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Novembro 2009 2 Diretriz Surge uma nova ideia entre os transportes que traz acessibilidade para pessoas com dificuldade de locomoção: é o táxi acessível Carlos Xavier Christine Liber A divulgação foi pouca, mas os táxis destinados ao transporte de pessoas portadoras de mobilidade reduzida – os táxis acessíveis – ro- dam no município de São Paulo desde o dia 17 de fevereiro deste ano. A iniciativa foi tomada pela Secretaria Municipal de Transpor- tes e representou um grande passo no que diz respeito à adaptação e acessibilidade da capital paulista. O táxi acessível é um veículo todo apropriado para acomodar o passageiro com cadeira de rodas, abrangendo o maior número de modelos dessas cadeiras. São se- guidas normas para a adaptação do piso, teto, acabamento interno, suspensão, janelas e do sistema elétrico. Tudo muito bem pensa- do para proporcionar segurança e conforto. O veículo conta inclusi- ve com uma porta de emergência caso seja necessário retirar o usuá- rio com agilidade em casos de situ- ação de risco ou urgência. Paulo Sebastião Bernardes, 38 anos, é taxista desde 1989 ou “desde quando o Fusca era táxi”, brinca. Resolveu seguir o caminho do pai, também taxista e, há apro- ximadamente seis meses, recebeu a proposta de seu Ricardo, dono da empresa que trabalha, para di- rigir um táxi acessível. Paulo conta que já viu motoristas recusarem esse tipo de proposta por motivos financeiros ou, ainda, por não se adaptarem com as regras e o ma- quinário do carro. Ele permaneceu como “motorista acessível” porque achou a ideia interessante: “pra quem está numa cadeira de rodas ajuda muito, até na auto-estima, pois ela pode ir ao shopping, casa de amigos, namorado a qualquer hora do dia, sem passar constran- gimento”. O táxi acessível só pode trans- portar cadeirantes, invisuais com cão-guia e pessoas com dificulda- de de locomoção em geral. Por ter público restrito, Paulo aponta uma dificuldade: “na rua você não vai ver um cadeirante esperando por um táxi acessível, ele liga quando precisa de um”, ou seja, o número de corridas é limitado e repassa- do sempre pela empresa. Por não disputar o mesmo público, não existe uma rincha entre os taxis- tas comuns e os taxistas acessíveis, “embora o táxi comum seja bem mais lucrativo”, enfatiza Paulo.Di- rigir um táxi acessível é totalmente diferente, o motorista tem que ter muita atenção e segurança ao pren- der a cadeira de rodas no carro. “O atendimento tem que ser feito sem pressa e com carinho”, explica Paulo. Por isso, os motoristas de táxi acessível tiveram que fazer um curso na Cavenaghi: “aprendemos como operar o sistema do eleva- dor, como prender os vários mo- delos de cadeira e fazemos o curso de direção defensiva”. Um táxi acessível tem algu- mas exigências: não pode passar de 60km/h, em alguns casos, com pista irregular, 30km/h. Isso faz com que o trajeto fique mais de- morado: “o mesmo trajeto que um táxi comum faz em 35 minutos, nós fazemos em 50”, exemplifica. A intenção do táxi acessível é dar liberdade ao cadeirante: “ele pode sair de casa e fazer coisas que pessoas sem a dificuldade de loco- Um transporte que é acessível moção fazem. O cadeirante ganha liberdade e pode ir a qualquer lu- gar na hora que quiser”, esclareceu sobre a finalidade desse serviço, que está disponível 24 horas por dia, todos os dias da semana. “A divulgação não foi muito forte, mas se for feita nos meios de massa, aí a frota vai ficar peque- na. Estamos pensando agora em trabalhar com restaurantes, para que o cadeirante tenha esse hábito de sair mais, que é a proposta do táxi acessível”, revela Paulo sobre o futuro do táxi acessível, que inclui também parcerias com eventos em geral – shows, exposições, etc. Paulo confessa que dirigir um táxi acessível mexeu com sua ca- beça: “antes parava em vagas para deficiente, hoje vejo que essa atitu- de faz muito mal e que ninguém colabora com o deficiente físico”. Táxi acessível estacionado no ponto da Rua Mato grosso, próximo ao Mackenzie Paulo Sebastião: motorista de táxi acessível em São Paulo Táxi acessível ou ônibus “acessível”? Sem dúvida o primeiro é mais confortável Carlos Xavier Carlos Xavier Carlos Xavier Carlos Xavier TESTANDO... O Diretriz acompanhou Ro- berto Ti Kam no seu primeiro passeio em um táxi acessível. PONTOS NEGATIVOS - O carro não entra em qualquer lugar: “o carro é o adequado, o que não é adequado são as garagens, estacionamentos, vagas para deficiente”, alega o motorista Paulo Bernardes. - O preço: é a mesma tarifa do táxi comum (mais uma taxa obrigatória de R$ 3,50 para o rádio-táxi) e o preço do táxi em SP é apontado como o mais caro do Brasil. PONTOS POSITIVOS + Para o passageiro Roberto Chung: “não preciso sair da cadeira; é mais fácil e rápido de entrar; é bem mais confortável; não causa tanto constrangimento”. + Para todos os passageiros: não há preocupação com vaga de estacionamento nem com a manutenção do veículo.

Um transporte que é acessível - Cadu Xavier · tes e representou um grande passo ... der a cadeira de rodas no carro. ... 2 - Cinto de 3 pontas com retrator em

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Page 1: Um transporte que é acessível - Cadu Xavier · tes e representou um grande passo ... der a cadeira de rodas no carro. ... 2 - Cinto de 3 pontas com retrator em

Novembro 20092 Diretriz

Surge uma nova ideia entre os transportes que traz acessibilidade para pessoas com dificuldade de locomoção: é o táxi acessível

Carlos XavierChristine Liber

A divulgação foi pouca, mas os táxis destinados ao transporte de pessoas portadoras de mobilidade reduzida – os táxis acessíveis – ro-dam no município de São Paulo desde o dia 17 de fevereiro deste ano. A iniciativa foi tomada pela Secretaria Municipal de Transpor-tes e representou um grande passo no que diz respeito à adaptação e acessibilidade da capital paulista.

O táxi acessível é um veículo todo apropriado para acomodar o passageiro com cadeira de rodas, abrangendo o maior número de modelos dessas cadeiras. São se-guidas normas para a adaptação do piso, teto, acabamento interno, suspensão, janelas e do sistema elétrico. Tudo muito bem pensa-do para proporcionar segurança e conforto. O veículo conta inclusi-ve com uma porta de emergência caso seja necessário retirar o usuá-rio com agilidade em casos de situ-ação de risco ou urgência.

Paulo Sebastião Bernardes, 38 anos, é taxista desde 1989 ou “desde quando o Fusca era táxi”, brinca. Resolveu seguir o caminho do pai, também taxista e, há apro-ximadamente seis meses, recebeu a proposta de seu Ricardo, dono da empresa que trabalha, para di-rigir um táxi acessível. Paulo conta que já viu motoristas recusarem esse tipo de proposta por motivos financeiros ou, ainda, por não se adaptarem com as regras e o ma-quinário do carro. Ele permaneceu como “motorista acessível” porque achou a ideia interessante: “pra quem está numa cadeira de rodas ajuda muito, até na auto-estima, pois ela pode ir ao shopping, casa de amigos, namorado a qualquer hora do dia, sem passar constran-gimento”.

O táxi acessível só pode trans-portar cadeirantes, invisuais com cão-guia e pessoas com dificulda-de de locomoção em geral. Por ter público restrito, Paulo aponta uma dificuldade: “na rua você não vai ver um cadeirante esperando por um táxi acessível, ele liga quando precisa de um”, ou seja, o número de corridas é limitado e repassa-do sempre pela empresa. Por não disputar o mesmo público, não existe uma rincha entre os taxis-tas comuns e os taxistas acessíveis, “embora o táxi comum seja bem mais lucrativo”, enfatiza Paulo.Di-rigir um táxi acessível é totalmente diferente, o motorista tem que ter muita atenção e segurança ao pren-der a cadeira de rodas no carro. “O atendimento tem que ser feito sem pressa e com carinho”, explica Paulo. Por isso, os motoristas de táxi acessível tiveram que fazer um curso na Cavenaghi: “aprendemos como operar o sistema do eleva-dor, como prender os vários mo-delos de cadeira e fazemos o curso de direção defensiva”.

Um táxi acessível tem algu-mas exigências: não pode passar de 60km/h, em alguns casos, com pista irregular, 30km/h. Isso faz com que o trajeto fique mais de-morado: “o mesmo trajeto que um táxi comum faz em 35 minutos, nós fazemos em 50”, exemplifica.

A intenção do táxi acessível é dar liberdade ao cadeirante: “ele pode sair de casa e fazer coisas que pessoas sem a dificuldade de loco-

Um transporte que é acessívelmoção fazem. O cadeirante ganha liberdade e pode ir a qualquer lu-gar na hora que quiser”, esclareceu sobre a finalidade desse serviço, que está disponível 24 horas por dia, todos os dias da semana.

“A divulgação não foi muito forte, mas se for feita nos meios de massa, aí a frota vai ficar peque-na. Estamos pensando agora em trabalhar com restaurantes, para que o cadeirante tenha esse hábito de sair mais, que é a proposta do táxi acessível”, revela Paulo sobre o futuro do táxi acessível, que inclui também parcerias com eventos em geral – shows, exposições, etc.

Paulo confessa que dirigir um táxi acessível mexeu com sua ca-beça: “antes parava em vagas para deficiente, hoje vejo que essa atitu-de faz muito mal e que ninguém colabora com o deficiente físico”. Táxi acessível estacionado no ponto da Rua Mato grosso, próximo ao Mackenzie

Paulo Sebastião: motorista de táxi acessível em São Paulo

Táxi acessível ou ônibus “acessível”? Sem dúvida o primeiro é mais confortável

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TESTANDO...

O Diretriz acompanhou Ro-berto Ti Kam no seu primeiro passeio em um táxi acessível.

PONTOS NEGATIVOS- O carro não entra em qualquer lugar: “o carro é o adequado, o que não é adequado são as garagens, estacionamentos, vagas para deficiente”, alega o motorista Paulo Bernardes. - O preço: é a mesma tarifa do táxi comum (mais uma taxa obrigatória de R$ 3,50 para o rádio-táxi) e o preço do táxi em SP é apontado como o mais caro do Brasil.

PONTOS POSITIVOS+ Para o passageiro Roberto Chung: “não preciso sair da cadeira; é mais fácil e rápido de entrar; é bem mais confortável; não causa tanto constrangimento”.+ Para todos os passageiros: não há preocupação com vaga de estacionamento nem com a manutenção do veículo.

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Novembro 2009 3Diretriz

COMO FUNCIONAUM TAXÍMETRO?

Ao entrar num táxi, o motorista liga um aparelho chamado taxíme-tro: é ele que vai calcular o valor a ser pago pela corrida. Para calcular, ele usa duas fórmulas com preços diferenciados, são as chamadas bandeiras: a bandeira 1 funciona das 6h às 20h e a bandeira 2, das 20h às 6h (e aos feriados). Dois fatores são calculados pelo apare-lho: o primeiro é a quilometragem percorrida e o segundo o tempo gasto.

BANDEIRA 1: O taxímetro calcu-la R$ 2,10 por quilômetro rodado e R$ 28,00 por hora gasta.

BANDEIRA 2: O taxímetro calcu-la R$ 2,73 por quilômetro rodado e R$ 28,00 por hora gasta.

Roberto testou e aprovou o táxi acessível!C

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SERVIÇO APROVADO

Para testar e ver se o táxi aces-sível realmente cumpre com seus objetivos, a Raf Táxi ofereceu uma corrida para um mackenzista. Ro-berto Chung Ti Kam, 44 anos, funcionário do Mackenzie há 3 (no Centro Histórico), foi com o Diretriz conferir o serviço. Ro-berto sofre de Esclerose Múltipla e é cadeirante desde 1996. Ele é casado e tem duas crianças (Ana Carolina de 9 anos e João Victor de 1 ano).

As primeiras palavras de Ro-berto ao entrar no táxi acessível foram: “assim ficou mais fácil”, e virando para o porteiro de seu pré-dio, concluiu, “agora você não vai mais precisar levantar os 60kg da

cadeira e me pegar no colo como noiva”. Depois continuou: “quem teve essa ideia teve uma boa ideia, pena que veio tarde!”.

Ou, pena que ele descobriu tarde, já que o serviço existe há oito meses. Por isso Roberto fa-lou também da divulgação: “não vi divulgação sobre isso, pois se tivesse visto já estaria usando. A partir de agora eu vou divulgar, pois sei que tem muita gente que precisa e vai gostar!”.

Para ele, São Paulo não está preparada para lidar com defi-cientes: “são calçadas irregulares, com buraco, sem rampa (às vezes só tem de um lado); caixas eletrô-nicos, ambientes comerciais não adaptados; as pessoas não respei-tam, param em frente às rampas e

em vagas de deficiente”. Roberto narrou, durante o “passeio” de táxi acessível, o caso de que na Santa Casa, próximo à sua residência e ao Mackenzie, após reclamar por quase um ano, resolveram colocar rampa na esquina. Contou ain-da que, às vezes, faz trajetos mais longos só para poder circular bem pela calçada, sem o risco de cair com a cadeira de rodas, como já aconteceu uma vez.

“Quer coisa melhor pra um cadeirante do que isso? Dá pra ler uma revista aqui! Eu entro e fico tranquilo!”, expressava sua alegria contagiante. A filha Ana Carolina, que acompanhou o pai no trajeto, amou o carro: “posso ficar do lado do meu pai”, falava com um bri-lho nos olhos de finalmente poder

andar de carro com o pai ao seu lado.

Felicidade, descoberta, prati-cidade e dignidade. Palavras que expressam os minutos da corrida de táxi. Os olhos de Roberto bri-lhavam de felicidade por descobrir algo que ele realmente precisa e que é feito de maneira muito mais prática e digna. Sobre a dignidade, temos que pensar que o transporte público em São Paulo não é digno para nenhum morador da cidade, exceto em algumas linhas em áreas nobres. Nesse aspecto, vemos que o táxi acessível funciona, em mui-tos casos, como o táxi comum: uma fuga do transporte público, uma fuga possível só para quem tem dinheiro.

Ao entrar no carro, Roberto despertou em si um interesse e perguntou animado se o táxi aces-sível também fazia viagens: “de ônibus fica difícil, não é!? Tem que ser de carro mesmo”, justificava a pergunta que mantinha por trás uma sensação de liberdade e gosto por poder viajar agora. Também se interessou em saber se podia levar a filha de 9 anos a parques.

Em São Paulo, a SPTrans ofe-rece o serviço Atende, que trans-porta gratuitamente “pessoas com deficiência física com alto grau de severidade e dependência”. Porém funciona das 7h às 20h e segundo Roberto, só leva para hospitais, clínicas: “com o táxi acessível te-nho mobilidade e liberdade”. Ao ouvir isso, Paulo, o motorista, ficou feliz e realizado, pois o táxi acessível cumpriu o seu papel.

CONHEÇA UM TÁXI ACESSÍVEL:

1 - Plataforma de acionamento total-mente eletrônico que pesa cerca de 300 kg e tem capacidade de elevação maior ou igual a 250 kg;

2 - Cinto de 3 pontas com retrator em todos os assentos (motorista, cadeiran-te e dois passageiros);

3 - O veículo é aproximadamente 15 cm mais alto que o modelo conven-cional e conta com janelas na área de elevação do teto para permitir a visão do cadeirante ao ambiente externo;

4 - Fiat Doblò Flex 1.8 é o modelo de veículo adaptado ao transporte de pessoas portadoras de mobilidade reduzida;

5 - Uma das 4 garras para fixar a cadeira

O motorista Paulo Bernardes manuseia a plataforma do táxi e auxilia para que Roberto seja acomodado dentro do veículo.