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Um Tratado Sobre o Amor de Deus - Bernardo de Claraval

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Um Tratado Sobre

o Amor de Deus Bernardo de Claraval

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Sumário:

Breve Apresentação............................................................................................................ 3

Algumas citações deste Tratado.......................................................................................... 4

Prefácio.............................................................................................................................. 13

CAPÍTULO I – Porque e como amar a Deus? .................................................................. 14

CAPÍTULO II – O quanto Deus merece o amor do homem por causa dos bens do corpo e

da alma: como devemos reconhecê-los; não devemos usá-los contra Aquele que no-los

deu..................................................................................................................................... 15

CAPÍTULO III – Motivos que os Cristãos têm a mais que os infiéis para amar a Deus.... 17

CAPÍTULO IV – Quais são os que acham consolo nas lembranças de Deus, e são mais

puros em sentir o amor por Ele.......................................................................................... 20

CAPÍTULO V – Obrigação de amar a Deus, particularmente para os cristãos................. 22

CAPITULO VI – Recapitulação, sumário dos capítulos anteriores.................................... 24

CAPÍTULO VII – Vantagens e recompensas do amor de Deus. As coisas da terra não

podem satisfazer o coração do homem............................................................................. 25

CAPÍTULO VIII – Nós começamos por nos amar para nós mesmos; é por nós o primeiro

grau do amor...................................................................................................................... 29

CAPÍTULO IX – Segundo e terceiro graus do amor.......................................................... 31

CAPÍTULO X – O quarto grau do amor é de somente se amar para Deus....................... 32

CAPÍTULO XI – O amor perfeito só será partilhado entre os santos após a ressurreição

geral................................................................................................................................... 34

CAPÍTULO XII – Fragmento de uma carta aos Chartreux (religiosos da ordem de São

Bruno) sobre o amor.......................................................................................................... 36

CAPÍTULO XIII – Da lei da vontade própria e da concupiscência, que é a dos escravos e

dos mercenários................................................................................................................ 38

CAPÍTULO XIV – Da lei do amor que é para os filhos...................................................... 39

CAPÍTULO XV – Dos quatro graus do amor, e do estado bem-aventurado dos santos no

céu..................................................................................................................................... 40

Uma Biografia de Bernardo de Claraval............................................................................ 44

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Breve Apresentação

Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus que é

Amor, o Todo-Amorável! (2 Coríntios 1:3; 1 João 4:8, 16). Mui gratos a Deus, apresentamos mais

esta tradução que Ele mesmo em graça, misericórdia e amor nos tem concedido. Trata-se do

Clássico Tratado Sobre o Amor de Deus, pelo piedoso Bernardo, Abade de Claraval, o ―doutor

língua de mel‖.

A obra em si constitui um dos maiores escritos cristãos sobre o tema, assim como a túnica de

Jesus era tecida toda de alto a baixo e não tinha costura (João 19:23), assim podemos dizer que

este tratado é todo tecido de alto a baixo por uma pena mui piedosa e sábia, e por um coração em

ardente amor a Deus, sem costura ou remendo da tão abominável corrução moral e desejo de

poder, avareza e hipocrisia, tão comum nos seus dias.

Quanto ao autor, Bernardo viveu na Idade das Trevas, mas podemos definir sua vida com o nome

do monastério por ele fundado: Clairvaux (Claraval), que significa ―Vale Límpido‖ ou ―Vale da Luz‖.

Apesar de ser um Abade da Igreja do anticristo, o Papa, e de lhe serem atribuídas muitas histórias

mirabolantes pela tradição papista, além de muita veneração e apreço, Bernardo é tido em alta

estima e consideração pelos protestantes, sobre isto Steven Lawson escreve:

―O ensino de Bernardo foi profundamente apreciado por Lutero e Calvino. Este último via Bernardo

como o maior testemunho em prol da verdade entre o sexto e décimo sexto século. Já Lutero

saudava Bernardo como um homem de admirável santidade e o considerava como um dos melhores

santos medievais. Charles Spurgeon concordou com Lutero, dizendo: ―São Bernardo foi um homem

que admiro em grau máximo, e o tenho com um dos escolhidos do Senhor‖. Ele continuou dizendo

que Bernardo era ‗um dos homens mais santos e humildes‘, o qual, ‗parece cair em delírio de amor

quando fala de seu divino Mestre‘.‖1

O nosso maior desejo com esta publicação, para nós mesmos e para vocês que pousarem os

olhos nestas linhas, é que esta obra contribua para que possamos conhecer e amar ao Deus que

nos amou primeiro, pois sem dúvida o maior pecado é a quebra do maior mandamento e a causa

do pouco amor é falta do vero conhecimento de Deus, pois aquele que mais conhece a Deus,

mais ama (1 João 4:8). Oh! que possamos conhecer e amar ―Àquele que nos amou, e em seu

sangue nos lavou dos nossos pecados‖ (Apocalipse 1:5). Faz assim Senhor, por Cristo. Amém!

Editores EC,

16 de junho de 2014

______________

[1] LAWSON, Steven J. Reformador Monástico. Último Monástico: Bernardo de Clairvaux. Cap. 16. Pág. 399-423. In: LAWSON,

Steven J. Pilares da graça. Longa linha de Vultos Piedosos. Vol. II. Tradução: Valter Graciano Martins. São José dos Campos, São

Paulo: Editora Fiel, 2013.

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Algumas citações deste Tratado

“Não tenho a intenção de satisfazer todas as vossas perguntas, eu responderei apenas, conforme

a inspiração dada por Deus, àquela que vocês me fizeram sobre o amor de Deus; é a mais doce a

ser estudada, a menos perigosa a ser tratada e a mais útil a ser ouvida”.

“Vocês querem então saber de mim por qual motivo e em que medida nós devemos amar a Deus?

Pois bem, eu vos direi que o motivo do nosso amor por Deus, é Ele mesmo, e que a medida deste

amor é amar sem medida”.

“[...] esta pergunta: Porque devemos amar a Deus, se apresenta sob dois aspectos: Ou nos

perguntamos a que ponto Deus merece o nosso amor, ou então qual é a vantagem que vemos em

amá-Lo; para esta questão dupla, há apenas uma resposta: O motivo pelo qual devemos amar a

Deus é o próprio Deus. E, aliás, se nós colocamos um ponto de vista de mérito, não há maior do

que Deus de ter Se entregado a nós, mesmo sendo indignos; de fato, o que poderia Ele, tão Deus

quanto é nos dar algo que valesse mais do que Ele?”

“[...] encontramos antes de qualquer coisa que Ele nos amou primeiro. Ele merece, portanto, que

paguemos de volta, principalmente se considerarmos Quem é o que ama, quais são os que Ele

ama e como Ele os ama”.

“Deus nos amou com um amor sem interesses e Ele nos amou quando ainda éramos seus inimi-

gos. Mas com qual amor Ele nos amou? São João responde: „Deus amou o mundo de tal maneira

que deu seu Filho Unigênito‟ (João 3:16). São Paulo continua: „Aquele que nem mesmo a seu

próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós‟ (Romanos 8: 32); e este Filho diz Ele

mesmo, falando Dele: „Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos

seus amigos‟ (João 15:13). Eis os direitos do Santo Deus Soberano Grande e Poderoso que Se

deu por amor aos homens pecadores, infinitamente pequenos e fracos”.

“Não é Dele, de fato, que o homem tem recebido o pão que o alimenta, a luz que o ilumina: e o ar

que ele respira? Mas seria loucura contar os bens que eu acabo de declarar inumeráveis e que

me basta citar os mais importantes como o pão, o ar e a luz; se os coloco em primeiro lugar, não é

porque os acho os mais excelentes, pois interessam somente ao corpo, mas são os mais

necessários”.

“[...] a virtude, em sua dupla tendência, nos faz por um lado buscar com fervor e de outro abraçar

com força, uma vez encontrado, Aquele a quem queremos pertencer”.

“[...] de nada vale a inteligência sem a excelência que pode até prejudicar sem a virtude”.

“„E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se não o

houveras recebido?‟ (1 Coríntios 4:7) Ele não diz simplesmente: „Por que te glorias?‟, mas ele

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acrescenta: „Como se não o houveras recebido‟ para mostrar que ele é repreensível, não por se

gloriar do que tem, mas de se gloriar como se não o tivesse recebido. Assim com razão esta

glorificação é considerada vaidade, já que não se apoia no fundamento sólido da verdade. O

apóstolo a distingue da verdadeira glória, dizendo: „Aquele que se gloria glorie-se no Senhor‟ (1

Coríntios 1:31), isso é, na verdade: porque Deus é a verdade”.

“[...] há duas coisas que precisamos saber; primeiro o que nós somos, e depois que não o somos

por nós mesmos; então nós não nos gloriamos de coisa nenhuma, ou a glória que estaremos nos

atribuindo será vaidade; enfim, se nós mesmos não nos conhecemos, está escrito, nós seremos

confundidos com o grupo de nossos semelhantes (Cânticos 1:6-7). É de fato o que acontece,

porque quando um homem digno não conhece nem mesmo a sua posição, o comparamos com

razão, por tal ignorância, aos animais que são como os companheiros de sua corrupção e de sua

vida decadente neste mundo. Portanto, não se conhecendo a ela mesma, a criatura que a razão

distingue dos bichos, começa a se confundir com elas, porque ela ignora sua própria glória que é

totalmente interna, cede aos chamados de sua curiosidade e se preocupa somente com sua

beleza exterior e sensível; ela se torna também igual às outras criaturas, porque não sente que

recebeu algo a mais do que elas. Assim é necessário combater a ignorância que faz com que

talvez nos subestimemos mais do que convém. Mas evitemos com mais cuidado ainda esta outra

ignorância que leva a nos atribuir além do que nós temos, como acontece quando nos enganamos

em nos imputar o bem, qualquer que seja ele, que vemos em nós mesmos. Mas o que precisamos

odiar e fugir mais do que estes dois tipos de ignorância, é a presunção pela qual em conheci-

mento de causa e propósito deliberado nós nos gloriamos do bem que está em nós, como se

viesse de nós, não temendo arrancar de outrem a glória que nós bem sabemos que não nos é

devida pelas coisas que estão em nós, mas que não vêm de nós. No primeiro caso, nós não nos

gloriamos de nada, no segundo nos gloriamos, mas não em Cristo, e no terceiro nós não pecamos

mais por ignorância, mas nós usurpamos conscientemente, reivindicando para nós mesmos, o

que pertence a Deus”.

“[...] se esta ignorância nos assemelha aos brutos, esta audácia nos associa aos demônios. Pois

apenas o orgulho, o maior dos males, pode se servir dos bens que ele recebeu, como se ele não

os tivesse recebido, e desviar em proveito próprio a glória que um benfeitor deve achar em seus

benfeitos”.

“[...] à excelência e à inteligência é preciso unir o fruto que é a virtude; é pela virtude que

buscamos e possuímos o Autor liberal de todas as coisas, Aquele a quem devemos, em tudo,

render a glória que Lhe pertence; de outra forma seriamos rudemente punidos por não ter feito o

que sabíamos que deveríamos fazer. Por que isso? Porque aquele que age desta forma, não quis

adquirir a inteligência para fazer o bem, mas ao contrário, meditou sobre a sua própria iniquidade

(Salmos 36: 4-5), e ele tentou, como um servo infiel, desviar e até trazer a proveito próprio a glória

que seu excelente Mestre deveria recolher em bens, sabendo ele mesmo perfeitamente, pela

virtude da inteligência, que ele mesmo não era a fonte. É, portanto, bastante evidente que a

excelência, sem a inteligência, é inútil, e que a inteligência, sem a virtude, nos leva a perdição.

Mas para o homem que possui a virtude, não seria a inteligência maléfica e nem a excelência

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inútil, ele clama e louva a Deus ingenuamente nestes termos: „Não a nós, SENHOR, não a nós,

mas ao teu nome dá glória, por amor da tua benignidade e da tua verdade‟ (Salmos 115:1). O que

significa: Senhor, nós não Te atribuímos nem a inteligência nem a excelência, nós atribuímos tudo

ao Teu nome, porque é Dele que nós recebemos tudo”.

“[...] qual é o infiel que não sabe que recebeu somente Daquele que faz o Seu sol nascer sobre

bons e também sobre os maus, e faz cair chuva sobre os santos e também sobre os ímpios, todos

os bens necessários à sua vida, dos quais já falei, como o alimento, a luz e o ar? Qual o homem,

tão ímpio quanto seja, que atribuirá a excelência particular à espécie humana, que ele vê brilhar

em sua alma, a outro a não ser ao que disse em Gênesis: „Façamos o homem a nossa imagem e

semelhança (Gênesis 1:26)?‟ Quem verá o autor da inteligência em outro que não Naquele que

ensina tudo aos homens? E de que mão pensaria ele receber ou ter recebido o dom da virtude, se

não do Deus das virtudes?”

“[...] vê o Filho Unigênito do Pai carregando a sua cruz, o Deus de toda majestade atingido por

golpes e cuspidas, o Autor da vida e da glória pregado, transpassado, cheio de opróbrios, dando

por Seus amigos Sua alma abençoada. Vendo tudo isso, ela sente a espada de dois gumes do

amor penetrar mais fundo em seu coração e ela clama: „Sustentai-me com passas, confortai-me

com maçãs, porque desfaleço de amor.‟ As maças que a esposa introduzida no jardim de Seu

amado tem prazer em colher da árvore da vida, têm gosto do maná do céu e a cor do sangue do

Cristo. E então ela vê a morte golpeada até a morte e aquele que a fez, crescer o cortejo de seu

Vencedor, ela ainda vê este subir triunfante, de debaixo da terra para sobre a terra e da terra para

os céus, seguido de uma grande multidão de cativos, de modo que somente ao nome de Jesus,

todo joelho se dobra nos céus, na terra e debaixo da terra (Filipenses 2:10). A terra, debaixo da

antiga maldição, produzia somente espinheiros e abrolhos; rejuvenescida então por uma nova

benção, é coberta de flores. Então a esposa lembra-se deste versículo: „O Senhor é a minha força

e o meu escudo; nele confiou o meu coração, e fui socorrido; assim o meu coração salta de

prazer, e com o meu canto o louvarei‟ (Salmos 28:7), recobra o ânimo com os frutos da paixão

que ela colheu da árvore da cruz, e com as flores da ressurreição cujo perfume delicioso convida

o amado a renovar as suas visitas”.

“[...] é no esplendor de sua ressurreição que devemos ver as novas flores dos novos tempos que a

graça faz reflorescer para um segundo verão; no final dos tempos, na ressurreição real, elas darão

inumeráveis frutos: „Porque eis que passou o inverno; a chuva cessou, e se foi; aparecem as

flores na terra, o tempo de cantar chega, e a voz da rola ouve-se em nossa terra‟ (Cânticos

2:11,12). Ela quer dizer, falando assim, que o verão apareceu com Aquele que fez derreter o gelo

da morte para renascer em temperatura primaveril de uma nova vida, dizendo: „Eis que faço novas

todas as coisas‟ (Apocalipse 21:5). Seu corpo, semeado na morte, refloresceu na ressurreição, e,

ao perfume que Dele emana, vimos logo nos nossos vales e planícies, o que estava árido, morto

ou congelado, cobrir-se de verde, renascer em vida e retomar o calor”.

“O renovar destes frutos e a beleza deste campo, de onde exalam os mais doces perfumes

encantam também o Pai cujo Filho fez novas todas as coisas, e lhe inspiram esta exclamação:

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„Eis que o cheiro do meu Filho é como o cheiro do campo, que o Senhor abençoou‟ (Gênesis

27:27). Sim, um campo cheio de flores, pois é de Sua plenitude que recebemos tudo o que temos.

Mas a Esposa, ao se agradar Dele, vem colher em simplicidade flores e frutos para adornar a

morada íntima de sua consciência, para que ao chegar o seu Amado, seu pequeno leito do

coração exale os perfumes mais suaves. Portanto, se nós queremos que Cristo faça

repetidamente em nós Sua morada, é preciso que nossos corações estejam cheios da fiel

lembrança da misericórdia e do poder cujas provas recebemos em Sua morte e em Sua

ressurreição”.

“[...] eu vejo em Sua morte a prova da Sua misericórdia, na ressurreição a do Seu poder, e em

todo o restante eu as encontro as duas reunidas”.

“Se a Esposa pede que a suportemos com flores aromáticas e que a fortaleçamos com frutos

cheirosos, eu acho que é porque ela sente que o amor pode perder calor e força; mas ela só terá

estímulos até ser introduzida no quarto de Seu amado, sentindo-se coberta de beijos há muito

desejados e possa exclamar: „A sua mão esquerda esteja debaixo da minha cabeça, e a sua mão

direita me abrace‟”

“„A memória de meu nome passará de séculos em séculos‟ é para mostrar que os eleitos que

ainda têm sede da presença do Esposo, têm ao menos a lembrança Dele para se consolarem,

enquanto durar este século, durante o qual as gerações passam e se sucedem. Se está escrito:

„Proferirão abundantemente a memória da tua grande bondade‟ (Salmos 145:7), certamente ouve-

se daqueles cujo o salmista disse anteriormente: „Uma geração louvará as tuas obras à outra

geração‟ (Salmos 145:4). Portanto os que vivem na terra possuem para si somente a lembrança

do Esposo, e os que nos céus reinam, se alegram de Sua presença; esta última é a glória dos

eleitos que já chegaram à salvação, a outra é a consolação dos que ainda estão a caminho”.

“Não podeis, ó malditos escravos do dinheiro, gloriar-vos na cruz do nosso Senhor Jesus Cristo e

ao mesmo tempo colocar vossa esperança nos tesouros, suplicar por fortuna e experimentar o

quanto o Senhor é doce; e então com certeza O temerão muito, quando O verdes, Aquele cuja

lembrança não vos pareceu cheia de doçura”.

“E para a alma fiel, ela suspira com todas as suas forças após ter conhecido a Deus, e descansa

suavemente em Sua lembrança; ela se gloria das ignomínias da cruz, enquanto não pode ver o

Senhor face a face. Eis certamente o repouso e o sono que a Esposa, a colomba de Cristo,

experimenta, esperando em meio aos bens que lhes são dados em herança; ela tem, agora, pela

lembrança de Sua inefável doçura, ó Senhor Jesus, as asas brancas e prateadas da pureza e da

inocência, e mais ainda, ela espera estar embriagada de felicidade quando ela avistar o esplendor

em Sua face do ouro [...] e Sua sabedoria inundar de luz na glória e na felicidade dos santos”.

“„A sua mão esquerda esteja debaixo da minha cabeça, e a sua mão direita me abrace‟ (Cânticos

2:6). A mão esquerda do Esposo é a lembrança deste amor do qual ninguém mais pode igualar a

grandeza e que O impulsionou a dar a vida por Seus amigos; Sua mão direita é a visão

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beatificada que Ele prometeu aos Seus e a alegria que os embriagará quando gozarem de Sua

divina presença. Não é por acaso que esta visão divina e dêitica, esta inestimável felicidade da

visão de Deus é representada pela mão direita, pois é desta mão que é mencionado de forma

inefável: „tua mão direita há delícias perpetuamente‟ (Salmos 16:11)”.

“É pelo bom aroma que exalam como tantos perfumes deliciosos que a Esposa se apressa

alegremente e se sente consumida de amor; quando ela se vê tão amada, lhe parece que ama tão

pouco, ainda que fosse ela mesma todo amor, e ela tem razão de assim crer; de fato, que retorno

pode um grão de poeira pagar por um amor tão grande vindo de tão alto”.

“Porque „Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho Unigênito‟ (João 3:16). Ora

obviamente é de Deus Pai que falamos aqui, e, quando foi dito: „porquanto derramou a sua alma

na morte‟ (Isaias 53:12), trata-se aqui do Filho; quanto ao Espírito Santo lemos: „Mas aquele

Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as

coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito‟ (João 14:26). Portanto Deus nos ama e

nos ama com todo o Seu ser; pois a Trindade toda nos ama, se é permitido expressar assim,

falando do Ser infinito e incompreensível no qual não há partes”.

“Trata-se do infiel? Como ele não conhece o Deus Filho, ele está na mesma ignorância em

relação ao Pai e ao Espírito Santo; e da mesma forma que ele não glorifica ao Filho, ele não

saberia glorificar o Pai que O enviou e nem tampouco o Espírito Santo que é um dom do Filho; ele

conhece Deus menos do que nós, portanto não é estranho que O ame menos; todavia, ele não

ignora o fato de que se deve inteiramente Àquele que ele sabe que recebeu a vida. Mas e quanto

a mim? Porque não posso ignorá-lO, não somente Deus me fez um ser sem que eu o merecesse;

não somente Deus supre abundantemente as minhas necessidades, me consola com bondade e

me governa com solicitude, mas mais ainda é o Autor da minha redenção e da minha salvação

eterna; Ele é para mim um tesouro e fonte de glória. De fato está escrito; „Espere Israel no

Senhor, porque no Senhor há misericórdia, e nele há abundante redenção‟ (Salmos 130:7)”.

“A razão e a justiça obrigam-me apressadamente a me doar inteiramente Àquele de quem recebi

tudo o que sou, e de consagrar todo o meu ser em amá-Lo. A fé me diz também a ter por Ele um

amor tal que eu entendo melhor o quanto devo estimá-Lo mais do que a mim mesmo, pois se

herdei de Sua magnificência tudo o que sou, eu Lhe devo também o Seu próprio dom”.

“De fato, por que a obra não amaria aquele que a fez, já que recebeu o poder de amar, e, por que

não O amaria com todas as suas forças se é somente Dele que ela as recebeu? Adicione a isso

tudo que ele foi tirado do nada sem nenhum mérito anterior, para em seguida ser exaltado; a

obrigação de amar a Deus vos parecerá de tanto mais evidente e seus direitos ao nosso amor

tanto mais fundamentados. Aliás, não foi Ele ao cúmulo em Suas bênçãos e Suas misericórdias,

quando nos salvou, quando estávamos semelhantes aos animais que perecem (Salmos 49:20)?

De fato, pelo pecado fomos destituídos do nível de honra que era nosso, para nos tornarmos

semelhantes ao boi que ara no campo, e a animais desprovidos de razão. Portanto, se devo me

doar completamente ao meu Criador, o que mais não lhe deveria ao meu Restaurador, a tamanho

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Restaurador? Foi-Lhe muito menos fácil me restaurar do que me criar; pois, para dar vida não

somente a mim, mas a toda a criação, dizem as Escrituras „pois mandou, e logo foram criados‟

(Salmos 148:5). Mas para restaurar o ser que, com uma única palavra, feito tão completo, quantas

palavras não foram pronunciadas, quantas maravilhas Ele deve ter operado, quantos tratamentos

cruéis, ou devo ir mais fundo ainda, quantos tratamentos indignos Lhe foram necessário sofrer!”

“„Que darei eu então ao Senhor, em reconhecimento por tudo que fez comigo (Salmos 116:12)?‟

Quando Ele me criou, me deu minha vida: mas a devolveu a mim mesmo quando se deu por mim;

a concedeu-me uma vez, em seguida a devolveu, portanto, por mim, devo duas vezes. Mas o que

darei eu a Deus por Ele? Pois, mesmo que eu pudesse me dar a mim mesmo mil vezes, que seria

isto comparado a Deus?”

“Ele nos amou primeiro, Ele tão grande e nós tão pequenos; Ele nos amou com excesso, tal como

somos, e sem qualquer mérito nosso; por isso eu disse no começo que a medida do nosso amor

por Deus deve ser sem medida ou exceder qualquer medida; aliás, já que este amor é imenso,

infinito (pois assim é Deus) eu pergunto, quais seriam o termo e a medida de nosso amor por

Ele?”

“Eu Te amarei, portanto, Senhor, Tu que és a minha força e meu apoio, meu refúgio e minha

salvação, Tu que és para mim tudo o que pode existir de mais desejável e mais amável. Meu

Deus e meu sustento, eu Te amarei com todas as minhas forças, não tanto quanto mereces, mas

certamente tanto quanto eu puder, se eu não puder o quanto deveria, pois é impossível para mim

amá-lO mais do que todas as minhas forças. Poderei amá-lO mais somente quando receber o

poder da Sua Graça, e ainda assim não será o quanto mereces. Teus olhos veem toda a minha

insuficiência, mas eu sei que Tu escreves no Livro da Vida, todos aqueles que fazem o quanto

podem, mesmo que não façam tudo o que devem. Eu já disse o suficiente, se não me engano,

para mostrar como Deus deve ser amado, e por quais boas obras Ele mereceu o nosso amor. Eu

digo, por quais boas obras, pois por excelência, quem a poderia entender, quem a poderia

expressar, quem a poderia sentir?”

“[...] se nós devemos amar a Deus, sem nos preocupar com a recompensa, ainda assim somos

recompensados por tê-lO amado”.

“[...] o amor é um movimento da alma e não um contrato; não se o pode adquirir em virtude de

uma convenção, e também nada adquire por este meio; é totalmente espontâneo em seus

movimentos e nos faz semelhantes a ele: enfim o verdadeiro amor encontra em si mesmo a sua

satisfação. Sua recompensa é no sujeito amado; pois qualquer que seja o sujeito que dizemos

amar, se o amamos em vista de outro, então é este que verdadeiramente amamos e não aquele

cujo coração usa para atingi-lo. Por isso que Paulo não prega o Evangelho para ter o que comer,

mas ele come para poder pregar o Evangelho; pois, o que ele ama, não é a comida que ele pega,

mas o Evangelho que ele anuncia (1 Coríntios 9:18)”.

“[...] aquele que ama a Deus, não teria ele necessidade de se sentir atraído por uma recompensa

que não seja o próprio Deus; de outra forma não seria a Deus que ele amaria e sim a recompensa”.

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“Está na natureza do homem o desejar, cada um conforme a sua tendência e sua percepção”.

“Se olhássemos para um homem, desesperado de fome, respirar fundo aspirando profundamente

para matar a fome, o chamaríamos de tolo; assim são aqueles que pensam matar a fome da alma,

quando a preenchem com coisas corporais que lhe dão de fato, mas o que importa isso para o

espírito?”

“O motivo do amor de Deus é o próprio Deus, e estou certo em dizer isto, pois Ele é de fato a

causa ao mesmo tempo eficiente e final do nosso amor. Pois é Ele quem faz nascer a ocasião

para o amor, Ele é que o incendeia e ainda Ele o enche de desejos. Ele faz com que O amemos,

ou melhor, Ele é tal que não que não tem como não ser alvo do nosso amor; Ele o é também de

nossa esperança: se não esperássemos ter a alegria de amá-lO um dia, O amaríamos agora em

vão. Seu amor prepara e abençoa o nosso. Em sua bondade excessiva Ele começa por prover em

nós, e então nos cobra merecidamente de volta, e, futuramente, Ele nos reserva as mais doces

esperanças. Ele é rico para todos os que O invocam; porém, em toda a sua riqueza, nada é mais

valioso do que Ele. Ele é [...] nossa recompensa, é alimento das almas santificadas e o regaste

das que estão cativas”.

“O primeiro e maior mandamento é este: „Amarás o Senhor teu Deus‟ (Mateus 22:37). Mas a

natureza é mole demais e muito fraca para tal preceito, por isso começa por amar-se a si mesma;

é este amor que chamamos de carnal”.

“Seu amor ficará guardado nos limites da justiça e da moderação, do momento em que ele

consagrar às necessidades de seus irmãos tudo aquilo que recusa às suas próprias paixões. É

assim que o amor pessoal torna-se um amor fraternal, saindo de dentro pra fora”.

“[...] para que nosso amor ao próximo seja impecável, é preciso que Deus esteja envolvido; é de

fato possível amar o próximo verdadeiramente, se não for em Deus? Ora, qualquer que não tenha

sido educado em amor, não saberia amar em Deus; é preciso, portanto começar por amar a Deus,

se queremos amar o próximo nEle, de modo que Deus que é o autor de todos as outras bênçãos,

o é também de nosso amor por Ele, eis como não somente Ele criou a natureza, mas ainda como

Ele a sustenta, pois é tal que, após receber a existência, ainda precisa dAquele que lhe a conce-

deu e que lhe conserva; se ela pode somente existir nEle, ela não pode subsistir sem Ele”.

“A frequência das tribulações nos obriga a recorrer frequentemente a Deus, ora é impossível voltar

a Ele frequentemente e não experimentar dEle, e é impossível experimentar dEle sem perceber o

quanto Ele é doce. Assim acontece que logo somos levados a amá-lO verdadeiramente, muito

mais por causa da doçura que encontramos nele do que por causa do nosso próprio interesse, de

modo que, a exemplo dos Samaritanos dizendo à mulher quem lhes havia anunciado a vinda do

Messias entre eles, „E diziam à mulher: Já não é pelo teu dito que nós cremos; porque nós

mesmos o temos ouvido, e sabemos que este é verdadeiramente o Cristo, o Salvador do mundo‟

(João 4:42). Nós também dizemos à nossa carne agora não é mais por tua causa que amamos o

Senhor, mas porque nós mesmos experimentamos e havemos reconhecido o quanto Ele é doce”.

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11

“„Louvai ao Senhor, porque Ele é bom (Salmos 118:1). Aquele que louva ao Senhor, não somente

porque o Senhor é bom pra ele, mas simplesmente porque o Senhor é bom, ama verdadeiramente

Deus pelo o que Ele é e não por si mesmo”.

“„Tua justiça é como as grandes montanhas‟ (Salmos 36:6); é a mesma coisa para este quarto

amor, é um monte muito elevado, uma montanha abundante em pasto e fértil, „Quem subirá ao

monte do Senhor‟ (Salmos 24:3)? Quem me dará asas como as da colomba, para que eu possa

voar até o topo e ali repousar? Um lugar tranquilo, a morada de Sião. Ah! Quão longo é meu

exílio! Quando então se elevará até lá a carne e o sangue, o barro e o pó de que fui feito? Quando

então, embriagado pelo amor de Deus, minha alma se anulando e não se estimando mais do que

um vaso trincado, lançar-se-á em direção a Deus, se perderá nEle e, sendo um só e mesmo

espírito com Ele (2 Coríntios 6:17), quando poderá clamar: „A minha carne e o meu coração

desfalecem; mas Deus é a fortaleza do meu coração, e a minha porção para sempre‟ (Salmos

73:26)?”

“Encontraremos a nossa felicidade bem menos no nosso sustento de cada dia e nas bênçãos que

temos como herança, do que no cumprimento de Sua Vontade em nós; aliás, é justamente o que

pedimos todos os dias orando: „seja feita a Tua vontade, assim na terra como no céu (Mateus, VI,

10)‟. Ó puro e santo amor! Ó doce e santa afeição! Ó submissão da alma inteira e desinteressada!

Tanto mais inteira e desinteressada que é exemplo de todo retorno a si mesma, tanto mais tenra e

doce que tudo o que a alma sente nessa ocasião é divino. Chegar neste ponto é ser exaltado. Da

mesma forma que uma gotinha de água junto a uma grande quantidade de vinho parece

desaparecer tomando o gosto e a cor deste líquido; da mesma forma ainda que, na fornalha onde

é mergulhado, o ferro parece perder a sua natureza e mudar-se em fogo; ou ainda como o ar

penetrado pelos raios de sol torna-se em luz e parecer mais alumiar do que ser ele próprio

alumiado: assim acontece para os santos em todos os seus sentimentos humanos; parece que se

fundem e fluem na vontade de Deus”.

“A nossa alma chegará facilmente a este grau supremo do amor, quando as preocupações ou

caprichos da carne não farão mais obstáculo à sua caminhada rápida e apressada em direção à

felicidade que ela deve encontrar no Senhor. É preciso crer, no entanto, que os santos mártires,

antes mesmo que a alma deles deixasse seus corpos vitoriosos, experimentaram ao menos em

parte esta felicidade? Em todo caso é certo que um imenso amor fluía em suas almas, para dar-

lhes forças para exporem suas vidas e desprezar as tormentas. Como eles o faziam. Não

obstante, não podemos duvidar que os terríveis suplícios que sofreram não tenham alterado, ou

até destruído, a alegria de suas almas”.

“O que para nós está prescrito para esta vida não é, portanto a perfeição absoluta do amor, mas o

desejo desta perfeição. De maneira que, tanto quanto a fraqueza humana o permitir, estejamos

constantemente ocupados somente com o pensamento, o amor, a união e a vontade de Deus”.

“[...] durante os vivos e castos abraços do Esposo e da Esposa, há um rio cujas correntes alegram

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a cidade de Deus (Salmos 46:4), o que para mim nada mais é do que o Filho mesmo de Deus,

que passa como que servindo seus convidados (Lucas 12:37) como prometeu, a fim de que

alegrem-se os justos, e se regozijem na presença de Deus, e folguem de alegria (Salmos 68:3).

Eis de onde vem esta satisfação, que não é seguida de desgosto; este ardor insaciável, portanto,

calmo e tranquilo de ver; este eterno e incomparável desejo de ter, que não tem sua fonte na

privação, enfim esta embriaguez sem excesso, que mergulha e se afoga, não no vinho, mas em

Deus e na Verdade. A alma chegou, portanto, para sempre ao quarto grau do amor, quando ama

somente a Deus e O ama unicamente; pois, neste caso, não nos amamos mais para nós, mas

para Ele, de modo que Ele é a recompensa, a recompensa eterna daqueles que O amam e O

amam para sempre”.

“[...] o amor verdadeiro e sincero, que vem realmente de um coração puro, de uma boa consciên-

cia e de uma fé sincera, é aquele que nos faz amar o bem alheio como o nosso. Porque aquele

que ama apenas o que lhe diz respeito, ou ao menos que ama mais aquilo que lhe diz respeito do

que aquilo que diz respeito aos outros, mostra bem que não tem um amor puro e que não ama o

bem para o bem e sim como que para ele: portanto, ele não pode obedecer ao profeta que lhe diz:

„Louvai ao Senhor, porque Ele é bom‟ (Salmos 118:1). Talvez ele O louve porque Ele é bom para

ele, mas não Lhe dá a devida glória por Ele ser bom em Si”.

“Todo homem que recusa submeter-se ao seu doce império torna-se seu próprio tirano, e que

todos os que rejeitam o jugo suave e o fardo leve do amor são forçados a gemer sob o peso

esmagador de sua própria vontade”.

“Senhor meu Deus, porque não apagas o meu pecado e porque não fazes desaparecer a minha

iniquidade, afim de que, lançando o peso esmagador de minha vontade própria eu respire sob o

fardo leve do amor, e que, não mais estando sujeito às entranhas do medo servil e nem às

expectativas da ganância mercenária, eu seja levado apenas pelo Teu sopro do Espírito, Porque

todos os que são guiados pelo Espírito de Deus esses são filhos de Deus (Romanos 8:14)?”

“Os filhos não estão sem lei, a menos que pensemos ao contrário, porque está escrito: „a lei não é

feita para o justo‟ (1 Timóteo 1:9.) Mas precisamos saber que existe uma lei promulgada no

espírito de servidão, e esta imprime apenas medo; e que há outra ditada pelo espírito de

liberdade, esta inspirando apenas a doçura. Os filhos não são constrangidos a se submeter à

primeira, mas estão sempre sob o império da segunda”.

“Eis porque o Senhor diz tão bem: „Tomai sobre vós o meu jugo‟ (Mateus 11:29), como se Ele

dissesse: Eu não vos forço a tomá-lo; tome-o se o quiserem; mas, se não o tomarem, eu vos digo

que ao invés do repouso que Eu vos prometo, achareis apenas sofrimento e fatiga para a vossa

alma”.

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Um Tratado Sobre o Amor de Deus

Bernardo de Claraval

Prefácio

Ao mui ilustre senhor, Haimeric, cardeal-diácono e chanceler da Igreja Romana, Bernar-

do, abade de Claraval; vivo para o Senhor e morto em Cristo.

Até agora vocês estavam acostumados a me pedir orações, e não me propunham as-

suntos a tratar. Não que eu me sinta mais habilidoso para um do que para o outro; mas ao

menos as orações convêm melhor a minha profissão, senão da forma como cumpro os

deveres; mas quanto às questões a serem resolvidas, me parece que, para tratá-las, são

necessárias duas coisas que, na verdade, me fogem completamente, isto é, quero falar

em espírito e precisão. No entanto eu percebo com prazer, eu confesso, que vocês

deixaram de lado as coisas da carne pelas do espírito, mas vocês deveriam ter se dirigido

a alguém que oferecesse mais recursos do que eu. Esta desculpa, é verdade, é comum

às pessoas capazes e igualmente às que não o são, e não é nada fácil saber se provém

da modéstia ou da incapacidade, enquanto não tenha sido tentado em esforços no

sentido solicitado. Portanto, vos peço receber o que me permite a minha mediocridade,

pois não quero, permanecendo em silêncio, me fazer passar por um sábio. Todavia não

tenho a intenção de satisfazer todas as vossas perguntas, eu responderei apenas,

conforme a inspiração dada por Deus, àquela que vocês me fizeram sobre o amor de

Deus; é a mais doce a ser estudada, a menos perigosa a ser tratada e a mais útil a ser

ouvida; guardem as outras para os mais habilidosos que eu.

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CAPÍTULO I

Porque e como amar a Deus?

1. Vocês querem então saber de mim por qual motivo e em que medida nós devemos

amar a Deus? Pois bem, eu vos direi que o motivo do nosso amor por Deus, é Ele

mesmo, e que a medida deste amor é amar sem medida¹. É explícito o bastante? Sim,

talvez, para um homem inteligente; mas eu tenho que falar aos sábios e aos ignorantes, e

se eu falei o suficiente para os primeiros, preciso levar em conta os segundos; é, portanto,

para estes que desenvolvo meu pensamento, mergulhando mais fundo. Ora eu digo que

temos dois motivos de amar a Deus pelo que Ele é; não há nada mais justo, nada mais

vantajoso. De fato, esta pergunta: Porque devemos amar a Deus, se apresenta sob dois

aspectos: Ou nos perguntamos a que ponto Deus merece o nosso amor, ou então qual é

a vantagem que vemos em amá-Lo; para esta questão dupla, há apenas uma resposta: O

motivo pelo qual devemos amar a Deus é o próprio Deus. E, aliás, se nós colocamos um

ponto de vista de mérito, não há maior do que Deus de ter Se entregado a nós, mesmo

sendo indignos; de fato, o que poderia Ele, tão Deus quanto é nos dar algo que valesse

mais do que Ele? Se, portanto nos perguntamos qual o motivo que temos de amar a

Deus, nós buscamos qual o direito que Ele se deu ao nosso amor, encontramos antes de

qualquer coisa que Ele nos amou primeiro. Ele merece, portanto, que paguemos de volta,

principalmente se considerarmos Quem é o que ama, quais são os que Ele ama e como

Ele os ama. Qual é de fato aquele que nos ama? Não seria aquele a quem todo espírito

dá este testemunho: ―Tu és o meu Senhor, a minha bondade não chega à tua presença‖

[Salmos 16:2]? E este amor em Deus não seria a verdadeira caridade que não busca

seus próprios interesses? Mas a quem se refere este amor gratuito²? O Apóstolo

responde: ―Porque se nós, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus‖ (Romanos

5:10). Deus nos amou com um amor sem interesses e Ele nos amou quando ainda

éramos seus inimigos. Mas com qual amor Ele nos amou? São João responde: ―Deus

amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho Unigênito‖ (João 3:16). São Paulo

continua: ―Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por

todos nós‖ (Romanos 8: 32); e este Filho diz Ele mesmo, falando Dele: ―Ninguém tem

maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos‖ (João 15:13).

__________

[1] Vemos a mesma coisa em uma carta de Sévère, Bispo de Milève, a santo Agostinho, das quais deste último

podemos ler: ―Não há medida intimada ao nosso amor por Deus, visto que a medida com a qual devemos amá-Lo é a

de amá-Lo sem medida‖. Jean de Salisbury imita este trecho escrito por são Bernardo, em seu livro ―Polycratique‖, liv.

VII; capítulo XI. (Polycrate foi um tirano de Samos de 533 ou 532 a 522 a.C) Anátema, portanto, a Bérenger, o

impudente apologista de Abélard [Abelardo], que ousa permitir-se censurar esta bela expressão do nosso santo Doutor.

[2] Amor gratuito, isto é que não busca seus próprios interesses como citado acima: Algumas edições diferem um pouco

nesta parte em certos manuscritos.

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Eis os direitos do Santo Deus Soberano Grande e Poderoso que Se deu por amor aos

homens pecadores, infinitamente pequenos e fracos. Mas, diremos, se

- É assim para o homem, não é a mesma coisa para os anjos: eu concordo; mas é porque

isto não foi necessário: aliás, aquele que socorreu os homens na miséria, protegeu os

anjos de uma miséria parecida e se o Seu amor pelos homens lhes permitiu que não

permanecessem como estavam, Ele, por este mesmo amor impediu os anjos de se

tornarem tal qual nós fomos.

CAPÍTULO II

O quanto Deus merece o amor do homem por causa dos bens do corpo e da alma:

como devemos reconhecê-los; não devemos usá-los contra Aquele que no-los deu.

2. Qualquer um que entendeu o que está escrito acima também vê, eu acho, porque isto

é, por qual motivo devemos amar a Deus. Se isto não é visto pelos infiéis, Deus tem como

confundir a ingratidão deles nos bens, sem contar o quanto preenche o corpo e a alma.

Não é Dele, de fato, que o homem tem recebido o pão que o alimenta, a luz que o ilumina:

e o ar que ele respira? Mas seria loucura contar os bens que eu acabo de declarar

inumeráveis e que me basta citar os mais importantes como o pão, o ar e a luz; se os

coloco em primeiro lugar, não é porque os acho os mais excelentes, pois interessam

somente ao corpo, mas são os mais necessários. Sobre os bens de primeira ordem, é na

alma, nesta parte do nosso ser que vence sobre a outra, que nós devemos procurá-los;

são a excelência, a inteligência e a virtude [...].

3. Estes três bens aparecem cada um sob dois aspectos ao mesmo tempo: a excelência

aparece na prerrogativa própria à natureza humana e no temor que o homem inspirou

sem cessar a todos os seres que vivem na terra; a inteligência, não só percebe a

dignidade do homem, mas entende também que para estar em nós, todavia ela não vem

de nós; enfim a virtude, em sua dupla tendência, nos faz por um lado buscar com fervor e

de outro abraçar com força, uma vez encontrado, Aquele a quem queremos pertencer.

Também de nada vale a inteligência sem a excelência que pode até prejudicar sem a

virtude, como podemos provar com o seguinte raciocínio: Ninguém pode se gloriar do que

tem, se ele não sabe que o tem; mas se, sabendo, ele ignora que o que ele tem não vem

dele, ele se gloria, mas não o faz em Cristo, e é a ele que o apóstolo diz: ―E que tens tu

que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se não o houveras

recebido?‖ (1 Coríntios 4:7) Ele não diz simplesmente: ―Por que te glorias?‖, mas ele

acrescenta: ―Como se não o houveras recebido‖ para mostrar que ele é repreensível, não

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por se gloriar do que tem, mas de se gloriar como se não o tivesse recebido. Assim com

razão esta glorificação é considerada vaidade, já que não se apoia no fundamento sólido

da verdade. O apóstolo a distingue da verdadeira glória, dizendo: ―Aquele que se gloria

glorie-se no Senhor‖ (1 Coríntios 1:31), isso é, na verdade: porque Deus é a verdade.

4. Portanto há duas coisas que precisamos saber; primeiro o que nós somos, e depois

que não o somos por nós mesmos; então nós não nos gloriamos de coisa nenhuma, ou a

glória que estaremos nos atribuindo será vaidade; enfim, se nós mesmos não nos

conhecemos, está escrito, nós seremos confundidos com o grupo de nossos semelhantes

(Cânticos 1:6-7). É de fato o que acontece, porque quando um homem digno não conhece

nem mesmo a sua posição, o comparamos com razão, por tal ignorância, aos animais que

são como os companheiros de sua corrupção e de sua vida decadente neste mundo.

Portanto, não se conhecendo a ela mesma, a criatura que a razão distingue dos bichos,

começa a se confundir com elas, porque ela ignora sua própria glória que é totalmente

interna, cede aos chamados de sua curiosidade e se preocupa somente com sua beleza

exterior e sensível; ela se torna também igual às outras criaturas, porque não sente que

recebeu algo a mais do que elas. Assim é necessário combater a ignorância que faz com

que talvez nos subestimemos mais do que convém. Mas evitemos com mais cuidado

ainda esta outra ignorância que leva a nos atribuir além do que nós temos, como

acontece quando nos enganamos em nos imputar o bem, qualquer que seja ele, que

vemos em nós mesmos. Mas o que precisamos odiar e fugir mais do que estes dois tipos

de ignorância, é a presunção pela qual em conhecimento de causa e propósito deliberado

nós nos gloriamos do bem que está em nós, como se viesse de nós, não temendo

arrancar de outrem a glória que nós bem sabemos que não nos é devida pelas coisas que

estão em nós, mas que não vêm de nós. No primeiro caso, nós não nos gloriamos de

nada, no segundo nos gloriamos, mas não em Cristo, e no terceiro nós não pecamos mais

por ignorância, mas nós usurpamos conscientemente, reivindicando para nós mesmos, o

que pertence a Deus. Ora, esta audácia comparada à segunda ignorância parece tanto

mais grave e mais perigosa; se uma desconhece a Deus, a outra o menospreza; mas

comparada à primeira, parece ainda pior e mais detestável, se esta ignorância nos

assemelha aos brutos, esta audácia nos associa aos demônios. Pois apenas o orgulho, o

maior dos males, pode se servir dos bens que ele recebeu, como se ele não os tivesse

recebido, e desviar em proveito próprio a glória que um benfeitor deve achar em seus

benfeitos.

5. Também à excelência e à inteligência é preciso unir o fruto que é a virtude; é pela

virtude que buscamos e possuímos o Autor liberal de todas as coisas, Aquele a quem

devemos, em tudo, render a glória que Lhe pertence; de outra forma seriamos rudemente

punidos por não ter feito o que sabíamos que deveríamos fazer. Por que isso? Porque

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aquele que age desta forma, não quis adquirir a inteligência para fazer o bem, mas ao

contrário, meditou sobre a sua própria iniquidade (Salmos 36: 4-5), e ele tentou, como um

servo infiel, desviar e até trazer a proveito próprio a glória que seu excelente Mestre

deveria recolher em bens, sabendo ele mesmo perfeitamente, pela virtude da inteligência,

que ele mesmo não era a fonte. É, portanto, bastante evidente que a excelência, sem a

inteligência, é inútil, e que a inteligência, sem a virtude, nos leva a perdição. Mas para o

homem que possui a virtude, não seria a inteligência maléfica e nem a excelência inútil,

ele clama e louva a Deus ingenuamente nestes termos: ―Não a nós, SENHOR, não a nós,

mas ao teu nome dá glória, por amor da tua benignidade e da tua verdade‖ (Salmos

115:1). O que significa: Senhor, nós não Te atribuímos nem a inteligência nem a excelên-

cia, nós atribuímos tudo ao Teu nome, porque é Dele que nós recebemos tudo.

6. Mas nós nos afastamos demais do nosso desígnio, querendo provar que mesmo os

que não conhecem a Cristo, sabem bem pela lei natural, pelos bens do corpo e da alma,

que devem amar, também eles, a Deus, por causa do próprio Deus. De fato, para resumir

em algumas palavras o que dissemos acima, qual é o infiel que não sabe que recebeu

somente Daquele que faz o Seu sol nascer sobre bons e também sobre os maus, e faz

cair chuva sobre os santos e também sobre os ímpios, todos os bens necessários à sua

vida, dos quais já falei, como o alimento, a luz e o ar? Qual o homem, tão ímpio quanto

seja, que atribuirá a excelência particular à espécie humana, que ele vê brilhar em sua

alma, a outro a não ser ao que disse em Gênesis: ―Façamos o homem a nossa imagem e

semelhança (Gênesis 1:26)?‖ Quem verá o autor da inteligência em outro que não

Naquele que ensina tudo aos homens? E de que mão pensaria ele receber ou ter

recebido o dom da virtude, se não do Deus das virtudes? O Senhor merece, portanto, ser

amado, pelo o que Ele é, pelo infiel, ainda que pouco O conheça, assim mesmo que não

conheça a Cristo; também aquele que não ama a Deus de todo o seu coração, de toda a

sua alma e de todas as suas forças, não tem desculpas [...]

CAPÍTULO III

Motivos que os Cristãos têm a mais que os infiéis para amar a Deus.

7. Os fiéis, ao contrário, sabem o quanto precisam de Jesus crucificado, mas mesmo

admirando e recebendo o amor que Ele tem por nós, que está acima de todo conhecimen-

to, não demonstram nenhuma confusão em dar nada além do que eles mesmos, por me-

nor que sejam, em retorno a uma caridade e a uma condescendência tão grandes; mas é

tão fácil para eles amar mais do que se sentirem eles mesmos mais amados; porque

àquele a quem se dá menos amor, esse o sentirá também bem menos. Os Judeus não

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mais que os pagãos, não sentem a excitação pelos mesmos aguilhões do amor que

oprime a Igreja e fazem com que ela diga: ―Eu fui ferido por amor‖; ou ainda: ―Sustentai-

me com passas, confortai-me com maçãs, porque desfaleço de amor‖ (Cânticos 2: 5) [...]

ela vê o Filho Unigênito do Pai carregando a sua cruz, o Deus de toda majestade atingido

por golpes e cuspidas, o Autor da vida e da glória pregado, transpassado, cheio de

opróbrios, dando por Seus amigos Sua alma abençoada. Vendo tudo isso, ela sente a

espada de dois gumes do amor penetrar mais fundo em seu coração e ela clama: ―Suste-

ntai-me com passas, confortai-me com maçãs, porque desfaleço de amor‖. As maças que

a esposa introduzida no jardim de Seu amado tem prazer em colher da árvore da vida,

têm gosto do maná do céu e a cor do sangue do Cristo. E então ela vê a morte golpeada

até a morte e aquele que a fez, crescer o cortejo de seu Vencedor, ela ainda vê este subir

triunfante, de debaixo da terra para sobre a terra e da terra para os céus, seguido de uma

grande multidão de cativos, de modo que somente ao nome de Jesus, todo joelho se

dobra nos céus, na terra e debaixo da terra (Filipenses 2:10). A terra, debaixo da antiga

maldição, produzia somente espinheiros e abrolhos; rejuvenescida então por uma nova

benção, é coberta de flores. Então a esposa lembra-se deste versículo: ―O Senhor é a

minha força e o meu escudo; nele confiou o meu coração, e fui socorrido; assim o meu

coração salta de prazer, e com o meu canto o louvarei‖ (Salmos 28:7), recobra o ânimo

com os frutos da paixão que ela colheu da árvore da cruz, e com as flores da ressurreição

cujo perfume delicioso convida o amado a renovar as suas visitas.

8. Enfim ela exclama. ―Eis que és formoso, ó amado meu, e também amável; o nosso leito

é verde‖ (coberto de flores) (Cânticos 1:16). Falando deste leito, ela deixa claro o que

deseja, e, acrescentando que ele está coberto de flores, ela mostra em que estão

baseadas as suas esperanças; não é sobre as vantagens de sua pessoa, mas sobre a a-

tração que as flores, colhidas em um campo abençoado por Deus, têm para o seu amado,

porque é o que sentem por Cristo que quis ser concebido e alimentado em Nazaré. Este

esposo celeste, atraído pelo perfume que emana delas, tem prazer em entrar no quarto

do coração, quando o encontra cheio de frutas e perfumado pelo aroma das flores. E Ele

vem apressadamente e tem prazer em morar na sua alma que Ele contempla em medita-

ção, cuidadosamente dedicada e colhe os frutos de Sua paixão e cultiva as flores de Sua

ressurreição.

Ora estes frutos da última colheita, isto é de todos os séculos que se foram sob o império

da morte e do pecado, que amadureceram na plenitude dos tempos, são as lembranças

de sua paixão. Mas é no esplendor de sua ressurreição que devemos ver as novas flores

dos novos tempos que a graça faz reflorescer para um segundo verão; no final dos

tempos, na ressurreição real, elas darão inumeráveis frutos: ―Porque eis que passou o

inverno; a chuva cessou, e se foi; aparecem as flores na terra, o tempo de cantar chega, e

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a voz da rola ouve-se em nossa terra‖ (Cânticos 2:11,12). Ela quer dizer, falando assim,

que o verão apareceu com Aquele que fez derreter o gelo da morte para renascer em

temperatura primaveril de uma nova vida, dizendo: ―Eis que faço novas todas as coisas‖

(Apocalipse 21:5). Seu corpo, semeado na morte, refloresceu na ressurreição, e, ao

perfume que Dele emana, vimos logo nos nossos vales e planícies, o que estava árido,

morto ou congelado, cobrir-se de verde, renascer em vida e retomar o calor.

9. O frescor destas flores. O renovar destes frutos e a beleza deste campo, de onde

exalam os mais doces perfumes encantam também o Pai cujo Filho fez novas todas as

coisas, e lhe inspiram esta exclamação: ―Eis que o cheiro do meu Filho é como o cheiro

do campo, que o Senhor abençoou‖ (Gênesis 27:27). Sim, um campo cheio de flores, pois

é de Sua plenitude que recebemos tudo o que temos. Mas a Esposa, ao se agradar Dele,

vem colher em simplicidade flores e frutos para adornar a morada íntima de sua

consciência, para que ao chegar o seu Amado, seu pequeno leito do coração exale os

perfumes mais suaves. Portanto, se nós queremos que Cristo faça repetidamente em nós

Sua morada, é preciso que nossos corações estejam cheios da fiel lembrança da

misericórdia e do poder cujas provas recebemos em Sua morte e em Sua ressurreição. É

o pensamento de Davi, quando disse: ―Deus falou uma vez; duas vezes ouvi isto: que o

poder pertence a Deus. A ti também, Senhor, pertence a misericórdia‖ (Salmos 62: 11-12)

Jesus Cristo provou superabundantemente, pois após morrer por nós por nossos

pecados, Ele ressuscitou para nos justificar, subiu aos céus para nos proteger, e nos

envia o Espírito Santo para nos consolar; e, mais tarde Ele voltará para a consumação da

salvação. Ora eu vejo em Sua morte a prova da Sua misericórdia, na ressurreição a do

Seu poder, e em todo o restante eu as encontro as duas reunidas.

10. Se a Esposa pede que a suportemos com flores aromáticas e que a fortaleçamos com

frutos cheirosos, eu acho que é porque ela sente que o amor pode perder calor e força;

mas ela só terá estímulos até ser introduzida no quarto de Seu amado, sentindo-se

coberta de beijos há muito desejados e possa exclamar: ―A sua mão esquerda esteja

debaixo da minha cabeça, e a sua mão direita me abrace‖ (Cânticos 2: 6). Mas então ela

sentirá e verá por si mesma o quanto estas provas de amor que Seu Amado lhe dava da

mão esquerda, para assim dizer, pois Ele as dava sem contar nos dias em que estava

entre nós, cedem em doçura aos abraços da sua mão direita e os são inferiores, e ela

entenderá suas palavras. ―O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita‖ (João

6: 63), e ela penetrará no sentido destas palavras: ―Meu espírito é mais doce que o mel e

minha herança mais agradável que o mel nas prateleiras‖. Se em seguida dissermos: ―A

memória de meu nome passará de séculos em séculos‖ é para mostrar que os eleitos que

ainda têm sede da presença do Esposo, têm ao menos a lembrança Dele para se conso-

larem, enquanto durar este século, durante o qual as gerações passam e se sucedem. Se

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está escrito: ―Proferirão abundantemente a memória da tua grande bondade‖ (Salmos

145:7), certamente ouve-se daqueles cujo o salmista disse anteriormente: ―Uma geração

louvará as tuas obras à outra geração‖ (Salmos 145:4). Portanto os que vivem na terra

possuem para si somente a lembrança do Esposo, e os que nos céus reinam, se alegram

de Sua presença; esta última é a glória dos eleitos que já chegaram à salvação, a outra é

a consolação dos que ainda estão a caminho.

CAPÍTULO IV

Quais são os que acham consolo nas lembranças de Deus,

e são mais puros em sentir o amor por Ele.

11. Mas é interessante ver quais são os que encontram consolo na lembrança de Deus.

Não são os homens corruptos que irritam Deus sem cessar e a quem Ele diz: ―Mas ai de

vós, ricos! porque já tendes a vossa consolação‖ (Lucas 6: 24), mas os que podem gritar

com verdade: ―a minha alma recusava ser consolada‖ (Salmos 72:2); acreditaremos neles

voluntariamente, se eles acrescentarem com o Salmista: ―Mas eu me lembrei de Deus‖ e

encontrei gozo nesta lembrança (Salmos 72:3). E de fato, é verdade que aqueles que

ainda não gozam da presença do Amado, olham para o futuro, e que aqueles que despre-

zam cavar algumas consolações na torrente das coisas que passam, experimentam

coisas abundantes na lembrança das que duram eternamente. Assim são aqueles que

buscam o Senhor e a face do Deus de Jacó, ao invés de buscar seus próprios interesses.

Para aqueles que suplicam a Deus e buscam a Sua presença com todo desejo, a lem-

brança é doce; mas bem longe de saciar a sua fome, ela a faz crescer para o alimento

que deve saciá-los. É o que antecipa este alimento que diz, falando dele: ―Os que comem

ainda terão fome‖. É também isto o que diz aquele que disto se alimenta: ―eu me satisfarei

da tua semelhança quando acordar [me terás mostrado a tua glória]‖ (Salmos 17:15).

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos (Mateus

5:6). E maldita serás, raça malvada e perversa, maldito és, povo tolo e insensato, que não

amas a sua lembrança e teme a sua presença! Tens razão em temer, pois agora não

queres escapar dos caçadores, pois ―Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e

em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na

perdição e ruína‖ (1 Timóteo 6:9); não poderás jamais fugir a esta palavra dura, sim, muito

dura e cruel: ―Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno‖ (Mateus 25:41). Quão

mais suave e mais doce é aquela que ouvimos repetir na Igreja, lembrando a paixão:

―Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna‖ (João 6:54)! O que

nos faz dizer: Aquele que honra a minha morte, e, seguindo meu exemplo mortifica a sua

carne sobre a terra, terá a vida eterna; ou então, se comigo sofres, também comigo

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estarás no Reino. E, portanto ainda hoje, muitos, face a estas palavras, se retiram e se

afastam dizendo, se não em palavras, mas pelo comportamento: ―Duro é este discurso;

quem o pode ouvir? (João, 6:60-61). Desta forma os homens que, ao invés de conserva-

rem seu coração reto e puro e permanecerem fiéis a Deus, preferiram colocar suas espe-

ranças nas riquezas incertas, não podem agora ouvir falar da cruz; a simples lembrança

da paixão lhes parece de peso esmagador; quanto mais serão esmagadoras para estes

as palavras do juiz: ―Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o

diabo e seus anjos‖ (Mateus 25:41)? Elas esmagarão, como uma rocha aquele sobre o

qual cairão. Mas os santos serão benditos; com o Apóstolo, eles não têm outra ambição

senão ―muito desejamos também ser-lhe agradáveis, quer presentes, quer ausentes‖ (2

Coríntios 5:9). E também ouvirão estas palavras: ―Vindes benditos do meu Pai, etc‖. Será

então que aqueles que não guardaram seu coração reto, sentirão, porém tarde demais, o

quanto doce e leve é o jugo e o fardo de Cristo, aos quais orgulhosamente retiraram seu

coração endurecido, como se se tratasse de um jugo esmagador e um fardo pesado. Não

podeis, ó malditos escravos do dinheiro, gloriar-vos na cruz do nosso Senhor Jesus Cristo

e ao mesmo tempo colocar vossa esperança nos tesouros, suplicar por fortuna e

experimentar o quanto o Senhor é doce; e então com certeza O temerão muito, quando O

verdes, Aquele cuja lembrança não vos pareceu cheia de doçura.

12. E para a alma fiel, ela suspira com todas as suas forças após ter conhecido a Deus, e

descansa suavemente em Sua lembrança; ela se gloria das ignomínias da cruz, enquanto

não pode ver o Senhor face a face. Eis certamente o repouso e o sono que a Esposa, a

colomba de Cristo, experimenta, esperando em meio aos bens que lhes são dados em

herança; ela tem, agora, pela lembrança de Sua inefável doçura, ó Senhor Jesus, as asas

brancas e prateadas da pureza e da inocência, e mais ainda, ela espera estar embriagada

de felicidade quando ela avistar o esplendor em Sua face do ouro [...] e Sua sabedoria

inundar de luz na glória e na felicidade dos santos. Portanto bem certa está de gloriar-se

desde agora e de dizer: ―A sua mão esquerda esteja debaixo da minha cabeça, e a sua

mão direita me abrace‖ (Cânticos 2:6). A mão esquerda do Esposo é a lembrança deste

amor do qual ninguém mais pode igualar a grandeza e que O impulsionou a dar a vida por

Seus amigos; Sua mão direita é a visão beatificada que Ele prometeu aos Seus e a

alegria que os embriagará quando gozarem de Sua divina presença. Não é por acaso que

esta visão divina e dêitica, esta inestimável felicidade da visão de Deus é representada

pela mão direita, pois é desta mão que é mencionado de forma inefável: ―tua mão direita

há delícias perpetuamente‖ (Salmos 16:11). É por um motivo semelhante que a mão

esquerda é como a sede desta admirável caridade da qual falamos mais acima e da qual

não sabemos realmente nos lembrar; pois é nesta mão que a Esposa recosta a sua

cabeça esperando que a iniquidade passe.

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13. Não, não é por acaso que o Esposo coloca sua mão esquerda sob a cabeça da

Esposa, para que ela possa se soltar e repousar o que podemos chamar de cabeça, isto é

a profundidade de sua alma, para que ela não se enfraqueça e não se desvie para os

desejos carnais deste tempo; pois a embalagem terrestre e corruptível do corpo é um

fardo pesado para a alma e a faz entrar em depressão, da qual ela precisa sair, levando

em consideração uma misericórdia da qual tínhamos tão pouco direito, um amor tão

gratuito e tão bem provado, uma honra tão inesperada, uma bondade indulgente e uma

doçura tão perseverantes e tão admiráveis. Como pela meditação cuidadosa de todas

estas coisas, não se elevaria a elas o espírito que delas se alimenta, e não se desligaria

de todo sentimento ruim? Que profunda impressão terá sobre ele, e como poderia não lhe

inspirar desprezo por aquilo que podemos gozar somente se renunciarmos a todas estas

grandes coisas? É pelo bom aroma que exalam como tantos perfumes deliciosos que a

Esposa se apressa alegremente e se sente consumida de amor; quando ela se vê tão

amada, lhe parece que ama tão pouco, ainda que fosse ela mesma todo amor, e ela tem

razão de assim crer; de fato, que retorno pode um grão de poeira pagar por um amor tão

grande vindo de tão alto, quando mesmo se consumiria ele inteiramente de amor e de

reconhecimento? Não foi ela avisada pela Divina Majestade, não mostrou-se inteiramente

ocupada em salvá-la? Porque ―Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho

Unigênito‖ (João 3:16). Ora obviamente é de Deus Pai que falamos aqui, e, quando foi

dito: ―porquanto derramou a sua alma na morte‖ (Isaias 53:12), trata-se aqui do Filho;

quanto ao Espírito Santo lemos: ―Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai

enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo

quanto vos tenho dito‖ (João 14:26). Portanto Deus nos ama e nos ama com todo o Seu

ser; pois a Trindade toda nos ama, se é permitido expressar assim, falando do Ser infinito

e incompreensível no qual não há partes.

CAPÍTULO V

Obrigação de amar a Deus, particularmente para os cristãos.

14. Quando pensamos em tudo isto, podemos facilmente compreender porque devemos

amar a Deus e quais os direitos que Ele tem ao nosso amor. Trata-se do infiel? Como ele

não conhece o Deus Filho, ele está na mesma ignorância em relação ao Pai e ao Espírito

Santo; e da mesma forma que ele não glorifica ao Filho, ele não saberia glorificar o Pai

que O enviou e nem tampouco o Espírito Santo que é um dom do Filho; ele conhece Deus

menos do que nós, portanto não é estranho que O ame menos; todavia, ele não ignora o

fato de que se deve inteiramente Àquele que ele sabe que recebeu a vida. Mas e quanto

a mim? Porque não posso ignorá-lO, não somente Deus me fez um ser sem que eu o

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merecesse; não somente Deus supre abundantemente as minhas necessidades, me

consola com bondade e me governa com solicitude, mas mais ainda é o Autor da minha

redenção e da minha salvação eterna; Ele é para mim um tesouro e fonte de glória. De

fato está escrito; ―Espere Israel no Senhor, porque no Senhor há misericórdia, e nele há

abundante redenção‖ (Salmos 130:7), e ―Nem por sangue de bodes e bezerros, mas por

seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna

redenção‖ (Hebreus 9:12), — ―Porque o Senhor ama o juízo e não desampara os seus

santos‖ (Salmos 37: 28). Ele nos enriquece; de fato, está escrito: ―boa medida, recalcada,

sacudida e transbordando‖ (Lucas 6:38). E ainda em outro escrito: ―As coisas que o olho

não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem, são as que Deus

preparou para os que o amam (1 Coríntios 2:9)‖. Ele nos enche de glória, pois, segundo o

Apóstolo: ―de onde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que

transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso‖ (Filipenses

3:20-21)‖, e mais: ―Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente

não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada‖ (Romanos 8:18).

―Por isso não desfalecemos; mas, ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o

interior, contudo, se renova de dia em dia. Porque a nossa leve e momentânea tribulação

produz para nós um peso eterno de glória mui excelente‖ (2 Coríntios 4:16-17).

15. Que daria eu, portanto, ao Senhor por tudo isto? A razão e a justiça obrigam-me

apressadamente a me doar inteiramente Àquele de quem recebi tudo o que sou, e de

consagrar todo o meu ser em amá-Lo. A fé me diz também a ter por Ele um amor tal que

eu entendo melhor o quanto devo estimá-Lo mais do que a mim mesmo, pois se herdei de

Sua magnificência tudo o que sou, eu Lhe devo também o Seu próprio dom. Enfim o dia

da fé cristã não tinha ainda um Deus que se havia incorporado, não havia ainda morrido

na cruz e nem descido ao sepulcro, nem subido aos céus ao lado de Seu Pai; digo, Ele

não havia ainda rompido toda a extensão do Seu amor por nós, deste amor do qual tive a

amabilidade de partilhar mais alto com vocês, o homem já havia recebido a ordem de

amar O Senhor seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todas as suas

forças, isto é, de todo o seu ser, de todo amor que for capaz, como criatura dotada de

força e inteligência. E não seria de forma alguma uma injustiça da parte de Deus de

reivindicar Sua obra e Seus dons.

De fato, por que a obra não amaria aquele que a fez, já que recebeu o poder de amar, e,

por que não O amaria com todas as suas forças se é somente Dele que ela as recebeu?

Adicione a isso tudo que ele foi tirado do nada sem nenhum mérito anterior, para em

seguida ser exaltado; a obrigação de amar a Deus vos parecerá de tanto mais evidente e

seus direitos ao nosso amor tanto mais fundamentados. Aliás, não foi Ele ao cúmulo em

Suas bênçãos e Suas misericórdias, quando nos salvou, quando estávamos semelhantes

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aos animais que perecem (Salmos 49:20)? De fato, pelo pecado fomos destituídos do

nível de honra que era nosso, para nos tornarmos semelhantes ao boi que ara no campo,

e a animais desprovidos de razão. Portanto, se devo me doar completamente ao meu

Criador, o que mais não lhe deveria ao meu Restaurador, a tamanho Restaurador? Foi-

Lhe muito menos fácil me restaurar do que me criar; pois, para dar vida não somente a

mim, mas a toda a criação, dizem as Escrituras ―pois mandou, e logo foram criados‖

(Salmos 148:5). Mas para restaurar o ser que, com uma única palavra, feito tão completo,

quantas palavras não foram pronunciadas, quantas maravilhas Ele deve ter operado,

quantos tratamentos cruéis, ou devo ir mais fundo ainda, quantos tratamentos indignos

Lhe foram necessários sofrer!

―Que darei eu então ao Senhor, em reconhecimento por tudo que fez comigo (Salmos

116:12)?‖ Quando Ele me criou, me deu minha vida: mas a devolveu a mim mesmo

quando se deu por mim; a concedeu-me uma vez, em seguida a devolveu, portanto, por

mim, devo duas vezes. Mas o que darei eu a Deus por Ele? Pois, mesmo que eu pudesse

me dar a mim mesmo mil vezes, que seria isto comparado a Deus?

CAPITULO VI

Recapitulação, sumário dos capítulos anteriores.

16. Reconheçamos então primeiramente em que medida merece Deus ser amado, ou

melhor, vamos entender que deve ser sem medida. De fato, para resumir em poucas

palavras, Ele nos amou primeiro, Ele tão grande e nós tão pequenos; Ele nos amou com

excesso, tal como somos, e sem qualquer mérito nosso; por isso eu disse no começo que

a medida do nosso amor por Deus deve ser sem medida ou exceder qualquer medida;

aliás, já que este amor é imenso, infinito (pois assim é Deus) eu pergunto, quais seriam o

termo e a medida de nosso amor por Ele? Além do mais, o nosso amor não é gratuito; é o

pagamento de nossa dívida. Enfim, quando é o Ser imenso e eterno, o próprio amor por

excelência, quando se trata de um Deus cuja grandeza é sem limites, a sabedoria

incomensurável, a paz excedendo a todo sentimento e todo pensamento; quando, digo, é

um Deus tal que nos ama, guardaremos em relação a Ele alguma medida em nosso

amor? Eu Te amarei, portanto, Senhor, Tu que és a minha força e meu apoio, meu refúgio

e minha salvação, Tu que és para mim tudo o que pode existir de mais desejável e mais

amável. Meu Deus e meu sustento, eu Te amarei com todas as minhas forças, não tanto

quanto mereces, mas certamente tanto quanto eu puder, se eu não puder o quanto

deveria, pois é impossível para mim amá-lO mais do que todas as minhas forças. Poderei

amá-lO mais somente quando receber o poder da Sua Graça, e ainda assim não será o

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quanto mereces. Teus olhos veem toda a minha insuficiência, mas eu sei que Tu escre-

ves no Livro da Vida, todos aqueles que fazem o quanto podem, mesmo que não façam

tudo o que devem. Eu já disse o suficiente, se não me engano, para mostrar como Deus

deve ser amado, e por quais boas obras Ele mereceu o nosso amor. Eu digo, por quais

boas obras, pois por excelência, quem a poderia entender, quem a poderia expressar,

quem a poderia sentir?

CAPÍTULO VII

Vantagens e recompensas do amor de Deus.

As coisas da terra não podem satisfazer o coração do homem.

17. Vejamos agora quais vantagens existem para nós no amor de Deus. Sim vejamos,

mas que relação entre o que veremos e o que é? No entanto, não podemos nos omitir, se

bem que a nossa visão não pode englobar toda a verdade. Nós nos perguntamos acima

por qual motivo e em qual medida deve-se amar a Deus, e dissemos que esta questão:

―por quais motivos devemos amá-lO‖ apresenta-se sob dois pontos de vista, pois

podemos entender desta forma, que direitos tem Deus sobre o nosso amor; ou então, que

vantagem nós encontramos em amá-lO? Nós falamos da melhor forma que podíamos,

senão de um modo digno de Deus, dos direitos que Ele possui sobre o nosso amor:

faremos o mesmo em relação às vantagens que encontramos neste amor; pois, se nós

devemos amar a Deus, sem nos preocupar com a recompensa, ainda assim somos

recompensados por tê-lO amado. A verdadeira caridade não pode permanecer sem paga,

e, no entanto não é nem um pouco mercenária, pois não busca seus próprios interesses

(1 Coríntios 8:5); o amor é um movimento da alma e não um contrato; não se o pode

adquirir em virtude de uma convenção, e também nada adquire por este meio; é total-

mente espontâneo em seus movimentos e nos faz semelhantes a ele: enfim o verdadeiro

amor encontra em si mesmo a sua satisfação. Sua recompensa é no sujeito amado; pois

qualquer que seja o sujeito que dizemos amar, se o amamos em vista de outro, então é

este que verdadeiramente amamos e não aquele cujo coração usa para atingi-lo. Por isso

que Paulo não prega o Evangelho para ter o que comer, mas ele come para poder pregar

o Evangelho; pois, o que ele ama, não é a comida que ele pega, mas o Evangelho que ele

anuncia (1 Coríntios 9:18). O verdadeiro amor não busca recompensa, mas ele merece

uma; é certo que não propomos àquele que ama uma recompensa por seu amor, mas ele

merece ser recompensado e o será se continuar a amar. Enfim, em uma ordem de coisas

menos elevadas, excitamos a fazê-las, com promessas de recompensas, não aos que

acham que são algo, mas os que se doam com pesar. Quem jamais teve a vontade de

oferecer a alguém uma recompensa para lhe fazer algo que realmente ansiava fazer?

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Certamente não damos dinheiro a um homem morrendo de fome e de sede, para incitá-lo

a comer ou beber, e nem a uma verdadeira mãe, para que amamente o fruto do seu

ventre, e não usamos de orações e promessas para incentivar alguém a cercar a sua

plantação, a remoer a terra em volta das árvores ou elevar o muro de sua casa. Por uma

razão mais forte ainda, aquele que ama a Deus, não teria ele necessidade de se sentir

atraído por uma recompensa que não seja o próprio Deus; de outra forma não seria a

Deus que ele amaria e sim a recompensa.

18. Está na natureza do homem o desejar, cada um conforme a sua tendência e sua

percepção, o que lhe parece melhor do que aquilo que ele já possui, e de nunca estar

satisfeito com algo que definitivamente não está de acordo com aquilo que ele queria.

Citemos alguns exemplos: Se um homem que tem uma linda mulher, vê uma mais linda,

seu coração a deseja, seu olhar arde em desejo; se ele tem uma vestimenta preciosa, ele

deseja uma mais sumptuosa ainda; e com as riquezas que ele em, ele inveja os que têm

mais do que ele. Não é comum vermos homens ricos em terras e em propriedades

comprar novos campos, e, nos seus desejos sem fim, recuar constantemente os limites

de seus domínios? Aqueles que moram na realeza, em vastos palácios, não cessam de

acrescentar a cada dia novos edifícios aos antigos; tomados por uma inquieta curiosida-

de, não param de construir e destruir, mudando o que está redondo para fazer quadrado.

Se falarmos então de homens cheios de homenagens, não aspiram eles constantemente

com todas as suas forças com uma ambição cada vez mais difícil de agradar por uma

posição ainda mais elevada? Isto não tem fim, porque em todas estas coisas não

conseguimos achar um ponto que seria propriamente dito o mais elevado e o melhor. Mas

deveríamos estranhar que aqueles que não podem parar enquanto não possuírem o que

tiver de maior e mais perfeito, não estejam nunca satisfeitos com o que for pior ou

inferior? Mas o que eu acho insensato acima de qualquer expressão, é que desejamos

sempre aquilo que não poderia jamais, não digo satisfazer, mas simplesmente adormecer

os desejos ardentes. O que quer que seja que nós possuímos, nós não desejamos menos

aquilo que ainda não temos e é sempre em relação ao que não temos que suspiramos

mais e mais. E então o que acontece? O nosso coração, cedendo aos caprichos variados

e enganosos do século, cansa-se inutilmente em sua corrida e não consegue se saciar;

está sempre faminto e de nada vale o que já tem com aquilo que ainda lhe resta a ter;

está bem mais atormentado pelo desejo do que lhe falta do que pela satisfação do que já

tem. Não podemos ter tudo e aquilo que temos o adquirimos somente com esforço, o

aproveitamos com temor e tendo a dolorosa certeza de perdê-lo um dia, mesmo não

sabendo qual será este dia. Este é, portanto o caminho de uma vontade pervertida que

pende ao bem soberano; é seguindo esta direção que ela se apressa em atingir o que a

deve satisfazer; ou, melhor dizendo, é nestes desvios que a vaidade não se deixa vencer

e a iniquidade se engana. Se queremos atingir um objetivo que nos propomos e enfim

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adquirir aquilo cuja possessão excede a todos os desejos, porque procurar de tantos

outros lugares? Isto é se afastar do reto caminho, e a morte chegará bem antes de

atingirmos o alvo desejado.

19. Em todos estes desvios se perdem os ímpios que procuram, por um movimento

natural, a satisfazer seu apetite e negligenciam, como insensatos, os meios para conse-

guir o que querem; quero dizer, a serem consumados e não consumidos. Ora, eles se

consumem em vãos esforços e não conseguem chegar a uma felicidade consumida; pois,

estão mais afeiçoados às criaturas do que ao Criador, e se voltam a todas elas e as

experimentam umas após as outras, antes de pensar em tentar se dirigir ao Senhor que

as criou. É aonde chegariam certamente, se pudessem um dia cumprir todos os seus de-

sejos, ou seja, de possuir todo o universo, menos o seu Autor, e isto se faria em virtude

mesmo da lei de suas concupiscências, que os faz esquecerem o que são, para almejar

aquilo que não tem; senhores de tudo o que está no céu e na terra, não tardariam a

considerar tudo isto insuficiente e procurariam por fim aquele que lhes falta ainda para

que tenham tudo, ou seja, o próprio Deus. E então, finalmente experimentariam o repou-

so; pois, se não o podemos achar além deste termo, não saberíamos também sentir a

necessidade de ir além; qualquer um que ali se achasse não poderia deixar de exclamar

[...] ―Quem tenho eu no céu senão a ti? e na terra não há quem eu deseje além de ti‖ (Sal-

mos 73:25)? e mais ainda: ―Deus é a fortaleza do meu coração, e a minha porção para

sempre‖ (Salmos 73:26). Eis, portanto, que falei mais alto, como chegaríamos ao sobe-

rano bem, se pudéssemos antes provar de todos os bens que se encontram abaixo dele.

20. Mas é absolutamente impossível proceder desta maneira, a vida é curta demais para

isso, falta-nos forças e a quantidade de pessoas que partilham o mesmo caminho é por

demais considerável. Além do mais, qualquer um que queira tentar, de todas as criaturas,

penará inutilmente, pois pelo longo caminho que se propõe a percorrer, não conseguiria

chegar ao fim e experimentar tudo aquilo que deseja ardentemente em suas concupis-

cências. Por que não fazer todas estas tentativas em espírito ao invés da realidade? Seria

mais fácil e mais vantajoso; o espírito recebeu uma atividade e uma perspicácia maiores

que as do coração, precisamente afim de poder estar adiante em tudo, para que o

coração não tenha a imprudência de se apegar ao que o espírito, que vai mais rápido que

ele, ainda não achou útil. [...] Está escrito: ―Examinai tudo, retende o bem‖ (1 Tessalo-

nicenses 5:21), afim de que o primeiro prepare o terreno ao outro, e que o coração se

apegue somente em consequência do julgamento feito pelo espírito. Não podemos de

outra forma subir ao monte do monte do Senhor (Salmos 24:3) e descansar em Seu

santuário, pois é em vão que possuímos uma alma, isto é, uma alma racional, pois a

exemplo dos animais nós a deixamos levar-se por impulso vindo dos sentimentos em-

quanto a razão se cala e não oferece nenhuma resistência. Aqueles cuja a razão não

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esclarece o caminho, nem por isso correm menos, mas estão fora da reta, e, apesar dos

conselhos do Apóstolo, não estão correndo de forma a conquistar a vitória (1 Coríntios

9:24); de fato, quando poderiam obtê-la, se a querem somente após ter conseguido todo o

resto? Seria pegar um caminho cheio de desvios e engajar-se em um circuito sem fim de

querer experimentar de tudo começando do começo.

21. Não é assim que o justo procede. Ferido pela desaprovação direcionada a todos

aqueles que se engajaram nestes desvios, pois o caminho que conduz à perdição é largo

e frequentado pela multidão, ele prefere o caminho real que não se desvia nem para a

esquerda e nem para a direita, conforme as palavras do profeta; ―O caminho do justo é

todo plano; tu retamente pesas o andar do justo‖ (Isaías 26:7). De fato ele toma o

caminho mais curto para evitar sabiamente os longos e inúteis desvios, e ele experimenta

uma palavra tão simples quanto simplificadora, não desejar o que vemos, vender o que

temos e o dar aos pobres, pois, bem-aventurados são certamente os pobres de espírito,

porque deles é o Reino dos Céus (Mateus 5:3); bem sabe ele que todos os que correm no

estádio não chegarão a mesma posição (1 Coríntios 9:24).

Enfim, porque o Senhor conhece e aprova o caminho dos justos (Salmos 1:6), e conhece

também o do pescador que só pode perecer; vale mais o pouco que tem o justo, do que

as riquezas de muitos ímpios (Salmos 37:16), pois, o sábio disse e o insensato o provou

―quem amar o dinheiro jamais dele se fartará‖ (Eclesiastes 5:10), ―Bem-aventurados os

que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos‖ (Mateus 5:6); um espírito reto

faz da justiça seu alimento vital e natural, quanto ao dinheiro, a alma não se alimenta mais

do que o corpo do ar que respira. Se olhássemos para um homem, desesperado de fome,

respirar fundo aspirando profundamente para matar a fome, o chamaríamos de tolo;

assim são aqueles que pensam matar a fome da alma, quando a preenchem com coisas

corporais que lhe dão de fato, mas o que importa isso para o espírito? Não se alimenta

ele mais do que o corpo com coisas espirituais. ―Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e

tudo o que há em mim bendiga o seu santo nome‖ (Salmos 103:1); Ele te dá abundância

de bens, e, ao mesmo tempo, te excita ao bem, te fixa no bem. Ele te provê, te sustenta,

te abençoa abundantemente; Ele ascende em ti os desejos, e Ele próprio os incendeia.

22. Eu já disse, o motivo do amor de Deus é o próprio Deus, e estou certo em dizer isto,

pois Ele é de fato a causa ao mesmo tempo eficiente e final do nosso amor. Pois é Ele

quem faz nascer a ocasião para o amor, Ele é que o incendeia e ainda Ele o enche de

desejos. Ele faz com que O amemos, ou melhor, Ele é tal que não que não tem como não

ser alvo do nosso amor; Ele o é também de nossa esperança: se não esperássemos ter a

alegria de amá-lO um dia, O amaríamos agora em vão. Seu amor prepara e abençoa o

nosso. Em sua bondade excessiva Ele começa por prover em nós, e então nos cobra

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merecidamente de volta, e, futuramente, Ele nos reserva as mais doces esperanças. Ele é

rico para todos os que O invocam; porém, em toda a sua riqueza, nada é mais valioso do

que Ele.

Ele é [...] nossa recompensa, é alimento das almas santificadas e o regaste das que estão

cativas. Se já és para a alma que te procura uma fonte de felicidade, o que serás, Senhor,

para aquela que te achou? [...] Falamos sobre a consumação do amor a Deus, falemos

agora quais são os começos.

CAPÍTULO VIII

Nós começamos por nos amar para nós mesmos;

é por nós o primeiro grau do amor.

23. O amor é um dos quatro³ sentimentos naturais que todo mundo conhece e que é por

consequência inútil nomear. Ora o que é natural e o que seria justo, seria de, antes de

qualquer coisa, amar o autor da natureza: também, o primeiro e maior mandamento é

este: ―Amarás o Senhor teu Deus‖ (Mateus 22:37). Mas a natureza é mole demais e muito

fraca para tal preceito, por isso começa por amar-se a si mesma; é este amor que

chamamos de carnal, e cujo homem se ama antes de qualquer outra coisa e para ele,

assim está escrito: ―Mas não é primeiro o espiritual, senão o natural; depois o espiritual‖ (1

Coríntios 15:46). Não é em virtude de um preceito que as coisas acontecem desta forma,

é fato da natureza. De fato, vemos alguém odiar a sua própria carne (Efésios 5:29)?

Mas se este amor, como de costume acontece, tiver muita liberdade, se ele se expandir

um pouco além, se sair do campo da necessidade e se esparramar nos campos da sen-

sualidade, como um rio cujas águas se enchem, e transbordam; de súbito então se

__________

[3] Bernardo reconhecia apenas quatro sentimentos principais: o amor, o medo, a alegria e a tristeza.

levanta para contê-lo, o dique do preceito que nos ordena ―amar o próximo como a si

mesmo‖ (Mateus 22:39). Nada mais justo, aliás, que aquele que partilha conosco a

natureza, partilhe também os sentimentos da qual ela é a fonte em comum? Se, portanto

é pesado demais a um homem pensar, não digo às necessidades de seus irmãos, mas

aos seus prazeres, que ele se modere ele mesmo no espaço dos seus próprios; ou então

ele seria culpado. Que pense nele o quanto quiser, contanto que seja para os outros, o

que é para si mesmo. Tais são, ó homem, o freio e a justa medida imposta pela lei do teu

ser e da tua consciência para que não caia na armadilha de tuas concupiscências e não

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corras para a perdição, colocando os bens da natureza a serviço dos inimigos de tua

alma, ou seja, das paixões. Mais vale partilhar com teu semelhante, ou seja, teu próximo

do que com teu inimigo. Mas se, segundo o conselho do sábio, o homem renunciar às

suas paixões, se contentar, segundo a doutrina do Apóstolo, com o alimento e as vestes

(1 Timóteo 6:8), e se ele se resignar voluntariamente a amar menos as coisas da carne

que combatem contra o espírito (1 Pedro 2:11), ele não terá dificuldade, penso eu, em dar

a seu semelhante ao que ele recusa ao inimigo de sua alma. Seu amor ficará guardado

nos limites da justiça e da moderação, do momento em que ele consagrar às necessida-

des de seus irmãos tudo aquilo que recusa às suas próprias paixões. É assim que o amor

pessoal torna-se um amor fraternal, saindo de dentro pra fora.

24. Mas se, enquanto partilhamos com o próximo, vier a nos faltar o sustento, o que

fazer? Nada além de orar com confiança Àquele que nos dá abundantemente, sem jamais

nos reprochar os Seus dons (Tiago 1:5), ―Abres a tua mão, e fartas os desejos de todos

os viventes‖ (Salmos 145:16); pois não podemos duvidar dAquele que não recusa nem

mesmo o supérfluo a maioria dos homens, vindo de bom grado ao socorro daqueles que

estão necessitados. Pois disse Ele: ―Buscai antes o reino de Deus, e todas estas coisas

vos serão acrescentadas (Lucas 12:31), Ele portanto, se comprometeu a dar o necessário

àquele que restringe o seu supérfluo e ama seu próximo; de fato, isto é buscar primeiro o

Reino de Deus e implorar Seu socorro contra a tirania do pecado de suportar o jugo da

pureza e da sobriedade, ao invés de permitir que o pecado reine em nosso corpo

perecível. Ora ainda é justo partilhar o que recebemos das bênçãos da natureza com

aqueles com quem já dividimos a própria natureza.

25. Mas, para que nosso amor ao próximo seja impecável, é preciso que Deus esteja

envolvido; é de fato possível amar o próximo verdadeiramente, se não for em Deus? Ora,

qualquer que não tenha sido educado em amor, não saberia amar em Deus; é preciso,

portanto começar por amar a Deus, se queremos amar o próximo nEle, de modo que

Deus que é o autor de todos as outras bênçãos, o é também de nosso amor por Ele, eis

como não somente Ele criou a natureza, mas ainda como Ele a sustenta, pois é tal que,

após receber a existência, ainda precisa dAquele que lhe a concedeu e que lhe conserva;

se ela pode somente existir nEle, ela não pode subsistir sem Ele. É para que nos conven-

çamos e que não nos atribuamos com orgulho as bênçãos das quais lhes somos devedo-

res, que o Criador, com profunda e salutar intenção, quis que fôssemos sujeitos a

tribulações: assim, se enfraquecemos, Deus vem ao nosso socorro e, salvos por Deus,

nós Lhe rendemos a honra que Lhe convém. É o que diz Ele mesmo: ―E invoca-me no dia

da angústia; eu te livrarei, e tu me glorificarás‖ (Salmos 50: 15). Eis porque o homem

animal e carnal, que de início sabia apenas amar a si mesmo, começa em seguida, mas

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ainda pra ele mesmo, a amar a Deus, vendo, pela sua própria experiência, que todo o seu

poder, pelo menos para o bem, vem dEle e que sem Ele, ele não pode absolutamente nada.

CAPÍTULO IX

Segundo e terceiro graus do amor.

26. Agora então, o homem já sente amor por Deus, mas ele o ama ainda para si mesmo e

não para Deus. No entanto, existe-lhe alguma sabedoria própria em saber do que é capaz

por ele mesmo e o que ele não pode fazer sem a ajuda de Deus, e de se manter impeça-

vel aos olhos dAquele que lhe conserva todo poder intacto. Mas que o cortejo das tribu-

lações fundamenta sobre ele e o obriga a recorrer a Deus, se ele recebe a cada vez o

socorro que o livra, não deveria ter ele um coração de mármore ou bronze para não ser

tocado cada vez que foi socorrido, pela bondade de seu Libertador e de não começar a

amá-lO por Ele mesmo e não mais somente pra ele. Pois a frequência das tribulações nos

obriga a recorrer frequentemente a Deus, ora é impossível voltar a Ele frequentemente e

não experimentar dEle, e é impossível experimentar dEle sem perceber o quanto Ele é doce.

Assim acontece que logo somos levados a amá-lO verdadeiramente, muito mais por

causa da doçura que encontramos nele do que por causa do nosso próprio interesse, de

modo que, a exemplo dos Samaritanos dizendo à mulher quem lhes havia anunciado a

vinda do Messias entre eles, ―E diziam à mulher: Já não é pelo teu dito que nós cremos;

porque nós mesmos o temos ouvido, e sabemos que este é verdadeiramente o Cristo, o

Salvador do mundo‖ (João 4:42). Nós também dizemos à nossa carne agora não é mais

por tua causa que amamos o Senhor, mas porque nós mesmos experimentamos e

havemos reconhecido o quanto Ele é doce.

As necessidades da carne são uma espécie de linguagem que proclama em movimentos

de alegria e felicidade, as bênçãos que, por experiência ela reconheceu a grandeza.

Quando chegamos neste ponto, já não é mais difícil de cumprir o preceito de amar ao

próximo como a si mesmo: pois, se amamos a Deus verdadeiramente, amamos também o

que é dele, nosso amor é casto e conseguimos nos submeter ao preceito que diz: ―ele tor-

na puro o nosso coração por obediência e por amor‖ (1 Pedro 1:22); Ele é justo e nós

cumprimos voluntariamente um tão justo mandamento, enfim, cheio de encanto e inte-

resse pois é totalmente desinteressado. É, portanto, um amor cheio de castidade, já que

não se manifesta nem por gestos e nem por palavras, mas por obras e pela verdade; é

um amor cheio de justiça, pois entrega o tanto quanto recebe. Qualquer um que ama este

amor, ama tanto quanto é amado e busca então somente os interesses de Jesus Cristo, e

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não os seus próprios interesses, da mesma forma que Jesus procurou os nossos, ou

melhor nos procurou a nós mesmos.

Eis o amor daquele que diz: ―Louvai ao Senhor, porque Ele é bom (Salmos 118:1). Aquele

que louva ao Senhor, não somente porque o Senhor é bom pra ele, mas simplesmente

porque o Senhor é bom, ama verdadeiramente Deus pelo o que Ele é e não por si mêsmo.

Não acontece desta forma para aquele que quem está escrito: ―Ele vos louvará quando

lhe tiveres feito o bem‖. O terceiro grau do amor é, portanto de amar a Deus pelo que Ele é.

CAPÍTULO X

O quarto grau do amor é de somente se amar para Deus.

27. Bem-aventurado aquele que pode subir até o quarto grau do amor e que conseguiu se

amar apenas para Deus. ―Tua justiça é como as grandes montanhas‖ (Salmos 36:6); é a

mesma coisa para este quarto amor, é um monte muito elevado, uma montanha abun-

dante em pasto e fértil, ―Quem subirá ao monte do Senhor‖ (Salmos 24:3)? Quem me

dará asas como as da colomba, para que eu possa voar até o topo e ali repousar? Um

lugar tranquilo, a morada de Sião. Ah! Quão longo é meu exílio! Quando então se elevará

até lá a carne e o sangue, o barro e o pó de que fui feito? Quando então, embriagado pelo

amor de Deus, minha alma se anulando e não se estimando mais do que um vaso

trincado, lançar-se-á em direção a Deus, se perderá nEle e, sendo um só e mesmo

espírito com Ele (2 Coríntios 6:17), quando poderá clamar: ―A minha carne e o meu

coração desfalecem; mas Deus é a fortaleza do meu coração, e a minha porção para

sempre‖ (Salmos 73:26)? Santo e bem-aventurado clamarei, eu que pude algumas vezes,

raramente, uma só vez de fato, experimentar algo parecido durante esta vida mortal,

quando na verdade o teria sentido um só minuto, um só instante e como que às

escondidas! Pois não é uma felicidade humana, mas já a vida eterna de se perder a si

mesmo de certa forma, como se não mais existíssemos, de não ter mais ciência de si

mesmo, de estar vazio de si e quase reduzido a nada; se acontecer a um mortal de subir

até este nível, mesmo que só de passagem, assim como o dizíamos, por um segundo, e

por assim dizer, às escondidas, este século mal parece estar com ciúmes e vem perturbar

sua felicidade; este corpo de morte o chama a descer, as preocupações e necessidades

da vida pesam sobre ele fortemente, a corrupção da carne recusa sustentá-lo, e, acima de

tudo, o amor dos seus semelhantes lhe lembra com grande violência e força, ó pesar! Em

voltar, cair em si e clamar. ―Senhor, eu que sofro dos males de uma violência extrema,

responda por mim‖, ou ainda: ―Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo

desta morte?‖ (Romanos 7: 24)!

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28. As Escrituras dizendo que Deus tudo fez para Ele; é preciso que as criaturas se con-

formem e se coloquem, ao menos algumas vezes, no pensamento do Autor. Devemos,

portanto, também entrar neste sentimento e nos render totalmente a Ele, ao Seu bel pra-

zer, não ao nosso [...] Encontraremos a nossa felicidade bem menos no nosso sustento

de cada dia e nas bênçãos que temos como herança, do que no cumprimento de Sua

Vontade em nós; aliás, é justamente o que pedimos todos os dias orando: ―seja feita a

Tua vontade, assim na terra como no céu (Mateus 6:10)‖. Ó puro e santo amor! Ó doce e

santa afeição! Ó submissão da alma inteira e desinteressada! Tanto mais inteira e desin-

teressada que é exemplo de todo retorno a si mesma, tanto mais tenra e doce que tudo o

que a alma sente nessa ocasião é divino. Chegar neste ponto é ser exaltado. Da mesma

forma que uma gotinha de água junto a uma grande quantidade de vinho parece

desaparecer tomando o gosto e a cor deste líquido; da mesma forma ainda que, na

fornalha onde é mergulhado, o ferro parece perder a sua natureza e mudar-se em fogo;

ou ainda como o ar penetrado pelos raios de sol torna-se em luz e parecer mais alumiar

do que ser ele próprio alumiado: assim acontece para os santos em todos os seus senti-

mentos humanos; parece que se fundem e fluem na vontade de Deus. De outra forma, se

ficasse ainda algo do homem no homem, como poderia ser Deus tudo em todos? Sem

dúvida, a natureza humana não se dissolveria; mas seria diferentemente bela, gloriosa e

poderosa. Quando isto se dará? A quem isto será dado de ver e experimentar? ―Quando

entrarei e me apresentarei ante a face de Deus?‖ (Salmos 42:2)? Senhor meu Deus, falou

a Ti meu coração, meus olhos Te buscaram; esforçar-me-ei, Senhor, em contemplar a tua

Face. Seria-me permitido ver Teu Santo Templo?

29. Em minha opinião, não creio que possamos observar perfeitamente este preceito:

―Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu

entendimento‖ (Mateus 22:37), enquanto o coração se vê obrigado a cuidar do corpo, que

a alma não é dispensada de velar em conservá-lo cheio de vida e de sensibilidade no

estado presente, e que sua energia, liberada de todos os sofrimentos, não se apoia sobre

a própria força de Deus, pois, ela não saberia aplicar-se a Deus e contemplar apenas a

Sua face divina, enquanto ela tem que velar sobre o corpo frágil e infeliz dando-lhe cuida-

dos. Que não espere, portanto atingir este terceiro grau do amor, ou melhor, de ser ela

mesma atingida, somente quando estiver revestido de um corpo espiritual e imortal, puro

e calmo, obediente e submisso em tudo ao Espírito, o que só pode ser obra do poder de

Deus em favor daqueles que Ele escolhe e não obra de um homem. Eu digo, portanto que

a nossa alma chegará facilmente a este grau supremo do amor, quando as preocupações

ou caprichos da carne não farão mais obstáculo à sua caminhada rápida e apressada em

direção à felicidade que ela deve encontrar no Senhor. É preciso crer, no entanto, que os

santos mártires, antes mesmo que a alma deles deixasse seus corpos vitoriosos, experi-

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mentaram ao menos em parte esta felicidade? Em todo caso é certo que um imenso amor

fluía em suas almas, para dar-lhes forças para exporem suas vidas e desprezar as

tormentas. Como eles o faziam. Não obstante, não podemos duvidar que os terríveis

suplícios que sofreram não tenham alterado, ou até destruído, a alegria de suas almas.

a) [...] O que para nós está prescrito para esta vida não é, portanto a perfeição absoluta

do amor, mas o desejo desta perfeição. De maneira que, tanto quanto a fraqueza humana

o permitir, estejamos constantemente ocupados somente com o pensamento, o amor, a

união e a vontade de Deus.

CAPÍTULO XI

O amor perfeito só será partilhado entre os santos após a ressurreição geral.

30. Mas o que pensar das almas que já deixaram seus corpos? Eu creio que estão

mergulhadas inteiramente no oceano sem fim da luz eterna e da eternidade luminosa.

Mas se ainda aspiram, o que não saberíamos negar, em se juntar ao corpo que outrora

animaram, se nutrem o desejo e a esperança, é evidente que não são totalmente

diferentes do que eram, e que ainda lhes resta algo que atrai sem dúvida bem pouco, mas

que, entretanto atrai a sua atenção. Também, enquanto a morte não for absorvida

totalmente em sua vitória, que a luz eterna não tenha sido invadida de toda parte o

domínio da noite e que a glória celeste não se expanda também em nossos corpos, as

almas não podem se lançar e passar totalmente em Deus, os elos do corpo ainda as

retêm aprisionadas, senão pela vida e pelo sentimento, ao menos por uma certa afeição

natural que não lhes deixa nem a vontade e nem o poder de atingir a consumação

Também, até que seus corpos lhe sejam devolvidos, as almas não experimentarão esta

fraqueza em Deus que é para elas a suprema perfeição, não buscariam esta união se,

para elas, tudo estivesse consumado, sem tê-la encontrado; mas se for um progresso

para a alma de deixar seu corpo, é uma perfeição de reavê-lo. Por fim, ―Preciosa é à vista

do Senhor a morte dos seus santos‖ (Salmos 116:15); se podemos falar assim da morte,

que diríamos da vida, e principalmente desta vida em questão? [...] Assim, a alma que

ama a Deus tira vantagem de seu corpo fraco e enfermo, seja ele morto, vivo ou

ressuscitado; durante a vida, ele produz com ela frutos dignos de arrependimento; na

morte, ele lhe serve para seu repouso, e após a ressurreição, ele concorre à consumação

de sua felicidade. Portanto, ela tem razão de não se achar perfeita sem ele, porque ela o

vê contribuir com ela para o bem de cada um destes três estados.

31. O corpo é para a alma um bom e fiel companheiro: se ele for para ela um fardo, ele é

ao mesmo tempo uma ajuda; quando cessa de ajudá-la, cessa igualmente de pesar sobre

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ela; enfim, ele vem ajudar e não é mais um fardo para ela. O primeiro estado é laborioso,

mas útil; o segundo desocupado, mas de forma alguma tedioso, e o terceiro é glorioso.

Ouçam como o Esposo dos Cânticos convida a alma para esta tripla sucessão: ―Amigos

meus, comam e bebam, embriaguem-se, meus tão caros amigos‖ (Cânticos 5:1). As

almas que ele convida a comer são aquelas que trabalham em seus corpos; teriam elas

os deixado para se repousar na morte, ele as chama para beber, ele se apressa em

embriagá-las quando tornam a eles, e se ele as chama de ―caros amigos‖, indicando que

estão cheias de amor; porque às primeiras, ele diz apenas: ―Amigos‖, esperado que

aquelas que gemem, ainda sob o peso de seus corpos [...]. Quanto às que são libertas

das entravas do corpo, lhe são tanto mais caras que adquiriram mais independência e

facilidade para amá-lO. Mas, comparando as almas colocadas em uma ou outra destas

condições, ele as tem como caríssimas, como lhe são de fato para Ele, aquelas que se

encobriram com sua segunda veste reavendo seu corpo na glória, e são levadas a amar a

Deus com muito mais liberdade e alegria que não lhes sobra mais nada atrás delas para

retardar ou impedir o impulso. Ora, não é da mesma forma para nenhum dos dois

primeiros casos; de fato, o corpo em um faz sentir seu peso e cansaço à alma e, no outro,

é para ela um objeto de uma esperança onde se mescla algum desejo pessoal.

32. A alma fiel começa então por comer seu pão, mas infelizmente! No suor de seu rosto

(Genesis 3:19); de fato, enquanto ela mora no corpo anda tão somente pela fé, que deve

operar pelo amor, pois sem obras a fé é morta. Ora, são as obras, o seu alimento se-

gundo o que diz o Senhor: ―A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e

realizar a sua obra‖ (João 4:34). Quando ela deixou sua carcaça mortal, ela cessa de

comer o pão da dor, e, como no fim da refeição, começa a beber em grandes goles o

vinho do amor; mas uma bebida não desprovida totalmente de misturas, como diz o

Esposo de Cânticos, que diz: ―bebi o meu vinho com meu leite‖ (Cânticos 5:1), porque no

vinho do amor de Deus, a alma deseja reunir-se ao seu corpo, mas ao seu corpo que se

tornou glorioso, mistura-se o leite cheio de mel de um afeto natural: ela já sente bem a

influência da brisa do vinho do amor divino que ela bebe, mas ainda não chega a embria-

gar-se; o leite misturado ao vinho tempera a força; a embriaguez confunde o espírito até

perder as lembranças de si próprio; e a alma que pensa da ressurreição futura do corpo

que lhe pertenceu, ainda não perdeu completamente a lembrança de si própria. Mas após

ter obtido a única coisa que ainda lhe falta, o que poderia doravante impedi-la de, de

alguma forma, deixar-se a si mesma, para mergulhar totalmente em Deus, e de parecer

ao menos o que lhe é permitido se tornar mais semelhante a Deus? Podendo então

aproximar seus lábios da taça de sabedoria da qual está escrito: ―Que meu cálice

transborda‖ (Salmos 23:5)! Não devemos nos espantar se ela se embriaga da abundância

que está na casa de Deus; livre de toda preocupação no que lhes diz respeito, ela bebe a

grandes goles e tranquilamente, no Reino do Pai, o vinho puro e novo do Filho.

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33. Ora é a sabedoria que dá esta tríplice festa onde serve apenas os manjares de amor;

ela dá pão de comer aos que ainda trabalham, vinho de beber aos que já estão gozando o

repouso e ela serviria embriaguez àqueles que entraram no Reino dos Céus; o que faze-

mos em mesas comuns, ela o faz a sua mesa, e só serve de beber após os convidados

terem se servido de alimento. Enquanto estamos nesta vida, revestidos de um corpo

mortal, nós ainda apenas comemos o pão dos nossos esforços, e só o engolimos depois

de ter exaustivamente triturado entre os dentes; tão somente tenhamos devolvido o último

suspiro, que nós começamos a beber na vida espiritual, onde nos servimos, com um

relaxamento cheio de doçura, a bebida que nos é dada; depois, quando recobramos o

nosso corpo devolvido à vida, nós bebemos amplamente a embriaguez em uma vida que

não deve acabar. Este é o sentido das palavras do Esposo: ―comei, amigos, bebei

abundantemente, ó amados (Cânticos 5:1)! Comam nesta vida, bebam após vossa morte,

embriaguem-se após a ressurreição, vós que então chamo com razão de Meus amados,

pois estais embriagados de amor. Como não o seriam quando são aceitos ao noivado no

Cordeiro, sentados a sua mesa, bebendo e comendo em Seu reino, enquanto faz

aparecer a sua frente a sua Igreja cheia de Glória, sem mácula e sem rugas, nem coisa

semelhante (Efésios 5:27)? Então eis que embriaga Seus melhores amigos e os farás

beber da corrente de suas delícias (Salmos 36:8); pois, durante os vivos e castos abraços

do Esposo e da Esposa, há um rio cujas correntes alegram a cidade de Deus (Salmos

46:4), o que para mim nada mais é do que o Filho mesmo de Deus, que passa como que

servindo seus convidados (Lucas 12:37) como prometeu, a fim de que alegrem-se os

justos, e se regozijem na presença de Deus, e folguem de alegria (Salmos 68:3). Eis de

onde vem esta satisfação, que não é seguida de desgosto; este ardor insaciável, portanto,

calmo e tranquilo de ver; este eterno e incomparável desejo de ter, que não tem sua fonte

na privação, enfim esta embriaguez sem excesso, que mergulha e se afoga, não no vinho,

mas em Deus e na Verdade. A alma chegou, portanto, para sempre ao quarto grau do

amor, quando ama somente a Deus e O ama unicamente; pois, neste caso, não nos

amamos mais para nós, mas para Ele, de modo que Ele é a recompensa, a recompensa

eterna daqueles que O amam e O amam para sempre.

CAPÍTULO XII

Fragmento de uma carta aos Chartreux (religiosos da ordem de São Bruno) sobre o

amor.

34. Eu me lembro de ter escrito antigamente aos santos religiosos da Chartreuse, uma

carta (a décima primeira), onde eu falava dos graus do amor, e talvez falasse de outras

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coisas mais, mas era sempre sobre o mesmo assunto, por isso acho interessante trazer

aqui algumas passagens desta carta, além do que me é mais fácil recopiar o que já

escrevi do que escrever algo novo. Eu digo, portanto que o amor verdadeiro e sincero,

que vem realmente de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera, é

aquele que nos faz amar o bem alheio como o nosso. Porque aquele que ama apenas o

que lhe diz respeito, ou ao menos que ama mais aquilo que lhe diz respeito do que aquilo

que diz respeito aos outros, mostra bem que não tem um amor puro e que não ama o

bem para o bem e sim como que para ele: portanto, ele não pode obedecer ao profeta

que lhe diz: ―Louvai ao Senhor, porque Ele é bom‖ (Salmos 118:1). Talvez ele O louve

porque Ele é bom para ele, mas não Lhe dá a devida glória por Ele ser bom em Si [...].

Existem homens que glorificam ao Senhor porque Ele é poderoso; acontece que dão

glória porque Ele é bom para ele; enfim, vemos uns que celebram em louvores simples-

mente porque Ele é bom. Os primeiros são escravos que tremem para eles; os segundos,

mercenários que buscam seus interesses, e os últimos são verdadeiros filhos que pensam

somente no Pai. Ora os primeiros e os segundos pensam somente neles, e somente os

verdadeiros filhos não são interesseiros em relação ao Seu amor (2 Coríntios 13:5), e é

sobre eles, penso eu, que foi escrito: ―A lei do Senhor é perfeita e refrigera a alma‖

(Salmos 19: 7); de fato apenas ela pode mesmo arrancar a alma do amor a si mesma ou

ao mundo, para voltá-la em direção ao amor de Deus, o que evidentemente não saberiam

fazer nem o medo e nem o amor interesseiro; estes bem podem influenciar na aparência

ou na própria conduta, mas não tocam o coração. É certo que uma alma servidora faz de

vez em quando a obra de Deus, mas como não age espontaneamente, ela persevera em

sua insensibilidade. É a mesma coisa para a alma mercenária; mas, como ela não age

com desinteresse, ela evidentemente só cede aos pensamentos de seu próprio interesse.

Mais, quando dizemos próprio, dizemos individualmente e por consequência, limitado;

ora, nos esconderijos das beiras, dos limites, encontram-se a ferrugem e o lixo. Que a

alma servil tenha a sua lei no temor que a domina, até aceito; que a mercenária a tenha

no interesse privado que a sufoca, quando as tentações da concupiscência a atraem e a

levam para o mal; mas nem o medo e nem o interesse privado é sem tarefa ou, ao me-

nos, não pode converter as almas, isto só é possível ao amor, que age sobre a vontade.

35. Ora eis em que eu a considero sem mácula, é que ordinariamente ele não reserva

para si nada do que lhe pertence; aquele que não guarda nada para si, dá para Deus,

certamente, tudo o que ele tem; ora o que Deus possui não pode estar viciado. Também,

esta lei de Deus sem mácula e sem sujeira não é outra que o amor, que não busca seus

interesses, mas o interesse dos outros. Nós a encontramos na lei de Deus, talvez porque

ela é a própria vida de Deus, ou porque ninguém a possui se não a receber de Deus. Não

é nada absurdo dizer que esta lei é a própria vida de Deus, já que eu digo que não é nada

além de caridade. De fato, de onde vem, na suprema e bem-aventurada Trindade esta

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unidade inefável e perfeita que é própria dele? Não seria isto caridade? Portanto, é ela a

lei do Senhor, porque é ela que, se eu posso dizer assim, coloca a unidade na Trindade e

a liga no elo da paz. No entanto, não se deve crer que faço aqui da caridade uma

qualidade ou um ―acidente‖ em Deus; seria dizer, (que Deus me proteja) que nele há algo

que não é Ele; ela é a substância de Deus Ele mesmo, não estou dizendo algo novo ou

algo inovador, pois, Deus é amor, segundo o próprio São João (1 João 4:8). Podemos,

portanto dizer, com razão, que o amor é o próprio Deus e ao mesmo tempo um dom de

Deus. O amor concede amor, a substância, o evento. Quando falo daquele que dá, eu falo

da substância, e quando eu falo do que é dada, eu falo do evento; eld é a lei eterna,

criativa e moderadora do universo; se todas as coisas foram feitas com peso, número e

medida, é por ele que o foram. Nada existe sem lei, nem mesmo Aquele que é a lei de

tudo; é verdade que Ele tornou-se Ele mesmo a lei que o rege, mas uma lei não criada

como Ele.

CAPÍTULO XIII

Da lei da vontade própria e da concupiscência,

que é a dos escravos e dos mercenários.

36. Quanto ao escravo e ao mercenário, são também tanto um quanto o outro uma lei,

mas não a receberam do Senhor; eles a fizeram por eles mesmos, um não amando a

Deus e o outro não O amando sobre todas as coisas: a lei deles, eu repito, é deles e não

a de Deus na qual ao menos a deles é submissa, pois, se eles puderam fazer cada um

uma lei, não a puderam subtrair à ordem imutável da lei divina. Aos meus olhos, é fazer

uma lei para si mesmo, que de preferir a sua vontade própria à lei eterna e comum, e, por

uma imitação do Criador, que eu a chamarei de contrária a ordem, de se reconhecer a si

mesmo como mestre, nem outra regra do que a sua própria vontade, a exemplo de Deus,

que é sua própria lei e depende apenas dele. Infelizmente! Para todos os filhos de Adão,

que esta vontade que inclina e curva nossas testas até nos aproximar do inferno – (“Estou

contado com aqueles que descem ao abismo”) (Salmos 88:4), é um fardo pesado e

insuportável. ―Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte?!‖

(Romanos 7:24)? ―Se o Senhor não tivera ido em meu auxílio, a minha alma quase que

teria ficado no silêncio (Salmos 94: 17). Era sob o peso deste fardo que gemia aquele que

dizia: ―Se pequei, que te farei, ó Guarda dos homens? Por que fizeste de mim um alvo

para ti, para que a mim mesmo me seja pesado?‖ (Jó 7:20)? Para estas palavras: ―para

que a mim mesmo me seja pesado‖, queria dizer que ele havia se tornado sua própria lei

e até autor desta lei. Mas quando ele começa a dizer a Deus: ―Porque fizeste de mim um

alvo para ti‖, ele mostra que não se subtraiu à ação da lei divina; pois, e ainda próprio

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desta lei eterna e justa, que todo homem que recusa submeter-se ao seu doce império

torna-se seu próprio tirano, e que todos os que rejeitam o jugo suave e o fardo leve do

amor são forçados a gemer sob o peso esmagador de sua própria vontade. Assim, a lei

divina fez de um modo admirável, daquele que O abandona, ao mesmo tempo um

adversário e um assunto; pois, de um lado, ele não pode escapar da lei e da justiça,

segundo aquilo que merece, e do outro, ele não se aproxima de Deus, nem de Sua luz,

nem em Seu repouso, nem na Sua glória: portanto, ele está ao mesmo tempo prostrado

diante do poder de Deus, e excluído da felicidade divina. Senhor meu Deus, porque não

apagas o meu pecado e porque não fazes desaparecer a minha iniquidade, afim de que,

lançando o peso esmagador de minha vontade própria eu respire sob o fardo leve do

amor, e que, não mais estando sujeito às entranhas do medo servil e nem às expectativas

da ganância mercenária, eu seja levado apenas pelo Teu sopro do Espírito, Porque todos

os que são guiados pelo Espírito de Deus esses são filhos de Deus (Romanos 8:14)?

Quem dará de mim testemunho e me dará a certeza de que, eu também, faço parte dos

Seus filhos, que a tua lei é a minha e que eu estou no mundo assim como estais também?

Porque é certo que, quando observamos este preceito do Apóstolo: ―A ninguém devais

coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns aos outros; porque quem ama

aos outros cumpriu a lei (Romanos 8:8), estamos neste mundo como o próprio Deus está,

e portanto, não somos nem escravos, nem mercenários, mas filhos de Deus.

CAPÍTULO XIV

Da lei do amor que é para os filhos.

37. Por este caminho, portanto, vemos que os filhos não estão sem lei, a menos que

pensemos ao contrário, porque está escrito: ―a lei não é feita para o justo‖ (1 Timóteo 1:9.)

Mas precisamos saber que existe uma lei promulgada no espírito de servidão, e esta im-

prime apenas medo; e que há outra ditada pelo espírito de liberdade, esta inspirando ape-

nas a doçura. Os filhos não são constrangidos a se submeter à primeira, mas estão sem-

pre sob o império da segunda. Eis, portanto, em que sentido é dito que a lei não é feita

para os justos, conforme estas palavras do Apóstolo: ―Porque não recebestes o espírito

de escravidão, para outra vez estardes em temor‖ (Romanos 8:15); não obstante, como

devemos entender, que não estão sem a lei do amor, conforme este outro trecho: ―Vocês

receberam o espírito de adoção, sendo feitos filhos de Deus‖. Enfim, escutem, de que

maneira o justo diz ao mesmo tempo, que ele está e não está na lei. ―Para os que estão

sem lei, como se estivesse sem lei (não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da

lei de Cristo)‖ (1 Coríntios 9:21). Não é então certo dizer: não há lei para os justos; mas

devemos dizer: ―A lei não foi feita para os justos‖, isto é, não foi feita para constrangê-los;

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Mas Aquele que lhes impõe esta lei cheia de doçura, faz amar e experimentar aos justos

que a observam sem constrangimento. Eis porque o Senhor diz tão bem: ―Tomai sobre

vós o meu jugo‖ (Mateus 11:29), como se Ele dissesse: Eu não vos forço a tomá-lo; tome-

o se o quiserem; mas, se não o tomarem, eu vos digo que ao invés do repouso que Eu

vos prometo, achareis apenas sofrimento e fatiga para a vossa alma.

38. O amor é, portanto, uma lei doce e boa; não só é ele agradável e leve a se levar, mas

ele sabe também deixar leves e doces as duas leis, do escravo e do mercenário; pois, ao

invés de destruí-los, ele os faz observar, segundo o que disse o Senhor: ―não vim ab-ro-

gar, mas cumprir a lei‖ (Mateus 5:17). De fato, ele tempera a primeira, regulariza a segun-

da e adoça a ambas. Jamais o amor irá sem medo, mas este medo é bom; ele não se

livrará de todo pensamento interesseiro, mas seus desejos são acertados. A caridade

aperfeiçoa portanto, a lei do escravo, inspirando-lhe um generoso abandono, e a do

mercenário, dando-lhe uma boa direção aos seus desejos interesseiros; ora, este gene-

roso abandono unido ao medo, não amortece esta última; ele a purifica somente e faz

desaparecer o que ela tem de penoso. Na verdade, não há mais aquela apreensão da

punição, cujo medo servil nunca é isento, mas o amor lhe substitui um casto e uma filial

que subsiste sempre; pois, está escrito: ―o perfeito amor, lança fora o temor (1 João 4:18),

Devemos compreender como se havia banido o medo penoso da punição, do qual

dissemos que o medo servil não é jamais isento. É uma figura comum, que consiste em

tomar a causa por efeito. Quanto à ganância, ela se encontra também perfeitamente

acertada pela caridade que se junta a ela, quando, cessando o desejo do que é mal, ela

começa a preferir o que é melhor; ela deseja apenas o bem para chegar ao melhor

ângulo. Quando, pela graça de Deus, chegamos a este ponto, amamos o corpo e tudo o

que se refere a ele, apenas para a alma, a alma para Deus e Deus pelo que Ele é.

CAPÍTULO XV

Dos quatro graus do amor, e do estado bem-aventurado dos santos no céu.

39. No entanto, como somos carnais e nascemos da concupiscência da carne, a cobiça,

isto é, o amor, deve começar em nós pela carne; mas, se for dirigida pelo bom caminho,

ela avança por graus, sob a conduta da Graça e não pode deixar de chegar enfim até a

perfeição, por influência do Espírito de Deus; pois, o que é espiritual não vem antes do

que é carnal, ao contrário, o espiritual vem somente depois; e também, antes de vestir a

imagem do homem celeste, nós devemos começar por vestir a do homem terrestre. O

homem começa, portanto, por amar a si mesmo, porque ele é carne e só pode gostar

daquilo que diz respeito a ele próprio; então, quando percebe que não pode subsistir por

ele mesmo, ele começa a buscar, pela fé, a amar a Deus, como um Ser do qual ele pre-

cisa. Portanto, é apenas em segundo plano que ele ama a Deus; e O ama ainda somente

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para si, não por Ele. Mas quando, pressionado pela sua própria miséria, ele começou a

servir a Deus e a se aproximar dEle, pela meditação e leitura, pela oração e pela obediên-

cia, ele consegue, pouco a pouco, e se acostuma insensivelmente a conhecer a Deus, e

consequentemente; a achá-lO doce e bom. Enfim, após experimentar o quanto Ele é

amável, ele se eleva ao terceiro grau; então, não é mais para ele que ama a Deus, mas

ele ama a Deus pelo que Deus é. Uma vez chegado neste ponto, ele não vai mais alto e

eu não sei se nesta vida o homem pode realmente chegar ao quarto grau, que é de se

amar a si mesmo somente para Deus. Os que acharam ter conseguido, afirmam que não

é impossível; para mim, eu não creio que possamos chegar um dia a esse ponto, mas não

duvido nem um pouco que possa acontecer, quando o bom e fiel servidor é convidado a

partilhar a felicidade de seu Mestre e a se embriagar das delícias sem fim da casa de seu

Deus; pois, estando então em um tipo de embriaguez, ele se esquecerá dele mesmo de

alguma forma, perderá o sentimento daquilo que ele é, e, absorvido inteiramente em

Deus, ele se agarrará a Ele com todas as suas forças e logo será um só espírito com Ele

[...] assim que entrasse em possessão da glória de Deus, ele estaria desprovido de toda

enfermidade da carne e não pensaria mais nelas, e, que tendo se tornado totalmente

espiritual, só se ocuparia das perfeições de Deus.

40. Então todos os membros do Cristo poderão dizer, falando deles, o que Paulo dizia de

nosso Chefe: ―ainda que também tenhamos conhecido Cristo segundo a carne, contudo

agora já não o conhecemos deste modo‖ (2 Coríntios 5: 16). De fato, como a carne e o

sangue não possuirão o Reino de Deus, não nos importávamos segundo a carne. Não

que a nossa carne não deva entrar um dia, mas só será aceita desprovida de todas as

suas enfermidades, o amor da carne será absorvido pelo do espírito, e todas as fraquezas

das paixões humanas, que existem atualmente, serão transformadas em um poder

totalmente divino. Então a rede que o amor agora lança neste grande e vasto mar, para

pescar toda sorte de peixes incessantemente, uma vez levados a margem, jogará os ruins

para manter apenas os bons. O amor enche aqui embaixo de toda sorte de peixes, as

vastas dobras de sua rede, porque em se proporcionando a todos, segundo os tempos,

atravessando e partilhando de certa forma tanto a boa como a má fortuna de todos

aqueles que ele abraça, ele se acostumou a se alegrar com aqueles que estão no gozo, e

também em derramar lágrimas com os que estão em aflição; mas, quando ele puxar a

rede para a beira mar eterna, ele rejeitará como peixes ruins, tudo o que ele sofre de

defeituoso e conservará apenas o que pode agradar e cortejar. Então não mais veremos

Paulo tornando-se fraco com os fracos ou queimar por aqueles que se escandalizam,

pois, não haverá mais nem escândalos e nem enfermidades de nenhuma espécie. Tam-

bém não se deve crer que ele ainda derramará lágrimas nos pescadores que não tiverem

se arrependido aqui embaixo: como não haverá mais pescadores, não será mais neces-

sário arrepender-se. Não pensem então que ele gemerá e derramará lágrimas sobre os

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que queimarão eternamente com o diabo e seus anjos; pois, não haverá mais prantos

nem aflições nesta santa cidade, apenas uma torrente de delícias regadas e que o Senhor

ama mais que as todas as tendas de Jacó; nestas tendas, se experimentamos às vezes a

alegria da vitória, nunca estamos fora de combate e sem perigo de perder a palma com a

vida; mas na Pátria não há mais lugar nem para as derrotas nem para gemidos e

lágrimas, como o dizemos em hinos da Igreja: ―Assim os cantores como os tocadores de

instrumentos estarão lá e terão perpétua alegria‖ (Isaías 61:7). E nem estará em questão

a misericórdia de Deus desta estadia onde doravante só reinará a justiça; e não mais

sentiremos compaixão, já que a misericórdia será banida e a misericórdia não haverá

mais o porquê existir.

Louvado seja nosso Deus por Seu Inefável Amor!

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43

Fonte: Abbaye-Saint-Benoit.ch | Título Original: Livre Ou Traité de Saint Bernard Sur L‘amour De

Dieu.

As citações bíblicas desta tradução são da versão ACF (Almeida Corrigida Fiel)

Tradução e revisão do original em francês por Jocelyne Forrat

Revisão ortográfica e edição por Camila Almeida

Edição final e capa por William Teixeira

***

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Uma Breve Biografia de Bernardo de Claraval

Bernardo de Claraval (1090 - 1153)

Bernardo nasceu de pais nobres no castelo de Fontaines, nas cercanias de Dijon, na Burgúndia,

centro-leste de França. Seu pai, Tescelin Sorrel, era um cavaleiro da cruzada, conhecido por sua

honra, justiça e bravura. Ele tomou parte na Primeira Cruzada, quando Jerusalém foi capturada

em 1099, e morreu numa cruzada posterior. Seus seis filhos foram treinados como cavaleiros,

com a exceção de Bernardo. Sua mãe, Aleth, era uma mulher profundamente piedosa e um

modelo de virtude espiritual. Bernardo era o objeto especial de seu amor e atenção, assim, ela

tomou parte direta em sua educação primária. Tragicamente, ela morreu quando Bernardo tinha

apenas treze anos.

Os primórdios escolares de Bernardo plantaram nele um grande interesse em aprender. Ele foi

enviado à escola altamente respeitada de Saint-Vorles, em Chatillom, França, um colégio teoló-

gico. Ali foi instruído nos rudimentos da gramática, lógica, retórica, as Escrituras e os autores dos

grandes clássicos latinos, tais como Virgílio, Terence, Ovídio e Boëthius. Esses estudos moldaram

a mente de Bernardo para seu estudo posterior da teologia centrada em Deus.

Bernardo logo se encontrou diante da maior decisão de sua vida. Seguiria o serviço militar e cívico

como fizeram seu pai e irmãos? Ou buscaria a vida monástica? Depois de agonizar ante esta

escolha, Bernardo decidiu tornar-se monge.

Com vinte e dois anos juntou-se ao monastério de Citeaux, em 1112, a primeira abadia da ordem

cisterciense, sendo também a mais pobre e distante das abadias. Para Bernardo, esta decisão foi

monumental, referindo-se a esta como o tempo de sua conversão a Cristo.

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No monastério, Bernardo submeteu-se ao mais severo ascetismo, mas seu tempo em Citeaux foi

de profunda aprendizagem. Estudou as Escrituras, os pais da Igreja, e autores clássicos; com

uma crescente obsessão por aprender, considerava o tempo de sono um desperdício.

Após três anos neste mosteiro, destacou-se por sua erudição e piedade exemplares. Como

resultado, foi comissionado a construir um novo monastério no remoto condado de Champagne

(1115). O local escolhido foi um lugar escarpado, cheio de tantas dificuldades e perigos, que era

chamado de ―o vale do absinto‖. Quando Bernardo chegou com doze monges para fundar o

monastério, deu ao local o nome de Clairvaux (Claraval), que significa ―Vale Límpido‖ ou ―Vale da

Luz‖. Quando o monastério ficou pronto, Bernardo foi designado seu primeiro abade.

Seu alvo era estabelecer um padrão estrito de vida monástica, incluindo pobreza e trabalho duro.

Em sua nova ocupação, Bernardo lia diligentemente, meditava, estudava, pregava e escrevia,

levando seu corpo à beira do colapso.

O imenso talento de Bernardo se tornou rapidamente evidente – ele foi considerado gênio de

primeira ordem! Sob sua diretriz, o monastério de Claraval cresceu rapidamente, logo suplantando

até mesmo a comunidade-mãe de Citeaux.

Durante a sua vida, Bernardo se distinguira como autor, pregador, hinólogo e cruzado, mas acima

de tudo isso, ele era monge. Muito da reforma monástica durante o século XII foi resultado de

seus esforços.

Bernardo tornou-se um dos maiores pregadores da Idade Média e, provavelmente, um dos

maiores de todos os tempos. Os sermões que pregava aos monges formaram grande parte de

sua produção literária. Nestas exposições baseadas na Bíblia e que exaltavam a obra e pessoa de

Cristo, Bernardo buscava explicar o texto bíblico e alcançar o coração de seus ouvintes. Seus

escritos revelam uma forma literária altamente polida que caracteriza uma beleza formal e riqueza

de imagem. Muitos de seus escritos focavam a oração e outros temas espirituais, pois buscavam

promover devoção à Pessoa de Cristo.

As obras teológicas de Bernardo se relacionam estreitamente com a graça soberana na salvação.

Ele escreve:

―Ele [Deus] disse ‗Haja luz‘, e houve luz. Ele disse ‗convertei-vos‘, e os filhos dos homens

foram convertidos. Então, evidentemente, a conversão das almas consiste na operação da

voz divina, e não da humana. Em outro lugar afirma: ―Ela [a conversão] é o dedo de Deus,

uma clara mudança causada pela mão direita do Altíssimo. Tua conversão é uma boa

dádiva, um dom perfeito, sem dúvida descendo do Pai das luzes. E assim, a Ele elevamos

com razão a voz de louvor, o qual só faz coisas maravilhosas, e o qual trouxe aquela

generosa redenção que está nEle, e que não é mais destituída de efeito em ti.‖

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O ensino de Bernardo foi profundamente apreciado por Lutero e Calvino. Este último via Bernardo

como o maior testemunho em prol da verdade entre o sexto e décimo sexto século. Já Lutero

saudava Bernardo como um homem de admirável santidade e o considerava como um dos

melhores santos medievais. Charles Spurgeon concordou com Lutero, dizendo: ―São Bernardo foi

um homem que admiro em grau máximo, e o tenho com um dos escolhidos do Senhor‖. Ele

continuou dizendo que Bernardo era ―um dos homens mais santos e humildes‖, o qual, ―parece

cair em delírio de amor quando fala de seu divino Mestre‖.

A obra mais famosa de Bernardo é uma série de oito Sermões sobre o Cântico de Salomão, sen-

do estas mensagens reunidas em um livro ―Sermões sobre o Cântico de Salomão‖ (1135-1153),

reconhecido como a obra-mestra do gênero. Nestes Sermões, Bernardo interpreta o Cântico de

Salomão como uma alegoria entre o amor espiritual de Cristo, o noivo, e a sua noiva, a Igreja. Es-

te livro insta que os crentes deem um passo avante para a união mística com Deus através de Cristo.

O ―doutor língua de mel‖, também escreveu doces hinos, sendo este um trecho de um deles,

chamado ―Jesus, Tu, a Alegria dos Corações Amorosos‖:

“Jesus, a alegria dos corações amorosos,

Tu, a Fonte da Vida, Tu, a Luz dos homens,

Da melhor bênção que a terra comunica,

Voltamos vazios para Ti outra vez.”

Bernardo continuou em sua função de guardião da verdade, vindo a ser conhecido como o

―martelo dos hereges‖. Através de sua obra, Bernardo se mostrou um campeão destemido da

verdade cristã.

Um ano antes de sua morte, Bernardo sentiu-se compelido a abordar os erros, as corrupções e

contaminações da igreja.

Já no fim de sua vida, Bernardo manteve sua esperança no Evangelho. Um pouco antes de sua

morte disse: ―Há três coisas sobre as quais baseio minhas esperanças para a eternidade: o amor

de Deus por Seus filhos, a certeza de Suas promessas e o poder pelo qual ele fará com que

essas promessas se concretizem‖. Ele morreu em 20 de Agosto de 1153.

______________

♦ Esta Biografia é baseada na seguinte fonte:

LAWSON, Steven J. Reformador Monástico. Último Monástico: Bernardo de Clairvaux. Cap. 16. Pág.

399-423. In: LAWSON, Steven J. Pilares da graça. Longa linha de Vultos Piedosos. Vol. II. Tradução: Valter

Graciano Martins. São José dos Campos, São Paulo: Editora Fiel, 2013.

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10 Sermões – Robert Murray M’Cheyne

Agonia de Cristo – Jonathan Edwards

Carta de George Whitefield a John Wesley Sobre a Doutrina

da Eleição

Cristo É Tudo Em Todos – Jeremiah Burroughs

Cristo, Totalmente Desejável – John Flavel

Doutrina da Eleição, A – Arthur Walkington Pink

Eleição & Vocação – Robert Murray M’Cheyne

Excelência de Cristo, A – Jonathan Edwards

Gloriosa Predestinação, A – C. H. Spurgeon

Imcomparável Excelência e Santidade de Deus, A –

Jeremiah Burroughs

In Memoriam, A Canção dos Suspiros – Susannah Spurgeon

Jesus! - Charles Haddon Spurgeon

Justificação, Propiciação e Declaração – C. H. Spurgeon

Livre Graça, A – C. H. Spurgeon

Paixão de Cristo, A – Thomas Adams

Plenitude do Mediador, A – John Gill

Porção do Ímpios, A – Jonathan Edwards

Quem São Os Eleitos? – C. H. Spurgeon

Reforma – C. H. Spurgeon

Reformação Pessoal & na Oração Secreta – R. M. M’Cheyne

Salvação Pertence Ao Senhor, A – C. H. Spurgeon

Sangue, O – C. H. Spurgeon

Semper Idem – Thomas Adams

Sermões de Páscoa – Adams, Pink, Spurgeom, Gill, Owen e

Charnock

Sermões Graciosos (15 Sermões sobre a Graça de Deus) –

C. H. Spurgeon

Soberania da Deus na Salvação dos Homens, A – J. Edwards

Tratado sobre a Oração, Um – John Bunyan

Verdadeiro Evangelho de Jesus Cristo, O – Paul D. Washer

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A Prática da Piedade, por Lewis Bayly – Editora PES

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John Bunyan – Editora Fiel

Um Guia Seguro Para o Céu, por Joseph Alleine –

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O Peregrino, por John Bunyan – Editora Fiel

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holisticamente; para que assim, e só assim, possamos glorificar nosso Deus e nos deleitar-

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2 Coríntios 4 1

Por isso, tendo este ministério, segundo a misericórdia que nos foi feita, não

desfalecemos; 2

Antes, rejeitamos as coisas que por vergonha se ocultam, não andando com astúcia nem falsificando a palavra de Deus; e assim nos recomendamos à

consciência de todo o homem, na presença de Deus, pela manifestação da verdade. 3

Mas, se ainda o nosso evangelho está encoberto, para os que se perdem está encoberto. 4

Nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não

resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus. 5

Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor; e nós mesmos somos

vossos servos por amor de Jesus. 6

Porque Deus, que disse que das trevas resplandecesse a luz, é quem resplandeceu em nossos corações, para iluminação do

conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo. 7

Temos, porém, este tesouro

em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós. 8

Em tudo

somos atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desanimados. 9

Persegui-

dos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos; 10

Trazendo sempre por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se

manifeste também nos nossos corpos; 11

E assim nós, que vivemos, estamos sempre entregues à morte por amor de Jesus, para que a vida de Jesus se manifeste também na

nossa carne mortal. 12

De maneira que em nós opera a morte, mas em vós a vida. 13

E temos portanto o mesmo espírito de fé, como está escrito: Cri, por isso falei; nós cremos

também, por isso também falamos. 14

Sabendo que o que ressuscitou o Senhor Jesus nos

ressuscitará também por Jesus, e nos apresentará convosco. 15

Porque tudo isto é por amor de vós, para que a graça, multiplicada por meio de muitos, faça abundar a ação de

graças para glória de Deus. 16

Por isso não desfalecemos; mas, ainda que o nosso homem

exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia. 17

Porque a nossa leve e

momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente; 18

Não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas.