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Unidade 1 A evolução da ciência psicológica Tainá Thies Psicologia do Desenvolvimento

Unidade 1 - drm.telesapiens.com.br

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Unidade 1

A evolução da ciência

psicológica

Tainá Thies

Psicologia do Desenvolvimento

Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS

Gerente Editorial CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA

Projeto Gráfico TIAGO DA ROCHA

Autoria TAINÁ THIES

AUTORIATainá Thies

Olá! Meu nome é Tainá Thies. Sou formada em Letras, com

especialização em Linguística, mestrado em Teoria da Literatura e,

atualmente, cursando Psicologia, com uma experiência técnico-

profissional na área de Educação e Aprendizagem de mais de 10 anos.

Atuei em empresas que me colocaram em contato com a diversidade do

povo brasileiro e me fizeram amar ainda mais a Educação, a Psicologia

e a Língua Portuguesa. Sou apaixonada pelo que faço e adoro transmitir

minha experiência de vida àqueles que estão iniciando suas profissões.

Por isso, fui convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de

autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase

de muito estudo e trabalho. Conte comigo!

ICONOGRÁFICOSOlá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez

que:

INTRODUÇÃO:para o início do desenvolvimento de uma nova compe-tência;

DEFINIÇÃO:houver necessidade de se apresentar um novo conceito;

NOTA:quando forem necessários obser-vações ou comple-mentações para o seu conhecimento;

IMPORTANTE:as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você;

EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado;

VOCÊ SABIA?curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias;

SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamen-to do seu conheci-mento;

REFLITA:se houver a neces-sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou dis-cutido sobre;

ACESSE: se for preciso aces-sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast;

RESUMINDO:quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últi-mas abordagens;

ATIVIDADES: quando alguma atividade de au-toaprendizagem for aplicada;

TESTANDO:quando o desen-volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas;

SUMÁRIOHistória da Psicologia ...............................................................................10

Principais influências filosóficas na Psicologia ...........................................................11

Idade Antiga ..................................................................................................................... 12

Idade Média...................................................................................................................... 15

Origem da Psicologia Moderna ..............................................................16

Descoberta da subjetividade privada ..............................................................................18

Crise da subjetividade privada .............................................................................................. 21

Objeto de estudo da Psicologia............................................................ 24

Escolas Psicológicas ................................................................................ 30

Estruturalismo ................................................................................................................................... 30

Funcionalismo ....................................................................................................................................33

Associacionismo ............................................................................................................................. 38

Psicologia do Desenvolvimento 7

UNIDADE

01

Psicologia do Desenvolvimento8

INTRODUÇÃOA Psicologia do Desenvolvimento é uma área fascinante! Ao

estudarmos a sua história, podemos perceber o quão antigo é o interesse

por entender o ser humano. Com esta disciplina, você poderá ter maior

compreensão do que nos torna humanos e da trajetória de desenvolvimento

cognitivo de uma pessoa. Ao entendermos como funcionamos, podemos

perceber mais facilmente situações que requeiram nossa intervenção no

processo de aprendizagem, como transtornos, dificuldades escolares

e de comportamento. Estudar o desenvolvimento, da psicologia e

dos indivíduos, aguça nossos sentidos para a aceitação daquele que é

diferente de mim e possibilita uma maior compreensão do processo de

ensino-aprendizagem e da educação integral, que visa formar um sujeito

capaz de tomar suas próprias decisões. Vamos começar?

Psicologia do Desenvolvimento 9

OBJETIVOSOlá. Seja muito bem-vindo à Unidade 1. Nosso propósito é auxiliar

você no desenvolvimento das seguintes objetivos de aprendizagem até o

término desta etapa de estudos:

1. Compreender a importância do histórico da psicologia;

2. Identificar o surgimento da Psicologia enquanto ciência;

3. Reconhecer a evolução do objeto de estudo da Psicologia;

4. Esquematizar as principais escolas fundadoras da Psicologia.

Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento?

Ao trabalho!

Psicologia do Desenvolvimento10

História da Psicologia

INTRODUÇÃO:

Ao término deste tópico, você será capaz de entender a história e a sua importância para a Psicologia. Você já se perguntou o porquê de estudarmos a história de alguma coisa? Por que não começamos a estudar o que a Psicologia diz hoje e pronto? E então? Será que conhecer a história da disciplina irá auxiliar a compreender como chegamos até aqui? Então, vamos lá!

Para você, qual a importância de saber o seu passado para

compreender o que está sentindo?

A Psicologia é constituída de muitas visões acerca do homem e do

mundo, porém, o que liga todas estas visões é a história desta ciência.

Somente a exploração das origens da psicologia e o estudo

do seu desenvolvimento é que proporcionam uma visão clara

da natureza da psicologia atual. O conhecimento histórico

organiza a desordem e estabelece um significado ao que

parece ser um caos, colocando o passado em perspectiva

para explicar o presente (SCHULTZ, 2012, p. 2).

Além disso, pode-se dizer que olhar para o passado constitui um

método de várias linhas psicoterapêuticas, como a Psicanálise, que tenta

compreender o passado do paciente, ou como nas abordagens cognitivo-

comportamental e gestáltica, que tentam entender como o passado afeta

o presente.

E de que ponto começamos o estudo da Psicologia? 1900? 1800?

1700?

Não senhoras e senhores! A Psicologia remonta à antiguidade,

embora ainda não fosse conhecida como “Psicologia”. Porém, suas bases

podem ser encontradas em Platão e Aristóteles, no século V a.C.

Psicologia do Desenvolvimento 11

Você sabia? Que a palavra “Psicologia” vem da junção das palavras

gregas “Psyché” (alma ou espírito) e “logos” (estudo, compreensão). Assim,

Psicologia significaria “o estudo da alma”.

Os filósofos antigos, apesar de serem bem filósofos, já se

questionavam quanto ao comportamento humano. E eles continuaram

a investigar o ser humano, suas motivações e pensamentos, emoções,

sensações, memória e aprendizagem até o século XVIII. A partir desta

época, pesquisadores das ciências médicas e biológicas também

passaram a se interessar pelo estudo da mente humana. Tal aproximação

das ciências naturais possibilitou que, a partir do século XIX, a Psicologia

se estabelecesse enquanto ciência.

Assim, talvez não devamos chamar de “história da Psicologia” o

que veio antes do século XIX, porém, também não podemos fingir que

os acontecimentos anteriores não sejam de suma importância para nos

trazer até o ponto em que a Psicologia se torna ciência.

Vamos, então, ver um resumo das principais influências, em especial

filosóficas, que antecederam a constituição dessa ciência.

Nota: “A Psicologia tem um longo passado, mas uma curta história.”

Hermann Ebbinghaus.

Principais influências filosóficas na Psicologia

Para entendermos melhor os períodos que influenciam a Psicologia

moderna, vejamos abaixo uma linha do tempo das eras pré-histórica e

histórica, bem como os principais eventos em cada Idade.

Psicologia do Desenvolvimento12

Figura 1: Linha do tempo dos principais eventos históricos

Fonte: Adaptado pelo autor

Idade Antiga

O período definido como idade Antiga, ou Antiguidade, apresenta 4

grandes períodos de pensamento filosófico, em sua maioria marcado pelo

grande pensador Sócrates.

Vamos, então, aos períodos do pensamento filosófico, seus

representantes e suas ideias:

1. Período pré-socrático (séculos VII-V a.C.)

Neste período, os pensadores se preocupavam com problemas

cosmológicos, isto é, com problemas relativos à origem do universo. Os

pré-socráticos acreditavam que o universo tinha se originado a partir de

um único elemento ou fenômeno.

Partiam da observação para estudar a realidade, buscando a

origem natural das coisas, sua essência, por meio de explicações lógicas

provindas das observações naturalistas.

• Os pré-socráticos buscavam o que chamavam de arché, ou seja, a

essência das coisas.

2. Período socrático (séculos V-IV a.C.)

Neste período, também chamado de clássico, os filósofos se

preocupavam com problemas metafísicos, isto é, que transcendem a

realidade objetiva do mundo físico. Assim, o interesse pela natureza se

integra ao interesse pelo espírito. Sócrates, Platão e Aristóteles são os

maiores representantes deste período:

Psicologia do Desenvolvimento 13

Figura 2: Sócrates 469 a.C.

Fonte: Wikimedia

Sócrates propõe um exame de si mesmo enquanto um método

filosófico, buscando, assim, o estudo do homem. Porém, homem não

enquanto indivíduo, mas, sim, enquanto ser possuidor de uma alma

(psyché), a qual é constituída de virtudes. Assim, o homem nasceria para

ser virtuoso, diferenciando-se dos animais por sua inteligência.

Figura 3: Platão 428 a.C.

Fonte: Wikimedia

Para Platão, o conhecimento empírico, por meio de experiências,

deveria ser substituído pelo conhecimento intelectual, pois este seria

Psicologia do Desenvolvimento14

universal e absoluto, enquanto as experiências seriam relativas, muito

pessoais.

O filósofo acreditava que a alma humana derivava de uma alma

universal, e esta alma universal pertenceria ao mundo das ideias, logo, da

intelectualidade. Sendo a alma a inteligência pura, Platão acreditava que

tudo que é criado no mundo físico vem antes deste mundo das ideias, de

onde vêm as almas dos homens.

ACESSE:

Para saber um pouco mais sobre os filósofos apresentados aqui e mais alguns, recomendamos assistir a videoaula “Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes e Rosseau”, produzida pela Unesp. Disponível em: https://cutt.ly/rfPrK8s. Acesso em: 18 jan. 2019.

Figura 4: Aristóteles 384 a.C.

Fonte: Wikimedia

Para Aristóteles, a alma seria um princípio da vida, e o mundo físico

não seria criado primeiramente nas ideias, como pensava Platão. O filósofo

se colocava de forma mais realista, estudando os seres vivos em si, e não

a ideia do ser vivo, como o seu antecessor.

Psicologia do Desenvolvimento 15

3. Período Pós-socrático (320 a.C. até o começo da Era Cristã)

Neste período, os filósofos se separaram em duas linhas – estoicos

e epicuristas –, ambas buscando a discussão de problemas morais. Os

filósofos discutiam a ética e a conduta moral dos homens.

SAIBA MAIS:

Quer saber mais sobre os epicuristas e os estoicos e sua busca pela ética? Recomendamos a leitura do artigo: “Filosofia: Epicurismo e Etoicismo”. Disponível em: https://cutt.ly/8fPtxqY. Acesso em: 14 set. 2020.

Idade Média

Com o advento da Era Cristã, os valores da antiguidade modificaram-

se. Enquanto o pensamento grego atestava que o homem era subordinado

ao universo e exaltava a inteligência, os cristãos pregavam a subordinação

do universo ao homem e a obediência a Deus.

Na Idade Média, há uma ordem superior que ampara os homens e

que dita as regras da vida. A vida é compartilhada, não privada, pois nem

mesmo há cômodos separados nas casas. Assim, há a coletividade que

vive em função dos senhores feudais e da Igreja.

RESUMINDO:

Neste tópico, vimos que a Psicologia teve a influência de vários filósofos em sua história. Você aprendeu que o período definido como Idade Antiga, ou Antiguidade, apresenta 4 grandes períodos de pensamento filosófico, em sua maioria marcado pelo grande pensador Sócrates. E na Idade Média, com o surgimento da Era Cristã, os valores mudaram.

Psicologia do Desenvolvimento16

Origem da Psicologia Moderna

INTRODUÇÃO:

Ao término deste tópico, você será capaz de entender o surgimento da Psicologia enquanto ciência. A Idade Moderna, mais precisamente a partir do século XVI, começa a erigir os primórdios de uma disciplina chamada de Psicologia. É neste período que o Renascimento e o Iluminismo surgem. E então? Será que conhecer a origem da disciplina o auxilia a compreender como chegamos até aqui? Então, vamos lá!

Renascimento (entre os séculos XIV e XVI) – período de transição

entre o feudalismo da Idade Média e o capitalismo dos séculos posteriores,

com evolução em todos os campos da vida e retomada de valores da

antiguidade.

Figura 5: Renascimento (entre os séculos XIV e XVI)

Fonte: Pixabay

Definição: Iluminismo (século XVIII) – conhecido como “século

das luzes” por apresentar ideais embasados na razão, como liberdade e

progresso.

Psicologia do Desenvolvimento 17

Figura 6: Iluminismo (século XVIII)

Fonte: Pixabay

No século XVI, o ser humano tem a necessidade de obter um

conhecimento de si mesmo, de identificar sua individualidade e de

ter novas experiências. Desta busca por uma individualidade, surgem

outras discussões, das quais apenas mencionaremos neste material

por considerar de menor importância à compreensão do surgimento da

Psicologia. Tais discussões giram em torno:

• da distinção entre o corpo e a mente;

• do reconhecimento da loucura como uma doença ligada à mente;

• da distinção entre infância e vida adulta, sendo que a criança era

antes vista como um mini adulto, sem necessidades cognitivas ou

físicas distintas da de um adulto.

Exemplo: O filme “Nise: O coração da loucura” (2015) retrata a

história de uma psiquiatra brasileira que se recusa a tratar os pacientes

internados no manicômio onde trabalha da mesma forma que sempre

foram tratados, com crueldade. Inicia, então, um lindo trabalho de terapia

ocupacional e psicoterapia com os internos, revolucionando o tratamento

dado às pessoas com transtornos mentais. Assista! É um filme que retrata

a condição das pessoas com doenças mentais e o tratamento que, muitas

vezes, utilizava choques e cirurgias.

Psicologia do Desenvolvimento18

Esta necessidade de busca por si mesmo foi o germe para toda

uma ciência, o qual deu origem a dois pontos muito importantes para o

delineamento da Psicologia:

• a descoberta da subjetividade privada;

• a crise da subjetividade privada.

Descoberta da subjetividade privadaSe pensarmos no homem enquanto um indivíduo que tem

consciência de ser um “eu”, com experiências próprias e subjetivas,

entendemos que hoje todos nos reconheceremos como este indivíduo,

correto?

Ter uma experiência da subjetividade privatizada bem nítida

é para nós muito fácil e natural: todos sentem que parte de

suas experiências é íntima, que mais ninguém tem acesso a

ela. É possível, por exemplo, ficar um longo tempo pensando

se vamos ou não fazer uma coisa, quase decidir por uma e, no

final, acabar fazendo a outra, sem que ninguém fique sabendo

de nada. Com frequência sentimos alegrias e tristezas

intensas e procuramos escondê-las. A possibilidade de

mantermos nossa privacidade é altamente valorizada por nós

e relacionada ao nosso desejo de sermos livres para decidir

nosso destino. A experiência da solidão, ansiada ou temida,

é também altamente expressiva daquilo que acreditamos ser

nossa individualidade (FIGUEIREDO; SANTI, 1997, p. 19).

Assim, de acordo com Figueiredo e Santi, para nós, seres da

Idade Contemporânea, é fácil compreendermos que somos sujeitos

(subjetividade) que possuem pensamentos, emoções, planos e sensações

que sejam privadas, somente nossas.

Porém, nem sempre foi assim.

Na Antiguidade, como vimos, buscava-se uma vida que refletisse

um autogoverno do corpo e da alma (psyché). Não havia uma busca por

autoconhecimento, a qual sempre tentamos cultivar nos dias de hoje.

Psicologia do Desenvolvimento 19

• Você sabia? Que há um conto grego que retrata a história de amor

entre Eros (deus do amor) e uma mortal, Psyché? O conto é de fácil

acesso e tem uma leitura muito agradável.

Figura 7: Eros

Fonte: Pixabay

Os antigos buscavam uma vida que se assemelhasse a uma obra

de arte a partir de ensinamentos e da natureza, não buscavam verdades

internas como fazemos hoje.

A cristandade voltou-se para o interior, mas não para encontrar a si,

e sim para encontrar Deus dentro de si. Assim, os cristãos se diferenciaram

dos antigos por buscarem verdades interiores, porém não verdades

individuais, mas advindas de um ser superior a eles próprios.

Por fim, a partir da modernidade passou-se a olhar para dentro de

si, como nos dizem Vilela, Ferreira e Portugal:

Na passagem para o cuidado de si moderno há, pois, uma

mudança de finalidade: não se busca mais uma purificação

da alma para atingir Deus, mas uma pura afirmação de

si. E também, o exame de si, outrora exercido através de

instrumentos religiosos e jurídicos (como a confissão), cede

aos aparatos científicos modernos (a anamnese, a entrevista

Psicologia do Desenvolvimento20

clínica, os testes mentais). Portanto, mudam igualmente as

técnicas desse novo cuidado de si (2005, p. 16).

E a busca por esta afirmação de que dizem os autores acontece

quando há situações de crise social, isto é, quando aquilo que temos

estabelecido enquanto valores ou costumes são questionados,

produzindo novas formas de se viver. Quando há este questionamento

daquilo que temos como verdade, precisamos nos interiorizar, nos voltar

para dentro de nós mesmos para tomar as decisões, uma vez que não há

apoio da sociedade para nos dizer o que devemos ou não fazer.

• Quais atos as minorias, como mulheres, negros, indígenas e

comunidade LGBT, realizam para que suas vozes e seus anseios

sejam ouvidos? Você crê que a sociedade tem condições de prover

tais grupos com os direitos que lhe são devidos sem que haja pressão

popular? De que forma? Reflita e busque mais informações sobre a

representatividade das minorias.

Ao colocar em debate o que estava estabelecido socialmente,

surge uma perda de referências, as quais antes eram coletivas, partilhadas

por quase toda a sociedade (referências como gênero, raça, família, leis,

entre outras).

Portanto, o ser humano se vê na necessidade de encontrar suas

próprias respostas. Nesta busca, muitas vezes há questionamentos como:

quem sou? O que quero para mim? O que é correto? O que desenvolve a

habilidade de reflexão moral?

Figura 8: Reflexão dos questionamentos – Quem sou? O que quero para mim?

Fonte: Pixabay

Psicologia do Desenvolvimento 21

Estes questionamentos se refletem em outros setores, como as artes.

Quando começamos a perceber que poderíamos ter uma subjetividade

privada, pudemos nos expressar de forma diferente. Assim, surgiram o

romance, a poesia lírica (que fala do eu) e pinturas que traduzem o mundo

interior do artista.

• A subjetividade privada foi possível, também, graças à criação da

imprensa e da possibilidade de impressão de livros e jornais. Antes

da imprensa, pouquíssimas pessoas possuíam livros, pois eles eram

copiados à mão. Mas, também, poucas eram as que sabiam ler.

Assim, a imprensa possibilitou que a leitura se ampliasse e que ela se

tornasse silenciosa, dentro da mente de cada um.

A partir do Renascimento, as autoridades que governavam a

vida dos indivíduos e ditavam a conduta do povo perderam a força ou

mudaram de função. A forma de governo foi lentamente se modificando

e os reis não mais ditavam o que seus súditos deveriam ou não fazer com

suas vidas.

Da mesma forma, a Reforma e Contra-Reforma da Igreja diminuíram

dos padres, cardeais e bispos o posto de governantes da vida privada de

seus fiéis. Assim como Deus se distanciou, pois não era mais o guardador

dos passos individuais, sendo agora o criador, cabendo ao homem

escolher seus caminhos.

Mas não apenas de alegrias viveu o homem do século XIX. Há

alguns dissabores no caminho! Vejamos quais:

Crise da subjetividade privadaDefinimos até aqui que a subjetividade privada não é algo que a

humanidade sempre teve, mas que foi construída quando questionamos

valores e crenças e passamos a refletir para tomar nossas decisões,

criando, assim, uma ideia de que o homem é livre para escolher seus

caminhos.

Entretanto, a ideia de liberdade passou a ser questionada no século

XIX, uma vez que liberdades e interesses individuais se colocaram a

Psicologia do Desenvolvimento22

favor de alguns poucos e resultaram em problemas, como nos dizem

Figueiredo e Santi:

Os interesses particulares levam a conflitos; a liberdade para

cada um tratar de seu negócio desencadeou crises, lutas e guerras.

Os trabalhadores no século XIX foram aos poucos descobrindo que se

defenderiam melhor unidos em sindicatos e partidos do que sozinhos.

O Estado, a administração pública não ficou inertes. Para combater os

movimentos operários reivindicatórios, para pôr um pouco de ordem na

vida social – em que cada um defendia o que era seu sem pensar nas

consequências para todos – e para defender os interesses dos produtores

de uma nação contra os das outras, a administração pública cresceu,

cresceram o Estado, a burocracia, cresceram as forças armadas. A partir

daí, como ficava aquela ideia de liberdade individual? Ainda no século XIX,

conjuntamente com as burocracias, cresce a grande indústria baseada na

produção padronizada e mecanizada, cresce o consumo de massa para

os produtos industriais. Onde ficava, então, aquela ideia de que cada um

é único e diferente dos demais? (1997, pp. 49-50).

Com o questionamento acerca da real liberdade individual, muitos

conflitos tomam forma ao redor do mundo e, em especial, na Europa.

Dessa forma, o campo para o surgimento da Psicologia enquanto ciência

está pronto. É preciso uma ciência que dê conta da angústia do indivíduo,

gerada pela compreensão de que possui uma subjetividade, mas que

sua liberdade é, em certo grau, ilusória. Também é necessária uma nova

ciência que auxilie o Estado a governar e controlar sujeitos que agora

tiram suas próprias conclusões.

Exemplo: Para compreender um pouco mais sobre a crise da

subjetividade privada, assista ao filme “Os Miseráveis”, baseado na obra do

escritor francês Victor Hugo. O filme conta a história de um povo tolhido

entre sonhos e desilusões, culminando na Revolução Francesa. É possível

perceber bem o quanto a miséria leva o povo a entrar em crise, assim

como as estruturas sociais.

Psicologia do Desenvolvimento 23

Figura 9: Revolução Francesa

Fonte: Pixabay

RESUMINDO:

Neste tópico, vimos que na Idade Moderna, mais precisamente a partir do século XVI, começa a surgir uma disciplina chamada de Psicologia. Você aprendeu que neste período surgem, também, o Renascimento e o Iluminismo, que contribuíram para o seu desenvolvimento.

Psicologia do Desenvolvimento24

Objeto de estudo da Psicologia

INTRODUÇÃO:

Ao término deste tópico, você será capaz de entender a evolução do objeto de estudo da Psicologia. E então? Será que conhecer o objeto de estudo da disciplina o auxilia a compreender como chegamos até aqui? Então, vamos lá!

Ao tentar se estabelecer como ciência, a Psicologia apresenta

inicialmente um problema: seu objeto de estudo – a psiquê, ou a mente

humana.

O que restaria para uma psicologia como ciência independente?

Nada! Embora, à primeira vista, possa parecer surpreendente,

esta foi exatamente a resposta de um importante filósofo

francês do século XIX, Auguste Comte (1798-1857). No seu

sistema de ciências não cabe uma “psicologia” entre as

“ciências biológicas” e as “sociais” (FIGUEIREDO; SANTI, 1997,

p. 15).

Para Comte, as ciências biológicas e as ciências sociais já dariam

conta de estudar o ser humano. A primeira, a biologia, já a segunda, a

sua inserção na sociedade. Porém, era preciso que alguém estudasse a

subjetividade do ser humano, a sua mente.

Conceito: A mente seria, para os psicólogos iniciais, uma entidade

separada do corpo, a qual seria responsável pelos processos cognitivos.

Este conceito foi contestado por linhas futuras, em especial pelo

behaviorismo, que não utiliza tal conceito em sua teoria.

Todavia, para estudar a mente eram necessários métodos, e os

séculos XVIII e XIV providenciaram diversos deles para compreender o

mundo e seus seres. Veja abaixo os principais métodos de pesquisa tanto

do homem quanto do mundo que o rodeia:

Psicologia do Desenvolvimento 25

Figura 10: Principais métodos de pesquisa e seus pensadores

Fonte: Elaborada pela autora com base em Schultz & Schultz (2012).

Esses métodos foram (e ainda são) utilizados nas mais diversas

disciplinas. Da mesma forma que os filósofos os utilizavam para estudar a

mente e a sociedade, os pesquisadores das ciências biológicas do século

XIX também os utilizavam para entender a fisiologia humana.

• Fisiologia – é o estudo do funcionamento dos seres vivos e dos

processos físicos e químicos que se passam nos organismos.

Desta forma, os fisiologistas se encarregavam de estudar a ligação

entre os nervos e as sensações no corpo humano, mapeando as funções

do cérebro. Com tais pesquisas, inicia-se a Psicologia Experimental, que

tinha por objetivo estudar a mente por meio de experimentos.

Os primeiros estudos na área da Psicologia Experimental foram

realizados por Hermann von Helmholtz, Ernst Webber, Gustav Theodor

Fechner e Wilhelm Wundt. Este último é considerado, ainda hoje, o pai da

Psicologia Moderna.

Psicologia do Desenvolvimento26

Figura 11: Wilhelm Wundt (1832-1920)

Fonte: Wikimedia

Até este ponto, a Psicologia já tinha conseguido se tornar uma

disciplina dentro dos cursos de graduação e pós-graduação, porém,

ainda não era uma ciência de fato, oficial, capaz de gerar uma profissão.

Wilhelm Wundt foi o fundador da psicologia como disciplina

acadêmica formal. Instalou o primeiro laboratório, lançou

a primeira revista especializada e deu início à psicologia

experimental como ciência. Os temas de suas pesquisas,

como sensação e percepção, atenção, sentimento, reação e

associação, tornaram-se capítulos básicos de livros didáticos

e são até hoje fontes inesgotáveis de estudo. Tanto que a maior

parte da história da psicologia pós-wundtiana é caracterizada

pela contestação ao seu ponto de vista da psicologia, fato que

não desvaloriza sua importância nem seus feitos como seu

fundador (SCHULTZ; SCHULTZ, 2010, pp. 78-79).

Wundt criou o primeiro laboratório de psicologia experimental na

Universidade de Leipzig, na Alemanha. Ele estudava a consciência, a qual

“incluía várias partes diferentes e podia ser estudada pelo método de

análise ou da redução” (idem, ibidem, p. 84).

Psicologia do Desenvolvimento 27

Para conseguir estudar a consciência, Wundt utilizou o método da

introspecção, pois, para ele, somente o sujeito que passa pela experiência

pode fazer observações sobre o que se passa em sua mente.

• Método introspectivo – método de autoanálise para o estudo dos

pensamentos e sentimentos.

Utilizando-se do método introspectivo para vasculhar a mente

humana, Wundt chegou às seguintes teorizações:

Figura 12: Conceitos da teoria de Wilhelm Wundt

Fonte: Adaptado de Schultz & Schultz (2012, pp. 84-88).

Exemplo: Alguns exemplos de processos cognitivos são: linguagem,

percepção, reflexão e pensamento.

Obviamente seu método de introspecção foi muito criticado. Afinal,

se cada indivíduo observar sua própria mente e trouxer as suas respostas,

diferindo das respostas dos outros indivíduos, como saber o que é correto,

não é mesmo?

Psicologia do Desenvolvimento28

Apesar de ter suas ideias criticadas, Wundt conseguiu eliminar da

pauta da Psicologia a discussão sobre a separação corpo e alma presente

desde a Antiguidade, concentrando-se na experiência consciente.

Além disso, fundou sua revista científica e formou diversos alunos que

continuaram ou modificaram seu legado, tornando a Psicologia uma

ciência moderna.

Já que no início da Psicologia o objeto de estudo era a mente

e, depois, para Wundt, a consciência, qual será o objeto de estudo da

Psicologia atual? Vamos analisar a definição proposta por Myers e DeWall:

Para englobar a preocupação da psicologia com o

comportamento observável e com os pensamentos e

sentimentos internos, atualmente definimos psicologia como

a ciência do comportamento e dos processos mentais. Vamos

esclarecer essa definição. Comportamento é tudo o que um

organismo faz – toda ação que podemos observar e registrar.

Gritar, sorrir, piscar, suar, falar e responder a um questionário

são todos comportamentos observáveis. Processos mentais

são as experiências internas e subjetivas que inferimos a

partir do comportamento – sensações, percepções, sonhos,

pensamentos, crenças e sentimentos (2017, p. 6).

Vemos, então, que hoje a Psicologia enquanto uma ciência se

interessa tanto pelos comportamentos humanos, aquilo que podemos

observar externamente, mesmo que muito sutilmente, quanto pelos

processos mentais, as experiências que não conseguimos observar

apenas ao olhar para o outro, que podemos chamar, também, de

subjetividade privada.

O que faz alguém ser reconhecido como fundador de uma ciência?

Veja o que nos dizem Schultz & Schultz acerca de Wundt:

A contribuição de Wundt para a fundação da psicologia

moderna é devida não tanto a uma única descoberta científica

quanto à promoção vigorosa da experimentação sistemática

realizada por ele. Portanto, fundação não é sinônimo de

criação, embora essa distinção não tenha a intenção de ser

depreciativa (2012, p. 79).

Psicologia do Desenvolvimento 29

RESUMINDO:

Neste tópico, vimos que a origem da psicologia teve a influência de vários filósofos em sua história. Você aprendeu que o período definido como Idade Antiga, ou Antiguidade, apresenta 4 grandes períodos de pensamento filosófico, em sua maioria marcado pelo grande pensador Sócrates. E na Idade Média, com o surgimento da Era Cristã, os valores mudaram.

Psicologia do Desenvolvimento30

Escolas Psicológicas

INTRODUÇÃO:

Ao término deste tópico, você será capaz de entender a contribuição das escolas psicológicas na Psicologia. E então? Como dissemos anteriormente, a Psicologia derivou-se de experiências pessoais e eventos sociais. Esta confluência possibilitou que a nova ciência tentasse compreender o comportamento e os processos mentais por diversos ângulos, formando diversas escolas psicológicas. Então, vamos lá!

As primeiras escolas foram surgindo mais ou menos junto com as

pesquisas de Wundt, e as principais escolas derivadas dos primeiros anos

da Psicologia Experimental são: o Estruturalismo, o Funcionalismo e o

Associacionismo. Embora não sejam escolas que tenham expressividade

hoje, elas certamente possibilitaram o desenvolvimento de diversas

abordagens atuais.

EstruturalismoFigura 13: Edward B. Titchener (1867-1827)

Fonte: Wikimedia

Psicologia do Desenvolvimento 31

O estruturalismo foi pensado e fundado por Edward B. Titchener

(1867-1827), um britânico que se interessou pela psicologia de Wundt e

foi até Leipzig para estudar diretamente com o pai da psicologia moderna.

Ao se formar, Titchener e suas ideias não foram bem recebidas em

sua terra natal. Por isso, mudou-se para os Estados Unidos para lecionar e

abrir seu laboratório de psicologia experimental.

Embora tenha estudado com Wundt e levado as ideias do

alemão para os Estados Unidos, a sua escola diferia muito da psicologia

experimental de seu mestre.

Para Wundt, como vimos anteriormente, a Psicologia deveria estudar

os elementos da consciência e, mais especificamente, a organização

destes elementos (processos cognitivos) por meio da apercepção. Isto

é, a mente possuiria uma capacidade peculiar de “decidir” qual a melhor

forma de organizar os processos cognitivos.

Porém:

Titchener se concentrava nos elementos ou conteúdos mentais,

assim como na conexão mecânica mediante o processo de

associação, mas descartava a doutrina da apercepção de

Wundt. O seu enfoque estava nos elementos propriamente

ditos e, na sua opinião, a principal tarefa da psicologia consistia

na descoberta da natureza das experiências conscientes

elementares – a determinação da estrutura da consciência

mediante a análise das suas partes componentes (SCHULTZ;

SCHULTZ, 2012, p. 106).

Como podemos ver, Titchener acreditava que o que deveria ser

estudado não era a organização dos processos cognitivos superiores,

mas, sim, as partes que constituíam tais processos. Para isso, como

o método ainda era a introspecção, Titchener pedia a seus alunos que

realizassem alguns experimentos.

Um destes experimentos era o do tubo de borracha. Os alunos

engoliam um tubo de borracha, mas deixavam a sua extremidade na

boca. Ao longo do dia, eram alternados água quente e água gelada e os

alunos deveriam relatar as sensações que sentiam.

Psicologia do Desenvolvimento32

Outros experimentos pediam que os alunos anotassem suas

sensações ao urinar, defecar ou, até mesmo, durante a relação sexual,

utilizando inclusive alguns dispositivos amarrados ao corpo para medir as

respostas fisiológicas, como suor ou batimentos cardíacos.

• Você conseguiria participar de testes como estes descritos acima?

Muitas vezes, a ciência necessita de pessoas que passem por

experimentos para que se chegue a respostas, como no caso de

testagem de medicamentos. Mas será que você entregaria seu corpo

e sua mente para o auxílio da ciência?

SAIBA MAIS:

A Psicologia produziu diversos experimentos que ficaram famosos. Recomendamos a leitura do artigo “25 experimentos psicológicos intrigantes (e polêmicos) das últimas décadas”. Disponível em: https://cutt.ly/jfPfElt. Acesso em: 14 set. 2020.

Uma vez que os processos cognitivos superiores como o

pensamento são inconscientes, isto é, produzidos pela mente sem que

nos demos conta, para Titchener o objeto de estudo da Psicologia deveria

ser os processos conscientes. Por isso, usava como medida as sensações

(tubo de borracha, eliminação de urina e fezes, sensações na relação

sexual), as imagens e a afetividade.

As imagens, para o estruturalismo, seriam as lembranças do

passado, as quais produziriam imagens que poderiam ser descritas. Da

mesma forma, também se estudou a afetividade, experiências como

amor, ódio ou tristeza, emoções que podem ser observadas e descritas

por meio da introspecção.

Claramente, podemos perceber que esta escola não seguiu após

a morte de seu fundador por diversas críticas. A primeira delas foi em

relação ao método da introspecção, crítica que também alcançou Wundt

anos antes. O filósofo Auguste Comte levantou a questão se deveria haver

duas mentes, uma que observasse e uma que fosse observado, o que

obviamente não é possível:

Psicologia do Desenvolvimento 33

A mente é capaz de observar todos os fenômenos, exceto

os próprios. […] O órgão observador e observado neste caso

é o mesmo e a sua ação não pode ser pura e natural. Para

realizar uma observação, o intelecto deve fazer uma pausa

na sua atividade; no entanto, essa é exatamente a atividade

que se deseja observar. Se uma pausa não for possível, será

impossível realizar a observação; e, se for possível, não haverá

objeto a ser observado. Os resultados desse método são

igualmente proporcionais ao seu absurdo (COMTE, 1830/1896

apud SCHULTZ; SCHULTZ, 2012, p. 117).

Ao mesmo tempo em que as críticas recaíam sobre o método

introspectivo, também recaíam sobre a figura de Titchener, que teimava

em não alterar sua pesquisa ou seu método quando a psicologia já vinha

avançando a passos largos.

Assim, suas teorias aos poucos foram sendo excluídas dos cursos de

Psicologia e morreram com seu fundador. Ao mesmo tempo, seu método

introspectivo contribuiu para o desenvolvimento do que chamamos de

relato oral de experiência, usado por diversas abordagens atualmente,

tanto na resposta de questionários, como testes de inteligência, quanto

em relatórios que requerem relatos de experiências pessoais.

A partir das críticas e contestações ao método de Titchener, outras

escolas foram se aperfeiçoando para dar as bases para as abordagens

contemporâneas da Psicologia.

Exemplo: Para compreender melhor como acontecem os relatos

orais, recomendamos a leitura do artigo “As Técnicas de Relatos Orais e o

Estudo das Representações Sociais em Saúde”, de Raquel Maria Rigotto,

da UFCE. Disponível em: https://cutt.ly/ffPf7Mn. Acesso em: 14 set. 2020.

FuncionalismoQualquer nova teoria não nasce de forma aleatória e em uma data

específica. Ela vai se moldando ao longo do tempo e em concomitância

com as teorias que estão em voga no momento. Para que o funcionalismo

Psicologia do Desenvolvimento34

passasse a existir enquanto uma escola de pensamento da Psicologia,

foram necessárias algumas influências, as quais veremos a seguir.

Figura 14: Herbet Spencer (1820-1903)

Fonte: Wikimedia

A primeira influência foi a do filósofo americano Herbert Spencer

(1820-1903). Spencer tivera contato com a teoria da evolução de Charles

Darwin e nomeou sua própria teoria de Darwinismo Social. Tal teoria previa

que tudo no universo atua em evolução conforme a sobrevivência do mais

apto. Assim, o próprio caráter humano e as instituições sociais deveriam

seguir a “lei do mais apto”.

Na visão utópica de Spencer, se o princípio da sobrevivência

do mais apto operasse com liberdade, apenas os melhores

sobreviveriam. Portanto, a perfeição humana seria inevitável,

desde que nenhuma ação interferisse na ordem natural das

coisas (SCHULTZ; SCHULTZ, 2012, p. 153).

Para se atingir a “perfeição humana”, Spencer acreditava que o

governo não deveria interferir e nem ajudar seus cidadãos (sem educação,

saúde ou moradia aos mais pobres). Tais ideias eram compatíveis com o

pensamento da sociedade americana, voltada ao individualismo e ao útil

Psicologia do Desenvolvimento 35

e funcional. Ou seja, a sociedade só seria perfeita caso somente os mais

aptos sobrevivessem.

Sabemos bem o quanto estas ideais são perigosas. Elas criam

um clima de “sobrevivência do mais forte” que desconsidera qualquer

diferença entre os indivíduos e de pensamento.

Exemplo: Recomendamos a leitura do artigo de Costa, Costa e

Gomes, intitulado “Teorias fascistas: discutindo o fascismo em sala de

aula”, apresenta ligações entre o Darwinismo Social e regimes que não

respeitam as diferenças. Disponível em: https://cutt.ly/BfPgyon. Acesso

em: 14 set. 2020.

Além das ideias de Spencer sobre o Darwinismo Social, um médico

americano, William James (1842-1910), possibilitou o florescimento do

funcionalismo. Formado em medicina e com interesse pela Psicologia,

ele cunhou alguns princípios para o novo campo de estudos.

Figura 15: William James (1842-1910)

Fonte: Wikimedia

James concluiu que o objeto de estudo da Psicologia deveria ser a

adaptação dos seres humanos no meio ambiente em que estão inseridos,

revelando a ligação de sua teoria com o Darwinismo Social de Spencer.

O pesquisador também acreditava que o físico afetava as condições

psicológicas do sujeito, bem como “que fatores emocionais determinavam

Psicologia do Desenvolvimento36

as crenças e que as necessidades e os desejos humanos influenciavam

a formação da razão e dos conceitos” (SCHULTZ; SCHULTZ, 2010, p. 161).

Assim, a Psicologia deveria buscar explicar os fenômenos –

experiências imediatas – e as condições da vida mental – corpo e cérebro.

A consciência, para James, não poderia ser reduzida a processos, pois ela

é um fluxo constante e não há como dividi-la.

Os cientistas que iniciaram o funcionalismo não estavam,

inicialmente, em busca de criar uma nova teoria, mas, sim ,de combater

as duas escolas vigentes: a de Wundt e a de Titchener. Entretanto, logo as

ideias foram se delineando enquanto uma nova escola de pensamento.

Em verdade, quem acabou nomeando a nova escola foi, sem querer,

o próprio Titchener. Sim! Em um de seus artigos – “Os postulados da

psicologia estrutural” –, Titchener fez uma oposição entre o estruturalismo

e o funcionalismo de seus opositores, dando uma identidade à nova

escola sem mesmo perceber.

Outros pesquisadores muito importantes para o funcionalismo

foram John Dewey (1859-1952) e James R. Angell (1869-1949). O primeiro

postulou a teoria do Arco reflexo, que é a ligação entre um estímulo

sensorial e uma resposta motora, ou seja, quando batemos com o

martelinho no joelho (estímulo sensorial) a perna dá um leve chute no ar

(resposta motora).

Exemplo: Assista ao vídeo sobre os reflexos para entender melhor

sobre o ato reflexo. Disponível em: https://cutt.ly/rfPgpB2. Acesso em: 14

set. 2020.

Angell descreveu os principais temas do movimento funcionalista,

moldando o movimento:

• o funcionalismo deveria descobrir como os processos mentais

ocorrem e sob quais condições;

• a consciência é um instrumento e, como tal, tem um uso, que é o de

mediar o que o organismo necessita e o que o ambiente disponibiliza,

gerando adaptação;

• é uma psicologia da relação entre a mente e o corpo e o ambiente.

Psicologia do Desenvolvimento 37

Os estruturalistas criticaram muito o movimento funcionalista

mesmo antes de ele se estabelecer como uma escola de pensamento. A

principal crítica vinha em relação ao nome, os cientistas nunca explicaram

de forma veemente o porquê do termo função.

Para os críticos, também era necessário rever a necessidade de

se trabalhar questões práticas, uma vez que os estruturalistas não se

interessavam por aplicar nada, diferentemente dos funcionalistas.

Porém, mesmo com as críticas, o funcionalismo possibilitou o

desenvolvimento da psicologia contemporânea, em especial nos Estados

Unidos. Entre seus métodos estavam: pesquisa fisiológica, descrições

objetivas, testes mentais e questionários.

O funcionalismo abriu as portas para as pesquisas de comportamento

animal, bebês, crianças e adultos com dificuldades mentais.

• O que você acha das pesquisas que utilizam animais? Acesse

duas matérias que apresentam seus pontos de vista e reflita sobre

isso. Uma da da Fiocruz, disponível em https://cutt.ly/hfPgjhQ, e a

entrevista com o médico americano sobre o assunto, disponível

em https://cutt.ly/pfPglin. Acessos em: 14 set. 2020.

SAIBA MAIS:

Hoje, sabemos que o maior contingente de trabalhadores da psicologia é composto por mulheres. Porém, ao longo deste material, você verá que não há menção a mulheres nos primórdios da Psicologia. Embora em número inferior, havia muitas mulheres trabalhando e pesquisando nos bastidores. Entretanto, raras vezes, durante o desenvolvimento da Psicologia como ciência, elas puderam aparecer, visto que, na maior parte das vezes, foram impedidas pelos próprios professores de seguirem pesquisando. Mas algumas conseguiram se sobressair em meio à repressão! Acesse a matéria “10 grandes mulheres da ciência” e veja algumas das cientistas extraordinárias que fizeram grandes descobertas! Disponível em: https://cutt.ly/gfPgvHR. Acesso em: 14 set. 2020.

Psicologia do Desenvolvimento38

AssociacionismoAs escolas que vêm após o funcionalismo nos Estados Unidos não

ficaram conhecidas como Associacionismo, mas, sim, como Teorias da

Aprendizagem. Porém, seu início é difuso, dividido entre diferentes países

e pesquisadores, com influência da teoria associacionista de John Locke.

Por isso, podemos chamar o início das Teorias da Aprendizagem de

Associacionismo.

Para entendermos, teremos que voltar um pouco na nossa linha de

raciocínio da evolução da psicologia para falarmos de Locke.

John Locke foi um filósofo inglês que viveu no século XVII. Em 1690,

publicou um livro intitulado “Um ensaio sobre a compreensão humana”, o

qual marcou o início do empirismo inglês.

O filósofo se interessava em saber como a mente aprende, uma

vez que considerava que o ser humano nascia sem conhecimento algum,

como afirmara Aristóteles na Antiguidade (o homem é uma tábula rasa).

Ele se opunha a Descartes, que acreditava na existência das ideias inatas,

como na crença do homem em Deus. Porém, Locke explica que, embora

seja plausível para um adulto que a crença em Deus seja inata, ela é, na

verdade, ensinada desde a tenra infância.

• Para entender melhor a ligação entre o Empirismo britânico e o

Associacionismo, com exemplos, recomendamos assistir ao vídeo de

John Locke, disponível em: https://cutt.ly/rfPgmCg. Acesso em: 14

set. 2020.

Logo, a mente era capaz de adquirir conhecimento por meio da

experiência, dividida por ele em dois tipos:

• sensação: “derivadas da experiência sensorial direta com os objetos

físicos presentes no ambiente, são simples impressões do sentido”

(SCHULTZ; SCHULTZ, 2012, p. 42);

• reflexão: as sensações geram uma operação na mente, que, por sua

vez, age sobre as sensações, formando ideias por meio da reflexão.

Psicologia do Desenvolvimento 39

Essa função cognitiva ou mental da reflexão como fonte

de conceitos depende da experiência sensorial, já que as

ideias produzidas pela reflexão da mente têm como base

as impressões anteriormente percebidas pelos sentidos. […]

Durante a reflexão, resgatamos as impressões sensoriais

passadas, combinando-as para formar abstrações e outras

ideias de nível superior (idem, ibidem, p. 42).

Estas ideias de que nos falam Schultz e Schultz foram divididas

por Locke em simples e complexas, sendo que as simples provêm das

sensações e as complexas derivam da reflexão, por meio da associação

de várias ideias.

Assim, as ideias simples podem ser transformadas em complexas

associando--se a outras ideias simples ou mesmo complexas. A

associação de Locke é o que hoje chamamos de aprendizagem.

Agora que compreendemos de onde vem o nome dado às escolas

iniciais das Teorias da Aprendizagem, ou associacionistas, podemos entrar

no ramo da Psicologia que deu origem ao que hoje conhecemos como

Behaviorismo, ou Ciência do Comportamento. Veremos o Behaviorismo e

suas aplicações na Unidade 4, quando analisaremos a aprendizagem nas

diversas fases da vida.

Aqui, faremos um levantamento breve das influências do

Behaviorismo, dando continuidade ao nosso levantamento histórico.

Vamos lá?

Psicologia do Desenvolvimento40

Figura 16: Edward Lee Thorndike (1874-1949)

Fonte: Wikimedia

Você percebeu que até aqui a maioria dos pesquisadores era

formada em Medicina ou Ciências Biológicas? Pois então, podemos dizer

que Thorndike é um dos primeiros psicólogos enquanto profissão, embora

seus antecessores tivessem doutorados na área, muitas vezes não eram

reconhecidos como tal.

• Assista ao vídeo sobre o experimento da caixa problema de

Thorndike para compreender melhor suas teorias, disponível em:

https://cutt.ly/PfPgPwr. Acesso em: 14 set. 2020.

Thorndike focou no comportamento que poderia ser observado, e

não na experiência consciente ou nos elementos mentais, como muitos

antes dele. Compreendia a aprendizagem como conexões entre o

estímulo apresentado e a resposta.

Exemplo: Estou te apresentando um estímulo, que são as palavras

e imagens neste e-book, e você está emitindo uma resposta, que é a de

ler!

Thorndike também descreveu o aprendizado por tentativa e erro,

embora chamasse de tentativa e sucesso acidental.

Psicologia do Desenvolvimento 41

Figura 17: Ivan Petrovitch Pavlov (1849-1936)

Fonte: Wikimedia

Concomitante a Thorndike, o russo Pavlov também desenvolvia

teorias sobre aprendizagem. O médico e fisiologista, primeiramente,

estudou a função dos nervos cardíacos e as glândulas digestivas, este

último lhe rendendo o Prêmio Nobel em 1904. Por fim, seus estudos se

voltaram para os reflexos condicionados, área que o efetivou como um

influenciador das teorias da aprendizagem.

Para explicar o que é um reflexo condicionado, vamos dividi-lo em

algumas etapas!

Em primeiro lugar, devemos saber que todos os seres humanos

possuem reflexos inatos, isto é, que nascem conosco. Como exemplos de

reflexos inatos podemos citar: o ato de sugar do bebê quando o seio da

mãe é apresentado, a capacidade de salivar quando ingerimos alimento,

lacrimejar quando há um cisco no olho e assim por diante.

Como você pode ver pelos exemplos acima, para que haja um

reflexo é necessário um estímulo do ambiente. Vamos analisar um deles:

Psicologia do Desenvolvimento42

Figura 18: Reflexos condicionados

Fonte: Elaborada pela autora (2020).

Ou seja, o reflexo inato nada mais é do que “uma ‘preparação mínima’

que os organismos têm para começar a interagir com seu ambiente e para

ter chances de sobreviver” (MOREIRA; MEDEIROS, 2007, p. 17).

Muito bem! Agora que você já compreendeu o que é um reflexo

inato, vamos ver o reflexo condicionado.

Pavlov realizou uma pesquisa com cães para estudar suas glândulas

digestivas, mas percebeu que o cão podia aprender novos reflexos. Como

assim? Vamos ver de forma mais detalhada:

• Para ver como era feito o experimento de Pavlov, recomendamos assistir

ao vídeo “O cão de Pavlov”, disponível em https://cutt.ly/JfPgLZB. Acesso

em: 14 set. 2020.

1. Em primeiro lugar, Pavlov inseriu um tubo de ensaio na boca dos cães

para medir a salivação dos animais em relação com a quantidade e

qualidade da comida apresentada;

2. Em seguida, Pavlov descobriu que havia outros estímulos que faziam

com que o cão salivasse, e não apenas a comida. A mera visão da

comida gerava uma resposta de salivar, e os passos do pesquisador

para alimentar o cão faziam com ele salivasse. Não apenas isso, Pavlov

percebeu que, chegando perto da hora em que os pesquisadores

deveriam alimentar o cão, ele salivava;

3. Foi aí que o russo decidiu estudar com mais afinco estes reflexos que

estavam sendo aprendidos pelos cães;

Psicologia do Desenvolvimento 43

4. Assim, Pavlov começou a emparelhar os estímulos, ou seja,

apresentava a carne seguida do som de uma sineta. Em seguida,

media a quantidade de saliva produzida;

5. Após mais ou menos 60 emparelhamentos (carne e sineta), o

pesquisador apenas apresentou a sineta, sem a carne, e o cão

produziu a mesma quantidade de saliva que produzia com a carne.

Podemos perceber, então, que Pavlov conseguiu demonstrar que,

pela apresentação de estímulos, podemos ter diferentes respostas, bem

como aprender novas respostas.

• Que tal rever alguns conceitos e se preparar para as próximas

unidades? Recomendamos assistir ao vídeo sobre Pavlov, Watson

e Skinner, os três maiores pensadores da Teoria da Aprendizagem,

disponível em https://cutt.ly/4fPg28a. Acesso em: 14 set. 2020.

RESUMINDO:

Neste tópico, vimos que a Psicologia teve a influência das escolas psicológicas: estruturalismo, funcionalismo e associacionismo. Aprendemos de onde veio as Teorias da Aprendizagem. E podemos compreender que a Psicologia deu origem ao que hoje conhecemos como Behaviorismo, ou Ciência do Comportamento.

Psicologia do Desenvolvimento44

REFERÊNCIASCAMBAÚVA, L. G.; SILVA, L. C. da; FERREIRA, W. Reflexões sobre

o estudo da História da Psicologia. In: Estudos de Psicologia. 3(2), 1998,

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FIGUEIREDO, L. C. M.; SANTI, P. L. R. de. Psicologia: uma (nova)

introdução. São Paulo: Educ, 1997.

GOODWIN, C. J. História da Psicologia Moderna. São Paulo: Cultrix,

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MOREIRA, M. B.; MEDEIROS, C. A. Princípios básicos de análise do

comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2007.

MYERS, D. G.; DEWALL, C. N. Psicologia. 11. ed. Rio de Janeiro: LTC,

2019.

SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da Psicologia Moderna.

trad. Suely Sonoe Murai Cuccio. São Paulo: Cengage Learning, 2012.

Tainá Thies

Psicologia do Desenvolvimento