoção será deferida quando apresentar
reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos". 4.
Mister observar a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos
menores sobre quaisquer outros, até porque está em jogo o próprio direito de
Filiação, do qual decorrem as mais diversas consequências que refletem por
toda a vida de qualquer indivíduo. 5. A matéria relativa à possibilidade de
adoção de menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à
necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção
73
dos direitos das crianças, pois são questões indissociáveis entre si. 6. Os
diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema, fundados em
fortes bases científicas (realizados na Universidade de Virgínia, na
Universidade de Valência, na Academia Americana de Pediatria), "não
indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais
homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que
permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus
cuidadores". 7. Existência de consistente relatório social elaborado por
assistente social favorável ao pedido da requerente, ante a constatação da
estabilidade da família. Acórdão que se posiciona a favor do pedido, bem
como parecer do Ministério Público Federal pelo acolhimento da tese
autoral. 8. É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a
recorrida e os menores – sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser
sopesado numa situação como a que ora se coloca em julgamento. 9. Se os
estudos científicos não sinalizam qualquer prejuízo de qualquer natureza
para as crianças, se elas vêm sendo criadas com amor e se cabe ao Estado, ao
mesmo tempo, assegurar seus direitos, o deferimento da adoção é medida
que se impõe. 10. O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade
fenomênica. Vale dizer, no plano da “realidade”, são ambas, a requerente e
sua companheira, responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de
modo que a elas, solidariamente, compete a responsabilidade.11. Não se
pode olvidar que se trata de situação fática consolidada, pois as crianças já
chamam as duas mulheres de mães e são cuidadas por ambas como filhos.
Existe dupla maternidade desde o nascimento das crianças, e não houve
qualquer prejuízo em suas criações. 12. Com o deferimento da adoção, fica
preservado o direito de convívio dos filhos com a requerente no caso de
separação ou falecimento de sua companheira. Asseguram-se os direitos
relativos a alimentos e sucessão, viabilizando-se, ainda, a inclusão dos
adotandos em convênios de saúde da requerente e no ensino básico e
superior, por ela ser professora universitária. 13. A adoção, antes de mais
nada, representa um ato de amor, desprendimento. Quando efetivada com o
objetivo de atender aos interesses do menor, é um gesto de humanidade.
Hipótese em que ainda se foi além, pretendendo-se a adoção de dois
menores, irmãos biológicos, quando, segundo dados do Conselho Nacional
de Justiça, que criou, em 29 de abril de 2008, o Cadastro Nacional de
adoção, 86% das pessoas que desejavam adotar limitavam sua intenção a
apenas uma criança. 14. Por qualquer ângulo que se analise a questão, seja
em relação à situação fática consolidada, seja no tocante à expressa previsão
legal de primazia à proteção integral das crianças, chega-se à conclusão de
que, no caso dos autos, há mais do que reais vantagens para os adotandos,
conforme preceitua o artigo 43 do ECA. Na verdade, ocorrerá verdadeiro
prejuízo aos menores caso não deferida a medida. 15. Recurso especial
improvido. Resp. Nº 889.852 - RS (2006/0209137-4). RELATOR
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO. 27/04/2010. SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA191
.
Esta decisão do Superior Tribunal de Justiça traz muitos pontos a serem discutidos e
191
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 889.852, da Quarta Turma do Superior
Tribunal de Justiça, de 27 abr. 2010. Disponível em:
http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200602091374&pv=000000000000 > Acesso
em: 16 ago. 2010.
74
analisados. Em primeiro plano é válido destacar a referência feita ao desenvolvimento social
que decorre ao longo dos tempos. É supra importante que a lei siga este desenvolvimento a
fim de sanar as reais necessidades que acabem por surgir. Devendo ela estar sempre a
considerar os reais direitos universais, como a garantia do direito à convivência familiar a que
as Crianças e os Adolescentes auferem.
Há citação, inclusive de pesquisas realizadas por importantes universidades que
comprovam não haver qualquer problema na Adoção de Crianças por pessoas homossexuais.
O que deve prevalecer nestes casos são as vantagens que a Criança vem a receber com a
Adoção, sendo que, comprovada a capacidade por parte dos Adotantes, mediante laudo de
profissionais habilitados, não há porque indeferir o pedido de Adoção postulado por um casal
homossexual.
Outro ponto a se destacar ainda é que há menção ao fato de que se Adotado por
ambas as companheiras, o adotando passa a ter garantido direitos como alimentos, visitas,
sucessão, dentre outros, caso haja separação entre o casal ou morte de uma das companheiras.
Trata-se, portanto, de medida de grande vantagem à Criança que passa a ter em amparo
direitos para com quem tem fortes laços de afeto e convivência.
4.4.2 TJ/RS – Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
A seguinte jurisprudência trata-se de uma apelação cível proposta pelo Ministério
Público do Estado do Rio Grande do Sul, em decorrência do deferimento da Adoção de uma
Criança a um casal homossexual:
APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS
PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como
entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por
pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade,
continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a
possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos
especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam
adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e
do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga
aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes
hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme
defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos
direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal).
Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente
entre as Crianças e as Adotantes. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.
(SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70013801592, Sétima
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos,
75
Julgado em 05/04/2006)192
.
O posicionamento jurídico neste caso faz menção ao fato de que a importância do
vínculo afetivo criado entre os Adotantes e o adotando configura um elo de afeto que merece
tutela jurídica pertinente. Ressaltando, inclusive que não há qualquer impedimento que afete a
Adoção de uma Criança por homossexuais.
Outra decisão ligada ao assunto mostra-se bastante interessante:
FILIAÇÃO HOMOPARENTAL. DIREITO DE VISITAS. Incontroverso
que as partes viveram em união homoafetiva por mais de 12 anos. Embora
conste no registro de nascimento do infante apenas o nome da mãe biológica,
a filiação foi planejada por ambas, tendo a agravada acompanhado o filho
desde o nascimento, desempenhando ela todas as funções de maternagem.
Ninguém mais questiona que a afetividade é uma realidade digna de tutela,
não podendo o Poder Judiciário afastar-se da realidade dos fatos. Sendo
notório o estado de Filiação existente entre a recorrida e o infante, imperioso
que seja assegurado o direito de visitação, que é mais um direito do filho do
que da própria mãe. Assim, é de ser mantida a decisão liminar que fixou as
visitas. Agravo desprovido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Agravo de
Instrumento Nº 70018249631, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 11/04/2007)193
.
Este julgado trata do direito de visitas adquirido pela ex-companheira da mãe
biológica da Criança. Um posicionamento bastante destacável, pois releva a importância da
afetividade como realidade que prima por tutela.
4.4.3 TJ/GO – Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
E não é apenas no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que encontram-se
julgados em favor deste tipo de Adoção. No Tribunal de Justiça de Goiás também é possível
observar esta vertente, onde julga procedente o pedido de Adoção de uma Criança por um
casal de orientação homossexual. Abaixo, trechos da sentença proferida pelo Juiz de Direito
da Vara da Infância e da Juventude, Dr. Maurício Porfírio Rosa, que deferiu o pedido:
[...]E.M.S. já é mãe adotiva de uma criança irmã biológica do(a)
adotando(a): A.C.A.A. A.L.S.V conforme consta de fotocópia da escritura
pública de fls. 54/55 é convivente com a requerente há mais de 08 (oito)
192
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n° 70013801592, da
Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, RS, de 05 abr. 2006. Disponível
em: < http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris> Acesso em: 16 ago. 2010. 193
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento n°
70018249631, da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, RS, de 11 abr.
2007. Disponível em: < http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris> Acesso em: 16 ago. 2010.
76
anos, sendo esse relacionamento público e do conhecimento de todos e
unidas por fortes laços de afetividade, trabalhando para a constituição de
um patrimônio comum, para que dela possam usufruir no presente e no
futuro e que possam igualmente proporcionar uma à outra benefícios
assistenciais perante os órgãos de previdência social ou quaisquer outros,
prestando recíproca assistência pessoal moral e material, como entidade
familiar, assim entendida nos termos do Art. 5º. II, parágrafo único da Lei
11.340, de 7 de agosto de 2006. Eles(as) reconhecem em união homo
afetiva, invocando os preceitos constitucionais proclamados nos Arts. 1º,
III, IV; e 5º da nossa Constituição. [...].a ausência de lei específica sobre o
tema não implica ausência de direito, pois existem mecanismos para suprir
as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a analogia, os costumes
e os princípios gerais de direito. O Juiz, em qualquer ação, deve se tornar
uma criatura inventiva, pesquisadora, ousada e expressiva, tornar-se
convincente aos olhos de outras pessoas, esclarecendo e abrindo o caminho
para a que seja feita a justiça, no reto cumprimento de seu dever de
intérprete da lei, mesmo quando estão fechadas saídas, portas, ele deve abrir
uma ou outra e fazer justiça. [...].Isto posto, julgo procedente o pedido e
defiro a adoção pleiteada, declarando A.C.A.A. filho(a) de: E.M.S. e de
A.L.S.V., sem que se discrimine seja uma ou outra pai ou mãe,
simplesmente filho(a) deles(as). Sentença a ser inscrita junto ao registro
civil, incluso os nomes de seus ascendentes como avós, procedendo-se ao
cancelamento do registro original. Nenhuma observação sobre a origem do
ato poderá constar nas certidões do registro. Fica conferido ao(à)
adotando(a) o nome C.E.S.V . P.R.I. Após o trânsito em julgado, expeça-se
mandado, cumprido, arquivem-se os autos. Goiânia, 9 de Junho de 2009194
.
4.4.4 TJ/PR – Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
O Estado do Paraná também integra a lista dos Estados que já concederam a Adoção
a casais homoafetivos:
Apelação cível. adoção por casal homoafetivo. Sentença terminativa.
Questão de mérito e não de condição da ação. Habilitação deferida.
Limitação quanto ao sexo e à idade dos adotandos em razão da orientação
sexual dos adotantes. Inadmissível. Ausência de previsão legal. Apelo
conhecido e provido. 1. Se as uniões homoafetivas já são reconhecidas como
entidade familiar, com origem em vínculo afetivo, a merecer tutela legal, não
há razão para limitar a adoção, criando obstáculos onde a lei não prevê. 2.
Delimitar o sexo e a idade da criança a ser adotada por casal homoafetiva é
transformar a sublime relação de filiação, sem vínculos biológicos, em ato de
caridade provido de obrigações sociais e totalmente desprovido de amor e
comprometimento. (TJPR – 2ª Câmara Cível – AC 529.976-1, Rel. Juiz
Conv. D‟Artagnan Serpa Sa, j. 11.03.2009)195
.
194
GOIÁS. Tribunal de Justiça de Goiás. Juizado da Infância e da Juventude. Disponível em: <
http://www.jij.tjgo.jus.br/noticia/noticiaSel.php?co_seq_noticia=1625 > Acesso em: 28 set. 2010. 195
PARANÁ. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Cível n° 529.976-1, da 2ª Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Estado do Paraná, PR, de 11 mar. 2009. Disponível em: <
http://www.tj.pr.gov.br/portal/consultas/consultajurisprudencia.asp?consulta=0> Acesso em: 28 set. 2010.
77
4.4.5 TJ/SC – Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
Outra importante consideração se faz inerente à postura do Tribunal de Justiça do
Estado de Santa Catarina, que também adotou postura inovadora, conforme segue nota
retirada do site do Tribunal de Justiça do Estado:
“A juíza Joana Ribeiro Zimmer, que atua no litoral norte de Santa Catarina,
deferiu o pedido de adoção de menor por um casal homossexual. A criança
estava sob a guarda do casal desde os primeiros dias de vida, em razão do
parentesco de uma das companheiras com a criança, e os pais biológicos
confirmaram a intenção de entregá-la à adoção, mesmo ciente do
relacionamento homoafetivo das adotantes. [...].Na sentença, a magistrada
destacou, ainda, que as correntes mais vanguardistas do direito de família e
infância lamentam que a nova Lei de adoção não tenha acolhido
expressamente essa situação, mas não há dúvidas de que o maior interesse da
criança abarca tal possibilidade”196
.
É assim que, diante dos posicionamentos jurídicos referentes ao caso em estudo,
nota-se que a possibilidade deste tipo de Adoção existe. E visa essencialmente o estudo que
revele o bem-estar do adotando conforme preceitua o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Sendo, portanto, essencial que independente de quem esteja pleiteando o pedido da Adoção,
seja sempre analisado se o Adotante aufere das características estipuladas pela lei para que
possa adotar e assim dar início ao procedimento que mudará para sempre a sua vida e a de
quem passará a ser por este Adotado.
196
SANTA CATARINA. Concedida adoção de criança por casal homossexual no litoral norte de Santa Catarina.
Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina. De 05 jul. 2010. Disponível em:
<http://app.tjsc.jus.br/noticias/listanoticia!viewNoticia.action?cdnoticia=21159> Acesso em: 24 ago. 2010.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os conseqüentes embasamentos estipulados de pronto pela presente pesquisa, aludem
a observância de inúmeros aspectos a serem motivadamente destacados. Dentre eles a
considerar: o instituto da Adoção nas suas múltiplas ramificações, como ato que juridicamente
possui suas particularidades e, afetivamente constrói laços irrevogáveis entre seres humanos.
A união entre pessoas do mesmo sexo, cuja substancialidade inibe os parâmetros de seu
reconhecimento legal diante do atual sistema jurídico. E por fim, a viabilização da Adoção
lograda por casais homoafetivos, onde a fundamentação legal para o êxito do pedido se vale
por questões além das essencialmente positivadas.
Assim, em primeiro momento o que se verificou foram as questões voltadas a
explanação sobre a problemática:
a) O que caracteriza a Adoção e quais os efeitos jurídicos que são gerados por ela?
A hipótese levantada foi confirmada, pois sua tentativa conceitual funda-se no texto de
que a Adoção é um modo de se construir uma Filiação, ou seja, um vínculo de parentesco
entre a pessoa que adota e aquele que é Adotado, levando-se a Adoção a ser caracterizada,
essencialmente por um ato: o da Filiação.
Este ato jurídico, por sua vez, se concluído legalmente gera inúmeras consequências
das quais pode ser apontada a principal: que o Adotado passa a figurar como se filho
biológico fosse. Incluindo neste sentido, os predispostos referentes à sucessão, aos alimentos,
à ruptura do laço de parentesco com a família consangüínea, dentre outros efeitos.
Outro ponto importante abordado na pesquisa condiz com a evolução histórica do
instituto da Adoção, não somente no Brasil, mas também em culturas antigas, culturas estas
que, em muitos outros planos influenciaram a história jurídica ocidental. De forma geral, em
tempos antigos, como na antiga Roma, a Adoção era um meio de se imitar a Filiação natural
quando alguém viesse a falecer e, conseqüentemente não viesse a deixar herdeiros.
Basicamente, atendia a Adoção a uma espécie de perpetuação do culto ou do nome familiar,
visto que esta linha de “descendência” só caberia ao elemento masculino.
79
No Brasil, algumas leis importantes regeram a Adoção de Crianças e Adolescentes por
muitos anos, de base vale-se citar o código civil de 1916, que tratou do tema de forma
diferenciada do que se observa hoje, e as leis: Lei N° 3.133/57, Lei N° 4.655/65, Lei N°
6.657/79 e a atual vigente Lei N° 12.010/09. Esta última, apesar de ter trazido mudanças
significativas ao instituto, infelizmente ainda não cuidou de tratar sobre a Adoção por casais
homoafetivos, deixando à margem do direito esta questão tão importante.
Voltando-se, por seguinte, ao segundo capítulo do presente trabalho, o que se
averiguou foram questões de análises e reflexões bastante relevantes referentes a união de
pessoas do mesmo sexo. Os indícios aportam na informação de que o comportamento
homossexual humano é de origem bastante longínqua, a fim de não se poder conhecer a
efetiva procedência histórica da conduta. O que se tem, por compensação, são na verdade
informações de que em culturas antigas como as da Grécia, Roma e Egito, a
homossexualidade se fazia presente, e em alguns casos, como em Atenas fazia parte de uma
espécie de rito de iniciação.
Basicamente, a estimativa é que a condução da homossexualidade no desenvolver dos
tempos, teve afetações e não raras vezes esta conduta foi considerada como ato imoral,
pecaminoso e vergonhoso. Aliás, isso ainda se observa nos dias presentes. Os paradigmas em
que a sociedade contemporânea se cria, ainda não forneceram espaço suficiente ao
reconhecimento respeitoso das uniões entre pessoas do mesmo sexo. Dentro deste contexto há
que ambientar o foco trazido pela pesquisa quando abrange sistematicamente a temática sobre
o Estado. Não haveria como lidar com o tratamento jurídico que atualmente as relações
homoafetivas tem, sem antes se analisar pontos importantes em que a sociedade se
desenvolve.
É preciso estar ciente que o Estado é a premissa maior das organizações humanas, e é
dentro dele que a ordem de uma sociedade se desenvolve e se estabelece como por exemplo,
em uma democracia que é o caso do Brasil. Voltado a isto, o que se revelou também
importante é que esta democracia está regida por uma peça essencial: a Constituição, que é a
lei maior do Estado. É dentro desta especial normativa que se pode encontrar princípios
supremos de valorização das pessoas humanas como sujeitos de direito.
Os princípios destacados na pesquisa foram colocados de forma a melhor sustentar a
liberdade sexual e afetiva humanas, sendo por isto destacados os da liberdade, da igualdade,
da dignidade da pessoa humana, da diversidade familiar e da afetividade. Princípios estes que
80
fundamentam essencialmente a revolução de ideais que pairam diante dos relacionamentos
homoafetivos.
No campo destes relacionamentos, o que provém a enfatização da temática é o tocante
a legalização destas uniões. Para isto formularam-se explanações e considerações doutrinárias
e legislativas que trataram sobre o tema. O problema estudado moldou-se pelo
questionamento:
b) Como as relações homoafetivas são vistas diante do Casamento, da União Estável e
da Sociedade de Fato?
A hipótese argüida foi parcialmente confirmada, isto porque primeiro se analisaram os
pontos relativos ao instituto do Casamento, onde a exposição de normativas mostrou que a lei
somente o reconhece quando feito por pessoas de sexos diferentes, excluindo legalmente a
possibilidade da realização do ato entre homossexuais. Mesmo que a doutrina que trabalha em
favor destas uniões, esclareça que o Casamento pretendido seja o civil e não o religioso, o que
se concluiu com bases legais é que a união entre homoafetivos ainda não se produz através do
Casamento, pelo menos não no Brasil.
O segundo enfoque se fez diante da União Estável. Este elemento trouxe alguns
percalços em virtude de sua natureza conceitual que, como no Casamento, faz menção
específica a condição de que os envolvidos na legalização desta união devem essencialmente
ser homem e mulher. A própria legislação preceitua esta condição, estagnando também aqui a
pretensão homossexual de se estabilizar diante deste tipo de união.
A Sociedade de Fato, por sua vez, ao que parece foi o barco monitor de amparo
encontrado pela legislação para colocar as uniões homoafetivas. Críticas imensas se fazem
diante desta condição que põe friamente o relacionamento afetivo de duas pessoas dentro dos
parâmetros de uma sociedade que tem por base o caráter financeiro e não afetivo. Veja-se a
afronta violenta que se faz ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, cujos pressupostos
elementares voltam-se ao respeito a pessoa do ser humano.
Em contrapartida, a parte final do presente trabalho desenvolveu-se de forma a colocar
em foco a questão da possibilidade jurídica da Adoção por pares homoafetivos. Sendo que, as
uniões homoafetivas infelizmente são colocadas apenas diante do instituto da Sociedade de
Fato, e é vistoso que perante isto há os entraves no reconhecimento das mesmas dentro dos
suportes elencados pela entidade familiar. E além deste quesito o que se pôs em síntese foi o
81
fato de que não há legislação que trate especificamente da Adoção por casais homossexuais. E
isto, a princípio parece ser um fator impeditivo para a realização do ato.
E assim se pesquisou sobre outro problema:
c) No Brasil, mesmo com esta lacuna de lei sobre o caso, será que é possível a Adoção
de Crianças e Adolescentes por casais homoafetivos?
A hipótese levantada foi confirmada, isto porque o Estatuto da Criança e do
Adolescente, não estabelece negativas de deferimento do pedido em virtude da sexualidade do
Adotante. Desta forma, o que se concluiu neste aspecto é que na verdade a Adoção deve
atender ao bem-estar do adotando, sendo que a Adoção deve ser deferida quando apresentar
reais vantagens para este e se fizer por motivos legítimos. A fundamentação usada em favor
deste tipo de Adoção visa principalmente este ponto, sendo que as particularidades de cada
caso também tendem a reforçar o deferimento do pedido. Além de que questões como a
idoneidade moral, a capacidade para ser pai ou mãe, e a responsabilidade para com este ato,
também se fazem importantes na hora de se estudar a colocação de uma Criança ou um
Adolescente dentro de uma família substituta.
Isso porque não basta ter vontade de ser pai ou de ser mãe, a pessoa que deseja adotar
tem que ter pleno compromisso para assumir esta posição. E este fator também é observado.
Há também que se recordar que aquele que deseja adotar tem que estar inscrito em cadastros
próprios para este tipo de procedimento. Nos foros regionais ou mesmo nas comarcas, a
autoridade judiciária mantêm em registro inscrições de pessoas que querem adotar e outras de
Crianças e Adolescentes para serem Adotados.
A pesquisa mostrou, inclusive, que existe toda uma preparação psicológica voltada a
Criança adotanda e aos postulantes à Adoção. Isto para poder-se também estimular a interação
entre eles e garantir um melhor relacionamento social e afetivo entre ambos.
O procedimento para adotar, que justamente se inicia com estas inscrições, foi tratado
de forma simples com a verdadeira intenção de se exemplificar o processo para fins de
informação e estudo. Dentro deste ambiente se ressalvou a questão do registro de nascimento
da Criança ou do Adolescente que viria a ser Adotado por um casal homoafetivo. A lógica se
fundamentou em questões oriundas de doutrinas que defendem sistematicamente que a
certidão de nascimento onde constem os nomes de dois pais ou de duas mães, apesar de ir
contra ao que costumeiramente se tem preordenado, não há problema algum em ser produzida
82
nestes termos. Visto que, a Criança ou o Adolescente que supostamente for Adotado por
homossexuais, deve certamente estar ciente de sua real condição.
Observou-se de outro modo também o posicionamento de doutrina que se mostrou
desfavorável diante da realização deste tipo de Adoção. A argumentação particular elencada
visa extirpar a possível colocação das uniões homossexuais dentro dos parâmetros das
entidades familiares, e em conseqüência, devido justamente ao posicionamento legal atual,
que a possibilidade de casais homoafetivos adotarem se revela impraticável.
No entanto, os próprios Tribunais vem apresentando evoluídas decisões que, mesmo
com a falta da legislação pertinente, conferem a Adoção de Crianças e Adolescentes por
pessoas de orientação homossexual, sejam elas em casais ou meramente sozinhas. A
surpreendente posição que o Superior Tribunal de Justiça tomou em 2010, ao conceder a
Adoção de duas Crianças a duas mulheres homossexuais, simplesmente reforçou que esta
possibilidade existe e que, mesmo que o ordenamento jurídico pátrio não se expresse
legalmente diante desta situação, a Adoção de Crianças e Adolescentes por pares
homoafetivos já é bem possível de ser observada no país.
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