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Departamento de História Um olhar sobre o Império do Brasil: viagens, exílios e impressões de letrados argentinos sobre o Brasil no século XIX Aluno: James Gerald Coutinho Marko Orientadora: Profª Maria Elisa Noronha de Sá Introdução A pesquisa consiste em analisar a construção da imagem do Brasil nos escritos de Juan Bautista Alberdi. A intenção é explorar, na chave da história intelectual e das histórias cruzadas, os efeitos destes “olhares cruzados” na construção das representações identitárias dos povos da América, mais especificamente da Argentina e do Brasil, e aprofundar o conhecimento da complexidade histórica destes processos de construção a partir de uma perspectiva histórica centrada na análise tanto do “nacional- estrangeiro” como de sua contraparte, o “estrangeiro-nacional”. A produção intelectual de Alberdi, nos revela uma percepção valiosa sobre temas como a monarquia, a escravidão, a natureza, a questão das raças, política externa e muitas outras, que podem revelar significativas impressões acerca de como este letrado entendia o Império do Brasil, um “outro” bastante peculiar por representar uma espécie de contraponto ao projeto de nação republicano que ele pretendia para a Argentina. Sem dúvida, o exílio e as viagens de Alberdi e com certeza sua passagem pelo Brasil foram fundamentais para o projeto elaborado e vivido pelos membros da Geração Romântica de 1837 de formação de uma nação e de uma identidade nacional argentina. O Brasil, na América, ou para muitos escritores americanos, parecia combinar o exótico com o familiar e constituir um ponto fundamental na peregrinação dos jovens em formação, porque se converteu no “outro interno do continente”. Os argentinos faziam, assim, uma constante leitura política deste outro, evidente nas críticas e comentários permanentes sobre as diferenças tanto governamentais quanto culturais e sociais que viam entre o Brasil e a Argentina. Neste sentido, mais que um espaço no qual desenvolviam ideias sobre o outro para o outro, o Brasil era, para os argentinos, um espaço onde desenvolver ideias sobre o próprio. Objetivos Analisar, na chave da história intelectual e das histórias cruzadas, a construção da imagem do Brasil nos escritos de Juan Bautista Alberdi e de alguns de seus contemporâneos argentinos.

Um olhar sobre o Império do Brasil: viagens, exílios e ... · e muitas outras, que podem revelar significativas impressões acerca de como este letrado entendia o Império do Brasil,

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Departamento de História

Um olhar sobre o Império do Brasil: viagens, exílios e impressões

de letrados argentinos sobre o Brasil no século XIX

Aluno: James Gerald Coutinho Marko

Orientadora: Profª Maria Elisa Noronha de Sá

Introdução

A pesquisa consiste em analisar a construção da imagem do Brasil nos escritos

de Juan Bautista Alberdi. A intenção é explorar, na chave da história intelectual e das

histórias cruzadas, os efeitos destes “olhares cruzados” na construção das

representações identitárias dos povos da América, mais especificamente da Argentina e

do Brasil, e aprofundar o conhecimento da complexidade histórica destes processos de

construção a partir de uma perspectiva histórica centrada na análise tanto do “nacional-

estrangeiro” como de sua contraparte, o “estrangeiro-nacional”.

A produção intelectual de Alberdi, nos revela uma percepção valiosa sobre

temas como a monarquia, a escravidão, a natureza, a questão das raças, política externa

e muitas outras, que podem revelar significativas impressões acerca de como este

letrado entendia o Império do Brasil, um “outro” bastante peculiar por representar uma

espécie de contraponto ao projeto de nação republicano que ele pretendia para a

Argentina.

Sem dúvida, o exílio e as viagens de Alberdi e com certeza sua passagem pelo

Brasil foram fundamentais para o projeto elaborado e vivido pelos membros da Geração

Romântica de 1837 de formação de uma nação e de uma identidade nacional argentina.

O Brasil, na América, ou para muitos escritores americanos, parecia combinar o exótico

com o familiar e constituir um ponto fundamental na peregrinação dos jovens em

formação, porque se converteu no “outro interno do continente”.

Os argentinos faziam, assim, uma constante leitura política deste outro, evidente

nas críticas e comentários permanentes sobre as diferenças tanto governamentais quanto

culturais e sociais que viam entre o Brasil e a Argentina. Neste sentido, mais que um

espaço no qual desenvolviam ideias sobre o outro para o outro, o Brasil era, para os

argentinos, um espaço onde desenvolver ideias sobre o próprio.

Objetivos

Analisar, na chave da história intelectual e das histórias cruzadas, a

construção da imagem do Brasil nos escritos de Juan Bautista Alberdi e

de alguns de seus contemporâneos argentinos.

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Explorar os efeitos destes “olhares cruzados” na construção das

representações identitárias da Argentina e do Brasil no contexto especial

da construção de nações no século XIX.

Aprofundar o nosso conhecimento da complexidade histórica destes

processos de construção de novas identidades a partir de uma perspectiva

histórica centrada na análise tanto do “nacional-estrangeiro” como de sua

contraparte, o “estrangeiro-nacional”.

Perceber as mudanças das imagens, impressões e opiniões sobre o Brasil

nos discursos de Alberdi, relacionando-as não só aos contextos

intelectuais, políticos, culturais e pessoais no qual estavam inseridos,

como também a câmbios no lugar ocupado pelo Brasil no continente

americano e na sua política externa.

Metodologia

Ao definir o conjunto de perspectivas teóricas e metodológicas da pesquisa no

âmbito da História intelectual, propõe-se refletir as relações entre ideias e história na

construção de certo tipo de conhecimento histórico pautado na estreita relação entre

história das ideias e história social. Ainda dentro deste campo, o projeto permitirá o

desenvolvimento de um trabalho de história comparada, inserido no subgênero das

histórias cruzadas e das intercessões culturais, que nas últimas décadas vem se

consolidando como importante espaço de interrogação histórica.

Desenvolvimento

Desde março de 2015, coube a mim, neste projeto, realizar um levantamento de

escritos de Juan Bautista Alberdi sobre o Império do Brasil. Ao longo da pesquisa foi

feito o levantamento de toda a documentação existente das obras do autor, nas quais ele

aborda questões que envolviam o império brasileiro. Na atual conjuntura, fui designado

para trabalhar na leitura e análise da introdução e do primeiro capítulo da obra,"El

Imperio del Brasil ante la democracia de América", publicada por Alberdi em 1869 e

produzida anteriormente como folhetos em 1865 intitulados; “Las disensiones de las

Repúblicas de Plata y las maquinaciones del Brasil”, durante a Guerra do Paraguai.

O primeiro passo na pesquisa foi adquirir uma melhor compreensão do contexto

histórico, cultural e político no qual o autor e a fonte analisada se situam. Para isso, foi

realizada a leitura da introdução e da parte referente à imprensa no século XIX, da obra

do historiador argentino, Víctor Goldgel; “Cuando lo nuevo conquistó América. Prensa,

moda y literatura en el siglo XIX” [1] e a análise do trabalho de Jorge Myers, “La

revolución en las ideas: la generación romántica de 1837 en la cultura y en la política

argentinas”, da obra organizada por Noemi Goldman;“Nueva Historia Argentina”

Tomo 3.[2]

A obra de Goldgel consiste em demonstrar o ritmo que, o próprio Alberdi e seus

contemporâneos hispano-americanos acompanharam devido aos acontecimentos

revolucionários que estavam ocorrendo nas antigas colônias espanholas. Inovações

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revolucionárias de cunho cultural, político, tecnológico e comercial, sendo considerados

pelo autor, atributos de elevada importância na constituição dos novos Estados hispano-

americanos. As revoluções nestes campos, segundo o autor, realizavam diferentes

funções no universo da informação e dos letrados, todas caracterizadas pela dinâmica do

novo. Não só elas possibilitaram o acesso aos eventos que ocorriam em outras partes do

continente, mas também era o meio mais eficaz para atender as novas demandas daquela

sociedade (e, ao mesmo tempo, criar) a “fome de novidade”, que o “desejo de constante

renovação”, trazia à tona, a experiência da modernidade.

O trabalho de Myers, foca primordialmente na formação daquilo que ficou

compreendido pela história argentina, como a “geração romântica de 37” que, constituiu

o primeiro movimento intelectual com o objetivo de construir uma identidade nacional.

Movimento no qual Alberdi, Sarmiento e muitos outros letrados fizeram parte.

Myers explora as influências deste grupo de intelectuais e o contexto político e

cultural que os indivíduos desta geração vivenciaram, inclusive seus exílios em

localidades vizinhas, tais como Chile e Montevidéo. Cada um dos homens citados pelo

autor, Echeverría, Alberdi, Sarmiento e etc, possuíam projetos com perspectivas

próprias para elaborar um Estado-Nação que se encontrava em fase embrionária.

O segundo passo neste trabalho foi conhecer melhor o autor designado antes de

passar para a fonte em questão. Um breve levantamento biográfico da vida de Juan

Bautista Alberdi foi realizado, juntamente com a produção de uma linha do tempo com

acontecimentos relevantes na vida do argentino. Todas as informações sobre Alberdi

foram extraídas dos dados que os alunos que participaram desta pesquisa anteriormente

coletaram e das obras “El pensamiento de Juan Bautista Alberdi” de Maria Rosa Lojo

[3] e “Escritos Póstumos, tomo XV, Memorias y documentos” de Juan Bautista Alberdi.

[4]

Alberdi nasceu na província de Tucuman meses após a Revolução de Maio, em

29 de agosto de 1810. Seu pai, um comerciante de profissão, participou na defesa do

país durante as invasões inglesas e foi um ávido apoiador da Revolução de Maio. Sua

mãe, que veio de uma das famílias mais importantes de região, faleceu durante o parto.

Seu pai morreu quando ele tinha 12 anos de idade deixando-o sob o cuidado de seus

irmãos mais velhos. Em 1825 viaja para Buenos Aires para estudar no Colégio de

Ciências Morais, no entanto abandona os estudos, segundo o próprio, foi incapaz de se

adaptar à sua metodologia de ensino, finalizaria seus estudos em 1834 e iria construir

uma carreira em Direito e como jornalista.

Em 1837, ele se juntou ao famoso Salão Literário, também conhecido como a

“geração de 37”. Composta por um grupo de letrados que aderiram à democracia liberal

e aos ideais políticos que afloraram durante a Revolução de Maio. Este grupo, inclusive

Alberdi, possuiam ideais contrários às políticas de Rosas, fato que culminou no exílio

de boa parte desta geração. Em agosto de 1838, as práticas ditatoriais e autoritárias

adotadas por Juan Manuel Rosas, resulta em seu exílio voluntário na cidade de

Montevidéo, de lá realiza a sua primeira viagem para Europa em 1843 e no final deste

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mesmo ano, retornou ao continente americano para residir, assim como Sarmiento, no

Chile. No trajeto de seu retorno, faz a primeira visita ao Rio de Janeiro. Viveu por 17

anos no Chile, residiu a maior parte em Valparaíso, onde trabalhou como advogado e

exerceu a função de jornalista.

Em 1852 Rosas é derrotado na Batalha de Caseros, Alberdi, difunde seu trabalho

constitucional que seria tomado como base elementar da Constituição Argentina que

seria promulgada um ano depois. Passados três anos, com Juan Manuel Urquiza como

presidente, passa a exercer cargo de diplomata na Europa. Em 1862 essa função chega

ao fim com a chegada de Bartolomeu Mitre ao poder. Alberdi desencantado com a

política argentina e principalmente de Buenos-Aires, permanece no continente europeu

escrevendo e publicando.

Em 1864, com a eclosão da Guerra do Paraguai, Alberdi publica em Paris em

1865, “Las disensiones de las Repúblicas de Plata y las maquinaciones del Brasil”,

conjunto de panfletos políticos que abominava a política externa do império brasileiro e

dos interesses de Buenos-Aires. As publicações de 1865 foram reunidas no formato de

livro e publicada em 1869 intitulada; “El Imperio del Brasil ante la democracia de

América”. Criticava não só a postura brasileira em relação a guerra contra o Paraguai,

mas também as ações do governo argentino perante o mesmo conflito. É durante esse

período da vida do letrado argentino que foi produzida a fonte designada para a análise

dentro deste projeto.

“El Imperio del Brasil ante la democracia de América” (Introdução)

Nas setenta duas páginas que compõem a introdução da obra, primeiro objeto de

análise nesta pesquisa, o autor tenta explicitar de maneira clara os motivos pelos quais

realizou este livro. Se apresentando como um defensor dos interesses daquilo que

compreendia por Argentina, liberal até onde o seu século permitia e um ferrenho

defensor do republicanismo, Alberdi apresenta duras críticas em relação a postura

imperial brasileira em relação à Guerra do Paraguai, das atitudes tomadas pelos seus

conterrâneos durante a mesma e faz uma reflexão profunda sobre as implicações deste

conflito, não só para as Repúblicas do Prata como também para o Brasil. Vale ressaltar,

apontado pelo autor, o fato da introdução ter sido produzida no ano de 1869, recorte

temporal diferente da do resto da obra.

“Tal tem sido o motivo de estar aqui esses escritos . Hoje todo foco do

autor concentra-se em uma idéia: resistir, protestar, se opor ao plano

tradicional do Brasil, renovado desta vez com proporções aterrorizantes,

de reconstruir seu império em detrimento do povo, da terra e da honra

das Repúblicas do Prata.” [tradução livre] [5]

“ Simpatizando com o Paraguai porque resiste ao que resiste, o autor

não é insensível aos desastres argentinos. Os que ganharam seus graus e

títulos militares derramando o sangue de seus compatriotas em batalhas

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de guerra civil, sabem que se pode aplaudir o triunfo de uma idéia sem

celebrar por isso o sangue fraterno derramado.” [tradução livre] [6]

Para ele, o Brasil representava uma ameaça para as outras repúblicas da América

hispânica, principalmente aquelas que possuíam uma proximidade territorial maior com

o império, deixando a entender que, realmente havia compreendido através de uma

análise dos eventos geopolíticos de seu tempo, os planos elaborados pelo governo

imperial brasileiro de realizar uma remodelação do Império no continente sul americano

e que esta afetaria os territórios vizinhos e seus interesses.

Alberdi deixa claro que apesar das ambições imperiais, o Brasil ainda carecia

daquilo que um homem de sua época entendia por progresso e civilização, fazendo uma

aluzão ao fato deste ter se tornado independente mais tarde do que os demais países da

américa-ibérica, ainda realizar práticas escravistas e de possuir um vínculo comercial

maior com o continente europeu do que com os Estados latino-americanos em si. Essa

situação, segundo ele, era preocupante pois; Como um país, que possui atributos

considerados tão negativos, poderia ter a pretensão de exercer de fato, soberania sobre

os outros Estados na América Latina? Alberdi, ao fazer uma comparação do Brasil em

relação às potências do cenário internacional, fala dos atributos que carecem o Império,

tais como; capital, população, artes, indústria, ciências, conhecimentos gerais, fatores

climáticos, uma marinha mercante ativa e exercer de fato uma maior presença no

continente.

O autor compreende que os interesses brasileiros não só prejudicariam o

Paraguai mas também a Argentina que, segundo ele, se encontrava debilitada devido aos

interesses divergentes internos envolvendo a cidade de Buenos Aires e as demais

províncias. Esse fator que culminava na descentralização do território argentino, estava

sendo explorado pela política internacional brasileira para alcançar os objetivos

almejados, seu temor era de que o Brasil apoiasse somente os interesses buenairenses e

por fim, mudasse o foco dos objetivos de expansões imperiais para a Argentina em si.

“No Prata, as instituições que são débeis, não os homens e nem as

coisas. O Brasil não se engana ao contar com a divisão que prejudica a

República da Argentina, com seu melhor elemento de predomínio.[...]”

[tradução livre] [7]

“O triunfo do Brasil no Prata não consiste na derrubada do governo

Lopez. Já tem conseguido em parte pela caída do centralismo argentino,

em que consiste realmente; e enquanto este princípio dorme enterrado

com seu ilustre campeão na tumba de Rivadavia, o Brasil manterá seu

predomínio no Prata, com esquadras ou sem elas.” [tradução livre] [8]

Ele utiliza o exemplo da guerra civil norte-americana que tinha Nova York como

um polo centralizador que administrava o poder e que Buenos Aires adotaria para si este

exemplo de acontecimento “moderno” para utilizar de pretexto e concentrar

efetivamente o polo de tomada de decisões nas mãos da cidade.

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Alberdi, realiza duras críticas e compara a postura do Brasil com a de outros

Estados que possuem semelhantes ambições expansionistas, relacionando a posição do

império às posições da França na Europa, dos EUA na América do Norte e comparando

irônicamente com Roma. Deixando bem explícito o tom passivo-agressivo de seus

escritos quando afirma que, se o império brasileiro conhecia a história dos romanos

deveria aprender de como os “povos livres” lutaram para preservar sua integridade e

liberdade contra o império romano.

“Se o império conhece a história dos Romanos, seus vizinhos podem

aprender a história dos Germanos, que é a história de povos livres, na

qual as repúblicas agredidas e assediadas aprenderam em como

frustrar, em nome da paz do mundo, um império que vive para perturbá-

la.” [tradução livre] [9]

O autor deixa claro a gama de conhecimentos que possuí como um indivíduo do

século XIX, escrevendo com propriedade em assuntos que envolviam os mais variados

tópicos, tais como, política externa e doméstica, geografia e geopolítica, História e

cultura, tanto geral quanto da recente nação de seu berço, sem mencionar as

informações que ele adquiria sobre o Império brasileiro para realizar as suas análises e

tirar as suas conclusões. Para chegar a essa conclusão, fiz um paralelo com o texto do

Victor Goldgel em relação a imprensa, acredito que os homens do século XIX faziam

suas análises, não só trocando ideias e correspondência, mas também utilizando as

informações contida nos periódicos que podiam acessar.

Ele encerra a introdução enumerando aquilo que considera principal para que os

planos do Império se realizem. Chegando a conclusão de que a Guerra do Paraguai é

uma grande revolução e ainda por cima, arquitetada pela mão do Império brasileiro que

segundo ele se encontra em estado de decadência fazendo menção aos atributos que

poderiam gerar vantagem para o Brasil conquistar os seus objetivos tais como, a

inferioridade do Paraguai territorial e bélica em relação ao Brasil. Apesar de apontar

diversos pontos negativos sobre o império pode-se perceber um tom de preocupação do

autor dos planos se concretizarem.

“1° A debilidade das repúblicas do Prata, que as tornam instrumentos

do Brasil de maneira involuntária.

2° A inferioridade relativa do Paraguai.

3° A superioridade relativa do império brasileiro.” [tradução livre] [10]

“Las disensiones de las Repúblicas del Plata y las maquinaciones del

Brasil” (Capítulo I: El Brasil )

Como já foi citado anteriormente, esta parte da obra em questão

analisada no segundo momento da pesquisa, já havia sido publicada em março

de 1865, no formato de folhetos políticos e foram reunidas para serem

publicadas novamente em 1869 no formato de livro.

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O estudo sobre esta obra, se inicia na breve introdução sobre aquilo que o

autor compreendia em relação ao Brasil, apontando para os motivos que

acredita, de fato, serem os verdadeiros para o comportamento do Império na

segunda metade do século XIX. Ao contrário do caráter reflexivo da introdução,

já analisada nesta pesquisa, estes escritos possuem uma linguagem mais direta,

de natureza pragmática, focando em análises que envolviam aspectos

econômicos, políticos, geopolíticos, culturais e até mesmo climáticos. Este olhar

mais objetivo de Alberdi, deve ser levado em conta devido ao recorte temporal

no qual os folhetos foram produzidos, ressaltando que o conflito entre Paraguai

em o Brasil estava apenas começando e o envolvimento drástico das Repúblicas

do Prata se tornando cada vez mais iminente.

Em relação a esta etapa da pesquisa, procurei apontar os pontos mais

relevantes das críticas realizada pelo autor, a meta era compreender as crises que

o Império enfrentava de fato e de como elas eram percebidas por Alberdi durante

este período de conflito com as repúblicas vizinhas.

“A questão para o Brasil, não é a forma de governo, nem de raça, nem

de nacionalidade, nem uma questão política, nem muito menos de pessoas e nem

de indenizações ou reparações de danos recebidos: é mais grave que tudo isso,

é uma questão de segurança, de subsistências, de população e de civilização, de

vida ou morte para o Brasil.” [tradução livre] [11]

Em seguida, pode-se perceber o caráter pragmático já citado neste

estudo. Ele enumera três características que considera de importância estratégica

para a expansão brasileira na Região do Prata, inclusive referente sobre a

questão do controle da navegação fluvial na região. Fato que se nota uma certa

relevância para o autor, já que a enfatiza nestes folhetos e na introdução da obra

de 1869.

“1°, a necessidade de povoar-se com raças brancas da Europa, para os

quais buscam os territórios temperados que não possuí; 2°, a necessidade de

terras apropriadas para a produção de produtos alimentícios e de sustento de

seu povo, que não possuí disponível; e 3° a necessidade de assegurar seus

atuais territórios imediatos aos afluentes do Prata, pela aquisição e possessão

das regiões proprietárias da parte inferior desses rios.” [tradução livre] [12]

Ele conclui a breve introdução deste capítulo, relacionando o

comportamento expansionista do Império ao seu processo de formação histórica.

Ele irá tratar de três pontos que considera vitais para o Brasil conquistar os seus

objetivos de aumentar o seu território até o Prata e seus afluentes; população,

subsistência e a segurança.

Ao tratar do tópico referente a população do território brasileiro, Alberdi

irá abordar questões que envolvem a vastidão territorial do império, as

dificuldades envolvendo o deslocamento dentro do mesmo e fatores climáticos,

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segundo ele, essas características tornam o terreno inútil para habitação.

Lembrando que no século XIX o tamanho relativo das fronteiras de um Estado-

Nação era considerado sinônimo de poder.

Utiliza argumentos raciais, afirmando que a raça branca, que

supostamente povoaria o país, não suportaria as vicissitudes do clima brasileiro.

Em um dado momento chega a comparar o Brasil com o continente africano

mais de uma vez de forma depreciativa.

“Porque o Peru, o Equador, Nova Granada, etc. não estão cheios de

súditos brasileiros como em Montevidéu? Porque esses países estão, como ele,

na zona tórrida e em sua porção mais alta e habitável estão separados do Brasil

por oceanos de território deserto, é impraticável.” [tradução livre] [13]

“Preso entre o Equador e os Trópicos, o Brasil pode se chamar de

África do novo mundo. É pior que a África, pois estaria de parabéns se tivesse

territórios como o Delta, as montanhas da Tunísia e de Argel, e o Cabo da Boa

Esperança, que está acima de 30 graus de latitude. As grande cidades marítimas

do Brasil estão em situações semelhantes as da África, que possuí as cidades de

Senegambia, Guiné, Congo, Angola, países que so podem ser habitados por

raças de cor. O branco que ali não morre, vive morrendo.” [tradução livre] [14]

Como era fato bem conhecido no período, a escravidão no Brasil não

passa desapercebida no olhar crítico do argentino, ele sabia da crise que o

Império enfrentava envolvendo o tráfico negreiro, tinha noção da eventual

decadência do comércio de seres humanos e do papel da Inglaterra em erradicar

o mesmo, como é visto abaixo.

“Mas o tráfico de negros está condenado a desaparecer na civilização

desta época, e a Inglaterra, senhora dos mares, está encarregada de executar

esta aberração.” [tradução livre] [15]

Mais adiante na obra, Alberdi passa a abordar o segundo tópico neste

primeiro capítulo sobre o Brasil, a subsistência. Tratando dos aspectos práticos

da existência brasileira na "zona tórrida"(termo que utiliza ao longo da obra pra

descrever o clima quente). Fatores como; alimentação, logística, agricultura,

clima e doenças se tornam mais evidentes nesta parte analisada pelo autor.

Ataca a política doméstica brasileira e as suas legislações que, focavam

apenas para beneficiar a produção de produtos direcionados somente para a

lucratividade dos negócios dos grandes proprietários de terra e que estas práticas

ocasionavam em uma crescente pobreza no país. Se um estudo sobre a política

agrária do Brasil durante o período que os folhetos foram publicados fosse

realizada, é viável admitir, que o argentino não está totalmente errado. Alberdi

apesar de produzir estes escritos de caráter puramente político, realiza críticas

contundentes e pautadas na realidade.

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“A legislação poderia remediar em parte esse inconveniente do Brasil;

mas os que fazem as leis, os ministérios e os parlamentos nesse país, são

justamente, os que mantêm essa situação das coisas através de cálculos de

interesses e de ganância pecuária.

O Brasil, em efeito, deve à esta praga da fome a sede de ganância de

seus grandes proprietários, que são donos de 4/5 de seu solo. Ao invés de

dedicar uma parte para o cultivo de cerais e animais para a subsistência de sua

população, destinam tudo para a produção de açúcar, de tabaco, de café, de

chá, que os enriquecem às custas do povo trabalhador que morre de fome. Essa

cultura de luxo para uns poucos, e de ruína para a maioria, realiza o Brasil

tributário, em produtos necessários para a sua subsistência, dos Estados

Unidos, da própria Europa, mas sobre tudo o Estado do Uruguai, que é a sua

despensa e armazém de provisões.” [tradução livre] [16]

Alberdi concluí esta segunda parte, sendo mais uma vez crítico aos

latifundiários brasileiros que, segundo ele, contribuíam juntamente com a

legislação do Império e o fator climático para o agravamento da fome. [17]

A terceira e última parte, constituí uma abordagem envolvendo um

aspecto geopolítico dos planos expansionistas do Brasil, apontando questões de

posicionamento estratégico e controle das rotas de navegação fluvial, apoio

logístico e a tão almejada posse dos rios Prata, Paraná, Paraguai e Uruguai. Ela

se intitula, “Segurança do território”.

No século XIX, as rotas fluviais que o autor tanto menciona, têm grande

importância para todos os Estados que possuem acesso a elas, a vantagem

operacional oferecida pelo domínio das águas de um determinado território, era

considerado de valor inestimável, aumentava a capacidade de locomoção que

abrangia um vasto campo, melhorando o fluxo comercial, aumentando a

circulação de informação e pessoas, e por fim exercendo o maior controle na

“defesa” das fronteiras aquáticas com outros Estados. [tradução livre] [18]

Pode-se perceber mais uma vez, que utiliza como argumento,o fator

climático e a questão racial, de acordo com ele, ao longo trajeto dos rios, estão

localizadas as províncias mais belas do Império, seriam os únicos locais capazes

de aclimatar o homem europeu que não resistiria ao clima hostíl do Brasil.

Em um dado momento, Alberdi, expõe o que acredita ser um dos motivos

principais para o Império exercer o controle das águas. Ao contrário das

repúblicas vizinhas que incentivavam a livre navegação fluvial, o Brasil era um

ferrenho opositor dessa política devido a liberdade comercial que ela ocasionaria

às províncias brasileiras, tornando-as mais autônomas minando assim a

integridade centralizadora do Império. [tradução livre] [19]

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Concluí esse capítulo com a citação sobre o futuro do Império,

interessante notar que ele separa Império e Brasil.

“Para o Império, tomar o Prata significa reviver, renascer; permanecer

nos seus atuais limites, é dizer adeus à existência do Império, não do Brasil.”

[tradução livre] [20]

Conclusões

Venho trabalhando nesta pesquisa desde meados de março, de 2015 portanto ,

conclusões mais profundas sobre esses três meses de estudos e análises são arriscadas

por conta do vasto campo que ainda tenho dentro dos registros relacionados às

impressões dos letrados estudados neste trabalho tinham sobre o Império do Brasil. No

meu caso, o letrado Juan Bautista Alberdi.

Com o estudo desenvolvido a partir da leitura e análise da introdução e do

primeiro capítulo da fonte “El Imperio del Brasil ante la democracia de América”, pude

perceber, ainda que superficialmente, diante da formação do letrado em questão e das

experiências vividas pelo mesmo durante o período no qual produziu a fonte, as

percepções do mesmo em relação a postura imperial brasileira e o tipo de análise que

realizou no decorrer da Guerra do Paraguai.

A pesquisa até o presente momento, se encontra em uma fase bastante inicial

mas as obras utilizadas, de Goldgel e Myers, ajudaram na compreensão do recorte

temporal que o letrado em questão se encontra facilitando a minha análise da fonte e do

contexto na qual ela se encontra.

Notas

[1] GOLDGEL, Víctor. Cuando lo nuevo conquistó américa. Prensa, moda y

literatura en el siglo XIX. Buenos Aires: Siglo XXI, 2013

[2] MYERS, Jorge. La revolución en las ideas: la generacíon romántica de 1837 en

la cultura y en la política argentinas; GOLDMAN, Noemí. Nueva História Argentina.

Tomo 3. Buenos Aires: Sudamericana, 1998

[3] LOJO, María Rosa. Org. El pensamiento de Juan Bautista Alberdi. Buenos Aires:

El Ateneo

[4] ALBERDI, Juan Bautista. Escritos Póstumos. Tomo XV. Buenos Aires: Juan

Bautista Alberdi, 1900.

[5] ALBERDI, Juan Bautista. El Imperio del Brasil ante la democracia de América.

Paris: Imprenta A.-E. Rochette, 1869. p. II

[6] Idem. p. II-III

[7] Idem. p. XIII

Page 11: Um olhar sobre o Império do Brasil: viagens, exílios e ... · e muitas outras, que podem revelar significativas impressões acerca de como este letrado entendia o Império do Brasil,

[8] Idem. p. XIV

[9] Idem. p. LXXI

[10] Idem. p. LXXII

[11] ALBERDI, Juan Bautista. Las disensiones de las Repúblicas del Plata y las

maquinaciones del Brasil. Paris, 1865. p. 2

[12] Idem. p. 2-3

[13] Idem. p. 4

[14] Idem. p. 4

[15] Idem. p. 5

[16] Idem. p. 8

[17] Idem. p. 9

[18] Idem. p. 10-11

[19] Idem. p. 12

[20] Idem. p. 14

Referências bibliográficas

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Page 12: Um olhar sobre o Império do Brasil: viagens, exílios e ... · e muitas outras, que podem revelar significativas impressões acerca de como este letrado entendia o Império do Brasil,