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Uma introdução à Bíblia - ELIEZER ESTUDOS BIBLICOS ... · ler a Bíblia. Ele havia chegado às suas conclusões estudando geografia, história e métodos científicos para interpretar

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Uma introdução à Bíblia PORTA DE ENTRADA

Volume 1

lido Bohn Gass (Org.)

Digitalizado por: Jolosa

2012

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© Centro de Estudos Bíblicos - 2002 Rua João Batista de Freitas, 558 B. Scharlau - Caixa Postal 1051 93121-970 São Leopoldo/RS Fone: (51) 3568-2560 Fax: (51) 3568-1113 [email protected] www.cebi.org.br

© PAULUS - 2002 Rua Francisco Cruz, 229 04117-091 - São Paulo/SP Fone: (11) 5084-3066 Fax: (11) 5579-3627 http://www.paulus.com.br [email protected]

Elaboração: Eliseu Hugo Lopes e lido Bohn Gass

Revisão: Francisco Orofino, José Edmilson Schinelo, Luiz José Die-trich, Maria Soave Buscemi, Monika Ottermann, Remi Klein, Sebas-tião Armando Gameleira Soares

Capa: Jair de O. Carlos

Editoração: Rafael Tarcísio Forneck

Ia edição: 2002 2a edição: 2011 3a edição: 2012

ISBN: 978-85-7733-136-9

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Sumário

Centro de Estudos Bíblicos - CEBI: A serviço da leitura liberta-dora da Bíblia 5

Introdução 8

Para início de conversa 9

1 A Bíblia é "luz" para nosso caminhar 9

2 Bíblia, um volume com muitos livros 14

3 A Bíblia é como uma colcha de retalhos 17

4 Algumas diferenças entre o Primeiro e o Segundo Testamentos 18

5 Livros canónicos 20

6 Autoria dos livros da Bíblia 25

7 Bíblia, Palavra de Deus na palavra humana 27

8 Há erros na Bíblia? 36

9 Historicidade dos fatos 38

10 Linguagem bíblica 44

11 Traduções da Bíblia 48

12 Citações da Bíblia 52

13 Universalidade da revelação 55

14 A Bíblia, uma obra em mutirão 58

15 Onde viveu o povo da Bíblia 61

16 Distintas épocas estão por trás da Bíblia 69

17 Histórias da redação dos livros da Bíblia 89

Conclusão 93

Sugestão de leitura 93

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Centro de Estudos Bíblicos - CEBI

A Serviço da leitura libertadora da Bíblia

Certo dia, nos anos sessenta, numa comunidade pobre no interior do Brasil, um estudioso da Bíblia explicava a lei bíblica que proíbe co-mer carne de porco (livro do Levítico, capítulo 11, versículo 7 e livro do Deuteronômio, capítulo 14, versículo 8). Dizia que esta lei nasceu no deserto. No calor forte e sem condições de obter o sal, a carne de porco estragava, e o povo que a comesse naquela situação poderia morrer. Esta lei visava defender a vida da comunidade.

Escutando isso, uma pessoa ali presente disse: "Então hoje, com essa mesma lei, Deus nos manda comer carne de porco!". Diante do as-sombro causado por esta conclusão, o agricultor, com as mãos calejadas e com o rosto queimado pelos muitos anos de Juta pela vida, explicou: "Hoje a única carne que nós temos para nós e nossos filhos são os porqui-nhos que nós mesmos criamos. Se aquela lei era para defender a vida da comunidade, então, para defender a vida de nossas crianças e de nossa co-munidade hoje, Deus nos manda comer carne de porco!".

Assim surgia diante dos olhos daquele biblista um novo jeito de ler a Bíblia. Ele havia chegado às suas conclusões estudando geografia, história e métodos científicos para interpretar as Escrituras. Mas aquele homem simples, a partir da realidade dura e pobre em que vivia e da sua luta em defesa da vida de sua gente, fez uma interpretação muito mais profunda do texto. Descobriu o Espírito de Deus por trás daquelas pala-vras antigas e, ao mesmo tempo, trouxe este Espírito, a defesa da vida, para o momento presente e para sua situação concreta. Dessa experiên-cia nasceu um novo método de leitura da Bíblia. A leitura a partir da rea-lidade e em defesa da vida, que ficou conhecido como a "Leitura Popular da Bíblia".

Para divulgar, aprimorar e capacitar pessoas no uso desse método, foi fundado em 1979 o Centro de Estudos Bíblicos - CEBI. O CEBI é uma associação ecumênica sem fins lucrativos, formada por mulheres e

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homens de diversas denominações cristãs, reunidos pelo propósito de captar e fortalecer esse jeito de ler a Bíblia, para que junto com Jesus pos-samos orar: "Pai, eu te agradeço porque escondeste essas coisas dos sábios e entendidos e as revelaste aos pequenos. Sim, Pai, assim foi do teu agra-do!". (Evangelho de Mateus, capítulo 11, versículo 25).

O CEBI, que em 2009 completou 30 anos, atinge milhares de grupos e comunidades, ajudando o povo a reapropriar-se da Bíblia, en-contrando nela luz e ânimo para resistir às dificuldades, lutar por vida mais digna e recuperar a esperança.

Para alcançar estes objetivos, o CEBI se articula e se organiza a partir dos municípios e mantém dois programas em nível nacional. O Programa de Formação promove a capacitação de lideranças populares, agentes de pastoral e assessores, desde o nível local até o nacional. Abor-da as seguintes dimensões: 1. "Espiritualidade" - busca na Bíblia e na vida as motivações que alimentam a fé e a solidariedade com os excluí-dos. 2. "Ecumenismo" - possibilita atitude de abertura, diálogo e res-peito para com o diferente em vista da unidade na pluralidade. 3. "Cidadania" - cria o compromisso com a reconstrução da dignidade e da esperança nas cidades. 4. "Gênero" - propõe um novo tipo de relacio-namento entre mulheres e homens. 5. "Estudo" - organiza encontros, cursos e seminários, além de outras atividades.

Já o Programa de Publicações produz material que responde às exigências da formação bíblica, quer quanto ao conteúdo, quer quanto ao método. As publicações querem partilhar as experiências de leitura bíblica nas bases e subsidiar os grupos de estudo nos mais diferentes ní-veis. A mais conhecida das publicações do CEBI é a revista bimensal Por Trás da Palavra, que sempre vem acompanhada por dois estudos bíbli-cos da série A Palavra na Vida.

Além destes programas, há o Serviço de Articulação e Intercâm-bio, que visa ajudar na articulação de todos os grupos que promovem a le-itura da Bíblia numa perspectiva popular e libertadora não só em nível latino-americano, mas também na África e no Primeiro Mundo.

O CEBI está organizado em todos os Estados do Brasil. Existe uma articulação em nível de poios regionais. Por sua vez, cada Estado tem sua coordenação. Além disso, há subdivisões em cada uma das fede-

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rações. São as sub-regiões, setores ou núcleos. Cada uma dessas instâncias planeja e organiza suas atividades de formação bíblica:

Maiores informações você poderá buscar junto ao CEBI em seu Estado ou junto ao CEBI Nacional: Caixa Postal 1051 - Bairro Scharlau - São Leopoldo/RS - CEP 93121-970 - Fone: (51) 3568-2560 - Fax: (51) 3568-1113 - E-mail: [email protected] http://www.cebi.org.br

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Introdução

Este é o primeiro volume da nova série do CEBI "Uma Introdu-ção à Bíblia". É mais uma publicação a serviço da leitura libertadora da Bíblia. A série completa, além de questões introdutórias, vai abranger as grandes etapas da história que deu origem à Bíblia.

Originalmente, o conteúdo desta série foi escrito para o Curso de Bí-blia por Correspondência promovido pelo CEBI. A Equipe de Formação do CEBI decidiu publicar o conteúdo do curso em uma nova coleção, por-que achou que poderia ser útil a outras pessoas engajadas no movimento de leitura popular das Escrituras, uma vez que somente têm acesso aos cader-nos do Curso por Correspondência as pessoas nele inscritas.

Sempre chamaremos de Primeiro e Segundo Testamentos o que habitualmente costuma se chamar de Antigo e Novo Testamentos. O Primeiro corresponde às Escrituras que nos vêm dos judeus, enquanto o Segundo são os escritos das comunidades de discípulos e discípulas de Jesus. Por um lado, é uma atitude de respeito para com o povo judeu. Por outro, é porque continuamos lendo a Aliança de Deus com os israe-litas como um momento-chave da sua revelação na história humana e não apenas como algo já "velho", já superado, mas sim como algo que tem ainda muito a nos dizer hoje.

Nesta série, em vez de fazer um estudo dos livros da Bíblia na or-dem em que se encontram, desde o livro do Gênesis até o Apocalipse, propomos fazer uma caminhada com o povo da Bíblia através da sua história e, dentro dela, situar o surgimento dos livros bíblicos. Nossa proposta de leitura da Bíblia situa os textos das Escrituras dentro do seu contexto, da sua história. Achamos isso importante, porque pensamos que a leitura histórica é fundamental para a correta compreensão da Bí-blia e para a escuta da Palavra de Deus em nosso cotidiano.

Para servir de "Porta de Entrada" ao estudo da Bíblia, neste volu-me, você poderá encontrar uma série de questões introdutórias, como constam no sumário.

Boa leitura!

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Para início de conversa

Antes de ler qualquer coisa, comece pensando nestas perguntas. 1. Qual a tradução da Bíblia que você mais usa? 2. Você conhece outras traduções? Quais? 3. O que a Bíblia significa para você? 4. Você já encontrou gente que critica a Bíblia? O que é que essas

pessoas criticam? (Lembre algumas coisas que essas pessoas dizem criti-cando a Bíblia!)

5. E você, quando lê a Bíblia, quais as perguntas ou dificuldades principais que tem?

6. Você já deve ter conversado com pessoas que leem a Bíblia, mas acham difícil. Quais as coisas que essas pessoas acham mais difíceis de entender? (Lembre as principais dificuldades que as pessoas falam!)

1 A Bíblia é "luz" para nosso caminhar

Desde o nascimento do CEBI, nossa preocupação primeira não foi aproximar-nos das Escrituras para simplesmente adquirir mais co-nhecimentos teóricos. Para isso, já há vasto material publicado. O que era e continua sendo nossa meta é ajudar naquilo que a comunidade is-raelita sintetizou tão bem no versículo 105 do Salmo 119. Ou seja, nos-sa intenção é colaborar com a força do Espírito nesse grande mutirão que quer tornar realidade ainda hoje o que de fato significa a Palavra de Deus.

Sim, a leitura da Bíblia quer nos ajudar em nossos dias a perceber a presença viva de Deus, do seu sonho de vida e esperança, de paz e solidariedade. Por isso, a Palavra de Deus é, aci-ma de tudo, como a luz de um farol que indica o caminho por onde andar. Mas não apenas ilumina. E também luz que aquece nossa esperança. Nela encontramos sentido para nossas vidas.

"Tua Palavra é lâmpada para os

meus pés e luz para o meu caminho

(Salmo 119,105)

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O texto que mais nos tem ajudado a descobrir o papel das Escritu-ras na vida das comunidades é a história narrada no Evangelho segundo Lucas, capítulo 24, versículos 13 a 35. Aí nos é relatado que Cleófas e tal-vez-sua mulher Maria (veja no Evangelho de João, capítulo 19, versículo 25) estão fugindo de Jerusalém para Emaus, após o assassinato de Jesus.

Antes de seguir a leitura nesta página, convidamos você a ler esse trecho na sua Bíblia (Lucas, capítulo 24, versículos 13 a 35).

Responda as perguntas: Como Jesus faz uso das Escrituras?

Com que finalidade? É suficiente a memó-ria das Escrituras para devolver a esperança àquele par de discípulos?

Antes de mais nada, convém lem-brar que Jesus recorre à Bíblia para ilumi-nara realidade de sofrimento, de angústia, de vida sem perspectivas daquelas duas pessoas. Os discípulos de Emaús resumem a situação de todas as comunidades da época. Jesus não quer simplesmente aumentar a cultura bíblica daquela gente. Mas pretende transformar sua vida. E de fato consegue. Porém, com o auxílio das Escrituras, consegue somente em parte, como eles mesmos reconhecem (leia de novo o versículo 32). A leitura da Bíblia, embora aqueça o coração, ainda não é suficiente. Algo falta. E o que de fato abre os olhos é uma nova prática (veja o versículo 31). O novo jeito de ser consiste na hospitalidade e na partilha realizadas naquela comuni-dade. Ao compartilharem sua casa com o forasteiro e partilharem sua mesa com ele, só então, estando o coração já aquecido pelas Escrituras, seus olhos se abrem e percebem a presença de Jesus em seu meio. Ime-diatamente, voltam para a comunidade de Jerusalém e anunciam a boa-nova da vitória da vida sobre a morte.

Nosso curso quer ser um pouco como a história de Emaús. Quer esquentar nossos corações, isto é, nos dar esperança, alimentar nossa mística, nossa espiritualidade. Mas não basta somente ter esperança. Importa torná-la realidade no dia-a-dia de nossas vidas, reforçando e es-tabelecendo relações de partilha e de solidariedade. O Reino de Deus já

As Escrituras iluminam a vida, a realidade.

"Esquentam corações

A prática da solidariedade faz enxergar Deus na

vida. "Abre os olhos/'

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está em nosso meio, mas é preciso que vá se ampliando e se traduzindo em um novo jeito de conviver, mais humano e mais fraterno.

Bíblia, vida e comunidade

Costumamos dizer que leitura da Bíblia é como uma mesa. Essa figura nos traz à mente várias imagens.

Um primeiro aspecto é que a mesa está com os pés no chão. Quando isso não acontece, ela não fica firme e, ao balançar, pode até derrubar o que está sobre ela. O que queremos dizer com isso? Para se ler a Bíblia com proveito, é importante ter os pés bem fincados na nossa vida pessoal, bem como na vida sofrida do povo. É em função da nossa vida real que vamos ao texto sagra-do. Queremos buscar luzes, motivações, força, ânimo, enfim, a vontade de Deus para transformar nossas vidas e a vida nas Igrejas e na sociedade, a fim de que estas se pareçam um pouco mais com o Reino de Deus.

Uma segunda imagem que nos vem à mente é que não se faz a mesa para colocá-la no canto da sala, mas no meio, de modo que as pes-soas possam se postar ao seu redor. A mesa sugere comunhão, comuni-dade. Ali se partilham o pão cotidiano, ideias, lazer, sentimentos. Assim também a leitura bíblica certamente será mais rica se feita em comunidade, "ao redor de uma mesa". Trocam-se ideias, amplia-se a compreensão do texto a partir de diferentes contribuições. Há um crescimento mais quali-ficado que só é possível em comunidade. A Bíblia teve um longo processo de formação. Foi um grande mutirão. E, lendo-a hoje também em muti-rão, certamente seus frutos serão maiores e mais saborosos.

Uma última imagem que aqui queremos evocar é que raramente se encontra uma mesa sem que haja, pelo menos, um vaso com flores, uma toalha ou um prato sobre ela. Queremos dizer com isso que na mesa da comunidade não pode faltar a Bíblia.

"Tudo o que lemos na Bíblia foi escrito para nos instruir e

para manter firme a nossa esperança, com a força e a coragem que as

Escrituras nos dão." (Caria aos Romanos,

capítulo 15, versículo 4)

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A leitura das Escrituras tem de ser feita com muito respeito e fideli-dade ao texto, com os pés firmes no chão da realidade e em comunidade. Só assim é que se chega a escutar a Deus. Pois ele é um Deus que continua se manifestando para nós, não só através da Bíblia, mas também através das pessoas e dos acontecimentos de nossa época. Lida assim, a Bíblia so-bre a mesa é como luz que ilumina e aquece, cujos raios de vida atingem quem está a seu redor bem como pessoas que estão mais distantes.

Critério principal para ler a Bíblia: defesa e promoção da vida

Para nós, pessoas cristãs, o critério fundamental, a principal chave de interpretação para ler as Escrituras é a pessoa de Jesus Cristo. E ele mesmo resume magistralmente o princípio que deve sempre nos orien-tar. Ele mesmo diz qual é o critério para compreender a Palavra de Deus presente nas palavras humanas, escritas pelo povo de Israel. É a história desse povo, feita junto com seu Deus, que está registrada na Bíblia. O critério central que Jesus nos fornece é a defesa da vida. Defesa da vida em qualquer situação em que ela se encontre diminuída, seja na doença, na exclusão, na pobreza, na própria morte.

Confira essa prática de Jesus, por exemplo, no Evangelho segun-do Marcos, capítulo 3, versículos 1 a 6, ou no Evangelho de Mateus, ca-pítulo 25, versículos 31 até 46! Ou ainda no Evangelho segundo João, capítulo 10, versículo 10, onde podemos ler: "Eu vim para que tenham a vida, e a tenham em abundância'.

A letra do texto, seu sentido literal, é muito importante, mas im-porta acima de tudo buscar o seu sentido, o seu espírito. Assim escreve o apóstolo Paulo em sua Segunda Carta aos Coríntios, no capítulo 3, ver-sículo 6: "[...] a letra mata, mas o Espírito é que dá vida".

Leia agora o Salmo 1 e veja como ele nos coloca diante de dois projetos, o do justo e o do ímpio!

As Escrituras querem justamente nos mostrar o caminho da justi-ça. Na linguagem dos autores do livro do Deuteronômio, optar entre um caminho e outro é optar entre a vida e a morte.

Confira em Deuteronômio, capítulo 30, versículos 15 a 20!

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Leia a Segunda Carta aos Coríntios, capítulo 3, versículos 2 a 3 e 12 a 18, e reflita sobre estas perguntas:

1. Que quer dizer que a comunidade é "uma carta de Cristo"? 2. Que significa que essa carta é escrita "em tábuas de carne, nos

corações"? 3. Sobre a letra da Bíblia tem sempre um véu, quer dizer, tem

sempre alguma coisa obscura que a gente não compreende. Como esse véu é retirado?

4. Por que só em Cristo o véu é retirado? 5. Por que "onde se acha o Espírito do Senhor, aí está a liberdade"? 6. Que quer dizer que "refletimos como num espelho a glória do

Senhor"?

Poderíamos também desenhar esse jeito de ler a Bíblia como um triângulo. O texto está no centro, mas ele só nos fala como Palavra de Deus se nós o lemos a partir do contexto da vida donde ele nasceu (a história do povo da Bíblia) e aonde ele chega (a história do povo de hoje). Gostamos de falar do triângulo da leitura, ou triângulo da interpretação, ou ainda triân-gulo hermenêutico. "Hermenêutica" é uma palavra que vem da língua gre-ga e quer dizer simplesmente interpretação.

Realidade da PESSOA

Realidade Realidade da COMUNIDADE da SOCIEDADE

Se estudarmos o texto somente a partir da realidade da Pessoa, da Comunidade e da Sociedade da época que deu origem aos escritos bíbli-cos, então fazemos apenas uma interpretação do texto em si, isto é, uma exegese.

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O processo hermenêutico só estará completo quando interpretar-mos e atualizarmos a mensagem daquela época para a realidade da Pes-soa, da Comunidade e da Sociedade de hoje. A busca da mensagem do texto para a época em que foi escrito é importante. Mas essa mensagem iluminará mais nossa caminhada, na medida em que a atualizarmos para nossa realidade hoje.

Para você continuar a reflexão

1. Com que objetivos Jesus recorre às Escrituras? 2. O que mais, além da Bíblia, é necessário para "abrir os olhos"? 3. Explique as razões pelas quais achamos importante levar em

conta a realidade da pessoa, da comunidade, da sociedade e o texto bí-blico na leitura das Escrituras.

4. Para nós, pessoas cristãs, em que consiste o critério fundamen-tal para ler a Bíblia?

5. Quais são suas motivações para aprofundar o estudo das Escrituras?

6. Neste primeiro item ("A Bíblia é luz para nosso caminhar"), o que você achou mais importante? Por quê?

2 Bíblia, um volume com muitos livros

5 LIVRQ5 DP PENTftTEVÇQ

16 LIVROS HISTÕBlCCa.

jj 5551 ÊBflBai!Lft̂ LEs&:

Os 73 livros da PRIMEIRO TESTAMENTO

"Bíblia Católica"

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Bíblia significa livros

A palavra Bíblia é uma palavra grega que está no plural e significa livros. Embora seja um volume só, a Bíblia contém muitos livros, é uma coleção de livros. E uma verdadeira biblioteca. A "Bíblia Católica" con-tém 73 e a "Bíblia Evangélica" contém 66 livros.

A Bíblia é uma coleção de livros escritos em épocas diversas, por autores diferentes e em várias formas de linguagem.

Diferença entre a Bíblia Evangélica e a Católica

Como você já sabe, a Bíblia se divide em dois grandes blocos. O Primeiro Testamento e o Segundo Testamento.

No Primeiro, estão os livros escritos antes de Jesus Cristo (a.C.) que narram a caminhada do povo israelita junto com seu Deus.

No Segundo Testamento, estão os livros escritos depois de Cristo (d.C.), narrando a caminhada de Jesus e das primeiras comunidades cristãs.

A diferença entre a "Bíblia Católica" e a "Bíblia Evangélica" só está no Primeiro Testamento, pelo fato de os evangélicos adotarem a "Bíblia Hebraica", que só contém os livros escritos em hebraico. Já a "Bíblia Católica" possui sete livros a mais. São livros que foram escritos em grego ou cujo original hebraico se perdeu e que só se encontram na tradução grega da Bíblia, feita pelos judeus a partir do século III a.C.

Você pode ler sobre essa tradução para o grego dando uma olhada na parte introdutória ao livro do Eclesiástico, que está somente na "Bí-blia Católica". Ali, o autor explica que é a tradução grega de um texto es-crito em hebraico pelo seu avô.

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Os sete livros que somente se encontram na "Bíblia Católica" são: Tobias, Judite, os dois livros dos Macabeus, Baruc, Sabedoria e Eclesiástico.

Além desses livros, ainda existem passagens que originalmen-te foram escritas em grego e que se encontram nos livros de Ester e de Daniel. Por isso, essas passagens só estão na "Bíblia Católica" e não constam na "Bíblia Evangélica".

Em Daniel, são os capítulos 13 e 14, bem como os cânticos de Azarias e dos três jovens na fornalha, acrescentados ao capítulo 3.

O texto de Ester apresenta duas formas: a hebraica (capítulos 1 a 10), mais curta, e a grega, com vários acréscimos e ampliações. Na Septuaginta, a tradução grega da Bíblia, também chamada em português de "Setenta", os acréscimos gregos estão inseridos na in-trodução, após o capítulo 3, versículo 13; capítulo 4, versículo 16; capítulo 8, versículo 12 e capítulo 10, versículo 3. (Sobre a Septua-ginta veremos maiores explicações no item "Traduções da Bíblia").

Nas edições mais modernas da "Bíblia Católica", essas passa-gens em Ester e Daniel aparecem com letras de tipo diferente.

É bom saber que essa diferença entre a "Bíblia Católica" e a "Bíblia Evangélica" tem a seguinte origem: no tempo da Reforma Protestante, no início do século XVI d.C., na mesma época do descobrimento ou da inva-são do Brasil pelos portugueses, era muito forte o entusiasmo por redesco-brir a cultura da Antiguidade. Foi o tempo em que, na Europa, se redescobriram as obras de arte e de literatura da Grécia, de Roma, etc. Havia a ideia de "voltar às fontes" mais antigas. Outra razão é que algu-mas práticas da Igreja Católica combatidas por Lutero eram legitimadas re-correndo-se a textos desses livros do cânon grego. Esse clima influenciou a Igreja e, por isso, Lutero defendeu a ideia de que era preciso voltar ao texto hebraico do Primeiro Testamento, que era o mais antigo da Bíblia.

Mas Lutero também recomendou a leitura de todos os livros, também dos sete que só estão em grego. Dizia que eram muito úteis para alimentar a fé e a piedade. Nas edições ecumênicas atuais da Bíblia já aparecem todos os livros. É interessante lembrar que a Bíblia das diver-sas Igrejas Orientais é mais ampla ainda que a Católica.

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Para você continuar a reflexão

Qual é a diferença entre a "Bíblia Evangélica" e a "Bíblia Católica"?

3 A Bíblia é como uma colcha de retalhos

Todos nós conhecemos bonitas colchas de retalhos com diferen-tes figuras e formas. Olhando de longe, a gente vê aquela unidade har-moniosa da figura. Olhando mais de perto, a gente percebe cada retalho, todos diferentes uns dos outros, mas que compõem a unidade do conjunto.

A Bíblia também é assim. Tem uma unidade que é o Plano de Deus. Mas na composição dessa unidade entram os diferentes livros. Diferentes na extensão, na origem, no jeito de escrever ou gênero literário, nos autores, no tempo em que foram escritos, no conteúdo, em tudo. É fácil verificar. Geralmente, no começo da Bíblia, está o "índice geral" com os vários tí-tulos das coleções: Pentateuco, Livros Históricos, Livros Sapienciais, Li-vros Proféticos, etc. A variação entre eles é muito grande. Mesmo no interior de vários livros bíblicos, nós temos colchas com retalhos muito variados.

Veja como o índice de sua Bíblia classifica os diferentes livros em coleções.

Mas o que mais impressiona quando a gente lê a Bíblia é a desco-berta de que essa "colcha de retalhos" está em nossa casa. Isso por que a Bíblia é também como um grande espelho de parede em que o nosso rosto está refletido. E ainda como um álbum de família que guarda a memória do passado. Lendo-a, muitas vezes reconhecemos que nossa vida está dentro dela ou ela está falando para nós.

Para você continuar a reflexão

Explique suas ideias sobre essa comparação das Escrituras com uma colcha de retalhos.

O Plano de Deus mantém a unidade entre os livros da

Bíblia tão diferentes entre si.

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4 Algumas diferenças entre o Primeiro e o Segundo Testamentos

Antes e depois de Cristo

Uma primeira diferença é o tempo em que foram escritos, antes de Cristo e depois de Cristo.

Duração do tempo de redação: 1000 anos para o Primeiro e 100 para o Segundo

Outra diferença é o tempo que levaram para ser escritos. Enquanto o Primeiro Testamento levou uns mil anos para ser escrito, o Segundo foi escrito no período de uns cem anos apenas. Geralmente, o processo é o seguinte: o fato acontece, é transmitido de boca em boca por tradição oral, espalha-se por vários grupos em lugares diversos, é celebrado e só depois é fixado por escrito.

Esse processo, abreviado no Segundo Testamento, foi muito lon-go no Primeiro. Por exemplo, a história de Abraão, tal como a lemos na Bíblia, foi escrita vários séculos depois de sua vida e após passar por várias etapas de redação em épocas diferentes. Abraão deve ter vivido mais ou menos uns 1.500 anos antes de Cristo, e o livro do Gênesis, onde está narrada a sua memória, teve o início de sua redação ao redor de 950 a.C. e sua redação final por volta de 400 a.C.

No Primeiro, a maioria são livros. No Segundo, a maioria são cartas

Outra diferença ainda é que os livros do Primeiro Testamento podem ser considerados, de fato, como "livros", embora alguns sejam curtinhos, como as profecias de Abdias (Obadias, na Bíblia Evangélica) e Ageu. No Segundo Testamento, a maioria são cartas, algumas muito breves, que não passam de bilhetes, como a Carta a Filemon, de Judas, a Segunda e a Terceira Cartas de João. Entre seus 27 livros, 21 são cartas. É verdade que algumas, como a Carta aos Romanos, aos Efésios, aos Hebreus, a Carta de Tiago e a Primeira Carta de João, têm exposição doutrinária mais extensa, não parecendo cartas. São mais longas e estão

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recheadas de sermões. De todas, a que tem menos o estilo de carta é a Epístola aos Hebreus.

No original, a maior parte do Primeiro foi escrito em hebraico. Todo o Segundo, em grego

Mais uma diferença: o Segundo Testamento foi todo escrito em grego, enquanto a maioria dos livros do Primeiro foram escritos em he-braico e algumas partes em aramaico. Os que foram escritos em grego (Tobias, Judite, 1 e 2 Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc) não fa-zem parte da Bíblia hebraica, adotada pelas Igrejas Evangélicas.

Quase todo o Primeiro foi escrito em Israel. O Segundo foi escrito em vários lugares

Há também diferenças de cultura e de lugar. A maior parte do Primeiro Testamento foi escrito em Israel. Só o livro do profeta Ezequiel, o do 2o Isaías (capítulos 40 a 55), partes do Pentateuco, bem como al-guns Salmos foram escritos na Babilônia. Já os livros do Segundo Testa-mento foram escritos em vários lugares com situações diferentes: Síria, Grécia, Ásia Menor, Roma.

O Segundo é uma interpretação do Primeiro à luz do evento Jesus

Muitas pessoas acham difícil o Primeiro Testamento. Por isso, não querem estudá-lo. Preferem ficar somente com o Segundo Testamento. Mas é muito importante também estudar o Primeiro Testamento, uma vez que sem ele não podemos compreender bem o Segundo Testamento. Um é a continuação do outro. O Segundo é como que uma reinterpreta-ção do Primeiro à luz do evento Jesus. Quem escreveu o Segundo supõe que a gente já conheça o Primeiro. A todo momento há citações, referên-cias e alusões. Quem não conhece fica sem aproveitar bem.

Agora, pegue sua Bíblia e procure perceber que nela temos livros mais curtos, como, por exemplo, Abdias, Naum, Ageu, Carta a Filemon, Segunda e Terceira Cartas de João, Carta de Judas. Há também livros mui-to extensos, como Jó, Salmos, Eclesiástico, Isaías, Jeremias, Ezequiel.

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Para você continuar a reflexão

Liste algumas diferenças entre o Primeiro e o Segundo Testamentos.

5 Livros canónicos

Livros reconhecidos como inspirados para servirem de guia para nossa caminhada

"Cânon" é uma palavra grega que quer dizer "cana", instrumento usado para medir. Cânon, portanto, quer dizer "medida", "régua", "norma" ou "lista". No uso da Igreja, o termo passou a designar as nor-mas de fé e as regras de vida.

O cânon bíblico é a relação dos livros reconhecidos pela Igreja como inspirados, propostos pelo magistério eclesiástico aos fiéis como Palavra de Deus. Livros canónicos são, pois, aqueles considerados na "medida certa" da Palavra de Deus, isto é, aqueles que foram reconheci-dos como inspirados por Deus e formam o conjunto da Sagrada Escritu-ra. Por isso são a "medida" para avaliar a fidelidade da nossa caminhada. A intenção principal foi selecionar um conjunto de escritos que servissem de guia à nossa caminhada de fé. Ajudam a julgar se estamos ou não no mesmo rumo que seguiram nossos antepassados, como você pode con-ferir no capítulo 11 da Carta aos Hebreus.

No Primeiro Testamento

O cânon tem uma longa história e não é o mesmo para todas as denominações cristãs. Pelo ano 400, Jerônimo, que coordenou a tradu-ção da Bíblia para o latim, chamou os 7 livros que não constam na "Bí-blia Evangélica" de "deuterocanônicos". Deutero, em grego, significa segundo. Então, deuterocanônico significa, por assim dizer, "canónico de segunda lista". Note-se que alguns desses livros, como Judite, Tobias e Eclesiástico, foram escritos originalmente em hebraico. Quando os ra-binos fixaram a lista dos livros sagrados, nos anos 80 d.C., eles ficaram excluídos do cânon judaico, porque só havia cópias em grego.

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Para as primeiras comunidades cristãs, não há dúvida de que a versão grega da Bíblia dos judeus, a Septuaginta, incluindo os 7 livros deuterocanônicos, constituía o Primeiro Testamento da Igreja. Prova-velmente, foi adotada porque o grego era a língua mais comum nas re-giões em torno do Mar Mediterrâneo. A partir do século IV, alguns Pais da Igreja, como Jerônimo, possivelmente por influência de rabinos, co-meçaram a questionar a presença dos livros deuterocanônicos no cânon bíblico. Essa polêmica durou pelo menos até o século XVI, quando a Reforma Protestante adotou somente o cânon hebraico para o Primeiro Testamento. Na ocasião, o Concílio de Trento, em 1546, definiu que os livros deuterocanônicos deveriam ser aceitos pelos católicos "com igual devoção e reverência".

No Segundo Testamento

A primeira definição de um cânon para o Segundo Testamento surgiu num documento ao redor do ano 200. Ali se omitiam as Cartas aos Hebreus, de Tiago e as duas de Pedro.

Até o século VI, alguns Pais da Igreja continuavam levantando dú-vidas sobre as cartas aos Hebreus, de Tiago, as duas de Pedro, a Segunda e Terceira de João, a de Judas e sobre o Apocalipse. As razões para as dúvi-das são as seguintes: Hebreus e a Segunda Carta de Pedro têm um estilo diferente das Cartas de Paulo e da Primeira de Pedro respectivamente. Em Tiago e Judas, algumas questões doutrinais pareciam suspeitas. A te-mática da Segunda e Terceira Cartas de João parecia sem importância. O Apocalipse parecia muito obscuro. Depois do século VI, a polêmica vol-tou com mais intensidade na Reforma Protestante do século XVI. Diante da polêmica com os reformadores, a Igreja Católica reafirmou o cânon tradicional do Segundo Testamento no Concílio de Trento em 1546.

Os livros canónicos são "suficientes" para orientar os fiéis na fé

Já sabemos que os livros do Primeiro Testamento escritos ou en-contrados só em grego são considerados canónicos pela Igreja Católica Romana, mas não pelas Igrejas Protestantes. Para cada denominação

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cristã, os livros por ela canonizados são considerados normativos para sua fé. A canonicidade é uma declaração de "suficiência".

Isso quer dizer que as denominações cristãs consideram os livros canónicos suficientes para orientar a fé de seus fiéis. São "suficientes" no que diz respeito à revelação das verdades fundamentais da manifestação de Deus na história de seu povo, bem como de seu plano de vida e liber-dade para todas as pessoas.

A inspiração divina não é privilégio, exclusividade dos livros canónicos

A canonicidade não é uma declaração de "exclusividade". Os li-vros canónicos não limitam exclusivamente a eles a inspiração divina.

Os livros canónicos não são "exclusivos" porque não limitam a re-velação de Deus somente aos livros que constam no cânon. Deus sempre se revelou na história da humanidade e sempre continuará se manifes-tando. Certamente você tem uma forte experiência da revelação de Deus em sua vida. Mas os livros canónicos são textos exemplares de re-velação e projetam luzes sobre a presença de Deus na vida do povo, das comunidades e de todas as pessoas hoje.

Livros deuterocanônicos e apócrifos

Os sete livros chamados pelos católicos de deuterocanônicos (Judi-te, Tobias, 1-2 Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico e Baruc) são chama-dos pelos evangélicos de "apócrifos".

Livros apócrifos são aqueles livros que não estão no cânon da Bíblia. Apócrifo é uma palavra grega e quer dizer "oculto", "guardado". Usa-se essa terminologia porque os livros, embora tenham sido escritos na época bíbli-ca, não constam no cânon e são apresentados como uma manifestação de Deus revelada somente depois de ficar muito tempo "oculta". Os apócrifos do Segundo Testamento são escritos em tempos posteriores ao primeiro sé-culo da era cristã. Ficaram, pois, ocultos por algum tempo.

Os livros apócrifos não podiam ser usados na Liturgia e na Cate-quese, isto é, na leitura pública. Serviam, porém, para a leitura domésti-ca, particular.

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Os livros chamados de apócrifos tanto pelos católicos quanto pe-los evangélicos conhecidos também por pseudoepígrafos, são livros que não estão em nenhuma das duas Bíblias. São atribuídos a alguma figura famosa do passado. Quer dizer que os autores desses textos atribuem a um patrono importante da história passada de seu povo a autoria de sua obra literária.

Os livros chamados de apócrifos tanto pelos católicos quanto pe-los evangélicos podem não ter tanto valor histórico. São úteis, porém, para reconstruir as crenças populares do judaísmo na época de Jesus, bem como de algumas correntes teológicas da Igreja primitiva.

Os principais livros "apócrifos" que não constam nem no câ-non evangélico nem no católico são assim classificados:

1) Apócrifos judaicos: a) Antes de Cristo: 3 Esdras, 3 e 4 Macabeus, Livro dos Jubileus,

Livro de Adão e Eva, Carta de Aristéia, Martírio de Isaías, Livro de Henoc, Testamento dos 12 Patriarcas, Oráculos Sibilinos, Salmos de Salomão, 4 Esdras.

b) Depois de Cristo: Assunção de Moisés, Livros de Baruc, Testamento de Jó, Testamento de Abraão, Apocalipse de Abraão, Apocalipse de Moisés.

2) Apócrifos cristãos: • Evangelhos: de Tiago, de Tomé, Evangelho árabe da Infância,

História de José, Evangelho de Pedro, de Nicodemos, de Bar-tolomeu, Livro de João Evangelista, A Assunção da Virgem.

• Atos: Atos de João, de Paulo e Tecla, de Pedro, de André, de Tomé, de Filipe.

• Epístolas: de Abgar, Carta aos Laodicenses, Epístola dos Apóstolos.

• Apocalipses: de Pedro, de Paulo, de Tomé, de Adão, Ascensão de Isaías.

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A Bíblia faz referência a livros perdidos

Além dos livros canónicos, dos deuterocanônicos e dos apócrifos, existem ainda outros documentos mencionados pela Bíblia, mas dos quais não se tem mais notícias. Foram perdidos.

No Primeiro Testamento, são citados:

• o "Livro das Guerras de YHWH" (Livro dos Números, capítu-lo 21, versículo 14);

• o "Livro do Justo" (Livro de Josué, capítulo 10, versículo 13; Segundo Livro de Samuel, capítulo 1, versículo 18);

• o "Livro dos Anais de Salomão" (primeiro Livro dos Reis, capí-tulo 11, versículo 41);

• o "Livro dos Anais dos Reis de Judá" (primeiro Livro dos Reis, capítulo 14, versículo 29);

• o "Livro dos Anais dos Reis de Israel" (primeiro Livro dos Reis, capítulo 15, versículo 31).

No Segundo Testamento, Paulo fala de cartas suas que se perde-ram e não são conhecidas por nós, como você pode conferir na Primeira Carta aos Coríntios, capítulo 5, versículo 9.

Podemos concluir esse ponto dizendo que o cânon que hoje te-mos em nossas Bíblias é fruto de uma seleção. Foi preciso optar entre de-ixar fora alguns livros e incluir outros. Essa seleção foi determinada por situações de conflito na Igreja e de debates teológicos acalorados. A in-tenção principal foi selecionar um conjunto de escritos que servissem de guia à caminhada de fé.

Leia na Segunda Carta a Timóteo, capítulo 3, os versículos 16 e 17.

Para você continuar a reflexão

1. O que são livros canónicos? 2. Qual a intenção principal no processo de elaboração do cânon

bíblico? 3. O que e quais são os livros deuterocanônicos na linguagem ca-

tólica ou apócrifos na linguagem protestante? 4. O que são livros apócrifos tanto na linguagem católica quanto

na linguagem protestante?

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6 Autoria dos livros da Bíblia

Os autores costumam atribuir suas obras a personagens importantes do passado

No Primeiro Testamento, o costume de atribuir a autoria dos livros a personagens importantes do passado é um costume muito frequente.

Moisés é homenageado como patrono de toda a lei

Por exemplo, os livros que se referem à Lei de Deus, o Pentateu-co, são atribuídos a Moisés pela tradição judaica. Mas nenhum desses li-vros traz informação alguma a respeito de quem seria seu autor. Ninguém assinou como sendo o autor do texto. Mesmo assim, ainda hoje, a comunidade judaica atribui a Moisés a redação do Pentateuco (veja, por exemplo, Evangelho de João, capítulo 5, versículo 46).

Mas Moisés não foi o autor desse conjunto de livros. Isso por que os especialistas no estudo da Bíblia chegaram à conclusão de que a reda-ção dos primeiros escritos bíblicos teve início na época do rei Salomão. Assim sendo, mais ou menos 300 anos separam os fatos do êxodo da época em que se fez uma primeira redação a respeito dos acontecimen-tos ocorridos três séculos antes.

Por que então associar o Pentateuco com Moisés? Certamente isso se deve ao fato de Moisés ter sido o grande personagem que liderou a fuga do Egito e a caminhada pelo deserto. Ora, a tradição antiga situa a doação da lei no monte Sinai quando Moisés estava com o povo no de-serto. Consequentemente, a tradição posterior passou a atribuir a Moi-sés tudo o que tivesse a ver com lei. E mais ainda. Passou a atribuir a Moisés a própria autoria de todos os escritos a respeito da lei.

Vamos exemplificar um pouco mais. Se Moisés tivesse escrito o li-vro do Deuteronômio, provavelmente falaria na primeira pessoa ("eu comecei a inculcar esta lei...") e não na terceira pessoa CMoisés começou a inculcar esta lei..." - Deuteronômio capítulo 1, versículo 5). Dificil-mente Moisés mesmo descreveria sua própria morte (capítulo 34).

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Davi é homenageado como patrono da oração

Quase metade dos salmos são atribuídos a Davi, que tinha a fama de poeta e cantor. Além disso, segundo os livros das Crônicas, Davi foi o grande promotor do culto em Jerusalém. Tudo isso fez de Davi uma fi-gura intimamente ligada à oração. Então se atribui a ele a autoria dos salmos, possivelmente em sua homenagem.

Salomão é homenageado como patrono da sabedoria

Assim também alguns livros Sapienciais são atribuídos a Salo-mão, embora só tenham sido compostos até muitos séculos depois. Mas como Salomão era considerado o maior sábio de todos os reis, a ele se atribui a autoria de tudo que tem a ver com a sabedoria.

O exemplo do livro de Isaías

Típico é o caso do livro do profeta Isaías. De fato, são três livros atribuídos ao mesmo autor, mas escritos em épocas diferentes. Boa parte dos textos contidos nos capítulos de 1 a 39 se referem a Isaías, que viveu na segunda metade do século VIII a.C. Já os capítulos 40 a 55 foram es-critos por discípulas e discípulos seus, durante o exílio na Babilônia no século VI a.C. E, por fim, os capítulos 56 a 66 foram acrescentados por discípulos do movimento profético de Isaías. Pelo ano 500 a.C., portanto, depois da volta do exilio.

A maioria dos livros do Segundo Testamento são dedicados a personagens importantes do passado

No Segundo Testamento, só se tem certeza da autoria de umas sete cartas de Paulo e talvez do Evangelho segundo Lucas, bem como dos Atos dos Apóstolos.

Como cada livro é produção de uma determinada época, os espe-cialistas, analisando o jeito de falar, a linguagem, o vocabulário usado, as ideias apresentadas, os problemas que transparecem e outros indícios, podem concluir com bastante probabilidade se ele é ou não do autor a quem é atribuído.

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Muitas pessoas ajudaram a escrever a Bíblia, atribuindo seus escritos a "patronos"

Os autores aos quais são atribuídos os livros da Bíblia devem ser considerados mais como "patronos" ou iniciadores de uma corrente de escritos. Assim, Moisés é o patrono de tudo o que é lei. Davi é o patrono da poesia cultual e Salomão dos escritos de sabedoria. Isaías, por exem-plo, é o iniciador de uma certa corrente dentro do movimento profético. Discípulos seus continuam sua obra.

Muitas pessoas ajudaram a escrever as Escrituras. São homens e mulheres, jovens e idosos, pais e mães de família, sacerdotes, profetisas e profetas, agricultores e pastores, artesãos e pescadores, justos e pecadores. Algumas dessas pessoas eram gente instruída, que sabia ler e escrever. Ou-tras eram pessoas simples que só sabiam contar histórias. A sua preocupa-ção central era ajudar na construção de um povo irmão, em que seriam valorizados acima de tudo a justiça, o amor, a fraternidade, a verdade e a fidelidade a Deus. Cada qual, do seu jeito, deu sua colaboração.

Para você continuar a reflexão

1. O que podemos dizer a respeito da autoria dos livros bíblicos? 2. Por que Moisés, Davi e Salomão passaram a ser os "patronos"

da lei, oração e sabedoria respectivamente? 3. A respeito da autoria dos livros da Bíblia, o que você considera

mais importante?

7 Bíblia, Palavra de Deus na palavra humana

Assim como Deus se tornou visível no homem Jesus, assim também sua Palavra se encontra em meio às palavras humanas

Nós cremos que Jesus é Deus feito homem. Em Jesus de Nazaré, Deus se desfaz da glória de sua condição divina, tomando sobre si a nos-sa condição humana e assumindo a condição de escravo condenado à morte na cruz, como nos diz Paulo.

Leia na Carta aos Filipenses, no capítulo 2, os versículos 6 a 8.

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O Evangelho de João define muito bem esse mistério da Encarna-do quando diz que "a Palavra se fez carne e habitou entre nós" (Evange-lho de João, capítulo 1, versículo 14).

Quando se fala em Deus, pensa-se logo nos seus atributos de eter-nidade, de onipotência, de onisciência, de absoluta perfeição. No entan-to, as pessoas que conviveram com Jesus encontraram nele uma pessoa cdmum, com seus limites e sua fragilidade, sobretudo porque não era da camada alta da sociedade. Assim nos ensina a Carta aos Hebreus: "Ele foi tentado em tudo como nós, só não caiu no pecado" (Carta aos He-breus, capítulo 4, versículo 15).

Assim como os contemporâneos de Jesus só podiam ter contato com o Filho de Deus através do Filho do Homem, nós também podemos ter contato com a Palavra de Deus através de palavras humanas registradas na Bíblia. Palavras que percorrem longos e sinuosos caminhos. Acima já vi-mos, por exemplo, como foram atribuídas a personagens famosos, como Moisés, Davi e Salomão, palavras que eles nunca disseram.

O Deus da Bíblia é Emanuel, isto é, faz história com seu povo

Para ler a Bíblia, é muito importante nunca esquecer a forma hu-mana da Palavra de Deus. Senão corre-mos o perigo de tratar a Bíblia como uma coisa mágica, um fetiche, isto é, um ídolo. Os exegetas procuram estudá-la com os instrumentos que a ciência colo-ca à sua disposição, tratando-a, antes de tudo, como uma produção humana.

Devemos lê-la com a naturalidade e o respeito com que lemos qualquer li-vro sério. Mas sempre com as "antenas ligadas" para sintonizar o que Deus nos quer dizer hoje através de sua Palavra que está na Bíblia. É que a Palavra da Bíblia é sempre atual e exige de nós uma atitude constante de escuta e conversão.

Poderíamos também dizer que Deus está nas palavras da Bíblia porque Ele está presente na história de seu povo. E a história desse povo

A Bíblia é palavra de Deus, sim, mas

encarnada, na palavra humana. E Palavra de

Deus revestida da palavra humana. E

um livro divino-humano.

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com seu Deus está relatada nas Escrituras. A Palavra de Deus vem, pois, misturada, ou junto com a palavra humana. A Bíblia não é somente a história de um povo, mas é a história de um povo que buscou viver a fi-delidade para com seu Deus, o Deus da vida.

Não será por acaso que o profeta Isaías diz que o messias esperado é o "Emanuel", isto é, "Deus conosco", que faz história com seu povo.

Leia agora o versículo 14 do capítulo 7 de Isaías.

A Bíblia é a Palavra do Deus do povo na palavra do povo de Deus

As Escrituras são fruto de um grande mutirão entre Deus e seu povo, entre a ação de seu Espírito e a vontade do povo de ser fiel a ele. A ação do Espírito de Deus é como a chuva. Ela cai do alto e, junto com a terra cá embaixo, ajuda a semente a germinar, de modo que se transfor-me em planta, floresça e frutifique (Livro do profeta Isaías, capítulo 55, versículos 10 e 11). A planta é, pois, fruto do céu, isto é, da chuva, e é fruto da terra. Como a planta, a Bíblia também é fruto da ação de Deus e do esforço das pessoas. Ela é a Palavra do Deus do povo na palavra do povo de Deus.

Como a própria Bíblia diz, é preciso sabedoria e discernimento para descobrir o seu sentido (Apocalipse, capítulo 13, versículo 18 e ca-pítulo 17, versículo 9). É necessário discernir, distinguir a Palavra de Deus em meio à palavra humana. Daí a importância do estudo das Escrituras para que não as leiamos de forma incorreta. Igualmente im-portante é a abertura ao Espírito de Deus que nos ilumina para a inter-pretação e percepção da presença misteriosa de Deus não só no texto, mas também no nosso dia-a-dia.

A Bíblia é testemunho da Palavra de Deus

Aprofundando esta reflexão, podemos dizer que a Bíblia não é a Palavra divina caída prontinha do céu. Deus não se revela de forma má-gica, fora da história. Nem dita sua palavra direto a alguém para que a escreva. Sua revelação acontece na experiência de vida, no cotidiano.

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Nesse sentido, podemos dizer que a Bíblia é "testemunho" da re-velação, da Palavra de Deus. E mais: ela não é o único escrito que teste-munha a presença viva de Deus em meio a suas criaturas. É verdade que os relatos da experiência de Deus em Israel são exemplares para nós. Mas é preciso admitir também que a Bíblia é um dos testemunhos da Palavra de Deus que se revela a todos os povos, nações e tribos.

Projetos em confronto

Sendo também palavra humana, a Bíblia igualmente contém a produção teológica e ideológica de grupos e comunidades. É normal, então, que a Bíblia reflita também os interesses dos grupos humanos que estão por trás da literatura bíblica. O povo de Israel também viveu seus dramas, seus conflitos internos. Havia projetos em conflito. Essa tensão transparece nos escritos bíblicos. Por isso, convém sempre olhar com atenção as duas grandes linhas fundamentais em confronto nos textos bí-blicos: a oficial e a popular. São interesses teológicos, econômicos e polí-ticos distintos e que se defrontam. Eles não vêm separados nitidamente. Não é fácil perceber com toda a clareza quais são os interesses oficiais a partir da corte real e quais são as reivindicações populares fruto da resis-tência do povo. É preciso estudar os textos com cuidado para se desco-brir isso.

Uma Bíblia e duas leituras

Para entender melhor o que afirmamos, lembremos alguns exem-plos da história. Por um lado, veremos como a religião e a Bíblia foram usadas para legitimar a violência praticada contra os povos indígenas na época da conquista das terras nas Américas. Por outro lado, veremos como a Bíblia serviu de força libertadora em defesa da vida dos índios.

Os teólogos e juristas da corte espanhola elaboraram um docu-mento que chamaram de "Requerimento". Era um longo tratado teoló-gico que os conquistadores deveriam ler para os povos indígenas ates de qualquer ação militar.

Esse documento tinha sua fundamentação teológica no livro de Gênesis. Dizia que, "apesar de toda a humanidade descender de Adão e

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Eva, só alguns eleitos por Deus tinham a sublime missão de divulgar o verdadeiro Deus". Naturalmente, os espanhóis e também os portugue-ses diziam que os eleitos eram eles. Que sua missão era levar a fé cristã aos pagãos mesmo com a violência das armas.

Conhecemos as consequências desastrosas dessa teologia, dessa ideologia:

• roubo das terras; • saque das riquezas; • destruição de costumes, línguas, crenças; • imposição do modo de vida europeu; • escravidão; • abuso sexual das índias; • violência, massacres, mortes...

Um dos teólogos espanhóis que ajudou a elaborar essa ideologia foi Juan de Sepúlveda. Por trás dessa ideologia estava o projeto de con-quista da corte real da Espanha.

Se, por um lado, temos os teólogos da corte, por outro, temos também muitos missionários que tomaram a defesa das nações indíge-nas, em nome do Evangelho da vida. Entre eles, lembramos Montesi-nos, Valdivieso e especialmente Bartolomeu de Las Casas.

Para fundamentar seus sermões e seus cscri bém se valeu das Escrituras. Lembrava muito o êxodo libertador e as denúncias dos profetas con-tra os reis que não cumpriam a justiça. Mas sua passagem bíblica preferida foi do livro do Ecle-siástico, que só está na Bíblia católica. Vale a pena você conferir e se unir aos sentimentos de Bartolomeu em defesa da vida, pois ainda hoje ela continua sendo negada, diminuída.

Leia agora, no Eclesiástico, capítulo 34, os versículos 18 a 22 (Bí-blia de Jerusalém e Bíblia Pastoral) ou 21 a 27 (Bíblia Sagrada - Vozes e Tradução Ecumênica da Bíblia).

Os exemplos de Sepúlveda e Las Casas são uma amostra dos con-flitos teológicos presentes na época da conquista das Américas, em toda a história da humanidade, inclusive em nossos dias.

>s, Bartolomeu tam-

A Bíblia é, na verdade, um intenso debate

teológico.

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Na época em que 4 experiência narrada na Bíblia foi vivida, as coi-sas não eram diferentes. Também lá havia uma disputa de projetos. E, também, os defensores do projeto de exclusão tinham seus teólogos para legitimar em nome de Deus uma sociedade injusta. Essa realidade con-flituosa transparece nas Escrituras. A Bíblia é, na verdade, um intenso debate teológico entre grupos com interesses diferentes.

Quando nós fazemos uma interpretação bíblica ao pé da letra, fi-camos confusos ao depararmos com projetos tão diferentes e até opostos entre si. Isso reforça a necessidade de não pararmos de estudar, de modo que possamos ter mais clareza quanto aos critérios de interpretação das Escrituras. É preciso muito cuidado antes de tirar conclusões apressadas, pois a Bíblia é como uma faca de dois gumes. Tanto pode ser usada como instrumento de opressão e de morte como também serve como instrumento de promoção e defesa da vida.

O projeto oficial defende privilégios e gera exclusão

A linha oficial defende um determinado modelo de sociedade. Inicialmente é o projeto do reinado. Reflete os interesses dos reis, da corte, do templo, do sacerdócio oficial e dos juízes vinculados aos reis, dos latifundiários e dos grandes comerciantes. Visa a uma política de es-cravidão, tributos, saques, trabalho forçado, exército forte e oneroso. Depois do exílio, isto é, a partir de 539 a.C., a linha oficial é assumida pelos sacerdotes a partir do templo reconstruído.

Essa linha oficial é excludente. Exclui, defende privilégios. E pior: legitima-os em nome de Deus. É dela que vêm as leis do puro e do impu-ro, da estrita observância da lei, da única raça eleita, da teologia da retri-buição que afirmava que tudo é retribuição de Deus de acordo com a vida das pessoas. Segundo essa teologia, riqueza, saúde, família numero-sa, honra, longa vida seriam bênção de Deus para os justos. Já pobreza, doença, esterilidade, desonra, morte prematura seriam castigo de Deus para os pecadores. No tempo de Jesus, as autoridades, que controlavam o poder judaico assumiam essa linha oficial. Por isso, Jesus tanto a combateu, custando-lhe a própria vida.

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O projeto popular defende uma sociedade em que a paz será fruto da justiça

A linha popular defende outro modelo de sociedade. É a socieda-de tribal, que defende as aldeias, o uso familiar da terra, os pequenos santuários rurais, o trabalho livre. A linha popular representa a luta por liberdade frente aos faraós do Egito, bem como a libertação da terra das mãos dos reis cananeus, a organização tribal em oposição ao reinado, a resistência profética diante dos desmandos das autoridades.

Depois do exílio babilónico, não há mais rei em Judá, e os judeus estão sucessivamente sob a dominação dos persas, gregos e romanos. Nesse tempo, são os sacerdotes aqueles que monopolizam a Palavra de Deus. Se antes, a Palavra de Deus era mediada também pela profecia, a partir do exílio ela passou a ser monopolizada pelos sacerdotes, pelo templo de Jerusalém, subordinado aos persas (Leia no livro de Esdras, no capítulo 7, o versículo 26).

Veja como o profeta Zacarias critica os profetas oficiais ligados ao templo e que só falam mentiras (capítulo 13, versículos 1 a 6). Essa críti-ca revela a amargura dos profetas populares, desvinculados do templo e fiéis à Aliança, contra os levitas que se faziam passar por profetas. É que, nessa época pós-exílica, a casta sacerdotal promove os levitas, colocan-do-os no lugar dos profetas. Veja como, num livro elaborado neste pe-ríodo, os sacerdotes do templo, ao narrarem novamente a renovação da Aliança do tempo do rei Josias, colocam os levitas no lugar atribuído aos profetas. Confira isso comparando o versículo 30 do capítulo 34 do se-gundo livro das Crônicas com o versículo 2 do capítulo 23 do segundo livro dos Reis!

A linha popular continua resistindo através de profetisas e profe-tas anônimos que produzem sua profecia, acrescentando-a a livros pro-féticos já existentes. Este é o caso dos capítulos 56 a 66 do livro do profeta Isaías e os capítulos 9 a 14 do livro do profeta Zacarias. Produ-zem também as novelas bíblicas, como Jó, Rute e Jonas, bem como a li-teratura apocalíptica.

Jesus e as primeiras comunidades cristãs, respeitadas as suas dife-renças, se inserem nessa teologia de resistência. Diferente da linha oficial, a popular é mais includente. Inclui as pessoas e categorias excluídas.

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Luta por vida e cidadania. Para sermos fiéis a Jesus, é nessa teologia que nós hoje também queremos cada vez mais nos inserir.

Alguns exemplos dos dois projetos em confronto no texto bíblico

Citemos alguns exemplos para clarear as duas linhas teológicas básicas em confronto nas Escrituras.

Ao ler o quadro abaixo, é importante que você confira em sua Bí-blia as citações nele indicadas.

Linha Oficial Linha Popular Afirma que Deus é favorável à opção pelo reinado (primeiro livro de Sa-muel, capítulo 9, versículos 15a 16 e capítulo 10, versículo 1)

Exclui estrangeiros (Deuteronõmio, capítulo 23, versículo 4. Se quiser aprofundar , leia ainda: Esdras, capí-tulos 9 e 10; Neemias, capítulo 13)

É favorável ao templo (segundo livro de Samuel, capítulo 7, versículos 1 a 3- Se quiser ler mais um texto, veja o capítulo 1 do profeta Ageu)

Afirma que Deus condena a opção pelo reinado (primeiro livro de Samuel, capítu-lo 8, versículos 1 a 18 e capítulo 12, versí-culo-J 9) Inclui estrangeiros (Rute, capítulo 1, ver-sículos 16 e 17; Isaías, capítulo 56, versí-culo 3; Lucas, capítulo 10, versículos 30 a 37. Se você quiser aprofundar mais, veja também: todo o livrinho de Jonas e Atos dos Apóstolos, capítulos 8 e 10)

É crítica ao templo (Segundo Livro de Samuel, cap í tu lo 7, versículos 4 a 7; Isaías, capítulo 66, versículos 1 a 2. Para aprofundar, você pode ler ainda: Jeremias, capítulos 7 e 26; Amós, capítulo 9, versí-culos 1 a 4; Miqueias, capítulo 3, versícu-lo 12; Marcos, capítulo 11, versículos 15 a 18 e capítulo 13, versículos l_e 2)_

Religião centrada em sacrifícios e ri-tos externos (confira somente os títu-los que aparecem nos capítulos 1 a 8 de Levítico)

Religião baseada na justiça e na solidarie-dade (Isaías, capítulo 1, versículos 10 a 17 e capítulo 58, versículos 1 a 12. Se quiser aprofundar , pode ler ainda: Oséias, capítulo 6, versículo 6; Amós, ca-pítulo 5, versículos 21 a 24; Mateus, ca-pítulo 9, versículo 13 e capítulo 12, versículo 7)

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Linha Oficial Linha Popular Exclui mulheres , considerando-as impuras e inferiores (Levítico, todo o capí tulo 12 e os versículos 19 a 30 do capítulo 15; João, capítulo 8, versículos 1 a 11)

inclui mulheres, valorizando sua beleza, sua sabedoria, seu corpo, sua vida (Pro-vérbios, capítulo 31, versículos 10 a 31. Se quiser ler mais sobre a valorização da mulher, leia os livros de Rute, Judite, Ester e Cânt ico dos Cânticos. T a m b é m Jesus resgata a dignidade das mulheres)

Condena pobres e doentes como se pobreza e doença fossem castigo de Deus por seus pecados (no livro de Jó, seus amigos representam a teologia oficial, a teologia da retribuição. C o m o amostra, leia os capítulos 4 e 5)

Vem em defesa dos pobres e doentes, apontando as verdadeiras causas da po-breza (a figura de Jó representa a teologia popular de resistência [leia Jó, capítulo 24, versículos 1 a 12 e capítulo 31]. Jesus vem nesta mesma corrente [Lucas, capí-tulo 13, versículos 1 a 5; João, capítulo 9, versículos 1 a 3])

Obriga à observância das leis de pu-reza exterior (Marcos, capítulo 7, versículos 1 a 5)

Coloca no seu devido lugar os manda-mentos de Deus (Marcos, capítulo 7, ver-sículos 6 a 13) e defende a pureza do coração, livre de roubos e injustiças (Marcos, capítulo 7, versículos 14 a 23)

Obriga à observância minuciosa da tradição do sábado (Mateus, capítu-lo 12, versículos 1 a 14)

Coloca a vida acima da lei, cuja função é es-tar a serviço das pessoas, e não o contrário (Mateus, capítulo 12, versículos 1 a 14)

Exige a circuncisão, a remoção do prepúcio no órgão genital masculino (Gn 17)

Exige a circuncisão do coração, isto é, a mudança de vida (Deuteronômio, capí-tulo 10, versículo 16; Jeremias, capítulo 4, versículo 4; Carta aos Romanos, capí-tulo 2, versículo 29)

Exclui pessoas com deficiências físi-cas (Levítico, capítulo 21, versículos 17 a 21; Deuteronômio, capítulo 23, versículo 2)

Inclui as pessoas com deficiências (Isaías, capítulo 29, versículos 18 e 19; capítulo 35, versículos 5 e 6; capítulo 56, versícu-los 3 a 5; Mateus, capítulo 11, versículos 4 e 5; Atos dos Apóstolos, capítulo 8, ver-sículos 26 a 40)

Essas duas linhas teológicas fundamentais estão misturadas em toda a Bíblia. Às vezes, não é fácil perceber a que linha os textos bíblicos pertencem. Por isso é importante a oração que nos abre ao Espírito de Deus e converte nosso coração à solidariedade com os pobres, ajudan-do-nos, com sua sabedoria, no discernimento da Palavra de Deus no meio das palavras humanas em confronto.

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Para você continuar a reflexão

1. Qual sua reflexão sobre a afirmação: "A Bíblia é a Palavra de Deus encarnada na palavra humana"?

2. Quais são e como se caracterizam as duas grandes linhas em confronto na Bíblia?

3. Em sua comunidade de fé, como se manifestam esses dois pro-jetos? E na sociedade?

8 Há erros na Bíblia? Dentro de seus objetivos, a Bíblia, como plano de Deus, não contém

nem pode conter erros. Qual o objetivo fundamental da Bíblia? Revelar o propósito de Deus e sua presença atuante no Universo, na História, na Vida de todos os povos. Também o povo de Israel foi percebendo gradati-vamente a revelação do projeto de vida na sua história, de acordo com a sua cultura e a sua cosmovisão, isto é, sua visão do universo.

Ora, a compreensão de mundo que eles tinham naquele tempo era muito dife-rente da nossa hoje, como você pode con-ferir na figura logo adiante. Portanto, não faz sentido comparar a visão de mundo que transparece na Bíblia com a visão que temos hoje com o progresso da ciência.

Vejamos alguns exemplos. No li-vro de Josué, conta-se que, numa batalha em Gabaon contra o rei dos amorreus, Jo-sué mandou o sol parar e "o sol se deteve e a lua ficou imóvel até que o povo se vin-gou de seus inimigos" (Josué, capítulo 10, versículo 13). Naquela época, pensava-se que a terra era o centro do universo e que o sol e a lua giravam no céu, tal como aparece aos nossos olhos. Tanto que dizemos com na-turalidade que o sol nasce, o sol se põe.

Outro exemplo é o caso do coelho e da lebre. Diz o Livro do Leví-tico que coelho e lebre são animais ruminantes (Levítico, capítulo 11,

[...] no que diz respeito à ciência, a dados

históricos e a costumes ou tabus daquela

época, a Bíblia contém erros. Mas quando se

trata da geração, promoção e defesa da vida e do seu sentido

mais profundo, a Bíblia n ã o tem erro.

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versículos 5 e 6). Quem de nós ainda acredita nisso? É, pois, um absurdo querer que tudo na Bíblia esteja de acordo com os avanços da ciência moderna. A Bíblia tem os limites do alcance da ciência do tempo em que foi composta. Nós, hoje, podemos dizer que a Bíblia contém erros. Mas isso não vale para o povo daquele tempo, quando se achava que as coisas eram de fato daquele jeito.

Morada Celeste da divindade

C O S M O V I S Ã O D O S H E B R E U S . Representação gráfica da concepção he-braica do mundo . A morada celeste de Deus fica acima das águas superiores. Abaixo dessas águas está o firmamento ou céu, que se assemelha a uma tigela emborcada, sustentada por colunas. Através das aberturas (comportas) na abóbada, as águas superiores caem sobre a terra, como chuva ou neve. A terra é uma plataforma sustentada por colunas e rodeada de água, ou mares. Por baixo e ao redor das colunas, estão as águas inferiores. Nas profundezas da terra está o Xeol, a morada dos mortos, chamada "infer-nos". Esta mesma concepção pré-científica do universo também era a dos po-vos vizinhos do povo hebreu.

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O mesmo deve ser considerado em relação à moral e aos costumes que variaram através dos tempos. A sociedade vai mudando e hoje acha-mos intoleráveis hábitos e instituições que eram tranquilamente aceitos no passado. Exemplos: no passado, a Igreja aceitou e até legitimou a escra-vidão. Tinha, inclusive, escravos. Também apoiava a ideia de que a auto-ridade na sociedade, na Igreja, bem como na família devia estar sob o mando ou desmando dos homens, discriminando as mulheres.

Do nosso ponto de vista, no que diz respeito à ciência, a dados históricos e a costumes ou tabus da época, a Bíblia contém erros. Mas quando se trata da geração, promoção e defesa da vida e do seu sentido mais profundo, a Bíblia não tem erro. No 2o Concílio no Vaticano, a Igreja Católica Romana declarou que a verdade da Bíblia diz respeito àquilo que Deus revelou "por causa da nossa salvação". Só isso. Não coi-sas de ciência, de história, etc.

Deus comunica sua Palavra através de palavras humanas e de tex-tos escritos nas circunstâncias da história humana. Só assim Deus pode se comunicar. Para isso, tem de "pagar o preço" da forma encarnada de sua Palavra: carregar nossas marcas e imperfeições.

Para você continuar a reflexão

1. Qual o objetivo fundamental das Sagradas Escrituras? 2. Em que situação "a Bíblia não contém erro"? Pode haver enga-

nos ou erros na Bíblia em questões de história, de ciências, de costumes? 3. Liste problemas de ciência ou de costumes morais que já desco-

briu na Bíblia e sobre os quais tem dúvidas! 4. Em sua comunidade, você percebe que continuamos cometen-

do erros iguais ou semelhantes? Cite exemplos!

9 Historicidade dos fatos

A Bíblia não é um livro de ciências nem um livro de história

Assim como os livros da Bíblia não são livros de ciência, assim tam-bém não podemos Lê-los simplesmente como livros de história. A Bíblia é

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como um espelho em que, através da história do povo hebreu, está refleti-da a história da humanidade. Eis por que identificamos quase espontane-amente situações que o povo de Israel viveu com situações que estamos vivendo hoje. Assim também identificamos personagens da Bíblia com personagens de nosso tempo, como se Caim e Abel, Abraão e Sara, Moi-sés e o Faraó, Jeremias e Amós continuassem no meio de nós.

A Bíblia é interpretação da história

Nem tudo o que está narrado nos livros históricos aconteceu do jeito como está escrito. É que, mais do que fazer uma descrição dos fatos como se fossem filmagem, as Escrituras interpretam a história, a vida. Descrevem a experiência de Deus que as pessoas e o povo fazem. Por isso, é correto dizer que, ao estudarmos um texto bíblico, estamos na verdade interpretando uma interpretação.

Na Bíblia, há várias interpretações da mesma história

Dentro da própria Bíblia há diferentes interpretações a respeito da mesma história.

Por exemplo, a história da tomada da terra narrada no livro de Josué não é a mesma que está narrada no livro dos Juízes. Para exemplificar, veja como em Josué se afirma que toda a Terra Prometida já estava libertada das mãos dos reis (Josué, capítulo 11, versículo 23 e capítulo 21, versículos 43 e 45). Porém, logo adiante, no livro de Juízes, se afirma que ainda faltava muito por conquistar (Juízes, capítulo 1, versículos 21 e 27 a 35).

Para entender essas diferenças é importante termos presente que foi um longo processo que essas histórias percorreram até serem fixadas na forma escrita como as temos hoje. Cada texto tem sua intenção teoló-gica. São interpretações diferentes e até contraditórias dos mesmos fatos históricos, como já falamos acima, quando refletíamos sobre as duas grandes linhas que perpassam todas as Escrituras.

Há, inclusive, uma evolução na reflexão teológica, como se pode per-ceber, por exemplo, na atribuição dos males que vêm em prejuízo do povo.

Um caso é o recenseamento que o rei Davi fez (segundo livro de Samuel, capítulo 24, versículos 1 a 15). No versículo 10, nos é dito que

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realizar o censo é pecado. Certamente é pecado, porque parecia querer limitar o poder de Deus, a quem pertence o poder sobre a vida das pes-soas. Também é pecado, porque visa fornecer ao rei o número de pessoas para poder melhor explorá-las através dos impostos e para saber o núme-ro de homens aptos a serem recrutados para a guerra (veja o versículo 9). Quando este texto é escrito, pensava-se ainda que Deus era também o autor do mal. Por isso, diz no versículo 1 que foi Deus que incitou a Davi para que fizesse o censo. Quando, séculos mais tarde, o mesmo fato é contado novamente, já houve uma evolução na reflexão teológica em Israel. Agora, o mal já não vem mais de Deus, mas vem de Satã (pri-meiro livro das Crônicas, capítulo 21, versículo 1).

Na Bíblia, há sucessivas releituras da história

No Primeiro Testamento, temos sucessivas interpretações ou re-leituras da história, da ação de Deus junto a seu povo no passado. Cada releitura tem como objetivo principal atualizar a Palavra de Deus para um novo momento. As dificuldades já não são as mesmas do passado. Há outros problemas a serem enfrentados. O contexto é outro. Exige novas soluções.

Para trazer luzes sobre esses novos contextos, o povo da Bíblia atualiza sabiamente sua memória do passado. Percebe, assim, com mais clareza o projeto de Deus para os dias atuais. Seria como uma lanterna em que as pilhas já estão fracas. É preciso substituí-las. E a luz se renova. Vê-se novamente a vida com mais clareza, com mais esperança.

Até mesmo o Segundo Testamento é uma releitura do Primeiro a partir da experiência da ressurreição de Jesus.

A Bíblia é uma sequência de sínteses atualizadas do passado, adaptadas ao presente em vista do futuro. E nossas releituras das Escritu-ras hoje seguem esse mesmo processo, de modo que a Palavra de Deus continue sendo "luz para nosso caminho".

Um exemplo típico na Bíblia para ilustrar esse processo de relei-turas ou atualizações é o caso de Abraão. Vejamos:

Em Gênesis, nos capítulos 12 a 25, temos os primeiros escritos que fazem memória da vida de Abraão. Já esses textos são certamente

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uma adaptação das tradições populares sobre o patriarca. Durante mui-tos anos, a memória sobre Abraão foi tradição oral. Lembrava a cami-nhada de fé dos pastores seminômades em épocas anteriores à formação de Israel. Viviam pobremente, longe da opressão da cidade, em regiões semidesérticas. Os textos de Gênesis 12 a 25, como os temos na sua re-dação final, além da memória popular ainda muito viva, também refle-tem os interesses da corte real no tempo de Salomão. Já são, portanto, atualização, releitura.

Em Eclesiástico, capítulo 44, nos versículos 19 a 23, temos uma nova releitura das tradições sobre Abraão. Uns 200 anos a.C., quando a dominação grega quer impor aos judeus os seus ídolos, seus heróis, seu modo de viver e sua sabedoria, os autores deste livro apresentam também os patriarcas como modelos e "heróis" dignos de serem imitados. Neles se revela o amor de Deus por seu povo, no qual reside a sabedoria.

Uma terceira releitura é feita pelos autores da Carta aos Hebreus já no Segundo Testamento. Todo o capítulo 11 é uma reflexão sobre a história do povo de Deus à luz da fé. Foi a fé dos heróis do passado que os tornou herdeiros da promessa, nos servindo como modelos de fé. Abraão é lembrado nos versículos 8 a 19. Esta atualização é feita para servir como luz para um novo contexto, para aumentar a fé das comuni-dades em Jesus ressuscitado.

A Bíblia nasceu aos poucos

Como podemos ver, a Bíblia é um livro que nasceu aos poucos. Nasceu da vida de um povo que tentou ser fiel a Deus presente no cotidiano.

Antes do texto escrito, vêm experiências vividas pelas mais dife-rentes pessoas e em lugares variados. Todas essas experiências foram sen-do contadas, recontadas durante muito tempo. Só então a memória virou texto.

Sobre os mesmos fatos foram surgindo diferentes tradições de acordo com o meio onde eram narradas, recontadas e escritas. Na cida-de, nos palácios e no templo a reelaboração era de um jeito. No campo era de outro. Cada qual de acordo com seus condicionamentos, interes-ses, limites e horizontes.

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Aos poucos, as tradições foram agrupadas dentro de narrativas ou conjuntos maiores, adquirindo um novo colorido, fornecendo respostas novas a novas necessidades, até o texto chegar à sua redação final como o temos hoje.

A Bíblia não quer transmitir os fatos, mas a intenção, a mensagem a partir dos fatos

Além disso, a Bíblia não descre-ve uma história "factual", mas "inten-ciona!". O mais importante não é o "fato" em si, mas a "intenção" que o au-tor quer transmitir. Consequência disso é que a pergunta certa a ser feita ao tex-to bíblico não pode ser: "o fato foi ou não foi assim?", mas sim: "qual a inten-ção de quem escreveu o texto?", ou: "o que o texto quer dizer?", ou ainda: "qual sua mensagem?".

Para exemplificar o que acaba-mos de refletir, lembremo-nos da es-

... a Bíblia nos revela o sentido profundo que

está dentro dos fatos, por trás das palavras. Revela a presença misteriosa de Deus na vida, na história,

nos fatos, nas pessoas. Mais do que uma história de fatos, a Bíblia contém teologias da história, isto é, reflexões de fé sobre a

história.

tória de Caim e Abel (Gênesis, capítulo 4). Aqueles que leem esse texto como fato histórico não conseguem explicar de onde veio a mulher de Caim, quando naquele momento, se lemos o texto ao pé da letra, apenas existiam Adão, Eva e Caim. Se, no entanto, vamos ao texto em busca da intenção do autor, do sentido do texto, certamente encontraremos uma resposta.

A Bíblia não é fotografia nem filmagem, mas raio-X, isto é, revela a vida por dentro

A Bíblia não apresenta fotografias ou filmagens dos acontecimen-tos. Sua interpretação dos fatos vai além das aparências, da cara, da facha-da. Por isso é melhor compará-la com um raio-X, isto é, a Bíblia nos revela o sentido profundo que está dentro dos fatos, por trás das palavras. Revela a presença misteriosa de Deus na vida, na história, nas pessoas.

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Mais do que uma história de fatos, a Bíblia contém teologias da história. São diferentes maneiras de perceber a presença de Deus nos fatos, das suas maravilhas na vida de seu povo. O que lhe interessa é a pulsação da presença de Deus nas veias dos acontecimentos. A comuni-dade israelita faz como que "pinturas" e, às vezes, quadros diferentes de uma mesma realidade. Assim acontece com as duas "pinturas" da cria-ção, logo no início do livro do Gênesis.

Compare a primeira narrativa da criação (Gênesis, capítulo 1, versículo 1 até capítulo 2, versículo 4) com a segunda (Gênesis, capítulo 2, versículos 4 a 25) e perceba como o povo da Bíblia pinta dois quadros muito diferentes para revelar o sentido profundo da vida. A primeira re-flete a situação de sofrimento do povo no exílio da Babilônia ao redor de 550 a.C. A segunda, ao relatar o plano de Deus para a criação e a huma-nidade, retrata como o povo alimentava sua esperança na época da opressão do rei Salomão ao redor de 950 a.C.

A Bíblia nos quer revelar a presença amorosa de Deus na vida

Continuando a usar imagens para comparar as Escrituras, pode-ríamos dizer ainda que a Bíblia é como um binóculo. Quando ficamos olhando para ele, nós só enxergamos ele mesmo, o binóculo. Porém, quando olhamos através dele, vemos o horizonte de outro jeito, com ou-tra perspectiva. Assim também é a Sagrada Escritura. Olhando à distân-cia, ela parece um livro qualquer. Mas se olhamos através dela, aquilo que está por trás das palavras, atrás da lente desse "binóculo", então per-cebemos sua intenção, que é revelar a presença amorosa de Deus na vida, nos acontecimentos.

Deus se manifestou no passado e continua se manifestando no presente

Uma coisa que nos deixa com um pé atrás em relação à Bíblia é a facilidade e frequência com que se diz que Deus apareceu e falou com al-guns personagens como Noé, Abraão e Sara, Agar e Jacó, Rebeca e Moisés, Elias e tantos outros. Será que apareceu cara a cara e falou com sua voz? Ora, sabemos que Deus não tem cara e sua voz não vibra no ar.

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Mas também sabemos que, para comunicar nossas experiências mais pro-fundas, temos que usar imagens. Nós, que temos fé, sabemos que Deus está invisivelmente presente em nossa vida, conhecemos os traços do seu rosto e escutamos sua voz, sobretudo em momentos decisivos.

Numa ocasião, uma freira perguntou ao e frei Carlos Mesters: "Por que Deus aparecia e falava tanto na época bíblica e deixou de aparecer e de falar hoje? ". Frei Carlos perguntou-lhe, à queima roupa: "Por que você re-solveu ser freira? ". E ela respondeu: "Porque Deus me chamou!". Ela tinha percebido a "voz" de Deus nos acontecimentos de sua vida.

O povo tem razão quando diz: "Deus te ouça! ", "Deus te guar-de! " "Vai com Deus! " e outras expressões que manifestam a presença atuante de Deus em todos os nossos passos. Só podemos falar de Deus através de imagens e figuras.

Para você continuar a reflexão

1. O que significa afirmar que "a Bíblia não é uma história 'factual', mas 'intencional'", que "não é fotografia, mas raio-X da realidade"?

2. Como as pessoas de sua comunidade leem a Bíblia? É parecido com o jeito que você viu aqui? Como é?

3. O que acha mais importante sobre a "historicidade dos fatos" neste capítulo?

10 Linguagem bíblica

Nosso jeito de pensar e falar é muito diferente do jeito de pensar e falar da época bíblica

Nosso jeito de falar, nesta virada para o terceiro milênio, é muito diferente da linguagem usada por povos de dois ou três milênios atrás em uma realidade e cultura muito distintas da nossa. Se o povo de Israel da época de Salomão lesse algum romance de Jorge Amado, certamente teria dificuldades para entender os costumes, as culturas e a linguagem do povo no Nordeste brasileiro. Já para um brasileiro, certamente não haverá tantas dificuldades.

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A mesma coisa acontece com a linguagem bíblica. Ela era enten-dida pelo povo daquela época. Para nós, porém, ela é mais difícil. Além disso, convém lembrar que não só a linguagem, mas também o conteú-do, muitas vezes, nos parece estranho. Essa dificuldade é real, porque os conteúdos bíblicos refletem outra realidade, outra visão de mundo, ou-tra cultura, outro contexto, outro lugar. Tudo isso é muito distante de nós, isto é, de dois a três mil anos, bem como a milhares de quilômetros.

A linguagem bíblica se vale de muitos símbolos, imagens e comparações

A Bíblia usa muitos símbolos, imagens e comparações. Por exem-plo, os números, na Bíblia, na maioria das vezes são simbólicos. Nem sempre podem ser lidos como se fossem um valor quantitativo, mas qua-litativo. O número sete, por exemplo, significa plenitude, totalidade, perfeição. Tal como nós hoje, o povo da época bíblica também usava símbolos para falar, por exemplo, de Deus. Compara-o com um oleiro (Gênesis, capítulo 2, versículo 7). São muitas as imagens e comparações na Bíblia.

Leia o capítulo 13 de Mateus e perceba como Jesus compara o Reino de Deus com uma semente, o trigo, o grão de mostarda, a rede, a pérola, o talento!

Há muitos tipos de linguagem nas Escrituras

Entre nós, há muitos tipos de linguagem. Por exemplo, no direi-to, quando o assunto é a lei, a linguagem é clara e concisa. Já a poesia usa metáforas, símbolos. Uma crônica é diferente de uma carta. Uma carta comercial não é igual a uma carta familiar. Uma fábula é diferente de um relato histórico. O narrador de um jogo de futebol não usa a mesma linguagem do contador de piadas.

Assim há também muitos tipos de linguagem nas Escrituras. Nelas encontramos histórias, estórias, poesias, romances, parábolas, alegorias ou comparações, provérbios, orações, cantos, profecias, apocalipses, narra-tivas de milagres, de vocações. Só isso já nos ensina que não podemos ler a Bíblia ao pé da letra, tal qual dizem as palavras que lemos. É preciso in-

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terpretar cada texto conforme a linguagem com que é expresso. A Bíblia tem até fábulas, como aquela das árvores que falam e resolvem eleger um rei (leia Juízes, capítulo 9, versículos 7 a 15).

Prosa e poesia: as duas formas básicas de linguagem na Bíblia:

Fundamentalmente, são duas as formas literárias na Bíblia: prosa e poesia.

• A prosa é uma narrativa, uma descrição em forma linear, tal como falamos normalmente.

• Já a poesia é uma forma imaginativa de falar e escrever. É a arte de falar em versos e por imagens.

Algumas formas literárias em prosa são:

• listas de nomes ou genealogias (Gênesis, capítulo 10; Mateus, capítulo 1, versículos 1 a 16);

• listas de leis (Deuteronômio, capítulo 5, versículos 6 a 21); • crônicas, isto é, narrações históricas cronológicas (primeiro li-

vro de Reis, capítulo 16, versículos 8 a 14); • diários de viagens (Atos dos Apóstolos, capítulo 15, versículo

40 até capítulo 16, versículo 5); • novelas (Rute e Jonas); • fábulas (Juízes, capítulo 9, versículos 7 a 15); • parábolas (Mateus, capítulo 13); • narrativas de vocação (Gênesis, capítulo 12, versículos 1 a 9;

Êxodo, capítulo 3; Primeiro Livro de Samuel, capítulo 3); • narrativas de milagres (Mateus, capítulos 8 a 9); • discursos (Deuteronômio, capítulo 1; Mateus, capítulos 5 a 7); • visões (Amós, capítulo 7, versículos 1 a 9); • testamentos (Gênesis, capítulo 49); • cartas (Jeremias, capítulo 29, versículos 1 a 14); • biografias (Amós, capítulo 7, versículos 10 a 17); • alegorias (provérbios, capítulo 1, versículos 20 a 33); • contratos (primeiros Livro de Reis, capítulo 5, versículos 15 a 26); • lendas etiológicas.

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Etiologias são estórias populares para explicar, num passado distante, a causa de uma situação que os autores vivem em seu tempo. Exemplos:

• Gênesis, capítulo 3, versículo 14: a razão por que as serpentes se arrastam em vez de caminhar;

• Gênesis, capítulo 25, versículos 19 a 34: a causa da inimizade entre Israel e os edomitas;

• Gênesis, capítulo 19, versículos 30 a 38: a rivalidade entre os israelitas e os povos de Amon e Moab.

A poesia também se apresenta de muitas formas:

• provérbios (provérbios, capítulo 25; Eclesiástico, capítulo 24); • Salmos (Salmos 41 e 105); • cânticos de vitória (Êxodo, capítulo 15, versículos 1 a 21; Juí-

zes, capítulo 5); • cânticos de amor (Cântico dos Cânticos); • lamentações (segundo livro de Samuel, capítulo 1, versículos

19 a 27; livro das Lamentações).

Formas de linguagem na literatura profética

A literatura profética tem

Prosa:

• vocações: Isaías, capítulo 6; Jeremias, capítulo 1; • narrativas biográficas: Amós, capítulo 7, versículos 10 a 17; • visões: Amós, capítulo 7, versículos 1 a 9; Zacarias, capítulo 1 a 6; • gestos simbólicos: Jeremias, capítulo 28, versículos 1 a 14; • parábolas: Isaías, capítulo 5, versículos 1 a 7.

Poesia: • oráculos de ameaça: Amós, capítulo 4, versículos 2 a 3; • oráculos de acusação: Amós, capítulo 5, versículo 18; • oráculos de salvação: Isaías, capítulo 41, versículos 17 a 20; • oráculos de proteção: Isaías, capítulo 41, versículos 8 a 13.

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Como você pode ver nestes exemplos, é grande a riqueza das for-mas literárias que aparecem nos escritos bíblicos. Fala-se, assim, de di-versas formas, estilos ou gêneros literários.

Antes de seguir adiante, faça agora um exercício. Leia pelo menos alguns dos textos bíblicos em prosa epoesia, citados acima e procure per-ceber as características próprias de cada uma dessas formas literárias.

Para você continuar a reflexão

1. O que lhe chamou mais a atenção a respeito da linguagem bíblica?

2. Quais são as principais formas de linguagem usadas no nosso dia-a-dia?

11 Traduções da Bíblia

A tradução é o único meio para fazer com que uma coisa escrita em uma língua possa ser lida e entendida por quem não fala aquela lín-gua. Para que as pessoas que não falavam as línguas originais em que a Bíblia foi escrita pudessem entendê-la, também as Escrituras tiveram que ser traduzidas.

Os manuscritos em papiro e pergaminho

Quando os livros da Bíblia foram escritos, a arte de escrever era ainda muito primitiva. Todos os livros bíblicos são "manuscrito", isto é, escritos à mão. O material usado era o "papiro", uma espécie de junco que crescia às margens do Rio Nilo, no Egito, e também na Galileia até o início do século XX. Suas hastes eram compactadas numa tela.

Outro material usado para a escrita era o "pergaminho", feito com peles de ovelhas ou de cabras. O nome vem da cidade de Pérgamo, na Ásia Menor, atual Turquia. Lá se preparava esse material.

Depois de escrito o texto, o papiro ou o pergaminho era enrolado e guardado em urnas. A palavra "Pentateuco" quer dizer cinco urnas ou estojos, onde se guardavam os rolos da lei. No uso comum, o termo pas-sou a significar também cinco rolos ou volumes.

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A primeira tradução da Bíblia hebraica foi para o grego

A primeira tradução das Escrituras foi a tradução do hebraico para o grego. Essa tradução veio dar resposta a uma necessidade sentida pelos judeus, quando se espalharam pelo Egito e outros países. Por lá se fixaram e seus descendentes já não entendiam mais o hebraico, pois ali a língua era o grego. Era necessário traduzir o texto hebraico para o grego, pois, no culto das sinagogas, o centro eram as Sagradas Escrituras. Toda a vida do povo judeu sempre foi marcada pela Bíblia, o coração de sua história. A tradução das Escrituras para o grego ficou famosa e se chama "Septuaginta" ou "Tradução dos Setenta", porque, segundo a tradição, ela foi feita por 70 sábios judeus a partir do século III a.C.

A segunda tradução da Bíblia foi para o latim

Com a chegada do Cristianismo às regiões do Império Romano onde não se falava o grego, como o Norte da África, Oeste e Norte da Europa, foi necessário traduzir a Bíblia grega para o latim.

As versões latinas da Bíblia foram surgindo, a partir do final do sé-culo II. Várias versões surgiram. Eram traduções feitas a partir da Septua-ginta, versão grega das Escrituras. Os tradutores dominavam pouco o latim e menos ainda o grego, traduzindo, muitas vezes, ao pé da letra.

Jerônimo e a "Vulgata"

O aparecimento dessas versões latinas, com problemas de tradu-ção, preocupou as autoridades da Igreja. Por isso, o papa Dâmaso, em 382, confiou a Jerônimo a revisão dos Evangelhos, tarefa que concluiu em 384. Depois disso, foi à Palestina, estabelecendo-se em Belém. Lá, num primeiro momento, traduziu para o latim vários livros do Primeiro Testamento a partir da versão grega. Mas abandonou esse projeto e pas-sou a traduzi-los diretamente do texto hebraico. Essa tarefa foi realizada entre 390 e 405- A tradução feita por Jerônimo ficou conhecida pelo nome de "Vulgata" que, em latim, significa "comum", "usual".

Na verdade, é bom lembrar que Jerônimo não traduziu sozinho a Bíblia. Ele coordenou uma equipe de tradução, formada especialmente por mulheres. Entre elas se destacava Paula.

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Certamente, por influência de rabinos, com quem se aperfeiçoou no hebraico e a quem consultava em casos de dúvidas na tradução, Jerô-nimo tinha restrições em relação aos livros que não constavam na Bíblia hebraica. Por isso, os chamou de deuterocanônicos.

A Vulgata teve grande aceitação. Durante muitos séculos, não houve quem produzisse obra de semelhante envergadura. Houve suces-sivas reproduções com revisões da tradução de Jerônimo. No final do sé-culo XVI, fez-se uma edição revisada da Vulgata. Uma nova revisão crítica foi feita no início do século XIX. E atualmente há um mosteiro em Roma onde os monges se dedicam a fazer nova revisão da tradução de Jerônimo.

A primeira Bíblia impressa

A "imprensa" só foi inventada por Gutenberg em 1450, e o pri-meiro livro impresso foi a Bíblia, no ano de 1455.

Depois dos textos hebraico, grego e latino, veio o alemão

Uns 1.100 anos depois de Jerônimo, na época da invasão das Américas pelos europeus, Lutero traduziu a Bíblia para o alemão, a lín-gua do seu povo. Ele dizia que "o povo tem que poder ler a Bíblia com sua cabeça e os seus olhos". No Primeiro Testamento, incluiu somente o texto hebraico, deixando fora os livros que Jerônimo chamara de "deutero-canônicos". Como já dizíamos acima, a situação conflitiva e polêmica in-fluenciou Lutero, que defendeu a ideia de que era preciso voltar à Bíblia hebraica, pois era o mais antigo texto da Bíblia. Embora não incluísse em sua tradução os livros deuterocanônicos, Lutero recomendou sua lei-tura. Ele se baseou na opinião de Jerônimo: "Esses livros são proveitosos para alimentar a fé. A Igreja os acata e os lê. Mas não se deve usá-los como fundamento para estabelecer doutrinas".

As traduções da Bíblia para o português

A primeira tradução da Bíblia para a língua portuguesa foi feita em 1681 por João Ferreira de Almeida, que era evangélico, e publicada em um só volume sob o título de "A Bíblia Sagrada". Em 1821, com o

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título de "Santa Bíblia", foi publicada a tradução católica portuguesa do padre Antonio Pereira Figueiredo.

Nos últimos 50 anos, foram editadas várias traduções da Bíblia, como a "Bíblia de Jerusalém" (Edições Paulinas), a "Bíblia Sagrada" (Editora Vozes), "A Bíblia Sagrada - Edição Pastoral" (Editora Paulus), "Tradução Ecumênica da Bíblia" (Edições Loyola), "A Bíblia na Lin-guagem de Hoje" (Sociedade Bíblica do Brasil), "Bíblia do Peregrino" (Editora Paulus), entre outras.

Os estudos da Bíblia avançaram muito nos últimos tempos. Milhares de "exegetas", que quer dizer intérpretes e pesquisadores que nos ajudam no enten-dimento e na interpretação das Escritu-ras, dedicam-se ao estudo da Bíblia. Eis por que estão sempre aparecendo novas traduções mais aperfeiçoadas.

Traduzir não é uma tarefa fácil, principalmente por causa da diferença das línguas, das culturas. Frei Gil Gomes, um missionário indigenista, resolveu traduzir o "Pai-Nosso" para a língua dos índios, com os quais morava. Quando chegou no "per-doa-nos as nossas dívidas", empacou porque na língua deles não havia palavra correspondente a "perdoar". Então um índio sugeriu assim: "Coloca nossas faltas para trás de tuas costas". Nas nossas Bíblias, por exemplo, achamos muitas vezes o verbo "converter-se" ou "arrepen-der-se" para traduzir a ideia que a Bíblia hebraica expressa com o verbo "voltar a Deus".

Para você continuar a reflexão

1. O que é a Bíblia conhecida como "Septuaginta"? Quando e por que surgiu?

2. O que é a Bíblia conhecida como "Vulgata"?

A Bíblia já foi traduzida para

centenas de línguas e é o livro mais

divulgado no mundo. Isso já é um testemunho do valor que lhe é conferido.

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12 Citações da Bíblia

A divisão em capítulos e versículos

Nos manuscritos antigos não havia títulos nem a divisão em capí-tulos e versículos, como temos hoje. A divisão em capítulos é atribuída a Estêvão Langton, arcebispo de Cantuária na Inglaterra a partir de 1214. A divisão em versículos do Primeiro Testamento foi feita pelo frade do-minicano Santes Pagnini em 1527. A do Segundo Testamento foi feita pelo tipógrafo francês Roberto Etienne em 1551. Robert Stephens foi quem imprimiu a primeira Bíblia com essas divisões. Foi a edição da "Vulgata" em latim, publicada em 1555.

A partir da separação em capítulos e versículos, tudo ficou mais fácil. Hoje, a gente abre uma Bíblia e encontra tudo muito bem organi-zado: vem o título do livro, depois o título do capítulo e, em muitos ca-pítulos, os subtítulos dos assuntos, com a numeração dos versículos.

Note-se que os títulos e subtítulos dos capítulos variam de tradu-ção para tradução. Isso se deve ao fato de não fazerem parte dos textos originais da Bíblia, mas serem obra de quem faz a tradução. Nos diferen-tes títulos, podemos perceber várias tendências. É que nenhuma tradu-ção é neutra, e a diferença entre títulos para um mesmo texto reflete a interpretação do texto por cada tradutor a partir de seus condiciona-mentos e opções. De fato, traduzir um texto é mais do que uma simples tradução. Também é uma interpretação.

Pegue duas ou mais Bíblias de traduções diferentes e perceba como mudam os títulos para os mesmos textos!

Abreviaturas dos livros bíblicos

Para facilitar as citações de textos bíblicos, foi estabelecida uma abreviatura para cada livro das Escrituras, com duas ou três letras, como você pode conferir no quadro a seguir ou nas primeiras páginas de sua Bíblia, onde poderá encontrar a lista completa dos livros bíblicos, bem como a abreviação de cada um. Daqui em diante, usaremos somente as abreviaturas nas citações bíblicas, conforme quadro abaixo.

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No CEBI, adotamos a seguinte forma abreviada para os títulos dos livros bíblicos

Gênesis Gn Amós Am Êxodo Ex Abdias Ab Lev/tico Lv Jonas Jn Números N m Miqueias Mq Deuteronômio Dt Naum Na Josué Js Habacuc Hab Juízes Jz Sofbnias Sf Rute Rt Ageu A g Samuel iSm, 2Sm Zacarias Zc Reis 1 Rs, 2Rs Malaquias Ml Crônicas lCr , 2Cr Esdras Esd Mateus Mt Neemias Ne Marcos Mc Tobias Tb Lucas Lc Judite Jt João Jo Ester Est Atos dos Apóstolos At Macabeus lMc, 2Mc Romanos Rm Jó Jó Coríntios lCor, 2Cor Salmos S I Gálatas GI Provérbios Pr Efésios Ef Eclesiastes (Coélet) Ecl Filipenses FI Cântico dos Cânticos Ct Colossenses Cl Sabedoria Sb Tessalonicenses ITs, 2Ts Eclesiástico (Sirácida) Eclo Timóteo lTm, 2Tm Isaías Is Tito Tt Jeremias Jr Filemon Fm Lamentações Lm Hebreus H b Baruc Br Epístola de Tiago Tg Ezequiel Ez Epístolas de Pedra IPd, 2 Pd Daniel Dn Epístolas de João l jo , 2Jo, 3Jo Oséias Os Epístola de Judas Jd Joel J1 Apocalipse Ap

Observação: Na Bíblia traduzida por João Ferreira de Almeida, os seguintes livros têm outra abreviatura: Primeiro Testamento: Esdras (Ed), Ester (Et), Eclesiastes (Ec), Abdias ou Obadias (Ob) e Habacuc (Hc). Segundo Testamento: Primeira e Segunda Cartas aos Coríntios (1 e 2Co), Filipenses (Fp), Primeira e Segunda Cartas de Pedro (1 e 2Pe).

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No CEBI, adotamos a seguinte interpretação das citações de textos bíblicos

Para interpretar uma citação, como por exemplo Mt 3,15b; 6,l-2.33s, precisamos saber o significado da vírgula, do "b", do ponto e vírgula, do hífen, do ponto e do "s". Vamos por partes.

• A vírgula separa capítulo de versículo. Exemplo: A citação Gn 3,1 é lida da seguinte maneira: livro do Gênesis, capítulo 3, versículo 1.

Observação: No lugar da vírgula para separar capítulo de versícu-los, a versão de João Ferreira de Almeida e a literatura evangélica usam o ponto. Exemplo: Mt 3.15.

• O ponto e vírgula separa capítulos e livros. As citações Gn 5,1-7; 6,8; Ex 2,3 se leem assim: livro do Gênesis, capítulo 5, versículos de 1 até 7; capítulo 6, versículo 8; livro do Êxodo, capítulo 2, versículo 3.

• O ponto separa versículo de outro versículo, quando não segui-dos. A citação Lc 6,20.30-36é assim interpretada: Evangelho de Lucas, capítulo 6, versículo 20 e versículos 30 a 36. O ponto significa V .

Observação: A versão de João Ferreira de Almeida e a literatura evangélica, no lugar do ponto, usam a vírgula. Exemplo: Lc 6.20,30-36.

• O hífen indica sequência de capítulos ou de versículos. As cita-ções Jo 3-5; 2Tm 2,1-6; Mt 1,5-12, 9 se leem da seguinte for-ma: Evangelho de João, capítulos de 3 a 5; Segunda Carta a Timóteo, capítulo 2, versículos de 1 até 6; Evangelho de Ma-teus, capítulo 1, versículo 5 até capítulo 12, versículo 9. O hífen significa "a", "ao" ou "até".

• As letras "s" ou ainda "ss" são usadas para o versículo "seguin-te" ou "seguintes". Pode acontecer que você encontre uma ci-tação bíblica sob a seguinte forma: Lv 25,23s; 26,44ss. Nesse caso, assim será a interpretação da primeira citação: livro do Levítico, capítulo 25, versículo 23 e seguinte. A segunda cita-

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ção deve ser lida da seguinte forma: livro do Levítico, capítulo 26, versículo 44 e seguintes, isto é, até o final do capítulo.

• Pode ainda acontecer que você encontre citações como esta: Gn 1,1-2,4a. O que significam as letras "a", "b" ou ainda "c"? Essa citação quer dizer o seguinte: livro do Gênesis, capítulo 1, versículo 1 até capítulo 2, versículo 4 "primeira parte". A se-gunda parte do versículo 4 não faz parte desta citação bíblica. Quando aparece a letra "b" quer dizer a segunda parte. Às vezes, aparece o "c". Nesse caso, o versículo foi dividido em três par-tes, sendo que a terceira parte corresponde ao "c".

Para exercitar e memorizar o que estudamos neste item, propomos que você localize e leia em sua Bíblia todas as citações elencadas acima.

13 Universalidade da revelação

A missão do povo eleito

Por um lado, o Primeiro Testamento se refere com muita fre-quência ao povo israelita como "Povo de Deus" ou "Povo Eleito". Por outro lado, insiste também que esse povo tem uma missão universal.

A promessa feita a Abraão de ser uma bênção para todos os povos deve estender-se a todas as nações da terra (Gn 12,3; 18,18; 22,18; 26,4; 28,14). Conforme a profecia contida no livro de Isaías, Israel deve ser "a luz dos povos" (Is 42,6; 49,6; 60,3). Nas Escrituras, eleição não é privilégio, mas missão, responsabilidade.

Eleição divina não é privilégio. E

compromisso. A missão do povo que tem consciência de

ser escolhido por Deus é ser

"luz dos povos."

Deus se revela a todos os povos e a todas as culturas

Deus está presente e atuante na história de todos os povos, na his-tória do povo brasileiro também. Não é verdade que ele é o criador de todas as coisas e de todos os povos?

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Veja, por exemplo, o que diz o apóstolo Paulo em Atos dos Após-tolos (At 17,22-28)!

O profeta Amós já tinha dito que Deus não cuidava só de Israel: "Por acaso, israelitas, para mim vocês são diferentes dos etíopes? Eu não tirei Israel da terra do Egito? Mas também não tirei osfilisteus de Cáftor? E não fiz os arameus saírem de Quir? (Am 9,7).

A mensagem do livro de Jonas vai na mesma direção.

A experiência israelita de Deus é uma revelação na história do povo

Para revelar, para manifestar essa sua presença e atuação, Deus se revelou na história do povo, tornando-a exemplar. É exemplar porque serve de exemplo, de modelo a ser olhado com atenção. É uma experiência típica da pre-sença ele Deus na vida do povo em meio a um processo libertador das forças de opressão. Daí a importância da história israelita. Ela nos deve ajudar para perce-ber, na história dos outros povos, como Deus está se revelando no mundo todo.

Deus não quis se revelar em palácios, mas junto a oprimidos

Uma das características marcantes da Bíblia é que, em sua maior parte, ela é a história interpretada a partir do povo que sofre, que luta, que labuta e não tanto a partir dos "senhores do mundo", dos domina-dores, dos governantes.

A história dos "senhores do mundo" está registrada na "literatura oficial", ensinada nas escolas, celebrada nas datas oficiais, gravada nos monumentos, lembrada nos nomes de praças e de ruas.

Deus não quis revelar-se nos palácios nem mesmo nos templos. Mas optou por se manifestar na vida de um povo que foi escravo no Egi-to, vagou pelo deserto e enfrentou grandes dificuldades para se organi-zar na terra de Canaã. Depois de uma bela convivência na época das tribos, passou pela fracassada experiência da monarquia e do exílio babi-

"[...] Eu ocupo uma morada sublime e

santa, mas também moro com os oprimidos

e humilhados, dando nova vida aos

humilhados e coragem aos oprimidos."

( I s 5 7 , 1 5 )

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lônico, foi dominado e oprimido sucessivamente por vários impérios. E foi justamente nessa experiência que o filho de Deus se encarnou.

E nesse sentido que Jesus ora: "Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado" (Mt ll,25s.).

A revelação de Deus é universal

Pode-se dizer que a Bíblia relata uma experiência universal por-que está estreitamente ligada com a vida. E a vida é o que há de mais uni-versal. Onde a vida se manifesta, aí o próprio Deus está se revelando.

Não foi fácil para os estudiosos fazerem uma "cronologia" bíblica, isto é, situar os acontecimentos narrados na Bíblia no calendário da "his-tória oficial". Por exemplo, as histórias de Moisés e do Êxodo são fatos importantes da história do povo de Israel. Apesar disso, não estão regis-trados nos arquivos do Império Egípcio. E o Egito já tinha um grau rela-tivamente elevado de civilização e uma burocracia muito bem montada. Os encontros de Moisés com o faraó, cujo nome a Bíblia omite, pare-cem encontros extraoficiais, sem nenhum protocolo que as audiências com os chefes de estado sempre exigiram.

Tudo isso é indício de uma universalidade que faz com que os fa-tos, as pessoas, as situações, embora bem concretos, recebam uma carga simbólica muito grande. Dessa forma, ultrapassam os limites da expe-riência particular, isto é, adquirem certa transcendência. São projetados para além de suas fronteiras históricas e geográficas. E como se Moisés, o faraó, a opressão do Egito, o clamor do povo, o sonho de libertação se reproduzissem na nossa realidade de hoje no Brasil, bem como de todos os povos em todos os tempos.

A revelação de Deus é universal e versátil

De certo modo, a revelação na Bíblia é não só universal, mas tam-bém "versátil". Deus se revela a todos os povos, revelando-se a cada cultu-ra, a cada novo contexto. É a inculturação de Deus em todos os povos. Sua versatilidade, isto é, sua manifestação de acordo com a cultura de cada povo, permite que percebamos o mesmo Deus se revelando nas diversas culturas por mais que sejam diferentes da tradição bíblica.

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Para você continuar a reflexão

1. A partir de Is 42,1 -9 e 49,1 -7, qual a missão do "povo de Israel"? 2. Como você explica que a revelação de Deus aos israelitas é

exemplar? 3. O que você pensa sobre o culto ao mesmo Deus que tantos e

tão diferentes povos prestam sob formas tão distintas? 4. O que você considera mais importante neste capítulo sobre a

universalidade da revelação?

14 A Bíblia, uma obra em mutirão A Bíblia é uma obra elaborada num grande mutirão. Muita gente

participou dele. Pessoas de várias gerações acreditaram na presença de Deus em sua vida e descreveram sua caminhada junto com esse Deus.

Como obra em mutirão, a Bíblia é um livro que tem sua origem no povo. É do povo. O povo é seu autor. Ele é também o destinatário privilegiado das Escrituras.

A Bíblia é do povo

A origem da Bíblia está no povo. Em sua maior parte, tanto o Pri-meiro como o Segundo Testamentos tratam realmente de uma história do povo. Mas não do povo enquanto uma determinada nação ou uma etnia, uma cultura particular. E sim um povo que foi formado por gente simples, na mistura de várias tribos e clãs, que, na sua diversidade étnica e cultural, organizaram-se originalmente de forma fraterna, tribal. Um povo que não se impôs como um império poderoso na Antiguidade, mas quase sempre viveu à margem dos impérios, muitas vezes por eles dominado e ameaçado de destruição.

A Bíblia é o registro da fala de muitas categorias da sociedade. Tem fala de mulher e de homem, de crianças e de jovens, de gente adulta e idosa, de rei e de sábio, de sacerdote e de agricultor, de pastor e de dona de casa, enfim de todo tipo de gente. E tem os tons de todos os sentimen-tos, dando ênfase especial ao clamor dos pobres e dos oprimidos.

Se a Bíblia é do povo, por que as autoridades eclesiásticas a manti-veram tanto tempo fora de seu alcance? Nesse sentido, foi importante a

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reforma do século XVI. Lutero, por exemplo, logo traduziu a Bíblia para o alemão. Desse modo, os fiéis que não sabiam o latim tinham acesso di-reto às Escrituras.

Nos últimos 40 anos do século XX, houve, também no mundo católico, um grande interesse por parte das comunidades em ler e estu-dar a Bíblia. Especialmente nas comunidades eclesiais de base, o povo se reapropriou novamente desse livro sagrado que sempre lhe pertenceu.

A Bíblia foi feita pelo povo

Geralmente, os escritos populares mergulham no anonimato. De muitas canções não se sabe o nome do autor. E como se os autores popu-lares, na convicção de que apenas estão traduzindo os sentimentos co-muns, retirassem o seu nome e renunciassem aos direitos autorais.

Assim é a Bíblia. A homenagem prestada a figuras importantes do passado, atribuindo a elas a autoria de livros bíblicos, é um modo de dis-farçar o anonimato típico da produção literária popular. A Bíblia é real-mente uma obra popular. Isso não significa que seja sem valor histórico.

Há também livros na Bíblia que são alta literatura e saíram da pena de verdadeiros gênios. O sonho do grande poeta Murilo Mendes era tradu-zir o livro do Cântico dos Cânticos, por ele considerado como a obra-prima da literatura de todos os tempos. O livro de Jó é uma verdadeira joia literá-ria. Assim também as profecias de Isaías e a maior parte dos salmos. Seus autores, porém, estão identificados com o povo. O conteúdo de suas obras está na perspectiva popular, em defesa da vida do povo oprimido.

Já vimos que há fundamentalmente dois projetos em confronto na Bíblia. Por um lado, o popular e, por outro, o oficial. Por trás do pro-jeto oficial estão os interesses do pessoal da corte e do templo. Mas esse grupo não conseguiu impedir e excluir a literatura popular que constitui o eixo central das Escrituras. É justamente nela que podemos perceber a presença misteriosa de Deus que faz história com seu povo. Portanto, em seu eixo fundamental, a Bíblia é uma obra produzida pelo povo.

Não é correto imaginar que os autores bíblicos tenham sido pessoas que se isolaram em seus "escritórios" e, diante dos seus "computadores", redigiram seus livros. Talvez assim aconteça com nossos romancistas hoje.

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Mas com os escritos da Bíblia não foi assim. Os textos bíblicos, antes de serem escritos, foram memória oral durante muito tempo. Uns mais e outros menos. Antes de virar texto, a experiência de Deus era contada, celebrada, atualizada para novos tempos. Aos poucos, essa me-mória oral foi sendo colocada por escrito. Nesse processo todo, muitas pessoas, até gerações inteiras, deram sua contribuição. De fato, a Bíblia é um livro que é fruto de um grande mutirão.

O povo é o destinatário privilegiado das Escrituras

O destinatário privilegiado da Bíblia é simplesmente o povo. O povo do mundo inteiro, de ontem e de hoje.

A mensagem da Bíblia se dirige a todas as pessoas, mas não de uma maneira neutra. Por um lado, o Deus que se revela na Bíblia cobra, acima de tudo, a justiça nas relações humanas. Por outro, toma decidi-damente partido por quem é injustiçado. É o Deus que está sempre dis-posto a ouvir o clamor dos oprimidos.

Leia agora Ex 3,7-10! Quando falamos que também o povo hoje é destinatário das Escri-

turas, referimo-nos a todas as pessoas de boa vontade e que acreditam e lu-tam por um mundo de paz baseado na justiça. Mas referimo-nos de modo especial à multidão de pessoas marginalizadas e excluídas cada vez mais no sistema neocolonial. No capitalismo selvagem em que vivemos, o grande ídolo é o lucro no mercado competitivo, sem freios nem limites, arena em que as feras brutais do capital desenfreado estraçalham as vítimas que pa-recem não ter direito à vida por não serem produtoras ou consumidoras. E são elas os destinatários privilegiados da Bíblia.

Para você continuar a reflexão

1. Comente a afirmação: "A Bíblia é uma obra elaborada num grande mutirão".

2. O que lhe chamou mais a atenção no exposto acima sobre a Bí-blia como obra de mutirão?

3. Você conhece alguma obra literária de hoje que é fruto de um mutirão popular? Qual?

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15 Onde viveu o povo da Bíblia

A Terra de Israel ê uma região muito pequena

A história do povo da Bíblia teve como palco principal uma área que não passa de uma pequena região em relação ao tamanho do nosso planeta e mesmo em relação ao tamanho do Brasil. E mais ou menos o pequenino Estado de Sergipe.

Veja os números:

• O planeta terra tem 148 milhões, 905 mil e 400 quilômetros quadrados de superfície.

• O Brasil tem 8 milhões, 516 mil e 37 quilômetros quadrados. • A Palestina tem apenas 25 mil quilômetros quadrados. • Isso quer dizer que a Palestina é 340 vezes menor que o Brasil.

No conjunto do planeta, não passa de uma pequena porção de ter-ra espremida entre o Mar Mediterrâneo e o Deserto Siro-Arábico.

Confira nos mapas a seguir!

O quadro em destaque no mapa acima nos situa na região do Oriente Médio dentro do mundo e corresponde no mapa ao lado.

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Os nomes dados à Terra de Israel no decorrer da história

Antes de seguirmos, convém lembrar algumas informações sobre os nomes dados a essa terra no decorrer da história:

• Antes da formação do povo de Israel, isto é, mais ou menos até 1250 a.C., essa terra era chamada Terra de Canaã. Aí viviam os povos cananeus.

• A partir da organização das tribos israelitas, passou a ser chama-da Terra de Israel, Terra Prometida ou ainda Terra Santa.

• Em 931 a.C, após a morte do rei Salomão, houve a divisão do reinado. A parte Norte ficou conhecida como Reino de Israel. E a parte Sul foi chamada de Reino de Judá.

• No tempo de Jesus, os romanos passaram a chamar toda a re-gião de Palestina.

• As três províncias mais lembradas no Segundo Testamento são: Judeia ao sul, Samaria o centro e Galileia ao norte.

• Hoje em dia, existem três estados nessa região: um é o Estado Árabe da Jordânia (parte ocupada por Israel desde 1967). O outro é o Estado de Israel, formado por judeus e árabes. O ter-

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ceiro é o Estado Árabe da Palestina, previsto pela ONU (Orga-nização das Nações Unidas) desde 1948 e que está sendo implantado com muitas dificuldades desde 1996.

A Terra de Israel ocupa lugar estratégico

Mas esse pequeno pedaço de terra está localizado num lugar estra-tégico muito importante, porque liga três grandes continentes, a saber: África, Ásia e Europa. A Europa do lado oeste, onde está o Mar Mediter-râneo, a Ásia do lado leste e a África do lado sudoeste. São como três grandes cordas que dão um nó na Palestina.

Tendo uma localização estratégica, era passagem obrigatória, tan-to para o comércio como para a guerra, entre os povos desses três conti-nentes. Era a porta para os europeus que vinham pelo mar e a ligação terrestre entre o Egito e a Mesopotâmia, que foram o berço das mais an-tigas civilizações. Qualquer desequilíbrio ou conflito entre essas grandes civilizações repercutia necessariamente na Terra de Israel, com conse-quências muitas vezes trágicas.

Nos primórdios do povo da Bíblia, na época de Abraão, havift Um grande fluxo migratório entre a Mesopotâmia e o Egito. A família de Abraão foi uma família de retirantes, como acontece tanto entre 0 Nor-

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deste e Sudeste do Brasil. Como o Nordeste brasileiro, também a Terra Prometida era uma terra sujeito à seca. Essa realidade transparece na his-tória de Jacó, que foi obrigado a migrar com toda a família para o Egito, conforme as bonitas histórias da Bíblia (Gn 42ss).

O sentido religioso da Terra Prometida

Para o povo dc Israel, a Terra Santa tem um profundo sentido religioso.

• É a herança que Deus tinha prometido a Abraão (Leia Gn 12,7; se quiser conferir mais citações, veja ainda 13,15; 15,18; 17,8; 26,3-5).

• É herança que não se pode vender (leia 1 Rs 21,1 -16, especial-mente os versículos 1 a 3. Confira ainda Nm 36,7).

• É doação de Deus (confira Js 24,2-13). • É terra partilhada (leia Js 13,6s). • Se é de Deus, então todos têm direito à terra. Porém, direito de

uso e não de propriedade, pois a terra pertence somente a Deus (veja Lv 25,23).

A Terra de Israel se divide em quatro faixas

Quanto ao aspecto físico do relevo, podemos distinguir quatro fa-ixas de oeste a leste, isto é, desde o Mar Mediterrâneo até o deserto: a planície litorânea, o planalto central, a depressão do Rio Jordão e o pla-nalto transjordânico.

Ao mesmo tempo em que você vai lendo cada item que segue, confira as informações nos mapas que seguem ou nos mapas de sua Bí-blia. Vamos por partes.

a) A planície litorânea É uma região agrícola por excelência. Ao norte, é interrompida

pelo monte Carmelo, que abre a grande planície fértil de Esdrelon ou Jezrael em direção ao Mar da Galileia. A parte sul desta planície é fértil. Nela estavam as principais cidades dos filisteus. Mais ao centro, temos a planície do Saron ao longo da costa marítima e a Sefela, região entre a planície de Saron e as montanhas de Judá.

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Ao longo dessa faixa litorânea, passava uma das estradas que liga-va o Egito com a Mesopotâmia.

b) O planalto central O planalto central é também chamado de montanhas da Cisjor-

dânia. Cisjordânia quer dizer "antes, aquém do Jordão", naturalmente para quem se posiciona no lado oeste do rio, onde se encontra a cidade de Jerusalém. Estende-se pela região montanhosa do interior.

De norte a sul, temos:

• as montanhas de Neftali e a planície de Esdrelon ou Jezrael ao norte;

• as montanhas da Samaria ou de Efraim ao centro; • mais ao sul, as montanhas de Judá, mais tarde Judeia, isto é, a

partir da dominação dos persas (539-333 a.C.).

No planalto central, encontram-se as cidades bíblicas mais impor-tantes: Samaria, Siquém, Silo, Jerusalém, Belém, Hebron e outras.

Os montes que se destacam são: Meron, de 1208 m de altitude, Tabor, de 588 m, Garizim, de 880 m, Ebal, de 940 m, Sião, sobre o qual estava Jerusalém, de 770 m de altitude.

No declive leste da serra de Judá, a leste e sudeste de Jerusalém, descendo até o Rio Jordão e o Mar Morto, se encontra o deserto de Judá. As regiões desérticas se ampliam em torno do Mar Morto, na metade sul do vale do Jordão e no Negueb ao sul.

c) A depressão do Rio Jordão: A depressão do rio Jordão é a mais profunda do planeta. Nela se

encontram:

• o leito do Rio Jordão; • o Mar Morto; • o vale de Arabá • e, mais ao sul, o golfo de Acaba.

Ao norte, está o Mar da Galileia, também chamado de lago de Genezaré, Tiberíades ou Quineret. É rico em peixes e cercado de aldeias de pescadores. Dele falam muito os Evangelhos, pois é a região onde Je-sus morou.

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Pelo lago passa o Rio Jordão, que tem suas nascentes no alto das montanhas do Líbano. Entre o lago de Genezaré e o Mar Morto, o vale do Jordão é uma região desértica. Aí existem alguns oásis, como Jericó. Depois de numerosas curvas, o Rio Jordão desemboca no Mar Morto.

O Mar Morto, que tem 76 quilômetros de comprimento por 17 de largura, fica a 392 metros abaixo do nível do mar. Chama-se Morto porque não oferece condições para a vida, pois sua água é seis vezes mais salgada do que a água dos oceanos.

d) O planalto transjordânico O planalto transjordânico também é conhecido como monta-

nhas da Transjordânia. Transjordânica significa "além do Jordão". Ergue-se do lado leste do Rio Jordão e vai, pouco a pouco, baixando de nível até confundir-se com o Deserto Siro-Arábico. O Monte Nebo aí se destaca (802m).

Tanto na Cis como na Transjordânia, a maioria dos rios e córre-gos secam no verão, tendo água somente próximo às suas desembocadu-ras no Jordão. Na Transjordânia, os rios perenes são: Jarmuc, ao norte, Jaboc, ao centro, Arnon e Zered, a leste do Mar Morto.

Leia as seguintes citações bíblicas e localize nos mapas de sua Bíblia as localidades que aí aparecem!

1. Apesar de ser um território pequeno, por que essa terra ocupa um lugar estratégico na região?

2. Para o povo de Israel, a terra prometida tem um profundo sen-tido religioso. Comente essa questão a partir de Lv 25,23; Js 24,2-13; SI

Gn 22,19 Gn 32,23 Gn 37,12 Jz 16,1

Gn 32,11 Gn 35,1 Js 6,2 2Sm 15,10 lRs 21,1 lRs 18,19

Is 65,10

Para você continuar a reflexão

24,1-2; Is 66,1-2.

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RELEVO DA TERRA DE ISRAEL

Corte I.este-Oeste Jurusalém 1 M. Oliv.

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RELEVO DA TERRA DE ISRAEL Corte Nortc-Sul

Belém Hebron

Bersabeia *

M. Garizim Esdrelon M ^

Nazaré

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16 Distintas épocas estão por trás da Bíblia

Os textos bíblicos refletem o contexto da época

Todas as pessoas são condicionadas pelo meio em que vivem. Daí certa dificuldade de entender as atitudes, os hábitos, o comportamento de quem vive em outro ambiente. Por exemplo, a vida no campo é bem diferente da vida na cidade. Ou ainda, os costumes dos povos indígenas ou africanos são muito diferentes dos hábitos europeus.

Assim também acontece com as Escrituras bíblicas. Para entender o conteúdo da Bíblia, é preciso fazer um esforço de análise da realidade, isto é, a situação econômica, política, social e cultural-religiosa do perío-do em que o texto foi escrito. Ou ainda do período a que o texto se refe-re, uma vez que quase todos os textos bíblicos foram escritos depois de as experiências terem sido transmitidas pela tradição oral durante muito tempo. É bom sempre ter presente, por exemplo, que os acontecimentos descritos no Pentateuco vêm separados por um longo período de tempo da sua fixação por escrito, tal como os temos na Bíblia. Mas, se bem notarmos, tudo isso transparece no próprio texto.

A sociedade israelita é patriarcal

A família e a sociedade israelitas são de tipo patriarcal. Toda a Bí-blia é produzida em ambiente acentuadamente patriarcal. O poder de decisão está centrado no homem. A mulher é relegada a um segundo plano, vive à margem da sociedade, confinada à casa e aos afazeres domésticos.

Daí a importância da "leitura feminista da Bíblia", que procura resgatar a dignidade e a presença da mulher nos textos. Procura também valorizar textos bíblicos, como o Cântico dos Cânticos, Ester, Rute, Ju-dite e textos do Segundo Testamento, como literatura crítica à cultura pa-triarcal presente naquele tempo. A leitura feminista não só valoriza certos textos, mas faz uma leitura crítica de toda a literatura bíblica, questionan-do especialmente a linguagem patriarcal centrada no homem.

É bom, porém, não esquecer que a casa não era só lugar de consu-mo, mas também de produção: era roça, oficina e pequena "indústria"

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doméstica (pão, queijo, calçado, roupa, vinho, óleo, etc.). E aí a mulher tinha papel muito importante.

*Leia Pr 31,10-31! Embora escrito numa perspectiva machista, fala dessa realidade da administração da casa pela mulher.

A história do povo bíblico é uma sucessão de dominações

Excluindo a época das tribos, a situação predominante em que o povo de Israel viveu durante quase toda a história foi a condição de opressão, de dependência. Inicialmente, por parte de seus próprios reis e depois por sucessivas dominações estrangeiras. Desse modo, é possível compreendermos por que a Bíblia é tão forte na sua crítica a qualquer sistema de dominação.

Diferentes períodos da história bíblica

Assim como geograficamente o povo da Bíblia ocupa uma parcela muito pequena do nosso planeta, assim também, historicamente, ocupa um período muito curto de tempo.

A história do povo de Israel começa com Moisés e os aconteci-mentos do Êxodo. As narrativas sobre Abraão e os patriarcas pertencem a uma época quando o povo como tal ainda não estava formado. Fala-se só das famílias dos patriarcas que andavam vagando por aquelas terras.

Ora, a época de Moisés foi durante a 19a dinastia do Egito, que foi do ano 1304 ao ano 1184 a.C. Isso quer dizer que, quando começou a história do povo de Israel, a história da humanidade já tinha avançado muito. Já existiam a agricultura e a pecuária. A metalurgia já tinha co-meçado. A escrita já tinha sido inventada. Havia grandes cidades e o Egito era um império poderoso. Em termos de história, a Bíblia "pegou carona no meio da viagem".

Podemos dividir a história do povo de Israel nos seguintes períodos:

• época da pré-história de Israel: patriarcas (anterior a 1250 a.C.); • êxodo e organização das tribos (1250 a 1040 a.C.); • reino unido (1040 a 931 a.C.);

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• reino dividido (931 a 586 a.C.): Israel (931 a 722 a.C.) e Judá (931 a 586 a.C.);

• exílio na Babilônia (586 a 539 a.C.); • reconstrução sob os persas (539 a 332 a.C.); • dominação grega (332 a 142 a.C.); • um período de autonomia (142 a 63 a.C.); • e dominação romana (63 a.C. em diante).

Agora, daremos uma rápida olhada em cada uma dessas épocas.

A época dos pais e das mães em Israel (anterior a 1250 a.C.)

O que é conhecido por período dos patriarcas chamamos aqui de época dos "pais e mães".

É o período anterior a 1250 a.C., isto é, desde os tempos de Abraão, Isaac e Jacó, bem como das grandes mães do povo, como Sara, Rebeca, Raquel, até o tempo de Moisés.

Em nossa Bíblia, as histórias dos pais e das mães do povo aparecem como uma árvore genealógica, tendo como tron-co Abraão e Sara. Certamente foram fun-didas em uma só história as várias histórias de clãs migrantes, iguais ao de Abraão e Sara. São grupos independentes e contem-porâneos que se fixaram em Canaã na épo-ca da formação das tribos, quando antes viviam com autonomia como seminômades na região. São anteriores à for-mação de Israel, pois ele ainda não se formara enquanto povo, o que ocorre-rá somente a partir do êxodo.

Naquela época, os reis cananeus viviam especialmente nas planícies. Estavam dependentes do Egito, que controlava a região. Para pagar tribu-tos ao faraó, os reis de Canaã oprimiam ainda mais os camponeses que viviam em aldeias ao redor de suas cidades. Para fugir da tributação, mui-tos agricultores fazem seu êxodo e vão sobreviver como pastores seminô-mades nas estepes, longe do fisco dos reis. Ali, também outros grupos seminômades vivem do pastoreio de gado pequeno, vindos de regiões

As histórias dos pais e das mães do povo

são anteriores à formação de Israel, pois ele ainda não

se formara enquanto povo, o que ocorrerá somente a partir do

êxodo.

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longínquas. São os grupos dos patriarcas que creem no Deus dos pais que promete terra e família.

Êxodo e organização das tribos (1250 a 1040 a.C.)

Inicia ao redor de 1250 a.C. e vai mais ou menos até o ano 1040 a.C. A fixação de grupos semitas no vale do Rio Nilo no Egito, sua in-fluência na administração egípcia (história de José, Gn 37-50), sua es-cravização e fugas esporádicas são atestadas pela história da época. É

provável que nas histórias do grupo capi-taneado por Moisés estejam também in-corporadas histórias de libertação de vários outros grupos.

Toda aquela caminhada foi sentida e contada como uma única e fantástica li-bertação conduzida por Deus. As leis, as

festas e as experiências religiosas receberam um novo significado. Por exemplo, a Páscoa, que era uma antiga festa dos pastores, e naquela oca-sião pode ter coincidido com a época do êxodo, passa a comemorar a saí-da do Egito (Ex 12).

Quanto à ocupação da terra, há uma opinião bastante fundamen-tada de que havia toda uma efervescência de revolta popular contra a ti-rania e opressão das cidades-estado dos reis cananeus. O grupo de Moisés fugiu do rei do Egito e, agora sob a liderança de Josué, conseguiu unir todos os grupos descontentes, sob a bandeira da fé no Deus liberta-dor, derrotando aqueles que oprimiam camponeses e pastores.

Durante uns duzentos anos, já constituído como povo e organi-zado por famílias, clãs e tribos, implantaram uma sociedade solidária, o oposto do regime do faraó e dos reis de Canaã. Nessa nova sociedade, não havia rei. Só Deus era o rei do povo (confira Jz 8,22s). A experiência com o Deus libertador no êxodo e na época das tribos tornou-se o eixo fundamental de toda a Bíblia.

Nas tribos, não havia rei nem templo. Seu poder e culto eram des-centralizados. Organizavam-se em forma de famílias e clãs. Não havia exército profissional e permanente. Para se defender de ameaças exter-nas, os camponeses se articulavam num exército popular momentâneo e

A experiência com o Deus libertador no êxodo e na época

das tribos tornou-se o eixo fundamental de

toda a Bíblia.

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de defesa. Não havia cobrança de impostos nem trabalho forçado. Vi-viam de forma solidária. Foi certamente o período mais bonito de toda a história de Israel.

Reino unido (1040 a 931 a.C.)

A rica experiência das tribos foi, aos poucos, sendo suplantada pela monarquia, isto é, por um poder centralizado nas mãos de um sobe-rano. A passagem para o reinado não foi tão pacifica assim. Houve mui-ta resistência, personificada na figura profética de Samuel, o último juiz (veja ISm 8,1-18!).

Para o movimento de resistência contra a instalação da monar-quia em Israel, liderado pelo profeta Samuel, optar por um rei foi come-ter um grande pecado (leia ISm 12,19!).

Fundamentalmente, foram três os fatores que levaram à implantação da monarquia:

• A organização das tribos, aos poucos, vai se tornando desi-gual. Isso se deve à corrupção interna e porque alguns gru-pos vão ficando mais ricos e poderosos, precisando de um poder centralizado na cidade.

• O contato com os povos vizi- i nhos que tinham um sistema monárquico, aos poucos, foi contagiando setores das tribos.

• A necessidade de manter uma defesa permanente contra as ameaças externas, especialmente dos filisteus.

Depois de uma fase de transição, Saul foi aclamado rei de "algu-mas" tribos na região central da terra de Israel, ao redor de 1040 a.C. (leia ISm 11,12-15!).

O primeiro rei de "todas" as tribos foi, de fato, Davi. Inicialmente foi rei das tribos de Judá e Simeão no Sul. Mais tarde, dominou as tribos do Norte de Israel, conquistou Jerusalém, fazendo dela sua capital, e or-

O reinado se impôs à custa de pesados

impostos, à custa de opressão e de

empobrecimento do povo. Para o movimento de resistência contra a

instalação da monarquia em Israel, liderado pelo

profeta Samuel, optar por um rei foi cometer um

grande pecado aos olhos de Deus.

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Região Sul ^ (Negueb )

GOLFO DE ÁCABA

O REINO DE DAVI E SALOMÃO

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ganizou a administração. Davi dominou os filisteus e outros povos vizi-nhos, construindo um verdadeiro império.

Sucedeu-o seu filho Salomão, que deu grande impulso ao reino, construiu o suntuoso templo de Jerusalém, aperfeiçoou a administra-ção, incentivou o comércio e a cultura, aumentou a idolatria e viveu no esplendor. Mas tudo isso à custa de pesados impostos, da opressão e do empobrecimento do povo.

Principais mudanças na vida do povo com a imposição do reinado

Grande transformação na vida do povo significou o processo de passagem da organização tribal para a monarquia. Mudou. Mas mudou para pior.

As principais mudanças foram:

• centralização do poder nas mãos do rei;

• organização de toda uma bu-rocracia estatal;

• o exército, que era de defesa, passou a ser de conquista;

• cobrança de pesados impos-tos dos camponeses que pas-saram a trabalhar dobrado;

• o rei exigia trabalho forçado para as obras públicas;

• construção do templo; • centralização do culto e do

sacerdócio em Jerusalém; • aumento da distância entre

pobres e ricos, acentuando a estratificação em classes;

• desarticulação da vida das famílias e dos clãs.

Sob o ponto de vista religioso, a construção do templo por Salo-mão em Jerusalém, ao redor de 950 a.C., mudou muito a fé no Deus li-

Na verdade, a introdução do sistema monárquico na

Terra Prometida foi uma verdadeira volta à "casa

da escravidãoE esta é a principal razão para que, nessa época, se erguesse com vigor a voz profética: "Ai dos que decretam leis injustas e editam escritos

de opressão, para afastar os pobres do julgamento e

privar do direito os oprimidos do meu povo,

para fazer das viúvas suas presas e roubar os órfãos(Is 1 0 , 1 - 2 )

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bertador. É que, a partir da centralização do culto e do "aprisionamento" de Deus no templo, a fé em Deus passa a ser controlada pelo rei e seus sacerdotes. O Deus do povo passou a ser manipulado pela corte, a servi-ço da opressão.

Mais tarde, durante a reforma do rei Josias iniciada em 622 a.C., a centralização do culto foi radicalizada. Foi proibido o culto nos santuários espalhados pelo território para onde o povo acorria em peregrinações e respirava um clima de mais liberdade em suas práticas religiosas.

Reino dividido

O descontentamento das tribos do Norte explodiu depois da morte de Salomão (931 a.C.). Numa revolta liderada por Jeroboão, li-bertaram-se do jugo saíomônico. E o reino se dividiu em dois: Israel no Norte e Judá no Sul.

Leia sobre a libertação das tribos do Norte em lRs 12!

Reino de Israel (931 a 722 a.C.) onarquia não dinástica, isto é, poucas famílias conseguiram se manter no poder por mais gerações. Os contí-nuos golpes de estado garantiam mais rotatividade no poder e, até certo ponto, mais democracia.

A capital definitiva foi a cida-de de Samaria, construída pelo rei Amri em 879 a.C.

O culto era feito especial-mente nos santuários de Betei e Dã. Alguns reis promoveram o culto a Baal. Contra eles, insurgiram-se os profetas Elias e Eliseu.

O território de Israel era mais extenso que o de Judá. Era mais fértil que o do Reino do Sul.

Israel era um país mais aberto a relações internacionais, tor-nando-se mais vulnerável aos interesses dos impérios estrangeiros. Caiu

O Reino de Israel foi uma i

O profeta Amós, que pro-fetiza no Reino de Israel

em meados do século VIII a.C., assim se pronuncia

sobre a monarquia israelita: "Eis que os olhos

do Senhor Deus estão sobre o reino pecador. Vou suprimi-lo da face da terra. Contudo não vou suprimir

totalmente a casa de Jacó, oráculo do Senhor\"

( A m 9 , 8 )

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sob a dominação da Assíria em 722 a.C., de quem se tornou província. Um grupo foi deportado para a Assíria, de onde nunca mais voltou (2Rs 17,6). Outros povos foram trazidos pelos assírios para se instalarem em cidades de Israel, dando origem aos samaritanos (2Rs 17,24).

Diferentemente de Israel, o Reino de Judá foi uma monarquia di-nástica. Durante seus quase quatrocentos anos de exis-tência, esteve sempre sob o domínio de alguém da fa-mília de Davi, isto é, dos descendentes de Davi, for-mando uma dinastia.

Durante um século, o Reino do Sul teve que pa-gar pesados tributos aos as-sírios (732 a mais ou menos 622 a.C.).

Cansado de confiar em reis, o profeta Isaías anuncia a luta por

uma sociedade tal como era a experiência tribal: "Quando cessar a opressão, terminar a devastação e desaparecer do país o opressor,

o trono será firmado no amor e, na tenda de Davi, sobre ele se sentará

com fidelidade um juiz, que procurará o direito e zelará pela

justiça(Is 16,40-5)

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OS REINOS DE ISRAEL E JUDÁ

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A partir do rei Josias (640-609 a.C.), o culto a Deus foi centraliza-do em Jerusalém, proibindo-se o povo de celebrar seus cultos nos san-tuários do interior.

Judá conseguiu se manter até 586 a.C. Nesse ano, a capital Jeru-salém foi destruída pelos babilônios. E boa parte das elites, que não ti-nha sido morta na guerra, foi levada para o exílio babilónico.

O exílio babilónico (586 a 539 a.C.)

Antes de seguir o seu estudo, leia sobre as deportações para a Ba-bilônia em 2Rs 24,10-16 e 25,1 ls.

Sem dúvida, o período do exílio (586-539 a.C.) foi a época em que o povo israelita, especialmente a elite expatriada, viveu sua mais profunda crise.

Essa crise de fé mexeu profundamente com a maneira de conce-ber a Deus, de compreender a sua ação na vida do povo. O exílio babiló-nico significou o total desmoronamento de todos os pontos de apoio: o templo, a arca da aliança, o altar dos sacrifícios, os sacrifícios, os sacerdo-tes, o trono real, a cidade de Jerusalém. Todas as instituições e a própria fé em Deus ficaram abaladas.

Em 586 a.C., a capital Jerusalém foi destruída pelos babilônios, sob o comando do rei Nabucodonosor. É o fim da dinastia de Davi em Judá, que passa a ser apenas uma província, primeiro dos babilônios, de-pois dos persas e dos gregos.

Parte das elites foi levada para o desterro, onde já estava um grupo que fora deportado por Nabucodonosor em 597 a.C. Junto aos rios da Babilônia, teve que trabalhar para seus algozes durante cinquenta anos. Adora-vam a Deus em meio a seguido-res de outras divindades. Cultua-vam as tradições, esperando um dia retornar.

O exílio babilónico significou o total desmoronamento de

todos os pontos de apoio: o templo, a arca da aliança, o

altar dos sacrifícios, os sacrifícios, os sacerdotes, o

trono real, a cidade de Jerusalém. Todas as

instituições e a própria fé em Deus ficaram abaladas.

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Veja a situação dos expatriados no SI 137! Judá não passava de uma província da Babilônia. Em Judá ficou a

maioria dos camponeses empobrecidos (leia de novo 2Rs 24,14 e 25,12). O comandante do exército de Nabuconosor até fez uma refor-ma agrária, repartindo as terras das elites desterradas para os pobres e despossuídos.

Confira Jr 39,8-10! Além do grupo deportado para a Babilônia e da maioria que ficou

em Judá, outros grupos escaparam para regiões diferentes, principal-mente para o Egito. Houve uma grande dispersão do povo em toda a redondeza. E a diáspora.

Sem dúvida, foi na época do exílio e no período imediatamente posterior que o povo de Israel mais produziu literatura bíblica, fazendo as grandes releituras de sua história. Era um novo momento, um novo contexto. Os novos problemas que haviam surgido exigiam novas res-postas. E os escritos do passado precisavam ser atualizados para dar essas respostas, para jogar luzes sobre a realidade presente a partir da experiên-cia de Deus na história passada do povo.

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Os babilónicos vieram como um furacão

O exílio babilónico desarticulou tudo. Foi como um furacão que ameaçou varrer o povo judeu da face da terra. A fé em Deus entrou em crise aguda. Parecia que suas promessas tinham ido água abaixo. A terra prometida tinha ido para mãos estranhas. A "cidade santa" de Jerusalém estava em ruínas. O templo, a "casa de Deus", desmoronara. Foi extinto o trono de Davi, cuja perpetuidade tinha sido anunciada pelo profeta Natã. Muita gente morreu na guerra. As elites foram deportadas (2Rs 24,13-17; 25,8-11). Os camponeses pobres ficaram na terra (2Rs 25,12).

• A descrição da total desolação você pode conferir no livro das Lamentações. Leia pelo menos 1 capítulo!

Era como se o povo se sentisse em pleno caos, em um abismo de trevas, na ânsia do afogamento, desamparado e no deserto, com a vitória das divindades dos babilônios, identificadas com o sol, a lua e as estrelas. Tal situação transparece na organização do primeiro relato da criação.

A primeira narrativa da criação foi escrita no exílio

*Você já leu uma vez. Mas antes de continuar seu estudo, leia mais uma vez o primeiro relato da criação em sua Bíblia (Gn 1,1 -2,4a), que é dessa época, e procure desco-brir os aspectos que revelam a reali-dade de sofrimento e esperança dos exilados na Babilônia expressos no texto, como segue:

• Deus, contra as trevas, cria a luz.

• Contra a sensação de afo-gamento, doma as águas.

• Contra o deserto, enche a terra de vegetação.

• Contra o culto idolátrico às divindades astrais, é ele quem po-voa o f irmamento com luzeiros.

Quanto aos escritos bíblicos, o exílio foi muito fecundo.

Está presente nas profecias de Jeremias, Ezequiel, Isaías

40-55, no livro das Lamentações, em numerosos

salmos, nas releituras dos livros proféticos, da história

dos israelitas descrita no Pentateuco, em Josué, Juízes,

I e 2 Samuel, 1 e 2 Reis. Influenciou também todos os

escritos pós-exílicos.

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• A função do sol e da lua não é ser divindades, mas apenas presi-dir o ritmo do tempo, isto é, dia e noite.

• Povoa também os mares de peixes e os ares de pássaros. • Critica a ideia de que só os reis são "filhos" e "imagem" dos de-

uses, anunciando que todas as pessoas têm dignidade divina. Mulheres e homens são igualmente imagem e semelhança de Deus, isto é, têm a mesma dignidade.

• Por fim, contra o trabalho forçado dos desterrados e sem espa-ço para descanso, Deus coroa sua obra com o descanso no séti-mo dia, reivindicando, assim, descanso também para seu povo de sete em sete dias.

As elites deportadas foram reassentadas na Babilônia junto a ca-nais de água (SI 137,1), onde trabalhavam na produção agrícola. Viviam juntos. Desse modo, podiam preservar sua língua, seus ritos, seus costu-mes, sua religião, sua identidade. No lugar do sacrifício do templo, ago-ra destruído, o culto da Palavra, especialmente da profecia, passou a desempenhar papel central. É a origem das sinagogas. A opressão babi-lónica consistia no recolhimento de parte da produção e na cobrança de taxas. Além disso, os deportados não tinham a liberdade de sair de seus núcleos de assentamento. Eram controlados pela guarda babilónica.

A maioria do povo nao foi deportada

A maioria da população pobre não foi levada para o cativeiro. São os remanescentes que permaneceram em Judá. O profeta Jeremias op-tou por ficar com eles, apoiando sua reorganização. Os babilônios até fa-voreceram esses pobres, fazendo uma espécie de reforma agrária, como já vimos acima. As terras passaram a ser controladas pelos lavradores mais pobres. Certamente reviveram os costumes da época das tribos. Como o templo não existia mais, o culto daqueles que ficaram em Judá não era mais centralizado.

A reconstrução sob os persas (539 a 332 a.C.)

O exílio babilónico durou até 539 a.C. Nesse ano, Ciro, o rei da Pérsia, conquistou a Babilônia, permitindo que os judeus voltassem para sua terra e refizessem sua vida social e religiosa. Estava começando a

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reconstrução nacional a partir da observância rigorosa da lei descrita nos livros de Esdras e Neemias.

Reconstruíram-se o altar dos sacrifícios, casas e o templo, o qual foi inaugurado em 515 a.C. Foram Zoro-babel e Josué que co-mandaram a recons-trução do templo. Mais tarde, a cidade voltou a ter novamen-te muralhas, erguidas sob o comando de Ne-emias. Esdras coman-dou a aplicação da ob-servância rigorosa da lei da circuncisão, do puro e do impuro, tor-nando a observância da lei obrigatória para todos.

Surgiram con-flitos entre os que voltaram do desterro e os que permaneceram na terra. Mais tarde, também houve conflitos com os samaritanos.

Vários foram os projetos de reconstrução. Diferentemente

daqueles que propunham refazer a vida do povo a partir do templo, dos sacrifícios e da lei, os discípulos do

profeta Isaías defendiam outro projeto. Era a partir dos pobres.

Assim profetizaram: "O Espírito do Senhor repousa sobre mim, porque

ele me ungiu. Enviou-me para anunciar uma boa-nova aos pobres, para curar os corações feridos, para proclamar a libertação dos escravos e pôr em liberdade os prisioneiros, para promulgar o ano da graça do

Senhor (Is 6 1 , 1 - 2 a )

MACIJÍ>ÔNJ< A R M Ê N I A

C A P A D Ó C I A ^ PÁRTIA

M É D I A ASSÍRIA

M a r M e d i t e r r â n e a Í N D I A «babi lôn ia • Pcrsépo l i s

^rsicu__7r__ ' J e rusa lém

* E G I T O

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O que era a província babilónica de Judá passou a ser a província persa da Judeia. Apenas trocou de dono.

Como não havia mais rei, uma vez que o poder sobre o povo esta-va nas mãos dos persas, quem assumiu a liderança local dos judeus e com apoio persa foram os sacerdotes a partir do templo.

A defesa da identidade gerou exclusão

A reconstrução se fez em torno do templo e na dependência dos persas (confira Esd 7,11-26!). Não foi fácil. Muitos judeus conseguiram prosperar na Babilônia e por lá ficaram. Os que voltaram encontraram uma situação muito delicada.

Houve conflitos entre os que voltaram do exílio e os que mora-vam e trabalhavam nas terras. Aos poucos, foram reconstruídos o altar, o templo, a cidade e as muralhas. A observância rigorosa da lei da circun-cisão, do puro e do impuro tornou-se obrigatória.

Para proteger a identidade do povo judeu, houve radicalizações. O radicalismo não teve somente a boa intenção de vir em defesa da iden-tidade do povo judeu. Estavam também outros interesses em jogo. Des-tacamos aqui somente três aspectos e que saltam aos olhos de qualquer leitor atento da literatura bíblica desse período. São eles: a exclusão de estrangeiros, das mulheres e dos pobres. Cada vez mais, os estrangeiros, as mulheres e os camponeses pobres são excluídos, colocados à margem como impuros e ignorantes. Mas vamos por partes.

Ideologia da pureza étnica

Para iniciar, falemos da discriminação contra a mistura com os estrangeiros.

*Dê novamente uma olhada em Esd 9-10 e Ne 13!

Os principais motivos dessa exclusão terão sido os interesses de quem voltou do exílio. Seus antepassados, antes de serem levados como prisioneiros de guerra para a Babilônia, eram proprietários de terra. Na sua ausência, essas terras foram distribuídas aos pobres. Esses campone-ses empobrecidos haviam inclusive contraído matrimônio com mulhe-res estrangeiras.

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Na volta para Judá, os filhos ou netos dos antigos proprietários queriam reaver as suas terras. Como concretizaram seu projeto? Um dos caminhos foi a ideologia da "raça pura". Para ter direito à terra e à perten-ça ao povo de Israel, era necessário ter pureza de raça. Consequência dis-so foi a expulsão das mulheres es-trangeiras com seus filhos.

Mas os camponeses, especial-mente os estrangeiros que já estavam integrados na vida do povo, não ace-itaram essa discriminação e resisti-ram. A resistência a esse dogmatis-mo se espelha, por exemplo, no livro de Rute.

Também o livro de Jonas de-fende a tese de que todas as nações são povo de Deus e não apenas os judeus. Defende também a ideia de que o Deus cultuado pelos judeus é Deus de todos os povos e não é re-fém de nenhuma nação.

As mulheres resistem

T a m b é m as mulheres resistiram. A discriminação das mulheres aumentou nesse período. A imposição da lei do puro e do impuro a par-tir do templo reconstruído discriminava as mulheres como impuras. Veja, por exemplo, que a lei de pureza já considerava impuras as mulhe-res pelo simples fato de serem geradoras de vida. Você já leu, mas con-vém dar mais uma olhada em Lv 12.

A resistência contra a exclusão das mulheres se espelha, por exemplo, nas novelas bíblicas, onde elas têm papéis de destaque (Rt, Est, Jt, Ct). Ai se ressaltam suas qualidades, sua liderança, sua beleza, sua inteligência, sua solidariedade, sua defesa dos pobres e dos estrangeiros, sua valentia e sua ternura.

Rute é estrangeira e diz a Noemi, sua sogra, que é

judia: "Não me instes para que te deixe e me obrigue a

não seguir-te, porque, aonde quer que fores, irei

eu e, onde quer que pousares, ali pousarei eu. O teu povo, meu povo e

o teu Deus, o meu Deus." (Rt 1,16)

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Também os pobres resistem

O u t r o grupo marginalizado pelos que voltaram do exílio foi o dos pobres. C o m o desconheciam a lei e não t inham condições práticas para observá-la, eram colocados à margem e considerados impuros e ignorantes.

*Leia agora Ne 5,1-5! Por um lado, o texto mostra a situação dos camponeses empobrecidos na época persa. Por outro, o texto nos diz que os pobres não ficaram de braços cruzados. Resistiram. Também o li-vro de Jó é resistência contra aquela teologia que acusava os pobres e doentes de serem causadores de sua própria desgraça, de serem merece-dores do castigo divino. Igualmente o livrinho de Rute defende o direito dos pobres.

A dominação grega (332 a 142 a.C.)

O Império Grego venceu os persas em 331 a.C. com Alexandre, o Grande. A cultura grega se expandiu com muita força. A opressão e es-cravidão se abateram sobre todos os territórios dominados.

Depois da morte de Alexandre, o império foi dividido entre seus gene-rais. O Egito ficou com Ptolomeu (Lagi), enquan-to a Síria e a Babilónia fi-caram com o general Se-leuco I. A Palestina ficou sob o fogo cruzado das guerras entre os Ptolomeus, no Egito, e os Seleucidas, na Síria.

Muitos judeus emi-graram, reforçando a diás-pora que já começara no exílio babilónico, quando nem todos voltaram para a

f 6 \

Nesse contexto de extremo sofri-mento, renovaram-se as esperanças na vinda de um messias libertador. Em oposição aos que anunciam um

messias que libertaria o povo a partir do templo, das elites, o profeta

Zacarias tem outra perspectiva. Ele acredita nos pobres como agentes de sua própria libertação. Senão

vejamos: "Dance de alegria, cidade de Sião. Grite de alegria, cidade de Jerusalém, pois agora o seu rei está

chegando, justo e vitorioso. Ele é pobre e vem montado num jumento,

num jumentinho, filho de uma jumenta." (Zc 9,9)

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Judeia. Diáspora é a dispersão e a organização de colônias judaicas fora da Palestina.

A dominação dos Ptolomeus sobre a Palestina foi de 323 a 198 a.C. Já os Sélêucidas dominaram a partir de 198 a.C. A opressão brutal do rei Antíoco Epifanes impôs a cultura grega a ferro e fogo, reprimindo violen-tamente os costumes judaicos. Decretou, em 167 a.C., a proibição do culto judaico e dedicou o templo de Jerusalém a Zeus Olímpico. Tudo isso provocou a revolta dos Macabeus, que, a partir de 166 a.C., organi-zaram, armaram e lideraram as forças do povo. Depois de uma guerra vio-lenta, finalmente conseguiram, em 142 a.C., a autonomia da Judeia. Os relatos sobre a resistência contra a opressão selêucida estão nos dois li-vros dos Macabeus, que estão na "Bíblia católica".

Com os gregos, o que há de novo debaixo do sol?

Vencidos os persas pelos gregos, estes implantaram seus métodos de organização e administração.

Os gregos introduziram o escravagismo na região. A pobreza au-mentou. A escravidão repercutiu profundamente na vida, no dia-a-dia. Para o povo judeu, era inconcebível voltar a ser escravo como no Egito. O escravo não trabalha para si, mas para o dono. A produção não fica para quem produz. Vai para o dono. Ele come, bebe, goza do bem-estar à custa do trabalho alheio.

/ *

PARTIA MÉDIA

J M P É R I O DOS SELfcUCIDAS « B a b i l ô n i a

f * Susa_« . P c r s é p o l i s J e r u s a l é m

EGITO

I I I I I I I I

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E o povo reage. O livro de Eclesiastes reflete essa resistência. É uma crítica à dominação grega e propõe a volta a uma sociedade em que se possa viver feliz, comendo, bebendo e gozando o bem-estar, fruto do próprio trabalho e não do suor dos escravos.

*Leia as citações que seguem e perceba como os autores do Ecle-siastes insistem num novo tipo de convivência, numa vida feliz com li-berdade: Ecl 2,24; 3,12-14.22; 5,17; 8,15; 9,7-10.

Os gregos também impõem a cultura da Grécia. Ela valoriza o corpo, os jogos olímpicos, os grandes heróis, a vida urbana, o trabalho intelectual. Os judeus piedosos fazem frente à imposição cultural. Veja, por exemplo, como o livro do Eclesiástico, que só está na "Bíblia católi-ca", apresenta "heróis" de sua história em oposição aos heróis gregos (Eclo 42-50).

Um período de autonomia (142 a 63 a.C.)

Depois de séculos de dominação estrangeira, a Judeia chegou a ter independência, com a restauração das leis e instituições judaicas. Essa autonomia, que teve lugar durante o governo da dinastia dos Has-moneus, da família dos Macabeus, durou até o ano 63 a.C.

Houve muita corrupção e politicagem no governo hasmoneu, que convidou os romanos para intervirem na região. Em 63 a.C., Pom-peu, general do exército romano, se apoderou de Jerusalém.

A dominação romana (63 a.C. em diante)

A partir da conquista de Jerusalém por Pompeu e do controle dos romanos, toda a região passa a ser chamada de Palestina. São vários sé-culos de história com expropriação de pesados tributos, com muita violência e com grandes guerras.

Herodes, o Grande, reina em toda a Palestina de 37 a 4 a.C. Foi no reinado dele, pelo ano 6 antes do ano 1 da era cristã, que Jesus nasceu.

Movimentos rebeldes pipocavam por toda parte, sobretudo na Galileia, terra de Jesus. Desde o período de sua infância, os movimentos rebeldes tinham se intensificado.

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Quando Jesus é executado pelo ano 30 d.C., Pôncio Pilatos é pro-curador romano na Judeia e na Samaria.

A primeira grande guerra com Roma aconteceu de 66 a 73 d .C. Entre os rebeldes, o movimento dos zelotas era o mais importante. Che-garam a governar em Jerusalém de 67 a 70 d.C., quando foram vencidos pelo general Tito, que destruiu a cidade e com ela o templo. Era o fim do estado judeu. Em 73 d.C., foi vencida a última resistência dos judeus com a queda da fortaleza de Massada próximo ao Mar Morto.

A segunda grande guerra com Roma foi de 132 a 135 d.C. C o m a derrota para os romanos, o povo judeu passa a existir apenas como nação e comunidade religiosa espalhada pelo mundo, na diáspora, e não mais como estado politicamente organizado.

Diferentemente dos gregos, os romanos usaram outra estratégia. Aceitaram como "licita", isto é, legal, permitida, a religião dos judeus. Deram-lhes certa liberdade de seguir seus costumes e suas tradições.

No entanto, reprimiram brutalmente qualquer movimento de re-beldia. Cobraram pesados impostos, aumentando ainda mais a pobreza. O ponto alto da dominação romana foi a total destruição de Jerusalém no ano 70 d.C.

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Para nós hoje é admirável que o povo judeu, com tudo o que so freu e privado de seu território, tenha conseguido sobreviver como "na ção", mesmo espalhado por muitos países do mundo.

Para você continuar a reflexão

1. Em que períodos podemos dividir a história do povo de Israel? 2. Destaque algumas diferenças entre Israel no Norte e Judá nc

Sul! 3. O que lhe chamou mais a atenção na época do exílio? 4. Quais os aspectos da vida do povo hoje que são semelhantes 1

vida do povo de Israel? 5. "A experiência com o Deus do êxodo tornou-se o eixo funda-

mental de toda a Bíblia". E quais as características principais da expe-riência de Deus em nossas comunidades hoje?

17 História da redação dos livros da Bíblia

Para concluir este primeiro volume desta série, apresentaremos um quadro em que situamos o surgimento dos livros do Primeiro e Se-gundo Testamentos dentro da época histórica em que provavelmente foram escritos.

Podemos, assim, ter uma visão de conjunto do aparecimento da literatura bíblica antes de Jesus. O quadro pode parecer ainda muito vago. Mas, no decorrer da série, iremos aprofundando o surgimento da literatura bíblica época por época.

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Época

his tór ica

Livros do

P e n t a t e u c o

Livros

H i s t ó r i c o s

Livros

Sapienciais

Livros

Profét icos

Pais e M ã e s

Ê x o d o

Tr iba l i smo

(até 1040 a .C . )

Trad ições orais

sobre as famílias

e a h is tór ia

T r a d i ç õ e s sob re os

Juízes .

T rad ições sob re

a A r c a ( ISm 4-7)

Trad ições das

famíl ias .

Sabedoria

p o p u l a r

Rel igiosidade

popu la r .

O s v identes

( I S m 9,9)

R e i n o U n i d o sob

D a v i e S a l o m ã o

(1040 a 931 a .C. )

I a redação das

t r ad ições d o s

patr iarcas, do

ê x o d o e das t r i b o s

Ana i s da co r t e .

1 a redação da his tór ia

"I I i s tór ia da ascensão

de D a v i " ( ISm 16,1

a té 2Sm 5).

I I i s tór ia da sucessão

de Dav i (2Sm 9-20;

l R s 1-2)

A lguns

Salmos

Alguns

P r o v é r b i o s

P r 22,17-24,22

C o n f r a r i a s

profé t icas

de Samuel

( ISm 10,5-6)

R e i n o de Israel

n o N o r t e

(931 a 722 a .C.)

2 a redação das

ant igas t rad ições

D t 12-26

Anais da co r t e .

2 a redação:

ciclo de Elias e

Eliseu ( ISm 13-15;

l R s 17-2Rs 12)

Alguns Salmos

A lguns

P r o v é r b i o s

I r m a n d a d e de

Elias e Eliseu

(2Rs 2,1-18)

A m e O s

R e i n o de Judá

n o Sul

(931 a 586 a.C.)

(ú l t imas décadas

da m o n a r q u i a )

Dt 4,44-11,32;

28, lss

Anais da C o r t e .

I a redação d a O b r a

Hi s tó r i ca D e u t e r o n o -

mis t a sob a r e f o r m a

de Josias

A lguns Salmos.

Co leções de

P r o v é r b i o s :

P r 10 ,1-22,16;

Pr 25-29

Is 1-39 e M q

S f , J r , N a , H a b

S o b a d o m i n a ç ã o

Babi lónica

(586 a 539 a.C.)

3 a redação das

ant igas t radições .

Lv 17-25

Dt 1,1-4,43; 29s

Redação f inal da

" O b r a His tó r ica

D e u t e r o n o m i s t a "

(Js, Jz, l - 2Sm;

1-2 Rs)

Alguns Salmos.

A lguns

P r o v é r b i o s

Ez, Is 40-55, Ab

L m

Rele i tu ra da

profec ia

Sob os Persas

(539 a 332 a.C.)

Redação f inal

do P e n t a t e u c o

( G n , Ex , Lv ,

N m , D t )

O b r a His tó r i ca

Cron i s t a ( l - 2 C r ,

Esd, N e ) .

Rt

J ó , C t

C o m p i l a ç ã o d o

l ivro d o s Sa lmos

e d o s P rové rb ios .

Ag, Zc 1-8,

Is 56-66, Ml , J l .

Rele i tura da profe-

cia. J n , Is 32-35

S o b o s G r e g o s

(332 a 142 a.C.)

Es t , T b , J t ,

l - 2Mc

Ecl , Ec lo , Sb

Sb

Zc 9-14, D n , Br

Apocal íp t ica :

D n , Is 24-27

Ez 38-39

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É p o c a C a r t a s

d e P a u l o

C a r t a s a t r i -

b u í d a s a P a u l o

E v a n g e l h o s

e A t o s

C a r t a s

u n i v e r s a i s

A p o c a l i p s e

06 a .C.

V I D A , A N Ú N C I O E M O V I M E N T O D E J E S U S

30 d . C .

T R A D I Ç Õ E S O R A I S N A S P R I M E I R A S C O M U N I D A D E S

S U R G E M A S P R I M E I R A S C O L E Ç Õ E S E S C R I T A S

(morte- ressurre ição, parábolas , milagres, discussões de^ esus)

50 1

l T s - F1

l - 2 C o r

G l - R m

F m

1 1 4 1

60

A p 4-11

70 M e

80 2 T s

Mt- L c / A r

90

C l - E f T g - J d - l P d

100 H b J o

l -3Jo

A p

110

l - 2 T m - Tr

120 2Pd

Obs.: As setas indicam que o processo de transmissão das tradições orais e das coleções escritas t inham continuidade nos anos seguintes.

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Conclusão

Neste volume, analisamos algumas questões importantes que podem nos orientar na caminhada pela Bíblia. Servem de critérios para discernirmos por qual caminho seguir. Como vimos no caminho per-corrido por Israel, houve muitas encruzilhadas, muitos desvios e ata-lhos. As questões introdutórias querem servir como sinalização no caminho.

No próximo volume, tentaremos refazer a caminhada de Israel na época de sua formação como povo, na luta por uma nova forma de viver em sociedade.

Para orar e aprofundar

Leia os seguintes textos e medite sobre eles: *S1 1; 23; 37; 72; 78; 104; 106; * ISm 3; * Jn 1-4; * Mt 25,31-46; * Mc 3,1-6; *Jo 1,1-18; * At 10; * H b 11.

Sugestão de leitura

CARDOSO, Nancy; MESTERS, Carlos. Leitura Popular da Bíblia. CEBI: São Leopoldo. DREHER, Carlos. A caminho de Emaús. CEBI: São Leopoldo. MESTERS, Carlos. Por Trás das Palavras. Petrópolis: Vozes. MESTERS. Carlos. Flor sem defesa. Petrópolis: Vozes. PIXLEY, Jorge. História de Israel a partir dos pobres. Petrópolis: Vozes.

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