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1107 Um modelo SIG para a ilha de Santiago (Cabo Verde) A GIS model for the island of Santiago (Cape Verde) L. Neves 1 , A. Esperança, C. Ferreira, C. Ordens, I. Pinto, S. Silva 2 e A. Pereira 1 . 1 Departamento de Ciências da Terra, FCT, Universidade de Coimbra 2 Centro de Geologia, Departamento de Geociências, ISE, Cabo Verde [email protected] SUMÁRIO Apresenta-se um modelo SIG de base para a ilha de Santiago (Cabo Verde), integrando informação altimétrica, hidrográfica e geológica, na escala 1:100.000, bem como alguns resultados de tratamentos elementares, como sejam modelos digitais de terreno 2D e 3D, cartas de declives e de densidade de linhas de água. O modelo SIG apresentado constitui uma base de apoio ao desenvolvimento de futuro de trabalhos de investigação na ilha. Palavras-chave: SIG, Santiago, Cabo Verde. SUMMARY A GIS model was developed for the island of Santiago (Cape Verde), including altimetric, hydrographic and geological information, on a 1:100.000 scale. 2D and 3D digital elevation models for the island, as well as slope and hydrographic density features are presented on this paper. The GIS model developed for Santiago will provide support for future research projects on this island. Key-words: GIS, Santiago, Cape Verde. Introdução Os Sistemas de Informação Geográfica constituem uma ferramenta de integração e análise de dados georreferenciados, os quais podem ter naturezas distintas (qualitativos, quantitativos) ou provir de fontes diversas (campo, laboratório, detecção remota). Os mais recentes avanços tecnológicos permitem, ademais, com recurso a computadores de mão (palmtops) e receptores GPS, a utilização de software SIG para o desenvolvimento de trabalho directamente no campo, com posicionamento automático (erro típico inferior a 10 metros); a crescente capacidade dos palmtops e dos meios de armazenamento de dados torna possível a visualização e manipulação de cartas topográficas e de imagens aéreas ou de satélite neste tipo de sistemas, bem como a edição e alteração de projectos SIG, o que se traduz em enormes ganhos de produtividade durante as operações de trabalho de campo. Pelo exposto, os SIG apresentam grandes vantagens em todas as diferentes fases dos trabalhos de investigação, desde as etapas iniciais desenvolvidas no campo ao tratamento e análise de dados final, passando pela organização e integração de resultados laboratoriais em projecto. Atendendo ao seu interesse, no Mestrado em Geociências do Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra vem sendo, desde 1996, leccionada uma disciplina de Cartografia Digital e Sistemas de Informação Geográfica, na qual estas matérias são abordadas numa perspectiva eminentemente prática. O presente trabalho nasceu das actividades desenvolvidas na referida disciplina, tendo por objectivo construir um modelo de base para a ilha de Santiago (Cabo Verde), o qual possa constituir suporte a trabalhos de investigação que futuramente sejam desenvolvidos neste espaço geográfico (o que é, de momento, já o caso de um dos autores - S. Silva). Para o efeito, visou-se integrar em SIG a informação existente sobre a ilha, na escala 1:100.000, de carácter topográfico e geológico, bem como realizar algumas operações elementares de análise do espaço físico a partir da informação referida. Futuramente, o modelo SIG evoluirá no sentido da integração de mais informação, designadamente ortofotomapas, fotografias aéreas e imagens de satélite, bem como de dados a escala mais detalhada para as principais áreas urbanas da ilha (1:10.000 a 1:25000).

Um modelo SIG para a ilha de Santiago (Cabo Verde) A GIS ... · A ilha de Santiago tem uma área de 991 km², ... acordo com o ângulo de visualização e de inclinação ... 40 e

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Um modelo SIG para a ilha de Santiago (Cabo Verde)

A GIS model for the island of Santiago (Cape Verde)

L. Neves1, A. Esperança, C. Ferreira, C. Ordens, I. Pinto, S. Silva2 e A. Pereira1. 1Departamento de Ciências da Terra, FCT, Universidade de Coimbra 2 Centro de Geologia, Departamento de Geociências, ISE, Cabo Verde

[email protected]

SUMÁRIO Apresenta-se um modelo SIG de base para a ilha de Santiago (Cabo Verde), integrando informação altimétrica, hidrográfica e geológica, na escala 1:100.000, bem como alguns resultados de tratamentos elementares, como sejam modelos digitais de terreno 2D e 3D, cartas de declives e de densidade de linhas de água. O modelo SIG apresentado constitui uma base de apoio ao desenvolvimento de futuro de trabalhos de investigação na ilha.

Palavras-chave: SIG, Santiago, Cabo Verde.

SUMMARY A GIS model was developed for the island of Santiago (Cape Verde), including altimetric, hydrographic and geological information, on a 1:100.000 scale. 2D and 3D digital elevation models for the island, as well as slope and hydrographic density features are presented on this paper. The GIS model developed for Santiago will provide support for future research projects on this island.

Key-words: GIS, Santiago, Cape Verde.

Introdução Os Sistemas de Informação Geográfica constituem uma ferramenta de integração e análise de dados georreferenciados, os quais podem ter naturezas distintas (qualitativos, quantitativos) ou provir de fontes diversas (campo, laboratório, detecção remota). Os mais recentes avanços tecnológicos permitem, ademais, com recurso a computadores de mão (palmtops) e receptores GPS, a utilização de software SIG para o desenvolvimento de trabalho directamente no campo, com posicionamento automático (erro típico inferior a 10 metros); a crescente capacidade dos palmtops e dos meios de armazenamento de dados torna possível a visualização e manipulação de cartas topográficas e de imagens aéreas ou de satélite neste tipo de sistemas, bem como a edição e alteração de projectos SIG, o que se traduz em enormes ganhos de produtividade durante as operações de trabalho de campo. Pelo exposto, os SIG apresentam grandes vantagens em todas as diferentes fases dos trabalhos de investigação, desde as etapas iniciais desenvolvidas no campo ao tratamento e análise de dados final, passando pela organização e integração de resultados laboratoriais em projecto. Atendendo ao

seu interesse, no Mestrado em Geociências do Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra vem sendo, desde 1996, leccionada uma disciplina de Cartografia Digital e Sistemas de Informação Geográfica, na qual estas matérias são abordadas numa perspectiva eminentemente prática. O presente trabalho nasceu das actividades desenvolvidas na referida disciplina, tendo por objectivo construir um modelo de base para a ilha de Santiago (Cabo Verde), o qual possa constituir suporte a trabalhos de investigação que futuramente sejam desenvolvidos neste espaço geográfico (o que é, de momento, já o caso de um dos autores - S. Silva). Para o efeito, visou-se integrar em SIG a informação existente sobre a ilha, na escala 1:100.000, de carácter topográfico e geológico, bem como realizar algumas operações elementares de análise do espaço físico a partir da informação referida. Futuramente, o modelo SIG evoluirá no sentido da integração de mais informação, designadamente ortofotomapas, fotografias aéreas e imagens de satélite, bem como de dados a escala mais detalhada para as principais áreas urbanas da ilha (1:10.000 a 1:25000).

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Métodos A informação topográfica existente sobre a ilha, na escala 1:100.000, bem como a informação geológica na mesma escala [1], foram integralmente vectorizadas em suporte ArcView 3.2, tendo posteriormente sido transpostas para a versão mais actualizada deste software SIG (ArcGis 9 da ESRI). O modelo foi georrefenciado de acordo com o sistema de coordenadas UTM adoptado nas cartas topográficas. Incluiram-se no modelo as vias de comunicação, a toponímia, os principais agregados populacionais, os pontos cotados, as curvas de nível (equidistância de 50 metros), a rede hidrográfica e a geologia da ilha. Geomorfologia da ilha de Santiago A ilha de Santiago tem uma área de 991 km², sendo a maior ilha do arquipélago de Cabo Verde (25% da área total); integra-se no grupo de Sotavento, que inclui ainda as ilhas do Fogo, Brava e Maio, para além de diversos ilhéus. Apresenta relevo bastante acidentado, tendo o ponto mais elevado no Pico da Antónia, com 1392 metros. Do ponto de vista geomorfológico, destacam-se dois maciços montanhosos com altitudes superiores a 1000 metros (Pico da Antónia e Malagueta), separados por uma região planáltica (Assomada). Na figura 1 apresenta-se um modelo digital de terreno 2D, construído na base da informação altimétrica associada às curvas de nível, onde são facilmente reconhecíveis os dois maciços montanhosos referidos, bem como, entre eles, o planalto de Assomada. No extremo sudeste da ilha situa-se a cidade da Praia, em zona com relevo relativamente aplanado.

Figura 1 – Modelo digital de terreno 2D para a ilha de Santiago.

Na direcção do eixo de alongamento da ilha, e cruzando ambos os maciços, é perceptível no modelo digital de terreno uma importante linha de fractura. A informação altimétrica pode igualmente ser simulada tridimensionalmente em ambiente SIG, de acordo com o ângulo de visualização e de inclinação pretendidos, conforme se exemplifica na figura 2. A observação em computador segundo diferentes orientações permite salientar alguns dos principais alinhamentos estruturais que afectam a ilha.

Figura 2 – Modelo digital de terreno 3D da ilha de Santiago. A ilha encontra-se coberta por uma densa rede de drenagem, ilustrada na figura 3, originada nas duas principais elevações montanhosas. Pela figura pode verificar-se que as linhas de água apresentam algumas direcções dominantes, designadamente NW/SE, NNE/SSW e ENE/WSW.

Figura 3 – Rede de drenagem da ilha de Santiago.

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Na figura 4 apresenta-se a densidade de drenagem da ilha, determinada com base em modelação SIG. Para o efeito, a ilha foi subdividida em células com 500x500 metros, tendo sido determinado o número de linhas de água contidas em cada uma das células.

Figura 4 – Densidade de drenagem na ilha de Santiago (mínima para os tons claros e máxima para os escuros). É patente da figura a distribuição fortemente assimétrica da densidade de drenagem, a qual é mais intensa no noroeste (Assomada) e no sudoeste da ilha (drenagem preferencial do maciço de Pico da Antónia), e mais reduzida nas porções central, este e sudeste da ilha.

Figura 5 – Carta de declives, na escala 1:100.000, da ilha de Santiago.

Com base na informação altimétrica associada às curvas de nível, determinou-se a carta de declives da ilha, na escala 1:100.000, a qual se apresenta na figura 5, de acordo com algumas classes de declive mais representativas. Da observação da figura verifica-se ser o relevo da ilha bastante declivoso, encontrando-se as principais áreas aplanadas na região do Tarrafal (parte Norte da ilha), na Assomada (entre as principais regiões montanhosas) e no sudeste (região da Praia). Uma análise estatística dos dados permite verificar que 75,5% da área da ilha apresenta declives até 25º, 17,7% apresenta declives entre 25 e 40º, 6,4% entre 40 e 60º e 0,4% acima de 60º. O limite de inclinação estabelecido na legislação nacional para as novas edificações é de 25%, sendo que 40% da área da ilha apresenta valores de inclinação superiores. Geologia da ilha de Santiago A ossatura da ilha é constituída por um complexo eruptivo interno [1], de idade ante-miocénica (CEIA), o qual ocorre em três diferentes áreas (cor mais escura na figura 6).

Figura 6 – Carta geológica da ilha de Santiago [1], adaptada a SIG. Escala original 1:100.000. Dominam filões básicos, brechas, intrusões fonolíticas e traquíticas e ainda carbonatitos. Em especial na parte sul da ilha, o complexo é apenas observado no fundo de vales profundamente escavados por acção hídrica. Ao CEIA sucede-se um

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nível conglomerático e as Formações dos Flamengos (FF) e dos Órgãos, Miocénicas. Estas integram conglomerados, brechas, piroclastos e calcarenitos, indiciando ambiente marinho dominante. Sucede-se, com idade miocénica superior, o complexo eruptivo do Pico de Antónia (PA), o qual abrange a maior parte da área aflorante da iha (a cinzento intermédio). Integra essencialmente mantos basálticos, mas também conglomerados e calcários fossilíferos. A actividade vulcânica foi, neste período, dominantemente submarina a subaérea. No Pliocénico a actividade vulcânica passou a ser dominantemente subaérea, tendo sido gerada a Formação de Assomada (A), que integra mantos basálticos e piroclastos. A actividade vulcânica cessou no Plio-plistocénico com a formação de mais de uma dezena de pequenos cones piroclásticos e derrames associados (Formação do Monte das Vacas – MV); estes podem ser reconhecidos na figura 6 com tonalidade cinzenta clara. Ocorrem ainda sedimentos recentes (Plistocénico-Holocénico) sob a forma de terraços, aluviões, depósitos de vertente e de enxurrada. É de notar que o regime hídrico da ilha se caracteriza por forte concentração da pluviosidade [2], causando com frequência episódios de cheias, não raras vezes com vítimas mortais; estes episódios, fortemente erosivos, são perceptíveis nos referidos aluviões e depósitos de enxurrada, cujo reconhecimento detalhado poderá constituir um importante indicador no desenvolvimento de mapas de risco de cheias. Considerações finais O modelo SIG desenvolvido para a ilha de Santiago constitui uma base para o desenvolvimento de trabalhos de investigação futuros. Em particular, permitirá apoiar a realização de cartas de fraturação, através da conjugação da informação altimétrica digital e de dados proveniente de meios de detecção remota, bem como estudos de ambiente e ordenamento do território. Agradecimentos – A FCT apoiou a realização do presente trabalho, através do projecto PDCTE/CTA-49983/2003. Referências Bibliográficas [1] Matos Alves, C.A., Macedo, J.R., Silva, L.C., Serralheiro, A. e Faria, A.F.P (1979) – “Estudo Geológico, Petrológico e Vulcanológico da Ilha de Santiago (Cabo Verde)”. Garcia de Orta, série de Geologia, vol. 3, nº1 e 2, 47-74. [2] Brum Ferreira, D. (1996) - Water erosion in the Cape Verde Islands: factors, characteristics and methods of control. Geomorphic Hazards, Olav Slaymaker Edit., John Wiley & Sons, 111-124.