Um general conservador: Manuel Felizardo de Souza e Mello e a modernização do Exército nos debates no Senado e no Conselho de Estado em 1850 - Carlos Eduardo de Medeiros Gama

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    Um general conservador: Manuel Felizardo de Souzae Mello e a modernizao do Exrcito nos debates

    no Senado e no Conselho de Estado em 1850

    TemporalidadesRevista Discente do Programa de Ps-Graduao em Histria da UFMG

    Vol. 4, n. 2, Ago/Dez 2012. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades Pgina | 197

    Um general conservador: Manuel Felizardo de Souzae Mello e a modernizao do Exrcito nos debates no

    Senado e no Conselho de Estado em 1850Carlos Eduardo de Medeiros GamaMestrando em Histria pela UNIRIO

    [email protected]

    RESUMO: Este artigo procura apresentar a penetrao da modernizao do Exrcito Brasileirona poltica nacional durante os debates no Senado e no Conselho de Estado no final da primeirametade do sculo XIX. Para tanto, o ento Ministro dos Negcios da Guerra Manuel Felizardode Souza e Mello convocado e expe claramente as dificuldades que a fora terrestreencontraria dentro do teatro de guerra na regio Sul do Imprio Brasileiro. Sabatinado no Senado

    e no Conselho de Estado, o ento ministro aponta traos que podem ser associados construoda vocao institucional do processo de profissionalizar o Exrcito do Brasil depois de 1850.

    PALAVRAS-CHAVE: Exrcito, Poltica, Manuel Felizardo de Souza e Mello, Profissionalizaomilitar.

    ABSTRACT: This article presents the penetration of modernization of the Brazilian Army innational politics during the debates in the Senate and the Council of State in the first half of thenineteenth century. To this end, the then Minister of War Manuel Felizardo de Souza e Mello iscalled and sets out clearly the difficulties that the land force would find within the theater of warin Southern Brazilian Empire. Appeared before the Senate and the State Council, the minister

    points out traits that may be involved in building the institutional role of the process ofprofessionalizing the army of Brazil since 1850.

    KEYWORDS: Army, Politics, Felizardo Manuel de Souza e Mello, Military professionalization.

    Manuel Felizardo de Souza e Melo1nasceu em 8 de dezembro de 18052, na freguesia de

    Campo Grande, municpio da Corte, filho do major Manuel Joaquim de Sousa, natural da

    provncia de Minas Gerais, e de D. Luzia Maria de Sousa, nascida em Iguau. Estudou no

    seminrio de So Jos e em junho de 1822 foi para a Universidade de Coimbra, em Portugal,

    onde adquiriu o bacharelado em Matemtica e Filosofia. A preparao educacional fazia parte daimportante estratgia da elite luso-brasileira, segundo a historiadora Maria Fernanda Martins, para

    a ocupao de cargos burocrticos:

    Tal comportamento, associado acumulao das funes de controleadministrativo no nvel local, permitiu uma aproximao maior do podercentral, no s no que se referia a uma preparao efetiva para o exerccio

    1Este artigo parte da monografia apresentada como requisito parcial para obteno do ttulo de Especialista em

    Histria Militar Brasileira.2A Certido de Idade de Manuel Felizardo de Souza e Melo apresentada ao entrar na Universidade de Coimbra em 6

    de maio de 1822. Arquivo da Universidade de Coimbra, aluno Manuel Felizardo de Souza e Melo. SR: Certides deidade, vol.37, fl.78 e ss. Cota AUC-IV- 1. D5-2-37.

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    dessas funes, mais ainda um desenvolvimento cultural e intelectual para oqual contribuiria a proximidade dos eventos e os debates polticos no cenrioeuropeu, que influenciaria decisivamente a reformulao de sua identidadepoltica.3

    Alm da formao para funes administrativas no Imprio, Manuel Felizardo estabeleceoutros fundamentais e importantes laos parentais. Casou-se em 1827, no Rio de Janeiro, com

    Francisca Matilde das Chagas, filha do Marechal Francisco das Chagas Santos 4, que estudou em

    Portugal no Real Colgio dos Nobres, onde se dedicou aos estudos das cincias exatas e foi

    destacado engenheiro da comisso de demarcao de fronteira entre Espanha e Portugal em

    1781, onde passou trs anos se preparando e reunindo material para finalmente, em 1784, partir

    para o Chu, onde encontrou a comisso espanhola. Devido aos bons trabalhos foi promovido a

    capito, chegou a chefe da comisso limtrofe em 1805, j como tenente-coronel. De 1830 a 1831

    foi comandante de Armas da Corte5. Reformado em 1832 voltou para Porto Alegre e com o

    incio da Revoluo Farroupilha, auxiliou na defesa da cidade, sendo depois nomeado presidente

    da provncia do Rio Grande do Sul em 1837.

    Em 1832, Manuel Felizardo de Souza e Mello torna-se membro da comisso

    liquidadora do primeiro Banco do Brasil. Em fins de 1832 teve a misso de organizar, na

    qualidade de inspetor, a tesouraria provincial de So Pedro do Sul, e conseguiu em dois anos e

    meio fazer duplicar a renda, sendo nomeado Presidente da Provncia do Cear de 1837-39 e para

    a presidncia da provncia do Maranho, de 1839-40 recebendo a patente de Major. Logo depois,

    foi nomeado Presidente da provncia de Alagoas (1840-1842) e de So Paulo (1843-1844),

    retornando para a Escola Militar da Corte, de 1844 a 1848), (sendo-lhe conferido, nesse nterim,

    3MARTINS, Maria Fernanda. Os tempos da mudana: elites, poder e redes familiares no Brasil, sculo XVIII e XIX.In: FRAGOSO, Joo; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de; SAMPAIO, Antonio Carlos Juc de. Conquistadores enegociantes: histria de elites no antigo regime nos trpicos, Amrica lusa, sculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro:Civilizao Brasileira, 2007, p. 428-9.4

    Marcia Eckent Mirandarelata que o viajante Auguste de Saint-Hilaire esteve com o Marechal Francisco das ChagasSantos: Os mais poderosos e que tinham uma posio hierrquica favorvel conseguiam proteger seus homens dorecrutamento e seus bens e rebanhos das requisies. Privilgios que indignaram Saint-Hilaire em 1820, ao passarpelas propriedades do Marechal Francisco das Chagas Santos, Comandante das Misses. Autoridade militar mximanaquela regio, possuindo vrias propriedades que chegavam a cerca de 24 lguas, Chagas Santos no contriburacom nenhuma rs para o muncio das tropas enquanto arrancava dos pobres todo o lucro de suas terras. Tambm

    escandalizava o viajante o fato de que: [...] seus empregados no contribussem para o servio militar, enquanto paisde famlia, os mais teis, eram arrancados por anos inteiros do convvio de seus lares, do cultivo de suas terras ecriao de seu gado. SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Braslia, DF: Senado Federal,2002. p. 250, apud MIRANDA, Marcia Eckent.Estalagem e o imprio:crise do antigo regime, fiscalidade e fronteira naprovncia de So Pedro (1808-1831). Instituto de Economia, UNICAMP, Campinas. 2006, Tese de Doutorado emEconomia Aplicada, p. 134.

    5Almanack do Ministerio da Guerra no Anno de 1898. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1898, p. 15.

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    em 1846, o grau de Doutor em Matemtica no Brasil6. Essa circulao dos Polticos Militares,

    apontada por Jos Murilo de Carvalho, tinha efeito unificador poderoso num pas

    geograficamente to diversificado e to pouco integrado7. Em 29 de setembro de 1848, Manuel

    Felizardo ocupa efetivamente a pasta da Marinha e interinamente a da Guerra. Em 1 de outubro,

    Senador pelo Rio de Janeiro e permanece Ministro da Guerra at setembro de 1853. Em 1854,

    chega a Coronel por merecimento e pelo decreto de 2 de dezembro de 1857, promovido a

    brigadeiro graduado. Em outubro de 1858, assume a presidncia da provncia de Pernambuco,

    tendo que entregar o cargo, em dezembro, para assumir o ministrio da Guerra. Em 1859,

    nomeado Conselheiro de Estado. E falece em 1866.

    6Em 1846, o Decreto n 476, de 29 de setembro aprovando o Regulamento para a execuo do Artigo 17 dosEstatutos da Escola Militar discorre longamente sobre os procedimentos para obteno do Grau de Doutor e da

    concesso do respectivo diploma e anel simblico em cerimnia pblica e tambm sobre o grau de bacharel, O rol

    foi encaminhado ao Governo com os 23 nomes indicados, sendo seis aposentados e dezessete entre efetivos(catedrticos) e substitutos da Escola Militar. O grau de Doutor em Mathemtica seria conferido em 1846 aosseguintes lentes: Jubilados (aposentados) Jos Saturnino Costa Pereira, Jos Victorino dos Santos e Sousa, Frei Pedrode Santa Mariana, Joo Paulo dos Santos Barreto, Frei Jos da Costa Azevedo, Francisco Cordeiro da Silva Torres eAlvim. Pedro de Arajo Lima - visconde de Olinda - Efetivos: Jos Pedro Nolasco Pereira da Cunha, AntnioJoaquim de Sousa, Manuel Felizardo de Sousa e Melo, Antnio Eugnio Fernando Soulier de Souve, PedrodAlcntara Bellegarde, Joaquim Jos de Oliveira, Antnio Jos de Arajo, Antnio Manuel de Melo E substitutos:Jos Maria da Silva Paranhos, Jos Joaquim da Cunha, Antonio Francisco Coelho. Apud MILLER, Clia Peitl. ODoutorado em matemtica no Brasil: um estudo histrico documentado (1842-1937). 2003. Dissertao (Mestrado) Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geocincias e Cincias Exatas, p. 89-90.

    7CARVALHO, Jos Murilo de.A Construo da ordem: a elite poltica imperial.Teatro de sombras: a poltica imperial. 4.

    ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2008, p. 124.

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    Figura 1:Manuel Felizardo de Souza e Melo. Fonte: SISSON, S. A. Galeria dos brasileiros ilustres. Braslia:Senado Federal, 1999.2v.: il., retrs. -- (Coleo Brasil 500 anos), p. 424.

    Manuel Felizardo de Souza e Melo denominado por Jos Murilo de Carvalho como

    General Conservador8ao lado de Duque de Caxias e Vieira Tosta. Resultado da hegemonia de

    uma classe senhorial, a partir da identificao necessria da elite que chega ao poder, reunidos

    em torno dos dirigentes Saquaremas. Manuel Felizardo se identifica, como demonstra Ilmar R.

    Mattos9, na constituio de um grupo de estadistas, numa espcie de alta burocracia

    relativamente independente, com formao comum homognea, que se apossa do Estado e se

    coloca a servio de um projeto maior de unificao e centralizao do poder. Pelo prisma de

    Maria Fernanda Vieira Martins, ele se identifica

    []como produto de transformaes constantes, de uma dinmica interna decomposio, manuteno e recomposio de alianas no interior das grandes

    8 CARVALHO, Jos Murilo de. Radicalismo e republicanismo. In: CARVALHO, Jos Murilo de; NEVES, LciaMaria Bastos Pereira das. (Org.). Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, poltica e liberdade. Rio de Janeiro:

    Civilizao Brasileira, 2009, p. 19-49.9MATTOS, Ilmar R. de. O tempo Saquarema: a formao do Estado Imperial. So Paulo: Hucitec, 1990.

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    oligarquias, famlias e redes de parentescos que j dominavam a poltica, aadministrao e a economia desde os tempos coloniais.10

    Partiremos da discusso sobre modernizao e profissionalizao do Exrcito imperial, a

    partir da Lei de N 585 de 6 de setembro, que o historiador americano John Schulz caracterizoucomo

    [...]um efeito e um catalisador da profissionalizao do corpo de oficiais. Comoconseqncia desta lei e de seus complementos, o corpo de oficiais deixou deser uma fora privilegiada tradicional do ancien regime para se transformar-seem uma corporao relativamente profissionalizada e racional.11

    Schulz aponta as mudanas na estrutura do Exrcito acarretadas pela Lei:

    A Lei de 1850 institua normas rgidas de promoo por antiguidade, abolindoo sistema aristocrtico que permitia a oficiais bem relacionados atingir altos

    postos de comando com pouca idade. Este ato estipulava que, para ganhar umapatente, era preciso ter dezoito anos, ser alfabetizado e estar no exrcito h doisanos.(O tempo passado na academia era contado como perodo de serviomilitar) As promoes para primeiro tenente e capito deveriam ocorrer portempo de servio, aps dois anos em cada posto. Como as vagas demoravam aaparecer, na pratica os oficiais precisariam esperar de quatro a cinco anos, emmedia antes de cada nova promoo.12

    H ainda o fato de que todos os oficiais engenheiros, do estado-maior e da artilharia,

    deveriam ter concludo o curso de nvel universitrio de suas armas e aqueles que no possussem

    curso seriam transferidos para a infantaria e para a cavalaria. Schulz afirma que os generais da

    elite, em meados do sculo XIX, conseguiram atingir rapidamente suas posies segundo o

    padro ancien rgime, enquanto o restante dos oficiais raramente ultrapassava o posto de capito13.

    Segundo Schulz, uma lei revolucionria feita por um dos mais efetivos membros da

    elite militar letrada. Na tentativa de criar uma explicao que coubesse nos arranjos de uma

    revoluo - que no mais dividiria os oficiais do Exrcito em duas classes principais: a elite e a

    no elite - essa lei nos parece incompleta e inapropriada. Pelo prisma apresentado por Schulz, a

    Lei de N 585, de 6 de setembro de 1850, isolada e solta nas perspectivas da revoluo, fica

    plausvel (a) afirmativa de que a lei um divisor de guas para a organizao e modernizao doExrcito brasileiro.

    Schultz argumenta que as reformas administrativas que ocorreram no Exrcito, a partir

    da segunda metade do sculo XIX, foram iniciativas particulares de Caxias e Felizardo que

    10MARTINS, Maria Fernanda Vieira.A velha Arte de Governar: um estudo sobre poltica e elites a partir do Conselhode Estado (1842-1889). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007, p. 34.11SCHULZ, John. O Exrcito na Poltica: Origens da Interveno Militar, 1850-1894. So Paulo: Edusp, 1994, p. 27.12

    ______. ______, p. 26-7.13SCHULZ, John. O Exrcito na Poltica, p. 28.

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    promoveram vrias reformas administrativas por conta prpria14. Adriana Barreto de Souza

    discorda da hiptese do pesquisador norte-americano que:

    [...]apesar de [John Schulz] identificar no grupo de elite poltica a presena de

    integrantes do alto-oficialato, pela incorporao de critrios relacionados afatores ideolgicos diretamente veinculados experincia das rebeliesprovinciais, ao permanecer fiel a uma narrativa caracterizada por longos traosde continuidade isola a atuao dos lderes militares.15

    Mas como isolar as atuaes polticas de Caxias16e Felizardo em relao s regras do

    jogo poltico no Segundo Reinado?

    Durante a guerra, como Rosas e Oribe (1852-1853), Manuel Felizardo de Souza e Melo

    importou 2.000 espingardas agulha prussianas inventadas apenas seis anos antes17. Os lderes

    militares brasileiros estavam bem informados das transformaes tecnolgicas ocorridas naEuropa e na modernizao da fabricao de armas e cartuchos em linha de montagem, que muito

    se desenvolvia na Europa:

    [...]fresadoras automticas e semi-automticas, hidrulicas e depois a vaporproduziam esses componentes segundo um tamanho prescrito com altavelocidade e grande preciso, eliminando o dispendioso trabalho manual deadequar s peas umas as outras18.

    A segunda revoluo industrial substitua rapidamente os mosquetes de cano liso e

    trabalhadores semiespecializados, segundo Keegan, porque produziam em suas mquinas de

    processo repetitivo, no Arsenal Britnico de Woolwich, mais de 250 mil cartuchos de metal por

    dia.

    A superproduo blica - que alcanava o auge no mercado interno europeu - levou os

    fabricantes de armas a investir em novos projetos, que tornariam obsoletos os armamentos

    existentes em curto perodo de tempo, juntamente com a busca de maior oferta a novos

    mercados no exterior. Tal fato facilitou o Brasil que na dcada de 1850 comeou um profundo

    processo de modernizao e aperfeioamento do Exrcito, visando torn-lo uma ferramenta

    apropriada para execuo das polticas e aes diplomticas no exterior, em especial no Prata19.

    14______. ______, p. 36.15 SOUZA, Adriana Barreto de. O Exrcito na consolidao do Imprio: um estudo histrico sobre a poltica militarconservadora. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999, p. 42.16 Sobre Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias ver: SOUZA, Adriana Barreto de. Duque de Caxias: Ohomem por trs do monumento. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2008.17Anurio do Museu Imperial, Petrpolis, v. II, 1941, p. 253.ApudSCHULZ, John. O Exrcito na Poltica, p. 37.18KEEGAN, John. Uma histria da guerra. Trad. Pedro Maia Soares. So Paulo, Companhia das Letras, 2006. p. 400.19 CASTRO, A. H. F. de. Foguetes no Brasil: do foguete CONGREVE ao VLS (2a. parte). Disponvel em:

    . Acesso em: 08 out. 2009. p. 1-3.

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    A soberania externa e interna e a defesa dos interesses do governo so apresentadas,

    como demonstra Jos Murilo de Carvalho, a partir das Atas Conselho de Estado Pleno:

    [...]as atas do Conselho Pleno nos do acesso ao pensamento, expresso com

    relativa franqueza, de um grupo cuidadosamente selecionado de polticos nopice de suas carreiras. Embora com certa predominncia conservadora, eraampla a representao liberal[...].20

    Na reunio do Conselho de Estado, convocada por D. Pedro II em 20 de janeiro de

    1848, o Conselheiro Lopes Gama j alertava Sua Majestade sobre o risco iminente da guerra

    contra Oribe:

    Dizendo mais que no cessaria de repetir agora o que h perto de quatro anostinha sempre aconselhado, quando se tem tratado dos negcios do Rio daPrata; e vem a ser que nos preparemos para a guerra no obstante as

    demonstraes amigveis com que Oribe agora trata o Brasil.21O Visconde de Olinda, Conselheiro de Estado, emitiu em parecer juntamente com

    seu voto a posio de que o debate sobre a situao do Rio da Prata apresentava uma tensa

    relao:

    Em pareceres anteriores j se tem feito apontamento de alguns objetos, quedevem ser estipulados, sendo o principal, tratando-se com o Governo Oriental,o dos limites do Imprio. Enquanto subsistir este ponto por decidir no sepoder dizer que o Brasil est livre de uma guerra.22

    No voto seguinte do Conselheiro Paulo Sousa fica clara a inclinao do governo

    imperial em assumir uma poltica de confronto blico:

    Devo finalmente dizer que tem sido sempre minha opinio a respeito dosNegcios do Rio da Prata fazerem-se todos os esforos para afastar o perigo daguerra, e por isso no tem merecido o meu assenso muitos dos atos doGoverno Imperial em sua marcha neste negcio; por isso que me pareceindispensvel estarmos preparados, e muito, para essa eventualidade, que queroafastar; desejarei, pois que o Governo Imperial mesmo para no haver guerra,disponha-se para ela; deste modo, e no aparecendo de nossa parte covardia,nem leviandade, e sim prudncia, dignidade, e sobretudo boa f, e sinceridade, econstncia, e perseverana na poltica adotada, ser muito fcil fazerem-se teis

    negociaes, e portanto evitar-se a guerra.A questo no Prata levou o Ministro Secretrio de Estado dos Negcios da Guerra,

    Manuel Felizardo de Souza e Melo, a expor na reunio do Conselho de Estado23, no dia 1 de

    20CARVALHO, Jos Murilo de.A Construo da ordem/Teatro de sombras,p. 363.21 ATA de 20 de Janeiro de 1841. In: ATAS do Conselho de Estado Pleno, Terceiro Conselho de Estado, 1842-1850.Disponvel em: .Acesso em: 20 out. 2009.22ATA de 20 de Janeiro de 1841.23Assim, o Conselho de Estado funcionava antes como um espa o de debate, produo e troca [...] instrumento

    para anlise da ao e do comportamento da elite, trazendo um novo entendimento sobre o seu papel na poltica e naprpria formao do Estado brasileiro, preciso ampliar a abordagem no sentido de entender essa elite no como a

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    agosto de 1850, a expor na reunio de Conselho de Estado a tensa situao no Prata, como

    consequncia da estrutura e organizao do Exrcito brasileiro, naquele momento:

    As relaes amigveis entre o Brasil e a Confederao Argentina se tem

    sucessivamente enfraquecido desde mil oitocentos e quarenta e trs. Oreconhecimento da independncia do Paraguai, a questo dos bloqueios, emuitos outros pretextos tem sucessivamente perturbado aquelas relaes. [...] aconfederao Argentina, segundo informaes de pessoas habilitadas, podearmar, e arregimentar trinta mil pragas. Ali no h isenes, todo homem quepode manejar as armas soldado, e tem alguns hbitos militares, principalmenteo da cega obedincia, e consta que se faz agora grande provimento de artigosblicos. Apesar de toda atividade empregada no recrutamento, cerca de doisanos, apenas se tem podido elevar o nosso exrcito a 16.676 (dezesseis mil esetenta e seis) praas de todas as graduaes, inclusive os corpos fixos: nopequeno o nmero dessas praas esto com o tempo vencido; e com muitadificuldade se poder elevar a fora ao estado completo em circunstancias

    extraordinrias. Sendo ento o nmero de praas de perto de mil, e sendo certoque a quinta parte de qualquer fora no pode esperar efetivamente emconseqncia de molstias, e outros embaraos claro , que ainda admita aprobabilidade de elevar-se o exrcito quele nmero, somente se poder contarcom dezesseis mil homens da primeira linha para fazer frente a todas asexigncias do servio da guerra.24

    O Ministro da Guerra reconhece as dificuldades de manter o efetivo do exrcito de tal

    a gravidade era o problema de recomposio do Exrcito, que o Estado imperial ver-se-

    obrigado, durante todo o sculo XIX, a alongar ilegalmente os tempos de servio. No raro

    encontrar soldado servindo 10 anos ou mais aps o fim de seu engajamento.

    25

    E faz o alerta Sua Majestade e aos demais Conselheiros sobre a possvel soluo -e seus desdobramentos -

    baseado no recrutamento forado para as perspectivas do imprio:

    Os Vexames que a populao brasileira sofre para elevar-se ao mximo a forado exrcito, sero pois infrutferos, e no salvaro o Pas de ser assolado, einsultado: aumentar ainda mais o nmero de soldados, quando isso fossepossvel, e a lio da experincia nos demonstrasse o contrario ser fazercrescer o clamor contra o recrutamento forado, nico meio eficaz para tornarmais densas nossas fileiras, roubar braos a indstria, e empobrecerduplicadamente o Pas pela diminuio de produtos, e aumento das despesas.26

    E como resoluo para o crnico e histrico problema do recrutamento para as fileiras

    do exrcito, o Ministro Manuel Felizardo de Souza e Melo articulou, por meios das redes de alianas

    representao de um grupo isolado, a partir de suas caractersticas internas de formao e composio, masconsiderando ainda suas relaes com a sociedade, por meios das redes de alianas que se constroem e se refazempermanentemente ao seu redor. MARTINS, Maria Fernanda Vieira.A velha Arte de Governar, p. 29.24ATA de 1 de Agosto de 1850. In:Atas do Conselho de Estado Pleno, Terceiro Conselho de Estado, 1842-1850.

    25MENDES, Fbio Faria. Encargos, privilgios e direitos: o recrutamento militar no Brasil nos sculos XVIII e XIX.In: CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik.Nova Histria Militar Brasileira. Rio de Janeiro: Editora

    FGV, 2004, p. 32.26ATA de 1 de Agosto de 1850. In:Atas do Conselho de Estado Pleno, Terceiro Conselho de Estado, 1842-1850.

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    que se constroem e se refazem permanentemente ao seu redor, uma nica soluo que no enfraqueceria

    economicamente e evitaria o vexame de mandar ao conflito tropas titubeantes:

    O nico recurso, que resta para defender nosso territrio e obtermos de nossos

    vizinhos aquela considerao, de que nenhuma nao independente podeprescindir, o de braos estrangeiros. Uma diviso de dois mil homens, umpouco habilitados para o servio militar (Infantes, Artilheiros) munidos dearmas melhoradas pelas novas invenes, dariam um poderoso auxlio de oitomil homens combatentes elevando nosso efetivo no teatro da guerra a vinteduas mil praas, que pela sua ttica, disciplina e fora de armas, lutariam comvantagem contra o exrcito pouco regular de nossos vizinhos, e lhes tirariammesmo todo o desejo de insultar-nos, agredi-nos, e de praticar as ofensas, einjustias, a que so avezados. As despesas pois se houver de fazer com oengajamento da diviso estrangeira, nos poupara gastos muito superiores,provocados pela guerra e evitar ultrajes honra, e dignidade brasileira.27

    Na exposio ministerial de Felizardo, os elementos do efeito a curto e longo prazo dofenmeno Guerra esto explcitos nas questes que no envolvem apenas o Ministrio dos

    Negcios da Guerra, mas toda uma rede integrada que participa do projeto de Estado: A

    realidade do teatro da guerra, as dificuldades e solues tecnolgicas, o conhecimento prvio do

    poder do inimigo, a impopular medida do recrutamento forado, a soluo de engajar uma diviso

    estrangeira de bons militares e at o que fazer com esses estrangeiros no ps-guerra.

    Distribuindo-se terras queles, que se quisessem estabelecer entre ns, para queas cultivem quer depois do prazo do engajamento, quer durante o tempo que

    estiver licenciada toda, ou parte da fora. A despesa com a diviso seconvertera em gastos produtivos de colonizao de homens vlidos, afeitos notrabalho rude, e que se forem estabelecidos nas nossas fronteiras, daronascimento a uma fora semelhante dos regimentos fronteiros da ustria, e apreservaro dos continuados distrbios, que atualmente so frequentes. Casoporm no se queiram eles permanecer entre nos, deve-se ser obrigados a dar-lhes passagem para fora do Imprio.28

    Em 27 de agosto de 1850, o Senado brasileiro convoca o Ministro dos Negcios da

    Guerra, Manoel Felizardo de Souza e Melo 29, e so feitas consideraes relativas proposta do

    governo sobre Promoes no Exrcito. Sendo assim, podemos entender que a Lei de N 585, de

    6 de setembro de 1850, foi amplamente discutida artigo por artigo na longa sesso do

    Senado, a uma semana de sua promulgao.

    A discusso no plenrio comea com o Senador Baptista de Oliveira perguntando ao

    ministro sobre os termos confiana e merecimento na nova lei:

    27______. ______.28______. ______.29BRASIL. Anais do Senado. Tomo VI Agosto Setembro de 1850. Editado pela Diretoria de Anais e Documentos

    parlamentares no perodo de 1950-55, pela Diretoria de publicao no perodo de 1956 a maio 1972 e pela secretariade Anais a partir de 1972. Braslia, 1960, p. 332-4.

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    Art, 6. Para o preenchimento dos postos vagos no Exercito observa-se-honas promoes as regras seguintes:

    Pargrafo 3. Os postos dos Officiais Generaes sero conferidos pormerecimento.30

    O Sr. Baptista de Oliveira: Desejo saber se o Sr. ministro da guerra teriarepugnncia simples substituio palavra merecimento pela palavraescolhano pargrafo 3 sobre a promoo dos oficiais-generais.

    O Sr. Manoel Felizardo (ministro da guerra): Parece-me que uma simplesquesto de palavra, porque a escolha, sendo razovel, como se deve acreditarque o governo sempre faa, no pode assentar seno sobre o merecimento.

    O Sr. Baptista de Oliveira:H a confiana.

    O Sr. Manoel Felizardo: Mas a confiana funda-se sobre fatos, que so aprovas do merecimento e que constituem a presuno de que o oficial-generalsatisfar as importantes comisses de que tem de ser encarregado. A confiana,

    pois, que o governo tem em qualquer oficial, no outra mais que o resultadodo juzo que faz do merecimento do mesmo oficial, e ainda neste caso teriaquesto de palavra.

    O artigo aprovado sem mais debate.

    Segue-se a discusso o art. 7

    O Sr. Baptista de Oliveira: Farei uma observao, perguntando ao nobreministro se tem dificuldade em admitir a intercalao de uma palavra aopargrafo 1 do art. 7 Diz o artigo: Que as condies dos arts. 5 e 6podero ser alteradas por servios relevantes e aes de bravura e intelignciadevidamente justificadas e publicadas em ordem do dia do comandante emchefe das foras em operao. Eu queria intercalar uma palavra, de forma que

    se dissesse: Servios relevantes, verificados por atos de bravura, ouinteligncia. Desejava saber se o nobre ministro admitia esta modificao,paradar a este servio relevante uma significao determinada; porque de outromodo, ou nada significa o termo relevante, ou significa alguma outracircunstncia a que se no deva atender no esprito da lei.

    O Sr. Manoel Felizardo (ministro da guerra): No posso concordar com aemenda lembrada pelo nobre senador, porque entendo que qualquer destascircunstnciasservios relevantes, e aes de bravura e de inteligncia dodireito ao oficial a ser promovido imediatamente, sem ateno s outrascircunstncias anteriores. Pode haver servios extremamente relevantes para osquais no concorresse extraordinria bravura e inteligncia superior. O nobre

    senador no pode deixar de prever muitas hipteses em que uma ao para aqual no preciso nem bravura extraordinria, nem inteligncia muito elevada,seja um servio muitssimo relevante, que deva ser premiado para estmulos, afim de que outros oficiais pratiquem servios iguais. Logo que o servio relevante deve ter remunerao tal que estimule a prtica de outrossemelhantes.

    30Em relao Lei n 585 de 5/09/1850 usaremos sempre a grafia original da poca. Ver: Coleo Leis do Imprio doBrasil 1808-1889. Disponvel em:. Acesso em:20 out. 2009.

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    Quanto s noes de inteligncia e de bravura, creio que o nobre senadorconcorda que devem ser premiadas: e por que motivo no sero tambmaquelas aes do que a nao colher grandes vantagens quanto no podem serreduzidas independentemente de coragem e inteligncia, posto que notranscendentes?

    O artigo aprovado sem mais debate.

    Segue-se o debate do art. 9.

    A prxima discusso sobre o artigo 9. e versa sobre a antiguidade militar e o tempo

    passado fora do Ministrio da Guerra, assim como o entendimento dos assuntos relacionados aos

    estudos militares):

    O Sr. D. Manoel:O artigo em discusso diz o seguinte:

    No ser contado para antiguidade militar o tempo passado em servio

    estranho repartio da guerra.Excetua-se desta disposio o tempo de servio na guarda nacional, nos corpospoliciais, na marinha, misses diplomticas, presidncias de provncias,ministrios, corpo legislativo; e o que dentro ou fora do imprio for empregadoem estudos militares ou industriais, com permisso do ministrio da guerra.

    [...] outra exceo no artigo que me parece bem digna de reparo: O que forempregado em estudos militares ou industriais. De modo que o ministrio quetem o seu amigo e o quer favorecer, manda-o para uma comisso chamada deestudos industriais, e no fim de alguns anos volta este militar para o pas, e empromoo com os mais que prestaram servios de outra importncia! No sei seisto justo. Desejo que o ministro da guerra fizesse a este respeito suas

    observaes: no sei se isto arbitrrio demais. Eu falo em geral; isto no medida de confiana, uma lei permanente. O militar que quiser ir aplicar-seaos estudos industriais vai por sua conta e risco, e no venha depois preterirqueles oficiais que tiveram feitos bons servios, sobretudo os que tiveramderramados seu sangue pela ptria.

    O Sr. Manoel Felizardo (ministro da guerra): [...] a favor daqueles militaresempregados em estudos militares ou industriais. Quanto aos estudos militares,o nobre senador no se ope: mas deseja saber quais so os estudos industrial aque um oficial deve ser aplicado. O nobre senador sabe que a arte da guerraemprega hoje materiais para cujas confeces so precisos muitos estudos,

    trabalhos e talentos, e que preciso que alguns oficiais possuam os necessriosconhecimentos, para que possamos ter estes materiais to necessrios. As armasvo sofrendo melhoramentos extraordinrios na Europa. Depois da paz geralos governos tm-se aplicado muito e muito a melhorar o armamento; e talvezque as armas da ltima inveno, ou melhoramento, estejam para as queserviram na grande luta da revoluo francesa como, como mesmas armas paraas flechas dos ndios. E no convir que alguns oficiais de artilharia e deengenharia se apliquem ao ramo de indstria que produz este armamento? E osoficiais que adquirem esses conhecimentos to necessrios, to uteis, ho de serpunidos com a perda do tempo, no ho de contar para a sua antiguidade otempo consumido em to importantes estudos?

    Eis os estudos industriais que a comisso de marinha e guerra dacmara dos

    deputados teve em vista quando apresentou esta exceo ao art. 9:

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    O Sr. Baptista de Oliveira: Eu tambm tive a mesma idia do nobre senadorpelo Rio Grande do Norte a respeito da palavra industriais.

    Aceito a explicao de S. Exa; mas era melhor dar outra redao, dizendo, porexemplo:estudos militares; ou outros que tenham com esta conexo.

    O Sr. Baptista de Oliveira:As inteligncias no se contam porcabeas.

    O Sr. D. Manoel: Mas digo que s a inteligncia que deve governar omundo.

    Sr. Presidente, a explicao que deu o nobre ministro da guerra acerca dapalavra industriais no me satisfez completamente; porque, senhores,parece-me que nas palavras estudos militares estava compreendida a idia

    do nobre ministro. Pois, senhores, estudar, por exemplo, um melhor meio defortificao, no matria militar? No matria militar, por exemplo,examinar qual o armamento mais prprio para a guerra? Eu, portanto, entendoque nas palavras estudos militares estava compreendida a idia do nobreministro.

    O Sr. Manoel Felizardo:E mineralogia, qumica, etc.

    O Sr. D. Manoel:Mas creio que no se pode considerar um bom militar semesses estudos; ao menos vejo que nas universidades isto se ensina. V. Exa sabe,Sr. Presidente,que em Coimbra os matemticos tinham esses estudos necessriacomo qumica, fsica, etc.; por conseqncia, ainda me parece que nas palavras

    estudos militares se compreender a idia do nobre ministro. Mas, enfim,

    pode-se adicionar uma outra palavra, mas no to lata como a deindustriais, que pode abranger tudo quanto h.

    O nobre senador pelo Cear lembrou uma idia que modifica um pouco apalavraindustriais; talvez que a palavraestudos que tenham conexo comos estudos militares exprima melhor a idia; mas, enfim, no quero fazerquesto disto; [...].

    Na redao final que sancionou a Lei o Artigo 9. mantiveram-se os termos for

    empregado em estudos militares, ou industriais, com a permisso do Ministro por serem

    validados e fidedignos s palavras do Senador D. Manuel, proferidas em Assembleia:

    Sobre o Artigo 10.- que fala sobre os prisioneiros de guerra que conservaro seusdireitos de antiguidade - fica evidente, nas palavras do Ministro, a interferncia da lei francesa de

    1832:

    O Sr. Manoel Felizardo (ministro da guerra): Muitos artigos do presenteprojeto so semelhantes ao da lei francesa de 1832 sobre promoes;31por issono admira que agora se reproduzam aqui discusses inteiramente semelhantequelas, que tiveram lugar no corpo legislativo francs. Ento se argumentou damaneira por que o nobre senador acaba de fazer. Mas o ministro da guerra e

    31Manoel Felizardo de Souza e Melo nos revela a influencia da organizao do Exrcito Francs, grifo nosso.

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    presidente do conselho explicou a disposio do artigo em discusso comopasso a fazer.

    Quando um oficial prisioneiro praticando aes de bravura e de inteligncia,quando ele presta servios relevantes, e apesar disto tem a infelicidade de no

    poder vencer e sucumbe a fora maior, ento este oficial premiado com oposto de acesso pela coragem que mostrou, pelos esforos que fez acaba otempo de estar prisioneiro, quando volta, tem mais um posto de acesso pelaantiguidade;assim, um oficial prisioneiro que seja benemrito, pode ter duranteo tempo que esteve em cativeiro dois postos de acesso, um como prmio dosservios praticados no ato em que foi prisioneiro, e o outro que lhe tocar pelaantiguidade; e no muito provvel que o tempo de seu cativeiro seja to longoque lhe possa caber mais de dois postos pela rigorosa antiguidade. Ora,considerado o artigo desta maneira, parece-me que no pode subsistir aargumentao produzida pelo nobre senador que acaba de falar.

    Se um militar tiver sido prisioneiro por fraqueza, por descuido, oudescuido oupor outro ato criminoso, passar por um conselho de guerra; e ento,condenado, nem tem direito a esse posto de acesso pela antiguidade; mas o que prisioneiro portando-se regularmente, tem direito a um posto de acesso pelaantiguidade; o que se portar heroicamente ter direito promoo dupla, pormerecimento e antiguidade.

    Senhores, a comisso de marinha e guerra, coerente consigo, tendo estabelecidoem um dos artigos anteriores que apenas se conte para antiguidade aqueletempo empregado em servio militar, e no estando os prisioneiros empregadosefetivamente em servio militar, e no podia deixar de contempl-los em parteno nmero dos que esto fora do servio por vontade sua; mas como o ter sidoprisioneiro na maior parte dos casos um fato ocorrido contra vontade prpria,quis atender aos que estivessem nesta circunstancias, e, segundo a disposio do

    artigo que se discute, parece-me que o fez.No havendo mais quem pea a palavra, julga-se a matria discutida, e aprova-se o artigo.

    Entra em discusso o art. 11.

    O Sr. D. Manoel: Sr. presidente, desejava saber a razo da exceo dopargrafo 2 do art. 11. (L) por que se h de fazer esta exceo? (Apoiado)

    Se para premiar servios, ento deixemos subsistir o que existe; e se no paraque vem esta exceo? Desejava ouvir a este respeito a opinio do nobreministro da guerra.

    O Sr. Manoel Felizardo (ministro da guerra): At hoje est o governo

    autorizado a conceder graduaes sem limitao alguma, contanto que nocausem preteries. Esta ampla autorizao tem produzido algunsinconvenientes; h talvez trinta ou quarenta tenentes com graduao de capito,igual nmero de alferes com graduao de tenente; de maneira que as divisasdos oficiais no indicam as funo que tm de desempenhar. O que se quis poisfoi prevenir este inconveniente, no destruindo inteiramente a autorizao queo governo hoje tem, porque casos podem ocorrer em que o oficial mais antigotenha prestado bons servios, e, contudo os postos superiores estandopreenchidos, no seja possvel dar sinal de considerao a esse oficial. O nobresenador sabe as vantagens que do as graduaes de alguns postos, como demarechal ao brigadeiro, e a graduao de brigadeiro dada a um coronel, porquepode este ser reformado em marechal com o soldo correspondente a este

    posto; assim, um coronel de regular merecimento, carregando de bons servios,

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    no havendo vaga de brigadeiro, no convindo mesmo que o exerciteefetivamente, porque pode-se ter muito bons servios, e contudo no tercapacidade bastante para ser oficial-general, nenhuma remunerao teria; e euentendo que este oficial deve ser premiado, mas sem prejuzo do serviopblico, e para isto o governo deve ser autorizado a dar-lhe graduao debrigadeiro.

    Eis as razes que teve a comisso com as quais concordei para oestabelecimento deste pargrafo 2 do art.11.

    No havendo mais quem pea a palavra, julga-se a matria discutida, eaprovada-se o artigo.

    O debate no Senado sobre a Lei N 585, de 6 de setembro de 1850, termina no

    pargrafo 2., do artigo 11. Na discusso, o Senador D. Manoel argumenta sobre a quebra do

    privilgio de conceder graduaes aos militares do Exrcito pelo governo. O Ministro Manuel

    Felizardo faz duras crticas e aponta a necessidade de romper com a herana militar portuguesade concesso de ttulos32, surgindo ento uma preocupao com o prejuzo do servio pblico

    e como esta nefasta prtica demonstrava a maneira desorganizada em que as divisas dos oficiais

    no indicam as funes que tm de desempenhar.

    Consideraes finais

    Neste artigo, procurei mostrar a trajetria e atuao poltica de um homem formado e

    preparado na Universidade de Coimbra, que retorna ao Brasil durante o processo de

    independente de Portugal e logo assume uma cadeira de lente da Academia Militar do Rio deJaneiro, obtendo do governo a patente de capito do Exrcito Imperial. Manuel Felizardo

    circulou por diversos cargos administrativos, sendo logo eleito Deputado e posteriormente

    Senador, tornando-se Presidente de diversas e importantes Provncias, chegando a Ministro dos

    Negcios da Guerra e Conselheiro de Estado. Uma trajetria mais poltica do que militar, como

    se fosse possvel separar, neste perodo da histria, to distintas funes.

    No entanto o desdobramento aqui se apresenta em duas partes. A primeira identificada

    pelo historiador norte-americano John Schulz que apontava Felizardo e Caxias como atoresprincipais do processo de rompimento entre militares e civis. Tal ideia focalizada sob outra

    tica, segundo Adriana Barreto de Souza que aponta a interpretao de Schulz como anacrnica

    representao histrica. A segunda parte do desdobramento estaria nos rastros da interpretao

    do fenmeno da guerra no entendimento que as mudanas executadas por Manoel Felizardo que

    32A historiadora Adriana Barreto de Souza chamou ateno para a solidariedade do Alvar de 1757 que criou o ttuloCadete: A partir de 1757, cadete um titulo militar concedido aos jovens que detivessem o foro de moo fidalgo daCasa Real ou fossem filhos de oficiais militares, ou ainda, que provassem nobreza notria por parte dos pais e dos

    quatro avs [...]. SOUZA, Adriana Barreto de. O Exrcito na consolidao do Imprio: um estudo histrico sobre apoltica militar conservadora. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999, p. 47-48.

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    esto ligadas s profundas mudanas ocorridas na sociedade imperial na passagem para a segunda

    metade do sculo XIX.

    Cabe dizer que os acontecimentos como os debates no Senado e no Conselho de

    Estado, com grande exposio dos problemas enfrentados pelo Exrcito Imperial no perodo,

    so situaes que demonstram uma ampla capacidade de interpretao da elite poltica nacional

    em reconhecer as fragilidades da defesa do territrio e a necessidade de melhoria material e no

    preparo dos soldados.

    Toda essa variedade de focos acaba por enriquecer a nossa interpretao a respeito da

    atuao poltico-estratgica de Manuel Felizardo que, ao assumir a pasta a 29 de setembro de

    1848 e entreg-la a 6 de setembro de 1853, compra armamento, realiza reformas em quartis e

    discute os problemas na estrutura do Exrcito. O conjunto documentos usados aqui, tais como as

    Atas do Conselho de Estado e os Anais do Senado do Imprio, so fontes nicas encontradas

    sobre o discurso oficial de Manuel Felizardo. No Senado podemos observar com que

    profundidade o ministro conhece e reconhece as limitaes e os problemas que envolvem a

    oficialidade do Exrcito brasileiro. Numa verdadeira sabatina, o ministro Felizardo domina

    assuntos e diversas questes da Lei N 585 como: bravura militar e merecimento;

    antiguidade militar, o tempo de servio dos oficiais fora do Ministrio da Guerra e o tempo de

    estudo dos militares nas indstrias; o governo da inteligncia; os prisioneiros de guerra; aidentificao da lei brasileira com a lei francesa de 1832 e a argumentao em relao

    dissonncia entre as divisas e as funes desempenhadas pelos oficiais da poca.

    Na reunio do Conselho de Estado, em 1 de agosto de 1850, exatamente 26 dias antes

    do debate no Senado do Imprio, o ento ministro da guerra demonstra ter conhecimento sobre

    a tensa situao na regio do Prata, reconhecendo as dificuldades em manter mobilizadas tropas

    na rea de fronteira. O Ministro Felizardo aponta os problemas que so de longa data, como o

    caso do recrutamento para as fileiras do Exrcito, a impopular medida do recrutamento forado eas medidas legais de recrutar soldados mercenrios estrangeiros para compor o front da batalha.

    Podemos afirmar que as propostas e as perspectivas do ministro foram amplamente discutidas no

    cenrio poltico do Imprio brasileiro e que no processo de modernizao e profissionalizao do

    Exrcito brasileiro, Manuel Felizardo tinha slidos argumentos e conhecimentos tcnicos sobre

    os mais modernos Exrcitos europeus de sua poca.

    Recebido em: 04/05/2012Aprovado em: 13/08/2012