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Um Motim No Tempo - Infinity R - James Dashner

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infinity ring livro 1

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    Sobre ns:

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    Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel.

  • Prlogo

    DAK SMYTH ESTAVA SENTADO EM SEU GALHO FAVORITO de sua rvore

    favorita, bem ao lado de Sera Froste, sua melhor amiga. "Nada mal para um sbado tarde",pensou.

    Longe da segurana daquela rvore, porm, havia muito com que se preocupar. O mundoestava indo de mal a pior, e as pessoas encarregadas de conduzir as coisas pareciam no darmuita bola para isso. Mas Dak havia decidido que no deixaria que essas questes oatrapalhassem naquele momento.

    E Sera parecia pensar o mesmo. muito legal aqui em cima, n? ela comentou. Ah, com certeza. Fico at meio triste por no ter nascido macaco. Eu poderia viver

    aqui tranqilamente.Sera deu risada.Voc tem a personalidade de um macaco. E o cheiro. J mais de meio caminho

    andado, pelo menos. Valeu agradeceu Dak, como se tivesse recebido o maior dos elogios.Uma brisa leve fazia os galhos da rvore balanarem, o suficiente para embalar Dak at um

    estado de transe parcial. Ele e Sera passavam bastante tempo ali quando no tinham nadamelhor para fazer. Eles aproveitavam esses momentos para conversar, e para se afastar dasdistraes de costume como os adultos, que s sabiam reclamar o tempo todo dosimpostos, dos ndices de criminalidade e, em sussurros e cochichos, da SQ. Com todo esserudo mental, era incrvel que Dak e Sera ainda fossem capazes de raciocinar. Felizmente,ambos eram gnios... ainda que de formas bem diferentes.

    Voc est animado pra excurso desta semana? perguntou Sera.Dak estranhou a pergunta. A classe deles iria visitar um museu cheio de peas histricas

    o que ele adorava , mas sem artefatos cientficos que eram a paixo dela. Era bvio queele estava animado.

    Lembra o meu aniversrio no ano passado, quando eu ganhei uma rplica do leno doThomas Jefferson? ele perguntou em resposta.

    Como que eu iria esquecer? Voc saiu gritando pela rua como se fosse uma garotinhahistrica que acabou de encontrar um pote cheio de doces.

    Dak balanou a cabea, deliciando-se com a lembrana. Pois ento, estou ainda mais empolgado com esse passeio. Saquei. Isso que empolgao.

  • Eles permaneceram em silncio por alguns instantes, e Dak aproveitou para curtir a brisa,os sons da natureza, aquela pequena pausa nas complicaes da vida. Mas aos poucos ele foinotando que Sera no parecia mais to vontade. Havia sinais bvios de tenso em seupescoo, e isso no tinha nada a ver com o esforo que ela fez para subir na rvore. Dakacompanhou seu olhar at a varanda da casa dele, onde seus pais haviam colocado uma novabandeira. O pequeno mastro instalado na lateral da casa era geralmente utilizado para marcardatas comemorativas bandeiras natalinas no fim do ano, a bandeira de quarenta e oitoestrelas dos Estados Unidos durante o ms da Independncia.

    Agora, pela primeira vez, os pais de Dak tinham hasteado uma bandeira branca com umsmbolo no meio, um crculo preto atravessado por um raio o emblema da SQ.

    No me diga que os seus pais entraram nessa. Acho que no. Eles dizem que mais fcil assim. A chance de serem importunados

    menor com essa bandeira hasteada a. Essa SQ... eles me do nojo comentou Sera. Dak nunca a tinha visto falar de forma

    to firme. Algum vai ter que enfrentar esse pessoal algum dia. Antes que seja tardedemais.

    Enquanto a ouvia falar, Dak observava a paisagem do bosque atrs de sua casa. Tantos tonsde verde e marrom, tantos animais... Havia partes do mundo em que lugares como aqueletinham desaparecido completamente. Ele conhecia a histria bem o suficiente para saber que,aonde a SQ chegava, os problemas chegavam atrs. Foi quando ele sentiu seu prprio arroubode determinao.

    Talvez a gente mesmo faa isso ele respondeu. Nunca se sabe. Ah, ? ela rebateu, distrada. , afinal, sempre ouo por a que "os tempos esto mudando" comentou Dak. Ah, gostei disso. De repente esse pode ser o nosso lema. Talvez a gente consiga mudar os nossos tempos

    algum dia. Todo problema tem uma soluo, no ? E a nossa inteligncia tem que servir praalguma coisa. Que tal?

    Sera olhou para ele e estendeu a mo, que Dak apertou com fora.No muito longe dali, um pssaro animado cantava.

  • 1

    A nica Esperana

    BRINT T AKASHI ENCAROU A TELA e tentou se lembrar da poca em que no sabia que o

    mundo estava prestes a acabar.Mari Rivera, seu brao direito, estava sentada ao seu lado e, a julgar pela maneira como

    balanava a cabea, parecia ser a segunda pessoa mais deprimida do mundo, atrs apenas deBrint.

    E ento? perguntou Mari. O que voc acha? O que eu acho? Acho que temos uma catstrofe global em andamento respondeu

    Brint. Erupes vulcnicas por todo o Crculo do Pacfico. Nevascas em regies daAmrica do Sul em que nunca havia nevado antes. Se tivermos sorte, as tempestades tropicaisvindas do Atlntico podem ajudar a apagar os incndios florestais na Nova Inglaterra.

    Mas tem o lado bom da coisa disse Mari, sem um pingo de humor na voz. Pelomenos agora as pessoas acreditam que estamos correndo perigo.

    As pessoas ainda acreditam no que a SQ quer que elas acreditem. O medo sempre falamais alto que a verdade. Ele passou os dedos pelos cabelos negros e suspirou. Aristteles teria ficado orgulhosssimo. Olha s a situao dos Guardies da Histria! A SQ vairir por ltimo... mesmo que isso signifique a destruio do mundo.

    No era s com os desastres naturais que ele estava preocupado. Ou com os apages. Oucom a falta de comida. Havia tambm as Reminiscncias.Todos os dias, ao chegar em casa,Brint olhava para a fotografia pendurada acima da lareira ele e sua mulher sentados beirade um rio, o sol refletido na gua atrs deles e sentia um n no estmago e uma sensaoestranha na cabea. Uma espcie de vazio se instalava em sua mente e o deixavaextremamente desconfortvel. Faltava algum naquela foto. No fazia o menor sentido, masele tinha a mais absoluta certeza de que faltava algum ali.

    E ele no era o nico a experimentar esse tipo de sensao. Mais e mais pessoas eramafetadas por Reminiscncias a cada dia. Elas apareciam quando menos se esperava. E eramcapazes de levar uma pessoa loucura. Literalmente.

    O tempo havia sado dos eixos era nisso que os Guardies da Histria acreditavam. E,como as coisas no podiam mais ser consertadas, s havia uma esperana... voltar no tempo ecorrigir o passado.

    Mari fez o que sempre fazia quando sentia que ele no iria mais parar de resmungar.Ignorou suas palavras e se concentrou em buscar uma soluo para o problema que tinhamem mos.

  • Alguma notcia dos Smyth? ela perguntou.De todos os cientistas que os Guardies da Histria haviam sido capazes de rastrear, eles

    eram os nicos cujas atividades a SQ no tinha proibido... ainda.Brint abriu o arquivo que continha informaes sobre eles e mostrou as ltimas novidades.

    Todos os experimentos, descobertas e relatrios dos Smyth cada coisinha que aconteciaem seu laboratrio no dia a dia , tudo era monitorado pelos Guardies da Histria. Sem oconhecimento deles, claro. Mas, depois que o mundo fosse salvo das Grandes Fraturas, Brintfaria questo de pedir desculpas.

    Ambos ficaram em silncio por um tempo, como se estivessem hipnotizados pelos dadosna tela. Os Smyth estavam quase l. Se eles conseguissem sanar as lacunas existentes em seusclculos... Se dessem aos Guardies da Histria a chance de pr em prtica o plano queAristteles havia formulado dois mil anos antes para salvar o mundo...

    Vai acontecer, voc sabe sussurrou Mari. E mais cedo do que eu esperava.Brint concordou com a cabea, e sentiu seu corao se espremer dentro do peito.- Eu nunca imaginei que fosse viver para ver.- Vai acontecer mesmo. O Cataclismo est prximo, e tudo o que a gente pode esperar

    morrer antes que ele acontea - continuou Mari, e suas palavras soaram como uma terrvelprofecia anunciada por um velho orculo.

  • 2

    Um velho num caixo

    DAK SMYTH ERA UM NERD.Ele j havia sido chamado de coisa pior, claro. Bobalho, esquisito, panaca, CDF tudo o

    que se podia imaginar. Mas a palavra que as pessoas mais utilizavam para descrev-lo eranerd. E ele se importava? No. Enquanto os idiotas que tiravam sarro dele estariam sematando de trabalhar aos trinta anos de idade apenas para pr comida na mesa, ele estariamorrendo de rir em seu jatinho particular, entupindo-se de refrigerante at vomitar. E depoisriria um pouco mais quando seu mordomo aparecesse para limpar tudo e, quando se cansasse,contaria todo seu dinheiro comendo pedaos enormes de queijo.

    (Dak Smyth era um nerd que gostava de queijo. De uma forma quase doentia. No erauma combinao das mais atraentes, verdade, e ele era o primeiro a admitir isso.)

    Um dia antes da grande excurso escolar ao Museu Smithsonian na capital do pas,Filadlfia, Dak teve que esconder sua animao de nerd para comparecer ao mais tedioso doseventos o enterro de um de seus tios. Na verdade, um de seus tios-avs, o tio-avFrankie, um sujeito que ele havia visto umas duas vezes no mximo, incluindo o dia dovelrio. O que Dak encontrou ali foi um homem velho e grisalho com os olhos fechados e asmos cruzadas sobre o peito como se estivesse cochilando, o que ele devia fazer umas vintevezes por dia quela altura da vida. Mas, de acordo com a me de Dak, apoiada pelo fato deque seu corpo estava esticado dentro de um caixo, seu tio-av Frankie tinha realmentebatido as botas.

    O velrio havia sido um tanto tedioso e durado mais ou menos cento e trinta horas, masagora a famlia inteira estava reunida para o jantar. Dezenas de pessoas que uma hora antesestavam chorando desesperadamente agora riam como hienas entupidas de cafena enquantocaam de boca no equivalente a uma semana de comida racionada pela SQ. Dak perguntou asi mesmo se todos os enterros de parentes velhos terminavam daquela maneira to festiva.

    Junto com ele na mesa havia alguns de seus primos, mas ningum que ele conhecesse. Eno estavam conversando sobre nada que o interessasse. Tagarelavam sobre o showvagabundo que havia sido feito para a coroao do novo figuro da SQ. Ou sobre a final deum campeonato to sem graa que Dak no sabia nem quais eram os times envolvidos (e nemao menos de que esporte se tratava). E, para completar, uma menina com uma espinha dotamanho do rosto do presidente McClellan esculpido no monte Rushmore bem no meio dacara comeou a matraquear sobre as ltimas tendncias da moda, em particular sobre aquelesjeans com bolsos traseiros que faziam parecer que a bunda das pessoas estava virada ao

  • contrrio. "Qual ", pensou Dak. "Srio mesmo que essa galera tem o mesmo materialgentico que eu?"

    Quando sentiu que no conseguiria mais suportar aquilo por muito tempo, uma sensaobastante conhecida tomou conta de seu corpo algo que ele sabia por experincia prpriaser impossvel de ignorar. Impossvel.

    Ele precisava compartilhar seu nvel absurdo de conhecimentos histricos, e no podiaesperar nem mais um segundo.

    Dak levantou e limpou a garganta. Ao notar que ningum prestava ateno, apanhou seucopo e o golpeou com a colher at que todos enfim se calassem e olhassem para ele.

    Eu tenho uma coisa para dizer a vocs ele anunciou. Ouviu em resposta algunsgemidos e resmungos, mas tranquilizou-se pensando que era s um bando de velhotesreclamando de dor por terem sido obrigados a se mexer na cadeira. Uma rpida olhada para ame, porm, mostrou que ela estava escondendo o rosto com as duas mos, e o pai oencarava com os olhos arregalados, sacudindo lentamente a cabea de um lado para o outrocom uma expresso que remetia a uma espcie de pnico.

    Antes que algum o interrompesse, Dak deu incio ao seu discurso. Eu sei que estamos reunidos aqui para uma ocasio solene. O pobre tio-av Frankie se

    extinguiu como um dod e agora pode se decompor em paz. H, quer dizer, descansar empaz. Mas, h, eu queria contar uma coisa pra vocs, algo que fizesse todo mundo se dar contade que as coisas no so to ruins quanto parecem.

    Ele fez uma pausa para testar a reao da platia. Ao que parecia, ele havia conseguidocapturar o interesse de todos.

    Imaginem s ele continuou , nosso amado parente poderia ter tido o mesmodestino que Rasputin, o grande mstico russo, em 1916. O pobre homem foi envenenado,levou quatro tiros, pancadas na cabea e depois ainda foi jogado num rio. Imaginem s!Depois de ser envenenado e de ter levado um monte de tiros e pancadas na cabea! Pobrecriatura! Dak deixou escapar uma risadinha para mostrar que no estava falando srio. Ento, como vocs podem ver, o tio-av Frankie at que teve sorte, no fim das contas.

    Dak terminou sua fala com um longo e profundo suspiro. Olhou ao redor e o que viuforam apenas expresses atnitas. E uma poro de gente piscando os olhos repetidas vezes.

    Obrigado pela ateno ele enfim concluiu. Depois pegou um copo d'gua e gritou: nossa sade!

    Sua me caiu da cadeira. O dia seguinte era o da excurso pela qual ele esperava havia meses. Para um amante da

    histria como Dak, ir ao Smithsoman era melhor do que ficar trancado a noite inteira emuma fbrica de doces. Sua inteno era se entupir de informaes at no agentar mais.

    No nibus que os levaria, ele sentou ao lado de sua melhor amiga no mundo todo. Seunome era Sera Froste, e at ento ningum havia implicado com o fato de eles serem tochegados. Bom, a no ser por alguma piadinha do tipo "Quando vocs vo se casar?" de vezem quando. E de musiquinhas do tipo "T namorando" que costumavam cantar perto deles.

  • Tudo bem, no tem como negar: um monte de gente implicava com eles. Que exposies a gente vai ver antes do almoo? Dak perguntou, depois de

    submeter o mapa do museu a seus marcadores fluorescentes. E depois?Sera desviou os olhos do livro eletrnico que estava lendo em seu tablet SQuare e lanou

    sobre ele o tipo de olhar normalmente reservado para os animais peonhentos conservadosem formol. Seus longos cabelos escuros tornavam sua expresso ainda mais sria, como se seurosto estivesse emoldurado em um quadro.

    Por que voc no relaxa? A gente pode ir andando por onde der na telha. Sei l, derepente at se divertir.

    Dak ficou de queixo cado. Est maluca?Ele estava falando srio. Ela claramente no tinha compreendido a dimenso da

    oportunidade que aquela excurso significava. Precisamos planejar cada segundo. No quero nem pensar em arriscar no ver alguma

    coisa legal. Ah, pelo amor essa foi a nica resposta dela antes de voltar sua ateno para seu

    livro, Teoria de Cordas e outros saltos qunticos na fsica quntica.Sera tambm era nerd, quase to nerd quanto o prprio Dak. "Ora, quem estou querendo

    enganar?", pensou Dak. "Ela me deixa no chinelo."Aquela menina o havia convencido a ir at a universidade local assistir apresentao de

    uma tese cientfica num sbado tarde um processo que envolveu uma ameaa de gritarque estava apaixonada por ele no meio do refeitrio da escola na hora do almoo caso ele notopasse. Dak se ops firmemente, j que queria ir ver um cara numa feira itinerante quejurava ser velho o suficiente para ter sido o podlogo do primeiro-ministro britnicoWinston Churchill na Segunda Guerra Mundial. (Obviamente, ele tinha guardado algumasunhas do p de Churchill para comprovar o que dizia.) Mas Sera garantiu que seria muitomais interessante encarar uma palestra de trs horas intitulada "O efeito da desestabilizao detquions e da radiao wellsiana sobre o ncleo de dobra".

    No foi.No fim, Sera acabou concordando em ir embora da apresentao antes do fim, mas s

    porque o palestrante insistia em usar os termos brdion e tquion como sinnimos, o que, deacordo com Sera, todo mundo sabia que estava errado.

    Foi quando Dak teve uma idia. Ele passou os dedos pelos cabelos loiros e olhoufixamente para o mapa todo rabiscado em diferentes tons fluorescentes.

    Acho que a gente pode deixar de ver o Diamante Hope pra economizar tempo. Nemsei o que significa essa "explorao dos processos biogeoqumicos que proporcionam aosminerais suas caractersticas nicas", mas parece uma tremenda chatice.

    E voc l sabe de alguma coisa? interrompeu Sera, deixando de lado seu SQuare. Me d aqui esse mapa.

    Quando eles desceram do nibus, o corao de Dak palpitava de empolgao. Aindafaltavam duas horas e quarenta e sete minutos para o terremoto que quase os mataria.

  • 3

    Sales de maravilhas entediantes

    "COITADO DO DAK", Sera pensou enquanto formava uma fila na entrada do Snnthsonian

    junto com seus colegas de classe. Seu melhor amigo era um bobalho.Vivia irritando aspessoas com seus discursos fora de hora sobre fatos histricos sem sentido, e sua obsesso porqueijo era simplesmente... muito esquisita.

    No ano anterior, na quarta srie, ele escreveu um poema sobre os tipos de queijo, dizendoque cada um deles era como um membro da famlia. A sra. E'Brien disse que deixaria elerecitar o poema para a classe caso ele prometesse parar de interromper as aulas com suaspalestras sobre pessoas mortas. Ele concordou e orgulhosamente fez seu recital, mas sdemorou um dia e meio para quebrar a promessa e falar durante cinco minutos sobre oinventor da escada porttil.

    Sim, Dak tinha seu charme, mas sabia ser irritante como ele s. Mas no foi nada disso quelevou Sera a sentir pena de seu amigo naquela manh. O que a preocupava era sua aparentealienao a respeito da verdadeira situao em que se encontrava o mundo. A SQ. Osdesastres naturais. Os ndices de criminalidade cada vez mais altos.

    As Reminiscncias.Esse ltimo pensamento obrigou Sera a parar, pois sentiu um forte aperto no peito...At que um moleque fedido chamado Roberk esbarrou em Sera, empurrando-a por trs.Ela sabia quem era porque uma corrente de ar nada bem-vinda levou o mau cheiro

    caracterstico do garoto para as suas narinas. Foi como se ela tivesse acabado de sentir o arftido de um tmulo recm-aberto. O odor em si era uma mistura peculiar de fgado frito erepolho cozido o que a fazia pensar imediatamente em sulfeto de hidrognio.

    Nossa, Sera ele falou. Se voc quer um abrao, s pedir.Sera teve vontade de falar francamente com ele sobre o sulfeto de hidrognio sobre

    como era uma substncia produzida geralmente em pntanos e esgotos, o que fazia de Roberkuma espcie de latrina ambulante , mas era muito difcil dizer qualquer coisa enquantoprendia a respirao. Sendo assim, o que ela fez foi lanar para ele o pior olhar de desprezo deque era capaz e seguir em frente. Encontrou Dak no saguo do edifcio, onde apenas umaporta enorme os separava das primeiras exposies. Dak estava esticando o pescoo de talforma que ela teve medo de que seu amigo acabasse distendendo um msculo. Ele estavamesmo ansioso demais para visitar aquele museu.

    V se no vai se machucar ela disse, inclinando-se em sua direo, determinada aespantar o mau humor que havia comeado a se insinuar com a lembrana das

  • Reminiscncias. Voc vai perder o passeio se tiver que fazer um transplante de pescoo. Uau ele sussurrou em resposta, empolgadssimo. Acho que vi um barco viking na

    sala ao lado. Ser que um karvi ou um busse?Sera ficou na ponta dos ps para olhar atravs da porta aberta, conseguia ver a cabea

    de drago ornamental entalhada na proa do que parecia ser um enorme navio de madeira. Legal.Ela at queria falar um pouco mais, porm o sr. Davedson havia acabado de chamar a

    ateno da classe. O professor deles era uma figura bizarra o adjetivo torto era o quemelhor combinava com sua aparncia. Cabelos, sobrancelhas, bigode, orelhas, gravata,calas.Tudo nele parecia pender para a esquerda.

    Certo, crianas, escutem bem!Ele insistia em cham-los de crianas, e durante meses ela teve vontade de responder

    "Sim, vov?". S faltava a coragem para isso. Temos um monte de coisas para ver hoje, e o tempo meio curto. Lembrem-se de

    no interromper o discurso do nosso guia, ele um representante da nossa querida SQ.Ele lanou um olhar apreensivo para o homem alto, careca e bem-vestido parado perto

    da porta. Sera tinha visto quando ele entrou, mas no havia reparado na insgnia prateada daSQ presa na lapela do palet.

    Quero ver todo mundo se comportando muito bem, honrando a grande instituio deque fazem parte, a Escola Ginasial Benedict Arnold! Que tal gritarmos um "u-hu"?

    "Ah, qual ", pensou Sera, em pnico. "Isso, no... no na frente do pessoal do museu!"Diante do silncio da turma, o sr. Davedson ps a mo em concha no ouvido. No estou ouvniiiinindo. Que tal um "u-hu"?!Meio a contragosto, a classe soltou seu gritinho idiota, e ele sacudiu a cabea, insatisfeito. Bom, eu esperava um pouco mais de entusiasmo por termos vindo at aqui em uma

    poca to difcil. A SQ teve a generosidade de liberar verbas para garantir o funcionamentodo museu, e ns deveramos agradecer por isso!

    Essa era outra coisa que deixava Sera furiosa. Alm de ter cado com o professor maisestranho da escola, ele vivia falando aquele tipo de coisa sobre a SQ. Para ela, no havia nadamais ridculo do que agradecer SQ por no ter fechado um prdio que era pblico. Comose eles no estivessem fazendo de tudo para pressionar governos de todo o mundo a sedobrarem s suas vontades. Mas ela sabia que, mesmo que o presidente dos Estados Unidoscomeasse a comer na mo da SQ, seu professor seria o ltimo a dizer alguma coisa contraela.

    O bom e velho senhor Davedson Dak sussurrou para ela. Incapaz de dizer algumacoisa ruim contra quem quer que seja. No tem como no gostar desse cara.

    Em uma frao de segundo, Dak fez com que Sera se arrependesse de sentir pena de seuamigo pouco tempo antes. Era exatamente por isso que ela gostava tanto de Dak. De algumaforma, ele sempre era capaz de ver o lado bom das pessoas. Apesar de ser uma coisa irritantes vezes, era uma caracterstica que ela gostaria de ter.

    O guia do museu srio, seco e formal assumiu o comando da excurso, elogiando

  • um pouco mais a SQ por sua "liderana visionria em tempos difceis". Sera conseguiu segurarsua careta de desprezo at o guia se virar para conduzir o grupo impaciente pela enormeentrada do salo de exposio sobre a Era das Exploraes. O navio que Sera tinha visto delonge agora brilhava sobre ela como uma nave espacial flutuante, presa ao teto por fios de aoquase invisveis. Como era de se esperar, o grupo parou de andar assim que Sera se viu sobaquela sombra. Um fiozinho estourado e ela seria esmagada sua cabea se juntaria aosdedes do p.

    O salo estava lotado de outras rplicas de embarcaes, uma bssola antiga, um diagramadetalhado mostrando as diferenas entre os barcos dos vikings e dos egpcios. E, obviamente,poeira. Muita poeira. Quando o guia comeou a tagarelar sobre quem falou isto ou aquilo, ousobre quem fez tal coisa e quem no fez, ela se deu conta de que aquele poderia ser o diamais longo da sua vida. Como ela queria estar nos sales e no auditrio da universidade... Nomuseu havia diversos artefatos cientficos mostra, mas nenhum deles chegava nem perto deser tecnologia de ponta.

    Dak, por sua vez, acompanhava fascinado o falatrio do boneco de ventrloquo da SQ e aexposio dos seus conhecimentos tediosos. Ele no ficaria mais embasbacado nem se umcadver sasse da cova e comeasse a danar. Um pouco para irrit-lo, Sera o cutucou com ocotovelo.

    O seu roteiro j era ela disse baixinho. Pelo jeito vamos ser vigiados o tempointeiro por uma bab.

    Sem nem olhar para ela, ele sussurrou. , isso demais. Nem acredito que estou aqui vendo essas coisas com os meus prprios

    olhos.Sera percebeu que seria intil tentar se comunicar com Dak antes da hora do almoo.Eles passaram por outros sales e alas e ouviram explicaes sobre tudo, desde os

    dinossauros at a corrida espacial. Em determinado momento Sera tentou questionar umainformao passada pelo guia, mas o professor fez com que ela se calasse imediatamente,lanando olhares preocupados ao redor.

    "Argh", pensou Sera. E ento ela decidiu que no prestaria ateno em mais nada.De vez em quando, Dak desviava sua ateno do guia e a encarava com olhos arregalados.

    Depois dizia algo como "Isso no o mximo?", ou "D pra acreditar nisso?", ou "Cara, essesmongis tinham um tremendo senso de humor". Ela simplesmente concordava com a cabeae torcia para que ele no percebesse que no estava dando a menor bola para o que estavasendo falado ali.

    Por fim eles terminaram de dar a volta e retornaram ao salo das Exploraes, ondeficaram parados durante o que pareceram longas horas, assistindo a uma exposio sobre adescoberta do continente americano pelos clebres irmos Amncio. Todo mundo jconhecia essa histria, e o guia deixou de lado a melhor parte o destino terrvel dohomem que os irmos heroicamente rebeldes deixaram para trs era sua jornada, CristvoColombo. Na verdade, Sera s tinha ouvido falar de Colombo porque Dak gostava muito decontar aquela histria. Seu nome jamais havia sido citado em uma aula, ou durante as

  • comemoraes do feriado dedicado aos Amncio.O guia estava tagarelando sobre a importncia da SQ para a histria mundial quando Dak

    limpou a garganta em alto e bom som e levantou a mo. "Ah, no", Sera pensou. "L vemele."

    Com licena Dak praticamente gritou ao perceber que nenhum adulto lhe davaateno. Com licena! Eu tenho uma coisa importante a dizer!

    Os dois homens olharam para ele de forma intimidadora. O que ? perguntou o sr. Davedson.Sera conhecia aquela expresso e aquele tom de voz. Seu professor j havia visto aquilo

    acontecer muitas vezes e sabia muito bem que deixar Dak comear a falar no meio domuseu poderia levar a uma situao desastrosa.

    Bom, acho que voc claramente se esqueceu de falar uma coisa muito importante sobrea histria da bssola.

    Dak deu uma risadinha e olhou ao redor para ver se havia mais algum aluno queconcordasse com ele. No havia, e ele franziu a testa.

    Voc sabe. Os escritos de Wang Xu na China do sculo quarto foram fundamentais paraa descoberta do magnetismo e da agulha direcional. He, he. at difcil imaginar um mundoem que as pessoas no conhecessem isso!

    No salo, o silncio era sepulcral, como em um caixo enterrado sob rochas ocenicas amilhares de metros de profundidade, quebrado somente quando algum fungou.

    Dak soltou outra risadinha. Puxa vida. Que loucura.Ele olhou envergonhado para Sera, e depois para o cho, com o rosto todo vermelho.Era nesses momentos que Sera entendia por que eles eram to amigos. Nenhum dos dois

    tinha o mnimo tato para o convvio social. Isso era um fato. Ela se inclinou e deu um socode leve no brao dele.

    Ai ele protestou. Mas sorriu, e a vermelhido em suas bochechas comeou a sumir. Muito bem, ento o sr. Davedson se apressou em dizer bem alto, batendo as mos

    uma na outra. At que no foi to ruim. Agora vamos nos reunir para...Um movimento sbito ao redor o interrompeu. O prdio inteiro comeou a tremer,

    assim como tudo dentro dele estantes e mostradores suspensos se sacudindo dentro doenorme salo, que parecia quicar, pular e se contorcer. Os gritos irromperam ao mesmotempo de todas as direes. Sera plantou os dois ps no cho e lutou para manter o equilbrioenquanto quase todos seus colegas de classe iam ao cho, uns por cima dos outros. Dak eraum deles, engolido por um mar de braos e pernas.

    Como se fosse preciso, o sr. Davedson gritou uma nica palavra a plenos pulmes: Terremoooooooooooooooto!

  • 4

    Estalos e estrondos

    Dak sabia muito bem que a noo convencional de tempo perdia todo o sentido durante

    desastres naturais ele j havia enfrentado mais de dez ao longo da vida. Ento, enquanto omundo se sacudia sem parar ao seu redor, ele seria capaz de jurar que meia hora tinha sepassado no intervalo daqueles poucos segundos. O pavor dominou cada msculo, osso e nervode seu corpo.

    Naquele momento havia um p dentro de sua boca, e ele tinha quase certeza de que era ode Makiko o dedo dela deu um jeito de atravessar seus lbios enquanto vrias pessoascadas pelo cho tentavam se desvencilhar umas das outras. Ele fez um esforo para afastar aperna dela, que logo foi substituda pelo sovaco de algum, que amassou seu nariz. O choabaixo deles parecia a mais aterrorizante das gangorras, oscilando em subidas e descidasenquanto os rangidos e estalos do metal e da madeira da estrutura do edifcio se envergandoressoavam no ar. Foi quando sentiu uma mo agarr-lo pela camiseta e levant-lo. Ao sevirar, deu de cara com Sera, que o encarava com os olhos cheios de medo. De alguma forma,ela havia se transformado em uma espcie de prodgio de equilbrio e fora quando o tremorcomeou.

    Eles se afastaram aos tropees da massa de adolescentes cados no cho e foram at umarea mais aberta, que no ficava sob nenhum mostrador suspenso, e ajudaram um ao outro amanter o equilbrio enquanto tentavam dar dois ou trs passos em alguma direo fixa. Eleviu um vaso chins sair rolando pela sala e ser pisoteado e destrudo por Roberk. Dak sentiuseu corao se partir, mas uma sacudida violenta tirou seus ps do cho e o trouxe de volta realidade ele teria que torcer para que as pessoas ali no fossem esmagadas tambm.

    Vai acabar logo! ele gritou para Sera. Isso se a gente no morrer antes! ela rebateu. Uma hora vai ter que acabar, mesmo se a gente morrer! No me diga!E ento eles ouviram um estrondo, um rugido parecido com uma trovoada, que fez os

    pelos da nuca de Dak se arrepiarem. O som vinha de um local diretamente abaixo de seusps. Ele ficou paralisado quando o cho se abriu sob seus olhos e uma fissura se espalhou pelopiso como uma serpente ziguezagueante. Grandes pedaos de cermica se desprenderam e seespatifaram no cho do poro, vrios metros abaixo.

    Dak agarrou Sera pelo brao e saltou para um lugar seguro, de onde observavam a luta deseus colegas para se salvarem.

  • Dois deles estavam numa situao crtica. Ficaram pendurados no abismo, agarrando-se vida com todas as foras. Encolhidos no outro canto do salo, o sr. Davedson e o guia nopareciam nem um pouco dispostos a ajudar os alunos em perigo.

    Temos que ir l! Sera gritou, j em movimento.Dak tentou segui-la como podia o prdio continuava a tremer e oscilar, tornando

    impossvel o simples ato de andar em linha reta. Eles caram de joelhos e foram rastejando nadireo de Makiko, agarrada a uma ponta fraturada do piso de cermica. Seus olhosencontraram os de Dak, e imploraram que a salvasse.

    Deixa ela comigo! ele gritou para Sera.Vai ajudar o Fraderick!Quando Sera se afastou, Dak se arrependeu de ter aberto a boca. Caso o prdio fizesse um

    movimento inesperado, ele passaria por cima de Makiko e mergulharia no abismo logo abaixo e provavelmente a levaria junto. Ele ento se deitou de bruos para tentar se estabilizarem uma posio. Depois estendeu as mos e agarrou os dois braos da garota.

    Dak a puxou, fazendo fora para flexionar os cotovelos e tir-la do buraco. Ela pareciabem miudinha das outras vezes em que a tinha visto, mas naquele momento se tornou pesadacomo Bob Baleia o cara que ficava sentado sem fazer nada todo sbado na frente dalavanderia do bairro. Enquanto a puxava, Dak deu um grito devido ao esforo, como seaquilo fizesse sua fora aumentar. Makiko pelo jeito percebeu que aquilo no iria funcionar, ecomeou a subir como se ele fosse uma escada, usando os ombros e o cinto dele comodegraus e a nuca como apoio para os ps. Ele soltou um grunhido de dor enquanto elaescalava seu corpo e enfim conseguia se afastar da beirada do precipcio.

    Obrigada, Dak Makiko falou. Voc o meu heri ela completou, sorrindo.Dak ficou sem reao. Que menina mais maluca.Ele viu que Sera j havia resgatado Fraderick, e todos se afastaram o mximo possvel do

    precipcio. O prdio continuou a tremer, ranger e estalar, mas o buraco no cho tinha paradode crescer. Ningum mais estava gritando.

    "Ns vamos sobreviver", pensou Dak.Foi quando se ouviu um estalo, como o de um chicote golpeando o ar. E mais outro. E

    mais outro. L em cima! algum gritou.Dak olhou para o teto e viu os cabos que mantinham o barco viking suspenso se soltarem

    da parede e atingirem o casco de madeira. O lado esquerdo da embarcao cedeu vriosmetros de maneira abrupta, derrubando uma nuvem de p de gesso sobre as pessoas lembaixo. Os gritos voltaram a preencher o ar enquanto todos fugiam aos trancos e barrancospara um lugar seguro.

    Dak reencontrou Sera quando ambos estavam a caminho de uma parede mais afastada.Ainda estavam a alguns metros de se livrar do perigo quando o cho se ergueu vrios metrose depois cedeu de volta, como se o prdio inteiro tivesse sido jogado para o alto. Sera caiu nocho em meio aos estalos que ressoavam pelo ar dessa vez seguidos por um terrvelrangido. O barco havia se soltado e se inclinava para baixo ao mesmo tempo em que osltimos cabos se arrebentavam.

  • Dak viu onde ele iria cair e no pensou duas vezes. Agarrou Sera pelas mos e a arrastoupelo cho com tanta fora que ela deslizou uns trs metros antes de dar de cara com a parede.Depois ele mergulhou sobre ela. No precisou nem se virar para entender o que estavaacontecendo o que ele ouvia j bastava. O barco se espatifou bem onde ele e sua amigaestavam segundos antes.

    E, como se aquilo fosse uma espcie de toque final da natureza em todo o estrago quecausou, o terremoto acabou logo depois. Dak se virou e sentou encostado na parede, bem aolado de Sera, que estava ofegante, assim como ele. Ambos estavam com os olhos vidrados naembarcao antiga destruda, que quela altura no passava de um monte de lenha com umacabea de drago entalhada no topo. Para Dak, era como se a prpria histria tivesse sedesintegrado diante de seus olhos.

    Essa foi por pouco murmurou Sera. Pois concordou Dak. Ainda bem que eu estava de olho em voc. Aceito sua

    gratido em dinheiro, cheque ou queijos bacanas.Voc escolhe. S queria ter feito algumacoisa para salvar o barco, coitado.

    Sera o empurrou de leve. Era eu ou o barco, ento acho que voc fez uma boa escolha.O sr. Davedson foi o primeiro a se levantar, contornando o barco destrudo em direo ao

    enorme buraco que se formara no cho, removendo com as mos a poeira e os escombrosque caram sobre sua roupa. Ele chegou at a beirada e olhou para baixo antes de se voltarpara os alunos aglomerados junto parede.

    Eu no acredito murmurou o professor, ainda assustado. Simplesmente noacredito.

    O que foi? perguntou Dak.O sr. Davedson sacudia lentamente a cabea de um lado para o outro. Foram sete terremotos s este ms. E agora eles esto acontecendo at aqui.Ningum abriu a boca, e suas palavras ficaram sem resposta por alguns momentos. A SQ est monitorando tudo, est tudo sob controle falou secamente o guia, coberto

    de poeira.Dak e Sera se entreolharam. Eles jamais admitiriam em voz alta, mas no acreditavam

    naquilo nem um pouquinho.

  • 5

    Falsas memrias

    TRS DIAS DEPOIS, Sera teve uma das piores Reminiscncias de sua vida.Ela estava descendo as escadas da casa onde sempre morou com seu tio, quando sentiu

    uma perturbao avassaladora dentro da cabea. Uma coceira desconfortvel, que a fez parare esfregar as tmporas, como se fosse possvel coar fundo o suficiente para alivi-la. Ela noconseguia explicar jamais conseguiria , mas sabia com certeza absoluta que precisavasair, passar pelo quintal e pelos terrenos dos fundos da casa, e caminhar at o velho celeiroque ficava a quase um quilmetro indo pela velha estrada de terra.

    O sol brilhava em um cu sem nuvens, mas uma neblina empoeirada diminua a claridade,deixando um brilho laranja irreal. A neblina vinha dos incndios florestais na zona rural daPensilvnia, e o nevoeiro de fumaa flutuava em direo ao mar numa brisa leve, como sefosse uma tempestade txica. Sera caminhava pela estrada, aproveitando o calor apesar daestranheza que sentia dentro de si, que a arrastava ao celeiro pela milsima vez na vida.

    Ento ela correu.A poeira subia sob seus ps e grudava em suas pernas suadas. O ar quente e seco a deixava

    quase sem flego. Enquanto percorria o caminho, ela pensava no terremoto no museu, e nopessoal da SQ dizendo que aquilo no era nada, e em todas as outras coisas que pareciam estarerradas no mundo. E tambm pensava em Dak, seu eterno melhor amigo para sempre (elasabia que era uma redundncia, mas gostava de dizer isso mesmo assim), e que algo dentrodela gritava que a amizade dos dois no era apenas fruto do acaso. Alguma coisa importanteparecia aguardar por eles no horizonte de suas vidas.

    Ela chegou ao pequeno gramado que circundava o celeiro e parou no lugar de sempre.Havia ali uma formao rochosa de granito macio desde quando ela era capaz de se lembrar provavelmente desde a era pr-cambriana. E quase com certeza iria durar mais do que araa humana. Encostada na pedra, Sera observava as tbuas tortas de madeira quecompunham o celeiro e a pintura desbotada que descascava um pouco mais a cada ano. Eento ela esperou.

    Ela esperou pela Reminiscncia.Havia algo dentro dela sua poro racional que tinha conscincia de que aquilo tudo

    era um sofrimento desnecessrio, que ela poderia ignorar o desejo de ir at ali, ir a algumoutro lugar, evitar a dor que estava prestes a tomar conta de seu corpo e de sua mente.Porm, em certo sentido, ela queria passar por aquele sofrimento. Ela entendia o motivo?No. Ela gostava daquilo? No. Mas queria experimentar aquela sensao, pois sabia que tinha

  • algo a ver com uma vida que deveria ter acontecido. Era uma convico que existia dentrodela, equivalente certeza de que as suas mos estavam ligadas a seus braos. E ela nopoderia deixar de vivenciar essa sensao. Apesar da dor.

    Sendo assim, ela continuou espera.Tudo comeou alguns minutos mais tarde.Ela sentiu uma presso muito forte nos ouvidos, dentro da cabea algo que no era

    audvel, mas era como se fosse , seguida de um aperto no corao, uma tristeza que sederramava como uma inundao dentro dela, uma nuvem de escurido que parecia querersugar toda a vida de seu corpo e trag-la para as profundezas. Sera olhou fixamente para asportas duplas do celeiro e, apesar de elas permanecerem imveis, desejou com todas as forasque elas se abrissem. Era uma sensao quase palpvel, como se ela fosse capaz de sentir oventinho que as portas provocariam ao serem empurradas com fora e se chocarem contra alateral do celeiro.

    Nada estava acontecendo, obviamente. Nem o menor movimento. Mas deveria teracontecido. Aquelas portas deveriam ter sido abertas, e duas pessoas deveriam ter sado dali,chamando-a pelo nome com um sorriso no rosto.

    Sera no conseguia entender. No tinha a menor idia do que era aquilo.Por outro lado, havia uma certeza dentro dela. Aquelas pessoas eram seus pais.Ela nunca os conheceu, e nunca viria a conhecer.

  • 6

    Uma porta de ferro

    A PRIMEIRA COISA QUE SERA QUERIA FAZER quando a Reminiscncia terminou era contar

    para Dak a respeito. Era o que ela sempre fazia. Ele mesmo nunca havia tido uma ou pelomenos nada que no pudesse ser explicado como um dj-vu ou uma lembrana esmaecida, ento no era capaz de compreender verdadeiramente o fenmeno. Mas ele tentava, epara ela isso bastava. Alm disso, os pais dele estavam viajando naquele fim de semana, o quesignificava que estaria precisando de companhia. Sua av costumava ficar com ele quandoseus pais viajavam, mas ela tinha mais idade do que muitas das rvores que havia por ali, e erato silenciosa quanto.

    Dak estava sentado em uma cadeira de praia no gramado, sombra de uma macieira,lendo um livro enorme. As pessoas normais usavam um SQuare para fazer aquilo, mas noDak. Ele vasculhava quantas bibliotecas fossem necessrias at encontrar a verso impressa doque queria, por mais detonada que estivesse.

    O que voc est lendo? ela perguntou.Ele nem se preocupou em responder estava com a cara enfiada no livro, com os olhos

    se movendo de um lado para o outro e de cima para baixo. Era esse o seu comportamentocaracterstico. Ela esperou um pouco para tentar parecer educada, e ento deu um chute nasua canela.

    Ai! ele gritou. O livro escorregou de suas mos e se espalhou pelo cho na forma deuma massa disforme de couro marrom e papel amarelado. Era uma encadernao to antigaque se desfez por inteiro.

    Opa disse Sera. Desculpa a. E por isso que voc deveria ler no SQuare. Claro, seria bem melhor derrubar no cho um aparelho eletrnico carssimo. A senhora

    Pierce vai me matar!Havia uma cadeira vazia do outro lado da rvore, e Sera a arrastou para sentar-se e

    ajud-lo a recolher o que restou do livro. O que isso, afinal? ela perguntou, folheando as pginas amareladas. Este livro se chama, ou melhor, chamava-se Ascenso, queda e ascenso do Imprio

    Romano. Nem preciso dizer o quanto fascinante...Sera levantou uma das mos, interrompendo-o. Tem razo, nem precisa me dizer. J posso at imaginar a sensao mgica que voc

    experimentou lendo esse relato fascinante.V se para de ser engraadinha ele falou, estreitando os olhos. Era um livro

  • fascinante mesmo. S voc para achar que umas porcariazinhas menores que um tomo somais interessantes que imperadores tirnicos massacrando as pessoas e se banhando no seusangue.

    Ela o encarou fixamente, fazendo de tudo para demonstrar seu desinteresse. Est com fome? ele perguntou, abrindo um sorrisinho.Sera tentou retribuir o sorriso, mas fracassou. Eu tive outra daquelas hoje ela comentou. Uma espinha do tamanho de um vulco? ele perguntou.Ela deu um soco no seu brao. Uma Reminiscncia, seu idiota.A expresso dele se fechou. Ah. Desculpa. Eu sei como difcil pra voc. s vezes eu acho que est ficando cada vez pior. difcil demais explicar. Um

    sofrimento terrvel. Que esquisito.Essa palavra j tinha sido usada antes para descrever coisas relacionadas a Sera, e quase

    sempre de forma ofensiva. Mas ela sabia que o comentrio de Dak no tinha maldadenenhuma.

    Pois , esquisito mesmo.Dak desistiu de organizar a pilha de folhas soltas e jogou tudo debaixo da cadeira. Logo em

    seguida levantou. Eu tenho uma coisa aqui que vai deixar voc mais animada em dois segundos. Ah, ? ele esticou uma das mos. A minha me se esqueceu de guardar as chaves do

    laboratrio.Eram as palavras mais lindas que Sera j tinha ouvido na vida. Ela nem se preocupou em

    pegar as chaves saiu logo correndo em direo aos fundos da casa. O laboratrio ocupava um imvel parte, nos fundos da propriedade dos Smyth uma

    construo de alvenaria de trs andares sem janelas e com uma nica porta de ferro, mantidafechada custa do que pareciam ser umas cento e noventa e sete trancas diferentes. QuandoDak comentou que seus pais haviam se esquecido de guardar as chaves, deixou de mencionarum detalhe importante que aquelas chaves normalmente ficavam em uma caixahermeticamente fechada trancada dentro de um cofre prova de incndio escondido dentrode um armrio do tamanho de uma parede. Sera achava aquilo um exagero manaco-obsessivo, mas os pais de Dak sempre foram meio estranhos.

    Sera foi a primeira a chegar l, e esperou com impacincia diante da porta intransponvelenquanto Dak se aproximava balanando as chaves nas mos.

    Parece uma coisa da Idade Mdia, n? ele perguntou. Como foi que eles se esqueceram de guardar as chaves? - indagou Sera. Pensei que

    seria mais fcil eles pegarem o vo para a Europa completamente sem roupa do que ter um

  • descuido como esse.Os pais de Dak cruzavam o oceano pelo menos uma vez por ms, para tratar de assuntos

    profissionais que Sera nunca soube ao certo quais eram. Era assim que eles arrumavamdinheiro para manter sua verdadeira profisso os experimentos bizarros e as pesquisasmalucas que os boatos diziam ocorrer naquele laboratrio. Sera estava ansiosa para ver tudode perto.

    Digamos que eu tive a minha parte nisso respondeu Dak. Estava louco paradescobrir o que eles andam aprontando aqui. Meu pai vive dizendo que eles descobriram umacoisa importante.Tipo, muito, muito importante. Vai ver um prottipo da geladeira quecospe comida de que ele tanto fala.

    Sera resumiu tudo em um tom de voz frio e impessoal: por isso voc roubou as chaves: pra explorar os segredos do laboratrio totalmente

    contra a vontade deles. Eu prometo no quebrar nada se voc tambm no quebrar. Palavra de escoteiro? Palavra de escoteiro.Eles entrelaaram os dedos mindinhos para selar o acordo. A av de Dak j havia perdido

    metade da viso e trs quartos da audio, portanto no tinha a menor idia do que elesestavam tramando.

    Dak remexeu no chaveiro e comeou as testar as chaves na srie de trancas enfileiradas nolado direito da porta. Enquanto isso Sera s observava, tentando esconder que estava quaseexplodindo de impacincia. Era a chance que ela esperara a vida toda para explorar umlaboratrio cientfico de verdade por mais idiotas que pudessem ser as coisas queestivessem guardadas l dentro.

    Dak estava de joelhos, tentando encontrar a chave de uma tranca posicionada a, nomximo, cinco centmetros do cho.

    Me deixar irritada sua especialidade, n? interrompeu Sera. Se demorar maisum minuto eu vou dar um golpe ninja nessa sua cabea oca.

    Voc est fazendo barulho demais para um ninja ele ia dizendo quando alguma coisafez um clique. Consegui!

    A porta pesada se abriu para o lado de dentro, arrastando sua estrutura metlica sobre ocho de cimento. Sera passou voando pelo amigo e j estava l dentro antes mesmo que eletivesse se levantado.

    Entra logo e fecha a porta ela sussurrou, como se houvesse algum ali para ouvir aconversa dos dois. Sera no conseguia se livrar da sensao de estar sendo observada. Essepensamento lhe provocou um arrepio enquanto Dak fechava a porta.

    Havia uma fileira de interruptores sua direita, os quais Sera ligou rapidamente. Aslmpadas fluorescentes foram se acendendo uma a uma, revelando a beleza do laboratrio emcmera lenta. O espao era enorme, e equipado com coisas que ela jamais imaginaria vernum lugar como aquele computadores cobrindo as paredes, monitores em todas as mesas,equipamentos eletrnicos, produtos qumicos e recipientes de vidro sobre toda e qualquer

  • superfcie disponvel. Os quadros brancos estavam repletos de equaes matemticas efrmulas qumicas escritas em diversas cores. Todo aquele lugar imenso era um tributo cincia. Era muito mais do que ela esperava em relao aos Smyth.

    Foi quando alguma coisa esquerda chamou a sua ateno. Ela caminhou at uma caixade vidro do tamanho e do formato de um frigobar. Por trs do vidro, sobre uma base defeltro, havia uma espcie de tubo de metal prateado de mais ou menos trs centmetros deespessura, na forma de um nmero oito estilizado, com aproximadamente trinta centmetrosde comprimento. A no ser por uma minscula tela sensvel ao toque em um dos lados, eraum objeto que aparentava ser impecavelmente liso e polido, alm de quase translcido, comoum lquido. Parecia um artigo aliengena, certamente de tecnologia de ponta.

    Deve ser isso a murmurou Dak. Ela nem tinha percebido que ele estava ao seulado. O grande projeto deles. Mas o que ser que essa coisa?

    Havia um pequeno rtulo colado no vidro, trs palavras que fizeram o corao de Serapalpitar por um instante.

    Anel do Infinito.Seu olhar se voltou para a direita. Ao lado da caixa de vidro, havia uma mesa comprida

    sobre a qual estavam posicionados vrios SQuares. Acima da mesa, havia um quadro brancocom trs palavras escritas no alto "A Pea Faltante", e um pouco mais abaixo lia-se umasrie de frmulas e anotaes. Cada vez mais fascinada, Sera examinou os nmeros, smbolose letras, e alguma coisa se acendeu dentro de sua cabea. Dessa vez, ela tinha certeza, no setratava de uma Reminiscncia.

    Dak? ela falou. Qu? ele j parecia estar entediado.Vou precisar de um tempinho sozinha aqui. Os seus pais esto montando um tremendo

    quebra-cabea.Ela se virou para encar-lo e completou: Quero descobrir exatamente do que se trata.

  • 7

    Acertando os ponteiros

    DEPOIS DE UMA HORA CIRCULANDO pelo laboratrio dos pais, Dak ficou de saco cheio.

    Sera no havia arredado p da mesa ao lado do Anel do Infinito o que quer que fosseaquela coisa , onde estava remexendo nas anotaes e frmulas que seus pais deixaram paratrs. Dak no estava a fim de participar daquilo, estava s esperando que ela descobrissealguma coisa bacana e traduzisse em termos que ele fosse capaz de entender. Ento, tudo oque fez foi ficar zanzando pelo laboratrio, fuando diagramas e maquetes de coisas que noconhecia, potes cheios de trecos nojentos que no sabia identificar e livros que primeiravista pareciam interessantes, mas depois se mostravam complicados demais para ele.

    Sera ficou o tempo todo calada. De vez um quando soltava um "Ah!" na direo dele, masnada mais. Ela estava bastante entretida ali e, quando isso acontecia, Dak sabia que o melhor afazer era manter distncia.

    Escuta ele chamou a ateno da amiga. Vou preparar alguma coisa pra comer.Esquentar uma pizza ou de repente um macarro.Voc t com fome?

    Ela no respondeu, sequer olhou para ele. Em vez disso, passou de um SQuare para outro,totalmente concentrada nas telas, e inclinou o corpo para ler melhor.

    Ei ele tentou chamar sua ateno de novo. Eu vou at a casa da senhora Jacksonpra matar a famlia dela toda. Depois vou comer frango frito na Lua. Daqui a pouco eu volto.

    Certo murmurou ela."Puxa, ela est concentrada mesmo", ele pensou, enquanto saa porta afora.Algumas horas mais tarde e vrios pacotes de batata frita depois, Dak continuava sem

    notcias de Sera. Estava sentado no sof trocando de canal na tev, alternando entre as fofocassobre o mais novo casamento na famlia real francesa e as notcias sobre os furaces gmeos nogolfo do Mxico, ambos de categoria cinco e imprevisveis demais para algum conseguirantever quais regies iriam atingir. Esse tipo de notcia j havia se tornado banal fazia tempo,mas ele no tinha mais nada para fazer. Seus olhos estavam ardendo de tanto ler naquele dia.

    Ele sabia que Sera continuaria no laboratrio at morrer de fome caso fosse deixada porconta prpria, ento preparou dois sanduches de presunto e levou para ela junto com umcopo d'gua. Ela pegou o prato sem nem agradecer, e comeou a devorar os sanduches semtirar os olhos do SQuare sua frente.

    A Lua estava uma beleza comentou Dak. E o frango tambm. Arr Sera concordou num tom quase inaudvel.Irritado com o rumo que seu dia havia tomado, Dak voltou para casa desanimado e

  • arrependido por ter achado uma boa idia levar Sera at um lugar como aquele. Foi acordado pelo toque estridente do telefone.Ainda zonzo, com a boca seca e amarga como se algum tivesse enfiado uma meia suja l

    dentro, ele olhou para o relgio. Assustado, levantou em um pulo. Eram quase dez horas danoite.

    Soltando xingamentos aleatrios, ele correu at o telefone e atendeu. Exatamente comoprevia, o tio de Sera estava gritando e grunhindo do outro lado da linha, querendo saber ondeela estava estava quase na hora do toque de recolher, e algum poderia aparecer aqualquer minuto para uma inspeo de rotina. Dak se desculpou como pde, dizendo que amandaria para casa imediatamente. Aquilo tudo era problema dela Sera sabia muito bemque no poderia estar fora de casa depois das dez. Alm disso, o tio dela ficava com um tomde voz anasalado bem irritante quando estava nervoso.

    Sera! ele gritou ao abrir a porta de ferro com o mximo de violncia que era capaz,j que aquela coisa pesava mais que os blocos de pedra usados para construir a GrandePirmide de Giz. Voc sabe que horas so? O seu tio deu o maior chilique no telefone!Disse que no vai acobertar voc se a SQ aparecer cobrando o toque de recolher.

    Ela no entrou em pnico, como Dak esperava. Em vez disso, levantou bem devagar e sevirou para ele. De alguma forma, seu rosto parecia ao mesmo tempo exausto e cheio deenergia. Dak teve que reprimir o impulso de dar um passo atrs.

    H... est tudo bem com voc? O Anel do Infinito um dispositivo que permite a viagem no tempo ela disse com a

    maior tranquilidade possvel. E eu sei qual a pea faltante. Descobri como faz-lofuncionar.

  • 8

    A pea faltante

    VIAGEM NO TEMPO. Dak no sabia dizer o que era mais bacana: a idia de que isso era

    possvel ou o fato de seus pais terem sido os responsveis por essa descoberta. Apesar de aindaestar um pouco descrente, ele no conseguia esconder sua empolgao.

    No domingo, ele passou o dia todo com Sera, e mesmo assim s entendeu uns vinte porcento das palavras que saram de sua boca. Ela estava trabalhando no laboratrio,reprogramando o Anel do Infinito enquanto Dak ficava ali sentado s olhando. Para tornar asituao ainda mais irritante, ela comeava toda e qualquer frase com expresses como "Sevoc parar pra pensar, muito simples", ou "Obviamente", ou "Como voc sabe"...

    E o vocabulrio que ela estava usando! "Espao-tempo", "relatividade", "cordascsmicas", "tquions", "no sei o qu quntico". Na hora do almoo Dak estava com uma dorde cabea to forte que no havia remdio capaz de cur-la.

    Para completar o cenrio, Dak estava com medo de que o tio de Sera batesse na porta aqualquer momento. Afinal, tinham ido mesmo fazer uma inspeo de rotina na casa de Serana noite anterior, e ela foi advertida e fichada pela violao do toque de recolher. Alm delevar uma bronca, ela foi colocada de castigo pelo tio apavorado, mas isso no foi suficientepara det-la. De jeito nenhum. Ela tinha se comprometido a ficar no quarto lendo, mas emvez disso pulou a janela e correu at a casa de Dak antes mesmo que ele pudesse se aproveitarda ausncia dos pais para comer um prato de queijo no caf da manh.

    E isso no era o pior. Dak tinha plena conscincia de que aquela era a violao das regrasde sua famlia mais grave que ele j havia cometido na vida. De alguma forma, ele deixou queSera o convencesse a cometer aquele pecado mortal contra seus pais.

    Ela havia se apossado de seu bem mais valioso mais estimado do que o prprio Dak,sem dvida e estava brincando com ele fazia horas. Estava fuando em uma coisa quedevia ter consumido cada centavo das economias de seus pais, e que tinha uma grande chancede se tornar a maior inveno de todos os tempos. Ele se encolhia a cada vez que ela enfiavauma chave de fenda naquela coisa. E quase desmaiava quando ela usava o ferro de solda. Ouele acreditava plenamente no que ela dizia que era capaz de fazer, ou ento era a pessoa maisidiota do mundo. Fosse como fosse, caso aquilo no funcionasse, ele ficaria de castigo duranteos trs mil anos seguintes.

    Passava um pouco das cinco horas quando, enquanto todas essas coisas passavamrepetidamente pela cabea de Dak, Sera colocou o dispositivo em cima da mesa e disse umanica palavra:

  • Pronto.Dak piscou algumas vezes, atnito. Como assim, pronto'? Essa foi a palavra mais fcil de entender que saiu da sua boca

    hoje, mas no acredito que seja verdade. Est tudo pronto, Dak ela disse, apontando para o Anel. Aquela coisinha ali vai

    dobrar o espao-tempo e levar uma pessoa pro passado. Simples.Dak considerava aquela concluso absolutamente impossvel de acreditar. Ele foi at l e

    pegou o dispositivo nas mos. Era mais ou menos do tamanho de uma bola de futebolamericano, gelado e mais pesado do que parecia. Pela primeira vez, ele notou uma estreitaabertura de vidro que percorria toda sua extenso. Por trs do vidro, havia um lquido decolorao mbar. "Deve ser algum tipo de combustvel", ele concluiu.

    No foi assim to difcil continuou Sera. E ela no parecia estar se gabando. No eras uma tentativa pattica de ganhar elogios. Para ela, era a verdade pura e simples.

    Dak a encarou. Veja se eu entendi direito. Os meus pais, que so ph.D. pela Universidade Amncio e

    pelo Instituto deTecnologia da SQ, esto trabalhando nesse dispositivo h vinte anos, e vocveio aqui e resolveu tudo em dois dias?

    Eles ajudaram. Quer dizer, s um pouco.Dak levantou os braos com o Anel nas mos. Ei, cuidado com essa coisa! gritou Sera. Ela tirou o dispositivo das mos dele.

    Pelo amor, voc sabe que eu estou s brincando. Foram eles que fizeram quase tudo, noventae nove por cento da coisa toda.Vai ver eles s precisavam que algum que no estivesse toenvolvido aparecesse com uma perspectiva nova e finalizasse o trabalho. Encontrasse a peaque faltava no quebra-cabea. Como eu disse, estava tudo...

    , eu sei interrompeu Dak. Moleza. Mamo com acar. Fcil como dizer onome de todos os presidentes pela ordem da idade que tinham quando foram eleitos.Brincadeira de criana. Mas como voc pode ter tanta certeza de que essa coisa funcionamesmo?

    Porque todas as equaes esto balanceadas. A parte mecnica agora faz sentido. Eu atpoderia entrar em detalhes, mas, vendo como voc ficou hipnotizado pelas minhasexplicaes anteriores, vou poup-lo desse sofrimento. Mas eu sei que isso funciona. Damesma maneira como voc sabe que dois mais dois so quatro.

    Ah, valeu por rebaixar a sua explicao ao meu nvel. Mas enfim, e agora, o que a suamente genial sugere que a gente faa?

    Ela abriu um sorriso largo.Vamos contar tudo pros seus pais.De repente, ele sentiu uma tremenda vontade de vomitar e fugir para a China. Os pais de Dak chegariam em casa por volta das sete horas, da noite. Sua av j havia ido

    para casa, pois achava que ele j tinha tamanho para se virar sozinho por algumas horas. Dak aamava de paixo, mas ela mal se levantou da poltrona naquele fim de semana, o que o levou

  • a questionar seriamente o motivo de sua presena ali. Ela s teria sido til caso surgisse umanecessidade inadivel de uma blusa nova de tric.

    A ltima hora de espera pelos pais de Dak foi angustiante. Ele e Sera estavam sentados nosof da sala, e o nico som que se ouvia era o tique-taque do relgio na parede.

    As mos de Dak estavam molhadas de suor. As coisas iriam ficar feias, com certeza. Eletentou imaginar uma forma de abordar o assunto, mas no parecia haver uma maneira boa defazer aquilo. No havia nenhuma anedota histrica que parecesse ao menos remotamenteapropriada para aliviar a tenso. Pegar aquelas chaves sem permisso era motivo mais quesuficiente para deixar seu pai espumando de raiva e sua me histrica como um macacodescompensado.

    As sete horas e trs minutos, a porta se abriu.Sua me apareceu no hall de entrada com uma maleta pequena em uma das mos e uma

    bolsa gigantesca na outra. Seu pai surgiu em seguida, carregando o restante da bagagem. Eleempurrou a porta com o cotovelo para fech-la, e s ento perceberam que Dak e Sera oaguardavam na sala, em completo silncio.

    Ora, saudaes! disse o seu pai, em um tom de voz meio alto demais. Dak achavaque ningum precisava saber mais nada sobre seu pai alm do fato de ele ser o cara quecumprimentava todo mundo dizendo "Ora, saudaes!". S isso j bastava.

    O que os dois pestinhas esto tramando? sua me perguntou enquanto punha ascoisas no cho. Que legal vocs virem receber a gente, quase um comit de boas-vindas! Onde est a banda e os comes e bebes? ela completou antes de dar uma risadinhaque parecia a de um leito com ccegas.

    E isso porque aqueles dois eram gnios. "Certo", pensou Dak, "eu tenho a obrigao deam-los."

    E os meus abraos? sua me exigiu, fingindo uma expresso de quem estavaofendida. No fiquem a sentados que nem um par de bibels na estante! Venham c.

    Dak levantou... e teve uma idia. S havia uma maneira de dizer o que precisava ser ditoe ainda viver para contar a histria: de trs para a frente.

    Me, pai ele falou, tentando demonstrar que tinha um comunicado srio a fazer.Ambos estavam a meio caminho da sala de estar, mas de repente pararam e ficaram s

    observando, como se pressentissem o que viria pela frente.Dak sorriu, numa tentativa de mostrar que tinha boas notcias para dar. O Anel do Infinito est funcionando!Seus pais pareciam confusos, como se estivessem se esforando para acreditar que ele

    estava brincando, mas sem ter muita certeza disso. Como que ? sua me enfim perguntou.Dak estava decidido a contar tudo de trs para a frente, queria deixar o pequeno detalhe

    de ter roubado a chave l para o final da histria. Demorou uns dois dias, mas a Sera conseguiu descobrir a pea faltante, e agora a coisa

    toda funciona.Sera estava se remexendo no sof atrs dele, movendo os joelhos sem parar. Os pais de

  • Dak trocaram um olhar que ele no foi capaz de decifrar.Dak decidiu seguir em frente, imaginando que assim poderia evitar exploses de fria,

    castigos, assassinatos gratuitos e demais coisas do gnero. Ento, a gente pode contar os detalhes mais tarde, mas isso demais, n? Mais tarde a

    Sera pode explicar tudo, mas o que interessa que o Anel do Infinito est pronto pra sertestado!

    Quem mais est sabendo disso? perguntou a me de Dak com um tom de voz calmoe imperativo que o deixou um tanto assustado.

    O qu? Como assim?Sera estava de p atrs dele agora, e ele sentiu que as coisas estavam comeando a se

    complicar.A me de Dak ps as mos nos ombros do filho. Isso muito importante, filho.Vocs contaram para algum que estavam mexendo com

    isso? Para qualquer pessoa? Para a sua av, inclusive. Ou o tio da Sera. No respondeu Dak. Ele olhou para Sera, que balanou a cabea em sinal negativo.

    Me, o que est acontecendo?O pai de Dak fechou as cortinas, com o rosto contorcido de preocupao. Isso no brincadeira, Dak. Por que diabos voc foi querer mexer nisso?A ltima frase saiu em um berro, algo que Dak nunca tinha presenciado antes, nem uma

    nica vez sequer. Me desculpa, pai. Mas... a gente fez a coisa funcionar. Vocs tambm podem ter assinado nossas sentenas de morte rebateu sua me. No temos nem um segundo a perder disse seu pai. Podem comear a contar

    tudo.

  • 9

    A angstia da espera

    As DUAS HORAS QUE SE SEGUIRAM foram um verdadeiro pesadelo. Para comear, Dak teve

    que ficar sentado ouvindo as explicaes de Sera sobre como tudo funcionava e o que elahavia feito para descobrir o que faltava. Os pais dele conduziam tudo de maneira curta egrossa, fazendo perguntas e exigindo respostas. Ento o tio de Sera apareceu e deu umtremendo escndalo. Mas o pai de Dak conseguiu acalmar o velhote, convencendo-o de queprecisava da ajuda de Sera em um projeto governamental importantssimo, e mandou-oembora dali.

    Depois disso, mais uma hora de falatrio enlouquecedor para Dak. Quando ele sentiu queno estava agentando mais, ouviu algum dizer seu nome. Sua cabea se ergueu, e s entoele notou que estivera olhando para o cho.

    Seu pai estava em p bem diante dele, com os braos cruzados.Voc deveria ouvir com mais ateno. De repente assim aprende alguma coisa.- Cincia no a minha praia, pai.Elesj tinham discutido sobre aquilo mais de um milho de vezes. A verdade era que Dak

    at tirava boas notas em cincias na escola, mas simplesmente no se interessava pelo assunto.E aquela conversa estava num nvel muito acima do que era ensinado no currculo escolar.

    Mas eu teria o maior prazer em conversar sobre as implicaes polticas dodesenvolvimento da primeira bomba atmica pela Polnia na Segunda Guerra Mundial.

    Sera e a me de Dak ainda estavam debruadas sobre um SQuare, gesticulando econversando de maneira exaltada. O Anel estava na mo esquerda de sua me. Dak voltousua ateno para o pai, que mantinha no rosto uma expresso severa e implacvel. Os paispareciam mais velhos do que nunca, como se tivessem envelhecido vinte anos em umaquesto de dias.

    Foi quando comeou o sermo. Acho que nem preciso dizer o quanto estou decepcionado por voc ter violado uma de

    nossas regras mais importantes. Um monte de coisas ruins poderia ter acontecido. E no scom a nossa pesquisa, com vocs tambm. Com mecnica quntica no se brinca. Isso semfalar de certas pessoas que no ficariam nada contentes se soubessem com o que estamosmexendo. Voc consegue entender por que ficamos to irritados?

    Sim, senhor respondeu Dak, fazendo de tudo para parecer chateado, quando naverdade estava exultante por dentro por ter recebido a bronca mais curta e mixuruca da suavida. Me desculpe.

  • E ento seu pai abriu um sorriso. Mas acho que ela conseguiu mesmo, Dak. Parece que essa coisa vai funcionar de

    verdade. Srio?Dak achava que ficaria mais empolgado com o fato de a viagem no tempo dar certo do

    que com o fato de ter escapado do castigo, mas naquele momento o placar estava empatado. Mais srio impossvel.O pai de Dak olhou para trs, para sua esposa e Sera, e depois de volta para o filho.Vamos tentar agir normalmente at amanh de manh, disfarar o quanto for preciso.

    Depois eu e a sua me vamos fazer um teste. Para o seu prprio bem, Dak, espero que a SQno tenha notado a atividade de vocs.

    Dak j tinha percebido vrias vezes que o tempo no passava quando estava na escola. Masnaquele dia a coisa atingiu um nvel absurdo. Saber que testemunharia um momento histricoquando chegasse em casa tornou ainda mais desanimadora a perspectiva de estar no colgio.

    Eram quase quatro e meia quando Dak, Sera e os pais dele enfim se reuniram nolaboratrio, sentados em torno de uma mesa e encarando uns aos outros com expresses sriasque no eram capazes de esconder por inteiro sua empolgao. Dak conhecia melhor o ladomais brincalho de seus pais, mas naquele momento eles estavam absolutamente concentradosno trabalho.

    - Muito bem comeou a me de Dak, apoiando-se nos cotovelos. Vocs estoprontos, meninos?

    Obviamente, a pergunta era dirigida tambm ao marido. Quando os outros trs acenaramcom a cabea, ela continuou:

    timo. O plano o seguinte: ns dois vamos fazer uma viagem bem rpida e depoisvoltar para c. Queremos que vocs fiquem aqui no laboratrio para o caso de... bom, paragarantir que tudo saia conforme o planejado.

    Vocs dois vo? perguntou Dak. Usando s um Anel?Seu pai respondeu com um aceno de cabea. O dispositivo funciona dobrando o tecido do espao-tempo para criar um buraco de

    minhoca, um tnel que liga o lugar onde estamos ao local programado no dispositivo. S queele no transporta s a pessoa que est segurando o Anel. Alm do piloto, qualquer um queesteja sendo tocado por ele vai ser levado junto.

    E o mesmo vale para os objetos inanimados acrescentou sua me. Mas existemlimites para as coisas que podem ser transportadas. Se eu usar o Anel dentro de um carro, eleno vai viajar no tempo comigo. Mas o cinto de segurana, sim. Entenderam?

    Claro Dak e Sera disseram um unssono. Ns at gostaramos de trazer uma lembrancinha para voc, querido, mas no podemos

    interferir no passado afirmou a me dele. At mesmo o ato de matar um inseto podeter conseqncias capazes de alterar drasticamente o futuro. Quer dizer, o presente elafalou e deu uma risadinha, a primeira desde que descobriu que o Anel poderia enfim serusado.

  • Por mais estranho que pudesse parecer, foi s ento que Dak se deu conta da verdadeiradimenso do que estava acontecendo ali. A idia na teoria parecia o mximo, mas a realidadeera muito mais complexa. O pnico surgiu dentro dele. E se seus pais desaparecessem diantede seus olhos e nunca mais voltassem? Ele no conseguia suportar a idia de ficar ali sem sabero que tinha acontecido com eles.

    Aparentemente, os dois preferiam no demonstrar sua preocupao.A me de Dak ficou de p. Muito bem. Vamos parar de conversa e partir para a ao.

  • 10

    O Anel do Infinito

    TODOS ACOMPANHARAM a me de Dak at a caixa de vidro, de onde ela tirou

    cuidadosamente o Anel do Infinito e segurou aquele objeto prateado e brilhante como sefosse uma espcie de volante.

    Ontem noite o seu pai e eu decidimos assegurar que outras pessoas no seapropriassem ilicitamente do nosso investimento e esforo. Fizemos isso condicionando ofuncionamento do dispositivo ao reconhecimento do nosso DNA. Ningum mais vai ser capazde us-lo. Outros anis podero ser construdos quando decidirmos compartilhar a nossadescoberta, isso se algum dia quisermos fazer isso, mas este prottipo pertence nossa famliae a mais ningum. Inclumos voc tambm, Sera, por causa da sua enorme contribuio parao projeto.

    Eu? surpreendeu-se Sera. Vocs querem que eu participe tambm? claro respondeu a me de Dak. Eu sei que pegamos pesado na bronca, mas

    porque nos preocupamos com vocs. Queremos que participem e, se tudo correr bem hoje,podemos lev-los em uma prxima viagem. Pode ser necessrio, inclusive, que vocs saibamcontrolar o dispositivo no caso de alguma emergncia.

    Sera concordou com a cabea. Dak nunca tinha visto sua amiga ficar to orgulhosa de simesma.

    Um a um, eles furaram o dedo polegar com um equipamento mdico esterilizadoconectado diretamente a um mecanismo de entrada na lateral do Anel. Depois, os pais deDak se revezaram na programao do aparelho, conferindo o que o outro havia feito a fim degarantir que estava tudo certo. E ento chegou a hora.

    O Anel est programado com as coordenadas corretas afirmou o pai de Dak. Nossa idia passar apenas alguns minutos no nosso destino. Mas a grande maravilha daviagem no tempo que teoricamente estaremos de volta uma frao de segundo depois departirmos.

    Teoricamente? repetiu Dak. Para ns, esta viagem vai durar alguns minutos explicou sua me. Mas, da

    perspectiva de vocs, vamos estar de volta em um piscar de olhos. Agora se afastem, meninos instruiu o pai de Dak. E cruzem os dedos.Dak e Sera viram a me dele apertar um pequeno boto no Anel do Infinito. Um

    zumbido ressoou pelo recinto, como se uma colmia de abelhas houvesse se materializado ali.A vibrao no ar era quase palpvel, como se algum tivesse dado um peteleco em mil

  • diapases ao mesmo tempo.O lquido escuro cor de mbar dentro do Anel ganhou um tom brilhante e alaranjado que

    iluminou todo o laboratrio.Nesse momento, Dak no conseguiu mais se conter. A gente vai tambm!Ele pegou Sera pela mo e se estirou todo para agarrar o cotovelo de seu pai. Mal teve

    tempo de ver a expresso de choque no rosto dos pais antes que tudo ao redor explodisse emum tubo de som e luz que engoliu o laboratrio e lanou seus corpos numa espiral caticaque fez Dak sentir como se estivesse se desintegrando. Flashes que alternavam entre cores eescurido passavam por todos os lados, mas ele no conseguia manter os olhos abertos portempo suficiente para ver os detalhes. Seus ouvidos estalavam, sua lngua estava inchada, seuestmago dava voltas e o peso do mundo inteiro parecia recair sobre ele. Dak tentou gritar,mas o rudo era to terrvel e to alto que ele no seria capaz de dizer se conseguiu. Sentiupontadas de dor em todo o corpo, por dentro e por fora, como se ele fosse uma casca de ovoprestes a se despedaar em um milho de pedaos em uma frao de segundo.

    E ento tudo acabou num piscar de olhos.Dak de repente se viu de p numa superfcie gramada e plana sob um cu azul e

    ensolarado. Seus pais e Sera estavam bem ao lado, encarando-o com a raiva estampada nosolhos.

    Ele se apressou em soltar a mo de Sera. Desculpa! ele falou. Mas eu no ia agentar ficar l parado esperando pra ver o

    que ia acontecer com vocs.O pai de Dak levantou um dedo em sua direo.Voc no faz idia do que...Um rugido atrs dele interrompeu suas palavras, e Dak se virou para ver de onde vinha. A

    menos de cem metros, dezenas de soldados de casacas vermelhas e calas brancas corriam noalto de uma colina.Todos eles carregavam armas enormes com uma lmina acoplada naponta. De uma hora para outra, Dak estava diante de sua especialidade, e a sensao quesentiu ao ver uma coisa to impressionante superou, e muito, seu medo e seu remorso.

    Aqueles homens eram soldados britnicos, e aquelas lminas em suas armas se chamavambaionetas. Os mosquetes que eles carregavam no eram como as armas modernas, capazes dedisparar balas e mais balas em velocssimas rajadas. As armas que estavam apontadas para eleeram capazes de lanar apenas um projtil ou bola de chumbo por vez. Por isso haviaas baionetas, para que os soldados pudessem entrar em combate corpo a corpo depois dequeimar um disparo.

    No acredito! exclamou Dak. Vocs queriam ver a Guerra de Independncia dosEstados Unidos sem mim?

    No estamos aqui por diverso! gritou seu pai. Aqueles homens esto preparando as armas para matar a gente sua me constatou

    com toda a calma.Dak foi obrigado a admitir que as baionetas no eram assim to bacanas quando vistas mais

  • de perto.Sera apontou para um pequeno bosque a uns vinte metros de distncia, longe da trajetria

    do peloto. Vamos fugir pra l. Eles no esto interessados em ns, j que nem sabiam da nossa

    existncia at trinta segundos atrs. O problema foi que entramos no caminho deles, s isso.Dak sabia que ela estava certa. O pensamento dela sempre demonstrava uma lgica

    incontestvel. Boa idia.Os quatro correram para o local indicado por Sera e se esgueiraram por entre as rvores

    at encontrar um esconderijo se agachando atrs de uns arbustos. Os soldados com certeza oshaviam visto, mas Dak esperava que eles no desperdiassem tempo com uma famlia perdidano meio do campo de batalha apesar de estarem vestidos de um jeito que deveria parecermuito esquisito.

    O peloto se aproximou bem depressa, correndo colina abaixo at o local onde Dak ecompanhia tinham surgido do nada. Quando chegaram l, o comandante ordenou que ossoldados parassem. Sem que nenhum tipo de instruo fosse proferida, eles se alinharam emtrs fileiras simtricas, com as armas apontadas na direo que pretendiam seguir.

    Preciso ajustar melhor os dados da localizao via satlite murmurou o pai de Dak.Tudo o que diz respeito localizao feito com base no mapeamento do terreno feito nofuturo usando o sistema GPS, mas existe uma margem de erro. E agora no temos satlites paracorrigir as coordenadas, obviamente. Deveramos estar a mais de um quilmetro daqui paraconseguir observar tudo em segurana.

    Onde ns estamos? perguntou Sera. E... quando?Dak se apressou em fornecer a resposta. Estamos bem no meio da Guerra de Independncia dos Estados Unidos. Aqueles ali so

    soldados britnicos, e esto claramente a postos pra uma batalha com milicianos americanos.Continua olhando e voc vai ver como os britnicos so todos organizados e metdicos,enquanto os americanos so totalmente malucos e imprevisveis. Nem acredito que estouvendo isso!

    Sua me o repreendeu: Psiu! Quieto!Quando enfim se deu conta do que estava acontecendo, Dak sentiu uma onda quase

    insuportvel de empolgao percorrer seu corpo. Eles tinham viajado no tempo! Ele haviaacabado de se deslocar centenas de anos no tempo usando um dispositivo concebido por seusprprios pais e aperfeioado por sua melhor amiga. A julgar pela expresso quase radianteestampada em seu rosto, Sera estava fazendo exatamente a mesma constatao.

    Foi quando o movimento das tropas chamou sua ateno. Trs dos casacas vermelhasestavam correndo na direo deles, e com armas em punho.

    Vocs quatro! gritou um deles. Espies americanos! Rendam-se ou atiraremos!Os trs continuavam a correr a toda velocidade.- Isso no nada bom disse Dak. Vocs sabem o que eles faziam com os espies

  • americanos? Eu sei, e no era...Sera o fez se calar com um olhar.- O que vamos fazer? perguntou a me de Dak.- No se preocupe tranqilizou seu marido, esforando-se para demonstrar

    tranqilidade. Ele estava apertando alguns botes no Anel do Infinito. Fiquem bemabaixados. Estou quase terminando aqui.

    Um dos soldados disparou, lanando fumaa e chamas do cano da arma. A bala passoubem perto da cabea de Dak e atingiu uma rvore.

    Estou quase l! seu pai repetiu.Mas j era tarde demais. Os soldados se embrenharam no meio das rvores, largaram as

    armas e capturaram os visitantes do futuro. O maior deles puxou Sera pela blusa, arrancando-a do cho. Dak tentou intervir para ajud-la, mas o casaca vermelha deu um soco bem nomeio de seu rosto. Ele caiu, totalmente grogue. Os outros dois se encarregaram de seus pais,puxando-os e empurrando-os com violncia. Dak ainda viu seu pai tentar esconder o Aneldo Infinito e tentar program-lo ao mesmo tempo em que era atacado.

    A me de Dak conseguiu se soltar e pular sobre o filho, agarrando-o nos braos. Sera selibertou ao mesmo tempo e saltou na direo deles. Os trs se juntaram para proteger o paide Dak, que ainda pelejava com o dispositivo.

    Ouviu-se de novo um zumbido. As rvores em torno deles comearam a tremer. Dak viuum dos soldados apanhar a arma que havia largado. A baioneta na ponta do cano reluzia sob aluz do sol, abrindo caminho entre os galhos acima deles. Ele empunhou a arma como se fosseuma lana e avanou contra o grupo. Sera posicionou os braos na frente do corpo, como sefosse capaz de repelir o ataque daquela lmina mortal.

    Foi quando tudo ao redor deles se transformou em um caos de cores e sons.Dak, seus pais e Sera foram todos arrancados do meio das rvores e sugados por um

    buraco de minhoca. Em meio quele borro de rudos e movimentos, Dak sentiu como seseu corpo estivesse congelado, mas os outros pareciam estar em movimento. A me de Dakhavia largado o filho e abraado o marido. Os dois pareciam estar danando, e a pele de suasextremidades se desmanchava, como se pores da sua alma estivessem sendo arrancadas docorpo.

    Algum apertou a mo de Dak, e ele fez um esforo para mexer a cabea era como seestivesse preso no meio de um lquido espesso ou um tremendo vendaval. Sera estavaolhando para ele. Enquanto voavam pelo buraco de minhoca, o nvel de rudo era quaseensurdecedor.

    Dak sentiu a presena de algo em sua mo. Ele reconheceu o objeto pelo toque: era oAnel do Infinito. No havia tempo para pensar, e ele simplesmente o agarrou. As luzesbrilharam com mais intensidade, e o barulho se tornou insuportvel. Dak gritou, mas o somde seu berro se perdeu no meio daquela balbrdia.

    Ento tudo terminou. Dak e Sera estavam de volta ao laboratrio.Mas no havia sinal dos seus pais em lugar nenhum.

  • 11

    Capuzes e carros pretos

    A PRINCPIO, Sera no conseguiu entender o que havia dado errado. Ela tinha acabado de

    viver os dez minutos mais malucos de sua vida, e agora estava de volta tranqilidadeimpassvel do laboratrio dos Smyth. Estava tambm meio tonta, como se tivesse acabado desair de uma montanha-russa. Sentia algumas partes de seu corpo geladas e outras quentes.Dak estava parado a seu lado, olhando para algo que trazia nas mos. Ela seguiu seu olhar eviu ali o Anel do Infinito.

    No havia soldado nenhum por perto, mas os pais de Dak tambm no estavam l.Ele permanecia imvel, com os olhos vidrados no Anel. Dak sussurrou Sera.Ele ergueu sua mo livre, pedindo para que ela fizesse silncio. Sera se segurou por alguns

    segundos, mas no estava agentando mais.- Dak, o que foi que...- Fica quieta! ele gritou. Eles vo aparecer a qualquer momento.Sera sentiu uma tremenda dor dentro do peito, uma mistura de pnico e tristeza pela

    situao de Dak. Uma coisa terrvel havia acontecido, e ela no sabia muito bem por qu. Ssabia que, se os pais dele no tinham aparecido at ento, no iriam aparecer mais.

    Dak, me escuta...Ele se virou para Sera, com o rosto crispado de dio. Sua ira, porm, logo se transformou

    em desespero. Os lbios dele comearam a tremer. O que aconteceu? ele perguntou, quase perdendo a voz. Cad eles? No sei.Naquele momento, Sera sentiu que a culpa era dela. Teria sido algum erro de clculo? Eu sinto muito.Suas palavras pareceram vazias, e ela sentiu muita raiva de si mesma por isso.Dak se virou para ela e entregou o Anel do Infinito em suas mos. Arrume essa coisa! Ajude eles! Faa alguma coisa! Dak, ns vamos dar um jeito nisso, mas voc precisa se acalmar. Pra voc fcil falar! Voc no faz idia...Ele comeou a andar de um lado para o outro, e parecia estar procurando alguma coisa

    para chutar. Antes que encontrasse seu alvo, porm, ouviu uma exploso atrs deles.Sera gritou e se jogou no cho, virando o corpo instintivamente para no cair sobre o

    Anel. As luzes brilharam diante de seus olhos quando a porta de ferro se projetou meio metro

  • para a frente e desabou no cho com um estrondo que sacudiu a construo inteira.Depois apareceram as pessoas. Entraram correndo logo aps a enorme exploso gente

    vestida de preto dos ps cabea. Um grupo de mais de dez."Ah, no", pensou Sera. " a SQ."Dak entrou em pnico e comeou a esmurrar os invasores aleatoriamente, enquanto Sera

    tentava ficar de p. Ela estava confusa, em choque, e morrendo de medo de aquela gentemeter uma bala na cabea de seu amigo.

    Dak! Para com isso! ela gritou, mas ele parecia enlouquecido. Os soldados o jogaramno cho e o imobilizaram com violncia.

    Sera no sabia o que fazer. S conseguiu pensar em usar o Anel do Infinito para tir-losdali, mas antes mesmo que conclusse seu pensamento ela foi agarrada, e o Anel, arrancado desuas mos. Ela esperneou, debateu-se e berrou para se livrar daqueles homens vestidos depreto, mas no conseguiu.

    Acalmem-se, vocs dois! algum gritou para eles. Estamos fazendo isso para oseu prprio bem!

    Sera e Dak, porm, continuaram resistindo at os invasores os arrastarem porta afora, paralonge do laboratrio.

    Eles s pararam de resistir quando foram encapuzados e jogados no assento traseiro de um

    carro. Sera ainda tentou abrir a porta, mas estava trancada. Demorou um pouco para arespirao dos dois voltar ao normal, mas por fim o silncio predominou, enquanto o veculopercorria quilmetros e mais quilmetros.

    Dak no deu um pio enquanto eles se lanavam por ruas desconhecidas. De vez emquando, porm, seus ombros estremeciam, e Sera sabia que ele estava reprimindo um soluode choro. Queria poder falar com ele, dizer que sabia muito bem como era sentir a ausnciados pais. Apesar de nunca ter conhecido os seus, sentia a falta deles na forma de um vaziodentro do peito. No entanto, era uma coisa que ela no era capaz de traduzir em palavras.

    Como levantar o astral dele no era possvel, ela poderia pelo menos tentar garantir suasegurana. Sera decidiu fazer tudo o que fosse preciso para livrar o amigo daquela encrenca.

    A medida que seguiam em frente, curva aps curva, no silncio absoluto do automvel, oclima ia ficando mais pesado.

    O pouco de luz que ela conseguia ver atravs do capuz sumiu de repente quando oveculo se inclinou para baixo e se endireitou de novo, no que parecia ser uma garagem nosubsolo. Ela ouviu o barulho do choque do metal contra o cho, e o carro chegou a quicarantes de arrancar de novo em alta velocidade.

    Pouco depois, eles pararam. Algum os tirou do carro e os conduziu andando em linhareta, segurando Sera pelo cotovelo. Embora no fosse capaz de ver para onde estavam indo,ela manteve os ouvidos atentos aos passos de Dak.Tentar resistir no fazia muito sentido, mas,caso quisessem separ-los, ela tentaria de tudo para evitar isso.

    Os seqestradores s removeram o capuz de Sera ao chegarem a uma porta de metal. Elase apressou em olhar ao redor. Estavam em uma garagem escura, conforme ela havia

  • deduzido, mas havia poucos carros parados ali. Parecia mais uma gruta escavada numa rocha,com paredes e teto irregulares. Dak no estava olhando para ela. Um homem loiro, que ossegurava pelo brao, acenou com a cabea para a porta prateada.

    Vamos descer pelo elevador ele falou. E ento todas as suas perguntas serorespondidas.

    Eles desceram. Trs andares abaixo. Um longo corredor. Uma curva para a direita, uma para a esquerda e

    outra para a esquerda. Outro corredor bem comprido. Sera achou melhor rastrear o trajetoque faziam para o caso de conseguir escapar, mas, o que quer que fosse, aquele lugar pareciaum labirinto.

    Foi quando, enfim, eles chegaram a uma salinha com uma mesa e quatro cadeiras. Duasdelas estavam ocupadas, por um homem e uma mulher. Os dois tinham mais ou menos aidade dos pais de Dak. O homem parecia meio esquisito nariz grande, cabelodesgrenhado , mas a mulher era lindssima com sua pele escura e seu rosto irretocvel. Seratorceu para que Dak fizesse um de seus clebres discursos bizarros sobre fatos histricos, paraquebrar o gelo. Era uma coisa que costumava deixar todo mundo morrendo de tdio, masnaquele momento serviria para levantar o astral dela. Dak, porm, permaneceu em silncio.Seu rosto estava plido e com uma expresso de desnimo, e seus olhos estavam vermelhos echeios de lgrimas.

    Sobre a mesa havia uma refeio quase boa demais para ser verdade. Frutas, queijos, bolose pes. O estmago de Sera roncou de fome. Traidor.

    O guarda loiro apontou as duas cadeiras vazias para Dak e Sera. E ento, para enormesurpresa dos dois, entregou o Anel do Infinito nas mos de Dak.

    Estamos l fora se precisarem de ns ele falou para a mulher. Ela acenou com acabea.

    O guarda fechou a porta atrs de si, e um silncio se abateu sobre a sala. Dak agarrou oAnel do Infinito junto ao peito.

    O homem foi o primeiro a falar. Certo. Dak e Sera. Temos muita coisa para contar a vocs. Fica at difcil saber por

    onde comear. Que tal comearmos dizendo os nossos nomes? perguntou a mulher, lanando um

    olhar de reprovao para o parceiro. Ah, sim, claro o homem falou e depois limpou a garganta. Eu me chamo Brint, e

    essa a minha colega Mari. Ns, h, sabemos quem vocs so. Mas isso vocs j devem terpercebido. Por favor, fiquem vontade para pegar o que quiserem para comer. Caso queiramalguma outra coisa...

    A pacincia de Sera chegou ao fim. Tem uma geladeira cheia de comida na casa do Dak. Voc sabe, a propriedade

    particular que os seus capangas invadiram armados com explosivos, onde seqestraram agente! No estamos de muito bom humor, s queremos saber o que que est acontecendo

  • aqui!Brint se encolheu diante da exploso de Sera, inclinando-se para trs o mximo possvel

    na cadeira, com a perplexidade estampada no rosto. Mari, por sua vez, no moveu ummsculo.

    E ento? insistiu Sera. Gostei da sua disposio disse Mari, sem alterar o tom de voz. Voc vai precisar

    dela para fazer o que vamos pedir. Mas, por enquanto, modere o seu temperamento e o Brintvai contar tudo o que vocs precisam saber. Brint?

    Sera observou enquanto o homem se ajeitava na cadeira, meio sem graa. Ficou mais doque bvio quem realmente mandava ali. Mas Brint se recuperou e assumiu um ar deseriedade ao se inclinar para a frente e espalmar as mos sobre a mesa.

    Somos membros de um grupo chamado Guardies da Histria comeou ele. Vocs provavelmente nunca ouviram falar de ns, mas nossa organizao remonta a muitos,muitos sculos atrs. Ela foi fundada pelo grande filsofo Aristteles no ano 336 antes deCristo. Nossa atividade se mantm desde ento, orientada pelo objetivo comum de um diasalvar o mundo de um desastre que apenas um visionrio como Aristteles poderia terprevisto. E hoje vocs nos proporcionaram o maior acontecimento desde que ele fez a suapreviso: a viagem no tempo.

    Sera olhou para Dak, que se endireitou na cadeira, com os olhos vidrados em Brint. Elatinha certeza de que ele tambm estava se sentindo aliviado eles no haviam sidocapturados pela SQ no fim das contas. Isso se aquelas pessoas no estivessem mentindo.

    Viagem no tempo? perguntou Dak. O que isso tem a ver com Aristteles?Brint estreitou os lbios e acenou com a cabea. Tem tudo a ver. Aristteles sabia que a viagem no tempo seria possvel algum dia, e

    que ns precisaramos dela para voltar e corrigir as Grandes Fraturas. Para eliminar asReminiscncias que nos atormentam. Para fazer o mundo voltar ao seu rumo e impedir que anossa realidade chegue ao fim em um terrvel Cataclismo.

    O homem fez uma pausa e olhou bem para Sera, e depois para Dak. A histria sofreu mltiplas fraturas, e precisamos da ajuda de vocs para corrigi-las.

  • 12

    Os Guardies da Histria

    DAK SENTIA DENTRO DE SI UM GRANDE VAZIO, algo diferente de qualquer coisa que j

    havia experimentado. O choque e a raiva por ter perdido seus pais tinham passado, dandolugar a uma espcie de torpor que parecia pior. Torpor e perplexidade. Ele no fazia idia doque tinha acontecido o que de certa forma no era l muito surpreendente. O problemaera que Sera tambm no sabia. Sua nica certeza era a de que eles no estavam mais l, eaquilo doa como se seus pulmes estivessem se enchendo d'gua.

    No entanto, as palavras de Brint foram capazes de abrir caminho por entre tudo isso. Daksentiu alguma coisa se acender dentro dele. No era suficiente para amenizar seu sofrimento,mas bastava para atiar seu interesse.

    O que voc quer dizer com isso? ele perguntou. Corrigir a histria?Dak, Sera, o mundo est todo errado. Ele saiu dos trilhos, e