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Agrupamento Vertical de Escolas do Vale da Amoreira
Parceiro: Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC)
Projeto
Uma Escola Multilingue
Consciência linguística, aprendizagem de línguas e sucesso educativo em contexto multilingue
1. Enquadramento
O Agrupamento vertical de escolas do Vale da Amoreira1 (no Concelho da
Moita, Distrito de Setúbal) situa-se numa zona de graves carências económicas e com
uma das tradições mais antigas de imigração, predominantemente africana, que teve
início nos anos 70 do século passado e que continua em constante renovação até aos
nossos dias, pelo que aí coexistem, a par da população portuguesa, diferentes
gerações de imigrantes e seus descendentes, muitos deles já nascidos em Portugal.
Este agrupamento, constituído por uma escola de 2.º e 3.º ciclos (a sede) e por
duas escolas de 1.º ciclo, foi escolhido pelo Ministério da Educação (ME) para integrar
o programa dos TEIP, territórios educativos de intervenção prioritária, assim
designados por registarem um elevado grau de indisciplina, absentismo, abandono e
insucesso escolar (em particular em áreas como a da aprendizagem das línguas), que
se pretende combater com uma atuação pedagógica diversificada e inovadora, com
mais recursos humanos e financeiros, com uma maior interação entre os docentes das
várias disciplinas e dos vários graus de ensino e com o aprofundamento da relação
entre a escola, as famílias e os parceiros locais.
Tal classificação, vantajosa pelos recursos que mobiliza e pela perspetiva de
transformação que propõe, tem em si o perigo de poder cristalizar a perceção e a
análise da realidade, impedindo ou atrasando os processos dinâmicos que motivaram
1 Freguesia com 10 082 habitantes, num total de 66 087 habitantes do Concelho (segundo os Censos de
2011).
2
a sua criação. Tal como refere um estudo de avaliação externa do Programa TEIP2
(2011), encomendado pelo ME2, nas escolas pertencentes aos TEIP, há uma tendência,
entre os agentes educativos, para «uma visão ultra negativa da população escolar e
das suas comunidades de origem [...] que contribui para a ideia de que não existem
pontos fortes e oportunidades ao nível dos atores locais» (p. 55).
Não é essa a perspetiva do Agrupamento vertical de escolas do Vale da
Amoreira que, ciente das graves dificuldades económicas3 e da complexidade e
diversidade dos problemas sociais da comunidade4, não se apresenta como uma
solução para os hipotéticos défices culturais ou linguísticos do meio familiar, mas antes
como um espaço complementar, embora privilegiado, de educação, capaz de des-
cobrir, integrar, amplificar e acrescentar saberes e capacidades.
O insucesso escolar dos alunos não é encarado, pois, como um estigma, mas
como um estímulo à criação de condições de aprendizagem e de expressão de saberes,
através de ações e de metodologias inovadoras e adequadas a um meio social em que
«a privação económica e social extrema», «a delinquência juvenil», «o consumo e
tráfico de substâncias psicoativas», «a desestruturação das famílias» e «as dificuldades
de convivência entre indivíduos e grupos de diferentes culturas» estão entre os
principais problemas diagnosticados. 5
Foi neste contexto que o agrupamento acolheu, desde 2008, numa das suas
escolas do 1.º ciclo, o projeto de educação bilingue Turma Bilingue (TB)6, desenvolvido
pelo ILTEC e financiado pela F. C. Gulbenkian, que irá terminar em junho de 2012, no
final do quarto ano de escolaridade dos alunos de origem portuguesa e de origem
africana que dele puderam conjuntamente beneficiar.
2 V. o relatório Projeto Efeitos TEIP: Avaliação de impactos escolares e sociais em sete territórios
educativos de intervenção prioritária, elaborado pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE, com coordenação de Pedro Abrantes. Aí se lê, p. 55: «A persistência de estereótipos sobre as famílias e os alunos está patente na forma como por vezes a não comparência dos pais nas reuniões tende a ser interpretada como desinteresse; os problemas de toxicodependência, alcoolismo e criminalidade de alguns tendem a ganhar uma relevância que poderá não ter correspondência empírica; os núcleos familiares diferentes dos clássicos são vistos como desestruturados e generalizados; a dissonância entre as regras da escola e as regras das famílias/alunos são interpretadas como uma dificuldade dos últimos interiorizarem “limites”; o facto de existirem alunos descendentes de imigrantes transforma-os imediatamente em indivíduos em que a língua materna não é o português» (ênfase nossa). 3 Cerca de 70% dos alunos são abrangidos pela ação social escolar.
4 O Vale da Amoreira foi um dos três territórios, juntamente com a Cova da Moura e o Lagarteiro, no
Porto, referenciados para serem objeto de intervenção experimental (iniciativa interministerial Bairros Críticos, criada pela Resolução do Conselho de Ministros 143/2005). 5 V. Resumo do diagnóstico do território: Freguesia do Vale da Amoreira (Moita), documento produzido
pelo Instituto da Droga e da Toxicodependência, Delegação Regional de Lisboa e Vale do Tejo, Centro de Respostas Integradas da Península de Setúbal, junho de 2009, acessível em http://www.idt.pt/PT/DelegacoesRegionais/Lisboa/Documents/Vale%20Amoreira.pdf. 6 V. Para consulta dos objetivos e do desenho do projeto e dos resultados da sua implementação, ver
http://www.iltec.pt/projetos/em_curso/TB.html.
3
Foi um projeto que, de um modo inclusivo, trouxe para a escola e para o centro
das aprendizagens o saber linguístico e cultural heterogéneo próprio dos grupos
migrantes e das comunidades em que se inserem, potenciando a ligação entre as
famílias e a escola e aproveitando a experiência internacional e o conhecimento
científico na área do bilinguismo e das suas implicações e vantagens cognitivas,
linguísticas e sociais, para ajudar ao crescimento harmonioso das crianças e ao seu
sucesso escolar, entendido este em sentido pleno.
Uma das áreas em que o insucesso escolar é mais evidenciado, a nível nacional,
e também local, é a da língua portuguesa. O relatório do Conselho Nacional de
Educação (CNE) sobre O Estado da Educação 2010 ─ Percursos Escolares7, com base
em indicadores estatísticos referentes às provas oficiais de aferição de 2008, 2009 e
2010, às taxas de transição e à avaliação do PISA em Portugal (2003, 2006)8, aponta a
península de Setúbal como uma das 3 zonas do país com piores resultados escolares e
de desempenho (taxa de transição de 87,2%, no segundo ciclo), nomeadamente, na
área da língua portuguesa.
Por outro lado, a partir dos dados do PISA, o CNE estabelece uma correlação
entre sucesso escolar e imigração, referindo «a diferença de desempenho que se
verifica entre alunos nativos e imigrantes de 1.ª e de 2.ª geração, com maior relevância
para os primeiros» e «o facto de o desempenho dos nativos ter melhorado enquanto
que o dos imigrantes piorou», entre 2003 e 2006. Os dados do PISA 2009, relativos à
literacia em Portugal, vêm confirmar a tendência para se acentuar a diferença entre os
dois grupos (v. documento How are school systems adapting to increasing numbers of
immigrant students?, de 2011)9, o que, para o CNE, «indicia que a língua de ensino
poderá desempenhar um papel relevante no desempenho global» (ibidem).
Os últimos dados oficiais do ME, publicados em 200910 e referentes ao
aproveitamento escolar dos alunos aí designados como estrangeiros11, em 2007/2008,
revelam também que os alunos com a percentagem mais baixa de aproveitamento nos
três ciclos do ensino básico são provenientes da Guiné-Bissau, de S. Tomé e Príncipe e,
7 Foi muito recentemente publicado um novo relatório do CNE que foca essencialmente «a problemática
da qualificação» (e que confirma os dados do documento de 2010) intitulado O Estado da Educação 2011─ A Qualificação dos Portugueses (acessível em http://www.cnedu.pt/images/stories/2011/PDF/Estado_da_Educacao_2011_web.pdf). 8 Embora os dados do PISA se reportem a alunos de 15 anos, consideramos que as conclusões aí
retiradas são válidas também para o universo de alunos abrangido por este projeto. 9In Pisa in focus 2011/11/dezembro. OCDE, 2011, p.4:
«School systems can nurture immigrant students’ full social and economic integration into their adopted country by identifying the obstacles to high performance that are particular to immigrant students and developing programmes that are tailored to meet these students’ needs». Acessível em http://www.pisa.oecd.org/dataoecd/53/18/49264831.pdf. 10
Relatório de Português Língua Não Materna (PLNM) 2006/07 e 2007/08,dezembro de 2009, p.20. Acessível em http://www.dgidc.min-edu.pt/outrosprojetos/index.php?s=directorio&pid=120. 11
Muitos alunos de origem imigrante, frequentemente designados como estrangeiros nas estatísticas, são já naturalizados portugueses.
4
em particular, de Cabo Verde (além da Índia), países em que, no entanto, a língua
portuguesa é língua oficial12.
O Agrupamento vertical de escolas do Vale da Amoreira, situado na península
de Setúbal, com um elevado número de alunos filhos de imigrantes, em particular
cabo-verdianos, guineenses e santomenses, está precisamente no ponto de
confluência destes dados negativos que sugerem a falência das estratégias tradicionais
de ensino, pelo menos no que às comunidades migrantes diz respeito13.
Os resultados vêm confirmá-lo. No ano letivo de 2010/2011, a taxa de sucesso
global no agrupamento, a nível interno, foi apenas de 71.7%, no 2.º ciclo (contra 91.8%
no 1.º ciclo), sendo o 5.º ano o de piores resultados (67%). As taxas de sucesso na
disciplina de português foram equivalentes: 72.8% no 2.º ciclo (sendo apenas de 68.5%
no 5.º ano) e 89%, no 1.º ciclo (ver quadros 1 e 2 em anexo). A língua inglesa seguiu de
perto estes números, com uma taxa de sucesso de 78,5% no 5.º ano que, contrariando
a tendência neste ciclo, se agravou no 6.º ano (74%).
Lutar pelo sucesso dos alunos neste agrupamento passa, pois, por lutar pelo
seu desenvolvimento linguístico. Vários estudos internacionais têm provado que, para
melhorar o sucesso escolar de populações multilingues (e muitas vezes socialmente
desfavorecidas), é fundamental que a escola reflita a sua heterogeneidade. Nesse
sentido, é importante promover uma educação linguística de um tipo novo, que não
se restrinja ao ensino das línguas do currículo, nos termos tradicionais, mas antes
liberte na escola as línguas da comunidade e aproveite a riqueza multilingue daí
decorrente para, entre outros aspetos, facilitar e melhorar a aprendizagem do
português e do inglês.
Os resultados do Projeto Turma Bilingue acima referido, comparados com os de
uma turma de controlo inserida no sistema de ensino tradicional, apontam nesse
sentido (v. em anexo, no quadro 3, os resultados referentes à língua portuguesa que
superam os da turma de controlo em 8 dos 9 testes aplicados para avaliação)14. O
ensino de e em português e cabo-verdiano, a alfabetização e desenvolvimento da
leitura e da escrita nas duas línguas (biliteracia), a prática de reflexão sobre as línguas e
a sua valorização explícita tiveram um especial impacto positivo na consciência
linguística das crianças, na autonomia e adequação no uso das línguas, na capacidade
de tradução, na correção e criatividade a nível da escrita, na apetência pela leitura e
12
No ensino secundário, os resultados agravam-se, sendo os cinco países africanos de língua oficial portuguesa os únicos cuja taxa de sucesso é inferior a 60%. 13
Mas não só: o mesmo relatório do CNE mostra que, em particular no 2.º ciclo, a Língua Portuguesa sofreu uma evolução negativa nas provas globais de aferição, a nível nacional. Por outro lado, os resultados acima referidos dos alunos das comunidades imigrantes chamam a atenção para o efeito ainda reduzido das ações do ME, desde 2006 (v. Despacho Normativo n.º 7/2006, de 6 de fevereiro), no âmbito do Português língua não materna (PLNM). 14
Dados incluídos nos relatórios periódicos do projeto apresentados à F. C. Gulbenkian.
5
pelo uso da palavra oral e escrita e nos comportamentos e atitudes sociais positivos na
relação com os outros. Além disso, promoveram uma interação harmoniosa entre as
famílias de diferentes origens culturais e linguísticas, sempre presentes, ativas e
cooperantes, ao longo dos quatro anos do projeto.
O fim de um projeto não pode ser o fim de uma ideia, por muito utópica que
seja, sobretudo quando a realidade provou que o que parecia impossível foi possível.
Outros projetos que acreditam nas vantagens do bilinguismo estão já em fase
de implementação, desde 2011, a nível oficial, como o Projeto-piloto Ensino Bilingue
Precoce no 1.° ciclo do ensino básico, «que visa lecionar, desde o início da escolaridade
obrigatória, o currículo, através das línguas portuguesa e inglesa»15. Um projeto afim,
mas de tipo diferente do da Turma Bilingue, pois não inclui línguas maternas das
comunidades imigrantes (como o cabo-verdiano) e se centra num objetivo mais
restrito, de ensino de e em duas línguas, e não de educação bilingue.
Os ganhos do projeto Turma Bilingue não se perderão, nem na história
linguística das crianças e das famílias16, nem na história educativa do agrupamento. No
entanto, urge continuar aquilo que foi começado, não só para consolidar, aprofundar
e avaliar esses ganhos, mas também para os estender a outros alunos, na esperança
de evitar que venham a ser mais um número nas estatísticas do insucesso.
Uma vez que a experimentação deu bons resultados17, é fundamental que todo
o agrupamento usufrua dos seus benefícios, adotando a filosofia de educação, as
metodologias e as práticas pedagógicas inovadoras que estiveram na origem do seu
êxito, não só no 1.º ciclo, mas em todos os outros ciclos do ensino básico e também,
de forma adaptada, no pré-escolar.
É nesse sentido que o Agrupamento de Escolas do Vale da Amoreira, tendo
como parceiro externo o Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC), vem
propor a realização de um novo projeto de educação linguística, em moldes também
15
Projeto resultante de uma colaboração entre o ME/DGIDC e o British Council e que abrange 8 agrupamentos de norte a sul do país. V. http://www.britishcouncil.org/pt/portugal-projectos-bilingual-schools.htm. 16
Os inquéritos realizados junto das famílias, tanto de origem imigrante, como portuguesas, no âmbito do projeto TB, revelaram uma adesão incondicional à educação bilingue e à aprendizagem das línguas maternas dos alunos na escola, mesmo daquelas, como o cabo-verdiano, tradicionalmente menos prestigiadas em Portugal. Os dados recolhidos em Portugal (e ainda não publicados) no âmbito do Projeto internacional Meridium, multilingualism in Europe as a resource for immigration (2009-2011) financiado pela União Europeia, de que a FCSH/UNL é parceira, confirmam a tendência para os pais de origem portuguesa aceitarem e valorizarem a aprendizagem das línguas dos alunos provenientes de grupos imigrantes. 17
V. Relatórios apresentados à F. C. Gulbenkian e os documentos publicados online no site do ILTEC: http://www.iltec.pt/projetos/em_curso/TB.html.
6
novos18, que dê sequência ao trabalho anterior, acompanhe os alunos da atual Turma
Bilingue no segundo ciclo de escolaridade e se estenda aos outros alunos dos mesmos
anos e da mesma escola, implicando pais e professores das disciplinas de português,
de inglês e, numa perspetiva de promoção simultânea da interculturalidade, de
expressão musical, de história e geografia de Portugal e de educação física19. O
projeto, em especial através da formação, estender-se-á aos docentes, educadores de
infância e outros agentes educativos do agrupamento, dos vários níveis de ensino.
Com a expansão e consolidação de saberes que a nova experiência irá
proporcionar, se espera que todas as escolas do agrupamento possam, futuramente,
vir a integrar de forma sustentada uma cultura de multilinguismo inovadora, eficaz do
ponto de vista educativo e de referência para outras escolas, em particular para as que
acolhem alunos provenientes de comunidades imigrantes.
Com este projeto pretende-se, ao mesmo tempo, ir ao encontro das
recomendações internacionais, nomeadamente, da Unesco e do Conselho da Europa
que, preocupado com os dados relativos aos alunos provenientes das comunidades
imigrantes, propõe o desenvolvimento de políticas adequadas para o ensino da língua
do país de acolhimento e para a manutenção e desenvolvimento das línguas de origem
dos alunos20, acentuando: Specialized training in managing linguistic and cultural diversity, and the development of
intercultural competences, should be encouraged in order to support school authorities, school
leaders, teachers and administrative staff in adapting to the needs, and realizing the full
potential, of schools or classes containing pupils with a migrant background. Consideration
should also be given to issues such as how to make teaching methods, materials and curricula
relevant to all pupils, irrespective of their origins […]21
A defesa de uma cultura de multilinguismo nas escolas portuguesas é tanto
mais importante quanto um estudo sobre Os europeus e as suas línguas, 22 publicado
em junho de 2012, com base em dados recolhidos nos 27 estados membros da União
18
Uma vez que o regime de monodocência é exclusivo do 1.º ciclo. 19
Tem-se aqui em conta a revisão da estrutura curricular aprovada pelo ME em 31 de Maio de 2012. 20
«Adequate policies for teaching the host country language, as well as considering possibilities for pupils with a migrant background to maintain and develop their mother tongue». In Council conclusions on the education of children with a migrant background, 2978th Education, Youth and Culture Council meeting, Bruxelas, 26 novembro de 2009. Acessível em http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/educ/111482.pdf. 21
Ênfase nossa. 22
Special Eurobarometer 386, Europeans and their languages. Acessível online em http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/ebs/ebs_386_en.pdf
7
Europeia, coloca sistematicamente Portugal nos níveis mais baixos, em termos de
aprendizagem e de atitudes sobre a aprendizagem e o uso das línguas23.
Os pressupostos e fundamentos linguísticos e educativos, os objetivos e o desenho do
projeto, que designamos como Uma Escola Multilingue – Consciência linguística,
aprendizagem de línguas e sucesso educativo em contexto multilingue, serão objeto
dos pontos seguintes.
2. Pressupostos e fundamentos
Today, the facilitative role that transfer can play in language learning is not disputed any longer but has become widely acknowledged together with the cognitive benefits of contact with two and more languages in general. […] metalinguistic awareness and metacognitive skills are developed as part of multilingual development and should also be fostered in an instructed context.
Jessner, 2008: 3924
O presente projeto assenta nos seguintes pressupostos, fundamentados pela
investigação científica nas áreas da linguística e da educação linguística e informados
por resultados práticos e experimentais:
Embora não haja uma correlação direta entre proficiência linguística e sucesso
escolar (no conjunto das disciplinas do currículo)25, uma boa competência oral e
escrita na língua de ensino, e especialmente na variedade académica, é
fundamental para a apreensão e expressão dos conteúdos veiculados
linguisticamente e, por consequência, também para o referido sucesso
(Cummins, 200026).
23
Eis alguns excertos das conclusões (ênfase nossa): a. “Respondents in Portugal (48%) and Spain (41%) are most likely to say they have never learnt a language, followed by those in Italy and the UK (32% in each)”. b.” Countries in which respondents appear particularly unmotivated to learn a language or improve existing skills are Portugal and Hungary, where around one in three citizens spontaneously say that they do not want to learn or improve any language (31% and 30% respectively)”. c. “Countries where respondents are least likely to mention English as useful are, with the exception of both Ireland (6%) and the UK (19%) where it is the national language, Luxembourg (40%), Portugal (53%), Bulgaria (57%), and the Czech Republic and Romania (59% in each)”. 24
Ulrike Jessner (2008) State-of-the-Art. Teaching third languages: Findings, trends and challenges. In Language Teaching (2008), 41:1, 15–56 Acessível em http://student.pfmb.uni-mb.si/~mhjurisic/Ulrike%20Jessner.pdf. 25
Sobretudo no sentido em que é possível ter uma boa proficiência linguística e maus resultados escolares. 26
V. Cummins, J (2000) Language, power, and pedagogy. Bilingual children in the crossfire. Clevedon, England: Multilingual Matters.
8
Dominar (e aprender) mais que uma língua favorece transferências positivas
entre as línguas, acelerando o seu desenvolvimento, em situações de aquisição
natural e de aprendizagem formal, desde que outras condições sejam cumpridas
(como a existência de motivação e de um input linguístico diversificado e de
qualidade).
As transferências positivas fazem-se igualmente na área da literacia, pelo que
uma experiência anterior de biliteracia facilita a aprendizagem da escrita numa
nova língua.
As transferências positivas advêm, em grande parte, de uma maior consciência
linguística (em geral, implícita) por parte dos falantes bilingues ou plurilingues,
pois «a exposição a mais de uma língua torna as línguas mais transparentes e
acessíveis à análise» (Cook & Bassetti, 2010: 164)27, ao mesmo tempo que
desenvolve, mais precocemente que nos monolingues, representações sobre a
linguagem, consciência fonológica e capacidade de distinção entre as palavras e
os seus referentes.
As estratégias naturais de transferência (silent processes [...] known from natural
language learning and use, segundo Jessner (2008: 40)), nos alunos que
dominam duas ou mais línguas, podem ser potenciadas em benefício da
aprendizagem das línguas (tanto as de ensino, como as estrangeiras e as
maternas) em contexto escolar, se forem objeto de consciência linguística
explícita e se orientarem as próprias estratégias de ensino do professor.
Uma das estratégias pedagógicas e didáticas que favorecem a consciência
linguística e as transferências positivas é a comparação entre as línguas,
explorando e acentuando sobretudo as suas semelhanças (e reservando os
contrastes essencialmente para situações de fossilização28)
A diversidade de línguas maternas dos alunos, em contextos migratórios, é uma
fonte privilegiada de recursos para o ensino e aprendizagem de novas línguas e
para a comparação linguística, garantindo, ao mesmo tempo, na escola, a
aconselhada relação entre os saberes escolares e os saberes familiares e o
reforço da identidade sociolinguística dos alunos. Como afirma Jessner (2008:
39), «prior linguistic knowledge of students can be exploited and not regarded as 27
Cook, V. e Bassetti, B. (2010) Language and cognition: The second language user. In V. J. Cook and B. Bassetti (eds.) Language and Bilingual Cognition, Oxford, UK: Psychology Press, pp. 143-190. 28
Situação em que o falante para a sua progressão em direção à língua que está a adquirir ou a aprender, fixando-se numa gramática que não lhe corresponde (e, consequentemente, produzindo «erros» sistemáticos).
9
some kind of negative, interfering and destructive force that hinders the
language learning process».
A aprendizagem, o domínio e o uso regular de várias línguas, para além de
desenvolverem a consciência linguística e as capacidades metacognitivas e de
potenciarem transferências linguísticas positivas têm outros benefícios, com
efeitos diretos e indiretos na educação e no sucesso escolar em geral, uma vez
que favorecem a flexibilidade cognitiva, a memória de trabalho e os mecanismos
de controlo executivo (Paradowski, 201129; Byalistock & Craik, 200930).
3. Objetivos
Criar uma cultura de multilinguismo e de plurilinguismo31 (e de
interculturalidade) em toda a escola, implicando alunos, famílias, professores e
outros agentes educativos, apoiada no levantamento sistemático das línguas em
presença e através da realização de atividades lúdicas, formativas e informativas
que deem visibilidade e valor às línguas e culturas dos alunos e dos seus grupos
de origem (incluindo a língua portuguesa) e que lhes restituam o seu valor e
incentivem o seu uso.
Promover assim, através das línguas (e das culturas), a interação harmoniosa
dos membros da comunidade educativa, marcados positivamente pelas suas
diferentes origens sociais, linguísticas e culturais e contribuir para contrariar a
tendência para o abandono escolar objetivo e subjetivo32.
Dar continuidade à introdução, na escola, de novas perspetivas teóricas,
pedagógicas e didáticas no domínio das línguas, iniciada no 1.º ciclo com o
Projeto Turma Bilingue, promovendo a formação de professores nos diferentes
níveis de ensino e na educação pré-escolar.
Dar continuidade, durante o 2.º ciclo, ao processo de educação linguística
iniciado no 1.º ciclo pelos alunos do projeto Turma Bilingue (TB), dando especial
29
Paradowski, Michał B. 2011. Multilingualism – Assessing Benefits. In Hanna Komorowska, ed., Issues in Promoting Multilingualism, Teaching – Learning – Assessment, Varsóvia: Foundation for the Development of the Education System, pp.335-354. 30
Bialystok E. & Craik F.I.M. 2009. Cognitive and linguistic processing in the bilingual mind. In Current Directions in Psychological Science, 19 (1), pp. 19-23. 31
Os dois conceitos são habitualmente usados pelos organismos internacionais para distinguir a coexistência de múltiplas línguas numa comunidade (multilinguismo) e o domínio individual de várias línguas (plurilinguismo). 32
Em que o aluno, embora fisicamente presente, está de facto alheio ao processo de aprendizagem.
10
relevo ao desenvolvimento da sua consciência linguística implícita e explícita, a
nível gramatical, pragmático e social.
Alargar os efeitos da educação bilingue dos alunos da TB aos outros alunos do
2.º ciclo, em especial aos da turma em que estão inseridos, favorecendo e
apoiando o protagonismo dos primeiros, na transmissão cooperativa dos saberes
linguísticos adquiridos, como resultado, nomeadamente, do processo de
biliteracia em que estiveram envolvidos.
Desenvolver a consciência linguística e metalinguística e as capacidades
metacognitivas dos alunos do 2.º ciclo de diferentes origens culturais e
linguísticas, em contexto de aula, como parte do desenvolvimento da sua
competência plurilingue, com vista
o a um maior sucesso na aprendizagem e uso das línguas do currículo
(português e inglês).
o à libertação, reativação, reconhecimento e desenvolvimento das línguas
anteriormente adquiridas pelos alunos,
focando e trabalhando, nomeadamente, a área designada nos
programas de língua portuguesa como «conhecimento explícito
da língua»33 e nos programas de língua inglesa como «regras do
sistema e do seu funcionamento»;34
recorrendo, de modo sistemático, a práticas de análise
comparativa e de tradução das diferentes línguas em presença e
de reflexão sobre as suas funções e condições de uso.
Fornecer aos professores, de língua portuguesa e de língua inglesa, os
fundamentos teóricos da educação bilingue e multilingue e do plurilinguismo,
apoiando mudanças nas atuações pedagógicas e didáticas decorrentes de uma
nova filosofia e perspetiva de ensino e promovendo um ensino integrado de
línguas, que contemple a abordagem concertada de alguns conteúdos em ambas
as línguas.
Criar uma metodologia e um programa próprios para o desenvolvimento da
consciência linguística explícita em contexto multilingue, com base numa
33
Veja-se, a propósito, a brochura editada em 2008 pelo ME, no âmbito do PNEP, da autoria de Inês Duarte, O Conhecimento da língua: desenvolver a consciência linguística e, em particular, o capítulo 1, O conhecimento explícito: um fator de sucesso escolar. Aí se afirma (p.11): «Uma longa lista de trabalhos de investigação realizados em diversos países e com alunos de vários níveis etários tem mostrado o papel transversal que a consciência linguística desempenha no desenvolvimento das competências de uso da língua, desde os níveis iniciais de escolaridade. Refiram-se entre elas [...] a aprendizagem de línguas estrangeiras». 34
In Programa de Inglês para o 2.º ciclo, do ME, p.13; acessível em http://www.dgidc.min-edu.pt/ensinobasico/index.php?s=directorio&pid=140&ppid=3.
11
abordagem cognitiva e funcional, centrada no desenvolvimento de capacidades
de expressão linguística35.
Produzir um conjunto de materiais de apoio ao desenvolvimento da consciência
linguística, com base na reflexão metalinguística e, em particular, na análise das
semelhanças e diferenças das línguas em presença (compilando e adaptando
materiais já existentes e criando novos exercícios e atividades, vocabulários
multilingues e pequenas gramáticas contrastivas para uso dos alunos e dos
professores...).
Avaliar, em todos os alunos da turma do 2.º ciclo (em que estão inseridos os
alunos da anterior TB), no final do projeto, o efeito da aplicação dos métodos e
técnicas de desenvolvimento da consciência linguística na aquisição de
conhecimentos metalinguísticos, em particular sobre a língua portuguesa, e nos
resultados escolares em português e em inglês.
Avaliar o impacto da educação bilingue dos alunos da anterior TB, ao longo do
2.º ciclo,
o nos resultados em língua portuguesa, em particular a nível da produção
escrita (correção ortográfica e gramatical, domínio das regras de
construção textual, na sua relação com o género, diversidade vocabular,
complexidade sintática);
o nos resultados em língua inglesa, em particular, a nível:
da apropriação do novo sistema de escrita;
da aquisição de uma pronúncia diferenciada;
da autonomia na tomada da palavra em língua inglesa, na aula;
da aprendizagem do vocabulário temático, em termos
quantitativos e qualitativos;
da correção no uso das estruturas gramaticais básicas definidas
nos programas e nas metas de aprendizagem.
Avaliar, nos alunos que integram a nova turma do 2.º ciclo e que não
beneficiaram de educação bilingue no 1.º ciclo, o impacto da interação com os
alunos da TB, ao nível:
o das atitudes em relação às línguas, aos seus falantes e às culturas que
representam.
Avaliar os efeitos das atividades linguísticas e culturais na comunidade
educativa, em particular nas atitudes e representações dos pais de diferentes
35
Como a expressão do tempo, do espaço, da quantidade, etc.. V. propostas de Dulce Pereira, em Português a Mil Vozes, editado pelo ME, em 2003.
12
origens (incluindo a portuguesa), relativas à interação entre línguas e culturas e à
gestão do multilinguismo na família e na escola.
Divulgar os procedimentos e resultados da experiência e da investigação junto
das comunidades educativa e científica e nos países de origem das comunidades
imigrantes representadas na escola.
Criar e disponibilizar um corpus de amostras escritas e gravadas, resultantes das
observações e dos registos de aulas, que poderá ser usado pela comunidade
escolar e por outros investigadores e contribuir para a constituição de um
«compêndio» de práticas educativas multilingues.
Publicar os resultados do projeto nas suas diferentes vertentes.
Todos os objetivos educativos e de formação contribuem para o objetivo maior
de melhorar o sucesso educativo dos alunos e contrariar o abandono escolar, com
efeitos positivos na comunidade educativa e na relação e interação entre os seus
membros de diferentes origens culturais e linguísticas.
Através da intervenção educativa, a nível escolar, pretende-se que o projeto
tenha um papel mais vasto e relevante de intervenção social, na comunidade.
Ao mesmo tempo, a avaliação servirá para fundamentar a proposta de
alargamento das novas perspetivas e práticas pedagógicas (uma vez provadas as suas
vantagens) a outros contextos e situações de contacto linguístico nas escolas.
A grande inovação deste projeto, a nível do sistema de ensino público português, mais
do que no desenvolvimento da consciência linguística (consignado nos programas
oficiais36), está no facto de este assentar no desenvolvimento de um plurilinguismo
que inclui as línguas dos alunos (para além das línguas do currículo escolar) com todas
as vantagens linguísticas, cognitivas, sociais e escolares que têm vindo a ser
demonstradas pela investigação e reafirmadas pelas políticas linguísticas
internacionais, em particular, da União Europeia, desenvolvimento esse que exige a
criação de metodologias também elas inovadoras.
36
Veja-se o texto do Programa de Português do Ensino Básico: «não foram poucos os testemunhos que sublinharam a necessidade de se acentuar, no ensino do Português, uma componente de reflexão expressa sobre a língua, sistematizada em processos de conhecimento explícito do seu funcionamento, sem que isso se traduza necessariamente numa artificial e rígida visão prescritiva da nossa relação com o idioma» (p.5). Ou ainda: «há que reforçar a exigência do chamado conhecimento explícito da língua, nos vários estádios de desenvolvimento do ensino e da aprendizagem da língua» (p.19); «trata-se, deste modo, de desenvolver a consciência linguística, no sentido de transformar o conhecimento implícito em conhecimento explícito da língua» (p.23).
13
O agrupamento pretende igualmente ter uma atitude nova na forma de
apropriação dos projetos que nele têm lugar, garantindo a avaliação dos seus efeitos e
tomando medidas para a sua continuidade, disseminação e desejada replicação.
Em suma, as diretrizes chave do presente projeto, que pretende educar,
ensinar e promover o sucesso escolar de forma inovadora e eficaz, são:
Fazer interagir as diferentes línguas e culturas presentes na comunidade
educativa, dando-lhes visibilidade, valor e funcionalidade e criando uma
cultura de multilinguismo na escola.
Cativar os alunos e os pais de diferentes origens e fazê-los
empenharem-se conjuntamente e com prazer no processo educativo.
Consolidar e expandir os efeitos da experiência de educação bilingue e
do desenvolvimento da consciência linguística, na escola.
Interrelacionar as línguas do currículo e as línguas maternas dos alunos,
potenciando transferências positivas mútuas no processo de
aprendizagem.
Formar professores e educadores.
Criar metodologias, materiais e instrumentos de avaliação.
Avaliar e divulgar os resultados da experiência e da investigação.
Promover a relação com os países de origem das comunidades
migrantes representadas na escola.
4. Desenho do Projeto
4.1. Dados os objetivos definidos, a execução do projeto determina:
A programação (para alunos, professores, auxiliares de educação e pais) de
atividades lúdicas, de formação e de informação que valorizem o bilinguismo e o
multilinguismo e contribuam para a construção da identidade social e linguística
dos indivíduos, sem ruturas com as origens.
Essas atividades (1 por período letivo) incluirão, a título de exemplo:
Reuniões com debate orientado a partir da apresentação de filmes dos
países de origem das comunidades imigrantes ou de peças de teatro
assentes em estórias tradicionais, abordando temas como:
o Contar estórias: quem conta, quando, como, porquê, para quê,
sobre quê, em que língua?
o Qual o papel das estórias nas comunidades sem escrita?
o Qual o significado, a representação visual e a função das
personagens?
o Em Portugal também se contam estórias? E histórias de vida?
14
Sessão de informação sobre a aquisição da linguagem e a aprendizagem
das línguas em contexto monolingue e multilingue. Qual o papel dos pais
na aquisição, desenvolvimento e aprendizagem das línguas? Falar muitas
línguas faz mal ou faz bem? Há línguas melhores e outras piores? Há
línguas úteis e línguas inúteis?
(A orientação do debate poderá ser programada com o apoio ativo dos
alunos já envolvidos no projeto de educação bilingue).
O grande encontro das palavras: sessões de discussão e recolha de
palavras para a construção e publicação de um livro coletivo (O grande
livro das palavras37). Vale a pena «colecionar palavras»? O papel das
palavras na representação do mundo, na expressão do pensamento e na
comunicação com os outros. Conseguimos traduzir todas as palavras?
Como ajudar as crianças e os jovens a aprender palavras (faladas e
escritas) e a traduzi-las em várias línguas.
Workshops de dança sobre músicas cantadas nas línguas de origem
(incluindo a portuguesa), com a orientação de profissionais e com o apoio
das famílias ou de membros das comunidades locais. Tradução e
comentário das letras das canções.
A formação, em ações periódicas programadas para o efeito, dos docentes dos
vários níveis de ensino e dos educadores de infância.
A formação incidirá em conteúdos como:
Bilinguismo e plurilinguismo.
Consciência linguística.
Efeitos do contacto de línguas.
Filosofia e modelos de educação bilingue e plurilingue.
História do Projeto Turma Bilingue na escola n.º 1 do 1.º ciclo:
procedimentos e resultados.
Diagnóstico sociolinguístico.
Metodologias e materiais para o desenvolvimento da consciência
linguística implícita e explícita em contexto de aula.
A formação de uma turma multilingue que integre todos os alunos que
transitam do projeto Turma Bilingue e outros alunos com origens
37
Uma atividade variante poderá ser a criação de O grande livro dos provérbios ou das adivinhas, com discussão sobre as lições implícitas nestas manifestações de tradição oral.
15
tradicionalmente mais representadas na escola (portuguesa, cabo-verdiana,
guineense e santomense38).
O conhecimento da realidade linguística dos alunos, no Vale da Amoreira,
permite prever que todos ou quase todos dominem a língua portuguesa e que
alguns dominem igualmente outras línguas, como os crioulos de Cabo Verde, da
Guiné-Bissau ou de S. Tomé e Príncipe, o fula ou o manjaco (e, eventualmente, o
caló39), garantindo-se, deste modo, o multilinguismo da turma. Assim mesmo,
deverá ser feito um primeiro levantamento da história sociolinguística dos
alunos, na fase das inscrições e nas primeiras reuniões de pais, através da
aplicação de um pequeno inquérito junto dos pais e dos alunos40.
O contacto com os pais dos alunos da turma, para explicação dos objetivos e do
modo de funcionamento do projeto e obtenção do seu consentimento.
A criação de um espaço semanal, na aula de português41, especialmente
dedicado, na turma, ao desenvolvimento da consciência linguística e à reflexão
metalinguística contrastiva sobre aspetos gramaticais, pragmáticos e de escrita
da língua portuguesa, da língua inglesa, da língua cabo-verdiana e das outras
línguas faladas pelos alunos da turma.
Esse espaço será orientado, em regime de parceria pedagógica, pela anterior
professora de cabo-verdiano da Turma Bilingue, também professora efetiva de
português e francês, do 2.º ciclo, na Escola EB2+3 do Vale da Amoreira, em
ligação com a professora de português.
Os alunos da TB terão aí também um papel ativo de disseminação dos saberes
adquiridos no processo de educação bilingue em que estiveram envolvidos
(nomeadamente, a nível da língua cabo-verdiana e da biliteracia).
A criação de um espaço semanal, na aula de inglês42, destinado ao reforço, em
inglês, dos conteúdos veiculados no espaço da aula de português acima referido,
através de atividades e exercícios (language learning activities43) que, centrados
na temática das línguas, se insiram na normal aprendizagem da língua inglesa.
38
Serão também incluídas as crianças ciganas que, sendo de origem portuguesa, têm características culturais diferenciadas. 39
Por parte da comunidade cigana. 40
Será feita a adaptação dos inquéritos criados no âmbito dos Projetos Diversidade Linguística na Escola Portuguesa e Turma Bilingue, desenvolvidos pelo ILTEC. 41
Que será de 2 tempos semanais, no conjunto dos 12 tempos de 45 minutos previstos no novo documento de Revisão da Estrutura Curricular. 42
Que será no mínimo de um tempo semanal, no conjunto dos 12 tempos de 45 minutos previstos no novo documento de Revisão da Estrutura Curricular. 43
«Through controlled and guided practice, [they] aim at developing discrete language skills in areas of grammar, phonology, lexis and semantics», de acordo com o Programa de Inglês do ME.
16
A interação entre os professores de português e de inglês da turma e a
professora responsável pelo espaço complementar na aula de língua portuguesa,
com o apoio formativo regular da equipa do ILTEC, por forma a conjugar as
atuações no domínio da reflexão sobre as línguas, da sua comparação em termos
gramaticais e pragmáticos, da sua valorização e da prática de tradução, tendo em
conta as orientações programáticas de cada disciplina.
A participação dos professores de educação musical, história e geografia de
Portugal e educação física, no apoio à vertente intercultural do projeto (também
com a colaboração próxima da equipa do ILTEC), selecionando, em particular,
conteúdos e atividades que contribuam para o conhecimento da diversidade
cultural e linguística dos alunos implicados.
A título de exemplo, refere-se que um dos pontos-chave do Programa de História
e Geografia de Portugal do 2.º ciclo é relativo a Portugal nos séculos XV e XVI,
com conteúdos que dizem diretamente respeito à história de muitas
comunidades imigrantes de origem africana representadas na Escola.
A criação e aplicação, pela equipa do ILTEC, com o apoio dos professores de
língua, de metodologias, materiais e instrumentos de avaliação específicos.
As atividades linguísticas e os materiais a desenvolver terão em consideração o
programa das disciplinas e as metas de aprendizagem, nas áreas em causa, e
serão programadas, com o apoio da equipa do ILTEC, de acordo com
metodologias diversificadas e diferenciadas, capazes de motivar o interesse e o
empenho dos alunos, de desafiar o seu pensamento e as suas capacidades de
imaginação e de raciocínio e de garantir a aprendizagem sustentada dos
conteúdos (v. Tomlinson, 2003, 2010)44.
Para tal, procurar-se-á garantir, na turma, a presença constante de 4 a 6
computadores (para 24 alunos). Será também constituída uma pequena
biblioteca e uma mediateca multilingues.
O programa e os exercícios de desenvolvimento da consciência linguística
explícita em contexto multilingue assentarão numa abordagem cognitiva e
funcional, centrada no desenvolvimento de capacidades de expressão linguística
transversais às diferentes áreas da gramática (v. objetivos e nota 28).
44
Seguem-se de perto muitas das perspetivas e dos princípios de Brian Tomlinson. V., p. ex., Tomlinson, B (2003, 2.ª ed.) Materials Development in Language Teaching, Cambridge: Cambridge University Press e Tomlinson, B. (2010. Principles and procedures for self-access materials. Studies in Self-Access Learning Journal, 1(2), 72-86, acessível em http://sisaljournal.org/archives/sep10/tomlinson/.
17
Para a comparação entre as línguas em presença, serão criadas gramáticas
contrastivas básicas e vocabulários temáticos bilingues ou multilingues, para
uso de alunos, de professores (e de pais, quando o solicitarem)45.
No âmbito da avaliação, proceder-se-á à aplicação de inquéritos e testes e ao
registo (nomeadamente, através de filmagem) de algumas aulas e atividades da
escola.
A realização de visitas de estudo (2 por ano letivo) que promovam o contacto
com realidades e o acesso a conhecimentos que as condições sociais dos alunos
dificilmente permitem proporcionar.
4.2. Duração e fases de desenvolvimento
Embora se ultrapasse o horizonte temporal máximo de 15 meses previsto pelo
Programa EMA (pelo que se estão a fazer diligências no sentido de obter
financiamentos suplementares), projeta-se uma intervenção que inclua 2 anos letivos
(de setembro de 2012 a junho de 2014), garantindo assim, na vertente de ensino, a
unidade do 2.º ciclo, sem prejuízo da apresentação à F. C. Gulbenkian de conclusões e
materiais, no final dos 15 meses, em relatório próprio.
Prevê-se ainda:
1 mês de preparação do primeiro ano letivo (de 1 de setembro a 1 de outubro de
2012);
1 mês e meio de preparação do segundo ano letivo (de 1 a 31 de julho e de 1 a
15 de setembro de 2013);
4 meses para avaliação final e compilação e edição de documentos e materiais
(de 15 de junho a 15 de novembro de 2014, não incluindo o mês de Agosto), com
a elaboração de um relatório final
4.2.1. Preparação (do 1.º e 2.º anos letivos)
As fases de preparação implicam, no primeiro ano, a constituição de uma turma
multilingue e o contacto inicial com os pais para obter o seu interesse e o seu acordo,
bem como a criação de um grupo de trabalho com os professores envolvidos, para a
definição de um programa de atuação pedagógica e didática e de preparação de
materiais com exercícios e atividades linguísticas e interculturais.
45
Durante o Projeto Turma Bilingue, alguns pais solicitaram documentos de apoio à aprendizagem do cabo-verdiano.
18
Na preparação do segundo ano letivo, serão avaliados os resultados do primeiro ano,
aferidas as metodologias e programadas novas atividades.
4.2.2. Execução (2 anos letivos)
Ao longo dos dois anos letivos:
será feito o levantamento das línguas presentes na escola e o diagnóstico
sociolinguístico dos alunos da turma (out. a dez. de 2012),
será constituído um espaço de audição, leitura e produção das línguas
presentes na escola (fevereiro de 2013),
serão programadas e realizadas
as atividades linguísticas na turma,
as ações periódicas de formação dos docentes e dos educadores de infância
(1 sessão por período letivo, para cada grupo),
as atividades de caráter lúdico, formativo e informativo, junto da
comunidade educativa (1 atividade por período letivo),
as visitas de estudo dos alunos ( 2 por ano),
as atividades de investigação, com o acompanhamento regular da equipa do
ILTEC.
serão produzidos materiais pedagógicos e didáticos: gramáticas contrastivas
bilingues (em português e em cada uma das restantes línguas em presença),
vocabulários multilingues e atividades e exercícios linguísticos de
desenvolvimento da consciência metalinguística explícita, em contexto
multilingue,
serão produzidos e aplicados os instrumentos de avaliação dos efeitos:
da educação bilingue e do desenvolvimento da consciência metalinguística
na aquisição da nova língua do currículo (inglês), na proficiência em língua
portuguesa escrita e no sucesso escolar (ao longo de cada ano, pelo menos
uma vez por período)
das atividades realizadas junto da comunidade educativa, nas
representações, atitudes e comportamentos dos alunos e das famílias e na
taxa de absentismo e abandono escolar (no início e no fim de cada ano
letivo).
da formação de professores nas suas práticas letivas (no final das ações de
formação, em cada ano letivo).
19
far-se-ão consultas a especialistas nas áreas linguísticas envolvidas.
4.2.3. Relatórios e documentos
Em dezembro de 2012, será apresentado um relatório à F. C. Gulbenkian com os
resultados das atividades realizadas e os documentos produzidos.
Após as atividades escolares do 2.º ano letivo, proceder-se-á a uma segunda avaliação
e à compilação e edição dos restantes documentos e materiais.
Fase I – Preparação (1 mês)
A fase de preparação implica a constituição de uma turma multilingue e o contacto
inicial com os pais para obter o seu interesse e o seu acordo, bem como a criação de
um grupo de trabalho com os professores envolvidos, para a definição de um
programa de atuação pedagógica e didática e de preparação de materiais com
exercícios e atividades linguísticas e interculturais.
Fase II – Execução (2 anos letivos)
Ao longo dos dois anos letivos, será feito o levantamento das línguas presentes na
escola, serão programadas e realizadas as atividades linguísticas na turma, as ações de
formação dos docentes e dos educadores de infância, as atividades de caráter lúdico,
formativo e informativo, junto da comunidade educativa, e as atividades de
investigação, com o acompanhamento regular da equipa do ILTEC.
Serão produzidos materiais pedagógicos e didáticos: gramáticas contrastivas bilingues
(em português e em cada uma das restantes línguas em presença), vocabulários
multilingues e atividades e exercícios linguísticos de desenvolvimento da consciência
metalinguística explícita, em contexto multilingue.
Serão produzidos e aplicados instrumentos de avaliação dos efeitos:
da educação bilingue e do desenvolvimento da consciência metalinguística
na aquisição da nova língua do currículo (inglês), na proficiência em língua
portuguesa escrita e no sucesso escolar.
das atividades realizadas junto da comunidade educativa, nas
representações, atitudes e comportamentos dos alunos e das famílias e na
taxa de absentismo e abandono escolar.
da formação de professores nas suas práticas letivas.
20
Far-se-ão consultas periódicas a especialistas nas áreas da avaliação linguística em
contexto escolar, da psicolinguística, da educação plurilingue e da educação
intercultural.
Fase III – Relatórios
Relatório Final (4 meses)
No final das atividades escolares, proceder-se-á à avaliação final e à compilação e
edição de documentos e materiais.
4.3. Equipa do Projeto
O projeto será coordenado, por parte do Agrupamento, pela Diretora, Luísa Antunes e,
por parte do ILTEC, por Dulce Pereira, coordenadora do anterior projeto Turma
Bilingue.
A equipa do ILTEC dará apoio teórico, pedagógico e didático aos professores
envolvidos, construirá materiais, colaborará na programação e execução das atividades
da escola relativas ao projeto, fará o diagnóstico sociolinguístico e criará e aplicará os
instrumentos de avaliação linguística. Pretende-se que seja constituída, além da
coordenadora, por dois investigadores (ambos também investigadores no anterior
projeto Turma Bilingue) Vanessa Antunes, com um mestrado em Ensino de Português e
Francês, e Pedro Martins, que apresentou à FCT um projeto de doutoramento numa
área de interesse para este projeto, Tradução, aprendizagem de línguas e educação
linguística em contexto multilingue e cuja investigação terá lugar na mesma escola do
2.º ciclo do Vale da Amoreira46. Terá ainda a colaboração de Paulo Feytor Pinto,
professor na área da língua portuguesa (anterior presidente da Associação de
professores de português, APP e atual professor da ESE de Setúbal) e investigador do
grupo Língua e diversidade linguística, do ILTEC. Contará, nas áreas da formação de
professores e da avaliação, com a especialista em educação bilingue e multilingue,
Joana Duarte, da Universidade de Hamburgo, também membro do ILTEC.
Na Escola do Vale da Amoreira, para além da Diretora, constituirão a equipa os
professores da turma envolvidos, em particular os professores de língua, com o apoio
pedagógico de Ana Josefa Cardoso (professora de cabo-verdiano no anterior projeto).
Integrará também a equipa a especialista em ciências de educação Sofia Reis,
perita externa de avaliação do Projeto TEIP, no Agrupamento vertical de escolas do
46
Embora só em janeiro de 2012 se possa conhecer a resposta da FCT.
21
Vale da Amoreira47, que terá, entre outros, o papel de criação e análise dos
instrumentos de avaliação, em especial dos efeitos do projeto nas atitudes da
comunidade educativa.
4.4. Consultores
O projeto recorrerá a consultores e contará com especialistas nas seguintes áreas:
Consciência linguística, conhecimento explícito da língua e aprendizagem de
línguas em contexto escolar (Cristina Martins48).
Avaliação linguística (Armanda Costa49) e sociolinguística (Isabel Tomás50).
Plurilinguismo e educação linguística (Joana Duarte).
Educação Intercultural51.
Crioulos africanos de base portuguesa e línguas africanas52.
Comunidade cigana em Portugal (Mirna Montenegro).53
47
Sofia Reis é autora de um estudo de caso TEIP sobre o agrupamento vertical de escolas do Vale da Amoreira, integrado num relatório de avaliação mais geral elaborado pela Universidade Católica Portuguesa, em 2009, para a DGIDC. 48
Especialista em linguística aplicada e diretora do 2º ciclo em Português como Língua Segunda e Língua Estrangeira da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. 49
Diretora do Laboratório de Psicolinguística da FLUL. 50
Investigadora do Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa (CLUNL). 51
O Agrupamento tem uma relação continuada de colaboração com o ACIDI. 52
O apoio linguístico na área dos crioulos de base portuguesa de Cabo Verde, Guiné-Bissau, Senegal e S. Tomé e Príncipe é assegurado por Dulce Pereira. 53
Consultora do Instituto das Comunidades Educativas (ICE) e especialista nesta área.
22
ANEXOS
ANEXO A Quadro 1. Sucesso escolar no Agrupamento de escolas do Vale da Amoreira: Ensino básico regular.
Quadro 2. Resultados em Língua Portuguesa, na avaliação interna e na avaliação externa, comparados com os resultados da avaliação externa a nível nacional (anos letivos de 2009/10 e 2010/11)
23
ANEXO B
Quadro 3. Resultados linguísticos da Turma Bilingue em comparação com os de uma
turma de controlo, em testes aplicados entre janeiro de 2010 e outubro de 2011
Testes linguísticos
(Língua portuguesa)
Percentagens médias dos resultados mais elevados
(nível A) nos parâmetros analisados
Turma Bilingue Turma de Controlo
Regras de escrita 87 % 87 %
Narrativa escrita 1 67 % 57 %
Leitura 47 % 25 %
Narrativa escrita 2 68 % 57 %
Narrativa oral 1 74 % 67 %
Narrativa escrita 3 74 % 69 %
Ditado 66 % 60 %
Descrição 75 % 65 %
Narrativa oral 2 72 % 59 %