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Espaço e Tempo 1. INTRODUÇÃO A definição física de tempo e espaço se orienta em fenômenos mensuráveis ou previsíveis, pois a Física descreve a Natureza por meio de modelos matemáticos. Aquilo que não puder ser descrito pela Matemática, ou não puder ser medido, não pertence à área da Física. Fora do mundo mensurável a Física não nos fornece informação a respeito de espaço e tempo. Modelos físicos da realidade são testados por meio de experimentos, ou seja, medidas. Um experimento físico jamais provará que um modelo é verdadeiro; ele pode mostrar, porém, que uma realidade mensurável está em contradição com um modelo, uma teoria. 2. PRIMEIROS MODELOS PARA O UNIVERSO 2.1. O Universo dos Babilônios e Egípcios Tão logo o homem se tornou sedentário, e portanto agricultor, as medidas de espaço e tempo se tornaram de enorme importância. Os domínios dos reis e nobres deveriam ser quantificáveis (espaço). Era fundamental determinar o período certo para o plantio (tempo). Confiar em padrões meteorológicos se mostrou pouco eficiente, e o homem começou a observar estrelas a fim de determinar um ciclo anual. Para tal, ele precisava ser capaz de descrever o movimento das estrelas, e dessa forma o homem iniciou sua busca de um modelo matemático para o Universo. Outros incentivos para a determinação de um ciclo anual era o pagamento de impostos, e sacrifícios aos Deuses. Fig. 1: O Universo dos Babilônios (http://www.mukto-mona.com/new_site/mukto-mona/Articles/brent_meeker/cosmology.htm).

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Espaço e Tempo

1. INTRODUÇÃO

A definição física de tempo e espaço se orienta em fenômenos mensuráveis ou previsíveis, pois

a Física descreve a Natureza por meio de modelos matemáticos. Aquilo que não puder ser descrito

pela Matemática, ou não puder ser medido, não pertence à área da Física. Fora do mundo

mensurável a Física não nos fornece informação a respeito de espaço e tempo.

Modelos físicos da realidade são testados por meio de experimentos, ou seja, medidas. Um

experimento físico jamais provará que um modelo é verdadeiro; ele pode mostrar, porém, que

uma realidade mensurável está em contradição com um modelo, uma teoria.

2. PRIMEIROS MODELOS PARA O UNIVERSO

2.1. O Universo dos Babilônios e Egípcios

Tão logo o homem se tornou sedentário, e portanto agricultor, as medidas de espaço e tempo

se tornaram de enorme importância. Os domínios dos reis e nobres deveriam ser quantificáveis

(espaço). Era fundamental determinar o período certo para o plantio (tempo). Confiar em padrões

meteorológicos se mostrou pouco eficiente, e o homem começou a observar estrelas a fim de

determinar um ciclo anual. Para tal, ele precisava ser capaz de descrever o movimento das

estrelas, e dessa forma o homem iniciou sua busca de um modelo matemático para o Universo.

Outros incentivos para a determinação de um ciclo anual era o pagamento de impostos, e

sacrifícios aos Deuses.

Fig. 1: O Universo dos Babilônios (http://www.mukto-mona.com/new_site/mukto-mona/Articles/brent_meeker/cosmology.htm).

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O modelo original do Universo (Fig. 1) é o mesmo que uma criança possui antes de lhe

informarem que a Terra é redonda. As estrelas estão presas em uma abóboda celeste que se

movimenta. Se existe uma abóboda celeste, essa pode desmoronar. O céu pode cair sobre nossas

cabeças! A Terra é um disco/cilindro plano, e portanto termina em algum lugar. Podemos cair da

Terra! O Sol caminha pelo céu sendo puxado por um carro solar, sendo devorado à noite e

renascendo no dia seguinte. Tal modelo não é previsível (e provoca medo!) levando a novos

modelos.

2.2. O Universo de Leucipo e Demócrito

O Universo muda drasticamente na visão de Leucipo (~450 a.C.). A Terra habitável ainda é uma

superfície plana, porém sua massa total constitui uma semi-esfera. O homem vive no topo plano

desse hemisfério sul, e o hemisfério norte é composto de ar. Ambos são rodeados por uma esfera

cristalina que contém a Lua. Acima da esfera lunar vem a esfera planetária, depois a solar, e uma

última superfície externa contendo as estrelas (Fig. 2). Seu discípulo, Demócrito (~430 a.C.),

retorna ao modelo de disco plano para a Terra preenchendo com ar o hemisfério sul. Inverte,

também, as esferas solar e planetária (Fig. 2).

Fig. 2: Os Universo de Leucipo (esquerda) e Demócrito (Dante and the Early Astronomers; Orr, M. A.; Evershed Mrs. John; 1913).

2.3. O Universo de Pitágoras

Pitágoras (~570-495 a.C.) foi o primeiro a sugerir ser a Terra uma esfera perfeita, com toda sua

superfície habitável, livre no espaço. Essa Terra, balanceada no centro do Universo, não pode cair,

nem nada dela pode cair. Não existe parte de cima nem parte de baixo e sim somente o centro.

Pitágoras identificou em 5 a quantidade de planetas, nomeando-o de acordo com os deuses

Gregos Mercúrio, Venus, Marte, Júpiter e Saturno. Diversas esferas rodeavam a Terra: Ouranos ou

céu, a região das mudanças e ilusões; Cosmos, a região do Sol, da Lua e dos planetas, distribuídos

em 7 esferas; Olimpo, a esfera das estrelas; e por último o Fogo Celeste (Fig. 3).

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Fig. 3: O Universo de Pitágoras (esquerda) (Dante and the Early Astronomers; Orr, M. A.; Evershed Mrs. John; 1913)

e do pitagórico Filolau (http://www.ddtwo.org/~cjackson/pythagoras/pythagoras.html).

Em uma tentativa de tirar a Terra do centro imóvel do Universo e dar a ela uma órbita própria,

o pitagórico Filolau (~470-385 a.C.) criou o conceito da Anti-Terra. Em seu modelo a Terra circunda

diariamente um Fogo Central, sempre com a mesma face apontando para ele. Apenas não

tomamos conhecimento desse fogo central devido à existência da Anti-Terra, que esconde esse

Fogo Central. Externamente à orbita circular terrestre circulam a Lua, o Sol, os cinco planetas e a

esfera das estrelas fixas (Fig. 3).

A Anti-Terra foi uma importante invenção dos pitagóricos: ela eleva o número de corpos

celestes de 9 para o número sagrado 10. O modelo era radical pois tirava a Terra, e portanto o

Homem do centro do Universo. A Terra ainda estaria próxima ao centro (o Sol estaria bem mais

distante), porém um Fogo Central toma o lugar da Terra. A perda da posição privilegiada era,

porém, suportada em favor no número sagrado 10.

2.4. O Universo de Aristóteles e Ptolomeu

Dentro da filosofia de Aristóteles (384-322 a.C.), a necessidade de que a Terra e o Unverso

deveriam ser completos é compatível com um modelo de planetas redondos e tragetórias

circulares (figura geométrica mais completa). Encaixando-se perfeitamente dentro do Universo de

Aristóteles, a Terra seria seu centro, circundada pela Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter,

Saturno e pelas estrelas fixas em uma nona esfera (Fig. 4). Observações celestes mostravam,

porém, que os planetas não se movimentam sempre em um mesmo sentido. Essa grave

discrepância é solucionada 5 séculos mais tarde no Universo de Ptolomeu (90-168) (Fig. 4), no qual

os planetas se movimentam em epiciclos (círculo cujo centro se encontra sobre a trajetória

circular).

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Fig. 4: Os Universos de Aristóteles (esquerda) e de Ptolomeu (direita).

2.5. O Universo de Aristarco

Verdadeiramente revolucionários para a época foram os pensamentos de Aristarco (~310-230

a.C.), colocando o Sol como centro do Universo, circundado por Mercúrio, Vênus, e somente

depois pela Terra (Fig. 5). A Lua orbita em torno da Terra, e os demais planetas (Marte, Júpiter e

Saturno), assim como as estrelas fixas, estariam em uma trajetória mais externa. Os

pensamentos de Aristarco se baseavam em observações celestes e, apesar de sua coerência,

eram extremamente radicais para a época. Logo encontraram forte oposição e seu modelo foi

amaldiçoado. Tirar a Terra e o Homem do centro do Universo, sem nenhuma compensação

(como em favor do número sagrado 10) era inaceitável . Nos séculos posteriores a teoria

heliocêntrica foi firmemente combatida e amaldiçoada pela Igreja e pelo Vaticano, e assim o

permaneceu até a época de Galileu.

Fig. 5: O Universo de Aristarco (http://outreach.atnf.csiro.au/education/senior/cosmicengine/classicalastronomy.html ).

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3. EVOLUÇÃO PARA UM UNIVERSO HELIOCÊNTRICO

Para a maioria dos pensadores até o século XVI era evidente que a Terra se encontrava em seu

lugar próprio, natural, no centro do Universo. Como não era possível conceber nenhuma força

capaz de fazê-la se mover, ficava, assim, provado que a Terra estava em repouso. Esse

pensamento característico do Mundo de Aristóteles predominou durante toda a Antigüidade,

Idade Média e começo da Renascença. Diante disso, é fácil imaginar a situação incômoda em que

se encontraram Copérnico, Galileu e outros ao afirmarem que era a Terra que se movia, e não o

Sol! Defendendo essa posição, apesar de baseada em observações experimentais irrefutáveis,

estavam em clara desvantagem perante os outros, pois não eram capazes de explicar porque a

Terra se movia.

3.1. O Universo de Copérnico

O modelo de Aristarco é redescoberto por Nicolau Copérnico (1473-1543), que cria um

Universo matematicamente equivalente aos Universos de Aristarco e Ptolomeu (Fig. 6). Trajetórias

em epiciclos nada mais são doque a trajetória terrestre projetada sobre a trajetória do respectivo

planeta, e pode ser rigorosamente demonstrado que ambos os sistemas são totalmente

equivalentes. A diferença é apenas de natureza filosófica. Essa queda do até então totalmente

aceito modelo medieval é reforçada por Tycho Brahe (1546-1601), Johannes Kepler (1571-1630),

Galileu Galilei (1564-1642) e, principalmente, por Isaac Newton (1643-1727). Temendo a

Inquisição, Copérnico divuldou seus estudos com extremo cuidado, e sua famosa obra De

Revolutionibus foi enviada para publicação apenas no fim de sua vida.

Fig. 6: O Universo de Copérnico (http://www.physicsoftheuniverse.com/dates.html).

O modelo de Galileu é aperfeiçoado por Johannes Kepler (1571-1630) que infere trajetórias

elípticas aos planetas, em maior acordo com suas observações atronômicas.

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3.2. As descobertas de Galileu Galilei

O Universo de Copérnico encontrou seu maior defensor em Galileu Galilei (1564-1642), que

logo percebeu ser necessário derrubar as idéias do Mundo de Aristóteles, ou melhor, desacreditar

seus pontos de vista cegamente defendidos por seus seguidores. Outros pensadores já haviam

apontado diversas dificuldades nas explicações de Aristóteles. Galileu percebeu que era necessário

produzir resultados irrefutáveis, e apresentar conclusões baseadas na observação e na

experiência.

A Filosofia Natural Grega era orientada ao que pode ser observado sem auxílios especiais.

Dessa forma, um objeto mais pesado cai mais rápido que um objeto mais leve (uma pedra cai

realmente mais rápido que uma pena!). Galileu formulou o seguinte experimento fictício:

considere uma pedra “A” dividida em duas metades “B” e “C”, de mesmo peso. Como “A” é mais

pesada que “B” ou “C”, ela cairá mais rápido que as duas metades, mesmo que essas metades

caiam juntas (uma vez que são independentes). Se em pensamento levarmos as metades “B” ou

“C” cada vez mais próximas umas das outras, o resultado será que “A”=“B”+“C” cairá mais

lentamente que “A”: uma contradição!! Portanto a velocidade de queda de um corpo não deverá

depender de seu peso. O fato de uma pena cair mais lentamente que uma pedra não se deve à

diferença de peso, e sim a existência de perturbações externas (atrito) que retardam o movimento

da pena. Essas considerações, com experimentos fictícios, deram o início à ciência Moderna.

Galileu estabeleceu a absoluta necessidade da experimentação na física, tendo sido o primeiro a

introduzir a necessidade de se desconsiderar as perturbações externas desprezíveis e a extrapolar

os valores medidos aos valores esperados para um objeto ideal.

No Mundo de Aristóteles era fundamental que houvesse uma força (empurrão ou tração) para

que um corpo pudesse manter-se em movimento. Como pode a Terra se mover se não há

nenhuma força atuando sobre ela? Esse princípio básico Galileu conseguiu derrubar através de

seus famosos experimentos com planos inclinados. Galileu considerou vários objetos se movendo

em dois planos inclinados, em especial bolas, nas quais perturbações pelo contato entre as

superfícies (atrito) seriam minimizadas (Fig. 7). Observou que uma bola descendo pelo plano em

declive ganhava velocidade, enquanto que uma bola subindo pelo plano em aclive perdia

velocidade. Portanto, se o plano fosse horizontal, a bola não ganharia nem perderia velocidade.

Na prática a bola certamente irá perder velocidade até atingir a condição de repouso, mas

segundo Galileu isso não seria devido à natureza da bola, e sim devido ao seu contato com a

superfície (atrito). Essa conclusão foi apoiada por experiências realizadas com superfícies cada vez

mais lisas: quanto mais lisa era a superfície, mais tempo demorava uma bola para parar. Se não

houvesse nenhum atrito, concluiu, a bola nunca pararia.

Fig. 7: Os experimentos de Galileu com o plano inclinado (http://www.valdiraguilera.net/historia-do-movimento.html).

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Para dar um apoio ainda mais forte a sua conclusão, Galileu repetiu a experiência com os dois

planos inclinados desenvolvendo outro tipo de raciocínio. Observou que uma bola solta de uma

altura inicial h do plano em declive subia pelo plano em aclive até atingir aproximadamente a

mesma altura h. Quanto mais lisa a superfície, mais próxima da altura inicial h chegava a bola.

Diminuindo pouco a pouco o ângulo de aclive do segundo plano, a bola continuava atingindo a

mesma altura h, percorrendo, consequentemente, uma distância cada vez maior. Se o segundo

plano fosse substituído por um plano horizontal longo, quanto a bola percorreria para atingir a

mesma altura? Para sempre – ela nunca atingirá sua altura inicial.

Galileu desenvolveu, ainda, um terceiro raciocínio envolvendo os dois planos inclinados.

Mantendo o plano em declive sempre com a mesma inclinação, a velocidade com a qual a bola inicia

sua subida no segundo plano é a mesma, independentemente de sua inclinação. Caso o segundo

plano seja bastante inclinado a bola perderá rapidamente sua velocidade. Quanto menos inclinado o

segundo plano, mais lentamente a bola irá perder sua velocidade, rolando por mais tempo. No caso

limite do plano horizontal, quando não houver nenhuma inclinação, a bola jamais diminuirá a sua

velocidade e permanecerá em eterno movimento. Na ausência de perturbação (atrito), a bola

tenderá a manter o seu movimento eternamente, sem perder velocidade. De acordo com Galileu

essa é uma propriedade intrínseca dos objetos materiais , a qual chamou de inércia.

O conceito de inércia, que o gênio de Galileu fez nascer dessas experiências tão simples,

decretou o fim da teoria aristotélica acerca do movimento. Corpos podem se mover sem que seja

necessária a atuação de forças externas. Os resultados experimentais, por mais simples que sejam,

têm o poder de demolir o mais bem construído sistema filosófico. Desacreditada a doutrina

aristotélica sobre o movimento, a Terra já podia se mover. Estava pavimentado o caminho para

Newton, mais tarde, mostrar ao mundo um universo totalmente novo.

A partir do conceito de inércia, um movimento retilíneo e uniforme é tão natural como o

estado de repouso. Os conceitos de movimento uniforme e de repouso são, portanto, idênticos.

Referenciais em movimento uniforme ou em repouso são totalmente equivalentes e

indistingüíveis. Dizer que um corpo se encontra em movimento uniforme só tem algum significado

se esse movimento for relativo a algum ponto de referência. O princípio da relatividade foi

introduzido na ciência moderna por Galileu; segundo ele, não existe um sistema de referência

absoluto pelo qual todos os outros movimentos possam ser medidos. O raciocínio por trás do

princípio da relatividade de Galileu encontra-se extremamente bem explicado nos seu Diálogos

“Tranque-se com um amigo na cabine principal do convés inferior de um grande

navio, e leve consigo algumas moscas, borboletas, e outros pequenos animais

voadores. Leve uma tigela grande com água e peixes; pendure uma garrafa que se

esfazia gota a gota numa bacia grande debaixo dela. Com o navio parado, observe

cuidadosamente como os pequenos animais voam na mesma velocidade para todos

os lados da cabine. Os peixes nadam indiferentemente em todas as direções; a gota

cai na bacia debaixo dela. E, ao jogar algo para seu amigo, não precisa jogar com

mais força numa direção que na outra, a distância é igual. Pulando de pés juntos,

você dá passos iguais em qualquer direção.

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Quando tiver observado todas essas coisas cuidadosamente, faça com que o navio se

mova com a velocidade que desejar, desde que o movimento seja uniforme e não se

altere de um modo ou de outro. Você descobrirá que não ocorre a menor mudança

nos efeitos citados e que não se pode dizer com base em alguns deles que o navio

está parado ou em movimento”

As conclusões de Galileu a respeito de velocidade e conservação de energia lhe permitiram

desenvolver a teoria da trajetória de projéteis. Até então prevalecia a teoria de Aristóteles: um

projétil, quando atirado, segue em linha reta perdendo sua velocidade (pela ausência da força

impulsionadora); somente após cessar esse movimento retilíneo (força impulsionadora se esgotar)

o objeto irá cair verticalmente (Fig. 8). Galileu percebeu que a velocidade horizontal do projétil é

conservada, enquanto que a velocidade vertical é acelerada por ação da força de atração da Terra,

resultando em um movimento com trajetória parabólica (Fig. 9).

Fig. 8: Trajetória de projéteis segundo Aristoteles (posteriormente melhorada por Burridan)

(http://www.mlahanas.de/Greeks/AristotlePhysics.htm).

Fig. 9: Esboços de Galileu a respeito da trajetória de projéteis.

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3.3. Newton e a visão física clássica do Universo

Isaac Newton (1643-1727) deu continuidade ao raciocínio de Galileu quanto às trajetórias de

projéteis. Partindo do princípio de que a Terra seria redonda, e sabendo-se que uma maior

velocidade horizontal inicial resulta em um alcance maior (A e B na Fig. 10) , haveria uma situação-

limite em que o projétil entraria em órbita ao redor da Terra. A trajetória parabólica de Galileu se

transforma, assim, em uma órbita circular (C na Fig. 10)! Newton demonstra, dessa forma, que a

trajetória circular é uma trajetória acelerada, e que a força gravitacional da Terra é a responsável

por essa aceleração. Aumentando ainda mais a velocidade horizontal inicial a órbita esférica passa

por diversas formas elípticas (D na Fig. 10) até que o projétil escape à órbita da Terra (E na Fig. 10,

trajetórias hiperbólicas).

Fig. 10: Possíveis trajetórias de projéteis disparados da Terra. (A) e (B) trajetórias parabólicas; (C) órbita em trajetória circular;

(D) órbita em trajetória elíptica; e (E) escape em trajetória hiperbólica .

Qual seria a forma dessa força gravitacional? Através das observações de Kepler, qua já havia

demonstrado a forma elíptica das trajetórias planetárias, Newton encontra a dependência da

força gravitacional com o inverso do quadrado do raio r da trajetória. Ou seja,

. Porém,

para continuar com suas interpretações das observações de Kepler e de Galileu, Newton precisaria

introduzir dois postulados:

O espaço é absoluto – o espaço é tri-dimensional, contínuo, estático (não varia com o tempo) ,

infinito, uniforme e isotrópico (possui as mesmas propriedades independentemente da

direção considerada). “O espaço absoluto permanece, por sua própria natureza e sem relação

a qualquer coisa externa, sempre similar e imóvel”.

O tempo é absoluto – o tempo é unidimensional, contínuo, homogêneo (possui as mesmas

propriedades em todos os locais do universo) e infinito. É o receptáculo de eventos; o passar

dos eventos não afeta o fluxo do tempo. “O tempo absoluto matemático e verdadeiro flui,

por si só e por sua própria natureza, de forma homogênea e sem relação com qualquer coisa

externa”.

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Partindo desses postulados Newton formula suas 3 Leis Universais do Movimento:

Lex I: Corpus omne perseverare in statu suo quiescendi vel movendi uniformiter in directum,

nisi quatenus a viribus impressis cogitur statum illum mutare.

Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em uma linha

reta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças imprimidas sobre ele.

Lex II: Mutationem motis proportionalem esse vi motrici impressae, etfieri secundum lineam

rectam qua vis illa imprimitur.

A mudança de movimento é proporcional à força motora imprimida, e é produzida na

direção da linha reta na qual aquela força é imprimida.

Lex III: Actioni contrariam semper et aequalem esse reactionem: sine corporum duorum

actiones in se mutuo semper esse aequales et in partes contrarias dirigi.

A toda ação há sempre oposta uma reação igual, ou, as ações mútuas de dois corpos um

sobre o outro são sempre iguais e dirigidas a partes opostas.

As Leis de Newton introduzem novos conceitos físicos: massa (quantidade de matéria),

momento (quantidade de movimento), gravidade (gravitas = força).

Partindo das 3 Leis, Newton consegue explicar o Universo heliocêntrico de Copérnico, ajustado

para órbitas elípticas por Kepler, e com uma dependência

, elaborando sua Lei da

Gravitação Universal:

Seus trabalhos são publicados em 1687 na obra Princípios Matemáticos da Filosofia Natural

(Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica), mais conhecida como Principia.

É interessante observar que as Leis de Newton prevêm a existência de duas massas: a massa

inercial, que se opoe à mudança do movimento (Leis da Mecânica) e massa gravitacional, ou

massa pesada, associada ao peso de um corpo (Lei da Gravitação Universal). Newton postulou

serem essas massas iguais, apesar de não existir nenhuma razão teórica plausível para essa

equivalência, e apresentou provas experimentais (utilizando um pêndulo) para tal.

Com sua teoria, Newton conseguiu responder uma série de perguntas da época, porém deixou

aos seus sucessores um novo problema ao postular um tempo absoluto e um espaço absoluto. O

princípio da relatividade de Newton prevê que “corpos que se encontram em um determinado

espaço possuem o mesmo movimento entre si independentemente desse espaço estar em

repouso ou em movimento retilíneo uniforme”. Em conseqüência não é possível diferenciar um

espaço absoluto de outro espaço em movimento uniforme relativamente ao primeiro. O espaço

absoluto postulado por Newton leva à conclusão de que um espaço absoluto não pode realmente

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existir! Newton portanto postulou que o centro do Sistema Solar representa um ponto que se

encontra em repouso absoluto, sendo este a expressão do espaço absoluto.

Outra conseqüência fundamental do princípio de relatividade de Newton é necessidade de que

as Leis da Mecânica sejam válidas em quaisquer referenciais equivalentes (que se movimentem

uniformemente uns em relação aos outros). E foi justamente esse processo, de examinar se as Leis

da Física seriam conservadas por determinadas transformacões, que pavimentou o caminho de

nossos atuais conceitos de espaço e tempo.

4. A DESCOBERTA DE UM VALOR FINITO PARA A VELOCIDADE DA LUZ

A mecânica de Newton nos fornece toda a física que precisamos para explicar os fenômenos do

dia-a-dia, se excluirmos o eletromagnetismo. Não há, portanto, nenhuma necessidade de introduzir

leis mais complexas que as de Newton em nosso quotidiano. Será apenas com as tentativas de

entender a luz, da busca por seu meio de propagação e de se medir sua velocidade, que os conceitos

de espaço e tempo serão questionados e deverão ser reformulados.

4.1. Medidas primitivas da velocidade da luz

Galileu tentou realizar medidas da velocidade da luz colocando duas pessoas com lamparinas

nos topos de montes distantes: a primeira acenderia sua lamparina e a segunda, ao registrar a luz,

acenderia sua própria lamparina. A primeira pessoa assim registraria o tempo entre acender sua

lamparina e visualizar a lamparina da outra. Considerando-se o tempo de reação perdido, Galileu

conclui ser a velocidade da luz infinita.

4.2. Primeiras medidas astronômicas da velocidade da luz

Ole Christensen Rømer (1644-1710), astrónomo dinamarquês, estabeleceu com provas

científicas, em 1676, que a velocidade da luz é finita, ainda que bastante elevada. A determinação

de longitudes é um problema prático significativo na cartografia e na navegação, e as primeiras

tentativas de solucioná-la foram realizadas por Galileu utilizando-se dos ciclos periódicos de

eclipses obseráveis das luas de Júpiter (por ele descobertas). O método foi aprimorado por

Rømer, que realizou inúmeras observações das luas de Júpiter, e m especial da lua Io que eclipsava

a cada 28 dias em sua sombra. Rømer detectou uma diferença no período das eclipses de Io, que

chegava até a 22 minutos dependendo do ponto em que a Terra se encontrava na sua órbita em

torno do Sol (Fig. 11), e atribuiu isso à diferenca entre as distâncias da Terra a Júpiter em cada

situação. De suas observações segue a conclusão lógica: a velocidade de luz tem um valor finito!

Rømer calculou esse valor, chegando a 2,1 .108 m/s. Seu método é extremamente preciso, e se

forneceu um resultado abaixo do atualmente conhecido (3,0 .108 m/s) foi somente devido ao erro

em medir o tempo máximo de 22 minutos (o valor real é 17 minutos), conseqüência da baixa

precisão dos instrumentos de medida de tempo da época.

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Fig. 11: Diagrama de Júpiter (B) eclipsando sua lua Io (DC) visto de diferentes pontos da órbita terrestre ao redor do Sol

(publicação original de Rømer).

4.3. A aberração das estrelas e a velocidade da luz

O modelo do Universo clássico de Newton prevê a existência de estrelas fixas no céu, e que

apenas parecem se mover devido ao movimento da Terra em torno do Sol. Graças, porém, às

observações astronômicas de Jean Picard (1620-1682) ficou conhecido o fato das estrelas fixas

não possuírem um lugar fixo no céu: próximo ao Equador as estrelas se movimentam para frente

e para trás em um ciclo anual; quanto mais ao norte ou ao sul as estrelas se encontrarem mais

suas trajetórias passarão para elipses e tenderão a círculos. O ângulo com o qual as estrelas

parecem se movimentar é da ordem de 40 segundos de grau. Esse aparente movimento das

estrelas fixas ficou conhecido com a aberração das estrelas, sendo explicado em 1728 por James

Bradley, tendo como fundamento básico uma velocidade finita para a luz.

Fig. 12: Aberração das estrelas (http://www.relativitycalculator.com/star_aberration.shtml).

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Uma estrela, ao ser observada, apresenta na realidade uma localização aparente em

decorrência do tempo necessário para que sua Luz chegue à Terra e do movimento da Terra em

torno do Sol (Fig. 12). Bradley calculou a velocidade da luz através dessa aberraçã o das estrelas,

chegando a um valor bem mais preciso doque Galileu: 3,03 .108 m/s. Sua maior precisão se deve

ao fato de seus cálculos envolverem valores de ângulos, cujas medidas eram extremamente

precisas na época (ao contrário das medidas envolvendo tempo).

4.4. Primeira medida terrestre da velocidade da luz

Em 1849 Hippolyte Fizeau (1819-1896) realizou a primeira medida da velocidade da luz na

Terra, utilizando um sistema com espelhos e uma roda dentada em rotação (Fig. 13). A luz, ao

passar entre os dentes da roda, refletirá em um espelho colocado a um longa distância. Caso a

roda estiver em baixa rotação a luz retorna por entre os mesmos dentes e será detectada.

Aumentando a rotação, haverá uma velocidade de rotação em que a luz, ao retornar, encontra o

dente e é refletida: nenhuma luz é detectada. Dobrando essa velocidade de rotação, a luz, ao

retornar, encontrará o próximo espaço entre os dentes da roda, sendo novamente detectada.

Essas medidas permitiram uma detecção bastante precisa para a velocidade da luz.

Fig. 13: Esquema para determinação da velocidade da luz segudo Fizeau (http://en.wikipedia.org/wiki/File:Fizeau.JPG).

5. LUZ: ONDA OU PARTÍCULA?

Em paralelo aos questionamentos a respeito da velocidade da luz segue o questionamento

quanto à natureza da luz. As grandes contribuições nesse sentido vem dos trabalhos de ótica de

Newton e Huygens, e suas publicações estão dentre os “Grandes Livros” da história da ciência.

5.1. A luz na Grécia Antiga

Já na antiga Grécia eram conhecidos e estudados alguns fenômenos ópticos, tais como

reflexão, refração, decomposição da luz em prismas. Aristóteles (384-322 a.C.), ao que consta, foi

o primeiro a adotar a natureza ondulatória da luz: para ele a luz era uma espécie de fluído

imaterial que chegava aos nossos olhos, vindo dos objetos visíveis, através de ondas. Já Pitágoras

(~570-495 a.C.) acreditava ser a visão causada exclusivamente por algo emitido pelo olho. Alguns

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filósofos antigos, adeptos do atomismo, consideravam a luz um fogo visual composto de

minúsculas partículas com propriedades individuais, como por exemplo a cor. Euclides (~330-270

a.C.), partidário e grande defensor da teoria pitagórica, demonstrou, baseado na idéia de raio

luminoso e da propagação retilínea, as leis da reflexão.

5.2. Descoberta a lei da refração

René Descartes (1596-1650) foi outro grande cientista interessado em desvendar a natureza da

luz. Em sua opinião a luz era uma emissão de caráter corpuscular ligada a uma emissão vibratória.

Para ele a luz não possuía caráter material, mas sim o meio através do qual a luz se propagava – o

éter luminoso. Independentemente, porém na mesma época, Descartes e Snell (Willebrord

Snellius, 1580-1626) estabelecem a atual lei da refração da luz.

5.3. Descoberta a difração

Em 1665 um fenômeno interessante surge dos experimentos do padre Francesco Grimaldi

(1618-1663) ao examinar a sombra de um objeto delgado em uma câmara escura provocada por

uma luz forte ao atravessar um pequeno orifício. Ao invés de uma imagem nítida Grimaldi

observou a formação de uma sombra mais larga e composta de partes claras e escuras. Sobre isso

afirmou: “um corpo luminoso pode tornar-se obscuro quando se acrescente luz à luz que recebe”.

O fenômeno descrito – da difração – levou Grimaldi a uma concepção ondulatória da luz. Através

dessa concepção a formação de cores quando a luz atravessa um prisma é explicada pela mudança

de velocidade do movimento vibratório: “essas diferenças de cor são produzidas pelas vibrações

de um fluído que atua sobre o olho com velocidades diferentes, assim como a diversidade dos

sons é devido à vibração do ar de rapidez desigual”.

5.4. O debate dos Grandes

A relação das cores com o movimento vibratório levou Robert Hooke (1635-1703) a afirmar ser

o movimento da luz produzido por ondas perpendiculares à linha de propagação. Essa primeira

referência à transversalidade do movimento ondulatório não foi aceita na época nem mesmo

pelos defensores da teoria ondulatória da luz. Hooke e suas contribuições à ótica ficaram à sombra

dos Grandes da época: Christiaan Huygens (1629-1695) e Isaac Newton (1643-1727).

Segundo Huygens, a luz emitida por um corpo colide com as partículas do meio fino a sua

volta e que transmitirão seu movimento em sucessivas colisões como se fossem bolas elásticas.

De acordo com esse modelo a luz se propaga de forma análoga ao som, e se o som precisa de ar

para se propagar a luz também precisa de um meio: o éter luminoso (Fig. 14). A teoria

ondulatória de Huygens explica as propriedades óticas até então observadas para a luz:

propagar-se em linha reta em um meio homogêneo; ser refletida em superfícies; ser refratada

ao transpor a fronteira entre dois meios óticos transparentes distintos. Para poder explicar a Lei

da Refração, segundo a qual a luz se aproxima da normal à superfície de separação entre dois

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meios ao passar de um meio menos denso a um mais denso, Huygens precisou assumir que

nessa passagem a luz diminui sua velocidade. Em 1691 Huygens publica seus resultados no

Tratado sobre a luz (Traité de la lumière).

Fig. 14: O éter luminoso (http://en.wikipedia.org/wiki/Luminiferous_aether).

A teoria ondulatória de Huygens é fortemente contestada por parte de Newton, que a rejeita

justamente por se basear na existência de um meio de propagação para a luz. Como poderia haver

um meio no espaço, composto de partículas capazes de transmitir a luz, se o movimento dos

corpos celestes decorre sem atrito nenhum? Em 1672 Newton apresenta à Royal Society um

estudo sobre a dispersão da luz baseados em experimentos realizados com prismas. Newton

declara ser a luz branca composta de uma mistura de várias cores que correspondem a uma

variedade de partículas, cada tipo correspondente a uma cor. Sua teoria corpuscular para a luz

também explica, de forma coerente, as propriedades óticas até então observadas. Segundo a

mecânica Newtoniana as partículas de luz, ao passarem de um meio menos denso a um mais

denso, seriam aceleradas pela atração entre as massas: a velocidade da luz no meio mais denso

aumenta. Em 1704 Newton apresenta sua publicação Óptica (Opticks).

Estava montado o grande palco para a mais célebre discussão na história a respeito da natureza

da luz: de um lado o modelo ondulatório de Huygens, de outro o modelo corpuscular de Newton.

O conceito de corpúsculo, ou partícula, é completamente diferente do conceito de onda. Uma

partícula transporta matéria, uma onda não; uma partícula pode se locomover no vácuo, uma

onda necessita de um meio para se propagar (conforme se acreditava na época); uma uma

partícula não atravessa obstáculos menores que suas dimensões, uma onda atravessa obstáculos

menores que seu comprimento de onda. Para a Física Clássica luz era ou onda ou luz, e um modelo

necessariamente descartava o outro. O confronto entre as duas teorias poderia ser resolvido em

um experimento crucis com a medida da velocidade da luz em meios distindos, porém antes que

isso acontecesse uma nova contribuição fundamental decidiu seu destino.

5.5. Interferência e difração de ondas luminosas

No início do século XIX Thomas Young (1773-1829) introduz o conceito de interferência,

estabelecendo com ele uma série de bases experimentais para o modelo ondulatório para a luz.

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Por analogia da luz com as ondas do mar, ao passarem por fendas as ondas luminosas poderiam se

anular ou se intensificar, criando padrões de interferência construtiva (linhas claras) e destrutiva

(linhas escuras) (Fig. 15). Supondo que cada cor correspondia a uma onda com comprimento

próprio, Young explicou, de forma bastante simples, os anéis coloridos observáveis em bolas de

sabão (anéis de Newton). Seu modelo de luz foi, porém, incapaz de explicar o fenômeno da

difração.

Fig. 15: Esboço de Thomas Young da difração da luz por duas fendas. A e B atuam como fontes; C, D, E e F representam ondas

interferindo em várias fases. Young apresentou o resultado desse experimento em 1803 na Royal Society.

O trabalho de Young foi amplamente reproduzido e complementado por Augustin-Jean Fresnel

(1788-1827), cujas deduções matemáticas foram capazes de explicar não apenas a difração, mas

uma série de outros fenômenos óticos. Young havia proposto, em 1817, existir uma pequena

componente transversal na luz. Em 1821 Fresnel demonstra matematicamente que a polarização

da luz somente pode ser explicada se a luz for totalmente transversal, sem nenhuma componente

longitudinal.

Já definitivamente aceito, o modelo ondulatório encontra uma comprovação experimental nas

medidas da velocidade da luz no ar e na água, realizadas por Fizeau em 1849 e Foucault em 1850.

A velocidade da luz é menor na água (meio mais denso) que no ar (meio menos denso), em acordo

à teoria ondulatória de Huygens para a refração.

5.6. O éter luminoso

Estabelecido o modelo ondulatório para a luz, faz-se necessário encontrar seu meio de

propagação. Fresnel postulou ser esse meio o éter luminoso. Os experimentos de Bradley já havia

demonstrado que o éter está em repouso absoluto, representando o espaço absoluto de Newton.

O éter deveria passar através da Terra e dos corpos sem nenhuma resistência. Por outro lado, as

diferenças medidas para a velocidade da luz na água e no ar só poderiam ser explicadas se a

densidade do éter mudasse com os meios, ou seja, o éter deveria estar sendo carregado pela

matéria. Os fatos experimentais pareciam se contradizer, e a conclusão lógica seria que essas

contradições se encontrassem na própria teoria da propagação da luz. Apenas após a correta

descrição física de ondas eletromagnéticas é que as portas para resolver essa contradição foram

abertas.

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6. ONDAS ELETROMAGNÉTICAS: A VERDADEIRA NATUREZA DA LUZ

A verdadeira natureza da luz não foi decifrada por meio dos experimentos em ótica, e sim em

conseqüência das análises acerca da eletricidade e do magnetismo, ao ser estabelecida a teoria

eletromagnética.

Graças às contribuições experimentais de Charles Augustin Coulomb (1736-1806) e de Henry

Cavendish (1731-1810) já era sabido desde o meio do século XVIII que, da mesma forma que a

força gravitacional, também a força elétrica se dá ao longo da linha que une os corpos e obedece a

lei do inverso do quadrado da distância. Com uma diferença: a força elétrica pode ser de atração

ou de repulsão. Cargas opostas se atraem; cargas iguais se repelem. O magnetismo se comporta

de forma análoga, com seus polos norte e sul. Não havia, portanto, nenhum motivo para se

questionar a respeito do caráter geral do conceito newtoniano de força. Mesmo as descobertas de

Ørsted e de Ampère, conectando eletricidade e magnetismo, eram coerentes com esse conceito

geral. Até que as observações de Faraday trazem uma mudança revolucionária nessa forma de

pensar.

6.1. A descoberta da indução magnética

Michael Faraday (1791-1867) foi fundamentalmente um experimentalista, de formação

autodidata e com conhecimentos mínimos em matemática. Foi um dos primeiros a conectar, na

física, a eletricidade e o magnetismo, e em 1931 descobriu a indução eletromagnética.

Hans Christian Ørsted (1777-1851) já havia observado, em 1820, que campos magnéticos

irradiam de todos os lados de um fio carregando uma corrente elétrica. Ou seja, que correntes

elétricas estacionárias geram um campo magnético. Faraday se propôs a investigar o efeito

contrário: produzir eletricidade a partir do magnetismo. Recorrendo a uma variedade de

experimentos, sob as mais diferentes condições, Faraday percebeu que o efeito desejado somente

era produzido a partir da variação. Por exemplo, ao se variar a posição de um imã através de uma

espira, será gerada uma corrente elétrica nessa espira (Fig. 16). O sinal dessa corrente se inverte

ao invertermos o movimento do imã.

Fig. 16: Indução eletromagnética (http://faraday.ee.emu.edu.tr/EENG331/main.htm).

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Para explicar essa transmissão à distância Faraday substitui o conceito de centros de forças que

agem à distância pelo importante e revolucionário conceito de linhas de força que preenchem todo

o espaço. Faraday tinha fortes argumentos a favor do caráter físico das linhas de força: as linhas

observadas em limalhas de ferro colocadas sobre um papel em cima do imã serão exatamente as

mesmas linhas nas quais se mode movimentar um cabo condutor, sem que nele sejam produzidas

correntes elétricas por indução. E foi justamente esse conceito de linhas de campos, aliado aos

amplos conhecimentos matemáticos de Maxwell, que levou ao desenvolvimento de um modelo

exato para a teoria do eletromagnetismo e da propagação de ondas eletromagnéticas.

6.2. As leis de Maxwell

James Clerk Maxwell (1831-1869), com sólida formação matemática, inicia seus estudos sobre

eletromagnetismo investigando não apenas o modelo vetorial de centros de forças utilizado pelos

matemáticos, mas também o modelo mais descritivo das imaginárias linhas de força de Faraday.

Maxwell consegue colocar as idéias de Faraday em uma forma matemática e demonstra a

equivalência entre os resultados de ambos os modelos. Introduz o conceito de campos para

descrever o estado físico de objetos em regiões do espaço e sujeitos à ação de determinados tipos

de força. Surgem, assim, novas definições como campo gravitacional da Terra, campo elétrico de

uma carga, campo magnético de uma corrente elétrica. Maxwell amplia a descoberta da indução

de Faraday, de que um campo magnético gera um campo elétrico, para a sua recíproca: um campo

elétrico também deverá geral um campo magnético. Dessa forma os conceitos de campo elétrico e

campo magnético são unificados em um campo eletromagnético.

Supondo que em um ponto em um espaço vazio (vácuo) o campo magnético varie. Esse campo

magnético modificado irá gerar uma alteração do campo elétrico, que por sua vez irá novamente

gerar um campo magnético, e assim por diante. Haverá uma oscilação dos dois tipos de campo em

um determinado ponto no espaço conforme decorre o tempo; mas os campos também irão variar

no espaço em um determinado instante de tempo. Temos, portanto, um efeito semelhante ao

movimento das ondas do mar: um determinado ponto fixo oscila (sobe e desce) conforme decorre

o tempo; em um determinado instante de tempo as cristas e vales das ondas se intercalam.

A unificação dos campos elétrico e magnético por Maxwell levou à existência de ondas

eletromagnéticas, cuja velocidade de propagação é dada por meio das constantes elétrica (ε0) e

magnética (μ0) universais. Apesar da baixa precisão, os valores conhecidos na época permitiram

concluir que ondas eletromagnéticas se movimentam à velocidade da luz. Segundo Maxwell:

“essa velocidade é tão próxima à da luz que temos fortes motivos para concluir que a

luz em si (incluindo calor radiante e possíveis outras radiações) é uma perturbação

eletromagnética na forma de ondas, as quais se propagam de acordo com as leis

eletromagnéticas através do campo eletromagnético”.

Maxwell fez uma distinção entre luz, calor radiante e outras radiações, referindo-se às

diferentes freqüências da radiação eletromagnética. Luz seria o espectro visível (as cores). Com

calor radiante Maxwell indica o então já conhecido infra-vermelho, logo abaixo do vermelho.

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Também o ultra-violeta, logo acima do violeta, já era conhecido. Com “outras radiações” a teoria

de Maxwell desafia a criação e detecção de ondas em diferentes regiões de freqüências por mei os

elétricos. Foram ainda necessários 20 anos para que o físico Heinrich Rudolph Hertz (1857-1894)

conseguisse realizar tal experimento, gerando, em 1887, pela primeira vez na história as ondas de

rádio. Atualmente um amplo espectro eletromagnético é conhecido (Fig. 17), onde os intervalos

são caracterizados tanto por sua freqüência ν (em Hz) quanto por seu comprimento de onda λ (em

m), relacionados entre si pela equação (onde c é a velocidade da luz).

Fig. 17: Espectro eletromagnético (adaptado de http:// blogs.edf.org/climate411/wp-content/files/2007/07/ElectromagneticSpectrum.png).

6.3. O conflito entre as teorias e o jovem Einstein

Newton e Maxwell criaram, em um intervalo de 2 séculos, teorias que cobrem 2 grandes áreas

na física: os movimentos mecânicos em baixas velocidades (Newton) e os fenômenos ondulatórios

co a mais alta velocidade até então conhecida (Maxwell). Ambas as teorias são válidas em suas

respectivas áreas de atuação, porém fica a pergunta se estão de acordo entre si ou se levam a uma

contradição.

A teoria de Newton se baseia em um tempo absoluto, ou seja, se dois observadores presenciam

um mesmo fenômeno eles dirão que são simultâneos, independentemente da distância e

velocidade relativa entre esses observadores. Parte, portanto, do princípio que ambos podem se

comunicar, a qualquer momento, através de sinais que são transmitidos instantaneamente, ou

seja, a uma velocidade infinita. O sinal conhecido de mais rápida propagação é a luz, de velocidade

finita segundo maxwell. Caso puder ser demonstrado que nada se propaga a uma velocidade

maior que a da luz a mecânica de Newton terá suas bases abaladas.

Em nosso quotidiano lidamos com intervalos de velocidade para os quais a luz se propaga como

se fosse um sinal instantâneo. Para demonstrar uma incoerência entre as duas teorias seria

necessário, portanto, realizar um experimento no qual corpos se movessem em velocidades que

não fossem mais desprezíveis frente à velocidade da luz. Velocidades dessa magnitude não são

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facilmente obtidas, e ao final do século XIX parecia impossível comparar e confrontar as teorias de

Newton e de Maxwell.

E foi justamente essa confrontação a chamar a atenção de um jovem aluno que com 16 anos

havia sido considerado incapaz por seus educadores e abandonado a escola: Albert Einstein (1879-

1955). De uma forma inédita Einstein faz uso de um experimento imaginário, analisando uma

situação fora do limite do observável, chegando a um claro paradoxo. Suas palavras: “... se eu correr

atrás de um feixe de luz com uma velocidade c (velocidade da luz no vácuo), deverei observar esse

feixe de luz como um campo eletromagnético oscilante no espaço, porém parado. Algo desse tipo

parece não existir, tanto por nossas experiências quanto pelas equações de Maxwell” . Suas

investigações teórias culminam na teoria da relatividade.

Einstein também confrontou as duas maneiras na época aceitas para se descrever a energia no

espaço. Segundo a mecânica Newtoniana a energia de um corpo se concentra em seus diversos

constituintes. Já segundo a teoria eletromagnética de Maxwell a energia se estende por todo o

espaço ocupado pelo campo eletromagnético. Segue daí a idéia extraordinária de Einstein: essa clara

distinção entre o discreto e o contínuo – entre a partícula e o campo – poderia ser degenerada no

mundo atômico. A luz, que no mundo ondulatório é descrita por um campo, poderia também

apresentar propriedades de partícula. Einstein escreveu: “... na propagação de um feixe de luz,

oriundo de um ponto, a energia não será continuamente distribuida em espaços cada vez maiores, e

sim será composta de um número finito de quanta de energia em pontos localizados do espaço, os

quais se movimentam sem se dividir, podendo apenas ser absorvidos e gerados como um todo”.

A energia de um quantum de luz, ou fóton, é proporcional à freqüência de sua onda! Essa relação

já havia sido introduzida 5 anos antes pelo físico e prêmio Nobel Max Planck (1858-1947) para

descrever a relação entre a temperatura de um corpo e a cor da luz por ele irradiada (radiação de

corpo negro). Planck, porém, não havia dado continuidade a essa maneira de visualizar a energia

luminosa como se propagando na forma de partículas. Einstein demonstrou a força desse seu

conceito através do experimento conhecido como efeito fotoelétrico.

Em 1905 Einstein publica seus 3 trabalhos revolucionários – efeito fotoelétrico, que lhe valeu o

prêmio Nobel em 1921; teoria do movimento Browniano; teoria da relatividade especial – pondo um

fim definitivo à Física Clássica Newtoniana e redefinindo os conceitos de espaço e tempo dentro da

Física Moderna.

Fontes

1. Raum und Zeit: eine physikalische Zeitreise – Othmar Marti (http://wwwex.physik.uni-ulm.de/vortraege/zawiw99/

RaumZeit.pdf)

2. Uma pequena história do movimento – Valdir Aguilera (http://www.valdiraguilera.net/historia-do-movimento.html)

3. Einstein - Uma Luz sobre a Luz – Si lvia Helena Mariano de Carvalho (http://fisica.cdcc.sc.usp.br/Professores/Einstein-

SHMCarvalho/)

4. Einstein’s Legacy: The Unity of Space and Time – Julian Schwinger (Dover Publications)

5. A Cultural History of Physics – Karoly Simonyi (A K Peters/CRC Press)