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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO RECEBI UM RHEMA DE DEUS: Uma análise das interpretações e dos usos da bíblia no universo neopentecostal Flávia Luiza Gomes Costa BELO HORIZONTE 2010

Uma análise das interpretações e dos usos da bíblia no ... · FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Costa, Flávia

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

“RECEBI UM RHEMA DE DEUS”:

Uma análise das interpretações e dos usos da bíblia no universo

neopentecostal

Flávia Luiza Gomes Costa

BELO HORIZONTE

2010

FLÁVIA LUIZA GOMES COSTA

“RECEBI UM RHEMA DE DEUS”:

Uma análise das interpretações e dos usos da bíblia no universo neopentecostal

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ciências da Religião, da

Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, como requisito parcial para obtenção

do título de Mestre em Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Dr. Adilson Schultz.

BELO HORIZONTE

2010

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Costa, Flávia Luiza Gomes

C837r Recebi um Rhema de Deus: uma análise das interpretações e dos usos da bíblia

no universo neopentecostal / Flávia Luiza Gomes Costa. Belo Horizonte, 2010.

98f.

Orientador: Adilson Schultz

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião.

1. Pentecostalismo. 2. Bíblia – Hermenêutica. 3. Bíblia - Leitura. I. Schultz,

Adilson. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-

Graduação em Ciências da Religião. III. Título.

CDU: 284.57

FLÁVIA LUIZA GOMES COSTA

“RECEBI UM RHEMA DE DEUS”:

Uma análise das interpretações e dos usos da bíblia no universo neopentecostal

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ciências da Religião da

Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, como requisito parcial para obtenção

do título de Mestre em Ciências da Religião e

aprovada pela seguinte banca examinadora:

______________________________________

Prof. Dr. Adilson Schultz (Orientador)

PUC Minas

______________________________________

Prof. Dr. Pedro de Assis Ribeiro

PUC Minas

______________________________________

Prof. Dra. Sandra Duarte de Souza

UMESP

______________________________________

Prof. Dra. Daniela Borja Bessa

IMIH

Belo Horizonte, 02 de março de 2010.

Dedico esse trabalho aos meus pais, Hélio e

Selma, ao meu querido marido, César, e aos

meus preciosos filhos, Raquel e André.

AGRADECIMENTOS

Agradeço à querida Súsie pelo incentivo e apóio. Agradeço também à Fapemig que viabilizou

meus estudos no mestrado. E em especial ao Adilson Schultz os meus agradecimentos pela

orientação.

"Flor, que transformas o sangue em adubo! És

mais forte que a mão que te corta! Mais

duradoura que a idéia que te define. Mais

nítida que a pintura que retrata o teu rosto! Já

cresce no mundo o medo de ti, Flor sem

defesa.”

Carlos Mesters

RESUMO

A pesquisa analisa os métodos de interpretação e as formas de uso da Bíblia no

neopentecostalismo brasileiro. Entre outras questões, aponta para os seguintes problemas:

Como é interpretada a Bíblia na tradição neopentecostal? Como descrever cientificamente o

método aplicado? Qual é o lugar reservado para os métodos hermenêuticos clássicos na

interpretação neopentecostal? Qual é o efeito dessa leitura na vida dos fiéis em termos de

eficácia e sentido do discurso religioso? A partir de pesquisas empíricas em cultos e pesquisa

bibliográfica, constata-se uma leitura utilitarista da Bíblia, instrumento legitimador de

discursos religiosos que enfatizam respostas rápidas e soluções individualizadas para os

problemas da vida dos fiéis. Além disso, não raro a forma “mágico-utilitarista” do uso da

Bíblia nos cultos pentecostais suplanta a leitura propriamente dita. Assim, fica evidente que

essa forma de ler a bíblia entra em choque com as Hermenêuticas Clássicas e seus métodos

científicos de interpretação da bíblia, criando-se um dilema teórico típico da subjetividade

religiosa contemporânea.

Palavras-chave: Neopentecostalismo. Bíblia. Interpretação. Utilitarista. Leitura.

ABSTRACT

This paper analyzes how the neo-Pentecostal Brazilian churches interpret and use the

Bible. Among others, the analysis focuses on the following issues: How is the Bible

interpreted in the neo-Pentecostal tradition? How to describe the scientific method used?

What is the place reserved for the hermeneutical methods in interpreting classical

Pentecostal? What is the effect of this point of view on the daily lives of believers in terms of

effectiveness and sense of religious discourse? The empirical evidence extracted from cults

and the literature, suggest that there is an utilitarian view of the Bible, which legitimate

religious discourses that emphasize easy answers and individualized solutions to the problems

of the believers. Moreover, often the "magic-utilitarian" form to use of the Bible by the

Pentecostal church supplants the reading itself. Thus, it is evident that this way of reading the

Bible is against the Standard Hermeneutic and its scientific methods of interpreting the Bible,

generating a theoretical dilemma typical of contemporary religious subjectivity.

Key-words: Bible. Interpretation. Utilitarian. Reading

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................11

2. A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO NEOPENTECOSTALISMO .............................14

2.1 A origem pentecostal .........................................................................................................14

2.2 O surgimento do neopentecostalismo ................................................................................22

2.3 Teologia da prosperidade ...................................................................................................34

3. HERMENÊUTICA NEOPENTECOSTAL ....................................................................39

3.1 A leitura bíblica neopentecostal .........................................................................................39

3.2 Divergências e críticas .......................................................................................................49

3.3 Alienação: uma hipótese ....................................................................................................65

4. UMA ANÁLISE DO SISTEMA DE TROCA NEOPENTECOSTAL ..........................70

4.1 Relatos de reuniões da IURD .............................................................................................70

4.2 Marcel Mauss: o ensaio sobre a dádiva .............................................................................78

4.3 Uma hipótese a partir de Mauss..........................................................................................88

5. CONCLUSÃO ....................................................................................................................95

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................96

1 INTRODUÇÃO

O Neopentecostalismo tem sido alvo de constantes estudos devido ao seu crescimento

e seu paradigma. Esse novo modo de ser cristão implica num discurso que manifesta abruptos

rompimentos com a mensagem protestante clássica de onde origina a vertente pentecostal.

A mensagem neopentecostal configura-se como uma resposta às necessidades mais

emergentes do ser humano, pois apela para uma oferta mágica de soluções dos problemas que

ameaçam à sobrevivência da vida.

Priorizando uma leitura bíblica que traga respostas, soluções e promessas, em primeira

instância, depara-se com a questão do processo interpretativo do texto sagrado. Diante disso a

pesquisa analisa os métodos de interpretação e as formas de uso da Bíblia no universo

neopentecostal.

Como fenômeno crescente e peculiar, o neopentecostalismo justifica a pesquisa bem como

para ser fonte de auxílio para pesquisadores e também para fiéis, simpatizantes e não

simpatizantes para um entendimento e compreensão mais aprofundada de um fenômeno de

crescimento, impacto e influências relevantes. Para tanto essa pesquisa se colocará à

disposição da igreja e todos envolvidos com a mesma em vários aspectos, a fim de que se

tenha à disposição um trabalho de cunho cientifico que externe também problemas sociais

emergentes na sociedade brasileira.

É relevante para a sociedade informações para conscientização sobre a condição

socioeconômica do povo brasileiro que tem demandado discursos mágicos de promessas para

resolução de problemas financeiros, de saúde e tantos outros que ameaçam a preservação da

vida. Bem como, contribuindo para maior esclarecimento sobre o assunto a pesquisa pode ser

útil como fonte para futuros trabalhos e novas investigações.

Para tanto o objetivo geral da pesquisa é fazer uma análise da leitura e do uso da bíblia no

discurso neopentecostal evidenciando suas implicações. A questão colocada na proposta da

pesquisa insere-se na problemática da interpretação do texto bíblico num discurso com as

características do neopentecostalismo bem com o uso da própria bíblia pelo movimento.

A pesquisa, entre outras questões, aponta para os seguintes problemas: Como é

interpretada a bíblia no neopentecostalismo? Como descrever cientificamente o método

aplicado? Qual é o efeito dessa leitura na vida dos fiéis em termos de eficácia e sentido do

discurso religioso?

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A hipótese levantada pela pesquisa é a de que há um uso utilitarista da bíblia a qual é

usada como instrumento legitimador desses discursos religiosos que enfatizam respostas

rápidas e soluções individualizadas para os problemas da vida dos fiéis.

Viabilizada por meio de pesquisa bibliográfica e também com participação de reuniões

neopentecostais, a pesquisa propõe, a análise de um fenômeno que tem um percurso histórico

o qual será em primeiro momento evidenciado. Ou seja, propõe-se analisar um fenômeno que

tem uma história e uma prática que suscita uma análise.

Partindo, assim, da trajetória histórica do neopentecostalismo, a pesquisa começa por

clarear a origem pentecostal nos EUA e sua chegada e desenvolvimento no Brasil.

Mencionando suas principais igrejas e características marcantes de sua implantação e ênfase

das mensagens, posteriormente caracterizado como última manifestação do pentecostalismo,

aborda-se o neopentecostalismo. Suas peculiaridades, distinções, igrejas relevantes e a ênfase

de sua mensagem trilhando um processo que busca evidenciar especificamente nessa trajetória

histórica pentecostal a leitura e o uso da bíblia nesse movimento. Para tanto se dedica a uma

explanação mais específica da teologia da prosperidade pela ênfase dada a mesma na

pregação neopentecostal. Sua origem, seus rótulos e crenças são evidenciados para melhor

compreensão do fenômeno neopentecostal.

Logo após a pesquisa segue por investigar o tipo de hermenêutica neopentecostal.

Procura-se evidenciar características da leitura e do uso da bíblia nesse universo

neopentecostal por meio de pesquisa bibliográfica. Após averiguar sobre o tipo de leitura e

clarear sobre tal uso da bíblia parte-se para uma abordagem sobre as divergências e críticas

vindas do próprio meio devido ao tipo de leitura bíblica que se faz no neopentecostalismo, ou

seja, na pregação que se embasa na teologia da prosperidade. Atesta-se a existência de

pastores da tradição pentecostal que se debruçam em estudar e escrever com um fim

apologético do que denominam de verdadeiro evangelho contra o que intitulam ironicamente

de o outro evangelho. Assim, a pesquisa averigua as raízes concretas de tais divergências e

posicionamentos críticos por meio dos exemplos da interpretação de alguns textos bíblicos

usados pelos críticos ao movimento os quais acreditam mostrar o verdadeiro sentido do texto

mostrando principalmente a falta de contextualização na interpretação neopentecostal. Diante

das evidências de tal interpretação e uso da bíblia e as divergências e críticas geradas por

essas posturas neopentecostal procura-se começar a levantar hipóteses para existência e

prática evidenciadas. Pela alegação da negação do processo histórico no ato de interpretar por

parte dos críticos ao movimento parte-se também da análise considerando a alienação advinda

de tal mensagem pregada no neopentecostalismo. Assim, analisa-se o impacto de uma

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mensagem que propõe soluções para os problemas que ameaçam a vida que abarcam uma

natureza mágica, ou seja, soluções de maneira simbólica e emblemática.

Diante da trajetória histórica neopentecostal, o estudo de sua teologia, a averiguação

do tipo de leitura e uso que fazem da bíblia e até mesmo as divergências e críticas que tais

práticas evidenciam bem como a exposição de uma análise com base numa postura de

alienação, a pesquisa busca evidenciar a prática neopentecostal por meio de relatos de

reuniões da IURD a fim de narrar exemplos e atestar o processo evidenciado. Visualizando a

prática torna-se mais evidente a utilização da bíblia pela demonstração das falas de pastores,

das canções entoadas e do conteúdo da mensagem pregada a qual é de certa maneira um meio

para viabilizar toda essa estrutura de crenças e práticas, atestando a ênfase num processo de

trocas através do interesse do fiel e das promessas promulgadas por essa religião. Perpassa-se

pela comprovação de um sistema religioso imbuído numa relação de trocas às quais são

fatores determinantes do tipo de aproximação da bíblia e suas conseqüências. A partir disso a

pesquisa estuda a teoria de Marcell Mauss sobre o sistema de trocas de povos primitivos no

ensaio sobre as dádivas. Um dos pontos centrais abordados na teoria de Mauss diz respeito à

tensão entre obrigatoriedade e espontaneidade no universo das trocas. O estudo atentou-se

para o regime de direito contratual e para o sistema de prestações econômicas entre os

diversos subgrupos que compõem as sociedades ditas “primitivas”. Nas economias e direitos

de tais sociedades não se constataram simples trocas de bens e riquezas entre indivíduos.

Dessa forma, norteada pela teoria de Mauss, a pesquisa propõe analisar o sistema de trocas, as

ofertas e promessas que são ênfase da mensagem neopentecostal culminando assim também

em clarear as razões e motivações que conformam tal uso e leitura do texto sagrado.

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2 A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO NEOPENTECOSTALISMO

No Brasil as igrejas neopentecostais surgiram a partir da década de 1970 tendo como

destaque a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e também, entre outras, a Igreja

Internacional da Graça de Deus. (ROMEIRO, 2005).

Nas palavras de Paulo Romeiro, “a mola propulsora do neopentecostalismo é sua

mensagem triunfalista, baseada na teologia da saúde e da prosperidade, surgida na primeira

metade do século XX, nos Estados Unidos”. (ROMEIRO, 2005, p. 14).

No entanto, a trajetória histórica do neopentecostalismo se remete ao início do século XX,

momento em que o movimento pentecostal surge nos Estados Unidos no qual os

neopentecostais têm suas raízes. Ou seja, a origem do neopentecostalismo é pentecostal.

2.1 A origem pentecostal

Segundo Freston (1994) o pentecostalismo brasileiro

[...] resultou de um movimento que surgiu nos EUA em 1906. A genealogia deste

remonta ao avivamento metodista do século XVIII, que introduziu o conceito de

uma segunda obra da graça, distinta da salvação, a qual Wesley chamava de

perfeição cristã. Na segunda metade do século XIX, o movimento de santidade

(holiness) nos países de língua inglesa, sob a influência cultural do Romantismo,

democratizou o conceito wesleyano: em lugar da busca demorada, a experiência

rápida e disponível a todos chamada “batismo no Espírito Santo”, a piedade

intensificada pela mística escapista do Romantismo. O movimento de santidade,

além de penetrar muitas denominações, produziu uma franja separatista de pequenos

grupos de holiness. Foi entre esses que o pentecostalismo nasceu. (FRESTON, 1994,

p. 73).

Os adeptos do pentecostalismo passaram a enfatizar o batismo com (ou no) Espírito Santo,

segundo Romeiro (2005, p. 21), “como revestimento de poder após a conversão e ao falar em

línguas estranhas”.

Romeiro (2005, p. 21), explica que “outros dons ou manifestações sobrenaturais também

passaram a fazer parte das reuniões pentecostais, como a cura física, as profecias e os dons de

milagres e de discernimento”. Esse autor ainda esclarece que tais crenças e práticas baseiam-

se no segundo capítulo de Atos dos Apóstolos, onde Maria e os discípulos, instruídos por

Jesus, reuniram-se num cenáculo em Jerusalém para esperar a vinda do Espírito Santo

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prometida por Cristo. Assim, depois de cinqüenta dias posterior à páscoa a promessa de Jesus

se cumpriu como descreve Lucas:

Quando chegou o dia de Pentecostes, todos eles estavam reunidos no mesmo

lugar. De repente, veio do céu um barulho como o sopro de um forte vendaval, e

encheu a casa onde eles se encontravam. Apareceram então umas como línguas de

fogo, que se espalharam e foram pousar sobre cada um deles. Todos ficaram

repletos do Espírito Santo, e começaram a falar em outras línguas, conforme o

Espírito lhes concedia que falassem. (Atos 2: 1-4).

Ao longo da história, o pentecostalismo, justifica, segundo Romeiro (2005), as

manifestações de glossolalia (falar em línguas) e outras relacionadas a fenômenos

sobrenaturais citando vários outros textos bíblicos (At 2:16-21; 10:44-46; 19:6; I Co 12:10).

Salientando a influência de movimentos periféricos sobre o pentecostalismo, Romeiro

(2005) menciona um movimento que nasceu na Alemanha protestante do século XVII

estendendo-se por toda a Europa, o qual promovia a fé pessoal em protesto contra a

secularização da igreja. Esse era o movimento pietista. Segundo tal pesquisador esse

“movimento abraçou a “teologia do coração”, baseada nos escritos de Johann Arndt, na leitura

e na meditação da Bíblia e nos hinos da liturgia luterana. (ROMEIRO, 2005, p. 27).

Esse grupo que enfatizava a contemplação da cruz com bastante emoção, segundo

Romeiro (2005), recusou-se a entrar para a igreja luterana, formando a própria igreja.

Também outras informações sobre o pietismo são mencionadas por Romeiro, ao citar

Mendonça visando auxílio para o estabelecimento da trajetória histórica do movimento

pentecostal.

o enclausuramento do crente com a sua Bíblia e a busca e o cultivo incessantes da

experiência e da comunhão com Jesus levam-no à negação do mundo e ao desprezo

dos prazeres da vida. (...) Se a reforma pôs em circulação a Bíblia, foi o pietismo que

introduziu no protestantismo essa característica fundamental dele, que é o apego

individual à Bíblia como fonte de devoção. Mas, se o estudo da Escritura, sua

interpretação literal e espiritualizada foi uma reação contra a institucionalização da

religião e o correspondente escolasticismo, permitindo que uma aragem de profunda

religiosidade estivesse sempre perpassando a fé protestante, constitui-se também

num poderoso obstáculo ao desenvolvimento da reflexão teológica. A teologia

cheira a racionalismo, racionalismo a sistematização, e esta a escolasticismo; este

poderia ser o raciocínio implícito do pietismo (...) O espírito pietista ao desenvolver

uma antiteologia, fecha as portas da reflexão, não permite que as inquietações

sociais agitem a instituição. Desse modo, a instituição, assim como a vivência

religiosa do cotidiano, pode pairar acima das contradições sociais. (MENDONÇA

apud ROMEIRO, 2005, p. 29).

Assim, experiência e emoção se tornaram elementos vitais para a experiência da fé

pentecostal por influência do movimento pietista. Como afirma Romeiro (2005), o sucesso de

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um culto pentecostal ainda depende de lágrimas, de alegria ou não, de fortes exclamações de

júbilo, de louvores e de muito barulho.

Mas, foi do movimento metodista, fundado no século XVIII, na Inglaterra, por João

Wesley (1703-1791), que veio a grande contribuição para o surgimento do pentecostalismo.

Wesley, o fundador do metodismo, foi influenciado pelo grupo pietista alemão, denominado

morávios, que pregavam a necessidade do novo nascimento e da conversão. (ROMEIRO,

2005).

Com as perseguições religiosas na Europa, muitos adeptos desse movimento migraram

para os Estados Unidos e a ênfase na perfeição cristã ou na inteira santificação, ensinadas por

João Wesley, mais tarde receberia outros nomes: “segunda bênção” e “revestimento de poder”

são exemplos, sendo que o termo “batismo no Espírito Santo” passaria a ser usado por alguns

grupos posteriormente, como explica Romeiro (2005, p. 30).

“Assim, outros líderes e denominações na América do Norte seriam influenciados

pelos mesmos ensinos e se encarregariam de disseminá-los. Entre eles Charles G. Finney,

Dwight L. Moody, A. B. Simpson, Andrew Murray e R. A. Torrey.” (ROMEIRO, 2005, p.

31).

O movimento pentecostal tal como é conhecido hoje surgiu, dessa forma, em Topeka,

Kansas (EUA), quando o pregador Charles Parhan começou, em 1900, uma escola bíblica

dominical Betel. O pregador reuniu cerca de nove alunos para que estudassem juntos e sem o

auxílio de nenhum livro além da Bíblia o tema do batismo no Espírito Santo buscando

evidência ou prova bíblica para o mesmo. (ROMEIRO, 2005).

Nessa busca, segundo Ranaghan (apud ROMEIRO, 2009, p. 32), chegaram, então, à

conclusão de que a única certeza e sinal escriturístico para o batismo com o Espírito Santo era

o falar em línguas. No dia 1º de Janeiro de 1901, um moço estudante estava orando durante a

noite, quando experimentou de repente a paz e a alegria de Cristo, começando a louvar a Deus

em línguas. Dentro de alguns dias, toda a comunidade recebera o batismo com o Espírito

Santo e assim surgiu o moderno movimento pentecostal. Essa experiência, acompanhada por

poderosos mistérios de conversões, curas, profecias, se espalhou pelo Texas e em 1906

alcançou Los Angeles, onde cresceu substancialmente, passando para Chicago, Nova York,

Londres e Escandinávia em meados de 1915. (ROMEIRO, 2005, p. 32).

William Seymour, aluno de Parham, foi convidado para pregar em Los Angeles e suas

reuniões começaram a crescer e suas pregações atraíam muita gente. O fenômeno do batismo

no Espírito Santo continuou a acontecer e era sempre acompanhado de manifestações de

línguas, profecias e orações em voz alta, que ocorriam junto com os cânticos espirituais.

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Seymour era filho de escravos e apesar do contexto social hostil ele continuou a ensinar e

desenvolveu uma espiritualidade que resultou em 1906 num avivamento em Los Angeles o

qual a maioria dos historiadores pentecostais acredita ter sido esse o berço do

pentecostalismo. (ROMEIRO, 2009).

Em 1906, Seymour foi convidado a pregar em Los Angeles por uma pastora de uma

igreja negra holiness. Lá, o “batismo com o Espírito Santo” com línguas fez sucesso,

e Seymour alugou um velho armazém na Azuza Stret para sua “Missão de Fé

Apostólica. (FRESTON, 1994, p. 74).

Romeiro salienta que mesmo com a crítica das principais denominações ao emergente

movimento pentecostal, desprezando seus seguidores devido a sua origem negra e humilde, o

movimento espalhou-se. Nos Estados Unidos, Chicago desenvolveria um importante papel na

exportação do fenômeno pentecostal para o Brasil, pois se tornou uma rota missionária para

os três pregadores que lançariam as bases de tal movimento em solo brasileiro: Louis

Francescon (fundador da Congregação Cristã no Brasil), Daniel Berg e Gunnar Vingren

(fundadores da Assembléia de Deus).

No país onde o pentecostalismo nasceu, alguns televangelistas criaram verdadeiros

impérios da comunicação, como afirma Campos (1995), citando os casos mais conhecidos

menciona Jimmy Swagart, Rex Humbard e Billy Grahan. No entanto, segundo Campos

Júnior, o primeiro destacou-se “por sua pregação radical e fundamentalista”. (CAMPOS

JÚNIOR, 1995, p. 34).

Nessa trajetória, o pentecostalismo surgiu, então, no Brasil em 1910 com a

Congregação Cristã do Brasil seguida da igreja Assembléia de Deus, representando hoje o

maior segmento da comunidade evangélica.

Sobre a trajetória histórica da implantação dessas primeiras igrejas que marcam o

surgimento do pentecostalismo no Brasil, relevante torna-se observar que os missionários

suecos que tanta influência tiveram nos primeiros quarenta anos da Assembléia de Deus no

Brasil, segundo Freston (1994, p. 78), vieram de um país religiosa, social e culturalmente

homogêneo, no qual eram marginalizados. “Esses pertenciam à insignificante minoria

religiosa num país onde vários trâmites burocráticos ainda passavam pelo clero luterano.

Desprezavam a igreja estatal, com seu alto status social e político e seu clero culto e

teologicamente liberal”.

Daniel Berg e outro missionário sueco, Gunnar Vingren, candidataram-se ao serviço

missionário e sentiram-se “chamados” para trabalhar no Brasil, segundo Campos Júnior

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(1995). Esse mesmo autor informa que quando esses missionários chegaram ao Brasil, em

1910, ainda eram Batistas e ficaram hospedados no templo da Igreja, em Belém do Pará. O

relato de Campos Júnior menciona sobre a dificuldade que os dois imigrantes tiveram, a

princípio, para aprender o idioma, mas ao começarem a dominar as primeiras palavras

iniciaram seu trabalho junto aos membros da igreja Batista que os hospedara. Assim, segundo

Campos, “a dissidência ocorreu logo, pois embora os batistas considerassem a Bíblia como a

palavra de Deus, sem admitir influência humana em sua composição, não aceitavam em

hipótese alguma o tipo de interpretação postulada por Berg e Vingren”. (CAMPOS JÚNIOR,

1995, p. 30).

Esse autor observa ainda que os pentecostais suecos no lugar de ousadia de

conquistadores tinham uma postura de sofrimento, martírio e marginalização cultural. Salienta

também, Freston, que tal modelo sueco rejeitava a ênfase no aprendizado formal que

reforçava o status do missionário frente aos adeptos nacionais.

Os missionários suecos eram bíblicos (ênfase no conhecimento da Palavra escrita,

mais do que na inspiração direta) porque eram de um país protestante, mas por

serem culturalmente marginalizados, resistiam à pretensão à ilustração. Assumiam

que estavam formando uma comunidade de gente socialmente excluída (seja na

Suécia luterana ou no Brasil católico) que não precisava de um clero diferenciado.

(FRESTON, 1994, p. 79).

Os suecos admitiam apenas o modelo de escolas bíblicas de poucas semanas, sem

diplomas. E acima de tudo resistiam a tentativas de vincular o pastorado com a formação

teológica. A tentativa de um missionário americano de implantar um seminário em 1948

naufragou na resistência dos suecos e da maioria dos brasileiros, segundo Paul Freston (1994).

Assim o primeiro seminário da AD data de 1959, fundado contra muita oposição por

um brasileiro que havia estudado nos EUA. Hoje, segundo Freston (1994), a AD tem uns 50

institutos bíblicos, inclusive quatro seminários internos, mas observa que “se a educação

teológica já foi aceita em tese, os efeitos ainda não se fizeram sentir em larga escala”. Tal

afirmação de Freston é justificada quando explica que para os formandos, como por exemplo,

os do seminário de Pindamonhangaba, não há nenhuma garantia de emprego na igreja. O que

Freston acredita é que “se esta via se tornasse mais aceita, teria um efeito considerável sobre a

postura política da AD, pois incentivaria o surgimento de um clero jovem e crítico com uma

teologia política mais sofisticada”. (FRESTON, 1994, p. 88).

Campos Júnior (1995) afirma que outro ramo pentecostal apareceu, referindo-se à

Congregação Cristã, na mesma época em que a Assembléia de Deus iniciou suas atividades

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nos EUA. Salienta que o fundador da Congregação Cristã, Luigi Francescon, nasceu na

cidade de Cavasso Nuovo, na Itália, em 1866. Francescon imigrou para os EUA, chegando a

cidade de Chicago em 1890 e recebeu influência dos valdenses sobre as quais Campos

fornece alguns comentários.

Sobre a Bíblia, Campos Júnior (1995) observa que os antigos valdenses tinham um

conceito fundamental: “a Bíblia, em especial o Novo Testamento, se constituía na única regra

de fé e vida, e as interpretações eram realizadas de forma literal”. (CAMPOS JÚNIOR, 1995,

p. 26).

Dessa forma, a herança sobre a interpretação da Bíblia se faz sentir com a chegada de

Francescon ao Brasil. Dizendo receber uma incumbência divina de viajar para a América

Latina tal missionário chega ao Brasil após passar primeiro pela Argentina. Com a missão de

iniciar um trabalho pentecostal, no Brasil, ele ficou em São Paulo onde freqüentou algumas

reuniões da Igreja Presbiteriana. Mas não demorou muito para que suas concepções bíblicas

entrassem em choque com as doutrinas conservadoras e calvinistas do presbiterianismo.

(CAMPOS JÚNIOR, 1995).

O surgimento do pentecostalismo no Brasil é compreendido por Paul Freston como uma

história de “três ondas” ou fases de implantação.

A primeira onda é a década de 1910, com a chegada da Congregação Cristã (1910) e

da Assembléia de Deus (1911) (...) A segunda onda pentecostal é dos anos 50 e

início de 60, na qual o campo pentecostal se fragmenta, a relação com a sociedade se

dinamiza e três grandes grupos (em meio a dezenas de menores) surgem: a

Quadrangular (1951), Brasil para Cristo (1955) e Deus é Amor (1962). A terceira

onda começa no final dos anos 70 e ganha força nos anos 80. Suas principais

representantes são a Igreja Universal do Reino de Deus (1977) e a Igreja

Internacional da Graça de Deus (1980). (FRESTON, 1994, p. 66).

Assim, Freston (1994) fraciona em três grupos de igreja o pentecostalismo brasileiro,

enquanto que vários outros pesquisadores apenas em dois grandes grupos. O diferencial está

na divisão das igrejas fundadas a partir dos anos 50 em dois blocos, anteriormente juntas num

mesmo bloco, como explica Mariano (1999) que considera a separação entre elas correta e

mais adequada pelo fato das igrejas contidas na terceira onda apresentarem diferenças

significativas em relação às da segunda.

Essas igrejas da primeira onda pentecostal são denominadas por Freston (1994) de

clássicas, as quais, segundo ele, reinaram absolutas de 1910 a 1950, período que vai até a

segunda fase da implantação dessa religião no país, como explica Mariano. No início eram

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compostas majoritariamente por pessoas pobres e de pouca escolaridade e eram

“discriminadas por protestantes históricos e perseguidas pela Igreja Católica, pois ambas

caracterizaram-se por um ferrenho anticatolicismo ao enfatizar o dom de línguas, a crença na

volta iminente de Cristo e na salvação paradisíaca e pelo comportamento de radical

sectarismo e asceticismo de rejeição do mundo exterior. Hoje seu perfil social mudou

parcialmente. Embora continue a abrigar sobretudo as camadas pobres e pouco escolarizadas,

“também contam com setores de classe média, profissionais liberais e empresários. (...) ainda

mantêm bem vivos a postura sectária e o ideário ascético”. (MARIANO, 1999, p. 29).

No entanto, Mariano ressalta que apesar da conservação do tradicionalismo a

Congregação Cristã vem sofrendo alterações nas questões dos usos e costumes e até em sua

composição social. Também a Assembléia de Deus mostra-se mais flexível e disposta a

acompanhar certas mudanças e a sinalização irrefutável dessa tendência à acomodação social,

à dessectarização está em seu ingresso na política partidária e na TV que se ajuntam a outras

transformações internas. (MARIANO, 1999).

Essa primeira onda pentecostal é, assim, marcada por um forte discurso de santidade,

objetivado no moralismo, na sobriedade, nos costumes castos e numa certa rigidez de papéis

sociais e de gênero, a ênfase na profusão do poder do Espírito Santo, manifesto na glossolalia

(falar em línguas) em eventuais curas, como afirma Mariano (1999).

O pesquisador e pastor Isaltino Coelho (2008), dizendo seguir a argumentação de

Mendonça, observa que o pentecostalismo iniciado no Brasil, em seus dois ramos iniciais, a

Assembléia de Deus e a Congregação Cristã, nunca enfatizou a cura divina. Em suas palavras

esse início do pentecostalismo “era um movimento de caráter mais espiritual, voltado para

uma experiência do crente com o Espírito Santo do que centrado em curas e bênçãos

materiais”.

Mas, prosseguindo a reflexão, Isaltino Coelho (2008) observa que a questão mudou já

nos anos sessenta e aponta que a causa foi a industrialização. Assim, ele explica que a partir

dos anos cinqüenta ao começar o processo de industrialização do Brasil ocorreu o inchaço

das grandes cidades, devido à migração campo-cidade e das regiões Norte e Nordeste para o

Centro-Sul. Nesta ocasião, as favelas começaram a surgir e os desajustes sociais se

ampliaram. Pessoas ficaram desarraigadas, sem raízes familiares, culturais e geográficas,

formando uma massa humana não beneficiada pelo processo social.

Dessa forma Isaltino Coelho (2008) considera que “estas massas marginalizadas pelo

processo social tornaram-se campo fértil para a evangelização”. Ancora sua afirmação

21

explicando que a mobilidade geográfica quebra vínculos sociais e deixa a pessoa sem

referenciais seguros onde os do Evangelho podem ser apresentados.

Dentro desse contexto social, é que Coelho (2008) salienta que em 1953, Harold

Williams, americano, iniciou no Brasil as atividades da Igreja do Evangelho Quadrangular,

auxiliado pelo pregador da cura divina Raymond Boatright. Esses efetuaram intensa

campanha de evangelização em tendas de lona, sob o nome, bastante amplo, de Cruzada

Nacional de Evangelização, movimento que se iniciou em São Paulo e teve grande dimensão,

alcançando todas as denominações. Seu período áureo foi de 1953 a 1960. A partir daqui

surgiu, no Brasil, a Igreja do Evangelho Quadrangular.

Romeiro (2005) comenta que até os anos 1950 os pentecostais não chamavam muito a

atenção ressaltando, porém, que devido ao seu extraordinário crescimento, crescente

visibilidade nos meios de comunicação e o envolvimento com a política fizeram do

movimento alvo freqüente de estudos dos pesquisadores da religião.

Assim, a segunda onda ou fase de implantação do pentecostalismo brasileiro teve

início nos anos 50 na cidade de São Paulo por meio do evangelismo de massa centrado na

mensagem da cura divina onde destaca-se a Igreja do Evangelho Quadrangular. Tal

mensagem foi difundida por meio do rádio (que não era usado até a década de 50), “do

evangelismo itinerante em tendas de lona, de concentrações em praças públicas, ginásio de

esporte, estádio de futebol, teatros e cinemas”. (MARIANO, 1999, p. 30).

Observa-se que na segunda onda a ênfase teológica no dom de cura divina foi, nos

dizeres de Mariano (1999), crucial para a aceleração do crescimento e diversificação

institucional do pentecostalismo brasileiro. Segundo esse pesquisador as maiores e mais

representativas denominações da segunda onda continuam a enfatizar o dom da cura divina

por este ser um de seus mais poderosos recursos proselitistas.

Apesar da segunda onda se estabelecer quarenta anos depois da primeira, mantém o

núcleo teológico do pentecostalismo clássico apresentando distinções evangelísticas e ênfases

doutrinárias próprias, o que Mariano (1999) considera motivo para denominá-la de

deuteropentecostalismo, salientando que o radical deutero significa segundo ou segunda vez.

Assim, ele considera a primeira onda como o pentecostalismo clássico e a segunda como o

deuteropentecostalismo.

As duas primeiras ondas apresentam diferenças apenas nas ênfases que cada uma

confere a um dom do Espírito Santo, onde na primeira é o dom de línguas e na segunda o de

cura. Mariano (1999) salienta que, dessa forma, o núcleo doutrinário dessas permanece

22

inalterado, pois as diferenças teológicas existentes entre elas dizem respeito a ênfase em

diferentes dons do Espírito.

2.2 O surgimento do neopentecostalismo

Com uma citação literal de Mendonça, Isaltino Coelho (2008) ressalta os fundamentos da

igreja Quadrangular, ou seja, a essência da mensagem desse grupo é que, em sua

argumentação, gerou o neopentecostalismo. Coelho considera que apesar da Quadrangular ser

pentecostal seus fundamentos deram suporte ao neopentecostalismo que se desviou do

pentecostalismo tradicional:

Pode-se dizer que a Igreja do Evangelho Quadrangular, embora tipicamente

pentecostal, inseriu nos fundamentos teológicos a chave do neopentecostalismo.

Seus quatro fundamentos são: salvação da alma, batismo com o Espírito Santo, cura

divina e segunda vinda de Cristo.” (MENDONÇA apud COELHO, 2008).

Apesar de salientar uma origem sociológica do neopentecostalismo, Coelho (2008)

acredita que suas raízes não são essas, mas sim teológicas. Diz ter citado Mendonça que atua

no campo sociológico para tomar o seu aspecto histórico. No entanto, considera que

“reconhecer o rio por onde idéias correram com mais facilidade não é a mesma coisa que

dizer que estas idéias nasceram naquele rio”.

Seu intuito é mostrar que os fundamentos do neopentecostalismo são teológicos

dizendo que os mesmos não podem ser reduzidos à questão sócio-econômica. Para Isaltino

Coelho (2008) isso explica o fato de haver neopentecostalismo em comunidades ricas e

economicamente seguras.

Nesse processo de amparo para sua argumentação sobre os fundamentos do

neopentecostalismo, Coelho cita Júlio Rosa que é também mencionado por Mendonça ao

dizer que “o ministério e os pregadores da Igreja no Brasil distorceram e desequilibraram os

fundamentos doutrinários da Igreja ao darem excessivo valor à cura divina e à expulsão de

demônios”. (MENDONÇA apud COELHO, 2008).

Segundo este pesquisador tal fundamentação teológica foi colocada em Hebreus 13:8:

“Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e para sempre”. Explicando que amparados em tal

versículo dizem que os milagres devem ter continuidade e forte presença na vida das igrejas

nos dias de hoje. Tal interpretação Isaltino Coelho (2008) considera como sendo fruto de uma

“exegese de resultados discutíveis, porque fragmentária e calcada em apenas uma frase”.

23

Esclarece ainda que no tempo da escrita desse texto os fundamentos eram bíblicos e

neotestamentários, mas que se partiu para uma busca de sinais e prodígios, enfatizando-os

acima do conhecimento do evangelho e da pessoa de Cristo, o que ele considera ser uma

marca muito forte do neopentecostalismo, a prevalência de sinais sobre a essência.

Clareando sua argumentação, Coelho cita um exemplo no qual relata que

uma igreja neopentecostal anunciava a presença, em seu púlpito, de um rabino

judeu. O que um rabino tem a dizer a uma comunidade de cristãos? Que há nele que

justifique ocupar o púlpito de uma igreja cristã? É que ele ia dar o testemunho, um

pouco duvidoso, de que havia morrido e ressuscitado. Com um sinal desta

magnitude, não importava que negasse que Jesus fosse o Filho de Deus. Sinais

portentosos prevalecem sobre o conteúdo do evangelho, no neopentecostalismo.

Jesus é menos importante que sinais. (COELHO, 2008).

Diante do fato o autor diz lembrar-se das palavras do Apóstolo Paulo, em 1Coríntios

1:22-23: “Os judeus pedem sinais miraculosos, e os gregos procuram sabedoria; nós, porém,

pregamos a Cristo crucificado, o qual, de fato, é escândalo para os judeus e loucura para os

gentios”.

Assim, Isaltino Coelho conclui que

a curiosidade e a extravagância tomaram lugar de Cristo na pregação. Cristo, na

realidade, não é importante, mas os sinais, sim. Considera também que o

neopentecostalismo é “produto da reação do irracionalismo (o termo aqui é com

denotação e conotação filosóficas) diante de uma sociedade tecnológica. O

evangelho se tornou algo inexplicável, algo que não se pode entender, superior à

técnica, e quem o domina tem um segredo que os técnicos não possuem. Numa

sociedade marginalizada e na qual as pessoas, muitas vezes, não conseguem

verbalizar o que vivem, o irracionalismo religioso é uma grande fuga. As pessoas

podem não entender como o mundo funciona, mas são detentoras de um poder que

as pessoas esclarecidas não possuem. (COELHO, 2008).

Neste sentido, para o autor mencionado, o neopentecostalismo também apela para o

irracionalismo filosófico onde seus pregadores desdenham dos pregadores, que Coelho (2008)

denomina de, bem preparados. Isaltino Coelho explica que tais pregadores dizem que estes, os

quais denomina de bem preparados, conhecem palavras humanas, mas que eles conhecem o

poder de Deus.

Esse pesquisador diz literalmente que “lá vem outra exegese daquelas de arrepiar”, ao

citar o versículo usado para a legitimação do desprezo pelo preparo dos pregadores: “A letra

mata e o Espírito vivifica”. O que ele considera, no entanto, “uma apologia do obscurantismo

e, ao mesmo tempo, uma forma de se colocar acima da crítica. Ele (o neopentecostal) conhece

24

Deus e o evangélico tradicional conhece apenas a letra morta da Bíblia (que blasfêmia chamar

a Bíblia de “letra morta”!)”, entabula com ardor Isaltino Coelho. (COELHO, 2008).

Exemplificando tal perspectiva, Coelho (2008) diz que “não há como contestar uma

pessoa que diz que, enquanto está tirando a barba, Jesus vem ao seu encontro, no banheiro,

abraça-a e lhe dá um esboço de sermão”.

Isaltino Coelho (2008) acrescenta ainda sobre as origens ou precedentes do

neopentecostalismo que se este foi o aspecto teológico do movimento que produziu, no Brasil,

a Igreja do Evangelho Quadrangular o aspecto litúrgico do neopentecostalismo remonta a

Raymond Boatright, o qual “introduziu, no culto, instrumentos musicais que só se

empregavam em shows, como guitarras elétricas e instrumentos de sopro, bem como o cântico

de corinhos no estilo country”. Assim, explica o pesquisador, é que surgiram os cultos

carregados de intensa emoção, e sob som em alto volume onde o aspecto de festa e liberação

das emoções começou a se rotinizar. Para Coelho (2008), dessa forma, “os ingredientes

estavam postos: sinais, milagres, prodígios e emoções afloradas, bem como a rejeição de

qualquer teologia que pudesse analisar o movimento. Este estava acima da crítica e do

questionamento”.

O movimento que gerou o neopentecostalismo, como declara Coelho (2008), acabou

produzindo algumas denominações, como a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja

Internacional da Graça de Deus, que são as maiores representantes do neopentecostalismo no

Brasil. Mas, Isaltino Coelho esclarece que além delas

surgiram centenas de igrejas locais desvinculadas de grandes estruturas (...) e que

geralmente estas igrejas existem sem uma doutrina global, sem uma teologia

sistematizada, e orbitando sempre ao redor dos ensinos de um líder centralizador,

que é inquestionável, um “déspota esclarecido” teológico. Assim, sem um sistema

teológico completo e com doutrinas e práticas que são produto de uma exegese

fragmentária, de uma leitura bíblica, no dizer de Martin-Achard, “atomizada”, onde

inexiste o relacionamento da passagem com o todo, surgiu um movimento com

ensinos e práticas as mais esdrúxulas possíveis. Já é possível se falar em

baixopentecostalismo, um tipo de neopentecostalismo onde as linhas entre baixo-

espiritismo e neopentecostalismo foram apagadas. (COELHO, 2008).

Coelho (2008) considera que apesar da distância do neopentecostalismo do

pentecostalismo, embora este tenha sido influenciado por aquele, os berços paradigmáticos

sãos os mesmos, pois a ênfase teológica não é mais cristológica e sim peneumática. Ele

explica os termos dizendo que, dão mais ênfase ao Espírito Santo do que a Cristo, citando o

exemplo da logomarca da IURD que é uma pomba e não uma cruz e também o de uma

25

declaração que ouviu de um pregador neopentecostal, pelo rádio, em Manaus, na qual dizia

que: “Cristo é o canal para nos trazer o Espírito Santo”.

Além de salientar o perigo de se banir a cruz da igreja, Coelho (2008), considera ainda

que “o grande problema aqui é que o Espírito Santo, via de regra, é identificado com a voz do

dono do Movimento”. O que para tal autor, “legitima o senhorio de uma pessoa sobre toda

uma comunidade, possibilitando o surgimento de doutrinas pouco sensatas, quando não

antibíblicas”. Explica, assim, o porque desses grupos se afastarem do ensino de que as

Escrituras são a normativa, pois a normativa é a palavra do líder do grupo.

Isaltino Coelho (2008) ainda considera que o movimento neopentecostal derrubou o

axioma sociológico que diz que o mágico não forma em torno de si uma clientela, citando

Émile Durkheim que em As Formas Elementares da Vida Religiosa, afirmou não haver igreja

mágica.

Tal consideração do pesquisador Coelho (2008) se deve ao fato de que no

neopentecostalismo trabalha-se muito com o conceito de igrejas mágicas, segundo ele, pois

essas, que tem como maior exemplo a IURD, não são compostas de pessoas envolvidas, o que

Coelho chama de koinonia cristã, salientando que a maior parte não se conhece. Menciona

que os freqüentadores são apenas

pessoas clientes, que buscam uma resposta mágica para seus problemas. Muitas

dessas igrejas parecem mais com uma estação rodoviária, um lugar por onde as

pessoas passam em busca de uma solução para algum problema, do que uma

comunidade de fé, com um pecúlio espiritual comum aos seus membros. (COELHO,

2008).

A conseqüência desse fato observado, considera Coelho (2008), é o surgimento de

cristãos isolacionistas, pois é cada um por si, o que promove um cristianismo mesquinho

segundo tal pesquisador.

Usando uma citação de Mendonça (apud COELHO, 2008), na qual, ele diz que “os

mágicos são agentes autônomos que independem (...) de sanções institucionais”, Isaltino

Coelho acrescenta que

por ser o mágico um elemento solitário, se explica a proliferação de igrejas e tendas

de magia. Qualquer pessoa pode abrir uma, dizendo-se inspirado por Deus. Essas

igrejas ou tendas são controladas por pessoas ou por grupos sem dever para com os

clientes, a não ser passar-lhes um produto. Normalmente sob contribuição

financeira. E os clientes não têm acesso às instâncias de poder da tenda. São

usuários sem os direitos do consumidor e sem um Procon ao qual se dirigir.

Consomem o produto, mas não têm poder de ingerir no sistema. Por isto o

neopentecostalismo, via de regra, é eclesiologicamente autoritário. Quando alguém

26

fura o bloqueio, discordando das instâncias do poder, produz um racha e sai, criando

outra Igreja. Ele é tendente à fragmentação. (COELHO, 2008).

Para Coelho (2008) isso explica também, em termos de conteúdo da pregação, porque

o neopentecostalismo que teve como suporte teológico o texto de Hebreus 13:8 tenha a maior

parte de suas pregações no Antigo Testamento. Segundo esse pastor o “Novo Testamento

socializa a liderança, com a doutrina do sacerdócio universal de todos os salvos, herança

protestante assumida pelos evangélicos de teologia conservadora”.

Já o Antigo Testamento, explicando Coelho (2008), elitiza a liderança, colocando-a

nas mãos de um sacerdote ou profeta, que segundo ele são “vozes detentoras de uma

autoridade que não pode ser questionada”. Dizendo que essa questão será mais abordada ao

tratar da hermenêutica neopentecostal, antecipa, porém que o “neopentecostalismo se vale,

para difundir seus conceitos, de uma massiva pregação no Antigo Testamento,

descontextualizada do Novo, e enfatizando mais sinais e maravilhas do que conteúdo

teológico”.

Assim, o neopentecostalismo, denominação utilizada por Ricardo Mariano (1999) para se

referir à terceira fase de implantação do pentecostalismo no Brasil, teve início em 1970

evidenciando um surto de crescimento nos anos 80 tendo como público majoritário indivíduos

pertencentes às classes economicamente menos favorecidas. O Rio de Janeiro,

economicamente decadente, é onde a terceira fase pentecostal brasileira começa e se firma.

Percebe-se uma acomodação social a cada onda. E na vertente neopentecostal ao invés

de rejeitarem o mundo, como no início da irrupção pentecostal através do sectarismo e hábitos

acéticos, passam a afirmá-lo. Invertem a postura tradicional pentecostal de rejeição à busca da

riqueza e dos prazeres deste mundo. Através da teologia da prosperidade vislumbra-se que o

crente está destinado a ser próspero e saudável neste mundo e que para isso basta ter fé e

observar os princípios bíblicos nos quais está incluída a exigência da fidelidade nos dízimos e

nas ofertas. Assim de uma postura de rejeição do mundo passa-se a um estágio no qual o que

importa é o aqui e agora. Dessa forma a teologia da prosperidade e a teologia do Domínio,

que é a ênfase na guerra espiritual, dedicam-se a resolver magicamente problemas cotidianos

dos fiéis, o que causa um distanciamento da escatologia pentecostal clássica, pré milenarista,

baseada numa eterna e resignada espera do retorno de Cristo. (MARIANO, 1999).

Romeiro (2005) propõe definir se o neopentecostalismo é um movimento ou uma

denominação, considerando tal necessidade antes de começar a discussão sobre o mesmo.

Assim, ele cita o dicionário crítico de sociologia o qual ele diz afirmar que

27

os movimentos de inspiração religiosa são também movimentos sociais, e que a

história de todo movimento social começa com uma fase de mobilização ou de

reunião. Diz ainda que o primeiro recurso de um movimento é o carisma de seu

líder, citando como exemplo o movimento de Ghandi, na Índia, que se parece com

os movimentos proféticos ao longo da história. (ROMEIRO, 2005, p. 47).

Romeiro (2005) observa ainda, que uma denominação apresenta linha doutrinária

própria e estabelecida, realiza sínodos ou convenções em que as lideranças são geralmente

escolhidas por voto. Assim, em sua análise dos diferentes segmentos do neopentecostalismo,

esse pesquisador, constata que eles apresentam liberdade de crença e pregação doutrinária. E

“as igrejas que o compõem agem de forma independente em todas as áreas”, declara Romeiro

(2005, p. 48), ressaltando que ainda que um grupo possa apresentar uma ou mais práticas de

uma denominação, elas não são suficientes para classificá-lo como tal.

Tal pesquisador conclui que, “o neopentecostalismo não pode ser considerado

denominação, mas movimento” salientando que tal afirmação é corroborada por vários

estudiosos. (ROMEIRO, 2005, p. 49).

Após tal conceituação, Romeiro (20005) parte para definir o neopentecostalismo o que já

declara de antemão não ser tarefa simples devido à multiplicação rápida dessas novas igrejas e

dos líderes com introdução de novidades na liturgia e na teologia.

Foram os fundadores da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, e da Igreja

Internacional da Graça de Deus, R. R. Soares, os quais saíram da igreja de Nova Vida, que

marcaram o início do neopentecostalismo no Brasil. (ROMEIRO, 2005).

Mariano (1999) explica que o emprego do termo “neopentecostalismo” para a terceira

onda, especialmente para a Igreja Universal do Reino de Deus, dizendo que tal termo já está

praticamente consagrado pelos pesquisadores brasileiros para classificar as novas igrejas

pentecostais.

O prefixo neo mostra-se apropriado para designá-la tanto por remeter à sua

formação recente como ao caráter inovador do neopentecostalismo. Embora recente

entre nós, o termo neopentecostal foi cunhado há vários anos nos EUA. Lá, na

década de 70, ele designou as dissidências pentecostais das igrejas protestantes,

movimento que posteriormente foi denominado de carismático. (MARIANO, 1999,

p. 33).

Mariano (1999) cita características do neopentecostalismo as quais considera que são

igualmente válidas para o pentecostalismo clássico e o deuteropentecostalismo tais como:

antiecumenismo, líderes fortes, uso de meios de comunicação de massa, estímulo à

expressividade emocional, participação na política partidária, pregação da cura divina.

28

A respeito dessas características em comum, Campos Júnior, declara que as doutrinas

preconizadas pelo bispo Edir Macedo são as mesmas do pentecostalismo e o que muda é a

forma como elas são transmitidas. Diz que Macedo criou uma forma de comunicação capaz

de atrair as pessoas que não desejam “uma separação radical do mundo”, considerando que a

IURD encontrou uma maneira eficaz para sua expansão a qual começa já na preparação dos

seus pastores. Na instituição encarregada de formar os novos líderes, como afirma Campos,

“eles recebem uma instrução fundamentalista (como os demais ramos pentecostais), mas se

destacam dos demais por introduzirem, nos cultos, um estilo de show”. (CAMPOS JÚNIOR,

1995, p. 56).

Mariano destaca três aspectos fundamentais sobre as características distintas do

neopentecostalismo que são as seguintes: “1) exacerbação da guerra espiritual contra o Diabo

e seu séquito de anjos decaídos; 2) pregação enfática da Teologia da Prosperidade; 3)

liberalização dos estereotipados usos e costumes de santidade”. (MARIANO, 1999, p. 36).

Citando o pesquisador Oro, Mariano ressalta ainda uma quarta característica que considera

importante, que é o fato das igrejas neopentecostais se estruturarem empresarialmente. Diz

ainda que “elas agem como empresas e, pelo menos algumas delas, possuem fins lucrativos”.

Assim, para Mariano (1999) são essas características que causam ruptura com os tradicionais

sectarismo e ascéticos pentecostais, constituindo na principal distinção do

neopentecostalismo.

Sobre a questão da ênfase teológica, ao contrário das duas primeiras ondas pentecostais

que não apresentam diferenças significativas entre si, ocorre o oposto na comparação do

neopentecostalismo com às duas vertentes precedentes. Tais “diferenças teológicas, as

comportamentais (abandono do asceticismo intramundano) e sociais (diminuição do

sectarismo) compõem os critérios adotados para classificação do neopentecostalismo”.

(MARIANO, 1999, p. 37).

No entanto, ressalta-se sobre a distintividade teológica dos neopentecostais que em tais

igrejas não existe homogeneidade teológica, o que não é prerrogativa apenas dessa vertente.

Outra questão também referente a tal distintividade diz respeito “à crescente influência

exercida pelas igrejas neopentecostais (decorrente de seu sucesso, visibilidade e presença na

mídia) sobre as demais e a ânsia destas para absorverem e reproduzirem as novas crenças e

práticas de sucesso e agrado das massas”. Esse processo de “neopentecostalização”, como

denomina Mariano (1999), vem ocorrendo em algumas denominações e na Igreja do

Evangelho Quadrangular e Nova Vida já é indisfarçável o que irá rapidamente diluir muitas

das diferenças agora existentes entre essas pertencentes à segunda onda pentecostal com

29

relação às igrejas da terceira. Até mesmo no protestantismo histórico nota-se toda sorte de

apropriação de doutrinas e práticas antes restritas praticamente apenas às igrejas

neopentecostais. (MARIANO, 1999, p. 39).

Desde sua implantação no Brasil, o pentecostalismo, nascido nos EUA, sofreu forte

influência estrangeira. Assim, Mariano (1999) diz que as distinções teológicas do

neopentecostalismo provêm também da influência estrangeira. O pentecostalismo clássico

teve início com a chegada de dois batistas suecos e um presbiteriano italiano convertidos ao

pentecostalismo nos EUA e também o deuteropentecostalismo teve início com a vinda de dois

missionários americanos da International Church of The Foursquare Gospel, igreja mãe da

Evangelho Quadrangular brasileira, como afirma Mariano (1999).

Dessa forma o neopentecostalismo não fugiu do modelo. Da igreja Nova Vida, fundada

por um missionário canadense com muitos contatos no exterior e até no Vaticano e que

pastoreou igreja nos EUA, saíram a Universal e a Cristo Vive, sendo esta última fundada e

liderada por um angolano com formação teológica em Miami. E além dessas, várias outras

igrejas neopentecostais tiveram origens associadas a instituições ou pastores estrangeiros.

(MARIANO, 1999).

A teologia da prosperidade foi formulada por Kenneth Hagin que a difundiu juntamente

com diversos pregadores e líderes ministeriais dos EUA, como atesta Mariano (1999). Esse

pesquisador ainda diz que muitos pregadores brasileiros cursaram o famoso e conservador

seminário Fuller Theological Seminary de Pesadena e em especial cita a visita do pastor

Edson Rebustini, líder da Bíblica da Paz, outra neopentecostal, ao televangelista norte-

americano Kenneth Copeland, um dos mais ardorosos e polêmicos defensores da Teologia da

Prosperidade, nos dizeres de Mariano.

A influência estrangeira, naturalmente se dá por múltiplos canais: da literatura

(livros de Kenneth Hagin, T. L. Osborn, Frank Peretti, Don Gosset, Benny Hinn,

Peter Wagner e de outros autores vinculados à Teologia da Prosperidade, à

Confissão Positiva e à guerra espiritual são encontrados na maioria das livrarias

evangélicas; aliás, a maior parte da literatura evangélica que circula no país provém

do exterior), da vinda cada vez mais freqüente de teólogos e pregadores

estrangeiros e igualmente da ida de brasileiros para participar de seminários e

cursar faculdades teológicas nos EUA. (MARIANO, 1999, p. 41).

Ricardo Mariano (1999) erige a Universal como “ponta-de-lança” do

neopentecostalismo, pois para ele mesmo ela dando continuidade a certas práticas do

deuteropentecostalismo, possui diferenças e sustenta rupturas em relação às denominações

que a precedem. Assim, Mariano mostra que mesmo se o ritual do exorcismo não é recente

30

nos meios pentecostais, a Universal o exacerba nos cultos de libertação, concedendo ao Diabo

e aos demônios, identificados às entidades e aos deuses das religiões afro-brasileiras e

espíritas, destaque e importância sem precedentes.

Tal guerra espiritual manifesta-se também na Teologia do Domínio, “baseada nas

batalhas espirituais contra demônios hereditários e territoriais e na quebra de maldições de

família, concepções doutrinárias forjadas e popularizadas pelo Fuller Theological Seminary

no final dos anos 80, adotada pela maioria das igrejas neopentecostais”. (MARIANO, 1999, p.

43).

Assim, a distintividade teológica do neopenteostalismo, segundo Mariano (1999),

referente à pregação da guerra espiritual, não diz respeito à prática mais freqüente e intensa do

exorcismo, sendo que boa parte das igrejas neopentecostais envolvidas nesta guerra evitam o

exorcismo público e coletivo, ao contrário da Universal. Tal distintividade se refere à

exacerbação dessa cosmologia acentuada dualista, fundamentada na crença de que se vive e

participa-se de uma guerra cósmica entre Deus e o Diabo pelo domínio da humanidade.

Outra característica dos neopentecostais está no rompimento com a idéia da busca da

salvação pelo asceticismo de rejeição do mundo, o que nos dizeres de Mariano “contrariam

frontalmente a velha proposição pentecostal de que a existência terrena do verdadeiro cristão

seria dominada pela pobreza material e pelo sofrimento da carne”. (MARIANO, 1999, p. 44).

Ao contrário, afirma Mariano (1999) há a busca da riqueza, livre gozo do dinheiro, de

status social e dos prazeres deste “mundo”. É indisfarçável o apego dos neopentecostais ao

mundo.

O neopentecostalismo é responsável por mudanças no estereótipo, crenças e

comportamentos dos pentecostais, configurados pelas igrejas correspondentes às duas

primeiras fases, nas quais tanto o sectarismo quando o asceticismo contracultural eram

fortemente acentuados. O pentecostalismo é assim configurado com um forte caráter sectário

criando uma prática religiosa típica com regras de vida que distinguem visualmente e

socialmente o grupo. Mesmo que sejam inegáveis as transformações pelas quais essas igrejas

têm passado, fato é que, são os

neopentecostais que realizam as mais profundas acomodações à sociedade,

abandonando vários traços sectários, hábitos ascéticos e o velho estereótipo pelo

qual os crentes eram reconhecidos e, implacavelmente, estigmatizados.

(MARIANO, 1999, p. 8).

31

Além de ter abolido marcas distintivas e tradicionais do pentecostalismo, os

neopentecostais também inauguraram novos ritos, crenças e práticas, onde os costumes e

comportamentos foram relaxados, estabelecendo novas formas de relacionamento com a

sociedade. Para Passos (2005), o seguimento neopentecostal é expressão da adaptação do

paradigma pentecostal ao capitalismo tardio, respondendo, paradoxalmente, às suas

promessas falidas e também adotando seus valores e estratégias.

Devido a tais transformações realizando profundas acomodações à sociedade, os

neopentecostais passam a relegar a escatologia pentecostal tradicional a um segundo plano

priorizando a vida aqui e agora, “ao invés de enfatizar, como insistiam seus irmãos de fé, o

abrupto fim apocalíptico deste mundo, ao qual prontamente se seguiria a bem-aventurança dos

eleitos no Paraíso celestial”. (MARIANO, 1999, p. 8). Isso não significa um rompimento com

o desejo pelo Paraíso, mas somente uma troca de prioridades expressa na concepção de que

antes de irem viver eternamente com Deus desejam gozar tudo o que tem direito nesta vida

com tudo que julgam haver de bom neste mundo. Dessa forma a velha mensagem da cruz

expressa num discurso teológico que pregava o sofrimento do cristão foi abandonada.

Assim como a ênfase da primeira fase de implantação do pentecostalismo no Brasil foi o

batismo com o Espírito Santo e o conseqüente falar em línguas, a segunda fase teve como

foco central a cura divina e a terceira dá ênfase ao exorcismo e a mensagem da prosperidade,

o que visa explicitamente uma resposta à enfatizada pregação de uma vida feliz aqui e agora.

A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) é a maior expressão do neopentecostalismo

com crescimento concentrado nos estrados mais pobres da população. Como nos informa

Mariano (1999), de acordo com pesquisas feitas em meados dos anos 90, 63% dos fieis da

Universal ganham menos de dois salários mínimos e 28% entre dois e cinco salários mínimos.

50% têm menos de quatro anos de escolaridade e 85% não passaram do primário. São pessoas

extremamente carentes, sofredoras e marginalizadas

Por piores que sejam os indicadores sociais brasileiros, os membros da Universal

têm renda e escolaridade bem inferiores às da população. São, portanto, os muito

pobres e marginalizados que fazem a fortuna da Universal. (MARIANO, 1999, p.

59).

A IURD promete a solução para todos os males terrenos e assim funciona como um

verdadeiro “pronto-socorro”, no dizer de Mariano (1999, p. 59). Para tanto, a resistência à

pobreza, marginalidade e toda espécie de ameaça à vida, é oferecida na mensagem

neopentecostal que se resume na crença de que Deus tem um plano grandioso para todos, pois

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Jesus quer libertar do mal e conceder vida em abundância, saúde, prosperidade material e

felicidade. Freston (1994, p. 139) entende que “a IURD é uma atualização das possibilidades

teológicas, litúrgicas, éticas e estéticas do pentecostalismo”.

A ênfase principal da sua mensagem não é o batismo no Espírito Santo e a glossolalia,

mas uma resposta a problemas e necessidades, como fica explícita em seu slogan “Pare de

sofrer; venha para a IURD”. Em conexão com isso, também pratica o exorcismo de modo

bastante explícito e rompe com a pobreza simbólica do protestantismo brasileiro. Nos cultos

da Universal

a força da palavra está na resposta imediata às aflições do cotidiano: saúde,

prosperidade, trabalho, solução de problemas familiares; enfim, libertação do vício,

do pecado; enfim, uma vida exemplar, o domínio sobre o demônio, a certeza da

salvação total. (CÉSAR; SHAULL, 1999, p. 75).

Para tanto pregam a Teologia da Prosperidade que defende a crença de que ao crente

está destinado ser próspero, saudável e feliz neste mundo e também a Teologia do Domínio, a

guerra espiritual, a qual concebe que há uma guerra entre Deus e o Diabo, que é exterminador

da riqueza e causador de todos os males. Assim é necessária a libertação do Diabo para

prosperar.

Segundo Mariano (1999), presos ao literalismo bíblico, os fiéis estão firmados na

crença da personificação do mal enxergando nos acontecimentos mais cotidianos da vida a

ação de Deus e do Diabo. Assim, os neopentecostais acreditam que tudo que acontece decorre

da guerra travada entre as forças divinas e demoníacas. Evidencia-se um dualismo expresso

pela distinção entre mundo material e mundo espiritual e atribui-se todo o mal no “mundo

material” ao demônio, como declara Edir Macedo (apud MARIANO, 1999, p. 114), líder da

IURD, que “os demônios são responsáveis por todos os males que afligem a humanidade”.

Para a obtenção de prosperidade material, cura e sucesso faz-se, assim, necessária a libertação

do Diabo.

Imbuídos pela convicção do poder do mal, sintonizados na guerra espiritual, a expressão

“tá amarrado” é usada na intenção de bloquear a ação do demônio. Esse grito de guerra

complementado pela frase “em nome de Jesus” é liberado em qualquer situação de dificuldade

pela certeza de um poder protetor, que, segundo Mariano (1999, p. 145), funciona como um

verdadeiro “amuleto verbal”.

Outra declaração detentora de poder é a famosa frase neopentecostal “eu tomo posse”,

também complementada pelas palavras “em nome de Jesus”. Assim a Teologia da

Prosperidade declara que pela fé o crente pode possuir tudo o que determinar verbalmente em

33

nome de Jesus. Segundo Freston (1996, p. 147), “a mola propulsora da Teologia da

Prosperidade é a confissão positiva”. O segredo para o sucesso é a confissão correta a qual

não pode ser permeada por dúvidas ou temores, pois isso seria abrir-se para os poderes do

maligno colocando em risco a bênção desejada.

Dessa maneira, a resistência oferecida pelo neopentecostalismo aos seus majoritariamente

menos favorecidos adeptos é evidenciada através da Teologia da Prosperidade e a do

Domínio, as quais por sua vez, ao dedicarem-se totalmente à “resolução” de problemas deste

mundo e desta vida manifestam o distanciamento da escatologia pré-milenista. Essa

escatologia fundamentada na espera resignada da vinda de Cristo com conseqüência a uma

tendência de auto exclusão da vida social, dá, então, lugar a uma concepção que prioriza o

bem estar aqui e agora. As ofertas neopentecostais expressam que “não há o que esperar para

um futuro pós-histórico; espera-se, a qualquer momento, a manifestação de Deus”. (PASSOS,

2005, p.69).

As igrejas neopentecostais investem pesado na mídia eletrônica e os testemunhos

levados ao rádio e à TV são de crentes bem sucedidos, mas parecem preferir a TV à rádio.

Diferentemente do televangelismo dos ministérios eletrônicos norte-americanos onde os

programas são personalistas e relativamente autônomos em relação às denominações, o

televangelismo neopentecostal está inserido numa estratégia de crescimento denominacional.

Segundo Romeiro (2005), os neopentecostais não têm forma de governo nem estrutura

administrativa definidas. Cada segmento adota o que considera mais conveniente.

Geralmente, o governo e a estrutura estão em volta do líder, por isso quase todas as igrejas

neopentecostais possuem a figura de um líder forte e carismático, onde em muitos casos, tais

líderes situam-se no topo da pirâmide da igreja, isentos de qualquer questionamento, afirma

Romeiro (2005).

Esse autor ainda explica que esses líderes não precisam prestar contas nem mesmo

sobre as finanças que administram por serem considerados “ungidos do Senhor”. Para isso

eles incutem na mente de seus adeptos que não se pode tocar no “ungido do Senhor”,

“expressão extraída da Bíblia e usada por esses líderes diante da possibilidade de serem

questionados”. Em nota de rodapé, Romeiro explica que “nas Escrituras, o uso da expressão

não se refere a questionamento ético ou doutrinário, mas ao atentado contra a integridade

física da pessoa”, abordando mais amplamente tal questão no seu livro Evangélicos em

Crise”. (ROMEIRO, 2005, p. 63).

Dessa forma, o líder neopentecostal, nas palavras de Romeiro,

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distanciou-se da figura do pastor pentecostal de décadas anteriores. Antes, a

preocupação principal era visitar os enfermos, ler a Bíblia e orar a fim de preparar as

pregações e entender, coletiva e individualmente, às necessidades dos membros da

comunidade. Hoje, o líder neopentecostal, com algumas exceções, precisa ser

especialista em marketing. Precisa sair-se muito bem diante das câmeras de TV.

Embora viaje constantemente e fale a multidões, não atende individualmente a

maioria dos fiéis. (ROMEIRO, 2005, p. 64).

Ao tratar de uma das Igrejas mais expressivas do neopentecostalismo, a Internacional

da Graça de Deus, Romeiro (2005) abordando ainda questões referentes ao pastor

neopentecostal, constata que em tal igreja para alcançar o pastorado não é imprescindível

formação teológica nem superior, mesmo apesar de ter sido criada, há alguns anos, a

Academia Teológica da Graça de Deus (AGRADE).

Segundo esse pesquisador, Soares, o líder e fundador dessa Igreja, tem dado bastante

ênfase ao desenvolvimento cultural de seus pregadores, por entender que o mundo de hoje

exige muito mais das pessoas. E desde a criação da AGRADE tem encorajado seus obreiros e

evangelistas a estudarem teologia ou qualquer outro curso superior.

Para Romeiro (2005, p. 70), “apesar de criticado por muito e de promover crenças e

práticas questionáveis à luz da Bíblia, o neopentecostalismo vive atualmente um estado de

graça. Continua crescendo também por sua habilidade de colocar a igreja no mercado e as

práticas do mercado na igreja”.

Assim, as razões desse sucesso são mencionadas por Romeiro (2005) considerando

que os fatores de crescimento do neopentecostalismo são: liderança carismática, mudança de

paradigma nos usos e costumes, liturgia mais descontraída, a perda de fiéis pela Igreja

Católica e a mídia.

2.3- Teologia da prosperidade

Sobre a questão teológica, Romeiro afirma que o neopentecostalismo não apresenta

uma linha própria sendo que muitas de suas posições doutrinárias são semelhantes às do

pentecostalismo da primeira e da segunda onda. Esse pesquisador reitera ainda sobre a

teologia neopentecostal que “doutrinas como justificação pela fé, adoção, predestinação e

escatologia, valorizadas pelas denominações históricas aparecem com pouca freqüência em

suas pregações e publicações”. (ROMEIRO, 2005, p. 88).

Assim, sem uma teologia definida, o neopentecostalismo reúne várias posições

doutrinárias e correntes teológicas onde uma das principais propostas da maioria de seus

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pregadores é banir da vida humana a doença, a pobreza e todo tipo de sofrimento

(ROMEIRO, 2005).

Abordando sobre a teologia neopentecostal, Ricardo Mariano (1999, p. 147) cita uma

frase escrita por um pastor da IURD na qual declara que “o reino dos céus é hoje”,

evidenciando a ênfase da mensagem neopentecostal. Ficando, dessa forma, o foco de tal

mensagem concentrada no aspecto temporal, mais na vida presente do que na futura. Assim,

segundo Mariano (1999, p. 44) prega-se no neopentecostalismo a teologia da prosperidade a

qual segundo ele é uma “doutrina que, grosso modo, defende que o crente está destinado a ser

próspero, saudável e feliz neste mundo”.

A teologia da prosperidade, como denominada no Brasil, recebe nos EUA, local de sua

origem, além desse nome outros rótulos por parte de seus críticos. Pode-se notar as outras

nomenclaturas de tal doutrina nas palavras de Romeiro (2005) ao explicar que corrente

doutrinária que mais conquistou espaço no movimento neopentecostal é a confissão positiva

salientando que também é conhecida como “evangelho da saúde e da prosperidade”, “palavra

da fé” ou ainda “movimento da fé”.

Confissão positiva é um título alternativo para a teologia da fórmula da fé ou

doutrina da prosperidade promulgada por vários televangelistas contemporâneos,

sob a liderança e a inspiraçao de Essek William Kenyon. A expressão “Confissão

Positiva”pode ser legitimamente interpretada de várias maneira. O mais significativo

de tudo é que a expressão “Confissão Positiva”se refere verdadeiramente a trazer à

existência o que declaramos com nossa boca, uma vez que a fé é uma confissão.

(ROMEIRO, 1993, p. 20).

Mariano (1999) assegura que a teologia da prosperidade, reunindo crenças sobre cura,

prosperidade e poder da fé surgindo na década de 40 e se constituindo como um movimento

doutrinário no decorrer dos anos 70 ao encontrar guarida nos grupos evangélicos carismáticos

dos EUA. Para esse pesquisador tal teologia reinterpreta ensinos e mandamentos do

Evangelho para atender a demanda imediatista de resolução ritual de problemas financeiros e

de satisfação de desejos de consumo dos fiéis. Para esse pesquisador a mensagem da teologia

da prosperidade veio impulsionar a adequação de várias igrejas pentecostais à sociedade de

consumo.

Segundo Romeiro (1993) muitas pessoas consideram Kenneth Hagin como o pai da

Confissão Positiva, mas explica que ao se estudar o histórico do movimento, percebe-se que o

verdadeiro pai é Essek William Kenyon. Considera ainda de fundamental importância o

conhecimento de quem foi Charles Emerson para, explica Romeiro (1993, p. 22), “se

compreender a hermenêutica de Kenyon”. Assim, sobre Emerson, Romeiro esclarece que foi

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um colecionador de religiões, um eclético que terminou na mais rígida e dogmática de todas

as seitas metafísicas, a Ciência Cristã.

Kenyon também se envolveu com uma variedade de ministérios em sua vida e também

influenciou e curou, segundo Mariano (1999), Mary Baker Eddy, fundadora da Ciência Cristã

sendo que também os escritos dela influenciaram as doutrinas de Kenyon, o autor original da

Confissão Positiva.

Antes de sua morte em 1948, Kenyon encarregou sua filha de continuar seu ministério

e publicar seus escritos. Mais tarde, porém, Kenneth Hagin utilizou as idéias e os escritos de

Kenyon para dar forma aos que nas palavras de Romeiro (1993, p. 23) “viria a ser um dos

maiores e mais controvertidos movimentos”. Como também afirma Mariano (1999), Hagin

inspirou-se em Kenyon chegando a plagiar vários escritos dele. Fato é que foi com Hagin que

o movimento da Confissão Positiva se difundiu para inúmeros países.

Insta, porém, ressaltar que Kenyon nunca pregou nem escreveu sobre prosperidade,

sendo que dele Hagin aprendeu apenas ensinos sobre cura divina e Confissão Positiva. Como

esclarece Mariano (1999), foi televangelista Oral Roberts quem criou a noção de “Vida

Abundante” e deu início à pregação da doutrina da prosperidade prometendo retorno

financeiro sete vezes maior do que o valor ofertado. A partir de 1954, Roberts passou a dar

mais ênfase a essa mensagem e nos anos 70 essa doutrina ganhou maior projeção por meio do

ministério de Kenneth e Gloria Copeland que prometiam o cêntuplo dos dízimos e ofertas.

Mas, foi sob a liderança de Hagin, nascido no Texas em 1917, que o movimento da

Confissão Positiva se difundiu para inúmeros países. Evangelista batista, porém crente na cura

divina, Hagin logo se aproximou dos pentecostais recebendo o batismo do Espírito Santo em

1937 sendo também nesse mesmo ano licenciado pastor na Assembléia de Deus onde

permaneceu até 1949. Após essa data, Hagin se tornou evangelista itinerante e em 1962

fundou seu próprio ministério, caracterizado, segundo Mariano (1999, p. 151), “por transes,

visões, profecias, revelações e experiências sobrenaturais, dos quais fez derivar sua autoridade

espiritual”.

No Brasil, a teologia da prosperidade começou a ser divulgada nos anos 70 penetrando

em muitas igrejas especialmente, como ressalta Mariano (1999), na Internacional da Graça e

na Universal do Reino de Deus as quais aborda com mais freqüência devido ao seu tamanho e

pela ênfase na prosperidade financeira.

Kenneth Hagin não poderia ter, no Brasil, porta-voz melhor e mais poderoso que R.

R. Soares para divulgar suas idéias e doutrinas. Por ser a pessoa no Brasil que mais

aparece na mídia televisiva, alcança milhões de pessoas. Quase todos os livros de

37

Hagin em português foram publicados pela Graça Editorial, além de outros autores

norte-americanos, como Gordon Lindsay e o próprio T. L. Osborn. (ROMEIRO,

2005, p. 98).

Dessa forma a pregação neopentecostal enfatiza que a vida do cristão deve ser livre de

qualquer problema. Ele deve morar em mansões, possuir carros caros, ter muito dinheiro e

muita saúde. Tal teologia ainda acrescenta que se isso não ocorrer é devido a ausência de fé, a

vida em pecado ou então o domínio de Satanás.

Segundo Proença, a chamada Teologia da Prosperidade, propagada hoje no Brasil por

alguns segmentos evangélicos, tem enfatizado que seguir a Jesus é automaticamente

candidatar-se a uma vida de sucesso financeiro, de projeção social e quase imunidade a

qualquer tipo de sofrimento. Na verdade, até mais do que isto, segundo tal proposta, todo

cristão tem o direito de reivindicar e até exigir de Deus a satisfação de seus desejos pessoais.

(PROENÇA, 2008).

Para Proença (2008) a mensagem da teologia da prosperidade pode ser resumida na

seguinte frase: “A teologia da prosperidade está trazendo o celeste porvir para o terrestre

presente”.

A ênfase dada ao dinheiro pela IURD fica explícita nas palavras de Edir Macedo:

A Bíblia diz que Jesus deu o seu sangue para salvar a humanidade. O sangue de

Jesus é ele mesmo, sua vida, seu sacrifício. Costumo afirmar que o dinheiro é o

sangue da igreja, pois carrega consigo parte das vidas das pessoas (tempo, suor,

inteligência e esforço para ser conseguido); é a este aspecto que me refiro.

(MACEDO apud ROMEIRO, 2005, p. 108).

John Ankerberg e John Weldon numa abordagem crítica expressam de forma

detalhada o que consideram ser as principais características da teologia da prosperidade:

1. Origens ou Influências nas Seitas – Teologia com uma considerável base nos escritos

de E. W. Kenyon, do Novo Pensamento, e em menor grau nas seitas do Poder da

Mente.

2. Excesso de Simplificação – Soluções simples e rápidas para problemas humanos

complexos.

3. Abuso da Bíblia – Interpretação distorcida, resultante da ignorância de uma teologia

bíblica, sistemática e histórica.

4. Falsos Ensinos – Diversos ensinos falsos e ocasionalmente heréticos, alguns dos quais

similares à antiga heresia gnóstica.

5. Orgulho Espiritual – Recusa contínua em dialogar com outros cristãos.

6. Presunção Espiritual – Os pregadores da fé afirmam que suas mensagens individuais

resultam de revelação e/ou inspiração divina direta.

7. Teologia Mundana e Humanista – Apresentam uma filosofia distorcida de Deus e da

vida cristã ...

38

8. Experimentalismo – Preferência pelos sentimentos e emoções em substituição às

considerações da mente e do intelecto.

9. Hedonismo – Ênfase no prazer e na idéia de “céu agora”, com uma abordagem irreal

da dor, sofrimento e doença.

10. Exclusivismo – Classificação dos cristãos que não fazem parte do movimento como

“carnais”, como os que ensinam “incredulidade” e falsas tradições humanas, e até

como falsos pregadores que anulam o poder de Deus e de Sua Palavra.

11. Religião de Poder – Enfatiza o pode pessoal e a autoridade espiritual como o meio

de dar ordens a anjos, controlar o ambiente ao seu redor e obter a realização dos seus

desejos.

12. Falta de Equilíbrio – Um ensino limitado quase exclusivamente à ênfase sobre a

“fé”, e sucesso/prosperidade/cura, com exclusão de 99% do restante da vida cristã.

13. Falta de Integridade Espiritual – Isso constitui uma negativa tríplice do chamado

divino do ministro porque: (1) a pregação envolve um manejo errado da Palavra da

verdade (as Escrituras são deturpadas); (2) o que também deve ser pregado – sã

doutrina, vida moral, etc. - é atenuado ou ignorado (as Escrituras são esquecidas); e

(3), sob essas condições, os cristãos jamais crescerão espiritualmente (as Escrituras

perdem sua validade). (ANKERBERG; WELDON, 1996, p. 25-28).

Uma abordagem crítica sobre a teologia da prosperidade encontra também eco na voz

de um ex-pastor da IRUD e divulgador de tal teologia. O pastor Ronaldo Didini depois de ter

passado pela IURD e também pela Igreja Internacional da Graça fala sobre a Teologia da

Prosperidade em entrevista a revista Cristianismo Hoje. Segundo informa a matéria em tal

revista o pastor Didini, atualmente na Igreja Mundial do Poder de Deus, se tornou um detrator

da Teologia da Prosperidade a qual, para ele, é como um câncer que está destruindo a igreja

brasileira. Para Didini os pregadores da prosperidade não têm contato com o povo e não

enxergam isso, porque são pobres, cegos, miseráveis e estão nus. “O homem não tem que

ditar regras a Deus e dizer a ele como e a que horas fazer o milagre. Minha crítica a essa

teologia é que ela proclama aquilo que é terreno e não o que é sagrado, sobrenatural”, declara

Didini. (Cristianismo Hoje, 2008).

Nessa entrevista, Didini também faz um paralelo entre a teologia da prosperidade e a

bíblia, onde parece entrever que as crenças promulgadas por essa teologia estão acima do

texto sagrado para os que a divulgam. Assim, sobre a teologia da prosperidade e a bíblia o

pastor Didini chega a declarar que “uma coisa é enxergar, e outra é mudar, se for preciso sair

do sistema, quando ele se torna mais poderoso que a Bíblia”.

Dessa forma, após percorrer o caminho histórico do neopentecostalismo e observar as

principais características de sua mensagem através da teologia da prosperidade, propões-se

investigar, dando continuidade ao que Didini parece entrever sobre como é usada a bíblia

nesse movimento. Ciente de que o texto sagrado é visto, lido e usado como palavra de Deus,

também pelos neopentecostais, torna-se relevante indagar como é que a teologia da

prosperidade, seus divulgadores e adeptos lêem e utilizam o texto sagrado imbuídos pelo

39

propósito maior da prosperidade. Para tanto a pesquisa propõe analisar a hermenêutica

neopentecostal.

3. HERMENÊUTICA NEOPENTECOSTAL

Para Paulo Romeiro, ainda não aconteceu na história do pentecostalismo a conciliação

entre hermenêutica e keriga. Ele afirma que “boa parcela do movimento não se preocupa com

a interpretação científica do texto bíblico e com as ferramentas necessárias à hermenêutica.

Ao longo das décadas, o pentecostalismo brasileiro até mostrou certa ojeriza pela educação”.

(ROMEIRO, 2005, p. 117).

As raízes do pentecostalismo situam-se, no dizer de Campos Júnior (1995), em plena

Reforma Protestante, na Europa do século XVI. Mas para esse autor apenas no século XIX é

que ele assume a face com que hoje é conhecido sendo fruto de interpretações literais da

Bíblia.

3.1- A leitura bíblica neopentecostal

O Pentecostalismo tem sido alvo de constantes estudos devido ao seu crescimento e

paradigma. Esse novo modo de ser cristão implica num discurso que manifesta abruptos

rompimentos com a mensagem protestante clássica de onde origina a vertente pentecostal.

Para Campos Júnior (1995) as distinções entre o protestantismo histórico e pentecostalismo se

acentuam quando se passa para o campo da hermenêutica bíblica pela ausência de

contextualização da passagem bíblica em sua aplicação cotidiana no discurso pentecostal, o

qual, para esse autor, é espiritualista.

Numa abrangência ainda maior, mas pelo mesmo critério de distinção, Passos (2005) fala

de uma grande bifurcação no cristianismo em duas vertentes agregando num mesmo

paradigma grupos distintos e antagônicos. Coloca de um lado os cristãos históricos aos quais

identifica pelo fato de se compreenderem e se organizarem numa referência hermenêutica

racional, e os cristãos pentecostais fundados numa relação mítica com suas origens. Para esse

autor

40

o paradigma pentecostal configurou, em pouco mais de um século, um modo de ser

cristão que soma posturas antimodernas e modernas em um mesmo sistema

religioso, na medida em que retoma posturas mágicas e fundamentalistas, porém

respondendo a lógica do sujeito moderno como o centro da experiência religiosa e

consumidor de bens simbólicos. (PASSOS, 2005, p. 20)

Esse marco divisório que caracteriza a vertente pentecostal pelo fato de ser fator de

distinção entre esses e os protestantes históricos desafia a uma instigante investigação sobre

esse uso do texto sagrado, o qual é responsável por uma linha divisória de grupos que

conformam ainda um mesmo paradigma.

Nas narrativas de Pentecostes no capítulo 2 do livro dos Atos dos Apóstolos estão as

origens do Pentecostalismo como o próprio nome indica. Essa narrativa é o fundamento

principal dos cristãos pentecostais desde os primeiros grupos do movimento holiness. Da

mesma forma outras narrativas sobre a ação do Espírito Santo, como a de I Co 12-14,

completam a de Atos, fornecendo referências para o comportamento dos Pentecostais. As

narrativas bíblicas são sempre exemplares de tal forma que possibilitam a imitação por parte

dos fiéis pentecostais. (PASSOS, 2005).

É dessa forma de leitura do texto bíblico que nasce hoje um grupo pentecostal, bem como

o surgimento do primeiro grupo holiness que lendo os textos bíblicos recebeu o Espírito Santo

e falou em línguas estranhas.

Presbiterianos e metodistas investem há muito tempo na educação, afirma Romeiro

(2005). Ele salienta que, a Assembléia de Deus vem investindo em educação nos últimos

anos, mas que a situação é mais grave ainda quando se trata da Congregação Cristã no Brasil,

pois ela nunca estimulou o conhecimento teológico. Assim, tal autor chega em sua análise ao

neopentecostalismo, mencionando que a IURD também não nutre simpatia pela educação

teológica.

O neopentecostalismo1 parece inaugurar uma nova maneira de entender e se apropriar do

texto sagrado. Sua teologia central marcadamente formulada pela ênfase na prosperidade,

exorcismo e cura, é baseada numa leitura bíblica que se adéqüe a esse discurso utilitarista,

pois a causa dos problemas dos fiéis é apontada a partir de referências bíblicas onde um texto

é lido e comentado como explicação da causa dos males e da oferta de saídas. Haja vista a

queda da velha mensagem da cruz no neopentecostalismo, como explica Mariano (1999, p. 9)

1 Alguns autores não fazem distinção na nomenclatura ao se referirem às igrejas que conformam o pentecostalismo brasileiro em suas três

fases de implantação, referidas por Freston. Assim, ao denominar pentecostalismo ou igrejas pentecostais estão tratando muitas vezes

especificamente das igrejas às quais Mariano denomina de neopentecostais ou até mesmo se referindo a essas juntamente com as demais, das

fases anteriores.

41

dizendo que o “discurso teológico que pregava o sofrimento do cristão, caiu por terra e, sem

qualquer compadecimento, foi soterrada” tal mensagem.

Ressaltando as principais características do pentecostalismo, Passos define essa vertente

cristã dizendo que

os pentecostais são um seguimento do cristianismo que adota uma interpretação e

uma prática marcadas pelo que consideram ser a experiência do Espírito Santo. Tem

como características atuais a centralidade na experiência emocional, o culto de

louvor efervesceste, a tendência à leitura literal dos textos bíblicos e a prática do

exorcismo. A palavra Pentecostalismo é tomada do Pentecostes, fato fundante do

cristianismo descrito no capítulo 2 do livro dos Atos dos Apóstolos. (PASSOS,

2005, p. 14).

Dessa maneira, Shaull (1999) acrescenta que os pentecostais não têm dado muita

atenção à reflexão teológica sistemática. Ao começar a observar, declara esse autor, os

escritos do bispo Edir Macedo, líder e fundador da Igreja Universal do Reino de Deus,

chamou-o a atenção a confiança do bispo em usar grande parte da linguagem da pregação

reavivalista tradicional, sua demonologia e suas interpretações alegóricas de muitos textos

bíblicos, mesmo os que tratam de evidentes realidades históricas.

Campos Júnior (1995) considera como característica marcante desse ramo pentecostal a

adoção de uma linguagem mais popular por parte dos líderes como meio para transmitirem

suas mensagens tratando dos problemas mais cotidianos. Esse autor explica que com um

projeto imediatista, a IURD consegue atrair as pessoas para seus templos.

A recessão, o desemprego, a falta de perspectivas se transformam em catalisadores

do pentecostalismo no Brasil. Tais fatos contribuem para o já desenfreado

desenvolvimento de religiões que, com uma linguagem mais simples, atingem

amplamente os setores marginalizados sem lhes dar uma solução material.

(CAMPOS JÚNIOR, 1995, p. 59).

Tendo em vista o objetivo de tratar diretamente do mal, falando de enfermidades, baixos

salários, desemprego, brigas entre cônjuges, vícios, solidão, entre outros, os líderes

neopentecostais se expressam sem usar forma erudita e incompreensível. A tônica de tais

pregadores na afirmação de que somente será próspero, saudável e feliz nessa vida quem tem

fé, cumpre o que diz a Bíblia a respeito das promessas divinas e que não está envolvido com o

Diabo. Isso fica claro especialmente quando se prega que para prosperar financeiramente é

preciso cumprir o que está na Bíblia efetuando o pagamento do dízimo o qual segundo R. R.

Soares “existe desde a criação do homem”. (MARIANO, 1999, p. 161).

42

Observa-se que no culto neopentecostal o sermão nem sempre é o ponto culminante,

como acontece na liturgia cristã tradicional. Coloca-se a dúvida de se poder até em falar em

sermão quando é evidente que toda a liturgia parece ter a mesma ênfase, a mesma força

doutrinária e catequética. A palavra vai para além de um sermão complementando-se nos

demais atos do culto, significando mais do que uma exegese do texto bíblico, pois muitas

vezes é usada como pretexto para frisar o compromisso do dízimo, da evangelização ou de

normas de conduta dos crentes. De qualquer forma a pregação é um ponto importante cujo

tema central é a luta contra o mal através da santificação pessoal. (CÉSAR; SHAULL, 1999).

No pentecostalismo, a Bíblia é apresentada como a verdade por excelência não se

servindo, para isso, de uma linguagem racional como se quisessem provar o que dizem, mas

apenas anunciam-na de maneira incisiva e afirmativa como alguém que está completamente

convicto. A afirmação do poder de Deus encontra na leitura literal do texto bíblico a

fundamentação incontestável. A linguagem é simples e direta, afirmadora dos poderes

divinos. Assim a pregação é vivencial, pois une episódios bíblicos a circunstâncias nas quais

os fiéis se encontram. (ROLIM, 1985).

Dessa forma, a experiência religiosa pentecostal se dá numa dinâmica atemporal,

como explica Passos (2005), em que as narrativas bíblicas tornam-se realidade assim como

encontram escritas no texto. Não há, para estes, necessidade de mediações explicativas para

os textos bíblicos, o que, segundo esse autor, dificulta e até impossibilita a experiência direta

dos conteúdos narrados. Assim, há um passado que interpreta o presente e um presente que

reinterpreta o passado a partir de suas condições. Nas palavras de Campos Júnior (1995, p.

72), no pentecostalismo, “aliado à interpretação literal, estão presentes também elementos da

crendice popular, o que assegura ainda a criação de um contexto sobrenatural”.

Dessa forma faz-se uma ligação direta com o tempo das origens, com o evento de

Pentecostes, com os milagres de Jesus, com os dons do Espírito Santo. Os fatos do passado,

narrados nos textos bíblicos, tornam-se, imediatamente, realidade vivenciada pelo fiel. Assim,

“o texto bíblico é, antes de tudo, um elo que liga as origens da fé cristã, o tempo da salvação

ao hoje do fiel”. (PASSOS, 2005, p. 33). O pentecostalismo torna indistinto o ontem do hoje

vivenciando suas origens na lógica estrita do tempo mítico.

Para o pentecostal “o texto bíblico tem uma função mais prática que teórica e não uma

referência escrita de uma experiência do passado que exige interpretação para ser

compreendida e explicada”. (PASSOS, 2005, p. 34). Para que possa exercer tal função, é

fundamental, portanto, que o texto seja conservado em sua literalidade, pois o estudo pode

43

impedir tal processo ao distinguir as temporalidade de ontem e de hoje, por meio do estudo da

história e da cultura, da língua e do gênero literário da época em que o texto foi escrito.

Nesse contexto, Passos considera ainda que

é necessário conservar a narrativa na sua integridade literal e na sua factualidade

histórica para que possa ser vivenciada pelo fiel no momento em que vive. As

narrativas bíblicas são como roteiros seguros da imitação de Deus, roteiros de

salvação, que no próprio ato de sua repetição, produzem o efeito desejado para

aquele que crê. O texto é a própria palavra viva e atuante de Deus no aqui e agora.

(PASSOS, 2005, p. 34).

Os pentecostais, no que diz respeito à interpretação da Bíblia, acreditam que seu teor é

contemporâneo. Emerge uma compreensão singular de um texto histórico. Nessa

interpretação não se considera a Bíblia como uma série de textos escritos para uma época,

mas sim um único texto escrito. O texto bíblico para os pentecostais, como relata Guimarães

(2008), “possui uma espécie de transcendência que o faz superar as limitações geográficas,

históricas, sociológicas, culturais, e políticas de sua produção, e o transpõe diretamente para

sua realidade atual”.

Dessa forma, o texto bíblico possui aplicação no hoje e agora, pois se pressupõe que

ao ser escrito visava e visualizava o tempo atual. Evidencia-se uma interpretação na qual se

conjuga passado e presente

Percebe-se que em tal conformação fica superada a distinção do ontem e do hoje sendo

a bíblia, nesse sentido, a narrativa que antes de tudo, acontece, seja no sentido dos rituais e

das experiências espirituais, seja no sentido da realização histórica daquilo que o texto fala.

Dessa forma, os textos bíblicos contêm, para o pentecostal, todas as explicações para todos os

fatos e todas as soluções para todos os problemas. Ou seja, para os pentecostais a bíblia

contém todas as respostas de que precisam.

Desse modo, o pentecostalismo em suas representações e práticas está sustentado

numa dinâmica de uma temporalidade mítica possuindo a capacidade de trazer para o

cotidiano dos fiéis como experiência possível o carisma das origens. Experiência essa que

provoca “ruptura com a temporalidade profana e suas múltiplas amarras e controles.

(PASSOS, 2005, p. 36).

Torna-se, assim, necessário o rompimento com as medidas racionais e institucionais

que possam administrar o acesso à salvação. Tal administração incabível se daria por meio de

doutrinas muito eruditas, organizações burocráticas e até mesmo por regras litúrgicas. Por isso

é peculiar na dinâmica pentecostal a criação de rupturas nas esferas pessoal e social, para

44

poder, como afirma Passos (2005, p. 37), “manter os seus adeptos na temporalidade pura e

livre das origens”. Nesse contexto os textos bíblicos não são referências escritas do passado,

para os pentecostais, mas sim narrativas imitadas em todos os momentos. Por isso, Passos

(2005, p. 39) considera que “ser pentecostal é sair da prisão da precariedade do tempo profano

do mundo”.

Dentre as vicissitudes do pentecostalismo, segundo Matos, pode-se constatar:

ênfase excessiva na experiência, profecias ou revelações, relativizando a importância

da Bíblia; interpretação bíblica literalista ou alegórica, conforme a necessidade, sem

atentar para as boas regras da hermenêutica; a Bíblia é considerada acima de tudo

um livro de promessas de Deus para os crentes; ênfase excessiva na experiência e

nas emoções, que pode levar ao subjetivismo; liturgia condicionada por interesses

pragmáticos (atrair e empolgar os participantes) e preferências culturais, e não pelo

ensino da Escritura. (MATOS, 2008).

No neopentecostalismo a bíblia é referenciada como um objeto de poder, enfatizando o

uso mágico da mesma a qual se torna muito mais um oráculo a ser consultado, do que a regra

de fé e prática. Passos (2005) conta que em um Templo da IURD na zona norte de São Paulo,

depois de uma longa explanação sobre a eficácia da doação o pastor solicita a colocação da

contribuição dos fiéis dentro da Bíblia aberta que estava diante do palco central. Nesse

momento o pastor dizia que “a Palavra de Deus é a garantia da retribuição de Deus”.

Esse uso da Bíblia como um símbolo faz com que a presença da ação mediada de Deus

não seja totalmente iconoclasta, pois devido a tal uso mítico essa mediação

não é totalmente desestetizada como possa aparentar. A Palavra de Deus (Bíblia)

presentifica, sensivelmente a sua força. A Bíblia é usada como objeto heirofânico

(que manifesta o sagrado), que não apenas contem uma mensagem escrita, mas de

que emanam força e proteção. (PASSOS, 2005, p. 105).

A Palavra de Deus atrai o bem e protege o fiel do mal, como diz Passos (2005), na

medida em que é relacionada com o contrato. Esse autor relata que uma fiel, conselheira do

SOS da IURD, afirmou que da mesma forma como se faz um contrato com um santo, faz-se

com a Bíblia. Essa transcende esse mundo e vem do próprio Deus que está presente nesse

mundo através do livro da Bíblia. Assim a Bíblia é o santo que fala e faz, realiza o que

pronuncia. “Ela é o livro santo de falas múltiplas que tem capacidade de cumprir todos os

efeitos de forma múltipla de acordo com a cultura metropolitana, marcada pelas mensagens

45

escritas, pela imediatez da comunicação e pela necessidade da novidade”. (PASSOS, 2005, p.

106).

“A troca de sinal religioso” é o termo usado por Rolim (1985) para abordar sobre a

substituição do santo pela bíblia no pentecostalismo. Ele coloca que em lugar da imagem do

santo é a Bíblia que é venerada. O fiel pentecostal ao ir pregar nas praças públicas, visitar

hospitais ou prisões, o que poderia ser chamado de uma reduzida procissão na qual não se

carrega um andor, mas onde cada um leva consigo a bíblia.

Os santos de madeira ou barro e as medalhas foram substituídos pela Bíblia. Se os

primeiros não falavam, esta fala e é cheia de episódios atraentes. Se os santos

rezavam, e levavam de um lugar para o outro, agora, lendo a Bíblia ou memorizando

narrações bíblicas aprendidas de cor, podem orar onde e como querem. (ROLIM,

1985, p. 46).

Esse livro santo, a bíblia, é portátil e acompanha cada fiel em seu percurso ligando

permanentemente co o poder da Palavra, com as bênçãos de Deus. Da mesma maneira que o

santo, “a Bíblia, segundo Passos (2005, p. 106), significa a porta de irrupção do in illo

tempore”. A Bíblia produz pelas narrações proclamadas uma relação indistinta entre o

passado e o presente. Assim como a presença da imagem do santo é a possibilidade do poder

de salvação de Deus, também a palavra da Bíblia o é, por isso como não há catolicismo

popular sem a imagem do santo, da mesma maneira, não há pentecostalismo sem Bíblia.

Passos (2005) ainda acrescenta que a Bíblia sofre a mesma manipulação do fiel como o santo

no catolicismo. Isso acontece abrindo uma página para que Deus fale e também no uso de

gestos de colocar a mão sobre a Bíblia para colocá-la sobre a pessoa necessitada ou colocando

as contribuições entre suas páginas.

Fica evidente que boa parte da pregação neopentecostal é mero exercício de auto-

ajuda, com promessas de riqueza e bem-estar, para aqui e agora. Isso porque, como salienta

Passos (2005), o mercado religioso neopentecostal é estruturado pela lógica da experiência

estética, pois a experiência subjetiva é o ponto de partida e o eixo dos discursos, bem como,

da interpretação dos textos bíblicos, dos cultos e da espiritualidade dos grupos.

Não há regras de fé ou princípios éticos relacionados à bíblia, mas um discurso

secularizante e antropocêntrico, ideologias fundantes do fenômeno neopentecostal. A Bíblia é

ressignificada em um universo de símbolos místicos como um depósito de cenas, histórias e

tipos exemplares que podem ser alegorizados para os fins. A historicidade2 e interpretação

2 Historicidade entende-se vinculação com o social, político e não uma “historiografia”.

46

ética do texto e do ouvinte/leitor se esvazia. O valor não é mais o que a Bíblia diz, mas é

como a Bíblia autoriza “minha” visão de vida.

De acordo com Proença (apud MENEZES, 2003, p. 148) um dos fundamentos que dá

sustentação ao neopentecostalismo, enquanto movimento, “conferindo aos seus líderes

ostentações de poder e ascensão social perante o grupo”, são as práticas de leitura

descontextualizadas e alegorizadas como obrigatória nos cultos. Proença (apud MENEZES,

2003, p. 149) define a leitura da bíblia no neopentecostalismo, primeiramente, como

“intensiva e paradigmática”, na qual, se objetiva obter proteção e prosperidade financeira nos

negócios e saúde. Por essa leitura se educam os filhos, estabelecem-se os ritos para “guerrear

e vencer o demônio”; por ela, são criadas as regras de comportamento, elaborados os

argumentos para a entrega de “dízimos” e ofertas; é ela, também, que dá sustentação ao poder

exercido pelo líder e legitimação aos títulos que ostenta, conferindo-lhe autoridade perante o

grupo a fim de conduzi-lo.

Os fiéis também assimilaram o neopentecostalismo a partir do legado cultural

sincrético do catolicismo popular e das religiões afro, lançando sobre a leitura da Bíblia uma

série de pressupostos construídos a priori em seu “imaginário”. Percebe-se que não há leitura

da Bíblia com a mediação de técnicas “amoldadas” para tal, ou de interpretações erigidas

historicamente pelos crentes mais “históricos”, mas através de “novos” paradigmas insurgidos

da troca de experiências cotidianas.

Para Lopes (2007) a hermenêutica desses movimentos é caracterizada por uma leitura

das Escrituras e da realidade sempre em termos da ação sobrenatural de Deus, que é percebido

somente em termos de sua ação extraordinária. O forte conteúdo emocional, as interpretações

literais e a adaptação aos problemas do cotidiano são elementos marcantes na pregação

pentecostal, como também considera Campos Júnior (1995). Esse autor acrescenta por serem

as interpretações literais não se leva em conta o contexto em que cartas como a do Apocalipse

foram escritas.

A inexistência de uma exposição bíblica, ao menos razoável, nos cultos neopentecostal

é constatável. O processo hermenêutico é reduzido à famosa frase “o Espírito Santo me

revelou”. O critério da interpretação é o "Espírito", entendendo-se, nessa categoria, a

subjetividade do intérprete. É significativo que a Igreja Universal do Reino de Deus tenha

substituído a cruz pela pomba.

O misticismo presente mistura figuras, objetos e símbolos para representarem coisas

espirituais, no qual a Bíblia se insere. Devido à ênfase na liturgia envolvente, curas e

47

exorcismos, os neopentecostais, são na sua maioria, superficiais no conhecimento da Bíblia.

As pregações são cheias de “confissões positivas”3.

Para Campos Júnior (1995, p. 103), “o pentecostalismo pode ser compreendido como

um desdobramento da “liberdade de interpretação”, postulada por Lutero no período em que

se deu a Reforma”. Os pentecostais herdaram a liberdade de interpretação dos protestantes

históricos, mas como a linguagem desenvolvida por eles obedece a signos próprios a adoção

de posturas não racionais, ou supra-racionais priorizando um discurso mágico religioso, lhes

possibilita o melhor contato com os fiéis.

Reiterando a distinção em dois grandes blocos de cristãos, Passos (2005) diz que a

lógica pentecostal confronta-se com a lógica das religiões cristãs históricas (os católicos e os

protestantes), pois essas colocam mediações racionais e institucionais entre o tempo das

origens e o tempo dos fiéis criando interpretações e tradições sobre os textos, organizando as

comunidades e os rituais. No entanto “os Pentecostais reproduzem um comportamento

religioso típico das religiões mais arcaicas da humanidade, anterior mesmo a cristianismo. O

acesso direto ao in illo tempore do cristianismo é livre e direto, possibilitado pelas narrativas

exemplares dos textos bíblicos”. (PASSOS, 2005, p. 36).

A questão coloca-se na problemática da interpretação do texto bíblico num discurso com

as características do pentecostalismo o qual se distancia da ciência e da razão, demonstrando-

se imediatista e espiritualizante. Não considerando métodos científicos para a interpretação de

textos de uma época tão remota, de cultura distinta parece demonstrar ênfase apenas numa

leitura bíblica utilitarista a qual serve-se da bíblia para legitimar sua ideologia mesmo

incorrendo em um profundo anacronismo. Nesse discurso que transmite uma mensagem

subjetiva e individualista se visualiza uma leitura utilitarista, pois a ênfase não é tanto servir a

Deus, mas sim servir-se de Deus.

Apesar de o pentecostalismo ser originário de dissidências no meio protestante histórico

não se evidencia similaridades quanto aos requisitos para a formação de seus líderes. Os

protestantes históricos possuem uma organização hierárquica e uma preocupação com o

preparo acadêmico de seus pastores e líderes marcados por um caráter mais racional acerca da

interpretação religiosa. Para eles o estudo do grego e do hebraico é valorizado na formação

dos pastores e a discussão de novas tendências teológicas é alvo de reuniões sendo que as

novas interpretações acerca de passagens bíblicas são motivo de debates. (CAMPOS

JÚNIOR, 1995).

3 Entende-se por confissões positivas frase como: “você vai prosperar; sua vida vai mudar; hoje você vai viver o milagre”, etc.

48

Assim no meio protestante tradicional existe a preocupação não só com o preparo

pastoral, mas com a capacitação intelectual de seus líderes. Já no meio pentecostal isso não

acontece. A escolaridade entre os pentecostais é baixa já que não consideram necessário o

entendimento carnal, como costuma dizer, para a compreensão da mensagem através do texto

bíblico. Não se pode deixar de considerar que tudo no universo pentecostal é espiritualizado o

que leva a uma desvalorização de um estudo mais aprofundado. Por isso nos dizeres de

Campos Júnior (1995) as distinções básicas (entre protestantes históricos e pentecostais)

ocorrem tanto na doutrina quanto nas interpretações.

De fato, esclarece Passos (2005), que o princípio que sustenta e possibilita a eleição de

uma liderança pentecostal não vem de sua formação especializada, mas de dotes que o fiel

demonstre para o exercício da função. Para Campos Júnior (1995), a eficácia da expansão da

IURD começa já na preparação de seus pastores, os quais recebem uma instrução

fundamentalista, como os demais ramos pentecostais, mas destacando-se por introduzirem,

nos cultos, um estilo de show.

Interessante é ressaltar que a palavra de tais líderes pentecostais se impõe aos fiéis

valendo como lei devendo ser cumprida. A base para essa postura, além dos dons, é também a

interpretação literal da Bíblia (sem levar em conta o contexto em foi escrita). Assim o poder

nas igrejas pentecostais é exercido de forma radical e verticalizado, o que difere em parte das

igrejas protestantes históricas. (CAMPOS JÚNIOR, 1995).

Dentre os pentecostais as diferentes estratégias de proselitismo variam de um grupo para

outro, pois as formas de interpretação da bíblia e as doutrinas, apesar de apresentarem o

mesmo quadro, possuem algumas diferenças. Assim, “por toda parte membros de diferentes

correntes pentecostais procuram levar sua mensagem, ou melhor, sua própria interpretação da

bíblia”. (CAMPOS JÚNIOR, 1995, p. 78).

No entanto, as transformações ocorridas no universo religioso brasileiro revelam, também,

que o discurso do protestantismo histórico, racional, não foi tão eficaz como o pentecostal, se

for levado em consideração a aglomeração de pessoas.

As condições do mundo são precárias e quando aparece um discurso negador do presente

século ele é bem acolhido por todos aqueles que são marginalizados e desprezados pela

sociedade. Esse é o contexto em que o pentecostalismo se desenvolve como uma religião que

promete a resposta imediata para os sofrimentos do povo, mesmo que a nível espiritualista,

como considera Campos Júnior (1995).

Sendo características distintivas do neopentecostalismo a ênfase na promessa de

prosperidade para todos por meio de requisitos espirituais através da pregação da Teologia da

49

Prosperidade e a guerra espiritual pela crença de uma batalha constante entre Deus e o diabo o

qual é considerado o exterminador das riquezas e responsável por todos os males, percebe-se

que a aproximação do texto bíblico é comprometida pela literalidade e falta de

contextualização.

Assim, a Teologia da Prosperidade transmite a mensagem de que uma vida de

prosperidade e perfeita saúde física e emocional está ao alcance de todo crente que pelo poder

da fé tiver atitude de declarar e decretar tomando, dessa forma, posse da benção. Lembrando

sempre aos fiéis que a legitimação de tais benesses está em serem filhos do Rei. Nesse

contexto o famoso “tudo posso naquele que me fortalece” (Fl. 4:13), frase escrita pelo

apóstolo Paulo em sua carta aos Filipenses, é considerado em sua literalidade pelos

divulgadores dessa teologia, como palavras mágicas que garantem o poder de conquistar todas

as coisas que se deseje considerando-se praticamente inatingíveis.

3.2- Divergências e críticas

Como já considerado, a distinção entre os neopentecostais e os protestantes clássicos

se acentua chegando a ser um ponto de tensão entre tais igrejas no que diz respeito à

hermenêutica bíblica. Ou seja, quanto ao uso da bíblia a distinção é tal que gera divergências

e um posicionamento crítico por parte dos que dizem desejar preservar a razão pela qual ou os

motivos pelos quais os protestantes surgiram mantendo assim o protesto de origem vivo e

causa de sua razão de ser.

Paulo Romeiro, doutor em ciências da religião e pastor, tem se debruçado em estudar e

escrever sobre o que ele chama de “outro evangelho” gerado pela Teologia da Prosperidade.

Logo no prefácio à segunda edição de seu primeiro livro, abordando tal temática, Super

Crentes, percebe-se o incomodo e indignação por causa da hermenêutica desenvolvida pelos

pregadores da teologia da prosperidade onde os editores dizem compartilhar dos mesmos

anseios de Romeiro, declarando que querem “uma igreja mais centrada nas escrituras, que

honra e serve a Deus, em vez de fazer do Senhor uma espécie de gênio-da-lâmpada; uma

igreja cuja ética influencie positivamente a sociedade. (ROMEIRO, 2007, p.12). O protesto

contra tal uso da bíblia fica claro já na frase contida no subtítulo de tal obra: “evangelho

segundo os profetas da prosperidade”.

50

Nesse mesmo “espírito”, Ricardo Gondim, pastor, pesquisador e escritor, escreveu o

livro “O evangelho da nova era”, nome dado à mensagem anunciada pelos pregadores da

Teologia da Prosperidade. Partilhando dos mesmos desejos apologéticos de Romeiros, o qual

escreve o prefácio desse livro, Gondim diz que a “Teologia da Prosperidade vem sendo

duramente atacada por violar algumas regras básicas da exegese e hermenêutica bíblica”.

(GONDIM, 1993, p. 49). Assim, parece que o autor deixa claro, por meio desse livro, que tal

perseguição e seu motivo é realmente existente.

Essa postura crítica do pastor Romeiro constitui-se em mais uma fonte de informações

para a pesquisa por possibilitar evidenciar as tensões surgidas de dentro por causa do tipo de

leitura que se faz do texto sagrado. Tal postura crítica relata numa atitude de denúncia e alerta

essa nova apropriação do texto sagrado e da própria bíblia como símbolo pelos divulgadores

da teologia da prosperidade como o são os neopentecostais. Relevante torna-se, assim, a

percepção dos próprios protestantes com relação a essas interpretações que eles próprios

consideram no mínimo incoerente. Também há a possibilidade de se apreender os rumos da

hermenêutica de tais posturas críticas que culminam em tentativas de resgate da genuinidade

do Evangelho.

Nesse empenho, Romeiro esclarece que sua motivação é de ajudar a vários pedidos de

inúmeros cristãos de todo Brasil que se encontram “confusos com o que ouvem

constantemente nos meios de comunicação, nas igrejas ou nas escolas bíblicas sobre o “outro

evangelho” da Confissão Positiva. Expressando o que acredita ser esse “outro evangelho”,

esse pastor, ressalta alguns textos da Bíblia dizendo que tais palavras cumprem-se em grande

escala nos dias atuais”. (ROMEIRO, 2007, p. 16).

Atentei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constitui

bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio

sangue. Eu sei que, depois da minha partida, entre vós penetraram lobos vorazes,

que não pouparão o rebanho. E que, dentre vós mesmos, se levantarão homens

falando coisas pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles. (At. 20: 28-30).

Assim como no meio do povo surgiram falsos profetas, assim também haverá entre

vós falsos mestres, os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras,

até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou, trazendo sobre si

mesmos repentina destruição. E muitos seguirão as suas práticas libertinas e, por

causa deles, será infamado o caminho da verdade. (2Pedro 2: 1-2).

Romeiro (2007) considera que há uma necessidade de ensinar aos cristãos que a Bíblia

é a fonte de autoridade objetiva e que ela é a fonte da sã doutrina. Para o pastor, portanto, é

preciso conhecer a bíblia a fim de não cair no que o apóstolo Pedro classificou como

51

“heresias”, explicando ainda que esse alerta de Pedro é concernente a ensinos contrários ao

“caminho da verdade”.

A evidente preocupação de Romeiro com a utilização do texto bíblico é explicita ao se

propor definir o que é uma seita. Após relatar outros parâmetros, em diferentes autores, sobre

tal conceito, parece se realizar finalizando sua busca quando cita Walter Martinque que define

seita como “um grupo de indivíduos reunidos em torno de uma interpretação errônea da

bíblia, feita por uma ou mais pessoas. (apud ROMEIRO, 2007, p. 17). Para Romeiro muitos

estão infiltrando no meio dos cristãos de bíblia em punho com a semelhança de crer como

crêem os cristãos, mas que na verdade pode-se perceber com uma análise mais profunda que

suas posições doutrinárias são inaceitáveis à luz das Escrituras. O pastor cita alguns

ensinamentos que chama de antibíblicos como maldição de família, possessão demoníaca em

cristãos e também distorções doutrinárias na área de batalha espiritual.

Romeiro (2007) propõe-se, no capítulo três de Super Crentes, fazer um paralelo entre a

Confissão Positiva e a Bíblia recebendo o título de “A Confissão Positiva à luz da Bíblia”.

Primeiramente explica que “a fé cristã genuína deve estar fundamentada na Bíblia”. O pastor

menciona com louvor o exemplo dos bereanos dos quais a história está relatada no livro dos

Atos dos Apóstolos 17: 11-13. Os Beréia ao ouvirem as pregações do Apóstolo Paulo

verificavam se o que ele dizia estava de acordo com as Escrituras. o relato bíblico diz que “...

estes de Beréia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda

avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim”.

(ROMEIRO, 2007, p. 45).

Dessa forma, Romeiro (2007) esclarece que deseja começar tal tarefa de avaliar o

movimento da Teologia da Prosperidade à luz da Bíblia sob essa mesma atitude dos bereanos,

pois, para ele, “nenhuma experiência-sonho, visão ou qualquer outra coisa- pode estar acima

da autoridade das Escrituras”. Deixando claro seu desejo de preservação pelo que considera

um genuíno uso da Bíblia e dos pressupostos da origem protestante, Romeiro ainda diz que

“tal foi o brado da Reforma protestante por meio de Martinho Lutero: sola Scriptura (somente

a Escritura).

Começando sua tarefa de confrontação, Romeiro (2007), cita o seguinte texto da

bíblia: “A morte e a vida estão no poder da língua; o que bem a utiliza come do seu fruto”.

Argumenta dizendo que tal passagem é muito usada pelo Movimento da Fé por acreditarem

que se algo negativo for dito o mesmo acontecerá. Esse processo, Romeiro diz, que é uma

espécie de “automaldição, sendo que essa expressão também é cunhada pelos seus

pregadores.

52

Contrapondo a tal tipo de leitura bíblica, Romeiro, diz que “a Bíblia fala de pessoas

que, num momento de dificuldade, acabaram externando suas angústias, sem com isto tornar

em realidade o mal que confessaram”. Esse autor cita, para tal comprovação, o exemplo de

Jacó (Gn. 42:36) que ao receber seus filhos do retorno da viagem que haviam feito ao Egito

para comprar alimentos deparando-se com a notícia de José, que não havia sido reconhecido

por seus irmãos, havia impedido o retorno de Benjamim, seu irmão mais novo, Jacó reage da

seguinte maneira: “Então, lhes disse Jacó, seu pai: Tendes-me privado de filhos: José já não

existe, Simeão não está aqui, e ides levar a Benjamim! Todas estas coisas me sobrevêm”.

(ROMEIRO, 2007, p. 46).

Romeiro (2007) explica que o fato de Jacó ter confessado que José não existia mais,

pois tinha sido induzido por seus filhos a pensar que ele tinha sido devorado por uma fera, não

provocou a morte de José no Egito. Concluindo, o autor, que portanto esse fato não se

constituiu em maldição.

Citando ainda um exemplo de Davi (I Sm 27:1) que em meio ao desespero tornado-se

extremamente negativo chegando a dizer consigo mesmo: “Pode ser que algum dia venha eu a

perecer nas mão de Saul” e ainda o dos três jovens (Daniel 3:16-18) que no momento de

enfrentar a fornalha ardente respondem para Nabucodonosor que, “Se o nosso Deus, a quem

servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente, e das tuas mãos, ó rei.

Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem adoraremos a imagem de

ouro que levantaste”, Romeiro (2007) quer deixar claro que apesar das confissões negativas

presentes nessas falas elas não se converteram em realidade e assim a automaldição não se

cumpriu.

Dessa forma, entre outros exemplos, Paulo Romeiro (2007, p. 48) quer mostrar que “a

operação de Deus não depende dos méritos de seus filhos”, como interpreta e ensina os

pregadores do movimento da Confissão Positiva.

Romeiro (2007) observa que há dois termos na língua grega para o vocábulo

“palavra”; logos e rhema, mas que, no entanto, há pouca distinção entre esses dois termos no

grego original. Para exemplificar, ele diz que seria como “enorme” e “imenso” no português.

Com essa observação, Romeiro, confronta o grande alarde sobre uma suposta distinção feita

pelos pregadores da Confissão Positiva entre tais palavras. O autor cita Michael Horton para

esclarecer tal questão:

Os ensinadores da fé inventaram uma falsa distinção de significado entre essas duas

palavras gregas. Rhema, dizem eles, é a “palavra” que os crentes usam para

“decretar” ou “declarar” a fim de trazer prosperidade ou cura para esta dimensão. É

53

o “abracadabra”. Depois vem o logos, ou “a palavra de revelação”, que é a palavra

mística, direita, que Deus fala aos iniciados. O Termo pode se referir também à

Bíblia, mas é geralmente empregado no contexto de sonhos, visões e comunicações

particulares entre Deus e seu “agente”. Assim, quando alguém lê uma referência na

literatura do pregador da fé à “Palavra de Deus”, ou “agir sobre a Palavra”, e outras,

o autor não está mais se referindo à Palavra de Deus escrita, a Bíblia, mas, sim, ao

seu próprio “decreto” (rhema) ou uma palavra pessoal de Deus para ele (logos).

(apud ROMEIRO, 2007, p. 49).

Dentro desse aspecto de uma palavra revelada diretamente por Deus a um homem,

como se enquadra nas diferenciações entre logos e rhema, Gondim faz uma consideração

interessante: “Quando Hagin se arvora possuidor de uma unção profética e que recebe

revelação diretamente do Senhor, descarta todas as regras da hermenêutica e exegese bíblicas,

pois como ser contestado alguém que ouve diretamente de Deus? Nesse sentido, Gondim

ainda considera que o sentido claro de uma passagem é banalizado e o “novo sentido dado por

revelação” é inconteste, o que considera pura heresia. (GONDIM, 1993, p. 50).

Por todo o ensino de Hagin surgem elementos de uma fonte de conhecimento

sobrenatural que ele chama de Conhecimento de Revelação, como considera Gondim (1993,

p. 51), mostrando que “as vezes esse conhecimento exotérico diz vir pelo espírito de

revelação numa alusão espúria de Efésios 1:17-18.

Para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê em seu

conhecimento o espírito de sabedoria e de revelação; tendo iluminados os olhos do vosso

entendimento, para que saibais qual seja a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da

glória da sua herança nos santos. (GONDIM, 1993, p. 51).

Interpretando tal texto, Gondim, diz que Paulo ao tratar do espírito de sabedoria não se

refere a uma dimensão de conhecimento mais alta indisponível às pessoas. Segundo este

pastor, “ele diz simplesmente que Deus nos concede uma propensão, uma disposição de

conhecer a Deus. Já que o homem naturalmente não quer aprender de Deus, o Espírito Santo o

desperta para buscar conhecê-lo”. É interessante observar a enorme diferença que há nessa

posição e na outra que como diz Gondim, parece haver uma “espécie de conhecimento

metafísico sobrenatural que se apreende espiritualmente, sem qualquer intervenção do

intelecto. Para Gondim, Hagin apresenta um típico discurso gnóstico ao declarar que “não

podemos nos comunicar com Deus mentalmente, pois ele é Espírito” e que “Deus pôs na

igreja mestres que nos renovam a mente e nos trazem a revelação do conhecimento da Palavra

de Deus”. (GONDIM, 1993, p. 52).

54

Ainda sobre a distinção feita entre as palavras no grego para o vocábulo “palavra”,

Romeiro (2007) cita uma conversa com Russel Shedd, identificando-o como uma das maiores

autoridades em Novo Testamento no Brasil, na qual Shedd comentou que o apóstolo Pedro

não fez distinção entre esses dois termos quando escreveu I Pedro 1: 23-25:

... pois fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível,

mediante a palavra [logos] de Deus, a qual vive e é permanente. Pois toda a carne é

como a erva, e toda a sua glória como a flor da erva; seca-se a erva, e cai a sua flor;

a palavra [rhema] do Senhor, porém, permanece eternamente. Ora, esta é a palavra

[rhema] que vos foi evangelizada. (ROMEIRO, 2007, p. 50).

Continua explicando que esse texto é uma citação de Isaías 40:6-8 e que na

Septuaginta, a versão grega do Antigo Testamento, o termo grego para “palavra” é rhema (v.

8), confirmando, segundo Shedd, o fato de que Pedro considerava logos e rhema palavras

sinônimas. (ROMEIRO, 2007, p. 50).

Gondim (1993) diz que quando Hagin insiste que há um conhecimento na Bíblia

especial que ultrapassa a própria razão, ele se afasta do conhecimento bíblico e se alinha ao

conhecimento das religiões ocultistas. Tal semelhança é afirmada por Gondim (1993) ao se

amparar em McConnel, quando menciona que este compara o tipo de conhecimento proposto

por Hagin ao das religiões pagãs extra-sensoriais, encontrando várias semelhanças.

Citando a semelhança da insistência numa revelação divina perfeita, completa e

inquestionável, Gondim comenta que “os pregadores da Fé ensinam que a revelação de Deus

é espiritual e indubitável”. Cita ainda um exemplo do que se ouve com freqüência nos

círculos da Teologia da Prosperidade: “Recebi um rhema de Deus”. Segundo Gondim, “esse

jargão geralmente significa que Deus usou um texto da Bíblia totalmente fora do contexto

para revelar algo para um dos seus filhos”. O pastor Gondim considera que tal revelação de

caráter intimista, não há como se julgar. E a isso contrapõe dizendo que Paulo ensinou o

contrário através do seguinte texto: “Toda profecia deve ser julgada pela Igreja (I Coríntios

14:29). (GONDIM, 1993, p. 54).

Instigante também, a esse respeito, é a declaração de Gondim ante a constatação do

uso da terminologia “espírito de revelação”, pois ele considera que tal espírito é usado “para

se defender o suicídio intelectual como a postura mais digna de Deus”. E de forma

contundente e apologética, ante tal terminologia, Gondim ainda tece o seguinte comentário:

Ouve-se a miúdo que em nome desta revelação mais sublime, o estudo da teologia

foi ridicularizado, o conteúdo histórico literal da Bíblia foi substituído por uma

esquisita alegoria. O que importa na Teologia da Prosperidade é “receber o rhema”

55

diretamente de Deus. Quando alguém contesta esta posição a resposta é: “Amarás o

Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu

entendimento”. (Mt. 22: 37). Então, não só com o nosso espírito mas “com todo o

nosso entendimento”. (GONDIM, 1993, p. 55).

Hagin, como todos os seus seguidores, também afirma Gondim (1993), “coloca uma

ênfase na diferença entre as palavras gregas logos e rhema para a Palavra de Deus”. Mas,

Gondim declara, da mesma forma que Romeiro explicou, que “não há, segundo os biblicistas

mais acurados, tal diferença no uso destas palavras no original”, concluindo que rhema, no

grego é mero sinônimo de logos. (GONDIM, 1993, p. 52).

Gondim conclui o capítulo dessas abordagens que tem como título “A interpretação da

Bíblia segundo os Movimentos da Fé”, declarando que “infelizmente Hagin parece não

conhecer o clamor de Deus em Isaías 1:18: “Vinde, então e arguí-me (arrazoemos), diz o

Senhor”. (GONDIM, 1993, p. 57).

Abordando a mensagem sobre cura divina da Confissão Positiva, Romeiro (2007, p.

50) declara que “muitos aspectos desse ensino parecem estar mais relacionados com a seita

Ciência Cristã”, reitera, ainda, que tal ensino à luz da Bíblia é questionável e que tem causado

transtornos à comunidade cristã.

Os pregadores da fé usam o texto de Isaías 53: 4-5 para afirmar que a cura divina já

está totalmente garantida na expiação, segundo relata Romeiro (2007). Tal texto diz o

seguinte:

Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre

si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi

traspassado pelas nossas transgressões, e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo

que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados.

(ROMEIRO, 2007, p. 51).

Romeiro explica que essa passagem de Isaías é citada em Mateus 8: 14-17 e também

em I Pedro2:24 e se remete ao comentário de John Ankerberg e John Weldon para elucidar a

mesma:

No hebraico a palavra “sarar” (em hebraico, napha), pode-se referir à cura física ou

à cura espiritual. O contexto deve determinar se um dos sentidos ou ambos são

empregados. Por exemplo, em I Pedro 2: 24, Pedro se refere à cura espiritual

(citando a Septuaginta), e em Mateus 8: 17, Mateus se refere à cura física (citando o

texto hebraico massorético) [...] Pedro enfatiza o aspecto espiritual da expiação de

Cristo (I Pedro 2: 24). Nada se diz aqui sobre a cura física do crente. Em

contrapartida, Mateus está mostrando que, quando Jesus curava, isto era outro sinal

da profecia messiânica cumprida. Mateus conclui que, ao curar muitas pessoas

56

fisicamente, Jesus cumpria a profecia de Isaías, provando assim o seu direito de

declarar ser o Messias. (apud ROMEIRO, 2007, p. 52).

Paulo Romeiro (2007, p. 52) conclui que “usar essa passagem para dizer que a cura

divina, total e perfeita, está garantida na expiação com base em Isaías 53: 4-5 é forçar o texto

e não reflete uma boa exegese”, reiterando, por meio do exemplo da cura da sogra de Pedro

(Mt. 8: 14-17), que quando Jesus operou curas a expiação de Cristo ainda não havia

acontecido.

Portanto, Romeiro (2007, p. 52) deixa claro que para ele a pregação que coloca a causa

da enfermidade na falta de fé ou na conseqüência do pecado é “falácia bíblica”, considerando

que ao examinar as Escrituras se constata que servos de Deus passaram privações e

dificuldades. Exemplifica com a morte do profeta Eliseu que foi causada por enfermidade a

qual, segundo Romeiro, não era procedente de falta de fé ou pecado apoiando tal afirmação no

fato de que segundo as Escrituras um soldado morto colocado na sepultura de Eliseu, tocando

em seus ossos, ressuscitou (II Reis 13: 14-21).

Ainda abordando a questão da enfermidade, Romeiro narra o caso de Jó levantando a

indagação se a causa de tal sofrimento seria falta de fé ou conseqüência de pecado. Explica

que foi Deus e não Satanás que provou a Jó, pois Satanás não poderia tocar em Jó sem a

permissão de Deus, mostrando que no texto bíblico o inimigo foi limitado por Deus em seu

ataque (1: 2). Para Romeiro não há dúvida, no caso de Jó, do envolvimento de Deus e cita

uma frase de McConnell na qual afirma que “Satanás foi o agente dos sofrimentos de Jó, mas

Deus foi sua fonte principal”. (ROMEIRO, 2007, p. 53).

Refutando a atribuição da enfermidade e sofrimento à falta de fé e ao pecado, Romeiro

afirma que

o próprio Deus dá testemunho da integridade de Jó, de sua sinceridade e do seu

temor ao Senhor. Foi em meio às grandes provações que Jó deu profundas lições de

fé, como está registrado em 13: 15: “Ainda que ele me mate, nele esperarei”

(Almeida Revista e Corrigida). Há muitas pessoas dispostas a crer em Deus em troca

de um belo carro, mansão e outros bens materiais. Poucas estão dispostas a crer nele

em meio às adversidades. (ROMEIRO, 2007, p. 53).

Ainda sobre Jó, Gondim comenta que quando Charles Capps, discípulo de Hagin,

afirma que Jó não estava ungido quando disse, “O Senhor deu o Senhor o tomou, bendito seja

o nome do Senhor”, ele está claramente violando um princípio de interpretação formulado

pelos reformadores. Esses, segundo Gondim, “insistiam, não obstante a liberdade de todos

57

possuírem e utilizarem a Bíblia, que embora um texto possua várias aplicações subjetivas, há

somente uma interpretação”. (GONDIM, 1993, p. 49).

A recomendação do Apóstolo Paulo à Timóteo para que ele tomasse um pouco de

vinho devido a enfermidade no seu estômago (I Tm. 5: 23), a fala de Paulo em outra carta

dizendo que deixou Trófimo doente em Mileto (II Tm. 4: 20) e o relato do apóstolo sobre seu

problema pessoal acerca do qual pediu a Deus que o livrasse por três vezes sem obter o

retorno desejado, são exemplos também que Romeiro (2007) cita para contrapor aos

pregadores da Confissão da Fé sobre a cura divina.

Deixando explicita a fala de Deus ante a petição de Paulo: “A minha graça te basta,

porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza” (II Cor. 12: 7-10), Romeiro demonstra que a

resposta do Senhor a Paulo não foi bem exatamente a que o apóstolo esperava. Endossa

também que Paulo não falou em Confissão Positiva a Timóteo e nem ao menos fez

recomendações para que ele exigisse, decretasse sua cura ou que ignorasse os sintomas da

enfermidade. Segundo Romeiro, “Paulo também não sugere que Timóteo não tivesse fé ou

estivesse em pecado”. (ROMEIRO, 2007, p. 55).

Os verbos muito citados pelos “ensinos da fé”, como coloca Romeiro, são o exigir,

decretar, determinar, reivindicar, como fica claro numa frase de Hagin, que ele cita, na qual

declara: “Não orem mais por dinheiro... exija tudo o que precisar”. Dessa forma, para

Romeiro, esses verbos, na maioria das vezes, substituem os verbos pedir, rogar, suplicar.

Assim, o pastor Paulo, afirma que a doutrina da soberania de Deus “nos círculos dos “ensinos

da fé”, não é levada muito a sério”. (ROMEIRO, 2007, p. 59, 68).

Paulo Romeiro denuncia o tipo de leitura do texto sagrado feita por esse movimento

bem como suas crenças antibílicas, como as denomina, citando também o comentário de

Kenneth Hagin sobre a declaração de Jesus contida no Evangelho de João 14: 13-14, “E tudo

quanto pedirdes em meu nome, isso farei, a fim de que o pai seja glorificado no Filho. Se me

pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei”, na qual ele afirma:

A palavra “pedir” também significa “exigir”. E tudo quanto exigirdes em Meu

nome, isso [Eu, Jesus] farei”. Um exemplo disso é registrado no terceiro capítulo de

Atos, quando Pedro e João estavam à Porta Formosa. Já demonstramos que Pedro

sabia que tinha algo para dar quando disse ao aleijado: “Não possuo nem prata nem

ouro, mas o que tenho, isso te dou”. Então Pedro disse: “Em nome de Jesus Cristo, o

Nazareno, anda!”Pediu, ou exigiu, que o homem se levantasse em nome de Jesus.

(ROMEIRO, 2007, p. 60).

58

Refutando o pensamento e interpretação de Hagin, Romeiro explica que “no Novo

Testamento o verbo “pedir” que aparece em João 14:13-14 é tradução do grego aiteo”. Para

aprofundar a questão, o apologista, cita W. E. Vine o qual esclarece que

aiteo sugere a atitude de um suplicante, uma petição de alguém que está em posição

menor que a daquele a quem é feita a petição, como em Mateus 7:11 (uma criança

pedindo a seu pai) e Atos 12:20 (vassalos fazendo pedido ao rei). Esse verbo aparece

muitas vezes nas epístolas (cf. Ef. 3:20; Cl. 1: 9; Tg. 1: 5-6; I Jo 5: 14-15). Em todas

essas passagens, seria impossível substituir o verbo “pedir” por “exigir”.

(ROMEIRO, 2007, p. 60).

Dando prosseguimento à refutação, Romeiro (2007) diz que em Atos 3, na passagem

citada por Hagin, o homem paralítico era coloca à porta do templo, de nome Formosa, para

pedir esmola e que esse verbo “pedir” no grego é o aiteo. Romeiro (2007, p. 61) parece

concluir o pensamento de forma irônica ao entabular a seguinte indagação e subseqüente

resposta: “Estaria então o paralítico exigindo uma esmola das pessoas? Ora, esmola não se

exige, pede-se, e com muita humildade”.

Paulo Romerio (2007, p. 60) fala sobre outro verbo usado no grego para “pedir” que é

erotao e explica que, segundo Vine, “seu uso sugere que o suplicante está no mesmo pé de

igualdade ou familiaridade com a pessoa a quem é feito o pedido”. É usado, por exemplo,

para um rei fazendo um pedido a outro rei (Lc. 14:32). Diz ainda que era esse verbo que Jesus

usava ao fazer um pedido ao Pai devido a sua consciência de igual dignidade como, por

exemplo, encontra-se em João 14:26; 16:26; 17:9; 15:20.

Para Romeiro, os pregadores da Confissão Positiva vão até mesmo muito além da

Bíblia ao afirmarem que uma das marcas da fidelidade de um cristão a Deus é a prosperidade

financeira. Cita alguns exemplos para comprovar essa constatação nos quais se percebe que

esse ir além da bíblia de que fala Romeiro está também marcado pelo tipo de interpretação de

próprios textos sagrados tais como:

... Filho de Deus, Jesus não andou em pobreza. Leia cuidadosamente a alimentação

dos cinco mil. Quando eles viram os cinco mil, literalmente disseram isso. Agora, eu

sei o que s teólogos farão com isso, mas eu não estou tentando impressionar os

teólogos. Estou tentando impressionar pessoas que querem saber o que a Palavra de

Deus diz. Estou tentando colocar alguma verdade em seu espírito. E você lê a

narrativa, e ela literalmente diz: “O discípulo disse: „Compraremos comida e

alimentaremos todos estes?‟E eles disseram: „Duzentos dinheiros seriam necessários

para alimentar a todos. Iremos nós comprar comida?‟Eles tinham o dinheiro na bolsa

para alimentar cinco mil, mais as mulheres e crianças. Estou dizendo, Jesus não

liderou um ministério de pobreza. (AVANZINI apud ROMEIRO, 2007, p. 67).

59

João 19 nos diz que Jesus usava roupas de griffe [...] A túnica era sem costura,

tecida de cima até embaixo. Era o tipo de vestimenta que os reis e os mercadores

ricos usavam. (AVANZINI apud ROMEIRO, 2007, p. 68).

... Esta Bíblia é um livro de prosperidade!... A única vez em que as pessoas foram

pobres na Bíblia foi quando elas estiveram sob uma maldição. E a única razão de

terem estado sob maldição é porque não ouviram e não fizeram o que Deus lhes

dissera que fizessem. (HAGIN apud ROMEIRO, 2007, p. 68).

Contrapondo à relação afirmada por tais pregadores entre pobreza e maldição,

Romeiro (2007, p. 69) afirma que “a palavra de Deus jamais tratou os pobres com desdém,

como se fossem amaldiçoados”. Ressaltando a preocupação de Deus com os pobres e que a

mesma é clara em toda a Escritura, Romeiro cita a seguinte passagem bíblica: “Pois nunca

deixará de haver pobres na terra: por isso eu te ordeno: Livremente abrirás a tua mão para o

teu irmão, para o necessitado, para o pobre na terra”. (Deuteronômio 15:11).

Nessa mesma perspectiva, Romeiro ressalta outros textos e também o fato de que

quando Jesus foi apresentado no templo os seus pais levaram ao sacerdote a oferta do pobre

demonstrando isso no seguinte versículo: “E para oferecer um sacrifício, segundo o que está

escrito na referida lei: Um par de rolas ou dois pombinhos”. Esse texto de Lucas 2:24 está de

acordo com as observações prescritas na lei expressa em Levítico 12:28, explica Romeiro,

declarando ainda, que “a situação econômica de José e Maria não indica que estivessem sob

algum tipo de maldição”. (ROMEIRO, 2007, p. 69).

É interessante observar a citação de Hagin colocada por Romeiro onde mais uma vez

se observa e constata o já referido tipo de hermenêutica usada pelos pregadores da Teologia

da Prosperidade:

Muitos crentes confundem humildade com pobreza. Um pregador certa vez me disse

que fulano possuía humildade, porque andava num carro muito velho. Repliquei:

“Isso não é ser humilde – isto é ser ignorante”. A idéia que o pregador tinha de

humildade era a de dirigir um carro velho. Um outro observou: “Sabe, Jesus e os

discípulos nunca andaram de Cadillac”. Não havia Cadillac naquela época. Mas

Jesus andou num jumento. Era o “Cadillac” da época – melhor meio de transporte

existente. (HAGIN apud ROMEIRO, 2007, p. 70).

Diante de tal citação, esse apologista diz concordar com Hagin quando diz que

humildade e pobreza não são a mesma coisa, mas complementa de forma instigante

observando que Hagin se esqueceu de que era a carruagem e não o jumento o Cadillac da

época. Continua a observação, Romeiro ainda observa outro esquecimento de Hagin na

seguinte frase: “Além disso, ele [Hagin] se esqueceu também de que o jumento fora

60

emprestado”. Assim, Romeiro (2007) declara que esse fato não pode, de modo algum,

comprovar que Jesus vivia uma vida de luxo.

Romeiro propõe encerrar a temática “a prosperidade: uma avaliação bíblica”, tratando

de um dos textos mais favoritos dos pregadores da Confissão Positiva, segundo ele. O texto é

o de Hebreus 11, a galeria dos heróis da fé. Romeiro (2007, p. 71) observa que tais pregadores

enfatizam “o valor da fé e de como ela levou os servos de Deus, na Bíblia, a grandes vitórias e

fantásticas proezas”. Coloca ainda que realmente há uma lista, começando por Abel (v. 4-35),

de homens e mulheres que triunfaram pela fé, mas que dos versículos 35-38, pode-se ver “um

segundo grupo de pessoas que, pela fé, passaram por sofrimentos atrozes (e isso não é

lembrado por esses pregadores)”.

A indagação, portanto, coloca por Romeiro é se o primeiro grupo de Hebreus 11 que

triunfou pela fé, tinha mais fé que o segundo grupo o qual sofreu terrivelmente pela fé. Ele

mesmo responde que “obviamente a resposta é “não”. Creio ser necessário ter muito mais fé

para sofrer pelo evangelho do que para desfrutar de suas bênçãos”. (ROMEIRO, 2007, p. 71).

Entrando numa abordagem ética, Romeiro salienta a beleza da conclusão do capítulo

de Hebreus citado o qual se referindo apenas a respeito do segundo grupo diz que eles foram

“dos quais o mundo não era digno” (v.38). Completa com uma citação do, então, pastor Caio

Fábio (cujo livro já fazia parte da bibliografia dessa pesquisa) onde diz:

À medida que se parte para a ênfase do ter, perde-se o ser. Isso porque a fé cristã é

uma fé baseada totalmente no ser. Em Hebreus 11: 1-40 temos um texto que afirma

a fé. Do v. 1 ao 35 se fala daqueles que foram (ser) e tiveram (possuir, conquistar),

como Abraão, que foi e teve [...] No entanto, já do v. 35 em diante fala-se daqueles

que foram e não tiveram [...] Vejo os irmãos adeptos da teologia da prosperidade

afirmando o ter. Peço então a eles que leiam Hebreus 11, tentando mostrar-lhes que

a fé profunda, genuína, nem sempre é a fé que garante o ter, mas é sempre fé que

garante o ser. O interessante é que do 35 em diante é que se fala dos homens dos

quais “o mundo não era digno” [...] Não estou dizendo com isso que não possamos

ter. Ao contrário, o próprio texto de Hebreus mostra que é possível e é bom ser e ter.

no entanto, quando a busca do ter é o alvo da vida, o ser se desvanece. (CAIO

FÁBIO apud ROMEIRO, 2007, p. 72).

Num outro capítulo intitulado de “Homens ou deuses?”, Romeiro (2007) salienta que

“dentro da Confissão Positiva há aqueles que também se deixaram enganar pela serpente e

hoje estão proclamando a deidade do homem. Entre várias frases citadas como fruto de tal

ensinamento, onde na maioria são de Hagin, Romeiro mostra uma interpretação pelos

pregadores do Movimento da Fé um tanto quanto inconsistente. Dizendo que eles tentam

buscar apóio na própria Bíblia para a proclamação da deidade do homem, Romeiro menciona

um texto muito citado por tais pregadores que encontra-se em Salmos (82:2): “Eu disse: Sois

61

deuses, sois todos filhos do Altíssimo”, explicando também que esse texto mais tarde seria

citado por Jesus em João 10:34. (ROMEIRO, 2007, p. 81).

Interpretando o citado texto, Romeiro deixa claro o equívoco no uso do mesmo para

trazer os ensinamentos propostos pelos pregadores da fé mencionando que nesse salmo “o

Senhor Deus se dirige aos juízes de Israel, que, a exemplo de Moisés em Êxodo 4:16, são

considerados representantes de Deus”. Explicando ainda que em tal texto esses juízes são alvo

da repreensão devido às injustiças cometidas, Romeiro transcreve o comentário de Robert

Bowman sobre essa passagem:

Uma interpretação alternativa concorda que os “deuses” são juízes israelitas, mas

considera o uso do termo “deuses” como uma figura de linguagem conhecida como

ironia. Ironia é um recurso de retórica em que alguma coisa é dita de tal maneira a

fazer com que a asserção parece ridícula (compare com a ironia de Paulo, “chegastes

a reinar sem nós”, em 1 Coríntios 4:8, em que o que Paulo afirma é que eles não se

tornaram reis). De acordo com esta interpretação, a descrição paralela de “deuses”

como “filhos do Altíssimo” (que, como se discute, não adota o uso do termo

veterotestamentário “filhos de Deus), a condenação dos juízes por causa de ímpios

julgamentos, e, especialmente, a declaração: “Todavia, como homens, morrereis (v.

7), apontam para a conclusão de que os juízes estão sendo chamados de “deuses”

ironicamente. (BOWMAN apud ROMEIRO, 2007,p. 82).

Nessa mesma linha de ensino, Romeiro cita outro texto que segundo ele também é um

dos favoritos da Confissão Positiva que é 2 Pedro 1:4 “... pelas quais nos têm sido doadas as

suas preciosas e mui grandes promessas, para que por elas vos torneis co-participantes da

natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo”. Com base em tal

texto, Marilyn Hickey, declara Romeiro, afirma, em seu livro “Quebre a cadeia da maldição

hereditária” com muita ousadia: “Mas nós, agora, temos a natureza de Deus, e isso nos torna

participantes de todos os seus atributos ...”. (HICKEY apud ROMEIRO, 2007, p. 83).

Da mesma forma Valnice Milhomens também é citada por declarar que “Deus

assumiu a natureza humana para que o homem assuma a natureza divina” e que “Cristo

tornou-se o que nós somos para que nós nos tornemos o que ele é”. Romeiro comenta ainda

que em um outro de seus programas Milhomens tentou se defender comentando que algumas

pessoas estavam dizendo que ela estava ensinando que somos deuses. Para tanto ela declarou

que: “Isto não é verdade. Eu nunca disse isso. É a Palavra quem o diz”, confirmando com a

citação de do texto de 2Pedro 1:4. (ROMEIRO, 2007, p. 83).

Abordada a leitura de tais pregadores da Confissão Positiva sobre o texto referido,

Romeiro (2007), explica que Pedro está falando do caráter ou da natureza moral de Deus.

Esclarece ainda que à medida que os cristãos afastam da corrupção do mundo passam a

demonstrar os atributos comunicáveis de Deus, como os descritos nos versículos 5 a 9, mas

62

que os atributos incomunicáveis de Deus, tais como onipresença, onipotência e onisciência,

não são exibidos pelos cristãos.

Sobre a frase de Hagin onde declara: “Você é tanto uma encarnação de Deus quanto

Jesus Cristo o foi”, Romeiro menciona o interessante comentário de Rob Bowman onde

declara que:

O erro nesse raciocínio encontra-se na definição de “encarnação”. Cristo não foi

meramente Deus habitando num ser humano, uma heresia (como o nestorianismo)

que a igreja primitiva condenou, pois afirmava que o Verbo, na verdade, não se

tornou carne (Jo 1:14), mas que apenas uniu-se a um ser humano. Sem dúvida, o

Cristo encarnado foi uma pessoa em quem estavam perfeitamente unidas duas

naturezas, a divina e a humana; o cristão é uma pessoa com uma natureza, a humana,

em quem uma pessoa separada, Deus, o Espírito Santo (e, através dele, o Pai e o

Filho também) habita”. (apud ROMEIRO, 2007, p. 84).

No capítulo intitulado “Quem é o Filho do Homem?” o pastor Romeiro (2007, p. 85)

salienta, ao tratar da cristologia da Confissão Positiva, uma das afirmações de Hagin que,

segundo suas palavras, “merecem atenção é a de que a morte de Jesus não removeria os

nossos pecados e por isso ele teve de provar a morte espiritual”. Assim, ao combater outro

ensinamento do movimento referido, Romeiro explicita e refuta tal interpretação bíblica ao

declarar que um dos versículos preferidos para defenderem tal posição é o de 2 Coríntios 5:21

inserindo imediatamente o comentário de McConnell sobre essa passagem para mostrar o

equívoco do uso da mesma. Na citação de Romeiro, McConnell diz o seguinte para esclarecer

a passagem referida:

A crença dos ensinadores da fé de que Jesus tornou-se pecaminoso indica uma

grosseira interpretação do conceito veterotestamentário do sacrifício substitutivo

(baseado na perfeição e santidade da vítima sacrificial). Os animais do sacrifício

escolhidos para a oferta pelo pecado tinham de ser um novilho “sem defeito” (Lv

4:3), um bode “sem defeito” (Lv 4:23) e uma cordeira “sem defeito” (Lv 4:32). A

pessoa que apresentava essas ofertas santas coloca a sua mão sobre os animais para

simbolizar a transferência de seu pecado e culpa (Lv 4:4, 24, 33). Essa transferência

de pecado era simbólica e não literal. A doutrina da identificação, de Kenyon, diz

que o momento da transferência do pecado esses animais tornavam-se imundos,

tornavam-se pecado. O que acontecia era exatamente o contrário. No momento da

transferência, a oferta tornava-se santa ao Senhor; qualquer que tocasse ou comesse

a oferta pelo pecado também se tornaria santo (Lv 6:25-27,29). O animal sacrificial

não se tornava pecado; o pecado era-lhe simbolicamente atribuído. Esses conceitos

levíticos de substituição e atribuição são a plataforma de 2 Coríntios 5:21. Jesus não

se tornou literalmente pecado; o pecado foi-lhe atribuído simbolicamente. As

Escrituras ensinam claramente que o sacrifício de Jesus foi uma oferta substitutiva

apropriada porque era uma oferta sem pecado. Pedro baseia-se nos símbolos

levíticos quando escreve que somos redimidos com o “precioso sangue, como de

cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo” (1 Pe 1:19). O escritor aos

hebreus também faz o mesmo quando declara que “Cristo [...] a si mesmo se

ofereceu sem a mácula a Deus” (Hb 9:14). Aqui, novamente, como I Pedro 1:19,

63

“sem mácula” (anomos) refere-se a uma exigência levítica de um sacrifício

externamente perfeito (veja Êx. 29:1, Septuaginta). (apud ROMEIRO, 2007, p. 90).

Romeiro conclui que se constitui numa contradição das Escrituras afirmar que a morte

física de Jesus não removeria os pecados da humanidade. E ainda nesse mesmo intuito, tal

pesquisador, cita a explanação de Valnice Milhomens sobre o texto de Isaías 53:9:

“Designaram-lhe a sepultura com os perversos, mas com o rico esteve na sua morte”.

Romeiro (2007) explica que a palavra “morte” está no plural no texto original e que

Milhomens, dizendo ter consultado a Bíblia de Scofield, diz que esse “não havia captado o

sentido da revelação”, por ter Scofield comentado que, em sua Bíblia de estudo, “que o

vocábulo no plural (“mortes”) deve ser entendido como plural de intensidade, morte muito

violenta”. Fazendo essa observação, Valnice, segundo Romeiro, diz que “mortes” na

passagem de Isaías “significa que Jesus morreu duas vezes, física e espiritualmente. Afirma

ainda que o rico dessa passagem é o mesmo mencionado em Lucas 16:19-31, o que não deixa

de ser uma interpretação absurda do texto”. (ROMEIRO, 2007, p. 90).

Considera-se no momento relevante e oportuno observar as considerações de

McConnell citadas por Romeiro objetivando esclarecer o assunto:

A maior deficiência desse ensino é que ele é baseado numa única palavra de um único texto

da Escritura. Como já observou um erudito, qualquer doutrina que só tem um versículo

como base, não tem nenhum. No hebraico, nomes no plural expressam majestade, posição,

excelência, magnitude e intensidade. Em Isaías 53:9, “mortes” é um plural de intensidade,

usado pelo escritor para indicar que a morte mencionada foi uma morte particularmente

violenta. Isto não significa que o rei de Tiro morreu duas mortes nem que o Messias morreu

duas mortes.

Outro exemplo dessa forma é Ezequiel 28:8-10, que descreve a violência e a certeza da

morte do rei de Tiro: “E morrerás da morte dos traspassados”. Keil and Delitzsch declaram

que a forma plural para morte usada em Isaías 53:9 e Ezequiel 28:10 é um exemplo de

pluralis exaggerativus: é aplicado para uma morte violenta, cuja dor faz como se fosse

morrer repetidas vezes (Commentary on the Old Testament, vol. 7, Isaiah, p. 329).

(MCCONNELL apud ROMEIRO, 2007, p. 91).

Outra questão que expressa claramente nas nascentes do movimento da fé o estilo de

uso da Bíblia e suas leituras é citado por Romeiro (2007) quando coloca a afirmação de Hagin

na qual citando Atos 13:33 (ele a cumpriu plenamente para nós, seus filhos, quando

ressuscitou Jesus, como está escrito no segundo Salmo: “Você é o meu filho, eu hoje o gerei”)

diz que Jesus só nasceu ou foi gerado na ressurreição e não quando entrou no mundo como o

menino de Belém. No entanto, Romeiro (2007, p. 93) explica que “Atos 13:33 é uma citação

direta de Salmos 2:7, um salmo que fala da vitória do Messias”. Para aprofundar o

64

esclarecimento, Romeiro, acrescenta ainda o comentário de Howard Marshall que diz o

seguinte:

Freqüentemente se argumenta que foi o emprego de versículos tais como este que

capacitou a igreja a considerar que Jesus foi adotado por Deus como Seu Filho na

ocasião da ressurreição (e que foi somente numa etapa posterior que a igreja veio a

crer que Jesus já era Filho de Deus durante a Sua vida terrestre). É altamente

improvável, no entanto, que a igreja primitiva encarasse a ressurreição como um

começo e que depois empregasse esta idéia para argumentar que Jesus veio a ser

Filho de Deus na ressurreição. Pelo contrário, foi porque foi reconhecido como Filho

de Deus que o Salmo 2 pôde ser aplicado a Ele, passando depois a ser encarado

como prenúncio da ressurreição. (MARSHALL apud ROMEIRO, 2007, p. 94).

Através da exploração da idéia de que Cristo desceu ao inferno, Romeiro (2007, p. 97)

diz que nenhuma das passagens usadas como apoio para tal argumentação “trata claramente e

a contento tal questão, o que a torna muito controvertida”, tais como Salmos 16:10; Romanos

10: 6-7; Efésios 4:8-10; 1 Pedro 3:18-20; 4:6.

Dentre os texto que Romeiro (2007, p. 97) menciona ele considera que I Pedro 3:18-20

é o mais, segundo suas próprias palavras, “palpitante”.

Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos,

para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito, no qual

também foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais, noutro tempo, foram

desobedientes, quando a longanimidade de Deus aguardava, nos dias de Noé,

enquanto se preparava a arca, na qual poucos, a saber, oito pessoas, foram salvos,

através da água. (ROMEIRO, 2007, p. 97).

Sobre essas questões do estudo da teologia, a questão da educação teológica, Edir

Macedo declara que:

O religioso tenta explicar Deus; o cristão, compreendê-lo. Através da tentativa de

explicá-lo, surgiu a teologia, que abrange vários ramos, a saber: dogmática, moral,

ascética, mística, sistemática, exegética, pastoral e outros. Todas as formas e todos

os ramos da teologia são fúteis; não passam de emaranhados de idéias que nada

dizem ao inculto, confundem os simples e iludem aos sábios. Nada acrescentam à fé

e nada fazem pelos homens, a não ser aumentar sua capacidade de discutir e

discordar entre si. (MACEDO apud ROMEIRO, 2005, p. 118).

No entanto, Gordon Fee, ordenado ministro na Assembléia de Deus em 1959, foi um

dos primeiros a inserir a hermenêutica na agenda pentecostal e chocou um auditório, segundo

Romeiro (2005, p. 129), “ao expor, sem clemência, as deficiências da hermenêutica

pentecostal”.

65

Duas observações deveriam ser feitas sobre a hermenêutica dentro do movimento

pentecostal tradicional. A primeira é sua atitude para com as Escrituras, que tem

revelado sistematicamente desprezo geral pela exegese científica e pela

hermenêutica refletida com cuidado. Na verdade, a hermenêutica simplesmente não

tem sido algo pentecostal. As Escrituras são a Palavra de Deus, e devem ser

obedecidas. Em vez da hermenêutica científica, desenvolveu-se uma espécie de

hermenêutica paradigmática – obedece ao que poder tomado, literalmente:

“Espiritualize, alegorize e devocionalize o restante: (...). A segunda, provavelmente

justa e importante, é observar que, em geral, a experiência dos pentecostais tem

precedido sua hermenêutica. Num certo sentido, o pentecostal tende a fazer exegese

com base em sua experiência. (FEE apud Romeiro, 2005, p. 121).

Tais palavras de Fee, Romeiro diz que se encaixam adequadamente no contexto

brasileiro citando palavras de Edir Macedo nas quais expressa sua visão da Bíblia como um

livro de experiências:

Poder-se-ia dizer que vemos, no Antigo Testamento, a experiência religiosa de um

povo, Israel; nos evangelhos, a experiência religiosa de Jesus; nos Atos, a

experiência religiosa dos apóstolos; e nas Epístolas, a experiência religiosa da Igreja.

O livro de Apocalipse seria, então, o último capítulo da experiência religiosa da

humanidade”. (apud Romeiro, 2005, p. 121).

Diante da exposição sociológica sobre a questão do uso da bíblia e sua interpretação

dentro de um discurso marcado pela promessa de prosperidade onde parece viabilizado por

uma leitura utilitarista do texto sagrado pode-se levar em conta o aspecto de atribuição ao

transcendente do que é imanente no discurso neopentecostal. Ou seja, a face do que alguns

autores (citados abaixo) chamam de alienação de tal mensagem, pois esse aspecto pode se

tornar também em uma hipótese a ser considerada no conjunto de razões para uma leitura

bíblica que parece desconsiderar o contexto histórico que conforma as Escrituras Sagradas.

3.3- Alienação: uma hipótese para análise

A condição econômica desfavorável e a posição social marginalizada fazem com que

os fiéis busquem soluções imediatas neste mundo, pois desejam se livrar de seus sofrimentos

terrenos. Entretanto, de acordo com as crenças neopentecostais, pode-se perceber que as

soluções abarcam uma natureza mágica, suprindo a demanda por soluções dos problemas que

ameaçam à vida de maneira simbólica e emblemática.

66

Essas teologias que constituem a base da resistência à pobreza e ao sofrimento

enfocam uma espécie de solução mágica para todos os sofrimentos terrenos dos fiéis, “pois

pregam e acreditam firmemente que, por meio de fé, oração e exorcismo, podem libertar os

indivíduos de quaisquer problemas ou de quaisquer demônios”. (MARIANO, 1999, p. 59).

A Teologia da Prosperidade afirma que a vida desejada e planejada por Deus para os

seus filhos é a vida feliz, ou seja, satisfeita de todos os bens. Mas, para tanto, faz-se necessária

a compreensão de que doar é tomar posse dos bens que Deus destinou a seus filhos. Mariano

(2004) explica que os pastores ensinam que quem não paga o dízimo rouba a Deus, que, na

condição de dono de todas as riquezas existentes, exige de volta 10% dos recursos que

concede aos seres humanos. Essa concepção se alia à crença de que só alcança bênçãos quem

tem fé. No caso, ter fé significa crer piamente no que os pastores pregam e agir conforme os

ditames dessa pregação. Para provar sua fé os fiéis são induzidos a realizar sacrifícios ou

desafios financeiros.

Na condição de dizimistas e ofertantes, os fiéis almejam adquirir e exercer o direito de

cobrar do próprio Deus o pronto cumprimento de Suas promessas bíblicas: vida saudável,

próspera, feliz e vitoriosa. (MARIANO, 2004).

Tem-se, assim, a convicção de que tudo que perturba a ordem original deve ser

desfeito pelos rituais da cura e do exorcismo, para que a bênção possa fluir. Portanto, há

esperança para todos, haja vista que para ser bem sucedido não há grandes obstáculos a

transpor, “basta aceitar a Cristo, declarar verbalmente já ter recebido suas promessas bíblicas,

ser fiel nos dízimos, generoso nas ofertas e ter fé no Deus vivo que tudo pode”. (MARIANO,

1999, p. 59). A solução para prosperar, ser feliz e saudável está em ter uma fé inabalável e em

observar regras bíblicas, sendo que o sacrifício que Deus exige do fiel, segundo a Teologia da

Prosperidade, é a fidelidade nos dízimos e a generosidade nas ofertas. Dízimos que, segundo

R. R. Soares (apud. MARIANO, 1999, p. 161), “existe desde a criação do homem”, os quais

constituem um meio para refazer o relacionamento com Deus, tornando o fiel apto para

desfrutar das promessas bíblicas. Acredita-se, desse modo, que são capazes de mudar a

realidade indesejável por meio do vínculo de fé com as forças divinas.

Logo, só não é próspero, saudável e feliz nessa vida quem não tem fé, não cumpre o

que a Bíblia diz e quem está envolvido com o Diabo. A posse de bens, saúde e boas condições

de vida são apresentadas como prova de espiritualidade do fiel. Dessa forma, de acordo com

Freston (1994, p. 149), “no contexto do capitalismo selvagem, a IURD proclama a

sobrevivência dos mais féis. Quem tiver fé, progredirá”. Esse autor considera que há múltiplas

67

explicações para o fracasso que legitimam a continuação de uma classe que não tenha

alcançado a prosperidade.

Assim, muitos dos mais sofridos, mais escuros e menos escolarizados da população,

que buscam a superação de suas miseráveis condições de existências, vêem nessas teologias

uma resistência à pobreza, um sentido, uma esperança. Mas, além de carregarem o peso do

sofrimento, ainda acrescenta-se a esse o peso da culpa pela crença de que os males significam

falta de fé ou de algum ato de desobediência a Deus ficando, dessa forma, vulneráveis à

maldade do Diabo.

Ao ser colocado no diabo a responsabilidade de todos os males, considerando-o como

o exterminador da riqueza, tira-se os olhos sofridos do alvo concreto de sua luta para levá-los

a uma alienação que concentra sua resistência na crença de que o único obstáculo a ser

superado é a antítese divina, para que, assim, as bênçãos de Deus sejam liberadas satisfazendo

os interesses mundanos.

As igrejas neopentecostais especializaram-se em prover soluções simbólicas para

todo tipo de problema. Seu discurso procura fornecer sentido, orientar e ajudar as

pessoas a superar as aflições cotidianas. Tenta dar-lhes esperança e fomentar sua

autconfiança. Ao mesclarem o social com o espiritual, não propõem militância

política, mas sim militância religiosa, engajando o fiel ora num processo de

santificação, ora num combate espiritual, às vezes nos dois, visando a libertação do

mal. (MARIANO, 1999, p. 146).

Azevedo (apud MARIANO, 1999) define que a característica do neopentecostalismo é

a ênfase no Diabo e na guerra espiritual contra os demônios, chamando, assim, a atenção para

a agressividade de sua militância e para a crença de que a palavra humana associada à fé é que

faz acontecer coisas nesse mundo.

Os entraves à prosperidade são eliminados, nessa teologia, por meios que ultrapassam

o discurso de legitimação do gesto de doar, lançando mão de rituais que modifiquem o estado

de vida do fiel impedido de viver a prosperidade. Esses rituais oferecem em suas execuções

uma espécie de crítica utópica da realidade vivenciada, revelando e fazendo com que os fiéis

sejam cúmplices com o mundo novo possível. Os neopentecostais, ao recriarem um mundo de

sentido dentro das grandes crises que afetam as populações, sobretudo nas grandes cidades,

oferecem as utopias do bem estar social prometido pela sociedade moderna, mas negados em

suas instituições. (PASSOS, 2005).

O neopentecostalismo pretende a transformação da sociedade por meio da conversão

individual e, para tanto, ingressa na mídia como estratégia para o proselitismo e também na

68

política, sendo essa partidária, para expandir seu crescimento e defender interesses

corporativos, entre os quais enfatiza o da liberdade religiosa. Mariano (1999) ressalta que o

uso da mídia pela Universal tem significado econômico, porquanto é utilizada como

instrumento de arrecadação e de sustentação da estratégia expansionista.

Segundo Mariano (1999), a perspectiva teológica da guerra espiritual ostenta

concepções de recristianização da sociedade “pelo alto”, por meio da política partidária e

também pela mídia eletrônica. Um ideal utópico ao não se converter em posicionamentos

críticos diante do sistema econômico que promove a injustiça.

Seu engajamento na esfera política, como se vê, não é desinteressado nem nobre, pois

visa, basicamente, à conquista de poder e à satisfação dos interesses corporativos com

justificativas de mandatos sempre pautadas em privilégios fiscais para as igrejas e do combate

para que as mesmas não sofram penalidades pela desobediência de leis referentes à poluição

sonora e às edificações. (MARIANO, 1999). César (1999, p. 103) questiona se “tal tipo de

relação social será libertadora – entendida como participação responsável na sociedade e em

particular na representação política?”.

A adequação à sociedade não é, desse modo, percebida como meio concreto de

resistência aos sofrimentos do povo que demanda essa mensagem de solução dos problemas

emergentes, mas parece apenas demonstrar a busca de interesses das instituições, sejam esses

econômicos, corporativos ou proselitistas.

Não se evidencia, portanto, uma atitude crítica ao sistema econômico e político como

um todo ao pregar a crença da resolução dos problemas no âmbito da situação humana

empiricamente dada à transcendência, gerando um comportamento passivo e alienado com

opressão acrescentada pela culpa no momento de infortúnio, apresentado como prova da falta

de espiritualidade do fiel. Apesar da ênfase dada aos problemas cotidianos que ameaçam a

vida humana, a maneira de lidar com referidos problemas parecem sem sentido, pois se

observa pouca ou nenhuma atenção à análise do que ocorre no mundo, sejam realidades

sociais, políticas ou econômicas causadoras dessa destruição da vida. (CÉSAR; SHAULL

1999).

Isso porque se propõe resolver todos os males por meio de uma teologia limitada por

ser individualista e espiritualista. E, mesmo com a presença de boas ações de serviços, por

mais necessárias que sejam para alguns em sua luta diária pela sobrevivência, não levam às

mudanças estruturais necessárias no momento atual.

69

O neopentecostalismo precisa aprofundar sua leitura da Bíblia em termos de uma

visão que ultrapasse uma espiritualidade centrada na piedade individualista que o

tem caracterizado. Somente assim poderá enfrentar mais adequadamente os desafios

das estruturas sociais que produzem a miséria e a pobreza, complementando, por

exemplo, meras campanhas de distribuição de alimentos ou uma participação

política limitada a cargos políticos no Congresso Nacional. (CÉSAR, 1999, p. 145).

Mesmo que a Teologia da Prosperidade promulgue uma vida bem sucedida aqui e

agora é relevante salientar que a mesma

não tece uma única crítica sequer ao capitalismo, nem à injustiça e desigualdade

sociais, nem aos desequilíbrios econômicos do mundo globalizado. Na melhor das

hipóteses, o que ela proporciona, ao indivíduo, não ao coletivo, resume-se a

elementos de natureza psicológica: melhora da auto-estima, aumento da

autoconfiança, vontade de prosperar, esperança no futuro. (MARIANO, 1999, p.

185).

Mariano (2004) diz que os cultos da Universal se constituem em ofertas sob medida

para atender às demandas de quem crê que pode ser bem sucedido nesta vida e neste mundo,

recorrendo às instituições intermediárias de forças sobrenaturais. Baseiam na oferta

especializada de serviços mágico-religiosos, as quais esse pesquisador caracteriza serem de

cunho terapêutico e taumatúrgico, centrados em promessas de concessão divina de

prosperidade material, cura física e emocional e de resolução de problemas familiares,

afetivos, amorosos e de sociabilidade.

Em sua análise sobre a resposta ao sofrimento dos pobres dada pelo pentecostalismo,

enfatizando sua última fase, César (1999, p. 30) questiona a contribuição deste “para a criação

de uma sociedade que supere as estruturas injustas, a fome, a violência, etc”. César (1999)

pergunta em sua análise, se essa oferta de esperança que transfigura em vitória situações

normalmente associadas à frustração e ao desespero não seria alienação, fanatismo ou

ingenuidade.

A marca central dessas teologias que oferecem soluções para os problemas da vida é o

mundo transcendente da fé e da espiritualidade e, “paradoxalmente, é nessa dimensão, muitas

vezes tachada de alienante, que se manifesta a resistência, o protesto, o grito, da criatura

oprimida”. (CÉSAR, 1999, p. 58).

70

4. UMA ANÁLISE DO SISTEMA DE TROCA NEOPENTECOSTAL

Nesse capítulo têm-se relatos de duas reuniões da Igreja Universal do Reino de Deus.

São narrados a fim de averiguar e evidenciar a prática do neopentecostalismo e mais

especificamente observar as falas dos pastores, a ênfase de sua pregação bem como nos

cânticos entoados e também no comportamento dos fiéis.

4.1- Relatos de reuniões da IURD

No dia 10 de novembro de 2008 das 15:00hs às 16:45hs na Igreja Universal do Reino

de Deus em Belo Horizonte na rua Olegário Maciel, 1329 no bairro de Lourdes aconteceu a

reunião chamada Nação dos 318. Essas reuniões das segundas-feiras são especificamente para

prosperidade e são denominadas de Congresso Empresarial com o slogan “Nação dos 318

Santuário da Grandeza”. Esse número 318 é baseado no texto da bíblia no qual Abraão envia

318 homens para salvar Ló e sua família. Por isso essas reuniões ocorrem com a presença de

318 pastores.

Dessa maneira, milhares de pessoas na busca da transformação financeira comparecem

à Nação dos 318, às segundas-feiras, às 6h, 8h, 10h, 12h, 15h e, especialmente, às 19h30.

Essa igreja da IURD mencionada é a Catedral da Fé de Belo Horizonte também

chamada de Templo Maior. Para essa específica reunião relatada observa-se que por volta das

14:20hs o estacionamento do prédio da igreja, que conta com dois andares, tinha apenas cerca

de 40% de suas vagas ocupadas, sendo que tais carros não eram na sua maioria de pessoas que

participavam da reunião. A igreja se localiza num bairro de classe alta e está bem próxima ao

shopping Daimmond onde possui um fluxo de carros e pessoas muito intenso. Há pouco

tempo foi colocado um ponto de ônibus em frente à Catedral da Fé. A mesma tem uma

belíssima fachada, que possui no alto a logo da igreja que é um coração com uma pomba e

logo abaixo está escrito em letras douradas a frase “Jesus Cristo é o Senhor”. Na entrada

possui uma escadaria no centro e rampas nas laterais. A igreja em sua parte externa é pintada

em bege alternando com branco. Possui várias portas para entrada e saída com um rol de

entrada que antecede às outras portas que dão acesso ao local das reuniões.

71

Internamente, no espaço das reuniões, segundo um dos pastores, possui cinco mil

cadeiras de madeira e couro das quais cerca de duas mil estavam ocupadas na reunião

observada. O Templo possui ar-condicionado e o piso é todo em granito. O altar é alto

contendo nas laterais escadas para o acesso. No centro do altar tem-se um púlpito de madeira

com uma cruz na frente. Nesse dia havia uma cortina dourada que dividia o altar ao meio,

ficando uma parte na frente da cortina e outra atrás da cortina onde em determinados

momentos pessoas que aceitavam fazer algum voto de sacrifício eram convidadas a passar

pelo Santuário das Riquezas de Deus localizado por trás dessa cortina. Em cima do altar

estava um letreiro luminoso, como uma placa, no qual estava escrito Santuário das Riquezas

de Deus. Nas paredes ao lado do altar dois quadros grandes nos quais estavam escrito o

seguinte versículo: “E, se alguém me ouvir o Pai o honrará”.

A reunião teve início pontualmente às 15:00hs. Havia uma mesa próxima às portas que

dão acesso ao local do culto onde alguns pastores entregavam selos para colar numa cartela

que iria ser entregue no momento da reunião, como informavam a todos. O pastor inicia a

reunião fazendo uma oração pelos fiéis os quais foram convidados a se dirigirem para frente

do altar. O pastor ora e canta acompanhado por um homem que canta e toca o teclado. Com as

pessoas ainda à frente o pastor começa a falar do texto da bíblia que narra o fato de Faraó ter

dado ouvidos a José quando este o orientou sobre como proceder na hora da crise para não

sofrer seus danos. Assim ele diz que através de José o Egito prosperou no momento de crise.

Com base em tal texto, do qual não menciona a referência, diz para o povo que basta seguir a

orientação do homem de Deus para prosperar. “Você vai seguir o que eu vou te falar”, declara

o pastor. Complementando, o pastor conta o testemunho de uma pessoa que, segundo ele, “se

deu bem” ao seguir suas orientações. O texto mencionado não foi lido na bíblia e nem essa foi

aberta durante toda a reunião, pelo pastor.

O pastor continua dizendo que é preciso esquecer a posição social assim como Faraó,

pois ele se humilhou quando se dispôs a ouvir um escravo, José. Depois dessa fala ele faz um

apelo para que se levante um clamor erguendo as chaves de lojas, etc. Chama todos os 318

pastores ao altar para orar juntamente. Fazem súplica de socorro para que a miséria não

alcance aquelas vidas e todos gritam juntos: “sai”. Logo após pede-se para que todos

apresentem a Deus a sua fidelidade, o dízimo, o voto pelo socorro. O envelope dos dízimos é

oferecido enquanto o pastor explica que o dízimo faz com que Deus abençoe o trabalho de

cada um.

Os fiéis são chamados a passarem pelo Santuário, parte de trás da cortina que divide o

altar, entregando o dízimo declarando em alta voz que o socorro vai vir. Nesse instante as

72

luzes foram parcialmente apagadas para dar destaque à placa luminosa: Santuário das

Riquezas de Deus. Uma canção é entoada cuja letra fala de fazer sacrifício para que a vida

mude: “Deus proverá na vida de quem sacrificar”. Assim, o pastor faz orações, enquanto as

pessoas passam no altar, clamando para que “o Deus de Salomão responda àquelas criaturas

que estão com a conta no vermelho, etc”. Ele adverte dizendo: “Clama pessoal”.

Novamente em seus lugares os fiéis são desafiados a levantarem os documentos,

chaves enquanto os pastores passam por eles tocando tais objetos. Nesse intere o pastor diz:

“se você crê que Deus vai te abençoar e abrir as portas pegue uma oferta e erga em direção às

portas pelas quais entraram, pois por essas portas vocês vão sair com a vitória”. Novamente

pastores passam por entre as pessoas recolhendo as ofertas enquanto canta-se uma música à

qual todos acompanharam com palmas e gestos.

Após, o pastor pede para pegarem na mão o envelope que receberam quando desceram

do altar e faz a leitura do versículo impresso no mesmo: “Aquele que crê verá a glória de

Deus”. O pastor interpreta dizendo que a glória de Deus é o que os fiéis mais precisam. Ele

orienta para que preencham o envelope colocando o nome e o mês, pois, segundo o pastor,

ainda em tal mês eles veriam a glória de Deus, esclarecendo que essa glória se evidencia

quando se compra, se adquire tudo. Porém, acrescenta que isso não é para todos, mas somente

para quem crê. Com isso, o pastor desafia as pessoas a trazerem tal envelope na próxima

semana com R$50,00, nem mais e nem menos, como ele diz.

Os fiéis são levados a levantarem o envelope e começarem a orar. E o pastor propõe

para que quem quiser ser fiel a esse propósito deve colocar o envelope na cabeça. Diz que a

crise não pode tocar na vida de quem é fiel. Fala ainda que a miséria tem força e ensina ao

povo a determinar que essa força não pode tocar suas vidas.

Em seguida pergunta quem quer fazer o propósito de trazer o dízimo toda a segunda-

feira. Para isso propósito é entregue um saquitel o qual é erguido para uma oração que pede o

enchimento do mesmo. O pastor agora quer orar pelos dizimistas e desafia para que 300

façam um propósito de não aceitar levar um dízimo menos do que R$100,00. O pastor vai

para dentro do santuário e pede para que esses vão atrás dele onde vai abençoá-los colocando

a mão em suas cabeças. Canta-se uma música que tem como coro a frase: “campeão,

vencedor, essa fé te faz imbatível”. O pastor retorna e diz: “levanta o saquitel, pessoal”. Pede

às pessoas para dizerem que não aceitam trazer um dízimo menor do que R$50,00. Outro

pastor traz um perfume de Israel que é consagrado e utilizado para abençoar os fiéis.

73

Após essa bênção, as mulheres que querem ser vitoriosas são chamadas à frente

enquanto os homens são convocados a ficarem de pé e estenderem as mãos para elas. As

mulheres são ungidas e mesmo as que continuaram assentadas recebem a unção.

O pastor começa inicia um momento como de uma pregação dizendo que existem dez

coisas necessárias para a pessoa se tornar vencedora. “Tem que colocar força no que faz, tem

que colocar coragem, pois Deus apareceu a Gideão porque ele era corajoso”, diz o pastor.

Mencionando somente essas duas coisas deixa o convite para a participação das oito

segundas-feiras entregando a tal cartela e orando para selar esse compromisso.

Nesse momento o pastor passa a falar sobre a entrega de um papel chamado de “o

santuário” instruindo para que o mesmo fosse depositado no santuário na próxima semana. Os

pastores distribuem e cada um deve levar quantos quiser para convidar outras pessoas. As

pessoas levantam o santuário e o pastor ora consagrando.

“Quem está precisando de uma resposta até amanhã?”, pergunta o pastor. Conta o

exemplo de uma mulher que esteve no culto pela manhã e que obteve a resposta que precisava

ainda no momento da reunião. Ele, então, convida essas pessoas a subirem no altar,

esclarecendo que elas irão descer com a vitória. O pastor ainda diz o seguinte: “quem me

conhece sabe que eu não demoro para pedir oferta. Dá quem tem e quem quer”. Assim, chama

100 pessoas para dar ofertas nos valores que fiquem entre R$1000,00 e R$50,00. Ele diz que

mesmo que seja o único cem reais que o fiel tenha ele deve vencer a voz que diz para não dar.

Depois de vários apelos e umas 40 pessoas já na frente, o pastor abaixa para trinta reais até

chegar a dez reais. Ele ensina que quando se faz um desafio, Deus é obrigado a se manifestar.

O pastor entra no santuário com essas pessoas e depois diz para elas ligarem o celular porque

a boa notícia já vai chegar. Lá de dentro do santuário o pastor pede para quem está no banco

levantar a mão com o que tem no bolso. Esses também vão à frente entregar a oferta.

Vários pastores passam por todo Templo entregando o que chamam de Conferência

que é uma mensagem num folheto. Entregam também um estudo que será feito na quarta-feira

o qual está grampeado e só pode ser aberto na igreja. O pastor lê a Conferência e diz que Deus

não é visto nas coisas pequenas, mas nas grandes. Ele pergunta para as pessoas se suas vidas

estão mostrando Deus ou a vergonha. Conta o testemunho da mulher que tinha tumores na

cabeça e que deu os R$10.000,00 que tinha no banco. Tal mulher teria escutado o anúncio na

rádio e foi na igreja. Assim o pastor diz que a fé que muda a vida de uma pessoa é a fé do

sacrifício. “Se você quer melhorar de vida tem que fazer muito mais do que ofertar e dizimar,

tem que fazer o sacrifício. Quando há sacrifício, há fogo”. Ele pergunta aos fiéis quem havia

honrado aquela mulher. Quando o povo responde que foi Deus, o pastor diz que não,

74

explicando que foi o sacrifício da mulher. Chama à frente pessoas que precisam de uma

decisão em suas vidas e diz que quem estiver satisfeito com o que tem não precisava ir. Agora

diz que não está chamando para entregar envelope, pois o envelope é cada um dos que

estavam na reunião. O pastor fala que o problema não é o dinheiro, mas que se pede o

dinheiro para ver se a pessoa crê. “Você vai vencer. Bate no peito e diga. Levante tudo o que

é seu e comece a orar”, declara o pastor encerrando a reunião.

Sobre a reunião do dia 11 de janeiro de 2010 com início às 19:30 horas na Igreja

Universal do Reino de Deus também no Templo Maior de Belo Horizonte uma obreira

declarou dando informações que estaria presente um Bispo que iria falar sobre o segredo para

se tornar uma pessoa rica. Divulgando a reunião, a obreira salienta em suas informações

prestadas em frente a Catedral argumentando que ser rico não é pecado, e que assim o referido

Bispo iria tirar do fundo do baú, em suas palavras, o segredo para ser milionário.

Por volta das 19:20 o estacionamento da igreja já tinha um número expressivo de carros

onde cada motorista recebe um cartão de estacionamento ao adentrarem para organização e

não para cobrança, pois o estacionamento é gratuito.

Subindo a escadaria do estacionamento chega-se a porta principal da entrada do Templo

onde pastores entregavam a todos que chegavam uma pasta para que cada um pudesse guardar

os estudos que são entregues a cada segunda-feira e ministrados no momento da reunião. Os

pastores também pediam as pessoas que chegavam para deixar seus nomes com eles a fim de

serem alvos de oração ungindo também na entrada do local da reunião.

Logo no centro do altar havia um grande candelabro e nas paredes laterais o seguinte

versículo da bíblia: “E se alguém me servir, o Pai o honrará”. I João 12:26.

As pessoas iam chegando e pontualmente às 19:30 horas um pastor falou ao microfone

começando a reunião cumprimentando a todos com um boa noite e imediatamente todos se

colocaram em pé. Assim ele continua dizendo que vai orar por aqueles que fizeram alvos para

o ano de 2010. Diz que ele próprio fez e que a sua promessa é de levantar os próximos

milionários de 2010. Continua salientando que “ganhar o primeiro milhão é até difícil, mas

que depois se pega gosto pela coisa”. Assim o pastor desafia aqueles que acreditam que nesse

ano vão conquistar seu primeiro milhão se propondo a ungir as mãos apenas destes.

Nesse intere o pastor que lidera a reunião chama um homem para testemunhar sobre

sua vitória na vida financeira. Tal homem diz ter chegado à igreja sem nada e conquistou seu

primeiro milhão. O pastor ungiu esse homem e outros saíram por toda igreja ungindo a todos

enquanto uma canção estava sendo entoada cuja letra enfatiza o fato de se obter a vitória:

“subir como águia e conquistar, vou surpreender. O que Deus jurou ele cumprirá”.

75

Interrompendo a canção, o pastor desafia a todos a pegarem sua maior nota dizendo

que ainda que seja de R$10,00 ou R$50,00, o que ele declara ser uma vergonha desafiando a

todos a declararem que isso vai mudar e que a melhor nota de cada um vai ser muito maior.

Assim ele ora, declarando que Deus vai levantar milionários naquela reunião. As pessoas

oram com intensidade com as mãos levantadas enquanto o pastor vai dizendo que Deus irá

mudar a situação dos que naquele momento têm apenas uma nota de dez ou cinqüenta reais na

carteira. Os fiéis são orientados a colocarem, então, tais notas levantadas nas sacolas que eram

passadas pelos pastores, com indignação declarando que em breve terão altos valores para

colocarem nas ofertas.

Depois desse desafio financeiro o pastor pede a todos que levaram seus dízimos para

colocarem nos envelopes ressaltando a importância da fidelidade nos dízimos para a obtenção

da prosperidade. Ele diz que seu desejo é ver a todos dando dízimos não de cinqüenta ou cem

reais, mas sim de milhões. No entanto, esclarece a importância da fidelidade mesmo na hora

difícil dizendo que: “não é esperar você se tornar grande para ser fiel, não”.

Assim que os envelopes dos dízimos são entregues o pastor faz uma oração dizendo

que Deus não aceita dizimistas pobres. Assim, novamente outros pastores passam pela igreja

com os sacos para o recolhimento dos dízimos enquanto uma nova música é entoada.

O pastor entrevista outro homem que testemunha que após freqüentar a Nação dos 318

(como é denominada as reuniões das segundas-feiras) sua vida prosperou. Diz que é

advogado, tem dois cursos superiores e que mesmo assim não conseguia conquistar a

prosperidade. Em suas palavras diz ter chegado na igreja de mãos vazias e começou a fazer a

corrente dos 318 cumprindo todos os votos e ofertas propostos. Assim, o pastor pergunta para

esse homem se depois que ele começou a fazer os votos se continua de mãos vazias.

Respondendo ele diz que depois que entrou na IURD fazendo os votos, sua vida mudou,

prosperou.

Após esse testemunho o pastor começa, sem citar a passagem bíblica, a falar sobre

Jacó, salientando que ele trabalhava, Deus abençoava e ele enriquecia seu tio, Labão, mas ele

mesmo não tinha nada. Da mesma maneira que Jacó, o pastor diz ter muitas pessoas na

reunião. Explica que muitos trabalham e apenas os patrões enriquecem. Por isso, diz o pastor,

que “chega uma hora em que se tem que tomar uma decisão, se revoltar contra a situação

fazendo algo além de trabalhar”. Complementa ressaltando que o homem que havia

testemunhado começou a fazer os votos e assim prosperou.

Continuando sua explanação o pastor faz a leitura de alguns versículos bíblicos sobre

Jacó, mas não menciona a referencia e nem pede para as pessoas abrirem a bíblia. Ressalta a

76

passagem em que Jacó diz que se não fosse Deus o seu tio teria coragem de mandá-lo embora

de mãos vazias. Ele explica que foi por causa de Deus que Jacó não saiu da casa do seu tio de

mãos vazias.

Nesse momento o pastor diz que vai ser entregue um envelope para que todos

declarem por meio de tal oferta que sua dependência é de Deus e não do homem. Dessa

forma, desafia a todos que desejam fazer o voto a se colocarem em pé. O pastor que dirige a

reunião se ajoelha no altar e pede a outro pastor para que banhe sua cabeça com água

enquanto todos devem ir a frente pegar o envelope e lavar as mãos em bacias de águas que

havia no altar para se libertarem do mal declarando que o histórico de mãos vazias acaba

naquele momento.

O pastor oriente para que se coloque no envelope uma oferta de fé. A maioria das

pessoas se encaminha para frente formando uma fila enquanto uma canção é entoada.

Enquanto isso também, pastores começam a entregar um papel com o esboço do tema

a ser abordado na reunião o qual posteriormente deveria ser arquivado na pasta recebida na

entrada do Templo.

Assume a palavra um bispo para fazer a palestra com o tema: maturidade. Ele começa

explanando sobre o porquê de muitas pessoas não alcançarem coisas maiores de Deus. Tal

motivo, segundo o bispo, é a falta de maturidade espiritual. Explica que quanto mais a pessoa

vai amadurecendo mais ela vai deixando de tomar decisões pela emoção passando a decidir

pela razão, pela inteligência. O bispo diz que uma pessoa madura é equilibrada. Ele pergunta

aos fiéis o objetivo de estarem naquela reunião respondendo que é o de ganharem o primeiro

milhão. Assim, diz que uma pessoa equilibrada sabe que para colher benção econômica a

semente também tem que ser econômica. Se alguém não tiver esse entendimento é porque não

é uma pessoa madura, afirma o bispo. Continuando esclarecendo em seu sermão que quem

pensa que vai prosperar fazendo jejum, orando, lendo a bíblia não é equilibrado, pois não é

isso que a palavra de Deus diz.

O bispo cita um texto bíblico e sem indicar sua referencia declara apenas que a bíblia

fala que se deve fazer prova de Deus, pois assim ele vai abrir as janelas do céu.

Retomando a questão da semeadura, o palestrante pede a toda para abrirem suas

bíblias no livro de Gênesis no capítulo 1 versículo 29. Ele explica, após a leitura do texto, que

toda semente tem que voltar para a terra. Esclarece que, dessa forma, o homem tem que

semear senão não vai colher. “Se você quer colher riquezas, alcançar seu primeiro milhão,

então você tem um caminho que é o de alcançar a maturidade e fazer prova com Deus”, diz o

bispo. Completa, ainda, ressaltando que quem fizer prova com Deus no que diz respeito aos

77

dízimos e as ofertas vão ver o impossível, esclarecendo que o que faz mover a mão de Deus é

quando uma pessoa manifesta a sua fé.

Assim, o bispo fala à multidão de fiéis que com a maturidade a pessoa dá tudo que tem

fazendo prova com Deus o que segundo ele coloca a responsabilidade na mão de Deus. Após

tal explanação, o bispo pergunta: “Você quer alcançar seu primeiro milhão? Depois de muitas

mãos levantadas como resposta ele responde: “então pegue sua oferta de desafio”. O bispo

explica que pode ser um cheque ou dinheiro, reiterando que quem é uma pessoa madura sabe

o que é uma oferta, um desafio.

Caminhando para o término da reunião, o bispo que fez a ministração pede para outros

bispos que estavam assentados em cadeiras luxuosas no altar, para ficarem em pé. Isso porque

segundo orientação do bispo todos deveriam passar no altar citando a passagem bíblica em

que Deus diz que vai tirar o pobre da lama e colocá-lo junto com os príncipes. Texto esse que

o bispo apenas declara dizendo que está escrito na bíblia, mas não cita a referência. Assim, ele

chama ao altar quem quer o desafio, esclarecendo que não é uma oferta, mas sim uma prova

onde se dá algo que não poderia dar, não tem condição de dar, ou então dá tudo que tem.

Logo a seguir muitas pessoas, quase todo o publico que ocupava cerca de 70% da capacidade

do Templo, passam pelo altar colocando as ofertas nas cadeiras antes ocupadas por bispos.

Enquanto isso o bispo faz a leitura de um versículo do livro de Gênesis que diz que a

árvore dá o fruto segundo a sua espécie o qual ele interpreta dizendo que quem quer riqueza a

semente é financeira. Citando um episódio bíblico diz que até uma viúva pobre semeou tudo o

que tinha e que assim, enfatiza o bispo, ninguém não tem nada para dar.

O bispo anuncia que vai fazer uma oração, e que clamando como se estivesse

cobrando de Deus vai dizer a ele que todos que estavam entrando no desafio têm que receber

não porque não têm pecados, mas porque estão dando.

Assim, o bispo faz a oração declarando ainda que Deus diz em sua palavra que a

medida que uma pessoa se achega a ele, ele se achega a ela. Ressalta que esses fiéis ofertantes

se achegam por meio dos desafios de fé esperando que o Senhor cumpra a sua parte.

A reunião termina após os clamores para a prosperidade com anúncios da reunião da

próxima semana.

78

4.2 Marcel Mauss: o ensaio sobre a dádiva

Sobrinho de Durheim, Marcel Mauss (1872-1950) foi também seu herdeiro na

condução da Escola Sociológica Francesa. Entre suas contribuições unanimemente

reconhecidas fazendo-o aparecer com destaque está o “Ensaio sobre a Dádiva”, considerado

por muitos sua obra prima, segundo Menezes. Esse “célebre” ensaio de 1925 é um “estudo

sobre a troca e o contrato nas sociedades primitivas, o qual adquiriu importância ao se tornar o

ponto de partida nos debates sobre a reciprocidade, uma das questões fundamentais da

antropologia”. (MENEZES, 2002, p. 95).

O “Ensaio sobre a Dádiva” de Marcel Mauss ocupa, assim, um lugar de destaque na

literatura antropológica por evidenciar os vários aspectos – políticos, sócias, econômicos,

religiosos, etc – que estão intimamente ligados aos sistemas de dádivas (trocas materiais

vividas sob o signo da espontaneidade). Por isso tal ensaio é considerado de imensa

fecundidade para a formulação de teorias sobre a natureza da vida social sendo responsável

por inúmeros debates nas Ciências Sociais. (REHEN, 2009).

O “Ensaio sobre a Dádiva” surpreende, entre outras coisas, pela riqueza dos detalhes

etnográficos acerca da troca de presentes, extraídos inicialmente da Polinésia, Melanésia e do

noroeste americano. Mauss (1974) tem como tema, em tal ensaio, as trocas e os contratos

feitos sob as formas de presentes teoricamente voluntários, mas na realidade, como ele afirma,

são obrigatoriamente dados e retribuídos. Sua atenção dirige-se para o regime de direito

contratual e para o sistema de prestações econômicas entre as diversas seções ou subgrupos de

que se compõem as sociedades ditas “primitivas” às quais ele também chama de arcaicas.

Tudo que se constituía vida propriamente social das sociedades primitivas se mistura,

tornando, na observação de Mauss, um conjunto de fatos muito complexos. Tal fato ele

denomina de fenômenos sociais “totais” explicando que através dos mesmos

exprime-se ao mesmo tempo e de uma só vez toda a espécie de instituições:

religiosas, jurídicas e morais – estas políticas e familiais ao mesmo tempo;

econômicas - supondo formas particulares de produção e de consumo, ou antes, de

prestação e de distribuição, sem contar os fenômenos estéticos nos quais

desembocam tais fatos e os fenômenos morfológicos que manifestam essas

instituições. (MAUSS, 1974, p. 41).

No entanto, traço ressaltado por Mauss em meio a todos esses temas muito complexos

e multiplicidade de coisas sociais em movimento, é o que ele considera ser um único traço,

79

profundo, mas isolado que é o caráter voluntário das trocas. Mas, mesmo ressaltando sua

aparência de livre e gratuito, para ele é, no entanto, imposto e interessado nessas transações.

Mauss explica que tais transações “têm tomado quase sempre a forma do presente, do regalo

ofertado generosamente, mesmo quando, no gesto que acompanha a transação, há tão somente

ficção, formalismo e mentira social; quando há, no fundo, obrigação e interesse econômico”.

(MAUSS, 1974, p. 41).

Mauss propõe, assim, o estudo do que ele diz ser apenas um dentre todos os diversos

princípios que deram tal aspecto a uma forma necessária de troca o que ele chama de a própria

divisão social do trabalho. Numa indagação, Mauss, expressa o tema sobre o qual se debruça

em no ensaio: “Qual é a regra de direito e de interesse que, nas sociedades de tipo atrasado ou

arcaico, faz com que o presente recebido seja obrigatoriamente retribuído? Que força há na

coisa dada que faz com que o donatário a retribua?” (MAUSS, 1974, p. 42). Dessa maneira, o

autor irá, por meio de um número de fatos, buscar uma resposta específica a esta questão

salientando os novos problemas que tal empreitada conduzirá identificando como sendo uns

concernentes a uma forma permanente de moral contratual, ou seja, a maneira como o direito

real permanece, em suas palavras, “ainda em nossos dias”, ligado ao direito pessoal. Mauss

ainda menciona outro problema dizendo que esses são concernentes às formas e às idéias que

presidiram sempre, ao menos em parte, à troca, e que ainda hoje substituem em parte a noção

de interesse individual.

Para tanto, Mauss (1974, p. 42), salienta que atingirá a duas metas. Descrevendo a

primeira ele diz: “chegaremos a conclusões de certo modo arqueológicas sobre a natureza das

transações humanas nas sociedades que nos cercam, ou nas que nos precederam

imediatamente”. A segunda é a descrição dos fenômenos de troca e de contrato nessas

sociedades que segundo Mauss não são destituídas de mercados econômicos, como, em suas

palavras, “se tem pretendido”.

O mercado é um fenômeno humano que, a nosso, ver não é estranho a nenhuma

sociedade conhecida – mas cujo regime de troca é diferente do nosso. Nelas,

veremos o mercado antes da instituição de mercadores e de sua principal invenção, a

moeda propriamente dita; como funcionava antes que tivessem sido encontradas as

formas, que podemos chamar de modernas (semítica, helênica, helenística e

romana), do contrato de venda, por um lado, e da moeda de título determinado, por

outro. Veremos a moral e a economia que operam nessas transações. (MAUSS,

1974, P. 42).

Assim, a grande constatação que Mauss (1974, p. 42) faz nesse trabalho é a de que esta

moral e economia vigente nos regimes de trocas das sociedades “primitivas” funcionam ainda

80

em nossas sociedades de maneira constante e também acredita ter encontrado uma “das rochas

humanas sobre as quais estão erigidas as nossas sociedades”.

Mauss, então, começa sua empreitada de constatação de tais afirmações esclarecendo

que esse trabalho faz parte da série de investigações que Davy e ele empreenderam sobre as

formas arcaicas do contrato. Inicia mostrando que a afirmação corrente declara parecer que

jamais tenha existido, nem em uma época bastante próxima, nem nas sociedades que

precariamente são confundidas sob o nome de primitivas ou inferiores, nas palavras de Mauss,

algo que se assemelhasse àquilo que se denomina economia natural sendo essa evidenciada

em textos concernentes à troca e à permuta entre os polinésios. No entanto, Mauss vai estudar

nesse ensaio esses mesmos polinésios procurando ver o quanto estão distanciados, em matéria

de direito e de economia, do estado de natureza.

Para Mauss (1974, p. 44), não se constata nunca simples trocas de bens, de riquezas ou

de produtos nas economias e direitos das sociedades tidas como primitivas. Em tal afirmação

esclarece ainda que em primeiro lugar não são indivíduos, e sim coletividades que se obrigam

mutuamente, trocam e contratam, pois as pessoas presentes ao contrato são pessoas morais

(clãs, tribos, famílias) “que se enfrentam e se opõem, seja em grupos, face a face, seja por

intermédio dos seus chefes, ou seja ainda das duas formas ao mesmo tempo”. O autor do

ensaio observa ainda que o que trocam não são exclusivamente bens e riquezas, móveis e

imóveis, coisas economicamente úteis, como denomina, mas antes de tudo trata-se de

gentilezas, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres, crianças, danças, festas, feiras. São

relações em que, como explica,

o mercado é apenas um dos momentos e onde a circulação de riquezas constitui

apenas um termo de um contrato muito mais geral e muito mais permanente. Enfim,

essas prestações e contra-prestações são feitas de uma forma sobretudo voluntária,

por presentes, regalos, embora sejam, no fundo, rigorosamente obrigatórias, sob

pena de guerra privada ou pública. (MAUSS, 1974, p. 45).

Mauss propõem chamar tudo isso de prestações totais. Ou seja, na conceituação de

Mauss essas prestações e contra-prestações são denominadas de “sistema de prestações totais”

que apesar de serem voluntárias carregam certa obrigatoriedade pelas conseqüências advindas

do não cumprimento de tal comportamento voluntário. Ele formulou a idéia-chave de que a

circulação de dons e contra-dons corresponde a um “fato social total”, englobando diversos

domínios da vida coletiva. Dessa maneira, como explica Rehen (2009), aplicou e desenvolveu

o conceito sociológico clássico dos “fatos sociais”, apresentado por seu tio e professor Émile

Durkheim - considerado um dos pais fundadores da Sociologia juntamente com Karl Marx e

81

Max Weber - ao apontar para a peculiaridade da sociedade como objeto de estudo científico,

excluindo uma abordagem unicamente psicológica.

Mauss dedicou especial atenção às tribos do noroeste norte-americano, nas quais,

segundo ele, aparece uma forma típica, sem dúvida, mas evoluída e relativamente rara, dessas

prestações totais às quais chama de potlatch que quer dizer essencialmente “alimentar”,

“consumir”. Essas tribos riquíssimas passam o inverno em festa: banquetes, feiras e mercados,

que são ao mesmo tempo a assembléia solene da tribo. Tudo se confunde em uma trama de

ritos, de prestações jurídicas e econômicas, de fixação de posições políticas. Mas para Mauss

o que é notável nessas tribos, porém, é o princípio da rivalidade e do antagonismo que domina

todas essas práticas. Nessas tribos observa-se a destruição suntuosa de riquezas por

intermédio dos chefes, pois há destruição de riquezas acumuladas para eclipsar o chefe rival.

Assim, assiste-se a uma luta para assegurar a hierarquia que resultará em proveito para os

clãs. Para Mauss (1974, p. 47) “esta prestação reveste, da parte do chefe, um cunho agonístico

muito acentuado”. É essencialmente usuária e suntuosa. A esse gênero de instituições, Mauss

propõe chamar de potlatch dizendo poder mais longamente também chamar de prestações

totais de tipo agonístico.

A obrigação de dar é a essência do potlatch. Gastar (distribuir) aparece nessa lógica

como um sinônimo do verbo “humilhar”, sendo a única forma de provar a fortuna e nobreza

de um líder tribal. Da mesma forma, não se tem o direito de recusar uma dádiva - de recusar o

potlatch. Agir assim é manifestar que se teme ter de retribuir.

Mauss salienta que em vários outros locais onde o fundamento das trocas entre clãs e famílias

que parecia permanecer no tipo mais elementar de prestação total, no entanto, depois de

investigações mais aprofundadas revelaram número considerável de formas intermediárias

entre essas trocas de rivalidades exasperadas e de outras com emulação mais moderada em

que os contratantes rivalizam-se em presentes. “Assim, rivalizamos em nossos presentes,

nossas estréias, nossas bodas, nossos meros convites, e sentimo-nos ainda obrigados a

revanchieren, como dizem os alemães.” (MAUSS, 1974, p. 47).

Diante da consideração de que o mais importante é o mecanismo que obriga a retribuir o

presente recebido, Mauss começa por estudar a Polinésia considerando que em nenhum outro

lugar a razão moral e religiosa é mais aparente. Assim deseja evidenciar que força leva a

retribuir uma coisa recebida e a executar contratos reais.

Segundo Marcel Mauss, a Polinésia vivia aparentemente uma realidade distante do

potlatch, pois as sociedades polinésias, em que as instituições mais se aproximavam dele, não

82

pareciam ultrapassar o “sistema de prestações totais”. Mauss declara que nos fatos estudados

principalmente em Samoa, o notável costume de trocas de esteiras brasonadas entre chefes

por ocasião do casamento, não parecia ir além do nível das “prestações totais”. Isso porque o

elemento de rivalidade, o de destruição, de combate, parecia, segundo Mauss, falhar, o que

não faltava na Melanésia.

No entanto essa afirmação com relação à Polinésia subsiste até a descoberta de dois

elementos essenciais: o elemento da honra, do prestígio, de mana que confere a riqueza e o da

obrigação absoluta de retribuição dessas dádivas como ferramenta de manutenção da

autoridade. Ou seja, a obrigação absoluta de retribuir essas dádivas se dá sob pena de perder

esse mana, esta autoridade que é a própria fonte de riqueza. (MAUSS, 1974, p. 50). Assim,

dois elementos essenciais do potlatch propriamente dito estão atestados na Polinésia.

Tal obrigação absoluta de retribuir é estudada por Mauss sob o título de “o espírito da coisa

dada”. Ele descreve um provérbio que diz ter sido “afortunadamente recolhido por Sir. G.

Grey e C. O. Davis”, no qual há um pedido de destruição do indivíduo que recebe e não

retribui, expressando, assim, a força, no caso de o direito, sobretudo, a obrigação de retribuir

não ter sido observada.

Analisando a obrigação de retribuir, Mauss faz referência ao depoimento de um

informante maori extraído das notas do etnógrafo Robert Hertz. Mauss (1974, p. 53) diz que

Hertz, seu saudoso amigo, já havia mensurado a importância de tais fatos dedicando a ele e a

Davy a ficha que continha a seguinte afirmação: “Eles tinham uma espécie de sistema de

troca, ou antes, de dar os presentes que devem ser ulteriormente trocados ou retribuídos.”

Segundo Mauss, Hertz dedica ao hau (o “espírito da coisa dada”), uma resposta para a

circulação de dons.

Vou falar-lhe do hau... O hau não é o vento que sopra. Nada disso. Suponha que o

senhor possui um artigo determinado (taonga), e que me dê esse artigo: o senhor o

dá sem um preço fixo. Não fazemos negócio com isso. Ora, eu dou esse artigo a uma

terceira pessoa que, depois de algum tempo, decide dar alguma coisa em pagamento

(utu), presenteando-me com alguma coisa (taonga). Ora, esse taonga que ele me dá

é o espírito (hau) de taonga que recebi do senhor e que dei a ele. Os taonga que

recebi por esses taonga (vindos do senhor) tenho que lhe devolver. Não seria justo

(tika) de minha parte guardar esses taonga para mim, quer sejam desejáveis (rawe)

ou desagradáveis (kino). Devo dá-los ao senhor, pois são um hau de taonga que o

senhor me havia dado. Se eu conservasse esse segundo taonga para mim, isso

poderia trazer-me um mal sério, até mesmo a morte. Tal é o hau, o hau da

propriedade pessoal, o hau dos taonga, o hau da floresta. Kati ena (basta sobre o

assunto). (MAUSS, 1974, p. 53).

83

O que cria uma obrigação no ato de presentear é o fato de que a coisa recebida não é

inerte. Mesmo após a doação, ela ainda pertence ao doador. O hau persegue não apenas o

primeiro doador, mas todo indivíduo ao qual o presente for transmitido. Assim, no fundo é o

hau que deseja regressar ao local do nascimento, ao clã e ao proprietário. O presente ou seu

hau – que, aliás, é ele mesmo uma espécie de indivíduo – que se liga a essa série de usuários,

até que estes retribuam com seus próprios taonga, suas propriedades, seu trabalho ou

comércio por meio de banquetes, festas e presentes, um valor equivalente ou superior, que,

por sua vez, dará aos doadores autoridade e poder sobre o primeiro doador, transformando em

último donatário. Assim, Mauss explica o que chama de idéia-chave que parece presidir na

circulação obrigatória de riquezas, tributos e dádivas esclarecendo a natureza do vínculo

jurídico criado pela transmissão de uma coisa. No direito maori o vínculo de direito, vínculo

pelas coisas, é um vínculo de almas, pois a própria coisa tem uma alma, é alma. Portanto,

presentear alguma coisa a alguém é presentear alguma coisa de si.

... é preciso retribuir a outrem aquilo que, na verdade, de sua natureza e substância,

pois aceitar alguma coisa de alguém é aceitar alguma coisa de sua essência

espiritual, de sua alma: a conservação desta coisa seria perigosa e mortal, e isso não

simplesmente porque seria ilícita, mas também porque esta coisa que vem da pessoa,

não só moralmente, mas física e espiritualmente, esta essência, este alimento, estes

bens, (...), dão uma ascendência mágica e religiosa sobre o indivíduo. (...) tende a

regressar àquilo que Hertz chamava de seu “lar de origem” ou a produzir, para o clã

e o solo de onde saiu, um equivalente que a substitua. (MAUSS, 1974, p. 56).

Mas, Mauss aborda ainda a questão de que a prestação total não envolve apenas a

obrigação de retribuir os presentes recebidos, mas supõe duas outras também importantes: a

obrigação de dá-los e a obrigação de recebê-los. Sobre a obrigação de receber, Mauss diz

encontrar facilmente fatos correspondentes salientando que um clã, uma caravana ou um

hóspede não tem a liberdade de não solicitar a hospitalidade, de não receber presentes, de não

comerciar, de não contratar aliança pelas mulheres e pelo sangue. Sobre a obrigação de dar,

que para Mauss não é menos importante, recusar-se a dar, deixar de convidar ou recusar-se a

receber equivale a declarar guerra, pois é recusar aliança e a comunhão. Explicando o motivo

pelo qual são forçados a isso, o autor, diz que “o donatário tem uma espécie de direito de

propriedade sobre tudo aquilo que pertence ao doador”, sendo que tal propriedade é concebida

como um vínculo espiritual. (MAUSS, 1974, p. 58).

Em tudo isso há uma série de direitos e de deveres de consumir e retribuir que

correspondem também a direitos e deveres de presentear e de receber que deixam de parecer

contraditórios se for considerado, como diz Mauss, que, e antes de tudo, há uma mistura de

84

vínculos espirituais entre as coisas que são a certo modo alma e os indivíduos e os grupos que

se tratam em certa medida como coisas.

Para Mauss, “essas instituições exprimem unicamente um fato, um regime social, uma

mentalidade definida: é que tudo, alimento, mulheres, (...), ofícios sacerdotais e postos é

matéria de transmissão e retribuição.”

Mas, essa transmissão e retribuição, o potlatch, produz um efeito não só sobre os

homens que rivalizam em generosidade, mas também sobre a natureza. Isso porque a troca de

presentes entre os homens incitam os espíritos dos mortos, os deuses, as coisas, os animais e a

natureza a serem “generosos para com eles”, explica Mauss (1974, p. 61) afirmando que a

troca de presentes produz, assim, abundância de riquezas.

Mauss salienta que um dos primeiros grupos de seres com os quais os homens tiveram

que contratar e que, por definição, ali estavam para contratar com eles foi, antes de tudo, o dos

espíritos dos mortos e os deuses.

Com efeito, são eles os verdadeiros proprietários das coisas e dos bens do mundo.

Era com eles que era mais necessário trocar e mais perigoso não trocar.

Inversamente, porém, era com eles que era mais fácil e mais seguro trocar. A

destruição sacrificial tem precisamente por fim ser uma doação que seja

necessariamente retribuída. (MAUSS, 1974, p. 63).

Dessa forma, Mauss, considera que a destruição suntuosa não é apenas para manifestar

poderio e riqueza, mas também para sacrificar aos espíritos e aos deuses, confundidos com

suas encarnações vivas, os portadores de seus títulos.

O autor salienta que, no entanto, aparece outro tema, expresso de maneira mais típica

entre os toradja de Célebes, que não mais necessita desse suporte humano e que pode ser tão

antigo quanto o próprio potlatch. Esse tema é a crença de que é aos deuses que é preciso

comprar, e que os deuses sabem retribuir o preço das coisas.

Kruyt diz-nos “que o proprietário deve aí „comprar‟ dos espíritos o direito de

realizar certos atos sobre a „sua‟ propriedade, na verdade propriedade „deles‟ ”. (...)

Enquanto a noção de compra parece muito pouco desenvolvida no costume civil e

comercial dos toradja, a desta compra aos espíritos e aos deuses é, ao contrário,

perfeitamente constante”. (MAUSS, 1974, p. 64).

Mauss considera ainda que esse sacrifício contratual realiza-se em grau supremo, pois os

deuses que dão e retribuem estão ali para dar uma grande coisa no lugar de uma pequena

coisa.

85

Partindo para estudar a Melanésia, Mauss salienta alguns ditos de direito nos discursos

solenes de arautos, entre os neocaledônios, qualificando-os como perfeitamente típicos de

potlatch: “Se há algum velho pilu diante do qual não estivemos lá, entre os Wi..., etc., este

inhame correrá para lá, assim como outrora um inhame parecido veio deles para nós.” É a

própria coisa que retorna. Em outra fala fica também expressa o vínculo de direito, mostra

Mauss: “Nossas festas são o movimento da agulha que serve para ligar as partes do telhado de

palha, para fazer um só teto, uma só palavra.” O autor de tal ensaio explica que são as mesmas

coisas que retornam, o mesmo fio que passa.

As reflexões mais constantes fazem menção às cerimônias do kula trobriandês,

presente na obra “Argonautas do Pacífico Ocidental” de Bronislaw Malinowski. Assim, na

outra extremidade do mundo melanésio, Mauss analisa o sistema de comércio intertribal e

intratribal que leva o nome de kula o qual ele identifica como uma espécie de grande potlatch.

Este sistema de trocas, o kula, que consiste na circulação de braceletes e colares ofertados nas

ilhas do Pacífico, obedece a regras bastante rígidas de circulação e se estende até a negociação

de bens de outras ordens, mulheres e serviços.

A tradução da palavra kula quer dizer círculo, como explica Mauss, esclarecendo que,

com efeito, é como se tudo, as tribos, coisas preciosas, alimentos, etc., estivesse preso a um

círculo, no tempo e no espaço, um movimento regular. O kula é exercido de maneira nobre,

na aparência puramente desinteressada e modesta e também cuidadosamente distinguido da

simples troca econômica de mercadorias úteis, que recebe o nome de gimwali. O kula como o

potlatch do noroeste americano, pelo menos na aparência, como ressalta Mauss, consiste em

dar, da parte de uns, e em receber, da parte de outros, sendo os donatários de um dia os

doadores da próxima vez. O arauto proclama a todos a solenidade da transferência no

momento da doação onde se procura mostrar liberalidade, liberdade e autonomia, ao mesmo

tempo que grandeza. Mas Mauss (1974, p. 75), reitera que “não obstante, no fundo, são

mecanismos de obrigação, e mesmo de obrigação pelas coisas, que operam.”

Mauss salienta por meio da interpretação de versos por parte de Malinowski o que

procura demonstrar:

“Tua fúria baixa como a maré, o cachorro brinca;

Tudo cólera baixa como a maré, o cachorro brinca;

Etc.”

86

Os cachorros brincam focinho com focinho. Quando você menciona a palavra

cachorro conforme prescrito há muito tempo, as coisas preciosas vêm também

(brincar). Demos braceletes, os colares virão, uns e outros se reencontrarão (como

cachorros que se vem fungar). (MAUSS, 1974, p. 81).

Ainda sobre as relações de troca que conformam o kula, Mauss (1974, p. 85), observa

que se almeja chegar ao objetivo antes dos demais, ou melhor, do que eles, provocando assim

trocas mais abundantes das coisas mais ricas, que naturalmente são de propriedade das

pessoas mais ricas. Assim, “concorrência, rivalidade, ostentação e procura de grandeza e de

lucro são os motivos diversos que estão por debaixo de todos esses atos.”

Enfim, Mauss concluiu que, no fundo do sistema de kula interno, o sistema de dádivas

trocadas engloba toda a vida econômica, tribal e moral dos trobriandeses. É uma constante

“dar e tomar”. “É como que atravessada por uma corrente contínua e em todos os sentidos de

dádivas dadas, recebidas, retribuídas, obrigatoriamente e por interesse, por grandeza e para

serviços, em desafios e penhores”. (MAUSS, 1974, p. 86).

Até mesmo nas relações de casamento observa-se esse sistema de troca pesquisado e

evidenciado. Malinowski fez, segundo Mauss, uma descoberta importante que esclarece todas

as relações econômicas e jurídicas entre os sexos no interior do casamento: “os serviços de

toda espécie prestado à mulher pelo marido são considerados como um salário-dádiva pelo

serviço prestado pela mulher quando ela empresta aquilo que o Corão chama ainda de “o

campo”.” Essa descoberta é fruto da análise do pokala e kaributu vistos no kula, os quais são

espécies de um gênero muito mais vasto, que corresponde muito bem àquilo que é

denominado de salário, como esclarece Mauss. Esses são oferecidos aos deuses, aos

“espíritos” como sinais de reconhecimento e de boa acolhida, os quais devem ser retribuídos.

Assim, Mauss conclui que,

a idéia que cumpre fazer a respeito dessas tribos melanésias, ainda mais ricas e

comerciantes que as polinésias, é portanto muito diferente daquela que, de ordinário,

é feita. Essas populações têm uma economia doméstica e um sistema de troca muito

desenvolvido, com pulsações mais intensas e mais precipitadas talvez do que o

conhecido por nossos camponeses ou pelas aldeias de pescadores de nossas costas

há talvez menos de cem anos. Têm uma vida econômica extensa, ultrapassando as

fronteiras das ilhas e dos dialetos, e um comércio considerável. Apenas substituem

vigorosamente, por dádivas feitas e retribuídas, o sistema de compras e vendas.

(MAUSS, 1974, p. 92).

De tais observações sobre alguns povos melanésios e polinésios, Mauss esboça uma

figura bem delineada do regime de dádiva salientando que a vida material e moral e a troca

funciona sob forma desinteressada e obrigatória ao mesmo tempo. Acrescenta ainda que essa

87

obrigação exprime-se de maneira mítica, imaginária ou, simbólica e coletiva assumindo o

aspecto de interesse ligado às coisas trocadas.

Essas mesmas instituições são também apresentadas nas sociedades indígenas do

noroeste americano, mas segundo Mauss, com a única diferença de que, entre elas, são mais

radicais e mais acentuadas. Da mesma forma o autor coloca que em primeiro lugar se diria

que nessas sociedades o escambo é desconhecido. No entanto, nenhuma das consideráveis

transferências de riquezas que se operam constantemente, constata Mauss, faz-se de maneira

diferente das formas solenes de potlatch.

Mauss ressalta que nessas tribos o sistema de dádivas trocadas difere do potlhatch

apenas pela violência e o exagero devido a uma estrutura mais simples e mais grosseira do

que na Melanésia, sendo que o caráter coletivo do contrato fica mais evidenciado no noroeste

americano. Nessas tribos os conceitos jurídicos e econômicos têm menos nitidez e precisão

conscientes. Entretanto, na prática, os princípios são formais e suficientemente claros.

Duas noções, segundo Mauss, são bem mais evidenciadas nessas tribos americanas: a

noção de crédito, de prazo e também a noção de honra. Mauss (1974, p. 97), explica que “as

dádivas circulam na Melanésia e na Polinésia, como vimos, com a certeza de que serão

retribuídas, tendo como “segurança” a virtude da coisa dada, que contém em si própria tal

“segurança”. Contudo, em toda sociedade possível, a dádiva tem por natureza criar uma

obrigação a prazo”. Exemplifica argumentando que mesmo uma refeição em comum não pode

ser retribuída imediatamente, ficando claro, assim, que o tempo é necessário para executar

toda contraprestação. Assim, Mauss, esclarece que a dádiva acarreta necessariamente a noção

de crédito.

No entanto, não menos importante é o papel que nessas transações indígenas

desempenha a noção de honra. “Em nenhuma parte o prestígio individual de um chefe e o

prestígio de seu clã encontram-se mais ligados ao gasto, bem como à exatidão em retribuir

usurariamente as dádivas aceitas, de modo a transformar em obrigação os que antes

obrigavam”. Assim, o princípio de antagonismo e rivalidade estabelece tudo onde a noção de

honra provoca verdadeiras devastações, onde em certos números de casos não se trata sequer

de dar e retribuir, porém de destruir o que faz tal pessoa progredir na escala social e também

sua família. Mauss afirma que “os homens souberam empenhar a honra e o nome muito antes

de saber assinar”. (MAUSS, 1974, p. 103).

A obrigação de dar, sem dúvida, é a essência do potlatch, pois a distribuição de bens é

o ato fundamental do “reconhecimento” militar, jurídico, econômico e religioso. Mas a

88

obrigação de receber não é menos coerciva, explica Mauss, que não se tem o direito de

recusar uma dádiva, pois isso seria manifestar que se teme ter de retribuir. O que significa

confessar-se vencido de antemão. Assim, em princípio toda dádiva é sempre aceita e elogiada,

mas ao aceitá-la sabe-se que se contrai um compromisso, o que Mauss (1974, p. 111) chama

de receber uma dádiva “sobre as costas”. “Mais que beneficiar-se com uma coisa e uma festa,

aceitou-se um desafio (...). abster-se de dar, como abster-se de receber, é perder dignidade –

como abster-se de retribuir.”

A obrigação de retribuir, por sua vez, é todo o potlatch na medida em que não consiste

em pura destruição. Segundo Mauss, normalmente, o potlatch deve ser retribuído com juros,

ou seja, toda dádiva deve ser retribuída de maneira usurária onde as taxas são em geral de 30 a

100 por 100 por ano.

Para Mauss pode-se provar que há nas coisas trocadas no potlatch uma virtude que

força as dádivas a circularem, a serem dadas e a serem retribuídas. Cada uma das coisas

preciosas tem em si uma virtude produtora. Não é apenas um signo e penhor; é ainda signo e

penhor de riqueza, princípio mágico e religioso da posição e da abundância.

Os pratos e as colheres com os quais se come solenemente, decorados e esculpidos,

brasonados com o totem da posição hierárquica, são coisas animadas. São réplicas

de instrumentos inesgotáveis, criadores de alimento, dados pelos espíritos aos

antepassados. Assim, as coisas são confundidas com os espíritos, seus autores, e os

instrumentos de comer com as comidas. (MAUSS, 1974, p. 122).

4.3 Uma hipótese a partir de Mauss

Diante do observado e dos aspectos levantados sobre o culto neopentecostal, suas

propostas, o uso da Bíblia, e tantos aspectos peculiares, parece ser possível e adequado

estabelecer uma relação com a teoria de Mauss exposta. Assim, a pesquisa entabula a geração

de hipóteses explicativas para o sistema de trocas religioso utilitarista que acontece nas igrejas

neopentecostais.

Nesse desafio é extremamente importante salientar o aspecto, muito nítido, de trocas

estabelecido pelo neopentecostalismo entre o fiel e a igreja sendo essa a representante de

Deus. Como citado no relato das reuniões da IURD o pastor declara enfaticamente que o

89

dízimo faz com que Deus abençoe o trabalho de cada um dos fiéis os quais ritualmente

depositam os envelopes no altar declarando, como orienta o pastor, que o socorro vai chegar.

Em tal momento, onde a idéia de troca está claramente imbuída, até na música entoada se

canta sobre o fazer sacrifícios e o retorno advindo do mesmo expressando claramente a

barganha na frase “Deus proverá na vida de quem sacrificar”.

Assim, pode-se comparar e evidenciar nesse processo religioso semelhanças nas

conclusões de Mauss sobre a constatação de trocas que significam muito mais do que a

aparência evidencia. Mauss, nos seus estudos sobre os regimes de dádiva, salienta que a vida

material e moral e a troca funcionam sob forma desinteressada e obrigatória ao mesmo tempo.

Acrescenta ainda que essa obrigação exprime-se de maneira mítica, imaginária ou, simbólica

e coletiva assumindo o aspecto de interesse ligado às coisas trocadas.

Também com relação à leitura da bíblia observa-se nos relatos das reuniões a ênfase

dada a textos que são usados, lidos e interpretados sempre no aspecto de troca. Uma exigência

e um recebimento. Não se teria aqui uma espécie de, à semelhança dos dizeres de Mauss, um

uso mítico e imaginário do texto sagrado a fim de exprimir a obrigação de dar? Parece de tal

forma apontar para um uso claramente utilitarista de tal maneira que um dos versículos

citados que se encaixa nessa análise pela expressão clara através do uso que os pastores fazem

do mesmo ao mencioná-lo é o que diz que “Aquele que crê verá a glória de Deus”. Segundo

esses líderes a glória de Deus é o que o fiel está mais precisando no momento.

Assim, como perscrutando o sistema de trocas de tais comunidades primitivas, Mauss

assegura que essas relações não são livres e desinteressadas. Também no neopentecostalismo

aparentemente o que pode ser visto apenas como uma maneira de enganar e extorquir um fiel

inocente, ou simplesmente o que poderia expressar uma entrega livre e desinteressada, não

pode ser uma relação também de interesse num processo que faz parte de tais igrejas dos

quais todos já estão completamente cientes do sistema conformador de tais práticas

religiosas? Pode-se perguntar se o fiel já não entra ciente de todo esse paradigma e assim já

disposto a se moldar por ele contrariando as conclusões aparentes de tal relação.

Sobre a glória de Deus mencionada no versículo, vê-se que o pastor clareia mais e

mais a noção do interesse e da barganha, ou até mesmo a noção do mercado quando afirma

que essa glória se evidencia quando se compra esclarecendo, porém que isso não é para todos,

mas apenas para os que crêem. Assim logo em seguida clareia também o que interpreta ser

esse crer ao desafiar os fiéis que crêem, depois de tal declaração sobre crer e ver a glória de

Deus, a levarem um envelope o qual deverá ser devolvida na semana seguinte com cinqüenta

reais.

90

A teologia da prosperidade pregada por esses tem como ponta de lança o fato de que

Deus deseja que todos sejam prósperos e saudáveis, mas também que para isso é preciso ser

um fiel dizimista e ofertante, ou seja que para receber as benesses de Deus é preciso em

primeiro lugar dar. Expressão clara de tal crença encontra-se na frase dita pelo pastor nos

relatos das reuniões na qual ele afirma que “quando se faz um desafio Deus é obrigado a se

manifestar”. Mas será que o fiel imbuído em tal mensagem está sendo apenas e totalmente

ludibriado para que entregue todo seu dinheiro? É apropriado retomar uma constatação de

Mauss em seus estudos ao declarar que apesar das dádivas serem voluntárias carregam certa

obrigatoriedade pelas conseqüências advindas do não cumprimento de tal comportamento

“voluntário”. De tal forma que pode-se perguntar, então, sobre a existência de uma simples

doação do fiel ou da existência de uma dádiva regida também, mesmo que religiosa, pelo

interesse não sendo apenas, assim, desinteressada. Não mostraria assim, tal prática religiosa,

claramente a noção de mercado e o vínculo de direito inerente ao ser humano em suas

relações e transações?

É relevante nesse ponto ressaltar ainda a fala do pastor ao declarar que uma mulher

que deu como oferta os dez mil reais que tinha no banco teria sido curada de tumores na

cabeça. Essa mulher doente como afirma o pastor havia escutado o anúncio da igreja na rádio

e foi participar de uma reunião. Assim, pode-se observar a noção de troca e interesse implícita

na conclusão do pastor ao dizer que a “fé que muda a vida de uma pessoa é a fé do sacrifício”

e ainda ao completar esclarece que para se melhorar de vida tem-se que fazer muito mais do

que ofertar e dizimar e sim sacrificar. Ou seja, para receber o que se deseja é preciso entregar

algo de muito valor, algo que custe um sacrifício. Diante disso pode-se perguntar se a

estrutura de tal mensagem e seus divulgadores expressa simplesmente o desejo de obter lucros

com o objetivo primeiro de enganar as pessoas. Percebe-se que é possível, no entanto,

conjecturar outras possibilidades sendo que uma delas, embasada na teoria de Mauss, pode ser

a de que os fiéis estão cientes “das leis do jogo”, ou seja, dão também por interesse e não

simplesmente porque são inocentes e enganados que não estão cientes do mercado que rege

tal relação religiosa. Dessa forma, talvez seja possível apenas a constatação, em tal prática

religiosa analisada, de busca de sentido para a vida.

Uma palavra interessante está na afirmativa do pastor sobre o milagre recebido por tal

mulher citada acima. Ele pergunta a todos os participantes da reunião sobre quem teria

honrado a mulher concedendo-a o que desejava. Ao que todos respondem apontando para

Deus o pastor diz que estão equivocados afirmando que quem honrou a vida da mulher foi o

seu sacrifício. Pode-se equiparar essa fala do pastor à explicação de Mauss sobre o retorno de

91

algo oferecido quando fala do “espírito da coisa dada”. Mauss esclarece que o que cria uma

obrigação no ato de presentear é o fato de que a coisa recebida não é inerte. Mesmo após a

doação, ela ainda pertence ao doador. Mauss explica o que chama de idéia-chave que parece

presidir na circulação obrigatória de riquezas, tributos e dádivas esclarecendo a natureza do

vínculo jurídico criado pela transmissão de uma coisa. No direito maori o vínculo de direito,

vínculo pelas coisas, é um vínculo de almas, pois a própria coisa tem uma alma, é alma.

Portanto, presentear alguma coisa a alguém é presentear alguma coisa de si. Como o pastor

disse que quem honrou, deu a mulher o que ela precisava foi o seu sacrifício, o que expressa

de certa forma o poder ou a não inércia da coisa dada.

Mauss constata que mesmo com a aparência de livre e gratuita as formas de trocas nas

sociedades primitivas na verdade converge-se em uma imposição e num interesse. Assim

como sutilmente se percebe um condicionamento e imposição na fala do pastor ao ressaltar a

importância de se dar o dízimo e a oferta para a obtenção da prosperidade. Ou seja, à

semelhança de tal constatação pode-se perguntar se esse sistema de troca proposta pelo

neopentecostalismo não evidencia claramente essa relação de troca por interesse debaixo de

uma aparência também de uma relação livre e gratuita. Num olhar superficialista, como de

alguns pesquisadores que antecederam Mauss que afirmavam relações de troca sem noção de

mercado pelos povos primitivos pesquisados, pode-se também pensar que há pessoas

totalmente ingênuas e levadas pelas teologias promulgadas. Mas como Mauss afirma sobre

tais povos, não se pode afirmar que todos não estão ali buscando seus interesses? Torna-se

uma hipótese a consideração de que o fiel possa entrar nesse sistema de troca como uma

imposição pelo seu interesse de obter o retorno.

Tal hipótese se fundamenta na afirmação de Mauss quando explica que as dádivas

circulam com a certeza de que serão retribuídas, tendo como “segurança” a virtude da coisa

dada, que contém em si própria tal “segurança”. Para ele em toda sociedade possível, a dádiva

tem por natureza criar uma obrigação a prazo. A dádiva acarreta, assim, necessariamente a

noção de crédito. Parece ser também o que acarreta as dádivas religiosas neopentecostais.

É também relevante nessa análise considerar que Mauss afirma que as relações de

trocas dos povos por ele estudados mesmo tomando a forma de presente ofertado

generosamente, no gesto que acompanha a transação há ficção, formalismo e mentira social.

Isso por haver no fundo obrigação e interesse econômico. Assim também, parece ficar

evidente, que tais ofertas dadas generosamente a Deus têm no fundo a expressão de um

caráter obrigatório e interessado. A fala de um fiel ao responder a indagação do pastor sobre

92

como está depois que começou a fazer os votos é aqui apropriada, pois afirma que quando

entrou para a IURD e começou a fazer os votos sua vida prosperou.

Sob tais indagações hipotéticas, vale ainda lembrar que para Mauss os fenômenos de

troca e contrato em tais sociedades primitivas não são destituídos de mercado afirmando ainda

que o mercado é um fenômeno humano. Sob essa consideração pode-se perguntar se também

as propostas de entrega e recebimento neopentecostais não seriam ao invés de destituídas de

mercado totalmente movidas por esse fenômeno humano. Assim não seria socialmente até

mesmo mais compreendido o uso utilitarista da bíblia na consideração de que o mercado é um

fenômeno humano e por isso tende-se a relacionar e viver nessa perspectiva de trocas?

Pode-se observar a ocorrência de tais constatações claramente por meio da fala do

pastor que ao perguntar aos fiéis o motivo de estarem na reunião responde que é o de

ganharem seu primeiro milhão. Para tanto, o pregador ao evidenciar que para colher dinheiro

é preciso semear dinheiro, usando um texto da bíblia que fala literalmente de jardim e não de

dinheiro, usa claramente os princípios de troca do mercado. Assim na conclusão da fala para

alcançar o primeiro milhão é preciso fazer uma oferta de desafio. Se quiser dinheiro é preciso

dar dinheiro. Pode-se perguntar se não seria como uma troca de mercado, um fenômeno

humano que se evidencia também na prática religiosa.

Mais uma vez o motivo de uma pessoa receber algo é evidenciado quando o bispo declara em

oração que todos que aceitam entrar numa oferta de desafio vão receber não porque não têm

pecados, mas sim porque estão dando. Quando o bispo diz mencionar um texto da bíblia que

fala que a medida que uma pessoa se achega a Deus ele também se achega a ela, observa-se

na sua interpretação a ênfase na relação de troca, pois afirma que é através do desafio de fé

(da oferta) que os fiéis ofertantes se achegam a Deus no aguardo de que ele cumpra a sua

parte. Interessante aqui é rever uma afirmação de Mauss em seu estudo sobre a crença de que

é aos deuses que é preciso comprar, pois são eles que sabem retribuir o preço das coisas:

“Enquanto a noção de compra parece muito pouco desenvolvida no costume civil e comercial

dos toradja, a desta compra aos espíritos e aos deuses é, ao contrário, perfeitamente

constante”.

Por outro, em certa medida, observa-se nos relatos de Mauss e das reuniões religiosas

certa subversão diante dos princípios do mercado considerado um fenômeno humano. O

mercado estabelece parâmetros nas relações de trocas, mas não concebe o que se pode

mencionar como perda de dinheiro. Dar dinheiro na igreja para Deus não seria subversivo

diante das leis do mercado pautadas principalmente no interesse da retribuição?

93

Mas sobre isso se pode ressaltar a semelhança nos relatos de Mauss onde salienta que

nas tribos estudadas que o notável é o princípio da rivalidade e do antagonismo que domina

todas as práticas de trocas. Em tais tribos observa-se, o que ele denomina de destruição

suntuosa de riquezas por intermédio dos chefes, pois há destruição de riquezas acumuladas

para eclipsar o chefe rival. Nesse gênero de instituições que Mauss chama de potlatch a

obrigação de dar é a essência, gastar, distribuir. Assim, um elemento presente nessas relações

de troca é o da destruição, pelo meio do qual rivalizam-se por presentes, por bodas, por meros

convites tendo como obrigação a retribuição. Pode-se indagar sobre a possibilidade de um

paralelo entre essa destruição de riquezas citada por Mauss bem como as ofertas entregues a

Deus nas igrejas neopentecostais. Parece um tanto quanto subversivo a idéia de destruir,

gastar, como se isso fosse diante dos princípios do mercado um ato insano de rasgar dinheiro.

Sob esse aspecto é que se torna incompreensível o fato de fiéis necessitados consumirem

muitas vezes tudo que têm numa espécie de rito como o do potlatch onde a riqueza é

destruída.

O fato de o pastor desafiar pessoas a darem ofertas até mesmo com valores

previamente determinado dizendo ainda para o fiel que mesmo que seja o único dinheiro que

tenha na carteira orientando-o a vencer a voz que o diz para não dar, parece expressar também

ambiguamente uma relação de troca, por subverter ao mesmo tempo a lei do mercado.

Sobre esse aspecto especificamente, pode-se ater ao que Mauss salienta quando diz

que um dos primeiros grupos de seres com os quais os homens tiveram que contratar e que,

por definição, ali estavam para contratar com eles foi, antes de tudo, o dos espíritos dos

mortos e os deuses.

Com efeito, são eles os verdadeiros proprietários das coisas e dos bens do mundo.

Era com eles que era mais necessário trocar e mais perigoso não trocar.

Inversamente, porém, era com eles que era mais fácil e mais seguro trocar. A

destruição sacrificial tem precisamente por fim ser uma doação que seja

necessariamente retribuída. (MAUSS, 1974, p. 63).

Dessa forma, Mauss, considera que a destruição suntuosa não é apenas para manifestar

poderio e riqueza, mas também para sacrificar aos espíritos e aos deuses, confundidos com

suas encarnações vivas, os portadores de seus títulos. Dessas análises e afirmações não se

pode dizer que os desafios financeiros entabulados no neopentecostalismo não seriam também

como uma destruição sacrificial, onde primeiramente se subverte a lei do mercado esperando

mesmo assim o retorno também pautado nesse mesmo fenômeno do mercado?

94

Bem como, se vê no testemunho mencionado pelo pastor da mulher doente que fez um

voto e deu na igreja os únicos dez mil reais que tinha no banco. Mais e mais o desafio de dar o

dinheiro na igreja cresce e a lei do mercado que racionalmente se escandaliza com a “queima”

de dinheiro se obscurece no desafio do pastor ao orientar os fiéis a declararem que em breve

terão altos valores, mais relevantes do que a soma dada na ocasião, para entregarem como

oferta na igreja.

Essa subversão da razão mercadológica é denominada no que o pastor desafia aos fiéis

a fazerem: uma oferta de fé. Nessa lógica subversiva a responsabilidade da prosperidade, da

obtenção de dinheiro não está em se fazer bons negócios ou guardar o dinheiro ou aplicá-lo,

mas antes é de Deus, como expressa a fala do bispo que orienta aos fiéis a darem tudo o que

tem fazendo prova de Deus, dizendo que dessa forma a responsabilidade passa para as mãos

de Deus.

Assim, com as mesmas palavras de Mauss pode-se analisar o neopentecostalismo

quando ele diz que o princípio de antagonismo e rivalidade estabelece tudo provocando

verdadeiras devastações, onde em certos números de casos não se trata sequer de dar e

retribuir, porém de destruir.

Esses desafios de fé constantes são enfatizados como meio de se obter a prosperidade

financeira, ainda que seja de forma incompreensiva mercadologicamente, pois como

observado o pastor chama as pessoas a fazerem tais desafios esclarecendo que não é

simplesmente uma oferta. Propõe que se dê algo que não poderia dar, não se tem condição de

dar, ou então que se dê tudo o que tem, como declara o desafiante. Dar tudo que se tem, não

seria uma destruição de riqueza, subversão demais dos princípios do mercado, fenômeno

humano? Parece que há certo processo de subversão para depois de submissão no passo

seguinte do interesse e obrigação que movem a crença no retorno certo.

95

5. CONCLUSÃO

O neopentecostalismo parece inaugurar uma nova maneira de entender e se apropriar

do texto sagrado. Sua teologia central marcadamente formulada pela ênfase na prosperidade,

exorcismo e cura, é baseada numa leitura bíblica que se adéqüe a esse discurso utilitarista.

Esse discurso encharcado de emocionalismo, o qual parece realmente banir a razão,

demonstra-se imediatista e totalmente espiritualizante. Não considerando métodos científicos

para a interpretação de textos de uma época tão remota, de cultura distinta parece demonstrar

ênfase apenas numa leitura bíblica utilitarista do que em de fato interpretar o texto sagrado.

A questão coloca-se na problemática da interpretação do texto bíblico num discurso

com as características do neopentecostalismo o qual se distancia da ciência e da razão,

demonstrando-se imediatista e espiritualizante. Não considerando métodos científicos para a

interpretação de textos de uma época tão remota, de cultura distinta parece demonstrar ênfase

apenas numa leitura bíblica utilitarista a qual serve-se da bíblia para legitimar sua ideologia

mesmo incorrendo em um profundo anacronismo. Nesse discurso que transmite uma

mensagem subjetiva e individualista se visualiza uma leitura utilitarista, pois a ênfase não é

tanto servir a Deus, mas sim servir-se de Deus.

Fica assim evidente o paralelo entre a análise de Mauss e suas constatações entre

também os relatos de reuniões neopentecostais. Tornado, dessa forma, possível apontar para

um uso claramente utilitarista do texto sagrado a fim de perpassar, legitimar e propiciar

teologias embasadas em relações de trocas que não parecem em nada livres e gratuitas, antes

obrigatórias e interessadas. Parece nítido o aspecto do interesse por meio das dádivas que

colocam sobre Deus o que Mauss chama de dádiva nas costas, ou seja, uma dívida para com

tal ofertante. Se é por um interesse que se dá, e até esses rituais religiosos são embebidos da

noção de mercado por ser esse um fenômeno humano, também é por interesse nesse meio de

uma teologia da prosperidade que se usa a bíblia a fim de obter dela também um retorno.

Retorno esse que propicie um respaldo mítico para rituais de trocas configurando um

ambiente totalmente regido pelas leis do mercado.

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