Uma patusca ideia sobre António Nobre insinuada por Mário Cláudio

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Texto publicado em jornal portugês

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Uma patusca ideia sobre Antnio Nobre insinuada por Mrio Cludio

Vasco de CastroOpinio, n. 20, Trs os Montes

1. Sob o olhar imperial da excelsa Agustina, sibila ad aeternum, benemeritamente foi crescendo na vida portuense um prendado jovem que escolheu chamar-se Mrio Cludio, naturalmente destinado glria e respectivos benefcios na domstica repblica das letras. Ora, ora! Foi assim premiado com as coroas de louros possveis, mas tambm com outras, sempre desejadas, bem-vindas e que permitem um quotidiano com menos angstias mesquinhas, melhores ares, etc., etc. E neste Cludio, cada vez menos jovem mas de futuro aritmeticamente auspicioso, o gnio entretanto reconhecido foi permitindo arroubos e liberdades poticas, que ao gnio pblico tudo se permite e melhor se perdoa. J que um lugarzinho no Olimpo literrio da hora estava certo e at, quem sabe, um passaporte para o Eterno, sempre incerto e mesmo ingrato veio o tempo de exercer o gnio em todo o seu esplendor, e ousar, espantar, arrasar os seus contemporneos com algo de novo, enfim, de refazer a histria, resolver os limbos e esclarecer as geraes. No h gnio sem ambio inovadora, sabe-se, mesmo que com recurso a uma diatribe, um escandalozinho... Seja, a vida... Bom. Chega de observaes petulantes. Vamos aos factos. M. Cludio acaba de dar luz um novo ttulo, agora no romanceando figuras conhecidas (como Amadeo, Suggia ou Rosa Ramalho, que tratou, diga-se, com largas liberdades poticas), mas fotobiografando o real de um poeta raro: Antnio Nobre. Temos assim perto de 200 pginas de fotos e notas do autor, coisa de louvar, j que Nobre o poeta do excelentssimo "S" (do mais intenso da potica portuguesa, e lembro aqui os tremendssimos versos "Lusitnia no Bairro Latino", coisa de estarrecer!). Adiante. O nosso Cludio sensvel a Nobre, o que lhe fica bem e lhe enobrece(!) o gosto... Mas a porca, a pginas tantas, torce literalmente o rabo, quando Cludio, decididamente afoito, insiste numa tese que persegue de h muito: a da suposta homossexualidade de Antnio Nobre. Concretamente, um caso amoroso com o seu colega de Coimbra, Alberto de Oliveira, poeta que viria a morrer lente em Coimbra j a meados do ltimo sculo. Em pgina plena, a letras gordas, Cludio imprime uma exaltada prosa lrica em tom de manifesto-quase e onde insinua nebulosamente a questo. Folheia-se o lbum procura de dados, referncias, um cisco de prova, e nada. Percebe-se que tudo no passa de um truque de magia, dedues, ou, quem sabe?!,o fruto de uma crtica literria tipo psicanalista (?), algo entre Barthes e Lacan... E pronto.

Bohemia Nova

Convm dizer, e abreviando, que Nobre liderou um grupo literrio "Bohemia Nova" de quatro dilectos amigos, donde Alberto de Oliveira, na Coimbra estudantil de 1889. A todos ligou, para sempre, uma amizade ntima, como a correspondncia publicada o documenta. Cludio conhece os poemas, a correspondncia e at os cadernos e os papis pessoais e esparsos que Nobre deixou. E os factos da sua biografia lactu sensu. Ora, por a, nada. Nem um dado, uma referncia, um cisco de prova, umas reticncias suspeitosas. O que estranho, estranhssimo. Quem ama, mesmo secretamente ou escondido do mundo, em algum stio no o cala, em algum papel confidencia, desabafa. da natureza humana! Acresce que houve, e sabe-se quem, paixes femininas na vida do poeta, poemas amorosos no feminino e, pior, linhas escritas sobre o que Nobre e Oliveira pensavam do amor grego: repugnncia. Mais: possuo um carto postal enviado por A. de Oliveira de Paris para o meu av Vasco, um dos ntimos de Nobre desde as frias de infncia em Lea e Pvoa, depois colega de faculdade e companheiro da "Bohemia Nova". Cedi h anos uma cpia desse postal a Cludio para publicao num nmero da revista "Colquio-Letras". Ora, o que se diz no postal: que Alberto de Oliveira estava em Paris de visita ao amigo Antnio, que j se tinham cruzado no Boulemiche (QuartierLatin) com o poeta Verlaine, cuja poesia veneravam, e um certoMoras, poeta simbolista de origem grega e ento com certa nomeada. Ambos notrios pederastas um tanto exibicionistas. E Oliveira no esconde a repugnncia que ambos lhes tinham provocado. Mais: Oliveira anuncia a meu av que nessa noite vo ambos s putas de Pigalle "para se estrear na carne", pois que ele, Oliveira, diz, "ainda sou virgem" (sic). No tem muita lgica, por mais que se pretenda esticar a corda, que um homossexual afirme que virgem... e anuncie ir s putas com o seu suposto amante. Ou ter?! Cludio saber explicar?! Que dizer mais sobre as insinuaes de Cludio nesta "Fotobiografia!? Que h por a apenas uma operao patusca. Tambm tosca e manhosa. Nobre merecia tratamento menos grosseiro.

2. Sem querer entrar em crtica de histria literria, no posso calar certas ausncias ou camuflagens de coisas que bem conheo, at por razes familiares. Por exemplo: dos anos passados por Nobre na casa coimbr do seu amigo Vasco nada consta, e, todavia, no poema "Na Estrada da Beira" do "S", abundam referncias pessoais de grande ternura. Nem uma foto para o documentar... No lbum, so tambm muito aligeiradas as ligaes do poeta com Vila Real, Trs-os-Montes, que visitava e o encantava. E onde conheceu, pelo mesmo Vasco, a Margarida de Lucena por quem se apaixonaria profundamente. E etc. Basta. Vou lavar-me as mos.

edio n. 20

opinio

TEXTO: vasco de castroILUSTRAO: vasco