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1 Uma análise de Module 3 de Alva Noto usando a tipo-morfologia de Pierre Schaeffer Robert Anthony do Amaral Oliveira Universidade Federal de Juiz de Fora [email protected] Resumo: O objetivo desse artigo é analisar o album Transform, realizado por Alva Noto sob o contexto tipo-morfológico de Pierre Schaeffer, descrito em seu Tratado dos Objetos Musicais. Palavras-chave: 1. Prelúdio O século XX demarcou um percurso de grande expansão de possibilidades sonoras e musicais. Logo no seu início alguns compositores já buscavam ampliar tais possibilidades em suas composições, seja nas massas orquestrais de Stravinsky, nas percussões e nos acordes distorcidos de Varèse ou no piano preparado de Cage” (IAZZETTA, 2009). Posteriormente, a popularização da gravação fonográfica, as manipulações com a fita magnética, bem como a síntese sonora, ajudaram a expandir ainda mais as possibilidades composicionais e abriu um leque quase infinito de combinações sonoras. Finalmente, já no final do século, com o advento da computação, a gravação digital e a elaboração de softwares especializados em edição musical, todo o universo sonoro pôde ser capturado e consecutivamente manipulado de forma a ser usado na criação artística. Culminando no que Cascone denomina uma fase “pós-digital” de criação musical (CASCONE, 2001), no qual, os distúrbios, os erros e as falhas dos próprios dispositivos eletrônicos são usados como material sonoro, (IAZZETTA, 2009) surgem, deste meio, diversos gêneros relacionados à música eletrônica pop, dita dance music. Um desses gêneros denomina-se glitch 1 music, que, resumidamente, é um gênero onde utiliza-se de falhas 2 (falhas de sistemas, dispositivos, aparatos digitais, e também, falhas relacionadas à gravação 1 Segundo Gazana: “glitch é definido como um resultado inesperado de um mau funcionamento, um erro, um defeito, uma falha. Está associado à definição de problema, sendo usada para definir uma situação de quando algo errado acontece, um resultado imperfeito” (GAZANA, 2013, p. 83) 2 Fernandes argumenta que “o estado do erro existe apenas em função do interesse humano no dispositivo, isto é, de sua função”. (cf. FERNANDES, 2010, p. 8) Ou seja, o erro, ou a falha, é um desvio daquilo que contamos, ou esperamos, que seja o estado de funcionamento normal de um determinado aparato tecnológico.

Uma Análise Do Álbum Transform de Alva Noto Usando a Tipo

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Uma Análise Do Álbum Transform de Alva Noto Usando a Tipo

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    Uma anlise de Module 3 de Alva Noto usando a tipo-morfologia de Pierre

    Schaeffer

    Robert Anthony do Amaral Oliveira

    Universidade Federal de Juiz de Fora

    [email protected]

    Resumo: O objetivo desse artigo analisar o album Transform, realizado por Alva Noto sob o contexto tipo-morfolgico de Pierre Schaeffer, descrito em seu Tratado dos Objetos Musicais.

    Palavras-chave:

    1. Preldio

    O sculo XX demarcou um percurso de grande expanso de possibilidades

    sonoras e musicais. Logo no seu incio alguns compositores j buscavam ampliar tais

    possibilidades em suas composies, seja nas massas orquestrais de Stravinsky, nas

    percusses e nos acordes distorcidos de Varse ou no piano preparado de Cage (IAZZETTA,

    2009). Posteriormente, a popularizao da gravao fonogrfica, as manipulaes com a fita

    magntica, bem como a sntese sonora, ajudaram a expandir ainda mais as possibilidades

    composicionais e abriu um leque quase infinito de combinaes sonoras. Finalmente, j no

    final do sculo, com o advento da computao, a gravao digital e a elaborao de softwares

    especializados em edio musical, todo o universo sonoro pde ser capturado e

    consecutivamente manipulado de forma a ser usado na criao artstica.

    Culminando no que Cascone denomina uma fase ps-digital de criao musical

    (CASCONE, 2001), no qual, os distrbios, os erros e as falhas dos prprios dispositivos

    eletrnicos so usados como material sonoro, (IAZZETTA, 2009) surgem, deste meio,

    diversos gneros relacionados msica eletrnica pop, dita dance music. Um desses gneros

    denomina-se glitch1 music, que, resumidamente, um gnero onde utiliza-se de falhas

    2

    (falhas de sistemas, dispositivos, aparatos digitais, e tambm, falhas relacionadas gravao

    1 Segundo Gazana: glitch definido como um resultado inesperado de um mau funcionamento, um erro, um

    defeito, uma falha. Est associado definio de problema, sendo usada para definir uma situao de quando

    algo errado acontece, um resultado imperfeito (GAZANA, 2013, p. 83) 2 Fernandes argumenta que o estado do erro existe apenas em funo do interesse humano no dispositivo, isto ,

    de sua funo. (cf. FERNANDES, 2010, p. 8) Ou seja, o erro, ou a falha, um desvio daquilo que contamos, ou esperamos, que seja o estado de funcionamento normal de um determinado aparato tecnolgico.

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    digital, tais como, clipping3, quantization noise

    4, para citar apenas algumas), para gerar

    material sonoro e musical.

    Dentre os autores de glitch music encontra-se o artista visual e compositor alemo

    Castern Nicolai, ou Alva Noto, como conhecido, tambm co-fundador do

    Noton/Rastermusic, um selo alemo especiazado em musica digital inovadoras (CASCONE,

    2001). Seu segundo lbum, intitulado Transform, lanado no primeiro ano do sculo XXI,

    2001, est imerso nessa prtica de composio baseada nas falhas e tambm nas

    possibilidades que a gravao digital, os softwares de edio e a sintese sonora propiciam.

    Module 3, terceira faixa do lbum Transform, a obra que analisaremos no presente trabalho.

    Diante de todo o arcabouo sonoro/musical desenvolvido ao longo do sculo XX,

    as ferramentas de anlise da msica do perodo da prtica comum5 se tornaram incompatveis

    com as novas abordagens musicais do sculo. O advento do atonalismo livre, o

    dodecafonismo, o serialismo, originados no incio do sculo, fez necessrio novas teorias que

    permitissem uma viso analtica que se adequasse s novas perpectivas composicionais. No

    obstante, j na metade do sculo XX, o alargamento das possibilidades sonoras

    proporcionadas pela introduo de sons gravados, ou sinteticamente criados, nas prticas

    composicionais, revelou a necessidade de uma nova teoria que abragesse o crescente

    repertrio sonoro. Todo, e qualquer som, poderia ser gravado, em fitas magnticas ou no

    disco, posteriormente recortado, separado e recombinado com outros sons anteriormente

    selecionados. A gravao favoreceu uma escuta onde podemos reouvir quantas vezes for

    necessrio o material gravado.

    Pierre Schaeffer, engenheiro por necessidade, escritor por vocao, compositor

    por acaso (PALOMBINI apub Bayle, org. 1990), francs, nascido em 1910, foi o

    responsvel por trazer a tona a prtica composicional com o material sonoro gravado. essa

    prtica cunhou de musique concrte. Carlos Palombini nos d uma viso:

    Descobrindo corpos sonoros e maneiras de coloc-los em vibrao, gravando os

    sons obtidos, manipulando estas gravaes, escutando-as e experimentando

    3 Clipping: um distoro sonora causada pela amplificao de sinal acima da capacidade mxima do aparato;

    4 Quatization noise: Quando feita a amostragem do sinal, o valor medido aproximado (quantizado) para o

    patamar mais prximo na escala de amplitude gerando pequenos desvios em relao ao valor do sinal original.

    Esses desvios, chamados erros de quantizao modificam o sinal original introduzindo rudo nas frequncias

    mais altas. Pode-se minimizar os erros de quantizao com o aumento da resoluo em bits. (IAZZETTA, disponvel em: acesso em 29 de jun.

    de 2014) 5 Pesquisar referencia sobre pratica comum

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    estruturaes, a msica concreta se moveria do concreto sonoro ao abstrato musical.

    Schaeffer preconizava uma fertilizao cruzada de procedimentos. la recherche

    dune musique concrte (Schaeffer 1952) expandiu a narrativa, props novas

    teorizaes e esboou um lxico operacional. Estabelecer um novo domnio sonoro

    no limiar da msica ou enxertar os novos sons nas velhas formas musicais? Olivier

    Messiaen, Henry Michaux e Claude Lvi-Strauss incitavam Schaeffer a romper com

    o passado. (PALOMBINI, 1999)

    A pesquisa de Schaeffer iniciou-se e desenvolveu-se entre as dcadas de 1930 e 1960 e aps

    quinze anos de estudo seu Trait des objets musicaux: essai interdisciplines (1966) foi

    publicado. Em seu tratato Schaeffer:

    realiza um estudo sistemtico sobre a escuta acreditando estar descrevendo todas as

    formas de atuao da escuta humana bem como da escuta aplicada ao fazer musical,

    [...] tornou-se tambm uma obra terica referencial para o estudo de estticas

    musicais que tm como base a percepo para a construo musical.. (MARINI,

    2009)

    Portanto, o objetivo desse artigo analisar a faixa Module 3, do lbum Transform

    (2001) realizado por Alva Noto sob o contexto tipo-morfolgico de Pierre Schaeffer, descrito

    em seu Tratado dos Objetos Musicais6. Para uma melhor apreenso da teoria schaefferiana foi

    usado o Guia dos Objetos Sonoros7 escrito por Michel Chion com o intuito de organizar e

    facilitar a compreenso do TOM8. Decidimos, ainda neste artigo, antes de apresentar a

    anlise, realizar uma breve descrio da tipo-morfologia apresentados por Schaeffer.

    2. A tipo-morfologia

    No TOM, Schaeffer nos apresenta as noes sobre a escuta reduzida e objeto

    sonoro. Escuta reduzida o ato de escutar o som por si s, [...] removendo seu significado e

    origem, suposta ou real, que este pode transmitir. (CHION, 1983) Pela escuta reduzida

    podemos identificar o objeto sonoro, que todo evento ou fenmeno sonoro percebido como

    um todo, independente de sua origem ou de seu significado (CHION, 1983). A tipo-

    morfologia, que Schaeffer criou com fins musicais, para analisar os sons que fariam parte de

    uma nova msica, da msica experimental, no mais regida pelas leis do solfejo tradicional

    (HOLMES, 2008), portanto, descreve e classifica tais objetos sonoros.

    6 Trait des objets musicaux. (SCHAEFFER, 1966)

    7 Guide des objets sonores. Pierre Schaeffer et la recherche musicale, (CHION, 1983)

    8 Usaremos adiante a sigla TOM para se referir ao Tratado dos Objetos Musicais.

  • 4

    A base da classificao tipolgica formada por trs pares de critrios:

    massa/fatura, durao/variao e equilbrio/originalidade.

    O primeiro critrio classifica os objetos sonoros de acordo com sua altura, isto ,

    sua massa, e como ela se comporta no tempo, ou seja, sua forma (fatura). Quanto massa

    podemos classifica-la em quatro tipos: massa tnica (N)9, para sons de altura definida fixa;

    massa complexa (X), para sons de altura no definida fixa; massa variada (Y), para sons com

    pouca variao, podendo ser combinados, tais como, massa tnica variada ou massa complexa

    variada (os sons do tipo X, N, Y compom o grupo dos sons equilibrados); e, por ltimo,

    massa de variao indeterminada, ou variao imprevisvel (A, K, E, ,W, P e T)10. Quanto

    fatura classificamos em trs tipos: os sons de fatura contnua; os sons de fatura pontual () e

    sons de fatura iterativa(), que so sons pronlogados pela repetio de sons pontuais.

    (CHION, 1983)

    Schaeffer nos apresenta um quadro resumido sobre os objetos dos tipo N, X e Y e

    suas relaes com o critrio de massa/fatura:

    contnua pontual iterativa

    tnica N N N

    complexa X X X

    variada Y Y Y

    Os sons do tipo amostra (E), trama (T), nota larga (W), fragmento (), clula

    (K), pedal (P) e acumulao (A) compem o grupo dos sons excntricos. Os sons do tipo

    so formados por um fragmento de sons do tipo N, X e Y. Pela iterao dos sons do tipo

    obtemos os sons do tipo K, por outro lado, atravs do contnuo formado por sons obtemos

    os sons do tipo W. Os sons do tipo P so formados pelo loop mecnico de sons do tipo K,

    formando um ostinato11

    . A sobreposio de sons do tipo W, ou seja, sobreposio de sons de

    durao prolongada, resulta em sons do tipo T. Nas extremidades, finalmente, temos os sons

    do tipo E, que so sons prolongados, contnuos porm disordenados e os sons do tipo A, que

    so sons de durao prolongada caracterizado pela acumulao disordenada de micro-sons

    9 Pierre Schaeffer atribui para cada classificao uma letra ou smbolo, que ser apresentada aqui entre

    parenteses. 10

    Sero abordados adiante. 11

    Um ostinato um motivo ou frase musical que persistentemente repetido.

    Critrio de fatura

    Cri

    tri

    o d

    e m

    ass

    a

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    fundidos pela sua similaridade de fatura. (CHION, 1983) Os sons do tipo E e A podem

    apresentar classificaes quando a sua massa, por exemplo: Ex, amostra com massa

    relativamente fixada e complexa; Ay, acumulao com massa relativamente fixada e variada.

    Para visualizarmos melhor os sons de massa imprevisvel fizemos um recorte do

    diagrama TARTYP:

    fatura

    imprevisvel

    fatura

    nula

    contnuo

    formado impulso

    iterao

    formada

    fatura

    nula

    fatura

    imprevisvel

    E T W K P A

    sons prolongados sons iterativos

    Portanto, vimos as classificaes dos sons do tipo equilibrados (N, X,Y), as

    classificaes dos sons excentricos (E, T, W, , K, P e A), e finalmente, os sons do tipo

    redundantes, que so os sons do tipo homogneos (H e Z) e os sons do tipo sirene ()12. Os

    sons do tipo H so sons homogneos contnuos que permanecem inalterados por toda sua

    durao. Os do tipo Z so sons homogneos iterativos. Tambm podem ser classificados

    quanto sua massa (N, X): Hn, Hx, Zn, Zx. Os sons do tipo so caracterizados pela lenta

    variao continua em sua tessitura, pode ser considerado como um alongamento de tempo do

    som balanceado Y. (CHION, 1983).

    O segundo par de critrio tipolgico, durao/variao, trata-se do fator temporal.

    Diferentemente de fatura, durao e variao aqui est relacionada com a velocidade e como o

    objeto sonoro experenciado fisiologicamente. Podemos distingui-los tendo duraes curtas,

    mdias ou extendidas e variaes nulas, razoveis ou imprevisveis (CHION, 1983).

    O terceiro par, equilbrio/originalidade se refere dimenso estrutural do objeto.

    Marini nos apresenta:

    sons equilibrados, segundo Schaeffer, so aqueles que guardam em comum a

    apresentao de uma boa forma, isto , de serem bem soldados, por uma inegvel

    unidade de fatura, correspondendo a um tempo timo de memorizao do ouvido

    (Schaeffer, 1993, p. 351). A originalidade se relaciona com o grau de complexidade

    de um objeto sonoro. Quanto mais varivel for sua massa, maior ser sua

    originalidade. (MARINI, 2009)

    12

    Note o trao acima do Y:

  • 6

    No TARTYP, diagrama sumrio sobre a tipologia, os objetos equilibrados, so postos

    ao centro, seguidos em cada lado pelos sons redundantes, e finalmente, nas extremidades os

    sons excentricos.

    O diagrama sumrio da tipologia TARTYP nos ajuda a ter uma visualizao completa:

    Durao no mensurada

    (macro-objetos)sem

    unidade temporal

    Durao mensurada

    unidade temporal Durao no mensurada

    (macro-objetos)sem

    unidade temporal

    Fatura

    imprevisvel Fatura nula

    Durao reduzida

    micro objetos

    Fatura

    imprevisvel Fatura nula

    altura definida

    Am

    ost

    ras

    (En) Hn

    contnuo

    formado impulso

    iterao

    formada Zn

    Acu

    mu

    la

    es (An)

    massa fixa N N N

    complexa (Ex) Hx X X X Zx (Ax)

    massa variada (Ey) Tn

    Ty trama especial

    Y Y Y Zy pedal especial

    (Ay)

    variao de

    massa

    indeterminada E exemplo geral

    T exemplo geral

    W

    K P exemplo geral

    A exemplo geral

    sons prolongados sons iterativos

    TARTYP: Extrado do Guia dos Objetos Musicais (CHION, 1983)

    Para uma descrio morfolgica Pierre Schaeffer nos apresenta sete critrios, que

    podem ser organizados em 1) massa, 2) timbre harmnico (critrios de matria), 3) gro, 4)

    allure (critrios de sustentao), 5) dinmica (critrio de forma), 6) perfil meldico e 7) perfil

    de massa (critrios de variao). Dentre os sete abordaremos, neste trabalho, sobre os critrios

    de massa, ataque, gro e allure.

    O critrio de massa o modo como o som ocupa o campo das alturas. Dentre as

    classificaes apresentadas pelo o autor destacamos as classificaes de acordo com o seu

    tipo (massa tnica, complexa, varivel ou indeterminada, j citados na tipologia); sua classe,

    podendo ser 1) som puro, 2) tnico, 3) grupo tnico, 4) som canalizado, 5) grupo nodal, 6)

    som nodal e 7) rudo branco13

    ; e, sua espcie, sendo sua localizao no campo das alturas

    13

    As classes 1 e 7, so sons artificiais, realizados eletronicamente (senodes, rudos); a classes 2 representa uma

    massa de altura definida, a classe 3 consiste de um aglomerado de sons da classe 2; a classe 6 representa uma

    Unidade Causal Causas mltiplas mas semelhantes

  • 7

    (super grave, muito grave,grave, mezzo grave, diapaso, mezzo agudo, agudo, muito agudo e

    super agudo) e seu calibre, distinguindo quo denso sua massa no ambito da frequncia

    (muito estreita, estreita, medium, densa, muito densa, etc.).

    O critrio de ataque aparece para caracterizar o incio do objeto e esto

    compreendidos em trs fases (ataque, corpo e queda14

    ). So sete os tipos de ataque

    apresentados por Schaeffer: 1) abruto, 2) slido, 3) suave, 4) plano, 5) delicado, 6) acentuado

    e 7) nulo.

    Os dois critrios de sustentao, para finalizar nossa explicao sobre a tipo-

    morfologia, gro e allure, definem como o som se comporta em sua durao: o critrio do

    gro conecta-se a uma percepo das microirregularidades da sustentao de um som,

    (suas microestruturas dinmicas), enquanto que o do allure nos remete a um detalhe do

    perfi (meldico, dinmico, os tipos de ataques) (FENERICH, 2012) Sendo assim, Schaeffer

    distingue o gro em trs tipos: granulao ressonante, que so sons sustentados pela sua

    ressonancia; granulao friccionada, que so sons causados pela frico de um agente

    sustentado e sustentao iterativa, sons sustentados pela iterao. Os trs tipo so, por sua

    vez, combinados com outras nove classes: trmula, cintilante e lmpida para granulao

    ressonante; spera, fosca e lisa para granulao friccionada; e spera, mdia e fina para

    granulao iterativa. Quanto ao allure, segundo Chion, descreve a oscilao, a flutuao

    caracteristica de certos objetos sonoros (CHION, 1983). Dentre as classificaes

    apresentadas por Schaeffer, destacamos os trs tipos de allure e as trs classes: os trs tipos

    so 1) os de regularidade mecnica; 2) os de periodicidade flexvel, revelando um agente

    vivo (homem) e 3) os de irregularidade imprevisveis (fenmeno natural) (CHION, 1983).

    As trs classes so: 1) ordenadas, 2) flutuantes e 3) desordenadas.

    3. Module 3: anlise tipo-morfolgica

    Aps a abordagem sobre a tipo-morfologia de Schaeffer, trataremos sobre a obra

    Module 3, de Alva Noto. Module 3 a terceira faixa do lbum Transform (2001) e possui um

    tempo total de 1009. De um modo geral podemos notar que os sons utilizados por Noto so

    em sua totalidade oriundos de sintese sonora, ou seja, criados atravs, neste caso, de um

    computador.

    massa formada por um aglomerado no qual sua altura no localizvel, a classe 5 representa um aglomerado de

    sons da classe 6; a classe 4 so sons que acontecem na natureza compostos por pelas classes 2, 3, 5 e 6. (CHION,

    1983) 14

    No original francs: attaque, corps, chute (CHION, 1983, p. 158)

  • 8

    Os elementos que compoe a msica vo sendo introduzidos pouco a pouco, sendo

    alguns deles postos em loop, permanecendo em um ritmo regular constante, e outros postos

    em ritmos no regulares.

    Chamaremos de seco 1, afim de melhor nos localizar, o perodo compreendido

    de 000 a 117. O inicio marcado por um fragmento (identificaremos como 1,

    fragmento 1) de som do tipo N de microdurao (0,11s), muito agudo e por um fragmento

    (2) do tipo N, agudo e muito longo ambos com um ataque plano (tambm chamado por

    Schaeffer de pseudo-ataque). Tal nota permanece por toda a msica interrompendo-se trs

    vezes por um curto perodo: sendo a primeira em 425 retornando aproximadamente em

    508 em um lento crescente, uma segunda interrupo em 550 retornando em 625 com

    um ataque plano e uma terceira vez em 728 retornando em um lento crescente

    aproximadamente em 815, finalizando em um lento descrecente.

    Ainda na seco 1, em 007 introduzido um fragmento (3) de tipo Kx, que

    iterado em ritmo irregular, sob um fragmento (4) de tipo X. Esses dois fragmentos (3 e 4)

    so oposto em relao sua sustentao: enquanto 3 apresenta uma caracteristica granular de

    sustentao iterativa, 4 apresenta uma caracteristica de allure regular mecnica ordenada. A

    partir de 014 dois novos materias so adicionados: um objeto do tipo Px (P1) de rpida

    iterao contraposto a um objeto de tipo Tn (T1)(trama de dois sons do tipo N, um grave e

    um agudo), um novo fragmento (5) do tipo N, grave, a partir de 056. O fragmento 5

    carrega, tambm, uma caracteristica granular friccionada. Neste momento, tanto o objeto P1

    quanto o Tn e o 5 aparecem em loop (o ritmo ser demonstrado adiante). O ltimo elemento

    adicionado na seco 1 um fragmento (6) do tipo N em 0034 muito agudo, que tambm

    aparece em loop, porm espaado.

    A seco 2, que compreende a faixa de tempo entre 118 a 426, marcada

    pela repetio dos elementos apresentados na seco 1 exceto pelos dois fragmentos 3 e 4 e

    a entrada de novos objetos que comporo o loop. No incio da seco 2 um outro objeto

    adicionado: um fragmento de tipo N (7), mezzo grave. At 138 os objetos P1, T1, 6, 7

    e 5, portanto compe o ritmo da seguinte forma:

  • 9

    Figura 1: composio do loop do incio da seco 2

    A partir de 138 dois objetos so adicionados: um objeto do tipo N, super agudo

    adicionado trama (T1) e um fragmento (8) de tipo Kx passa a compor o ritmo em loop

    aparecendo nos tempos 2 e 4.

    Aproximadamente em 150 um fragmento (9) do tipo N, na regio mdia,

    surge num lento crescendo. O ritmo em loop ento permanece sobre os dois fragmentos

    longos (2 e 9). Tanto 2 quanto 9 so sons do tipo senoidal com um allure ordenado

    frouxo, ou seja, lento.

    Ainda na seco 2, em 227 h uma pausa de quatro compassos onde permanece

    os objetos 2, 9 e 8 e introduzido um novo fragmento (10) do tipo N, muito grave com

    uma leve granulao friccionada. O loop ritmico retorna em 233 com o 10 aparecendo no

    tempo 4 de cada compasso. No final da seco 2, em 316, o objeto 8 do tipo Kx passa por

    uma iterao podendo ser chamado de um pedal (P) (figura 2). O ltimo objeto dessa seco

    surge em 337 um fragmento (11) do tipo Px, caractericado por uma granulao

    fricionada e um allure ordenado com oscilaes rpidas, com um ataque plano e uma lenta

    queda. A regio da massa super aguda. O fragmento repetido de quatro em quatro

    compassos iniciando-se no tempo 2.

    Figura 2 Loop ritmico do final da seco 2

    Delimitamos a seco 3 entre a faixa de tempo 426 e 626. No inicio da

    seco percebemos que o fragmentos 2, que permanecia constante, para, e o fragmento 11

    da lugar um fragmento 12 de caracterstica igual porm, numa regio mais grave, passando

    para uma regio aguda, sua queda tambm se torna mais lenta. Podemos reparar tambm que

    o objeto P1 retorna. Em 447 o objeto 11 retorna sobrepostos aos outros objetos, enquanto

    o objeto 2 retorna em um lento crescendo, neste momento no conseguimos identificar mais

    a presena do objeto P1, aparentemente mascarado pelos demais objetos. Em 550

    reparamos uma pausa dos objetos 2 9, 11, 5, 6 e 7. Consequentemente, h uma

  • 10

    simplificao no loop ritmico, restando apenas os objetos, T1 e 5 do loop, sobrepostos pelos

    fragmentos 3 e 4. O objeto 11 tambm reaparece, porm mais espaado.

    A ultima seco inicia-se em 625 e marcada pela acentuao da

    complexidade, tanto pelo nmero de elementos quanto pelo ritmo. Desta vez todos os objetos

    aparecem sobrepostos. O ltimo objeto diferente um fragmento (12) do tipo Wn,

    semelhante aos 2 e 9, porm grave. Este objeto (12) carrega uma certa ambiguidade,

    talvez por ser muito grave, podemos confundi-lo com um objeto do tipo P.

    A seco termina com os objetos sendo retirados pouco a pouco at no sobrarem

    mais elementos ritmicos. Restam, ento, os objetos 10, 11, 2 e 9 que tem uma queda

    lenta em direo ao fim.

    4. Consideraes finais

    Neste trabalho verificamos que a tipo-morfologia idealizada por Pierre Schaeffer

    nos oferece um rico material que nos habilita descrever com preciso os objetos sonoros

    usados nas msicas do genero glitch music. Observamos tambm que, Noto desenvolve sua

    msica, Module 3, com base na construo de loops e ritmos compostos de objetos que vo

    sendo introduzidos pouco a pouco, e ao longo da pea variados. Sendo estes ligados por sons

    de longa durao, transitando em momentos de maior ou menor complexidade sonora, ou

    ritmica.

    5. Referncias

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