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Andressa Dorneles Redação II Jornalismo Perfil Lar Moriá Um jovem de 80 e poucos anos Lúcido, inteligente e com muita força para viver. Seu Arnildo reúne diversas qualidades e serve como lição de vida. Pelos largos corredores do asilo, um senhor que, na pressa de seus curtos passos, se direciona à recepção do local. Vestindo um abrigo simples, por cima um longo roupão azul da cor do céu, e calçando sandálias e meias, ele parece sisudo a primeira vista, mas essa impressão logo se desfaz quando ele conta sua história de vida. Arnildo Brönstrop tem 89 anos. Vive no Lar de Diaconisas Moriá, localizado em São Leopoldo, desde novembro do ano passado, por vontade de sua esposa. Dona Irene Elisa, deu seu último suspiro em novembro de 2011, e, desde então, seu Arnildo mora sozinho na casa. Sozinho porque, mesmo acolhendo mais de 250 idosos, ele prefere mergulhar em seus estudos a participar das atividades propostas no asilo. “Não gosto de conversar com eles, a conversa não vai adiante,” revela o homem de palavras firmes. Pai de dois filhos, fruto do casamento de 65 anos, sente orgulho de seus descendentes, mas, mesmo com a insistência para que volte para o seio de seus familiares, Arnildo prefere viver ali mesmo. “Sempre tive o sonho de criar um lugar onde as pessoas pudessem viver bem quando envelhecessem. Esse era o sonho da minha esposa também. Por isso, prefiro ficar, me sinto bem aqui.” E não é porque o bisavô mora longe dos netos que eles deixam de visitá-lo. Uma de suas netas mora em São Paulo, mas todo ano passa uma temporada com seu querido avô. Até mesmo roupas dela encontram-se guardadas junto às do avô coruja, que não vê a hora de receber sua hóspede anual. Ao falar sobre o neto, que mora nos Estados Unidos, fica com um brilho especial no olhar, parece ver sua juventude refletida no rapaz. “Ele foi campeão em um torneio de tênis. Quando eu era jovem praticava o mesmo esporte, além de esgrima, que foi onde conheci minha esposa,” diz. No quarto número 203, onde vive o Sr. Arnildo, vários detalhes chamam a atenção. Logo na porta, há um brasão da família pendurado. Seus antepassados moravam em um castelo na Alemanha, e ele prefere ter essa referência junto a sua ‘casa’, pois seu quarto é seu refúgio, seu castelo. Há também dois computadores num cantinho da sala, que ele utiliza diariamente, pois pretende mudar algumas ideias de grupos religiosos. Atualmente, está escrevendo o primeiro de três volumes do livro ‘Como surgiu o Cristianismo’. Mesmo estando a beira de completar nove décadas, Arnildo diz não tomar remédios. Apenas uma limitação o preocupa: o fato de não conseguir pentear seus

Um jovem de 80 e poucos anos

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Esse perfil conta a história de um dos moradores do Lar de Diaconisas Moriá, um asilo localizado em São Leopoldo.

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Page 1: Um jovem de 80 e poucos anos

Andressa DornelesRedação IIJornalismo

Perfil Lar Moriá

Um jovem de 80 e poucos anos

Lúcido, inteligente e com muita força para viver. Seu Arnildo reúne diversas qualidades e serve como lição de vida.

Pelos largos corredores do asilo, um senhor que, na pressa de seus curtos passos, se direciona à recepção do local. Vestindo um abrigo simples, por cima um longo roupão azul da cor do céu, e calçando sandálias e meias, ele parece sisudo a primeira vista, mas essa impressão logo se desfaz quando ele conta sua história de vida.

Arnildo Brönstrop tem 89 anos. Vive no Lar de Diaconisas Moriá, localizado em São Leopoldo, desde novembro do ano passado, por vontade de sua esposa. Dona Irene Elisa, deu seu último suspiro em novembro de 2011, e, desde então, seu Arnildo mora sozinho na casa. Sozinho porque, mesmo acolhendo mais de 250 idosos, ele prefere mergulhar em seus estudos a participar das atividades propostas no asilo. “Não gosto de conversar com eles, a conversa não vai adiante,” revela o homem de palavras firmes.

Pai de dois filhos, fruto do casamento de 65 anos, sente orgulho de seus descendentes, mas, mesmo com a insistência para que volte para o seio de seus familiares, Arnildo prefere viver ali mesmo. “Sempre tive o sonho de criar um lugar onde as pessoas pudessem viver bem quando envelhecessem. Esse era o sonho da minha esposa também. Por isso, prefiro ficar, me sinto bem aqui.”

E não é porque o bisavô mora longe dos netos que eles deixam de visitá-lo. Uma de suas netas mora em São Paulo, mas todo ano passa uma temporada com seu querido avô. Até mesmo roupas dela encontram-se guardadas junto às do avô coruja, que não vê a hora de receber sua hóspede anual.

Ao falar sobre o neto, que mora nos Estados Unidos, fica com um brilho especial no olhar, parece ver sua juventude refletida no rapaz. “Ele foi campeão em um torneio de tênis. Quando eu era jovem praticava o mesmo esporte, além de esgrima, que foi onde conheci minha esposa,” diz.

No quarto número 203, onde vive o Sr. Arnildo, vários detalhes chamam a atenção. Logo na porta, há um brasão da família pendurado. Seus antepassados moravam em um castelo na Alemanha, e ele prefere ter essa referência junto a sua ‘casa’, pois seu quarto é seu refúgio, seu castelo. Há também dois computadores num cantinho da sala, que ele utiliza diariamente, pois pretende mudar algumas ideias de grupos religiosos. Atualmente, está escrevendo o primeiro de três volumes do livro ‘Como surgiu o Cristianismo’.

Mesmo estando a beira de completar nove décadas, Arnildo diz não tomar remédios. Apenas uma limitação o preocupa: o fato de não conseguir pentear seus

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cabelos que são brancos a neve. “Olha só (erguendo os braços o quanto consegue em direção à cabeça), não posso mais me pentear. Vou ter que raspar tudo,” fala descontente.

O homem, que se aposentou como diretor de uma multinacional, mostra que mantém sua família pertinho dele, como consegue. Porta retratos ocupam uma parede bem à frente de seus computadores. As fotos de seus netos, bisnetos e dos filhos estão ali, mas ele fala com carinho de uma foto em especial: “essa foi a última foto que tirei com minha esposa antes dela sofrer o infarto. Foram dez dias antes de tudo acontecer.”

Chegada a hora do almoço, seu Arnildo precisa se juntar aos demais. Antes de chavear a porta ele exclama: “Meu remédio!”. Remédio? Ele que disse não tomar nenhum? Mais feliz que uma criança com doce na mão, ele sai carregando sua garrafa de vinho, cheia pela metade e diz que esse é o seu único remédio. Então, despe-se do sereno roupão azul, passa a mão pelo seu abrigo, como que tentando desamassar e, com um sorriso reconfortante no rosto, segue até o refeitório com os demais moradores do local.