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EDIÇÃO 162 | A MIRA | 58 Uma estrela na contramão * P. R. Alonso Data: 13/05/1981 (quando foi escrito pela primeira vez este relato pelo autor, em Iporá - GO, e atualizado com imagens em maio de 2005). [email protected] Rocha Cunha, engenheiro de campo do CNG (Conselho Nacio- nal de Geografia), em 5 de outubro de 1957, chegou ao DLG (Divisão Levantamentos Geodésicos) em São Paulo, dizendo ao Dr. Gilvandro, ao Dr Lysandro ao Eng. José Roberto e aos demais técnicos que compunham a Divisão de Levantamentos Geodésicos que ao observar o céu na luneta do T-4, viu que uma estrela estava na contramão e que passou pelo retículo vertical do Teodolito. O espanto foi geral e muitos como o Eng José Roberto disse a ele: - “Você perdeu a oportunidade de entrar na História, porque isto foi um momento raro” e “caíram na pele dele”. Tudo aconteceu assim. Era dia 4 de outubro de 1957, céu muito claro e sem nuvem, um verdadeiro céu de brigadeiro pintado de azul, um dia ótimo para fazer astronomia logo ao entardecer, quando as primeiras estrela surgem na abóboda celeste lá pelas 18:00 horas. Então o engenheiro Rocha Cunha e sua equipe de campo, observan- do este tempo seco, começaram a preparar e separar todo o equipamento que seria usado naquela noite, para realizar o tra- balho de Astronomia de Campo, como T-4, relógio, psicometro, cronometro, etc e os formulários de registro e ainda o Aparente Pleace (anuário astronômico) com as mil e quinhentas e poucas estrelas registradas com sua ascensão reta e declinação. Não esqueceram do mais importante, o planejamento das estrelas que iriam aparecer naquela noite e no horário já previsto, este planejamento tinha sido elaborado naquela mesma semana, só para relembrar, o planejamento vale por 15 dias. Tudo separa- do, foram acondicionados no carro do CNG (Conselho Nacional de Geografia), hoje em dia atual IBGE. Uma outra coisa importante que até agora não foi citado, a es- tação geodésica a ser ocupada naquela noite, seria a estação que fica no Observatório de São Paulo, com coordenadas geo- désicas conhecidas. Observatório Astronômico de São Paulo Fonte: Wikipédia. As 15:00 horas daquele dia 4 de outubro, a equipe partiu rumo ao Observatório Astronômico de São Paulo, com o intuito de fazer naquela noite um Laplace (medição por estrelas para ob- tenção de latitude e longitude). Desta forma, esperando que tudo ocorresse certo naquela noite, já que o tempo estava aju- dando, a equipe prevenida, estava ocupando o ponto as 16:15 horas. Foi então estacionado o T-4 na torre de suporte (ao invés de tripé), não se esquecendo que esta ocupação é excêntrica, ou seja, não estacionado propriamente na estação geodésica, quer dizer alguns metros deslocado da estação e que depois, no cálculo seria reduzida a estação geodésica. Abaixo pode-se observar a barraca montada e dentro a torre sob o T-4 e as caixas contendo todo o equipamento para a reali- zação da medição do Laplace. No momento da efetiva medição é retirada a lona da barraca. Foto 01 - Alonso Relógio, Foto 02 - Alonso Barraca barômetro e psicômetro com o T-4 montado Começou a escurecer as 18:11 e tudo já estava preparado, foi feito então uma série de latitude e em seguida começou a série de longitude, neste momento, Rocha Cunha começou a ver na luneta do T4 uma estrela na contramão (sentido contrário que as estrelas descrevem no espaço celeste). Ficou impressiona- do e falou com a equipe. Neste momento ele poderia ser sábio e no momento em que a estrela na contramão percorresse o fio poderia dar o top e o anotador escreveria a hora, entraria para a História. Mas não teve esta sabedoria, é natural, um imprevisto que jamais alguém poderia atentar para este detalhe. Foto 03 - Satélite Sputinik navegando no espaço totalmente aberto Fonte: Wikipédia A operação seguiu normalmente madrugada adentro e no dia seguinte 5 de outubro já na DLG, sem saber realmente o que houve, o Rocha Cunha falou o acontecido com os superiores, engenheiros e os técnicos, foi quando “caíram na pele dele” RESGATE DA ASTRONOMIA DE CAMPO

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EDIÇÃO 162 | A MIRA | 58

Uma estrela na contramão * P. R. Alonso Data: 13/05/1981 (quando foi escrito pela primeira vez este relato pelo autor, em Iporá - GO, e atualizado com imagens em maio de 2005). [email protected]

Rocha Cunha, engenheiro de campo do CNG (Conselho Nacio-nal de Geografia), em 5 de outubro de 1957, chegou ao DLG (Divisão Levantamentos Geodésicos) em São Paulo, dizendo ao Dr. Gilvandro, ao Dr Lysandro ao Eng. José Roberto e aos demais técnicos que compunham a Divisão de Levantamentos Geodésicos que ao observar o céu na luneta do T-4, viu que uma estrela estava na contramão e que passou pelo retículo vertical do Teodolito. O espanto foi geral e muitos como o Eng José Roberto disse a ele: - “Você perdeu a oportunidade de entrar na História, porque isto foi um momento raro” e “caíram na pele dele”. Tudo aconteceu assim.

Era dia 4 de outubro de 1957, céu muito claro e sem nuvem, um verdadeiro céu de brigadeiro pintado de azul, um dia ótimo para fazer astronomia logo ao entardecer, quando as primeiras estrela surgem na abóboda celeste lá pelas 18:00 horas. Então o engenheiro Rocha Cunha e sua equipe de campo, observan-do este tempo seco, começaram a preparar e separar todo o equipamento que seria usado naquela noite, para realizar o tra-balho de Astronomia de Campo, como T-4, relógio, psicometro, cronometro, etc e os formulários de registro e ainda o Aparente Pleace (anuário astronômico) com as mil e quinhentas e poucas estrelas registradas com sua ascensão reta e declinação. Não esqueceram do mais importante, o planejamento das estrelas que iriam aparecer naquela noite e no horário já previsto, este planejamento tinha sido elaborado naquela mesma semana, só para relembrar, o planejamento vale por 15 dias. Tudo separa-do, foram acondicionados no carro do CNG (Conselho Nacional de Geografia), hoje em dia atual IBGE.

Uma outra coisa importante que até agora não foi citado, a es-tação geodésica a ser ocupada naquela noite, seria a estação que fica no Observatório de São Paulo, com coordenadas geo-désicas conhecidas.

Observatório Astronômico de São Paulo Fonte: Wikipédia.

As 15:00 horas daquele dia 4 de outubro, a equipe partiu rumo ao Observatório Astronômico de São Paulo, com o intuito de fazer naquela noite um Laplace (medição por estrelas para ob-tenção de latitude e longitude). Desta forma, esperando que tudo ocorresse certo naquela noite, já que o tempo estava aju-

dando, a equipe prevenida, estava ocupando o ponto as 16:15 horas. Foi então estacionado o T-4 na torre de suporte (ao invés de tripé), não se esquecendo que esta ocupação é excêntrica, ou seja, não estacionado propriamente na estação geodésica, quer dizer alguns metros deslocado da estação e que depois, no cálculo seria reduzida a estação geodésica.

Abaixo pode-se observar a barraca montada e dentro a torre sob o T-4 e as caixas contendo todo o equipamento para a reali-zação da medição do Laplace. No momento da efetiva medição é retirada a lona da barraca.

Foto 01 - Alonso Relógio, Foto 02 - Alonso Barraca barômetro e psicômetro com o T-4 montado

Começou a escurecer as 18:11 e tudo já estava preparado, foi feito então uma série de latitude e em seguida começou a série de longitude, neste momento, Rocha Cunha começou a ver na luneta do T4 uma estrela na contramão (sentido contrário que as estrelas descrevem no espaço celeste). Ficou impressiona-do e falou com a equipe. Neste momento ele poderia ser sábio e no momento em que a estrela na contramão percorresse o fio poderia dar o top e o anotador escreveria a hora, entraria para a História. Mas não teve esta sabedoria, é natural, um imprevisto que jamais alguém poderia atentar para este detalhe.

Foto 03 - Satélite Sputinik navegando no espaço totalmente aberto Fonte: Wikipédia

A operação seguiu normalmente madrugada adentro e no dia seguinte 5 de outubro já na DLG, sem saber realmente o que houve, o Rocha Cunha falou o acontecido com os superiores, engenheiros e os técnicos, foi quando “caíram na pele dele”

RESGATE DA ASTRONOMIA DE CAMPO

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perdendo esta bela oportunidade.

Formulário Registro da Longitude.Fonte: IBGE/CGED

Mais tarde os jornais e a mídia em geral noticiaram sobre um evento inédito, a União Soviética lançou o primeiro satélite o “Sputinik” no dia 4 de outubro de 1957, mesma noite que Rocha Cunha estava fazendo medições astronômicas.

Formulário Estrelas observadas Fonte: IBGE/CGED

Esse satélite foi lançado para realizar estudos sobre os efeitos da ausência de peso e da radiação sobre os organismos vivos e sobre as propriedades da superfície terrestre, tendo em vista à preparação do primeiro voo espacial tripulado, era a famosa corrida espacial entre URSS e EUA.

Formulário Passagens meridianasFonte: IBGE/CGED

Houve então uma outra conversação entre o pessoal da DLG, parabenizando Rocha Cunha pelo fato ocorrido, mas que foi uma pena não ter registrado o Top naquele momento em que o satélite percorria o retículo do Teodolito T-4 e que estes regis-tros (dados), poderiam servir para algum estudo ou informação e quem sabe usar em algum calculo, como orientação (azimu-te) do satélite, tendo o ponto geodésico do Observatório coor-denadas conhecidas.

Bibliografia:

Entrevista com Dr. Lysandro em novembro de 1980 – Brasília – DF – IBGE.

Entrevista com Eng. José Roberto em fevereiro de 1981 – Rio de Ja-neiro – RJ – IBGE.

Entrevista com o Técnico Sr Durval em novembro de 1980 – Brasília – DF – IBGE.

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