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Uma visão do Brasil sobre a África
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Uma visão do Brasil sobre a África
Beluce Bellucci
Publicado pela Secretaria de Relações Internacionais doPartido dos Trabalhadores - Brasil
Equipe da Secretaria:
Partido dos Trabalhadores - Brasil
Comissão Executiva Nacional (CEN)Integrantes da CEN para o biênio 2008/2009(Direito a voto e voz)
Membros observadores da CEN(Direito a voz sem direito a voto)
José Eduardo Dutra - Presidente, Maria de Fátima Bezerra - Vice-presidente, - Vice-presidente, Rui Falcão - Vice-presidente, José E.
Cardozo - Secretário Geral Nacional, João Vaccari Neto - Secretário Nacional de Planejamento e Finanças, André Luiz Vargas Ilário - Secretário Nacional de Comunicação, Paulo Frateschi, Secretário Nacional de Organização, Iriny Lopes - Secretário Nacional de Relações Internacionais, Geraldo Magela - Secretário Nacional de Assuntos Institucionais, Carlos Henrique Árabe - Secretário Nacional de Formação Política, Renato Simões - Secretário Nacional de Movimentos Populares, Jorge Coelho - Secretário Nacional de Mobilização, Fernando Ferro - Líder na Câmara dos Deputados, Aloísio Mercadante - Líder no Senado, Benedita da Silva - Vogal,João Constantino Pavani Motta - Vogal, Marinete Pantoja de Lima - Vogal, Arlete Sampaio - Vogal, Virgílio Guimarães - Vogal, Maria do Carmo Lara - Vogal
Humberto Costa
João Felício - Secretário Sindical Nacional, Severine Macedo - Secretária Nacional da Juventude, Morgana Eneile - Secretária Nacional de Cultura, Júlio Barbosa - Secretário Nacional de Meio- Ambiente e Desenvolvimento, Laisy Moliére - Secreária Nacional de Mulheres, Cida Abreu - Secretaria Nacional de Combate ao Racismo
Iriny Lopes - Secretária de Relações Internaconais do PT
Valter Pomar ([email protected])
As relações do Brasil com a África se confundem com a
formação de nossa própria nação. É assim uma relação
antiga e as políticas externas que balizaram esse
relacionamento tiveram diferentes matizes e períodos ao
longo dos séculos.
A dificuldade em falarmos sobre a África ainda é grande no
Brasil. Até muito recentemente, pouco se estudava e se
sabia sobre as origens do nosso povo. Dizia-se que éramos,
(*)Beluce Bellucci
[O texto é uma contribuição pessoal organizada a pedido da
Secretaria Internacional do PT, para o III Seminário Brasil e China,
ocorrido nos dias 4 e 5 de fevereiro de 2010, em Brasília - DF,
realizado pelo PT e pelo PCCh. Não expressa necessariamente a
posição oficial do governo brasileiro, nem a posição do Partido dos
Trabalhadores]
Uma visão do Brasil sobre a África
Apresentação
ou deveríamos ser, apenas europeus e tolerantes. Que não
havia racismo entre nós, e que éramos o país da democracia
racial e, até mesmo, da democracia social. Na colônia e no
Império ignorávamos a África pois não se podia admitir
que escravos pudessem ter história. Na República, nem
sequer admitíamos que tivéssemos tido escravidão, como
registra o próprio Hino da República:
As visões coloniais da nossa sociedade, interna e
externamente (o movimento negro vem se impondo muito
recentemente na história nacional), e o colonialismo em
África, prejudicaram a aproximação nos últimos 150 anos.
O desconhecimento mútuo entre africanos e brasileiros
tem levado a que cada movimento de aproximação de um,
leve a constrangimentos, desarmonias e desconfianças do
outro. É nesse contexto que se dão as políticas de relações
africanas no Brasil.
Nós nem cremos que escravos outrora,
Tenha havido em tão nobre país.
“O Brasil não conhece o Brasil”, diz o poeta popular, mas
desconhece mais ainda a África, terra originária de 50% da
nossa população. A África é um continente com mais 30
milhões de km2 e se aproxima de um bilhão de habitantes.
O deserto do Saara divide geograficamente o continente
em duas grandes e distintas partes. A África do Norte,
islamizada e de colonização árabe, com processo histórico
mais homogêneo e relacionado ao mediterrâneo,
econômica e politicamente. E a África sul-saariana,
também conhecida como subsaariana ou África negra. Na
parte sul-saariana as diversidades histórias, étnicas,
culturais, econômicas, lingüísticas, são enormes, pese boa
parte da população ter origem banta.
Podemos, ainda, dividir o continente africano segundo as
relações históricas de integração regional em: África do
Norte, África Ocidental, África Central, África Austral,
África Oriental e África Indica.
Um pouco sobre a África
1
1 Baseado em O continente africano. Perfil histórico e abordagem geopolítica das suas macroregiões, de José Maria Nunes Pereira, (2003).
Em cada uma dessas regiões o Brasil vem se relacionando
de forma diferenciada. Na África do Norte as prioridades
tem se concentrado na Argélia. Na faixa atlântica, as
prioridades são a Nigéria, a África do Sul e recentemente
Angola. Tudo, entretanto, num vai e vem de intenções e
ações pontuais. Com o governo Lula as políticas se
modificaram e podem, se continuadas e aprofundadas,
abrir espaço para relações mais amplas, menos seletivas, e
mais duradouras, enfocando dimensões políticas,
econômicas, sociais e culturais, em vez, simplesmente, das
confissões de afinidades históricas e de interesses
comercias de curto prazo.
As macrorregiões da África
África do Norte
A África do Norte, devido à predominância árabe e aos
fatores históricos e linguísticos, é, muitas vezes, separada
do resto do continente e agrupada ao estudo do Oriente
Médio. Apresenta duas sub-regiões: a leste, o machrech,
que inclui a Líbia e o Egito. A oeste, o magrebe (onde o sol
se põe), compreende a Tunísia, a Argélia, o Marrocos, e o
Saara Ocidental. Este é ocupado pelo Marrocos, desde
1975, com a saída da Espanha, e enquanto não se realiza o
plebiscito pelas Nações Unidas para definir o status de país
independente ou incorporado ao Marrocos, o povo sarauí
luta pela sua própria independência.
Embora a África do Norte dispute a primazia geopolítica e
econômica com a África Austral, no momento, ela
apresenta vários indicadores de desenvolvimento
econômico-social e posição estratégica (compartilha a
bacia do Mediterrâneo com a Europa e o Oriente Médio)
que a colocam em primeiro lugar do ranking africano. Seus
cinco países estão entre os sete países africanos com maior
PIB, grau de industrialização e escolaridade. Com mais de
150 milhões de habitantes, a região apresenta um número
de árabes e muçulmanos maior que o Oriente Médio.
É a região mais homogênea do continente: de modo geral,
uma só religião, o Islã, uma só língua, o árabe, e alguns
propõem uma só nação, a árabe. O perfil político é marcado
pela presença de Estados antigos, alguns milenares, que
permaneceram com a sua própria estrutura representativa
durante a colonização, exemplo do Egito e do Marrocos. Já
a Argélia só obteve coesão nacional a partir da guerra de
independência (1954-1962). Os países desta região foram
os primeiros da África a obter a independência. O Egito em
1922; a Líbia em 1951; Tunísia e Marrocos em 1956 e
Argélia em 1962.
Quanto à colonização, a França dominou no magrebe.
Houve colonização inglesa no Egito e italiana na Líbia.
Argélia, Líbia e Egito são grandes exportadores de
petróleo. As classes dominantes são antigas, como a
mercantil e a fundiária, ou são apoiadas pelo Estado, como
a industrial, de formação recente. Do ponto de vista das
relações internacionais, todos os cinco países da região
estão entre os quinze mais influentes do continente.
A África Ocidental é composta por 16 países: Benin,
Burkina-Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia,
Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Mauritânia,
Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo. Três países,
Burkina-Faso, Mali e Níger, não têm saída para o mar, e
junto com a Mauritânia e o Chade (da África Central),
compõem a faixa do Sael, com avançado processo de
desertificação, e por isso é uma das regiões mais
problemáticas da África.
Do século X ao século XVI, importantes reinos e impérios
se formaram. O reino de Gana, os impérios Mali e Songai,
as cidades-estados Hauçás, e Iorubás, na Nigéria, tiveram
seu apogeu. Foi área pioneira e de intenso tráfico de
escravos para as Américas.
Foram colônias inglesas: Serra Leoa, Gana, Gâmbia e
Nigéria. Ao contrário do que aconteceu com as colônias de
povoamento europeu na África Austral e Oriental, a
África Ocidental
Inglaterra praticou na região uma colonização de
exploração, sem a expulsão dos camponeses de suas terras
e com pequena, mas decisiva, presença do poder
metropolitano.
Cabo Verde e Guiné Bissau foram colônias portuguesas.
Benin, Burkina-Faso, Costa do Marfim, Guiné, Mali,
Mauritânia, Níger, Senegal e Togo foram colônias
francesas. A Libéria foi formada por escravos libertos dos
Estados Unidos da América, em meados do século XIX,
não tendo conhecido a colonização.
Excetuando a Nigéria, maior produtor africano de petróleo,
a região conta com pouca produção mineral, embora os
diamantes de Serra Leoa têm influência nos conflitos da
região. No aspecto sociocultural, nota-se o peso político
das classes mercantis oriundas da escravidão e uma
presença marcante do islamismo, majoritário em alguns
países.
África Central
A África Central é constituída por dez países: Burundi,
Camarões, República Centro-Africana, Chade, Congo
(Brazzaville), República Democrática do Congo (ex-Zaire),
Gabão, Guiné-Equatorial, Ruanda, e São Tomé e Príncipe.
A região Congo-Angola é de onde vieram o maior número
de africanos escravizados ao Brasil e a influência do reino do
Congo foi fundamental para a formação da nação brasileira.
Portugal colonizou as desabitadas Ilhas de São Tomé e
Príncipe. A República Democrática do Congo (ex-Zaire) foi
colônia pessoal do rei Leopoldo da Bélgica, e depois de
duas décadas entregue ao Estado Belga. O Camarões foi
colônia alemã até a Primeira Guerra Mundial, sendo depois
entregue à tutela da França e da Inglaterra pela Liga das
Nações. O mesmo aconteceu com Burundi e Ruanda que
foram colônias alemãs até a primeira guerra e depois
passaram para a Bélgica.
A Guiné-Equatorial foi a única colônia espanhola na África
sul-saariana. Os quatro países restantes – República
Centro-Africana, Chade, Congo e Gabão - integraram a
África Equatorial Francesa, com capital em Brazzaville,
atual Congo. Congo (ex-Zaire), Gabão e Camarões são
ricos em minérios e petróleo.
África Oriental
Situada em grande parte em
zona equatorial, a região apresenta fraca densidade
demográfica. No domínio das relações internacionais, a
República Democrática do Congo, apesar das dificuldades
internas de integração, há décadas em crise, é o país com
maior importância geopolítica da região, por suas riquezas
minerais, além de ser o mais extenso e populoso.
Todas os países desta região tiveram a independência no
início da década de 60, com exceção de São Tomé e
Príncipe, em 1975.
A África Oriental apresenta relações ancestrais com o
mundo árabe e a região índica, e divide-se em duas sub-
regiões: o Chifre da África e a Centro-oriental.
O Chifre da África é formado por cinco países: Etiópia,
Eritréia (independente da Etiópia em 1993), Djibuti (ex-
colônia francesa), Somália, colonizada em partes
separadas pela Itália e pela Inglaterra, e Sudão,
administrado no tempo colonial pelo condomínio anglo
-egípcio. É no Sudão que se localiza a região de Darfur,
palco de conflitos no início do século XXI. Tem uma
comunidade negra, cristã ao norte, e outra animista, no sul.
A região guarda importância estratégica, pelo petróleo e
proximidade com o Oriente Médio.
A Etiópia é o país mais importante do Chifre, embora não
faça mais parte dos 15 maiores PIB africanos por
conseqüência de sua decadência econômica. Foi sede da
Organização da Unidade Africana (OUA), e é sede da sua
sucessora a União Africana. Tem o poder simbólico de
Estado Milenar. A antiga Abissínia, expandiu-se às custas
dos seus vizinhos, e nunca foi colônia de nenhuma
potência, embora tenha sofrido ocupação militar italiana
entre 1936 e 1941. A população se divide entre cristãos
ortodoxos e muçulmanos.
A África Centro-Oriental é formada pelas ex-colônias
inglesas de Uganda, Quênia e Tanzânia (antiga Tanganica e
ilha de Zanzibar) que, no período colonial, integravam a
África Oriental Britânica. Região de cruzamento de povos
árabes e asiáticos, formou a cultura suaíli, cuja língua
mistura o banto e o árabe.
No campo das relações internacionais, foi a primeira
região do continente a propor a integração econômica,
ainda na década de 1960, com a criação do Mercado
Comum da África Oriental, Kenutan, formado pelos três
países citados, que, entretanto, foi mal sucedido. Com o
deslocamento político e econômico da Tanzânia para a
África Austral, o Quênia consolidou posição de pólo
econômico mais importante. Sem recursos minerais
expressivos, como os restantes países da região, o Quênia
tem excelente agricultura, turismo ecológico e a sua
capital, Nairóbi, é a sede mundial da Organização do Meio
Ambiente das Nações Unidas. No início do século XXI
vem enfrentando problemas de governabilidade.
Atualmente, a África Austral é região-chave do continente.
Apresenta alta integração em termos de capital,
mercadorias e pessoas, sem paralelos na África. Contém
uma das maiores reservas minerais do mundo, alguns ainda
África Austral
estratégicos e indispensáveis à Europa e aos Estados
Unidos. A fachada atlântica lhe confere proximidade e boa
potencialidade de cooperação com o Cone Sul da América
Latina. A fachada do Índico a coloca em contato com o
Oriente Médio e com importantes países asiáticos, com
quem têm longa história de comércio e influência mútua.
Onze países a compõem: África do Sul, Angola, Botsuana,
Lesoto, Malaui, Moçambique, Namíbia, Suazilândia,
Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. Seis não têm saída para o
mar, fator que exige maior integração.
A Tanzânia é situada na África Oriental, contudo, por
razões políticas e econômicas, ela se australizou, e hoje faz
parte de todos os organismos integrativos da região. O
mesmo que Angola e a Zâmbia, que são países histórica e
culturalmente pertencentes à África Central.
É a região do continente com a mais antiga e maior colônia
de europeus, iniciada em 1652, na região do Cabo. Foi a
única colônia de povoamento europeu na África antes da
Revolução Industrial. A integração começou com a
Inglaterra se apossando das colônias bôeres (holandesas)
do Cabo e Natal (1902), e de toda a União Sul-Africana,
posteriormente República da África do Sul. Finalmente
agregou a Rodésia do Sul, atual Zimbábue, depois a
Rodésia do Norte (hoje Zâmbia) e a Niassalândia (atual
Malaui).
A Namíbia era uma colônia alemã (Sudoeste Africano)
que, após a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial, foi
entregue por mandato à África do Sul, que ilegalmente a
incorporou. A outra colônia alemã, a Tanganica, foi
entregue à Inglaterra, também por mandato, e constitui
hoje a Tanzânia (após fusão com o Zanzibar).
Angola e Moçambique tiveram colonização portuguesa,
mas mantiveram-se sob dependência econômica inglesa
durante muito tempo, assim como Portugal. Os enclaves de
Botsuana, Lesoto e Suazilândia foram protetorados
britânicos na época das guerras entre bôeres, zulus e
ingleses. As independências aconteceram na década de
1960, porém Angola e Moçambique apenas em 1975. A
Namíbia se tornou independente da África do Sul em 1990.
O processo contemporâneo de maior impacto na região foi
o
África do Oceano Índico
desmantelamento político do apartheid na África do Sul
e a realização em 1994 das primeiras eleições livres e
gerais, do qual saiu vitorioso o ANC (Congresso Nacional
Africano) com Mandela. Desde então o ANC domina a
arena política, mas as desigualdades sociais ainda
representam um grande desafio. No campo econômico a
SADC – Comunidade para o Desenvolvimento da África
Austral – agrega 14 países. Nove países tem o inglês como
língua oficial e dois o português. A religião cristã é a
predominante, e a região abriga o maior contingente de
população de origem européia da África.
A África Índica é constituída pelas ilhas de Madagascar,
Maurício, Reunião (esta integrada à França) e os
arquipélagos de Comores e Seichelles. O Oceano Índico é
espaço privilegiado de passagem entre o Ocidente e o
Extremo Oriente. Por isso teve sempre um papel
estratégico. Lugar de mistura de raças e civilizações, o
Índico tornou-se, nas últimas décadas do século XX,
um espaço de enfrentamento entre as grandes potências,
sobretudo depois que as bases navais passaram a ter
primazia sobre as terrestres. Madagascar foi ocupada pelos
franceses no final do XIX. As ilhas Comores, Maurício e
Seicheles são habitadas por povos de origem diversa –
árabes, africanos, indianos e europeus – que deram origem
a culturas-sínteses, crioulas, diferenciadas entre si. A
República Maurícia é grande produtora de açúcar e de
confecções de alta tecnologia. É considerado um “novo
país industrializado” da África, e se distingue por sua
estabilidade política.
As fronteiras dos países africanos foram estabelecidas no
processo de ocupação colonial da África, que teve início
em meados do século XIX, e durou até a Primeira Guerra
Mundial. Elas obedeceram aos princípios estabelecidos na
Conferência de Berlim (1894-95) entre as potências
coloniais, e agrupavam diferentes nações e etnias, ao
mesmo tempo em que as dividiram e separaram. Após a
Segunda Guerra Mundial, em função das mudanças na
divisão internacional do capital e como resultado das lutas
2
16
anticoloniais, a grande maioria das colônias alcançou a
independência no início dos anos 60. A exceção foram as
colônias portuguesas, cuja independência se deu em
meados dos anos 70, depois de mais de uma década de luta
armada. A OUA – Organização da Unidade Africana,
constituída em 1961, decidiu manter as fronteiras
estabelecidas pelos colonialistas nos processos das
independências. A língua oficial na maioria dos países
recém independentes foi a língua do colonizador, utilizada
como fator de integração nacional. Exceções são a
Somália, que manteve seu único idioma anterior, o somali,
e a Eritréia, com o tigrino. A Etiópia, nunca colonizada,
mantém o amárico.
Antes do governo Lula
Houve uma influência recíproca entre o Brasil e a África
durante muitos séculos. Mas dois fatos bloquearam essas
relações e trouxeram um distanciamento e um
desconhecimento mútuo entre nossos povos. O primeiro
foi a permanência no Brasil, após o término da escravidão e
17
o advento da república, de um sistema político
compromissado com as grandes potências coloniais e
imperialistas e, internamente, com o latifúndio. O segundo,
foi o colonialismo que se instalou na África, nesse mesmo
período,
Do lado de cá do Atlântico, a questão da discriminação
racial, da superexploração do africano, da discriminação,
do negar-lhe a história e a cultura. Do lado de lá, o negar-se
a nacionalidade, o trabalho compulsório e o cultivo
obrigatório, e as outras mazelas do colonialismo. Essas
ambigüidades em relação à África permearam a evolução
das percepções brasileiras sobre as suas próprias
identidades nacionais.
Os períodos das relações Brasil-África
Saraiva propõem cinco períodos para a história das relações
do Brasil com a África, antes do governo Lula:
1) Do período colonial até a independência (colônia-1822).
2) Da independência à segunda-guerra mundial (1822-1945)
2
2
Os cinco períodos da política externa brasileira para a África estão em O lugar da África, de José Flávio Sombra Saraiva (1996).
3) Da Segunda-Guerra ao início do Governo Jânio (1945-1961);
4) De 1961 aos finais dos anos 1980 (1961-1990);
5) Dos finais dos anos 80 ao início da era Lula (1990-
2003). O sexto período da política externa para a África se
inicia com o Governo Lula (2003 - ?), e será visto em ponto
específico.
Da Colônia à Indepêndencia (1822)
O primeiro período é o colonial brasileiro, do século XVI
ao XIX. As relações aqui eram fundamentadas na
escravidão e no tráfico de escravos, mas expandiram-se em
direção a outras formas de comércio, e incluíram o
intercâmbio de idéias e de experiência políticas e
institucionais. Valores civilizacionais atravessaram o mar e
se instalarem nos portos e cidades. Foram de técnicas
agrícolas a trocas de cultivos até a formação da língua
portuguesa. Não foi apenas a força de trabalho escrava que
atravessou o Atlântico. Toda uma economia, e valores
societais, se articulou e se desenvolveu, envolvendo povos
dos dois lados do Atlântico.
De 1822 à Segunda Gerra Mundial
o primeiro soberano a reconhecer a
independência brasileira foi o Obá Osemwede, do Benin.
Este reconhecimento, entretanto, fechou o período das
relações.
Nos finais do século XIX, com a extinção do tráfico de
escravos, e a invasão européia na África, o Brasil ampliou a
O segundo período vai da independência do Brasil, em
1822, até finais da Segunda Guerra Mundial no século
XX. No século XIX, com a assinatura do Tratado de
Reconhecimento da Independência do Brasil por Portugal
em 1826, o Brasil se submeteu à ex-metrópole em relação
ao controle dos territórios portugueses na África. Foi o
início do período que bloqueou as relações políticas e
intelectuais desenvolvidas até então entre a África e o
Brasil, e quando as classes dominantes brasileiras
deixaram clara a sua opção de “exclusão” do continente
africano. Isso aconteceu, apesar dos movimentos em
Angola pela anexação ao Brasil e do grande fluxo
comercial e político do Brasil com a costa ocidental da
África, e, de que
separação com o continente africano. Os interesses
diplomáticos brasileiros dirigiram-se para a Europa, a
America latina e os Estados Unidos da América. A frieza da
relação com o continente africano prolongou-se até os afinais da 2 . Guerra Mundial.
O terceiro período é o da retomada gradual das relações do
Brasil com o continente africano, e vai da segunda metade
da década de 1940 até início dos anos 1960. Nesse período
assistiu-se a agonia do processo colonial na África, e a
ascensão dos movimentos nacionalistas. As novas relações
com a aliança ocidental no pós-guerra permitiram a
reconsideração das relações diretas entre o Brasil e o
continente africano.
A nova conjuntura internacional favorecia a presença dos
novos Estados independentes na África, e impulsionava
uma intervenção do Brasil. Estas relações entretanto,
foram condicionadas pelas posições históricas em relação
ao colonialismo português na África. Afloraram as
Da Segunda Guerra ao Governo Jânio (1946-1961)
contradições entre o discurso e a prática, e apareceram as
ambigüidades da sua própria política africana, quer nas
votações nas Nações Unidas, quer nas negociações
comerciais.
A política externa brasileira para a África foi então
desenhada em torno de questões como o financiamento
internacional para o desenvolvimento da América Latina e
da África. Marcaram esse período, a competição entre
produtos primários africanos e brasileiros no mercado
internacional, a perspectiva da parceria brasileira com a
África do Sul no contexto Atlântico, as relações especiais
com Portugal, na formulação da Comunidade Luso-
Brasileira e as primeiras conseqüências do processo de
descolonização da África sobre os interesses do Brasil na
região atlântica. Particularmente, depois da Conferência
de Bandung (1954), onde o Brasil participou como
observador, com o diplomata Bezerra de Menezes.
O discurso “culturalista” se desenvolveu nas décadas de
1960 e 70, e conviveu com outro que enfatizava os vínculos
afetivos que unia brasileiros e portugueses e suas
“províncias do ultramar”. A África se incluía como posto
de manobra para interesses da inserção internacional do
Brasil e sua afirmação no pós-guerra. O único país da
região atlântica que o Brasil mantinha relações no logo
pós-guerra, era a África do Sul. E esta era objeto de censura
internacional pelo regime de segregação racial e pela
dominação sobre o Sudoeste Africano (Namíbia).
Contraditoriamente, o Brasil acompanhava as
recomendações das Nações Unidas que condenavam a
África do Sul, reconhecia os problemas, mas os
considerava assuntos internos. Nesse período, a
diplomacia brasileira estava a serviço do desenvolvimento.
O Brasil oferecia segurança para as manipulações
ideológicas e as operações militares dos países centrais,
mas, em contrapartida, esperava obter financiamento para
a sua industrialização.
No segundo governo Vargas (1951-54) a concepção
nacionalista produziu uma política externa mais elaborada
e buscava maior autonomia relativa no cenário
internacional. Insistia que o desenvolvimento econômico
não poderia ser apenas para o Brasil, mas também para a
África, embora esta fosse vista na permanência da
colonização.
Os anos do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1960)
foram marcados por um abrandamento na guerra fria, pelo
alento da Conferência de Bandung, e diversas conferências
africanas em 1957, até a constituição em 1963 da OUA
(Organização da Unidade Africana).
A África que tinha um só país independente em 1939,
passou a ter cerca de 50 na passagem para os anos 1960. O
governo brasileiro, entretanto, assistiu a essa mudança com
indesculpável indiferença, apesar da grande ação
diplomática desenvolvida nestes anos. A África para
Kubitschek, não tinha valor político. A importância central
voltava-se para as relações econômicas entre Europa e a
África, independente da superação, ou não, da situação
colonial. As exportações brasileiras de café, cacau e
algodão, principais produtos de exportação, poderiam ser
ameaçadas pela concorrência, entendida como “desleal”,
pelo protecionismo das metrópoles.
Preconizava-se que o Brasil poderia melhor se relacionar
com o continente africano, via Portugal. A suposta
habilidade do povo português para administrar a
interpenetração de raças, línguas e culturas, e de combinar
os trópicos com o estilo europeu, davam sabor especial à
política externa brasileira. Surgia a identidade brasileira,
definida como “racialmente democrática”.
Em 1953, o Brasil assinou um tratado com Portugal, no
qual, em relação à colônias portuguesas, se subordinava
aos interesses portugueses.
O quarto período vai de 1961, com Jânio Quadros, até
finais dos anos 1980. Nele se redimensionou a relevância
Atlântica da política externa do Brasil. Foi um período
extremamente ativo política e economicamente, no que se
refere à aproximação com à África. Aumentaram-se os
intercâmbios políticos, as trocas econômicas, tecnológicas
e houve investimentos de capital nos dois sentidos. Uma
nova cooperação se edificou, trazendo, conjuntamente, a
Do Governo Jânio ao liberalismo (1990)
exclusão da noção de militarização do Atlântico. Nesse
período, a diplomacia brasileira, em articulação com a
Nigéria e Angola, desativou a operação da África do Sul e
da Argentina para a criação da OTAS, a Organização do
Tratado do Atlântico Sul, destinada a ser uma OTAN do
sul. O projeto fracassou e permitiu à iniciativa brasileira
erigir o Atlântico afro-brasileiro como uma zona de paz e
cooperação, e é considerado o ponto culminante da
dimensão Atlântica da política externa brasileira.
A “Política Externa Independente” teve início no governo
Jânio Quadros (1/2/1960 a 25/8/1960), e foi desenvolvida
por João Goulart (até marco de 1964). A política africana
nela inserida, foi fato marcante da inserção brasileira no
cenário internacional, e num período conturbado da
história nacional.
A nova política para a África, embora mantivesse os
valores ocidentais, agregavam novas percepções para os
espaços africanos e asiáticos. Buscava certa autonomia, em
estratégia pragmática, para garantir a expansão econômica
capitalista coordenada pelo Estado.
O presidente Quadros acreditava que os Estados Unidos
responderiam com concessões ao Brasil diante da
instabilidade na América Latina pela revolução cubana,
através de movimentos contraditórios, como a
condecoração a Che Guevara, e o acompanhamento das
posições norte-americana na crise cubana de 1961.
A política externa nesse período, foi um instrumento contra
o colonialismo e o racismo, e pelo apoio brasileiro ao
principio da autodeterminação dos povos da América. O
Brasil tomou posição a favor da descolonização africana,
mas não se alinhou automaticamente com nenhum bloco
terceiro-mundista.
Enquanto em 1960 o governo Kubistschek assistia às 17
independências africanas sem qualquer gesto, Quadros,
em 1961, rompeu o silêncio e reaproximou o Atlântico do
Brasil. Foi nesse período, em 1961, que se criou no
Itamaraty a Divisão da África.
Havia, entretanto, duas políticas para África. Uma de
aproximação com o continente, particularmente com a
África atlântica, sustentada pela abertura comercial e na
solidariedade política à descolonização. E outra, que
admitia a continuidade do colonialismo para as colônias
portuguesas na África. A guerra de libertação nacional em
Angola tomou proporções internacionais a partir de 1961
e, também aqui, a política externa para a África continuou
ambígua.
Criou-se, ainda em 1961, o Instituto Brasileiro de Estudos
Afro-Asiáticos na Presidência da República, para se suprir
as necessidades de conhecimento.
Com o golpe militar de 1964, a política exterior para a
África recuou. A África passou a ser, de local colonizado,
para local sujeito ao comunismo. Retomou-se a
Comunidade Luso-Brasileira e os discursos lusófonos.
Abandonou-se o nacionalismo independente dos governos
anteriores, e se alinhou aos Estados Unidos da América. O
ocidente estaria ameaçado pelo comunismo, e a África não
fazia parte do ocidente, à exceção da África do Sul. O
Atlântico aparecia como espaço adequado para a
construção de uma aliança política entre Brasília-Lisboa-
Pretória, contra a ameaça comunista das demais nações
africanas da África negra. A lógica de combate ao
comunismo afastava o Brasil da África e o aproximava da
África do Sul.
A política exterior deixou de ter o alinhamento quase
automático aos Estados Unidos, que era defendido no
governo Castelo Branco, e preconizou a volta à política
externa de Vargas, com orientação para a economia, o
desenvolvimento e do crescimento industrial, organizados
pelo Estado.
Assim, buscou novos mercados e suprimentos de petróleo,
tentou manter a influência brasileira no Atlântico por
meios econômicos e política pacífica, sem os pactos de
segurança coletivos e sem a interferência externa. Manteve
o discurso culturalista, mas abandonou a comunidade
afro-lusa-brasileira. Construiu relações com nações que
Na década de 70, o contexto internacional passou por
grandes modificações, com o choque do petróleo e a crise
do dólar, e com ela houve redefinições na política externa.
Deixou-se de lado o enfoque geopolítico para a região
atlântica e se iniciou uma virada ao continente africano.
se tornaram independentes de Portugal, sem os embaraços
anteriores. O Brasil foi o primeiro país a reconhecer a
independência de Angola.
Formulado conceitualmente pelo Governo Geisel (1974-
79), o pragmatismo passou a ser a política internacional.
Visava enfrentar os problemas do projeto de
desenvolvimento, que se fundia ao nacionalismo
autoritário para encontrar um novo lugar para a inserção
brasileira no mundo.
O pragmatismo que levou o Brasil à África foi o mesmo
que o levou ao Japão, à Europa Oriental e ao Oriente
Médio. As exportações brasileiras para o Terceiro Mundo
passaram de 12% em 1967 para 25% no final dos anos 70.
O continente africano tornou-se espaço privilegiado para a
estratégia comercial brasileira. O país estava pronto para
exportar bens, serviços e tecnologia ao continente africano.
Por outro lado, a África tinha interesses por produtos,
novas tecnologias e serviços que lhes eram considerados
adequados. Gibson Barboza, então ministro das relações
exteriores, realizou visita em 1972 a 9 países africanos,
tendo assinado protocolos de intercambio com todos.
O intercâmbio comercial Brasil-África mudou, e a África
do Sul perdeu importância, ganhando peso a Nigéria, que
passou a ser a primeira parceira do Brasil na África,
seguidos do Congo, Gabão, Angola e o Zaire. Trocava-se
petróleo por produtos industrializados.
Na década de 90, as dificuldades econômicas,
particularmente geradas pela crise da dívida externa, e pela
ascensão das políticas neoliberais no mundo, retraíram as
prospecções anteriores entre o Brasil e a África. As
políticas desenvolvimentistas saíram de moda, no Brasil e
na África.
Em 1983, João Figueiredo (1979-85) foi o primeiro
presidente brasileiro a visitar a África. Visitou Nigéria,
Senegal, Guine Bissau, Cabo Verde e Argélia. O fato mais
importante para a política africana do Brasil foi a
construção da pax Atlântica. Resistindo às pressões norte-
americanas pela montagem de um pacto de segurança
coletiva para a região nos moldes da OTAN, a política
externa brasileira articulou-se com a diplomacia africana
para garantir que o Atlântico, ao sul do Equador, fosse o
lugar de paz e de cooperação.
Dos anos 90 ao Governo Lula (1990-2002)
O quinto período vai do final da década de 1980 à eleição
do Lula em 2002. Nele vamos encontrar uma forte redução
da presença da África na agenda da política exterior
brasileira. Apesar de não haver ruptura nos princípios
formais da política, ela ficou sem conteúdo.
A afro-pessimismo, corrente ideológica e política, que
considera a África incapaz de resolver os seus problemas,
tomou conta da diplomacia brasileira e dos empresários. A
África passou a ser considerada inviável, terra do “atraso”,
e deveria ser desqualificada como interlocutora das
relações internacionais do final do século.
Vieram os anos de desinteresse na África. Voltaram as teses
de relações privilegiadas com os centros avançados da
produção capitalista e o país fez opções seletivas no
continente africano. O olhar brasileiro se voltou para a
África Austral, e a África do Sul ressurgiu como área de
interesse para a política externa brasileira dos anos 1990,
como fora no imediato pós-guerra.
A política externa brasileira para a África nos anos 90, foi
“uma política minimalista e eclética”, constituída por
“opções seletivas” e que produziu um distanciamento entre
o Brasil e esse continente (Döpcke, 2003).
Outro aspecto desse período, foram os limites do discurso
culturalista, até então bandeira dos empresários e
diplomatas. As fontes da desconstrução foram duas: a
crítica da diplomacia africana sobre as contradições na
questão dos afrodescendentes, e as manifestações dos
movimentos negros, que desconstruíram o argumento
culturalista da afinidade natural entre brasileiros e
africanos. No período diminuiu-se o número de diplomatas
brasileiros na África, e o comércio voltou aos níveis dos
anos 50.
A modernidade neoliberal do governo Collor (1990-92),
definiu prioridades com os países do primeiro mundo e a
África passou a ter um lugar diminuto. No governo Itamar
Franco (1992-1994), as políticas exteriores foram
direcionadas para formas mais realistas e mais
conseqüentes com os desafios internacionais do Brasil no
final do século. Porém, o MERCOSUL substituiu a
importância estratégica que tinha a África nos anos 70 e
parte dos 80.
As relações, entretanto, continuaram, porém, de forma
seletiva. Se concentraram, primeiramente, na África do
Sul, com Mandela presidente e, em função de sua
economia mais diversificada que os outros países
africanos, aumentaram-se as troças comerciais.
A segunda opção seletiva do Brasil foi Angola. Desde
ações políticas conjuntas, às missões de paz das Nações
Unidas dedicadas à desmilitarização do país, até a
participação em campanhas eleitorais.
A terceira linha da ação política africana do Brasil no anos
90, foi a retomada das operações da Zona de Paz e
Cooperação do Atlântico Sul, com a entrada da África do
Sul em 1994.
E finalmente, a criação da CPLP – Comunidade dos Países
de Língua oficial Portuguesa, idéia vindo do governo
Sarney com o Instituto Internacional da Língua
Portuguesa, cujo maior sucesso até os dias de hoje é o
acordo ortográfico.
Os documentos do partido aprovados na década de 1980,
exceto o programa de governo de junho de 1989, eram
omissos com relação aos temas africanos. O partido não
aprofundou a compreensão sobre a situação africana, nem
propôs políticas específicas para as relações bilaterais com
o Brasil.
Nesse período, o PT estaria sobretudo empenhado no
fortalecimento do conjunto de partidos de esquerda latino-
americanos, meio ao clima de abertura e redemocratização
regional, enquanto na África, até os anos 1990, a agenda
política e militar continuava no contexto da Guerra Fria, e
da qual o PT, não chegou a fazer parte.
A opinião do professor Marco Aurélio Garcia, então
A Política do PT para a África
3 Este ponto (3), e o seguine (4), estão em A política externa do Governo Lula para a África. (2007), da conselheira Irene Vida Gala.
3
Secretário de Relações Internacionais do PT é
significativa, quanto ao despreparo do PT para a África, na
primeira década de sua existência:
“Por razões históricas, o PT tinha abertura com alguns
partidos social-democratas, comunistas e verdes, de alguns
países da Europa. O mesmo se tentou, sem êxito, com
partidos africanos. (...) Mas não houve grandes avanços.
Houve esforços tópicos, alguns contatos, mas nunca
conseguimos ter um relacionamento mais estável.” (...) “A
idéia posterior, no partido, de uma política externa pró-
africana era muito mais um conceito, uma idéia, um desejo,
do que o resultado de uma prática mais concreta. Posso
estabelecer uma diferenciação muito clara. Ocupei-me
muito da política latino-americana. Ninguém se ocupou da
política africana.” (in Gala, 2007).
Os poucos africanistas do PT continuaram a desenvolver, à
margem da diplomacia brasileira, um diálogo e cooperação
com governos e lideranças africanas. Incluem-se aí, a
organização das visitas ao Brasil de Sam Nujoma, líder da
Organização dos Povos do Sudoeste Africano (SWAPO), e
Nelson Mandela e de atos de solidariedade com Angola e
Moçambique.
Os petistas que viveram na África praticamente não
chegaram a estabelecer um diálogo com a militância negra
do PT, quer sobre o continente africano, quer sobre as
propostas para as relações entre o Brasil e a África.
Ao longo dos anos 1990, não houve alterações significativas
no comportamento do PT com relação à África, exceto o
diálogo que se estabeleceu entre as lideranças sindicais do
partido e seus homólogos da Confederação dos Sindicatos
da África do Sul (COSATU) e se constitui, juntamente com
o grupo de antigos exilados, no segundo fator de
aproximação entre o PT e a África. A eleição de Mandela foi
um marco da política internacional de forte significação
para o PT, que inclusive passou a utilizar a expressão
“apartheid social”, como bandeira de luta.
Em 2002 havia entre os dirigentes do PT pouca intimidade
com a realidade e lideranças africanas, exceto as
sulafricanas, e também havia a percepção da África como o
continente de populações oprimidas, com as quais o partido
se solidarizava. Havia, igualmente, um desejo de
aproximação, inspirado no entendimento de que
brasileiros e africanos compartilhavam desafios e
objetivos comuns, tanto no plano interno quanto
internacional.
A mudança começou efetivamente nas vésperas da
campanha eleitoral de 2002, onde, a estas percepções, o PT
irá incorporar novas idéias provenientes do movimento
negro, que acabarão por construir a política externa do
Governo Lula para a África. Com o primeiro Governo,
acompanhado da mudança na conjuntura africana, e
munido de uma nova concepção, o PT avança para uma
nova fase de aproximação com o continente africano,
colocando-se novos desafios a resolver, e definindo mais
claramente a sua posição.
oA Resolução da Secretaria de RI para o 3 . Congresso
A Resolução da Secretaria de Relações Internacionais para oo 3 . Congresso do PT, de 2007, se posiciona abertamente
em relação África, ao sinalizar os avanços do primeiro
38
governo Lula: “a aposta firme e consistente do Governo
Lula na ampliação do leque de relações comerciais,
investindo pesadamente em aumentar o intercâmbio com
países da América Latina, África, Ásia e Oriente Médio.
Essa política foi exitosa, não só pelo aumento expressivo,
identificando novos mercados e novos fornecedores, mas
também por que contribui para a chamada nova geografia
comercial”.
Refere-se ainda especificamente, uma citação de ordem
política sobre o apoio a “constituição de um Estado livre e
independente para o povo saaraui, a República do Saara
Ocidental.” E outra, quando define claramente como ponto
específico no Plano de Trabalho 2007-2010, a intenção de:
“Ampliar as relações com a África”.
As outras citações são mais universais e estão agregadas
com outros continentes ou países. A Resolução prioriza,
corretamente, a América do Sul, a integração regional
latino americana, e as relações sul-sul. Entretanto, cada
vez, acompanhando o avanço do governo nessas relações,
o PT caminha a passos largos na direção de aprofundar a
39
visão estratégica em relação à África.
O presidente Lula outorgou prioridade à África. A política
do atual governo brasileiro não procura apenas gerar
oportunidades comerciais para o Brasil, mas também
incrementar a relação política internacional, com vistas a
fortalecer sua posição perante os países centrais nas
negociações comerciais globais. Em Pretória, no primeiro
discurso na África, em 2003, Lula expressou: “Nós
desejamos desenvolver uma política estratégica com o
resto da África, com a China, a Rússia, a Índia e o México”.
No primeiro governo (2003-06) as relações com a África
ganharam intensidade como nunca. O Presidente realizou 6
viagens ao continente africano, com escalas em 17 países, e
os números do intercâmbio bilateral, passou de USD 5
bilhões, em 2002, para USD 13 bilhões em 2006.
A política externa para a África do Governo Lula
40
Voltar-se para a África foi um dos compromissos de
campanha. E a justificativa repousava no fato do Brasil ser
o “segundo país com maior população negra no mundo”.
Menciona-se ainda o aprofundamento de relações com a
África do Sul, por sua “importância regional”, juntamente
com a Índia, China e Rússia, e a construção de uma nova
política sobretudo com os países de língua portuguesa.
Em 2002, o PT e coligados introduziram o debate sobre
questões raciais e seu impacto na política externa
brasileira, para a campanha eleitoral, ao fazerem a
vinculação entre o elevado contingente populacional negro
brasileiro, a luta contra o racismo e os objetivos
desenvolvimentistas e universalistas da política externa
brasileira, em particular o adensamento das relações com a
África. É dessa forma que surgiu no Programa de Governo,
uma inédita vinculação entre a política externa brasileira
para a África e a promoção da igualdade racial no Brasil.
“Voltar-se para a África”
Já em 2003, em seus discursos na África, o
41
o Presidente Lula dizia que a prioridade dada ao
aprofundamento das relações com a África, tratava-se de
“um dever moral” e a uma “necessidade estratégica” do
Brasil. Sem dúvidas o “dever moral” era voltado para o
público interno, enquanto a “necessidade estratégica”, para
os parceiros internacionais, sobretudo os africanos. O
dever moral seria conseqüência da dívida histórica com a
África, a ser paga pelo estreitamento das relações
bilaterais.
Na política governamental para a África, destaca-se um
objetivo comum, com vista a estender aos cidadãos do
Brasil e da África os benefícios da cidadania plena; e duas
metodologias: o estabelecimento de relações de
cooperação bilateral, sobretudo com os PALOP; e o
fortalecimento da ação conjunta nos organismos
internacionais, com a valorização do “multilateralismo”,
com vista à luta contra a exclusão social.
A SEPPIR
A importância do movimento negro no contexto
42
da política externa, se verifica quando o próprio
Presidente, em Angola, reconheceu a vinculação que seu
Governo estabeleceu entre a política externa para a África e
a questão racial no Brasil. Ali, referiu-se sobre a criação
da SEPPIR, Secretaria Especial de Políticas de Promoção
da Igualdade Racial e sobre a Lei no. 10.639, que determina
a obrigatoriedade do ensino da História da África e da
Cultura Afro-Brasileira nos currículos escolares
brasileiros.
Na área econômica e do comércio bilateral as prioridades
deveriam estar orientadas para aumentar os fluxos de
comércio e buscar o equilíbrio na balança comercial.
Nem a indústria do petróleo, nem as oportunidades
comerciais e de cooperação relacionadas à exploração
petrolífera, e nem mesmo a busca de um assento
permanente no Conselho de Segurança das NU, são
identificadas como interesses estratégicos da aproximação
brasileira à África. Assim, não é correto se associar a noção
de necessidade estratégica de aproximação à África à
questão do petróleo, como se fez após o choque do
43
petróleo, em 1973, com o Governo Médici.
Entretanto, enquanto o “dever moral”, uma das
justificativas de aproximação com a África, encontra
raízes históricas, a “necessidade estratégica”, “parece ser
fruto de uma apreciação dinâmica, sobre o contexto
internacional em que se desenvolvem as relações entre o
Brasil e a África”, (Gala, 2007). A necessidade estratégica,
desdobra-se na busca de formação de alianças em torno de
uma finalidade comum: A luta contra a exclusão social.
Tema este, inicialmente concebido como plataforma de
governo em nível nacional, mas ao qual se decidiu atribuir
projeção internacional com iniciativas como a “Ação
contra a fome e a pobreza”, cujo documento final foi
endossado por mais de cem Chefes de Estado e Governo,
em 2004.
A necessidade estratégica de aproximação com a África
está relacionada ao contexto multilateral e à reforma de
suas principais instituições. A parceria com os africanos foi
apresentada como modalidade de ação internacional que
poderia viabilizar mudanças no sistema internacional,
44
destinadas a assegurar a realização dos interesses do Brasil
e de outros PEDs (países em desenvolvimento).
No período 2003-2006, alguns dos eixos consagrados pela
prática diplomática brasileira, como o diálogo político, a
cooperação militar, a cooperação educacional e as relações
comerciais, foram os mais dinâmicos no conjunto das
relações bilaterais Brasil-África. A estes eixos tradicionais,
somaram-se novos eixos, menos dinâmicos, mas que
refletiram a renovação da política africana do Brasil à luz
de seus novos pilares. Foram a assistência humanitária e a
cooperação técnica, orientadas para a luta contra a
exclusão social.
Durante o primeiro Governo Lula, registrou-se um intenso
calendário de visitas, missões e encontros entre
autoridades brasileiras e africanas, em território brasileiro,
africano ou à margem de reuniões internacionais, além de
algumas importantes reuniões, dentre as quais o Fórum
Brasil-África: política, cooperação e comércio, realizado
em Fortaleza, Ceará, em 2003, organizado pelo MRE e
pelo Grupo dos Embaixadores Africanos em Brasília.
45
Como conseqüência, o intercambio de embaixadas
aumentou. Só no primeiro governo, mais de uma dezena de
representações diplomáticas foram abertas em Brasília e
do Brasil no continente africano. A troca de embaixadas
sinalizam o esforço recíproco de estreitamento de relações
e a expectativa mútua de aprofundamento do diálogo
político e da agenda de cooperação, em um ambiente
caracterizado pela ênfase na cooperação Sul-Sul.
A cooperação militar tem se valido de modalidades como a
oferta de cursos para oficiais estrangeiros nas escolas
militares brasileiras, a realização de visitas e missões no
Brasil, promoção feiras internacionais na área de defesa e
segurança. Cresceram as demandas por maior presença
brasileira e daí aumentaram o número das ditâncias
Militares brasileiras no continente africano.
No período 2003-2006, o intercâmbio comercial com a
África cresceu de USD 5 bilhões, em 2002, para US$ 13
bilhões, em 2006, sem, entretanto, que houvesse mudanças
estruturais. As exportações brasileiras cresceram 255,9%,
e são financiadas pelo BNDES quando necessário.
46
A carência de transporte de carga e passageiros entre o
Brasil e o continente africano, continua sendo um dos
principais obstáculos à expansão dos contatos bilaterais.
Outra questão estrutural diz respeito a financiamentos à
exportação e a investimentos em infra-estruturas na África.
Mas nem tudo são rosas. A inovação do governo para a
política africana, que vinculava o interno com o externo,
não alcançou inteiramente os objetivos propostos, “na
medida em que não se desenvolveu uma agenda específica
capaz de responder plenamente à expectativa de que as
relações com a África poderiam ser utilizadas a fim de
promover, no Brasil, a igualdade racial e a luta contra o
racismo.” (Gala, 2007) A exceção a esse vazio na
implementação foi a realização, em Salvador, Bahia, em
2006, da II CIAD, Conferência de intelectuais africanos da
diáspora, organizada pelo governo brasileiro em parceria
com a União Africana.
As aspirações do movimento negro em relação a África,
pouco se vincularam com as lutas antiraciais no Brasil e
apresentaram suas limitações ao reconhecerem, o próprio
47
movimento negro e, a então Ministra da SEPPIR, não
disporem, no início do Governo, “de pauta específica de
diálogo para as relações com o continente africano, pois o
que nutriu o espírito da volta à África foram
tradicionalmente as formulações míticas e místicas acerca
do continente”. (Gala, 2007)
Apesar da importância adquirida, na medida em que
reverteu a visão colonizada e colonizadora do Brasil em
relação à África, aos africanos e aos afro-descendentes, é
momento de se rever os alcances dessa necessária
vinculação, no âmbito da política brasileira para a África, à
luz dos novos arranjos internacionais e do papel do Brasil e
da África.
48
A África, a China e o Brasil
Em 2007, o renomado sociólogo guineense Carlos Lopes,
dizia: “A China já é o terceiro parceiro comercial do Brasil
e do continente africano. Mas o que há de espetacular nessa
ascensão é que ninguém duvida que daqui a menos de duas
décadas seja provavelmente o primeiro parceiro de ambos.
Se isso é importante para nós, também parece ser
importante para o mundo”. Esta previsão de Carlos Lopes,
ficou ultrapassada em pouco mais de dois anos. A China já
é a primeira parceira comercial do Brasil e da África.
Apesar do esforço brasileiro dos anos 70 para a África,
quando criou linhas de crédito, incentivou exportações,
facilitou estabelecimento de ligações aéreas e marítimas,
criou intercâmbios culturais, e ainda, quando iniciativas
privadas amplificaram o relacionamento, e toda uma linha
de ações culturais, os “ africanos não estavam seguros de
que o interesse brasileiro tivesse emoção.” (Lopes, 2007)
A depressão econômica provocada pelo ajuste estrutural, e
a crise de governabilidade conseqüente, pode explicar
49
parcialmente os conflitos na África dos anos 80-90.
Entretanto, foi sobretudo o fim do controle indireto
oferecido pela guerra fria que permitiu a atores infra-
nacionais contestar os poderes estabelecidos centralmente,
agora sem proteção. A insegurança passou a ser a primeira
preocupação da maioria dos africanos.
O final do século
Na década de 80, os preços do café, do cacau, do algodão e
do chá, principais produtos de exportação da África
Subsaariana, caíram 50%. Nesse mesmo período, reduziu-
se em 50% o investimento em capital (em base per capita),
acrescido da pressão da dívida externa. A política de
ajustamento da economia transformou-se em
desajustamento da vida das populações.
Entre 1980 e 1989, foram aplicados 241 programas de
ajustamento estrutural, que se tornaram a ideologia do
desenvolvimento para os países africanos sul-saarianos.
Apesar do total cumprimento do Programa de Ajustamento
Estrutural do FMI, os seus resultados foram dramáticos, a
50
acumulação de capital tornou-se mais lenta na maioria dos
países; o investimento público foi reduzido drasticamente;
o investimento estrangeiro estagnou em níveis baixos; a
cota da produção industrial no PIB só subiu em seis países
entre 1982 e 1988; e só seis países aumentaram as
exportações em mais de 5%.
Com isso, deduz-se que, apesar de os países terem aplicado
todas as medidas propostas, os resultados para eles não
foram encorajadores. O objetivo central não era melhorar o
nível de vida das populações, dotando-as de uma economia
“saudável”, mas sim fazer que não necessitassem mais dos
recursos externos e ainda concorressem para o envio de
fluxos monetários para os Estados Unidos, em termos
globais.
Como conseqüência, a fome alastrou-se, o desemprego
aumentou, a desorganização social atingiu as aldeias mais
frágeis, enfim, a crise infiltrou-se por toda parte. E, mesmo
assim, o FMI e o Banco Mundial se tornaram recebedores
líquidos de recursos da África sul-saariana. Na década de
80, o FMI recebeu transferência líquida durante mais de
51
sete anos, com saldos positivos.
Foi nessa base, para comprimir as despesas públicas, que a
maioria das empresas estatais africanas fechou, foi cedida
ou privatizada. E também se realizaram reformas na sua
gestão e no relacionamento com os organismos do Estado.
Nesse quadro, os parceiros econômicos do continente se
afastaram. O investimento externo quase não existiu. O
comércio externo, mesmo para matérias primas, foi
significativamente reduzido, um paradoxo já que a
liberalização proposta pelo ajuste estrutural prometia o
contrário.
Em 1992, o PNB da África Sul-saariana era menos
importante que a sua dívida externa (280 bilhões de
dólares), e o serviço da dívida correspondia a 32% das suas
exportações (10,2 bilhões de dólares). A África Sul-
saariana (à exceção da África do Sul) tinha um PIB igual ao
da Bélgica e era responsável por menos de 2% do comércio
internacional.
“A África chegou à última década do século passado com
poucos amigos e muitos problemas.(...) Enquanto o Brasil
52
viveu seu período de crescimento, parecia começar a dar
importância à África. Quando a crise o assolou, no entanto,
depressa os críticos dessas ‘aventuras aricanas’ entraram
em cena para apelar para a concentração das relações com
os países que ‘valiam a pena’. (Lopes, 2007)
O início de século
Mas a África começou bem o século XXI. O crescimento
em torno de 2,4% do PIB nos anos 90 deu lugar a um
aumento para 4% anuais entre 2000 e 2004, tendo
ultrapassado os 4% em 2005. A proporção da África na
produção econômica mundial cresceu 5,5%, mais do que
qualquer membro da OCDE. A inflação média no
continente é de um dígito, e em mais de 30 países está
abaixo dos 5%.
O crescimento do IED (Investimento Externo Direto) com
destino africano cresceu 200%, entre 2000 e 2005 (de 7 a
23 bilhões de dólares). A bolsa de valores de Johannesburg,
para espanto de muitos, tem capitalização superior à da
53
Bovespa e à de Xangai. Outro fator determinante para
atrair o financiamento externo tem sido a redução do peso
da dívida, parcialmente perdoada ou eliminada: o maior
devedor africano, a Nigéria, pagou toda a sua dívida.
A África, neste início de milênio, abre-se enormemente às
possibilidades de investimento, e apresenta juntamente
carências básicas fundamentais a serem ultrapassadas,
econômica e socialmente.
Na área comercial as exportações africanas cresceram 25%
em média nos últimos três anos, uma performance igual à da
China, a ser comparada aos 14% do resto dos países do Sul.
A evolução econômica foi acompanhada da redução dos
conflitos violentos no continente, que passaram de 15 a
praticamente três: Darfur (e suas extensões no Chade e na
República Centro-Africana), Somália e pequenos resíduos
nos Grandes Lagos (Congo oriental, Burundi e norte de
Uganda). Embora haja conflitos não resolvidos no Saara
Ocidental, na Costa do Marfim, no delta do Níger, e na
fronteira entre a Etiópia e Eritréia.
A melhoria da segurança também é evidenciada pela
54
evolução positiva dos indicadores de criminalidade,
delinqüência e proliferação de armas leves. Também a
reforma da Organização de Unidade Africana em União
Africana teve um impacto positivo na coordenação dos
esforços africanos para a manutenção da paz.
Os amigos da África
Hoje, os protagonistas externos na África, à procura de
matérias primas, são a China e a Índia. Os Estados Unidos
da America buscam novas fontes de energia. Porém, o
principal investidor no continente é a África do Sul. Da
agricultura à indústria, da mineração às novas tecnologias.
“A China não esconde o seu apetite pelas matérias primas
africanas. O benefício principal do crescimento chinês tem
sido o aumento da procura de certos insumos básicos ao
nível mundial. A China jogou os preços de alimentos e
matérias primas, como o petróleo, o ferro e o manganês,
nas alturas. A China é o principal importador mundial de
algodão, cobre, soja e o quarto maior de petróleo. O
crescimento da demanda chinesa em cobre e soja é de 50%
55
anualmente, de petróleo cerca de 10%, o que é gigantesco.”
(Lopes, 2007)
Não é, pois, de admirar que a China se tenha tornado um
parceiro indispensável para a África, e para o Brasil. A
África vê na China mais do que um mero comprador:
obteve ainda ajuda e investimento. A China temparticipado
no IED à África com cerca de 1 bilhão de dólares anuais,
desde 2004, e começa a ter um peso mais importante que as
instituições de Bretton Woods, nas decisões africanas.
Nesse quadro de conjuntura internacional, a chegada ao
poder do Presidente Lula representou uma nova etapa nas
relações com a África. Os objetivos estratégicos
apresentados: o reconhecimento do problema racial no
Brasil e uma política externa privilegiando a parceria
estratégica com o Sul, tiveram um enorme impacto no
continente africano. Empresas de grande porte como a
Petrobras, a Odebrecht e a Companhia do Vale do Rio Doce
aumentaram sua presença no continente, bem como um
conjunto de empresas de porte médio começaram a se
instalar na África, ao lado das ações culturais e
56
educacionais, e das representações diplomáticas, que se
multiplicam.
Entretanto, sabe-se que estes indicadores de crescimento das
relações do Brasil com a África no Governo Lula, embora
importantes, são relativamente modestos quando
comparados ao esforço chinês, neste momento. A ajuda
chinesa pode não ser inovadora, mas é a mais flexível que se
conhece. A China busca no Brasil o mesmo que na África:
alimentos, nomeadamente soja e minérios, ferro em especial,
e em troca exporta produtos manufaturados para o Brasil.
O Brasil concorre com a China, mais do que outros países
latino-americanos, mas o potencial de crescimento é ainda
baseado em produtos de baixo valor agregado. Os
caminhos buscados pelo Brasil, quer em relação à África, e
à própria China, são os de romper o potencial de
crescimento baseados em produtos de pouco valor
agregado, para fortalecer as exportações de alto valor
agregado e constituindo-se como investidor industrial e
nas novas tecnologias.
57
O desafio africano ao Brasil [e ao PT]
O caminho em termos de política externa para África, vem,
assim, sendo aprimorados na sua vinculação a um projeto
estratégico nacional de longo prazo. É premente a criação
de instituições de pesquisa e estudo sobre o continente
aptas a formular propostas de políticas e criticar as ações
empreendidas pelo Governo, [veja a respeito, matéria da
Folha de São Paulo de 25/01/2010]; assim como, o
redesenho dos instrumentos de ação, incluindo a agência
de cooperação, para que esta passe a ter ampla articulação
com a sociedade brasileira e eficiência no lado de lá; e,
consequentemente, pela atribuição e garantia pelo Estado
dos recursos consistentes necessários para a empreitada.
Por outro lado, nesse contexto, o PT aprofunda as ações de
relacionamento com os partidos e governos africanos,
buscando laços de continuidade, como apontam os seus
programas.
A questão de Carlos Lopes, de que “O Brasil, (...) tem de
decidir de uma vez se o seu relacionamento com a África
vai-se pautar pela 'dívida de solidariedade', na expressão
58
feliz do Presidente Lula, ou pelo vaivém das
oportunidades”, vem sendo respondida na reversão da
tendência das décadas anteriores, marcada por iniciativas
não sustentadas, sabendo-se que o capital emotivo, que nos
é favorável, poderia desaparecer ao se notar de que o Brasil
vivesse de oportunidades.
A percepção que os africanos têm sobre os chineses, de que
“são parceiros de longo prazo, presentes nos momentos
difíceis, que não impõem o que fazer, que não se imiscuem
nos processos políticos internos e que são totalmente
previsíveis no plano externo”, é o caminho perseguido.
O preparação do PT frente a África é característica sua no
cenário político nacional. O Brasil, e o PT, já despertaram
para a África, estando agora trilhando as sendas para
garantir a sua intensidade, regularidade e visão estratégica,
como fizeram a China e o PCCh, nas últimas décadas.
Para finalizar, e ir além do complemento e competição
comercial-industrial, as relações do Brasil e da China com
a África, à luz da cooperação, da amizade e da paz, deverão
avançar por parcerias nas áreas econômicas, sociais e
59
culturais. Enquanto se consolidam as sociedades nos
grandes investimentos nos setores econômicos,
industriais, tecnológicos, agrícolas ou financeiro, o esporte
e a educação podem cumprir em excelente papel.
A título de exemplo, poderíamos avançar muito
rapidamente com parcerias entre chineses, brasileiros e
africanos:
(a) No desenvolvimento de estudos e pesquisa nas áreas
das ciências sociais, política e história, em temas
acordados com centros de estudos africanos, como o
Codesria (Conselho para o desenvolvimento da pesquisa
das ciências sociais na África, com sede no Senegal), ou
universidades;
(b) Na criação de torneios entre equipes chinesas,
brasileiras e africanas em voleibol, basquetebol e futebol,
realizados em países africanos, no Brasil e na China. Ou
ainda, na parcerias em programas esportivos, como o
aparelhamento e a formação esportiva, que o Brasil e a
China ofereceriam em conjunto, de forma regular.
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