213
1 UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara Isabella Fernanda Ferreira DISCURSO DAS COMPETÊNCIAS: SOLIDÃO, TECNICISMO E SEMIFORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DOCENTE. Araraquara 2007

UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Faculdade de ... · assegura o provérbio popular “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, resolvi arriscar-me nesta dura tarefa

Embed Size (px)

Citation preview

  • 1

    UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

    Faculdade de Cincias e Letras Campus de Araraquara

    Isabella Fernanda Ferreira

    DISCURSO DAS COMPETNCIAS:

    SOLIDO, TECNICISMO E SEMIFORMAO DO PROFISSIONAL DOCENTE.

    Araraquara

    2007

  • 2

    UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

    Faculdade de Cincias e Letras Campus de Araraquara

    Isabella Fernanda Ferreira

    DISCURSO DAS COMPETNCIAS:

    SOLIDO, TECNICISMO E SEMIFORMAO DO PROFISSIONAL DOCENTE.

    Dissertao:

    Mestrado em Educao Escolar.

    UNESP: Faculdade de Cincias e

    Letras de Araraquara.

    Orientadora: Dra. Paula Ramos de

    Oliveira.

    Araraquara

    2007

  • 3

  • 4

    UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

    Faculdade de Cincias e Letras Campus de Araraquara

    Isabella Fernanda Ferreira

    DISCURSO DAS COMPETNCIAS:

    SOLIDO, TECNICISMO E SEMIFORMAO DO PROFISSIONAL DOCENTE.

    Natureza: Defesa.

    Instituio: UNESP Faculdade de Cincias e Letras de Araraquara.

    rea de Concentrao: Educao Cincias Humanas.

    Data da Defesa: ___ / ___ / _____.

    Nome: Isabella Fernanda Ferreira.

    Mestrado.

    Banca Examinadora:

    Dr: Antnio lvaro Soares Zuin. Ass: _____________________.

    Dra: Jos Luis Vieira. Ass: ________________________.

    Dra: Paula Ramos de Oliveira. Ass: _________________________.

    Araraquara, 03 de Agosto de 2007.

  • 5

    DEDICATRIA

    Dedico toda a construo deste trabalho, com suas alegrias e frustraes, medos,

    incertezas e realizaes ao meu marido Felipe Maciel Moreira, companheiro que

    tem sido sempre fiel e leal em todos os momentos da minha vida.

  • 6

    INTIMIDADE Chuvisco vai descendo,

    Beijando a ptala da flor,

    Beijando os frutos,

    Beijando as folhas,

    Beijando o cho.

    Com seu toque sobre a terra,

    Seu carinho em umidade,

    Vem arrancar, toda a dureza,

    Que um solo estril pode estar.

    Sua presena fertiliza,

    Sua gua purifica,

    A penetrar, no mais profundo,

    Se envolvendo na semente,

    Fazendo-a germinar.

    Chuvisco...

    O corao assim,

    Se enrijece at o fim,

    Se no regado.

    Como a planta e o solo,

    Com sua chuva e o seu sol,

    Ele precisa ser cultivado,

    Para assim poder crescer.

    Chuvisco vai cessando,e quando ele passar,

    o meu amor ainda vai ficar.

    (msica e letra: Isabella Fernanda Ferreira. N de registro:18.045)

  • 7

    AGRADECIMENTOS.

    Agradeo a todos aqueles que fazem ou fizeram parte da minha histria,

    principalmente aos meus pais, que mesmo no tendo a chance que eu tive de estudar, no

    mediram esforos para que eu pudesse passar por todo este processo formativo.

    Aos meus irmos que sempre foram leais comigo me incentivando. Aos meus

    amigos do grupo de pesquisa Teoria Crtica e Educao, especialmente ao Toni que me deu

    um voto de confiana, ao Newton que se tornou para mim uma espcie de paizo de

    conhecimento e minha Paulinha, que mais que uma orientadora, revelou-se uma grande

    amiga.

    E, por fim, agradeo ao CNPq que vem financiando os meus estudos desde a minha

    graduao.

    Por tudo, a todos vocs, agradeo de corao!

  • 8

    RETRATO

    Retratos, lembranas, histrias, pessoas, vidas. Momentos felizes, tristes,

    lgrimas, sorrisos. Viver uma arte,

    que possui seus diversos quadros, ora claros, ora escuros;

    mas preciso saber ser bom pintor, usando as cores da aquarela do amor.

    E se cair o nanquim, sobre a ptala da flor,

    abre os olhos, pois, dali pode sair um beija-flor. Retratos, lembranas,

    histrias, pessoas, vidas. Momentos felizes, tristes,

    lgrimas, sorrisos. O passado um quadro,

    terminado, lapidado e acabado, deixando os seus detalhes, para o j.

    O presente a perola, que o artista, certamente usar, para os detalhes aperfeioar.

    E se acaso terminar e um detalhe esquecer, O futuro est a, e uma nova obra assim nascer.

    (Letra e Msica de Isabella Fernanda Ferreira. N de registro: 18.044)

  • 9

    fotos

  • 10

    As florezinhas todas. A afirmao, provavelmente de Jean Paul, de que as recordaes so o nico bem que ningum pode tomar de ns, pertence ao arsenal de consolaes sentimentais e impotentes que pretendem fazer crer que o resignado recolhimento do sujeito na interioridade significa para este precisamente a realizao de que abre mo. Ao instalar o arquivo de si mesmo, o sujeito confisca como propriedade seu prprio patrimnio de si mesmo, transformando-o com isso em algo inteiramente exterior ao sujeito. A vida interior passada torna-se um mobilirio, assim como cada pea Biedermeier era uma lembrana transformada em madeira. O interior, onde a alma acomoda sua coleo de memrias e curiosidades, algo decrpito. As recordaes no podem ser guardadas em gavetas e prateleiras; nelas o passado entrelaa-se de maneira indissolvel com o presente. Ningum dispe delas com a liberdade e a arbitrariedade cujo elogio infla as frases de Jean Paul. precisamente quando se tornam controlveis e objetivas, quando o sujeito acredita estar inteiramente seguro delas, que as recordaes desbotam como tapearias delicadas expostas crua luz do sol. Mas quando, protegidas pelo esquecimento, conservam sua fora, correm perigo, como tudo que vivo. por isso que a concepo de Brgson e Proust, dirigida contra a reificao, e segundo a qual o presente, a imediatidade, s se constitui de modo mediato atravs da memria, essa interao do agora e do outrora, no tem apenas um aspecto redentor, mas tambm um aspecto infernal. Da mesma maneira que nenhuma vivncia anterior real, se no tiver sido retirada da rigidez mortal de sua existncia isolada por uma recordao involuntria, inversamente nenhuma lembrana est garantida na medida em que , em si mesma, indiferente ao futuro daquele que a nutre; nenhum evento passado est imune, por sua passagem mera representao, maldio do presente emprico. A mais ditosa das lembranas que se tem de uma pessoa pode ser revogada em sua substncia por uma experincia posterior. Quem amou e traiu o amor faz mal no s imagem do passado, mas ao prprio passado. Com uma evidncia irresistvel, insinua-se na lembrana um gesto de m vontade no momento o despertar, uma entonao ausente, uma ligeira hipocrisia no prazer, transformando logo a proximidade de antes na estranheza de hoje. O desespero tem a expresso do irrevogvel, no porque as coisas no possam de novo tornar-se melhores, mas porque arrasta para seu abismo o prprio passado. Eis porque tolo e sentimental querer conservar puro o passado diante da torrente de imundcies do presente. Ao passado no resta outra esperana a no ser entregar-se sem defesas desgraa, para dela ressurgir como algo diferente. Mas se algum morre desesperado, sua vida inteira foi em vo.(ADORNO,1993, p.145-146).

  • 11

    RESUMO

    Esta pesquisa teve como principal objetivo investigar a teoria da Pedagogia das Competncias formulada, especialmente, por Philippe Perrenoud, e sua influncia na formao de professores da educao bsica no Brasil. Para tanto procuramos em um primeiro momento efetuar o estudo das obras de Philippe Perrenoud, com o objetivo de compreender a sua proposta pedaggica para a formao de professores; o estudo dos documentos normativos construdos ao longo dos dez ltimos anos sobre a formao de professores no Brasil; o estudo de outras produes acadmicas que se preocuparam com a mesma temtica, ainda que com questes diferentes. Em um segundo momento, o trabalho se preocupou em estabelecer as seguintes anlises subdivididas em duas grandes categorias: a anlise da apropriao da poltica educacional brasileira da pedagogia das competncias para a formao de professores da educao bsica e a anlise dos slogans ideolgicos construdos e suas contradies, tanto pela teoria da pedagogia das competncias como da poltica educacional brasileira. Terminadas estas anlises, a presente dissertao defende a central idia de que a pedagogia das competncias tem colaborado para o que os frankfurtianos denominam de semiformao cultural dos docentes da educao bsica no Brasil.

    Palavras-chave: pedagogia das competncias, Escola de Frankfurt, semiformao cultural, formao de professores, estruturalismo, funcionalismo.

  • 12

    ABSTRACT

    This research had as objective principal to investigate the theory of the Pedagogy of the Competences formulated, especially, for Philippe Perrenoud, and your influence in the teachers' formation of the basic education in Brazil. For so much we sought in a first moment to make the study of Philippe Perrenoud's works, with the objective of understanding your pedagogic proposal for the teachers' formation; the study of the normative documents built along the last ten years about the teachers' formation in Brazil; the study of other academic productions that worried about the same thematic, although with different subjects. In a second moment, the work worried in establishing the following analyses subdivided in two great categories: the analysis of the appropriation of the politics educational Brazilian of the pedagogy of the competences for the teachers' formation of the basic education and the analysis of the built ideological slogans and your contradictions, so much for the theory of the pedagogy of the competences as for the Brazilian educational politics. Finished these analyses, to present dissertation it defends the central idea that the pedagogy of the competences has been collaborating for that the frankfurtians denominates cultural semiformation of the teachers' of the basic education in Brazil.

    Key words: pedagogy of the competences, School of Frankfurt, cultural semiformation, teachers' formation, structuralism, functionalism.

  • 13

    SUMRIO

    1. INTRODUO...............................................................................................................13

    2. PEDAGOGIA DAS COMPETNCIAS: SOLIDO, TECNICISMO E SEMIFORMAO DO PROFISSIONAL DOCENTE...............................................17

    3. CONSIDERAES FINAIS.......................................................................................200

    REFERNCIAS ...........................................................................................................207

  • 14

    INTRODUO

    Como compara Clarisse Lispector, escrever duro como uma rocha, mas como

    assegura o provrbio popular gua mole em pedra dura, tanto bate at que fura, resolvi

    arriscar-me nesta dura tarefa que a de fazer pesquisa.

    s vezes o comeo o fim, e o final na realidade um novo recomeo. Por que a

    imposio de uma linearidade?

    s vezes conseguimos nos expressar, outras no.

    Nesta introduo tomei a liberdade de usar as minhas palavras em primeira

    pessoa, pois, afinal, estou apresentando a minha pesquisa.

    Justifico a minha opo em no dividir o meu texto em diferentes captulos, pois, ao

    analisar a realidade da formao de professores no Brasil, incentivada, sobretudo, pelas

    nossas polticas pblicas de educao sob a luz do referncial terico frankfurtiano, fiz-

    me o seguinte questionamento que neste momento em especial, quero colocar: por que

    separar idias ou elementos de anlise que so indissociveis na realidade e, por que

    fragmentar a realidade, visto que acredito, que a soma das partes no representa o seu todo,

    pois, elimina-se nesta justaposio as contradies, conflitos e dualidades presentes to

    objetivamente na nossa realidade social?

    Ressalto que o objetivo poltico desta pesquisa defender um pouco os nossos

    colegas professores brasileiros, sobretudo, os das redes pblicas de ensino, os quais,

    infelizmente, no tm tido acesso a uma formao de qualidade e, assim, acabam no

    encontrando caminhos possveis de resistncia a esta massificao imposta verticalmente

    para o trabalho do docente.

    Inserido neste macro objetivo poltico, encontramos o objetivo desta pesquisa,

    que procurou denunciar como a pedagogia das competncias est sendo transformada com

    o auxlio das polticas pblicas no ticket anunciado por Adorno, fazendo que os

    professores tenham o seu pensamento unidimensionalizado para a reproduo desta

    mentalidade entiquetada.

    Posto que a inteno desta pesquisa trabalhar com um mtodo de anlise dialtico

    negativo sob as luzes da filosofia, procurei redigir um texto o menos cartesiano possvel,

  • 15

    no separando objeto, mtodo, metodologia, questionamento e concluso. A concluso est

    presente em toda a dissertao e, ao contrrio do que o meto cartesiano solicita, a questo

    est no final como fruto de toda uma anlise que chegando em uma concluso aponta

    para novas dvidas e hipteses.

    Em um primeiro momento, procuro apresentar de um modo bem sintetizado o

    referencial terico da Escola de Frankfurt e o mtodo dialtico negativo de Adorno

    utilizado pelos frankfurtianos como ferramenta para a compreenso da realidade.

    Realizadas estas consideraes, procurei apresentar as categorias de anlise

    utilizadas por mim, para a compreenso deste meu objeto de pesquisa: a pedagogia das

    competncias e sua relao com a formao de professores do Brasil. As categorias de

    anlise escolhidas foram semiformao, formao e indstria cultural, todos conceitos

    elaborados por Adorno. Posto isso, afirmo que todas as concluses desta pesquisa possuem

    sua fundamentao especificamente neste nico autor. Outros autores como Marcuse, Kant,

    Elias etc, so citados durante a dissertao, mas exclusivamente com o objetivo de tentar

    iluminar as anlises de Adorno.

    Antes de apresentar a pedagogia das competncias de Perrenoud, a pesquisa

    apresenta um breve histrico sobre a organizao do trabalho e sua interferncia nas

    organizaes e metodologias escolares. A inteno deste breve percurso histrico a de

    salientar como a preocupao com a preparao dos sujeitos para a organizao do trabalho

    tem sido o vu de integrao que assola nossas escolas desde a passagem do feudalismo

    para o capitalismo.

    Esta preocupao com a formao para o trabalho ainda est perpassando

    atualmente as nossas escolas e, com elas, o processo formativo dos professores. O

    capitalismo, que atualmente se apresenta muito mais flexvel, requisita profissionais que

    tenham uma maior versatilidade e saibam trabalhar em equipe. No que diz respeito

    formao de professores, a pedagogia das competncias de Perrenoud defende a formao

    de um docente dotado destas caractersticas, o que faz dela nesta ltima dcada a principal

    referncia terica para a formao de professores no Brasil.

    Terminada esta reflexo, apresento de uma maneira bem sintetizada a pedagogia das

    competncias elaborada por Perrenoud e demonstro por meio de um levantamento

  • 16

    normativo referente aos dez ltimos anos, como a legislao brasileira tem cooperado para

    a legitimao desta abordagem no que se refere especificamente formao dos nossos

    professores brasileiros. Alm disso, toda esta legislao que legitima a fora desta teoria

    possui tambm como objetivo justificar uma poltica educacional neoliberal.

    Analisamos, enfim, que a legislao educacional sobre formao de professores

    somada teoria das competncias funcionam ambas como co-produtoras do que Adorno na

    Dialtica do Esclarecimento denominou de mentalidade do ticket, Marcuse denomina de

    pensamento unidimensional e Kant diagnostica como uma espcie de servido

    voluntria.

    Por fim, apresento a pedagogia das competncias como principal veculo de

    semiformaco atual dos docentes nestes ltimos anos. Anuncio tambm que esta pesquisa

    trouxe-me mais questionamentos do que respostas tentarei desvend-los em uma prxima

    pesquisa.

  • 17

    DISCURSO DAS COMPETNCIAS:

    SOLIDO, TECNICISMO, SEMIFORMAO DO PROFISSIONAL DOCENTE.

    Legado. O pensamento dialtico a tentativa de quebrar o carter coercitivo da lgica com os prprios meios desta ltima. Mas na medida em que ele tem que se servir desses meios, ele se arrisca sem cessar a sucumbir, ele prprio, a esse carter coercitivo: a astcia da razo poderia impor-se mesmo contra a dialtica. O subsistente s pode ser ultrapassado por meio do universal, ele mesmo extrado do subsistente.O universal triunfa sobre o subsistente atravs do conceito mesmo deste ltimo, e por essa razo, nesse triunfo h sempre o risco de que o poder do meramente existente se restabelea a partir da mesma violncia que o rompeu. Atravs do absolutismo da negao, o movimento do pensamento, assim como o da histria, conduz-se, segundo o esquema da oposio imanente, de uma maneira inequvoca, exclusiva e com uma positividade implacvel. Tudo se v subsumido s principais fases econmicas, historicamente determinantes dominantes na sociedade como um todo, e ao desenvolvimento: todo o pensamento possui um pouco daquilo que os artistas parisienses chamam de le genre chef doeuvre. Que o infortnio seja provocado precisamente pela estringncia desse desenvolvimento; que essa estringncia esteja diretamente ligada dominao, algo que no est pelo menos explcito na teoria crtica, que, como a teoria tradicional, espera que a salvao se d numa progresso por etapas.Estringncia e totalidade, os ideais de necessidade e universalidade do pensamento burgus de fato exprimem a frmula da histria, mas por isso mesmo a constituio de sociedade sedimenta-se nos grandiosos conceitos que se viram fixados e contra os quais se voltam a prxis e a crtica dialtica. (ADORNO, 1993, p. 132-33).

    O referencial terico que solidifica e fundamenta as anlises desta dissertao de

    mestrado o da denominada Teoria Crtica ou Escola de Frankfurt como tambm

    conhecida pela academia.

    A Escola de Frankfurt surge em um conturbado e rico momento histrico, no qual o

    mundo se apresentava dividido em trs grandes domnios:

    1. O nazifascismo: manifestado com a tomada do Estado na Alemanha e na Itlia

    com defensores espalhados por todo o mundo.

    2. O socialismo da Rssia em suas bases tambm como um sistema totalitrio.

    3. O capitalismo e a democracia de massa do ocidente que abrigou muitos

    intelectuais da barbrie da guerra nos Estados Unidos.

  • 18

    Segundo Abensour (1990), o termo mais apropriado para a Teoria Crtica seria

    Crculo de Frankfurt e no Escola de Frankfurt, pois este termo pode oferecer uma pseudo-

    idia, oferecendo uma conotao dogmtica e ao mesmo tempo muito universitria. Esta

    pluralidade justificada pela sua dualidade de tradies (Marx e Kant).

    A Escola de Frankfurt teve sua atividade poltica e acadmica conhecida pela sua

    prestigiosa Revista de Pesquisa Social desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Social,

    fundado em 1923 e que teve como diretor Carl Grnberg, assumindo posteriormente, em

    1931, Horkheimer.

    Podemos ainda identificar a existncia de mais de uma linha de pensamento

    dentro da Teoria Crtica: a dos anos 30 (marxista-revolucionria), a dos anos 70 (critica o

    mundo administrado, mas abandona o seu carter revolucionrio, colocando-se em uma

    posio defensiva) e, por fim, toda a trajetria original de Adorno, que se diferenciava de

    ambas, por possuir uma postura que privilegia a resistncia, como dura possibilidade de

    emancipao individual e social.

    Quanto afirmao de que a Escola de Frankfurt seria composta por trs diferentes

    geraes esta pode se tornar perigosa no sentido de atribuir um sentido evolucionista

    comteano que compreende a terceira gerao como a mais desenvolvida teoricamente.

    Como eixos norteadores desta corrente terica podemos sintetizar dois:

    1. Trata-se de uma teoria reflexiva que contrria teoria tradicional

    cartesiana, pois carrega em si uma busca incessante pela auto-educao

    permanente no que concerne ao plano social-histrico.

    2. Trata-se de uma teoria crtica e abrangente da sociedade, que, partindo do

    mtodo dialtico negativo, busca explicar tanto a economia poltica como

    as ideologias, procurando executar uma racionalizao do real, do

    trabalho e da questo da emancipao que primordial para estes

    pensadores.

    Segundo Abensour (1990), a teoria crtica elaborada pelos tericos da Escola de

    Frankfurt ao mesmo tempo em que se aproxima muito do marxismo, distancia-se dele.

    Quando a Escola de Frankfurt inicia seus trabalhos nos anos 20 podemos facilmente

    observar uma profunda relao com o marxismo, principalmente atravs das obras de

  • 19

    Lukcs (Histria e conscincia de classe) e de Korssch (marxismo e filosofia) e uma certa

    recusa ao leninismo no que diz respeito a um reformismo socialdemocrata, no acreditando

    em uma Rssia socialista, mas em uma nova organizao social, dona de uma lgica

    prpria. J nos anos quarenta a Escola de Frankfurt desenvolver uma profunda crtica ao

    pensamento de Marx, acusando-o de estar muito preso aos limites do racionalismo.

    Abensour ainda declara que, ao contrrio de Marx, que em sua dcima primeira tese

    sobre Feurbach acusa a filosofia de intil, a Teoria crtica busca salvar a filosofia desta

    acusao, apropriando-se e criticando as duas sistematicidades desenvolvidas por Hegel:

    [...] a sistematicidade filosfica (identidade do conceito e do

    objeto) e a sistematicidade ou integrao com o Estado (identidade

    da sociedade e do Estado). A teoria crtica desvenda a falsidade

    desses processos de identificao, que existem enquanto vnculo

    lgico, ou enquanto vnculo social: ela o questionamento da

    identificao que se efetua no nvel do pensamento, atravs do

    domnio do sujeito sobre o objeto; questionamento da identificao

    que se efetua no nvel da realidade scio-poltica, atravs do

    domnio de um sujeito sobre o outro. Somente a experincia do

    sofrimento, no sentido materialista, enquanto experincia da

    falsidade dessas duas identificaes, pode abrir caminho verdade,

    como experincia da possibilidade utpica do no-sofrimento. na

    medida em que a teoria crtica visa o no-idntico que ela se

    constitui enquanto dialtica negativa.(ABENSOUR, 1990, p.196).

    Ao contrrio do que muitos podem pensar, os frankfurtianos no so identificados

    pela concordncia ou no de julgamentos sobre assuntos especficos, mas sim pela maneira

    como analisam estes fatos por meio de um mtodo por eles denominado de dialtico

    negativo. Ou seja, o que os une no so suas concluses, mas sim a maneira como estas so

    tecidas.

    Deste modo, Adorno, denomina o seu mtodo de anlise como sendo dialtico

    negativo com a finalidade de fornecer uma resistncia objetiva sobre a conscincia

  • 20

    reificada, produzida e reproduzida pelo capitalismo tardio. Segundo Pucci, Ramos-de-

    Oliveira e Zuin, na obra Adorno, o poder educativo do pensamento crtico(2000), a

    metodologia da dialtica negativa de Adorno seria composta de inmeros elementos, mas

    centralmente de trs: a nfase na negatividade da dialtica, a existncia de um duplo sentido

    para os conceitos e, por fim, a dependncia do conceitual a tudo que no conceitual.

    Levando em considerao estes trs elementos na leitura das obras de Adorno, corre-se um

    perigo menor de interpretar erroneamente este terico.

    Partindo de Hegel, mas efetuando um caminho contrrio ao da sua dialtica

    positiva, Adorno enfatiza o negativo como sendo a energia propulsora do pensamento,

    fazendo da negatividade a ferramenta do seu modo de refletir. Levando a negao ao

    extremo, Adorno ressalta as tenses existentes dentro de um mesmo conceito na tentativa

    de impulsionar o sujeito a uma atitude autnoma durante o seu percurso na tentativa de

    conhecer a realidade. Segundo, Pucci, Ramos-de-Oliveira e Zuin:

    O nome dialtica comea dizendo que os objetos so mais

    que seus conceitos, que contradizem a norma tradicional da

    adequatio rei et intelectus. H sim uma adequada identidade

    que nos permite dizer que tal conceito se refere a tal realidade.

    impossvel o pensar sem definir, determinar, buscar semelhanas. O

    conceito, porm, no esgota a plenitude da realidade. Esta

    plurvoca, sempre desafia o intelecto a penetr-la mais. Resguarda

    sua intimidade e se desnuda como um outro diferente da imagem

    que a quis esgotar. Da, para Adorno, a proeminncia do objeto

    sobre o sujeito no processo de conhecimento. O pensamento

    identificante, visto no como momento de um processo, mas

    absolutizado como fim em si mesmo, produz a aparente

    equiparao do desigual, realidade e conceito. E uma razo

    irreflexiva se cega at a loucura quando encontra algo, desigual, que

    escapa a seu domnio. Mantm travada a contradio; esta, porm,

    o no-idntico, que quando choca contra seu limite para forar a

    superao. Identidade e contradio esto assim soldadas uma

  • 21

    outra, como cara e coroa de uma mesma realidade. (PUCCI;

    RAMOS-DE-OLIVEIRA; ZUIN, 2000, p.78-9).

    Em Adorno a dialtica s pode existir enquanto negativa em virtude das limitaes

    desencadeadas pelo capitalismo tardio que termina por administrar o mundo. Ela efetua um

    caminho na tentativa de processar a diferena que se estabelece entre o universal e o

    particular, pois o conceito que pode ser compreendido como universal nunca alcana a

    perfeita identidade com o particular que pode ser entendido como a realidade. No mesmo

    instante em que essa busca pela identidade nunca alcanada frustrante, ela tambm se

    torna o motor propulsor que torna possvel a realizao da dialtica negativa.

    A compreenso desta dualidade existente em seu mtodo dialtico negativo o que

    permite entendermos de fato a dura crtica que Adorno constri em relao teoria

    tradicional que possui como seu objetivo absoluto alcanar a identidade. Nisto, segundo

    ele, consiste a sua falha.

    Embora Adorno recuse o princpio da identidade como seu objetivo de anlise, sua

    dialtica negativa no anula a identidade, mas a transforma qualitativamente. A questo

    central que a identidade deixa de ser uma finalidade para se tornar um incio que revela a

    sua falsidade possibilitando no trmino do processo de anlise o alcance da verdade, isto

    porque na recusa de uma identidade inicial podemos encontrar indcios que se aproximam

    mais da identidade. Pucci, Zuin e Ramos-de-Oliveira, apoiados em Buck-Morss em seu

    livro The Origin of Negative Dialectics, esclarecem-nos um pouco mais esta questo:

    [...]Adorno, ao justapor conceitos antitticos, ao apresentar a

    irreconciliabilidade entre conceitos e realidade, dotou seu

    pensamento de uma estrutura dinmica e proporcionou a fora para

    a reflexo crtica. Hegel via na negatividade o movimento do

    conceito para o outro como um momento dentro do processo maior

    da dialtica, em direo sntese, consumao sistmica, Adorno

    no via possibilidade alguma de que a argumentao se detivesse na

    sntese inequvoca. Fez da negatividade o sinal distintivo de seu

  • 22

    pensamento precisamente porque acredita que Hegel havia se

    equivocado no fazer coincidir razo e realidade.

    [...] Adorno, no s pretendia demonstrar a falsidade do

    pensamento burgus; queria demonstrar que precisamente quando o

    projeto burgus o projeto idealista de estabelecer a identidade

    entre o pensamento e a realidade fracassava, era a que

    demonstrava, inintencionalmente, a verdade social. Era nas rupturas

    de sua lgica, nas brechas de sua unidade sistemtica, nas

    inconsistncias de sua teoria que se testemunha uma realidade cujas

    contradies reais no podiam ser resolvidas apenas no mbito do

    pensamento.

    [...] Adorno denomina sua dialtica de negativa, porque ela

    revela a fora do todo, atuante em cada determinao particular, no

    apenas como a sua negao, mas tambm como o negativo, o falso.

    O todo o no-verdadeiro, disse ele em Mnima Moralia (MM,

    p.42), em contraposio ao posicionamento de Hegel de que o

    verdadeiro o todo. (PUCCI; RAMOS-DE-OLIVEIRA; ZUIN,

    2000, p. 80-1).

    A riqueza da dialtica negativa de Adorno no est apenas na revelao de suas

    contradies, mas sim na inteno de demonstrar a historicidade existente nestes diferentes

    momentos paradoxais, denunciando a dominante razo instrumental. Para isso, Adorno

    busca no no conceitual o material objetivo para a construo dos seus conceitos. Nesta

    dependncia entre conceito e aconceitual encontramos mais um dos elementos da sua

    dialtica negativa, o que faz de Adorno um materialista que enfatiza a prioridade do objeto

    sobre o sujeito, mas que no desconsidera o sujeito, visto que, para ele, o sujeito j em si

    mesmo um objeto. Entendendo que o sujeito j em si mesmo um objeto, Adorno se

    espelha em Kant no momento em que considera primordial a relao existente entre

    subjetividade e objetividade, valorizando a filosofia e utilizando a psicanlise como

    ferramenta de anlise. Para Adorno,

  • 23

    [...]. O objeto no um dado, uma forma pobre e cega; ele

    muito mais que pura facticidade. O primado do objeto algo que

    deve ser construdo criticamente e mediatizado que , no acaba

    com a dialtica entre sujeito e objeto. Absolutizar o dado

    coisific-lo. E isso falsa objetividade. E a conscincia pode

    tambm ser um constituinte da coisificao porque se encontra

    coisificada em uma sociedade j constituda. por isso que as

    formas subjetivas de reao surgidas na apreciao dos

    componentes qualitativos do objeto necessitam ser corrigidas

    constantemente em confronto com este. E o instrumento

    fundamental para tal correo a auto-reflexo crtica.

    S a filosofia pode e deve empreender o esforo de superar o

    conceito por meio do conceito. Os objetos, em si mudos,

    petrificados, precisam ser trazidos ao discurso pela reflexo

    filosfica para traduzir em palavras sua potencialidade interna.

    Decifrar, pois, um objeto significa no o deixar intacto e nem ao

    sujeito. uma forma de prxis, de interveno cultural. Em

    contraste com o ideal cientfico habitual, a objetividade do

    conhecimento dialtico no precisa de menos e sim de mais sujeito.

    De outro modo a experincia filosfica degenera. (PUCCI;

    RAMOS-DE-OLIVEIRA; ZUIN, 2000, p.91-2).

    Podemos sintetizar afirmando que o mtodo dialtico negativo de Adorno consiste

    em um permanente esforo para eliminar as pseudos-snteses, questionando sempre as

    propostas defendidas como definitivas para a superao de um determinado problema. Para

    isso, a dialtica negativa enquanto ferramenta de anlise busca rejeitar toda viso

    sistmica na tentativa de salvaguardar tudo aquilo que no est submetido totalidade, aos

    fatos verificados. Apesar de recusar toda viso totalizante da sociedade, os frankfurtianos

    esto preocupados em realizar uma anlise da sociedade em seu aspecto macro, j que a

  • 24

    escola de Frankfurt pode ser considerada como sendo um paradigma do conflito. Segundo

    Freitag:

    A dialtica negativa um movimento permanente da razo

    na tentativa de resgatar do passado as dimenses reprimidas, no

    concretizadas no presente, transferindo-as para um futuro

    pacificado em que as limitaes do presente se anulem. A dialtica

    negativa se confunde assim com a razo iluminista na conceituao

    de Kant e Hegel, ou seja, em sua verso emancipatria. Na leitura

    de Adorno (e Horkheimer) a razo iluminista tinha em seu comeo

    (na viagem de Ulisses em busca de taca) ambas as dimenses: a

    emancipatria e a instrumental. A sociedade burguesa, herdeira do

    Iluminismo, privilegiou o desdobramento da razo instrumental em

    detrimento da razo emancipatria que ficou reprimida e atrofiada.

    Ulisses, ao tentar dominar a natureza externa (o canto e a tentao

    das sereias), teve de subjugar sua natureza interna (prendendo-se ao

    mastro de seu navio). A astcia da razo empregada por Ulisses

    volta-se contra o seu idealizador, transformando sua natureza

    interna: a razo instrumental (evocada para dominar a natureza

    externa) subjuga a razo emancipatria. O feitio vira contra o

    feiticeiro. A razo iluminista, que entrou em cena para subjugar o

    mito, transforma-se, por sua vez, em mito. (FREITAG, 1990, p.48-

    9).

    A preocupao de Adorno em resgatar a ambigidade presente na razo iluminista

    (emancipatria e instrumental) e a dura crtica que ele estabelece no que diz respeito

    absolutizao da razo instrumental - caracterizada, sobretudo, por meio do evolucionista

    mtodo positivista - o que faz dele um pensador por excelncia moderno. Ao contrrio

    dos pensadores ps-modernos que criticam o cartesianismo porque rejeitam a razo

    iluminista, Adorno efetua esta mesma crtica, mas com a preocupao de resgatar em sua

    ambigidade e, portanto, em sua totalidade, a razo iluminista.

  • 25

    Em seu texto Teoria Crtica e teoria tradicional escrita conjuntamente com Max

    Horkheimer, Adorno identifica a razo iluminista com sendo uma teoria crtica da

    sociedade, visto que estabelece a crtica do passado na inteno de projetar um mundo

    melhor no futuro, denunciando a reduo desta em razo instrumental denominada por ele

    de teoria tradicional. No entendimento de Freitag e concordamos com a autora:

    Na dialtica adorniana, o conceito de teoria, ao remeter a um

    futuro melhor, remete automaticamente dimenso da prtica; esta,

    no entanto, totalmente excluda do raciocnio positivista. A prtica

    positivista de Popper se reduz prtica cientista limitada

    explicitamente sua rea de especializao. O mesmo vale para o

    conceito de crtica. Enquanto esta significa para Popper a

    falsificao de uma hiptese dada, atravs de dados empricos que

    demonstram o contrrio ou devido descoberta de erros lgicos no

    processo dedutivo, crtica significa para Adorno e os tericos da

    Escola de Frankfurt a aceitao da contradio e o trabalho

    permanente da negatividade, presente em qualquer processo de

    conhecimento. (FREITAG, 1990, p.51).

    Como auxlio para a anlise da educao escolar, e especificamente do trabalho

    docente e sua relao com a pedagogia das competncias, a categoria semiformao

    cultural passa a ser fundamental neste estudo. Todavia, ao nos reportarmos ao conceito de

    semiformao cultural desenvolvido, sobretudo, por Adorno, as categorias indstria cultural

    e formao cultural, passam a ser tambm fundamentais pelo fato de elas serem

    constituintes e profundamente correlacionadas com a problemtica da semiformao

    cultural levantada pelos clssicos autores da Escola de Frankfurt.

    Esta correlao fica muito mais fcil de ser observada se estabelecermos uma

    relao direta desta com os trs elementos j anunciados do mtodo dialtico negativo de

    Adorno: a negao, o duplo sentido dos conceitos e a dependncia do conceitual ao no-

    conceitual. Vejamos.

  • 26

    Quando Adorno desenvolve o seu conceito de semiformao cultural ele est

    praticando a nfase na negatividade do conceito, pois para ele o contrrio da formao no

    a ausncia de formao, como logicamente poderamos pensar - a negao da formao

    est na presena subjetiva da semiformao cultural. Porm, quando enfatiza a negao da

    formao cultural a semiformao cultural -, Adorno est automaticamente definindo o

    que na sua tica seria uma verdadeira formao cultural, demonstrando o duplo sentido

    deste conceito ao afirmar que a formao possui duas dimenses (a autonomia e a

    adaptao) e que a semiformao seria a fragmentao desta dualidade caracterizada pela

    absolutizao da dimenso que diz respeito to somente da adaptao social

    fundamentada unicamente numa razo instrumental. O fato que esta fragmentao ocorre

    pela existncia no-conceitual objetiva que ele conjuntamente com Horkheimer denominou

    de indstria cultural demonstrando a dependncia do conceitual ao no-conceitual, pois sem

    esta realidade objetiva denominada de indstria cultural, a realidade subjetiva da

    semiformao no existiria. Disto conclumos que a formao possui um inimigo subjetivo

    e objetivo e, portanto, material.

    Em Adorno, o prprio conceito de formao cultural carrega imanentemente a

    exigncia de uma condio material da sociedade, caracterizada pela existncia de uma

    humanidade sem injustias sociais onde todos tm acesso a tudo. Porm, o que os

    frankfurtianos observam com muita propriedade e profundidade que toda a produo

    espiritual e material tem sido subordinada lgica edificada pelo valor de troca das

    mercadorias. Todas as necessidades bsicas apresentadas pelos seres-humanos esto

    plenamente integradas subjetiva e objetivamente s regras do consumo, inclusive a prpria

    produo cultural que terminando por se tornar industrial anula a dimenso emancipatria

    da razo iluminista na busca de uma sociedade racional, livre e igualitria.

    Segundo Adorno, em um dos seus textos mais divulgados no Brasil Teoria da

    Semicultura (1996) o conceito de formao cultural teria uma ntima relao com a prpria

    histria alem. Podemos observar tambm esta constatao na obra de Norbert Elias

    intitulada de O Processo Civilizador (1994). Partidrios dessa interpretao esto os

    professores Zuin, Ramos-de-Oliveira e Pucci, quando disseram que:

  • 27

    O termo formao cultural est intrinsecamente adjudicado

    com cultura (kultur), so praticamente equivalentes. S que,

    enquanto kultur tende a se aproximar das realizaes humanas

    objetivas, Bildung vincula-se mais s transformaes decorrentes na

    esfera subjetiva. De qualquer forma, a fundamentao de ambos os

    conceitos vincula-se ascenso da classe burguesa alem,

    orgulhosa de ser a autora de produes culturais que idealizam um

    futuro bem diferente daquele apoiado no elogio aos hbitos e

    costumes civilizados e sustentados pela ociosa nobreza europia.

    O futuro melhor seria aquele em que a formao cultural poderia ser

    objetivada de tal maneira que haveria um auto-reconhecimento do

    esprito, numa mirade de manifestaes culturais, a saber, a

    filosofia, a arte, a cincia, a literatura e a msica, entre outros.

    (RAMOS-DE-OLIVEIRA; PUCCI; ZUIN, 1999, p. 56)

    Para Elias (1994) a funo geral do conceito de civilizao est no fato de que esta

    expressa a conscincia que o Ocidente possui de si mesmo, ou seja, a sua conscincia

    nacional, pautada numa idia de superioridade em relao s sociedades mais antigas ou at

    mesmo s sociedades contemporneas consideradas em um nvel mais primitivo. Desse

    modo a sociedade ocidental tende a exaltar aquilo que ela acredita ser superior nela mesma,

    como por exemplo: o nvel de sua tecnologia, seus comportamentos, sua cultura e sua

    cincia, ou seja, sua viso de mundo.

    Contudo, Elias (1994) ressalta que o entendimento sobre o que seria ou no

    civilizado entre as naes ocidentais so diferentes. Para demonstrar essa tal realidade ele

    aponta a diferena de interpretao entre ingleses e franceses por um lado e, por outro, o

    entendimento dos alemes. No seu entendimento, Elias define civilizao nos seguintes

    termos:

    O conceito de civilizao refere-se a uma grande variedade de fatos: ao nvel da tecnologia, ao tipo de maneiras, ao desenvolvimento dos conhecimentos cientficos, s idias religiosas e aos costumes. Pode se referir ao tipo de habitaes ou maneira como homens e mulheres vivem juntos, forma de punio determinada pelo sistema judicirio ou ao

  • 28

    modo como so preparados os alimentos. Rigorosamente falando, nada h que no possa ser feito de forma civilizada ou incivilizada. Da ser sempre difcil sumariar em algumas palavras tudo o que se pode descrever como civilizado. (ELIAS, 1994, p.23.)

    Segundo Elias (1994), civilizao para os ingleses e franceses estaria associada

    idia de um orgulho que advm da crena da importncia dessas naes para o

    desenvolvimento tanto do Ocidente, como da prpria humanidade. J para os alemes tal

    conceito estaria associado a uma aparncia externa dos indivduos que seria algo til,

    entretanto de segunda importncia. O que para os alemes estaria relacionado com o

    orgulho do ser, eles denominariam no de civilizao, mas sim de Kultur. Dessa maneira,

    Elias argumenta que:

    O conceito francs e ingls de civilizao pode se referir a fatos polticos ou econmicos, religiosos ou tcnicas, morais ou sociais. O conceito alemo de Kultur alude basicamente a fatos intelectuais, artsticos e religiosos e apresenta a tendncia de traar uma ntida linha divisria entre fatos deste tipo, por um lado, e fatos polticos, econmicos e sociais, por outro. O conceito francs e ingls de civilizao, pode se referir a realizaes, mas tambm a atitudes ou comportamento de pessoas, pouco importando se realizaram ou no alguma coisa. No conceito alemo de Kultur, em contraste, a referncia a comportamento, o valor que a pessoa tem em virtude de sua mera existncia e conduta, sem absolutamente qualquer realizao, muito secundrio. O sentido especificamente alemo do conceito de Kultur encontra sua expresso mais clara em seu derivado, o adjetivo Kulturell, que descreve o carter e o valor de determinados produtos humanos, e no o valor intrnseco da pessoa. (ELIAS, 1994, p.24)

    Para explicitar ainda mais esta diferena, Elias (1994) alude que a palavra

    Kultiviert (cultivada) estaria mais prxima do entendimento ocidental sobre conceito de

    civilizao referindo-se aos diversos modos de conduta, diferentemente da palavra kulturell

    que estaria ligado no s prprias pessoas, mas sim realizao das mesmas.

    Em Elias (1994), o conceito de civilizao possui como caracterstica principal a

    minimizao das diferenas entre os povos enfatizando o que comum entre as naes; j o

    conceito alemo de Kultur procura ressaltar o que especfico, o que peculiar de cada

    grupo, ou seja, sua principal caracterstica est em tentar definir identidades.

  • 29

    Ressaltando que tanto o conceito de civilizao como o de Kultur se cristalizaram

    na sociedade por meio da sua construo histrica, Elias afirma que:

    O processo social de sua gnese talvez tenha sido esquecido h muito. Uma gerao os transmite a outra sem estar consciente do processo como um todo, e os conceitos sobrevivem enquanto esta cristalizao de experincias passadas e situaes retiver um valor existencial, uma funo na existncia concreta da sociedade isto , enquanto geraes sucessivas puderem identificar suas prprias experincias no significado das palavras. Os termos morrem aos poucos, quando as funes e experincias na vida concreta da sociedade deixam de se vincular a eles. Em outras ocasies, eles apenas adormecem, ou fazem em certos aspectos, e adquirem um novo valor existencial com uma nova situao. So relembrados ento porque alguma coisa no estado presente da sociedade encontra expresso na cristalizao do passado corporificada nas palavras.(ELIAS,1994, p.26).

    Elias (1994), embasado nos pensamentos Kantianos, especificamente aos que se

    referem obra do filsofo intitulada de Idias sobre uma Histria Universal do Ponto de

    Vista de um Cidado do Mundo, aponta o profundo contraste entre os conceitos de cultura e

    civilizao que levantaram profundas crticas no que concerne hipocrisia existente nos

    comportamentos considerados civilizados entre franceses e ingleses por parte dos alemes,

    afirmando que a:

    [...] intelligentsia constituir um estrato muito distante da atividade poltica, mal pensava em termos polticos, e apenas experimentalmente em termos nacionais; sua legitimao consistia principalmente em suas realizaes, intelectuais, cientficas ou artsticas. Em contraposio a ela h uma classe superior que nada realiza, no sentido em que as outras o fazem, mas para cuja auto-imagem e autojustificao a modelagem de seu comportamento caracterstico e diferente fundamental. E nessa classe que pensa Kant quando fala de ser civilizado a tal ponto que estamos sobrecarregados de mero decoro e decncia social, e de analagia de moralidade com amor honra. E na polmica entre o estrato da intelligentsia alem da classe mdia e a etiqueta da classe cortes, superior e governante, que se origina o contraste entre Kultur e Zivilisation na Alemanha.(ELIAS, 1994, p.28)

    Embora a Alemanha fosse composta de inmeras caractersticas especiais nesta

    poca, Elias (1994) procura salientar aquilo que h de comum no seu desenvolvimento

    social. Desta maneira, ele salienta a enorme devastao econmica sofrida pelo pas aps a

    Guerra dos Trinta Anos, geradora de despovoamento.

  • 30

    Levando em considerao tal quadro econmico, torna-se uma realidade social no

    sculo XVII e at mesmo no sculo XVIII, a existncia de uma burguesia alem pobre em

    comparao com o alto nvel econmico de vida dos padres francs e ingls. O comrcio

    externo alemo dentro deste contexto histrico fora afetado pela descoberta de novos

    territrios, caindo em runas. O que resta uma burguesia pobre vivendo das necessidades

    de populaes locais.

    Frente a este contexto, a ausncia de dinheiro no permite luxos como literatura e

    arte. Sendo assim, a corte alem detentora de maior poder aquisitivo, cai no dogma da

    imitao da conduta francesa-inglesa, falando o francs como uma tentativa de garantir o

    seu status superior de membro da corte. Para a pobre classe mdia burguesa alem, o que

    restou como tentativa de garantir seu status socialmente foi a conquista pela

    intelectualidade.

    Referindo-se a um quadro geral dicotmico da sociedade alem, Elias nos mostra

    que tal esforo pelo alcance de uma intelectualidade perceptvel aps o ano de 1.780 por

    meio de variadas publicaes e tambm pelo surgimento de uma classe, ainda que pequena

    (formada pela burguesia mdia), de compradores dessas obras.

    O movimento literrio da segunda metade do sculo XVIII na Alemanha foi

    produzido pela classe mdia burguesa com ideais estticos relacionados intimamente com a

    injusta estratificao social, denunciando a artificialidade da hipocrisia advinda pela

    sociedade da corte.

    Mesmo com o descontentamento da ordem social vigente ser exposto por meio da

    literatura produzida pela classe mdia burguesa alem, sua concretizao poltica tornara-se

    comprometida com os obstculos ainda absolutistas. Elias ainda explicita que:

    [...] o movimento literrio da segunda metade do sculo XVIII no tem carter poltico, embora, no sentido o mais amplo possvel, constitua manifestao de um movimento social, uma transformao da sociedade. Para sermos exatos, a burguesia como um todo nele ainda no encontrava expresso. Ele comeou sendo a efuso de uma espcie de vanguarda burguesa, o que descrevemos aqui como intelligentsia de classe mdia: numerosos indivduos na mesma situao e de origens sociais semelhantes espalhados por todo o pas, pessoas que se compreendiam porque estavam na mesma situao. S raramente membros dessa vanguarda se reuniam em algum lugar como grupo durante um perodo maior ou menor de tempo. Quase sempre viviam isolados ou ss, formando uma elite em

  • 31

    relao ao povo, mas pessoas de segunda classe aos olhos da aristocracia cortes.(ELIAS, 1994, p.36).

    Elias (1994) ressalta que na Frana tambm ocorria semelhante fenmeno por

    parte da classe mdia burguesa, surgindo grandes intelectuais, como por exemplo Voltaire e

    Diderot; porm, eles eram recebidos e assimilados sem passar por grandes dificuldades, o

    que no ocorria na Alemanha, em virtude de uma separao muito ntida entre a classe

    superior aristocrtica e a classe mdia burguesa. Em relao a tal separao, Elias

    argumenta que:

    [...]Quaisquer que tinham sido as causas sem dvida altamente complexas dessa separao muito ntida, o resultante baixo grau de fuso entre os modelos aristocrticos de corte e os valores baseados no mrito intrnseco, por um lado, os modelos e valores burgueses fundamentados nas realizaes, por outro, influenciou durante longo tempo o carter nacional alemo, medida que este foi emergindo desde ento. Esta diviso explica por que uma corrente lingstica principal, a linguagem dos alemes educados, e quase toda a tradio intelectual recente enfeixada na literatura, receberam seus impulsos decisivos e aprovao de um estrato intelectual de classe mdia que era muito mais pura e especificamente classe mdia que a correspondente intelligentsia francesa e mesmo mais que a inglesa, esta ltima parecendo ocupar uma posio intermediria entre as da Frana e Alemanha. (ELIAS, 1994, p.38)

    Esta revoluo no plano espiritual tornou-se somente possvel porque o

    mandarinato alemo (classe mdia burguesa composta, sobretudo, de administradores,

    clrigos, servidores civis e, tambm os professores) no participava da vida poltica,

    obtendo a sua legitimao como classe no por meio da poltica, mas sim por meio da

    produo de obras intelectuais, cientficas e artsticas.

    Por fim, Elias (1994) sintetiza esclarecendo que a fase fundamental do processo

    civilizador concretizou-se quando espalhou por todas as naes ocidentais uma conscincia

    de superioridade causada por uma conscincia de civilizao edificada nos

    comportamentos, na cincia, na tecnologia e at mesmo na arte, como smbolo desta.

    Analisando a produo desses bens culturais por meio da realizao de inmeras

    obras intelectuais, cientficas e artsticas, Adorno, juntamente com Horkheimer, cria a

    categoria de anlise denominada por eles de indstria cultural, que, segundo Adorno, em

  • 32

    seu texto intitulado de Teoria da Semicultura (1996), afirma ser a face objetiva da

    semiformao cultural analisada por ns neste trabalho.

    Tudo indica que o conceito indstria cultural tenha sido criado por Adorno e

    Horkheimer e que tenha aparecido pela primeira vez no livro intitulado de Dialtica do

    esclarecimento ou Dialtica do Iluminismo. Trata-se de um conceito que busca tentar

    investigar sobre toda a problemtica da cultura que est quase que completamente

    massificada.

    Alm de trabalhar a respeito da cultura massificada, o termo indstria cultural, para

    os frankfurtianos, indissocivel do conceito de semiformao cultural. Para eles a

    presena objetiva da indstria cultural presente na sociedade administrada, gera uma

    conseqncia subjetiva que denominam de semiformao. Na prpria definio do que seja

    a semiformao j est presente o ideal formativo da Escola de Frankfurt, isto , o prprio

    conceito de formao.

    Para a anlise do capitalismo tardio, fatores que antes eram insignificantes na

    anlise de Karl Marx passam a ter suma importncia. Aqui nos referimos ao surgimento de

    mercadorias que, com sua propagao, influenciam as conscincias terminando por

    controlar comportamentos em massa.

    Na busca de analisar esse novo contexto, surgem vrias teorias - sobretudo nos

    anos 60 com os estudantes - de cunho mais poltico do que propriamente econmico,

    procurando explicar alguns conceitos fundamentais, tais como o de manipulao

    (caracterizado por conduzir conscincias e comportamentos em massa de forma sutil) e o

    de represso (pertencente a um contexto mais amplo de dominao e explorao).

    Com a estagnao do movimento estudantil alemo de 1968, esses conceitos

    passaram por um processo de aperfeioamento e o aspecto da manipulao foi deixado um

    pouco de lado, ganhando importncia os conceitos de forma, carter e fetiche da

    mercadoria, na tentativa de explicitar as novas maneiras de valor de uso e as suas

    respectivas necessidades. Sobre esta realidade, referindo-se arte como meio para melhor

    entendermos o conceito de indstria cultural de Adorno e Horkheimer, o autor Haug (1998)

    comenta que:

  • 33

    Escritores e estudiosos da literatura, assim como artistas e tericos da arte, envolveram-se em debates interminveis sobre os objetos vistos da perspectiva da mercadoria. Alguns achavam que o seu carter de mercadoria age fundamentalmente contra o contedo da verdade da arte indo at a destruio de seu sentido. Mas os que defendem essa idia esqueciam-se de dizer como isto acontece. Outros relacionavam o carter de mercadoria da arte principalmente perspectiva do consumidor, que valoriza aquilo que j vem pronto, mastigado, rotineiro. (HAUG, 1998, p.165)

    Frente a toda esta confusa problemtica, Haug (1998) tenta analisar o contexto da

    produo e divulgao de mercadorias, e a conscincia e necessidade das pessoas, pois h

    um intenso envolvimento de indstrias inteiras na produo de um mundo de aparncias da

    propaganda que atinge a vida e a percepo das pessoas com um poder condicionante. Para

    a efetuao desta anlise ele se prope a investigar as funes econmicas da troca, como

    tambm a produo de mercadorias e a utilizao do capital, que so condies, segundo

    sua interpretao, para entender as regularidades da esttica da mercadoria, ou seja, os

    fatores que constituram essa manipuladora aparncia, apontando que a diviso entre valor

    de uso e a aparncia/embalagem da mercadoria, estimuladoras do consumo, no

    desaparecem somente neste sculo.

    Para a realizao do ato da troca entre dois proprietrios uma condio

    fundamental estabelecer a equivalncia de produtos diferentes, tendo necessariamente que

    existir um necessitado de algo que no possui e um possuidor de algo que no necessita.

    Com o dinheiro, o valor de troca assume uma forma autnoma, no se reduzindo por muito

    tempo a um valor de uso que seria seu suporte.

    Segundo Haug (1998), o dinheiro neste contexto possui uma funo dupla: a de

    mensurar o valor e a de decompor a complicada troca em dois atos de troca. O dinheiro

    apresenta-se como mediador de comparao entre mercadorias e efetua tambm a mediao

    durante a troca. Com isso Haug (1998) nos esclarece afirmando que neste momento,

    concretiza-se a abstrao, pois:

    O valor de troca desvincula-se de qualquer necessidade particular. Ele transfere um poder sobre as qualidades especificas s limitando quantitativamente. Na medida em que o dinheiro se impe como todo-poderoso, so destronados todos os velhos poderes associados qualidade dos bens. O dinheiro de um s golpe refora uma contradio j existente na troca simples. [...] Ao mesmo tempo a prpria mercadoria e, com ela, a

  • 34

    necessidade do outro so apenas meios para esse fim; a finalidade de cada um apenas meio para o outro chegar, por intermdio da troca, ao prprio objetivo. Assim num nico ato de troca, defrontam-se duas vezes perspectivas opostas. Cada lado est tanto na perspectiva do valor de troca quanto na perspectiva de um determinado valor de uso. (HAUG, 1998, p.167-68)

    Com o dinheiro a relao de troca se modifica, pois, alm de decompor o processo

    em dois diferentes atos, ele tambm separa as contrrias posies. Para o comprador o

    objetivo obter um valor de uso por meio do valor de troca. J para o vendedor a situao

    mostra-se contrria, utilizando o valor de uso como meio para obter o valor de troca. O

    mesmo ato, tanto para o vendedor como para o comprador, mostram-se contrapostos em

    fins, meios, significados e pocas diferentes. Desta contradio entre valor de uso e valor

    de troca nascer uma tendncia de mercadorias de sofrer sempre modificaes em sua

    forma de uso e em seu prprio corpo. Segundo Haug (1998) a partir desta contradio que

    emergir uma duplicidade em toda a produo de mercadorias:

    [...] em primeiro lugar, o valor de uso; em segundo, e de forma particular, a manifestao do valor de uso. Isto porque at a venda, com a qual a perspectiva de valor de troca atinge seu objetivo, o valor de uso teve, tendencialmente, um papel somente como aparncia. o esttico no sentido mais amplo: a manifestao sensvel e o sentido do valor de uso separam-se aqui do objeto. O domnio e a produo separada deste esttico tornam-se o instrumento para objetivos monetrios. Assim, j na pr-histria do capitalismo, no princpio da troca, a tendncia para a tecnocracia dos sentidos fixada economicamente. (HAUG, 1998, p.69)

    Com o advento do dinheiro, concretiza-se a abstrao do valor de troca, agora

    autonomizado, que fundamenta um novo interesse pelo ganho. Como manifestao

    histrica primria de tentativa de atingir este novo interesse surge a usura e o comrcio.

    Dentro deste novo contexto, Haug (1998) sinaliza como importante alguns aspectos do

    capital mercantil que tem seu florescimento coincidido com o do capitalismo nascente, cujo

    objetivo a compra e venda com a ocorrncia do lucro:

    Para penetrar nos mercados locais ou nas regies que at ento no conheciam nenhum tipo de produo de mercadorias, para abrir comrcio; o capital mercantil precisou de gneros especiais de mercadorias. Nesse sentido, trs grupos de mercadorias fizeram furor especial e abriram mundialmente o caminho da transformao dessas relaes: primeiro, os bens militares, segundo os txteis e, terceiro, os estimulantes, fiambres e produtos de mercearia. Os estimulantes fortes aparecem na histria

  • 35

    europia como instrumentos do interesse de valorizao do capitalismo mercantil. (HAUG, 1998, p.170)

    Visando o lucro, um dos estmulos fortes para a venda de produtos aquele que

    deposita em si mesmo um atrativo amoroso, ou seja, a mercadoria passa tambm a possuir

    uma linguagem esttica, que inverte a relao existente at ento, do homem com a

    mercadoria; isto , o homem acaba emprestando da mercadoria sua expresso esttica,

    ocorrendo aqui um primeiro efeito reflexivo sobre a sensualidade humana, pois, alm de

    alterar a possibilidade de expresso de sua estrutura pulsiva, transfere o enfoque ligando a

    libido, o valor de troca e o forte estmulo esttico.

    Seduzidos por este forte estmulo esttico, os nobres acabam por permitir que suas

    propriedades territoriais caiam nas mos dos burgueses que efetuavam emprstimos a juros

    usurados a estes nobres necessitados do luxo proporcionado por estas mercadorias com

    fortes estmulos sensuais. Ocorre ento uma grande redistribuio da propriedade no seio

    da sociedade burguesa. Nesta sociedade cada indivduo busca criar no outro uma nova

    necessidade, obrigando um novo meio de prazer que muitas vezes acarreta a runa

    econmica do sujeito. Porm, esta caracterstica de manipular e criar necessidades, segundo

    Haug (1998), no algo peculiar somente do capitalismo tardio; porm, intensificado e

    complexificado neste.

    A capitalizao da produo acaba desencadeando, como tendncia na sociedade,

    a unio de todos os seus membros para a distribuio das mercadorias no mercado

    expandindo a oferta em massa, criando tecnologia e foras produtivas em massa, deixando

    de lado as mercadorias de luxo, para investir em artigos de massa bem mais baratos. Dentro

    do campo produtivo, Haug (1998) cita as funes produtoras de lucro deste contexto:

    [...] em primeiro lugar, a reduo da jornada de trabalho por meio do aumento da produtividade, o que inclui a tendncia da supresso do trabalho manual para a formao da tecnologia que possibilita a produo em massa de artigos estandartizados. Em segundo lugar, deve-se mencionar o barateamento de partes do capital constante, que entram no produto como matria-prima e auxiliar, assim como os demais componentes. Em terceiro lugar, a reduo do tempo de produo pela reduo artificial da permanncia em depsito necessria maturao. (HAUG, 1998, p.173)

  • 36

    Verificamos que com todas estas mudanas anunciadas por Haug, o aparecimento

    do produto tende a passar por um processo constante de mutao da aparncia,

    desencadeando, desta maneira, o desenvolvimento de vrias atividades como o

    encobrimento, a compensao e, sobretudo, a manuteno desta aparncia adicional. Frente

    a este contexto, a atividade do ganho busca resolver a paralisao da circulao por meio do

    exagero da aparncia do valor de uso, utilizando-se de estmulos fortes estticos com a

    finalidade do lucro.

    Neste contexto econmico, podemos presenciar o primeiro efeito e ao mesmo

    tempo instrumento da monopolizao dentro do capitalismo: a subjugao do valor de uso

    marca de qualidade. Com a existncia dos monoplios, a produo de valores de uso

    deixa de ser uma finalidade para se tornar um meio com o objetivo da valorizao do

    capital, resultando na subordinao isolada deste a um valor de uso, pois, segundo Haug

    (1998):

    Na medida em que o capital privado se subordina a um determinado valor de uso, a esttica da mercadoria obtm um novo significado, no somente qualitativo, para codificar novas informaes, mas tambm ela separa-se do corpo da mercadoria, que se avoluma na apresentao da embalagem e divulgado supra-regionalmente pela publicidade. O caminho para alcanar uma posio igual monopolista a transformao da mercadoria em artigo de marca. Para isso oferecem-se todos os meios estticos utilizveis. O decisivo, contudo, a concentrao de todas as mensagens, que fazem parte da apresentao de uma mercadoria, com meios estticos, formais, plsticos e lingsticos, na caracterizao do nome. (HAUG, 1998, p.175).

    Neste contexto dos grandes monoplios, os nomes de marcas, acabam

    significando para as pessoas, sinnimo de status encobrindo a verdadeira natureza do

    produto, chegando ao ponto de haver produtos que atualmente no carregam nenhum

    conceito de valor de uso nas sociedades capitalistas, surgindo no lugar deste conceito uma

    marca de mercadoria, que deixa nebuloso o contedo do valor de uso nas suas prprias

    instrues de uso.

    Em virtude do aumento da produtividade, o problema da paralisao da circulao

    da mercadoria apresenta-se com uma nova forma. A questo levantada agora como lidar

    com a necessidade do capitalismo de substituir os bens de consumo durveis. A soluo

  • 37

    encontrada pelo sistema capitalista foi a de desenvolver uma tcnica que diminui a

    qualidade do produto, compensando esta diminuio com o seu embelezamento. Mesmo

    assim, ainda existem produtos com uma durao no interessante para a valorizao do

    capital. Deste modo, Haug (1998) acrescenta que:

    Uma tcnica mais radical ataca no somente o valor de uso objetivo de um produto para reduzir seu tempo de utilizao na esfera do consumo para regular antecipadamente a procura; ela comea pela esttica da mercadoria. Por meio da renovao peridica da aparncia de uma mercadoria, ela reduz o tempo de durao na esfera do consumo dos objetos ainda em funcionamento do respectivo tipo de mercadoria. Esta tcnica caracterizada como inovao esttica. [...] Ela submete todo o conjunto dos bens utilizveis; atravs dos quais os homens articulam suas necessidades por meio da linguagem dos artigos comprveis, na sua organizao sensual, a um revolucionamento permanente, que repercute na organizao sensual dos prprios homens. (HAUG, 1998, p.176-80).

    Porm, para Haug (1998), a inovao esttica no um fenmeno prprio do

    capitalismo monopolista, mas foi com ele que este fenmeno tornou-se dominante nas

    indstrias, tanto para todos os setores de produo como para a sua organizao. O

    principal efeito da inovao esttica, no que concerne ao consumidor, deix-lo to

    confuso que este perde toda a sua perspectiva de valor de uso dos produtos a serem

    comprados.

    Para se entender melhor como ocorre a transformao da estrutura das

    necessidades humanas, faz-se necessrio ter conscincia da existncia de uma tecnocracia

    da sensualidade. Mais uma vez Haug (1998) posiciona-se afirmando que esta tecnocracia

    da sensualidade no originria do capitalismo, mas sim diferencia-se nele:

    A tecnocracia da sensualidade, a servio da apropriao dos produtos do trabalho alheio e, em geral, a servio da dominao poltica e social, no de modo algum uma descoberta do capitalismo, como tampouco o fetichismo. [...] Uma das diferenas fundamentais da produo de aparncias no capitalismo est no fato de que, neste, so as funes de valorizao que apreendem, em primeiro lugar, as tcnicas estticas; mudam sua funo e as aperfeioam. [...] constitui-se em uma totalidade do mundo sensual, em que nenhum momento passa sem a mediao do processo de valorizao capitalista e sem ter sido marcado por suas atividades. (Haug, 1998, p.178-79)

    No sistema capitalista tanto a produo como a funo importante da aparncia,

    esto ligadas diretamente com a contradio originada das relaes de troca, que fazem dos

  • 38

    objetivos humanos (esforos de vida, anseios, pulses, etc.) um meio a ser explorado para a

    chegada da sua verdadeira finalidade que a valorizao do capital.

    A aparncia estruturada da mercadoria produz o efeito de, por meio da abstrao do valor de uso, estabelecer o valor de troca, abrindo caminho para outras abstraes semelhantes mais fceis de serem realizadas e utilizadas em teoria como sinnimo de ampliao da qualidade dos produtos, quando na realidade ocorre um processo contrrio que torna os produtos obsoletos.

    O importante nesta reflexo contemplar o processo que foi iniciado como

    abstrao esttica dentro do universo dos desenvolvimentos tecnolgicos e econmicos e

    tentar estabelecer uma reflexo de como ela tem sido utilizada tambm no campo

    educacional como meio de se vender metodologias que prometem com eficiente

    persuaso eliminar toda a possibilidade de fracasso escolar, cooperando para a

    compreenso equivocada que iguala metodologia com mtodo, como se ambas as coisas

    tivessem o mesmo significado - o que coopera para que as metodologias sejam assimiladas

    pelos docentes como epistemologias de aprendizagem, um dos principais motivos que

    desencadeia um processo semiformativo dos docentes.

    A realidade muitas vezes desconhecida que a aparncia da mercadoria anuncia

    muito mais do que aquilo que ela realmente pode oferecer. Desse modo, podemos dizer que

    o que ocorre uma seduo desencadeada por parte da aparncia, criada a partir da

    perspectiva da propriedade do valor de troca; porm, o seduzido o desejo pulsivo que

    busca ingenuamente a satisfao de um valor de uso que no acontece. A aparncia acaba

    funcionando como um espelho que reflete para o indivduo, no caso o consumidor, seu

    prprio desejo, que transformado em seu objetivo. Haug (1998) nos explica que:

    A aparncia atua como se anunciasse a satisfao; ela advinha os desejos das pessoas, atravs de seus olhos, e os traz a luz na superfcie da mercadoria. Na medida em que a aparncia, atravs da qual a mercadoria se apresenta, interpreta os seres humanos, ela os prov com uma linguagem de interpretao de si mesma e do mundo. Breve no haver mais disposio uma outra linguagem alm daquela fornecida pelas mercadorias. [...] O ideal da esttica da mercadoria seria o de mostrar aquilo que est no ntimo das pessoas, aquilo sobre o qual se fala, que se procura, que no se esquece, que todas querem e sempre se quis. (HAUG,1998, p.184)

  • 39

    Compreendemos pois que no capitalismo tardio ajudar sinnimo de impor uma

    dependncia, isto , de explorar. Primeiramente possibilitado aos indivduos efetuarem o

    necessrio; porm, logo depois o necessrio s realizado por meio da compra de

    mercadorias, no dando mais para distinguir o necessrio do desnecessrio. Haug (1998)

    argumenta que:

    Aquilo que chamado, vez por outra, de satisfao repressiva aparece agora como o valor de uso corruptor de indivduos. Tal valor domina principalmente na rea da aparncia da mercadoria. O valor deturpante de uso reage novamente sobre a estrutura de necessidade dos consumidores, o quais ele ajusta para uma perspectiva deturpada de valor de uso. [...] Parece que se compra a conscincia das pessoas. Diariamente as pessoas so treinadas para o desfrute daquilo que as trai.[...] O ideal da esttica da mercadoria precisamente o de fornecer um mnimo contnuo de valor de uso, associado, encoberto, mascarado, com um Mximo de aparncia atrativa, que deve entrar, se possvel, coercitivamente nos desejos e nsias das pessoas atravs da capacidade emptica. (HAUG, 1998, p.186)

    Na realidade do capitalismo industrial veremos que, na maior parte das vezes, a

    sensualidade utilizada de maneira abstrata, por meio da simples observao ou at mesmo

    de um simples rudo que captado e, logo aps, reproduzido em massa. Esta realidade cria

    uma generalizao da represso sexual, desencadeada por um valor de uso que provoca a

    satisfao somente por meio da curiosidade; ou seja, o que ocorre uma satisfao

    puramente aparente. Frente a esta situao, Haug (1998) chama ateno para o duplo

    sentido da mercadoria:

    Enquanto existir a funo econmica da esttica da mercadoria, enquanto, portanto, o interesse de lucro a impulsionar, ela ir manter sua dupla tendncia: na medida em que ela se serve dos homens para segur-las, trar luz um desejo aps outro. Ela satisfaz somente com a aparncia, torna o indivduo mais faminto do que saciado. Como falsa aparncia da contradio, reproduz a contradio em outra forma e talvez bem mais ampla. (HAUG, 1998, p.189)

    Infelizmente, esse processo de industrializao inserido no capitalismo tardio, que

    utiliza da abstrao esttica para a seduo dos seus consumidores, tambm tem feito da

    cultura uma mercadoria, danificando o potencial crtico e reflexivo presente em todos os

    processos educativos, sejam estes sistemticos ou assistemticos, o que favoreceu para que

  • 40

    tanto Adorno como Horkheimer criassem a categoria de anlise to utilizada pelos

    frankfurtianos, denominada de indstria cultural.

    Talvez alguns trechos da definio de Kulturindustrie (indstria cultural) presente

    no livro Palavras e sinais possam nos auxiliar na compreenso desta categoria de anlise

    to pertinente neste nosso trabalho.

    Com o termo consumo chegamos ao cerne da concepo adorniana de indstria cultural: na sociedade contempornea, as produes do esprito j no so apenas tambm mercadorias como o eram outrora, mas tornaram-se integralmente mercadorias, isto , so inteiramente orientadas da concepo apresentao pelo regime do lucro.

    Dentro de um processo histrico, os bens culturais assumiram parcialmente o carter de mercadoria pela necessidade de seus produtores sobreviverem no mercado. Inicialmente, contudo, estes no almejavam direta e unicamente o lucro. O que novo na indstria cultural, segundo adorno, o primado declarado e direto do efeito calculado de antemo e em todos os seus produtos mais tpicos. [...].

    Assim, calculada desde a sua concepo em funo da comercializao, a produo cultural perdeu o seu sentido; a cultura que, de acordo com seu prprio conceito, no s obedecia aos homens como servia de instrumento de protesto contra a letargia, agindo no sentido de promover uma maior conscientizao e, portanto, humanizao, passou a partir do controle social decorrente do planejamento macio da indstria cultural a promover exatamente a letargia, pois do interesse da indstria cultural que as massas permaneam amorfas e acrticas, que no se emancipem. [...].

    Sob o imprio da indstria cultural, portanto, o conceito de cultura no s perdeu seu sentido, como, na realidade, este foi invertido: ao invs de promover o esprito, os ditos meios de comunicao o que fazem insuflar o esprito do senhor s massas; e o efeito mais sutil que o senhor fica sempre invisvel. (ADORNO, 1995, p.237-38).

    A indstria cultural, alm de deformar a produo e a circulao do conhecimento,

    invade tambm a rea da esttica, apoderando-se da arte, criando o que Adorno considera

    como sendo um falso artstico, fazendo com que os artistas criativos apoderem-se da

    indstria cultural, numa espcie de reao. Os produtos da indstria cultural sempre se

    repetem e se renovam, de maneira padronizada e uniformizada, cristalizando o fiel estado

    de coisas. Em um processo de identificao com o coletivo, o indivduo almeja sentir-se

    seguro por meio dos aplausos que recebe da dominante ideologia, descartando o que ele

    teme, que nada mais do que o pensamento capaz de possibilitar manifestaes advindas

  • 41

    do outro, promovendo muito mais um processo de diferenciao dentro do coletivo do que

    de identificao almejado pela ideologia.

    No Brasil, especificamente no campo educacional, a indstria cultural tem

    apresentado seu efeito nefasto por meio de modismos metodolgicos impostos pelo

    sistema como sinnimo de profundas epistemologias que teriam em si mesmas o poder

    de eliminar todos os problemas existentes na relao processo-aprendizagem. Alm de

    entiquetar - ou melhor rotular - as conscincias dos docentes, esses modismos

    funcionam como meio para a justificao de toda uma poltica educacional internacional

    onde questes de ordem objetivas - tais como: emprstimos, pagamentos de dvidas,

    maquiamento da realidade do fracasso escolar -, so de primeirssima preocupao, visto

    que as produes normativas que atualmente regem a educao no nosso pas tm sido

    muito mais voltadas para salvaguardar questes estruturais de ordem poltica e econmica

    do que produes que influenciam positivamente na qualidade da educao escolar.

    Notamos, desta maneira, como j foi mencionado anteriormente, que as categorias

    indstria cultural, semiformao e formao so totalmente integradas na realidade, no

    tendo como defini-las separadamente, pois, ao se tentar explicar uma faz-se necessrio

    fazer meno s outras. Adorno, no seu texto Teoria da semicultura definiu a

    semiformao cultural como sendo o,

    Smbolo de uma conscincia que renunciou a autodeterminao, prende-se, de maneira obstinada, a elementos culturais aprovados. Sob seu malefcio gravitam como algo decomposto que se orienta barbrie. Isso tudo no encontra explicao a partir do que tem acontecido ultimamente, nem, certamente, como expresso tpica da sociedade de massas, que, alis, nada consegue explicar mesmo, apenas assina-la um ponto cego ao qual deveria se aplicar o trabalho do conhecimento. Apesar de toda ilustrao e de toda informao que se difunde (e at mesmo com sua ajuda) a semiformao passou a ser a forma dominante da conscincia atual, o que exige uma teoria que seja abrangente. (ADORNO, 1996, p.389)

    Para Adorno, a manifestao da crise da formao cultural (Bildung) no deve

    nem ser simplesmente objeto da pedagogia e nem ser reduzida a uma sociologia que tea

    inmeros conhecimentos sobre a formao, pois os sintomas da decadncia da formao

    no esto se esgotando e reformas pedaggicas isoladas dentro deste contexto no

  • 42

    acarretam, infelizmente, contribuies eficazes, ajudando muitas vezes at a reforarem

    este quadro. Reflexes e investigaes isoladas sobre os fatores sociais interferidores da

    formao cultural so insuficientes, principalmente pela definio a priori do conceito de

    formao que as consideraes sobre a atualidade e tambm sobre os aspectos de suas

    relaes com a sociedade efetuam. Faz-se necessrio pesquisar sobre o que sedimenta, o

    que Adorno denomina de uma espcie de esprito objetivo negativo (1996, p. 389); isto ,

    de uma cultura negativa, de uma semiformao socializada, partindo tanto do movimento

    social, como do prprio conceito de formao cultural que na atualidade vem se

    transformando em uma semiformao (halbbildung) socializada, cuja origem e sentido

    sucedem prpria formao cultural, convertendo-se em alienao onipresente.

    Para Adorno a semiformao considerada como sendo a face subjetiva

    produzida pela face objetiva da indstria cultural, na qual a nica maneira de garantir a

    permanncia viva da cultura atualmente seria a auto-reflexo crtica sobre a vigncia da

    semicultura - por isso este pensador considerado entre os frankfurtianos como sendo o

    terico da resistncia.

    Adorno (1996) constata que na linguagem alem a idia de cultura est cada vez

    mais em oposio prxis, colocando-se em favor do que ele denomina de cultura do

    esprito, comprovando, desta maneira, que a burguesia no conseguira sua emancipao

    por completo, no dando, portanto, para aceitar que a sociedade burguesa seja em si a

    representante da humanidade, fato este evidenciado no fracasso dos movimentos

    revolucionrios que buscavam concretizar nos pases ocidentais o conceito de cultura como

    liberdade, que acabou se restringindo ao que Adorno denominou de um valor. O filsofo

    salienta a importncia de se ter conscincia de que a mera aquisio de bens culturais no

    basta se estes estiverem dissociados de uma prxis coerente e indica um contedo

    desmentido desses chamados bens culturais, gerando uma certa impotncia destes com

    relao vida real, na relao estabelecida entre os homens, dissociada da implantao das

    coisas humanas, convertendo-se em semiformao fornecedora de um conceito de cultura

    como um fim em si mesmo, o que acaba por funcionar como alavanca para o

    estabelecimento da indstria cultural.

  • 43

    Por outro lado, Adorno aponta para uma outra caracterstica da cultura baseada na

    adaptao, desencadeando um tipo de conformao vida real j estabelecida, o que

    refora uma unidade precria de socializao e impede o que ele entende como exploses

    desorganizadoras que, conforme bvio, se produzem s vezes justamente onde j est

    estabelecida uma tradio de cultura espiritual autnoma (ADORNO, 1996, p. 390), cuja

    idia filosfica correspondente de formao procura formar agora, com uma caracterstica

    de protetora da existncia, o que faz dela uma detentora de dupla finalidade: obter a

    domesticao do animal homem mediante sua adaptao interpares e resguardar o que lhe

    vinha da natureza, que se submete presso da decrpita ordem criada pelo homem

    (Adorno, 1996, p. 390).

    Frente a estas constataes, Adorno coloca a necessidade da permanncia da

    tenso entre autonomia e adaptao, pois se esta se desfaz instala-se na sociedade o que ele

    chama de hegemonia unilateral, isto , forma-se uma sociedade inteiramente adaptada,

    afirmando que:

    Quando o campo de foras a que chamamos formao se congela em categorias fixas sejam elas do esprito ou da natureza, de transcendncia ou de acomodao cada uma delas, isolada, coloca-se em contradio com seu sentido, fortalece a ideologia e promove uma formao regressiva (ADORNO, 1996, p. 390).

    Deste modo, como parte integrante da cultura, a formao (Bildung) ir possuir as

    dimenses tanto da autonomia como da adaptao. Adorno constata, dessa forma, que

    durante o capitalismo liberal ocorreu a predominncia da dimenso da adaptao, que

    infelizmente no conseguiu instaurar a concretizao da proposta de uma sociedade livre e

    igualitria, acabando por gestar a indstria da produo cultural e absolutizando a formao

    cultural no momento de adaptao no capitalismo tardio, no qual os indivduos so

    condicionados a no serem mais autnomos, no criticando, portanto, o existente e no se

    apropriando da cultura.

    Adorno, frente a esta contextualizao, coloca como proposta a retomada da

    tenso entre o momento da adaptao e da autonomia: preciso, a um s tempo, promover

    a adaptao dos homens - preparando-os para a realidade -, e desenvolver neles a

    capacidade de serem autnomos por meio da desconfiana, negatividade e resistncia.

  • 44

    Historicamente, para Adorno (1996), o conceito de formao emancipou-se com o

    advento da burguesia, fazendo com que a formao se tornasse objeto de reflexo e

    verdadeiramente consciente de si mesma buscando a instaurao de uma sociedade

    burguesa composta de seres livres e iguais, formando um indivduo livre na esfera de sua

    prpria conscincia; enfim, podemos considerar que a formao era, em si mesma, a

    condio para a concretizao de uma sociedade autnoma, pois, quanto mais esclarecido

    fosse o singular, mais esclarecido se tornaria o todo, construindo uma humanidade sem

    explorao, sem status.

    Adorno considera que a formao cultural no significou apenas a emancipao e

    o privilgio da burguesia frente aos camponeses, mas foi a condio primordial para que

    nesta sociedade burguesa se desenvolvessem, por exemplo, empresrios, gerentes,

    funcionrios, etc, transformando a sociedade em termos de classes sociais, desenvolvendo

    nos burgueses um estgio mais avanado de subjetividade que no se encontrava no

    proletariado, mesmo quando os socialistas procuravam despertar nestes a conscincia de si

    mesmos, pois a desumanizao causada pelo sistema capitalista de produo negou todos

    os pressupostos para a efetivao da formao e, acima de tudo, o cio aos trabalhadores.

    Perante esta problemtica referente formao, toda a ao pedaggica comumente

    denominada de educao popular transformara-se em caricatura, que segundo Adorno

    nutriu-se da iluso de que a formao, por si mesma e isolada, poderia revogar a excluso

    do proletariado, que sabemos ser uma realidade socialmente constituda (ADORNO, 1996,

    p. 393).

    Adorno se posiciona afirmando que para obtermos uma clareza da situao

    generalizada de semiformao no basta efetuarmos um estudo sobre o fenmeno

    ontolgico da conscincia burguesa. Nesta sociedade, com o advento do avanado

    capitalismo, contrariando a sociedade burguesa no que concerne sua prpria conscincia,

    o proletariado apresenta-se totalmente marginalizado e s sujeito enquanto produtor.

    Dentro deste quadro de paralisao das relaes econmicas - caracterizado pelo

    antagonismo presente entre o poder e a impotncia econmica, e tambm pela existncia de

    limites fixados -, o encobrimento da ciso provocada pela paralisao acima citada, passa a

    funcionar socialmente como um fator de integrao.

  • 45

    Esse processo de integrao social pela ideologia, embora se manifeste no plano

    subjetivo, provocado por um processo objetivamente determinado, na medida em que

    oferece de inmeras maneiras bens de formao cultural ajustados pelos mecanismos de

    mercado s massas. Esta estrutura social determinada objetivamente e com sua

    conseqncia subjetiva de integrao, impede - ao mesmo tempo em que oferece - a

    absoro adequada dos bens culturais, negando o verdadeiro processo de formao. Desse

    modo, tudo aquilo que acaba estimulando o processo formativo, nega-o no mesmo instante.

    Frente a esta realidade, Adorno explica a situao da integrao social por meio da

    ideologia:

    A diferena sempre crescente entre o poder e a impotncia sociais nega aos impotentes e tendencialmente tambm aos poderosos os pressupostos reais para a autonomia que o conceito de formao cultural ideologicamente conserva. Justamente por isso se aproximam mutuamente as conscincias das diferentes classes, [...]. Alm do mais, pode-se falar de uma sociedade nivelada de classes mdias apenas psicossocialmente, e, em todo caso, tendo em conta as flutuaes pessoais, mas no de uma maneira estrutural-objetiva. E, no entanto, tambm subjetivamente aparecem ambas as coisas: o vu da integrao, principalmente nas categorias de consumo, e a persistente dicotomia onde quer que os sujeitos deparem com antagonismos de interesses fortemente estabelecidos [...]. No entanto, como a integrao ideologia, tambm por ser ideologia frgil, desmoronvel. (ADORNO, 1996, p.394-395).

    Mesmo sem a chancela dos dados emprico-sociolgicos e levando tambm em

    considerao a possvel existncia de trabalhadores que possuindo uma conscincia de

    classe no teriam ainda cado na armadilha da semiformao, Adorno considera a

    socializao da semiformao difundida em massa, e por conseqncia a morte de uma

    possvel formao cultural, como uma tendncia marcante desta poca. Como anttese

    desse quadro, o frankfurtiano aponta a formao tradicional cultural com suas limitaes,

    como nica possibilidade, o que manifesta uma situao de extrema gravidade, visto que

    no se teria disposio outro critrio.

    A indstria cultural perpetua o quadro generalizado da semiformao, explorando-

    a para o seu proveito prprio e divulgando-a como se fosse a real formao, isto , como

    cultura - divulgao esta que se d em perfeita harmonia com a integrao realizada pela

    ideologia, causadora da identificao. Mediante a esta situao, Adorno argumenta que se

  • 46

    em outra poca a ilustrao trazia em si a possibilidade da autonomia, atualmente ela

    carrega em si mesma a semiformao. Vejamos:

    A ilustrao, provinda de outra poca, passou de maneira natural aos indivduos dos pases permeados pelo capitalismo a idia de que eram livres e autodeterminados, o que lhes permitia e obrigava a no se descuidarem de nada deixarem de sem ser ensinado, ou de pelo menos, mostrarem um comportamento que transmitisse tal impresso. S lhes pareceu possvel sob o signo do que lhes vem como esprito, a formao cultural objetivamente arruinada. Assim, pois, a totalitria figura da semiformao no pode explicar-se simplesmente a partir do dado social e psicologicamente, mas inclui algo potencialmente positivo: que o estado de conscincia, postulado em outro tempo na sociedade burguesa, remeta por antecipao, possibilidade de uma autonomia real da prpria vida de cada um possibilidade que tal implantao rechaou e que se leva a empurres como mera ideologia (ADORNO, 1996, p. 396).

    A ilustrao to valorizada na pedagogia tradicional, atualmente tem como

    caracterstica o ato de mascarar a semiformao e, portanto, de aniquilar a possibilidade de

    formao. Fora isso, todo o indivduo est submetido a estruturas heteronmicas pr-

    colocadas para formar-se; logo, se a condio para a formao a autonomia e a liberdade,

    no instante mesmo em que o indivduo se forma, a formao deixa de existir.

    Em Adorno, e com ele concordamos, uma das condies essenciais para a

    formao, a tradio, que com sua perda ocasionada pelo desencantamento do mundo

    (expresso weberiana), desencadeia um estado de carncia de imagens e formas

    incompatvel com a formao, pois a autoridade, ainda que no to bem, efetuava a

    mediao entre a tradio e os sujeitos. No se trata aqui de procurar uma soluo para a

    generalizao da semiformao no passado com a tradio, mas sim de no negar todas as

    conquistas efetuadas pela educao at ento, procurando uma resoluo no futuro,

    retomando o conceito hegeliano denominado de aufhebung, ou seja, da idia de conservar a

    transcendncia, o que significa conservar o j absorvido por meio da tradio e devolver

    algo mais, desencadeando um confronto que no plano objetivo esclarece, pois este conceito

    j em si mesmo uma expresso de uma superao que preserva ou, dito de outro modo,

    conserva os contrrios utilizando o elemento negativo para obter um resultado positivo.

    Nisto, segundo Zuin, Ramos-de-Oliveira e Pucci (2000, p.76), constitui o seu trajeto

    histrico.

  • 47

    Embora Adorno critique a memorizao caracterstica do ensino