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Uma epopéia moderna: 80 anos da imigração japonesa no Brasil

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  • COMISSO DE ELABORAO DA HISTRIA DOS 80 ANOS DA IMIGRAO JAPONESA NO BRASIL

    UMA EPOPIA MODERNA 80 Anos da Imigrao Japonesa

    no Brasil

    EDITORA HUCITEC SOCIEDADE BRASILEIRA DE CULTURA JAPONESA

    SO PAULO, 1992

  • 1992 Direitos reservados pela Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa

    Capa: Shinji Tanaka

    D a d o s Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Uma epopia moderna: 80 anos da imigrao japonesa no Brasil/ Comis-so de Elaborao da Histria dos 80 anos da Imigrao Japonesa no Brasil. So Paulo: HUCITEC: Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, 1992.

    Bibliografia. ISBN 85-271-0186-6

    1. Agricultura Brasil Histria 2. Brasil Emigrao e imi-grao Japo 3. Brasil Indstria Histria 4. Japo Emigrao e imigrao Brasil 5. Japoneses Brasil Histria I. Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa. Comisso de Elaborao da Histria dos 80 Anos da Imigrao Japonesa no Brasil. II. Ttulo: 80 Anos da imigrao japonesa no Brasil.

    92-1207 CDD - 304.8981052

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Brasil: Imigrantes japoneses: Sociologia 304.8981052

    2. Imigrao japonesa: Brasil: Sociologia 304.8981052

    3. Japoneses no Brasil: Sociologia 304.8981052

  • SUMRIO

    Prefcio 9 A saga nipo-brasileira 11

    PARTE I

    Captulo 1. A ABERTURA DA EMIGRAO NO JAPO 15Captulo 2. DO KASATO-MARU AT A DCADA DE 1920 63Captulo 3. EMIGRAO COMO POLTICA DE ESTADO 137Captulo 4. PERODO EM BRANCO NA CORRENTE

    IMIGRATRIA E OS DISTRBIOS NA COMUNIDADE JAPONESA 247

    Captulo 5. PERODO DO PS-GUERRA 381Captulo 6. O FIM DA ERA DE IMIGRAO E A

    CONSOLIDAO DA NOVA COLNIA NIKKEI 417

    PARTE II

    CONTRIBUIES DOS IMIGRANTES JAPONESES NO BRASIL

    Captulo 1. PAPEL DESEMPENHADO NA AGRICULTURA JAPONESA 461

    Captulo 2. PARTICIPAO DE IMIGRANTES JAPONESES NO COMRCIO 531

    Captulo 3. PARTICIPAO NA INDSTRIA 541Captulo 4. EDUCAO, CULTURA, RELIGIO 547Captulo 5. VIDA RELIGIOSA DOS JAPONESES E SEUS

    DESCENDENTES RESIDENTES NO BRASIL E RELIGIES DE ORIGEM JAPONESA 559

    Posfcio 603

  • PREFCIO

    N ESTE final de sculo, a Organizao Internacional do Trabalho (OIT) prev grande fluxo migratrio internacional, de pases pobres para pases ricos. o que se verifica no Brasil de hoje, quando milhares de brasileiros esto

    seguindo para o exterior, em busca da felicidade e bem-estar pessoal. interessante observar que, pelas mesmas razes, durante todo o sculo

    XIX, cerca de 40 milhes de pessoas deixaram a Europa em direo a novos continentes descobertos desde Colombo. E at a deflagrao da II Guerra Mun-dial, no final dos anos 30 deste sculo, estima-se que 70 milhes de europeus devem ter deixado os seus pases de origem.

    No final do sculo XIX, mais precisamente em 1880, comeou a ocorrer tambm a emigrao japonesa, primeiro para o Hava, depois para os Estados Unidos, Peru, Mxico e, a partir de 1908, para o Brasil. Nos primordios da imigrao no Hava, a situao de pobreza no Japo era dramtica e o prprio governo esperava que esse movimento migratrio contribusse para melhorar a balana comercial do seu pas.

    No Brasil, por ocasio do 80. Aniversrio da Emigrao Japonesa, em 1988, um censo especfico verificou que os japoneses e seus descendentes j so cerca de 1,2 milho, todos eles totalmente integrados na vida nacional, tanto social, profissional como etnicamente.

    A comisso dos festejos do 80. Aniversrio entendeu que, ao ensejo dessa

    comemorao, se deveria fazer um abrangente registro desse processo migratrio para a posteridade, com texto em portugus e japons. O trabalho de pesquisa e redao consumiu mais de dois anos.

  • 10 PREFCIO

    A Histria dos 80 anos da Imigrao Japonesa no Brasil, que ora publicamos em portugus, trata com clareza do panorama social da poca, a situao internacional ingente, e em particular do Japo e do Brasil, e o porqu da vinda dos nossos pais e avs ao Brasil.

    Relata, tambm, as dificuldades que eles enfrentaram, no perodo da II Guerra Mundial, e os fatos relacionados com a comunidade nipo-brasileira, no perodo ps-guerra, incluindo um assunto considerado tabu Shindo Renmei , baseado exclusivamente em depoimentos constantes dos autos.

    Ainda assim, dada a extenso do tema, possvel que a pesquisa no esteja completa. Mas com grande satisfao que entregamos esta obra aos interessados no assunto, na certeza de que todos se sentiro recompensados com a sua leitura.

    Por ltimo, gostaramos de manifestar os nossos sinceros agradecimentos a todos que colaboraram na feitura desta obra.

    So Paulo, fevereiro de 1992.

    Atushi Yamauchi Presidente da Sociedade Brasileira

    de Cultura Japonesa

  • A SAGA NIPO-BRASILEIRA

    S AGA realmente o nome que convm, tanto a realizao deste livro, como histria que nele se conta, porque no todo dia que os homens se lanam a empreendimentos como esses, que demandam tanta coragem, consomem tanto trabalho e a cada dia reservam novas e inesperadas surpresas. So contudo as sagas que realmente escrevem a histria humana no que ela tem de significativo e permanente.

    A deciso de escrever este livro foi tomada como parte dos feitos comemora-tivos do 80. Aniversrio da Imigrao Japonesa para o Brasil. Sob os auspcios da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, foi desde logo formada uma comisso redatorial incumbida de promover os levantamentos e pesquisas e de redigir a histria do que foi essa imigrao, dos seus primrdios aos nossos dias. Como sempre sucede em tarefas dessa natureza, o tema foi se ramificando em amplitude e profundidade e estourando os prazos propostos, at que finalmente a verso do livro em lngua japonesa veio luz em outubro de 1991, com 452 pginas, sob o ttulo Nippon Imin Hachiju Nen-shi.

    Os trabalhos no estavam contudo encerrados. Tratava-se agora de promo-ver a edio do livro em portugus. E, medida que a comisso de trabalhos se dedicava a essa nova tarefa, a simples traduo veio a se transformar em uma verso muito mais ampla da obra, dada a necessidade sentida de se desenvolver e explicitar aspectos apenas aflorados pela edio japonesa. Completou-se afinal a jornada e o que o leitor tem em mos um novo livro, de 608 pginas, um livro que assinala como marco definitivo a rica e portentosa histria dos 80 anos da imigrao japonesa no Brasil.

  • 12 A SAGA NIPO-BRASILEIRA

    Marco definitivo, dizemos, porque doravante ele constituir ponto de partida obrigatrio de quantos novos estudos se venham afazer sobre o assunto. Sem dvida, antes dele muitos trabalhos foram produzidos por japoneses, nipo-brasileiros e brasileiros, monografias ou obras de grande flego, e sem eles este livro no teria sido possvel. Entretanto, esta no simples obra de compilao,

    o que de si representaria sntese de grande valor. Mais do que um levantamento e utilizao quase exaustivas das fontes precedentes, que rene os fatos e dados fundamentais dessa imigrao, ela envereda por pesquisas originais, abre novas pistas e questes para os estudiosos futuros e, como nenhuma outra at ento, apresenta uma viso global e coerente das relaes entre os imigrantes nipnicos com a terra e o povo brasileiros e as impressionantes contribuies que da resultaram para nosso desenvolvimento em todos os setores da cultura e em todos os campos de atividade.

    Esta uma histria que, como toda histria de homens, no se fez sem

    desentendimentos recprocos, sem conflitos e sofrimentos individuais e coletivos, sem decepes, amarguras e tragdias como todas as sagas devem ser mas foi a sensibilidade dos seus autores em penetrar e transmitir esse lado humano e dramtico deforma viva, mas serena e equnime, que transformou um simples livro de histria na narrativa de uma saga aventurosa e dramtica. Neste caso, uma saga que tem um fim feliz para todas as partes envolvidas: o que se narra aqui, afinal, como poisos geograficamente antpodas e culturalmente to desseme-lhantes podem se transformar em irmos e parceiros na construo comum de uma nao jovem, ao mesmo tempo to spera e to amistosa. Foi esse humanismo intrnseco e comum entre os brasileiros e japoneses, to diverso em suas manifestaes, mas reciprocamente compartilhado, que veio permitir o xito invulgar que a imigrao nipnica alcanou em nosso pas, exponenciando sua contribuio para nosso desenvolvimento e a plena integrao dos nikkei na brasilidade.

    Sob esse aspecto, a experincia nipo-brasileira mais do que um simples episdio histrico-cultural: assinala um caminho transcendente para um en-tendimento eficaz e feliz entre os povos, desbaratando quantas teorias se formu-laram sobre as incompatibilidades entre povos e culturas e a supremacia de uns sobre outros. E se as sagas falam sempre de novos caminhos e noivos mundos para o homem, esta viso do que foi a imigrao japonesa no Brasil aponta caminhos futuros para maior e melhor integrao futura da humanidade.

    Seria pretensioso, descabido e invivel sumariar em rpida apresentao o

    que se descreve em tantas pginas de uma histria to rica, tumultuosa e diversificada quanto o foi a da integrao dos imigrantes japoneses no Brasil.

    Nos seus traos mais gerais e esquemticos ela pode ser contudo dividida em duas eras ou fases, intermediadas pelos decisivos e traumticos acontecimentos provocados pela II Guerra Mundial. A primeira se inicia com a chegada dos imigrantes do Kasato-Maru em 1908 e vai, grosseiramente, at 1945 e o rescaldo

  • A SAGA NIPO-BRASILEIRA 13

    psico-tnico-social-cultural subseqente. A segunda vem de ento aos nossos dias.

    No h como negar que, dentro do clima mental e histrico reinante na ocasio, e de acordo com tendncias que se acentuariam e agravariam a partir da I Guerra Mundial, a rivalidade entre os povos, o etnocentrismo, o nacionalismo, o militarismo, o expansionismo e o imperialismo prevalecentes no mundo, constituam um obstculo quase intransponvel plena integrao dos japoneses na comunidade brasileira. Atuava tambm como obstculo dessa integrao a extrema diferena existente entre os imigrantes e o povo brasileiro, seus desnveis de cultura, de hbitos, de linguagem, de modo de viver, para nada se falar da diversidade do entorno geogrfico em que os imigrantes se viam colocados. E, finalmente, no plano individual, cada imigrante, saindo de seu bero e ninho natal, trazia para a nova terra a eterna esperana-dos imigrantes de todos os tempos de a eles voltar o mais rapidamente e o mais rico possvel.

    Esta uma fase penosa de desentendimentos em todos os nveis e planos, talvez apenas amenizada pela diversa mas profunda cordialidade que aproximava japoneses e brasileiros. Deve-se acrescentar que tanto a situao econmica e demogrfica do pas nas primeiras dcadas do sculo XX como as peculiaridades da vida social dos nipnicos agravavam intensamente as suspeitas e dificuldades de entrosamento entre os colonos e a populao brasileira e seus dirigentes. Era uma realidade preocupante na qual desamparados pelas condies primitivas do Brasil de ento, eles fossem levados, pela sua experincia de vida comunitria, a constituir grupos, comunidades e associaes com caractersticas e tendncias autrquicas, quando no "colonizadoras" e enquistantes.

    Contudo, e simultaneamente, se integravam no irresistvel movimento de desbravamenlo, dilatao de fronteiras econmicas e urbanizao, que tem caracterizado todo o sculo XX brasileiro, deixando-se arrastar, irresistivel-mente, pelo fascnio da conquista do espao e pela obra gigantesca e apaixonante da modernizao nacional. De aldeo sedentrio h sculos no Japo, no Brasil o imigrante adere ao "momentum" da nossa histria, convertendo-se em ban-deirante desbravador de terras e em pioneiro introdutor de novas tecnologias.

    Deva-se repetir aqui que desde o comeo, ultrapassado o primeiro espanto provocado pela diversidade de costumes, o trato interpessoal entre nipnicos e brasileiros se afinava por uma simpatia recproca que removia montanhas de incompreenso. Talvez em nenhum outro caso de contatos tnicos e culturais se casaram to bem a famosa cordialidade brasileira com a insupervel polidez nipnica para aproximar os indivduos em uma convivncia a um tempo respeitosa, desarmante e jovial.

    Ser necessria, contudo, a tragdia da derrota japonesa na guerra para evidenciar e pr em confronto a profunda divergncia existente entre as tendn-cias que levavam o japons a se integrar definitivamente no Brasil, adotando nova terra e nova nacionalidade, e as que tendiam a mant-lo como sdito irredutvel

  • 14 A SAGA NIPO-BRASILEIRA

    e inassimilvel de um pas antpoda sob tantos aspectos. Isso se exprime de forma dramtica e at sangrenta no episdio extremo e de traos terroristas representado pela Shindo-Renmei, to ampla, equanime e pormenorizadamente analisada na presente obra. E com o merecido destaque, posto que foi a partir de ento que as opes se tornaram claras e foram feitas deforma irreversvel. E neste ponto que se d o grande divisor de guas entre o antigo imigrante nipnico e a nova figura do nipo-brasileiro, brasileiro tanto e mais quanto qualquer brasileiro. O episdio histrico, uma dolorosa ruptura dentro da comunidade nipnica do Brasil, apenas

    pe em relevo e torna vitorioso o processo maior de aproximao, integrao e colaborao interpessoal que vinha se operando desde as primeiras horas entre brasileiros e japoneses. Processo esse que demonstrava que indivduos de um povo de cultura multimilenar eram suficientemente plsticos para se adaptarem a uma nova realidade, para rejuvenescerem e se transformarem em cidados de uma nao em construo, e que a terra jovem e seu povo sem preconceitos eram suficientemente atraentes e generosos para aceit-los com todas as suas dife-renas, no s se encantando com elas, mas at copiando-a. Como j dissemos, foi esse ntimo e recproco sentimento de confraternidade que fermentou a fuso tnico-cultural nipo-brasileira.

    Fica entendido que o abrasileiramento no implicou o abandono das tradicionais virtudes nipnicas de apreo pela educao, letras e artes, de senso hierrquico e capacidade de ao comunitria, de pacincia, constncia e estima pelo trabalho. Foram essas virtudes a razo principal do seu xito na terra brasileira, da singular contribuio que deram ao nosso desenvolvimento e o maior patrimnio que os imigrantes legaram aos seus descendentes.

    H na historiografia da imigrao japonesa no Brasil certa tendncia a enfatizar as dificuldades e frustraes sofridas pelos imigrantes. Faltaria comple-mentar o quadro com uma viso mais ampla do progresso que aqui alcanaram e promoveram, comparativamente ao que teriam tido no Japo de ento e tambm em comparao com o de outras imigraes. Este livro levanta cortinas e abre pistas para essa viso maior e mais correta: afinal, como todos sabemos, a imigrao japonesa no Brasil uma saga de xito. Sua luta no foi v: a histria conhecida, a histria que vivemos, ado crescente reconhecimento do valor de sua cooperao e de nossa estima e cooperao crescentes.

    Benedicto Ferri de Barros

  • CAPTULO 1

    A ABERTURA DA EMIGRAO NO JAPO

    1. AS GRANDES MIGRAES DA EUROPA NOS SCULOS XIX E XX 2. A ABERTURA DOS PORTOS E A IMIGRAO NO BRASIL DO SCULO XIX

    3. JAPO: FIM DO ISOLAMENTO E INCIO DO MOVIMENTO EMIGRATRIO 4. ANTECEDENTES DA IMIGRAO JAPONESA NO

    BRASIL 5. ALGUNS EPISDIOS HISTRICOS

    1. AS GRANDES MIGRAES DA EUROPA NOS SCULOS XIX E XX

    AHISTRIA da humanidade mostra que ela viveu, desde o seu aparecimento na face da Terra at hoje, repetidos movimentos de migrao e de fixao em vrias regies do globo. O homem sempre se movimentou, por instinto, desejo de conhecer

    o desconhecido ou impulsionado por problemas polticos, econmicos, sociais, religiosos, etc, ou da combinao de dois ou mais desses fatores. No decorrer dos sculos aconteceram muitos movimentos migratrios de propores diferentes, sendo alguns de grandes dimenses, que in-fluram poderosamente na evoluo histrica do gnero humano.

    Aqui nos limitaremos a examinar sucintamente o maior dos des-locamentos em massa ocorridos na histria, abarcando o sculo XIX e XX, dentro do qual se situa a emigrao japonesa para o Brasil.

    Sabemos que a emigrao de europeus para o Novo Continente comeou logo aps a sua descoberta por Cristvo Colombo, em 1492. Nos primeiros tempos seu nmero era pequeno, atingindo contingentes substanciais somente a partir do sculo XVII. A Inglaterra, que comeara a colonizar (ao lado dos franceses e holandeses), enviou cerca de 250 mil emigrantes no sculo XVII aos Estados Unidos. J no sculo XVIII esse nmero alcanava 1,5 milho.

    Portugal e Espanha registram nmeros bem inferiores, apesar de sua presena pioneira nas Amricas. Isso porque os territrios por eles descobertos ou conquistados estavam fechados para outros povos e os prprios portugueses e espanhis no tinham liberdade de emigrar para

  • 16 A ABERTURA DA EMIGRAO NO JAPO

    as colnias. Estima-se que em mais de trs sculos (at fins do XVIII) emigraram para o Novo Continente cerca de 700 mil pessoas. S a partir de 1830 o movimento emigratrio dos ibricos teve um grande incre-mento.

    Quase 200 milhes de almas a estimativa da populao da Europa nos princpios do sculo XIX. Desde ento, no perodo de uma centria, mais de 40 milhes emigraram para terras de alm-mar.

    A frica contribuiu tambm com grande nmero de emigrantes para as Amricas. A utilizao da mo-de-obra escrava durou cerca de quatro sculos, do XVI ao XIX inclusive, perodo em que 12 a 15 milhes de africanos (os nmeros variam conforme as fontes) vieram aumentar a populao desta parte do mundo. Dessa migrao resultou a forte presena racial e cultural africana alm da sua grande contribuio ao desenvolvimento econmico que se observa nas Amricas do Norte, Central e do Sul.

    A emigrao em massa iniciada na Europa no sculo XIX teve como causa a combinao de vrios fatores econmicos e sociais. Na realidade, nessa poca verifica-se uma profunda mudana na mentalidade popular na Europa, influenciada pela Revoluo Francesa (1789). As idias de liberdade e igualdade foram se alastrando a pases at ento dominados por monarquias absolutistas e senhores feudais. Mesmo pessoas de classe pobre, at ento submetidas aos grilhes do absolutismo, sonham em emigrar para pases livres.

    Na Inglaterra, em particular, onde a revoluo industrial introduz profundas mudanas econmicas e sociais, verifica-se a passagem da poltica mercantilista para a de livre comrcio. E a emigrao passa a ser estimulada e no contida como at ento.

    Todos esses fatores, mais o crescimento demogrfico acentuado, contribuem para incentivar o movimento emigratrio. A expanso popu-lacional da Europa seguiu a seguinte marcha, quase triplicando em dois sculos e meio (em milhes): 1750 144; 1850 274; 1900 423.

    nessa situao que extensas reas de terras so colocadas disposio de imigrantes nas Amricas, Austrlia, Nova Zelndia, frica do Sul, etc.

    A independncia dos Estados Unidos (1776) constituiu um fator decisivo para intensificar o movimento emigratrio da Europa. Logo, outros pases americanos tambm se libertam do domnio das metr-poles. Nas primeiras dcadas do sculo XIX quase todos os pases do Novo Continente proclamam sua independncia e adotam a poltica da porta aberta em relao aos imigrantes. Mesmo pases no independentes

  • AS GRANDES MIGRAES DA EUROPA NOS SCULOS XIX E XX 17

    como o Canad, abrem suas portas para receber imigrantes a fim de povoar, explorar e desenvolver seus territrios.

    Mas, entre todos, os Estados Unidos so os que mais atraem imi-grantes europeus. Eles organizam um novo e revolucionrio sistema de governo "do povo, pelo povo e para o povo". Para muitos povos europeus ainda sob o jugo de monarquias absolutistas, a Amrica repre-sentava, com seu imenso territrio inexplorado e a nova forma de governo, um verdadeiro pas do sonho, cheio de promessas de liberdade e realizaes.

    Por volta de 1850 estoura o gold-rush na Califrnia, na costa do Pacfico. Em 1863 decretada a abolio da escravatura, at ento muito criticada e condenada na Europa. E no decorrer da Guerra da Secesso (1861-65), que consolidou a poltica de libertao da escravido, o governo de Washington instituiu uma lei segundo a qual qualquer cidado adulto poderia receber gratuitamente um terreno de 160 acres (aproximada-mente 65 hectares). Essa generosa legislao atraiu mais ainda o interesse dos europeus pela Amrica.

    Na poca das grandes migraes de que estamos tratando, os pases que mais receberam imigrantes foram os Estados Unidos, Argentina, Canad e Brasil. Os imigrantes que entraram entre 1821 e 1932 nesses pases foram (em milhes de pessoas): Estados Unidos 34,2; Argentina 6,4; Canad 5,2; Brasil 4,4.

    Verifica-se pois que os Estados Unidos da Amrica superaram, de longe, os demais pases como receptor de imigrantes.

    bom esclarecer que a transferncia dessa enorme massa de gente em tempo relativamente curto foi possibilitada pelo desenvolvimento dos meios de transporte, em especial da navegao a vapor e de estradas de ferro.

    A segunda metade do sculo XVIII representa a fase de maior trfico de escravos africanos, a ele se dedicando muitos comerciantes europeus. Consta que ento a capacidade de navios negreiros na rota da frica para as Amricas atingia 82 mil homens/ano. Porm, a partir de fins desse sculo intensificam-se as crticas contra o vergonhoso comrcio.

    A Inglaterra adota (1807) a lei que probe o trfico de escravos. Desde ento diminui rapidamente o nmero dos que se dedicam a essa ativi-dade, liberando embarcaes, at ento empregadas no trfico negreiro, para o transporte de emigrantes.

    Depois da Inglaterra, a Alemanha ocupa lugar de destaque como pas fornecedor de emigrantes. Outro grande pas de emigrantes a Itlia, que, entretanto, comea com algum atraso. A unificao italiana (1870)

  • 18 A ABERTURA DA EMIGRAO NO JAPO

    ocorre quase na mesma poca que a da Alemanha (1871), mas a emigrao de italianos s cresceu, chegando a alcanar 25 mil/ano no qinqnio 1871-75. Esse nmero era bem inferior ao da mdia anual inglesa (193 mil) e germnica (79 mil) do mesmo perodo. No entanto, entre 1886 e 1890 cresce para 150 mil/ano. A essa altura cai a emigrao de ingleses e alemes, tornando-se a Itlia a grande fornecedora europia de emi-grantes.

    O movimento das grandes migraes continuou at a I Grande Guerra (1914-18). Entre 1906 e 1910 atingiu o elevado nmero de 1,43 milho por ano. Depois da guerra prosseguiu, mas j com intensidade menor, no ultrapassando a mdia anual de 650 mil.

    Tambm aps a II Grande Guerra (1939-45) registraram-se movi-mentos migratrios de vulto, porm de carter diferente em sua maioria: como uma soluo para problemas de refugiados criados pela confla-grao.

    O deslocamento de to grandes massas humanas teve conseqn-cias para a prpria histria da humanidade e dos povos envolvidos. Muito embora seja difcil apreender todo o seu significado e alcance, basta constatar que, levando excedentes populacionais da Europa para regies desabitadas e inexploradas e que necessitavam de mo-de-obra compe-tente para o seu desenvolvimento, promoveu-se ampla redistribuio populacional no globo.

    Dos pases receptores de imigrantes, os Estados Unidos so o maior. Em conseqncia, sua populao sofre uma grande expanso. O nmero de habitantes, de 8,5 milhes em 1816, se eleva para 75,9 milhes em 1900.

    O ingresso em massa de migrantes de bom nvel de educao e munidos de forte vontade de trabalhar e progredir e a paralela introduo dos resultados da revoluo industrial fizeram a economia americana se desenvolver com muito vigor e rapidez.

    O movimento migratrio para as Amricas, que no sofria nenhuma limitao, comea a encontrar obstculos a partir da segunda metade do sculo XIX. As restries vinham tanto da parte dos pases de emigrao como dos seus receptores. Diversas so as causas. Fundamentalmente comeou nos Estados Unidos, que praticamente haviam chegado ao fim do desbravamento de novas fronteiras em seu territrio. Por isso toma-ram a iniciativa de selecionar os imigrantes. Essa mudana na poltica imigratria americana se refletiu, com o tempo, nos demais pases de imigrao.

    A primeira vtima da nova poltica imigratria dos Estados Unidos foi o chins. A emigrao chinesa para aquele pas teve incio na poca do

  • AS GRANDES MIGRAES DA EUROPA NOS SCULOS XIX E XX 19

    gold-rush da Califrnia, dcada de 1850. Os chineses participaram ativa-mente desse movimento, cata de ouro e enriquecimento rpido.

    Mas j em 1860, o Congresso do Estado da Califrnia aprovou uma lei proibindo a entrada de imigrantes chineses. A China encontrava-se no final da dinastia Ching (1616-1911), apresentando grave deteriorao na sua vida poltica e social. Para os chineses pobres, a Amrica, que oferecia estabilidade poltica e salrios altos, representava um verdadeiro paraso. Por isso no cessava a corrente migratria para a terra do Tio Sam.

    Naquela poca a Califrnia ainda se defrontava com o problema de escassez de mo-de-obra. No entanto os chineses no eram bem recebi-dos. A causa dessa m vontade residia no fato de esses imigrantes trabalharem com salrios muito baixos, suportando qualquer dificuldade e sofrimento. Mais ainda: eles se contentavam em viver nos cortios que formavam nas cidades, a fim de aumentar suas poupanas, conservando ainda os hbitos e costumes da velha China. Esse modo de viver provo-cava reao desfavorvel dos descendentes de europeus.

    Os operrios americanos viram nos chineses seus mais fortes concor-rentes no mercado de trabalho. E a fora dos sindicatos operrios dos Estados Unidos j era poderosa, como se pode inferir pela organizao da AFL American Federation of Labor (Federao Americana do Tra-balho), em 1886. A presso sindical contribuiu para a aprovao da lei de 1860. Mas essa legislao, que vedava a entrada de imigrantes chineses, no entrou em vigor, porque contrariava dispositivos da Constituio dos Estados Unidos.

    O movimento antichins continuou crescendo, at que em 1882 conseguiu fazer aprovar uma lei que proibia a entrada de imigrantes chineses no pas. A partir de meados do sculo XIX, no s nos Estados Unidos como em outros pases de imigrao, os chineses sofrem res-tries. O Canad limita a imigrao chinesa a partir de 1885. Igualmente pases latino-americanos como o Equador (1889), Peru (1909), Panam, Uruguai, Paraguai, Costa Rica, Guatemala (1914), etc. probem a entrada de imigrantes chineses.

    As medidas tomadas contra os chineses so ampliadas e aplicadas a outras nacionalidades. Assim, no caso dos Estados Unidos, a reforma da lei de cotas de imigrantes de 1924 atinge mais os italianos.

    A imigrao japonesa proibida em seguida chinesa nos Estados Unidos e outros pases.

    BIBLIOGRAFIA

    Encyclopaedia Britannica, ed. 1963. Hayashi, Kentaro. Sekai no Ayumi (A Marcha do Mundo). 2 vols. 1949.

  • 20 A ABERTURA DA EMIGRAO NO JAPO

    Kennedy, Paul. Taikoku no Kb (Ascenso e Queda das Grandes Potncias). 2 vols. Trad. japonesa de Chikara Suzuki, 1988. Trad. brasileira de Waltensir Dutra. Ed. Campus, 1989.

    Okasaki, Fuminori. Kokusai Ij Mondai (Problemas de Migrao Internacional), 1955.

    2. A ABERTURA DOS PORTOS E A IMIGRAO NO BRASIL DO SCULO XIX

    A maioria dos pases da Amrica Latina conquista sua independn-cia entre 1810 e 1830. Com exceo do Brasil, os demais Estados tinham sido colnias espanholas. Quando Napoleo Bonaparte (1769-1821) inva-diu a pennsula ibrica no comeo do sculo XIX, provocou a instabiliza-o poltica na Espanha. Nessas circunstncias, Madrid relaxou seu controle sobre as colnias, facilitando a independncia delas.

    Aps a independncia, muitos pases latino-americanos comearam a introduzir imigrantes para povoar e explorar economicamente seus territrios. O Brasil foi o nico que adotou a orientao de receber imigrantes estrangeiros, antes mesmo de sua separao da metrpole. Isso porque, por ocasio da invaso das foras de Napoleo, a corte real lusitana (dinastia dos Bragana) se transferiu para o Rio de Janeiro (1808). Ainda na Bahia, antes de se dirigir para o Rio de Janeiro, o regente D. Joo VI decretou a abertura dos portos e a liberdade de indstria e comrcio para todo o territrio brasileiro (at ento monoplios de Portugal).

    Quando a corte lusitana chegou ao Rio de Janeiro, a populao brasileira no passava de 3,6 milhes (dos quais 1,91 milho de escravos). Uma populao escassa, dispersa por alguns pontos do litoral, muito pequena para o desenvolvimento do vasto territrio e at para a defesa de suas fronteiras. Por isso, foram adotadas pela nova administrao, insta-lada no Rio, providncias para a introduo de imigrantes estrangeiros, alm de estmulos aos portugueses que desejassem emigrar para o Brasil. Mas os primeiros planos, mal traados, malograram, alguns nem chega-ram a ser postos em prtica.

    Ao iniciar-se o sculo XIX, na Europa, as questes do trfico africano e da abolio da escravido constituram assuntos de discusso nos congressos internacionais. Em 1807, a Inglaterra pioneira da campanha abolicionista decidiu acabar com o comrcio de escravos. Outros pases seguiram o exemplo.

    No Brasil, a dinastia Bragana, prosseguindo a poltica de abertura para o exterior, incluiu pela primeira vez, em 1818, no oramento nacio-nal, dispndios relacionados com a imigrao. Para comear, abriu trs colnias localizadas nas provncias do Rio de Janeiro e da Bahia, com

  • ABERTURA DOS PORTOS E A IMIGRAO NO BRASIL DO SCULO XIX 21

    imigrantes alemes e suos. Mas todas fracassaram. No caso da colnia de Nova Friburgo (RJ), foram introduzidos 1.682 suos, considerado um nmero grande de estrangeiros na poca. O malogro foi atribudo irresponsabilidade de funcionrios encarregados da imigrao e de maus agentes de recrutamento de imigrantes na Europa, alm da falta de um planejamento adequado.

    A respeito da poltica imigratria da corte portuguesa, temporaria-mente instalada no Rio, Caio Prado Jnior comenta em sua clssica Histria Econmica do Brasil: "Sua contribuio, durante a permanncia da Corte no Brasil, no passar do estabelecimento de um punhado de ncleos coloniais formados com imigrantes alemes, suos, aorianos, e distribudos no Esprito Santo, no Rio de Janeiro e em menor escala em Santa Catarina. Para a histria, tero mais importncia as intenes que os resultados numericamente mnimos".

    Entre os planos ento elaborados figurava um que previa ,a in-troduo de 2 mil chineses. Naquela poca o comrcio de ch preto se encontrava em grande expanso na Europa. Por isso, o motivo oficial-mente anunciado para a importao de to grande nmero de chineses era o desenvolvimento da cultura de ch no pas. Havia preocupao da parte de autoridades da corte quanto ao futuro do trfico de escravos e por isso planejava-se atrair cules chineses para um eventual preenchimento do vazio que poderia ser criado com a abolio do trfico negreiro.

    A introduo de escravos no perodo de 1811 a 1820 alcanava a expressiva cifra de 328 mil. Por outro lado, a cafeicultura se expandia e prosperava a olhos vistos, o que fez a corte do Rio deixar de lado o projeto do cultivo de ch. A imigrao chinesa ficou limitada vinda, em carter experimental, de 400 pessoas.

    Com a independncia proclamada em 1822, o governo brasileiro pde dedicar seus esforos soluo de problemas nacionais. Em 1824 foi promulgada a Constituio do Imprio do Brasil. Nela figuravam disposi-tivos relativos imigrao de estrangeiros. Pela nova Carta, que estabe-lecia a liberdade de culto, os imigrantes estrangeiros no eram obrigados a ser todos catlicos como at ento.

    Com a nova legislao, os planos de colonizao adquirem carter mais prtico e realista. Em 1824 funda-se o ncleo colonial de So Leopoldo, prximo a Porto Alegre, RS. Nele foram introduzidos inicial-mente imigrantes alemes. O governo brasileiro custeava o transporte martimo at Porto Alegre, o transporte terrestre at a colnia e doava lotes de terra (de 15 a 75 hectares por famlia) e ainda fornecia animais domsticos e o custo de manuteno da lavoura durante dois anos. O colono gozava ainda da iseno do servio militar e do pagamento de tributos. Mas a terra distribuda no podia ser vendida durante dez anos.

  • 22 A ABERTURA DA EMIGRAO NO JAPO

    Nos termos contratuais constava ainda a instalao de moradias, igreja, escola, e tc , porm muitas delas nunca foram postas em prtica. Como os europeus em geral e os protestantes em particular detestavam a escra-vido, foi proibido o emprego de servos na colnia.

    A colnia de So Leopoldo, embora tivesse de superar muitos problemas e dificuldades, tida como a primeira a ter xito no Brasil. Meio sculo depois, ela se tornava municpio, com 22.729 habitantes.

    O sucesso de So Leopoldo animou o governo imperial a prosseguir na poltica de fundao de ncleos coloniais. Ainda na primeira metade do sculo XIX instalou um total de quinze colnias, em sua maioria nas provncias meridionais (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paran), pouco povoadas. Mas quase todas acabaram em malogro. Em parte, o fracasso pode ser atribudo prpria instabilidade poltica que marcou o perodo da Regncia (1831-40), quando se verificaram muitas revoltas e revolues, sendo a mais notvel a dos Farrapos (1835-45), tendo como palco o Rio Grande do Sul. Dentro das turbulncias que abalaram diversas regies do pas, recm-libertado de Portugal, difcil se tornava conseguir sucesso na poltica imigratria. Nos primeiros 50 anos do sculo XIX entraram apenas 17 mil imigrantes.

    Outro fator, provavelmente mais decisivo, que impediu o ingresso de maior nmero de imigrantes, foi a continuao da entrada de escravos. Depois de 1808, os nicos pases escravocratas importantes no Novo Continente eram o Brasil e Cuba. Com a reduo de pases importadores, aumentou grandemente a vinda de navios negreiros ao Brasil. At 1854, ano em que o Brasil suspendeu a importao de escravos, o seu nmero no pas somava cerca de 2,5 milhes. Os imigrantes europeus no gostavam de escravido, evitavam pases escravocratas. O Brasil, que contava com o ingresso de abundante mo-de-obra escrava, no sentia necessidade imediata de recorrer aos imigrantes europeus.

    Todavia, o governo imperial prosseguiu no seu esforo de aper-feioar a legislao relativa imigrao e colonizao. Assim, a partir de 1839, a introduo de imigrantes e a fundao de ncleos coloniais passaram da alada do poder central para governos provinciais. Outra lei determinava que os servios de imigrao e colonizao podiam ser realizados por pessoas fsicas ou jurdicas privadas brasileiras ou es-trangeiras. As terras eram cedidas sem nus para os colonos.

    Como resultado dessas medidas, sucederam-se planos de imigrao e colonizao na segunda metade do sculo. Entre 1847 e 1875, regis-traram-se 129 planos de colonizao. Se contarmos desde a chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro, contam-se 144, dos quais 31 organiza-dos pelo governo da corte, 20 por governos provinciais e 93 por particula-res. Contudo, apesar da multiplicao de colnias, no se pode afirmar

  • ABERTURA DOS PORTOS E A IMIGRAO NO BRASIL DO SCULO XIX 23

    que elas foram todas bem-sucedidas. Um levantamento oficial de 1875, sobre as 144 colnias, mostra o seguinte resultado:

    SITUAO DAS COLNIAS (1875)

    Corte Prov. Partic.

    Total

    Independei

    Colnias

    10 4 1

    15

    ites(*)

    Pop.

    36.860 8.816

    329

    46.005

    Extintas(**)

    Colnias

    9 1

    67

    77

    Em operao

    Colnias

    12 15 25

    52

    Pop.

    23.701 6.876

    17.906

    48.483

    Total

    31 20 93

    144

    (*) Independentes so colnias que obtiveram sucesso e foram incorporadas ou se

    transformaram em unidades administrativas oficiais (municpios), etc.

    (**) Extintas, com a revogao da autorizao, por terem sido consideradas

    fracassadas.

    As principais causas do fracasso de muitos planos de colonizao so:

    Excessivas e rpidas mudanas de leis e regulamentos, cuja aplicao se tornava difcil e mesmo impossvel.

    Havia muitos dispositivos legais que no eram ou no podiam ser cumpridos.

    Inadequada localizao das colnias e falhas na poltica de colonizao.

    Existncia de maus agenciadores de emigrantes.

    At meados do sculo XIX, o "imigrante" era, quase sempre, aquele que buscava possuir uma pequena lavoura de sua propriedade e gesto. Depois aparece uma nova figura de imigrante: o "trabalhador contratado para fazenda de caf".

    Conforme j vimos, na primeira metade do sculo XIX o Brasil recebia em mdia cerca de 34 mil escravos por ano. Ao mesmo tempo, aumenta a presso internacional a favor da abolio do trfico negreiro. Por isso, surgem homens que pensam ser necessrio Introduzir imigran-tes brancos para substituir os escravos, cujo ingresso no podia durar muito. Um dos primeiros a pensar assim foi o senador por So Paulo, Nicolau de Campos Vergueiro. J em 1847 ele introduz na Fazenda Ibicaba, situada em Limeira, SP, imigrantes portugueses, alemes, suos e belgas, somando at 1857 um total de 177 famlias. O governo imperial pagava as despesas de viagem desses imigrantes.

  • 24 A ABERTURA DA EMIGRAO NO JAPO

    Essa imigrao foi a primeira experincia de introduo de trabalha-dores contratados para uma fazenda de caf. A remunerao do trabalho era paga em porcentagem da produo. O exemplo foi seguido por muitos fazendeiros. O sistema de pagamento muda posteriormente para salrio mais porcentagem de produo.

    Todavia, este sistema de remunerao de trabalho recebeu re-provao generalizada na Europa. que o clculo da remunerao era feito pela fazenda e, alm disso, o trabalho ao lado de escravos constitua um sacrifcio insuportvel para os colonos, no familiarizados com o esforo fsico exigido. Alegando ser o trabalho dos colonos muito penoso e insatisfatrias as condies de vida, o governo da Prssia proibiu em 1859 a emigrao para o Brasil. E s a partir de 1896 permitiu a emigrao de autnomos para os trs estados meridionais do Brasil: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paran.

    Pelos mesmos motivos, tambm a Frana impediu a emigrao para o Brasil de 1875 a 1908; a Itlia suspendeu-a durante dois anos, de 1889 a 1890.

    Essas medidas impeditivas atingiam os imigrantes cujas viagens eram subsidiadas pelo governo brasileiro. Os que viajavam por conta prpria no sofriam nenhuma restrio; continuavam a chegar ao Brasil.

    Abrangendo as duas categorias referidas, o nmero de entradas no Brasil, no perodo de 110 anos, de 1820 a 1929, est no quadro seguinte. Trata-se de cifras aproximadas, porquanto na questo de imigrao os nmeros variam conforme as fontes. Por exemplo, as estatsticas sobre emigrantes japoneses fornecidas pelo Ministrio dos Negcios Estrangei-ros de Tokyo no coincidem com os nmeros de fontes brasileiras.

    ENTRADA DE IMIGRANTES (1820-1929)

    Ano/Pas

    1820-29 1830-39 1840-49 1850-59 1860-69 1870-79 1880-89 1890-99 1900-09 1910-19 1920-29

    Total

    Portugal

    261 491

    63.272 53.618 67.609

    104.491 215.354 195.586 318.481 301.913

    1.321.076

    Itlia Alemanha

    180 5

    24 4.916

    47.100 276.724 670.508 221.394 137.868 106.835

    1.465.554

    1.984 207

    2.139 15.806 16.514 14.627 19.201 17.034 13.848 61.902 75.801

    239.063

    Espanha

    10

    181 633

    3.940 29.066

    164.193 121.604 181.696

    81.931

    583.254

    Japo

    861

    27.732 58.284

    86.577

    Outros

    7.112 2.021 2.347

    28.843 34.398 60.609 23.997

    115.929 82.145

    136.374 221.881

    715.656

    Total

    9.096 2.669 4.992

    108.126 110.079 193.885 453.079

    1.183.018 635.438 863.714 846.645

    4.410.741

    Fonte: Mirador Internacional: Migrao.

  • A ABERTURA DOS PORTOS E A IMIGRAO NO BRASIL DO SCULO XIX 25

    Pelo quadro verifica-se que da dcada de 1850 at a de 70 predomi-nam os portugueses. A populao lusa crescia rpido e, do lado de c, o caf brasileiro estava numa boa fase de expanso, necessitando de crescentes quantidades de mo-de-obra. Contudo, muitos imigrantes portugueses preferiam fixar-se nas cidades litorneas.

    A entrada de imigrantes italianos em grande nmero altera o quadro geral da imigrao no pas. Inicialmente eles ingressavam nos ncleos coloniais do Sul, mas j na dcada de 1880 os trabalhadores contratados pelas fazendas de caf de So Paulo formavam o grosso.

    A produo de caf de So Paulo em 1885 representava 34% do total do pas; j em 1900 alcanava 69%. So Paulo at ento tinha uma po-pulao pequena, necessitando introduzir trabalhadores estrangeiros para sua cafeicultura em expanso. Com a proibio da importao de escravos em 1854, a populao cativa caiu de 1.510.000 em 1872 para 1.368.000 em 1880.

    Diante da reduo dessa fora de trabalho, j em 1871 a provncia de So Paulo incluiu no seu oramento uma previso de gastos com a admisso de imigrantes. Mesmo assim, dos 193 mil imigrantes que entraram no Brasil na dcada de 1870, So Paulo s recebeu 11 mil.

    Antnio de Queirs Teles, proprietrio de fazendas de caf e gover-nador da provncia, visitou em 1878 diversos pases europeus, interessan-do-se especialmente pela Itlia, que ento se defrontava com o problema da superpopulao. Em 1884 foi baixada nova lei de imigrao pelo governo provincial, definindo a introduo de trabalhadores contratados para as fazendas de caf. Pela nova legislao, o governo provincial arcava com toda a despesa de transporte martimo. Ao mesmo tempo decidiu-se construir uma ampla e confortvel hospedaria de imigrantes na capital, So Paulo. J em 1887, a hospedaria estava em condies de funcionar parcialmente.

    Mediante entendimentos com grandes fazendeiros de caf, o gover-nador fundou, em 1886, a Sociedade Promotora de Imigrao. E pro-moveu uma intensa campanha de divulgao da excelente situao da cafeicultura paulista. O resultado no se fez esperar. So Paulo, que de 1880 a 84 havia recebido apenas 15 mil imigrantes, passou a introduzir 9.500 no ano de 1886,32 mil em 1887 e 88 mil em 1888. Isso representou o comeo do ingresso em massa de trabalhadores contratados nas fazen-das paulistas.

    No h estatsticas precisas sobre o nmero de imigrantes contra-tados, mas acredita-se que de 1877 a 1914 tenha alcanado 1.780.000 aproximadamente.

  • 26 A ABERTURA DA EMIGRAO NO JAPO

    A notcia de que o governo imperial do Brasil havia abolido a escravido em 1888 repercutiu favoravelmente na Europa, estimulando a emigrao. O quadro estatstico da pgina anterior mostra o crescente afluxo de imigrantes de pases latinos da Europa: Itlia, Portugal e Espanha a partir da dcada de 1880.

    Mas existiram outros fatores importantes para o incremento do movimento emigratrio europeu para o Brasil:

    adoo pelos Estados Unidos de medidas restritivas imigrao, especialmente a asitica;

    o desenvolvimento econmico do Brasil, com a expanso das plantaes de caf, principalmente.

    Ainda pelo quadro referido, nota-se a relativa diminuio dos imigrantes alemes e outros do centro e norte da Europa. Os italianos emigraram em massa porque havia perturbaes polticas e sociais em seu pas. Alm disso, como observa Caio Prado Jnior, "o italiano um trabalhador mais rstico e menos exigente: aceitar de mais boa-vontade as duras tarefas da lavoura brasileira".

    Em dez anos, a contar de 1890, o Brasil recebeu 1.180.000 italianos, nmero recorde para uma nacionalidade.

    A mudana de Monarquia para Repblica, em 1889, no alterou fundamentalmente a poltica imigratria brasileira. Como at ento, numerosas leis foram baixadas, com alteraes freqentes dos regula-mentos e dos rgos encarregados do setor.

    Pouco depois introduzia-se o conceito de "imigrao interna", apli-cado principalmente s populaes necessitadas do Nordeste. Essa regio, que foi ocupada e explorada nos sculos XVI, XVII e XVIII, atravs da pecuria e indstria de acar, havia formado uma grande populao carente, como conseqncia do regime de grandes propriedades e a decadncia recente da indstria aucareira. Mas no regime escravocrata reinava a noo de que s aos escravos cabia realizar o trabalho fsico, braal.

    Abolida a escravido e com a escassez de mo-de-obra nas regies cafeicultoras do Sul, gastavam-se grandes somas para atrair e trazer imigrantes estrangeiros. Diante dessa situao, surgiu naturalmente a idia de "imigrante interno" como poltica de socorro s populaes pobres do Nordeste.

    Desde a proclamao da Repblica em 1889, at 1911, o governo criou 22 colnias oficiais para imigrantes, num perodo em que a corrente maior de imigrantes e constitua de trabalhadores contratados para cafezais. Num levantamento feito em 1922, do total de 53.145 colonos, 44%, ou seja, 23.479 eram imigrantes internos.

  • JAPO: FIM DO ISOLAMENTO E INCIO DO MOVIMENTO EMIGRATRIO 27

    Em poucas palavras, sob o regime republicano cresce paulatina-mente o peso da migrao interna. A Constituio de 1934 introduz a limitao do nmero de imigrantes estrangeiros.

    Ento, sim, acontece uma grande mudana na orientao poltica relativa ao problema imigratrio.

    BIBLIOGRAFIA

    Estatsticas Histricas do Brasil. Vol. 3. Rio de Janeiro, IBGE, 1980. Enciclopdia Mirador Internacional (Migrao). Prado Jnior, Caio. Histria econmica do Brasil. 3.a ed. So Paulo, Editora

    Brasiliense, 1953. Okasaki, Fumnori. Kokusai Ij Mondai (Problemas de migrao internacional).

    3. JAPO: FIM DO ISOLAMENTO E INCIO DO MOVIMENTO EMIGRATRIO

    O Japo ingressou na histria das emigraes com visvel atraso em relao aos principais pases emigratrios da segunda metade do sculo passado. Somente a partir da dcada de 1880, os nipnicos comearam a sair de sua terra, em nmero digno de nota, para trabalhar no exterior (veja Quadro 1).

    Cabe aqui um pequeno parntese, para lembrar os sculos XVI e XVII, quando japoneses, expandindo seu comrcio exterior, se estabe-leceram em muitos portos das Filipinas, Aname, Camboja, Indonsia, Sio (Tailndia), Macau, etc. Acredita-se que o nmero de habitantes dos chamados "bairros japoneses" formados nesses pases tenha chegado a mais de 10 mil.

    Com a decretao do fechamento do pas pelo xogunato Tokugawa em 1639, alguns milhares deles no puderam retornar ptria depois daquela data, porque as medidas draconianas do regime feudal proibiam at mesmo a volta dos que haviam sado para o exterior. O isolamento do Japo (com exceo da feitoria holandesa de Dejima, Nagasaki, que virtualmente monopolizou o comrcio europeu no Japo) em relao ao mundo ocidental durou at 1854, quando, sob a presso dos navios do comodoro Perry, Edo abre os portos nipnicos para o comrcio internacio-nal. Durante esse perodo a China e a Coria mantiveram intercmbio comercial limitado com o Japo.

    Na fase final do xogunato Tokugawa, a populao nipnica somava cerca de 3Q milhes, dos quais 84% constituam a classe de lavradores e 7% a de samurais; os restantes 9% representavam as demais classes. Com a abolio da classe samurai, decretada pelo governo Meiji logo aps a

  • 28 A ABERTURA DA EMIGRAO NO JAPO

    Restaurao (1868), muitos dos antigos guerreiros contribuem para avolumar a massa de desempregados que havia se criado em conseqn-cia da crise econmica que sacudira os alicerces do antigo regime. Na verdade, nesse perodo de transio o Japo enfrentava o problema da superpopulao e do desemprego real e potencial, situao essa agravada com a baixa produtividade agrcola e industrial uma das conseqn-cias negativas do longo isolamento nacional.

    Por outro lado, o governo da Restaurao tinha pressa em levar avante as medidas de modernizao (ocidentalizao) do pas. J em 1872 baixou a lei de ensino obrigatrio em todo o territrio nacional. Os municpios, vilas e aldeias ficavam responsveis pela construo e ma-nuteno da escola e a remunerao dos professores. No ano seguinte (1873) foi decretado o servio militar obrigatrio.

    As duas medidas provocaram reao e at levantes populares em diversos pontos do pas. At ento a renda per capita no passava de 21 yens/ano e a cobrana de 50 sens (meio yen) como mensalidade dos alu-nos do curso primrio, mais o recrutamento de jovens para o servio das armas, representavam uma grave sangria na economia rural. Da as manifestaes contrrias e at revoltas, em particular nas zonas rurais mais pobres.

    A situao nipnica dessa fase pode ser, grosso modo, comparada da Itlia, que, depois de sua unificao em 1870, se transformou num grande pas de emigrao. Mas o Japo s comeou a despachar emigran-tes em quantidade substancial, com anos de atraso. Havia, porm, da parte do povo, a vontade de "ir trabalhar onde houvesse emprego". Assim, j em junho de 1868 ano em que se proclama oficialmente a Restaurao Meiji 42 pessoas emigram para a ilha de Guam, como trabalhadores contratados em plantaes de "arroz-d'gua". Pouco an-tes, em maio, 148 japoneses haviam seguido para o Hava, como trabalha-dores de canaviais, por intermediao de um cidado americano.

    Em ambos os casos, no houve autorizao nem qualquer outra interferncia governamental. As despesas de viagem e de subsistncia ficavam por conta das fazendas empregadoras. Parece no h prova documental que nos dois casos o salrio mensal ficava em torno de 4 dlares.

    Em 1869, um grupo de 40 naturais do daimiato de Aizu (atual provncia de Fukushima) partiu, acompanhado por um holands, para o Estado da Califrnia, onde fundaram o ncleo colonial Wakamatsu.

    Como se viu, os casos das primeiras levas de emigrantes represen-tavam empreendimentos da iniciativa particular. O governo de Tokyo manteve-se ausente, ou por estar ainda ocupado com outros problemas vitais nessa fase de transio histrica, ou por falta de compreenso a

  • JAPO: FIM DO ISOLAMENTO E INCIO DO MOVIMENTO EMIGRATRIO 29

    respeito do problema migratrio, como conseqncia do longo perodo de isolamento nacional.

    Um documento que mostra a opinio da elite administrativa sobre a migrao o relatrio da clebre Misso Iwakura. Essa delegao foi a primeira, e a maior, enviada ao exterior pelo governo imperial naquele momento em que o Nippon se preparava para o grande salto de sua modernizao. Ela percorreu durante dois anos (de outubro de 1871 a setembro de 1873) a Europa e os Estados Unidos em viagem de obser-vao e estudos. Participavam dela cinco dos principais dirigentes do novo governo Meiji: Tomomi Iwakura1, Takayoshi Kido, Toshimichi Okubo, Naoyoshi Yamaguchi e Hirobumi Ito, acompanhados por chefes de departamentos e outros altos funcionrios de diversos ministrios, num total de 50 membros. De volta ao Japo, essa misso traz importantes informaes sobre a organizao poltica, poderes executivo, legislativo e judicirio, Foras Armadas, armamentos, Casa da Moeda, instituies financeiras, bolsas de valores, seguros, indstrias, sistema educacional (inclusive escola de surdos-mudos), hospitais, bibliotecas, museus, ob-servatrios astronmicos, instalaes porturias, estradas de ferro, guas e esgotos, corpo de bombeiros, etc, das naes visitadas.

    A delegao observou e estudou com especial ateno os Estados Unidos da Amrica, onde percorreu muitos centros vitais de sua ento ascendente economia. Ao regressar, no seu relatrio observou, entre outras coisas, que a histria do Japo cem vezes mais longa do que a dos Estados Unidos, mas seu territrio no passa de 3% do americano. No entanto o Japo ainda tinha muito a aprender e desenvolver. Aduz que sem aplicao de fora humana bem preparada no pode haver desen-volvimento nacional. Na poca de sua independncia acrescenta os Estados Unidos possuam uma populao de 5 milhes; em cem anos aumentou sete vezes, graas introduo de imigrantes estrangeiros. Em 50 anos de 1820 a 1870 entraram 7,5 milhes de imigrantes no territrio americano.

    Comenta que na Europa reis e nobres enriqueciam atravs da posse exclusiva de terras, enquanto homens cheios de iniciativa e esprito independente ficavam inibidos de promover seu prprio desenvolvi-mento. Muitos deles, trabalhadores, se dirigiram para os Estados Unidos e ajudaram a construir a prosperidade americana.

    No obstante essa referncia favorvel aos imigrantes europeus, a misso no estabeleceu contato com os prprios japoneses. Ela visitou,

    'Tomomi Iwakura (1825-83) pertenceu tradicional nobreza palaciana, participou ativamente do movimento restaurador da monarquia, de que resultou a Restaurao Meiji. Ocupou postos importantssimos no governo. Foi o chefe da misso como embaixador plenipotencirio. Todos os demais membros da misso ocuparam cargos de maior relevncia no governo.

  • 30 A ABERTURA DA EMIGRAO NO JAPO

    em julho de 1871, uma indstria de tecelagem de l em San Francisco e no seu relatrio registrava que havia cem operrios brancos, 240 chineses e dois nipnicos. E observa que os chineses, graas sua operosidade, ganhavam muito dinheiro e que sua remessa anual para a China supe-rava 10 milhes de dlares.

    possvel que os homens do governo de Tokyo, ocupados com problemas maiores e mais prementes, no tivessem, naquele momento, tempo nem disposio para tratar do problema da emigrao. Ocorre tambm que aqueles emigrantes japoneses que se dirigiram pioneira-mente ilha de Guam e ao Hava, sem autorizao oficial, provocaram atritos e incidentes nos locais de trabalho, forando as autoridades de Tokyo a se ocupar dos casos. Essa circunstncia pode ter dado a idia de que a emigrao representava uma fonte de preocupaes e aborrecimen-tos para o governo.

    Todavia, pouco depois, a situao interna do Japo exigiu das autoridades governamentais um estudo do problema da emigrao. A causa principal dessa mudana de orientao foi a crise econmico-social do pas que se refletia negativamente nas finanas do governo. Para enfrentar a crise, o governo Meiji tomou providncias de profundidade em muitas reas administrativas. Uma delas foi a reforma agrria, pela qual os camponeses obtiveram o direito propriedade de terras, acom-panhada da nova lei de imposto territorial rural (1873).

    Entretanto a rebelio de Seinan2, exigindo enormes gastos militares, forou o governo a emitir grande volume de papel-moeda, o que provo-cou inflao. E teve ainda de aumentar tributos regionais e indiretos. Em 1881 adotou o governo uma poltica deflacionria, provocando com isso violenta queda de preos de produtos agrcolas, agravando a situao j crtica das reas rurais.

    Em face dos sinais de inquietao em vrias regies, o governo procurou adotar providncias destinadas a preservar a ordem pblica, como a reorganizao da polcia e das Foras Armadas, alm de baixar leis sobre a segurana pblica, imprensa, reunio, etc, visando maior con-trole sobre essas reas. Todavia, por causa da crescente misria no campo, a partir de 1879 estouram revoltas agrrias em diversas regies do pas.

    Diante dessa situao, o governo de Tokyo mudou de orientao

    2 Takamori Saigo (1827-77), um dos lderes da Restaurao, desentendendo-se com colegas de governo a respeito da questo coreana, abandonou o governo regressando sua terra natal, Satsuma (atual Kagoshima). Fundou uma escola para filhos de samurais e manteve o sistema de dominao samuraica, como antes da mudana do regime. Reagindo contra a poltica modernizadora do governo e a abolio da classe samurai, chefiou uma revolta armada com o apoio decidido de seus alunos e partidrios. Depois de sitiar o castelo de Kumamoto, base das foras governamentais, foi derrotado pelo novo exrcito composto de recrutas, no-samurais em sua maioria.

  • JAPO: FIM DO ISOLAMENTO E INCIO DO MOVIMENTO EMIGRATRIO 31

    com respeito ao problema da emigrao, passando a reconhec-la como necessria para reduzir as tenses sociais agravadas com o aumento demogrfico, sobretudo nas zonas rurais.

    A primeira emigrao oficial aconteceu em 1883, com a ida de 37 trabalhadores para a pesca de prolas na Austrlia. Mas, somente a partir da emigrao para o Hava, em 1885, o movimento emigratrio nipnico adquire importncia. O reino do Hava procurou receber imigrantes nipnicos por vrias vezes desde a primeira leva (de 1868), j citada. Em 1886 foi firmado um acordo de emigrao entre os dois governos. a chamada emigrao oficial, iniciada na prtica no ano anterior.

    Devido crise econmico-social que assolava o Japo, para um nmero estabelecido pelo acordo de 600 emigrantes no primeiro ano, apresentaram-se 28 mil candidatos. No ano seguinte seguiram 1.930 emigrantes.

    Segundo o contrato relativo a esses emigrantes oficiais, as despesas de viagem corriam por conta do governo havaiano; eram devidos 25 dias de trabalho por ms, sendo o trabalho dirio de 10 horas para servio a cu aberto e 12 horas para servio interno. Salrios: homens 12,5 dlares e mulheres 7,5 dlares mensais. O cmbio na poca era de um dlar por yen, aproximadamente.

    A maioria dos emigrantes originrios de zonas rurais pobres visava ganhar dinheiro e remeter o mximo possvel para as famlias que ficaram na terra natal. Eram os dekasegi (decassegui), palavra atualmente muito usada no Brasil, devido leva de descendentes de nipnicos que seguem para o Japo com a finalidade de trabalhar, ganhar dinheiro e retornar ao Brasil, sua ptria.

    Segundo estimativas, somente os emigrantes oficiais do Hava teriam remetido para o Japo cerca de 2.650.000 dlares, em dez anos. Esse valor aumenta cada vez mais e em 1915 chegava a 2,5 milhes de dlares por ano. Na mesma poca um trabalhador rural no Japo ganhava apenas 15 sens por dia. Por isso o envio de vultosas somas de dinheiro pelos emigrantes terra natal representava a concretizao de um dos objetivos do governo: reduzir a tenso social nas regies agrcolas.

    No havia, ento, uma orientao oficial no sentido de fixar os emigrantes na terra que os recebia e para a qual contribuam para o progresso socioeconmico local.

    A mudana da atitude governamental com relao emigrao, aludida h pouco, repercutiu nos meios populares. Em 1887, Sanji Muto (1867-1934), empresrio e poltico, escreveu Beikoku Ij-ron (Sobre a emigrao para os Estados Unidos). Em seguida surgem muitos livros e comentrios na imprensa, focalizando o assunto da emigrao para o

  • 32 A ABERTURA DA EMIGRAO NO JAPO

    alm-mar. Em 1891, Tooru Hoshi (1850-1901), jornalista, polemista e poltico, fundou a Kaigai Ij Doshi-kai (Associao dos Partidrios da Emigrao). Seguiram-se outras entidades semelhantes como a Shokumin Kyokai (Sociedade de Colonizao), de Takeaki Enomoto; Nihon Rikkokai (que posteriormente atuou no Brasil); Shinano Kaigai Kyokai (Associao de Alm-Mar de Shinano3 e outras.

    Outro aspecto a considerar a proliferao dos chamados agentes ou companhias de emigrao. At a publicao da "Lei de Proteo de Emigrantes" (abril de 1896) inexistia qualquer restrio legal para essa atividade. De maneira que havia pessoas jurdicas e fsicas dedicadas aliciao de emigrantes. Suas atividades, regra geral, tinham curta du-rao. Muitas firmas mudavam de administradores e de nome. A multi-plicao de agenciadores era ajudada pela facilidade com que se organiza-vam, ento, as sociedades annimas no Japo.

    No temos dados exatos, mas a poca das "empresas de emigrao" durou pouco. Consta que Kichisa Imin Goshi Kaisha (Kichisa Companhia de Emigrao Ltda.), fundada em dezembro de 1891, teria sido a primeira. Em 1898 havia dez, e em 1905 o nmero subia para 29, representando o pico. Quatro anos depois caa para dez. Em 1917 restavam apenas cinco. Delas, quatro, Nanbei Shokumin, Toyo Imin, Nippon Shokumin e Nitt Shokumin, se fundiram para formar a Kaigai Kogyo Kabushiki Kaisha (Companhia de Fomento Industrial do Ultramar S.A.), conhecida mais pelo nome abreviado de Kaik. A Morioka, que resistira fuso, acaba sendo absorvida pela Kaik em 1920.

    Havia companhias de emigrao de carter duvidoso. Depois da entrada em vigor da lei de proteo ao emigrante, a maioria dessas empresas dispunha de um capital social entre 10 mil e 100 mil yens. Informa-se que em 1905, quando se atingiu o maior nmero de compa-nhias do gnero, algumas delas ostentavam capital de mais de 200 mil yens. A multiplicao de companhias de emigrao parece indicar que elas proporcionavam bons lucros.

    O Quadro 1 mostra que a partir da dcada de 1890 cresce muito o nmero de pessoas que deixam o Japo procura de novos horizontes em outros pases.

    3 Shinano corresponde atual provncia de Nagano.

  • JAPO: FIM DO ISOLAMENTO E INCIO DO MOVIMENTO EMIGRATRIO 33

    QUADRO 1 ESTATSTICA DE EMIGRAO AT A II GRANDE GUERRA

    Perodo

    1868-1880 1881-1890 1891-1900 1901-1910 1911-1920 1921-1930 1930-1940 1941-1950

    Total

    EUA e outros

    901 20.450

    114.617 116.159 105.302

    48.171 5.609

    411.409

    Amrica Central e do Sul

    792

    19.597 40.774 85.326 96.129 1.551

    244.172

    Sudeste da sia

    1.314

    11.173 21.199 26.336 27.636

    520

    81.768

    Plano de Colonizao da Manchria

    144.760 125.247

    270.007

    Total

    901 20.450

    116.723 146.429 167.273 160.036 274.134 127.318

    1.013.764

    Fontes: Waga Kokumin no Kaigai Hatten (Expanso do Nosso Povo no Alm-Mar). (Volume de Estatsticas). Tokyo, Ministrio do Exterior, Seo Consular de Emigrao, 1971.

    Obs.: Desconhece-se o nmero de emigrantes colonizadores enviados China continental e Manchria, porque viajavam sem passaporte. Divulgamos apenas o nmero dos emigrantes lavradores abrangidos no Plano de Colonizao da Manchria, devidamente registrados a partir de 1932.

    QUADRO 2 ENTRADA DE IMIGRANTES JAPONESES EM PASES DA AMRICA CENTRAL E DO SUL (de 1899 a 1941)

    Mxico Panam Cuba Brasil Peru Argentina Chile Colmbia Bolvia Venezuela Uruguai Paraguai Outros

    Total

    14.476 415 686

    188.986 33.070 5.398

    519 229 202 12 18

    521 4

    244.536

    Fonte: Waga Kokumin no Kagai Hatten (Expanso do Nosso Povo no Alm-Mar). (Volume de Estatsticas). Tokyo, Ministrio do Exterior, Seo Consular de Emigrao, 1971.

    Os dois quadros no esclarecem, mas desde o incio da Era Meiji at

  • 34 A ABERTURA DA EMIGRAO NO JAPO

    pouco antes do comeo da II Grande Guerra, 35 pases receberam imigrantes japoneses. Como se v no Quadro 2, s na Amrica Central e do Sul 14 pases receberam imigrantes nipnicos.

    Comparando a emigrao japonesa com a dos grandes pases de emigrao, verifica-se que ela teve uma durao curta e o total de emigrados foi pequeno. Nos 79 anos, contados desde o comeo da Era Meiji at a II Grande Guerra, o total de emigrantes nipnicos somou 1.013.000 pessoas. Deduzindo-se porm dessa cifra os 270 mil emigrantes colonizadores da Manchria, sobram apenas 750 mil, nmero este infe-rior ao de emigrantes da Noruega (cuja populao atual de 4,2 milhes) no mesmo perodo. No mesmo espao de tempo, os emigrantes italianos somaram mais de 10 milhes.

    As causas principais dessa inferioridade numrica da emigrao nipnica residem, em primeiro lugar, no atraso do seu comeo, e em segundo, nas restries impostas aos nipnicos em muitos pases recep-tores. Essas so tambm as razes que explicam por que, apesar de seu reduzido nmero, os imigrantes se espalharam por numerosos pases.

    Conforme j visto, a campanha contrria imigrao japonesa teve incio na Califrnia. Convm aqui fazer um rpido paralelo entre o anti-japonismo e as restries feitas aos imigrantes chineses.

    Os japoneses ingressaram nos Estados Unidos em regies onde pouco antes os chineses haviam entrado e sido hostilizados. Para os europeus e americanos, ainda no familiarizados com os orientais, estes davam a impresso de serem todos iguais. E o imigrante nipnico pro-cedia de um pas que estivera isolado por dois sculos do resto do mundo. Havia nascido e vivido dentro de um ambiente social e cultural exclusi-vamente nipnico. Era natural, portanto, que a diferena marcante de aspectos somticos, somada ao fosso cultural quase intransponvel, a comear pelo idioma, produzisse um choque profundo e complexo que no cabe ser analisado aqui.

    Todas essas diferenas e mais a competio no campo de trabalho com os chineses acabaram produzindo campanhas contra os imigrantes nipnicos, justamente nos primeiros pases que os receberam: Hava, Estados Unidos, Austrlia, Canad, etc.

    A Austrlia adotou, j em 1901, uma lei restritiva da imigrao, comeando por proibir a entrada dos japoneses. A emigrao japonesa para aquele pas dava-se em escala reduzida. O forte atrativo do salrio elevado, de 15 dlares/ms, mais a possibilidade de os pescadores de prola independentes obterem lucros de quase 5 mil yens/ano, haviam aberto perspectivas de um aumento substancial da corrente imigratria nipnica.

    Como pas receptor mais antigo de imigrantes japoneses, o Hava

  • ANTECEDENTES DA IMIGRAO JAPONESA NO BRASIL 35

    exercia forte fascnio e ainda se constitua num ponto de reemigrao para os Estados Unidos e Canad. Emigraram 165 mil japoneses para as ilhas. Por volta de 1898, os japoneses representavam 40% da populao do Hava.

    Todavia, depois de sua anexao4 aos Estados Unidos em 1898, os imigrantes nipnicos passaram a receber o mesmo tratamento, tanto no continente como nas ilhas. Pelo Gentlemen's Agreement de 1907, firmado entre Tokyo e Washington, tornou-se impossvel a entrada de novos imigrantes japoneses no Hava. E com a nova lei de imigrao adotada em 1924 pelos Estados Unidos, as portas do Hava, bem como as americanas, foram fechadas.

    O Canad, igualmente, tomou providncias restritivas imigrao japonesa, a partir de 1895. E de 1907 em diante os nipnicos se tornaram alvo, ao lado dos chineses, da campanha antioriental. Como conseqncia desses movimentos, Japo e Canad assinaram um acordo, pelo qual Tokyo limitaria espontaneamente a sada de emigrantes para o Canad. Depois de 1928, o nmero de emigrantes japoneses ficou reduzido a apenas 150 por ano, o que na prtica eqivalia a uma proibio.

    Devido a essas circunstncias, depois de 1907 comea a aumentar a emigrao de japoneses para pases sul-americanos e para o continente asitico.

    Como vimos na observao relativa ao Quadro 1, os emigrantes japoneses destinados China e Manchria (exceto os que participavam do Plano de Colonizao da Manchria) viajavam sem passaporte, razo por que no so conhecidos os seus nmeros. Todavia, os repatriados civis japoneses do imediato ps-guerra somaram mais de 2,17 milhes. Esse nmero demonstra que, depois do fechamento das portas de quase todos os pases receptores (salvo os da Amrica do Sul), um considervel contingente de nipnicos havia emigrado para o continente asitico.

    (Tetsuya Tajiri/Jos Yamashiro)

    4. ANTECEDENTES DA IMIGRAO JAPONESA NO BRASIL

    Muito embora 18 de junho de 1908 seja oficialmente considerada a data inicial da imigrao japonesa no Brasil, visto que foi naquele dia e ano que aportou em Santos o Kasato-Maru, trazendo a bordo a primeira leva

    4 O Hava era um reino independente, composto de oito ilhas principais e outras pequenas. Em 1881, o rei visitou o Japo, onde tratou da ida de trabalhadores para os canaviais havaianos. Como resultado desse acordo, aumentou a corrente emigratria de japoneses. Em 1959 o Hava passou a ser 50. Estado americano. Com a anexao americana, os assuntos de imigrao passaram a ser tratados por Washington.

  • 36 A ABERTURA DA EMIGRAO NO JAPO

    de imigrantes daquela procedncia, na verdade h todo um perodo anterior em que ocorreram tentativas, se bem que infrutferas, de in-troduo de japoneses entre ns.

    O conhecimento das tramitaes que antecederam ao movimento imigratrio importante na medida em que fornece os elementos funda-mentais que, se no explicam inteiramente, auxiliam, e muito, no esclare-cimento de alguns problemas e obstculos que foram posteriormente enfrentados por aqueles que se aventuraram a atravessar os mares em busca de novas oportunidades de vida em nosso pas.

    Da o porqu da incluso de um captulo versando sobre os ante-cedentes da imigrao japonesa no Brasil nesta obra, que pretende abarcar os 80 anos da sua presena em territrio brasileiro.

    No sculo XIX ocorreu uma srie de movimentos populacionais de ordem internacional. As Amricas foram um dos principais plos de atrao, tendo o Brasil, a partir das trs ltimas dcadas do sculo, desempenhado um papel muito importante como pas receptor.

    Maria Thereza Schorer Petrone atribui o aquecimento verificado na movimentao da populao europia a duas conquistas da Revoluo Francesa para o indivduo: o direito de migrar e o de mudar de residncia.

    Essa liberdade de locomoo, ao lado de modificaes ocorridas no nvel das estruturas at ento vigentes, que, segundo Petrone, explicaria o fenmeno. Da afirmar: "os liames feudais entram em decomposio, a posse da terra revolucionada e, o que talvez seja mais significativo, desenvolve-se a ruptura da solidariedade entre os componentes de uma comunidade e de uma famlia, tornando-se o elemento livre para se dirigir para onde mais facilmente pudesse encontrar solues para seus proble-mas de sobrevivncia" (1).

    Dentre os fenmenos demogrficos, Hania Zlotnick considera, com razo, os movimentos migratrios um dos mais complexos. Os outros dois nascimento e morte , diz ela, s ocorrem uma vez, por indi-vduo, o que facilita sua anlise e dimensionamento. Isso raramente ocorre com os movimentos migratrios, o que torna o seu estudo mais difcil(2), afora uma srie de fatores que os envolvem.

    Na histria do Brasil um dos problemas mais constantes tem sido justamente de ordem demogrfica. A falta de povoamento tornou-se patente desde o seu descobrimento no s em relao ocupao como explorao do solo. Como reflexo dessa situao, percebem-se duas tendncias ntidas na poltica imigratria brasileira. Enquanto uma visa-va, sobretudo, ao povoamento do solo, ao desenvolvimento da produo e regenerao da raa, a outra objetivava, antes de mais nada, o fornecimento de braos para a lavoura.

    Acompanhando essas tendncias, enquanto no nvel federal a preo-

  • ANTECEDENTES DA IMIGRAO JAPONESA NO BRASIL 37

    cupao primeira era multiplicar os ncleos coloniais a fim de fixar o imigrante como pequeno proprietrio, o Estado de So Paulo, por exem-plo, defendia a vinda do imigrante assalariado para a lavoura cafeeira, visto ser o caf, na poca, o produto em torno do qual girava toda a economia nacional.

    Embora os membros da Seo de Colonizao e Estatstica da Sociedade Auxiliadora da Indstria Nacional reconhecessem que o po-voamento era mais importante e interessante para o pas como um todo, em 1870 eles j sabiam que o fornecimento de braos para a lavoura tornava-se cada dia mais urgente, dada a escassez cada vez maior de ofertas, sobretudo em razo das sucessivas medidas que vinham sendo tomadas visando a abolio da escravido em terras brasileiras(3).

    Se a princpio a liberdade de migrar foi praticamente total, em nvel internacional, com um mnimo ou mesmo sem qualquer tentativa de controle por parte dos governos envolvidos, aos poucos essa situao foi se alterando. Tanto os pases fornecedores quanto os receptores de imigrantes foram paulatinamente tomando conscincia dos perigos a que ficariam expostos diante de uma movimentao macia como a verificada a partir da segunda metade do sculo XIX. Alis, nesse particular a I Guerra Mundial pode ser considerada um marco na medida em que foi sobretudo a partir dela que, sucessivamente, foram sendo adotadas, com mais freqncia, medidas restritivas tanto por parte dos pases fornece-dores quanto dos receptores de imigrantes.

    Na verdade, entretanto, ao longo da histria da humanidade ocor-reram restries, em diferentes ocasies e por motivos os mais variados, ao direito de migrar.

    O Brasil, por exemplo, durante muitos anos permaneceu fechado entrada de estrangeiros. Somente com a abertura dos portos, em janeiro de 1808, e a liberao da concesso de terras a estrangeiros em novembro do mesmo ano, que foi facilitada a entrada de forasteiros no pas, o que, teoricamente, havia sido vedado, at ento, pelo alvar de 18 de maro de 1605(4).

    O governo brasileiro procurou desde o incio resolver o problema da falta de pessoas com a introduo de europeus. Todavia, por sugesto do Conde de Linhares (D. Rodrigo Domingos de Sousa Coutinho Teixeira de Andrade Barbosa), enquanto o Brasil era ainda colnia de Portugal, foi feita uma tentativa de introduo de asiticos. A idia era trazer chineses para desenvolver o cultivo do ch tanto no Jardim Botnico quanto na Fazenda Imperial de Santa Cruz, no Rio de Janeiro.

    Dos 2 mil chineses aguardados em 1819 vieram apenas 400. Os resultados no foram animadores(5). A esta experincia seguiram-se outras mas, igualmente, sem sucesso (6).

  • 38 A ABERTURA DA EMIGRAO NO JAPO

    Muitos dos que mais tarde se colocaram numa posio contrria vinda de asiticos para o pas lanaram mo dessas experincias mal-sucedidas com os chineses e alegaram que os asiticos em geral, por extenso, eram inconvenientes como mo-de-obra em nosso pas.

    No foram poucas as vezes, entretanto, que se aventou a hiptese do emprego do asitico como trabalhador temporrio. Em 1870, ao ser discutida pelos membros da Seo de Colonizao e Estatstica da So-ciedade Auxiliadora da Indstria Nacional, sob a presidncia de Jos Maria da Silva Paranhos, a convenincia ou no para o pas da introduo de chins, a opinio geral foi a seguinte:

    "No carter, pois, de trabalhadores destinados a suprir a escassez de braos nas fazendas e outros estabelecimentos, onde se emprega hoje o trabalho escravo; a seco considera no s de utilidade como de urgente necessidade a introduo dos chins.

    Mas s e simplesmente nesse carter de meros elementos de trabalho que a seco entende conveniente a sua aquisio temporria; e no como verdadeiros colonos que se venho fixar no solo; fazer parte irmmente de nossa sociedade; e concorrer pela fuzo com a populao indgena do paiz e immigrantes de outras origens, para constituir nossa nacionalidade futura".

    Nesse segundo caso a escolha recaa sempre sobre os europeus, pois s eles, diziam, teriam capacidade para "estimular e levantar a vitalidade do povo Brasileiro" (7).

    Durante o Imprio o assunto foi duramente questionado, tambm, pelos membros da Sociedade Central de Imigrao(8).

    Por toda parte as restries ao asitico iam muito alm de uma simples preferncia pelo europeu em razo de uma maior proximidade de culturas. O asitico era, em muitos sentidos, considerado um ser inferior. Oliveira Martins, escritor e poltico portugus, fez uso, em uma publicao de 1880, de expresses como as que seguem:

    "Naturalmente estril a fonte de trabalho indgena, secada pela lei a fonte de trabalho escravo negro, a perigosa tentao de ir buscar braos a outro viveiro de raas inferiores prolficas embriaga muitos espritos".

    "A imigrao chinesa trouxe consigo a crise da Califrnia, agora mesmo no perodo agudo: porque iria o Brasil para aumentar a riqueza de seus fazendeiros, buscar os elementos de futuras crises constitucio-nais?"

    Ou: "No basta a independncia poltica para constituir uma nao; a este termo corresponde a idia de uma autonomia tnica, moral, intelectual e econmica".

    "O chins no emigra, viaja. No muda os penates, aluga tempora-riamente o brao. No uma populao que se fixa [...] A onda que vem,

  • ANTECEDENTES DA IMIGRAO JAPONESA NO BRASIL 39

    chega nua e faminta; a onda que vai, regressa cheia e vestida. As economias do trabalho no se consolidam numa terra que para o chins no ptria adotiva, mas sim estao temporria apenas, e os metaes, espcie em que leva consigo as suas economias, escasseiam desde logo, e aparecem as crises de numerrio".

    Na verdade Oliveira Martins defendia "um Brasil europeu e no asitico, uma nao e no uma colnia, eis a o seguro porvir da Antiga Amrica portuguesa" (9). Foi ele um dos que se revelaram frontalmente contrrios vinda de chineses para o Brasil. Como ele, havia muitos.

    Comparadas as restries (que ao longo dos anos foram sendo feitas aos japoneses) com as crticas de Oliveira Martins aos chineses no sculo passado, observa-se uma srie de pontos em comum.

    Enquanto para uns a introduo do japons significaria, de certa forma, a retomada da escravido, para outros o japons e o chins eram tidos como inferiores aos prprios escravos. O temor no era, muitas vezes, do asitico como tal, mas das conseqncias que, suspeitava-se, poderiam advir ao pas se viessem para c.

    Antnio Olyntho, por exemplo, membro da Comisso de Obras e Colonizao da Cmara dos Deputados, acreditava que a sua simples presena causaria a completa paralisao da corrente imigratria eu-ropia para o Brasil(10), em vista do que vinha ocorrendo em outros locais que os haviam recebido.

    Muitas discusses em torno do assunto foram alimentadas pelo Decreto n. 528, de 28 de junho de 1890(11), baixado, portanto, sete meses aps o incio do perodo republicano.

    O referido dispositivo legal, embora permitisse a entrada no pas a todas as pessoas vlidas e capacitadas para o trabalho, desde que no estivessem respondendo a processo criminal em seu pas de origem, fazia exceo aos originrios da frica e da sia. Para eles foi imposta uma autorizao expressa do Congresso Nacional para poderem entrar em territrio brasileiro.

    A fim de assegurar a obedincia ao que ento foi estabelecido, os agentes diplomticos e consulares foram incumbidos de impedir a sada dos elementos que se enquadrassem nesse decreto, e a polcia dos portos, por seu turno, de no permitir o seu desembarque no Brasil. Fechando ainda mais o cerco, foi estabelecida multa aos comandantes das embar-caes que fizessem o transporte de elementos originrios desses conti-nentes.

    Se o Decreto teve simpatizantes, houve tambm os que se opuseram a ele, fazendo uso para tanto da imprensa e das tribunas da Cmara e do Senado para suas manifestaes.

    Nas duas esferas do Poder Legislativo foram apresentados projetos

  • 40 A ABERTURA DA EMIGRAO NO JAPO

    visando a revogao seno total, ao menos parcial, do que fora estabele-cido. Assim, a 30 de maio de 1892, o senador Monteiro de Barros encaminhava um projeto no qual defendia a entrada no pas no do asi-tico em geral, mas do chins e do japons. A nica exigncia que no se tratasse de indigentes, mendigos, piratas ou que estivessem incursos em processo de ao criminal. Ao fundamentar a sua opinio, declarou estar convencido de que a maioria de seus colegas daquela Casa via o asitico de uma forma preconceituosa. Embora confessasse sua preferncia pelo europeu, o elemento povoador por excelncia, no via razo para no ser empregado o chins como "elemento transitrio" de trabalho(12).

    A transitoriedade aludida demonstra que a aceitao do asitico, mesmo entre os que defendiam sua introduo, era parcial e no plena.

    Na Cmara dos Deputados, igualmente, no foram poucas as vozes que se levantaram contra o Decreto. Costa Machado, por exemplo, declarou querer "enterrar esse cadver para no continuar a infeccionar o ambiente republicano". Assim pensando, apresentou um projeto se-gundo o qual seria conferida aos estados a liberdade de escolher os imigrantes que desejassem, sem qualquer restrio(13).

    Paralelamente ao que ocorria nas duas Casas do Congresso, a imprensa esquentava os debates ao divulgar sucessivas matrias cuja tnica eram os problemas enfrentados pelos lavradores com a falta de braos. A maioria dos envolvidos com o problema estava convencida de que no era suficiente apenas introduzi-los; era necessrio, sobretudo, fix-los nas propriedades agrcolas e no pas, o que no vinha ocorrendo com os europeus.

    Acontece que como nada prendia o imigrante terra e como a meta de quase todos era amealhar o suficiente para poderem tornar-se econo-micamente independentes e, se possvel, retornar terra natal, no titubeavam em mudar de uma para outra propriedade, desde que com isso, evidentemente, tivessem alguma vantagem que lhes assegurasse maior rendimento.

    Dentro desse contexto, entende-se ter sido o assunto imigrao dos mais discutidos. E, dentro dele, a validade ou no do emprego do asitico chegou a apaixonar a muitos.

    Entre julho e agosto de 1892 o Correio Paulistano (14) publicava uma srie de artigos do espanhol Francisco Cepeda, jornalista que viveu em Cuba durante alguns anos. Em seus escritos procurou alertar os brasi-leiros sobre os problemas a que ficariam expostos caso os asiticos fossem introduzidos no pas. Em sua estada naquela ilha, dizia, pudera observar que os mesmos no se adaptavam, conservavam os seus costumes, a sua religio e a lngua materna. Criticava-os, ainda, pelo uso freqente de pio e a propenso demonstrada para a prtica do suicdio. Afora todos

  • ANTECEDENTES DA IMIGRAO JAPONESA NO BRASIL 41

    esses pontos negativos, a tendncia demonstrada em permanecerem unidos na defesa de seus interesses podia representar um perigo na medida em que no foram raros os casos em que chegaram ao extremo de matar seus prprios patres.

    Impresses negativas como estas, veiculadas pela imprensa, con-triburam, inegavelmente, para a formao de um esteretipo do oriental em geral. Sobre eles se dizia:

    "se a escria da Europa no nos convm, menos nos convir a da China e do Japo'';

    a introduo de "elemento tnico inferior" sempre um perigo; ou, em caso de opo, "no h dvida que eu preferiria o europeu,

    porque teramos [...] os dois elementos: o colonizador, e portanto o povoador do solo, e o trabalhador";

    "o chim bom, obediente, ganha muito pouco, trabalha muito, apanha quando necessrio, e quando tem saudades da ptria enforca-se ou vai embora" (15).

    Sem dvida, ao lado dessa preocupao em defender o elemento nacional como um todo, havia tambm a presena de um nacionalismo latente que se far presente anos depois.

    Interessante observar que todos esses cuidados como que caam por terra sempre que a falta de trabalhadores se fazia sentir mais intensamente. Em tais ocasies o zelo na escolha do elemento a ser introduzido tornava-se menos exigente, aceitando-se a fora de trabalho viesse ela de onde viesse. Foi o que ocorreu, a nosso ver, com os japoneses, como procuraremos demonstrar.

    No final do sculo passado eram os cafeicultores os maiores interes-sados na soluo do problema da falta de mo-de-obra, uma constante na lavoura paulista. Embora no fosse pequeno o nmero de entradas, no o era tambm o de sadas pelo porto santista, a ponto de ter havido anos, no incio deste sculo, em que o nmero destas superou o daquelas.

    Alm disso, o europeu no vinha apresentando um bom ndice de fixao na lavoura cafeeira. Quando no retornava terra natal ou reemigrava para pases vizinhos, dedicava-se a outras atividades. O fato que no permaneciam por muito tempo como assalariados nas fazendas. Ao trmino do ano agrcola, a movimentao de trabalha-dores tornava-se intensa e a falta de braos se fazia sentir mais aguda-mente.

    Diante dessa situao, os cafeicultores no se satisfaziam apenas em clamar por braos e mais braos pela imprensa. Reuniam-se para, em grupo, pressionar o governo a fim de solucionar o problema. Foi o que fizeram, por exemplo, os proprietrios rurais do municpio de Pedreira, comarca de Amparo. A 3 de agosto de 1892 solicitaram aos deputados

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    permisso para introduzir chineses em suas lavouras, pois, diziam, temiam que com a "repatriao dos colonos italianos" a lavoura paulista ficasse ainda mais desfalcada de braos(16).

    Isto posto, entende-se que a bancada paulista na Cmara dos Deputados tenha, por exemplo, se posicionado a favor do projeto de Monteiro de Barros. No chegou a se declarar inteiramente concorde com o emprego dos asiticos como fora de trabalho, mas se mostrou simpti-ca a uma maior liberdade de imigrao.

    A dificuldade encontrada pelo Nordeste brasileiro em atrair imi-grantes explica por que seus representantes tiveram um comportamento semelhante ao dos paulistas, isto , por que foram favorveis adoo da mo-de-obra asitica.

    Aps muita discusso, a 24 de setembro de 1892 foi aprovado o projeto de Monteiro de Barros. Isso quer dizer que ficava liberada a entrada no pas, no para o asitico indiscriminadamente, mas para os chineses e japoneses, desde que no estivessem incursos em ao criminal no seu pas de origem(17).

    Tal preocupao deu origem Lei n. 97, sancionada a 5 de ou-tubro(18). A partir dessa data o Brasil se comprometeu no s a manter relaes diplomticas com a China e o Japo como tambm a enviar agentes diplomticos encarregados, entre outras coisas, de fiscalizar o movimento emigratrio com destino ao nosso pas.

    O projeto de Monteiro de Barros previa uma certa subveno do governo s companhias introdutoras desde que seus acionistas e orga-nizadores fossem na maioria lavradores ou proprietrios rurais a fim de evitar a formao de sociedades com objetivos unicamente especulativos.

    A Lei n. 97, traduzindo o pensamento da Comisso de Finana e Colonizao do Senado, no estabeleceu qualquer subveno. O racio-cnio dos legisladores foi o seguinte: se por um lado o Brasil no tinha o direito de impedir a vinda de asiticos, por outro, no havia razo que o obrigasse a empatar capital com a introduo desses imigrantes.

    O fato que aquele dispositivo legal vinha ao encontro das expecta-tivas de vrios segmentos da sociedade, esperanosos de resolver com o imigrante asitico o problema da falta de trabalhadores. Prova disso que, uma vez sancionada a referida lei, comearam a ser divulgados pela imprensa os termos de estatutos e de prospectos de vrias companhias interessadas em introduzi-los no Brasil. A impresso que se tem que as mesmas j estavam organizadas ou em vias de s-lo, aguardando apenas a liberao da entrada de asiticos para comearem a agir.

    No mesmo ms de outubro, quando foi sancionada a lei, a imprensa divulgava os termos dos estatutos e de um panfleto lanado pela compa-nhia Mutualidade Agrcola(19), cuja sede ficava no Rio de Janeiro, mas

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    que tinha uma filial em So Paulo. Entre outras, seguiram-se a ela a Sindicato Paulista(20), a Prado & Jordo(21), ambas na cidade de So Paulo, e a Associao Promotora da Imigrao Asitica(22), na cidade do Rio de Janeiro.

    Produto da iniciativa particular, todas elas comungavam um objeti-vo comum: a introduo da mo-de-obra asitica, isto , chinesa e japonesa, no Brasil. A exceo ficava por conta da Prado & Jordo, organizada com o propsito de introduzir unicamente japoneses.

    Na expectativa de conseguir o maior nmero possvel de associados, tais companhias procuravam atrair interessados, quer fazendo promes-sas quanto qualidade do trabalhador a ser introduzido, quer oferecendo vantagens quanto forma de pagamento. Na disputa por eles, entretanto, muitos excessos foram cometidos.

    Embora nem todas se propusessem a introduzir trabalhadores para a indstria, o comrcio e para os servios domsticos, todas objetivavam introduzir agricultores. Alis, caso se efetivassem todas as metas formu-ladas por essas companhias, os fazendeiros veriam resolvidos, seno todos, pelo menos parte dos problemas que os atormentavam.

    As intenes eram mltiplas e amplas: introduzir bons trabalha-dores, aptos a desempenhar suas funes; fornecer ao imigrante certifica-do de sua procedncia; manter agentes ou representantes credenciados na China e no Japo para procederem ao recrutamento e fiscalizao do emigrante; garantir a estabilidade da mo-de-obra e despesas no exces-sivas; auxiliar o proprietrio a efetuar os pagamentos em moeda metlica uma das exigncias dos chineses , e no em espcie, como vinha ocorrendo cornos europeus; evitar a especulao por parte dos agentes; fiscalizar os contratos; sustentar os imigrantes at encontrar-lhes nova colocao, caso houvesse problema na propriedade para a qual fossem destinados; entregar a mo-de-obra no porto de Santos ou outro a combinar; possibilitar ao proprietrio reaver a quantia empregada me-diante o desconto no salrio do imigrante; providenciar a presena de intrprete para facilitar as comunicaes, e assim por diante(23).

    Frente a tantas promessas, caberia aos interessados decidirem-se por esta ou aquela companhia que lhes parecesse mais vantajosa.

    Apesar de figurarem chineses e japoneses nos estatutos dessas companhias, ao analisarmos mais detidamente a documentao da poca percebemos claramente terem os chineses recebido um tratamento dife-renciado. Esse procedimento nada mais foi do que o reflexo da opinio ento corrente, segundo a qual os chineses embora tambm alvo de crticas eram de qualquer forma "superiores" aos japoneses. Essa distino ocorria mesmo durante as discusses no Senado, quando se debatia sobre a convenincia ou no da introduo de asiticos no pas. O

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    prprio senador pelo Paran, Ubaldino do Amaral, observou: "costu-mamos falar somente da China, embora os projetos refiram-se tambm ao Japo"(24).

    Essa maneira de encarar o japons s comeou a ser paulatinamente modificada quando o Japo saiu vencedor das guerras sino-japonesa de 1894-95 e russo-japonesa do incio deste sculo.

    O preo cobrado por imigrante a ser introduzido e as condies de pagamento diferiam de uma companhia para outra. Enquanto a Mutua-lidade Agrcola estipulou o seu em 22 libras (528$000 ris) para os contratados d