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VINÍCIUS FERNANDES DA SILVA UMA ANÁLISE SOBRE A MOBILIDADE URBANA NA BAIXADA FLUMINENSE COMO CONTRIBUIÇÃO NA FORMULAÇÃO DE UMA SOCIOLOGIA DOS TRANSPORTES NO BRASIL - Em pé ou sentado? - Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós- Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional. Orientador Prof.Doutor Mauro Kleiman IPPUR/UFRJ. Rio de Janeiro 2014

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VINÍCIUS FERNANDES DA SILVA

UMA ANÁLISE SOBRE A MOBILIDADE URBANA NA BAIXADA FLUMINENSE COMO CONTRIBUIÇÃO NA

FORMULAÇÃO DE UMA SOCIOLOGIA DOS TRANSPORTES NO BRASIL

- Em pé ou sentado? -

Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós- Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional. Orientador Prof.Doutor Mauro Kleiman – IPPUR/UFRJ.

Rio de Janeiro

2014

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S586a Silva, Vinícius Fernandes da. Uma análise sobre a mobilidade urbana na Baixada Fluminense como contribuição na formulação de uma sociologia dos transportes no Brasil : em pé ou sentado? / Vinícius Fernandes da Silva. – 2014. 287 f. : il. color. ; 30 cm. Orientador: Mauro Kleiman. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2014. Bibliografia: f. 260-267. 1. Transporte urbano – Baixada Fluminense (RJ). 2. Mobilidade urbana – Baixada Fluminense (RJ). 3. Transportes - Baixada Fluminense (RJ). 4. Transportes - Aspectos sociológicos. 5. Baixada Fluminense (RJ). I. Kleiman, Mauro. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. III. Título. CDD: 388.4

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VINÍCIUS FERNANDES DA SILVA

UMA ANÁLISE SOBRE A MOBILIDADE URBANA NA BAIXADA FLUMINENSE COMO CONTRIBUIÇÃO NA

FORMULAÇÃO DE UMA SOCIOLOGIA DOS TRANSPORTES NO BRASIL

- Em pé ou sentado? - Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós- Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional.

Aprovado em: 27 de Fevereiro de 2014

BANCA EXAMINADORA

_________________________________ Prof. Dr. Mauro Kleiman - Orientador Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPPUR/UFRJ. _________________________________ Prof.ª Dr.ª Claudia Ribeiro Pfeiffer Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPPUR/UFRJ. _________________________________ Prof. Dr. Lenin dos Santos Pires Departamento de Segurança Pública da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense – UFF. _________________________________ Prof. Dr. Manoel Ricardo Simões Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – IFRJ/ Nilópolis. _________________________________ Dr.ª Márcia Oliveira Kauffmann Leivas Pesquisadora do Grupo CNPq de Pesquisa e Estudos de Hidrologia e Planejamento de Recursos Hídricos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - GRHIP / UERJ.

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Resumo

Este trabalho realiza uma análise crítica de obras baseadas no tema dos transportes

urbanos e da mobilidade urbana na Região Metropolitana do Estado do Rio de

Janeiro, mais especificamente entre a Baixada Fluminense e o município do Rio de

Janeiro, discutindo e propondo a construção de uma sociologia dos transportes ou

da mobilidade urbana. Através da observação de identidades e materialidades

territoriais formadas entre os municípios que formam a Região Metropolitana do

Estado do Rio de Janeiro, se buscará aprofundar o conhecimento multidisciplinar

nas práticas de como é o se “transportar” entre os habitantes da metrópole. A

análise tomará como base temporal o mundo contemporâneo, e a emergência do

tema da mobilidade urbana. Utilizando-se de fundamentação histórica para a

compreensão da produção das condições materiais e simbólicas atuais no que se

refere aos transportes urbanos e as respectivas políticas de mobilidade urbana.

Serão utilizados como fonte de pesquisa trabalhos acadêmicos de diferentes áreas

disciplinares que tratem de maneira multidimensional o tema dos transportes

urbanos, além de relatórios técnicos e publicações de entidades privadas e públicas

que reflitam estes serviços. Também serão utilizadas pesquisas realizadas com

usuários e moradores das regiões abordadas em relação às formas de vida pelo

transporte. A tese tem como proposta a formulação teórica para a construção de

uma sociologia dos transportes no Brasil, utilizando como exemplo para a análise as

condições dos deslocamentos urbanos realizados entre Baixada Fluminense e Rio

de Janeiro.

Palavras-Chave: Sociologia dos Transportes. Sociologia da Mobilidade Urbana.

Transporte urbano. Mobilidade. Identidades territoriais. Baixada Fluminense. Rio de

Janeiro. Hierarquias territoriais.

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Abstract

This thesis do a critical analysis of works based on the issue of urban transportation

and mobility in the Rio de Janeiro Metropolitan area, specifically between the

Baixada Fluminense region and City Rio de Janeiro, discussing and suggesting the

building of a transportation sociology or urban mobility sociology. By observing

territorial identities and materiality formed between the municipalities that constitute

the Metropolitan area of the State of Rio de Janeiro, it seeks to deepen the

multidisciplinary knowledge about the reality of transportation for the inhabitants of

the metropolis. This analysis is focused on the present time and the growth of the

discussion about urban mobility, using a historical foundation to comprehend the

emergence of the current material and symbolical conditions of urban ways of

transportation and their respective politics of urban mobility. Some of the sources

used in the research include academic theses from a different range of disciplines,

which approach this subject from different points of view, as well as technical reports

and publications from private and public entities responsible for these services.

Interviews* with local users and area residents regarding the way of life,

transportation-wise, will also be used as a source of research. The thesis’ goal is to

make a theoretical formulation of the construction of a transportation sociology in

Brazil, using as a means to the analysis the condition of urban movement between

the Baixada Fluminense region and the City Rio de Janeiro.

Keywords: Transportation sociology. Urban mobility sociology. Urban transportation.

Mobility. Territorial identities. Baixada Fluminense. Rio de Janeiro. Territorial

hierarchies.

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Dedico este trabalho a meus avós e que não mais estão. Nelsa, Tuninho, Lilia e

Trajano vejam até onde chegamos... Obrigado e saudades.

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AGRADECIMENTOS Ao corpo docente e administrativo do IPPUR/UFRJ. A toda minha família materna e paterna, aos que estão e aos que já se foram. Às famílias Lemos e Oliveira, que me aceitaram em seus corações. Aos meus amigos do coração e da alma, eles sabem quem são. Aos colegas de trabalho e de estudos. Aos meus alunos, pois sempre aprendo a aprender com eles. À Nádia, Francisco, Augusto e Álvaro, sempre digo e repito, tudo que faço em minha vida é pensando em vocês. Um dos valores mais importantes que considero ter aprendido com meus pais e minha família é a gratidão. E de maneira muito sucinta e sincera irei agradecer a três pessoas que, talvez mesmo sem saber, ou sabendo, foram simplesmente fundamentais para que este trabalho chegasse à sua conclusão. Vamos a elas: Zuleika Alves da Cruz, te agradeço pela competência, disponibilidade e apoio a mim e a todos os alunos do IPPUR. Este agradecimento também se estende a todos os funcionários da secretaria de ensino desta instituição. Adrianno Rodrigues, te agradeço por simplesmente possibilitar minha ida ao IPPUR. Uma tese sobre transportes não poderia deixar de agradecer quem deu mobilidade a quem estava precisando. Meu amigo, força sempre! Mauro Kleiman, dias, semanas, meses e anos passarão, e ainda assim não poderei expressar com palavras sua generosidade, amizade, apoio, paciência, humildade, responsabilidade e acima de tudo... compreensão. Sem o senhor, este dia não teria chegado. Agradecer ainda será muito pouco diante da orientação por todo esse tempo, mas ainda sim digo... obrigado. Por fim agradeço à Carla Juliane de Lemos Oliveira como se dissesse... dança!

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Lista de Ilustrações

Figura 1- Delimitação realizada pelo IBGE sobre a Região Metropolitana do Rio de Janeiro 45

Figura 2- Delimitação realizada pelo CEPERJ-RJ (2011) sobre a Região Metropolitana do Rio de

Janeiro 45

Figura 3 - Delimitação realizada pela FUNDREM (1977) e que reúne os municípios da RMRJ sobre o

que foi chamada de UUIO – (cidades) Unidas Urbanas Integradas de Oeste, ou também, a “Grande

Iguaçu” 46

Figura 4 - Delimitação realizada pela TurisRio (2011) 46

Figura 5 - Delimitação realizada por Simões (2011) 47

Figura 6 - Estrada de Ferro Rio D’Ouro (1935) 53

Figura 7 - Evolução populacional no município de “Nova Iguaçu” entre 1779 e 1950 56

Figura 8 - Composição do PIB de Nova Iguaçu – 2000 63

Figura 9 - Crescimento populacional 1940-2010 da Região Metropolitana do Rio de Janeiro 72

Figura 10 - Taxa decenal de crescimento populacional da Região Metropolitana do Rio de Janeiro 72

Figura 11 - Leitos públicos por mil habitantes na RMRJ, ano de 2009 74

Figura 12 - Dados IDEB do ensino fundamental na RMRJ, ano de 2009 75

Figura 13 - Concentração de alunos de ensino superior nos municípios da RMRJ, ano de 2008

77

Figura 14 - Concentração de instituições públicas de ensino superior na RMRJ, ano de 2011 78

Figura 15 - Diferenças práticas entre os enfoques técnico, social e sociológico (exemplos) 137

Figura 16 - Características principais das ações relativas às políticas de transporte e trânsito 143

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Figura 17 – Bloco temático sobre parâmetros de avaliação da mobilidade baseados no Plano

Nacional de Mobilidade Urbana 145

Figura 18 - Esquema para a formulação de uma Sociologia dos Transportes/Sociologia da Mobilidade urbana 160

Figura 19 - “Formas de vida pelos transportes” – Trens 184

Figura 20 - Malha ferroviária urbana da RMRJ – Supervia 189

Figura 21 - Aglomeração do Rio de Janeiro (Cidade do Rio de Janeiro e Municípios da Área

Metropolitana) 190

Figura 22 - “Formas de vida pelos transportes” – Ônibus 191

Figura 23 - “Formas de vida pelos transportes” – Transportes informais 193

Figura 24 - Panfleto de convocação para manifestação pública em frente à ALERJ ocorrida em 30/01/2007 200

Figura 25 - Notícia vinculada ao Movimento Metrô Baixada e a liderança de Mauro Leiroz 204

Figura 26 - Frota de veículos automotores no Brasil por tipo de veículo – 2001 e 2012 212 Figura 27 - Crescimento da frota de automóveis nas 15 principais regiões metropolitanas – 2001 a 2012 213

Figura 28 - Frota de automóveis – Região Metropolitana do Rio de Janeiro (2001 a 2012) 213

Figura 29 - Mobilidade Urbana (D1) segundo as regiões metropolitanas – 2010 222

Figura 30 – Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU – Local) – RMRJ – 2010 224

Figura 31 - Mobilidade Urbana (D1) - RMRJ – 2010 224

Figura 32 - Distribuição dos meios de transporte: Brasil e Grandes Regiões (em %) 227

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Figura 33 - Qualidade do transporte público em sua cidade: Brasil e Grandes Regiões (em %) 228

Figura 34 - Qualidade do transporte público em sua cidade, por nível de escolaridade (em %) 228

Figura 35 - Viagens diárias em milhares 236

Figura 36 - Viagens realizadas por modo na RMRJ 237

Figura 37 - Viagens por motivo trabalho por modo de transporte 238

Figura 38 - Viagens por motivo trabalho por modo de transporte (2) 238

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Lista de Tabelas

Tabela 1 – Dados gerais sobre Nova Iguaçu 78

Tabela 2 – Dados gerais sobre Queimados 80

Tabela 3 - Dados gerais sobre Japeri 81

Tabela 4 - Dados gerais sobre Belford Roxo 82

Tabela 5 - Dados gerais sobre Mesquita 83

Tabela 6 - Dados gerais sobre Nilópolis 84

Tabela 7 - Dados gerais sobre São João de Meriti 85

Tabela 8 - Dados gerais sobre Duque de Caxias 86

Tabela 9 - Dados gerais sobre Magé 87

Tabela 10 - Dados gerais sobre Guapimirim 88

Tabela 11 - Dados gerais sobre Itaguaí 89

Tabela 12 - Dados gerais sobre Seropédica 90

Tabela 13 - Dados gerais sobre Paracambi 91

Tabela 14 - Rio de Janeiro e municípios da Área Metropolitana Percentual sobre arrecadação (ICM + ICMS) 190

Tabela 15 - Viagens realizadas por modo principal 193

Tabela 16 - Quantidade de carros período de anos 210

Tabela 17 - Distribuição dos meios de transporte: Brasil e Grandes Regiões (em %) 226

Tabela 18 - Viagens diárias na RMRJ 236

Tabela 19 - Viagens por modo na RMRJ 237

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Tabela 20 - Tempos médios de viagem por modo de transporte – minutos 239

Tabela 21 - Viagens por habitante por município da RMRJ 240

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Lista de Abreviaturas e Siglas

ALERJ – Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

BRS – Bus Rapid System.

BRT – Bus Rapid Transit.

CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos

CEFET/RJ – Centro Federal de Ensino Tecnológico Celso Suckow da Fonseca.

CEPERJ - Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos

do Rio de Janeiro.

COI – Comitê Olímpico Internacional.

COOPIGRE – Cooperativa de vans de Igrejinha (nome ficcional).

CTC – Companhia de Transportes Coletivos do Rio de Janeiro.

DENATRAN - Departamento Nacional de Trânsito.

EBTU – Empresa Brasileira de Trens Urbanos.

Emater - Secretaria de Agricultura e Pecuária do Estado do Rio de Janeiro.

EUA – Estados Unidos da América.

FIFA – Federação Internacional de Futebol.

FIRJAN – Federação das Indústrias do Rio de Janeiro.

Flumitrens – Companhia Estadual de Trens Urbanos.

FUNDREM – Fundação Para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Geipot - Grupo Executivo de Planejamento de Transportes.

IBEU – Índice de Bem-Estar Urbano.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano.

IFCS – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ.

IFMD – Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal.

IFRJ – Instituto Federal do Rio de Janeiro.

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais.

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

IPPUR – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ.

IUPERJ – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.

ONU – Organização das Nações Unidas.

PDTU – Plano Diretor dos Transportes Urbanos do Rio de Janeiro.

PIB – Produto Interno Bruto.

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar do IBGE.

PND – Plano Nacional de Desenvolvimento.

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

PPGSA – Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do IFCS/UFRJ.

REDUC – Refinaria de Duque de Caxias.

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RMRJ – Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro.

SEDEBREM - Secretaria de Estado de Desenvolvimento da Baixada e da Região Metropolitana.

SEEDUC – Secretaria de Estado de Educação do Estado do Rio de Janeiro.

SIPS – Sistema de Indicadores de Percepção Social do IPEA. 

TCE – Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro.

TurisRio - Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro.

UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

UFF – Universidade Federal Fluminense.

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro.

UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

UUIO – (cidades) Unidas Urbanas Integradas do Oeste.

VLT – Veículo Leve sobre Trilho

 

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 21 

1.1 Apresentação................................................................................................................... 21 

1.2 Problemática.................................................................................................................... 24 

1.3 Relevância........................................................................................................................ 30 

1.4 Objeto(s) de pesquisa..................................................................................................... 32 

1.5  Hipótese ................................................................................................................ 35 

1.7 Descrição da tese............................................................................................................ 39 

2 CAPÍTULO 1: BAIXADA FLUMINENSE – HISTÓRIA, FORMAÇÃO E TERRITORIALIDADES.................................................................................................. 41 

2.1 A configuração territorial da Baixada Fluminense ...................................................... 41 

2.1.1   Introdução............................................................................................................... 41 

2.1.2  O conceito Baixada Fluminense............................................................................. 42 

2.1  Formação e expansão territorial e econômica.................................................. 48 

2.2.1  História(s) e território(s).......................................................................................... 48 

2.2.1.  Os trens e a expansão urbana............................................................................... 51 

2.2.2  Economia e história................................................................................................ 53 

2.2.2.1  Primeiros anos, século XIX e primeira metade do século XX................................ 53 

2.2.2.2  Século XX: Anos 1930 até 1970 ............................................................................ 57 

2.2.2.3  Século XX: Anos 1970 aos anos 2000 e as tendências contemporâneas ............ 59 

2.2.3  Baixada Fluminense e identidades territoriais ....................................................... 64 

2.3  Dados sobre população, saúde e educação públicas na Baixada Fluminense71 

2.4  Dados gerais......................................................................................................... 78 

2.4.1  Nova Iguaçu ........................................................................................................... 78 

2.4.2  Queimados ............................................................................................................. 80 

2.4.3  Japeri...................................................................................................................... 81 

2.4.4  Belford Roxo........................................................................................................... 82 

2.4.5  Mesquita ................................................................................................................. 83 

2.4.6  Nilópolis .................................................................................................................. 84 

2.4.7  São João de Meriti ................................................................................................. 85 

2.4.8  Duque de Caxias.................................................................................................... 86 

2.4.9  Magé....................................................................................................................... 87 

2.4.10  Guapimirim ............................................................................................................. 88 

2.4.11  Itaguaí..................................................................................................................... 89 

2.4.12  Seropédica ............................................................................................................. 90 

2.4.13  Paracambi .............................................................................................................. 91 

3 CAPÍTULO 2: CONTEXTO TEÓRICO E METODOLÓGICO – TERRITÓRIO, IDENTIDADE, MOBILIDADE URBANA E MÉTODO ............................................... 92 

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3.1 Território: tempo, espaço e urbanização...................................................................... 92 

3.1.1 Reflexões e “saídas”................................................................................................... 98 

3.2 Território e identidade: conceitos e usos..................................................................... 99 

3.3 Mobilidade(s) urbana(s)................................................................................................ 106 

3.4 Segregação urbana e o espaço intra-urbano............................................................. 113 

3.5 Aspectos teórico-metodológicos ................................................................................ 119 

3.5.1 A contribuição de uma sociologia compreensiva ..................................................... 119 

3.5.1.1 Simmel: conteúdos, formas e sociabilidades ........................................................ 119 

3.5.1.2 Weber e os “tipos ideais”....................................................................................... 123 

3.5.2 A mobilidade urbana na RMRJ e a sociologia configuracional de Norbert Elias ..... 127 

3.5.2.1 Winston Parva, Rio de Janeiro e Baixada Fluminense ......................................... 129 

3.6 Transportes, circulação e mobilidade: Uma sociologia possível? .......................... 134 

3.6.1 Sobre uma “sociologia dos transportes”................................................................... 140 

3.6.2 Mobilidade urbana: o debate contemporâneo.......................................................... 143 

3.6.3 Por uma “nova” sociologia dos transportes ou sociologia da mobilidade? .............. 148 

3.6.3.1 Transportes ou Mobilidade urbana?...................................................................... 158 

3.7 Metodologia utilizada.................................................................................................... 161 

4 CAPÍTULO 3: CONTEXTO EMPÍRICO – REVISÃO CRÍTICA DAS “FORMAS DE VIDA PELO TRANSPORTE”, ANÁLISE DE DADOS SOBRE A MOBILIDADE URBANA NA RMRJ .............................................................................................................................. 170 

4.1 Transportes urbanos: Um estado das artes............................................................... 170 

4.2 Quadros sinópticos das “formas de vida pelo transporte”...................................... 183 

4.2.1 Trens......................................................................................................................... 183 

4.2.2 Ônibus ...................................................................................................................... 191 

4.2.3 Transportes informais: Vans, kombis, mototáxis...................................................... 193 

4.2.4 Barcas e o Metrô ...................................................................................................... 200 

4.2.5 Automóveis: Um caso à parte? ................................................................................ 204 

4.3 Considerações acerca de um “tipo ideal”. ................................................................. 214 

4.3.1 “Tipo ideal” da oferta de transportes urbanos na RMRJ .......................................... 215 

4.4 Análise de dados sobre as percepções da mobilidade urbana ............................... 220 

4.4.1 IBEU – Índice de Bem-Estar Urbano........................................................................ 220 

4.4.2 Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)................................ 225 

4.4.3 Algumas considerações ........................................................................................... 230 

4.5 Análise de dados sobre pesquisa Origem/Destino das viagens na RMRJ ............. 235 

4.5.1 Plano Diretor de Transportes Urbanos (PDTU) – 2011 ........................................... 235 

5 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 241 

6 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 260

  

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1 INTRODUÇÃO

1.1 Apresentação

Uma das grandes questões para a realização da ciência, principalmente nas

ciências humanas, ou no desenvolvimento de um conhecimento sistemático e

aprofundado, perpassa pelas escolhas dos objetos a serem observados,

pesquisados e apresentados, através do pensamento analítico, à comunidade

acadêmica. Alguns autores mais ligados à psicologia, ou filiados a diferentes linhas

da psicanálise, acreditam que a escolha de um objeto de pesquisa, ou propriamente

um tema recorrente para um pesquisador ou pensador, está diretamente relacionado

a aspectos importantes da vida material e/ou subjetiva deste ator social e indivíduo.

Alguns outros autores acreditam que essas escolhas podem ser aleatórias e que,

após o objeto ser definido, as nuances e especificidades do mesmo irão se arraigar

na vida do (a) cientista de maneira a fazê-lo se aproximar ou afastar deste mesmo

objeto. Acredito que os dois pensamentos possuem convergências e são, até certo

ponto, complementares.

Em meu caso, especificamente, o tema dos transportes urbanos sempre

esteve presente em minha vida, materialmente e simbolicamente. Sendo a quarta

geração de famílias de imigrantes e moradoras de um bairro, posteriormente

município, da Baixada Fluminense, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

(RMRJ) do Estado do Rio de Janeiro, minha vida sempre esteve diretamente ligada

a laços materiais, simbólicos e identitários relacionados a esse território, a Baixada.

Minha infância; formação básica; redes individuais, institucionais e sociais; foram

todas “nascidas” e desenvolvidas no contexto próprio dos territórios adjacentes ao

núcleo central da grande metrópole fluminense, que é a cidade do Rio de Janeiro.

De certa maneira posso adiantar que existem proximidades nesta minha construção

individual e social ao que já foi tradicionalmente estudado e reconhecidamente

denominado de “cultura do subúrbio” ou “cultura suburbana”. Há, portanto, a

construção de um caráter formativo a um determinado ethos1 pessoal, ligado a uma

cultura específica do subúrbio carioca, mas que não acredito ser o rebatimento exato

do que é ser morador da Baixada Fluminense, em comparação ao que é ser                                                             1Utilizo  este  conceito  pautado  nas  observações  de  Max  Weber,  e  na  tradição  alemã  do  individualismo metodológico, que  visa  identificar os  sentidos da  ação humana,  através dos  grupos  sociais, em  relação  aos desejos e interesses individuais, levando em consideração seus contextos históricos e pertencimentos culturais, institucionais e sociais. 

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morador de um bairro que ainda pertence aos limites territoriais da cidade do Rio de

Janeiro.

Quase todos os moradores de subúrbios e periferias possuem uma relação

intrínseca com os transportes coletivos urbanos e sofrem a influência direta das

políticas de mobilidade urbana, pelo fato de grande parte deste contingente

populacional não possuir capital para comprar veículos automotores (carros), pelas

dificuldades em se circular pelo Centro e Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro e o

alto custo para se transitar e estacionar nas ruas destas regiões para quem possui

automóvel, devido a uma política de ordenamento urbano pautado em multas, falta

de vagas em estacionamentos públicos e o alto preço cobrado nos estacionamentos

privados, entre outros muitos fatores que serão abordados nesta tese.

Minha adentrada ao “mundo” dos transportes urbanos, em seu caráter

intermunicipal, se realizou praticamente de maneira ritualística. Com quatorze anos

havia passado em concurso público para estudar no Centro Federal de Ensino

Tecnológico Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ), situado no bairro do Maracanã,

na cidade do Rio de Janeiro. Meu pai então decidiu-me “ensinar” como andar de

trem. Fomos eu e ele para a estação de Juscelino Kubitschek em Mesquita (até

então distrito da cidade de Nova Iguaçu), antes do início das aulas, e todo o

ensinamento teve início: Qual a plataforma certa; Qual vagão pegar; Onde ficar

dentro do vagão; Como se comportar dentro do vagão; Quais os perigos; Quem

confiar (principalmente em quem NÃO confiar); O que não deveria nunca fazer; A

quem pedir ajuda, etc. Seus ensinamentos estavam pautados em sua própria

experiência como usuário dos trens em sua juventude e começo de vida adulta,

onde utilizava os serviços da antiga Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU)

para a realização das viagens entre Baixada Fluminense e Centro do Rio de Janeiro,

e a sua percepção clara do sucateamento e perigos oferecidos pelos trens no início

da década de 1990.2.3

                                                            2No final dos anos 1980 e começo dos anos 1990 a prática do “surf ferroviário” era o grande destaque da mídia, onde em composições hiperlotadas  jovens andavam até a Central do Brasil encima dos vagões, com um alto índice  de mortalidade.  Também  é  neste momento  que  se  pode  perceber  um  sucateamento  cada  vez mais presente na manutenção e qualidade nos serviços oferecidos pelos trens urbanos. 3Neste momento é clara, em minha memória, a morte de um jovem vizinho que morreu “surfando” nos trens, e o temor de meus pais com essa situação. Além de ter um tio que não conheci e faleceu quando caiu de uma composição em movimento, batendo  com a  cabeça no  trilho e morrendo na hora. Este acidente aconteceu entre o final dos anos 1940 e o início dos anos 1950 (não sei precisar a data) e foi um grande marco familiar. 

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Após os cinco anos em que estudei no CEFET/RJ, me formando em Técnico

em Estradas, percebi que minha vida profissional ligada à Engenharia Civil não me

levaria à satisfação pessoal, e no início dos anos 2000 adentrei ao curso de ciências

sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) – da Universidade Federal

do Rio de Janeiro (UFRJ). Ao final do ano de 2004, já próximo do término de minha

graduação e próximo da tentativa do mestrado, a ideia ligada ao tema dos

transportes urbanos voltou com força às minhas questões acadêmicas, e ficou claro

a importâncias do trem, e dos transportes urbanos em geral, para meus

questionamentos pessoais e intelectuais.

Ao final de meu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e

Antropologia (PPGSA) do IFCS/UFRJ, apresentei uma dissertação que foi a

tentativa de uma compreensão mais profunda sobre uma cooperativa de vans que

fazia as viagens, ou “jornadas urbanas4”, entre Baixada Fluminense e localidades do

Rio de Janeiro, unindo a periferia ao núcleo da metrópole. Realizei um estudo de

caso em que tentei compreender de maneira complexa o funcionamento de uma

cooperativa de vans, buscando superar a perspectiva vigente e superficial que

atrelava quase que exclusivamente este novo serviço e modal de transporte à

ilegalidade, banditismo e máfia. Também busquei nesse trabalho observar as

nuances identitárias ligadas ao território que era a sede da cooperativa, tentando

correlacionar identidade, território, transportes, as relações entre grupos sociais de

diferentes localidades e suas ações no mundo a partir dessas premissas.

Em meu doutoramento no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e

Regional (IPPUR) da UFRJ, pretendo me aprofundar ainda mais nestes aspectos,

através do acúmulo de minha experiência anterior, da produção acadêmica acerca

dos transportes urbanos já produzidos nesse ínterim, nas novas leituras e

alargamento de meus conhecimentos teóricos e metodológicos, nos ensinamentos

de meus professores e do convívio com muitos alunos/colegas ao longo desse

período para, finalmente, analisar as representações percebidas por esses

indivíduos/atores em “seus” territórios, o sistema de transportes e a forma de se

transportar, além da operacionalização dessas representações quanto às condições

efetivamente materiais e subjetivas das ações desses indivíduos na vida urbana.

                                                            4Caiafa (2002). 

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1.2 Problemática

O tema dos transportes coletivos é apontado e observado há muitos anos

dentro das dinâmicas vividas e experienciadas nos espaços urbanos, principalmente

porque interfere de maneira decisiva em uma das disposições principais para o

fazer-se das cidades que são os deslocamentos urbanos. E dentro destes

deslocamentos podemos verificar as conceituações e percepções de como os

citadinos/cidadãos podem se transportar pelos centros urbanos, suas periferias e

regiões. A mobilidade urbana, inclusive, torna-se fundamental para inclusão dos

indivíduos nos aspectos que norteiam as condições básicas de integração à própria

noção de cidadania, facilitando ou atravancando o acesso ao trabalho, lazer, cultura,

moradia, entre outras atividades possíveis nas grandes cidades. Pode também

fornecer possibilidades de contato entre os “diferentes”, propiciando o convívio com

a alteridade, com o outro, com o não-igual, abrindo uma possibilidade de “fuga”

(CAIAFA, 2002).

Os transportes coletivos urbanos podem ser analisados através de diversos

enfoques ou recortes. Barat (1975) realiza um estudo e levantamento históricos

sobre a criação e oferta dos transportes coletivos no Estado do Rio de Janeiro,

especificamente na RMRJ, ressaltando as condições geográficas e principalmente

políticas no que tange as escolhas para o oferecimento de meios de transportes

para os diversos segmentos sociais do Rio de Janeiro através do tempo. Suas

observações relatam que os percursos realizados seguiram primeiramente o

caminho dos “vapores” que navegavam pela Baía de Guanabara; posteriormente

tivemos a implementação das linhas férreas em meados do século XIX e

prosseguindo até a primeira metade do século XX; com seus deslocamentos

obedecendo as distâncias entre o centro e as periferias; e por fim, a hegemonia dos

ônibus, a partir da década de 1950, com os processos de privatização desse serviço

público e principal opção de mobilidade urbana desde este período.

Freire (2001) vai realizar uma leitura específica nos períodos compreendidos

entre 1906 e 1948, e mais detalhadamente nas disputas do monopólio no controle

dos transportes urbanos pela antiga Companhia Light e os primeiros empresários

autônomos de ônibus5, e o gradativo processo de substituição do transporte

                                                            5Que se tornariam, anos depois, em oligopólios familiares denominadas popularmente como “as empresas de ônibus”. 

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realizado pelos bondes para os deslocamentos feitos por ônibus, assim como o

“loteamento” do controle das linhas e composições para interesses e atores

privados.

A pesquisa histórica se torna fundamental para a compreensão das escolhas

do passado, e que delinearam como os deslocamentos urbanos são realizados no

presente e na vida cotidiana das cidades, porém é importante ressaltar as mudanças

e dinâmicas que se colocam diante das novas disposições e necessidades, tanto

dos indivíduos que transitam pelos espaços urbanos, como também dos próprios

centros urbanos como metrópoles, com suas especificidades e desafios colocados

pela e na contemporaneidade.

A partir da década de 1990, já com a adentrada de um novo governo

democrático no Brasil e de mudanças significativas em âmbito mundial, em suas

esferas econômicas, políticas, sociais e urbanas; podemos refletir sobre um novo

papel das cidades dentro dessas transformações e configurações, principalmente do

mundo do trabalho e produtivo, na qual muitos autores denominam este período de

mudanças, contado a partir da década de 1970, como “pós-modernidade”, entre

alguns outros nomes e conceitos que ainda serão criados para dar conta deste

presente/futuro.

De fato as cidades passam a ter um papel fundamental e são protagonistas

como locais onde as novas formas de relação entre capital e trabalho irão se

desenvolver, pois se modificam as relações e estruturas entre indivíduos e o espaço

urbano, possibilitando a inserção e protagonismo cada vez maior de uma

individualidade e da autonomização das pessoas, muito devido ao enorme processo

de flexibilização do mundo produtivo, do aumento expressivo do setor terciário, da

informalidade e do ganho de tempo devido às novas tecnologias. Além desse

processo sociológico, as cidades também se reinserem em uma nova ordem e

paradigma internacional das “metrópoles-produtos”, globalizadas, onde cada cidade

e/ou conglomerado urbano deve ofertar vantagens ou qualidades específicas que

possam atrair capitais e empresas de todo o mundo, possibilitando assim que estas

cidades possam se reproduzir em seus campos mais dinâmicos a partir da lógica da

facilitação dos fluxos e mobilidade do capital, e que nem sempre se traduzem nos

fluxos e mobilidades das pessoas que vivem e necessitam “transitar” por estas

cidades.

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O Rio de Janeiro, no momento presente, é protagonista dos dois maiores

eventos esportivos do planeta. Primeiramente por ser um dos dois principais

Estados da Federação, conjuntamente com São Paulo, sendo sede de jogos e do

jogo final da Copa do Mundo de 2014, evento de âmbito mundial. Este protagonismo

se exacerba porque a cidade do Rio de Janeiro também será a sede das Olimpíadas

de Verão de 2016. Além de ter sido sede do maior evento mundial de

sustentabilidade, realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e o governo

brasileiro em 2012, a Rio +20 e de ter sediado o Encontro Mundial da Juventude

Católica em Julho de 2013.

Dentro da perspectiva de mudanças e obras estruturais para a cidade e

alguns de seus entornos, o tema dos transportes coletivos urbanos, da mobilidade

urbana e acessibilidade ganham força no debate público e passam a figurar nas

preocupações de governantes, empresários, acadêmicos e da própria população.

Devido a este momento em que os olhos do mundo se encontram diretamente

focados no Rio de Janeiro, alguns movimentos sociais, centros acadêmicos,

universidades, e a mídia (alternando-se em seus interesses de aproximação e

distensão de políticos e governantes) apontam as contradições internas no que se

refere à realização de intervenções urbanas importantes para a cidade do Rio de

Janeiro e a RMRJ.

Existem inúmeras críticas e problemas apontados aos transportes coletivos

urbanos no Rio de Janeiro, e que são de conhecimento público há alguns anos,

porém é interessante perceber que estas críticas sempre foram pautadas em flexões

temporais bastante claras no passado e no presente. Os trens urbanos que ligam

subúrbio e Baixada Fluminense ao Centro do município do Rio de Janeiro; as Barcas

que fazem os trajetos do bairro da Ilha do Governador e das cidades de Niterói e

São Gonçalo ao Centro; o Metrô que liga bairros do subúrbio também ao Centro e

Zona Sul da cidade; as inúmeras linhas de ônibus, vans, kombis e mototáxis que

cruzam e interligam a RMRJ; os automóveis que transitam todos os dias e os dias

inteiros pelas ruas e estradas do tecido urbano; todas essas possibilidades de

locomoção (e suas dificuldades) e modais realizam o transporte de massa diário e

revelam as contradições cotidianas vivenciadas no presente e oriundos de escolhas

do passado.

Com o advento dos grandes eventos no Rio de Janeiro, essa flexão temporal

ganhar novos contornos. As obras de implementação para novas maneiras de se

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transportar, Bus Rapid Transit (BRT's) e Bus Rapid System (BRS's), expansão de

modais (expansão da Linha 1 do Metrô) e criação de vias expressas para veículos

automotores (Transcarioca, Transolímpica e Transoeste) trazem consigo propostas

de modernização das formas de se locomover oferecidas pelo poder público

municipal e estadual, através de toda sua publicidade midiática, como maneiras

modernas e dinâmicas de integração da cidade e da RMRJ. Porém essas

intervenções urbanas, pautadas principalmente para o... futuro, acabam por revelar

também críticas de atores dispostos a afirmar as contradições e problemas dos

transportes coletivos urbanos de um tempo passado/presente e que neste momento

se mostra, talvez de maneira inédita e em grande escala, mais contundente no que

se refere às intervenções e transformações propostas pelo poder público.

Há uma grande crítica aos aumentos das tarifas praticadas, desde 1970,

pelas empresas privadas que oferecem os serviços públicos para o transporte da

população da RMRJ, aumentando o custo do transporte em quase 10% neste

período (MEGAEVENTOS E VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS NO RIO DE

JANEIRO, 2012). Também há o apontamento de que a concentração dos

investimentos possui um caráter territorial bastante marcado e delimitado, indicando

os locais onde o Estado pretende e observa uma valorização, seja de caráter

imobiliário e/ou especulativo, relatando que:

Nesse contexto, os investimentos em transportes para a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 estão majoritariamente concentrados territorialmente. Primeiro, há uma forte concentração no município do Rio de Janeiro, lembrando que a região metropolitana tem 20 municípios. E, em segundo lugar, há uma desigualdade na distribuição desses investimentos no interior do município do Rio de Janeiro, com uma concentração maciça na Zona Sul e na Barra da Tijuca (MEGAEVENTOS…, 2012, p.35).

Florentino (2011) chama a atenção para a importante diferenciação entre

mobilidade urbana e o transporte público, onde o primeiro termo é um conceito mais

amplo do que o segundo, tratando-se de uma multiplicidade de possibilidades de

deslocamentos dos indivíduos nos espaços urbanos, onde as formas, facilidades,

modais e interações fazem parte de todo o processo de locomoção integrada ao

urbano. O conceito de “transporte público” pode ser pensando como uma maneira

dimensionada por aspectos de oferta e demanda, em que há estratégias públicas e

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privadas no oferecimento de meios pelas quais as pessoas, em suas diferentes

motivações, podem se deslocar pelas cidades.

Posteriormente, sob o impacto dos megaeventos a serem realizados no Rio

de Janeiro, Florentino (2011) relata sobre um certo “atropelamento” sofrido por

determinações legais e jurídicas, onde o próprio estado de direito é sobrepujado por

enormes forças e pressões de governos estaduais e entidades internacionais6 no

que tange a celeridade e intensidade das adequações das cidades para a realização

dos eventos pela qual o país foi “contemplado”. Neste contexto é interessante

perceber citar “a situação paradoxal de medidas jurídicas que não podem ser

compreendidas no plano do direito” (AGAMBEN apud FLORENTINO, 2011, p. 46).

As grandes transformações ensejadas, construções e obras para a realização

dos megaeventos citados, trazem mais uma vez um deslocamento relacionado à

vivência em relação ao “tempo” nas cidades, pois interfere de maneira intensa em

duas vias de percepção. Primeiramente nos governos e círculos decisórios, pois há

a real necessidade de aceleração desse tempo para a realização de todos os

compromissos assumidos pelos Estados escolhidos como sedes dos eventos; em

segundo cria-se uma expectativa em relação à população7 que sabe que grandes

mudanças e investimentos irão ocorrer, porém sem saber ao certo qual legado

positivo ou intempéries estarão por vir. Mas neste momento em que o

presente/futuro parece mais aproximado, é que alguns apontamentos acadêmicos e

políticos parecem ser mais audazes no que se refere às observações das

contradições e proposições de novas formulações e percepções acerca do tema.

A mudança de paradigma sobre a mobilidade urbana fica evidenciada no

texto do projeto “Política Nacional de Mobilidade Urbana (Projeto de Lei 166/2010 no

Senado)” em que o termo “transporte urbano” deverá ser substituto por “mobilidade

urbana”, tornando mais complexo e completo o olhar público sobre as formas de

deslocamento e interação urbanos. Há a proposição, através de uma visão crítica,

mas também integradora, na questão da mobilidade, de uma série de tópicos a

serem levados em consideração na construção de políticas de mobilidade urbana,

onde os meios de transportes são levados em consideração como instrumentos que

estejam integrados a uma vivência da cidade, e que seja mais democrática,

                                                            6No caso da Copa do Mundo da Federação Internacional de Futebol – FIFA ‐ e das Olimpíadas o Comitê Olímpico Internacional – COI ‐, e todas as empresas e interesses incluídos em suas ações e determinações. 7Quase sempre na sua totalidade informada pelo filtro das grandes mídias. 

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inclusiva, eficiente e igualitária. Entre os tópicos a serem considerados como

parâmetros propostos para uma “nova” visão e análise da mobilidade urbana, tendo

como base de observação a “Política Nacional de Mobilidade Urbana”, estão

concentrados: “1) Processo de Formulação/ Ciclo de gestão; 2) Diversificação

modal; 3) Conforto para usuário de transporte público; 4) Inclusão social; 5)

Qualidade ambiental; 6) Integração com política de uso e ocupação de solo e 7)

Segurança como principal política mobilidade (e não fluidez)” (FLORENTINO, 2011,

p. 53).

Esta inflexão temporal nas dificuldades dos transportes urbanos e da

mobilidade urbana, em tempos de “pós-modernidade”, parecem introduzir uma

problemática mais ampla, e que deve levar em consideração que a cidade, os

espaços urbanos e mais especificamente as metrópoles, estão sempre em um

processo pungente de transformações, e que parecem sempre em defasagem com

as necessidades dos indivíduos e grupos sociais que se “utilizam” das cidades, que

circulam em suas ruas e avenidas, que são usuários dos serviços de transportes

públicos, de gestão privada, e também utilizam seus carros particulares.

O caso do Rio de Janeiro evidencia um amálgama que pode nos revelar como

os transportes urbanos, e suas habilidades e inabilidades, podem representar,

serem resultados e criar grandes contradições sociais e territoriais do espaço

urbano. Resultado de uma série de decisões e escolhas históricas, e que possuem

rebatimentos no presente, e provavelmente no futuro, porém diretamente

engendradas nas questões contemporâneas relacionadas à mobilidade urbana, aos

“acessos” à cidade pelos diversos segmentos sociais, à segregação territorial, à

desvalorização simbólica de determinadas áreas urbanas em relação a outras, ao

estigma social de moradores de regiões menos favorecidas materialmente e

simbolicamente, entre outras possibilidades de reflexão. Porém são claras as

possibilidades que a mobilidade urbana, e, portanto, os transportes urbanos podem

nos revelar sobre a vivência da cidade, tanto de forma material quanto subjetiva,

sociológica, não sendo somente pano de fundo para o “só se transportar”, mas

produzindo de maneira efetiva fatos8 e interações sociais.

                                                            8“Mas, para que exista o fato social, é preciso que pelo menos vários indivíduos tenham misturados suas ações, e que desta combinação se tenha desprendido um produto novo. E como esta síntese tem lugar fora de cada um de nós  (uma vez que para ela  concorre uma pluralidade de  consciências),  seu efeito é necessariamente fixar,  instituir, certas maneiras de agir, certos  julgamentos que existem  fora de nós e que não dependem de cada vontade particular tomada à parte (…)” (DURKHEIM, 1978, p.30). 

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1.3 Relevância

Evidencia-se a importância do tema da mobilidade urbana no debate

contemporâneo e nos apontamentos recentes quanto à emergência dos estudos

sobre a oferta dos transportes urbanos. Ainda hoje os estudos acadêmicos e

técnicos relacionados à mobilidade urbana ainda se concentram nas áreas das

Engenharias de Tráfego, Produção (entre outras), do Urbanismo e da Arquitetura.

Porém na última década percebemos um maior interesse das ciências sociais, e

também de outras ciências humanas, quanto às dinâmicas sociais produzidas por

relações mediadas, intermediadas e forjadas pelo uso dos transportes urbanos.

Trabalhos realizados por áreas como a Sociologia, a Antropologia, o Serviço Social,

a História, a Memória Social, a Comunicação Social e o Planejamento Urbano

reiteram a multiplicidade de olhares e recortes que podem ser contemplados pelas

possibilidades geradas pelo uso dos dispositivos de mobilidade oferecidos à

população que vive nas grandes metrópoles.

Kleiman (2011), através do Planejamento Urbano e suas

multidisciplinaridades, relata sobre as inovações propostas para a mobilidade urbana

da RMRJ, apontando a dinamização dos transportes através do “surgimento” de

vans, kombis e mototáxis910 e sobre as implementações das “Faixas Exclusivas

(BRS) e Corredores Expressos de Ônibus (BRT), e, por outro ângulo a busca de

renovação de investimentos no modal ferroviário com a proposta de introdução do

Veículo Leve sobre Trilho (VLT), assim como a expansão do Metrô como linha única,

e linha em Niterói, e investimentos na melhoria dos trens” (KLEIMAN, 2011, p. 1).

Além de verificar as mudanças das configurações territoriais na RMRJ a partir de

1995 e realizar a crítica de que as propostas contemporâneas sobre a mobilidade

urbana não conseguem atingir ou absorver as necessidades das populações

residentes nestes territórios, o autor ressalta para as particularidades que cada

modal permite ao tecido urbano e a forma como esses modais atendem as

diferentes camadas sociais.

                                                            9Esses “novos” modais possuem várias denominações midiáticas e públicas, mas aqui serão conceituados como “transportes informais”. 10 Ver Mamani (2004) e Silva (2007). 

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É interessante notar as estratégias de utilização dos modais para a realização

dos deslocamentos urbanos, onde a “morfologia difusa"11 dos territórios, e suas

necessidades, irão interagir com a população dos centros, sub-centros, periferias e

centralidades locais, de acordo com as possibilidades materiais e simbólicas,

tornando-se assim complexos e atomizados os deslocamentos e suas motivações,

por mais que ainda sejam percebidos e existentes os fluxos e “picos” de transportes

entre centro e o peri-urbano nos horários de “rush”, obedecendo à lógica do

deslocamento “lar x trabalho / trabalho x lar”.

A discussão sobre os rumos possíveis para o aumento da eficácia da

mobilidade urbana através da expansão dos modais dos transportes urbanos e

condições de moradia/habitação, levando-se em consideração a linha temporal

presente/futuro, mas sem negar ou apagar as resultantes históricas, podem ser

conjugadas com uma discussão sobre as identidades territoriais. A estratificação

social está relacionada às condições econômicas e materiais dos indivíduos que

vivem nas cidades, mas também se relaciona com a interação das percepções

hierárquicas de pertencimento a territórios mais valorizados ou menos valorizados.

Historicamente fica clara essa hierarquização na observação do binômio “favela x

cidade”, onde a primeira surgia como a negação de qualquer possibilidade de

“civilização” fora do aparato urbano. Com o passar do tempo essas percepções

foram se modificando, e hoje, mesmo que de forma ainda desigual, a favela passar a

ser resignificada pelos “moradores do asfalto”.

Da mesma forma a região da Baixada Fluminense parece carregar um

“estigma” de inferioridade perante o município do Rio de Janeiro, essa diferenciação

pode se utilizar de algumas explicações históricas, pois a Baixada foi uma região

habitada por imigrantes e pelas camadas mais pobres da população no momento de

expansão da urbanização da capital Rio de Janeiro na década de 1930, ou então

devido a uma forte exposição midiática sobre a Baixada Fluminense entre as

décadas de 1970 e 1980, devido aos grupos de extermínio e os altos índices de

assassinatos na região. Com o passar das últimas décadas ocorreram

transformações importantes nas cidades que formam a Baixada Fluminense, porém

uma “percepção simbólica e social” de inferioridade territorial ainda é persistente e

                                                            11Kleiman (2011, p. 9).  

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  32

seu “diálogo” com a mobilidade urbana através de uma linha temporal se faz

pertinente estudar e aprofundar neste momento.

1.4 Objeto(s) de pesquisa

O objetivo deste trabalho é verificar através da análise de artigos acadêmicos,

pesquisas etnográficas e quantitativas, e relatórios técnicos sobre a interação entre

elementos relacionados a identidades territoriais e a oferta de mobilidade urbana,

utilizando como fonte de observação a possibilidade de construção de uma

“sociologia dos transportes” ou de uma “sociologia da mobilidade urbana”, focando-

se na observação da relação dos deslocamentos urbanos entre Baixada

Fluminense, Rio de Janeiro e a própria mobilidade urbana.

O recorte desta pesquisa será a mobilidade urbana entre regiões

consideradas conurbadas dentro da metrópole carioca. Os deslocamentos urbanos

realizados pela população da RMRJ, mais especificamente entre Baixada

Fluminense e o município do Rio de Janeiro servirão como objeto de observação de

como os serviços públicos para a mobilidade urbana, através dos transportes

urbanos, são oferecidos para os seguimentos populacionais e seus diferentes locais

de moradia e trabalho. Utilizaremos considerações contemporâneas sobre a

mobilidade urbana, onde será analisada a oferta dos transportes urbanos,

considerando as resultantes das escolhas e ações políticas do passado, e os

apontamentos e propostas para o futuro da metrópole que receberá grandes eventos

internacionais, sendo este futuro cada vez mais “presente”, no que se refere o tema

da mobilidade urbana. Mais do que estudar as condições materiais e de eficácia dos

transportes urbanos, e que são fundamentais para a construção de parâmetros de

qualidade e acesso aos espaços e dispositivos urbanos, a intenção deste trabalho é

verificar outros fatores paralelos ou “imbricados” ao ato de se “transportar” pelas

ruas, avenidas e municípios da RMRJ.

Nosso objeto de pesquisa será o aprofundamento e análise de teses,

livros, artigos científicos, relatórios técnicos, pesquisas qualitativas e quantitativas de

natureza multidisciplinar, e que tem como objeto principal a mobilidade urbana e as

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“formas de vida pelo transporte” na metrópole do Rio de Janeiro. Estes trabalhos

analisados abordam de maneira bastante heterogênea o conhecimento sobre os

fenômenos sociais e urbanos relacionados aos transportes urbanos, principalmente

no caso da metrópole carioca. Essa tese pretende realizar um minucioso quadro

descritivo, comparativo e analítico, fazendo as aproximações e distanciamentos

necessários para a busca de um esquema explicativo que evidencie as nuances dos

trabalhos utilizados, suas complementaridades, e que se possa analisar de maneira

abrangente e multifatorial as produções e efeitos dos transportes urbanos na RMRJ.

Um questionamento que pode ser feito é sobre a especificidade da Baixada

Fluminense como território a ser observado e na tentativa de construção de um olhar

sociológico sobre as diferenças na oferta e políticas de transporte e de mobilidade

urbana. É interessante ressaltar que existem desigualdades de mobilidade e

segregação urbana, seja ela de cunho residencial ou na oferta das melhores

condições de trabalho, por toda a RMRJ. Pensar em municípios como São Gonçalo,

Itaboraí, Itaguaí e bairros como Bangu, Campo Grande, Santa Cruz, Guaratiba,

Sepetiba e alguns outros entre as Zona Norte e, principalmente Zona Oeste, da

cidade do Rio de Janeiro, certamente é pensar em enormes dificuldades em se

locomover no dia-a-dia do trabalho ou na simples tentativa de se chegar às praias da

Zona Sul. Não é um privilégio dos municípios ou da população da Baixada

Fluminense as dificuldades de mobilidade urbana. Porém mais do que um

apontamento de haja uma desigualdade maior entre uma região ou outra, ou de se

pensar em um possível vitimização a priori de um território em relação a outros

territórios, é necessário delimitar que o objeto de escolha sendo a Baixada

Fluminense reflete-se pelo conhecimento vivificado e anterior de quem realiza esta

tese.

Mais do que afirmar e a tentativa de “provar” as desigualdades facilmente

verificadas nos dados apresentados em relação aos números de desenvolvimento

humano, econômico e social, da maioria dos municípios da Baixada Fluminense, e

das evidentes deficiências também da mobilidade urbana encontrada nestes

municípios, estes mesmos números também poderão ser encontrados em outros

municípios que não fazem parte desta região ou até mesmo bairros da cidade do Rio

de Janeiro, como já descrito acima.

O mais importante a se ressaltar na escolha da Baixada Fluminense como

objeto de análise e comparação nas relações da mobilidade urbana e na oferta dos

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transportes urbanos, pauta-se pelo interesse sociológico em desvelar algumas

características próprias e relativas ao pertencimento a esta territorialidade. Desta

forma algumas perguntas e questionamentos podem ser realizados especificamente

a este objeto: As deficiências de mobilidade são “iguais” em relação a todos os

municípios que circundam o município do Rio de Janeiro? Como se dá a questão

das identidades em relação ao pertencimento a determinadas cidades? Os

moradores de bairros pobres da cidade do Rio de Janeiro ainda são “cariocas”, e os

moradores pobres de outros municípios? Ser gonçalense possui o mesmo

significado que ser niteroiense? Ser iguaçuano aciona os mesmos direitos que ser

carioca “da gema”? Os investimentos públicos nos dispositivos de ampliação da

mobilidade urbana estão espalhados pelos 20 municípios que compõem a Região

Metropolitana? Onde estão concentradas as obras de ampliação de mobilidade

urbana na RMRJ?

Sabemos que nem todas estas perguntas poderão ser respondidas por este

trabalho, mas na perspectiva ampla da sociologia que estamos propondo, e

pensando, algumas respostas referentes a estas perguntas poderiam ser

alcançadas, ou pelo menos aproximadas em uma tentativa sociológica

compreensiva. A Baixada Fluminense como objeto proposto para a análise que aqui

se pretende realizar, serve como possibilidade de se verificar alguns “conteúdos” e

“formas” específicas em relação aos deslocamentos urbanos da população que

transita cotidianamente no espaço conurbado urbano e que procura se locomover

nos fios inconstantes e, às vezes, perigosos do tecido urbano. Nosso objeto está

delimitado à existência de uma constante precariedade na mobilidade urbana de

quem não vive nos núcleos altamente valorizados da Região Metropolitana, mas a

proposta que esta sociologia se coloca é discutir se essas precariedades se realizam

da mesma forma, se resultam nos mesmos efeitos e como interferem na vida

cotidiana de milhões de pessoas de forma relacional. As “formas de vida pelo

transporte” podem ajudar a revelar algumas destas perguntas, pelo menos é no que

acreditamos neste trabalho.

Os objetos analisados nesta tese, trabalhos acadêmicos, relatórios e

apresentações de dados, atuam na perspectiva de fornecer subsídios para a

formulação de arcabouço teórico-metodológico necessário para a construção de um

campo da sociologia, que aqui denominamos como sociologia dos transportes ou da

mobilidade urbana. A tentativa de construção deste campo só poderá ser efetivada

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através da contribuição e análise crítica sobre o grande acúmulo já realizado sobre o

tema, mesmo que não tenha ocorrido um exercício anterior de agregação de todas

as vertentes e áreas que se preocuparam com o mesmo objeto, com seus distintos

enfoques e em diferentes momentos da História de formação das grandes cidades e

conglomerados metropolitanos no país.

1.5 Hipótese

Ineficiência e eficiência, qualidade e precariedade, rapidez e demora,

pontualidade e atraso, são binômios muito utilizados e reproduzidos pelos usuários

dos transportes urbanos, porém estes seriam os únicos fatores, resultantes e/ou

determinantes das desigualdades na mobilidade urbana?

Dois outros fatores parecem importantes e devem ser considerados na

construção sobre o que seria o conhecimento sobre o acesso aos transportes para

todas as classes e grupos sociais. A primeira é a constituição de uma identidade

territorial arraigada entre as regiões e localidades onde vivem os indivíduos que se

deslocam no perímetro urbano, já inserindo suas “identidades” valorizadas ou

desvalorizadas na hierarquia social urbana através da História. Talvez mais

importante do que a própria identidade territorial percebida pelos

moradores/habitantes/nascidos destes territórios são as interações e percepções

coletivas em que essa identidade é decodificada e assumida por todos os habitantes

das diferentes localidades que configuram a RMRJ. O segundo fator se refere ao

próprio transporte urbano como gerador e criador destas “identidades” territoriais,

produzindo percepções próprias e características a determinadas coletividades por

utilizarem determinados meios de locomoção, e indo além, reforçando estigmas e

diferenciações hierárquicas simbólico-territoriais. Os “meios de transportes” seriam

mais do que simples componentes de intermediação/ligação entre diferentes

estratos e configurações sociais e territoriais, mas seriam forjadores de fatos sociais

ao produzirem subjetividades e objetividades interativas dentro do tecido social,

formando práticas sociais e interações específicas e referenciadas ao modo e à

maneira como os indivíduos se transportam pelas cidades.

O principal interesse desta tese é a observação, discussão e análise sobre as

“formas” experienciadas da vida coletiva e individualizada através da mobilidade

urbana na RMRJ. Este estudo foi feito através da discussão de trabalhos anteriores

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já realizados, na leitura de relatórios e estudos técnicos, dados objetivos sobre os

transportes urbanos, e também informações sobre os “afetos” dos usuários quanto

ao seu lugar de moradia e o ato de se transportar a partir destes locais.

Mas como estes “afetos” poderiam ser efetivamente aferidos? Os transportes

urbanos e a mobilidade urbana produzem fenômenos sociais relevantes e

integrados? Há uma disciplina, ou campo de conhecimento, que proponha um olhar

teórico-metodológico específico acerca desta temática? Quais as contribuições já

existentes? Elas existem? Dialogam entre si?

Esta tese trabalha na perspectiva efetiva da possibilidade de formulação de

uma sociologia dos transportes ou sociologia da mobilidade urbana. Esta hipótese

vem sendo formulada através de uma história acadêmica e que se desenha já faz

alguns anos. A temática dos transportes urbanos sempre foi algo pertinente à nossa

vivência pessoal e, posteriormente, acadêmica, pois tornou-se também tema de

trabalho de pesquisa traduzida em uma dissertação de mestrado que aborda os

transportes urbanos e a mobilidade urbana na RMRJ. A experenciação da vida

permeada pelo ir e vir entre dos modais, legais e ilegais, formais e informais, que

realizam as jornadas urbanas12 entre os municípios que integram a RMRJ, induziram

às percepções e questionamentos sobre os efeitos sociais que tais “viagens”

provocam na vida dos indivíduos e grupos que circulam, com diferentes

necessidades e objetivos, pelas ruas, avenidas, trilhos e aquavias das cidades.

O primeiro movimento, oriundo de uma observação mais delicada, é o

apontamento sobre os “efeitos” que estes grupos e classes sociais sofrem, ou

sentem, através dos serviços de transportes urbanos oferecidos. Veremos mais

adiante que a mobilidade urbana não se define, ou confunde, como sinônimo ao

conceito de transportes urbanos. A mobilidade urbana conjuga não somente a oferta

de transportes, mas as possibilidades de acesso, as integrações entre modais, o

impacto do custo do transporte, as espacialidades que integram, a sustentabilidade

e a articulação com o meio ambiente, entre outros fatores. Esta mobilidade, portanto,

se observada com precisão e rigor científico, poderá revelar muitos dados

importantes acerca das interações urbanas. Primeiramente o próprio sistema de

circulação baseado nas forças produtivas para e através do capital poderá ser

revelado através da verificação das possibilidades de mobilidade; a circulação

                                                            12 Termo cunhado por Caiafa (2002). 

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necessária para a reprodução da força de trabalho, onde os deslocamentos urbanos

irão refletir as estruturas condizentes com a organização social do trabalho pautada

na dinâmica contemporânea do capitalismo vigente; em um segundo momento a

espacialidade se mostra presente com as diferenças e especificidades do valor do

uso do solo, as diferenças nas formas de habitação entre as classes sociais e as

diferenças entre os investimentos públicos e privados e as formas de urbanização

encontradas nas localidades assistidas pelos transportes urbanos; em terceiro

vemos a própria materialização das diferenças nas formas de se transportar, e que

podem variar, principalmente, na qualidade do serviço oferecido entre diferentes

modais e “dentro” dos próprios modais.

Em um segundo momento, através da possibilidade de um refinamento ainda

maior do olhar sobre os fenômenos sociais relacionados aos transportes e à

mobilidade urbana e indo além da percepção dos “efeitos”, podem ser percebidos e

arguidos as “produções” causadas pelos “meios” de transporte. Talvez por serem

“meios”, configurem espaços de convivência, assim como o axioma acionado pelo

termo “meio ambiente”, onde formas de vida poderiam ser formar e serem

produzidas por uma convivência efetiva e ativa. Esta convivência se daria por uma

duração vulgar de tempo, mas que poderia se constituir através de fragmentos de

tempo que vão se somando dia após dia na vida entre o ir e vir nas cidades. Nos

apontamentos atuais têm-se a percepção de que esses “fragmentos” tornam-se

“tempos” cada vez maiores, mais largos, pois os “tempos” para a realização da

mobilidade urbana parecem ter sido bastante alongados nos últimos anos. É através

destes fragmentos de tempo somados e somatizados que poderiam ser aferidas e

questionadas as “formas” de interação social que podem ser encontradas nos

arranjos proporcionados pelos “meios” de transporte.

Aqui é apresentada a hipótese de que haveria um corpo de sociabilidades que

são forjadas e constituídas pelas relações sociais produzidas nos ambientes

proporcionados pelos transportes e mobilidade urbana de uma determinada cultura.

Porém esta hipótese não resolve o problema de como se pode chegar ao

conhecimento da mesma, pois necessita de uma construção e observação teórico-

metodológica efetiva de sua materialidade social. Estas sociabilidades estariam

embebidas pelas percepções coletivas acerca de um imaginário identitário territorial

e que é constituído pelas internalizações de uma hierarquia territorial, produzida e

assimilada materialmente e simbolicamente. Estas identidades territoriais estariam

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intimamente ligadas aos pertencimentos individuais e coletivos das pessoas em

relação aos seus lugares de nascimento, moradia, ou de migração. Porém não

atuaria como valor absoluto e autodefinido em si mesmo, pois necessitaria das

intermediações relacionais com outras identidades existentes na vida urbana. Estas

identidades, que refletiriam estas hierarquizações, estariam em disputas e

complementariedades em um espaço de valorização e desvalorização dentro de

localidades pertencentes ao ambiente urbano, obedecendo as funções requisitadas,

principalmente, pelas necessidades materiais e simbólicas do viver capitalista atual.

O sentimento de orgulho e/ou ojeriza por pertencer ou viver em determinada

localidade, terá nas “formas de vida pelo transporte” um importante e essencial

substrato de informações para a compreensão de como se dariam estas relações.

É interessante apontar que uma preocupação das ciências sociais sobre as

“formas” de como as pessoas se transportam nos grandes conglomerados urbanos

só se efetiva a partir dos anos 2000, onde livros, dissertações e teses acadêmicas,

principalmente ligadas às ciências humanas e sociais, passam a arguir sobre “como”

as coletividades se locomovem no tecido urbano, este cada vez mais conurbado de

cidades. Etnografias são realizadas para tentar se conhecer e “dar” voz às falas das

vivências cotidianas de milhares de pessoas que utilizam os serviços de transporte

coletivo urbano público em ônibus, trens, metrôs, barcas, vans, etc. Muito

provavelmente este “interesse” está atrelado à percepção coletiva, e também muito

vinculado à opinião pública em geral, de que as grandes metrópoles brasileiras

passaram a ter sua mobilidade urbana atravancada pelo aumento expressivo no

número de veículos automotores e pelo aumento da ineficiência dos transportes

coletivos urbanos em sua tarefa de dar mobilidade em quantidade e qualidade ao

contingente urbano.

Estes trabalhos etnográficos realizam a brilhante tarefa de lançar luz a estes

fenômenos sociais tradicionalmente negligenciados pelas ciências sociais, onde os

eventos relacionados à mobilidade e aos transportes urbanos sempre encontraram

espaço de observação quase que exclusivo nas engenharias, planejamento urbano,

arquitetura e urbanismo, tendo perpassado em alguns momentos a economia, a

administração e a geografia.

A segunda hipótese desta tese, que é a possibilidade de se propor uma

sociologia dos transportes ou da mobilidade urbana, está inserida neste contexto

favorável à temática que praticamente se constitui a partir das inflexões e mudanças

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urbanas ocorridas nas cidades brasileiras a partir da década de 1990. Esta hipótese

só pode ser possível em ser almejada devido ao acúmulo proporcionado por todas

as disciplinas citadas acima, pois para a efetividade do conceito das “formas de vida

pelo transporte” é necessária a soma das várias contribuições de diversas

disciplinas e campos de conhecimento, e que têm o tema da mobilidade urbana

como objeto de análise e pesquisa.

Esta sociologia dos transportes ou da mobilidade urbana teria como principal

função lançar um olhar complexo e multidimensional acerca das materialidades e

dos fenômenos que se associam às possibilidades e existências de mobilidade

urbana no contexto das metrópoles do país. Onde a categoria “formas de vida pelo

transporte” não se resumiria somente aos trabalhos focados por etnografias nos

modais existentes, mas realizando o somatório destes trabalhos de campo com as

informações estatísticas acerca das percepções e opiniões materializadas dos

usuários dos serviços, além da utilização dos dados técnicos e concretos dos

deslocamentos efetivamente realizados pela contingente populacional nas

metrópoles. Para a completude deste “campo sociológico” insere-se também a

importância de se conhecer e se aprofundar sobre as vinculações midiáticas acerca

do tema, e que podem assumir e produzir valores e opiniões que são absorvidas,

processadas e difundidas pelo o que chamamos de opinião pública.

1.7 Descrição da tese

Iniciamos nosso trabalho como uma Introdução que apresenta a escolha do

objeto através de uma perspectiva pessoal, profissional e acadêmica do autor desta

tese, tendo a inserção breve de sua problemática no contexto contemporâneo e

fazendo o levantamento de sua relevância. Posteriormente apresentamos os objetos

a serem abordados, a hipótese delineada e a apresentação descritiva do trabalho.

No primeiro capítulo abordaremos a Baixada Fluminense como objeto e loco

primordial de nossa análise, onde serão discutidas a própria utilização do termo

“Baixada Fluminense”, a formação e ocupação históricas desta territorialidade a

relação com a construção do próprio Estado do Rio de Janeiro e as mudanças

ocorridas, durante o tempo, de sua importância social e econômica para a futura

RMRJ, além de discutirmos especificidades dos municípios que a integram.

Discutiremos a relação da Baixada com o tema dos transportes urbanos e sobre as

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identidades territoriais percebidas, sempre em contato com as conexões e

intermediações que estas abordagens possuem com o caráter abrangente do

fenômeno da mobilidade urbana. Por fim apresentamos dados demográficos e

informações relevantes sobre os índices de desenvolvimento humano e econômico

dos municípios que integram a região.

No segundo capítulo realizamos um debate teórico em relação a temas como

território e identidade, mobilidade urbana e segregação sócio-espacial, sempre

buscando um diálogo com a delimitação da Baixada Fluminense como objeto de

observação e os transportes urbanos como conexão entre território e as

sociabilidades no meio urbano. Adentramos ao debate teórico-metodológico

discutindo e se aprofundando nas obras dos autores Max Weber, Georg Simmel e

Norbert Elias, como contribuição para a construção de um arcabouço epistemológico

desta tese. Além de nos aprofundarmos no debate sobre a existência de uma

sociologia do transporte, a conceituação e nomeação possíveis. Este debate será

realizado pela discussão de temas como se daria uma sociologia dos transportes, a

terminologia entre “transportes” e “mobilidade urbana” e a apresentação da

fundamentação teórica acerca da metodologia utilizada para a realização desta tese.

No terceiro capítulo nos atemos às análises das pesquisas e obras que

efetivamente tratam do tema dos transportes urbanos e da mobilidade urbana. Onde

realizamos a observação e descrição minuciosa de etnografias na busca das

“formas de vida pelo transporte”, através da utilização de quadros sinópticos e da

construção de uma tipologia ideal acerca dos transportes no caso da metrópole

fluminense. Também analisamos pesquisas que têm como características

fundamentais a compreensão das percepções da população habitante das

metrópoles brasileiras em relação à questão da mobilidade urbana. A seguir

analisamos os dados de pesquisa domiciliar realizada pela Secretaria de Transporte

do Estado do Rio de Janeiro e que contém dados relevantes sobre os

deslocamentos urbanos na RMRJ.

Por fim temos na Conclusão a discussão perpassada por este trabalho, onde

apresentamos uma contextualização da utilização da Baixada Fluminense como loco

de observação e objeto importante para as exemplificações necessárias às

hipóteses levantadas, posteriormente realizamos o aprofundamento do uso da

categoria “formas de vida pelo transporte” conjuntamente com a agregação de

dados sobre as percepções coletivas e dados quantitativos sobre as

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origens/destinos dos deslocamentos urbanos. Por fim serão contextualizadas e

debatidas as possibilidade para a efetividade e construção de uma sociologia dos

transportes no Brasil.

2 CAPÍTULO 1: BAIXADA FLUMINENSE – HISTÓRIA, FORMAÇÃO E TERRITORIALIDADES

2.1 A configuração territorial da Baixada Fluminense

2.1.1 Introdução

O termo, ou conceito, popularmente utilizado e difundido como “Baixada

Fluminense”, e também instrumentalizado por órgãos oficiais ou em atividades

acadêmicas, de fato não possui nenhum caráter efetivamente “oficial”. É possível

verificar através de bibliografia e da passagem do tempo e seus processos

históricos, como o próprio termo irá refletir diferentes “visões” quanto à classificação

de alguns municípios com relação a um pertencimento a certas características

geomorfológicas, políticas, econômicas ou sociais. A história da região hoje

denominada de Baixada Fluminense carrega consigo momentos de auge econômico

e grande importância dentro do panorama político do estado do Rio de Janeiro.

Porém as cidades que irão se formar de meados do século XIX até o final do

século XX nesta região, a grande maioria oriunda da fragmentação da antiga Vila de

Iguassú, dialogarão em esferas mais próximas ou mais distantes com uma

centralidade importante na história do país, o município do Rio de Janeiro. Os

municípios que formam a Baixada Fluminense, e veremos como eles podem variar

dentro desta configuração chamada Baixada, sempre tiveram sua importância

ressaltada ou pormenorizada tendo como ponto central de comparação os limites da

cidade do Rio de Janeiro.

A formação da cidade do Rio de Janeiro em um espaço geográfico e sua

transformação em um território, central na própria história da formação e na

institucionalização do Brasil como colônia e posteriormente como país independente,

traz como informação fundamental um dado importante para o início de nossa

análise. Os limites do município do Rio de Janeiro efetivamente não se confundem

com os municípios que formam a Baixada Fluminense e os outros municípios da

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região metropolitana. Este dado é fundamental para que seja possível perceber que

há uma distância a ser percorrida entre estes diferentes territórios, mesmo que o

tempo para se cruzar os limites de uma cidade a outra seja muito curto nos dias

atuais13. Ao mesmo tempo, alguns bairros da própria cidade do Rio de Janeiro

possuem distâncias muito maiores em relação ao centro da cidade do que as

percorridas entre municípios vizinhos14.

Porém diferenças não podem ser classificadas e observadas somente pela

noção de distância, outros fatores precisam ser percebidos nas relações entre

diferentes territorialidades, sejam entre cidades ou bairros. A distância em relação

ao centro do Rio de Janeiro pode denotar um fator “indesejável” dentro da hierarquia

urbana, ainda mais exacerbada diante de tantos congestionamentos e

estrangulamentos na mobilidade pendular, porém é necessário estar atento a outros

dados e complexidades: outras centralidades se formaram e convivem dentro da

RMRJ, mesmo não suprimindo a importância do centro do Rio de Janeiro; alguns

municípios possuem um status diferenciado em relação à qualidade de vida de seus

moradores e sua formação socioeconômica15; mesmo morando em um bairro

“distante”, pertencer ao município do Rio de Janeiro pode fornecer uma identidade

territorial positiva, em relação a municípios da Baixada, por exemplo, mesmo que

estes sejam mais próximos do centro do Rio de Janeiro ou mais desenvolvidos

economicamente.

2.1.2 O conceito Baixada Fluminense

Não há, de fato, uma nomeação oficial do termo Baixada Fluminense.

Simões (2011) chama atenção para a centralidade inequívoca que os municípios de

Nova Iguaçu e Duque de Caxias possuem para o que denominamos atualmente de

Baixada Fluminense, assim como os municípios “ “satélites” imediatos, como Belford

                                                            13 Com a construção da via expressa Linha Vermelha (RJ‐071), inaugurada integralmente em 11 de Setembro de 1994,  e  que  acompanha  quase  que  paralelamente  o  percurso  da  Avenida  Brasil,  ligando  os municípios  da Baixada Fluminense (tendo como ponto de comparação a ligação entre a Vida Dutra e a Avenida Brasil, Km 0) ao centro do Rio de Janeiro, onde um percurso sem congestionamentos é possível ser realizado, em um viagem de carro, no trajeto centro de Duque de Caxias ao centro do Rio de Janeiro entre 10 a 15 minutos. 14 Isto pode ser observável em referência a bairros da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro como Santa Cruz, Pedra de Guaratiba, Sepetiba, etc, e até mesmo Barra da Tijuca e Campo Grande. 15  Niterói  é  um  exemplo  de  cidade  que  é  vista  socialmente  como  uma  cidade  com  alto  padrão  de  vida, lembrando que esta cidade foi a capital do Estado do Rio de Janeiro quanto havia a divisão entre os Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara. 

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Roxo, São João de Meriti, Nilópolis, Mesquita, Queimados e Japeri, que são

incluídos por todos os autores, mas nem sempre analisados com a mesma

profundidade que o “núcleo duro””. (SIMÕES, 2011, p. 15). Os municípios oriundos

da antiga Vila de Iguaçu, e sua futura fragmentação em diversos outros municípios a

partir de meados do século XX, parecem ser centrais nas diferentes noções sobre

quais municípios efetivamente formam a Baixada Fluminense. Alguns autores

integraram algumas cidades devido a aspectos geográficos, sociais ou políticos,

assim como alguns outros autores perceberão que alguns destes municípios não se

integrariam às características mais “comuns” ao termo Baixada Fluminense.

Em contraponto a esta Baixada Política encontramos um conceito de “Baixada Histórica” presente nos trabalhos do IPAHB (Instituto de Pesquisas e Análises Históricas e de Ciências Sociais da Baixada Fluminense) que reconhece como tal, a Grande Iguaçu e os municípios de Magé e Guapimirim. (Torres, 2004). Esta concepção é muito semelhante à delimitação formulada por Prado (2000). Ambos deixam Itaguaí e Seropédica de fora, mas o segundo inclui Paracambi nesta região (SIMÕES, 2011, p. 16).

Portanto evidencia-se a própria discordância e oposição de ideias sobre a

configuração histórica e definitiva dos municípios que integrariam a Baixada

Fluminense. Vemos a explicitação da tentativa de compreensão da própria

morfologia do termo, onde “baixada” remeteria a uma concepção geomorfológica

das terras mais baixas em relação a um elevado, no caso do Rio de Janeiro em

relação à Serra do Mar. O termo “fluminense” deriva “do termo latino flumen (que

significa rio) acrescentando do sufixo “ense”. Este adjetivo diz respeito ao que

pertence ao Estado do Rio de Janeiro” (MAGALHÃES, et al, 2013).

São observadas algumas características tidas como comuns sobre os

municípios integrantes da Baixada, mesmo que não haja convergência na

identificação exata de quem as integra, entre estas informações é interessante

perceber que:

a) ser área do entorno da Baía de Guanabara; b) ser sítio de relevo baixo, localizado entre inúmeros rios e suscetíveis alagamentos; c) ser local das atividades agrícolas voltadas para a citricultura; d) ser área de explosão de loteamentos com os respectivos problemas referentes à infraestrutura urbana;

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e) ser área de expansão urbana sob influencia direta da metrópole

fluminense (MAGALHÃES, et al, 2013).

Ainda segundo Simões (2011) diferentes órgãos oficiais utilizam-se de

métodos e classificações distintas para colher dados e estatísticas sobre a Baixada

Fluminense. Não há uma unificação e convergência entre os conceitos de

instituições como o Instituo Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) - e a

Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores

Públicos do Rio de Janeiro (CEPERJ)16, indicando também a tentativa de órgãos

como a Fundação Para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de

Janeiro (FUNDREM) e a Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro

(TurisRio)17- em delimitar e compreender estes municípios que compõem a RMRJ

em suas atividades e graus de influência local e regional. Também podem ser

incluídos instituições como a Secretaria de Estado de Educação do Estado do Rio

de Janeiro (SEEDUC), com suas regionalizações específicas, a Secretaria de

Agricultura e Pecuária do Estado do Rio de Janeiro (Emater-RJ) -, o Serviço

Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE-RJ) -, e a Secretaria

de Estado de Desenvolvimento da Baixada e da Região Metropolitana

(SEDEBREM), na tentativa de agrupar e delimitar os municípios desta região

Em Magalhães (et al, 2013) vemos a afirmação de uma limitação da Baixada

Fluminense através de dados do CEPERJ e onde a região está integrada à RMRJ e

formada pelos municípios de: Itaguaí, Seropédica, Paracambi, Japeri, Queimados,

Nova Iguaçu, Belford Roxo, São João de Meriti, Nilópolis, Mesquita, Duque de

Caxias, Magé e Guapimirim. O Fórum Cultural da Baixada Fluminense18 utiliza o

mesmo recorte, realizando inclusive um prêmio que tem como sede anual cada um

dos municípios que integram esta configuração. No ano de 2012 o prêmio teve como

sede a cidade de Guapimirim, onde nas análises realizadas por Simões (2011),

muitos autores não veem aderência deste município às “características” do “núcleo

duro” da Baixada. No ano de 2013 o prêmio terá como sede a cidade de Japeri.                                                             16 Sucessor da Fundação CIDE. 17 Órgão que gerencia as atividades turísticas do estado do Rio de Janeiro. 18 “Entidade civil sem fins  lucrativos, formado por um grupo de cidadãos,  instituições e movimentos culturais interessados  no  desenvolvimento  e  pesquisa  da  cultura  na  região”.  Retirada  da  página: http://www.forumculturalbfluminense.org.br/quemsomos.html. Acessado em Julho de 2013. 

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Figura 1: Delimitação realizada pelo IBGE sobre a Região Metropolitana do Rio de Janeiro

Fonte: Simões (2011, p.22).

Figura 2: Delimitação realizada pelo CEPERJ-RJ (2011) sobre a Região Metropolitana do Rio de

Janeiro

Fonte: Simões (2011, p.22).

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Figura 3: Delimitação realizada pela FUNDREM (1977) e que reúne os municípios da RMRJ sobre o que foi chamada de (cidades) Unidas Urbanas Integradas de Oeste (UUIO), ou também, a “Grande Iguaçu”.

Fonte: Simões (2011, p.23).

Figura 4: Delimitação realizada pela TurisRio (2011).

Fonte: Simões (2011, p.23).

Simões (2011), após a análise de todas as configurações realizadas durante a

história da região, adotará como critério de agrupamento a concepção de um “núcleo

da Baixada”, este que seria formado pelos dois grandes e históricos municípios que

“formaram” a região, os municípios de Iguaçu e Estrela “[...], ou seja, os atuais

municípios de Nova Iguaçu, Japeri, Queimados, Belford Roxo, Mesquita, Nilópolis,

São João de Meriti, Duque de Caxias, e os distritos de Inhomirim e Guia de

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Pacobaíba do município de Magé” (SIMÕES, 2011, p.26). Além deste “núcleo” o

autor relativiza o papel do que ele chama de “Baixada ampliada”, que incorpora os

municípios de Guapimirim, Paracambi, Seropédica e Itaguaí, indicando que em

determinados momentos houve uma forte ligação entre estes municípios e o

“núcleo”, mas ao mesmo tempo ocorreram períodos de afastamento, seja por

estratégias políticas ou especificidades econômicas19, porém ele ainda integra a

“Baixada ampliada” ao “núcleo da Baixada” formulando assim sua concepção do

mapa da região e que também utilizamos neste trabalho.

Figura 5: Delimitação realizada por Simões (2011).

Fonte: Simões (2011, p.26).

                                                            19 É ressaltado o “afastamento” do município de Itaguaí da configuração Baixada Fluminense. Muito devido aos investimentos econômicos da cidade e o interesse de integração com municípios que fazem parte do chamado Sul Fluminense e da Serra Fluminense. 

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2.1 Formação e expansão territorial e econômica

2.2.1 História(s) e território(s).

A História, ou para ser mais preciso, as “Histórias” sobre a região da Baixada

Fluminense já vêm sendo contadas e pesquisadas por uma variedade de disciplinas,

quase sempre ligadas às ciências humanas, mas possuindo intersecções

interessantes com diversas formas de ciências. Podemos ver nas disciplinas

História, Geografia, Memória Social, Antropologia, Sociologia, mas também a

Economia e o Planejamento Urbano a realização de pesquisas e produção de

conhecimento sobre os municípios que formam esta região tão específica do estado

do Rio de Janeiro. Souza (1992), Alves (2003), Silva (2005) Simões (2006, 2011),

Rodrigues (2006), Silva (2007), Braz e Almeida (2010) são alguns dos muitos

autores que realizaram trabalho de pesquisa e observação nestes territórios.

A divisão de territórios, através do tempo, reflete as lutas e os resultados de

disputas locais de poder, que vão estar intrinsecamente relacionados com contextos

históricos mais amplos, interesses regionais e nacionais, possibilidades materiais e

simbólicas, para a consolidação de determinadas lideranças e dominações sobre as

“frações” do território que se quer “dividir” ou autonomizar. Onde o resultado dos

conflitos gerados pelas disputas internas, e também externas, de poder, poderão

gerar resultados imprevisíveis. Estas lutas podem ser expandidas para qualquer

formação de unidades ou frações territoriais, porém considerando-se a formação

histórica dos espaços e sociocultural das populações que as habitam. A Baixada

Fluminense carregará sua especificidade na formação de seus municípios e

instâncias de poder locais, que resultam muito diretamente dos momentos políticos

nacionais e a situação econômica da região no contexto mais amplo.

O marco inicial da fragmentação da Baixada Fluminense pode

ser considerado a criação da vila de Magé em 1789, do qual mais tarde surgirá em 1846, o já extinto município de Estrela. Em 1833 é criada a vila de Iguassú, desmembrada do Rio de Janeiro num contexto de redefinição territorial da província. Essas duas vilas, Iguassú e Estrela, serão os embriões dos demais municípios da Baixada […]. O processo de desenvolvimento econômico e adensamento populacional irão criar novos núcleos urbanos que, com o tempo, conseguem suas emancipações, fragmentando intensamente estes dois

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municípios, principalmente Nova Iguaçu, que deu origem a outros sete municípios […] (SIMÕES, 2006, p.141).

Desde a sua exploração econômica inicial, através da cana-de-açúcar, nos

primeiros períodos da colonização, posteriormente com a vinda da Família Real

portuguesa no início do século XIX, e a importância da exploração do café no e pelo

Vale do Paraíba, adentrando aos campos de laranjais do início do século XX, a

antiga Maxambomba, Vila de Iguassú, torna-se Nova Iguaçu também na primeira

metade do século XX. Este território fragmentou-se em várias outras cidades, mas

sempre mantendo uma centralidade econômica e, podemos dizer afetiva, aos

municípios “filhos” ao seu entorno, diminuindo essa gravitação em relação à antiga

Vila de Estrela, e de onde surgiram os municípios de Duque de Caxias e cidades

vizinhas (RODRIGUES, 2006).

Simões (2006) busca compreender as dinâmicas que efetivaram a

fragmentação do território da Baixada Fluminense e os movimentos emancipatórios

criando diversas novas cidades em determinados períodos da História do Brasil,

tendo como principal referência o município “mãe”, que é Nova Iguaçu. E será

através da perspectiva econômica, da formação sócio-territorial, das disputas

políticas, da construção político-administrativo do território, e da percepção das

identidades locais que será discutido o sentimento de des-pertencimento e

pertencimento a “velhos” e “novos” municípios.

Há a observação da implementação de uma política de transportes que irá

agir como política segregadora o início do século XX. Porém o apontamento é de

que o sistema de transportes não agirá como elemento segregador stricto senso,

mas atuará em consonância com o Estado, os interesses dos concessionários das

linhas de transportes urbanos e a especulação imobiliária já existente à época, e não

simplesmente por uma questão pelos preços dos transportes, havendo a indicação

que:

O esquema era simples, ao receber a concessão para uma linha de bonde, os empresários se apropriavam de terras ao longo desta ou já as possuíam e conseguiam a concessão da linha. A seguir criavam loteamentos voltados para as classes mais abastadas oferecendo melhores condições de vida que na área central. O Estado participava concedendo as linhas de bonde e investindo na infra-estrutura destes novos loteamentos em detrimento das áreas ocupadas há muito tempo pelos mais pobres. (ABREU, 1992 apud SIMÕES, 2006, p.83).

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Ao restante da população que não poderia arcar com os altos preços do solo,

principalmente na região central e na zona sul do Rio de Janeiro, os trens urbanos

foram o principal modal e forma de deslocamento para os loteamentos populares e

posses para as regiões menos valorizadas pelo avanço das mudanças urbanas e

econômicas da cidade do Rio de Janeiro, pertencente ao Distrito Federal e estado

da Guanabara.

Em uma configuração contemporânea, a Baixada Fluminense, e mais

especificamente os municípios de Nova Iguaçu e Duque de Caxias, possuem uma

importância política e econômica que lhes podem proporcionar algum grau de

autonomização e influência nos arranjos de poder em relação ao grande núcleo e

centro gravitacional que é a metrópole/cidade do Rio de Janeiro. Duque de Caxias

possui esta relevância devido à instalação da Refinaria de Duque de Caxias

(REDUC), além de sua proximidade aos limites da cidade do Rio de Janeiro e do

aeroporto internacional, e Nova Iguaçu através de sua centralidade histórica, seu

adensamento populacional e sua diversidade em atividades econômicas, porém “[…]

a proximidade de um centro dinâmico e diversificado […] faz com que determinados

setores e ramos não existam ou sejam insignificantes […], como é o caso da

produção cultural em escala industrial, na forma de produção cinematográfica,

editorial e televisiva […]” (SIMÕES, 2006, p. 190.). Estes apontamentos relacionam

diretamente as interdependências e extrapolações difusas entre as atividades

metropolitanas, expansão da mancha urbana20 e as relações econômicas e de

produção da cidade do Rio de Janeiro e dos “expoentes” da Baixada, Nova Iguaçu e

Duque e Caxias, mas não dão conta efetivamente das possíveis diferenças e

percepções entre as formas de se transportar, as políticas de mobilidade, as

diferenças na oferta do sistema de transportes urbanos a RMRJ.

Dentro das perspectivas da criação da imagem e autoimagem em uma

identidade territorial, há a observação da existência de uma imagem pública e

coletivizada difundida pela mídia, e não só por ela, e que faz parte de uma grande

imaginário acerca da região conhecida como Baixada Fluminense. O aparecimento

desta “imagem” está contido em um esquema que poderíamos chamar

superficialmente de “reside e não-reside / conhece e não-conhece”, onde o fato de

se ter nascido e/ou ter sido criado em um determinado território e ter uma

                                                            20 Simões (2006, p. 12). 

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autopercepção de que o “conhece” irá incidir em uma ideia autorizada e com certa

completude sobre o aquele território já “assimilado”, neste esquema podemos

levantar os binômios: não-reside/não-conhece, não-reside/conhece (ou já ouviu falar

de), reside/ não-conhece (recém moradores, pessoas com baixa mobilidade, jovens

que transitam em áreas muito restritas ou que saem para localidades fora da região

de moradia), reside/conhece (apropriação objetiva e subjetiva do território).

Obviamente que esse “conhecimento” ou “desconhecimento” estarão carregados

das subjetividades individuais, porém há de certa maneira um ethos coletivo e

intimamente ligado ao pertencimento ao lugar de socialização.

2.2.1. Os trens e a expansão urbana

Simões (2011) ressaltará que as mudanças ocorridas na cidade do Rio de

Janeiro, à época capital federal, no final do século XIX e o início do século XX,

proporcionarão o surgimento de uma oferta nos transportes urbanos que será

decisiva para a expansão e ocupação demográfica do Rio de Janeiro, tanto nos

bairros próximos ao centro da cidade, como a Zona Sul e a Tijuca, através da oferta

dos bondes; quanto às regiões mais afastadas, como a Baixada Fluminense, através

dos trens urbanos.

A decadência da produção do café no final do século XIX, em relação à

produção paulista, e a perda da importância do Vale do Paraíba como produtor e

região de passagem desta produção, terá como principal efeito a decadência e a

falta de investimentos de infraestrutura para estas terras. Ao mesmo tempo a cidade

do Rio de Janeiro, como capital, procurará diversificar suas atividades econômicas,

e com o advento da Proclamação da República, um novo processo de reurbanização

do centro se iniciará, através do investimento em uma incipiente industrialização, da

substituição de importações e do crescimento dos serviços e comércio. O início do

século XX, com a reforma Pereira Passos (1903-1906) e nos anos 1920 com Carlos

Sampaio, os mais pobres serão “retirados” do centro da cidade, os mais ricos se

deslocarão para a Zona Sul, prioritariamente, e as classes empobrecidas migrarão

para a Baixada e subúrbios.

Portanto há uma associação cronológica entre o aparecimento das ferrovias,

suas respectivas estações e alguns investimentos básicos nas localidades onde

existiam loteamentos populares e para onde se deslocaram grande parte da

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população pobre e que se deslocava para, através dos trens, no trajeto lar-trabalho-

lar. Entre estas linhas ferroviárias, criadas desde o fim do século XIX e perpassando

o início do século XX, podemos ver:

• A Estrada de Ferro Central do Brasil e os primeiros loteamentos;

• A Estrada de Ferro Rio d’Ouro;

• A Estrada de Ferro Melhoramentos do Brasil – Linha Auxiliar;

• A Estrada de Ferro Leopoldina.

Quanto à criação destas linhas férreas é ressaltado que:

A incorporação da Baixada Fluminense à mancha urbana do Rio de Janeiro se dá a partir do momento em que as terras disponíveis para loteamentos no núcleo, pelo menos próximas à EFC e EF Leopoldina começam a escassear e, consequentemente, encarecer. A proximidade relativa dos distritos limítrofes leva a um transbordamento das estratégias dos agentes imobiliários para estes, onde as pré-condições para a urbanização: agricultura estagnada, terras baratas e acesso a transporte em massa, já estavam presentes. Assim, se inicia a captura desta região à lógica da urbanização carioca com a redefinição do papel da Baixada Fluminense na economia do Rio de Janeiro, deixando de ser um mero local de passagem para definitivamente ser integrada na condição de espaço urbano periférico subordinado ao núcleo (SIMÕES, 2011, p. 118).

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Figura 6: Estrada de Ferro Rio D’Ouro (1935).

Fonte: Simões (2011, p.122).

2.2.2 Economia e história

2.2.2.1 Primeiros anos, século XIX e primeira metade do século XX

Desde o início do povoamento da região que iria futuramente ser

denominada como Baixada da Guanabara e posteriormente, após períodos de

consolidação e fragmentação, a Baixada Fluminense, é importante percebermos as

atividades econômicas desenvolvidas nesta região.

Desde o processo de colonização realizado pelos portugueses no início do

século XVI as primeiras atividades econômicas se pautaram na extração da flora

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local, principalmente árvores que forneciam pigmentos e derivados para a indústria

têxtil. Com o passar do primeiro momento de chegada, descoberta e assentamento

dos portugueses, outras atividades foram se desenvolvendo e a introdução do

cultivo da cana-de-açúcar vai se mostrar importante, e posteriormente fundamental

para tanto para a Colônia quanto para a Metrópole.

As sesmarias que formavam esta região foram também ocupadas pelos

engenhos de cana-de-açúcar e após as terras saírem de mãos de particulares,

foram doadas a monges beneditinos que também compraram outras terras,

formando uma das maiores e mais antigas fazendas do Brasil, a Fazenda de

Iguassú, onde podemos ver que “No ano de 1719 Iguassú é elevada a categoria de

freguesia curada, ou seja, Freguesia (distrito) com um Cura (padre). Este fato

evidenciou o reconhecimento, por parte das autoridades coloniais, de uma área de

ocupação com potencial econômico” (RODRIGUES, 2007, p.23).

A produção em alta escala da cana-de-açúcar, que gerava como principais

derivados a água-ardente e o próprio açúcar foram a principal matriz do

desenvolvimento econômico do país no período, e a produção fluminense tinha

papel fundamental para a geração de riquezas. Além da produção de açúcar,

também se produzia mandioca, milho, legumes, e feijão, que servia para abastecer

as fazendas e populações locais. Durante muitos anos a produção canavieira

prosperou, até iniciar seu esgotamento entre o final do século XVIII e o início do

século XIX, muito devido à produção de outras localidades fora do Brasil, como as

Antilhas, e às amarras comerciais geradas pelo pacto colonial com Portugal.

Rodrigues (2007) realiza estudo a partir de uma perspectiva histórico-

econômica da Vila de Iguassú, futura Maxambomba, futura Nova Iguaçu, “cidade”

esta que será central para a formação da região da Baixada Fluminense, através de

sua fragmentação territorial, administrativa e política e que ocorrerá com o passar

dos anos, além do desenvolvimento econômico e adensamento demográfico que se

seguirá. Conhecer a história da economia da Vila de Iguassú significa também

conhecer os rumos e bases das economias dos municípios oriundos desta primeira

forma de municipalidade.

Já no início do século XIX e com o advento da vinda da família real

portuguesa à colônia, outro produto surgirá como principal fonte de geração de

riquezas da produção local e para a exportação: o café. As primeiras plantações do

café em solo fluminense ocorreram nas vilas de Estrela (futura Magé) e Tinguá, em

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Iguassú. Mais do que grande produtor, o Vale do Paraíba, onde a Baixada

Fluminense está diretamente integrada, servirá como grande entreposto para o

escoamento da produção do café realizado no sudeste, e que será prioritariamente

exportado. O grande período da produção cafeeira fluminense se dará entre os anos

de 1870 a 1890.

Porém já ao final do século XIX a produção cafeeira do Vale do Paraíba verá

uma queda brutal em comparação à produção desenvolvida no Oeste de São Paulo.

Alguns fatores são apontados como decisivos para essa diminuição, entre eles

podemos destacar: o esgotamento do solo e a falta de variedade dos plantios, as

técnicas rudimentares na plantação e extração do café, a falta de investimentos e a

postura conservadora dos donos das fazendas, a larga utilização de mão de obra

escrava e, portanto, uma falta de dinamismo e consumo interno dos trabalhadores

assalariados (mesmo que às custas de uma hiper-exploração dessa mão de obra) e

as técnicas trazidas pelos trabalhadores europeus assim como os investimentos

realizados pelos produtores paulistas.

Como todo ciclo econômico, o do café teve seu período de decadência. Isso se deu em ocorrência de fatores entre os quais a falta de mão-de-obra, pois os produtores fluminenses, diferentemente dos produtores do Oeste paulista, não encontraram uma solução de curto prazo para substituir a mão-de-obra escrava que rareava e também tornara-se inviável economicamente e o desgaste do solo que afetou a agricultura de modo geral. Soma-se ainda a esses fatores, o abandono dos rios e canais, que propiciou o aparecimento do impaludismo21 (RODRIGUES, 2007, p.38).

No início do século XX, mais precisamente no início da primeira década, o

plantio da citricultura na região de Iguassú, plantio realizado desde o final do século

XIX, irá gerar uma grande produção para exportação e trará capital e um período

interessante de desenvolvimento para a região.

Os laranjais tomam a paisagem local transpassando a primeira década e a

então sede do município chamada Maxambomba se transformará em Nova Iguaçu,

conhecendo um investimento em seu centro comercial e expansão demográfica,

realizando o desenvolvimento de núcleos comerciais com intervenções na

infraestrutura, em localidades que têm como centralidades as estações das ferrovias

que cortam a região. A partir deste período até a década de 1950 o município

                                                            21Com nota do autor.  

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conhecerá uma grande expansão demográfica. De fato esta expansão se dará nos

anos seguintes, mas não com a intensidade e progressão verificada neste período.

Figura 7 - Evolução populacional no município de “Nova Iguaçu” entre 1779 e 1950.

150000 1940 1950

135000

120000

105000

90000

70500

60000

45000 1920

30000 1779/1789 1795 1821 1879

15000

Fonte: Pereira (1977) apud Rodrigues (2007. p.41).

O aumento demográfico e a capitalização gerada pela produção da laranja

irão proporcionar investimentos.

O progresso engendrado pela laranja fez com que o poder público investisse na abertura, melhoria e construção de estradas para facilitar a vazão da produção bem como o acesso dos moradores à sede do município. Os exemplos desses investimentos foram a criação da Rodovia que liga a cidade do Rio de Janeiro a Petrópolis, Washington Luís (BR . 135), a estrada Rio-São Paulo e a avenida Automóvel Clube. Outra medida adotada foi a eletrificação da Estrada de Ferro Central do Brasil em 1938 até Nova Iguaçu atingindo Japeri em 1943 em conjunto com a adoção da tarifa única, que facilitou, sobremaneira, o acesso da população proletária a este meio de transporte e seu deslocamento em termos de moradia (RODRIGUES, 2007, p. 45).

Assim como na produção do café, a citricultura encontrará seu apogeu e

queda. Acontecimentos diversos convergiram para o declínio da citricultura. A

deflagração da Segunda Guerra Mundial e a impossibilidade de escoamento da

produção; a defasagem nas técnicas de produção e colheita, assim como a queda

da produtividade das terras; o aparecimento da praga “mosca do Nilo” que se

desenvolve com o apodrecimento das frutas; a queda da produção fez com quem

medidas do governo impedissem a exportação para o abastecimento interno, o que

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fez com que muitos produtores abandonassem o cultivo e procurassem diversificar

seus ganhos; portanto estes formam um conjunto de fatores para a queda do

apogeu da laranja em terras iguaçuanas, assim como o processo de industrialização

que se inicia e se propaga pela expansão dos transportes urbanos, principalmente

com a eletrificação dos trens da Central do Brasil.

2.2.2.2 Século XX: Anos 1930 até 1970

A partir da Revolução de 1930, ou o Golpe de 1930, o país efetivamente

entra em um processo forçado e pujante de desenvolvimento industrial,

principalmente com a quebra da hegemonia política das lideranças

agroexportadoras da região Sudeste, principalmente São Paulo, e com a ascensão

de uma classe empresarial mais modernizadora, com fundamentação teórica liberal

e que foi altamente privilegiada pelo e com o Estado brasileiro, na realização de

mudanças estruturais com base no capitalismo industrial internacional.

Porém, a tradição agroexportadora brasileira não foi abandonada e o café

ainda continuava como principal fonte de riquezas, ainda que suas benesses agora

seriam deslocadas como suporte para a construção de indústrias de base, energia e

transportes, e no início da formação de uma classe trabalhadora minimamente

estruturada legalmente e informalmente, e com forte tutela do Estado. A política das

“substituições de importações” foi amplamente utilizada para efetuar a mudança no

padrão de consumo e produção nacional, além dos altíssimos índices de migração

do campo às cidades que veremos a partir deste momento e que será de

fundamental importância para a implementação da vida urbana nacional,

principalmente no Sudeste, concatenada com o padrão de vida capitalista, tão

necessária para a reprodução de tal sistema.

O Estado da Guanabara, atual cidade do Rio de Janeiro, que era a capital

federal à época, vivenciou este processo de modernização e ampliação urbana,

onde verificou-se a expansão das manchas demográficas e urbanas para diversas

regiões do Estado e também do Estado do Rio de Janeiro. As classes mais

abastadas tomaram seus lugares de habitação na zona sul do Rio, as classes

médias e médias baixas iriam ocupar a região da Tijuca e os subúrbios até os limites

da cidade do Rio de Janeiro. Os mais pobres foram viver em torno dos centros

surgidos das concentrações proporcionadas pelas estações férreas, que escoavam

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pessoas e produtos pela Baixada Fluminense e posteriormente também na zona

oeste do Rio de Janeiro.

A Baixada Fluminense, como visto, vivenciou o apogeu da citricultura até os

anos 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial, e neste período de grande

expansão urbana na Guanabara, seu núcleo de atividades econômicas ficou

diretamente atrelado à função de produção e comercialização de tal produto

agrícola. Obviamente que as riquezas geradas pela citricultura produziram

melhoramentos em ruas, edifícios e casas da região, mas o caráter modernizador

proporcionado pelo desenvolvimento de base urbano-industrial só terá

consequências após o declínio da citricultura local. Os avanços da urbanização

seguirão a tendência do movimento pendular das “cidades dormitórios” e da

necessidade de se fornecer mão de obra operária na expansão metropolitana do Rio

de Janeiro. Nova Iguaçu assumiu junto aos municípios da Baixada Fluminense o papel de centro industrial e de dormitório da população. Para ostentar tais funções, deixou de exercer outras que lhe proporcionaram durante vasto tempo a condição de cidade, como é o caso do papel de estação ferroviária, pois, com o advento da nova rodovia, deu-se o abandono quase que por completo do transporte ferroviário. Este abandono se deu em função da opção automobilística adotada pelo país na construção de sua nova imagem de moderno (RODRIGUES, 2007, p. 58).

Um incipiente processo de industrialização iniciou-se, principalmente no

núcleo central da Baixada Fluminense, que é a cidade de Nova Iguaçu22, mas que

estava “separada” de Caxias e que veria o desmembramento de seu território como

nos municípios de Nilópolis e São João de Meriti. A necessidade de expansão da

metrópole fluminense e a importância e facilidade de acesso dos moradores da

região através das estações ferroviárias, proporcionou uma grande especulação

imobiliária e loteamentos populares, assim como grande procura por moradia, muito

devido ao grande fluxo de migrantes oriundos de outras regiões do país,

principalmente do Nordeste.

Entre os anos sessenta e setenta, Nova Iguaçu continuou se destacando frente aos demais integrantes da Baixada Fluminense em relação ao crescimento da população urbana. Nesse período, o município apresentou uma taxa de crescimento geométrico da ordem de 7,3%, a mais alta taxa entre os municípios da Região

                                                            22 Já com nova grafia a partir de 1945. 

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Metropolitana. Tal aumento contribuiu para que no início dos anos sessenta, o município estivesse totalmente conurbado com os outros municípios da região metropolitana (RODRIGUES, 2007, p. 72).

Com o advento da fusão do Estado da Guanabara e do Estado do Rio de

Janeiro, em 1974, criando-se assim somente o Estado do Rio de Janeiro, esperava-

se que os investimentos se descentralizassem da capital do “novo” estado, outrora

capital federal, e pudesse se espalhar principalmente na RMRJ, mas, efetivamente,

esse “equilíbrio” não aconteceu após a fusão.

2.2.2.3 Século XX: Anos 1970 aos anos 2000 e as tendências

contemporâneas

Outro ciclo importante no processo de expansão de base capitalista e

urbana é o Plano Nacional de Metas, o primeiro e o segundo, já sob o regime militar

e que visava a consagração do modelo industrial urbano e o desenvolvimento

econômico e social de base piramidal, onde o enriquecimento das elites e das

classes médias “puxariam” as mudanças e possíveis distribuições dos benefícios

gerados pelo capital e pelos aportes tanto governamentais quanto estrangeiros. O I

Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) efetivamente conseguiu elevar as taxas

de crescimento do país a dois dígitos no período e com um dinamismo único no

âmbito internacional daquele momento. Já a partir do segundo PND, nos anos 1970,

percebe-se a perda de importância administrativa e econômica do Estado do Rio de

Janeiro em relação a outras regiões e estados da Federação, mesmo que no Plano,

o Rio de Janeiro estivesse contemplado como um polo de alta tecnologia, prevendo

e tendo sido criado inúmeras empresas e núcleos específicos, havia no mesmo

plano o processo de descentralização em nome de desenvolvimento de outras

regiões que não fossem o Sudeste, e mais especificamente as metrópoles de Rio de

Janeiro e São Paulo.

Com a impossibilidade de manutenção das taxas de crescimento e de

produção industrial, queda já observada desde início dos anos 1970 e aprofundada

com os empréstimos internacionais contraídos pelo governo brasileiro em anos

anteriores e também no mesmo período, além do retraimento da economia mundial

e da crise do petróleo, o II PND não conseguiu proporcionar os resultados

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esperados e o mesmo dinamismo do plano e da década anterior. O país vai adentrar

aos anos 1980 com altos índices de estagnação e inflação.

O Estado do Rio de Janeiro sofrerá as consequências desse momento de

inflexão econômica e isto acarretará um processo crescente de diminuição da renda,

da queda dos empregos formais, do aumento da informalidade, do aumento do

comércio e serviços como principais empregadores, o aumento da violência urbana

e a precarização dos dispositivos urbanos e políticas básicas de bem estar social.

Especificamente a região da Baixada Fluminense observará um grande aumento da

desigualdade de renda, e que ficará cada vez mais evidenciada pela queda nos

rendimentos médios das classes mais pobres e o aumento na diferença da renda

per capita da parcela da população mais rica e a grande maioria da população com

quedas significativas em seus salários e padrões de vida. Aliado a esta conjectura

econômica evidencia-se a histórica falta de investimentos governamentais em

condições básicas de saneamento, habitação e meios de transportes adequados

para a região que, em menos trinta anos viu um grandioso aumento em suas taxas

demográficas, tanto pelos deslocamentos internos e expansão da metropolização

fluminense, quanto pelas migrações de grande contingente de outros estados. A

década de 1980 será reconhecida economicamente e socialmente como a “década

perdida”, mas de sua metade ao seu final ocorre o importante processo de

redemocratização do país, com o fim do regime militar, período efetivamente

finalizado com a Constituição de 1988 e as eleições diretas para presidente da

República de 1989, além de se ressaltar a queda do Muro de Berlim e o fim da

União Soviética, também entre os anos de 1989 e 1990, no âmbito internacional.

Evidenciando-se que o capitalismo liberal, ou neoliberal, será a estrutura econômica

vigente a partir de então no Ocidente, e podemos dizer em todo o planeta.

A Baixada Fluminense passará a ser vista como rincão da violência, da

pobreza e da miséria, e também como o local do atraso e da falta de investimentos.

Desta análise desprende-se que o município de Nova Iguaçu, juntamente com os outros da Baixada Fluminense formaram um cinturão de pobreza em torno do município do Rio de Janeiro. A desatenção das autoridades quanto a esses fatos refletiu claramente na vida societária da região, levando Nova Iguaçu a ter um de seus distritos, Belford Roxo, classificado como sendo um dos locais mais violentos do mundo. A cidade ficou estigmatizada como local de grupos de extermínio que tanto aterrorizaram a região (RODRIGUES, 2007, p.84).

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A partir da década de 1990 e com mudanças estruturais de base econômica

realizadas no Brasil a partir do Plano Real e a estabilização monetária, assim como

os rearranjos produtivos e flexíveis em processos de transformação já iniciados a

partir do final dos anos 1970 e evidenciados nos anos 1990, o Rio de Janeiro, a

RMRJ e a Baixada Fluminense apresentarão mudanças significativas dentro do

panorama econômico nacional.

São observados avanços e uma inflexão positiva no início dos anos 1990 no

país e o Estado do Rio de Janeiro também apresentará sinais de estabilização e

crescimento dos índices econômicos com a vinda de fábricas e indústrias

automobilísticas à região e a adequação da política nacional às demandas do capital

financeiro global e novas tecnologias. Nova Iguaçu, e grande parte dos municípios

da Baixada Fluminense, entrarão em uma fase que “poderíamos chamar de uma

passagem da economia iguaçuana de uma economia industrial para uma economia

de serviços” (RODRIGUES, 2007, p. 87). Nova Iguaçu, especificamente, passará por

um momento sui generis porque verá uma diminuição drástica de seu território e de

sua população, fato que irá afetar diretamente sua arrecadação. Devido à

Constituição de 1988, territórios e localidades buscaram, através de suas lideranças

locais, a emancipação proporcionada pela nova Carta. Estas emancipações

ocorreram principalmente pelo discurso da falta de investimentos básicos em grande

parte destas localidades, e que não faziam parte da centralidade do município

iguaçuano, e pelos interesses de lideranças políticas locais por terem mais

autonomia, poder e representatividade eleitoral. Ambos, o discurso e os interesses,

possuem fundamentação real, mas podem ser relativizados pelas diferentes

opiniões políticas, ideológicas, históricas e acadêmicas. Queimados, Belford Roxo,

Japeri e Mesquita foram os territórios “perdidos” por Nova Iguaçu neste período e

que vão gerar um efeito econômico importante para o município “original”.

Nova Iguaçu destacou-se nesse período nos setores relativos à extração de minerais, indústria de transformação, comércio atacadista, comércio varejista, construção civil, serviços industriais de utilidade pública, transportes, comunicações, instituições financeiras, aluguéis, ou seja, o município passa a se destacar, principalmente, como um grande centro de serviços da Baixada Fluminense (RODRIGUES, 2007, p.90).

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Porém não podemos esquecer outros municípios da Baixada Fluminense

que terão importante participação para o Produto Interno Bruto (PIB) da RMRJ e

como geradores de emprego e crescimento para o Estado do Rio de Janeiro (ERJ).

Duque de Caxias, com a REDUC23 e Belford Roxo onde está situada a Bayer24.

Verifica-se uma mudança das principais atividades econômicas, onde o setor

industrial irá se difundir e partirá para um processo de descentralização, buscando

situar-se em cidades médias e pequenas, e um pouco distanciado dos grandes

conglomerados metropolitanos; e o desenvolvimento do setor de serviços e

comércio, que ganhará um novo dinamismo com as altas taxas demográficas, a

diversificação das indústrias e atividades produtoras, proporcionando um

crescimento econômico para grande parte dos municípios pertencentes à Baixada

Fluminense e à RMRJ. Podemos ver a seguir um quadro da composição do PIB do

município de Nova Iguaçu.

                                                            23 A Refinaria de Duque de Caxias – Reduc é hoje a mais completa e complexa refinaria do sistema Petrobras, tendo  sido  inaugurada, em 1961,  com  apenas  seis unidades,  além da  casa de  força.  Localiza‐se na Rodovia Washington Luís, km 113,7, no distrito de Campos Elísios (Duque de Caxias).  24 “Inaugurado em 1958 pelo ex‐presidente da Bayer no País, Prof. Ulrich Haberland, ao lado do ex‐presidente brasileiro Juscelino Kubitschek, a planta ocupa uma área de 2 milhões de m2, reúne a única fábrica de MDI ‐ um dos componentes para formulação do poliuretano ‐ da Bayer MaterialScience na América do Sul e a segunda maior unidade de formulação de  inseticidas, fungicidas e herbicidas da Bayer CropScience em todo o mundo. Além  disso,  nesta  localidade funciona  a  única  fábrica  de  resina  alifática  poliuretânica  da  América  Latina, matéria‐prima  utilizada  na  formulação  de  vernizes  para  as  indústrias  da  construção  civil,  moveleira  e automotiva”.  Fonte: http://www.bayer.com.br/scripts/pages/pt/grupo_bayer/unidades_no_brasil/parque_industrial_belford_roxo/index.php 

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Figura 8 - Composição do PIB de Nova Iguaçu – 2000.

Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE/RJ), 2003 apud Rodrigues (2007, p.91).

É importante ressaltar como o período entre os anos 1980 e 2000 favorece,

e de certa maneira força, o desenvolvimento das atividades do setor terciário, além

uma grande informalidade no mundo do trabalho nos núcleos urbanos da RMRJ,

mudando de maneira decisiva as características da geração de renda, das

oportunidades de trabalho e da própria habitação e deslocamentos urbanos na

metrópole do Rio de Janeiro. Os transportes urbanos estarão intimamente ligados a

esta matriz de mudança econômica e de configuração social observada pelos

municípios que integram a RMRJ. Há uma fragmentação dos empregos formais em

um contingente imenso que trabalha informalmente no centro do Rio de Janeiro, ou

nos centros dos municípios da metrópole fluminense, assim como os intensos

deslocamentos intra e interurbanos dos empregos e trabalhos pautados no setor de

serviços e que têm na sua própria natureza a necessidade de flexibilidade e de

velocidade.

O surgimento do transporte por vans será ressaltado por Mamani (2004),

que inclusive o classificará como “transporte informal”, devido à aderência ao “novo”

mundo do trabalho à qual esta forma de se transportar está diretamente ligada. A

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princípio como transporte fretado para eventos específicos, posteriormente como

opção de conforto e velocidade frente aos ônibus e sua frota envelhecida, depois

como efetiva alternativa da falta de oferta de linhas dos ônibus regulares,

velocidade, preço e flexibilidade frente à rigidez de itinerários e maus serviços

prestados pelas empresas de ônibus. Fonseca (2005) focará seu olhar na “invenção

de mercado” proporcionado pelos mototáxis na favela da Rocinha, na zona sul da

cidade do Rio de Janeiro, e demonstrará como este novo modal surge como

alternativa aos transportes convencionais e que não podiam chegar às partes mais

altas das favelas, além de ser uma nova possibilidade de trabalho para jovens com

pouca escolaridade da Rocinha, na flexibilização de horários para o trabalho destes

mesmos jovens, e que contariam ainda com altas doses de “emoção”. Os mototáxis

vão se espalhar efetivamente como um serviço de transportes da RMRJ, mesmo que

permaneça sem regulamentação. Silva (2007) ressaltará através de um estudo de

caso o funcionamento interno de uma cooperativa de vans situada em município da

Baixada Fluminense, onde tenta problematizar as imagens cristalizadas e reificadas

de criminalização desta atividade, revelando e apresentando categorias nativas,

formas de organização e luta política dos atores envolvidos frente a órgãos públicos,

interesses dos empresários de ônibus, concessionárias oficiais e as tensões com as

forças policiais, tráfico de drogas e milícias. Pires (2011) fará uma observação

participante nos trens da Central do Brasil, que realiza o transporte de milhares de

pessoas entre a zona oeste, a Baixada Fluminense e o centro do Rio de Janeiro,

pautado na organização e nas relações dos trabalhadores informais dentro dos

vagões dos trens. O trabalho de ambulantes, também conhecidos como camelôs,

nos vagões urbanos do Rio de Janeiro já se realiza há muitos anos, porém o

aumento da taxa de desemprego formal, principalmente nas décadas de 1980 e

1990, empurrou uma massa de trabalhadores para estas atividades tidas como

“menores” na hierarquia do mundo do trabalho e social. Os antagonismos entre

estes trabalhadores, os seguranças privados da concessionária do serviço de trens

urbanos, a intermediação com a Polícia Militar e as deficiências estruturais do

próprio serviço prestado aos clientes/cidadãos, são problematizados e discutidos no

cenário atual da configuração sócio-espacial e histórica do Rio de Janeiro e do

próprio país.

2.2.3 Baixada Fluminense e identidades territoriais

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A incorporação da discussão sobre a construção material e subjetiva, as

territorialidades e identidades da região conhecida e reconhecida como Baixada

Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro, e que concerne um conjunto de

municípios que integram a RMRJ possuindo uma delimitação geográfica, é de

fundamental importância a este trabalho, pois incidirá luz à hipótese de que a

territorialidade, as construções e percepções identitárias endógenas e exógenas a

esta região possuam implicações diretas na oferta dos transportes urbanos à

população que vive e se desloca diariamente para a cidade do Rio de Janeiro, e

outras localidades da RMRJ, para a realização do “fazer-se” da vida cotidiana.

Mais do que as observações de ineficiências e imobilidades na oferta dos

transportes urbanos, nossa hipótese é conjugar as percepções identitárias no

cruzamento entre as formas como as pessoas efetivamente se transportam, o que

pensam sobre o ato de se transportar, como se é percebido publicamente e

midiaticamente esse transporte, o que os nascidos e residentes da Baixada pensam

sobre o local onde vivem em contraponto com outros locais em que não-vivem, mas

que constantemente precisam se deslocar, e como as políticas de mobilidade

refletem essas percepções. A produção acadêmica sobre o território da Baixada

Fluminense, e sua consequente análise aqui realizada, será de grande importância

como suporte instrumental e teórico para o trabalho aqui proposto.

A construção de uma imagem negativa da Baixada Fluminense parece ter

sido criada/divulgada a partir dos anos 1960 (sem que se possa precisamente

afirmar quando) no auge da ditadura militar e posterior ao grande avanço da mancha

urbana que transbordou os limites da cidade do Rio de Janeiro, aliada às grandes

deficiências urbanas, ao grande contingente da população mais pobre do Rio de

Janeiro que migrou para a região, à distância em relação à cidade do Rio de Janeiro,

a precariedade dos sistemas de transportes, a desvalorização do uso do solo, o

surgimento de grupos de extermínio ligados à polícia militar, ainda na ditadura e

posterior a ela, e o grande aumento nos índices de violência da região,

principalmente do número de homicídios. Os anos de 1970, 1980, e até meados dos

anos 1990, corroboraram com a imagem pública da Baixada Fluminense de território

estritamente relacionado à pobreza e principalmente à violência, violência esta

diretamente ligada aos, ainda existentes, grupos de extermínio formados por

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policiais militares e confrontos gerados pelo banditismo relacionado ao tráfico de

drogas25.

Nas décadas de setenta e oitenta os jornais impressos mais populares e de

grande circulação ajudaram, de forma bastante efetiva, a ampliação e divulgação

dos casos de violência da região, mostrando de maneira bastante clara, em suas

capas, fotos de pessoas assassinadas, quase sempre de forma chocante e realista.

Os jornais televisivos sempre se focaram em matérias jornalísticas que mostravam

as deficiências e crimes, quase nunca vinculando notícias sobre os aspectos

políticos, culturais ou ambientais, mesmo quando os índices de violência dos

municípios que formam a Baixada Fluminense eram iguais ou menores aos índices

apresentados pela cidade e bairros do município do Rio de Janeiro. A partir de

meados dos anos 1990 os grandes grupos de mídia do estado pareceram modificar

um pouco suas linhas editoriais e criaram cadernos especiais sobre a região, com a

circulação exclusiva aos municípios circunscritos à região, mas que buscaram

evidenciar pontos positivos da Baixada, relacionando suas notícias a eventos

culturais, sociais, esportivos e educacionais. Na televisão alguns programas de

notícias sobre o Rio de Janeiro abriram espaço para a Baixada Fluminense,

alternando o noticiário com os já conhecidos casos de violência e algumas

especificidades positivas. (SIMÕES, 2011, ps. 20, 21).

Alves (2003) ratifica, com informações detalhadas, as relações entre os

poderes e lideranças locais e o governo militar, além da intervenção política, as

eleições e ações violentas na Baixada Fluminense desde o final dos anos 1950 até a

década de 1990. Seu levantamento foi realizado principalmente pelas notícias

vinculadas na mídia e nos arquivos de um inventário da violência na região,

realizado pela Diocese da Igreja Católica de Nova Iguaçu, já que por um longo

período de tempo as informações sobre os crimes cometidos na região não tinham

respaldo estatístico ou registros oficiais confiáveis, e os que existiam à época não

                                                            25  Apesar de o início da segunda metade dos anos 1990 ter sido relativamente positivo para uma mudança na imagem  da  Baixada  Fluminense,  esta  transformação  estando  relacionada  à  expansão  econômica  de  alguns municípios, à especulação  imobiliária e às disputas políticas de atores relevantes dentro da arena política do Estado, a região não conseguiu se livrar completamente do status de território de violência, pobreza e ausência do Estado, com casos emblemáticos da permanência de grupos de extermínio  ligados às  instituições policiais militares e a total falta de controle do Estado frente ao domínio de grupos de traficantes em muitas localidades da  Baixada.  Os  casos mais  notórios  e  de  grande  repercussão midiática,  nacional  e  internacional,  foram  a chacina de Nova Iguaçu e Queimados, ocorrida em 30 de Março de 2005, onde 30 pessoas foram assassinadas e mais recentemente a chacina da Chatuba/Mesquita, onde seis jovens foram torturados e assassinados em 10 de Setembro de 2012. 

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correspondiam à efetividade das ocorrências reais. O autor segue apontando a

existência de diferentes gerações de grupos de policiais autodenominados como os

“esquadrões da morte” e que atuavam no controle do banditismo e “protegendo” a

população, além de realizarem o controle das ações e manifestações de

movimentos populares e de oposição nos municípios através do medo e de

assassinatos.

A partir do final dos anos 1970 e início dos anos 1980, os grupos de

extermínio passam a ter outras características, devido à grande repercussão

midiática e a associação direta e evidente das atividades criminosas às polícias,

principalmente à polícia militar. Neste momento ocorre um movimento de

“terceirização” destes grupos, fragmentando-se as ações em grupos dissociados ou

afastados das instituições policiais, mas sem, no entanto, deixarem de coexistir

paralelamente aos grupos de policiais. Havendo, a partir dos anos 1980, a

coexistência de políticas para o fim dos grupos de extermínio dentro das

corporações e instituições policiais, os próprios esquadrões da morte operantes26 e

os grupos de extermínio autônomos, estes formados por matadores e/ou políticos

locais,

ex-policiais e policiais.

Em Elias e Scotson (2000) temos uma análise das diferenciações entre os

grupos estabelecidos e outsiders. Até que ponto podemos enquadrar os moradores

da Baixada Fluminense, em uma situação de moradores outsiders, ou até mesmo de

estabelecidos, quando variamos os parâmetros entre as cidades comparadas. Algo

que fica bastante nítido é a existência de uma determinada consciência coletiva

entre esses moradores quando comparamos suas percepções positivas ou

negativas com relação ao seu lugar de sua residência com cidades próximas;

cidades da Baixada Fluminense ou outras cidades que compõem a RMRJ; e como

essas percepções variam quando existe uma comparação com outras regiões, neste

caso, no município do Rio de Janeiro.

Os estabelecidos e os outsiders estão, concomitantemente, separados e

unidos por um laço tenso e desigual de interdependência. Os outsiders vivem

estigmatizados por todos os atributos associados à anomia, como a delinquência, a

violência e a desintegração. Durante muitos anos, e até aos dias atuais, os

                                                            26  Ver nota 28. 

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moradores da Baixada Fluminense carregam estereótipos construídos por

diferenças culturais e econômicas entre os municípios desta região e o município do

Rio de Janeiro. Obviamente que vários bairros e regiões da cidade do Rio parecem

se integrar e interagir com as cidades “vizinhas” de maneiras diferenciadas. Quanto

mais uma região ou bairro for considerado como uma zona de subúrbio, maior será

a possibilidade de integração com as cidades periféricas ao município do Rio de

Janeiro. Uma maior concentração na percepção entre esses estereótipos parece

estar delineada entre moradores das áreas nobres da cidade do Rio e os habitantes

de favelas da cidade, assim como moradores da Baixada Fluminense. Estes

estereótipos não são necessariamente associados a qualidades ou defeitos

individuais, mas sim, tacitamente, ligados ao local de origem destas pessoas, à

localidade onde nasceram e onde, principalmente, residem.

“Favelado”, “Playboy”, “Madame”, “Perua”, “Papa-goiaba”, “Patricinha”. Temos aqui algumas palavras, novas ou antigas, que de uma forma bastante sucinta demonstram e declaram certos valores pejorativos (ou positivos, nos casos de identificação intragrupo) que podem ser empregados em diversas situações, mas que quase sempre vêm acompanhados de associações aos locais de origem ou moradia das pessoas estigmatizadas. Até mesmo em projetos tidos como meramente políticos ou econômicos, podemos verificar a existência de tensões entre locais e cidades muito próximas, com fortes laços de interdependência. Podemos utilizar como exemplo a campanha para a (re) criação do Estado da Guanabara, onde se separaria novamente a região metropolitana do interior do Estado, criando assim dois estados independentes Será que somente questões econômicas ou políticas estariam embutidas nessa tentativa de separação? (SILVA, 2007, p. 80).

Freire (2005) ressalta nas percepções encontradas tanto no seu campo de

pesquisa, no caso o município de Nova Iguaçu e o senso do justo dentro de uma

associação de moradores da mesma cidade, quanto na referência a um outro

território percebido, no caso a “Zona Sul” da cidade do Rio de Janeiro, um grupo de

sentimentos que demarcam a uma visão específica do “outro”, que tanto “exclui” os

moradores de uma determinada região com relação aos valores em comum, como

também servem como espelho para uma integridade como “humanidade” entre

essas regiões “distintas”.

A autora, uma estrangeira que vem ao Rio de Janeiro e decide pesquisar

uma cidade da Baixada Fluminense, percebe as tensões existentes no contato entre

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esferas e grupos de pessoas que vivenciam as realidades “específicas” de seus

respectivos “territórios”, levando em consideração o estado de filiação e “posse” que

esses moradores detêm em relação aos seus locais de nascimento, residência ou

moradia. As palavras de desaprovação com relação à sua escolha em residir

(mesmo que temporariamente) em uma cidade da Baixada Fluminense para a

realização de sua pesquisa eram todas relacionadas a um senso comum quase que

unânime pertencente aos seus conhecidos, colegas de doutorado ou amigos

moradores de bairros da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. As alusões à

violência, ao mau-gosto, à breguiçe, à distância e ao contato com o “povão”, eram

sempre acompanhadas de risos apaziguadores ou comentários geralmente íntimos,

pois tecer essas ideias em meio a um número grande de pessoas poderia causar

“desconfortos” ou percepções de preconceito. O interessante é perceber como as

complexidades econômicas, sociais e culturais de uma região vasta e heterogênea

como a Baixada Fluminense parecem ser sempre superadas por uma perspectiva

homogeneizadora de um status já dado, anterior. O que parece ocorrer é a que a

necessidade da existência de uma região “antagônica” é fundamental para que uma

outra região possa ressaltar suas próprias qualidades.

Em uma passagem de sua tese a autora descreve que quando residiu em

Niterói nunca ouvira os mesmos comentários pejorativos em comparação aos

ouvidos no momento em que decidiu residir em Nova Iguaçu, mesmo que a autora

colocasse aos seus interlocutores que a distância entre as cidades não era tão

grande assim (na verdade quase a mesma comparando determinados bairros e

regiões em relação ao centro do Rio de Janeiro). Situar essa “visão” da Zona Sul

não exclui a contrapartida da percepção dos habitantes da Baixada Fluminense,

onde comentários quase que diametralmente opostos acabam por delimitar as duas

posições, cada uma de acordo com as suas respectivas filiações territoriais. A

indicação de desconforto de alguns dos entrevistados (moradores de Nova Iguaçu)

pela autora, derivada das zonas de contato na interação social entre os dois

“grupos”, parece fornecer condições para se perceber um sentimento de

descolamento de percepções da realidade vivida pelos moradores da Baixada em

comparação aos habitantes da Zona Sul. Mesmo nos locais em que o contato e a

interação podem ser permitidos, esse desconforto parece latente. Isso fica claro nas

falas em um dos entrevistados de Freire, que explicita sua condição de estudante

universitário de uma instituição pública (portanto com um “status” positivo na cidade

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onde mora), mas que ao mesmo tempo sente-se fora do eixo e do contexto dos

valores que seus colegas compartilham. Para este personagem seus colegas não

passariam de “chatos”, “anarquistas por conteúdo, mas na vida era a classe média

mais babaca da Zona Sul do Rio de Janeiro” (FREIRE, 2005, p.101).

Freire (2005) identifica três reações emotivas que revelariam o que ela

chama de “percepção do recorte Zona Sul sobre o recorte “Baixada Fluminense””.

Ela os define como: o risível (o deboche); o choque/medo e a desolação/compaixão.

Essas reações emotivas segundo a autora não seriam isoladas e poderiam funcionar

simultaneamente, elas refletiriam os sentimentos dos habitantes da Zona Sul em

relação à população da Baixada. No sentido contrário, na observação das reações

emotivas do recorte “Baixada Fluminense” sobre o recorte “Zona Sul”, poderíamos

enxergar, como síntese dessas reações, sentimentos indicando a existência de uma

certa superficialidade do jeito de ser do “carioca” (nascido no município do Rio de

Janeiro), da supervalorização do sofrimento e do trabalho do morador da Baixada

em comparação às facilidades dos “acessos” permitidos por se morar e se educar

em uma região privilegiada economicamente e socialmente. Esse aspecto fica

ressaltado quando um personagem morador de Nova Iguaçu cita a letra da canção

“Cariocas”27 da compositora Adriana Calcanhotto e afirma que a “identidade”

fornecida pela música não é a mesma encontrada e sentida pelo povo da Baixada

Fluminense

                                                            27 Cariocas (Adriana Calcanhotto)  Cariocas são bonitos Cariocas são bacanas Cariocas são sacanas Cariocas são dourados Cariocas são modernos Cariocas são espertos Cariocas são diretos Cariocas não gostam de dias nublados 

Cariocas nascem bambas Cariocas nascem craques Cariocas tem sotaque Cariocas são alegres Cariocas são atentos Cariocas são tão sexys Cariocas são tão claros Cariocas não gostam de sinal fechado 

Fonte: http://letras.mus.br/adriana‐calcanhotto/43853/  Acesso em Nov. 2013. 

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  71

2.3 Dados sobre população, saúde e educação públicas na Baixada Fluminense

Não existem muitos dados e informações confiáveis e com metodologias que

possam ser comparáveis acerca de índices de desenvolvimento humano,

escolaridade ou até mesmo de acesso a fornecimento de serviços básicos de saúde

e saneamento, durante ciclos longos de tempo na Baixada Fluminense. As

mudanças ocorridas nos institutos e centros de pesquisas, as diferentes

metodologias, a não continuidade de séries históricas por mudanças de governos,

de grupos e interesses políticos, por enfoques estatísticos específicos e mudanças

técnicas e de profissionais dificultaram a possibilidade de se ter dados consistentes

e que pudessem revelar as transformações ocorridas na região durante a passagem

do século XX e início do século XXI. Porém demonstramos anteriormente alguns

momentos importantes de mudanças, avanços e retrocessos, no que tange o acesso

da população a cada vez mais serviços públicos e a tentativa de uma participação

mais ativa na melhoria da qualidade de vida dentro do cenário urbano da RMRJ.

Simões (2011) ressalta o avanço demográfico, tendo seu início na década de 1940,

e com seu auge até final dos anos 1970, e com posterior queda desses índices

devido à diminuição do crescimento vegetativo da população e das taxas de

migração interna. Nas figuras 9 e 10 podemos observar o crescimento e queda dos

índices demográficos nas séries entre 1940 e 2010, onde percebe-se um aumento

da população em números absolutos, principalmente no município de Nova Iguaçu,

onde devemos considerar seu desmembramento em outros municípios na década

de 40 e nos anos 1990. Porém, o ritmo de crescimento populacional, decai já ao final

dos anos 1970 e se mantém relativamente estável até os dias atuais.

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Figura 9 - Crescimento populacional 1940-2010 da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Fonte: Simões (2011, p. 229).

Figura 10 - Taxa decenal de crescimento populacional da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Fonte: Simões (2011, p. 230).

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Com relação ao serviço público de saúde, e à educação pública ofertada aos

habitantes da Baixada Fluminense, também podemos encontrar correlações com

outros municípios e regiões da RMRJ, ao mesmo tempo em que dificuldades

específicas do “núcleo” da Baixada podem ser apontados em relação aos serviços

públicos observados. Na saúde pública fica evidenciada a deficiência dos serviços

oferecidos, tanto em relação a unidades de saúde quanto a quantidade de leitos

oferecidos por número de habitantes. Onde é observado que:

Tomando como parâmetro a recomendação da Organização Mundial de Saúde que é de 2,5 leitos para cada grupo de mil habitantes, verificamos que apenas cinco municípios conseguem atender a este padrão, o que leva a mesma situação descrita no que diz respeito às unidades de saúde. Não podemos nem apontar como positivos os casos de Paracambi e Tanguá, bem acima desta média. Nestes casos o elevado número de leitos está ligado a existência, nesses municípios, de unidades de saúde voltadas para atendimento psiquiátrico e de “repouso” de idosos, sendo assim, incapazes de atender a doentes com outras necessidades (SIMÕES, 2011, ps.241, 242).

Porém este fenômeno não é exclusivo aos municípios da Baixada

Fluminense, em relação à concentração ao número de leitos disponíveis, verifica-se

uma grande incidência dos mesmos em áreas distantes de grande parte dos bairros

populosos e populares em municípios da Baixada e também em bairros da cidade

do Rio de Janeiro, principalmente nas zonas norte e oeste, onde grande parte dessa

população necessita realizar grandes deslocamentos cotidianos à procura dos

serviços de saúde, tendo quase sempre a ineficiência e a falta de leitos quando

necessitados. Os atendimentos e leitos concentram-se em locais onde grandes

hospitais se situam, promovendo a circulação de um grande contingente a alguns

núcleos urbanos devido à presença destes hospitais ou unidades de saúde mais

específicas. Este é o caso do Hospital da Posse, no bairro da Posse em Nova

Iguaçu e que concentra a demanda por serviços de saúde de grande parte dos

municípios da Baixada Fluminense, assim como o Hospital Geral de Bonsucesso, no

bairro de Bonsucesso e tangenciando a Avenida Brasil, e o Hospital de Saracuruna.

Na figura 10 fica demonstrada a ineficiência no número de leitos oferecidos e

observa-se que este número aumenta no município do Rio de Janeiro e de Niterói

em relação a outros municípios da RMRJ.

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Figura 11 - Leitos públicos por mil habitantes na RMRJ, ano de 2009.

Fonte: Simões (2011, p.242).

Na questão da educação pública o quadro encontrado também não é dos

mais favoráveis. Verifica-se que o ensino fundamental (primeiros e segundo

segmentos), que têm como por determinação constitucional serem administrados

pelos municípios, possuem índices de municipalização na Baixada Fluminense que

não contemplam a determinação da Constituição, principalmente o município de São

João de Meriti. Verifica-se uma enorme resistência dos governos municipais em

assumir efetivamente o ensino fundamental devido ao temor do aumento das

despesas em relação à folha salarial dos servidores e do custo de manutenção das

instalações educacionais. Em contrapartida, o ensino médio público está

praticamente contemplado pela rede estadual em toda região da RMRJ, mas os

índices de matrícula podem ser relativizados pelo péssimo desempenho escolar

proporcionado pelo serviço público, onde grande parte da população procura

escolas particulares na tentativa de melhoria do desempenho dos jovens, mesmo

sabendo-se que grande parte das escolas particulares também apresenta

deficiências. Quem não possui condições financeiras mantém os filhos na rede

estadual, porém os desempenhos obtidos no Índice de Desenvolvimento do Ensino

Básico (IDEB)28 e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)29, nos níveis

                                                            28 “O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi criado em 1998 com o objetivo de avaliar o desempenho do estudante  ao  fim  da  educação  básica,  buscando  contribuir  para  a  melhoria  da  qualidade  desse  nível  de escolaridade. A partir de 2009 passou a ser utilizado também como mecanismo de seleção para o ingresso no 

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fundamental (municípios) e médio (estado), demonstram o enorme “fosso”

educacional que se encontra grande parte da população. A figura11 demonstra o

desempenho no IDEB dos municípios da RMRJ no ensino fundamental (SIMÕES,

2011).

Figura 12 - Dados IDEB do ensino fundamental na RMRJ, ano de 2009.

Fonte: Simões (2011, p.249).

Em relação ao ensino superior é observado o grande gargalo educacional

gerado pela pirâmide de qualidade verificada no país. Enquanto a educação dos

ensinos básico, fundamental e médio possuem resultados sofríveis nas avaliações

oficiais e na vida efetiva dos estudantes, o ensino superior público concentra as                                                                                                                                                                                           ensino  superior.  Foram  implementadas  mudanças  no  Exame  que  contribuem  para  a  democratização  das oportunidades  de  acesso  às  vagas  oferecidas  por  Instituições  Federais  de  Ensino  Superior  (IFES),  para  a mobilidade  acadêmica  e  para  induzir  a  reestruturação  dos  currículos  do  ensino  médio.  Respeitando  a autonomia das universidades, a utilização dos resultados do Enem para acesso ao ensino superior pode ocorrer como fase única de seleção ou combinado com seus processos seletivos próprios. O Enem também é utilizado para o acesso a programas oferecidos pelo Governo Federal, tais como o Programa Universidade para Todos – ProUni”. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/enem/sobre‐o‐enem. Acesso em Jan. 2014. 29  “O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica  (Ideb)  foi  criado pelo  Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas  Educacionais  (Inep)  em  2007  e  representa  a  iniciativa  pioneira  de  reunir  num  só  indicador,  dois conceitos  igualmente  importantes para a qualidade da educação: fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações.  Ele  agrega  ao  enfoque  pedagógico  dos  resultados  das  avaliações  em  larga  escala  do  Inep  a possibilidade  de  resultados  sintéticos,  facilmente  assimiláveis,  e  que  permitem  traçar metas  de  qualidade educacional para os  sistemas. O  indicador  é  calculado  a partir dos dados  sobre  aprovação  escolar, obtidos no Censo Escolar, e médias de desempenho nas avaliações do Inep, o Saeb – para as unidades da federação e para o país, e a Prova Brasil – para os municípios”. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/portal‐ideb/o‐que‐e‐o‐ideb. Acesso em Jan. 2014. 

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melhores instituições e possui os resultados mais expressivos. Evidencia-se a

adentrada às vagas oferecidas pelas universidades públicas, os estudantes que

tiveram condições, através de suas famílias, de poder pagar escolas particulares em

algum momento de suas vidas ou por toda a vida escolar. A partir dos anos 2000,

através de mudanças nas formas de acesso às universidades públicas, à construção

de novas universidades e ampliação do número de vagas, à política de cotas sociais

e raciais, à incorporação do ENEM como instrumento de avaliação em grande parte

das universidades públicas, incorporou-se um grande contingente de jovens das

classes mais pobres ao ensino superior público. Porém um grande contingente de

estudantes, que possuem enormes deficiências educacionais carregados pela má

formação nas escolas públicas, se matriculam em faculdades e universidades

particulares realizando um grande esforço financeiro para pagarem suas

mensalidades30.

Ainda assim é notória a desproporção de vagas ofertadas aos estudantes da

Baixada Fluminense e a localização das sedes das principais universidades públicas

do estado do Rio de Janeiro. A partir do final dos anos 1990, mas principalmente nos

anos 2000, algumas universidades se instalaram como polos ou com filiais em

alguns municípios da Baixada, como a Universidade Federal Rural do Estado do Rio

                                                            30“Investir em uma formação de ensino superior resulta em ganhos futuros. A conclusão faz parte de relatório divulgado hoje  (13) pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico  (OCDE). Segundo o documento, no Brasil,  ter  curso  superior  resulta em um  aumento de 156% nos  rendimentos. É o mais  alto índice  entre  todos  os  30  países  pesquisados. O  estudo  aponta  que,  nos  países  analisados,  em média,  um indivíduo que concluiu a educação superior  recebe pelo menos 50% a mais do que uma pessoa com ensino médio concluído. De acordo com a OCDE, no Brasil, 68,2% dos indivíduos que completaram a universidade ou um  programa  avançado  de  pesquisa  ganham  duas  vezes mais  que  a média  de  um  trabalhador.  O  estudo aponta, ainda, que 30,1% dos brasileiros entre 15 e 19 anos não estão estudando e que, desses, 16,1% estão empregados, 4,3% estão desempregados e 9,7% não estão na força de trabalho. A população brasileira de 15 a 29 anos e com mais estudo é a que tem menor probabilidade de estar desempregada. Entre a população dessa faixa  etária  que  está  fora  do  sistema  educacional,  6,2%  dos  graduados  da  educação  superior  estão desempregados. Na mesma situação, estão 10,2% dos jovens que concluíram o ensino médio e 5,58% dos que não concluíram esse nível de ensino. A  falta de qualificação de nível médio é, de acordo com o estudo, “um sério  impedimento  para  encontrar  emprego”.  Jovens  que  não  concluem  o  ensino médio  e  que  não  estão estudando estão 21 pontos percentuais menos propensos a encontrar um emprego. A OCDE avalia que há um “alto nível de  vulnerabilidade” na  educação brasileira, principalmente entre os  estudantes  com 15  anos de idade. Cerca de 50% deles apresenta baixa pontuação em leitura. Entre os países que participaram do estudo, a média é 19%. Além disso, o risco de obter essa pontuação baixa é uma vez e meia maior para estudantes com desvantagem de origem socioeconômica; 1,3 para os meninos em relação às meninas; e 1,3 para estudantes cujos pais têm baixo nível de escolaridade. O relatório aponta também que, entre 2000 e 2008, o Brasil foi o país que mais aumentou os gastos por aluno da educação primária até o segundo ciclo da educação secundária (ensino  médio),  equivalente  a  uma  elevação  de  121%..  Disponível  em: http://educacao.uol.com.br/noticias/2011/09/13/fazer‐faculdade‐no‐brasil‐pode‐aumentar‐salario‐em‐mais‐de‐150‐diz‐ocde.htm. Acessado em Jan. 2014. 

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de Janeiro (UFFRJ), que tem como sede o município de Seropédica, e inaugurou um

campus em Nova Iguaçu, algumas filiais da Universidade Federal Fluminense (UFF)

e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) em Duque de Caxias, a filial

do CEFET no bairro de Santa Rita em Nova Iguaçu e a transformação do antigo

CEFET de Química, em Nilópolis, em Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) -,

mas com a mudança da sede para o Rio de Janeiro. Ainda assim fica clara a

concentração de vagas e universidades públicas na cidade do Rio de Janeiro,

forçando que muitos jovens se desloquem cotidianamente para poder estudar,

aumentando seus custos e impedindo que tantos outros possam estudar devido à

distância das universidades do seu local de moradia somado às deficiências do

ensino público dos ciclos básicos. As figuras 13 e 14 demonstram a concentração de

alunos do ensino superior em alguns municípios da RMRJ e a concentração das

instituições de ensino superior também de acordo com os municípios situados na

RMRJ (SIMÕES, 2011).

Figura 13 - Concentração de alunos de ensino superior nos municípios da RMRJ, ano de 2008.

Fonte: Simões (2011, p. 255).

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Figura 14 - Concentração de instituições públicas de ensino superior na RMRJ, ano de 2011.

Fonte: Simões (2011, p. 256).

2.4 Dados gerais

2.4.1 Nova Iguaçu

Tabela 1 – Dados gerais sobre Nova Iguaçu. Nova Iguaçu População Estimada 2011

799.047

População (censo 2010)

796.257

Incidência da Pobreza31 (2003)

54, 15%

                                                            31  “(...)A medida mais  comum da pobreza é o  índice   de  incidência da pobreza  (headcount  ratio), H, o qual constitui  a  proporção  de  pobres  na  população  total  (...)”.  Disponível  em:  http://www.ipc‐undp.org/pub/port/IPCOnePager18.pdf. Acesso em Jan. 2014.  

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Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)32 do Município / Ranking Nacional

0,713 / 1514

Valor do IFDM 0,7244

Ranking Estadual 11º

Índice da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN) de Desenvolvimento Municipal33-IFDM – (2009)

Ranking Nacional 1.058º

PIB per capita em 2009

11 047

Área urbana: 98,9% População Residente (2010)

Área rural:1,1 %

4ª série / 5º ano: 4.1 (meta para o ano era de 4.4 )

IDEB da Rede Pública no município (2011)

8ª série / 9º ano: 3.1 (meta para o ano era de 3.6).

Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)

10

Eleitorado (2012)

561.391

Fonte: Magalhães (et al, 2013, ps.42, 43), adaptado pelo autor34

                                                            32  “O objetivo da  criação do  Índice de Desenvolvimento Humano  foi o de oferecer um  contraponto a outro indicador  muito  utilizado,  o  Produto  Interno  Bruto  (PIB)  per  capita,  que  considera  apenas  a  dimensão econômica do desenvolvimento. Criado por Mahbub ul Haq com a colaboração do economista indiano Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998, o  IDH pretende  ser uma medida geral,  sintética, do desenvolvimento  humano.  Apesar  de  ampliar  a  perspectiva  sobre  o  desenvolvimento  humano,  o  IDH  não abrange todos os aspectos de desenvolvimento e não é uma representação da "felicidade" das pessoas, nem indica  "o melhor  lugar  no mundo  para  se  viver". Democracia,  participação,  equidade,  sustentabilidade  são outros dos muitos  aspectos do desenvolvimento humano que não  são  contemplados no  IDH. O  IDH  tem o grande  mérito de  sintetizar  a  compreensão  do  tema  e  ampliar  e  fomentar  o  debate”.Disponível  em: http://www.pnud.org.br/IDH/IDH.aspx?indiceAccordion=0&li=li_IDH. Acesso em Jan. 2014. 

33“O Índice da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (IFMD) – FIRJAN ‐ de Desenvolvimento Municipal, é um estudo anual do Sistema FIRJAN que acompanha o desenvolvimento de todos os mais de 5 mil municípios brasileiros  em  três  áreas:  Emprego & Renda,  Educação  e  Saúde.  Ele  é  feito,  exclusivamente,  com  base  em estatísticas públicas oficiais, disponibilizadas pelos ministérios do Trabalho, Educação e Saúde. Mesmo com um recorte municipal, foi possível gerar um resultado nacional discriminado por unidades da Federação, graças à divulgação oficial das variáveis componentes do  índice por Estados e para o país. De  leitura simples, o  índice varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento da localidade. Além disso, sua metodologia possibilita determinar,  com precisão,  se  a melhora  relativa ocorrida  em determinado município decorre da adoção de políticas específicas ou se o  resultado obtido é apenas  reflexo da queda dos demais municípios”. Disponível em http://www.firjan.org.br/ifdm/. Acesso em Jan. 2014.

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2.4.2 Queimados

Tabela 2 – Dados gerais sobre Queimados.

Queimados População Estimada 2011

139.188

População (censo 2010)

137.962

Incidência da Pobreza (2003)

67,52%

IDH do Município / Ranking Nacional

0,680 / 2439

Valor do IFDM 0, 5886

Ranking Estadual 91º

Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 3.718º

PIB per capita em 2009

9 785

Área urbana: 100% População Residente (2010)

Área rural: .......

4ª série / 5º ano: 4.2 (meta para o ano era de 4.4 )

IDEB da Rede Pública no município (2011)

8ª série / 9º ano: 3.3 (meta para o ano era de 3.4).

Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)

4

Eleitorado (2012)

15.254

Fonte: Magalhães (et al, 2013, p. 47), adaptado pelo autor35.

                                                                                                                                                                                          34Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2009), FIRJAN (2009), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. (PNUD ‐ 2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu. 35 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Queimados. 

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  81

2.4.3 Japeri

Tabela 3 – Dados gerais sobre Japeri.

Japeri População Estimada 2011

96.430

População (censo 2010)

95.492

Incidência da Pobreza (2003)

76,37%

IDH do Município / Ranking Nacional

0,659 / 2924

Valor do IFDM 0, 5729

Ranking Estadual 92º

Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 4.015º

PIB per capita em 2009

5 792

Área urbana: 100% População Residente (2010)

Área rural: .......

4ª série / 5º ano: 3.8 (meta para o ano era de 3.9 )

IDEB da Rede Pública no município (2011)

8ª série / 9º ano: 2.7 (meta para o ano era de 3.4).

Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)

5

Eleitorado (2012)

68.002

Fonte: Magalhães (et al, 2013, p. 51), adaptado pelo autor36.

                                                            36 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Japeri. 

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  82

2.4.4 Belford Roxo

Tabela 4 – Dados gerais sobre Belford Roxo.

Belford Roxo População Estimada 2011

472.008

População (censo 2010)

469.332

Incidência da Pobreza (2003)

60,03%

IDH do Município / Ranking Nacional

0,684 / 2332

Valor do IFDM 0, 6421

Ranking Estadual 81º

Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 2.711º

PIB per capita em 2009

8 280

Área urbana: 100% População Residente (2010)

Área rural: .......

4ª série / 5º ano: 3.8 (meta para o ano era de 4.3 )

IDEB da Rede Pública no município (2011)

8ª série / 9º ano: 3.1 (meta para o ano era de 3.4).

Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)

19

Eleitorado (2012)

314.063

Fonte: Magalhães (et al, 2013, p. 55), adaptado pelo autor37.

                                                            37 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Belford Roxo. 

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  83

2.4.5 Mesquita

Tabela 5 – Dados gerais sobre Mesquita.

Mesquita População Estimada 2011

168.966

População (censo 2010)

168.376

Incidência da Pobreza (2003)

Sem dados disponíveis

IDH do Município / Ranking Nacional

0,737 / 850

Valor do IFDM 0, 6359

Ranking Estadual 83º

Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 2.837º

PIB per capita em 2009

7 928

Área urbana: 100% População Residente (2010)

Área rural: .......

4ª série / 5º ano: 4.1 (meta para o ano era de 4.4)

IDEB da Rede Pública no município (2011)

8ª série / 9º ano: 3.2 (meta para o ano era de 3.4).

Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)

2

Eleitorado (2012)

130.604

Fonte: Magalhães (et al, 2013, ps. 59, 60), adaptado pelo autor38.

                                                            38 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Mesquita. 

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  84

2.4.6 Nilópolis

Tabela 6 – Dados gerais sobre Nilópolis.

Nilópolis População Estimada 2011

157.710

População (censo 2010)

157.425

Incidência da Pobreza (2003)

32,48%

IDH do Município / Ranking Nacional

0,753 / 488

Valor do IFDM 0, 6644

Ranking Estadual 63º

Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 2.245º

PIB per capita em 2009

9 434

Área urbana: 100% População Residente (2010)

Área rural: .......

4ª série / 5º ano: 4.4 (meta para o ano era de 4.0)

IDEB da Rede Pública no município (2011)

8ª série / 9º ano: 3.1 (meta para o ano era de 3.1).

Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)

4

Eleitorado (2012)

126.547

Fonte: Magalhães (et al, 2013, p. 63), adaptado pelo autor39.

                                                            39 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Nilópolis. 

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  85

2.4.7 São João de Meriti

Tabela 7 – Dados gerais sobre São João de Meriti.

São João de Meriti População Estimada 2011

459.379

População (censo 2010)

458.673

Incidência da Pobreza (2003)

47,00%

IDH do Município / Ranking Nacional

0,719 / 1331

Valor do IFDM 0, 7039

Ranking Estadual 40º

Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 1.416º

PIB per capita em 2009

8 514

Área urbana: 100% População Residente (2010)

Área rural: .......

4ª série / 5º ano: 4.1 (meta para o ano era de 4.4)

IDEB da Rede Pública no município (2011)

8ª série / 9º ano: 3.1 (meta para o ano era de 3.3).

Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)

43

Eleitorado (2012)

357.963

Fonte: Magalhães (et al, 2013, ps. 67, 68), adaptado pelo autor40.

                                                            40 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2009), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de São João de Meriti. 

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  86

2.4.8 Duque de Caxias

Tabela 8 – Dados gerais sobre Duque de Caxias.

Duque de Caxias População Estimada 2011

861.158

População (censo 2010)

855.048

Incidência da Pobreza (2003)

53,53%

IDH do Município / Ranking Nacional

0,711 / 1574

Valor do IFDM 0, 7685

Ranking Estadual 12º

Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 453º

PIB per capita em 2009

29 501

Área urbana: 99,7% População Residente (2010)

Área rural: 0,3%

4ª série / 5º ano: 4.2 (meta para o ano era de 4.1)

IDEB da Rede Pública no município (2011)

8ª série / 9º ano: 3.1 (meta para o ano era de 3.2).

Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)

25

Eleitorado (2012)

607.663

Fonte: Magalhães (et al, 2013, ps. 72, 73), adaptado pelo autor41.

                                                            41 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Duque de Caxias. 

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  87

2.4.9 Magé

Tabela 9 – Dados gerais sobre Magé.

Magé População Estimada 2011

228.972

População (censo 2010)

227.322

Incidência da Pobreza (2003)

64,02%

IDH do Município / Ranking Nacional

0,709 / 1638

Valor do IFDM 0, 7588

Ranking Estadual 16º

Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 559º

PIB per capita em 2009

7 544

Área urbana: 94,7% População Residente (2010)

Área rural: 5,3%

4ª série / 5º ano: 3.9 (meta para o ano era de 4.1)

IDEB da Rede Pública no município (2011)

8ª série / 9º ano: 3.2 (meta para o ano era de 3.6).

Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)

16

Eleitorado (2012)

168.573

Fonte: Magalhães (et al, 2013, p. 78), adaptado pelo autor42.

                                                            42 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Magé. 

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  88

2.4.10 Guapimirim

Tabela 10 – Dados gerais sobre Guapimirim.

Guapimirim População Estimada 2011

52.522

População (censo 2010)

51.483

Incidência da Pobreza (2003)

46,21%

IDH do Município / Ranking Nacional

0,698 / 1969

Valor do IFDM 0, 5964

Ranking Estadual 90º

Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 3.568º

PIB per capita em 2009

Não disponível

Área urbana: 96,6% População Residente (2010)

Área rural: 3,4%

4ª série / 5º ano: 4.3 (meta para o ano era de 3.8)

IDEB da Rede Pública no município (2011)

8ª série / 9º ano: 3.3 (meta para o ano era de 3.7).

Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)

S/D

Eleitorado (2012)

37.351

Fonte: Magalhães (et al, 2013, ps. 82,83), adaptado pelo autor43.

                                                            43 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Guapimirim. 

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  89

2.4.11 Itaguaí

Tabela 11 – Dados gerais sobre Itaguaí.

Itaguaí População Estimada 2011

111.171

População (censo 2010)

109.091

Incidência da Pobreza (2003)

52,93%

IDH do Município / Ranking Nacional

0,715 / 1454

Valor do IFDM 0, 7520

Ranking Estadual 19º

Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 645º

PIB per capita em 2009

28 479

Área urbana: 95,5% População Residente (2010)

Área rural: 4,5%

4ª série / 5º ano: 4.5 (meta para o ano era de 4.2)

IDEB da Rede Pública no município (2011)

8ª série / 9º ano: 3.6 (meta para o ano era de 3.4).

Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)

13

Eleitorado (2012)

84.235

Fonte: Magalhães (et al, 2013, ps. 87, 88), adaptado pelo autor44.

                                                            44 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Itaguaí. 

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  90

2.4.12 Seropédica

Tabela 12 – Dados gerais sobre Seropédica.

Seropédica População Estimada 2011

79.179

População (censo 2010)

78.186

Incidência da Pobreza (2003)

50,85%

IDH do Município / Ranking Nacional

0,713 / 1514

Valor do IFDM 0, 7362

Ranking Estadual 28º

Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 875º

PIB per capita em 2009

8 574

Área urbana: 82,2% População Residente (2010)

Área rural: 17,8%

4ª série / 5º ano: 4.3 (meta para o ano era de 4.0)

IDEB da Rede Pública no município (2011)

8ª série / 9º ano: 3.6 (meta para o ano era de 3.8).

Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)

7

Eleitorado (2012)

52.873

Fonte: Magalhães (et al, 2013, ps. 92, 93), adaptado pelo autor45.

                                                            45 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2009), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Seropédica. 

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  91

2.4.13 Paracambi

Tabela 13 – Dados gerais sobre Paracambi.

Paracambi População Estimada 2011

47.635

População (censo 2010)

47.124

Incidência da Pobreza (2003)

49,08%

IDH do Município / Ranking Nacional

0,720 / 1301

Valor do IFDM 0, 6758

Ranking Estadual 57º

Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 2.015º

PIB per capita em 2009

8 838

Área urbana: 88,5% População Residente (2010)

Área rural: 11,5%

4ª série / 5º ano: 4.8 (meta para o ano era de 4.2)

IDEB da Rede Pública no município (2011)

8ª série / 9º ano: 4,3 (meta para o ano era de 3.8).

Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)

5

Eleitorado (2012)

32.373

Fonte: Magalhães (et al, 2013, ps. 96, 97), adaptado pelo autor46.

                                                            46 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Paracambi. 

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  92

3 CAPÍTULO 2: CONTEXTO TEÓRICO E METODOLÓGICO – TERRITÓRIO,

IDENTIDADE, MOBILIDADE URBANA E MÉTODO

3.1 Território: tempo, espaço e urbanização

Pesquisar a mobilidade urbana na RMRJ não pode se realizar sem que

perpassemos a uma análise e a alguns pensamentos acerca da questão do

território.

Castells (1983) realiza uma análise histórica em relação à questão urbana, e

a seus desenvolvimentos, quando parte da observação, do que em um determinado

momento era denominada de urbanização nas sociedades subdesenvolvidas,

retirando do termo “subdesenvolvimento” seu viés histórico-linear que, de certa

forma, igualizaria os desenvolvimentos econômicos e urbanos dos diferentes países

do mundo, renomeando o desenvolvimento urbano desses países em novos

parâmetros, chamando a atenção para os processos de “dominação” e de

“dependência” nos campos estruturais da produção, do trabalho, dos fluxos de

capitais, da política e da ideologia. Sobre esta análise podemos ter como expressão

clara:

Uma sociedade é dependente, quando a articulação de sua estrutura social, a nível econômico, político e ideológico, exprime relações assimétricas com uma outra formação social que ocupa, frente à primeira, uma situação de poder. Por situação de poder, entendemos o fato de que a organização das relações de classe na sociedade dependente exprime a supremacia social adotada pela classe no poder na sociedade dominante. (CASTELLS, 1983, p.59).

No momento atual estas afirmações podem ser criticadas ou contextualizadas

em formas mais complexas em relação a um novo momento onde os antigos países

“subdesenvolvidos” passaram a assumir um novo papel nas relações econômicas e

políticas com o mundo “desenvolvido”, este focado no eixo América do Norte nos

Estados Unidos da América (EUA) Canadá, e Europa Ocidental. O grande

crescimento econômico e o avanço em alguns números relativos à diminuição da

pobreza e ao acesso a serviços de melhor qualidade (mesmo que estes índices

sejam criticados internamente) se colocaram em contraposição a fortes crises

econômicas vividas recentemente pelos EUA e pela Europa Ocidental.

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  93

Uma das contribuições mais pertinentes é a observação da preponderância

dos “aglomerados urbanos” no crescimento urbano desses países, onde há também

um alto índice de metropolização47 de alguns desses aglomerados, tornando

algumas cidades/metrópoles como polos de alta concentração e hierarquização

frente a outros aglomerados urbanos, mas não havendo, a priori, uma integração

entre esses polos, pois esta “hiperurbanização” se daria mais pelos processos

migratórios do binômio campo/cidade e do crescimento vegetativo e quedas de

mortalidade, do que um planejamento de integração das funções produtivas e

superpostas entre cidades ou regiões. Os aspectos históricos da “dependência” à

metrópole48 na política, na ideologia, na produção e nos fluxos dos capitais estariam

evidenciados na própria formação das cidades/aglomerados na América Latina,

apesar do autor ressaltar as grandes diferenças internas entre os países da América

do Sul, e como bloco entre estes países e os países da América Central, por

exemplo. Porém as especificidades sociais nortearam as configurações urbanas de

acordo com as expansões econômicas, os processos demográficos e as decisões

políticas desses países latino-americanos.

Castells (1983) também observa a questão da segregação urbana, tema que

discute relacionando-a diretamente com a análise da própria estratificação urbana,

esta proveniente da estratificação social. Ressaltando que as condições de

habitação de um determinado espaço se relacionam com os contextos sociais

complexos, onde são criadas certas zonas internas e socialmente homogêneas em

comparação a outras zonas/espaços distintos, informando uma disparidade social

entre os integrantes destes espaços diferenciados/excluídos e indicando que essa

disparidade não é representada somente pela diferença (social e/ou econômica),

mas também sendo o resultado e a produção de uma hierarquia entre esses

espaços socialmente e materialmente construídos49.

Com relação à segregação urbana há o levantamento de níveis de

determinação social que devem ser considerados nas análises de diferenciação e

hierarquização dos espaços urbanos, e sua tendência à exclusão urbana, chamando

atenção para os níveis: econômico, político-institucional, ideológico e da luta de

classes, também podendo ser observados uma opção repressiva, das classes                                                             47Castells (1975) indica como metrópole cidades ou aglomerados com mais de um milhão de habitantes. 48Portugal,  Inglaterra,  EUA  e  Europa,  pensando  em  um  fluxo  histórico  linear  e  no  desenvolvimento  do capitalismo. 49Castells (1983, ps.210, 211). 

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  94

dominantes, ou integradora, esta última “visando a explosão da comunidade,

dispersando-a no conjunto de um espaço residencial hostil”.5051

Quanto ao nível econômico é interessante a observação de que:

a implantação de locais de produção só exerce influência indireta, quer dizer através da situação na rede de transportes. Isto obriga a considerar a segregação de forma bem mais dinâmica, não só simplesmente como uma diferença de locais, mas como uma capacidade de deslocamento e de acesso em relação a pontos estratégicos da rede urbana (CASTELLS, 1983, p.224).

De forma ainda mais completa há o apontamento para a observação dos

transportes como processos de “circulação”, onde deveriam constar na análise de

dimensionamento desse “problema” dos alguns fatores essenciais para a efetividade

da circulação urbana, como produção, consumo, troca e gestão52. Existe o efetivo

esclarecimento para a superação de uma perspectiva estritamente técnica, no que

tange o dimensionamento e a gestão dos meios de transportes, para uma

perspectiva que propõe até mesmo uma sociologia dos transportes, aproximando-se

à própria hipótese levantada por este projeto de qualificação de tese. Outro ponto a

se ressaltar é a afirmação de uma diferenciação social53 baseada em uma

observação histórica e urbana da oferta desigual aos serviços de transportes para

determinados grupos sociais. Por fim temos evidenciada a importância dos

transportes para a circulação e o fazer-se urbano quando é afirmado que “(…) um

estudo sociológico dos transportes se baseia numa análise das contradições entre a

lógica interna de um sistema de circulação e as condições históricas dos meios de

transporte através dos quais ele deve realizar-se” (CASTELLS, 1983, p.249).

Podemos observar nas discussões em Santos (1994) o domínio das

diferentes técnicas de produção, circulação e relações humanas que estruturam os

espaços, e que são “construídas” em diferentes momentos, em diferentes “tempos”

históricos, se integrando pelas formas interacionais referenciadas aos habitantes

desses espaços, sejam em países, regiões, cidades ou localidades, e que estão

sempre em disposições relacionais entre as alteridades dos próprios espaços                                                             50Castells (1983, p.225). 51É  importante  ressaltar que os  estudos  sobre  segregação urbana  relatados  e  teorizados por Castells  estão circunscritos  à  observação  dos  processos  de  urbanização  e  metropolização  norte‐americanos  a  partir  de metade do século XX. 52Castells (1982, p.238). 53Castells (1983, p.241). 

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  95

“concorrentes”, não podendo ser analisados em valores absolutos ou em seus

“espaços” absolutos.

Um dado importante e fundamental é a crítica e o apontamento em relação à

necessidade da observação da variável “tempo” dentro dos estudos das histórias

das cidades. Mais o que isso há uma afirmação contundente de que haveria uma

confusão das análises do que seria o “urbano” e o que seria a própria “cidade”.

Onde “o urbano é frequentemente o abstrato, o geral, o externo. A cidade é o

particular, o concreto, o interno. Não há o que confundir. Por isso na realidade, há

histórias do urbano e histórias da cidade” (SANTOS, 1994, p.69). Esta afirmação é

pertinente no que revela as dificuldades em se analisar e perceber as nuances do

tempo, as singularidades do passado com as frequências do presente, onde é

importante resgatar a história de formação do urbano, ou da cidade, para que se

possa dar conta dos processos atuais e das dinâmicas do hoje. O cuidado com a

relevância dessa(s) história(s) vão ser de grande importância para se perceber a

estruturas do passado, e que não podem ser mais “sentidas” no presente, mas que

ainda permanecem nas materialidades do espaço, como no caso específico dos

transportes urbanos.

De alguma maneira as “formas” do passado das cidades, das singularidades

em suas formações disporiam as “histórias dos transportes, a história da

propriedade, da especulação, da habitação, do urbanismo, da centralidade”

(SANTOS, 1994, ps.69, 70). Essas “formas” não revelariam somente o que já “foi”, o

passado que não mais é, também seriam “criadoras” de regularidades do presente,

das práticas do hoje, mesmo que permeadas pelas mudanças do dia-a-dia, do

cotidiano.

Santos (1994) realiza uma crítica contundente das dinâmicas urbanas

baseadas nos processos de globalização, surgidas pós Segunda Guerra Mundial e

aceleradas em tempos contemporâneos, denominando essa modernização como

uma passagem das cidades para as “metrópoles” e em seus últimos estágios para o

que ele chama de “necrópoles”. Ressaltando as necessidades dessas “necrópoles” a

obedecer à lógica da técnica, da ciência e da informação, não se importando com o

lugar do cidadão ou do espaço público, tornando-se rígidas em suas esferas de

cidadania e em seus espaços públicos, alterando a movimentação dos indivíduos e

das diferentes funções dos espaços e constructos da cidade, “o simbólico se torna

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um coadjuvante precioso do mercadológico. É essa a danação da metrópole

contemporânea” (SANTOS, 1994, p. 78).

Ainda sob a égide da discussão temporal e a percepção dos “períodos”

históricos, onde estes funcionariam como apontadores dos símbolos e visões de

mundo, de certa forma compartilhadas por gerações de pessoas, e que possam

retratar recortes/retratos mais nítidos no tempo-espaço das histórias humanas e do

próprio mundo, é notória a contribuição de Harvey (2009) para um certo encaixe

dessa percepção tempo-espaço na perspectiva contemporânea. As observações

sobre a passagem dos fluxos geracionais e a adentrada da pós-modernidade como

“novo” recorte de valores e paradigmas se fazem necessárias para a discussão

sobre transportes, mobilidade urbana e o espaço urbano, já que as próprias noções

sobre as distâncias e o tempo vêm se transformando.

Há a análise textual, filosófica e empírica do que é denominado como:

“mudanças das estruturas de sentimentos”. Estas mudanças estariam situadas, em

sua origem histórico-processual, em meados da década de 1960 do século XX, e

sua efetivação como “rompimento” com os sentimentos/práxis modernos estariam

em ação a partir de meados dos anos 1970. Essas mudanças tratariam de algumas

oposições entre polaridades totalizadoras do pensamento vigente de um período

para outro, neste caso do modernismo ao pós-modernismo. È feito um levantamento

de termos que poderiam ser colocados em oposição e que, mesmo de forma

fragmentária e inconclusiva, revelaria essas mudanças das percepções e ações dos

“sentimentos” na passagem para o pós-modernismo. Essas polarizações estariam

colocadas, com alguns exemplos, nas formas: “gênero/fronteira (modernismo) x

texto/intertexto (pós-modernismo), hierarquia (modernismo) x anarquia (pós-

modernismo), semântica (modernismo) x retórica (pós-modernismo), distância

(modernismo) x participação (pós-modernismo)” (HASSAN, 1985, p. 123,124 apud

HARVEY, 2009, p. 48).

Mesmo que não seja em nenhum momento evidenciado no texto de Harvey

(2009), ou em suas referências, a obra de Capra (1982), é difícil não realizar a

correspondência entre as discussões desses autores. Onde podemos ver em Capra

(1982), mesmo com o uso de outra terminologia ou bases teóricas, a percepção

ontológica nos processos históricos do pensamento humano, utilizando inclusive

como base filosófica argumentos tradicionais do oriente, e até mesmo da tradição

religiosa, com argumentos para a observação de um gradativo processo de

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afastamento da visão de mundo estritamente materialista e cartesiana para

elementos que incorporem aspectos mais subjetivos, interacionais, complexos,

multidimensionais, no movimento que o mesmo acaba por nomear como

“perspectiva sistêmica” dos diferentes campos do mundo (CAPRA, 1982).

Em relação ao binômio tempo/espaço Harvey (2009) ressalta como o

processo de “acumulação flexível”, iniciado na década de 1960, acaba por

transformar as percepções humanas quanto aos ciclos de produção e circulação que

afetam as interações entre o tempo e os diversos espaços percebidos e vividos. A

internacionalização da produção, a fragmentação e disseminação pulverizada dos

“espaços” simbólicos e culturais, como o cinema, a culinária, a arquitetura ou estilos

de vida de determinadas “culturas”, através da mercantilização global, deixariam as

pessoas em uma dessincronia das efetivas relações entre tempo/espaço vividos e

reais, e os “esquemas mentais” subjetivados pelas pessoas, e que ainda estariam

vinculadas ao paradigma modernista.

A possibilidade destes esquemas mentais estarem em um processo de

adaptação ao momento inicial, mas pungente, da pós-modernidade, levaria a uma

reinterpretação do espaço pelos indivíduos, onde o processo de socialização e

individuação atuaria em configurações que valorizassem o “local” e não pudessem

se integrar ao que é “espacial”, pela própria dificuldade fragmentária e difusa

disposta pelo processo de acumulação flexível. O distante se aproximaria através de

uma mercantilização, em escala mundial, de estéticas e “modos de vida” de todo os

países do planeta, podendo ser “consumidos” em uma velocidade não conhecida

anteriormente, onde culinárias, imagens, produtos, indumentárias, músicas e

símbolos poderiam ser consumidos a qualquer momento, dependendo da escolha e

das informações do consumidor/cliente.

Ao mesmo tempo há uma valorização da “identidade local”, de uma cultura

ligada a um certo território, que possa ser identificado com um “lugar”, um local que

possa se diferenciar e situar os indivíduos a certos parâmetros fixos, a uma cultura

própria e única, mesmo que estas especificidades também estejam sendo usadas

nas configurações e diferenciações necessárias para as estratégias capitalistas de

flexibilização, produção e circulação de seus produtos. A pós-modernidade estaria

nos levando ao paradoxo entre a valorização do local como lócus de individuação e

pertencimento em oposição concomitante ao que é global e culturalmente

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disseminado por todo o planeta, gerando esta apropriação difusa e confusa das

percepções entre tempo e espaço (HARVEY, 2009, ps.272, 273).

3.1.1 Reflexões e “saídas”

Santos (1994) e Harvey (2009) revelam seu espanto com a impossibilidade de

se perceber efetivamente os rumos, e uma mínima capacidade de fornecer

parâmetros inteligíveis, para a compreensão das mudanças produtivas e simbólicas

ocorridas nas últimas décadas.

A velocidade dessas mudanças provavelmente seja o principal fator para este

momento de “incompreensão”, pois, e apesar, dos avanços tecnológicos realizados

de maneira progressiva na História do capitalismo nos últimos séculos, as mudanças

de paradigmas iniciados em meados da década de 1960 nunca encontraram

precedentes nos processos de produção e circulação de informação no mundo

contemporâneo. Santos (1994) ressalta a necessidade de valorização dos indivíduos

e grupos que de alguma forma estão alijados do mundo capitalista globalizado, que

não dividem o mesmo modus operanti. na qual a sociedade atual parece reproduzir

os fluxos de hiperconsumo e excesso de informações, chamando a atenção para

uma possível “saída” a este processo disjuntivo e desintegrador produzido pela

globalização, revelado pelos detentores dos “tempos lentos”, das oposições a essa

nova visão de mundo e que ainda não estariam integrados às relações globalizadas.

Dar voz e perceber a inovações criativas destes atores seria uma das possibilidades

para se pensar em alternativas ao processo difuso do presente. Harvey (2009)

aponta como reflexão na possibilidade de se lidar com os processos vigentes, uma

tentativa de valorização de determinadas necessidades locais, representados em

movimento sociais, grupos de interesse, lideranças políticas, que possam adensar

identidades locais, regionais ou nacionais. Porém ressalta o perigo e a possibilidade

de desvirtuamento dessas demandas locais, em autodeterminações culturais que

possam gerar intolerâncias, sectarismos e nacionalismos exacerbados, utilizando

como exemplo o caso da polarização e ascensão da extrema direita no caso da

França.

Acerca das contribuições de Castells (1983) podemos refletir que o mesmo,

ainda que não estivesse em um momento histórico favorável à percepção

distanciada sobre as mudanças apontadas pelos autores anteriores, demonstra que

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sua principal preocupação estava concentrada nas atualizações de formulações

marxistas em relação à questão urbana e o processo de desenvolvimento histórico

do capitalismo, principalmente nas imbricações entre produção capitalista,

reprodução social, urbanismo e as lutas de classe. Primeiramente ele denomina

como “ideológicas” as formulações sobre “questão urbana”, da forma como elas são

criadas e utilizadas pelas teorias urbanísticas e sociológicas, ressaltando os

aspectos naturalizantes e alienantes que essas concepções sobre o urbano levam

às percepções sobre as contradições estruturais das classes sociais (CASTELLS,

1983, p.458). Porém, e provavelmente o mais importante como contribuição a este

trabalho, seja sua conceituação quanto à noção de “espaço”, onde o mesmo diz que:

É tão pouco possível fazer uma análise do espaço “em si” quanto fazer uma análise do tempo… O espaço como produto social, é sempre especificado por uma relação definida entre as diferentes instâncias de uma estrutura social: a econômica, a política, a ideológica e a conjuntura de relações sociais que ela resulta. O espaço portanto é sempre uma conjuntura histórica e uma forma54 social que recebe seu sentido nos processos sociais que se exprimem através dele. O espaço é suscetível de produzir , em troca, efeitos específicos sobre os outros domínios da conjuntura social, devido à forma particular de articulação das instâncias estruturais que ele constitui (CASTELLS, 1983, p.459).

Mesmo com os diferentes usos das noções de “tempo” e “espaço” utilizados

por Castells (1983), Harvey (2009) e Santos (1994), suas contribuições são

fundamentais para o ensejo de perceber as mudanças e vivências da passagem da

modernidade ao que denominamos pós-modernidade ou globalização55, e

principalmente à complexização das noções de espaço, localidade e território que

são fundamentais e integrativos dos processos de socialização e individuação das

dinâmicas atuais, e mais especificamente em relação à mobilidade urbana.

3.2 Território e identidade: conceitos e usos

É importante perceber que a questão da identidade territorial possui

rebatimentos estruturantes na construção e oferecimento dos transportes urbanos, e

de maneira mais ampla e geral, nas políticas de mobilidade urbana. De alguma

                                                            54Grifo do autor. 55Outros autores utilizam outras conceituações e denominações, algumas que iremos ver posteriormente. 

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forma as noções de que há uma hierarquia entre diferentes localidades e territórios

parece já fazer parte do imaginário antropológico e sociológico desde meados do

século XX. Os estudos de caso baseados nos bairros de Chicago em meados da

década de 1930, nos Estados Unidos, introduzem a importância do urbano e de

suas localidades em um cenário de importância da sociologia, a “Escola de Chicago”

ressalta em seus estudos e teorias as especificidades que as localidades, os

“guetos” urbanos, podem gerar nos indivíduos. Toda uma gama de subjetividades,

sociabilidades, individuações e integrações coletivas, estarão intrinsecamente

vinculadas ao pertencimento a um determinado território, sua cultura específica e as

formas como esses “territorializados” se relacionam com “outros” pertencimentos e

identidades. É importante relatar que estas identidades não são inteiramente

determinantes ou inflexíveis, pois estão em constante contato com outras

identidades e territorialidades, seja este contato realizado pelas relações familiares e

comunitárias, em uma primeira instância; seja pelas interações culturais (televisão,

cinema, rádio, outdoors, etc.) e coletivas impessoais (relações comerciais, relações

fortuitas nas ruas, encontros casuais com desconhecidos); porém a sensação de

pertencimento e a internalização de que se “é” de algum lugar se faz imprescindível

para a própria autonomia da psique humana.

A sensação primeira, de ser de algum lugar, de ocupar algum lugar/espaço

que lhe seja caro e familiar está incluída às primeiras percepções de se sentir

pertencente a um mundo de coletividades e de pessoas que são diferentes de você,

por mais que os indivíduos a priori não saibam quais são essas diferenças, a não ser

pelos aspectos físicos e indumentais, identificáveis também pelas nossas pré-

noções e pré-conceitos, e que nos são colocadas e introjetadas desde nossas

primeiras articulações de palavras. Estas “percepções” são logo e posteriormente

seguidas por outros conhecimentos e internalizações, mesmo que passadas de

maneira superficial e inacabada, podendo ser objetivadas e descritas como: a

sabedoria da posição hierárquica do lugar de onde você “é” possui em relação à

posição hierárquica de um lugar de onde você não “é”. Talvez a melhor explicação

para a frase anterior seja: saber, desde tenra idade, quais são os melhores e piores

lugares em diferentes escalas, tendo como parâmetro o lugar onde você nasceu

e/ou reside.

Estes “lugares” podem estar circunscritos a uma rua, a um beco, a uma série

de casas de uma rua de um bairro, a um outro bairro considerado mais violento.

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Porém parece que existem instâncias e dimensionamentos relativos quanto à escala

desses “lugares”. A mãe de uma criança dizer que seu filho/a não deve ir a tal rua

pode estar relacionada a um medo da falta de controle a um limite geográfico, ou a

certeza de aquela rua específica tem tido mais assaltos, ou de que o trânsito

naquela rua anda muito intenso, mas também há uma percepção de que mesmo

com todos esses “perigos” esse lugar é conhecido e reconhecido, podendo inclusive

nomear determinadas ruas ou locais como potencialmente perigosos por um certo

conhecimento “táctil”. Aquela mãe provavelmente viveu naquele lugar, sabe de suas

histórias, as histórias não oficiais, os locais valorizados e desvalorizados através do

tempo e em relação à sua própria vida, ao seu casamento, ao nascimento de seus

filhos, aquele “lugar”, e todas as suas subdivisões, pertencem à sua própria história,

à sua própria vida.

Dentro desse “conhecimento” propiciado pelas experiências de vida do

lugar/território, e as consequentes incorporações de hierarquias territoriais,

comparativas, há também o desenvolvimento de algumas “escalas territoriais” Estas

escalas vão variar em suas compreensões de acordo com as diferentes

individualidades e acessos, porém também funcionará como um conhecimento

coletivo, que poderá ser aferido pelos moradores/habitantes destes territórios em

relação a outros moradores/habitantes. Este tipo de “conhecimento” e “escala” é

facilmente observado nas conversas cotidianas entre as pessoas nas ruas, bairros e

cidades vizinhas, e às vezes distantes, onde sempre é possível escutar os

comentários sobre qual é o lugar mais “agradável” ou mais “urbanizado”, “populoso”,

“ruidoso”, “pobre”, “rico”, “chique”, “brega”, “longe”, “precário”, “bonito”, entre outros.

Esta escala também funciona a nível regional, no caso do Rio de Janeiro

existe um número grande dessas denominações, como: “Centro”, “Zona Sul”, “Zona

Oeste”, “Zona Norte”, “subúrbio”, “Baixada Fluminense”, “Região dos Lagos”, “Costa

Verde”, “Grande Rio”, “Região Metropolitana”, “Norte Fluminense”, “Sul Fluminense”,

“Serra”. Estas denominações funcionam de maneira oficial e oficiosa, podendo ser

utilizadas como denominações de órgãos estatais, dos diversos níveis, e nas falas

informais da população que vive no Estado do Rio de Janeiro.

O espaço físico sempre resultará dos efeitos do espaço social, sendo este

formado pelos agentes viventes e situados que possuem uma localização e uma

posição dentro da estrutura social. Os diversos campos de ação social são arenas

para as disputas que os diferentes capitais (econômico, social, cultural, simbólico)

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atuem para as multiplicidades de interações dos agentes dentro dos espaços físicos

e social. “Efetivamente, o espaço social se retraduz no espaço físico (…)”

(BOURDIEU, 1997, p.160). e através dessa “produção” difusa, e também confusa, é

que a possibilidade de acesso ao espaço físico, através dos transportes, da inclusão

e da exclusão dos agentes pertencentes aos diferentes espaços, se realiza. Uma

série de componentes ligados a processos de distinção estarão diretamente

vinculados à detenção dos símbolos e de capitais necessários para se pertencer a

um lugar, ou simplesmente nascer em um determinado local implicará ao agente,

usos de símbolos que o façam, em momentos específicos, a se “afastar” ou se

“aproximar” do lugar onde nasceu, ou até deixá-lo em permanente conflito, nesse

movimento realizado. É denominado de espaço social reificado o espaço físico onde

o espaço social vigente se re-produz, se realiza materialmente, através de

indivíduos, coletividades, bens e serviços que representam e agem como os valores

e símbolos naturalizados pelos agentes sociais em relação à apropriação daquele

espaço. (BOURDIEU, 1997).

No importante campo da Geografia, disciplina fundamental para a

incorporação do debate sobre território e identidade, podemos ver em Santos e

Pedon (2007), Pollice (2010) e Ritter (2011) as discussões atuais sobre estes

conceitos fundamentais para a compreensão do tema a que este trabalho se propõe.

O levantamento histórico e processual, no ainda presente debate entre os usos dos

conceitos de “espaço” e “território”, demonstram as dificuldades para os geógrafos

em chegar a um determinado consenso no que tange a intersecção entre as

interações das relações humanas (políticas, materiais, sociais, ideológicas,

simbólicas, etc.) no meio ambiente, onde os indivíduos situam suas existências nos

espaços geográficos.

O conceito de “território” surgirá de maneira mais efetiva entre os anos 1960 e

1970 e trará como inovação a incorporação dos componentes produtores e

produzidos pelas interações sociais conjuntamente com os “diálogos” entre os

indivíduos e os “espaços vividos” (POLLICE, 2010, p.8). O território será, então, o

resultado entre as ações geradas pelas relações sociais sobre o espaço geográfico,

onde o mesmo intermediará, produzirá e também será produzido pelas constantes

variações das interações humanas sobre ele, o espaço, sem se esquecer do

componente “tempo” na dinâmica dessa relação. O “território” é produto e produtor

de relações materiais, culturais, simbólicas e subjetivas que incorporam o espaço

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(geográfico) como elemento primordial de identificação da sociabilidade humana,

seja na coletividade e na individualidade, desde que esta

sociabilidade/territorialidade possa ser re-conhecida e comunicada entre os

habitantes/atores deste território.

A questão da identidade territorial se torna fundamental nas discussões

contemporâneas sobre desenvolvimento local e suas tensões com um crescente

processo de aculturação e desterritorialização de identidades, supostamente

produzidos pelo avanço da globalização aos inúmeros territórios conectados no

mundo atual. A identidade territorial deve ser compreendida como fenômenos

materiais e abstratos que são produzidos e produzem efeitos nas relações sociais e

individuais, constituindo-os, em suas formas endógenas e exógenas a determinado

território. Os “conteúdos” dessa(s) identidade(s) estarão ligados às origens históricas

desse local e às formas como esses conteúdos se relacionam e são reproduzidos

nas instâncias cotidianas, geracionais e políticas daquele território. Porém mais do

que a existência dessas identidades, e efetivamente elas existem e resistem, o mais

importante seria compreender como essas identidades são percebidas56 pelos

atores e agentes que atuam sob as formulações e internalizações das mesmas.

Especificamente em relação às estratégias de desenvolvimento local seria prioritário

valorizar as formas pelas quais as identidades territoriais são percebidas e tornadas

em agência pelos atores/moradores destes locais do que efetivamente ressaltar de

antemão elementos de identidade que sejam fixos ou não façam mais parte

integrante das sociabilidades pousadas naquele espaço. Então o que restará, nesta

segunda opção, será uma estratégia que estagnará os processos sociais baseados

nas identidades do território, levando a casos de identidades alienígenas, como, por

exemplo, casos de “cidades turísticas”, onde em algumas situações, o objeto/fim na

estratégia de desenvolvimento local é anacrônico ao momento atual da sociabilidade

corrente no local (POLLICE, 2010).

Outro enfoque para a análise e uso dos conceitos de identidade, no que tange

as discussões sobre território, são as ações políticas para a busca de um

desenvolvimento territorial em suas bases econômica, ambiental, social e/ou

cultural. Neste caso, leva-se em consideração, fatores materiais e/ou imateriais que

levam essas localidades/territórios a uma ação de intervenção, quase sempre estatal

                                                            56 Nosso grifo. 

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(mas não obrigatoriamente), que vise: “devolver” àquele local a possibilidade de

crescimento econômico, o “resgate” de sua importância devido à sua contribuição ou

formação histórica, a “implementação” de projetos ligados ao desenvolvimento

sustentável e a preservação ambiental, ou a “re-inserção” de sua importância em um

contexto regional mais amplo, ou até mesmo em âmbito nacional.

Em Perico (2009) vemos a realização da discussão teórica e a construção de

uma tipologia denominada “Territórios de Identidade”57, onde buscou-se a

construção de uma metodologia que levasse a uma complexização dos conceitos de

espaço, território e identidade, para eventuais ações governamentais para a

valorização, neste caso específico, do desenvolvimento de áreas rurais. Desta forma

é desenhada a percepção dos conceitos de território e identidade da seguinte forma: Entendemos, por território, a dimensão política do espaço – quando este é referido reconhecido e identificado – enquanto unidade da gestão política que o distingue e o atribui existência, de certa forma institucionalizada. Nem sempre o território constitui-se numa entidade territorial, a exemplo de município, província, departamento ou estado. É suficiente ser reconhecido como unidade que pode controlar ou interagir enquanto a institucionalidade que expressa – pode ser a bacia de um rio, a união de organizações territoriais, um espaço com nítidas características étnicas ou um espaço definido por redes econômicas bem caracterizadas (…). A identidade, quando associada ao território no contexto político institucional, expressa-se como territorialidade que denota o sentimento político, a energia social e a vontade coletiva, que resultam em sentimentos – nacionalista, patriótico, regionalista, amor pela terra e diversas manifestações da força social objetiva. E o reconhecimento e compreensão desses sentimentos promovem a afirmação de muitas estratégias de desenvolvimento (PERICO, 2009, p.10).

Ainda no campo do desenvolvimento territorial, associado à identidade

cultural, e as possibilidades de avanços em seus diversos eixos, temos

considerações sobre a importância do capital social no que se refere a estratégias

de gerar uma sinergia efetiva entre as redes políticas e representativas locais às

instâncias estatais e da sociedade civil, proporcionando a superação de possíveis

atravancamentos ligados a disputas destes mesmos grupos locais. Busca-se, nesta

análise, o fortalecimento dos territórios através da produção de

bens/produtos/serviços que possam ser diretamente associados pelo mercado

consumidor a este território cultural e identitariamente demarcado, gerando assim                                                             57 PERICO, Rafael Echeverri.  Identidade e território no Brasil. Ministério do Desenvolvimento Agrário  (MDA), 2009. 

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um aumento efetivo da importância deste território como um produtor representativo.

Havendo também uma ampla discussão teórica e metodológica sobre a construção

real de meios e/ou instituições que possam representar integralmente os diferentes

interesses associados às esferas locais, buscando-se maneiras mais concretas de

se institucionalizar formas de capital social, podendo este capital estar integrado ou

não às ações do Estado, ou podendo estar diretamente ligadas à iniciativa privada e

instituições do terceiro setor (FLORES, 2006).

Por fim e agregando a questão efetiva dos transportes urbanos à percepção

sobre identidade territorial, temos no trabalho de Silva (2007) um apontamento sobre

as possibilidades das identidades territoriais atingirem de maneira crucial a oferta

dos diferentes modais de transportes urbanos, oferta esta relacionada tanto à

quantidade quanto à qualidade dos serviços. A variação de “como”, “quando” e

“onde” os serviços são oferecidos pode estar diretamente relacionada aos aspectos

identitários do território, internalizados endogenamente ou exogenamente, ou mais

precisamente na relação entre as percepções internas e externas geradas na fricção

social das diferenciadas representações simbólicas ligadas a diferentes territórios

dentro de um contexto regional, neste caso específico, a Região Metropolitana do

Rio de Janeiro.

No trabalho dedicado à realização de uma etnografia em uma cooperativa de

vans de uma cidade da Baixada Fluminense, Silva (2007) chama atenção para a

necessidade de uma compreensão na maneira pela qual os indivíduos percebem-se

individualmente e coletivamente nos territórios em que vivem e trabalham, em uma

possível hierarquia territorial simbólica pautada em uma comparação com outros

territórios próximos, possuindo entre si uma relação de conurbação e

interdependência social, cultural e econômica. A relação hierárquica e assimétrica

entre estes territórios produziria efeitos que atingiriam as maneiras como os mesmos

são “internalizados” subjetivamente/coletivamente, assim como se tornam resultados

materiais e econômicos deste próprio processo de subjetivação coletiva. Neste

ponto o autor diz:

A importância e o prestígio do município do Rio de Janeiro em comparação aos municípios que formam a Baixada Fluminense, sempre foi uma “diferenciação negativa”, percebida de maneira contundente pelos habitantes da Baixada. Além de ser encarada como cidade-dormitório, pela preponderância econômica e cultural da cidade do Rio de Janeiro, Igrejinha ainda se subordinava a um

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outro município dentro da Baixada Fluminense, o que poderia ser um fato de redução ainda maior da estima de ter nascido em Igrejinha58 (SILVA, 2007, p.64).

As diferenças econômicas e políticas (traduzidas em assimetrias produtivas,

urbanísticas, habitacionais, de capital político, ambientais, etc.) reforçariam o status

desigual das internalizações simbólicas entre estes territórios, formando-se uma

espiral de diferenciação simbólica e material, pautada nestas hierarquias territoriais

socialmente e historicamente construídas.

3.3 Mobilidade(s) urbana(s)

A discussão sobre este tema/conceito é fundamental para nosso projeto de

pesquisa, pois trata dos efeitos e resultados observados das políticas de transportes

urbanos, além de discutir e levantar questões sobre o que é efetivamente a

mobilidade, seus efeitos e rebatimentos sociais, econômicos e culturais. Também é

importante tentar compreender a temática da mobilidade urbana, devido às

diferentes interpretações que este conceito pode conferir à própria construção das

políticas de oferta de transportes, demonstrando também as diversas formas de

compreender e enxergar a questão da mobilidade dos indivíduos pelos territórios.

Gomide (2006), Rosas e Hogan (2009), Izaga (2009), Caiafa (2002, 2007),

Augé (2007), Rosa e Waisman (2006), Scaringella (2001), Lago (2000) são alguns

dos muitos autores que buscam problematizar as questões da mobilidade urbana

dentro do vasto espectro teórico e metodológico que se coloca dentro da

contemporaneidade urbana e dos diferentes contextos formativos históricos e

urbanos.

A “mobilidade como um termo polissêmico pode indicar uma gama de formas

de se movimentar assim como formas de comunicação. (…) Está ligada à

possibilidade de mover (…), à capacidade de se modificar ou de variar de estado e

também à comunicabilidade” (VICENTIM, 2008, apud ROSAS; HOGAN, 2009, p.2).

Esta forma de se classificar e compreender a mobilidade extrapola os limites dados

ao termo, principalmente até meados do século XX, como forma exclusiva de se dar

conta de um deslocamento físico entre indivíduos nos espaços urbanos ou rurais,

                                                            58 Nome fictício dado pelo autor à cidade sede da cooperativa pesquisada. 

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incorporando as crescentes transformações dos espaços urbanos com as

expansões ocorridas pelas metrópoles, através das mudanças nas formas de

reprodução social e na própria produção capitalista. A ruptura do “antigo modelo” da

cidade moderna, e seus deslocamentos pendulares entre trabalho-moradia, passa a

ser sistematicamente substituídos por deslocamentos policêntricos, que não

obedecem mais necessariamente uma força central, mas dispersa-se por outras

centralidade regionais dentro da mancha metropolitana. É interessante perceber as

percepções das diferentes formas de mobilidade levando-se em conta as escolhas

pessoais na realização dos deslocamentos urbanos, onde não mais “determinismos”

entre os modais de transportes definirão as rotas e trajetos, apesar da oferta objetiva

do sistema de transportes possibilitar escolhas ou realizar constrangimentos e

imobilidades espaciais e sociais.

São destacados quatro formas de mobilidade dentro do panorama

contemporâneo urbano. O primeiro termo será a “acessibilidade em relação à

mobilidade ou a mobilidade como possibilidade”; posteriormente a “mobilidade como

circulação”; em terceiro a “mobilidade virtual” e por último a “mobilidade social”

(ROSAS; HOGAN, 2009).

A acessibilidade entra como discussão nestas tipologias de mobilidade como

formas facilitadoras de acesso ao sistema de transportes urbanos ou aos

dispositivos púbicos e privados. De uma forma em geral o termo “acessibilidade”

está midiaticamente e popularmente ligado aos acessos a pessoas com deficiência,

porém, há apontamentos de que esse conceito pode ser utilizado e pensado de

forma muito mais ampla, pois é a maneira pela qual se dá fluidez e rapidez aos

deslocamentos das massas urbanas. A mobilidade como circulação seria as formas

e estratégias das políticas de transportes para as metrópoles e cidades, destacando-

se as discussões das necessidades das demandas de deslocamentos, os

estrangulamentos de pontos de transição entre modais, os próprios modais e

sistemas de transportes necessários para determinadas localidades e públicos, além

da atual discussão sobre sustentabilidade do sistema de transportes em geral, seja

ele público, coletivo, privado ou particular.

A mobilidade virtual aponta a tecnologia também como forma fundamental de

mobilidade, pois permite conexões e outros tipos de deslocamentos, mesmo que os

indivíduos permaneçam no mesmo espaço físico, porém estes incorporariam a

possibilidade de informação conjuntamente com o ato de se transportar, de se

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locomover. Estar conectado à internet, ou pertencer ao estilo mobile (VICENTIM,

2008 apud ROSAS: HAGUN, 2009, p. 4) através das tecnologias de telefonia e

computação, insere os indivíduos no espaço virtual, aumentando seu poder de

comunicabilidade, mesmo à distância. Outro ponto interessante são as formas de

conjunção que o acesso ao mundo virtual pode realizar em complemento com os

transportes urbanos, seja entretendo, informando sobre as notícias do cotidiano ou

passando informações sobre o próprio trânsito ou dados relevantes sobre as

condições dos transportes urbanos em tempo real. A mobilidade social demonstraria

a percepção, já tradicional, de mudanças nos aspectos econômicos, a ascensão

social e educacional, melhorias no mundo do trabalho, e o próprio deslocamento

físico através das mudanças de domicílio. Quanto a este tema, Lago (2000) realiza

um interessante estudo acerca da mobilidade social e espacial e seus rebatimentos

sociais.

Segundo Meyer (2000 apud ROSAS; HOGAN, 2009, p.5) “o par

“fragmentação” e “dispersão” são características centrais da metrópole

contemporânea”. Esta afirmação referencia as variadas e dispersas formas de

mobilidade possíveis nas metrópoles, onde não mais a tríade domicílio-trabalho-

domícilio se fazem presente na vida cotidiana. Onde as necessidades da produção

flexível, o rompimento da estrutura formal de emprego, as possibilidades de

escolhas culturais e turísticas, e a obrigatoriedade da velocidade nos deslocamento

de pessoas e, principalmente, produtos por todo perímetro urbano, transformaram,

e, de certa forma, atomizaram as previsibilidades dos deslocamentos urbanos,

apesar do re-conhecimento de grandes deslocamentos diários de grande parte da

população, estar quase sempre formada pelas classes médias e populares.

Uma proposta interessante é a noção de ritmo para a observação das

mobilidades urbanas. Através da ideia de place-ballet, ou balé-do-lugar, de Seamon

(1980 apud ROSAS; HOGAN, 2009, p.4) poderia se observar as movimentações

diárias das pessoas nas cidades, percebendo os movimentos das diferentes

escolhas e possibilidades dos indivíduos no ambiente da metrópole.

Investigar essas rotinas que compõem o lugar é central para aprofundar os sentidos da mobilidade na experiência metropolitana. Como são individuais, é necessário pensar em termos de mobilidades pessoais, focando a percepção e as variáveis nos modos de vida (composto por escolhas e constrangimentos) para podermos avançar na compreensão do papel do lugar na delimitação

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destes ritmos e rotinas e seus rebatimentos na espacialidade da mobilidade e da própria metrópole (ROSAS; HOGAN, 2009, p.4).

A análise dos ritmos diários revelariam os deslocamentos dos indivíduos e as

diferentes percepções dos mesmos sobre atravessar e o passar do tempo na

metrópole, e as próprias percepções coletivas, já que um grande contingente de

pessoas que circulam e dividem os mesmos espaços “físicos” e “temporais”, e no

que se refere às experiências vividas dentro dos ambientes, dispositivos e

transportes urbanos, onde se mostra que “(…) a metrópole que aparenta um vai-e-

vem descontínuo é a mesma dos lugares estruturados por rotinas têmporo-espaciais

(o balé-do-lugar)59. Tentar traçar os itinerários que conformam os diferentes ritmos

seria uma forma de refletir sobre as dinâmicas que regem a rotina metropolitana

(ROSAS; HOGAN, 2009, p.7).

Em Izaga (2009) temos o trabalho sobre a mobilidade e centralidade da

cidade do Rio de Janeiro em relação aos itinerários urbanos e sua relação com a

infraestrutura de mobilidade existente. A autora expõe o debate sobre os conceitos

de mobilidade e acessibilidade (MERLIN e CHOAY, 2005; VASCONCELLOS, 2001;

HANSON, 1995; AMAR, 2004; ACHER, 2004 apud IZIAGA, 2009) problematizando

estes termos e buscando a aproximação dos mesmos à realidade vivida pelas

metrópoles no século XXI.

No contexto da discussão teórica fica clara a necessidade de ampliação da

compreensão e entendimento do que sejam efetivamente as noções de mobilidade e

acessibilidade. Em termos gerais e técnicos há o apontamento sobre a mobilidade

como formas materializadas em possibilitar a locomoção de pessoas ou objetos,

quase sempre através dos sistemas de transportes ou formas conjugadas de

deslocamentos, estas através das ações individuais autonomizadas (como andar a

pé, correr) em conjunto com os modais de transportes, que são quase sempre

ofertados pelo poder público, seja explorado/fornecido por ele ou não.

A acessibilidade é percebida, em alguns autores, como um conceito mais

amplo, pois seria a forma pela qual haveria a facilitação do acesso aos transportes,

e consequentemente aos deslocamentos urbanos, revelando as possibilidades e o

grau de utilização da estrutura de mobilidade urbana oferecida, onde:

                                                            59 Acréscimo nosso. 

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Estas visões da mobilidade direcionam a que se compreenda sua ligação às pessoas e aos meios que elas necessitam para se deslocar no espaço do território, envolvendo a analise da conexão entre oferta dos sistemas de circulação, estrutura urbana e os custos dos transportes, como elementos interdependentes (IZIAGA, 2009, p. 29).

Uma das contribuições mais interessantes no debate exposto e aprofundado

por Iziaga (2009) é a ampliação da visão do que seja efetivamente a mobilidade e

acessibilidade, estes relacionados aos aspectos técnicos e “duros” dos transportes

urbanos, através das percepções dos locais de conexão intermodal como meros

espaços de passagem e contingenciamento das massas, para a percepção dessas

conexões como possibilidades de espaços de informação, onde os diferentes fluxos

e pessoas, a se deslocarem pela metrópole, poderão ter pontos de contato e

realizarem destinos através de pontos de convergência de troca de informações e

contatos interpessoais. Neste ponto, a autora chama a atenção, através das

formulações de AMAR (2004, apud IZIAGA, 2004), para um aspecto extremamente

negligenciado na oferta dos transportes coletivos urbanos nas metrópoles,

principalmente em países em desenvolvimento, como no Brasil. A qualidade do

serviço oferecido, e mais importante, a percepção da qualidade do tempo gasto nas

“jornadas urbanas60”. Onde o tempo ali vivido não passe a ser mais considerado

como um “tempo morto”, e sim como um “tempo útil” ou um “tempo criativo”. Esta

percepção vai de encontro exatamente com a ideia de que não se deveria somente

pensar nas estruturas e ofertas de mobilidade, mas também com a qualidade dessa

oferta, que pode ser traduzida pela construção de uma adesão real e coletiva dos

usuários dos sistemas de transporte às suas demandas subjetivas e culturais,

realizando efetivamente a inclusão dos indivíduos à esfera de percepção de que seu

tempo não está sendo perdido simplesmente pelo ato de se transportar, mas sim

que aquele “tempo” pode ser um proporcionador de outras qualidades (IZIAGA,

2009, p.30).

Esta colocação traz à tona um dos grandes impasses da oferta do sistema de

transportes urbanos no caso brasileiro, mais especificamente à RMRJ, pois reflete

não somente a ineficiência do sistema de transportes urbanos quanto à estrutura e

oferta de deslocamentos, mas também revela a total desfiliação de grande maioria

da população que se desloca diariamente através das ruas, avenidas, trilhos e                                                             60 Caifa (2002) 

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aquavias, quanto as necessidades e percepções subjetivas no uso dos modais

existentes. Os trabalhos de Caiafa (2002, 2007), Pires (2010, 2011), Silva (2007),

Fonseca (2005), Rosa e Waisman (2006) revelam o viver intenso, difícil, árduo e

precário dentro de diferentes modais oferecidos e produzidos pela experiência

urbana, viver este quase sempre relacionado ao mundo do trabalho, mas também a

outras possibilidades, como o lazer e outras atividades referentes às atividades

urbanas.

Na avaliação de Iziaga (2009) o importante é estar atento às observações

atuais, conceituais e aferidas empiricamente sobre a “noção conjunta da mobilidade

(pessoas) e da acessibilidade (lugares)”, concluindo que “É desta forma que o uso

da palavra mobilidade, mobilidades urbanas, tende a ser mais universal sendo

recuperado no contexto mais amplo das discussões ligadas ao transporte urbano”

(IZIAGA, 2009, p.31).

Em Scaringella (2001) temos observações e apontamentos sobre os muitos

estrangulamentos nas vias, avenidas e ruas, da cidade de São Paulo, onde o uso de

carros particulares e ônibus, como principais meios de deslocamento urbano, e,

portanto, de mobilidade urbana, aumentaram de maneira exponencial os

congestionamentos e o tempo gasto para a efetivação do ato de se transportar na

metrópole paulistana nas últimas décadas. Suas observações se atrelam mais

diretamente aos aspectos técnicos dos transportes urbanos, porém chamando a

atenção para um olhar diferenciado das percepções do que o autor denomina como

“hardware urbano”, sendo este termo relacionado à oferta dos transportes oferecidos

à população para a realização de seus deslocamentos, criticando a exclusividade do

pensamento interventor da criação de grandes dispositivos e obras que tendem

sempre a buscar a produção cada vez grandiosa de mobilidade. O autor não se

afasta da percepção dessa necessidade, mas ressalta a também grande importância

de se pensar a demanda, o que, neste caso, seria o “software urbano”, chamando a

atenção para alguns pontos que deveriam também basear e gerar nas políticas de

mobilidade urbana uma preocupação central pensada na demanda da população,

levando-se em consideração, por exemplo: os horários, percursos, destinos e modos

de se transportar; a não execução da viagem ou mudança radical do modal de

transporte; internalização das dificuldades e a realização do deslocamento (este

último tópico que já é efetivamente realizado por grande parte da população

empobrecida das grandes metrópoles, cotidianamente).

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As indicações realizadas são de que as necessidades de ampliação da oferta

de transportes urbanos através da intervenção urbana, materializada nas grandes

obras geradoras de oferta de deslocamentos, já não podem ser totalmente

contempladas devido ao próprio crescimento descontrolado da cidade de São Paulo

e da consequente impossibilidade de expansão, indicando, a defasagem nos

quilômetros construídos para o metrô da cidade, e que deveriam ter sido realizados

já nas décadas de sessenta e setenta do século passado, e que hoje, tornam-se

inviáveis para a sua efetivação devido ao grande custo com desapropriações e

inviabilidades territoriais. Ao mesmo tempo ressalta o efetivo conhecimento dos

deslocamentos urbanos através de pesquisas e controles eficazes dos mesmos; o

controle, através de tecnologia existente e acessível, na circulação e controle dos

automóveis particulares e de carga nas vias da metrópole; o efetivo planejamento de

mobilidade urbana baseado nas necessidades apontadas pela demanda da

população; e uma política preventiva e eficaz que possa trazer uma maior educação

para condutores e usuários dos meios de transporte público e particular

(SCARINGELLA, 2001, p. 59).

Em outra “ponta” do tema abordado, a mobilidade urbana, temos as

observações de Gomide (2006) que tratam das dificuldades de mobilidade à

população de estratos mais pobres da população e que vivem mais distantes em

relação ao centro da cidade de São Paulo, mostrando índices de mobilidade versus

as faixas de renda da população, indicando a relação direta entre esses fatores. Os

fatores mais representativos e indicados para a diferença observada nos índices

foram “i) as altas tarifas dos serviços, incompatíveis com os rendimentos dos

segmentos mais pobres; e ii) a inadequação da oferta dos serviços, principalmente

para as áreas periféricas das cidades” (GOMIDE, 2006, p.243). Estas dificuldades se

traduzem, segundo o autor, nas possibilidades de acesso desta população a

atividades sociais fundamentais como a educação, o lazer e o trabalho. A busca pelo

trabalho torna-se impossibilitada pela dificuldade do pagamento do serviço de

transporte devido ao preço do mesmo, o que acaba por delimitar a circulação deste

segmento social a um círculo diminuto e quase exclusivo ao local de residência.

Existiriam possibilidades de “saída” do círculo vicioso entre imobilidade,

pobreza e exclusão social, pois, em algumas cidades do território nacional, foram

formuladas políticas participativas, com conselhos municipais e orçamentos

participativos, em que avaliações e proposições dos usuários, através de

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instrumentos de avaliação e retorno aos poderes concedentes, estabeleceram

possibilidades de incentivos aos prestadores de serviço e de responsabilização

quando estes serviços fossem sistematicamente mal avaliados. Ao mesmo tempo há

a observação da necessidade da melhor distribuição da acessibilidade e da

variabilidade das atividades econômicas e sociais nos diferentes territórios, pois fica

evidenciada a relação entre o uso do solo e as políticas de transporte, evidenciando

a necessidade de deslocamento pela falta de dispositivos públicos ou privados em

localidades e até mesmo cidades, obrigando seus habitantes a realizarem viagens

para poderem ir ao banco, realizar compras do dia-a-dia, resolver problemas

burocráticos, ir a clínicas e hospitais. (GOMIDE, 2006, p.249). Deste modo forçando

uma grande parcela da população a se organizar financeiramente e temporalmente

a se deslocarem algumas vezes ao mês para poder em realizar regularmente

algumas destas atividades.

3.4 Segregação urbana e o espaço intra-urbano

Villaça (2012) irá refletir o desenvolvimento e avanço da urbanização

brasileira, além dos processos de conurbação nas metrópoles, pensando em

categorias e conceitos que podem ser importantes para se pensar as relações entre

espaço, uso do solo e transportes. Pensa os elementos da estrutura territorial

urbana através da ideia que há um centro formador da metrópole, onde se

concentram os serviços, comércio e diversidade de trabalho; sub-centros de serviços

e comércio (agindo como repetidores/réplicas do centro principal); bairros

residências que obedecem a uma hierarquia social e polos industriais; com a

complementação o sistema de transportes, outros equipamentos urbanos e os

serviços oferecidos. Esta estrutura estará articulada a outras não necessariamente

territoriais, como a estrutura política, a ideológica e a econômica.

Aprofunda sua análise ao definir os espaços intra-urbanos como pautados

pela forma dos deslocamentos humanos, seja como força de trabalho, através dos

deslocamentos urbanos casa/trabalho x trabalho/casa, ou como um consumidor de

produtos e serviços, atuando assim como grande polo com deslocamentos

gravitacionais poderosos. Quanto à localização urbana, Villaça (2012) irá discutir,

neste caso, quais relações são importantes devido à natureza do “contato”, este

envolvendo consumidores e produtores, e locais de produção, consumo e moradia.

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Estes tipos de espaço, através da ideia de localização urbana, serão compreendidos

entre os que envolvem deslocamentos (a localização propriamente dita) e os que

não envolvem (os objetos imóveis). As condições necessárias para a os usos do

capital e a reprodução das forças produtivas estarão diretamente relacionadas a

uma rede de infra-estrutura, energia, esgoto, transporte, vias diversificadas,

deslocamentos de pessoas, comunicações e transporte de produtos.

O mais interessante é observar que em suas percepções há o apontamento

de que a mobilidade das pessoas é mais importante que a infra-estrutura disponível,

portanto, a acessibilidade é mais importante para se criar “pontos” (localizações)

bem situados dentro da metrópole e seus subcentros, do que necessariamente a

disponibilidade a priori de uma infra-estrutura urbana61.

Quanto ao crescimento do espaço territorial das cidades, irá descrever que os

sistemas regionais de transportes acabam por definir esta expansão, dando o

exemplo das ferrovias para indicar o crescimento descontínuo e intensamente

nucleado quanto à presença das estações ferroviárias, sendo que os transportes

rodoviários provocam um crescimento descontínuo e rarefeito, porém menos

nucleado, essas diferenças se dão pela natureza dos acessos característicos a

estes modais.

Em relação à segregação urbana Villaça (2012) irá se utilizar das formulações

de Milton Santos através da ideia de “sítio social”, onde o mesmo indicará que a

sociedade urbana modifica seletivamente os lugares, agregando-se às suas

demandas funcionais. Seria por esta razão do porquê de alguns “pontos” se

tornarem mais expoentes e valorizados, formando atividades de vanguarda em

áreas privilegiadas, isto tanto nos aspectos de reprodução do capital, quanto nos

lugares de residência, onde as pessoas das camadas sociais mais elevadas

procurarão locais para viver que pareçam mais relevantes à sua época, o que não

afasta também as percepções de modismo de alguns locais em determinados

períodos, sendo desta maneira a forma como frações da cidade se valorizam ou

desvalorizam através do tempo. Podemos observar em uma citação extremamente

reveladora a descrição de como se dá e se internaliza os processos de segregação,

principalmente para quem transita, vive e trabalho nas metrópoles urbanas, neste

caso específico a RMRJ:

                                                            61 Talvez isso explique o sucesso, aparecimento e necessidade dos transportes informais, realizados por vans, kombis, mototáxis, etc. 

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O que determina, em uma região, a segregação de uma classe é a concentração significativa dessa classe mais do que qualquer outra região geral da metrópole. A Rocinha não é a região geral de maior concentração de população de baixa renda no Rio, mas a Zona Sul, apesar de todas as suas favelas, é a região geral de maior concentração das camadas de mais alta renda do Rio de Janeiro (VILLAÇA, 2012, p.143).

A segregação espacial se refere ao processo das pessoas se concentrarem

cada vez mais em diferentes e específicas regiões ou bairros de uma metrópole ou

cidade, mas é interessante perceber que não há exclusividade das camadas de alta

renda em nenhuma região geral de nenhuma metrópole brasileira, talvez estas

camadas mais altas estejam concentradas em alguns bairros, mas há a presença

das camadas mais pobres quase que em sua totalidade em todas as grandes

regiões urbanas do país.

Villaça (2012) irá problematizar os conceitos de segregação urbana, utilizando-

se dos argumentos de Lojkine (1981)62 e realizando a crítica aos argumentos de que

a segregação seria um fenômeno “produzido pelos mecanismos de formação dos

preços do solo, estes por sua vez, determinados (...) pela nova divisão social e

espacial do trabalho” (LOJIKNE, 1981, p. 199 apud VILLAÇA, 2012, p. 143).

Primeiramente indicando que a uma tendência de que os solos e terrenos mais

caros sejam efetivamente comprados pelas camadas econômicas mais elevadas,

mas ressalta que apesar dessa tendência, exemplifica que isto não é uma regra ou

determinação, já que no caso brasileiro muitos bairros nobres e povoados pelas

camadas altas são adquiridos em solos baratos, indicando inclusive que a própria

classe média também adquire esses terrenos, citando o caso de Copacabana e

Recreio dos Bandeirantes no Rio de Janeiro. Utilizando de exemplos de Castells

(1978, ps. 203, 204. apud VILLAÇA, 2012, p.148)63,. também critica as colocações

surgidas pela escola sociológica empírica americana derivada da Escola de Chicago

e de concepções que ele denomina de Ecologia Fatorial dos anos 1960, onde a

segregação se daria por uma possível ação social coletiva voluntária e involuntária,

                                                            62 LOJKINE, Jean. O estado capitalista e a questão urbana. São Paulo: Martins Fontes, 1981. 63 CASTELLS, Manuel. La questíon urbana. 5ª ed. Ciudad de Mexico: Siglo Veintiuno Editores S/A, 1978. __________(org.) Imperialismo y urbanizacion en America Latina. Barcelona: Gustavo Gili, 1973. __________ “European Cities, the Informational Society, and the Global Economy”. In: New Left Review, 204, March/April, 1994. 

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onde a ação voluntária se daria pelas classes mais altas e a reação involuntária

acabaria por se traduzir à camadas mais pobres. Villaça refuta esta percepção.

Villaça (2012) irá se aproximar das afirmações de Castells e articulará estas

concepções com outros autores que se debruçaram junto ao tema, onde será

apresentado que a segregação urbana, mais do que a relação de ações voluntárias

ou involuntárias entre indivíduos, apresenta-se, em seus espectros mais amplos,

junto às contradições e a dialética que envolve o próprio fazer-se do espaço

metropolitano, das cidades. Uma disputa de classes sociais está no cerne da

questão da segregação e da valorização de determinados espaço em detrimento a

outros. Castells indicará que esta luta entre as classes incidirá sobre uma

estratificação urbana baseada em uma estratificação urbana, resultando na

concentração e segregação de áreas e espaços que irão se caracterizar por

concentrar e separar as camadas mais ricas das mais pobres no espaço intra-

urbano das metrópoles (VILLAÇA, 2012, p.148). Utilizando-se também dos

argumentos de Harvey64, onde os mesmo diz que haveria um processo de extorsão

nesta relação segregada, onde as camadas mais pobres estariam usurpadas das

possibilidades de encontrar melhores oportunidades de emprego e, portanto,

melhores possibilidades de renda e padrões de vida. Interessante é perceber como

Villaça irá observar e extrapolar a argumentação de Harvey na percepção de que

não se trata exclusivamente da dominação de uma classe dominante sobre a outra

pela falta das oportunidades em si, mas pela distância e pelo tempo gasto para que

os deslocamentos entre a moradia e o local de trabalho passam a ter pelos bairros e

territórios segregados. Neste ponto chama a atenção como o Estado irá

proporcionar um aparato de transportes e de infra-estrutura urbana que favorecerá

de maneira contundente os moradores das áreas nobres. Além destes fatores

chama a atenção também para o aparato ideológico que servirá de base para a

manutenção material, legal e simbólica para o afastamento das classes

indesejáveis6566.

                                                            64 HARVEY, David. Social Justice and the City. London: Edward Arnold, 1973. ___________. The limits to Capital. Chicago: The University of Chicago Press, 1982. ___________. A condição pós‐moderna. São Paulo: Loyola, 1993. 65 É interessante notar, a partir deste ponto, como as disputas ideológicas e simbólicas sobre os usos da cidade e o local onde determinadas classes ou grupos sociais devem frequentar e permanecer, encontram‐se em um momento nevrálgico do movimento popular e político do Brasil a partir das grandes manifestações populares ocorridas  a partir do mês de  Junho de  2013  e do uso das  redes  sociais  e da  internet por  grande parte da população. A ida de jovens da classe média e de classes populares às ruas para manifestações difusas, mas com 

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O apontamento de que:

[...] demos grande ênfase às necessidades e condições de deslocamentos espaciais dos seres humanos – o transporte – como força dominante da estruturação urbana. Mantemos essa tese, sempre lembrando porém que essa força atua dentro de um quadro de relações sociais67, as quais, por sua vez, definem as necessidades e condições de deslocamento (VILLAÇA, 2012, p. 180).

Reforça a associação entre a produção da segregação urbana e a política de oferta

dos transportes urbanos, seja como intervenções públicas proporcionadas por ações

do Estado ou com a permissão do mesmo, seja como invenção ou transgressão

social68. Villaça, aproximando-se mais uma vez de Castells e à própria formulação

de Marx quanto à agregação de valor pela estrutura de transportes e a circulação de

produtos, pois este modifica os espaços e a subsequente valorização irá gerar os

“pontos” ou as “boas localizações” em contraponto ao ““fora de mão” (o sítio social

de que fala Milton Santos (1993, p.96)) para todo o espaço urbano” (VILLAÇA, 2012,

p. 313). O que de fato Villaça explicita é sua coadunação com a noção de

dominação perpetrada pelas classes burguesas e que será o resultado das disputas

materiais e ideológicas entre as classes, onde o Estado entra e atua historicamente

atendendo às demandas das elites, estas que fazem parte do próprio corpo estatal

ou o influenciam politicamente e economicamente. Villaça chama atenção e torna

complexo os efeitos desta luta e disputa, pois não há precisão e exatidão nos

resultados requeridos e desejados na disputa entre as classes, mas há o

apontamento de que os caminhos do desenvolvimento do espaço intra-urbano

brasileiro forneça dados suficientes indicando a repetição nas metrópoles do modelo

                                                                                                                                                                                          forte  apelo  pela  integração  à  cidade,  parecem  gerar movimentos  posteriores  de  redefinição  e  de  disputa ideológica  sobre a expansão de  lugares  segregados, além da  incorporação das  classes  indesejáveis a nichos exclusivos  das  classes  ricas.  O  fenômeno  do  “rolezinho”  (encontro  em  massa  de  jovens,  na  sua  maioria oriundos  de  periferias,  marcado  pelas  redes  sociais  e  que  rompe  com  os  comportamentos  tidos  como “corretos” dentro de um ambiente como os shoppings centers) nos shoppings em São Paulo, e as polêmicas sobre  sua  criminalização  e  legitimidade,  demonstra  neste momento,  o  debate  e  a  luta  pela  visibilização  e incorporação das classes populares a determinados “locais” da cidade antes reservados às classes nobres ou com possibilidade de consumir nestes locais.  66 Para saber mais sobre os eventos ocorridos nas manifestações de Junho de 2013 no Brasil ver: SILVA, Vinícius Fernandes da. Uma breve análise sobre as manifestações‐Brasil 2013  (Junho). Belford Roxo: (blog) Palavras Sobre Qualquer Coisa, 2013. Disponível em: http://www.psqc.net/2013/11/uma‐breve‐analise‐sobre‐as.html. Acesso em Jan. 2014. 67Grifo nosso. 68 O caso dos mototáxis, das vans e kombis e dos ônibus “piratas” são exemplos claros. 

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dicotômico e segregador entre “centros” e “periferias”, e cada vez mais esta questão

parece estar colocada em nossa configuração urbana.

Verifica-se, então, na oferta dos transportes urbanos e consequente

mobilidade urbana na Baixada Fluminense, que a mesma está diretamente

relacionada ao contexto de sua formação sócio-histórica, em sua constituição

política-administrativa e em seus processos econômicos passados e

contemporâneos69.

As disputas dos poderes locais e seus interesses intermediados nas formas

de exploração dos transportes urbanos, em seu caso mais emblemático nas

concessões públicas, nas empresas privadas/familiares, na oferta das linhas de

ônibus intra e intermunicipais, terão papel fundamental na forma como os moradores

da Baixada utilizam ou não de sua mobilidade. Como exemplo desta possível

“dominação” por classe, colocada por Villaça (2012) através de sua obra e da

discussão de outros pensadores e pesquisadores, evidencia-se a ação ineficiente do

poder estadual no que se refere a uma oferta de qualidade dos trens urbanos, esta

realizada através de concessão70 privada com aparente pouquíssimo controle

técnico, grande sucateamento e viagens realizadas com mais desconforto possível

aos passageiros, sendo estes em sua grande maioria moradores da Baixada

Fluminense. Também pode-se observar o silêncio absoluto da política estadual de

transportes em relação ao metrô71, modal de transporte que é de exploração,

alcance e concessão do Estado do Rio de Janeiro, mas que atende somente os

limites do município do Rio de Janeiro, onde os atuais projetos de expansão sequer

cogitam a possibilidade de construírem novos trilhos e linhas para fora dos limites da

cidade.

No início dos anos 1990 as grandes metrópoles do país veem surgir o

fenômeno das vans72 e mototáxis73, ou do chamado “transporte informal”74. Onde

formas de deslocamentos e trajetos flexíveis irão trazer algo de inovador na forma

de se transportar nas Regiões Metropolitanas, também trazendo consequências

políticas relevantes nos âmbitos estaduais e municipais, fazendo surgir novos

                                                            69  Rodrigues (2006). 70 Empresa Supervia (Consórcio Bolsa 2000). Início do controle das operações em Novembro de 1998. 71 Empresa MetrôRio (Consórcio Opportrans). Início do controle das operações em Abril de 1998. 72  Mamani (2004), Silva (2007). 73 Fonseca (2005). 74 Conceito cunhado por Mamani (2004) e que será utilizado neste trabalho. 

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atores, lideranças no mundo do trabalho, representatividades locais e políticas, e

permeando-se aos atores políticos locais já estabelecidos, e sua consequente

exploração ilegal por traficantes e milícias formadas por policiais, através da

formação de poderosas e violentas cooperativas. Estes acontecimentos e

fenômenos somam-se às multiplicidades de arranjos e possibilidades de mobilidade

encontrados pelos atores sociais, que estão segregados em setores urbanos

específicos formados por moradias e empregos relacionados a seus pertencimentos

econômicos, sociais, educacionais e simbólicos às classes dominadas.

3.5 Aspectos teórico-metodológicos

3.5.1 A contribuição de uma sociologia compreensiva

Como importante ferramenta metodológica para esta análise diversa e

complexa acerca dos transportes urbanos, a abordagem da chamada escola

sociológica alemã, através da nomeada sociologia compreensiva histórica, será

arcabouço e refúgio para as delimitações dos objetos de observação, das formas de

olhar, recortar e analisar, e as possibilidades de extração de uma compreensão

inteligível sobre o tema à qual abordamos.

As obras específicas de Simmel (2006) e Weber (1999) serão de

fundamental importância para a construção de uma linha metodológica a se traçar a

partir dos conceitos e objetos aqui recortados. Porém mais do que algumas obras

específicas iremos abordar o próprio arcabouço geral do conjunto de suas obras,

também incorporando um pouco de suas histórias de vida, assim como os

paradigmas inseridos por estes autores desta “escola” do pensamento sociológico.

Podemos verificar que estes autores tornam-se uma interessante intersecção e

provocação entre as discussões e percepções teóricas de autores diretamente

influenciados pelos trabalhos de Marx, como Castells e Harvey, por exemplo.

3.5.1.1 Simmel: conteúdos, formas e sociabilidades

Talvez o principal pressuposto anunciado por Simmel seja que as formas de

dominação são formas de interação. Para Simmel mais do que a negação do outro,

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o processo de dominação é mais uma forma de interação do que exclusão social,

onde um sujeito estará interessado no fazer controlar, ou não, o outro,

potencializando os aspectos negativos ou positivos dessa ação desde que possam

ser diretamente relacionados à sua vontade.

O desejo de domínio do outro possui um sentido e este é informar que a

alteridade possui um valor. Estar subordinado ao outro está relacionado ao não

desejo do sujeito subordinado em assumir as consequências de exercer sua

liberdade frente ao outro. Esta liberdade não poderá ser exercida somente se o

subordinado estiver em um estado de coação (violência) física imediata, onde sua

própria vida está em risco sob o domínio do outro. A subordinação acaba por

exprimir uma forma social de interação, suprimindo-se os juízos de valor e

observando-se puramente os aspectos sociológicos.

O conceito de autoridade pode ser compreendido de duas maneiras.

Primeiramente por sua forma mais pessoal, onde uma personalidade poderá se

colocar externando suas potencialidades, sua força, sua fé, sua inteligência,

adquirindo, portanto, um poder objetivo em suas ações e proposições, superando a

personalidade subjetiva. Quando esta força/qualidade é exercida de maneira

autoritária, sua importância adquire uma nova qualidade e assume em seu meio

ambiente uma qualidade estritamente objetiva – neste caso Simmel refere-se a uma

geração espontânea. A segunda maneira de se exercer a autoridade é a força que

uma entidade supraindividual (Estado, Igreja, escola, organizações familiares ou

militares) pode conferir a uma personalidade, um poder de decisão, uma força de

legitimidade para a objetivação de suas potências ou até mesmo a “criação” dessas

potências.

Na questão da consciência o conceito moral poderia ser explicado em um

caráter dúbio: pois se apresenta como uma parte impessoal, a que somos

submetidos incondicionalmente, e por uma parte que não há nenhuma força exterior,

senão em sua presença por um impulso próprio e íntimo. Portanto as circunstâncias

em que surge a consciência são a reprodução, pelos indivíduos em seu foro íntimo,

das relações que existem entre o próprio e o grupo em que vive. O indivíduo exige a

si mesmo o que a sociedade exige de seus membros: subordinação e fidelidade,

altruísmo e trabalho, domínio de si mesmo e veracidade.

Com relação à sociabilidade Deve admitir-se que a sociedade é uma

realidade em um sentido duplo. Há constituído o que o autor chama de sociabilidade

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em sentido restringido, ressaltando que toda sociabilidade, mesmo que criada de

maneira puramente espontânea, possui significado e estabilidade, impondo um

importante valor sobre a forma em que foi criada, tornando-se uma forma de ação

coletiva e social, correspondendo-se analogicamente a um “jogo”, uma arena de

realização das interações. Sendo que a própria forma é uma autodefinição mútua, e

posto que a sociabilidade afasta os motivos concretos relacionados às metas de vida

(conteúdos) na qual foram criadas estas mesmas determinadas formas. Da mesma

maneira, a forma pura, o “jogo livre”, a sociabilidade através de suas regras, deve se

manter com maior força a interdependência atuante dos indivíduos e extrair desta

dependência maior efeito.

Quanto mais arraigadas as formas de socialização dentro das sociedades,

menos espaço haverá para as ações pessoais e de interesse dentro das relações

sociais estabelecidas. O “jogo” deverá ser jogado no campo das intenções,

encerrado em si mesmo, pelas regras instituídas e não pelos desejos pessoais e

subjetivos de cada jogador, pois assim o jogo/forma se tornaria uma farsa, uma

mentira.

A modernidade e a individualização são dois dentre os temas de maior

relevância nos debates das ciências sociais e especialmente, nos trabalhos de

Simmel que desenvolveu a teoria da individualização através da compreensão que a

mesma é característica da modernidade. Na modernidade tudo se explica a partir da

racionalidade do mundo e para Simmel a modernidade pode ser entendida através

de seus dois principais símbolos – o dinheiro e a metrópole.

Na vida da metrópole os indivíduos podem viver relações mais heterogêneas

com possibilidade de uma maior liberdade de ação, onde as diferenças são melhor

toleradas. Por outro lado essa forma de viver na modernidade, junto às metrópoles,

tem como consequência a impessoalidade e o individualismo e estes acabam por

gerar, associados à velocidade e maior mobilidade das pessoas nas cidades, a

banalização da diferença, lugar comum em meio a tantos estímulos e tantas

novidades das metrópoles e a rapidez como se dá nas relações. As diferenças agora

se transformam em indiferenças. Simmel concebe um tipo de personalidade do

individuo da grande cidade que é o indivíduo blasé, indiferente, incapaz de notar a

diferença. O individuo moderno se habituara a impessoalidade, a desatenção civil,

incapaz de notar a novidade. A seguir o detalhamento de como a modernidade

desenvolve as formas sociais e os indivíduos na metrópole.

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O sofrimento e o desgarramento dos conteúdos em relação às formas de

socialização acabam a levar as pessoas a um sofrimento psicológico, a um abismo

de escolhas onde o vazio das relações estará pautado pelas formas puras e

altamente despossuídas de significado, gerando o que Simmel chama, mais de uma

vez, de umbral psicológico, posição de indefinição entre a ação e confirmação dos

desejos individuais ante a formalização corrente de uma socialização cada vez mais

presente e formatadora.

A apresentação de alguns temas abordados e debatidos na obra de Simmel

como dominação, autoridade, consciência, sociabilidade e as relações entre forma e

conteúdo como produtos e objetos das sociações humanas, são fundamentais como

norteadores das possibilidades de observação do contexto histórico de uma

sociabilidade pautada na articulação dos territórios da RMRJ, especificamente entre

Baixada Fluminense e a cidade do Rio de Janeiro. Como visto anteriormente, as

formas pelas quais a população se deslocou para habitar as terras da Baixada estão

diretamente ligadas às origens históricas, às relações de trabalho entre a capital

federal e os territórios próximos, às ações políticas nos âmbitos nacional e

internacional, as diferenças de classe, etc. Porém Simmel nos demonstra de

maneira extremamente interessante que apesar da importância de todo o contexto

histórico e social que podem demonstrar esta estrutura de mobilidade nestes

territórios, há algo intrínseco na construção desta mobilidade e que podemos

identificar como os conteúdos específicos dos indivíduos e suas diferentes intenções

e interesses ao se deslocarem para procurar um lugar para viver e posteriormente

realizando movimentos pendulares lar-trabalho-lar, ao mesmo buscando o lazer

longe de suas residências.

Certamente estes conteúdos não poderão ser mais conhecidos e

reconhecidos, pois suas materialidades já foram perdidas através dos anos, das

especificidades individuais e da brevidade da vida humana, porém algo pode nos

indicar a estruturação desses conteúdos iniciais e fundadores. Algumas formas

parecem ter se institucionalizado nas relações de como se realizam os atos de se

transportar dentro da dinâmica urbana na RMRJ. Alguns fatores parecem ter se

cristalizado e se institucionalizado dentro do panorama de sociabilidade

intermediado e produzido pelos meios de transportes. Os objetos que aqui serão

analisados e decupados deverão indicar estruturas-formas que podem ser

compreendidos dentro dos processos contextuais já descritos logo acima, mas

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também podem informar reminiscências de conteúdos que se perderam, mas que se

internalizaram objetivamente e subjetivamente nos corpos e mentes dos indivíduos

que percorrem a tarefa de percorrer as ruas, estradas, linhas e trilhos da metrópole

fluminense.

Porém o quanto há de institucionalização de formas oriundas de conteúdos

baseados em uma sociabilidade pautada em uma possível subordinação entre as

classes sociais, na acepção da autoridade de um nível “superior” de indivíduos sobre

indivíduos considerados inferiores, na consciência internalizada coletivamente e

individualmente de uma hierarquia social e pessoal. Estas colocações são o cerne

deste trabalho, nosso efetivo objeto. Talvez nos aspectos mais materiais seja mais

evidente observar as diferenças, diferenciações e hierarquias nas formas em que as

pessoas se transportam na RMRJ, ou em outras grandes metrópoles do país em

contextos sócio-históricos mais próximos, porém a grande dificuldade será perceber

as reminiscências, através das internalizações das formas objetivas e subjetivas, em

amplitudes individuais e coletivas, o quanto de internalizações e naturalizações

destas hierarquias agem sobre os atores que vivem e transitam nestas arenas,

nestes territórios com seus jogos e regras de sociabilidade.

As questões fundamentais de Simmel ajudam a não perdermos de vista a

importância de, através do tempo e da história, darmos conta das mudanças, mas

também das formas/estruturas que se engendram de fragmentos dos conteúdos de

passados remotos ou recentes, e que acabam por moldar certas relações e

interações sociais. O ato de se transportar e as relações que este ato provoca

certamente estão carregados de ações e efeitos sociológicos relevantes. A

sociologia proposta por Simmel é inteiramente pertinente para desvendarmos alguns

destas ações e efeitos.

3.5.1.2 Weber e os “tipos ideais”

Weber traz como principal contribuição em toda sua obra uma especificidade

teórica e metodológica que o coloca como um dos clássicos da sociologia,

considerado como um dos “fundadores” desta ciência, que tem como principal

característica sua formação diretamente ligada aos caminhos perpetrados pela

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modernidade. Weber introduz de maneira consistente e aprofundada a questão do

indivíduo ao seio das questões levantadas por outros autores das ciências sociais.

Na obra de Émile Durkheim, para muitos considerado o “pai” efetivo da

sociologia, os indivíduos estavam sujeitos à coação e às normatividades impostas

conscientemente e inconscientemente por uma coletividade exterior a eles próprios

e que se reproduziam, e também se transformavam, através do tempo e dos

processos de socialização pautados pela cada vez maior institucionalização das

sociedades modernas. Obviamente que Durkheim não cometeu a ingenuidade de

desconsiderar os desejos e ações individuais, mas para a afirmação de sua própria

epistemologia, muito baseada na escola metodológica das ciências da natureza, era

importante buscar e ressaltar a noção de ordem e de funcionalidade orgânica ao

seio das sociedades estudadas. Nas próprias explicações iniciais de uma de suas

principais obras, “O Suicídio”, deixa evidenciado que não irá levar em consideração

os casos “específicos” de suicídios “causados” por doenças mentais ou casos

individualizados onde questões específicas do caráter relacional individual estejam

no cerne da ação suicida. Sua preocupação é com as normalidades aparentes nos

casos de suicídio, onde sua teoria da anomia social poderá ser aferida através dos

dados sociológicos que apontem a uma “média” de valores comuns e que poderiam

ser verificados pela sociologia na coletividade observada.

Em Karl Marx também podermos ver uma maior preocupação com as ações

coletivas, neste caso determinadas pelo pertencimento material e ideológico a uma

determinada classe social. De certa forma também seria estranho apontar que Marx

não levou em consideração as questões do indivíduo para sua análise sociológica e

econômica. Obviamente que as transformações estruturais do sistema capitalista

iriam necessitar de lideranças e grupos de pensadores que estivessem engajados

nos processos da transformação material e simbólica, porém essas lideranças e,

portanto, líderes, só poderiam agir por suas próprias consciências coletivizadas de

classe em si e per si. Mais do que uma ação individualizada e pessoal, as ações

efetivas na mudança social, pela teoria marxista, somente seriam possíveis através

de uma efetiva transformação coletiva, uma conscientização ampla das classes

sociais, deixando um pouco de lado importância das ações individuais como forças

revolucionárias, mas sem necessariamente negligenciá-las. A efetiva transformação

social só poderia ser alcançada pela completa tomada de consciência da classe

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proletária, em si mesma e com suas ações voltadas para seus próprios interesses,

não como indivíduos autônomos, mas indivíduos como classe.

Weber traz em suas formulações a contribuição do individualismo histórico

metodológico, talvez tentando, em um primeiro momento e mesmo não

explicitamente, diferenciar a concepção de indivíduo, ou da individualidade, de um

caráter meramente egoísta. Na teoria weberiana a sociedade não está acima dos

indivíduos. De fato a coletividade está presente na formação dos indivíduos, já que

os mesmos nascem em determinadas classes sociais, com determinados acessos e

condições materiais e econômicas. Porém a ação individual se pautará pelo seu

caráter relacional. Os indivíduos possuem um caráter autônomo em suas escolhas e

ações, o que não significa que estão dissociados dos valores coletivos, mas que

estas escolhas implicarão em formas específicas de atuar e se associar aos

diferentes sentidos e ações que outros indivíduos e instituições atuam na sociedade.

Algo que deve ser considerado em relação a Weber talvez tenha sido a possibilidade

de seu contato com a obra do austríaco Sigmund Freud e a criação da psicanálise

na virada do século XIX ao século XX, onde os indivíduos passam a desempenhar

um outro papel como objeto de estudo e relevância dentro das sociedades

modernas ocidentais. Por ser mais jovem dos que os outros autores citados acima,

Weber pode ter contato com essa influência e seu caráter inovador no início do

século XX.

Outro fator importante em Weber é sua perspectiva e análise histórica dos

objetos que se propõe estudar, principalmente o processo de racionalização e do

avanço do capitalismo da antiga sociedade feudal à sociedade moderna. Suas

análises não apontam para determinações universais e estruturais que poderão ser

replicadas em quaisquer sociedades, mas levam em consideração as

especificidades e conteúdos históricos de determinados grupos e suas relações

enquanto grupos de interesse. Sua sociologia compreensiva busca uma possível

remontagem dos sentidos atribuídos pelos antigos atores a determinadas ações e

escolhas individuais e coletivas. De certa maneira podemos ver proximidades com

as concepções de Simmel, pois seus “conteúdos” foram acionados em determinado

momento do passado, a institucionalização dessas relações geraram “formas” pela

qual nem sabemos mais suas origens. Weber tenta através de minucioso

levantamento documental e com as técnicas da disciplina História, compreender os

sentidos dados pelos indivíduos, e suas coletividades, a determinadas ações e

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consequências sociais. Talvez a obra mais conhecida de Weber, “A ética protestante

e o espírito do capitalismo”, irá tentar compreender os sentidos empregados pelos

atores associados à fé cristã protestante, e suas diferentes denominações, e como

essas ações coletivas e individuais, de certa maneira, favoreceram o

desenvolvimento do capitalismo nos territórios onde houve a primazia destes grupos

religiosos.

Para nosso interesse específico o desenvolvimento do artifício metodológico

dos tipos ideais por Weber tem fundamental importância, pois abre um caminho por

uma técnica de análise que pode nos fornecer parâmetros importantes ao objeto que

aqui estudamos. Em suas analises sobre as transformações das cidades medievais

às cidades modernas, assim como em seu estudo em grupos religiosos, Weber criou

formas abstratas de classificar e observar regularidades e repetições de práticas

sociais destes objetos, retirando assim uma “média” de características que poderiam

servir de “espelho” ou parâmetro para melhor revelar e indicar tal objeto observado,

mas não definindo-o em suas especificidades e conteúdos individualizados. Estes

tipos ideais seriam construções abstratas e produtos das análises realizadas pelo

sociólogo e que mostrariam as principais características dos estudos realizados pelo

pesquisador, sem assim terem a capacidade de defini-los integralmente ou esgotá-

los em todas as suas nuances e particularidades.

Essa possibilidade metodológica se torna interessante ao nosso trabalho pois

abre caminho para que possamos traçar um perfil sincrético e analítico das obras,

dados e pesquisas aqui observadas e estudadas, onde certos padrões e pontos de

convergência possam ser aglutinados em uma tipologia que será útil para a

observação posterior das características comuns ou específicas na oferta dos

transportes urbanos na RMRJ e até mesmo na proposta e observação de uma

sociologia dos transportes ou sociologia da mobilidade no Brasil. Esta tipologia dos

transportes urbanos, e de suas respectivas políticas públicas e ações privadas, pode

esclarecer e criar interessantes parâmetros para futuros índices ou para o

aprofundamento de conceitos e percepções, que na tradição disciplinar de quem

planeja e é “voz” nos estudos de mobilidade urbana, não são levadas muito em

consideração. Na busca dos sentidos humanos da ação e interação coletiva e

individual, Weber apresenta interessantes ferramentas sociológicas e que podem ser

um importante contributo para a análise de uma sociabilidade baseada nos

transpores urbanos.

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3.5.2 A mobilidade urbana na RMRJ e a sociologia configuracional de Norbert Elias

Diante de um objeto de pesquisa e observação baseado na oferta de mobilidade

urbana, este relacionado à política de transportes urbanos praticados pelo poder

público em alguns bairros da cidade do Rio de Janeiro e a região da Baixada

Fluminense, ambas situadas na RMRJ, como as formulações teóricas e as

experiências práticas/metodologias desenvolvidas pelo sociólogo alemão Norbert

Elias, poderiam referenciar e servir de base de conhecimento a pesquisas teóricas e

de campo?

Norbert Elias desenvolve uma análise em uma comunidade industrial urbana

em Leicester em fins dos anos 1950 e início dos anos 1960, através de sua inserção

em uma pesquisa que seria realizada por John L. Scotson sobre o âmbito da

delinquência entre os jovens da região. A pesquisa, a partir da adentrada de Elias,

passa a considerar as diferenças de status entre grupos que viviam na comunidade

de Winston Parva (nome fictício) e analisar as origens e consequências materiais e

subjetivas dessas diferenças.

Elias e Scotson observam a existência de diferentes grupos sociais naquela

comunidade, e que havia uma diferenciação materializada nos comportamentos e

nas formas de classificação entre os indivíduos de Winston Parva. Os Estabelecidos

(Establishment) e os Outsiders é a forma-configuração que Elias se utiliza para as

formulações e análises posteriores sobre as diferenciações entre os habitantes da

localidade.

O bairro foi divido por zonas, onde a Zona 1 era das classes médias, as

Zonas 2 e 3 eram formadas por operários e onde estavam localizadas as fábricas

locais, porém a existência destas zonas indicava uma enorme diferenciação em

relação ao prestígio e o acesso ao poder dos respectivos moradores das mesmas.

A grande questão percebida pelos pesquisadores fora a existência de um

grupo Estabelecido com um alto grau de coesão, e que se enxergava superior aos

outros, devido à sua chegada anterior àquela localidade, utilizando-se então de

ações estigmatizadoras que eram associadas à própria “existência” e “natureza” do

grupo formado pelos “novos habitantes”. Em um primeiro momento chamou atenção

a grande incidência da delinquência juvenil em uma determinada zona do bairro,

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mas posteriormente, com a diminuição destes índices, os efeitos estigmatizadores

no grupo dos Outsiders não diminuíram.

A posição teórica e metodológica de Elias aparece mais uma vez, onde

através de um estudo restrito a uma pequena comunidade e de vivência experiencial

junto à mesma, uma microssociologia é realizada e suas possibilidades serão

expandidas por Elias na tentativa de se realizar análises e estudos de natureza

macrossociológica, desde que as relações de interdependência, as palavras ditas e

percebidas, as posições na configuração social, além dos aspectos materiais e

objetivos da sociedade analisada, sejam levados em consideração. Elias critica a

sociologia estritamente realizada através de estatísticas e amostragens, dizendo que

esta forma de observação não permitiria uma real significação sociológica,

reduzindo-se à produção de indicadores sociais, mas sem conexão com as

configurações sociais efetivas e vividas pelos indivíduos, realizando a separação

institucionalizada de sociedade (comunidade) e indivíduos.

Um dado a se ressaltar é que não foram identificadas diferenças significativas

quanto as posições socioeconômicas, raciais ou de escolaridade entre os habitantes

de Winston Parva. Havia uma homogeneidade dos grupos que ali viviam e que não

indicavam diferenças objetivas para a grande diferenciação social existente entre os

Estabelecidos e os Outsiders. As causas destas diferenciações estavam

diretamente relacionadas ao tempo passado, onde os primeiros habitantes que

povoaram aquela localidade geraram um alto grau de coesão, e que fez o grupo ver-

se e vivenciar-se como detentor de qualidades próprias e inerentes a este mesmo

pertencimento, como uma distinção autogerada, mas ao mesmo tempo amplamente

controlada por todos os integrantes do grupo, onde qualquer desvio do padrão

estabelecido poderia diminuir sua posição perante a hierarquia do grupo

Estabelecido.

Quando os novos habitantes chegaram ao bairro, o grupo anteriormente

constituído, e já detentor dos mecanismos de poder e reconhecimento interno,

utilizaram-se das ações e discursos estigmatizadores como formas de “proteção” e

manutenção de seus acessos às instâncias de poder e de diferenciação relacional.

Os efeitos da grande distinção de inferioridade e estigmatização entre os grupos é a

colagem de uma imagem negativa que irá se registrar no grupo dos Outsiders.

Existirá então a configuração Estabelecidos-nômicos x Outsiders-anômicos, onde o

segundo grupo terá que conviver e vivenciar sua inferiorização social. Porém esta

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inferioridade não é de todo baseada em uma exclusão total na configuração dada,

pois sua existência é necessária na interdependência das atividades e ações

sociais, para que fique claro qual grupo detém a virtude e qual grupo não detém os

aspectos virtuosos comuns àquela configuração. Isto significa, de certa maneira, que

as ações e reações dos indivíduos pertencentes ao grupo dos Outsiders incidirão na

sua própria construção de imagem individual e coletiva, como seres não virtuosos,

desqualificados dos dons “naturais” do grupo à qual ele não pertence, sendo assim,

não sendo também obrigado a agir de acordo com as regras estabelecidas como o

alto padrão de virtuosidade a ser seguido. Sentindo-se inferiorizado, sua formação

psicogênica atuará a afirmar e confirmar sua condição de desviante e inferior, não se

importando a seguir o padrão determinado pelo grupo dos Estabelecidos,

internalizando sua condição de inferiores, agirão como tais.

3.5.2.1 Winston Parva, Rio de Janeiro e Baixada Fluminense

Como pensar a oferta de mobilidade, através da política de transportes

urbanos, entre a cidade do Rio de Janeiro (mais especificamente os bairros do

Centro e Zona Sul) e os municípios que formam a Baixada Fluminense (pensando

como polos importantes as cidades de Nova Iguaçu e Duque de Caxias, e os

municípios satélites) através da construção teórica e metodológica de Norbert Elias?

Seria possível pensar os territórios do Centro e Zona Sul da cidade do Rio de

Janeiro como locais onde habitariam grupos com posições de diferenciação superior

e que essas apropriações e percepções de sua autoimagem na configuração

hierárquica gerassem um efeito estigmatizador a outros territórios, como, por

exemplo, a Baixada Fluminense.

É importante pensarmos primeiramente no tamanho e amplitude dos

territórios citados, assim como a formação social e econômica difusa entre os

diversos e diferenciados estratos sociais que habitam e trabalham na Região

Metropolitana do Rio de Janeiro. Outro fator que deve ser levado em consideração é

a órbita de outros territórios e espaços que possuem um caráter “inferior” dentro da

configuração da metrópole fluminense, se comprados ao território onde vivem os

grupos considerados superiores da cidade do Rio de Janeiro. Além da Baixada

Fluminense deve-se levar em consideração outras localidades e espaços, estes não

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necessariamente marcados em territórios exclusivos, mas funcionando como

abstrações geográficas e qualificadoras de um lugar e de uma população, a favela,

no caso brasileiro, é o principal resultado desta ideia/imagem de anomia difundida

socialmente a um espaço/território.

Os bairros-subúrbios próximos do Centro e da Zona Sul também carregam

aspectos diferenciadores dentro do escopo de desvalorização territorial relacional,

assim como, de forma ainda mais contundente, os bairros-subúrbios distantes, como

são os casos de bairros da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Portanto a Região

Metropolitana do Rio de Janeiro parece fornecer um cenário extremamente populoso

e diversificado, mas de que certa maneira carrega em sua configuração a distinção

de grupos sociais devido a ethos característicos relacionados a diferenciadas

sociabilidades interdependentes.

Parece ser clara a diferença na experiência vivida no microcosmo pesquisado

por Elias, onde a homogeneização em praticamente todos os indicadores sociais e

econômicos da população estudada deixava de forma ainda mais evidenciada as

diferenciações no campo do estigma e das fofocas. Porém na análise sinóptica das

configurações sociais utilizada por Elias, o caso da metrópole fluminense pode

fornecer indícios interessantes em relação ao tema que queremos enfrentar. Bom,

no caso do Rio de Janeiro não há esta homogeneidade, muito ao contrário, o que

percebe-se é uma grande heterogeneidade econômica, educacional, laboral,

territorial e de sociabilidades. As questões raciais sempre surgem como dados a

apontar discrepâncias, como por exemplo, no número de assassinatos de jovens

negros/mestiços e favelados. Porém diante de toda esta heterogeneidade há algo

colocado por Elias que parece ser de fundamental importância para a compreensão

da coexistência relativamente estável de segmentos sociais e populacionais

distintos: a interdependência.

A diversificação das funções sociais age de forma contundente dentro do

panorama cada vez mais difuso do mundo contemporâneo do trabalho e nas

relações interpessoais entre os indivíduos e a coletividade. A produção flexível, o

grande número de trabalhadores informais, o crescimento avassalador do setor de

serviços, o aumento da velocidade da vida e da informação através da tecnologia,

parecem fragmentar ainda mais as relações de interdependência entre as pessoas.

Se a função de engraxate quase não existe mais, ter um amigo “flanelinha” pode ser

muito útil. O motoboy, a diarista, o gari, o taxista, o personal computer, o professor, o

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empresário, todos estão interligados na cidade pós-moderna através das posições

ocupadas hierarquicamente na configuração percebida pelos “eus” e pelos “nós” no

papel desempenhado por cada indivíduo. Porém não somente de profissões o

mundo social é formado: o nível econômico, a educação formal, a religião, o acesso

às instancias de poder, são algumas das características que associadas à função

desempenhada pelo indivíduo poderá elevar sua posição social dentro do status da

configuração.

Algo que deve ser levado em consideração, portanto, é local de moradia.

Dentro da configuração Estabelecidos e Outsiders pensada nas condições da

metrópole fluminense, o local onde se mora será uma definidor eloquente para a

posição social ocupada por um grupo de indivíduos. Parece ser claro que o indivíduo

que nasce e vive na favela levará consigo todos os efeitos estigmatizantes dos

associados a essa forma de vida, a esta sociabilidade. Mas não somente os

moradores da favela, mas também os moradores de Madureira, Cascadura,

Quintino, Ramos, Marechal Hermes, Bonsucesso, entre outros. O estigma de

“suburbanos” parece ainda estar colado de maneira indissociável aos não nascidos

nas áreas nobres do Rio de Janeiro. Os termos “favelados” e “suburbanos” ainda

carregam em si a marca do estigma de quem não pertence a um grupo com valores

tidos como superiores, neste caso e de maneira geral, os moradores da Zona Sul do

Rio de Janeiro. Mas estes estigmas existentes e persistentes parecem carregar

características de alguma maneira suavizadoras, pois, por mais que alguns

indivíduos sejam efetivamente “favelados” e “suburbanos” em sua formação

sociogenética, eles ainda assim, serão “cariocas”! Esse pertencimento os insere de

alguma maneira em um ranking hierárquico inferior, mas ainda os posicionam, esses

grupos possuem uma posição nesta hierarquia, um lugar.

Mas e quem não é carioca? Obviamente que muitas pessoas não são

cariocas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Suas classificações também e

ainda terão percepções diferenciadas de acordo com a não-carioquice. Ser

niteroiense é diferente de ser gonçalense, muito pelo status desfrutado de cidade de

melhor IDH do país que Niterói desfrutou e ainda desfruta. E quem nasceu e vive em

municípios da Baixada Fluminense? Qual a posição relacional, na hierarquia

territorial, ocupam os nascidos e viventes em terras fluminenses, os não nascidos na

Guanabara. Evidentemente não são suburbanos, podem ser favelados, mas

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favelados da cidade do Rio de Janeiro possuem também uma outra posição

hierárquica.

Uma grande parte da população da Baixada se desloca diariamente no ir e vir

dos trajetos urbanos quase sempre realizando funções subalternas e menos

complexas em casas de família e empresas, quase sempre situadas no Centro e na

Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. Também há um enorme contingente que

trabalha e vive em seus próprios municípios, realizando as mesmas funções que os

cariocas, mas em sua grande maioria recebendo salários menores e em piores

condições de trabalho do que os irmãos do Rio de Janeiro.

Esta diferenciação dos grupos, baseados nos territórios e através da teoria e

metodologia de Elias, só podem ser efetivamente conhecidos através de uma

análise sócio-histórica da formação e na ocupação desses territórios, buscando

através do conhecimento desses processos formativos, as configurações que

existiram, permaneceram e se modificaram através do tempo, a fim de se ter

conhecimento das configurações, posições e funções atuais. A observação pura e

simples dos dados materialmente recolhidos e objetivamente analisados, não nos

forneceria a efetividades das relações de interdependência e estigmatização dos

diversos grupos de indivíduos que habitam os territórios da metrópole fluminense.

Somente o vis-à-vis das jornadas urbanas, do transitar entre os territórios e

conhecer os efeitos dos estigmas, se eles existirem, presentes nos grupos e nas

auto-percepções de suas imagens perante os grupos considerados superiores. A

“palavra” da rua, dos indivíduos, dos grupos que vivem nestes territórios distintos e

distantes, assim como a análise minuciosa dos movimentos de interdependência e

diferenciação, poderiam nos dar um mapa indicando em que momento presente das

posições e funções destes grupos.

Nossa principal hipótese é que o principal estigmatizador dos indivíduos

viventes e habitantes dos municípios da Baixada Fluminense, é a oferta dos

transportes urbanos. Esta oferta não atuando mera e simplesmente como agente

segregador no âmbito espacial (onde também atua), mas como forma diferenciada

de objetivar e informar aos indivíduos habitantes daqueles territórios de que eles são

efetivamente inferiores. Esta afirmação não concerne somente em uma hipótese

abstrata e imaginária de uma situação relacionada a pessoas com poder econômico

diferenciado, mas assim como nas análises de Elias e Scotson em Winston Parva,

podemos observar pessoas com o mesmo nível socioeconômico, mesmas

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características étnicas e raciais terem ofertas de deslocamentos urbanos

completamente diferenciados e estigmatizantes.

O grande exemplo que pode ser dado é a oferta do Metrô de superfície para

moradores que vivem até os limites de um bairro da cidade do Rio de Janeiro

(Pavuna) e a oferta dos Trens da Supervia aos habitantes que atravessam os limites

próximos da cidade do Rio (no caso as primeiras cidades fronteiras como São João

de Meriti e Nilópolis).

A diferença de qualidade dos serviços prestados comparativamente entre

Metrô e Supervia não podem ser relacionados ao nível socioeconômico das pessoas

que habitam os respectivos lugares, pois qualquer aferição mais cuidadosa

demonstrará que o perfil socioeconômico dos usuários será muito próximo. Outro

exemplo é sobre a qualidade dos ônibus urbanos que circulam entre os subúrbios da

cidade do Rio de Janeiro e os municípios que formam a Baixada Fluminense,

ficando mais uma vez evidenciada uma aproximação entres os perfis

socioeconômicos entre os usuários, mas com diferenças quase que abissais na

qualidade e oferta na mobilidade entre pessoas com um grau parecido de

homogeneidade; mas que habitam territórios com diferenciadas percepções perante

as configurações sociais e as consequentes diferenças diante das instâncias de

poder.

Mais do que ação sociológica efetiva das pesquisas realizadas e aqui

descritas pela concisa análise sobre a obra de Norbert Elias, esta descrição e

hipótese levantada e proposta se dá no campo das possibilidades de estudos

posteriores a serem realizados com os resultados obtidos pelo trabalho aqui

desenvolvido. Com as formas e tipologias discutidas e construídas, com um

arcabouço teórico mais delimitado, observado e analisado, principalmente no que

tange às informações integradas de diferentes visões e escolas disciplinares das

ciências humanas em relação à oferta dos transportes urbanos na RMRJ, levando-

se em consideração todos os dados e temas aqui abordados, assim como as

histórias e diferenças territoriais, o perfil produtivo dos territórios, a formação

socioeconômica da população, as identidades territoriais, as políticas

correspondentes a cada território específico, a segregação urbana, entre alguns

outros fatores.

Talvez o mais importante na proposta de observação sociológica de Elias,

seja a possibilidade de pesquisa e estudos integrados aos dados sociológicos que

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podem ser colhidos previamente, através das analises de dados e fatos históricos,

de uma memória social anterior, mas também de proporcionar e requerer uma

presença in loco, uma vivência de campo que retira da sociologia uma de suas

características mais formativas, que é a análise anterior ou posterior dos dados,

através de surveys ou de fontes secundárias, mas sem necessariamente uma

vivência experenciada. O que a obra de Elias nos demonstra, e isto é amplamente

corroborado pelos diversos trabalhos etnográficos aqui utilizados e detalhados, é

que o estudo de uma sociabilidade completa e aprofundada, quase sempre

imprescinde da gossip75 como fonte, em nosso caso específico das conversas nos

ônibus, nos trens, nas relações forjadas no convívio do deslocamento urbano, nas

reclamações nas filas, nos encontros das categorias profissionais, nos atos de

revolta popular contra veículos ou funcionários das empresas de transportes, na

articulação de grupos de interesses de usuário, funcionários ou políticos. Todos

estes fatores devem ser levados em consideração sem que o pesquisador se

desarticule das informações mais gerais, dos dados estatísticos, das informações e

repercussões midiáticas, das pesquisas de opinião (mesmo as contratadas pelas

empresas concessionárias), pelas produções acadêmicas e técnicas das ciências

historicamente ligadas ao tema, como as engenharias civil e de trânsito.

3.6 Transportes, circulação e mobilidade: Uma sociologia possível?

Um posicionamento que norteia este trabalho é o questionamento se haveria

a possibilidade de se pensar os transportes como um objeto passível de constituir,

em suas produções e efeitos sociais, um olhar sociológico específico e com

características metodológicas próprias. Na própria história de construção desta

ciência, a sociologia, alguns temas foram tão importantes e intrinsecamente ligados

ao desenvolvimento do pensar e fazer-se epistemológico da própria que, em algum

tempo após sua efetiva institucionalização, subdivisões específicas se fizeram

presentes, permaneceram e permanecem. A religião evidencia-se como um objeto

que será apontando como um “fato social” completo e que tomará de curiosidade os

pioneiros da nova disciplina que se formava, assim como já fazia parte da

                                                            75 Da “fofoca” como maneira de vilipendiar o outro, de levar informações inverídicas ou verídicas, mas que têm como finalidade estigmatizar ou gerar uma determinada imagem coletiva do “outro”. Servem de fonte e objeto de estudo e observação do cientista social.  

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curiosidade dos primeiros antropólogos, mesmo antes desta disciplina também se

institucionalizar mundialmente. Autores como Émile Durkheim e Marcel Mauss irão

se dedicar ao tema “religião” de maneira a tornar o mesmo quase fundante de

qualquer curso básico de sociologia. Como resultado vemos fortalecer,

posteriormente, a vertente da Sociologia da Religião, sendo tão forte como estrutura

própria de formulações teóricas e metodológicas, que alguém interessado ao tema

poderá procurar diretamente um curso de formação em sociologia e desde o

primeiro contato com a disciplina poderá buscar uma especialização quase que

imediata em relação a este tema.

Este fenômeno disciplinar continua a se desenvolver pelos caminhos que a

própria sociologia vai tomar em seus diferentes contextos culturais e níveis de

institucionalização. Vemos outros temas se consagrarem no panteão desta ciência

social, como, por exemplo, a educação, importante conteúdo que contém

características próprias. Pode-se afirmar, com tranquilidade, a existência e

consistência de uma Sociologia da Educação, com suas formulações e autores

fundadores, metodologias e debates acumulados pelo tempo e pela quantidade de

conhecimentos já produzidos, criticados e incorporados. Outros temas, também com

o passar do tempo, foram se institucionalizando dentro da sociologia e tornando-se

subdisciplinas estruturadas, com seus pressupostos teórico-metodológicos. Hoje

poderíamos relatar e pesquisar mais de uma dezena de especializações possíveis, e

às vezes inusitadas, que a sociologia se encarregou de observar e analisar através

de sua curta história moderna, disciplinas como: Sociologia Literária, Sociologia do

Esporte, Sociologia da Comunicação, Sociologia do Corpo, do Movimento, da Arte,

entre algumas outras.

Os “transportes”, como tema, nunca foi considerado um clássico da sociologia

ou das próprias ciências sociais. Muito provavelmente por quase sempre, em sua

própria construção de sintaxe, possuir a palavra “meio” como condutor de seu

sentido ontológico. Os transportes quase sempre são precedidos pelo termo “meios

de transportes”. E algo que pode transparecer banal será decisivo para uma possível

desconsideração das ciências sociais aos seus efeitos sociais. Por ser “meio”, os

transportes sempre foram encarados como algo relacionado ao transitório, ao veloz,

ao contato efêmero de pessoas que se conectam por poucos segundos, alguns

minutos ou horas, dependendo da distância ou do modal escolhido. Esta

efemeridade se contrapõe à própria história de formação das ciências sociais, e

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mais especificamente da sociologia e da antropologia, que sempre tiveram como

preocupação fundamental a necessidade de cobrir de teorias e presenças, e

descobrir analiticamente e comparativamente, os “tempos longos”, os demorados

processos de socialização, os efeitos da religião durante gerações, a incidência do

mito dentro da construção linguística de um determinado povo, as políticas

educacionais e suas consequências sociais a longo prazo, os efeitos da economia

na estrutura social de uma nação, etc. O tempo curto, a conexão, a intermediação

física, o contato imediato, a princípio, não foram de grande interesse para as

ciências sociais.

Talvez outro grande ponto de afastamento do tema “transportes” do escopo e

do olhar sociológico tenha sido sua vinculação histórica a outras áreas do

conhecimento, principalmente sua conexão direta às disciplinas da engenharia civil,

e posteriormente, de trânsito ou tráfego. As necessidades de uma intervenção direta

na natureza para a construção de, primeiramente, caminhos a pé para tropas,

exércitos e mercadorias, e posteriormente, calçamentos e pavimentos para cavalos,

carroças e armas de guerra, associou de maneira intrínseca a história e o

desenvolvimento de uma ciência dos “meios de transporte” ao campo das ciências

tecnológicas e exatas, inclusive mantendo contato direto com as forças militares,

pois sempre foram de interesse estratégico das políticas de extensão e nas próprias

guerras de constituição de impérios e Estados-Nações.

Vasconcellos (2001) irá fazer o mesmo questionamento e através das

colocações de Town (1981 apud Vasconcellos, 2001) realizará um levantamento

histórico do que poderia ser uma pretensa “sociologia dos transportes”, mas

ressaltando os diferentes enfoques dados ao tema ao longo do tempo.

Primeiramente traz à tona a mencionada associação das ações ligadas aos

transportes urbanos aos ensejos e decisões meramente técnicas e de planejamento

urbano ou das engenharias, sem que os efeitos sociais dos transportes chamassem

a atenção das ciências sociais em geral. A importância e as transformações urbanas

ocasionadas pelo advento do automóvel nas cidades modernas irão, pela primeira

vez, chamar a atenção para os efeitos sociais em relação às políticas de transporte.

Portanto Town (1981) irá apontar para o que ele denominou como enfoques dentro

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da perspectiva dos transportes, onde serão apresentados o enfoque técnico76, o

enfoque “social” e o enfoque sociológico.

Inicialmente, uma distinção precisa ser feita no nível prático: o enfoque sociológico do transporte precisa ser diferenciado tanto do enfoque técnico do transporte (Town, 1981, p.30), quando do enfoque “social”. Enquanto enfoque técnico é limitado a cálculos gerais sobre quantidades e custos, o enfoque dito social é mais abrangente, mas limitado à mera contabilidade dos impactos sociais. Estes dois enfoques confundem-se às vezes, na medida em que a abordagem técnica é enriquecida com alguns dados adicionais de natureza social. O enfoque sociológico, ao contrário, complementa as análises numéricas simples com a análise dos padrões de viagem em função de condições sociais, políticas, econômicas e institucionais que condicionam as decisões pessoas e entidades envolvidas. Ele pressupõe a análise da distribuição do poder na sociedade e do seu impacto tanto nas decisões das políticas de transportes e trânsito, quanto nas formas segundo as quais as pessoas se apropriam das vias e dos meios de transporte [...] (VASCONCELOS, 2001, p. 16).

Desta forma Vasconcelos (2001) desenha um quadro das ações práticas dos

diferentes enfoques em relação à forma de se abordar a temática dos transportes.

Figura 15 – Diferenças práticas entre os enfoques técnico, social e sociológico (exemplos).

Enfoque

Problemas _________________________________________ Acidentes de trânsito Qualidade do transporte

______________________________

_________________________________________

Técnico número de acidentes, condições de circulação Por tipo de veículo dos veículos

______________________________

_________________________________________

Social acidentes, por veículo condições de circulação e por características das dos veículos, com análise pessoas (idade, sexo) da quantidade de pessoas

por modo de transporte

______________________________

__________________________________________

Sociológico acidentes, por veículo, condições de circulação características das dos veículos e das

                                                            76 Grifo do autor. 

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pessoas pessoas (idade, sexo), frente às suas grupo e classe social características sociais e e econômicas e ao acesso às tecnologias de transporte

Fonte: Vasconcellos (2001, p. 18), adaptado.

No desenho das diferentes formas de se enxergar e classificar o

planejamento dos transportes, Vasconcellos (2001) chama atenção para as

observações de Healy (1977) e Rimmer (1978), que indicam as diferentes fases em

que o tema dos transportes perpassou, principalmente durante o século XX.

Primeiramente ocorreu a lógica da descrição/previsão77, com sua ênfase a partir dos

anos 1950 e em plena fase de crescimento econômico pós-guerra, onde o

planejamento de transportes iria se basear principalmente na figura do engenheiro

de tráfego, este que irá verificar e quantificar as necessidades através de dados e

informações quantitativas e posteriormente planificar estas demandas através da

lógica de um cálculo racional provedor, dentro de um paradigma liberal, onde o

objetivo era “adaptar a preferência revelada pela comunidade aos recursos

disponíveis, através do trabalho de especialistas” (HEALEY, 1977, p. 203 apud

VASCONCELLOS, 2001, p. 19). Em uma segunda fase, já na década de 1960,

haveria um movimento de rejeição a esta posição anterior do planejamento dos

transportes, onde uma crítica ao modelo baseado nas demandas e mediações

pautadas pelo “mercado” e que pudessem dar conta das necessidades e realidades

encontradas nos meios urbanos. Pela primeira vez instrumentos sociológicos e da

ciência política passaram a ser incorporados ao planejamento dos transportes, mas

ainda sim com uma natureza conciliadora entre as demandas do “mercado” e as

ações políticas baseadas em necessidades coletivas e sociais, porém o que restou

desta crítica foi o que se considerou chamar de uma “banalização da sociologia” em

nome de uma possível preocupação social em relação ao planejamento dos

transportes (HEALEY, 1977, p. 208 apud VASCONCELLOS, 2001, p. 19).

Na década de setenta se efetiva uma fase de reavaliação no planejamento

dos transportes, quando de maneira mais aprofundada passasse a utilizar as

ferramentas teóricas e metodológicas da sociologia, incorporando em suas

                                                            77 Grifo do autor. 

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observações a perspectiva das mudanças sociais, da estrutura social e suas

consequências. As análises passam a considerar os pertencimentos e as

contradições das classes sociais, os interesses entre os diferentes grupos sociais e

seus antagonismos políticos, não sendo levados, primordialmente, em consideração,

os aspectos da eficiência técnica como principal objetivo do planejamento dos

transportes. “A antiga separação que havia sido construída entre engenharia e

sociologia não era mais possível de ser sustentada, e o planejamento tornou-se

politicamente maduro” (HEALEY, 1977, p. 222 apud VASCONCELLOS, 2001, p. 19).

A partir dos anos sessenta e setenta estudos sobre o impacto do automóvel

para a vida urbana, os processos da “suburbanização” norte-americana provocados

pelo uso do carro e as contradições e disputas políticas tendo como arena o acesso

aos meios de transporte, provocou o início de estudos de natureza sociológica dos

transportes, principalmente nos EUA, onde correntes de influência marxista e

weberiana utilizaram-se destas ferramentas para pensarem estes fenômenos. A

influência destas formulações e pesquisas baseadas em outros enfoques, além do

técnico, foi trazida aos países subdesenvolvidos com as bases teóricas e

metodológicas dos países industrializados, e obviamente que seus pressupostos e

determinações foram reavaliados e criticados à luz das realidades específicas dos

países, à época, pertencentes ao então chamado “terceiro mundo”. O Brasil também

sofreu essas influências, porém e devido à forte centralização política do período da

ditadura militar, o planejamento de transportes vivenciou primordialmente, em um

primeiro momento, o enfoque técnico, este pautado nas ações políticas

concentradas no “Grupo Executivo de Planejamento de Transportes (Geipot) e a

Empresa Brasileira de Transportes Urbano (EBTU), criada em 1975”

(VASCONCELOS, 2001, p.21). Ao final da década de 1970, quando verificou-se a

gravidade dos problemas relacionados à oferta de transportes à população em geral,

passou-se a incorporar um enfoque mais social para as determinações de

planejamento dos transportes.

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3.6.1 Sobre uma “sociologia dos transportes”.

Para a pergunta “é possível uma sociologia dos transportes?” a resposta de

Vasconcellos (2001) será: não. Através da argumentação crítica de Castells (1976

apud VASCONCELLOS, 2001, p.25) e Lojkine será problematizada a própria

existência de uma sociologia, que durante um determinado período do tempo

passou ser denominada de “urbana”, em que se pese que, para muitos cientistas

sociais, ainda é e será pertinente chamá-la assim.

Ao ponto em que as ideologias da modernidade vão instaurando à lógica

sociológica os efeitos do avanço do capitalismo, os autores citados por Vasconcellos

(2001) relatam que não seria mais possível falar de uma “sociologia urbana” em

relação a uma oposição ao rural, ao não-urbano, chegando à concepção de que esta

sociologia urbana na verdade irá se reconfigurar em uma sociologia geral, onde as

contradições sociais e políticas oriundas do sistema capitalista moderno trazem à

tona novas visões e formulações do fazer-se sociológico. Na adesão a esta

concepção crítica de Castells e Lojkine, Vasconcellos (2001) também problematiza a

própria existência do termo e da prática de uma “sociologia dos transportes”, onde o

mesmo irá relatar que esta possível sociologia limitaria e reduziria o olhar da ciência

às ações das pessoas em relação a escolhas de determinados modais, ou às formas

de viajar, entre outras limitações e reduções improdutivas à própria lógica

sociológica. Levando em consideração que o enfoque sociológico pressupõe

elementos mais complexos para a compreensão do fenômeno provocado pelas

formas às quais as pessoas se utilizam dos transportes, o autor sugere uma nova

maneira de se olhar este tema através de uma sociologia crítica.

Estas inclusões permitem a proposta de uma abordagem sociológica da circulação, que tem como objetivo descrever e analisar a oferta, operação e uso (demanda) das estruturas e dos meios de circulação, frente às necessidades da produção e da reprodução. (...) a “estrutura de circulação” refere-se às vias, calçadas e terminais, enquanto os “meios de circulação” referem-se ao corpo humano e aos veículos, motorizados ou não. A oferta, operação e uso destes sistemas são organizados pelo Estado por agentes privados, grupos, classes sociais e indivíduos, de forma cooperativa ou conflituosa. As decisões referentes à oferta, operação e uso são influenciadas por fatores sociais, políticos, econômicos e culturais, que variam acentuadamente no tempo e no espaço. Assim, todas as ações relativas à oferta, operação e uso da estrutura e meios de circulação pertencem à esfera de questões públicas essenciais, justificando a

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definição de uma abordagem sociológica e política específica (VASCONCELLOS, 2001, p. 26).

Dentro desta proposta de abordagem sociológica, Vasconcellos (2001) define

questões centrais na observação das políticas de transporte e trânsito poderão:

Como acessibilidade é distribuída no espaço; Como grupos e classes sociais diferentes usam a cidade;

Quais são as condições relativas de equidade, segurança,

conforto eficiência e custo verificadas nos deslocamentos (VASCONCELLOS, 2001, p. 27).

Na discussão que se segue em relação às críticas e às melhores teorias e

metodologias que pudessem abordar e comtemplar as complexidades e diferenças

entre as distintas realidades urbanas, principalmente na relação entre países

desenvolvidos e altamente industrializados e países subdesenvolvidos com

economias dependentes e integradas a uma lógica subalterna dentro do sistema

produtivo internacional, um embate permanente entre as abordagens marxistas e

weberianas pareceu se desenhar. Vasconcellos (2001) irá explicitamente se filiar ao

viés marxista, e também às suas contribuições posteriores e contemporâneas,

levando a cabo a influência das concepções e teorias de Castells, Lojkine, Lefebvre

e Harvey. A abordagem sociológica da circulação dialogará diretamente com as

teorias sobre o espaço, e o uso do espaço, sendo delimitada pelas concepções e

visões de tradição materialista dialética, onde o fazer-se dos transportes estará

intrinsecamente relacionado à lógica da produção e da reprodução baseados nos

interesses do capital, incluindo seus processos de produção política, ideológica e

simbólica. Esta filiação teórica, e sua consequente construção teórico-metodológica

sobre os transportes, fica evidenciada no trecho em que o autor explicita sua visão

citando: “os movimentos entre as estruturas de produção e reprodução podem ser

vistos como uma “expressão concreta” das leis sociais que condicionam as trocas e

relações entre os agentes” (CASTELLS, 1977 apud VASCONCELLOS, 2001, p. 34).

Parece claro que dentro da disputa entre as visões marxistas e a vertente

weberiana, a escolha do autor pendeu à primeira.

Em relação ao conceito de “mobilidade” Vasconcellos (2001) irá relatar que

uma visão tradicional, pautada na capacidade física das pessoas realizarem seus

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deslocamentos e de acordo com suas necessidades e desejos, ou baseados na

quantidade de deslocamentos necessários para a realização dos deslocamentos,

não contempla as variações que devem ser levadas em consideração no ato de se

transportar das pessoas. Então passa a incorporar o conceito de “acessibilidade”

onde descreve que:

[...] Em primeiro lugar, ela se refere ao indivíduo ao refletir seu ponto de vista da acessibilidade (e não o ponto de vista do local físico, como na definição puramente espacial), o que permite avaliar como ele pode usar o espaço da cidade. Em segundo lugar, ela permite verificar como as diferenças sociais, políticas e econômicas entre as classes e grupos sociais influenciam as condições individuais de deslocamento (Reichman, 1983), remetendo consequentemente à discussão sobre equidade e estado de bem-estar nas sociedades contemporâneas. Finalmente, ela permite a análise da acessibilidade como um output essencial dos meios de transporte (Reichman, 1983), vital para a análise de políticas de transporte e trânsito. Neste sentido, o uso da palavra “mobilidade” pode até ser recuperado, desde que no contexto mais amplo apontado acima (VASCONCELLOS, 2001, p.41).

É apontada a necessidade de se conhecer as estratégias coletivas de

“orçamento-tempo” e “orçamento-espaço” para se municiar de informações

necessárias para o conhecimento das formas/estratégias utilizadas na reprodução

social da mão-de-obra trabalhadora dentro de uma estrutura urbana. Na fala de

Harvey, o controle da reprodução social é uma necessidade inerente ao capital

contemporâneo, onde “O comando coordenado do dinheiro, do tempo e do espaço

forma um nexus essencial para o poder social que nós não podemos ignorar [...]

aqueles que definem as práticas, formas e significados materiais do dinheiro, do

tempo e do espaço fixam certas regras básicas do jogo social” (HARVEY, 1985, p.

186 apud VASCONCELLOS, 2001, p.46).

Na lógica contemporânea do capital, o Estado tem papel fundamental na oferta de

transportes, tanto na reprodução social para o mundo do trabalho, quanto para a

circulação dos bens produzidos.

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Figura 16 – Características principais das ações relativas às políticas de transporte e trânsito.

Ação Natureza Componentes

Provisão Organização e fornecimento da infra-estrutura e dos meios de circulação

Legislação geral; vias, calçadas, terminais e veículos (características físicas e simbólicas)

Regulamentação Definição de regras de uso

Regulamentação e códigos

Operação Funcionamento da infra-estrutura e dos meios de circulação

Recursos, logística e regras

Controle Acompanhamento da operação; fiscalização dos usuários

Recursos, logística e regras

Apropriação Impactos e efetividade objetiva, subjetiva e substantiva; Uso efetivo da infra-estrutura e dos meios de circulação

Comportamento dos usuários

Fonte: Vasconcellos (2001, p. 51), adaptado.

3.6.2 Mobilidade urbana: o debate contemporâneo.

Souza (2005) propõe um debate entre diversas visões sobre o conceito de

mobilidade, descrevendo suas especificidades e tecendo suas aproximações. Inclui

em suas observações os trabalhos de Câmara (2000), Gaudemar (1976) e

Vasconcellos (2001)78, entre outros pensadores do “urbano”. O foco das questões

colocadas sobre a mobilidade se concentra entre as condições necessárias para a

efetividade da reprodução social junto às necessidades do capital; a intensa

fragilização e precarização das taxas de mobilidade das classes mais pobres, muito

devido à segregação espacial destas classes e variáveis como sexo, gênero, idade;

e a discussão da acessibilidade como norteador importante nas diferenças de

qualidade dos serviços de transporte como: tempo gasto na espera e durante os

                                                            78 CÂMARA, Paulo. Gerência de mobilidade: a experiência da Europa. São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente, Governo do Estado de São Paulo. GAUDEMAR, J.P. Mobilidade do trabalho e acumulação do capital. Lisboa: Estampa, 1976. VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara. Transporte urbano, espaço e equidade – Análise das políticas públicas. São Paulo: Editora Annablume, 2001. 

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deslocamentos, custo, facilidade de acesso, quantidade de conexões entre

diferentes modais, qualidade durante as viagens.

Souza (2005), através de Câmara (2000), indica algumas das novas diretrizes

de políticas de transporte, pautado no caso europeu, diretrizes estas que acabam

servindo como parâmetro para planejadores dos países em desenvolvimento e como

novo paradigma para o planejamento de transportes atual:

Segundo Câmara (2000) as novas diretrizes das políticas de planejamento de transporte urbano na Europa são as seguintes: A) reduzir o crescimento das viagens motorizadas assim como suas distâncias, B) incentivar meios de transporte alternativo que possuem menores impactos ambientais, e C) reduzir a dependência do automóvel particular. Este projeto europeu é conhecido como Gerência de Mobilidade, no qual visa à redução do trafego e a melhoria do ambiente [...] (SOUZA, 2005, p. 122).

Florentino (2011) irá trabalhar as questões da mobilidade no cenário atual das

políticas do Estado, em suas esferas federal, estadual e municipal, no que tange aos

investimentos em obras de mobilidade urbana visando os grandes eventos que

ocorrerão em alguns estados da federação, no caso da Copa do Mundo de Futebol

de 2014, e as Olimpíadas de 2016, que terá como cidade sede o Rio de Janeiro.

Sua visão da mobilidade urbana está focada nas seguintes concepções

Deve-se observar a diferença entre os termos “transporte público” e “mobilidade urbana”. Enquanto que transporte público é apenas uma parte integrante da mobilidade, relacionada a ferramentas que viabilizam o fluxo de trânsito de acordo com concessões públicas de serviços, a mobilidade urbana refere-se à capacidade de se deslocar dentro de um espaço urbano, considerando a integração e alternância entre tipos modais (carros particulares, bicicletas e fretados, por exemplo). Transporte público está mais voltado para a dimensão da oferta e demanda de determinado serviço, e mobilidade urbana abre espaço para as especificidades relacionadas à acessibilidade, integração entre regiões, perfis de usuários, integração entre tipos modais e condições sociais de uso do transporte público de maneira mais ampla, que assegurem o direito de usufruto do espaço urbano para seus cidadãos. É no debate sobre mobilidade urbana, por exemplo, que se insere a questão da walkability/ pedabilidade, como um dos elementos das políticas de uso e ocupação do solo, onde o encurtamento das distâncias é um objetivo a ser alcançado através da diversificação de usos de solos e adensamento populacional das cidades (FLORENTINO, 2011, ps. 49, 50).

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Através da observação das disputas políticas e interesses das organizações

internacionais detentoras dos direitos dos grandes eventos aos grandes grupos

empresarias nacionais e internacionais, e o próprio interesse do Estado brasileiro,

mesmo em sua arena de disputas internas e ideológicas, Florentino (2011) propõe

parâmetros de avaliação dos impactos das políticas públicas de mobilidade que

serão desenvolvidas dentro do contexto dos grandes eventos. Estes parâmetros

pautam-se não nos cadernos de encargos determinados pela Federação

Internacional de Futebol Profissional (FIFA) ou pelo Comitê Olímpico Internacional

(COI), mas pelas diretrizes contidas na Política Nacional de Mobilidade Urbana79 e

que servirão, segundo a autora, como uma possibilidade de instrumento de controle

para a população e instituições que queiram compreender e investigar os impactos

das políticas de mobilidade junto aos territórios que receberão estes grandes

eventos. Figura 17 – Bloco temático sobre parâmetros de avaliação da mobilidade baseados no Plano Nacional de Mobilidade Urbana.

Fonte: Florentino (2011, p. 53).

Rodrigues (2013) irá relatar uma forte preocupação em relação às

consequências relativas ao que denomina como crise da mobilidade urbana

brasileira contemporânea, principalmente no caso do Rio de Janeiro, pautado em

alguns fatores que o autor considera como inflexões perigosas pelo modelo adotado

                                                            79 Aprovada como Lei N° 12.587 e sancionado em 03 de Janeiro de 2012 

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e que trará reflexos à população residente na RMRJ devido à urgência da Copa do

Mundo de futebol de 2014 e das Olimpíadas de 2016, que terão a cidade do Rio de

Janeiro como sede. O primeiro ponto destacado será a observação do modelo

rodoviarista adotado, na tentativa pelo Estado, de incrementar e aumentar as opções

de deslocamentos.

Rodrigues (2013) demonstra a queda das taxas de crescimento demográfico

dos últimos vinte anos quando se verifica os núcleos centrais das grandes

metrópoles brasileiras, mas ao mesmo tempo verifica-se um aumento do processo

de metropolização “horizontal”, com o aumento das periferias e um maior processo

de conturbação urbana, fortificando ainda mais os conglomerados urbanos

regionais. O aumento da população que vive nestas periferias, conjuntamente com

as melhorias do poder de compra dos últimos anos, propiciou um grande aumento

da frota de automóveis nestas regiões metropolizadas, o que irá se refletir cada vez

mais nos entraves do trânsito das grandes cidades. Congestionamentos cotidianos e

fora das faixas tradicionais de rush, aumentos do número de acidentes e da

letalidade dos mesmos, diminuição da qualidade dos deslocamentos por veículos

motorizados, conjuntamente com a inépcia estatal e das concessionárias privadas

em relação aos transportes coletivos, são algumas consequências do privilégio ao

viés rodoviarista das políticas de mobilidade atuais. A dificuldade proporcionada pela

ineficiência dos serviços de transportes oferecidos à população, principalmente às

camadas mais pobres e que vivem nas periferias ou favelas, vincula-se à

segmentação territorial e segregação residencial e traz como consequências “ao

comparar as rendas médias de trabalhadores (...) em termos de escolaridade, cor,

sexo e tipo de ocupação, mas residentes em áreas com (...) diferenças de

mobilidade urbana, a diferença pode chegar a 22,8%. Poderíamos dizer que essa é

a dimensão social central da crise da mobilidade urbana” (RODRIGUES, 2013, p.

43).

Outro ponto destacado é o processo de reafirmação de certas “centralidades”

urbanas, causadas pelas políticas de mobilidade atuais no Rio de Janeiro, onde

regiões já altamente centralizadas e que têm como habitantes as camadas mais

desenvolvidas economicamente da RMRJ e, em alguns casos, com a melhor oferta

de transportes urbanos e mobilidade da metrópole em comparação às áreas que

vivenciaram e vivenciam uma urgente e grande demanda de mobilidade, seja pelo

crescimento populacional, seja pela intensificação e complexização do mercado de

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trabalho nas periferias e núcleos mais afastados desta “centralidade” histórica. O

avanço do metrô para a Barra da Tijuca, a derrubada do viaduto da Perimetral e os

altos investimentos públicos e alguns privados na região portuária da cidade do Rio

de Janeiro, são alguns exemplos do reforço destas centralidades em detrimento das

necessidades de um enorme contingente que habita e trabalha nas “bordas” destes

núcleos “centrais”.

Amouzou (2001) chama atenção quanto às visões que ele considera

fundamentais em relação à percepção sobre a mobilidade urbana. Descrevendo

estas visões em que “A primeira é a felicidade, cada vez mais rara, baseada no

cumprimento da democracia, na criatividade social, cultural e econômica. A segunda

é a visão pessimista que faz da cidade um lugar de poluição, de exclusão e de mal-

estar social” (AMOUZOU, 2001, p.1).

Tentando superar as visões sobre a mobilidade que a colocam quase sempre

como consequência, normalmente negativa dos resultados do crescimento e

desenvolvimento das cidades dentro da dinâmica capitalista. Relata a incorporação

da definição, considerada por ele mais simples e baseada na fenomenologia de

Merleau-Ponty, onde diz que “de fato, podemos considerar a fenomenologia da

mobilidade como uma descrição do “sujeito móvel” com seu próprio movimento no

espaço e tempo (...)” (AMOUZOU, 2001, p. 2).

A se ressaltar, para nosso trabalho, talvez sejam as possibilidades, ou

aberturas propostas e trazidas pelo autor, onde o conceito de mobilidade pode se

“descolar” das correntes teóricas mais “associadas” ao nosso fazer-se do

pensamento urbano regional atual, ou até mesmo da perspectiva dos países em

desenvolvimento nos últimos anos. Amouzou (2001) apresenta algumas, segundo

sua classificação, das interpretações correntes sobre mobilidade e que são

interessantes para a ampliação das perspectivas deste conceito.

Assim, grandes pesquisadores da socieconomia de transporte percebem quatro fenômenos fundamentais da mobilidade ligados aos conceitos de espaço e tempo:

Em uma visão marxista, a mobilidade é interpretada como um instrumento de mobilização da mão-de-obra. Esta percepção foi encontrada nos estudos realizados sobre a cidade de Dunquerque, na França;

Segundo a Escola Escandinava de Geografia, a mobilidade é percebida como um instrumento de realização de um programa de atividades localizadas no espaço e no tempo;

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Sob o ponto de vista econômico, a mobilidade é percebida em termos de modo de vida e divisão social do espaço;

Os sociólogos possuem uma visão psicológica ou psicanalítica da mobilidade, a qual determina o comportamento e o sentimento do indivíduo submetido ao deslocamento (AMOUZOU, 2001, p.2).

É dentro desta perspectiva sociológica, e que não necessariamente irá se

confundir com a afirmação acima, que nosso trabalho irá se debruçar, discutir e

propor novas formas de se observar o fenômeno dos transportes e da mobilidade.

3.6.3 Por uma “nova” sociologia dos transportes ou sociologia da mobilidade?

Diante de todo debate já proposto, nos focaremos em uma discussão e na

tentativa de construção de um olhar sociológico mais aprofundado e inovador ao

fenômeno proporcionado pelos transportes urbanos e suas consequências geradas

na mobilidade urbana, e também pelos efeitos dessas políticas de mobilidade à

oferta dos transportes urbanos.

Fica evidenciado o acúmulo à discussão sobre o conceito de mobilidade

urbana devido à produção de conhecimento em várias áreas e disciplinas. Há a

percepção de uma associação primordial, e quase que “natural”, das necessidades

de mobilidade concentradas primeiramente na ideia de uma ciência técnica pautada

exclusivamente para a oferta equilibrada de transportes urbanos e as necessidades

da população das cidades, fossem estes transportes coletivos ou de natureza

individual. As Engenharias de Transportes, Tráfego, de Trânsito, Civil, entre algumas

outras, possuem grande importância em cálculos e análises matemáticas em relação

à dosimetria dos fluxos de passageiros, da capacidade dos diferentes veículos com

determinados números de usuários, da velocidade ótima, do conforto, enfim sobre

formulações técnicas quanto às especificidades dos modais em si, enquanto busca

por um cálculo racional e preciso que possa fornecer parâmetros técnicos confiáveis

a quem deve decidir sobre as ofertas dos modais à população.

Porém, como já descrito por Vasconcellos (2001), os fenômenos sobre a

capacidade de se transportar concentra-se em sua “origem” nas formulações

técnicas de planejadores urbanos e engenheiros, mas também acaba por perpassar

também pelos vieses “social” e “sociológico” a partir de metade do século XX. Dentro

deste campo dos transportes a incorporação de conhecimentos e questionamentos

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com base nas perspectivas sociais vai gerar um grande arcabouço de teorias e

formulações, e que têm por sua própria natureza, a incorporação dos conteúdos e

paradigmas de diversas disciplinas e áreas do conhecimento filosófico e científico.

Podemos afirmar com certeza tranquilidade que noções e conceitos sobre a

mobilidade possuem contribuições e formulações de áreas como: Engenharias de

Tráfego, Trânsito ou Transportes, Geografia, Demografia, Planejamento Urbano,

Economia, Administração, Arquitetura, Urbanismo, História, Antropologia, Sociologia

Urbana, Ciência Política, Psicologia e provavelmente outras que desconhecemos.

As informações e dados disponíveis sobre a oferta geral de transportes, os modais,

os tempos nas viagens, as motivações dos deslocamentos, a qualidade dos

deslocamentos e os impactos socioeconômicos, tornam-se cada vez maiores e mais

acessíveis, seja por dados de instituições públicas ou privadas, seja por núcleos de

pesquisas e revistas acadêmicas que possuem como preocupação principal as

questões sobre o urbano, e nelas inclui-se de maneira decisiva a questão da

mobilidade urbana. Diante destas informações objetivas, e cada vez mais precisas,

costuma-se confabular e teorizar sobre os momentos atuais, o passado e os

caminhos que a mobilidade de determinadas classes sociais irá se desenhar para os

tempos que virão.

Porém, e apesar de ter sido citado que não haveria a possibilidade de uma

sociologia dos transportes devido à própria articulação de uma sociologia da

modernidade pautada pelo urbano80 e o desenvolvimento capitalista, acreditamos

que há uma sociologia a ser explorada tanto no que tange especificamente os

transportes urbanos, quanto podemos nos referir à mobilidade urbana.

Houve o apontamento das correntes sociológicas marxistas e weberianas,

que durante as décadas de 1960 e 1970, “disputaram” uma certa hegemonia do

pensamento sociológico sobre o fenômeno urbano e mais precisamente sobre a

circulação e a mobilidade urbana. Na literatura consagrada pelo pensamento crítico,

a contribuição de base marxista, ou os próprios autores do chamado pensamento

neomarxista, parece ter alcançado um papel importante e de protagonismo nas

formulações correntes dentro da perspectiva da mobilidade urbana diante de o

cenário da modernidade e da pós-modernidade. As construções diversas de teóricos

e teorias neste campo de pensamento são de fundamental importância no que tange

                                                            80  Castells (1976) apud Vasconcellos (2001). 

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a busca pelas contradições inerentes e proporcionados pela supremacia e

hierarquização social gerados pelo antagonismo entre classes sociais e os

interesses do capital monopolista e altamente concentrado. As metodologias e

arcabouços pautados pela influência do materialismo dialético histórico possibilitam

observar e superar construções ideológicas e simbólicas que são constantemente

produzidas e reproduzidas em relação às dinâmicas urbanas cotidianas e

consideradas, por muitos, como “naturais”, evidenciando as relações de

desigualdade material, econômica e simbólica entre indivíduos e grupos sociais

dentro do ambiente urbano. Esta contribuição é decisiva e nos ajuda a observar os

processos urbanos além dos apontamentos particularistas e atomizantes, e que

acabam por não levar em consideração as nuances e oposições coletivas e de

classe.

Porém na perspectiva sociológica, mais do que buscar os antagonismos e

impossibilidades de correntes de pensamentos, e suas possíveis filiações

ideológicas, a maior importância deve ser a real busca das explicações e efeitos

sociais dentro da perspectiva crítica do real, mesmo sabendo-se que o próprio real

não passa de uma construção histórica, mas ela é materializada e vivida. Ao invés

da refutação das correntes teóricas e metodológicas pautadas nos ensinamentos de

Marx e Weber, acreditamos que é necessária mais uma forma de se ressaltar

complementaridades do que se excluir percepções e métodos consagrados pelo

tempo e por inúmeros autores. Acreditamos que as inúmeras contribuições já

produzidas acerca dos transportes e sobre a mobilidade urbana ainda carecem de

características e percepções que podemos considerar como essencialmente

sociológicas em suas totalidades. As contribuições de teóricos e pesquisadores das

cidades e que têm como base as argumentações teórico-metodológicas baseadas

pelo materialismo histórico e a luta de classes, talvez possam “engessar” ou

“compartimentar” certas posições e efeitos sociais em nome de uma visão geral dos

conflitos inerentes aos antagonismos das próprias classes, estas classicamente

divididas na burguesa e nos trabalhadores. É evidente a existência destes conflitos e

que eles perpassam as disputas e desigualdades encontradas e encontráveis na

esfera social e no ambiente urbano, porém a enorme difusão de demandas e grupos

sociais estratificados dentro do tecido urbano, talvez desfavoreça a uma visão com

escopo coletivizador tão grandioso. As contradições por classe parecem evidentes,

mas as condições entre “conteúdos” e “formas de vida” específicos de diferentes

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grupos sociais, parecem não estar muito contemplados dentro das análises

pautadas nas diferenças objetivas e objetivadas pelas contradições de classe

proporcionadas pelo capitalismo atual. O fazer-se sociológico deve buscar, ou pelo

menos tentar, através das especificidades e nuances dos grupos sociais, as

explicações e análises pautadas em um aspecto da totalidade, seja pelas diferenças

materiais, seja pelo discurso e percepção dos atores.

Percebemos que as contribuições teóricas e metodológicas da denominada

sociologia compreensiva histórica, pautada por uma escola filosófica alemã, podem

ser extremamente interessantes e complementares à tradição e importância da

produção acadêmica pautada em autores como Manuel Castells, Henri Lefebvre,

Milton Santos, Jean Lojkine, David Harvey, etc., e os autores subsequentes e

influenciados por estes grandes pensadores, e não sua negação ou oposição81. O

que pretendemos aqui é buscar uma visão sociológica sobre os transportes e a

mobilidade urbana que transcenda a uma percepção estritamente materialista e que

possa incorporar outros sentidos e epistemologias.

A utilização das informações e dados concretos e materializados sobre a

mobilidade urbana e os transportes é de fundamental importância para o início de

qualquer análise que se pretenda sociológica perante esta temática. A construção de

um robusto banco de informações pautado pelos dados fornecidos pelas diversas

instituições, já aqui citadas, é seminal para qualquer análise de base sociológica

mais aprofundada. Conquanto esta sociologia dos transportes que pretendemos

aprofundar trata da busca por uma “forma de vida” que é forjada, produzida e

vivificada através do contato cotidiano com as formas de se transportar.

Vimos através das contribuições de Simmel, que as institucionalizações de

grande parte das relações e interações sociais ocorrerão e se formatarão no mundo

moderno pelos conteúdos históricos que acabam por ser perder, ou serem

“esquecidos”, através do tempo, mas incorporados nas formas e relações cada vez

mais “impessoais” que se constroem e se intensificam no mundo moderno. Em um

dos principais objetos evidenciados neste trabalho, a Baixada Fluminense, pudemos

observar um pouco da História, ou das histórias, de formação desta territorialidade,

onde sua posição de passagem entre a antiga capital do Império e da República, o

Rio de Janeiro, e as regiões de escoamento da produção de cana-de-açúcar e café,

                                                            81  Importância,  influência e conceitos de grande parte destes autores  já citados, debatidos e utilizados como cerne para a compreensão dos objetos aqui delimitados e para a própria concepção deste trabalho. 

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São Paulo e o Vale do Paraíba, empregou a esta região uma importância relativa

dentro da estrutura econômica e social de formação do Brasil, colocando-a em uma

posição subalterna frente a centralidade do Rio de Janeiro. Outras regiões e

localidades também foram e, talvez, sempre serão subalternas a certos núcleos

urbanos, mas uma das funções da sociologia é buscar especificidades inerentes à

formação destas formas e sua compreensão através das reminiscências e

atualidades dos grupos sociais pertencentes a diferentes identidades e

sociabilidades. O conhecimento das “formas de vida” pelos transportes só poderá

ser amplamente realizada, quando ser buscar com cuidado a origem dos conteúdos

históricos e as possíveis permanências das formas institucionalizadas nas relações

de subordinação, segregação e dominação.

A questão da “identidade territorial” torna-se também fundamental para a

compreensão das assimetrias e desigualdades territoriais, tanto em relação à oferta

dos transportes, quanto pela própria segregação socioeconômica residencial, no

mundo do trabalho ou do lazer. Há a tendência marxista de perceber que estas

hierarquizações de internalização simbólica são prioritariamente produzidas pelas

ideologias das classes dominantes e impetradas pela dominação estrutural

capitalista.

Por outra perspectiva teórica, e não de maneira excludente e sim agregando-

se de forma complementar e enriquecedora à visão de fundo materialista dos

processos sociais, pode-se, através da procura da compreensão de sociabilidades

internalizadas coletivamente e individualmente, sendo estas sociabilidades

baseadas por diferentes territórios e localidades, e também sendo resultado das

vidas intermediadas pelos transportes urbanos, perceber que as formas de

segregação, diferenciação social e territorial podem ser “trazidas” e perpetuadas

coletivamente por formas/relações construídas no campo estrito das relações sociais

e que poderiam, inclusive, reproduzir materialmente na estrutura física e urbana

estas diferenças introjetadas coletivamente. Neste caso as contribuições de Simmel,

Weber e Elias podem ser importantes ferramentas analíticas, a desafiar, contrapor e

acrescentar às visões de base materialista.

Mas com que objetivo aprofundar e tentar unir estas correntes teórico-

metodológicas senão pela tentativa, portanto, de se compreender e efetivar uma

sociologia dos transportes. Esta tentativa traz como objeto de análise a Baixada

Fluminense como possível exemplo a ser utilizado na compreensão possibilitada

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pelas variadas formas de análise, construção e contribuição de diversos saberes

disciplinares. A efetivação desta subdisciplina sociológica será na busca pautada

nas produções e efeitos sociais causados pelas formas de se transportar pelas

cidades. E esta busca deve-se basear, portanto, nas “formas de vida pelo

transporte”. A Antropologia, com sua preciosa contribuição etnográfica, fornece

imenso arcabouço de possibilidades na busca para se conhecer profundamente

estas “formas de vida pelo transporte”. A Sociologia também tem em seu escopo, e

a partir da Escola de Chicago e a formação disciplinar de uma Sociologia Urbana, o

trabalho de campo torna-se importante técnica e forma de pesquisa. O trabalho de

campo de Elias e Scotson (2000) na Inglaterra é um dos mais renomados exemplos

neste sentido.

A tentativa de unir as análises de base materialista, buscando-se o

conhecimento das produções econômicas e reproduções sociais baseados nas

contradições de classe pelo capital, não exclui a busca da compreensão na

formação de uma sociabilidade configuracional e coletiva, de como são construídas

as identidades territoriais e na forma pela qual as pessoas se utilizam dos

transportes urbanos, estes como produtores e/ou produzidos pelas desigualdades

materiais e sociais incorporadas coletivamente e individualmente durante o tempo.

Relatar as motivações de origem/destino, os efeitos econômicos pela

distância do trabalho e a precariedade causada pelo tempo gasto nas viagens

cotidianas, refletir as nuances políticas na oferta de deslocamentos à diferentes

camadas sociais, verificar os índices de imobilidade de grupos sociais, todas essas

informações são imprescindíveis para se conhecer melhor o fenômeno da

mobilidade urbana, é reconhecido o papel de variados campos do conhecimento que

podem pesquisar e produzir estas informações, porém para o campo de um

sociologia dos transportes, é necessário uma percepção mais completa acerca das

questões da mobilidade urbana.

É, portanto, imprescindível o aprofundamento e a imersão do

observador/pesquisador na própria mobilidade urbana, buscando-se a possibilidade

de abranger as diferentes e diversas formas do ato de se transportar pelas

metrópoles, e tendo o aprofundamento das “formas de vida pelo transporte” através

das experiências, contatos e falas de quem efetivamente vive estas formas. Não há

possibilidade de efetivamente gerar um conhecimento complexo e multidimensional

sem a incorporação das técnicas presenciais, do trabalho de campo, da

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permanência mais longa, do tempo “longo” junto às maneiras de se locomover pelas

cidades. Porém esta ideia de uma sociologia dos transportes não se fecha na

questão de uma primazia da etnografia como forma-fim para a tarefa que aqui está

sendo proposta. As pesquisas presenciais só poderão contribuir para um

aprofundamento complexo dos estudos da mobilidade urbana conjuntamente com o

imenso acúmulo já produzido pelos outros campos de conhecimento relacionados ao

tema dos transportes e da mobilidade urbana, já aqui citados. Sem esta interface e

soma entre a tradição teórica e metodológica da sociologia, e da antropologia, e as

teorias, metodologias, informações e conteúdos já amplamente desenvolvidos por

disciplinas como o Planejamento Urbano, o Urbanismo e a Geografia sobre o tema

da mobilidade urbana e dos transportes urbanos, uma tentativa com a intenção de

uma busca do conhecimento mais abrangente da realidade baseada na mobilidade e

nos transportes urbanos não será alcançado. Diferente de Vasconcellos (2001), e

até mesmo de Castells, acreditamos na possibilidade, sim, de uma sociologia dos

transportes ou da mobilidade. Porém está afirmação não soluciona a dificuldade da

proposta aqui realizada.

Em relação ao apontamento descrito por Amouzou (2001) sobre as

preocupações da sociologia em relação à mobilidade estarem focadas nas esferas

dos conhecimentos e efeitos psicológicos e psicanalíticos em relação às percepções

das pessoas sobre os deslocamentos e viagens realizadas no cenário urbano, é fato

afirmar que o autor tem razão em sua observação destes caminhos sociológicos.

Porém esta afirmação não contempla totalmente a busca sociológica do tema por

duas razões.

A primeira é o que esta busca pelos efeitos psicológicos parece se associar,

em sua colocação, diretamente a uma opção metodológica que privilegiaria as

percepções de cunho individual, ou individualista, dos atores frente às suas

sensações e opiniões subjetivas em relação ao ato de se transportar. Obviamente

que este é um dos objetivos e consequente resultado das pesquisas sociológicas,

mas não se pode pensar que estas formas de investigação irão necessariamente se

pautar exclusivamente nos aspectos subjetivados e internalizados pelas histórias de

vida de indivíduos em uma perspectiva meramente atomizada e individualista. Um

dos limites das etnografias e do trabalho de campo em si, é a impossibilidade de se

alcançar um contingente populacional em níveis estatísticos, se restringindo aos

grupos delimitados pelo escopo da análise proposta, mas mesmo com estas

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limitações, o comportamento demonstrado por uma etnografia, de um determinado

grupo social na utilização de um modal de transportes, trará fortes indícios do

comportamento coletivo da maioria dos usuários que se utiliza de determinados

modais, ou as próprias contradições e conflitos entre os diferentes grupos sociais

que se utilizam e vivenciam os transportes urbanos. As percepções individuais serão

observadas e analisadas, porém sem necessariamente prescindir dos efeitos e

comportamentos coletivos que poderão e certamente serão percebidos pelo

pesquisador e evidenciados pela realidade social.

O segundo ponto se refere ao escopo das análises realizadas. Quando se

leva em consideração uma única etnografia ou trabalho de campo específico em

relação ao tema da mobilidade e dos transportes urbanos, fica um tanto evidente as

limitações circunscritas ao próprio campo que obrigatoriamente deverá ser

delimitado, à própria unidade pautada pelos limites físicos do pesquisador/a e do

objeto pesquisado. Porém em uma perspectiva sociológica mais ampla, nos

referimos à capacidade e ao esforço de um campo sociológico, que aqui está sendo

proposto, que tenha como principal objeto de observação a mobilidade e os

transportes urbanos, e assim se poderá utilizar de variados e diversos trabalhos, ora

de cunho antropológico, ora e de outras disciplinas e campos de conhecimento, para

que se possa comparativamente e analiticamente se aprofundar e tornar crítica a

produção pautada nesta temática. Ter em mãos diferentes pesquisadores sociais

vivenciando diferentes modais e formas de se locomover pelas cidades, somando-se

a toda gama de informações, dados e conhecimentos disponíveis pelos acúmulos

disciplinares anteriores, parece ser uma forma mais próxima de uma efetiva

sociologia preocupada com os efeitos sociais que a mobilidade urbana possui no

mundo contemporâneo.

Em relação à preocupação das ciências sociais pelo tema e objeto proposto

por este trabalho, verifica-se, pelo menos no caso brasileiro e focalizando-se

também à esfera do Rio de Janeiro, que os trabalhos de campo e etnográficos

acerca do tema dos transportes e da mobilidade urbana só vão se realizar em uma

perspectiva extremamente contemporânea. Podemos usar como exemplo o trabalho

de Pires (2011), que realizou a primeira82 etnografia conhecida e realizada nas

                                                            82 Dissertação  de mestrado  apresentada  ao  Programa  de  Pós‐Graduação  em  Antropologia  da Universidade Federal Fluminense, no ano de 2005, e que resultou no livro “Esculhamba, Mas Não Esculacha!” de Lenin Pires, 2011. 

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jornadas dos trens urbanos da Central do Brasil e que atende a população da RMRJ.

Também temos a obra de Caiafa (2002), que realiza uma etnografia das viagens de

ônibus no Rio de Janeiro e em Caiafa (2013) o mesmo trabalho, só que agora o

objeto são as viagens realizadas no metrô no Rio de Janeiro. Mamani (2004) realiza

um trabalho de campo observando as dinâmicas do que ele denomina de

“transportes informais”, onde analisa o surgimento e efeitos sociais dos

deslocamentos urbanos realizados por vans e kombis na RMRJ, tendo em vista que

este fenômeno surge em meados dos anos 1990. Silva (2007) realiza um estudo de

caso em uma cooperativa de vans situada em um município da Baixada e que

realiza o trajeto Baixada Fluminense x Centro do Rio, demonstrando as noções e

classificações nativas, as relações sociais e questionando uma perspectiva

prioritariamente criminalizadora deste novo modal. Fonseca (2005) se pautará em

um trabalho de campo realizado com mototaxistas, que tinham como base de

trabalho e moradia a favela da Rocinha, situada na Zona Sul do Rio de Janeiro e

considerada a maior favela da América Latina.

Devemos ressaltar que estes pesquisadores, apesar de serem ligados ao

campo das ciências sociais, não possuem formações estritas à sociologia e à

antropologia, realizando, já em seus trabalhos, diálogos e interfaces com outros

campos de conhecimento. Portanto fica evidente a urgência do tema para as

ciências sociais e sua brevidade temporal, e obviamente do ainda pouco acúmulo,

mas que consideramos já serem suficientes para podermos pensar na construção de

uma disciplina onde o foco seja pautado por este tema.

Um ponto de reflexão que consideramos extremamente pertinente na

incorporação das informações sobre as políticas de mobilidade urbana e à oferta dos

transportes urbanos é a observação sobre as notícias midiáticas em relação a este

tema. Não iremos aqui debater sobre teorias da comunicação, até porque não

termos o conhecimento necessário para tal, mas parece inexorável à construção e à

própria reflexão das imagens, ou autoimagens, construídas socialmente e

associadas a determinadas “identidades” sociais e territoriais internalizadas

coletivamente e individualmente, a produção, vinculação e disseminação por

diversos meios de comunicação, sejam jornais impressos, jornais televisivos, sites e,

atualmente, as redes sociais na internet, de informações e conteúdos relacionados

diretamente à questão da mobilidade urbana. Em qualquer dia da semana, em uma

rápida pesquisa em sites de notícias ou em redes sociais, os transportes urbanos

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surgirão como tema relevante e com alto índice de visualizações e popularidade em

suas vinculações.

Na história nacional a televisão tem um papel importante na construção de

uma imagem, ou de imagens, de integração de identidades ou até mesmo de

construção de sociabilidades. Desde a década de 1960 a tv aberta assume o papel

de principal difusor de informação coletiva e popular, substituindo o rádio como

primordial fonte de entretenimento e produção em larga escala de informações e

notícias sobre o país. Fica evidente que a forma como estas informações estarão

vinculadas será afetada diretamente pelos interesses editoriais dos grupos privados

que quase sempre monopolizaram a propriedade desses veículos de comunicação.

O Estado também terá papel importante na vinculação de determinadas notícias e

no controle na fonte de certas informações, variando seus conteúdos de acordo com

os regimes, governos e partidos que estarão no poder no momento.

No caso das grandes metrópoles, a mídia tem importante papel de divulgador

e “acusador” das mazelas quase sempre relacionadas aos serviços públicos (e à

vida pública) e associadas ao viver na cidade, utilizando-se às vezes de uma “voz

popular” e quase sempre atuando como opinião pública, às vezes incorporando

interesses difusos e não tão evidentes em suas matérias. Um dos principais temas

referentes a esta preocupação jornalística histórica com os problemas relacionados

aos serviços públicos ofertados é a questão dos transportes urbanos. O Rio de

Janeiro possui um histórico, passado e presente, de conflitos e problemas

relacionados aos transportes urbanos e que sempre causaram grande interesse

midiático. Podemos lembrar de alguns fatos relevantes como a “Revolta das

Barcas”83 ou as diversas notícias e programas televisivos sobre “Os surfistas

ferroviários das décadas de 1980 e 1990”, e no contexto contemporâneo os muitos

                                                            83 “No dia 22 de maio de 1959, o pau quebrou em Niterói, município vizinho do Rio de  Janeiro,  lindamente separado da capital  fluminense pelas águas da Baía de Guanabara. As pessoas perderam a paciência  com a péssima  qualidade  do  serviço  de  travessia  marítima  entre  as  duas  cidades,  e  numa  explosão  de  fúria incendiaram a estação da Cantareira, destruíram os escritórios da concessionária e saquearam a residência da família de espanhóis que controlava a empresa. A turba  incontrolável deixou escrito em uma das paredes da mansão o  resumo da história  toda:  “Aqui  jaz a  fortuna do Grupo Carreteiro, acumulada  com o  sacrifício do povo”. O resultado do episódio, que ficou conhecido como Revolta das Barcas, foi que o poder público assumiu as operações do  transporte de passageiros na baía, voltando a privatizá‐lo só no  final de década de 1990, com  o  fim  da  Companhia  de  Navegação  do  Estado  do  Rio  de  Janeiro  (Conerj)”.  Disponível  em: http://opiniaoenoticia.com.br/sem‐categoria/revolta‐das‐barcas‐faz‐50‐anos‐revolta‐nas‐barcas‐continua/. Acessado em Jan. 2014.

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momentos de revolta popular devido à paralisações técnicas e problemas de

segurança em relação a trens, barcas, vans, metrô e ônibus pela RMRJ.

Em nossa visão é realmente imprescindível realizar uma análise minuciosa e

com um recorte temporal preciso, de acordo com o interesse do período de tempo a

ser estudado, na verificação da natureza e conteúdo das notícias vinculadas sobre

os transportes urbanos na RMRJ. Perguntas como: “Há diferenças das notícias

relacionadas a determinados modais?”, “Qual a natureza das notícias relacionadas

aos transportes urbanos em relação a diferentes classes e grupos sociais?”, “As

informações relacionadas à matérias jornalísticas possuem diferenciações na

relação entre diferentes territórios e os transportes urbanos?”, “Qual a incidência de

opiniões “negativas” e “positivas” sobre os transportes urbanos em relação aos

territórios que eles servem?”. Algumas dessas perguntas, e muitas outras, podem

ser feitas com o intuito de se conhecer melhor a questão dos transportes urbanos na

RMRJ e ao mesmo tempo na tentativa de se perceber a construção de um ideário

coletivo de imagens associadas a modais, grupos sociais e territórios. A verificação

se há diferenças significativas quanto às qualificações e percepções da grande

mídia, e a natureza dos conteúdos publicados, em relação às notícias sobre os

transportes urbanos não será realizada neste trabalho, mas deixamos evidenciado

que este é um importante caminho e estudo necessário na tentativa de uma

compreensão abrangente dos fenômenos sociais relacionados à sociologia dos

transportes e da mobilidade urbana.

3.6.3.1 Transportes ou Mobilidade urbana?

Um questionamento que pode ser considerado “menor” ou não tão

significativo é acerca de como esta sociologia pautada na temática dos transportes

urbanos e na mobilidade urbana poderia se denominar na gênese de sua própria

formação. Não pretendemos esgotar ou definir esta nomenclatura ou conceituação,

mas achamos interessante trazer à tona as possibilidades em se poder “denominar”

esta sociologia em suas duas formas.

Mais uma vez citando a críticas de Vasconcellos (2001), pautado pelos

argumentos de Castells, pode-se realmente pensar que o termo “sociologia dos

transportes” traz uma ideia reducionista, já que os “meios de transportes” seriam

somente um aspecto técnico e tecnológico e que têm como principal função

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intermediar o transpassar do espaço e do tempo entre as pessoas. Pudemos

durante este trabalho discutir e problematizar a questão dos transportes e perceber

que sua importância e efeitos são muito mais complexos e profundos do que serem

meros intermediários, pois, ao mesmo tempo que realizam a conexão urbana entre

territórios, indivíduos e grupos sociais diferentes, produzem eles próprios

sociabilidades e percepções específicas sobre a cidade, a segregação e o

pertencimento a certas identidades territoriais e grupos sociais. Porém ao explicitar

estes elementos de complexidade sociológica, talvez não estejamos mais nos

referindo especificamente aos “transportes” em si, e sim nos efeitos e aplicabilidades

resultantes de sua existência, talvez o extravasamento da própria natureza

específica dos efeitos proporcionados pelos transportes urbanos nos leve

diretamente ao conceito de mobilidade urbana. E então não teríamos mais uma

“sociologia dos transportes”, mas sim uma “sociologia da mobilidade urbana”.

A possibilidade de se ter uma “sociologia dos transportes” talvez seja a fácil

visualização que esta nomeação e classificação proporcione a todos que dela se

interessem ou procurem se especializar. Mesmo que as ideias reducionistas ou

associações meramente à oferta técnica e material dos transportes se imponha nos

primeiros contatos, o próprio corpo de produção e reflexão desta disciplina poderá

ficar evidente nas primeiras discussões de cientistas, pesquisadores e estudantes

não familiarizados com a complexidade e profundidade propostas. Talvez essa

percepção de “superficialidade” possa contribuir ao somar interessados de diferentes

campos do saber, que ao não dominarem amplamente o conteúdo proposto, possam

se unir e trocar experiências dos diversos campos possíveis e desejáveis para este

tipo de tema e objeto.

Em outra perspectiva uma “sociologia da mobilidade urbana” traz em si as

complexidades já amplamente desenvolvidas pelos campos do Planejamento

Urbano, da Geografia, do Urbanismo e da própria Sociologia, mas pode, também,

ser alvo da justa confusão entre mobilidade urbana, com base nos deslocamentos e

transportes urbanos, e a mobilidade social, que trata mais especificamente dos

contextos socioeconômicos. É clara a interlocução entre essas “mobilidades”, e elas

vão se refletir justamente nas questões da segregação social e territorial, mas como

ideia de uma subdisciplina da sociologia, o termo “sociologia da mobilidade urbana”

pode não explicitar a proposta de se pensar também as ofertas de transportes

urbanos e as “formas de vida pelo transporte”.

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Como descrito acima, não pretendemos fechar questão, mas discutir e abrir

um debate para as possibilidades de construção deste campo sociológico.

Figura 18 – Esquema para a formulação de uma Sociologia dos Transportes/Sociologia da Mobilidade urbana.

Sociologia dos Transportes/ Sociologia da Mobilidade urbana                                  Arcabouço teórico‐metodológico: • Contribuição da Sociologia Urbana; • Utilização da abordagem de tradição  

marxista e neomarxista; • Utilização das contribuições da  

Sociologia compreensiva; • Utilização das contribuições da  

Antropologia e da Psicologia. 

Campo das Ciências Sociais “Formas de vida pelo transporte” 

• Etnografias dos transportes 

• Pesquisas de campo • Estudos de caso • Pesquisas quantitativas 

e qualitativas • Discussões teóricas 

Acúmulo de teorias, metodologias e pesquisas das áreas disciplinares:   Planejamento Urbano, Arquitetura, Urbanismo, Demografia, Economia, História, Memória Social, Serviço Social, Economia, Administração, Ciência Política, Engenharias, entre outras.  

Formulações  e  propostas teóricas  e  metodológicas referentes  à  disciplina. Construção  de  arcabouço original  e  desenvolvimento  de pesquisas  e  conhecimentos específicos  ao  tema  da disciplina. 

Análise de matérias da mídia sobre o tema dos transportes urbanos e da mobilidade urbana: Jornais impressos, programas televisivos, internet, redes sociais, etc. 

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3.7 Metodologia utilizada

Este trabalho terá por base a utilização de uma revisão crítica de obras para a

objetivação de seu intuito principal, que é a discussão sobre a possibilidade da

construção de uma “sociologia dos transportes” ou de uma “sociologia da mobilidade

urbana” utilizando como base de análise e observação estudos de campo,

etnografias, pesquisas quantitativas de percepção e deslocamentos, relatórios de

dados coletados in loco ou de forma estatística, e formulações teóricas.

Almeida Júnior (2008) ressalta a importância da pesquisa de base

bibliográfica onde o mesmo revela que:

Os textos teóricos são as obras que expressam um conhecimento do mundo e se diferenciam de outras expressões simbólicas, e mesmo de outras expressões do conhecimento, à medida que são sistematizados, organizados, metódicos. Expressam os saberes produzidos pelos homens ao longo da História e refletem infinitas posições a respeito das questões suscitadas no enfrentamento com a natureza, com os homens e com a própria produção do saber. Como toda obra humana, são imprimidos pela marca da historicidade, “carregam” os significados impressos pelo tempo e espaço em que são produzidos. “Expressam o enfrentamento de seus autores com o mundo”84. Traduzem angústias, os problemas, as questões que são suscitadas pelo mundo e que desafiam os homens, autores dos textos, das obras (ALMEIDA JÚNIOR, 2008, p. 120).

Há a necessidade explicita na busca de um diálogo que deverá se realizar

entre autor(es) e o leitor/pesquisador, na busca de uma interlocução e arguição dos

questionamentos do próprio conhecimento previamente adquirido, onde dessa

“fricção” de conhecimentos poderá surgir os ensejos e efetivamente as suspeitas em

relação às teses e antíteses apresentadas. Nesta perspectiva é colocado que é

necessário “[...] trabalhar profundamente com os argumentos apresentados,

descobrindo os pressupostos (históricos, ideológicos, epistemológicos) neles

presentes, confrontando-os com outras posições” (ALMEIDA JÚNIOR, 2008, p.123).

Goldenberg (2002) chamará a atenção para a importância dos estudos

qualitativos proporcionados pela Escola de Chicago, e que tem relevância

fundamental para o desenvolvimento, inclusive, do que seriam consagrados como

antropologia e sociologia urbanas. Os estudos e pesquisas realizados no ambiente                                                             84 Nota 2 do autor: “P.FREIRE, Considerações em torno do ato de estudar, in Ação cultural para a liberdade e outros escritos, pp. 9‐12)” ( ALMEIDA JÚNIOR, 2008, p. 120). 

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da cidade industrial norte-americana, e que viveu um período de decadência

econômica após a crise da Bolsa de Nova York de 1929 onde a partir de então

intensificou-se também pesquisas de caráter quantitativo, proporcionaram uma série

de apontamentos e conhecimentos acerca da própria vida urbana e sobre os

fenômenos relacionados aos pertencimentos e diferenciações pautados pela “forma-

cidade” que iria se desenvolver e se propagar por todo o Ocidente, e por,

praticamente, todo o mundo capitalista. Dentro desta perspectiva ressalta que

Devido à sua forte preocupação empírica, uma das contribuições mais importantes da Escola de Chicago foi o desenvolvimento de métodos originais de pesquisa qualitativa: a utilização científica de documentos pessoais, como cartas e diários íntimos, a exploração de diversas fontes documentais e o desenvolvimento do trabalho de campo sistemático na cidade (GOLDENBERG, 2002, p. 28).

O controle do bias85 se faz necessário pois não será possível realizar uma

pesquisa sem que as subjetividades do pesquisador estejam presentes. Recortar um

objeto é também revelar algum desejo por ele. Alguns autores afirmam de forma

categórica a impossibilidade da neutralidade na pesquisa social, por isso a

necessária explicitação de todas as “escolhas” e processos de pesquisa utilizados,

deixando claro ao leitor as origens, as intenções subjetivadas ou até mesmo os

pressupostos ideológicos do pesquisador. Este controle não impedirá a influência

destas subjetividades junto ao objeto e à análise, mas poderá conter uma

contaminação enviesada do trabalho realizado.

Não podendo ser realizada a objetividade nas pesquisas sociais, e o conhecimento objetivo e fidedigno permanecendo como o ideal da ciência, o pesquisador deve buscar o que Pierre Bourdieu chama de objetivação: o esforço controlado de conter a subjetividade. Trata-se de um esforço porque não é possível realizá-lo plenamente, mas é essencial conservar-se esta meta, para não fazer do objeto construído um inventado. A simples escolha de um objeto já significa um julgamento de valor na medida em que ele é privilegiado como mais significativo entre tantos outros sujeitos à pesquisa [...] (GOLDENBERG, 2002, p. 45).

Ao pensar no objeto escolhido para a realização desta tese, prosseguimos

com uma temática já iniciada na dissertação que realizamos e que se tratava de um

                                                            85 Nota 16 da autora: “A utilização do termo em inglês é comum entre os cientistas sociais. Pode ser traduzido como viés, parcialidade, preconceito” (GOLDENBERG, 2002, p. 44). 

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estudo de caso em uma cooperativa de vans situada em um município que pertence

à Baixada Fluminense e que realiza o trajeto Baixada-Centro do Rio de Janeiro. Ao

determinar que caminhos seguir para a realização de uma tese, e, portanto, com a

proposta mais robusta de uma hipótese teórica efetiva, mais uma vez a questão da

territorialidade na Baixada Fluminense tornou-se importante como objeto de

observação científica. Na busca pelos motivos para tal escolha, nos deparamos com

uma série de questões relacionais de cunho pessoal e social e que nos trouxeram à

formulação de perguntas acerca deste objeto em sua relação com os transportes e

mobilidade urbana. Não há como afastar nossa intensa subjetividade e identidade

social atrelada à intermediação de uma vivencia percorrida entre os diversos

municípios que integram a RMRJ, tornando efetivas as interações simbólicas entre

“cariocas” e “fluminenses”. Mais do que afirmar as diferenças entre as percepções

identitárias territoriais, este trabalho busca perguntar se os transportes e a

mobilidade urbana são efeitos de determinadas hierarquias territoriais ou produtores

das mesmas, ou se fato são produtos/produtores e quais os seus efeitos. A

proposição de uma sociologia dos transportes como “saída” é justamente ensejar a

possibilidade de resposta a estas perguntas, o que em sua tentativa primordial tenta

afastar qualquer incidência de viés subjetivo ao utilizar da complexidade sociológica

na busca do conhecimento das perguntas propostas.

Damiani (2012) realiza uma análise acerca das contribuições teóricas, e os

respectivos rebatimentos metodológicos de Lefebvre (1995), na incorporação do

“espaço” como forma e meio de análise em sua proposta acerca das lógicas formal e

dialética. Propõe uma interlocução entre o fazer-se de uma ciência

crítica/materialista em sua proposta dialética e suas relações com o fazer-se

contemporâneo da geografia. Através do aprofundamento dos escritos de Marx,

Lefebvre trará para o escopo da observação da dialética, aprofundada na proposta

filosófica marxista, a categoria “espaço” com a revisão do espaço à concepção

abstrata e matemática do espaço, pois foi “O primeiro a propor, dentro do marxismo,

a inerência da categoria de produção do espaço num pensamento sobre a formação

econômico-social capitalista [...]” (DAMIANI, 2012, p.260).

Nesta análise há o apontamento de uma superação da percepção do

“espaço” em seu caráter lógico-formal, por uma categoria mais concreta e dialética

do “espaço”.

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Da mesma maneira que uma lógica do espaço, embora superada por um conhecimento concreto do espaço, preserva-se, de algum modo, mesmo contendo seu outro: o raciocínio abstrato das formas espaciais – redes e tramas; eixos; pontos; superfície e profundidade; conjunções e disjunções; ramificações e hierarquias; nexos e separações; fluxos e contornos definidos e fechados; fronteiras... -86, uma antropologia, vinculada ao espaço, contendo um cunho ontológico define genericamente a relação homem-natureza e convive, contraditoriamente, com uma sociologia do espaço e uma histórica do espaço, em que o peso e a pressão da história são desumanizadores, numa formação histórico-social particular87 (DAMIANI, 2012, p. 262).

Esta complexidade quanto às percepções do espaço no movimento da lógica

formal e da lógica dialética, proposta por Lefebvre (1995), nos fornece a dimensão

complexa dos efeitos da produção e do que é produzido pelo espaço no sistema

capitalista, frente aos ordenamentos materiais da vida social e das abstrações

subjetivas referentes à vida concreta nas classes sociais. É chamada a atenção

quanto ao caráter da “negatividade” que é informada pela modernidade, onde a

definição de humanidade, na relação homem/natureza, será perpassada pelos

axiomas do sistema capitalista, como o trabalho, o capital e a mercadoria, que

tornam-se fundamentos indissociáveis no sentido final da vida humana. Ao mesmo

tempo esta materialidade concreta estará intrincada a processos identificáveis, como

por exemplo: em redes, inflexões temporais, identidades, hierarquias, sociabilidades,

etc., e que são percebidas, às vezes, no mesmo “momento” em uma intrincada

relação de tais “lógicas”, além de serem demonstradas pelas referências espaciais

vigentes.

Dentro desta lógica proposta, Lefebvre (1995) utiliza a construção e ação

metodológica de Marx para uma exemplificação e explicitação mais precisa de suas

observações, onde diz que:

Continua a valer o fato de que não se deve “dialetizar” a torto e a direito, ou instalar-se especulativamente no processo, mesmo se se concebe regressivamente o ponto de partida e progressivamente o ponto de chegada. Vejamos como Marx procede a fim de acompanhar o capitalismo e a sociedade burguesa em sua

                                                            86  Nota  21  da  autora:  ““[...]  Fora  das  coisas,  o  espaço  tomado  como  forma  aparece  neste  sentido  como substância (espaço cartesiano) ou ao contrário como “puro a priori” (Kant)” (LEFEBVRE, Henri, La producion de l’espace. Paris: Anthropos, 2000, 4ª edição.p.251)” (DAMIANI, 2012, p. 261). 87 Nota 22 da  autora:  “Na direção do  imperativo histórico das  abstrações  concretas,  formula‐se  a hipótese extrema  da  mercadoria  ocupando  o  espaço  inteiro.  (Op.  cit.  P.  253).  A  este  propósito,  é  magistral  e imprescindível a concepção de Guy DEBORD (La société du spectacle, 1992)” (DAMIANI, 2012, p. 262). 

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totalidade, sob seu duplo aspecto: no tempo (formação e dissolução) e na atualidade (coerência, auto-regulação). Para atingir a história, ele não parte de um estudo histórico. Vamos repetir mais uma vez: parte da lógica. Extraí uma forma, o valor de troca. Mostra sua estrutura (um conjunto de equivalências) e seu funcionamento (troca, circulação, constituição do dinheiro e moeda). Depois, passa para o conteúdo: o trabalho social produtivo, com suas perequações coerentes, os meios sociais (produtividade média de uma sociedade determinada, etc.). Atinge assim o histórico (divisão do trabalho, acumulação do capital, formação da burguesia) (LEFEBVRE, 1995, p. 22).

Estas observações e colocações teórico-metodológicas são importantes, pois

inserem a predominância de um arcabouço metodológico que baseia boa parte dos

trabalhos aqui utilizados e que traduzem, em suas semelhanças e alguns

distanciamentos, as proposições colocadas por uma tradição marxista mais

contemporânea. Este tipo de análise, em contraponto e complemento às

formulações da sociologia compreensiva também abordada e utilizada por este

trabalho, faz uma tentativa de aproximação da lógica dialética, onde torna-se ponto

fundamental para nossa leitura e a construção de um conhecimento crítico

materializado pela suscitação dos conteúdos acerca do tema aqui estudado e

analisado.

Neste caso é importante perceber como esses rebatimentos têm influencia

nas pesquisas sobre o urbano, onde podemos ver no próprio campo do

Planejamento Urbano, onde esta tese está inserida, algumas das incorporações da

proposta de Lefebvre.

Kauffmann e Kleiman (2013) irão justamente problematizar as questões

acerca do fazer-se do Planejamento Urbano contemporâneo no Brasil; através das

fricções encontradas desde meados da década de 1990 entre as formas do

“planejamento progressista”, oriundo de uma vertente iniciada na década de 1960 do

século XX e a percepção das cidades como zonas de concentração e aderências;

partindo de uma ideia de “desconcentração” das cidades; do planejamento

estratégico, este oriundo do ideal citadino de “Barcelona” e que irá adequar as

cidades brasileiras à nova ordem hierárquica de competição dos fluxos de capitais

internacionais, a cidade-negócio, principalmente após 1992; e por fim as tradições e

permanências do planejamento racional-funcionalista, principalmente encontrado

nas legislações urbanísticas nacionais e que também entram campo de disputas

com legislações que levam em considerações os pensamentos acima citados.

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Trazendo como contribuição às percepções metodológicas no processo de

construção e delimitação de nosso objeto de pesquisa, Kauffmann e Kleiman (2013)

inserem o pensamento de Lefebvre como possibilidade concreta e real de ser

perceber e construir o Planejamento Urbano em outras premissas.

O pensamento de Henri Lefebvre (1983) pode iluminar esta dinâmica possibilitando já preliminarmente uma alternativa à visão dicotômica que permeia a história do desenvolvimento das cidades. A abordagem lefebvreana de movimento entre pólos opostos, em interação dialética, inspirada em Hegel, descortina o caminho entre ideias opostas, em constante interação, não mais estanques nem no tempo, nem no espaço. Nesta contínua transformação a partir da contraposição e contradição de ideias levando a novas ideias, neste processo de fluído devir, se inserem as mediações, os elementos facilitadores (os termos médios) capazes de fornecer condições à própria superação destas oposições; não mais um escolha entre uma ou outra, mais uma situação diferenciada, enriquecida de algo novo, com capacidade de lidar com as mudanças, explicitar as contradições, minimizar impactos negativos e continuar sempre o caminho em renovação e reflexão (KAUFFMANN; KLEIMAN, 2013, p.70).

Como proposta de inserção das novas condições a serem observadas para a

obtenção crítica, e efetivamente dialética, nos processos de construção de novas

dinâmicas no planejamento urbano, os autores citam algumas experiências

contemporâneas que incorporam o conceito de sustentabilidade e que deve ser

incorporado pelos planejadores contemporâneos. As vertentes do planejamento

estratégico atual trouxeram novamente a lógica do adensamento habitacional e

espacial, a revalorização de fortificação de núcleos e sub-núcleos urbanos.

Tornando, assim, os solos cada vez mais impermeáveis, impossibilitando a

passagem das brisas marítimas, aumentando gradativamente a temperatura destes

conglomerados. Estas intervenções também afetam diretamente as bacias

hidrográficas, onde cada vez mais se observa diminuir suas vazões e o crescente

processo de poluição de seus mananciais. Os autores então propõem a

incorporação como medida as “bacias hidrográficas” como um indicador fundamental

a ser considerado para os planejadores urbanos atuais. Este indicador, neste caso

referido pelo autores em sua forma ótima como “indicador de ocupação sustentável

da bacia hidrográfica (IOS-BH)” (KAUFFMANN; KLEIMAN, 2013, p.73) funcionaria

como um efeito “mediador” e de conexão nos processos contraditórios em que se

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encontra atualmente o planejamento urbano. Esta proposta se explicita na afirmação

que:

Aplicando-se esta teoria ao contexto do planejamento urbano pode-se identificar o percurso entre oposições, entre o insustentável e o sustentável, em interação dialética: uma situação se relaciona reflexivamente com a outra e em constante transformação. Identificam-se também outras variantes presentes nas análises urbanas, passíveis de associação aos pólos opostos tais como o caráter local e o global, o absoluto e o relativo; a situação da cidade legal e da ilegal; os riscos nas áreas frágeis e nas não frágeis, a integração e a não-integração dos planejamentos urbano, ambiental e de recursos hídricos, bem como diversas outras condicionantes ambientais, sociais e políticas. Tais situações caminham então, à luz do pensamento de Lefebvre (1983), na direção de seu oposto e mais, com potencial de constante transformação e superação, movimento especialmente favorecido com a intermediação do termo médio (KAUFFMANN; KLEIMAN, 2013, p. 70).

Mas dentro do escopo de nosso trabalho, como este “termo médio” também

poderia ser utilizado como conector e medição dialética nos processos de

conhecimento e reconhecimento da vida urbana? A ideia, aqui proposta, da

construção de uma categoria analítica que possa incorporar as nuances e múltiplas

facetas sobre os fenômenos da mobilidade urbana, se caracteriza pelo termo que

denominamos “formas de vida pelo transporte”, onde justamente visamos lançar um

olhar dialético, assim como propõe Lefebvre, utilizando-se de um arsenal variado e

multidisciplinar em sua própria construção como modelo metodológico específico.

“As formas de vida pelo transporte” podem, assim como o IOS-BH proposto por

Kauffmann e Kleiman (2013), inserir uma nova dinâmica nas formulações e disputas,

não só no campo do planejamento urbano, mas na construção de um campo efetivo

da sociologia dos transportes ou da mobilidade urbana. “As formas de vida pelo

transporte” trazem como possibilidade a permeabilidade disciplinar, uma precisão

maior nas observações dos dados concretos sobre os deslocamentos urbanos, as

tecnicidades envolvidas na oferta dos transportes urbanos e o viver explicitado na

experiência efetiva dos atores e classes sociais que experimentam se deslocar

diariamente em suas jornadas urbanas.

A natureza documental desta pesquisa se dá pela necessidade de aglutinar

uma grande quantidade de trabalhos acerca do tema, de variadas fontes e com

características distintas, onde sua leitura e análise pudessem agregar, ou refutar, a

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principal hipótese levantada por esta tese. O somatório das análises e observações

feitas nos trabalhos e documentos aqui pesquisados gerou a possibilidade da

esquematização, da hipótese levantada previamente, de maneira a se construir e se

explicitar durante o desenvolvimento desta tese.

Fica evidenciada, para nossa proposta teórica, a necessidade da realização

de pesquisas com referência às informações e notícias produzidas e vinculadas

pela(s) mídia(s), e também pelos principais atores ligados ao tema, e que são

“absorvidas” e re-processadas pela e na opinião pública. Nosso intuito inicial era a

realização desta tarefa, mas a mesma não seria possível sem uma articulação mais

precisa sobre um processo de construção teórica anterior e necessária, realizada

neste trabalho, para o diálogo amplo que se pretende realizar. As pesquisas sobre

as produções e vinculações de mídia necessitam de uma interlocução poderosa e

aprofundada com os conhecimentos e acúmulos das ciências da comunicação, o

que demandaria um grande processo de agregação de informações para análise

destas notícias e matérias, fazendo que uma parte da proposta aqui apresentada se

tornar-se o todo do trabalho, antes mesmo que uma formulação inicial e de cunho

mais abrangente fosse previamente apresentada. Porém, como poderá ser visto

posteriormente, esta análise “midiática” permanece como grande possibilidade a ser

explorada.

As análises dos documentos aqui utilizados estão concentradas em três

linhas distintas. Primeiramente realizamos a análise e a observação de etnografias,

trabalhos de campo e pesquisas históricas que pudessem contribuir para a

compreensão do que denominamos “formas de vida pelo transporte”, que seriam

indícios de como os usuários/população de diferentes localidades vivenciam e

experienciam o uso cotidiano dos modais “públicos” ofertados na RMRJ. Esta

observação apontará para a formulação de quadros sinópticos que buscam

concentrar as observações mais relevantes no que tange a percepção destes

“modos de vida”. O conjunto destes quadros sinópticos, mais a discussão de todos

os modais, produzirão o desenvolvimento de uma tipologia ideal dos principais

modais de transporte urbano na RMRJ.

A segunda linha trata da análise de pesquisas recentes e que levam em

consideração as percepções coletivas dos habitantes de regiões metropolitanas

acerca da vida urbana. No nosso caso o principal interesse é sobre as percepções

acerca da mobilidade urbana. Os resultados destas percepções são extremamente

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pertinentes para as considerações que realizamos até porque foram concebidas em

ambientes acadêmicos e de pesquisa, não tendo necessariamente relação com as

atividades-fim de instituições estatais que tratam diretamente e especificamente do

tema da mobilidade urbana.

Em um terceiro momento iremos nos focar na análise dos dados relativos à

pesquisa do PDTU-2011, realizado pela Secretaria Estadual de Transportes do

Estado do Rio de Janeiro, em 2013, onde uma pesquisa domiciliar realizada

constatou a incidência dos deslocamentos realizados na RMRJ, através de dados

específicos como origem x destino, modais mais utilizados, municípios com maiores

e menores índices de deslocamentos urbanos, tempo gasto pelos transportes,

deslocamentos por veículos motorizados e não-motorizados, picos de horários na

relação trabalho e lar, e outras informações essenciais para a construção do

conhecimento proposto por esta tese.

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4 CAPÍTULO 3: CONTEXTO EMPÍRICO – REVISÃO CRÍTICA DAS “FORMAS

DE VIDA PELO TRANSPORTE”, ANÁLISE DE DADOS SOBRE A MOBILIDADE URBANA NA RMRJ

4.1 Transportes urbanos: Um estado das artes

Como já mencionado o tema dos transportes urbanos e da mobilidade urbana

se relacionou junto aos estudos acadêmicos pautados nas observações da

engenharia, mais especificamente à engenharia civil, de transportes e tráfego. Em

alguns momentos o urbanismo, a arquitetura e o planejamento urbano também

tiveram seus interesses estratégicos e acadêmicos no que tange a problemática dos

transportes urbanos. Porém no campo das ciências humanas, sociais e sociais

aplicadas este tema nunca pareceu gozar de muito prestígio junto aos

pesquisadores, cientistas e estudantes.

De alguma maneira, e com o avançar da questão urbana, principalmente em

relação aos problemas vividos e percebidos pelas grandes metrópoles e a imensa

conurbação territorial efetivada pelas regiões metropolitanas de grandes cidades

mundiais, as formas como os habitantes realizam seus deslocamentos individuais e

coletivos dentro dos perímetros urbanos, e os rebatimentos sociais e econômicos

desses deslocamentos, pareceram aguçar um curiosidade cientifica sobre o tema

dos transportes urbanos. A partir do final dos anos 1980 e início dos anos 1990

alguns trabalhos sobre a mobilidade urbana, e suas repercussões sociais e materiais

na população que vive e trabalha nas cidades globalizadas, foram realizados,

intensificando-se este objeto de estudo através dos anos 2000.

Trabalhos realizados por diferentes áreas das ciências humanas, em geral,

podem ser observados desde então, objetivando-se através de disciplinas como: a

Comunicação Social, o Serviço Social, a Antropologia, a Sociologia, a História, a

Memória Social, a Geografia; e os já mencionados: Planejamento Urbano Regional,

a Arquitetura e o Urbanismo, entre outras disciplinas que certamente possuem

reflexões sobre este tema como a Economia, a Demografia, entre outros.

Neste estudo poderemos ver esta diversidade disciplinar em trabalhos de

autores que desenvolvem seus objetos de pesquisa através de diferentes prismas,

teorias e metodologias, estes referentes a seus universos disciplinares específicos,

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mas que acabam por contribuir de maneira decisiva para uma visão mais ampla e

complexa sobre o grande campo que abrange as observações sobre a mobilidade

urbana, os transportes urbanos, a economia urbana, as identidades territoriais, as

formas de habitação, os usos do solo, as hierarquias e estratificações sociais. Esta

diversidade irá lançar um pouco de luz às difusas vozes que tentam compreender

como os transportes urbanos agem de maneira contundente sobre os territórios e

atores sociais.

Freire (2001), Caiafa (2013, 2007, 2002), Mamani (2004), Fonseca (2005),

Icasuriaga (2005), Silva (2007), Iziaga (2009) e Pires (2011, 2010) são alguns dos

autores que, através da perspectiva multidisciplinar já explicitada acima, irão

aprofundar suas observações e análises sobre os fenômenos relacionados aos

transportes urbanos, e mais especificamente os transportes urbanos oferecidos e

utilizados na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

O trabalho de Freire (2001) vai tratar especificamente do “surgimento” da

configuração e oferta dos transportes coletivos urbanos, principalmente na então

capital Rio de Janeiro, através dos processos de privatização e particularização das

empresas que ofereciam os veículos para os deslocamentos urbanos, viagens

primeiramente realizadas através dos bondes (serviço oferecido exclusivamente pela

empresa canadense Light) e, posteriormente, pelos ônibus (através de empresas

familiares).

Neste trabalho é interessante perceber como o transporte realizado pelos

auto-omnibus88 e o monopólio da Light atendia, a princípio, as camadas mais

abastadas da população que habitava e trabalhava na capital da República no início

do século XX. A expansão urbana e as mudanças políticas, intermediadas pelas

duas guerras mundiais, e tendo seu ápice com a Revolução de 1930, iriam

influenciar diretamente na expansão-contenção dos transportes urbanos baseados

no modal automotor coletivo, conhecido popularmente como “ônibus” e que se

tornariam o principal meio de transporte da metrópole carioca. O autor discorre

sobre os movimentos políticos e os interesses estratégicos contextuais que

limitavam o controle dos ônibus e a concentração das empresas, primeiro com o

monopólio da Light, depois com o surgimento de empresas de ônibus que passaram

a ter alguma concorrência entre si e com a Light, e posteriormente com a

                                                            88  Freire (2001, p. 21) 

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pulverização do número de veículos, através das “lotadas,” que permitiram a efetiva

popularização do modal.

De qualquer forma a política e os interesses da municipalidade89 atuaram a

manter e/ou interferir na criação e oferta dos transportes coletivos urbanos na cidade

do Rio de Janeiro, tanto em suas intenções de expansão e agenda capitalista,

quanto nas formas de manter monopólio a determinadas empresas, mas sem

possuir o poder total sobre o surgimento de modalidades “não oficiais” e às

invenções do mercado, por mais que tivesse a possibilidade de limitar suas atuações

e configurações. Após o fim da Segunda Guerra e o declínio do monopólio da Light,

os empresários de ônibus existentes e os “lotações” passaram a disputar a nova

onda de expansão dos transportes urbanos pautados na indústria automobilística,

que seria a grande mola impulsionadora do capitalismo nacional posterior.

Caiafa (2002) realizará, já nos anos 2000, e com a imensa supremacia do

transporte coletivo automotor (ônibus) na RMRJ, uma etnografia das viagens

realizadas neste modal específico, buscando encontrar a natureza das relações que

pautam as viagens entre passageiros e, principalmente, motoristas e cobradores das

empresas de ônibus do Rio de Janeiro.

Através dos conceitos de Deleuze e Guattari90, busca-se perceber o potencial

das “agências” proporcionadas pelos transportes urbanos, onde as alteridades

poderiam se conectar pela simples possibilidade de se estar diante, ao lado, perto

de alguém, com o “outro”, sendo esse “outro” uma pessoa ou um território. Os

transportes possibilitariam esta “fuga”, esta forma de se deslocar entre diferentes

locais, observar diferentes pessoas, vivenciar uma temporalidade distinta, observar

um fazer-se de vida diferente das vizinhanças já conhecidas, das especificidades

familiares, fornecendo uma ocasião para o encontro, para a percepção da alteridade

como possibilidade concreta e real, realizando o propósito efetivo da cidade, do

urbano, que seria nas observações de Deleuze e Guattari91 a grande “função” da

                                                            89  Freire (2001, p. 72) 90  Caiafa (2007). 91  “É como se a forma Estado tivesse alcançado novos limiares. Vimos como Deleuze e Guattari vão chamar de vertical o procedimento do Estado opondo‐se à expansão horizontal das cidades, apoiada na comunicação, na dispersão  e  na  circulação.  A  cidade  tende  a  se  emancipar  do  Estado  sempre  que  há  brechas  na sobrecodificação que  ele  realiza.  E o  capitalismo  triunfa pela  forma  Estado  e não pela  forma  cidade.  Se  as cidades comerciantes e bancárias antecipam o  capitalismo, elas o  conjuram no mesmo golpe  (…). É em  seu aspecto  coletivizador  que  o  Estado  poderia  conjurar  a  empresa  ‐  e  em  algum momento  livrar  a  cidade  da empresa,  também  conjurando  o  capitalismo.  É  talvez  um  novo  limiar  que  se  prepara,  essa  surpreendente 

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cidade, esta que ao mesmo tempo produz o Estado e antecipa o capitalismo,

também os subverte com as criações e dispersões horizontalizadas da vida coletiva.

Segundo a autora “o transporte coletivo é uma figura-chave para a promoção da

heterogeneidade urbana. Eis o que o transporte coletivo pode fazer de mais potente

nas cidades: dar fuga92 - ou seja, realizar a cidade” (CAIAFA, 2002, p. 25).

Quanto à questão da subjetividade e os usos das e nas cidades, há uma

percepção interessante no que concerne a importância das subjetividades na

formação das ações coletivas e individuais, e que terão reflexos diretos na vida

cotidiana e políticas dos habitantes dos ambientes urbanos, onde a autora explicita

que:

A função subjetiva das cidades consiste precisamente nesse trabalho com o desejo deflagrado pelas engrenagens urbanas. Ao partilharmos o espaço da cidade com os outros, ao visitarmos seus edifícios, ao circularmos por suas vias, somos constantemente mobilizados ou interpelados. De uma forma complexa, os processos urbanos funcionam como fatores de subjetivação (…). Existe uma experiência subjetiva importante na relação com o espaço construído, com os meios de circulação, com as árvores no espaço urbano, com os animais, com as pessoas que circulam nos lugares públicos. Experiência subjetiva no sentido mesmo de que todas essas engrenagens impulsionam experiências em si (CAIAFA, 2002, p. 37).

Caiafa (2007) relata as diferentes estratégias utilizadas em relação ao

transporte coletivo urbano no caso brasileiro e no caso norte-americano. Realiza

uma comparação interessante em mostrar a quase que histórica escolha brasileira

em relação à privatização dos meios de transporte, principalmente em relação ao

transporte em automóveis particulares e veículos coletivos-motorizados (ônibus,

bondes, BRT’s, etc.). Demonstra a também opção norte-americana em seu processo

de afastamento de uma classe média dos centros das cidades e a opção política e

coletiva dos americanos para a vida no subúrbio, afastados do vi-à-vis urbano,

deixando o centro/guetos para as “minorias” e classes menos favorecidas.

Porém ressalta a mudança de paradigma trazida pela administração pública

da cidade de Nova Iorque, a partir do fim dos anos 1970, onde o sucateamento e a

oferta inadequada dos serviços de transportes urbanos passaram por uma

                                                                                                                                                                                          aliança – da cidade na sua faceta da dispersão – e não da recodificação urbana – e do Estado contra a empresa” (CAIAFA, 2002, ps. 32, 33). 92 Grifo da autora. 

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transformação, e a produção e oferta dos serviços de transportes voltam a ser de

responsabilidade pública93. O retorno da oferta dos transportes a uma empresa

pública e que busca atender as demandas e necessidades da população da cidade

e da região metropolitana iriam de encontro à própria natureza da oferta dos

transportes urbanos ligados à iniciativa privada, onde a maximização dos lucros e a

diminuição dos custos impediriam a efetiva necessidade de mobilidade urbana para

a realização das jornadas urbanas.

Não seria necessário somente reestatizar os serviços de transportes urbanos

para que pudesse ocorrer uma melhora significativa da mobilidade urbana, mas, no

caso de Nova Iorque, Caiafa (2007) chama atenção ao modelo adotado, onde os

serviços públicos de transportes estão vinculados a uma agência municipal-

metropolitana e onde há tanto a administração racional-capitalista, como as

representatividades da sociedade civil e do campo político através de comitês

mistos, votações e audiências públicas, onde as pautas reivindicatórias encontram

espaço junto aos aspectos técnicos e gerenciais do ato de se transportar.

Neste contexto de transformação na oferta dos transportes urbanos, aponta

Nova Iorque como cidade diferenciada em relação à configuração histórica

proporcionada pela política de habitação norte-americana, possibilitando e

facilitando os encontros, as “fugas” e o contato com o “outro”, com a alteridade,

realizando o que uma cidade tem de mais inovador e criativo, que é os potenciais

agenciamentos não esperados, os encontros em sua potência e que podem realizar

a vida urbana em sua plenitude. Nova Iorque, com seu metrô que entrecorta toda a

cidade e comunica e se comunica a todos, se afasta das railways que simplesmente

ligam os subúrbios residenciais aos centros de trabalho, tendo como intermediários

os automóveis particulares que carregam indivíduos solitários e, às vezes, suas

famílias solitárias. Nova Iorque, ao contrário, passa a integrar, sem negar, as

diferenças e hierarquias em seu próprio perímetro urbano, em seu espaço delimitado

e reconhecido como cidade.

No caso brasileiro, mais especificamente no Rio de Janeiro e sua Região

Metropolitana, temos uma análise interessante e pautada na teoria crítica e

materialista nas formas e estruturas pelas quais o transporte coletivo é oferecido às

diferentes camadas da população.

                                                            93 MTA – Metropolitan Transportation Authorithy. In (CAIAFA, 2007, p. 63). 

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  175

Icasuriaga (2005) irá realizar um levantamento histórico e reflexões

contemporâneas, apontando a existência de uma segregação social baseada na

oferta dos transportes urbanos e em uma hierarquia sócio-espacial. A observação

do avanço dos transportes no contexto nacional e no Rio de Janeiro ampara-se

também na verificação do desenvolvimento do capitalismo e da valorização de

determinadas terras e localidades da cidade, onde mutuamente esta valorização,

aliada ao poder econômico de determinadas camadas da sociedade, será

determinante na criação e oferta de mobilidade urbana à população do Rio de

Janeiro, gerando assim um certo círculo vicioso onde terras valorizadas possuíam

melhores acessos, formas de deslocamentos e investimentos, e, portanto maior

valorização; onde outras localidades eram consideradas “piores” e menos propícias

a investimentos por justamente não terem um “acesso” privilegiado.

Em suas observações há o oportuno e interessante apontamento que:

O meio de transporte utilizado é um indicador das diferenças existentes nas condições de deslocamentos dos habitantes de uma cidade, estas precisam ser melhor analisadas considerando as particularidades da oferta de serviços públicos de transporte em contraposição ao carro particular. A comparação torna-se inevitável na medida em que a função do transporte é facilitar os deslocamentos quer permitam às pessoas atingir destinos desejados; ou dito de outro modo a função social do transporte de passageiros é facilitar o acesso aos bens e serviços que uma cidade oferece. Nesse sentido o transporte de passageiros existe para equacionar o problema da distância entre múltiplas atividades que precisam ser desenvolvidas por cada um dos habitantes de uma cidade (…) (ICASURIAGA, 2005, p. 144).

Neste campo de análise sobre os transportes urbanos, proposto por

Icasuriaga (2005), a autora irá indicar a necessidade de se analisar os benefícios e

os entraves que os transportes urbanos proporcionam à população a qual os

serviços são oferecidos, pois diferentemente dos automóveis particulares94, não há

nos transportes urbanos a mesma flexibilidade dos modais antes citados, pois estes

possuem rota e destinos específicos, além de pontos e paradas pré-determinados,

atingindo de maneira parcial os interesses coletivos nos deslocamentos urbanos95.

Evidenciando-se, portanto, a necessidade de uma observação, considerando-se a

                                                            94 Incluindo os táxis. In (ICASURIAGA, 2005, p. 144). 95 E a partir desta incompletude dos trajetos realizados pelos transportes urbanos, a ideia de integração entre modais seja tão relevante. 

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variável tempo, de aspectos comparativos no que se refere ao ato de se transportar,

como: “tempo de viagem, conforto, segurança e despesas nos deslocamentos”

(ICASURIAGA, 2005, p.144).

São nestes aspectos comparativos, não contemplando exclusivamente as

considerações “técnicas” nos transportes, mas sim incorporando-os a uma

percepção coletiva da qualidade do transporte oferecido e vivido, assim como sua

integração aos aspectos identitários territoriais, é que intentamos desenvolver nesta

tese.

Em Iziaga (2009) podemos ver um consistente estudo sobre as mobilidades,

acessibilidades e rede de transportes tendo como ponto de análise o Centro do

município do Rio de Janeiro. Utilizando como premissas metodológicas os conceitos

de área metropolitana96 e tecido urbano97, analisa a centralidade e os pontos de

convergência dos deslocamentos realizados pela população urbana da RMRJ.

Através das análises de polos de mobilidade (conjunto dos pontos-de-rede)

Icasuriaga (2009) aponta as mudanças e as diferenciações das centralidades dos

polos metropolitanos contidos na RMRJ, onde o papel do Centro do município do

Rio de Janeiro será reavaliado diante do contexto de expansão e inovação dos

meios de transportes, e dos interesses produtivos e de deslocamento da população

metropolitana.

O levantamento das especificações técnicas, dos fluxos e polarizações dos

pontos-de-rede do sistema de transportes urbanos será de fundamental importância

para o desenvolvimento deste trabalho e para nossa análise futura, pois indica de                                                             96Na escala da área metropolitana investigaremos as ligações, que chamaremos de redes de acessibilidade da aglomeração,  através do método que  relaciona demanda de  transporte  e  centralidade  (JORGENSEN, 1998), utilizando  como base  as matrizes da pesquisa domiciliar do  Plano Diretor de  Transporte Urbano da Região Metropolitana do Rio de Janeiro – PDTU (GOVERNO DO ESTADO, 2005). Nesta escala de análise é importante ressaltar que não é a ligação material da infraestrutura que nos interessa investigar, mas as características geo‐econômicas  das  unidades  espaciais  que  se  interligam,  refletidas  nos  deslocamentos  a  elas  relacionados. Buscamos  investigar através da distribuição espacial da movimentação produzida pelo  intercâmbio de bens e serviços, que  reflete a vida econômica especificamente urbana, a  forma como esta movimentação  resulta e ocasiona a reestruturação da rede de núcleos dinâmicos de atividades econômicas urbanas (centralidades). As conclusões sobre a estrutura e o dinamismo das redes de acessibilidade serão retiradas da aplicação dos seus indicadores  a  uma  coleção  de modelos  de  repartição  do  espaço  urbano  do  Rio  de  Janeiro,  originados  de aplicações  científicas ou administrativas em uso  sobre a Cidade do Rio de  Janeiro e  sua área metropolitana (IZIAGA, 2009, p.88). 97Na escala do tecido urbano buscaremos investigar os nós, onde se cruzam estas redes, que chamaremos de pontos‐de‐rede,  conforme  método  que  relaciona  dimensão  circulatória  e  dimensão  territorial (STATHOUPOULOS; AMAR; et al, 1993). O conjunto de dois ou mais pontos‐de‐rede forma o que intitulamos de polo da mobilidade. As conclusões sobre a forma, estrutura e o dinamismo dos pontos‐de‐rede serão retirados da aplicação dos seus indicadores a seus locais de inserção, originados do recorte administrativo em uso sobre o bairro do Centro (IZIAGA, 2009, p.88). 

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maneira bastante aprofundada as variações dos fluxos de deslocamentos, buscando

compreender os fenômenos contemporâneos, porém sem subtrair-se de escopo

histórico, para fundamentar as novas dinâmicas observadas em relação às

motivações e os reais deslocamentos urbanos realizados pelos habitantes no Centro

da cidade e em outros núcleos importantes da RMRJ.

Dentro das multiplicidades e complexidades encontradas na história dos

transportes no Brasil, e mais especificamente no Rio de Janeiro, como ex-capital do

país, o surgimentos dos transportes informais é uma das “novidades” inserida no

difuso contexto em que a mobilidade e os deslocamentos urbanos se realizam no

contexto fluminense. Sobre este fenômeno a autora relata

[…] Descrevemos a evolução dos bondes, trens, barcas, ônibus e metrô, com ênfase nos seus momentos de desenvolvimento inicial, aos quais adicionamos informações atuais sobre o sistema em operação Apresentamos informações sobre as vans e as kombis, chamado de transporte informal, que surgiu nos últimos quinze anos não só no Rio de Janeiro, mas em todas as grandes metrópoles brasileiras. O transporte informal insere novos questionamentos sobre a mobilidade e a segmentação socioespacial existente, onde haveria ainda que se avaliar melhor a relação de causalidade e impacto da sua disseminação com os circuitos da economia informal, assim como com o incremento das áreas urbanas informais (IZIAGA, 2009, p.252).

Sobre estas novas formas de se transportar temos os trabalhos de Mamani

(2004), Fonseca (2005) e Silva (2007).

Mamani (2004) irá tratar sobre o fenômeno do surgimento do que o mesmo

denomina como “transporte informal”98, mas não restringindo sua conceituação, e

                                                            98 Nos textos das associações usam‐se  indistintamente os termos  informal,  ilegal, clandestino ou alternativo. Como  adverti  na  introdução,  não  se  trata  de  uma  conceituação  neutra. O  termo  usado  denota  a  postura favorável ou contrária do autor ou autores. De todo modo, os textos começam, invariavelmente, pela definição dos transportes. Assim, por exemplo, o enquadramento realizado pela NTU toma, como referência positiva, os transportes regulares chamados convencionais. Contrapondo a estes, o transporte ilegal que, por sua vez, seria diferente  dos  alternativos  regulamentados:  estes  últimos,  contudo,  seriam  informais.  Já  os  estudos  mais favoráveis aos  “alternativos” buscam  racionalizar e explicar as diferentes nomeações em  voga. Todavia não atingem  o  objetivo  de  nomeá‐los  em  termos  precisos  e  inequívocos,  pois,  consideram  a  ilegalidade  como denominador  comum  dos  transportes  informais.  Para  os  empresários,  os  informais  “são  um  serviço  de transporte  coletivo de passageiros  em  áreas urbanas,  realizado  sem  autorização ou  concessão dos poderes concedentes locais". A mesma definição aplica‐se aos casos em que “o Estado cria um sistema legal de exceção, através do qual um  informal pode continuar a desenvolver suas atividades, mesmo sem atingir um estatuto legal  equivalente  ao  dos  que  gozam  da  proteção  e  dos  benefícios  de  todo  o  sistema  legal”,  quando  a regulamentação  concede  permissões  a  operadores  individuais,  que  inviabiliza,  na  prática,  o  princípio  da concessão. São, portanto, “informais regulamentados”. Já para Barboza (2002. p.2), os transportes em questão são alternativos ilegais. Alternativos, por que podem tornar‐se uma opção se adequadamente regulamentados, 

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sim apontando para as diferenciadas maneiras como esta tipo de transporte pode

ser nomeado/classificado, levando-se em consideração a posição política do

interlocutor e das perspectivas diante do objeto analisado/julgado. Realizando uma

extensa pesquisa e profundo levantamento histórico e crítico acerca dos fenômenos

da informalidade nos transportes urbanos desde a formação metropolitana do Rio de

Janeiro, busca compreender à luz dos processos contemporâneos da acumulação

flexível99 e das novas forças de reprodução do mundo trabalho nos ambientes

urbanos. Há a proposta teórica metodológica de reunir os variados aspectos dos

transportes informais a campos de discussão e análise, como: morfologia urbana;

Estado e política; campo específico dos transportes; mercados metropolitanos de

trabalho e os movimentos sociais100.

O re-surgimento, avanço e permanência dos transportes informais no

contexto da pós-modernidade, e no caso brasileiro, refletirá à complexidade e às

necessidades dos processos produtivos, dos interesses do capital, dos caminhos

das políticas sobre a vida urbana, das ações e interesses (dos) políticos e das

“saídas” e inovações trazidos pelos atores sociais. Sobre os processos territoriais de

imobilidade é percebido que:

Muitos municípios populosos - ou mesmo áreas pobres do município sede (Rio de Janeiro)101 - dependem do alinhamento com o governo estadual para a obtenção de recursos. E, por outro lado, nesses mesmos lugares, articulam-se, nas câmaras e nas eleições, poderosos interesses econômicos, que estimulam a urbanização pela expansão do mercado de terras e transportes, produzindo e

                                                                                                                                                                                          e  ilegais  por  encontrarem‐se  à margem  do  sistema  vigente.  Contudo,  esta modalidade  não  constitui  um fenômeno  novo.  Existe  em  diversas  cidades  brasileiras  e  em muitos  países,  sem  estarem  restritos  aos  em desenvolvimento.  Em  verdade,  o  pomo  da  discórdia  entre  técnicos  favoráveis  à  regulamentação  dos “alternativos” e as associações empresariais e técnicas é constituído pelas medidas a tomar: regulamentá‐los não seria um modo de desregular? Qual medida seria mais eficaz: regulamentação ou repressão?  (MAMANI, 2004, ps. 160, 161 e 162). 99 Quer dizer, a  reestruturação do capitalismo, antes descrita como  reestruturação produtiva,  teria  levado à redefinição do espaço urbano, transformando a circulação. Há uma demanda incessante de mobilidade que se manifesta  nas  novas modalidades  de  transporte,  “no  volume  e  direcionamento  dos  fluxos,  orientados  no sentido  de  aprofundar  a  dicotomia  entre  transporte  público  e  transporte  privado”  (GUTIÉRREZ,  2000,  p.5). Haveria,  assim,  uma  “reestruturação  desde  a  oferta”,  não  comandada  pelo  consenso  ou  pelas  carências, possível pelo abandono da “concepção do transporte como serviço público” (GUTIÉRREZ 1999, p.15), própria do  denominado  estado  interventor.  A  subordinação  de  políticas  de  transporte  público  de  acordo  à rentabilidade  das  empresas  contribui,  então,  para  aprofundar  a  dualidade  da  cidade,  aprofundando  os fenômenos  da  marginalidade  e  da  exclusão  sócio‐territorial  por  diferenças  de  oferta,  qualidade  e  preço (GUTIÉRREZ, 1998, p.16). In (MAMANI, 2004, p.39). 100 Mamani (2004, p. 5). 101 Acréscimo nosso. 

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perpetuando a imobilidade relativa dos pobres (MAMANI, 2004, p. 367).

Esta percepção do cenário quanto aos transportes informais na RMRJ alia-se

à observação dos aspectos identitários negativos oriundos da imobilidade social e

que permeiam alguns territórios enquanto reconhecidos externamente e vivenciados

internamente em relação a outras localidades com status superiores. A questão da

inovação em relação à mobilidade urbana traz à tona outras possibilidades

interessantes e que buscam dar a fuga necessária para enfrentar as vicissitudes de

se locomover pelas metrópoles no cenário atual.

Em Fonseca (2005) vemos a apresentação de uma das formas e

possibilidades do transporte informal, e que teve taxas de aumento significativo e

apelo midiático pungente nos últimos anos, os serviços de mototáxis. A autora

pesquisou o aparecimento deste tipo de transporte na cidade do Rio de Janeiro,

mais especificamente um dos núcleos de surgimento deste “modal”, a favela da

Rocinha, situada na Zona Sul da cidade. A percepção deste tipo de transporte,

através da análise de três categorias, descreve de maneira bastante interessante as

possibilidades das criações e arranjos dos atores sociais no que se refere à

produção de novas funções de mercado e a oferta de seus serviços, que neste caso

atuam diretamente na mobilidade da população que habita favelas e comunidades

mais pobres da metrópole.

Silva (2007) também adentra ao campo dos transportes informais e realiza

uma etnografia em uma cooperativa de vans de uma cidade da Baixada Fluminense,

cooperativa esta que oferece o duplo trajeto Baixada Fluminense-Rio de Janeiro x

Rio de Janeiro-Baixada Fluminense, efetivando as jornadas cotidianas e difusas

entres os moradores da RMRJ. Em sua formulação metodológica busca sair do

“lugar comum” das denominações vigentes e midiáticas de classificação do

transporte por vans como a “máfia das vans” e tenta decifrar e revelar as

classificações vigentes, o funcionamento da cooperativa, os elos profissionais e

pessoais, as legalidades e ilegalidades e as lutas políticas. Há também uma

observação teórica metodológica pautada já em uma premissa relacional entre

território, identidade102103, mobilidade urbana e política de transportes104.

                                                            102Freire  (2005)  identifica  três  reações emotivas que  revelariam o que ela  chama de  “percepção do  recorte Zona Sul sobre o recorte “Baixada Fluminense””. Ela os define como: o risível (o deboche); o choque/medo e a desolação/compaixão.  Essas  reações  emotivas  segundo  a  autora  não  seriam  isoladas  e  poderiam  funcionar 

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Pires (2011) apresenta uma etnografia nos trens urbanos que atendem e

fazem os deslocamentos urbanos entre os habitantes da Baixada Fluminense, zonas

norte e oeste, e o Centro da cidade do Rio de Janeiro. Através de sua própria

utilização deste modal passou a atentar, através da observação participante, das

performances e representações presentes no cenário característico e sui generis

que são os vagões que constituem os trens urbanos fluminenses. Através de uma

observação minuciosa, identifica as funções e as representações dos atores sociais

que ali agem em uma arena de trocas materiais e subjetivas, trocas econômicas e

afetivas, desempenhando as funções como: seguranças, policiais, passageiros e

camelôs. Assim como Fonseca (2005) e Silva (2007) identifica o trabalho informal

como um grande tema que acaba por intermediar as relações humanas no ato de se

transportar. O desenrolar das viagens nos trens da Supervia se dá em uma

interação constante entre o trabalho cotidiano dos ambulantes dos trens e a

marginalização desta atividade através da fiscalização por agentes contratados pela

concessionária e policiais militares ferroviários.

Através das percepções reveladas pelas interações e performances dos

atores envolvidos nas relações assimétricas dentro do ambiente (vagões) em que se

realiza o ato de se transportar cotidianamente por grande parcela da população da

RMRJ, Pires (2011) desenvolve a noção nativa de esculacho105, empregados nas

falas destes atores sociais.

                                                                                                                                                                                          simultaneamente,  elas  refletiriam  os  sentimentos  dos  habitantes  da  Zona  Sul  em  relação  à  população  da Baixada. No sentido contrário, na observação das reações emotivas do recorte “Baixada Fluminense” sobre o recorte “Zona Sul”, poderíamos enxergar, como síntese dessas reações, sentimentos indicando a existência de uma  certa  superficialidade  do  jeito  de  ser  do  “carioca”  (nascido  no  município  do  Rio  de  Janeiro),  da supervalorização  do  sofrimento  e  do  trabalho  do morador  da  Baixada  em  comparação  às  facilidades  dos “acessos” permitidos por se morar e se educar em uma região privilegiada economicamente e socialmente (…) (SILVA, 2007, ps. 86). 103Ver  FREIRE,  Jussara.  Sensos  do  justo  e  problemas  políticos  em  Nova  Iguaçu.  Rio  de  Janeiro:  Tese  de Doutorado em Sociologia, Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), Rio de Janeiro, 2005. 104O  viés  do  transporte  é  um  excelente  fio  condutor  para  futuras  pesquisas. As  pessoas  que  tanto  por  atributos físicos (que obedeçam, por exemplo, ao que se denomina em um “estado dos gostos” de “boa aparência”) ou por formação educacional/profissional, ou mesmo os dois  casos, que  conseguem  transitar  sem  serem  “reconhecidas” pelos  dois  “recortes”  territoriais,  seriam  um  interessante  objeto  para  estudos  futuros,  no  que  concerne  a possibilidade de inferir os sofrimentos, as angústias e as vitórias de quem se percebe diferenciado em determinadas localidades, ou então que  se demonstre  “camuflado”,  sendo  somente  “descoberto”  ao declarar deliberadamente sobre sua origem (SILVA, 2007, ps. 87, 88). 105(…) O esculacho soava como uma denúncia grave, uma desconsideração singular, em meio a tantas outras características de nossa sociedade, que frequentemente desiguala seus  integrantes de acordo com a posição social,  seu  status.  Parecia  representar  um  nível  de  desconsideração  que  impossibilitava  a manutenção  da ordem vigente, mesmo que esta  já  fosse estruturada de  forma desigual; era um procedimento que perigava arremeter a vítima para fora da escala aceitável daquele cotidiano hierarquizado (PIRES, 2010, p. 150). 

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As mediações entre estes atores expõem o cenário conflituoso e cotidiano de

passageiros e trabalhadores que, de certa forma, internalizam e naturalizam as

precariedades históricas no serviço de trens urbanos, e as resultantes simbólicas e

materiais deste modal de transporte urbano. Em outros aspectos poderíamos

observar as hierarquizações e diferenciações das categorias de prestígio social,

pensando em rebatimentos da ordem hierárquica da sociedade brasileira em um

âmbito mais geral e sendo retraduzidos em um microcosmos onde determinados

não-lugares, reconhecidos como espaços que somente realizariam a mobilidade

urbana, acabam por se tornar arenas poderosas dessas diferenciações.

Augé (2006) descreve que a supermodernidade vigente acaba por criar os

não-lugares, que seriam locais onde as percepções simbólicas e reais de duração

(tempo) e distância (espaço) estariam desencaixadas das experiências sensoriais de

quem os vivencia e experimenta. O autor cita o caso dos transportes,

especificamente na Europa e países desenvolvidos, onde a tecnologia e a

velocidade da informação retirariam destes locais, que realizam a integração

globalizada, a capacidade de se conhecer e de se produzir uma esfera de

subjetividade e de acesso ao mundo pautado na experiência historicamente

relacionada com as percepções mentais de tempo e espaço.

Pires (2011) irá criticar esta ideia de Augé, no que se refere aos não-lugares.

Primeiramente porque a realidade dos transportes e da globalização não se dá de

maneira homogênea em todo o mundo, apesar da irresistibilidade das necessidades

do capital pelo mundo, e o uso dos espaços de estadia curta106 para a locomoção de

pessoas nas metrópoles, neste momento de supermodernidade, porém o acesso à

tecnologia e à produção da informação se dará de maneira desigual entre os países

e os polos de desenvolvimento do capitalismo. A experiência de estar sentado em

uma estação de trens que realiza a travessia entre França e Inglaterra, com todo o

aparato tecnológico e de informações disponíveis ao toque dos dedos, será muito

diferentes ao se estar esperando o trem do ramal de Japeri, que levará os

moradores de volta aos seus lares após um dia de trabalho na cidade Rio de

Janeiro, ou então esperar o trem na estação de Nova Déli para uma longa viagem

de uma noite até chegar a Lucknow, na Índia.

                                                            106  Terminais  de  passageiros  em  geral:  aeroportos,  rodoviárias,  estacionamentos,  estações  ferroviárias, estações de BRT’s, etc. 

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Em um segundo momento sua crítica parece estar diretamente ligada ao fato

de realmente acreditar, e experienciar, estes locais de transição e mediação entre os

“espaços” através do “tempo”, os transportes coletivos em suas características

urbanas, como produtores efetivos de subjetividades e materialidades, tornando a

experiência de se viver em uma região metropolitana como a do Rio de Janeiro, um

ato de natureza única, assim como deve ser na Índia ou na Argentina. Esta crítica e

percepções parecem também ser concernentes aos trabalhos de Caiafa (2007,

2002) e Silva (2007).

Por fim Pires (2010) desenvolve um trabalho etnográfico realizando uma

comparação entre os processos de administração institucional e na venda

ambulante entre Rio de Janeiro e Buenos Aires (Argentina), tendo como fundo o

cenário dos trens urbanos e seus arredores, nas duas cidades. Nos trabalho

etnográfico realizado entre os dois países e duas sociedades distintas, e suas

respectivas culturas, e aproveitando-se de sua experiência anterior no trabalho

realizado nos trens urbanos do Rio de Janeiro, atualiza e problematiza as noções

nativas de arreglo107 e arrego108, e suas inserções no caso portenho e

carioca/fluminense.

Haverá por parte do autor a busca por uma interpretação da ação das cidades

moderno-globalizadas nos corpos e mentes de seus habitantes/trabalhadores,

tentando identificar e apontar as relações hierárquicas e da desigualdade de status

social, e até mesmo jurídica, em que essas categorias nativas servem como

demonstrativos das mediações e negociações entre esferas diferenciadas de

funções e experiências dos atores. O arreglo e o arrego funcionam como “chaves”

                                                            107 No primeiro caso, uma combinação entre partes desiguais, que participam de uma negociação movida por interesses  distintos,  possuidores  de  diferentes  aportes materiais  e,  em  determinados  casos,  de  poder. No entanto, essas desigualdades parecem ser compensadas minimamente com a representação de que as partes são moralmente iguais. Esta os autoriza a participar do arreglo, negociando vantagens, benefícios e obrigações de  cada  parte,  proporcionalmente  a  quantidade  de  bens  e  poder,  mas,  a  princípio,  incluindo  todos  os interessados  que  são  iguais  em  dignidade. Na medida  em  que  as  competências  se  exercitam  e  alteram  a configuração  inicial,  modificam‐se  as  disposições  dos  atores  no  concertado,  mas  igualmente  procura‐se manter, tanto quanto possível, os participantes, uma vez que o status civil não se altera (PIRES, 2010, p. 379). 108 No segundo caso, a desigualdade material pode ser somada a um não reconhecimento da substância moral dos atores (Cardoso de Oliveira, op. cit.) com quem se busca estabelecer a interlocução. Isso faz com que não só os benefícios e vantagens materiais  ‐ e de poder – sejam distribuídos desigualmente, mas  também que a inclusão  do  interessado  na  partilha  seja  feita  em  condições  que  lhe  seja  negado  o  reconhecimento  a  uma mesma dignidade de outros presentes à contratação. A consequência pode ser, como se costuma dizer, que uma parte resulte arregada – ou seja, plenamente satisfeita em suas pretensões, quando não ultrapassada em suas  expectativas  iniciais  –  e  outra  arregaçada,  “dobrada”344  em  sua  vontade,  contrariada  em  suas pretensões. Um buscando estar mais acima dos  incluídos; outro  levado à beira da exclusão  (PIRES, 2010, p. 379). 

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que demonstram relações de intermediação de pessoas em posições sociais

“diferentes”, mas que atuam em uma mesma configuração de precariedade e, de

alguma forma, de complementaridade também, mostrando o fazer-se das relações

de trabalho e as reproduções cotidianas das identidades e funções sociais em

nossas metrópoles “mundiais”, mas que demonstram nesse fazer-se cotidiano suas

culturas históricas e características ressurgindo e reinventando-se a cada momento.

Também utilizaremos em nossa análise as obra de Barat (1975) e Caiafa

(2013).

4.2 Quadros sinópticos das “formas de vida pelo transporte”

Iremos buscar a construção de alguns quadros sinópticos buscando a

percepção de possíveis “tipos ideias” relacionados aos modais que nos dispusemos

analisar neste trabalho. Reiteramos a enorme dificuldade, ou a quase

impossibilidade, em poder reunir todo o universo de trabalhos, relatórios e estudos já

realizados no Brasil, ou até mesmo em relação ao Estado do Rio de Janeiro, no que

se refere a oferta de todos os modais dos transportes urbanos existentes. Porém,

dentro um quadro significativo e relevante, escolhemos obras que possam que

trazem em todos os seus aspectos a complexidade necessária para a proposta

disciplinar que aqui desenvolvemos. Outro enfoque importante é que além das

construções históricas na oferta dos transportes urbanos na RMRJ, também

consideramos de suma importância as implicações contemporâneas que hoje

experimentamos em relação a estes serviços diretamente ligados à questão da

mobilidade urbana.

4.2.1 Trens

Em relação a este modal trabalhamos com referência às obras de Pires

(2011, 2010), Icasuriaga (2005), Iziaga (2009) e Barat (1975).

Figura 19 – “Formas de vida pelos transportes” – Trens

Trens

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Há a observação de uma hierarquia social e material interna e percebida subjetivamente, porém de forma coletiva, dentro da própria estrutura física e na qualidade dos serviços para os usuários que pagam o mesmo valor de tarifa, mas que são tratados de forma diferenciada de acordo com as “linhas” que transitam. “Para começar, ela109 classificou o usuário do ramal de Deodoro como posudo. Para Kátia, era um pessoal “quase igual ao do metrô”. E aí ficou claro que “posudo” era uma categoria construída a partir de valores adquiridos por ela, não só como moradora da Baixada (ela morava no município de Nilópolis), mas também como uma vivaz observadora de ambientes, como uma universidade pública ou do interior de uma casa de classe média” (PIRES, 2011, p.77). Diferenças efetivas na “idade”110 das composições de acordo com a configuração espacial dentro do própria estrutura das plataformas da estação Central do Brasil111, onde composições mais novas e com ar condicionado preferencialmente são alocados na linha que atende o subúrbio carioca (que vai da Central até a estação de Deodoro). Para as linhas subsequentes a qualidade das composições vai piorando de acordo com o “aprofundar” junto aos municípios mais distantes radialmente da centralidade do Rio de Janeiro. As piores composições encontram-se na linha que tem como destino final a estação Gramacho. “Historicamente, as inovações tecnológicas introduzidas nos trens sempre se iniciaram por Deodoro. Naqueles dias, porém, os usuários dos outros trajetos tendiam a interpretar tais iniciativas como discriminação. Alguns deles me disseram se sentirem incomodados com isso, sobretudo porque a tarifa cobrada pela Supervia era a mesma para todos os trajetos, fosse para andar de “geladão” ou para chacoalhar no “trem-fantasma” que levava a galera para Belford Roxo” (PIRES, 2011, p. 80). A existência de um grupo social que habita, vivencia e sobrevive trabalhando dentro dos vagões das composições que integram a malha ferroviária urbana da RMRJ. Alguns destes trabalhadores informais desempenham seu trabalho há muitos anos dentro dos trens e convivem cotidianamente situações de riscos e vulnerabilidades, onde disputas e violência se alternam entre períodos determinados. Atualmente há um campo explícito de conflitos permeados pela relação entre vendedores ambulantes, seguranças privados contratados pela concessionária, policiais militares e os usuários dos trens. “A maioria dos ambulantes morava em localidades servidas pelas                                                             109 A informante indicada no texto. 110 Data de produção e tempo de serviço. 111 Que  concentra  a  saída de  todos os  ramais/linhas  e  serve de  sede para  a  concessionária  Supervia,  atual controladora  dos  serviços  de  trens  urbanos  da  RMRJ  e  também  de  sede  de  um  batalhão  especializado  da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. 

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estações do ramal no qual atuava. Um camelô que, por exemplo, comercializasse seus produtos preferencialmente no ramal Japeri, morava preferencialmente, em Engenheiro Pedreira, Queimados, Nova Iguaçu, Mesquita, entre outros bairros ou distritos de municípios atendidos pelos trens. Um ambulante que morasse em Madureira, ou adjacências, poderia vender sua partida. Preferencialmente, no ramal Japeri ou Santa Cruz. Não quer dizer que ele não pudesse efetuar suas vendas no ramal Deodoro; caso optasse por isso, teria de se deparar com a forte repressão das equipes de vigilantes contratados pela Supervia, concentradas ao longo deste ramal, devido às estratégias adotadas pela empresa, naquele período. Um camelô que residisse em Barros Filho ou Vila Rosali iria atuar prioritariamente no ramal Belford Roxo; da mesma forma, comercializariam no ramal Gramacho aqueles que morassem próximo às estações servidas por ele. Dificilmente um camelô residia em regiões mais próximas do Centro. Como a maioria dos usuários do trem, os camelôs também podiam ser considerados parte do público de baixa renda” (PIRES, 2011, ps.104, 105). Percepções diferenciadas na forma como as sociabilidades são construídas, neste caso tendo como loco de observação os trens urbanos. Há o apontamento de normas diferenciadas nos “acordos” possíveis entre os atores sociais. Esta observação se dá no contexto de uma comparação etnográfica internacional, neste caso comparando-se as relações sociais nos trens urbanos de Buenos Aires/ Argentina e os arranjos sociais nos trens urbanos do Rio de Janeiro. Onde o arreglo seria uma forma institucionalizada socialmente para a realização de acordos entre os atores sociais dentro do panorama da sociabilidade urbana portenha, sendo esta forma legal ou não. O arrego, no caso fluminense, são as possibilidades de acordo, mas sempre pautadas pelas relações de poder e força entre indivíduos que não são “iguais” socialmente, onde normalmente os aspectos legais passam ao largo das relações. Arreglo: “(...) uma combinação entre partes desiguais, que participam de uma negociação movidos por interesses distintos, possuidores de diferentes aportes materiais e, em determinados casos, de poder. No entanto, essas desigualdades parecem ser compensadas minimamente com a representação de que as partes são moralmente iguais. Esta os autoriza a participar do arreglo, negociando vantagens, benefícios e obrigações de cada parte, proporcionalmente a quantidade de bens e poder, mas, a princípio, incluindo todos os interessados que são iguais em dignidade. Na medida em que as competências se exercitam e alteram a configuração inicial, modificam-se as disposições dos atores no concertado, mas igualmente procura-se manter, tanto quanto possível os participantes, uma vez que o status civil não se altera” (PIRES, 2010, p. 379). Arrego: “(...) a desigualdade material pode ser somada a um reconhecimento da substância moral dos atores (Cardoso de Oliveira,

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op. cit.) com quem se busca estabelecer a interlocução. Isso faz com que não só os benefícios e vantagens materiais e de poder – sejam distribuídos desigualmente, mas também que a inclusão do interessado na partilha seja feita em condições que lhe seja negado o reconhecimento a uma mesma dignidade de outros presentes à contratação. A consequência pode ser, como se costuma dizer, que uma parte resulte arregrada – ou seja, plenamente satisfeita em suas pretensões, quando não ultrapassada em suas expectativas iniciais – e outra arregaçada, “dobrada”112 em sua vontade, contrariada em suas pretensões. Um buscando estar mais acima dos incluídos, outro levado à beira da exclusão” (PIRES, 2010, 379). No campo específico da crítica à política de transportes na RMRJ e o consequente processo de segregação urbana, Icasuriaga (2005) realiza uma observação histórico-crítica das opções das políticas públicas de mobilidade tomadas pelo poder público. “O transporte urbano de passageiros, enquanto política pública, continua a ser tratado como tema menor, um serviço “para pobres” em contraposição à burguesia e camadas médias que utilizam meios particulares, os automóveis, deixando transparecer o problema da iniquidade de acessibilidade. Igualmente a qualquer política pública numa sociedade capitalista, na política de transporte aparece a divisão social, aqueles que dependem exclusivamente de acesso a esses serviços, ou seja, nesse caso específico, os habitantes que têm acesso privativo a vias e meios de transporte urbano e àqueles que não tem condições nem para satisfazer necessidades mínimas de deslocamento (...)” (ICASURIAGA, 2005, p.132) Alguns apontamentos sobre os possíveis rumos da expansão urbana na RMRJ se fazem presentes e são interessantes pontos de interlocução entre o presente atual e um passado bastante recente. “Algumas mudanças podem ser constatadas no espaço sócio-produtivo da cidade carioca:

• primeiro, a renovação e ampliação da antiga área central de negócios, com a expulsão do uso residencial e a conformação do “Centro Expandido”, que vem se “consolidando como local preferido pelas empresas que operam no mercado global, reforçando o papel da área central de negócios, apesar da competição intra-urbana com a Barra da Tijuca e alguns bairros da Zona Norte” (Rezende e Accorsi, 1999, p. 237);

• segundo, a conformação de novos centros e bairros, a exemplo do dinamismo da Barra da Tijuca que surge como o centro metropolitano de segunda grandeza junto com Copacabana;

• terceiro, a estagnação e obsolescência de certas áreas com alto-

                                                            112 Nota 344 do autor:  “Segundo o Dicionário Aurélio, arregaçado é aquilo que  foi  levantado, por efeito de enrolamento, arqueamento, enrugamento” (PIRES, 2010, p. 379). 

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índices de vacância imobiliária, provocadas pela tendência à mobilidade intra-urbana que desloca estabelecimentos industriais, principalmente na área de bebidas e gráficas, do perímetro central para áreas periféricas, dentro do município ou para a região metropolitana, causando um esvaziamento de edificações no perímetro central da cidade (da Silva, 1999);

• quarto e último processo, que se manifesta nos projetos de reestruturação do espaço metropolitano, em busca da modernização da periferia tradicional, com a criação de novos centros e opções de comércio e serviços, mas que não condizem com a concentração, na cidade do Rio de Janeiro, da maioria dos serviços de assistência pública da região metropolitana em áreas essenciais como saúde e educação, assim como nas áreas de cultura, recreação e lazer, fazendo com que grande parte da população residente nos municípios contíguos se desloque com frequência à procura desses serviços. Situação que se agrava pelas disparidades intrametropolitanas, em relação à receita dos municípios mais distantes do centro que abrigam a população de menor renda e que demandam atendimento em serviços sociais públicos. As diferenças orçamentárias entre o município do Rio de Janeiro e seus pares metropolitanos se evidenciam na precariedade de serviços que estes últimos oferecem para cobrir a demanda dos seus habitantes113” (ICASURIAGA, 2005, ps. 177, 178).

Iziaga (2009) lança o questionamento se a metrópole do Rio de Janeiro é uma efetivamente uma “rede” com características de aglomeração urbana. Sob está pergunta, há uma interessante indagação. “O município do Rio de Janeiro e os demais 17 municípios que compõem sua área metropolitana constituída por: Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Japeri, Magé, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica, Mesquita e Tanguá se apresentam, inequivocamente, a partir de aproximadamente inicio dos anos 1990, como uma grande aglomeração articulada em rede. Se compreendermos as redes, por um lado, através de sua capacidade de conectar e solidarizar territórios, de colocar em relação espaços independentemente de fronteiras administrativas, políticas e urbanísticas, lembremos também que para que isso aconteça plenamente há que existir uma homogeneidade que possa garantir a conectividade de todos os pontos do território. Por outro lado, caso essa distribuição homogênea não venha a acontecer, as redes podem assumir o papel inverso, o de segmentar o território (...)” (IZIAGA, 2009, p.157). Em relação ao estudo da centralidade do Rio de Janeiro sobre os deslocamentos urbanos, em diferentes momentos históricos, principal

                                                                                                                                                                                          113 Estas informações podem ser aferidas no tópico 2.4 Dados Gerais em relação aos números dos municípios da Baixada Fluminense, exceção feita aos municípios de Duque de Caxias e Itaguaí, com maiores PIB’s. 

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objeto de análise da autora, é de se ressaltar as mudanças ocorridas na circulação dos habitantes da RMRJ com o passar dos anos. “A análise (...) indica a evolução da movimentação de pessoas na aglomeração do Rio de Janeiro. Em 1979, observa-se uma massiva concentração de viagens internas no município do Rio de Janeiro, com 74% do total, com concentração menor Leste-Leste e menor ainda na Baixada Fluminense (Baixada- Baixada). O somatório da movimentação de pessoas nas macro-zonas Rio-Rio, Rio-Leste, e Rio-Baixada cobria 86,4% das viagens totais, com as outras regiões com peso de 13,6% sobre o total. Já os dados de 1995, indicam uma centralidade menos acentuada sobre o município do Rio de Janeiro. As duas concentrações secundárias se mantêm em relação a 1979, que são Leste-Leste e Baixada-Baixada. Nesse momento registra-se a tendência de desconcentração da centralidade exercida pelo Rio, e a soma da movimentação das macro-zonas Rio-Rio, Rio-Leste, e Rio-Baixada, equivale a 72,4%, proporção menor que a de 1975 (...) Com isto, podemos deduzir que, nos últimos 25 anos, a polarização de viagens dentro do Rio de Janeiro, núcleo principal da aglomeração, vem decaindo em favor de uma maior movimentação de viagens internas nos núcleos secundários. O maior exemplo fica por conta da movimentação Baixada-Baixada, que vem crescendo bastante desde 1979, do que se pode concluir que são áreas que passam a ganhar mais autonomia, necessitando menos deslocamentos ao núcleo principal. Isto é reiterado pelos dados demográficos, que registram uma taxa de crescimento acumulado da população residente, de 1940 a 2005, de 4,71%, sendo que nas décadas de 1940 e 1950, este valor é de 8,8%, na de 1960 5,95%, na de 1970 3,38%, para, a partir da década de 1980, estabilizar em torno de 1,6% (CIDE). Os dados de ICMS (...) também reforçam esta maior autonomia da população residente na Baixada Fluminense, com dois municípios, Duque de Caxias e Nova Iguaçu respectivamente na segunda e quarta posições entre os municípios com maior arrecadação (IZIAGA, 2009, ps.195, 196, 197). Em relação a alguns dos impactos históricos na oferta dos transportes pelos trens urbanos é interessante e importante ressaltar a fala de Barat (1975) , onde: “Com relação à rede de ferrovias consolidadas nas últimas décadas do século XIX, cabe observar que ela contribuiu inicialmente para o saneamento de grandes extensões de terra degradadas com a decadência da atividade agrícola que precedeu e se seguiu à abolição da escravatura. Entretanto, estas mesmas ferrovias foram também responsáveis pela degradação posterior da Baixada Fluminense, pois, com o abandono da navegação fluvial na área, adveio o assoreamento dos rios e, posteriormente, a malária114” (BARAT, 1975, p.108). De certa maneira parece demonstrado que a diminuição no número de

                                                            114 Nota 17 do autor: “Hochtief, Deconsult – Cia. Construtora Nacional, op.cit., p.45” (BARAT, 1975, p. 108). 

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passageiros transportados e também a consequente piora dos serviços prestados pelos trens urbanos, têm início a partir da década de 1970 e coincidentemente com os investimentos dos governos, à época, voltados para as estruturas pautadas nos transportes individuais baseados em veículos automotores. “(...) o nível da demanda esteve próximo ao prevalecente em 1945. A partir de 1957, a movimentação de passageiros cresceu até o nível máximo de 296 milhões/ano em 1962, para declinar persistentemente a seguir. A título de ilustração da decadência do transporte ferroviário suburbano, cabe observar que a demanda por essa modalidade de transporte de massa representou, em 1970, o nível de 1945, apesar de o intervalo entre esses dois pontos implicar o período de maior incremento demográfico e expansão suburbana da área metropolitana do Rio de Janeiro115” (BARAT, 1975, p. 154).

Figura 20 – Malha ferroviária urbana da RMRJ – Supervia116117

                                                                                                                                                                                          115  Nota  18  do  autor:  “Cabe  ressaltar  que  os  dados  de  passageiros  transportados  em  trens  suburbanos apresentam‐se,  via  de  regra,  subestimados,  em  função  da  grande  quantidade  de  passageiros  clandestinos (aqueles que se introduzem nas plataformas sem passar pelas roletas)” (BARAT, 1975, p.154). 116 Ressalto que nas pesquisas e etnografias realizadas, percebeu‐se uma hierarquia na oferta dos serviços aos usuários dos  trens  e  ela  funciona da  seguinte maneira: A  Supervia oferece  as melhores  composições  (mais novos,  limpos,  com ar‐condicionado e  controle de ambulantes) que  servem a  linha de  cor vermelha  (Ramal Deodoro) e no “movimento” da esquerda para a direita os serviços vão se deteriorando, até chegarmos à linha de cor laranja (Ramal de Saracuruna, mais conhecido como “Gramacho”). 117 Disponível em: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1263337&page=5. Acessado em Jan. 2014. 

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Figura 21 - Aglomeração do Rio de Janeiro (Cidade do Rio de Janeiro e Municípios da Área Metropolitana).

Fonte: Iziaga (2009, p.165).

Tabela 14 - Rio de Janeiro e municípios da Área Metropolitana Percentual sobre arrecadação (ICM + ICMS)

Fonte: Iziaga (2009, p. 171)118.

                                                            118 Fonte citada: Secretaria de Estado de Fazenda, RJ. 

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4.2.2 Ônibus

Em relação a este modal trabalhamos com referência às obras de Caiafa

(2002) e Freire (2001).

Figura 22 – “Formas de vida pelos transportes” – Ônibus

Ônibus

Os ônibus são o principal meio de transporte urbano da RMRJ, como veremos a seguir, mas vai perdendo sua hegemonia em relação a outros modais, principalmente em relação ao aparecimento dos transportes alternativos (vans, kombis, mototáxis, etc.) em meados dos anos 1990, e ao uso de automóveis particulares. Caiafa (2002) realiza uma pesquisa etnográfica sobre as “jornadas urbanas” realizadas pelos ônibus, experimentando os serviços deste modal dentro dos limites da cidade do Rio de Janeiro. “Sob o quadro sombrio das muitas adversidades, a população não cessa de deflagrar pequenas senhas que lhes abrem outras experiências, linhas de FUGA119 à situação que enfrentam. Os ônibus são nossos, em algum nível. Quando repetimos constantemente e em nosso dia-a-dia os nomes dos lugares, os itinerários, os números – 433, 385, 881, Água Santa, Pavuna, Tiradentes-Realengo, Cosme Velho-Grajaú -, já participamos dos agenciamentos coletivos de enunciação com aqueles com quem viajamos, e esse é um modo de ocupar o ônibus e participar do universo de circulação da cidade. Durante entrevistas que realizamos com rodoviários e usuários, mesmo os nomes das empresas poderiam produzir, trazidos tantas vezes nas conversas, uma certa intimidade com o ônibus, uma tomada afetiva desses meios em que passamos tanto tempo de nossas vidas. É que esses agenciamentos de linguagem são inseparáveis de outros arranjos e ações que também se passam no meio do ônibus – subir os degraus, conversar com um desconhecido, brigar com o cobrador, cair a uma freada brusca, apertar o sinal. A nossa experiência de andar de ônibus se apoia em todas essas ações verbais e não-verbais, todas essas multiplicidades. A VIOLÊNCIA120 é um componente muito presente nessa um componente muito presente nessa experiência, e vimos como todo um esquema já instaurado pode favorecer e estimular a violência. Ao mesmo tempo, sempre alguma coisa escapa. As senhas se produzem, abrindo uma entrada, mesmo que provisoriamente” (CAIAFA, 2002, ps. 174, 175). A autora ressalta a opção pelo modelo privatista em relação à oferta dos ônibus na RMRJ, onde grandes empresas familiares sucedessem ano-após-ano com um oligopólio na oferta deste modal. Onde as dificuldades

                                                            119 Grifo nosso. 120 Grifo nosso. 

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no controle e na gestão dos serviços oferecidos e contratados se uma tarefa dificilmente realizável pelos órgãos públicos competentes. “Sclar, Schaeffer e Brandwein mostram como a contratação de uma empresa privada para prestar um serviço público é um processo complexo121. Diferente do spot market – em que se escolhe, por exemplo, um produto na prateleira de um supermercado -, no caso desse tipo de contratação nada garante que as condições iniciais vão se manter. Mostram também que, mesmo se supondo que haja um processo correto de licitação, a tendência é que se instaurem monopólios. Necessariamente o capitalista vai manobrar para conservar para si aquela fonte de lucro e a tendência é que se formem nichos de mercado. Há também risco de que se torne cada vez mais difícil para o governo – que monitora essas empresas – romper, se assim decidir, os laços com elas” (CAIAFA, 2002, ps. 145, 146). Dentro da importância histórica, e, principalmente, contemporânea dos ônibus, podemos descrever que surgiram como modal no início do século XX, mas só passaram a ter uma grande importância para o crescimento urbano e a circulação no Rio de Janeiro a partir do fim da Segunda Guerra Mundial. Apesar de existirem desde 1925, os ônibus foram aumentando sua importância gradativamente, onde a principal forma de locomoção no Centro e Zona Sul do Rio de Janeiro era realizada pelos bondes e carris controlados pela empresa canadense Light122. O que ocorrera na primeira metade do século XX foi a disputa do monopólio da oferta dos serviços de transportes urbanos entre Light, donos autônomos de ônibus (faiscadores), empresas de ônibus que começam a ser formar e se unir, e o Estado. “O serviço de ônibus na cidade do Rio de Janeiro esteve no epicentro da luta pelo controle dos transportes coletivos na cidade desde o final da década de 1920, mesmo tendo caráter fundamentalmente complementar aos bondes e trens até meados dos anos 1940” (FREIRE, 2001, p. 157). Como falado anteriormente, na metade do século XX algumas posições era favoráveis pela unificação dos serviços de transportes urbanos oferecidos na capital federal, e isto interessava aos interesses monopolistas da Light, que apesar do apelo nacionalista do governo, mantinha bom relacionamento com a empresa. Porém esta unificação de fato não ocorreu, havendo momentos de disputa e acomodação dentro da “guerra de posições” levantada e explicitada por Freire (2001). “O fato é que essas propostas de unificação dos serviços de transportes não foram, afinal, viabilizados. Qualquer uma delas envolvida um alto custo político para a Prefeitura e o Governo Federal. Por outro lado, a política de restrições a novas empresas resultou em um novo equilíbrio

                                                                                                                                                                                          121 Nota 109 da autora: “Sclar, Schaeffer e Brandwein (1989) e Sclar (1997)” (CAIAFA, 2002, p. 145). 122 Que hoje é fornecedora de grande parte da energia elétrica do Estado do Rio de Janeiro. 

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de forças nos transportes urbanos na cidade (...) Assim, a cidade foi “loteada” entre os carris e ônibus da Light e algumas empresas independentes” (FREIRE, 2001, p.159). Tabela 15 – Viagens realizadas por modo principal.

Fonte: Iziaga (2009, p. 192)123

4.2.3 Transportes informais124: Vans, kombis, mototáxis

Em relação a este modal trabalhamos com referência às obras de Silva

(2007), Mamani (2004) e Fonseca (2005).

Figura 23 – “Formas de vida pelos transportes” – Transportes informais

Transportes informais

Silva (2007) realiza uma etnografia em uma cooperativa de vans que tem sede em um município da Baixada Fluminense e que realiza as jornadas urbanas entre a Baixada Fluminense e o Centro do município do Rio de Janeiro. Utilizando-se das ferramentas etnográficas da antropologia, mas                                                             123 Fonte citada: Jorgensen (1998); PDTU (2005). 124 Termo utilizado e desenvolvido por Mamani (2004). 

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com um enfoque sociológico em suas observações, tenta compreender além dos estigmas associados aos transportes informais, neste caso realizado pelas vans. As viagens dos passageiros estão quase sempre associadas aos deslocamentos pelo motivo “Casa/Trabalho/Casa” e se efetivam na busca por uma parte da população de uma “alternativa” aos transportes “oficiais” e “legalizados”, mas que não oferecem conforto e flexibilidade para se chegar mais rapidamente ao destino desejado. Muitos destes passageiros se dispõem a pagar valores um pouco acima dos valores relacionados às tarifas dos transportes “legalizados” em nome deste conforto e flexibilidade. Em relação às próprias viagens, é interessante perceber as classificações nativas, a organização interna da cooperativa, os arranjos políticos, as interações necessárias para que se possa circular mesmo sendo considerado um transporte ilegal e que sempre vem precedido pela palavra “máfia...” ao ser mencionado. O trabalho de Silva (2007) busca ir além destas pré-noções incorporadas e produzidas pela opinião pública, sem negar ou esconder as relações de ilegalidade que existem na oferta deste “novo” modal de deslocamento urbano. “Obviamente que o discurso anterior sobre as “máfias” do transporte alternativo não se fez presente em uma cortina de fumaça onde são criadas concepções de medo ou de violência, sem nenhum contato com a realidade vivida e presente. De fato o movimento possui um histórico de violência física (inclusive com inúmeros assassinatos) contra motoristas e representantes das cooperativas, onde o envolvimento desses representantes e funcionários com grupos criminosos é parte constitutiva da história do transporte por vans. Porém através da observação participativa e da análise dos diálogos obtidos com a Diretoria e com os cooperativados da Cooperativa de vans de Igrejinha125 (COOPIGRE), além das reuniões presenciadas com diversos outros presidentes de cooperativas, políticos e representantes do movimento, foi possível levantar um “tipo ideal” para a formatação dessas cooperativas e como as mesmas se diferenciam umas das outras. Primeiramente é notada uma diferenciação clara entre as cooperativas, como foi muito bem salientada em uma conversa com Roger. Existem as cooperativas com “donos” e as cooperativas com “membros”, ou associados. E é justamente nesta diferenciação que surgem aspectos interessantes na concepção do cooperativismo no transporte por vans. As cooperativas com “donos” foram formadas em suas origens por pessoas que através da força impuseram em determinados locais um controle coercitivo muito grande, desde a gestão dos itinerários quanto na condução dos carros. Esses “donos” eram preponderantemente policiais ou ex-policiais que perceberam a grande demanda gerada pela ineficiência dos transportes urbanos e passaram a agir a controlar determinadas regiões, ditando os rumos que a atividade iria tomar a

                                                                                                                                                                                          125 Nome fictício. 126 Nota 87 do autor: “Não tão novidade assim, como vimos no primeiro capítulo” (SILVA, 2007, p.135). 127 Nota 88 do autor: “Atualmente podemos afirmar em que todas as cidades do Estado do Rio de Janeiro há alguma foram de transportes por vans ou alternativo, informal” (SILVA, 2007, p. 135) 

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partir de então. Além do controle desses policiais (e ex-policiais) essas cooperativas também passaram a ser alvo do desejo de contraventores e traficantes de drogas, além de pretendentes políticos locais que também passaram a enxergar um interessante filão de votos nessa “novidade"126 de transporte. O que se viu seguinte ao surgimento do transporte por vans em meados da década de 1990 foi um sem-número de disputas, assassinatos, perseguições, utilização de veículos para atividades criminosas, entre outros acontecimentos. O que se bastante evidente é que em todas as regiões onde ocorra o fenômeno dos transportes por vans127 e onde encontramos as “cooperativas de donos”, existirá uma concorrência mais visceral e contundente do que as cooperativas que veremos a seguir. Esses “donos” controlam as cooperativas e apesar da própria natureza do cooperativismo esteja associado a uma equidade entre os participantes da mesma, fica evidente o poder e o controle que esse dono exerce sobre os seus “funcionários”, ou para ser mais exato, sobre o “seus cooperativados”. O que temos nesse caso é a utilização do cooperativismo como uma fachada para uma ação empresarial centralizadora e altamente competitiva, onde os limites divisórios entre os poderes dos membros ficam desequilibrados pela existência de um indivíduo que controla todo o funcionamento da própria cooperativa. Os cooperativados são seus contratados, na verdade, e o lucro da cooperativa é retirado tanto das tarifas pagas, quanto dos salários pagos aos “funcionários”, onde, portanto o lucro fica restrito ao respectivo dono da cooperativa. Vemos em muitas regiões do Estado disputas sangrentas pelo controle de determinas linhas e áreas de atuação dos veículos, alguns desses locais onde se concentram essas disputas são a Zona Oeste do município do Rio de Janeiro, algumas localidades de São Gonçalo, favelas e comunidades carentes da cidade do Rio, assim como na Região dos Lagos e locais no interior do Estado, porém essas disputas podem variar temporalmente e geograficamente, dependendo como essa concorrência entre as cooperativas se realiza” (SILVA, 2007, ps. 134, 135, 136). Mamani (2004) realiza vasto levantamento sobre o surgimento e as condições das políticas urbanas e legislação específica para o desenvolvido deste “novo” modal de transportes, fenômeno diretamente ligado aos anos 1990 apontando direções interessantes em relação à percepção e às mudanças das notícias vinculadas a este “novo” meio de transporte. “Do registro do percebido e registrado nos jornais, é possível extrair várias considerações. Percebe-se, primeiramente, a concatenação dos fatos, como um movimento de formação de grupos, sujeitos que se moldam no decorrer dos acontecimentos, classes médias ou aspirantes a empresários, ou ainda, desempregados de elite, saídos voluntária ou involuntariamente do mercado de trabalho, buscam obter ou manter sua renda vendo-se como empreendedores. O crescimento do fenômeno revela a descoberta de necessidades desatendidas, com características sociais e geográficas reconhecidas pelos próprios operadores. Por

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serem moradores das áreas em que operam ou por conhecerem os lugares, capitalizam a sua própria experiência e vivências geográficas. O mesmo movimento explica a solidariedade dos usuários: a identificação social e a formação de vínculos a partir da experiência compartilhada. Apesar de sofrerem a oposição de taxistas e empresários de ônibus e padecerem as consequências de uma postura vacilante das autoridades municipais e estaduais, os operadores informais alcançaram um novo discurso e uma nova dinâmica, articulada e organizada, que quanto mais se unifica mais contribui para o fortalecimento da mobilização e da luta: criaram uma alternativa de trabalho e para o transporte urbano. A condição social ou o grau de organização atingido, permitem compreender que, articulem-se em seu favor as brechas legais e a competição entre Poder Judiciário, Legislativo e Executivo. Contudo, esta estratégia foi mal sucedida em decorrência da formação de uma aliança contrária, proliferando a corrupção e o crime. Mais tarde, a legalização, obtida por alianças políticas, reduz, parcialmente, os problemas decorrentes da ilegalidade mas, neutraliza, também, o caráter combativo do movimento” (MAMANI, 2004, ps. 216, 217). Ainda em relação ao debate público sobre a regulamentação dos transportes informais, mais alguns aspectos são interessantes para ressaltarmos. “A análise dos editoriais, dos artigos assinados e das reportagens com notáveis debatendo a problemática do trânsito e dos transportes - tal como registrados nos jornais, entre 1993 e 2001 - aponta para um fato singular: estão ausentes do debate os principais agentes do drama urbano. Operadores de transporte, usuários coletivo, motoristas de táxis, ônibus e automóveis desaparecem de cena, sendo representados por técnicos que, como pesquisadores ou homens públicos, interpretam, com termos próprios a vida e os problemas metropolitanos Por outro lado, a periodização dos debates revela que não é no foro formado pelos jornais, que ocorrem as mudanças urbanas que constituem as agendas de discussão político- administrativas. Os termos em que é formulado o problema dos transpores, do tráfego obedecem a decisões de ordem política. A decisão de privatizar o sistema de transporte federal e estadual, o surgimento do transporte informal e sua legalização, o abandono do RioBus, o preterimento do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas 2004 são fatos alheios à técnica e ao planejamento. Contudo, na concepção dos técnicos, todos os problemas explicam-se pela falta de planejamento e de investimento, sendo a solução apontada é o ordenamento do tráfego. Pode-se identificar diferenças no sentido do que seja planificar ou planejar. Para alguns trata-se de planejamento estratégico, enquanto para outros, de planejamento integrado de todo o sistema. Ainda outros, ainda, priorizam o transporte de massas ou abertura de vias. Em comum, nota-se um certo ressentimento dos técnicos em relação aos políticos, que tomam, de fato, as decisões,

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desrespeitando a expectativa de pleno controle técnico do sistema de transportes128. A tentativa de buscar o culpado estende-se bem além de políticos (cabecinhas de bagre), seriam, também, os maus empresários, a indústria automobilística e a deficiência cultural. Tantos culpados são responsáveis pela crise de mobilidade da metrópole que diminui os tempos de circulação. A solução e o objetivo comum compartilhado, seria alcançar o ordenamento, de modo a aumentar a mobilidade e acessibilidade – entendidos como diminuição dos tempos de viagem a certas áreas da metrópole, especificamente à Barra da Tijuca. A promoção dessa mobilidade é concebida como um ato modernizador cujo sentido último seria eliminar o custo Brasil” (MAMANI, 2004, ps. 150, 151). Com relação à construção de uma “legitimidade” jurídica deste novo modal de transporte urbano, Mamani (2004) ressalta que mesmo nas esferas de representatividade que, teoricamente, abrangeriam a sociedade civil, o discurso jurídico e legalista não permite a incorporação complexa do fenômeno dos transportes informais. O autor descreve e demonstra a composição das instituições que integram a ANTP e constata que sua formação corresponde a praticamente cinquenta por cento de instituições estatais e quase cinquenta por cento de instituições empresarias, restando uma pouca representatividade para instituições de pesquisa e um por cento de representatividade para a sociedade civil. Talvez esta composição, ressalta o autor, explique as dificuldades na tentativa de compreensão desta forma de se transportar, “criada” pela população metropolitana e que foge das determinações do Estado ou das estratégias dos empresários historicamente alocados como propositores dos transportes urbanos. “O saber técnico sobre os transportes construiu, em torno de suas organizações o monopólio do conhecimento e do discurso legítimo sobre os transportes metropolitanos. O discurso competente assume uma aparência democrática e moderna, promotor do aumento da acessibilidade, da mobilidade e da qualidade de vida nas metrópoles brasileiras através do aumento da fluidez e da diminuição dos tempos de circulação de pessoas e mercadorias. Este discurso divulga e publicita, verdadeiramente, as necessidades dos atores hegemônicos: a fluidez e a competitividade. Mesmo denunciando os limites do modelo de transportes, historicamente adotado, e, reconhecendo que, no passado, não foram ouvidas as classes em confronto, o discurso técnico excluiu, na prática, usuários, movimentos sociais urbanos e os próprios operadores de transporte informal, apesar, destes, formarem grandes organizações. Neste discurso, a norma jurídica tende a ser apresentada como determinante única das práticas sociais. Estigmatizando os transportes informais - concebidos como solução inferior ao problema dos transportes oriundo das deficiências do planejamento e do modelo

                                                            128  Nota  338  do  autor:  “Fato  notório  no  caso  da  decisão  de  regulamentar  o  transporte  informal.  Os  que regulamentaram  o  transporte  informal  foram  os mesmos  que  a meados  dos  90  os  reprimiram”  (MAMANI, 2002, p.151). 

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de estruturação urbana, consolidados no passado – atribui ao Estado um caráter monolítico que, sociologicamente, não possui e, funções meramente administrativas omitindo e ocultando o caráter político do próprio discurso. Quanto aos determinantes econômicos ignoram que cada transformação no sistema de transporte das metrópoles brasileiras, vincula-se, pelo menos desde aos anos 20, às inflexões da indústria automobilística. Por outro lado, relacionam os transportes informais ao desemprego de forma direta e linear. Mesmo quando são consideradas as transformações do mercado de trabalho, este discurso, contenta-se em verificar a existência de necessidades desatendidas e investidores à procura de investimentos rentáveis. Com uma interpretação mecânica dos fatos que conduziram à emergência e ao crescimento do transporte informal, não é possível vislumbrar os grupos, as práticas e localização que o fizeram surgiu e se desenvolver e, principalmente, que os tornou capazes de se constituírem em sujeitos sociais com capacidade para questionar a circulação nas metrópoles brasileiras. O mesmo tipo de ocultamento verifica-se em relação à dimensão espacial do fenômeno. Falta qualquer reflexão desta dimensão, tanto na escala metropolitana quanto na intra-metropolitana, salvo quando as metrópoles são lidas como recurso econômico das metrópoles. Para apreender a natureza da disputa é preciso que se investigue os aspectos desconsiderados que permanecem ocultos no campo dos transportes coletivos conforme construído pelo discurso hegemônico: aspectos sociais, culturais, econômicos e espaciais, constitutivos da “morfologia social” metropolitana (...)” (MAMANI, 2004, ps. 180, 181). Dentro deste panorama complexo, e de certa forma ainda em formação, das novas formas de se transportar pelo tecido urbano, uma “novidade” passa a chamar ainda mais atenção além das vans e kombis que tomam as ruas da RMRJ a partir dos anos 1990. Os mototáxis surgem também como opção para os deslocamentos urbanos. Em nosso caso será relatado o aparecimento desses mototáxis no contexto da favela da Rocinha, situada na Zona Sul do Rio de Janeiro e que trará em sua própria concepção características inerentes às formas de vida emergenciadas pelas necessidades contemporâneas das metrópoles. Estando localizadas quase sempre em partes altas da RMRJ, as favelas sempre careceram dos serviços mais elementares de urbanização, e o transporte também se encontra entre eles. Com a impossibilidade da adentrada de carros particulares e ônibus (mesmo os micro-ônibus) nas partes mais altas dos morros do Rio de Janeiro, uma das “soluções” foi a incorporação das motos/motocicletas como alternativa veloz e flexível de se poder transportar pessoas e pequenos volumes de mercadorias do “morro ao asfalto”. Este “surgimento” não possui a exclusividade desta localidade, a Rocinha, pois irá aparecer no contexto de outros lugares e necessidades, mas o trabalho de Fonseca (2005) nos informa o contexto de seu aparecimento e a interessante articulação entre o ato de se transportar e a busca de jovens, quase sempre marginalizados socialmente, por um trabalho que agregue renda e características próprias da juventude, a emoção. Hoje o serviço de mototáxis já é uma

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realidade em praticamente todos os municípios da metrópole fluminense, onde, pode-se afirmar, está disseminado por todo o Estado do Rio de Janeiro. As observações anteriores mostram que a juventude pobre enfrenta hoje no Brasil as vicissitudes e os dilemas trazidos pela “droga da economia” e pela “economia da droga”, como ressalta Souto de Oliveira (1999). A partir daí, cunhou a autora as categorias barreias, transgressões e invenções de mercado para retratar as dificuldades e possibilidades de inserção de jovens pobres no mercado de trabalho. Por barreiras de mercado são entendidas as dificuldades que enfrentam os jovens pobres em se inserir no capitalismo flexível, em função, por um lado, dos crescentes requerimentos empresariais, e, por outro lado, de sua falta de experiência, despreparo profissional, baixa escolaridade e reduzidas redes de conhecimento e sociabilidade. Por barreira de mercado se entende também o lugar que lhes é reservado na divisão social do trabalho e que se caracteriza pelo predomínio de ocupações manuais de baixa qualificação e por reduzidos níveis de remuneração, quando não pelo desemprego propriamente dito. Por transgressões são entendidas as profissões e ocupações que rompem as barreiras do mercado pela via da ilegalidade. Finalmente, por invenções de mercado são entendidas as profissões ou ocupações que oferecem a jovens pobres condições de desenvolver e aprimorar seus talentos, reforçam sua auto-estima, ampliam seus circuitos e redes de trocas e os fazem se sentir socialmente úteis e reconhecidos. Profissões e carreiras que inserem o jovem na zona de coesão social, por uma inscrição de trabalho valorizada e pelo fortalecimento de laços de pertencimento (FONSECA, 2005).

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Figura 24 - Panfleto de convocação para manifestação pública em frente à Assembleia Legislativa do

Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) ocorrida em 30/01/2007.

Fonte: Silva (1997, p. 172).

4.2.4 Barcas e o Metrô

Não iremos realizar os quadros sinópticos de barcas e o metrô do Rio de

Janeiro, não por não considera-los importantes ou significativos para o locomover-se

cotidiano da população da RMRJ, mas pela falta de trabalhos que se aproximem de

nossa proposta teórico-metodológica de tentar compreender estas “formas de vida

pelo transporte”.

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De fato não temos conhecimento de obras sobre a utilização das Barcas no

contexto metropolitano do Rio de Janeiro, mas sabemos de sua grande importância,

principalmente na realização da conexão entre os municípios e localidades de

Niterói e Rio de Janeiro, principalmente, e outras conexões, como Paquetá, Ilha do

Governador e o Rio de Janeiro, e a região da Costa Verde, servindo os municípios

de Mangaratiba, Angra dos Reis e a Ilha Grande. Provavelmente já tenham sido

realizados trabalhos que ressaltem esta “vivência” através das barcas, e assim que

tomemos contato com eles, poderão ser incorporados a essa proposta da

construção de uma “sociologia dos transportes”.

Quanto ao metrô não é verdade que não exista trabalho que busque revelar,

através de uma vivência, neste caso uma etnografia, as formas de se transportar por

este modal. Caiafa (2013), em uma publicação muito recente, realiza um vasto

trabalho de vivência etnográfica e tentativa de compreensão dos usos cotidianos e

da vida permeada pelos deslocamentos nos vagões do metrô, modal de transporte

urbano este que atende somente os limites da cidade do Rio de Janeiro. Assim

como realizado com os ônibus cariocas, a autora percorre e vivencia o dia-a-dia no

circular entre as estações da Linha 1 e Linha 2129, buscando a análise histórica do

surgimento do modal e das falas de trabalhadores e usuários que trabalham e o

utilizam. Dentre as observações de Caiafa (2013) estão evidenciadas algumas

diferenças materiais e simbólicas apontadas principalmente pelos usuários que

utilizam as Linhas 1 e 2 e que são explicitadas pela autora.

O corpo sente essa diferença quando viajamos nas duas linhas. Na linha 2 a viagem é mais longa entre as paradas. É possível sentir também a maior extensão do trecho entre Triagem e Maria da Graça. Chega-se à Estação Maracanã e, em seguida, de Triagem a Maria da Graça pode-se levar uns 5 minutos e por vezes sente-se a velocidade baixando. Essas distâncias maiores, as estações elevadas e até o entorno mais rural podem produzir a sensação de estrada de ferro. Há um pouco de ferrovia na Linha 2 [...] De fato, por várias de suas características, a Linha 2 se aproxima um pouco do conceito do metrô regional ou trem metropolitano. A Linha 1 seria mais rigorosamente um metrô urbano (CAIAFA, 2013, p. 219).

                                                            129 É importante ressaltar que o MetrôRio funciona em um sistema integrado em linha, onde são consideradas a Linha 1, que atende prioritariamente as estações da Zona Sul e Tijuca e a Linha 2, que  tem como estação “inicial” Pavuna e percorre vários bairros do subúrbio carioca até a estação de Botafogo. De maneira subjetiva e internalizada coletivamente considera‐se a Linha 2 o percurso que atende todas as estações da Pavuna até a Central, sendo  incorporada a estação Estácio, estação esta que realizava a baldeação entre as Linhas 1 e 2 e que  hoje  só  é  utilizada  como  baldeação  em  finais  de  semana  e  dias  com  programação  específica  (CAIAFA, 2013). 

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Os serviços prestados pelo metrô no Rio de Janeiro são reconhecidamente,

tanto pelos usuários, quanto pela opinião pública, superiores aos serviços prestados

em relação aos trens urbanos, da concessionária Supervia. Apesar dos últimos anos

ocorrerem mais reclamações em relação à superlotação, atrasos e problemas

técnicos em relação ao metrô, principalmente após a integração da Linha 1 e 2, que

não necessita mais da “troca” de composições e linhas em uma estação de

baldeação, no caso a Estação Estácio, situada no Centro do Rio.

Há um intenso controle dos espaços das estações do metrô e da circulação

dos usuários após à passagem pelas catracas de cobrança, reflete-se na grande

preocupação que o a concessionária MetrôRio possui com sua imagem pública. A

própria autora refere-se que, em determinado momento, foi exigido um controle

através de relatórios sobre sua presença, observações e imagens realizadas dentro

das estações e do contato com os usuários, revelando, mais uma vez a necessidade

do “controle” da concessionária em relação ao que se é dito sobre os serviços

prestados. Esta exigência da concessionária impediu a continuidade da autora

realizar sua pesquisa dentro do ambiente das estações, mas como já havia coletado

muitos dados, completou sua pesquisa com informações dos usuários fora do

ambiente controlado pela concessionária (CAIAFA, 2013, ps. 24, 25). O próprio autor

desta tese vivenciou esta mesma situação ao participar de uma pesquisa de

campo130 onde aplicava um questionário semi-estruturado para usuários do metrô

colhendo informações acerca do vagão feminino. Apesar de haver um acordo pré-

definido entre o professor responsável pela pesquisa e a concessionária, em

determinado momento fui abordado de maneira um tanto ríspida por um funcionário

do metrô, onde o mesmo entrou em contato com uma funcionária da gerência

perguntando sobre minha presença. Após minha identificação e relato de que

                                                            130 Pesquisa coordenada pelo professor Jean –François Verán entre os anos de 2007 a 2010: ““Respeito é bom e elas merecem": antropologia do vagão feminino no Metrô do Rio de Janeiro Descrição: Objetivo: depois de um ano de vigência da Lei estadual 4733/06, o objetivo da pesquisa é avaliar a percepção, a apreciação e os usos  do  carro  exclusivo  que  a Metrô  Rio  e  a  Supervia  dedicam  para  as mulheres  em  cumprimento  da  lei. Problemática: no contexto global de luta contra as discriminações e de valorização da diversidade, a prática de definir  direitos  exclusivos  ou  preferenciais  se  tornou  uma  ferramenta  central  nas  políticas  públicas  de numerosos países, dentro dos quais, o Brasil. Conhecidas como Ações afirmativas ou discriminações positivas, essas novas políticas públicas não deixam de suscitar um amplo debate por volta de seus princípios (igualdade versus equidade, mérito versus cotas, etc.), suas finalidades (lutar contra uma discriminação e/ou afirmar uma diferença)  e  seus  resultados  (eficácia,  efeitos  negativos).”[...].  Disponível  em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4267226Y6.  Acessado  em Jan. 2014. 

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participava de uma pesquisa previamente autorizada, a funcionária ligada à

assessoria de comunicação da concessionária relatou que minha presença ali não

era mais desejada, pois estaria “incomodando” os clientes/usuários/passageiros da

empresa. Esta abordagem ocorreu na Estação de Arco Verde, em Copacabana. Tive

que me retirar da estação e muito aborrecido entrar em contato com o professor

responsável, sendo que ele abriu um diálogo com a concessionária e decidiu não

polemizar, pois a proibição para a realização da pesquisa era iminente.

Talvez a imensa preocupação com a imagem transmitida pelos serviços

prestados pelo metrô esteja intimamente ligada à sua própria construção e interesse

principal, que foi atender à mobilidade de uma classe média urbana da região central

e sul do Rio de Janeiro, onde as implicações simbólicas de um possível “incomodo”

ou deficiências percebidos por este público, possam afetar a imagem que a

concessionária queira demostrar aos seus clientes. Ao realizar o mesmo

questionário na Estação Pavuna, não fui interpelado em qualquer momento por

nenhum segurança ou funcionário do MetrôRio.

Outra questão a se ressaltar é que os serviços do metrô foram concedidos à

iniciativa privada em Abril de 1998, porém a responsabilidade pública deste modal é

referente ao governo do Estado do Rio de Janeiro, portanto, ele é um serviço que

tem como delimitação geográfica o atendimento à população do Estado do Rio de

Janeiro. Porém o que se verifica é que seus serviços se restringem aos limites do

município do Rio de Janeiro, com sua atual expansão, neste momento, para a Zona

Oeste da cidade e não havendo apontamento futuro para que esta extensão saia

destes limites.

Existe um movimento denominado “Movimento Metrô-Baixada” que possui um

site na internet e que já se utilizou de outdoors em alguns lugares da RMRJ, como a

saída da Linha Vermelha na altura de São João de Meriti, para divulgar o apelo. No

site131 há o apontamento que o movimento tem como liderança o empresário e

morador de Mesquita, Mauro Leiroz, e que iniciou o movimento com o discurso das

deficiências dos serviços de mobilidade urbana para a Baixada Fluminense e

acreditando que a extensão do metrô até a região irá melhorar significativamente a

mobilidade da população da região. De certa forma este movimento traduz de

                                                            131 Movimento Metrô Baixada – Disponível em http://www.metrobaixada.com.br/. Acesso em Jan. 2014.  

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maneira curiosa uma percepção coletiva e a imagem que a concessionária MetrôRio

tanto procura manter e produzir aos seus clientes e a opinião pública.

Figura 25 – Notícia vinculada ao Movimento Metrô Baixada e a liderança de Mauro Leiroz

Fonte: Site Metrô Baixada (2014).

4.2.5 Automóveis: Um caso à parte?

Falar sobre os automóveis particulares, popularmente chamados de “carros”,

acaba por ganhar um significado distinto em nossa discussão, devido a uma

diferença fundamental em relação aos outros modais aqui antes debatidos. Os

carros são particulares e seu uso-fim, quase sempre, é particular e privado.

Podemos perceber, por toda leitura desta tese, que todos os transportes

urbanos aqui descritos, em sua grande maioria, possuem sua gestão realizada por

empresas privadas e seu uso-fim também está relacionada a aferição de lucro, como

quase toda atividade produtiva no sistema capitalista. Porém e apesar dos serviços

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de transportes urbanos serem em sua primazia concessões privadas ou

pertencentes a empresas, seus serviços são invariavelmente de natureza pública.

Mesmo nos deslocamentos realizados por vans, kombis e mototáxis, vemos a ação

do Estado no sentido da regularização e regulamentação de suas práticas devido o

interesse público embutido nos serviços oferecidos.

No caso contemporâneo, em relação aos automóveis particulares, é

interessante notar a construção e a percepção de que grande parte dos problemas

viários e da mobilidade urbana está intrinsecamente associada e produzida pela

utilização dos automóveis particulares. O binômio uso particular/ uso público parece

ser o mote desta quase totalidade afirmativa de que o cerne do problema da

mobilidade urbana é o “carro”. Este processo, que neste momento iremos chamar de

“demonização do carro”, tem suas causas e motivações pelos problemas de

mobilidade encontrados em grande parte das vias urbanas metropolitanas. Porém

não podemos esquecer que este problema se realiza principalmente por uma opção

política com base desenvolvimentista e por opções do próprio planejamento urbano.

Em meados da década de 1950, já no governo de Juscelino Kubitschek, a indústria

automotiva torna-se um dos principais pilares do desenvolvimentismo nacional. A

partir dos anos 1960, e já com a ditadura militar instaurada, fica evidenciada a opção

rodoviarista como forma de expansão e mobilidade urbanas, assim como o projeto

do setor automobilístico como liderança e propulsor nos planos de desenvolvimento

econômico do país.

Enquanto nos 1960 e 1970 comprar carros era um luxo reservado às elites e

à classe média diminuta no país, e principalmente concentrada nas regiões Sul e

Sudeste, nos anos 1980 até meados dos anos 1990 as crises econômicas nacionais

não permitiram um grande avanço no número de automóveis nos centros urbanos,

apesar das taxas crescentes no número de automóveis serem verificados neste

período. Como já verificamos, os índices de crescimento populacional têm uma forte

queda nas regiões centrais e mais urbanizadas das metrópoles, enquanto que

periferias e localidades mais distantes dos núcleos urbanos acabam por concentrar

maiores taxas de crescimento populacional. O crescimento demográfico nestas

regiões irá ter uma correspondência direta com o aumento significativo do número

de automóveis particulares nas metrópoles, principalmente por alguns fatores.

Primeiramente devido ao movimento de forte conturbação do tecido urbano,

gerando manchas urbanas cada vez mais articuladas e integrando cada vez a

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população e produzindo ainda mais relações de interdependência entre municípios,

mundo do trabalho, moradia e lazer; outro fator importante é que os investimentos

pela opção rodoviarista não diminuíram em todas estas décadas, muito pelo

contrário, existem cada vez mais investimentos em dispositivos e obras viárias, além

de incentivos para o consumo e troca de veículos automotores particulares, a frota

nacional se modernizou de maneira intensa nos últimos anos; um terceiro fator que

deve ser levado em conta são as inovações tecnológicas, as maiores possibilidades

de financiamento e o lobby que a indústria automobilística detém ao fazer pressão

política no que se refere aos números da indústria e na geração de empregos; um

fato importante é que o poder de compra de uma grande parte da população, e que

não tinha a possibilidade de comprar carros nos anos anteriores, se modifica entre o

final dos anos 1990 até os dias atuais, muito devido a políticas de transferência de

renda e do crescimento e estabilidade econômica em que o país se encontra até os

dias atuais.

Um último fator, e que se desdobra em dois, que acreditamos ser considerado

e que em quase todas as análises não é citado, é o valor simbólico que possuir um

carro para as classes mais pobres detém. Durante muitos anos foi articulada a ideia

de desenvolvimento e de mobilidade social a se possuir um carro, esta ideia corrente

percorre o imaginário social da população brasileira por muitos anos e ainda

permanece presente. Quando grande parte das pessoas das classes mais pobres

consegue adquirir seus carros, um forte processo de “demonização do carro” parece

se instaurar. O outro desdobramento, e que parece ser esquecido nas críticas ao

grande número de veículos automotores particulares que circulam nas ruas das

metrópoles, é que mesmo com os imensos congestionamentos cotidianos e que não

respeitam mais a faixas de horários de rush no pêndulo casa x trabalho x casa, é a

percepção de que ainda parece ser mais confortável estar dentro do seu veículo e

gastar mais tempo para se deslocar pela metrópole, do que gastar o mesmo tempo e

ter um desgaste físico degradante nos serviços de transporte público oferecidos,

vide a situação de barcas, ônibus e, principalmente, trens urbanos metropolitanos na

RMRJ.

Outro ponto que deve ser observado é que a opção rodoviarista não inclui

somente os veículos automotores particulares nas ruas das cidades, mas a opção

da mobilidade urbana concentrada nos ônibus urbanos, que não podemos esquecer

também são veículos automotores e no caso brasileiro quase todos particulares

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apesar de oferecerem um serviço público, faz com que os espaços viários ocupados

nas vias expressas e ruas da metrópole fiquem fortemente ocupados. Não é raro

nas imagens dos grandes congestionamentos observarmos filas de ônibus, e

também caminhões, nos corredores viários.

Um acréscimo aos problemas no número de veículos automotores nas vias

urbanas foi o surgimento, de certa maneira não esperado, dos transportes informais

a partir de meados dos anos 1990, e que levou às ruas uma enorme quantidade de

veículos de médio porte, em sua maioria utilitários, vans e kombis, e que fazem os

trajetos urbanos de passageiros. Também não podemos não mencionar a enorme

quantidade de motocicletas também introduzidas nas vias urbanas, principalmente

pelo baixo preço, a facilidade de compra das mesmas e o advento do serviço de

mototáxis, cada vez mais presente em grande parte dos municípios da RMRJ.

Esta relativização em relação ao que denominamos aqui de “demonização do

carro” não exclui todos os problemas e mazelas verificadas pela imensa quantidade

destes veículos nas vias urbanas, porém devemos mencionar que o problema do

aumento significativo do número de carros nas metrópoles também deve estar

diretamente ligado à falta sistemática de investimentos em opções de transportes

urbanos de massa e que foram estruturalmente negligenciados, principalmente no

que tange a oferta de transporte sobre trilhos. Com a percepção de que o aumento

demográfico se deu, em sua grande maioria, em áreas periféricas que foram sendo

incorporadas ao tecido urbano produtivo e, portanto, com uma grande população

com necessidades de deslocamentos mais longos devido à distância de suas

moradias em relação aos núcleos urbanos que têm a primazia na oferta de trabalho,

a opção rodoviarista se opõe a uma ideia cara ao planejamento urbano de que

grandes deslocamentos urbanos por um grande número de pessoas devem ser

realizados pelos transportes de massa por trens urbanos ou pelo metrô.

Apesar dos inúmeros problemas apontados com a forte presença dos

deslocamentos urbanos realizados pelos automóveis nas vias da metrópole

fluminense, Kleiman (2010) apresenta uma contribuição para a mobilidade urbana e

problematiza a construção de duas “vias expressas” e suas repercussões para a

metrópole. Através da observação do planejamento urbano fluminense da década de

1960, no governo de Carlos Lacerda, e as diretrizes do “Plano Dioxiadis” que,

através de uma política também rodoviarista traçou projetos de vias expressas por

carros com uma nomeação policromática destas vias de acordo com o traçado de

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cada uma. Havia o planejamento para a construção de várias “Linhas” expressas e

que interligariam diferentes áreas da Região Metropolitana através dos

deslocamentos diretos e velozes dos automóveis. Entre estas “Linhas” podemos

observar que constavam as linhas “Vermelha”, “Azul”, “Verde”, “Amarela” e

“Marrom”.

Concebidas em um contexto de auto-estradas urbanas, que previa cinco delas, inseridas no “Plano Dioxiadis” de 1965, como “Linhas Polícromicas”, foram construídas, até o momento, apendas duas: a “Linha Vermelha”, em 1992, e a “Linha Amarela”, em 1997, ficando apenas como ideia as outras três: a “Verde”, a “Azul” e a “Marrom”. A “Verde” ligaria a Gávea à Via Dutra, o que incluiria um projetado túnel urbano extenso entre o bairro da Gávea com a Rua Uruguai na Tijuca, seguindo desta direção do Túnel Noel Rosa (construído, que liga Vila Isabel ao bairro do Jacaré), e deste em forma de elevado (parcialmente construído) se atravessaria os bairros adjacentes até cruzar a Av. Brasil até seu enlace com a Via Dutra. A “Azul” ligaria Recreio do Bandeirantes a Rodovia Washington Luís, com traçado totalmente singular pois que cortaria em diagonal várias partes da cidade. Sua ideia e traçado foi incorporada pelo Plano Lucio Costa para a baixada de Jacarepaguá. Partes desta via existe hoje em dia, como a Av. Salvador Allende, a Rua Cândido Benício, e outras, atravessando os bairros do Recreio, Jacarepaguá, Madureira, Irajá, etc., mas não sob a forma de via expressa. A “Marrom” ligaria o Centro a Santa Cruz, e desta nenhuma parte foi executada [...] (KLEIMAN, 2010, p.4).

Há a análise dos efeitos propiciados pelas execuções destes projetos, que

são datados na década de 1960, mas que só foram efetivados nos anos 1990, e o

conceito racional-funcionalista ainda presente na concepção urbana da cidade

“moderna”. O caráter unidimensional em relação à utilização de veículos

automotores nestas vias expressas ratifica a opção das políticas públicas de

mobilidade urbana em relação ao privilégio dado à opção automobilística. Porém

existem efeitos objetivos e claros em relação às mudanças econômicas e sociais

propiciadas pela construção destes dispositivos viários.

A Linha Amarela, em seu traçado de caráter transversal em relação às vias de

traçado longitudinal (Av. Brasil, Linha Vermelha), possibilitou o acesso rápido e, a

princípio, funcionou como corredor expresso realizando o contato das camadas mais

altas da população carioca à região da Barra da Tijuca que já surgia como

importante vetor de modernização na visão de um avanço modernizador na

ocupação urbana carioca, reflexo do ideal racional-funcionalista de uma “nova

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cidade”, a “moderna cidade” própria aos negócios. Este acesso se daria pelos

“fundos” da região, que seria pelo contato da Avenida das Américas, cortando vários

bairros suburbanos. Havia a ideia de uma exclusividade da função da circulação

viária, através dos automóveis particulares, em relação a outros aspectos

integrativos entre os bairros e funções diversificadas da cidade. A existência de um

pedágio ao centro desta autopista urbana (novidade no mundo) reforça o caráter de

atendimento às classes sociais mais elevadas e que poderiam comprar automóveis,

além de pagar diariamente pela tarifa. Porém os efeitos causados por este enorme

dispositivo urbano alterou de maneira significativa a morfologia urbana da metrópole,

principalmente de bairros do subúrbio e da Zona Oeste, alterando as relações do

uso do solo, separando bairros anteriormente integrados, reforçando o contato entre

estas localidades através do automóvel, contato este que era realizado por inúmeras

ruas sinuosas e que podiam ser transcorridas a pé ou de bicicleta. Os movimentos

gerados pela mobilidade urbana propiciada permitiu que a Linha Amarela pudesse

ter uma maior porosidade urbana, sendo fundamental para a ligação expressa de

bairros que antes só poderiam ser alcançados pela circulação “interna” entre as

veias e artérias viárias da cidade. Inicia-se um processo de contato entre bairros

cariocas, municípios da Baixada Fluminense e a região da Barra da tijuca através da

via expressa, com a abertura de vários acessos em bairros do subúrbio

atravessados pela via expressa, além da criação de diversas linhas de ônibus que

passam a circular realizando estas conexões urbanas (KLEIMAN, 2010).

A Linha Vermelha torna-se, também, importante via de conexão urbana ao

propiciar com maior velocidade e exclusividade, neste caso em primazia pelos

automóveis, um contato direito entre os municípios da Baixada Fluminense e

núcleos importantes da metrópole, favorecendo e aproximando principalmente os

municípios de Duque de Caxias, São João de Meriti e Belford Roxo a estes núcleos

importantes. Esse contato se dá pelos acessos pelo Túnel Rebouças, que faz

contato com os bairros da Zona Sul carioca; a Ponte Rio-Niterói e a ligação com

Niterói, São Gonçalo e Região dos Lagos; a Linha Amarela, realizando o contato

com bairros do subúrbio e à Barra da Tijuca. Apesar da Linha Vermelha ainda

privilegiar as classes mais elevadas e que podem ter veículos automotores, houve a

possibilidade da integração urbana por intermédio de linhas de ônibus que circulam

na via, permitindo um importante ponto de adensamento e modificação da

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morfologia urbana, devido à alterações na metrópole fluminense através da

mobilidade proporcionada por estas duas vias expressas (KLEIMAN, 2010).

O excesso de veículos, os congestionamentos e acidentes ocorridos nos

últimos tempos nestas vias, não retiram a importância das mesmas no ritmo de vida

da metrópole. Quando há grandes acidentes e que acabam por interferir e paralisar

a circulação por estas vias, a metrópole, que circula em um sistema difuso e

assimétrico, praticamente se paralisa.

Kleiman (2011), através de um olhar histórico, reflete sobre a mobilidade

urbana fluminense a partir do ano de 1995, observando e analisando a situação

atual na oferta dos transportes urbanos, além de apontar as dificuldades e

incongruências apresentadas.

A inflexão para deslocamentos majoritários pelo modal automotivo, inclusive com a extinção do transporte por bondes e o “sucateamento” dos trens, terá como efeito, em princípio, um “espessamento” com verticalização e adensamento dos bairros onde exista infra-estrutura de habitabilidade, equipamentos coletivos, e serviços mais desenvolvidos, e a atração de camadas de baixa renda a localizarem-se no seu núcleo colados aos eixos de circulação (a favelas no centro e zona sul, norte do Rio de Janeiro) para tentarem beneficiar-se da proximidade desta infra-estrutura, equipamentos e serviços. A grande massa empobrecida que foi instalar-se na periferia da metrópole (Baixada Fluminense) terá grandes constrangimentos à mobilidade Todos estes fatores conduzem a uma geração de uma configuração onde intensifica-se o centro, criam sub-centros, os pobres estarão na periferia distante mas também presentes no núcleo. Faz-se assim um espessamento do que já estava pleno, por densificação e verticalização, e vai enchendo-se uma periferia contígua, ampliando-se a metrópole [...] (KLEIMAN, 2011, p. 3).

Ainda segundo os dados de Kleiman (2011) há um crescimento na frota

automotiva, em um período de 30 anos, que demonstra os gargalos encontrados

pela opção rodoviarista nos dias atuais.

Tabela 16 – Quantidade de carros período de anos

Automóveis particulares/ Ano

1970 2000 2010

Quantidade de 350.000 2.000.000 3.000.000

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veículos em circulação

Fonte: Kleiman (2011), adaptado.

Além do aumento do número de automóveis particulares, Kleiman (2011)

aponta para o grande incremento no número de ônibus a partir de 1997, onde temos

um aumento de “10.000 veículos para 15.000, mais 1.200 micro-ônibus, compondo

411 linhas intermunicipais e 1.268 linhas municipais metropolitanas, e 1.005 ligando

a metrópole a municípios supra-metropolitanos (PDTU, 2003)” (KLEIMAN, 2001,

p.6).

Em relação aos transportes informais apura que “[...] A frota deste tipo de veículo

apresenta crescimento muito forte (já são 11.000 veículos na RMRJ, sendo que

destes a metade são clandestinas, e atingem 40.000 veículos no Estado do Rio [...])”

(KLEIMAN, 2011, p.8).

Analisando comparativamente a situação dos carros particulares e os

investimentos do Estado nos transportes de massa, Kleiman (2001) aponta que

apesar do incremento no aumento das viagens realizadas nos últimos anos pelos

trens urbanos da Supervia, fica evidenciada a falta de capacidade dos investimentos

realizados para a melhoria da qualidade do serviço, principalmente na diminuição

dos intervalos e quebras das composições, o que só será possível quando houver

efetivos investimentos em infraestrutura e novas composições. Algumas novas

composições foram compradas e incorporadas às linhas que servem aos

suburbanos cariocas, como já vimos anteriormente, mas as regiões que apresentam

maiores adensamentos populacionais dos últimos anos, como Belford Roxo e a linha

que atende Saracuruna/Gramacho, ainda possuem as piores condições de viagem

pelo serviço oferecido pelos trens urbanos.

Assim Kleiman (2011) chega à seguinte conclusão enquanto observação

acerca do momento atual da mobilidade urbana no contexto da metrópole

fluminense: A força de trabalho estará submetida a um prolongamento de sua jornada pelo aumento das distâncias, e nisto relaciona-se e o acréscimo no valor das tarifas para deslocar-se, o acréscimo de tempo de viagem (existem casos em que o trabalhador gasta 4 horas diárias no trajeto de ida e volta de casa ao emprego). A situação dos setores populares , sejam os da primeira coroa periférica, e ainda mais os da periferia mais distante, agravou-se com a reestruturação

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produtiva no bojo do ideário neoliberal, onde o Estado abandonou a concepção do transporte público pela política de rentabilidade das empresas. Assim, na metrópole do Rio de Janeiro, foram privatizados os transportes por trens e concedidos os do metrô. Para o transporte por ônibus, que já eram totalmente concedidos às empresas privadas (até 1970 existia uma companhia de transportes coletiva pública) os preços, apesar de estarem sobre o controle estatal passam a ser determinadas por uma tarifação real (ou seja, sempre acima da inflação do período de um ano) calculado com base no índice de inflação mais planilhas de custos fornecidas pelas empresas, mais um percentual de lucro [...] (KLEIMAN, 2011, p. 15).

Figura 26 – Frota de veículos automotores no Brasil por tipo de veículo – 2001 e 2012

Fonte: Elaborado pelo Observatório das Metrópoles com dados do Departamento Nacional de

Trânsito (DENATRAN) – (EVOLUÇÃO, 2013).

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Figura 27 - Crescimento da frota de automóveis nas 15 principais regiões metropolitanas – 2001 a

20012.

Fonte: Elaborado pelo Observatório das Metrópoles com dados do Departamento Nacional de

Trânsito - DENATRAN – (EVOLUÇÃO, 2013).

Figura 28 – Frota de automóveis – Região Metropolitana do Rio de Janeiro (2001 a 2012).

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  214

Fonte: Elaborado pelo Observatório das Metrópoles com dados do DENATRAN – (EVOLUÇÃO,

2013).

4.3 Considerações acerca de um “tipo ideal”.

Não ensejando nos aproximar da profundidade do trabalho realizado por

Weber, através da construção de seu método e teoria por sua vasta pesquisa

histórica e erudição acadêmica, tentaremos através de observações do

conhecimento até aqui acumulado, tecer a possibilidade de uma tipologia ideal

acerca da oferta dos transportes urbanos no contexto da RMRJ, e mais do que

incitar parâmetros de observação para os transportes, tentar compreender através

desta análise, a própria construção de uma mobilidade urbana na forma dos

deslocamentos urbanos da metrópole fluminense. Esta tipologia tem inúmeras

limitações, pois não pode somar todas as imensas contribuições multidisciplinares

que continuam sendo produzidas por diferentes campos do conhecimento, e que

vêm municiar cada vez mais o campo da mobilidade urbana com dados e

informações sobre o deslocar-se nas metrópoles. A emergência do problema ou da

“crise” da mobilidade urbana apontada e encontrável em muitas regiões

metropolitanas do país, assim como o advento dos grandes eventos que estão

prestes a acontecer, a Copa do Mundo de Futebol FIFA em doze estados da

federação e as Olimpíadas de 2016 com sede na cidade do Rio de Janeiro, traz à

tona uma série de produções e informações que podem se tornar um marco

importante para uma visão mais abrangente, complexa e integrada sobre o

fenômeno da mobilidade urbana e seus rebatimentos sociológicos.

A tipologia aqui sugerida acompanhará o desenvolvimento da noção das

“formas de vida pelo transporte”, que podem nos municiar com informações que

ficam esvaziadas de reconhecimento quando se trata dos problemas técnicos ou

políticos da mobilidade urbana. “Como se viaja” pelo tecido urbano talvez seja a

informação mais relevante para poder se desenhar, a partir deste ponto, as reais

necessidades de mobilidade de um vasto contingente de pessoas que não têm “voz”

nas considerações técnicas, ou até mesmo acadêmicas, relacionadas ao ato de se

transportar pelas cidades. A(s) natureza(s) histórica, política e econômica desse

fenômeno não podem ser simplesmente ignoradas nestas percepções, porque são

partes integrantes e indissociáveis na configuração da oferta de meios de transporte

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e nas formas dos deslocamentos urbanos. Não podemos esquecer que o Rio de

Janeiro foi a capital federal por quase dois séculos e que a centralidade política do

estado têm uma importante função para as políticas nacionais. Outro fator que deve

ser levado em consideração é o contexto regional impresso nesta análise, pois a

configuração histórica e geográfica do Rio de Janeiro não pode ser replicada em

outras regiões metropolitanas do país, mas ainda sim acreditamos que esta tipologia

possa apontar indícios interessantes e que podem se repetir em grande parte da

configuração da mobilidade urbana encontrada na maioria das metrópoles

brasileiras.

4.3.1 “Tipo ideal” da oferta de transportes urbanos na RMRJ

• A segregação sócio-espacial irá se replicar nas possibilidades de oferta de

mobilidade urbana de acordo com a associação de diferentes camadas

sociais a determinadas localidades “destinadas” a um determinado grupo

social;

• A hierarquização social histórica do país, com a clara separação racial e

econômica na esfera de direitos e acesso aos benefícios públicos, também irá

se traduzir na configuração sócio-espacial e consequentemente nas

diferentes valorizações do uso do solo e nos deslocamentos das pessoas nas

cidades. A história fluminense, fortemente pautada pela escravidão e na

tímida formação de uma camada social liberta e empobrecida, também

assistirá o território se configurar em localidades separadas entre uma elite

social e as camadas populares, após o fim da escravatura em 1888.

• Desde 1808, com a fuga da família real portuguesa à colônia, muitos avanços

na área dos transportes foram realizados pelo Império, porém esses avanços

se tornam mais evidentes após a metade do século XIX e através de

iniciativas privadas, como as realizadas pelo Barão de Mauá e empresas

estrangeiras.

• Apesar de existiram companhias e empresas públicas por quase toda a

formação e expansão urbana da metrópole do Rio de Janeiro, desde 1808, o

investimento e desenvolvimento dos meios de transportes para passageiros

foram prioritariamente associados à iniciativa privada, através de ações

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individualizadas ou empresariais, ou à criatividade dos grupos sociais que

necessitavam de “saídas” para seus deslocamentos.

• A expansão urbana do Centro, e a ocupação da Zona Sul e região da Tijuca

no Rio de Janeiro, se deram prioritariamente pelos serviços privados de

bondes e carris. Os ônibus, também de controle privado, têm uma influência

tímida no início deste processo, mas passam a aumentar sua importância a

partir da década de 1930, até assumirem papel preponderante na mobilidade

urbana fluminense até os dias atuais.

• A ocupação do subúrbio e de áreas mais distantes do Centro da então capital

federal se realizou prioritariamente pelos trens urbanos da Central do Brasil,

que possibilitaram o adensamento de várias localidades da Baixada

Fluminense, criando núcleos, vilas e posteriormente cidades.

• As discussões do papel do Estado na política de transportes urbanos sempre

foi um tema presente nas formulações e discussões políticas sobre o controle

urbano, principalmente após 1930. Mas de fato toda proposta mais

aprofundada de uma tomada de decisões mais efetivas na oferta dos

transportes urbanos pelo Estado, foi suprimida por interesses privados e pela

afirmação de que a iniciativa privada poderia oferecer melhor os serviços,

porém com o devido “controle” estatal.

• A partir de 1955 o país elege a indústria automobilística como principal motor

na proposta do desenvolvimentismo econômico e social a partir de então. O

viés rodoviarista vai se intensificar a partir deste momento e irá se intensificar

mais fortemente a partir dos governos militares e que têm início a partir de

1964. O Rio de Janeiro irá se fundir e se tornará um só estado, unindo Estado

do Rio de Janeiro e Estado da Guanabara (antiga capital federal), entrando

em uma espécie de ostracismo político e econômico, e que perdurará até

início dos anos 2000.

• O serviço de trens urbanos, que era gerenciado por uma empresa pública, a

Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), irá gradativamente se

deteriorar entre os anos 1960 e 1970, tendo posteriormente investimentos em

sua modernização ao final dos anos 1970 e início de 1980, e tendo o auge no

número de usuários transportados durante os anos 1980. Em 1996 os trens

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urbanos são municipalizados pela agência da Companhia Estadual de Trens

Urbanos (Flumitrens) e posteriormente privatizados à Supervia, em 1998.

• O modelo rodoviarista fluminense de mobilidade urbana pelo transporte por

ônibus se consagrará após o fim da Segunda Guerra mundial, com a disputa

de “posições” entre diferentes empresários e empresas de ônibus. Irá se

configurar, a partir deste momento, grandes empresas familiares que

formarão oligopólios no controle dos ônibus no Estado do Rio de Janeiro.

Estes oligopólios permanecem até os dias atuais. A última iniciativa de um

controle público dos serviços foi o encampamento de várias empresas

privadas pelo Estado e que se deu no governo de Leonel Brizola em 1985.

Está tentativa de “retomada” da hegemonia dos serviços de mobilidade

fracassou logo depois por descontinuidades políticas, pressões econômicas e

sabotagens técnicas. De 1962 a 1996 existiu a Companhia de Transportes

Coletivos (CTC), mas que não resistiu à falta de investimentos estatais e à

primazia dada à concorrência privada.

• A partir de meados dos anos 1990 a administração pública nas esferas

estadual e municipal decide que todos os serviços de transportes urbanos

devem ser privatizados, e são. Havendo pouquíssimas ocorrências onde as

ofertas de mobilidade são gerenciadas pelo poder público.

• A segregação sócio-espacial irá se reproduzir e se traduzir em todos os

serviços de transportes urbanos na RMRJ. O serviço dos trens urbanos

fluminense vive um processo de sucateamento e péssimos serviços prestados

nos últimos anos, pois atende grande parte da população que reside na Zona

Oeste do município do Rio de Janeiro, Baixada Fluminense e subúrbio

carioca. Dentro deste modal há uma diferenciação na oferta de qualidade

claramente apontada pelos usuários e percebida experiencialmente. O ramal

Central x Deodoro, que é “parador”, pois faz parada em todas as estações da

linha, oferece as melhores composições e os horários mais regulares. Os

ramais de Belford Roxo e “Gramacho” são os que possuem as piores

composições e os intervalos mais imprevisíveis. As composições destes

ramais são conhecidas popularmente como “trens fantasmas”.

• O serviço de ônibus oferece condições variadas de acordo com a localidade

que atende. Invariavelmente os ônibus que servem o Centro e a Zona Sul do

Rio de Janeiro são mais novos, possuem ar condicionado e circulam com

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uma frequência maior, apesar de também conviverem com a superlotação e

problemas com a violência urbana. Os ônibus que atendem os subúrbios, a

Zona Oeste e a Baixada Fluminense são invariavelmente mais velhos,

possuem graves problemas com a temperatura devido aos aparelhos de ar-

condicionado quebrados ou em mau funcionamento, superlotação e graves

problemas de violência. A população da Baixada Fluminense convive ainda

com uma grande diferença tarifária, pois suas linhas são intermunicipais e

pagam tributos aos municípios que cruzam, mesmo que percorram distâncias

menores do que os ônibus que atendem ao município do Rio de Janeiro e

praticam tarifa única. As relações entre usuários e profissionais rodoviários

também é uma relação tensa, pois as condições de trabalho a que são

submetidos motoristas e cobradores os expõe a longas jornadas de trabalho,

exaustão física e psicológica, pressão mercadológica em relação a horários e

número de passagens, assédio moral e contato cotidiano com a violência

urbana. O grande número de acidentes que têm acontecido, em grande parte,

é devido a problemas na relação passageiro x motorista, e há casos de

assassinatos recentes de motoristas de ônibus.

• As barcas apresentam graves problemas na oferta de seus serviços, com

embarcações envelhecidas e horários não cumpridos, ainda passando

recentemente pela polêmica de um grande aumento tarifário e a proibição,

através de decisão judicial, de que clientes protestassem contra a empresa

concessionária. As barcas atendem grande parte da população que se

desloca de Niterói e São Gonçalo ao Centro do Rio de Janeiro, e que não

possuem automóveis para poder cruzar e pagar o pedágio da Ponte Rio-

Niterói.

• O serviço do metrô no Rio de Janeiro é reconhecidamente de melhor

qualidade em relação aos outros modais, mas demonstra também sua

limitação e hierarquização. Primeiramente por ser uma concessão estadual,

mas só atender os limites do município do Rio de Janeiro, e, demostrar os

interesses concentracionistas da política de mobilidade urbana do Estado.

Outro fator é a diferença apontada por usuários, e pela experiência

vivenciada, dos serviços oferecidos entre a Linha 1 (que atende

prioritariamente a Zona Sul e o Centro do Rio) e a Linha 2 (que atende

prioritariamente bairros do subúrbio carioca), indicando que a hierarquização

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social e espacial acaba por ser sentida e percebida nos serviços oferecidos,

por mais que as tarifas pagas sejam as mesmas.

• Os transportes informais (vans, kombis e mototáxis) surgem como uma

“invenção de mercado” devido aos processos de flexibilização das forças

produtivas, da perda de estabilidade do trabalho formal, das inovações

tecnológicas da indústria automobilística e das necessidades de

deslocamento pelas camadas médias que irão se formar em núcleos urbanos

afastados e que demandam melhores serviços de transportes. Esse

“movimento” tem início a partir de meados da década de 1990. Os serviços do

transporte alternativo também vão apresentar uma certa hierarquia, onde as

vans (existem vans de “luxo” e as vans comuns) realizarão os trajetos mais

longos, às vezes com ar condicionado e cobrando tarifas mais altas,

atendendo camadas mais elevadas dos núcleos peri-urbanos. As kombis

quase sempre fazem o transporte entre bairros e os núcleos urbanos, não

realizando viagens mais longas (isto não é uma rega) ou intermunicipais,

cobram as mesmas tarifas dos ônibus intra-municipais ou com um valor um

pouco menor. Os mototáxis servem como alternativa para se chegar

velozmente a um ponto específico e como contato entre comunidades e

localidades onde os outros modais efetivamente não chegam, devido à

existência de vielas e ruas inacessíveis. Costumam cobrar tarifas menores

que vans e kombis. Os transportes informais carregam para os serviços

oferecidos à população os problemas relacionados à ilegalidade de grande

parte de sua frota, e as disputas políticas em busca de sua efetiva

regulamentação. Também a uma forte associação com milícias e traficantes

que controlam algumas cooperativas, gerando o que é popularmente

conhecida como “máfia das vans”, mas que não se traduz por todo serviço

prestado. A falta de controle e regulamentação deste “novo” modal também

se evidencia por um aumento do número de acidentes e a da gravidade dos

mesmos, assim como o assassinato de motoristas, cobradores e

cooperativados dos transportes informais.

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  220

4.4 Análise de dados sobre as percepções da mobilidade urbana

4.4.1 Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU)132

De acordo com a proposta do uso de dados e informações que pudessem

revelar as percepções coletivas sobre a mobilidade urbana, o IBEU é um

interessante instrumento para nosso trabalho, pois atinge uma amplitude de

pesquisa a uma quantidade de pessoas com significância estatística, além de trazer

como novidade de análise a aferição sobre as percepções acerca da mobilidade

urbana em diversas regiões metropolitanas no país.

O IBEU procura avaliar a dimensão urbana do bem-estar usufruído pelos cidadãos brasileiros promovido pelo mercado, via o consumo mercantil, e pelos serviços sociais prestados pelo Estado. Tal dimensão está relacionada com as condições coletivas de vida promovidas pelo ambiente construído da cidade, nas escalas da habitação e da sua vizinhança próxima, e pelos equipamentos e serviços urbanos. O IBEU foi calculado para os 15 grandes aglomerados urbanos que identificamos em outros estudos133 como as metrópoles brasileiras, por exercerem funções de direção, comando e coordenação dos fluxos econômicos. Para atingir o objetivo proposto, o IBEU foi concebido em dois tipos: Global e Local. O IBEU Global é calculado para o conjunto das 15 metrópoles do país, o que permite comparar as condições de vida urbana em três escalas: entre as metrópoles, os municípios metropolitanos e entre bairros134 que integram o conjunto das metrópoles. O IBEU Local é calculado especificamente para cada metrópole, permitindo avaliar as condições de vida urbana interna a cada uma delas (RIBEIRO; RIBEIRO, 2013, p.7).

Uma das dimensões pesquisadas pelo IBEU é justamente a mobilidade

urbana e sua inserção sobre diversas metrópoles brasileiras, em nosso caso                                                             132 RIBEIRO, Luiz César de Queiroz; RIBEIRO, Marcelo Gomes (Org.). IBEU – Índice de Bem‐Estar Urbano. Rio de Janeiro: Observatório das Metrópoles, Letra Capital, 2013.  133  Nota  1  dos  autores:  “OBSERVATÓRIO  das  Metrópoles.  Análise  das  Regiões  Metropolitanas  do  Brasil. Relatório da Atividade 1: identificação dos espaços metropolitanos e construção de tipologias. Rio de Janeiro, Observatório das Metrópoles, 2005” (RIBEIRO; RIBEIRO, 2013, p. 7). 134 Nota 2 dos autores: “A designação de bairro corresponde, neste estudo, ao que é denominado, pelo IBGE, de área de ponderação. A área de ponderação se constitui de um conjunto de setores censitários – a menor unidade  territorial  de  coleta  de  dados  durante  a  realização  do  censo  demográfico  –  e  se  caracteriza  por apresentar  relativa  homogeneidade  demográfica  e  social;  sempre  que  possível  continuidade  espacial;  e, contiguidade municipal,  ou  seja,  não  ultrapassa  o  limite  administrativo  do município.  Por  este motivo,  a utilização da área de ponderação como correspondente à ideia de bairro se aproxima da concepção sociológica que o bairro representa como espaço social” (RIBEIRO; RIBEIRO, 2013, p. 7). 

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  221

específico temos interesse sobre as informações da metrópole fluminense. A

construção deste índice é uma inflexão importante para as observações acerca das

“formas de vida pelo transporte” que pretendemos discutir neste trabalho e em

trabalhos futuros.

Nas discussões sobre o que considerar como efetivamente um índice de

“bem-estar” como delimitação de objeto de observação, a proposta conceitual do

trabalho se afasta da percepção utilitarista de base da teoria econômica e aponta

sua associação à construção proposta por Harvey com a obra “A justiça social e a

cidade” (1980) e seu conceito de “renda real”, onde “concebida como renda

monetária propriamente dita e renda não monetária, aquela que não depende da

capacidade dos indivíduos [...] a parcela não monetária possibilita mudanças na

renda dos indivíduos em decorrência das mudanças que ocorrem seja na forma

espacial da cidade, sejam nas que se dão nos processos sociais” (RIBEIRO;

RIBEIRO, 2013, p.10). Além desta aproximação ao conceito de Harvey, ressaltam as

colocações de Bourdieu (1997) quando o mesmo refere-se “na medida em que ao

perceber a distribuição desigual dos recursos coletivos urbanos na cidade

compreendemos esse fenômeno decorrente dos processos sociais e espaciais que

implicam possessão e des-possessão dos indivíduos ou grupos sociais no território”

(RIBEIRO; RIBEIRO, 2013, p. 11).

A metodologia utilizada pelo IBEU na dimensão da mobilidade urbana (D1)

utilizou como único indicador a relação do deslocamento “casa-trabalho”135

verificado pelas informações demográficas utilizados. Outros índices não foram

utilizados por não constarem de maneira consistente nas informações demográficas

estudadas.

Em relação ao IBEU Global da Mobilidade Urbana, que pode variar entre 0 e

1, podemos verificar que há uma média de todas as regiões metropolitanas

observadas e a comparação do índice por cada região em separado. O Rio de

Janeiro ocupa a pior avalição em relação a todas as outras regiões analisadas como

podemos ver a seguir.                                                             135“Deslocamento casa‐trabalho ‐ O  indicador de deslocamento casa‐trabalho é construído a partir do tempo de deslocamento que as pessoas ocupadas que trabalham fora do domicílio, e retornam diariamente para casa, utilizam no trajeto de ida entre o domicílio de residência e o local de trabalho. É considerado como tempo de deslocamento adequado quando as pessoas gastam até 1 hora por dia no trajeto casa‐trabalho. Assim, utiliza‐se proporção de pessoas ocupadas que  trabalham  fora do domicílio e  retornam para  casa diariamente que gastam até 1 hora no trajeto casa‐trabalho” (RIBEIRO; RIBEIRO, 2013, p.19). 

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Figura 29 – Mobilidade Urbana (D1) segundo as regiões metropolitanas – 2010.

Fonte: Rodrigues (2013, p.42) in Ribeiro e Ribeiro (2013).136

Esta observação inicial só demonstrar a percepção agregada das regiões

metropolitanas sem levar em consideração as grandes disparidades territoriais entre

os municípios que as integram. No caso do Rio de Janeiro cerca de 60% dos

municípios observados apresentam índices menores do 0,5 (o que indica uma

percepção inferior à média do IBEU), “[...] dos dez municípios com os piores

resultados do IBEU-Mobilidade, sete estão nas duas maiores regiões

metropolitanas. São eles: Fracisco Morato-SP, Japeri-RJ, Ferraz de Vasconcelos-

SP, Queimados-RJ, Belford Roxo-RJ137, Itapecirica da Serra-SP e Franco da

Rocha-SP” (RODRIGUES, 2013, p. 43 in RIBEIRO; RIBEIRO, 2013). É interessante

notar que entre os municípios com os piores índices de mobilidade urbana, em todas

as regiões metropolitanas estudadas no contexto nacional, três deles são da RMRJ,

sendo que todos integrantes da Baixada Fluminense.

Em relação ao questionamento sobre os baixíssimos índices de bem estar

encontrados em grande parte nos municípios das regiões metropolitanas de São

Paulo e Rio de Janeiro, Rodrigues (2013) irá concluir que:

                                                            136 Fonte citada: “Censo Demográfico –  IBGE, 2010. Elaborado pelo Observatório das Metrópoles” Rodrigues (2013, p.42) in Ribeiro e Ribeiro (2013). 137 Grifo nosso. 

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No entanto, temos uma série de outros motivos que nos permitiram afirmar que a situação é, por outro lado, resultado de uma desestruturação do sistema de mobilidade, cujo padrão de deslocamento está cada vez mais baseado no transporte individual. Este distanciamento no resultado do IBEU-Mobilidade pode estar afirmando mais uma vez que metrópoles do porte de São Paulo e Rio de Janeiro não suportam mais deslocamentos baseados predominantemente no automóvel (RODIGUES, 2013, ps. 45, 46 in RIBEIRO; RIBEIRO, 2013).

Oliveira e Nery (2013)138 irão analisar os dados do IBEU Local referentes às

informações da RMRJ. Os bairros que possuem os maiores índices de bem-estar

estão situados na Zona Sul do Rio de Janeiro. Entre eles estão Copacabana (0,982),

Laranjeiras (0, 973), Flamengo (0,968), Humaitá (0,963), Leme (0,953) e Ipanema

(0,948). Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e algumas localidades de

Jacarepaguá foram os únicos bairros da Zona Oeste a constar nos índices mais

altos do IBEU Local. O município de Nilópolis aparece como o único com índice

elevado dentro dos municípios que compõem a Baixada Fluminense. O pior índice é

encontrado no município de Japeri (0,258), seguido pela Comunidade Rio das

Pedras (0,366), em Jacarepaguá (Rio de Janeiro), além dos municípios de

Queimados (0,405), Belford Roxo (0,439), Itaboraí (0,447) e Maricá (0, 472)

(OLIVEIRA; NERY, 2013, ps. 2, 3).

Em relação à dimensão mobilidade urbana (D1) observam que esta dimensão

foi a que obtive o pior resultado dentre todas as outras dimensões avaliadas139.

Observa-se o número de 71% em relação a todas as áreas de ponderação (bairros)

estudadas e que apresentaram resultados ruins ou muito ruins em relação à

mobilidade urbana.

                                                            138OLIVEIRA,  Raquel  de  Lucena;  NERY,  João  Luis.  IBEU  Local  da  Região Metropolitana  do  Rio  de  Janeiro. Observatório das Metrópoles, 2013.  Disponível  em:  http://www.observatoriodasmetropoles.net/images/abook_file/ibeu_riodejaneiro.pdf.  Acesso em Jan. 2014. 139  Mobilidade  Urbana  (D1),  Condições  Ambientais  Urbanas  (D2),  Condições  Habitacionais  Urbanas  (D3), Condições de Serviços Coletivos Urbanos (D4) e Infraestruturas Urbanas (D5). 

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Figura 30 – Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU – Local) – RMRJ – 2010.

Fonte: Oliveira e Nery (2013, p.3).

Figura 31 – Mobilidade Urbana (D1) - RMRJ – 2010.

Fonte: Oliveira e Nery (2013, p.4).

Em relação ao IBEU Local de Mobilidade Urbana (D1) temos bairros de

Copacabana (0,983); Humaitá (0,9783) e Rio Comprido (0,9782), todos situados na

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cidade do Rio de Janeiro, os melhores índices. Os piores índices de Mobilidade

Urbana foram encontrados nos municípios de Japeri (com índices que variavam de

0,001 a 0,063) e Queimados (com índices que variavam de 0,069 a 0,129). Em

áreas localizadas no Rio de Janeiro, os piores índices encontrados foram em Pedra

de Guaratiba e Barra de Guaratiba (0,138), ambos localizados na Zona Oeste do

município (OLIVEIRA; NERY, 2013, p. 4).

4.4.2 Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

Iremos nos utilizar de dados coletados e analisados por pesquisadores do

IPEA realizados pelos respectivos trabalhos: o Sistema de Indicadores de

Percepção Social do IPEA (SIPS)140, de 2011, e o trabalho de Pereira e Schwanen

(2013). Estes dados e observações irão corroborar com a indicação de grande

quadro de piora, ou até mesmo crise, em que se encontra a mobilidade urbana em

algumas regiões metropolitanas brasileiras. O trabalho de Pereira e Schwanen

(2013) irá utilizar como fonte de análise a Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar

(PNAD) do IBGE. O SIPS é uma pesquisa domiciliar que tem por “[...] finalidade de

conhecer as percepções sobre serviços de utilidade pública oferecidos ou postos à

disposição pelo Estado em diversas áreas, como justiça, segurança pública,

educação, saúde e cultura, entre ouras” (SIPS, 2011, p. 3). Ambos os trabalhos

buscam compreender a situação da mobilidade urbana nos períodos de tempo

determinados por seus respectivos recortes.

Através da análise realizada pelo SIPS (2011) pode-se verificar a seguinte

configuração dos transportes nos Brasil de acordo com os modais, as grandes

regiões e a população, além de outras relações pautadas pela incidência dos

transportes urbanos na vida urbana. As figuras abaixo são algumas das informações

obtidas e analisadas pelo trabalho citado, e podem nos dar um panorama contextual

dentro de uma perspectiva nacional e regional sobre a situação dos transportes

urbanos no país.

                                                            140SISTEMA DE INDICADORES PERCEPÇÃO SOCIAL ‐ MOBILIDADE URBANA. IPEA. Rio de Janeiro, Jan., 2011. 

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Tabela 17 – Distribuição dos meios de transporte: Brasil e Grandes Regiões (em %)

Fonte: SIPS (2011, p. 6).

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Figura 32 – Distribuição dos meios de transporte: Brasil e Grandes Regiões (em %)

Fonte: SIPS (2011, p. 20).

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Figura 33 – Qualidade do transporte público em sua cidade: Brasil e Grandes Regiões (em %).

Fonte: SIPS (2011, p. 30).

Figura 34 – Qualidade do transporte público em sua cidade, por nível de escolaridade (em %).

Fonte: SIPS (2011, p.31).

O trabalho de Pereira e Schwanen (2013) irá se basear nos dados fornecidos

pela PNAD e incidirão sobre as causalidades e efeitos encontrados em relação à

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oferta dos transportes urbanos, e sua relação com a qualidade de vida das

populações que vivem em grandes regiões metropolitanas do país. Em relação ao

Rio de Janeiro conseguem verificar uma oscilação na média do tempo gasto para a

realização dos deslocamentos urbanos no período entre 1992 e 2009.

O Rio de Janeiro, por exemplo, apresenta uma trajetória um tanto peculiar [...] A proporção de longos deslocamentos, que teve um ápice de 24% em 1996- 1997, caiu para cerca de 18% em 2003-2004 e depois subiu de volta para 23% no final da década. Esta melhora, a partir do final dos anos 1990, está provavelmente relacionada à inauguração, em um curto período de tempo, de diversas obras de infraestrutura na RM do Rio de Janeiro, incluindo a Linha Amarela, em 1997, e nove estações de metrô, entre 1996 e 1998141 (PEREIRA; SCHWANEN, 2013, p. 16).

Os autores observam através da comparação dos dados no intervalo entre

1992 e 2009 um acréscimo bastante significativo no que se refere ao tempo gasto

para os deslocamentos urbanos, principalmente nas regiões metropolitanas de São

Paulo e do Rio de Janeiro, porém trazem informações interessantes ao afirmar que o

“Rio de Janeiro é a única região metropolitana onde houve uma efetiva melhora nos

tempos de viagem da população mais pobre entre 1992 e 2009, apesar da piora

observada entre as classes mais altas” (PEREIRA; SCHWANEN, 2013, p. 26).

Talvez esta indicação esteja relacionada ao aumento no número de viagens

realizadas pelos trens urbanos em meados dos anos 2000 (e em queda neste

momento), o aumento dos deslocamentos propiciados pelos transportes informais e

o aumento dos congestionamentos em autoestradas, e que concentram os

deslocamentos de grande parte da população de mais alta renda e que possui

automóveis. Porém a afirmação mais interessante dos autores, neste trabalho

recente, seja a percepção e apontamento para um necessário avanço teórico-

metodológico no que diz respeito às análises sobre mobilidade urbana e que se

aproxima bastante dos questionamentos e a proposta desta tese.

                                                            141 Nota 4 dos  autores:  “Duas estações  inauguradas em 1996  (Thomaz Coelho e Vicente de Carvalho),  sete estações em 1998  (Cardeal Arco Verde,  Irajá, Colégio, Coelho Neto, Engenheiro Rubens Paiva, Acari/Fazenda Botafogo  e  Pavuna)  e mais uma  estação  inaugurada  em  2002  (Siqueira Campos). As duas últimas  estações foram  inauguradas em 2007 e 2009  (Cantagalo e  Ipanema/General Osório). Além disso, a administração do sistema de trens metropolitanos foi delegada para uma companhia privada em 1998. Os possíveis efeitos desta concessão sobre o tempo de deslocamento das pessoas, contudo, não são claros” (PEREIRA; SCHWANEN, 2013, p. 16). 

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[...] as consideráveis diferenças encontradas entre as maiores áreas metropolitanas do Brasil indicam que as diferenças sociais assumem relações complexas no tempo e no espaço, e que estas questões precisam ser consideradas conjuntamente em estudos sobre transporte urbano – particularmente sobre os padrões de viagem casa-trabalho. Assim, futuras pesquisas deveriam ir além de análises mais gerais sobre a relação entre renda de tempo de viagem, ou sobre o transporte urbano no Brasil como um todo, e se beneficiariam muito se fossem concentradas nas desigualdades internas do país. Em termos teóricos, metodológicos e empíricos, o estudo aprofundado de casos particulares, ao invés do fenômeno mais geral, pode ser muito útil na medida em que ele possibilita entender como o aumento das taxas de motorização e da expansão urbana contribui de maneiras distintas para moldar o padrão de mobilidade urbana de diferentes classes sociais em diferentes cidades (PEREIRA; SCHWANEN, 2013, ps. 26, 27).

4.4.3 Algumas considerações

As obras acima apresentadas são fundamentais para o enriquecimento de

nosso trabalho, pois além dos muitos trabalhos que produzem informações através

de dados “materiais” sobre a mobilidade urbana, e que são obtidos pelas

informações técnicas relacionadas ao número de viagens realizadas, à arrecadação

tarifária, ao custo operacional dos modais, às motivações das viagens, aos impostos

arrecadados, entre outras informações que podem ser “objetivamente” verificáveis,

os trabalhos acima discutidos buscam um referencial baseado nas “percepções”

coletivas acerca da oferta dos transportes urbanos nas metrópoles, e

consequentemente da mobilidade urbana.

Parece ser este um momento propício em que o questionamento sobre a

mobilidade urbana transite entre a necessidade da obtenção técnica e materializada

sobre os deslocamentos urbanos (e essas informações são realmente fundamentais)

e a observação de que é necessário “perceber” e “conhecer” sobre o que a

população “diz” e “relata” a respeito sobre as formas como se deslocam. Esta junção

é realmente desafiadora, pois qualquer tentativa de aferição direta com um

contingente populacional em base estatística trará grandes problemas

metodológicos e dificuldades de se poder realmente se aprofundar no que se quer

realmente saber.

Os trabalhos citados, cada um com suas respectivas características, realizam

de maneira extremamente satisfatória a difícil tarefa a que se propõem. As

conclusões mais importantes relatadas por estes trabalhos concentram-se na

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observação de que a mobilidade urbana, no contexto das grandes metrópoles

brasileiras, perpassou praticamente nos últimos vinte anos por uma série de

modificações que afetaram diretamente a qualidade de vida da população que vive e

trabalha nestes grandes aglomerados urbanos. A falta de investimentos estruturais

no alargamento da oferta dos transportes de massa; assim como o aumento do

adensamento populacional em áreas periféricas, aumentando assim a concentração

das manchas urbanas; o aumento verificado, de forma quase unânime, de mais de

60% da frota de veículos no país (como média nacional. Em algumas regiões

metropolitanas o aumento é maior, em outras, é menor) fez com que o

estrangulamento da opção rodoviarista, conjuntamente com a ineficiência dos

transportes de massa sobre trilhos (trens e metrô), levasse o país a um estado de

“crise da mobilidade urbana”.

O importante é notar que em todos os apontamentos realizados, a opção

rodoviarista parece ter se esgotado nas possibilidades de efetivação da mobilidade

urbana contemporânea, e tendo como resultado congestionamentos cada vez

maiores e, inclusive, com possibilidades de paralisa dos processos produtivos pela

incapacidade dos deslocamentos urbanos, segundo alguns especialistas. A questão

da qualidade de vida também surge como importante informação, pois tem sido

verificado o aumento no número de acidentes, graves e fatais, e, principalmente, o

aumento de acidentes com motociclistas, ciclistas e pedestres, demonstrando como

a intensificação e piora das condições do trânsito tem relação direta com uma psique

coletivizada de motoristas, passageiros e pedestres que vivem nas grandes cidades.

Apesar de tentativas criativas serem apresentadas nos últimos tempos, como o

incentivo do deslocamento a pé e de bicicleta, incluindo nesta questão a melhoria

dos índices de poluição e do consumo de energia, medidas efetivas para a

implantação destas alternativas são extremamente tímidas no que se refere a ações

estatais nas grandes metrópoles. No Rio de Janeiro as ciclovias só atendem a

população da Zona Sul, não alcançando corredores que cheguem ao centro

financeiro da cidade. Em São Paulo ciclistas morrem atropelados por ônibus e carros

ao tentarem trafegar na Avenida Paulista.

A cidade do Rio de Janeiro vive atualmente uma política de drástica redução

e desestímulo para a circulação de automóveis na região do Centro da cidade. Com

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a derrubada da Perimetral142 e com a “revitalização”143 do Cais do Porto, mais de

duas mil vagas públicas de estacionamento foram suprimidas da região central,

assim como o desvio, mudança de sentido e fechamento de ruas e avenidas indicam

a forte influência da Gerência de Mobilidade144 de inspiração europeia. Mais uma

vez Paris parece servir como um modelo interessante para a utilização de

parâmetros de políticas públicas na cidade do Rio de Janeiro.

Os trabalhos que possuem a preocupação com as percepções dos usuários

em relação à mobilidade urbana, e que já são cada vez mais produzidos através de

pesquisas e estudos que se preocupam com este enfoque, ainda parecem traduzir a

ideia coletivizada de vilania dos automóveis como grandes produtores da

imobilidade urbana. Porém parecem não se aprofundar de maneira mais abrangente

às escolhas políticas estatais em relação às políticas públicas de mobilidade, à

segregação sócio-espacial e às “formas de vida pelo transporte”, que seriam

efetivamente as maneiras pelas quais os grupos sociais indicariam como estão se

deslocando, quais sociabilidades foram e são construídas e quais são suas reais

necessidades.

A “demonização do carro” não reduzirá sua importância e ao invés de se

tentar “diminuir” sua influência, soluções efetivas parecem não estar sendo

construídas e propostas para o fenômeno. Rodízio no uso de placas, restrição de

horários e diminuição de faixas de rolamento parecem ser medidas paliativas e que

forçarão os donos de carros a procurarem outras alternativas para a utilização de um

bem pelo qual compraram, pagam impostos145 e possuem o direito de usufruir.

Ações paliativas não resolverão o estrangulamento dos congestionamentos

enquanto a economia nacional for fortemente influenciada pela indústria

automobilística, que é uma grande geradora de empregos formais e informais, e

parâmetro de vigor econômico nacional. Algo que chama a atenção é que grande

parte da frota de veículos de passeio teve seu aumento atrelado à possibilidade de

compra realizada por camadas mais populares e que puderam comprar e financiar                                                             142 A Perimetral era uma via suspensa construída na década de 1970 e que fazia a ligação Ponte Rio‐Niterói e Avenida Brasil ao Aterro do Flamengo e Centro, margeando a estrutura portuária do Centro e Centro antigo da cidade e com algumas saídas para ruas dessa região. Criada como autopista expressa para automóveis e que, segundo a Prefeitura do Rio de Janeiro, terá seu fluxo substituído pela Via Binário e um Mergulhão na mesma região e que ainda estão em fase de construção. 143 Para alguns, gentrificação. 144 Ver nota 78. 145 Reconhecidamente o Brasil é um dos países onde os automóveis possuem os preços e impostos mais elevados no mundo.  

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seus veículos antigos por novos. Ter um carro no Brasil, como já foi dito

anteriormente, sempre foi um status de mobilidade social. Obviamente que quanto

mais caro e luxuoso o carro, maior será a percepção de riqueza e pertencimento às

classes mais elevadas. O grande desestímulo ao uso de veículos particulares

parece focar-se nos problemas da mobilidade urbana, mas também no momento em

que cada vez mais pessoas podem comprar esses veículos. Não vemos nenhuma

notícia ou campanha que sugira que as classes mais elevadas vendam seus

veículos particulares e passem utilizar exclusivamente os transportes coletivos. Nas

campanhas realizadas pela Prefeitura do Rio de Janeiro para que a população deixe

seus respectivos carros em casa e utilizem os transportes “públicos”, parece não

estar incluída na mensagem a indicação de que grande parte da população que

trabalha no Centro e reside nas Zonas Sul e Norte, possuem o metrô para poderem

se transportar, enquanto um enorme contingente da população precisa realizar

integrações entre modais que oferecem cada vez mais péssimos serviços em

relação ao tempo de deslocamento gasto e a qualidade dos serviços pagos, os

últimos problemas técnicos com os trens da Supervia são a prova efetiva da penúria

dos transportes urbanos na RMRJ.

Algumas possibilidades de melhoria do trânsito poderia se passar por uma

série de mudanças e que necessitariam da integração de esforços do poder público,

das forças produtivas e da sociedade em geral. A flexibilização dos horários de

entrada e saída dos postos de trabalho, onde diferentes faixas poderiam ser

contempladas. Atualmente os picos de rush da entrada e saída do trabalho parecem

ter se alargado, aumentando as faixas entre as chegadas e saídas dos

trabalhadores. Ainda sim esses horários ainda se apresentam em recortes de

horários tradicionais. Outro ponto seria a possibilidade de integração entre carros e

outros modais, onde poderia se explorar estacionamentos, públicos e privados, para

que carros fossem deixados em determinados pontos e os usuários pudessem se

utilizar de outros modais. Esta opção seria bastante válida em relação aos

municípios da Baixada Fluminense, São Gonçalo e Niterói e bairros da Zona Oeste

do Rio de Janeiro. Outra medida seria a efetiva restrição da circulação de caminhões

de carga nas vias de rolamento para carros de passeio e a construção de vias

exclusivas para ônibus e seus respectivos pontos, já que grande parte dos

congestionamentos acontece devido às filas formadas nas paradas dos mesmos. Os

BRT’s trazem essa proposta em sua própria concepção, mas que no Rio de Janeiro

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não consegue se efetivar devido aos inúmeros cruzamentos e sinais de trânsito

existentes, além da ineficiência no número de veículos disponíveis, o que retira a

natureza “expressa” deste tipo de modal. A construção de novos dispositivos

urbanos de rodagem e vias expressas, porque a tendência é que o número de

veículos, efetivamente, não vá diminuir. Por fim a primazia dos investimentos

públicos para a ampliação da oferta e qualidade dos transportes em massa, o que

não parece ser o caso atual, onde a “demonização do carro” parece concentrar

melhor os discursos dos males da mobilidade urbana vivida pelas metrópoles

brasileiras, o que de fato não é mentira, mas também não se pode afirmar como

uma verdade absoluta.

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4.5 Análise de dados sobre pesquisa Origem/Destino das viagens na RMRJ

4.5.1 Plano Diretor de Transportes Urbanos (PDTU) – 2011146

Iremos utilizar os dados da Atualização do Plano Diretor de Transporte

Urbano da RMRJ (2013), realizada pela Secretaria de Transportes do Estado do Rio

de Janeiro, como base de descrição das informações mais recentes sobre os

deslocamentos urbanos realizados na RMRJ. Na observação destes dados

podemos verificar as condições objetivadas da população metropolitana do Rio de

Janeiro em relação às viagens realizadas e a oferta de transportes. O PDTU-2011

concentra-se em variados aspectos da mobilidade urbana, tendo como principal

importância para nosso trabalho a pesquisa domiciliar realizada (Relatório 4). O presente relatório apresenta alguns dos resultados obtidos com a pesquisa domiciliar de origem e destino realizada na RMRJ durante o ano de 2012. São relacionados os principais indicadores de desempenho do sistema de transportes da área pesquisada. Alguns conceitos desse relatório são apresentados a seguir: a) Transporte coletivo: ônibus municipal, ônibus intermunicipal, ônibus executivo, ônibus pirata, transporte escolar, transporte fretado, van, trem, metrô, barcas; b) Transporte individual: dirigindo automóvel, passageiro de automóvel, táxi, moto-táxi, motocicleta e outros; c) Modo motorizado: soma das viagens por modo coletivo e individual; d) Modo não-motorizado: soma das viagens a pé e por bicicleta (PDTU-2011, 2013, p.2).

Em relação às viagens diárias, em milhares, realizadas na RMRJ temos:

                                                            146 PDTU – 2011. ATUALIZAÇÃO DO PLANO DIRETOR DE TRANSPORTE URBANO DA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO. Rio de Janeiro, Secretaria de Transportes do Estado do Rio de Janeiro, 2013. 

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Tabela 18 – Viagens diárias na RMRJ.

Fonte: PDTU-2011 (2013, .p.2)

Figura 35 – Viagens diárias em milhares

Fonte: PDTU-2011 (2013, p. 3)

Municípios da RMRJ

Viagens Viagens diárias milhares em

Milhares

%

Mesquita 197 0,9 Nilópolis 282 1,2 Niterói 1.254 5,6 Nova Iguaçu 1.437 6,4 Paracambi 86 0,4 Queimados 230 1,0 Rio de Janeiro 13.853 61,3 São Gonçalo 1.012 4,5 São João de Meriti 837 3,7 Seropédica 126 0,6 Tanguá 36 0,2 Fora RMRJ 27 0,1

TOTAL GERAL 22.595 100

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Com relação aos modais utilizados podemos verificar os seguintes usos

decupados nas figuras abaixo:

Figura 36 – Viagens realizadas por modo na RMRJ.

Fonte: PDTU-2011 (2013, p. 7).

Tabela 19 – Viagens por modo na RMRJ.

Fonte: PDTU-2011 (2013, p.6).

Modos de transporte Viagens diárias, em Milhares

%

A pé 6.634 29,4 Barcas 105 0,5

Bicicleta/Ciclomotor 546 2,4 Condutor de auto 2.540 11,2

Metrô 665 2,9 Motocicleta 170 0,8 Moto-táxi 39 0,2

Ônibus executivo 70 0,3 Ônibus Intermunicipal 1.781 7,9

Ônibus municipal 6.671 29,5 Ônibus pirata 16 0,1

Outros 169 0,7 Passageiro de auto 1.225 5,4

Táxi 256 1,1 Transp. Escolar 428 1,9 Transp. Fretado 55 0,2

Trem 568 2,5 Van 658 2,9

TOTAL GERAL 22.595 100,0

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O percentual verificado entre as viagens motorizadas e não-motorizadas

encontra-se 31,80% para as não-motorizadas e 68,20% para as motorizadas. No

universo das viagens motorizadas temos 28, 53% das viagens realizadas por

transporte individual e 71,47% por transporte coletivo. O transporte individual é o menos utilizado de uma forma geral entre os municípios da RMRJ. Transporte coletivo e não-motorizados apresentam prcentuais significativos, na ordem de 55 em alguns municípios.Maricá é o município que mais utiliza o transporte individual, com 35, 3. No município de Tanguá, a maioria das viagens são realizadas em modos não-mototrizados 55,6, que é o maior percentual observado na RMRJ. O município que mais utiliza o transporte coletivo é Itaboraí, com 56,1 (PDTU-2011, 2013, p. 10).

Figura 37 - Viagens por motivo trabalho por modo de transporte.

Fonte: PDTU-2011 (2013, p.14).

Figura 38 – Viagens por motivo trabalho por modo de transporte (2).

Fonte: PDTU-2011 (2013, p.14).

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O maior tempo de viagem gasto e calculado foi em relação aos ônibus

executivos, seguido pelos ônibus intermunicipais. O primeiro gastando 1 hora e meia

de viagem, o segundo modal gasta em torno de 1 hora. O tempo gasto, em média

entre os condutores e passageiros de automóveis fica um pouco mais de 30 minutos

(PDTU-2011, 2013, p. 17).

Tabela 20 – Tempos médios de viagem por modo de transporte – minutos.

Fonte: PDTU-2011 (2013, p.17).

Com relação ao tempo gasto nas viagens urbanas temos para o transporte motorizado com uso do transporte coletivo o tempo médio de 41,8. Para o

transporte motorizado individual temos o tempo médio de 33,1. Para o transporte

não-motorizado o tempo médio gasto é de 14,4. (PDTU-2011, 2013, p. 18).

Obviamente que nesta relação de tempo gasto entre transporte não-motorizado e

motorizado, deve-se considerar as distâncias percorridas, onde os não-motorizados

percorrem distâncias menores do que o transporte motorizado. Quanto à flutuação

de horários vemos que:

MODO

Tempo médio de Viagem

A pé 15,1 Barcas 22,8

Bicicleta/Ciclomotor 6,7 Condutor de auto 36,6

Metrô 27,3 Motocicleta 20,7 Moto-táxi 10,8

Ônibus executivo 85,4 Ônibus Intermunicipal 57,9

Ônibus municipal 39,8 Ônibus pirata 47,0

Outros 32,4 Passageiro de auto 31,1

Táxi 20,0 Transp. Escolar 22,8 Transp. Fretado 67,5

Trem 47,4 Van 36,1

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A flutuação horária das viagens mostra que ocorrem 3 picos diários. Os transporte individual tem os maiores picos pela manhã (07:00) e à tarde (17:00). O transporte coletivo tem o pico da manhã mais cedo que o individual, às 06:00, mas o pico da tarde é o mesmo, 17:00 (PDTU-2011, 2013, p. 19).

Por toda a RMRJ verifica-se que são realizadas em média 1,9 viagens por

pessoa. O maior número de viagens pode ser observado em Niterói, com 2,45 e em

Belford Roxo, com 2,18. O menor número de viagens por habitante é em

Guapimirim, com 0,99 (PDTU 211, 2013, p.21).

Tabela 21- Viagens por habitante por município da RMRJ147.

Fonte: PDTU-2011 (2013, p. 21).

                                                            147  “Observar  que  o  conceito  utilizado  para  a  construção  dessa  tabela  é  diferente  do  que  possibilitou  a elaboração da  tabela 18. Naquele eram computadas as viagens originadas em cada município, ao passo que estamos considerando o município onde residem pessoas realizando as viagens” (PDTU‐2011, 2013, p. 21). 

Viagens Habitantes Municípios

Quantidade % Quantidade % Viagens por Habitante

Belford Roxo 1.022.522 4,5 469.332 4,0 2,18 Duque de Caxias 1.485.387 6,6 855.048 7,2 1,74

Guapimirim 51.111 0,2 51.483 0,4 0,99 Itaboraí 302.965 1,3 218.008 1,8 1,39 Itaguaí 235.018 1,0 109.091 0,9 2,15 Japeri 172.706 0,8 95.492 0,8 1,81 Magé 271.008 1,2 227.322 1,9 1,19

Mangaratiba 67.933 0,3 36.456 0,3 1,86 Maricá 208.372 0,9 127.461 1,1 1,63

Mesquita 272.909 1,2 168.376 1,4 1,62 Nilópolis 369.994 1,6 157.425 1,3 2,35 Niterói 1.193.221 5,3 487.562 4,1 2,45

Nova Iguaçu 1.560.762 6,9 796.257 6,7 1,96 Paracambi 97.800 0,4 47.124 0,4 2,08 Queimados 262.251 1,2 137.962 1,2 1,90

Rio de Janeiro 12.603.872 55,8 6.320.446 53,2 1,99 São Gonçalo 1.273.004 5,6 999.728 8,4 1,27

São João do Meriti 974.668 4,3 458.673 3,9 2,12 Seropédica 118.385 0,5 78.186 0,7 1,51

Tanguá 50.986 0,2 30.732 0,3 1,66 TOTAL GERAL 22.594.872 100,0 11.872.164 100,0 1,90

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  241

5 CONCLUSÃO

Este trabalho propõe como principal discussão ao tema da mobilidade urbana

e da oferta dos transportes urbanos nas grandes metrópoles brasileiras, a

possibilidade de construção de um arcabouço teórico-metodológico específico

acerca de um aprofundamento das possibilidades nos deslocamentos urbanos

realizados por diferentes grupos sociais no tecido urbano. Esta hipótese foi

levantada conjuntamente com a apresentação, discussão e análise de diversos

trabalhos, que têm como principal preocupação “revelar” as distintas naturezas que

podem ser encontradas nas diferentes formas das pessoas realizarem seu

locomover cotidiano entre ruas, avenidas, vielas e ladeiras. Estes trabalhos dialogam

e transitam em diferentes áreas do conhecimento científico, onde podemos

encontrar desde relatórios com metodologias estatísticas e etnografias com

observação participante, além de documentos com pesquisas domiciliares e

apresentações com dados nacionais sobre os meios de transportes nas grandes

regiões do país.

A ideia de uma “sociologia dos transportes” ou “sociologia da mobilidade

urbana” surge como possibilidade devido à percepção da complexidade do tema dos

transportes urbanos para a vida cada vez mais concentrada em grandes metrópoles

intensamente conectadas, interdependentes em suas diversas localidades e

“globalizadas” aos capitais nacionais e internacionais. A mobilidade urbana não

encerra em si mesma a ideia de uma necessidade das pessoas se deslocarem

fisicamente entre um ponto e outro, mas possibilita o que Caiafa (2002) denomina

como “fuga”, como a conectividade entre pessoas de diferentes lugares, com

diferentes culturas, “corpos” e linguagens. Os transportes não carregam em si

somente pessoas, mas sim almas que integram todas as individualidades e

coletividades em um pulsar incessante nas veias e artérias da metrópole, que é viva

e somente vive pelas pessoas.

A Baixada Fluminense como lócus de observação

Pudemos observar no primeiro capítulo 1, sobre a Baixada Fluminense,

alguns trabalhos que se aprofundam no conhecimento da(s) história(s) de formação

desta região, antes mesmo desta ter esta denominação e configuração atual.

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Primeiramente é importante ressaltar que uma região estará intrinsecamente ligada

ao próprio espaço geográfico que a compõe e a Baixada Fluminense está

configurada em terras um tanto mais distantes do mar e que têm como

características estar rodeada e no sopé de cadeias de montanhas, além terem em

seus limites fontes hidrográficas que irão variar de volume de acordo com o ciclo das

chuvas. Os municípios de Iguassú e Estrela, principais “formadores” das cidades

que iriam integrar a Baixada Fluminense, possuem todas as características

indicadas acima.

Outro fator imprescindível para a configuração e reconhecimento de uma

determinada região será a percepção das relações que serão criadas a partir da

existência de pessoas que habitem a mesma. Neste caso estas relações estarão

pautadas pelos aspectos econômicos e sociais, fatores estes que com o tempo,

indicaram as linhas históricas que poderão tentar ser desvendadas. Algo que ficou

evidenciado em nosso estudo e na observação dos trabalhos aqui abordados é que

a região da Baixada Fluminense sempre teve uma grande importância para a

formação do que hoje chamamos de RMRJ e, portanto, a consagração do que hoje

conhecemos como metrópole do Rio de Janeiro. Porém há algo que se evidencia na

observação mais atenta a estes fatores geográficos, históricos e econômicos: a

Baixada Fluminense NUNCA será o Rio de Janeiro. Não será porque não divide o

mesmo espaço geográfico. Não será porque nunca foi historicamente o núcleo

urbano da cidade que já foi capital de um império. Nunca será porque

economicamente sempre desempenhou um papel de passagem e estalagem para a

produção que vinha do Vale do Paraíba, fazendo a integração Rio de Janeiro-São

Paulo, apesar de também ter produzido café e tido um importante momento na

produção da citricultura. Não será porque foi formada preponderantemente pelas

camadas mais empobrecidas dos habitantes fluminenses, por grandes contingentes

de imigrantes vindos de outras regiões também empobrecidas do país e por

escravos libertos que também ajudaram formar estas terras.

Mas porque ser o “Rio de Janeiro”? Esta pergunta não é importante por seu

sentido literal, pois como afirmado anteriormente, não será possível para os

municípios que integram a Baixada “serem” algum dia o Rio de Janeiro. A própria

ideia de Região Metropolitana traz em si a concepção de conurbação e

interdependência, mas esta concepção não altera as relações de subordinação que

existem e forjam as relações metropolitanas dos municípios que a integram. Esta

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pergunta se faz necessária por outras questões que parecem ser de caráter muito

mais simbólico, mas que trazem como consequências implicações materializadas no

espaço e na vida urbana. Não ser o “Rio de Janeiro” traz como consequência um

posicionamento inferior dentro de uma hierarquia territorial que irá definir, de

variadas maneiras, o desenvolvimento e as formas de se viver entre os habitantes

da metrópole. Fazer parte da metrópole já encerra em si uma questão interessante,

pois a Baixada Fluminense não pode ser considerada “interior” do Estado, mas

também não faz parte de seu “núcleo”, de sua “centralidade”. Os municípios de

Itaboraí e, principalmente, São Gonçalo também vivem esta situação, porém onde

outro ponto de gravidade se faz presente, o município de Niterói, que não por

coincidência foi por muitos anos a capital do Estado do Rio de Janeiro e possui, até

os dias atuais, os melhores índices de desenvolvimento humano do Estado. A

cidade do Rio de Janeiro foi capital do Estado da Guanabara até a fusão ocorrida no

final dos anos 1960 e sua efetivação como capital de todo o Estado do Rio de

Janeiro, agora unificado.

A Baixada Fluminense, a partir da configuração territorial e urbana acima

descrita, encontra-se no “meio”, em uma espécie de limbo urbano em que se não

possui importância central, tão pouco pode ser desconsiderada como importante

fornecedor de mão-de-obra, local de moradia dessa mão-de-obra, passagem urbana

entre São Paulo e Rio de Janeiro, e, a partir da década de 1990, também gerador de

riquezas devido ao crescimento econômico de alguns de seus municípios.

Como vimos durante esta tese, a partir do início dos anos 1990 algumas

cidades da Baixada Fluminense iniciam um processo de diversificação da produção

e atração de empresas para seus territórios, seja por sua localização mais próxima

da Via Dutra, seja por possuir “terra” mais barata do que o Rio de Janeiro ou

também pela possibilidade de se pagar salários mais baixos aos trabalhadores da

região. Rodrigues (2006) demonstra os processos de diversificação industrial e,

principalmente, o crescimento do setor terciário nas cidades de Nova Iguaçu e

Duque de Caxias, cidades-núcleos da Baixada Fluminense. Apesar do

desmembramento ocorrido nas décadas de 40 e nos anos 1990 por Nova Iguaçu, e

que irá gerar as cidades de Nilópolis, Belford Roxo, Queimados, Japeri, Mesquita,

entre outras, esta cidade ainda se mantém como importante pólo de atração de

habitantes e trabalhadores de toda a região. A especulação imobiliária e o

crescimento do valor do uso do solo em muitas localidades destes municípios

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  244

demonstram a “adequação” dos mesmos aos rumos do capitalismo globalizado e

flexível, mas que têm suas próprias características na cultural nacional. Portanto a

Baixada Fluminense parece perpassar após a “década perdida dos anos 1980” uma

patamar cada vez maior de integração urbana e metropolitana.

Porém esta integração não anula ou minimiza o que aqui já denominamos de

“hierarquia territorial” vigente e percebida. Através deste trabalho tentamos

relativizar uma percepção de que haveria um apontamento “piedoso” em relação à

Baixada Fluminense como concentradora de mazelas do conglomerado urbano

fluminense. Isto não é verdade e nem exclusivo. Bairros que integram o município do

Rio de Janeiro vivenciam problemas muito parecidos aos que existem em municípios

e bairros da Baixada, sejam eles relacionados à falta de saneamento, ao descontrole

do Estado na disputa territorial entre traficantes e milicianos, ao ensino público

básico de pior qualidade nestes territórios (o que não significa que ele seja muito

melhor em outras localidades), à menor oferta de oportunidades de trabalho a uma

população com pouca escolaridade e péssimas condições urbanas de moradia.

Porém o que mais parece indicar a existência e a configuração desta

hierarquia territorial, existente através de uma inserção simbólica e subjetivada

coletivamente, é justamente o fenômeno que nos propomos analisar nesta tese: a

oferta dos transportes urbanos e a política de mobilidade urbana. A utilização da

Baixada Fluminense como objeto e foco central como território relacional de

mobilidade urbana junto à RMRJ, é menos uma realização de acusações das

diferenças evidentes em investimentos públicos nos equipamentos urbanos e em

melhorias na qualidade de vida da população, e mais uma possibilidade de

demonstrar, através das políticas históricas e atuais de mobilidade urbana, como

está hierarquia territorial se dá.

As discussões realizadas sobre os impactos atuais das obras de mobilidade

urbana na RMR devido aos grandes eventos que ocorrerão, deixam claras as

preferências das políticas de Estado em relação à reafirmação de antigas

centralidades (Região do cais do porto no Centro do Rio de Janeiro) e de novas

centralidades (Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e algumas adjacências),

além da opção mais uma vez incisiva em relação ao modal rodoviarista. As

necessidades demonstradas, por estudos técnicos e pela vivência cotidiana, por

transportes urbanos coletivos de maior capacidade e qualidade em regiões e

localidades como Ilha do Governador, bairros “pobres” da Zona Oeste do Rio de

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Janeiro, Itaboraí, São Gonçalo e Baixada Fluminense, parecem ter sido suplantadas

pela opção da cidade-negócio globalizada e evidenciada pelas escolhas políticas

dos últimos governos do Estado e do município do Rio de Janeiro. Neste ponto de

inflexão, podemos ver, de forma mais clara, como a hierarquia territorial parece estar

apresentada pela observação da mobilidade urbana. “Detalhes” que podem parecer,

a princípio, não tão importantes, tornam-se decisivos na perspectiva de uma

sociologia dos transportes que queremos adotar a partir deste trabalho. As

diferenças de qualidade em estações finais do metrô podem ser bons exemplos

iniciais. Há uma grande diferença em limpeza, organização, segurança, qualidade e

frequência das composições que transitam entre as “pontas” do sistema de linha que

é o metrô da cidade do Rio de Janeiro. Esta comparação fica mais evidente ao viver

a experiência de frequentar a estação Pavuna, estação final da Linha 2 do metrô e a

estação General Osório, última estação da Linha 1. Onde atende a Zona Sul do Rio

de Janeiro, o metrô disponibiliza o chamado “metrô de superfície”, que na verdade

são ônibus com ar-condicionado e que fazem itinerários pela região como integração

aos bilhetes comprados nas estações. Também há o serviço de integração nas

estações da Linha 2, mas o “metrô de superfície” não chega lá, nem a mesma

“qualidade” das estações da Linha 1, como demonstrado por Caiafa (2013).

Outro fato já discutido e apresentado neste trabalho é a piora dos serviços

nos trens da Supervia no sentido “esquerda para a direita”, que significa que os

serviços oferecidos para o ramal que atende o subúrbio, que tem como limite a

cidade do Rio de Janeiro praticamente no ramal de Deodoro, são melhores que os

serviços oferecidos aos ramais que vão se deslocando à esquerda da figura de

linhas da Supervia148, até chegar à Baixada profunda. Incluindo nestes piores

serviços o ramal Santa Cruz, que atende os bairros da Zona Oeste do Rio de

Janeiro. Nos serviços prestados pelos ônibus urbanos também verifica-se diferenças

na qualidade e na frequência de linhas que transitam entre Centro e Zona Sul do Rio

de Janeiro e o restante dos bairros e municípios que formam a RMRJ.

Ainda assim os bairros mais pobres da cidade do Rio de Janeiro possuem um

status diferenciado frente a outras localidades periféricas em relação às

centralidades da cidade maravilhosa, pois se não possuem, também, a mesma

diferenciação simbólica positivada simplesmente por serem “cariocas”, e realmente

                                                            148  Ver Figura 19 desta tese. 

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não possuem, pelo menos se beneficiam, mesmo que de maneira desigual e

subordinada, aos muitos investimentos realizados pelo governo municipal e

estadual, já que a cidade do Rio de Janeiro concentra as maiores riquezas,

arrecadação e concentração de investimentos públicos, praticamente em todas as

áreas, que vão da segurança pública à mobilidade urbana.

A mobilidade urbana irá refletir a essa hierarquização territorial e mais do que

produto e consequência da mesma, também será produtora de sociabilidades e

identidades territoriais forjadas justamente pelas “formas” de se transportar pelas

cidades. As “formas de vida pelo transporte”, evidenciadas por esta tese,

demonstram que mais do que meios transitórios de comunicação e contato físico, os

transportes urbanos realizam e produzem relações sociais específicas, onde as

paisagens, o tempo, o clima, o custo, a penúria e as dificuldades marcam, de

maneira decisiva, a própria construção de uma subjetividade coletiva atrelada aos

pertencimentos territoriais da população que vive na Baixada Fluminense, ou em

outros territórios. Porém mais do que criar uma generalização a priori a respeito

deste fenômeno, utilizamos a Baixada Fluminense como exemplo que pode servir

como arena para outros estudos pautados por esta sociologia dos transportes e que

busca compreender o fenômeno proporcionado pela mobilidade urbana nas relações

sociais entre localidades urbanas interdependentes. Esta não é uma ferramenta

única para apontar as desigualdades inerentes a uma determinada região, mas sim

a possibilidade de um instrumento teórico-metodológico que se pretende analisar as

relações sociais pautadas pelas “formas de vida pelo transporte” em qualquer

conglomerado urbano no país.

Ainda sim é importante demonstrar diferenças materializadas por números e

índices e que demonstram como esta hierarquia territorial reflete-se na qualidade de

vida da população que vive nestes municípios. Não podemos nos esquecer de

também de ressaltar as responsabilidades dos governos e lideranças locais, que

apesar de terem arrecadações tímidas frente a municípios como Rio de Janeiro e

Niterói, não conseguiram (ou não quiseram) através do tempo reduzir as grandes

desigualdades e dificuldades que a grande maioria da população que vive nestes

municípios vive a longos anos, mesmo que alguns deles apresentem PIB’s entre os

mais elevados de todo o Estado, e até mesmo do país. Villaça (2012) irá refletir esta

hierarquia através da análise da segregação urbana, contribuição que está

diretamente ligada à ideia de localização como noção de status intra-urbano e

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relaciona-se de maneira intrínseca com a circulação histórica proporcionada pelos

meios de transportes. Entre as muitas informações que podemos destacar, algumas

são que entre os treze municípios que integram a Baixada Fluminense a melhor

colocação no ranking estadual do índice IFDM, do Sistema FIRJAN, é o 11° lugar

(Nova Iguaçu) e como pior colocação temos o 92° lugar (Japeri). No ranking

nacional, do mesmo índice, temos como melhor colocação 453° (Duque de Caxias)

e pior colocação 4.015° (Japeri). Na média do ranking nacional do IFDM-FIRJAN, os

municípios da Baixada Fluminense estão na posição 2.009°. Para o ranking nacional

do IDH, realizado pelo IBGE, temos na melhor posição o município de Nilópolis com

a colocação 448° e a pior posição com o município de Japeri com a colocação

2924°. Na média do IDH nacional os municípios da Baixada Fluminense ocupam a

posição 1641°. Vale também ressaltar nos dados das pesquisas do IBEU e do IPEA

sobre a mobilidade urbana nas grandes metrópoles que os municípios de Japeri,

Queimados e Belford Roxo figuraram entre os piores índices encontrados de

mobilidade urbana na RMRJ.

A tentativa de construção de um campo sociológico

Propor um novo campo “sociológico” não é tarefa que se possa fazer

impunemente. Ainda mais com as colocações de Vasconcelos (2005, 2001),

profundo conhecedor dos transportes urbanos no Brasil, corroborado pelas

colocações de Castells (1983), onde o mesmo afirma não haver uma sociologia dos

transportes, talvez nem mesmo uma sociologia urbana, já que a própria sociologia

não poderia mais se dissociar do urbano como arena de observação. Difícil propor

algo que se diferencie de uma colocação desses autores, mas o desafio se coloca

justamente por se perceber que o tema da mobilidade urbana assume uma

emergência fundamental na vida contemporânea nacional, e até mesmo mundial.

Em nosso caso, a preocupação é com os rumos brasileiros, mais especificamente

dos aglomerados urbanos que concentram grande parte da população do país.

Para poder se discutir as possibilidades de uma sociologia dos transportes no

Brasil, utilizamos como objeto de estudo, comparação e análise a Baixada

Fluminense, região composta por 13 municípios, esta que compõe a Região

Metropolitana do Rio de Janeiro, que engloba 20 municípios. Nossa intenção com

esta escolha se dá pelas evidentes diferenças observadas nas possibilidades de

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locomoção entre os habitantes desta região em comparação com moradores de

outras regiões. Não há aqui, a tentativa de afirmar o privilégio (?) de que a Baixada

Fluminense sofre mais com a desigualdade na mobilidade urbana do que outras

regiões ou localidades, ou que sua população sofre mais “preconceitos” por

carregarem em suas coletividades e individualidades imagens pré-concebidas, e que

entram em um jogo relacional hierárquico quando confrontados com outras

identidades territoriais na RMRJ. Afirmamos que sim, que a população baixadense

carrega um determinado “estigma”, ou estigmas variados, mas esta afirmação não

resolve a questão, porque moradores de São Gonçalo também carregam uma

determinada identidade territorial na relação com Niterói, e moradores da Zona

Oeste do Rio de Janeiro sentem diferenças dentro da relação hierárquica com

moradores de outras regiões da cidade do Rio de Janeiro, mesmo sendo... cariocas.

Porém o que nos interessa como proposta para uma sociologia dos

transportes é delimitar um objeto e poder “esgarça-lo” para que tentemos

compreender as diferentes materialidades e subjetividades que compõe o viver de

uma região na relação urbana vital e relacional com outras regiões, onde sabemos

que é neste contato onde a metrópole se realiza, mesmo que de maneira desigual.

Em nossa percepção quem realiza este “contato” essencial para a existência e

suporte da metrópole são os transportes urbanos, e estes transportes produzem e

são produzidos por fenômenos sociais completos, onde criam e são criados por

complexidades de natureza sociológica, e que necessitam de um olhar

multidimensional para que possam ser efetivamente compreendidos e revelados.

Esta sub-disciplina sociológica, ou campo específico de análise, não poderá

surgir de um limbo teórico ou metodológico, não há essa possibilidade. Ela só

poderá ser contemplada como campo através da soma de todo o acúmulo já

produzido na trajetória moderna e pós-moderna do fazer das ciências sociais em

geral. E assim como Weber (1999, 1991), e não querendo emulá-lo, é necessária a

utilização do conhecimento histórico para tal feito. A tentativa do reconhecimento

dos sentidos e das intenções das relações sociais históricas, e seus efeitos e

rebatimentos contemporâneos, é a maneira como acreditamos ser pertinente pensar

este campo sociológico, levando em consideração as especificidades desta

disciplina e as diversas formas de se poder formular e pesquisar os objetos.

A tradição da crítica dialética é fundamental para esta disposição sociológica,

pois apresenta, através das formulações de base marxistas e neomarxistas, um

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poderoso arcabouço crítico para se perceber as “intenções” do capital, que quase

sempre estarão, segundo esta perspectiva, escamoteadas em ações de

modernização e adequação do urbano às inovações necessitadas pelas reais

intenções “invisibilizadas” ideologicamente das classes dominantes. Castells, já

citado, Santos (2005, 1994), Harvey (1999), Vasconcellos (2005, 2001), Villaça

(2012), Bourdieu (1997, 1992), entre outros, são alguns dos muitos autores que

demonstram teórica e empiricamente as contradições e efeitos do capitalismo, e as

relações sociais que o produzem e são produzidas pelo mesmo, na modernidade e

na pós-modernidade, também privilegiando os seus olhares aos fenômenos do

urbano.

Porém acreditamos que os olhares e percepções com as bases do

materialismo dialético delimitam os recortes às relações pautadas pelos conceitos de

classe, apesar das inúmeras contribuições contemporâneas que atualizam este

enfoque para as concepções de estratificação e segregação social. Porém o viés

“classista” ainda parece permanecer como principal condutor de algumas destas

percepções. A proposta de incorporação do individualismo histórico metodológico,

de base na tradição da sociologia compreensiva alemã, é menos pela percepção de

que estes fenômenos são resultantes de uma soma de individualidades egoísticas, e

que irão revelar sua natureza coletiva por uma aglutinação, e mais pela convicção

que esta forma epistemológica complementa de maneira decisiva e a enriquecer as

análises de base materialista acerca do urbano.

A busca pelas “formas” como as pessoas se transportam é fundamental para

nossa proposta. As diferentes maneiras como as pessoas se transportam pelas

cidades, a forma como os meios de transporte foram construídos e oferecidos

historicamente à população, as localidades atendidas, as deficiências e virtudes

encontradas, muitos destes fatores tiveram um “conteúdo” original, uma

materialidade objetivada e que propiciou que aquela determinada maneira de se

transportar pelas ruas e avenidas das cidades se fizesse necessária, e que com o

tempo foram se cristalizando em “formas” relacionais materiais e simbólicas que se

institucionalizaram, sem que possamos compreender, muitas das vezes, o seu

porquê original. Simmel (2006) nos dá uma excelente contribuição em suas

considerações acerca dos “conteúdos” e “formas”, mostrando como certas

naturalizações institucionalizadas se encontram arraigadas nas interações e

relações sociais. A ideia de se buscar as “formas de vida pelo transporte” se realiza

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na certeza de que é necessário conhecer experiencialmente como as pessoas

efetivamente se transportam pelas metrópoles e refletir epistemologicamente estas

experimentações. Uma certa “voz” é relacionada e produzida diretamente pelo viver

de quem cotidianamente enfrenta as jornadas urbanas impostas, ou não, pelas

necessidades de se trabalhar, de se buscar o lazer ou de simplesmente “flanar” sem

direção pelas muitas possibilidades que o ambiente urbano proporciona.

A Antropologia e sua tradição teórica e metodológica, principalmente no que

se refere aos trabalhos de campo e às observações participantes, são de um

contributo fundamental para a compreensão destas “formas de vida” intermediadas

pelos transportes urbanos. A produção recente de etnografias que buscam

demonstrar a importância dos meios de se transportar pelas cidades, revela, mais

uma vez, a urgência de se re-conhecer as produções e relações sociais pautadas

nos ambientes “transitórios”, mas fundamentais, dos meios de transportes. Os

trabalhos de Pires (2011, 2010), Silva (2007), Fonseca (2005), Mamani (2004)

revelam como o trabalho de campo pautado pelos transportes urbanos coloca-se

como uma preocupação com o tema, através de uma perspectiva temporal

extremamente recente. É partir dos anos 2000 que esta urgência sobre a mobilidade

urbana parece se intensificar. As percepções da opinião pública de que há uma

“crise da mobilidade urbana” talvez sejam o melhor indício de que as ciências sociais

sempre estão, e estarão, atentas às demandas que se colocam. Os trabalhos de

Freire (2001), Icasuriaga (2005), Kleiman (2011, 2010a, 2010b), Iziaga (2009), entre

outros, demonstram o caráter multidisciplinar do tema, onde a Memória Social, o

Serviço Social, o Urbanismo e o Planejamento Urbano são algumas das disciplinas

presentes e fundamentais para qualquer tipo de conhecimento agregado à temática.

A busca das “formas de vida pelo transporte” não se efetiva somente na

procura pelas narrativas etnográficas de pesquisadores e dos atores diretamente

envolvidos nas experiências complexas dos deslocamentos urbanos. Essas

descrições densas não realizam a completude que esta sociologia dos transportes,

aqui apresentada, propõe. Faz-se necessário, além de revelar e conhecer estas

narrativas, completá-las com as informações objetivas acerca das origens e destinos

dos usuários dos serviços de transportes, das especificidades técnicas encontradas,

das políticas (em seu campo realmente político) de mobilidade apresentadas e

efetivamente colocadas em prática através do tempo. As “formas de vida pelo

transporte” só serão possíveis realmente de serem “conhecidas” com a completude

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de um enfoque mais generalizador, onde as percepções coletivas possam ser

captadas e compreendidas em pesquisas que também agreguem representatividade

estatística em relação à nossa grande população. Nesta tese tentamos demonstrar e

analisar essas três perspectivas que aqui apresentamos como fundamentais para a

sedimentação deste campo de uma sociologia dos transportes: etnografias,

pesquisas de percepção sobre a mobilidade urbana e informações dos dados

origem/destino dos usuários da RMRJ. A quarta parte deste intrincado processo de

conhecimento, passa pela percepção, também aprofundada, das vinculações das

informações e notícias através da mídia e da opinião pública, pois compreendemos

que não há desconexão pelo o que se produz e reproduz midiaticamente das

produções sociais que podemos aferir junto dos objetos já citados. Esta quarta

“parte” não foi analisada neste trabalho, mas de antemão fica citada como

possibilidade de estudo e aprofundamento sociológico e antropológico, pois tem

muito o quê revelar para o tema da mobilidade urbana.

Quanto ao objeto Baixada Fluminense, tentamos por todos os capítulos deste

trabalho colocá-lo como ponto central de observação dos assuntos e conteúdos que

fomos discutindo e construindo. Por mais que não fosse o tema central abordado em

todos os capítulos, itens ou subitens, a Baixada Fluminense sempre surgirá entre os

capítulos como fonte de observação e comparação. Sua utilização como objeto

delimitado se dá justamente como forma de demonstrar que certas especificidades

de uma região, e neste caso uma vasta região formada por 13 municípios e milhões

de habitantes, tem relação direta com as “formas” específicas de se transportar

dentro de uma hierarquia sócio-espacial que encontramos na metrópole fluminense.

Podemos ver que os municípios da Baixada Fluminense possuem alguns dos

piores índices de desenvolvimento humano do Estado do Rio de Janeiro e do país,

assim como se encontram em posições muito baixas no ranking estadual, nos

índices de desenvolvimento de instituições privadas (FIRJAN), assim como possuem

péssimas notas nos índices de educação pública. Somente dois municípios

apresentam números de PIB per capita elevados, Duque de Caxias e Itaguaí, e

ainda assim não conseguem melhorar seus índices de desenvolvimento humano,

saneamento, urbanização e melhorias significativas na educação pública. A

mobilidade urbana vai refletir diretamente essas diferenças, e que também podem

ser encontradas em outros municípios e bairros da RMRJ, porém essas “diferenças”

não podem ser “coladas” e “replicadas”, a priori, a todos os territórios.

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A segregação social e espacial geram relações de subordinação material e

simbólica, onde as identidades territoriais são chamadas a participar das

construções sociais mais tênues e delicadas. O serviço de trens urbanos da

Supervia parece ser “ruim” para todos os usuários, e é. Mas em uma percepção

mais “fina” ele é ruim para alguns, e muito pior para outros, o que irá variar é a

identidade territorial dos usuários. Quando mais à direita do mapa dos ramais

oferecidos, quer dizer, mais próximo da Baixada “profunda”, pior são os serviços

oferecidos. Os ônibus que circulam pela RMRJ possuem vários problemas, como as

condições de manutenção dos veículos, a exaustão a que são submetidos os

profissionais rodoviários e passageiros, as altas tarifas cobradas, a violência do

trânsito, entre outras, mas estas condições sofrem significativas mudanças de

acordo com o local onde transitam, ao público usuário que pertence a um

determinado status territorial. Os “ônibus” que circulam em Copacabana, bairro do

município do Rio de Janeiro, não são os mesmos “ônibus” que circulam na Pavuna,

bairro do município do Rio de Janeiro. Os serviços dos ônibus na Pavuna são muito

piores do que os de Copacabana, e só se saberá realmente sobre estas condições,

se algum dia se “andar nos ônibus que circulam na Pavuna”, ou em Santa Cruz, ou

em Sepetiba, ou em Guaratiba, etc., ou através das narrativas expostas e

compreendidas por estudos acadêmicos. As vans comunicam praticamente todo o

circuito intermunicipal, pois as linhas de ônibus intermunicipais gastam muitas horas

de deslocamento, oferecendo péssimas condições de permanência em seus

veículos a altos preços tarifários149. As kombis fazem os percursos entre bairros dos

núcleos urbanos, porque os ônibus intramunicipais possuem grandes deficiências. O

metrô oferece serviços diferenciados entre os usuários da Linha 1 e da Linha 2,

sendo que os usuários da Linha 1 vivem na Zona Sul e subúrbios tradicionais do Rio

de Janeiro, e os da Linha 2 vivem nos subúrbios mais distantes e próximos das

franjas da cidade, porém todos os usuários pagam o mesmo valor tarifário. O metrô

é um modal de gestão estadual, mas só oferece seus serviços nos limites da cidade

do... Rio de Janeiro.

A concentração dos investimentos atuais em mobilidade urbana não parecem

se preocupar com essas diferenças, pois privilegiam, ainda mais, a opção

rodoviarista, tão criticada e desgastada pelos imensos congestionamentos

                                                            149 Ver Tabela 20. 

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cotidianos, e parece se deslocar a núcleos urbanos já altamente concentrados,

como o Centro do Rio de Janeiro (região do cais do porto), ou a Barra da Tijuca150,

com concentração de camadas de mais alta renda da RMRJ.

A construção de um “tipo ideal” dos transportes urbanos, mais uma vez

utilizando as contribuições weberianas, traz uma indicação histórica perpassada ao

momento atual dos transportes urbanos na RMRJ, porém esta tipologia não possui

um valor intrínseco em si se não for efetivamente relacionada e comparada às

informações acessadas e compreendidas em relação aos fenômenos sociais

oriundos dos deslocamentos urbanos. Esta tipologia aqui descrita e construída é

muito menos uma formulação fortificada e conclusiva, e mais uma possibilidade de

percepção oferecida pelos muitos trabalhos estudados e pelas observações já

realizadas. Esta tipologia traz consigo uma síntese acerca das condições

encontradas nas “formas de vida pelo transporte” e não encerram questão sobre

nenhuma delas, pois estas relações intermediadas pelo ato de se transportar podem

variar muito rapidamente, pois basta retirar algumas linhas de ônibus, limitar a

circulação de vans e kombis, investir na qualidade dos trens urbanos, construir

novas vias expressas de automóveis, e todas estas relações pautadas pela

mobilidade urbana passarão a sofrer suas consequências. De qualquer maneira, e

apesar de sua natureza temporal complexa e veloz, é possível aferir sobre as

condições e algumas das sociabilidades relacionadas aos transportes urbanos da

RMRJ. A integração desta tipologia, mais a contribuição das análises quantitativas e

qualitativas do fenômeno da mobilidade urbana, podem gerar a complexidade de

informações necessárias para as observações de uma sociologia dos transportes

efetiva no Brasil.

A observação das “formas de vida pelo transporte” com a contribuição da análise de

dados sobre as percepções coletivas e dados quantitativos sobre as

origens/destinos dos deslocamentos urbanos na RMRJ

Pudemos ver as relações atuais no que se refere as origens e destinos dos

deslocamentos urbanos relatados pela população da RMRJ por pesquisa domiciliar.

Vemos que o município do Rio de Janeiro continua sendo a principal centralidade da

                                                            150Expansão do metrô, criação de BRT’s, criação de diversas Vias Expressas.  

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RMRJ, onde mais de 61,3% das viagens se originam e se destinam, sendo seguido,

em proporção muito menor, pelos municípios de Nova Iguaçu, Duque de Caxias,

Niterói, São Gonçalo, São João de Meriti e Belford Roxo. Com relação ao modo

utilizado para o transporte podemos verificar que as viagens “a pé” rivalizam com as

viagens “motorizadas”, muito provavelmente pelo número de pessoas que trabalham

perto de suas casas em bairros que se situam no local de suas moradias. Em

relação às viagens motorizadas, vemos respectivamente a primazia do uso do

ônibus municipal, seguido pelo ônibus intermunicipal, pelo “condutor de veículos”,

“passageiro de veículo” e, por fim, as vans, indicando o que já foi amplamente

discutido neste trabalho, que é o aumento expressivo da opção rodoviarista como

principal forma de mobilidade urbana na RMRJ. O metrô e os trens possuem uma

incidência muito baixa em relação à opção rodoviarista na oferta de mobilidade

urbana cotidiana na metrópole, o que talvez explique a crise do “trânsito” que

vivemos.

Ainda que a “demonização do carro” esteja no esteio das acusações

midiáticas e das políticas restritivas ao uso do automóvel particular, vemos que a

utilização do transporte público ainda detém números bem elevados, em torno de

73%, contra 27% de uso do transporte privado. Mais uma vez a opção rodoviarista

para a mobilidade urbana ensejada pelas políticas públicas atuais seja uma

indicação interessante desta crise de mobilidade percebida na contemporaneidade,

porém esta “crise” não pode ser associada exclusivamente à aquisição e circulação

de automóveis particulares.

Outra indicação importante em relação às dificuldades enfrentadas pela

população que não vive nos principais núcleos da cidade do Rio de Janeiro se

evidencie pelo tempo gasto nos transportes urbanos. Os ônibus executivos e

intermunicipais são os que mais gastam tempo para realizar as viagens entre origem

e destino, gastando em média, respectivamente, 85,4 e 57,9 minutos. Estes dados

demonstram as dificuldades de quem normalmente cruza os limites municipais,

mesmo que conturbados, para poder, principalmente, trabalhar e depois retornar ao

lar. Os picos dos horários de saída para o trabalho e volta ao lar continuam

concentrados entre 06:00h e 07:00h da manhã e 17:00h da tarde, indicando a

causalidade da alta concentração de congestionamentos, acidentes, problemas

técnicos com trens e metrô, que incidem nestas faixas de horário.

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É também interessante frisar a utilização de duas fontes de pesquisas que

são extremamente interessantes e pertinentes na busca atual pelos motivos

apontados de uma possível “crise de mobilidade urbana” nas grandes metrópoles do

país. A utilização do IBEU e de dados e relatório apresentados pelo IPEA são

importantes indícios de que, mais do que somente os dados quantitativos sobre o

número de viagens ou os modais escolhidos, as percepções da população acerca da

oferta dos transportes urbanos é extremamente importante no que se refere ao

conhecimento sobre a qualidade de vida da população que vive nas grandes regiões

metropolitanas. A incorporação e análise destas pesquisas para a composição do

arsenal teórico e de informações para a observação das “formas de vida pelo

transporte” é bastante relevante, pois afere uma proporção robusta ao imenso

número de pessoas que vive no ambiente urbano.

Ao mesmo tempo temos que buscar uma certa relativização destas

informações e pesquisas, pois as mesmas apresentam um viés explicitado acerca

das percepções dos habitantes em relação a algumas dimensões específicas, no

caso do IBEU no fator trabalho x casa, corroborado por informações quase que

exclusivamente relacionados aos índices e números de automóveis adquiridos ao

longo das últimas décadas. O relatório do IPEA chama a atenção explicitamente

para a falta de dados, informações e pesquisas, relacionadas aos usos e

percepções dos transportes coletivos urbanos, o que deixa a entender que os

critérios da crítica de uma “crise” de mobilidade urbana podem estar muito

concentrados estritamente ao problema rodoviarista, principalmente à crítica do

aumento da frota de veículos automotores, e principalmente como foco da crítica os

carros comprados pela população, em geral, nos últimos anos. Esse aumento é

efetivo, mas durante nosso trabalho argumentamos que outros fatores importantes

também devem ser levados em consideração ao se pensar sobre este aumento e a

modernização da frota de veículos nas ruas do país. A simples e objetiva

observação de que os “carros” são os grandes “culpados” pela crise de mobilidade,

pode impedir uma visão mais completa e complexa das experiências no e do

urbano, onde fatores como o uso do solo, a especulação imobiliária, as diferenças

territoriais nos investimentos de dispositivos urbanos, a precarização do mundo do

trabalho e, principalmente, a vulnerabilidade em larga escala proporcionada pelas

“formas de vida pelo transporte”, se somam de maneiras interconectadas à grande

sensação de paralisia dos deslocamentos urbanos atual. A “demonização do carro”

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é algo que deve ser evitado como apontamento apriorístico, pois somente cerca

algumas dimensões do problema, mas não atinge todas.

Possibilidades para uma sociologia dos transportes

Em determinado momento desta tese utilizamos uma citação de Amouzou

(2001) em que o mesmo relata que o principal propósito da sociologia em relação

aos transportes urbanos era uma busca “psicológica e psicanalítica” das formas de

se viajar. De certa forma esta afirmação está correta, porque a ideia de uma “forma

de vida pelos transportes” está diretamente ligada à percepção dos sentimentos e

das sensações atribuídas as maneiras como as pessoas se deslocam de acordo

com os diferentes modais existentes. Parece evidente que “andar” no metrô é

diferente que “andar” nos trens urbanos. Os comportamentos são diferenciados, o

ambiente é diferente, as sociabilidades também serão construídas de maneiras

distintas, pelos menos é o que se demonstra ao lermos as etnografias

correspondentes. Mas no que estas sociabilidades nos interessam? Nos interessam

porque são substratos para a incorporação de identidades e relações sociais que

extrapolam os meios de transporte, porque podem revelar nuances embebidas em

uma naturalização hierárquica dos pertencimentos sociais e territoriais, e que esta

vivência pelos transportes pode ajudar a revelar

A utilização do escopo de autores como Simmel e Weber traz a percepção de

que bastaria somente um deles, e sua imensa complexidade e contribuição teórico-

metodológica, para que nos debruçássemos de maneira profunda sobre as

contribuições propostas. Inúmeras obras são produzidas, e ainda serão, na busca de

uma compreensão cada vez mais detalhada, e das possibilidades de pesquisas e

observação científica, acerca das formulações de alguns desses autores. Weber

tornou-se pilar, conjuntamente com Durkheim e Marx, na construção de um cânone

sociológico considerado clássico, e sua “utilização” talvez já bastasse como único

referencial epistemológico para qualquer obra. Simmel ganhará notoriedade

posterior ao “sucesso” de Weber, apesar de ser mais velho, e muito devido à sua

obra está construída em textos mais curtos e com características ensaísticas. Porém

a contribuição de Simmel e a influência que os dois autores alemãs possuem na

obra entre ambos, incluindo nesta relação a influência de um outro alemão radicado

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em Londres151. Em nosso caso a utilização desses dois autores concentra-se em

algumas de suas formulações e que consideramos pertinentes para a

complementaridade necessária na já vasta contribuição de autores sobre o “urbano”

em sua tradição baseada em um materialismo dialético. Além da reafirmação da

contribuição da Antropologia e da necessidade de se aprofundar de maneira mais

crítica sobre os efeitos das vinculações de notícias e informações produzidas pela

mídia, em todas as suas facetas, e suas repercussões na chamada “opinião

pública”, no campo político e no próprio campo científico.

Porém como estrutura de análise para a proposta sociológica totalizadora que

pensamos para futuras pesquisas pela sociologia dos transportes, acreditamos que

Norbert Elias nos fornece uma interessante possibilidade de observação,

principalmente se nos depararmos com seu trabalho de campo e análise sociológica

realizados em obras como “Os Estabelecidos e os Outsiders” (ELIAS; SCOTSON,

2000). A estrutura de uma sociologia configuracional, baseada em sua concepção

de “sociedade dos indivíduos” revela os caminhos percorridos pelos indivíduos e

seus pertencimentos aos grupos sociais nas relações sociais baseadas nas

interações conflituosas entre o autocontrole e o controle social, existentes na tênue

linha da vida social. Desta interação, que irá gerar as fricções e ajustamentos

conhecidos e também imprevisíveis, temos as resultantes do embate que é a vida

coletiva, a vida vivida em sociedade e onde as individualidades estão postas no

“duelo” com as coletividades pré-existentes e resistentes.

Bourdieu (1992) também poderia ser acionado em sua brilhante contribuição

acerca do habitus vivificado entre as classes sociais. As influências marxistas e

weberianas, que podem ser percebidas no desenvolvimento do pensamento do

sociólogo francês, aproximam-se inclusive de algumas colocações levantadas por

esta tese. Apesar da concepção das estruturas estruturantes e estruturadas de

bourdieusianas, que demonstram toda a complexidade dos campos e capitais

existentes e que formam, estruturam e conduzem os pertencimentos das pessoas

pelas e por suas classes sociais, as possibilidades de “saída” dos espaços possíveis

às determinações de classe ficam extremamente restritas às subversões lentíssimas

e altamente marginalizadas em um campo educacional, para a posterior mudança

de um ideário societal.

                                                            151 Max Weber cita e faz críticas diretas a algumas passagens e conceitos de Marx. 

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As práticas sociais baseadas nas “formas de vida pelo transporte” podem

trazer à tona possibilidades de subversão do campo simbólico por classes sociais e

indivíduos subalternos, ou proporcionar um movimento de própria mudança social,

onde o esgarçamento da naturalização segregadora, de base histórica, pode ser

colocada à prova por estas sociabilidades existentes e reveladoras das contradições

hierárquicas. Não à toa todo um movimento de revolta popular, e ela não é novidade

em nossa História, se iniciou em um amplo processo de manifestações com larga

amplitude nacional nos últimos tempos, onde o primeiro e principal foco de revolta,

através de movimentos sociais pautados nesta demanda, relacionou-se com o tema

da mobilidade urbana152. Vivemos um momento de tensão política e acirramento de

conflitos sociais, onde as formas como as pessoas têm acesso, ou não, às cidades

estão no bojo do arsenal de argumentos neste conflito social. As possibilidades de

observação de algumas destas contradições via uma sociologia dos transportes,

forneceria um olhar inovador e imprescindível sobre estas hierarquias que parecem

estar sempre escamoteadas pelo ir e vir, nem sempre veloz, de nossos meios de

transporte.

Por este motivo que utilizamos, como proposta de verificação futura na

percepção de uma configuração mais generalizada dos transportes urbanos e da

própria mobilidade urbana, a sociologia configuracional de Elias (2000, 1995, 1994,

1993). Esta é uma indicação para um modelo comparativo e ferramental, pois sua

formulação teórica de uma “sociedade dos indivíduos” e o brilhante exemplo dado

por sua pesquisa em Winston Parva demonstram uma forma de fazer sociológico

que pode incorporar as questões simbólicas e imateriais em seus rebatimentos

materiais e objetivos de uma sociedade marcada por hierarquias introjetadas,

socialmente produzidas e reproduzidas.

Mais do que emular e tentar reproduzir o escopo utilizado por Elias e Scotson

no contexto inglês, nossa intenção é aproveitar os ensinamentos retirados da

pesquisa de campo realizada pelos mesmos, além de poder incorporar, antes e

depois de uma possível pesquisa configuracional da RMRJ, todos os dados

coletados, estudados e analisados pelas inúmeras contribuições dadas nesta área,

não somente pela sociologia, ou pelas ciências sociais, mas sim por todo um campo

de conhecimento que tem o urbano como principal local de preocupação e morada.

                                                            152 O aumento das tarifas dos transportes coletivos urbanos nas principais capitais do país. 

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Por fim ressaltamos que as “formas de vida pelo transporte”, substrato

essencial para a sociologia dos transportes aqui proposta, vai além da realização e

utilização de etnografias para seu conhecimento, mas só será possível com a

incorporação de informações robustas sobre as percepções coletivas sobre os

diversos modais existentes, as informações objetivas e técnicas sobre

origem/destino e especificidades de cada modal, e as análises das informações

midiáticas vinculadas e que inserem também na construção das percepções e

identidades coletivas acerca da oferta dos transportes urbanos e da mobilidade

urbana em nossas metrópoles.

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