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GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL
UNIDADE DIDÁTICA
PROFESSORA PDE 2008 ANA MARIA FERRARI
PINHÃO - PARANÁ
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Unidade didática
1. NRE Guarapuava Município: Pinhão
2. Professor: Ana Maria Ferrari e-mail [email protected]
3. Escola: Colégio Estadual Santo Antonio fone 3677 3970
4. Disciplina: Língua Portuguesa e Literatura Série 3ª.
5. Conteúdo estruturante: o discurso enquanto prática social
6. Conteúdo específico: leitura , análise de textos literários e oralidade
7. Título : Você tem medo de quê?
8. Orientadora: Mariana S Cordeiro
“Você tem sede de que? Você tem fome de que?
A gente não quer só comida / A gente quer comida, diversão e arte.” (Comida – Titãs )
E você tem medo de quê?
Medo: terror, susto, pavor, receio (definições do dicionário). Todos nós já sentimos isto em
algum momento da nossa vida, com mais ou menos intensidade. Então...
Atividade em grupo ou duplas:
Você já ouviu falar de Fanzine? Não? Nunca?
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Não tem problema...
São Fanzines as publicações que trazem textos diversos, histórias em
quadrinhos do editor e dos leitores, reprodução de HQs antigas, poesias, divulgação
de bandas independentes, contos, colagens, experimentações gráficas, enfim, tudo
que o editor julgar interessante.
Os Fanzines são o resultado da iniciativa e esforço de pessoas que se
propõem a veicular produções artísticas ou informações sobre elas, que possam ser
reproduzidas e enviadas a outras pessoas, fora das estruturas comerciais de
produção cultural.
De um modo geral o Fanzine é toda publicação feita pelo fã. Seu nome vem
da contração de duas palavras inglesas e significa literalmente 'revista do fã'
(fanatic magazine). Alguns estudiosos do assunto consideram fanzine somente a
publicação que traz textos, informações, matérias sobre algum assunto. Quando a
publicação traz produção artística inédita seria chamada Revista Alternativa. No
entanto, o termo Fanzine se disseminou de tal forma que hoje engloba todo tipo de
publicação que tenha caráter amador, que seja feita sem intenção de lucro, pela
simples paixão pelo assunto enfocado
Muito bem, agora que você já sabe o que é e já viu o modelo que a
professora fez, seu desafio é fazer um Fanzine sobre MEDO, coloque ali
tudo que você achar e que lhe interessar sobre este assunto. Na próxima
aula faremos uma apresentação dos Fanzines produzidos. Capriche!
Observe a pintura, o quadro parece muito dramático, podemos supor que o ser
representado sente medo?
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O grito – Munch
Na verdade este quadro representa o ser angustiado e podemos encontrá-lo em várias
versões de cor: tons vermelhos, azuis, amarelos...
Ele pertence ao Expressionismo que você já deve ter estudado em Arte, seu objetivo
era exprimir as emoções e o mundo interior do artista usando a distorção violenta, a cor forte
e o traço exagerado. O Expressionismo (final do século XIX e inicio do século XX) faz parte da
vanguarda artística européia como o Futurismo, o Cubismo, o Dadaísmo e o Surrealismo.
Vamos relembrar estas vanguardas com o auxílio da professora e uma consulta ao Google
para observar outras obras representativas. Estas estéticas provocaram uma revolução única
no cenário artístico mundial fundando a Modernidade e logo se espalhando para outras
artes.
******************************************************************
Nós temos medo de muitas coisas e o medo pode até ser bom, pois evita que corramos
riscos desnecessários, mas também pode desencadear muitas doenças. Você já ouviu falar
da síndrome do pânico? Pois nós vamos descobrir juntos o quanto este mal está disseminado
em nossa sociedade atualmente. Para começar vamos falar do medo mais comum e antigo
das pessoas: medo de pessoas mortas, fantasmas e assombrações...
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Medo (Cora Coralina)
Não há nada de que a criatura humana tenha mais pavor do que de morto. Deve haver
realmente e de forma obscura uma força tremenda, invisível e imensurável da parte de quem
morreu sobre aquele que anda firme na vida, anulando neste, a capacidade de resistir à
presença, ao contato ou à simples suspeita da aproximação daquele. Daí as inibições físicas e
psíquicas, incontroladas, mesmo quando se trata de pessoas queridas que já se foram.
O pavor domina o vivo obliterando todo o mecanismo do raciocínio e da capacidade de
indignação e pesquisa esclarecedora do sobrenatural quando este se apresenta
espontaneamente. Falta aos mais destemidos e temerários a coragem a perguntar, de
inquerir. Nem os descrentes e corajosos e afoitos se sentem com a coragem de fazer
perguntas ou indagar qualquer coisa quando o caso se apresenta. Desse medo, medo obscuro,
profundo e selvagem que a criatura não conseguiu disciplinar, surgem os casos trágicos,
cômicos e humorísticos acontecidos com alguns mortos aparentes que tornam à vida e até,
mesmo, a simples aparência, suposição e engano, ligados à idéia da morte.
Viajava uma jardineira, expresso ou perua, como se diz, de Goiânia para Goianópolis. Levava
na cobertura, entre malas e trouxas, um caixão vazio de defunto, destinado para uma pessoa
falecida naquele distrito.
Logo adiante na estrada, um homem parado, dá sinal e a perua pára.
Dentro, tudo cheio. O homem que precisava de seguir sua viagem aceitou de viajar na coberta
com os volumes e o caixão vazio. Subiu. O tempo tinha se fechado para chuva e logo começou
a pingar grosso. O sujeito em cima achou que não seria nada demais ele entrar dentro do
caixão e ali se defender da chuva. Pensou e melhor fez. Entrou, espichou bem as pernas,
ajeitou a cabeça na almofadinha que ia dentro, puxou a tampa e bem confortado, ouvia a
chuva cair.
Mais adiante, dois outros esperavam condução. Deram sinal e a perua parou de novo, os
homens subiram a escadinha e se acocoraram no alto. Iam conversando e molhados com a
chuva fina e insistente.
Passado algum tempo o que ia resguardado escutando a conversa ali em cima levantou
devagarinho a tampa do caixão e perguntou de dentro, só isto: “Companheiro, será que a
chuva já passou?”Foi um salto só, que os dois embobados fizeram do coletivo, correndo.
Um quebrou a perna o outro partiu braços e costelas e ficaram ambos estatelados do susto e
sem fala, na estrada.
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Este pequeno conto de Cora Coralina fazia parte de suas lembranças e você pode ler
outros no livro O Tesouro da casa velha, causos verídicos que todos nós ouvimos ao
longo da vida e que de tão absurdos tornam-se cômicos. Mas a morte já produziu muitas
obras interessantes.
A) Uma sugestão é ler o livro de Érico Veríssimo Incidente em Antares e observar como o
medo dos mortos pode afetar uma cidade inteira. Nesta obra também há o medo da
ditadura, o medo de um estado sem lei, cheio de opressões e torturas. Prestem atenção
pois sua geração já nasceu livre dentro de governos democráticos e ninguém gostaria de
reviver anos como aqueles.
Aliás, Érico Veríssimo faz parte da segunda geração modernista brasileira (década de 30)
que também recebeu o nome de neo-realista devido aos temas abordados.
Este autor possui muitos outros livros interessantes como a trilogia O tempo e o vento, são
três volumes contando a história de uma família, os Terra-Cambará, que viveram em Santa
Fé, cidade fictícia no Rio Grande do Sul. Trilogias estão em moda e não são somente
autores estrangeiros que sabem escrevê-las. Dê uma olhada no primeiro volume desta
obra e você vai ficar encantado.
B) Mas as gerações modernistas não produziram somente textos em prosa, há inúmeros
poetas entre eles ( inclusive Cora Coralina escreveu muitas poesias). Então nosso trabalho
será uma pesquisa (em duplas) para apresentação na data que a professora marcar. Sua
pesquisa seguirá os seguintes critérios:
* Os poetas serão sorteados entre as duplas e estas deverão apresentar sua pesquisa para
a turma utilizando todos os recursos que acharem necessários para ilustrar sua pesquisa;
* O tema é o “medo”, como os poetas expressaram seus medos através das poesias?
Vocês vão buscar poemas sobre este tema além de apresentar uma rápida pesquisa
biográfica sobre os poetas sorteados;
* Um dos poemas encontrados deverá ser declamado pela dupla para os colegas;
* Seria interessante apresentar um pequeno resumo para os colegas copiarem ou colarem
no caderno sobre o poeta;
* Depois das apresentações vamos organizar outra oportunidade e convidar turmas de 5ª.
ou 6ª. séries para conhecer nossos poetas e ouvir algumas poesias.
Sugestão de poetas: Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Cecília Meireles, Vinícius de
Moraes, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Ferreira Gullar, Helena Kolody, Paulo Leminsk,
Mário Quintana, Guilherme de Almeida, Cora Coralina, Adélia Prado, Florbela Espanca...
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Leia o trecho da reportagem abaixo e depois discuta entre os colegas as seguintes
questões :
1. Você conhece/conheceu alguém que já tenha desenvolvido esta síndrome? Pode ser
algum ator/cantor (a) famoso. Relate.
2. Medo da violência ou medo de acidentes impera nas grandes cidades. E nas cidades do
interior isto também é realidade? Comente.
3. Segundo o texto, o que pode desencadear esta doença?
4. Pesquise o significado das palavras “síndrome” e “transtorno”;
5. Sabendo que fobia significa medo, relacione outras fobias conhecidas e seus
significados:
6. Fala-se na mídia de homofobia e xenofobia. Qual a diferença? Qual o significado destas
fobias para nossa sociedade?
O que é o transtorno do pânico? Transtorno do pânico é um problema sério de saúde. Este distúrbio é nitidamente diferente
de outros tipos de ansiedade, caracterizando-se por crises súbitas, sem fatores
desencadeantes aparentes e, frequentemente, incapacitantes. Depois de ter uma crise de
pânico - por exemplo, enquanto dirige, fazendo compras em uma loja lotada ou dentro de um
elevador - a pessoa pode desenvolver medos irracionais (chamados fobias) destas
situações e começar a evitá-las. Gradativamente o nível de ansiedade e o medo de uma nova
crise podem atingir proporções tais, que a pessoa com o transtorno do pânico pode se
tornar incapaz de dirigir ou mesmo pôr o pé fora de casa. Neste estágio, diz-se que a
pessoa tem transtorno do pânico com agorafobia. Desta forma, o distúrbio do pânico pode
ter um impacto tão grande na vida cotidiana de uma pessoa como outras doenças mais
graves - a menos que ela receba tratamento eficaz e seja compreendida pelos demais.
O que causa o transtorno do pânico? Por que ele ocorre? De acordo com uma das teorias, o sistema de "alerta" normal do organismo - o conjunto
de mecanismos físicos e mentais que permite que uma pessoa reaja a uma ameaça - tende a
ser desencadeado desnecessariamente na crise de pânico, sem haver perigo iminente.
Algumas pessoas são mais suscetíveis ao problema do que outras. Constatou-se que o T.P.
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ocorre com maior frequência em algumas famílias, e isto pode significar que há uma
participação importante de um fator hereditário (genético) na determinação de quem
desenvolverá o transtorno. Entretanto, muitas pessoas que desenvolvem este transtorno
não tem nenhum antecedente familiar.
O cérebro produz substâncias chamadas neurotransmissores que são responsáveis pela
comunicação que ocorre entre os neurônios (células do sistema nervoso). Estas
comunicações formam mensagens que irão determinar a execução de todas as atividades
físicas e mentais de nosso organismo (ex: andar, pensar, memorizar, etc). Um desequilíbrio
na produção destes neurotransmissores pode levar algumas partes do cérebro a transmitir
informações e comandos incorretos. Isto é exatamente o que ocorre em uma crise de
pânico: existe uma informação incorreta alertando e preparando o organismo para uma
ameaça ou perigo que na realidade não existe. É como se tivéssemos um despertador que
passa a tocar o alarme em horas totalmente inapropriadas. No caso do Transtorno do
Pânico os neurotransmissores que encontram-se em desequilíbrio são: a serotonina e a
noradrenalina.
Trecho retirado do site www.valleser.rumo.com.br
E se você quer mais informações sobre este assunto consulte:
www.associacaonsp.com.br
www.unicamp.br/cco/program
www.mdemulher.abril.com.br/soumaiseu/teste/panico
**********************************************************************
Mas veja outro conto sobre o medo e como ele pode afetar a vida de uma pessoa:
FLOR, TELEFONE, MOÇA
De Carlos Drummond de Andrade
Não, não é conto. Sou apenas um sujeito que escuta algumas vezes, que outras não escuta, e vai passando. Naquele dia escutei, certamente porque era a amiga quem falava, e é doce ouvir os amigos, ainda quando não falem, porque amigo tem o dom de se fazer compreender até sem sinais. Até sem olhos.
Falava-se de cemitérios? De telefones? Não me lembro. De qualquer modo, a amiga – bom, agora me recordo que a conversa era sobre flores – ficou subitamente grave, sua voz murchou um pouquinho.
– Sei de um caso de flor que é tão triste!
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E sorrindo:
– Mas você não vai acreditar, juro.
Quem sabe? Tudo depende da pessoa que conta, como do jeito de contar. Há dias em que não depende nem disso: estamos possuídos de universal credulidade. E daí, argumento máximo, a amiga asseverou que a história era verdadeira.
– Era uma moça que morava na Rua Gerenal Polidoro, começou ela. Perto do Cemitério São João Batista. Você sabe, quem mora por ali, queira ou não queira, tem de tomar conhecimento da morte. Toda hora está passando enterro, e a gente acaba por se interessar. Não é tão empolgante como navios ou casamentos, ou carruagem de rei, mas sempre merece ser olhado. A moça, naturalmente, gostava mais de ver passar enterro do que não ver nada. E se fosse ficar triste diante de tanto corpo desfilando, havia de estar bem arranjada.
Se o enterro era mesmo muito importante, desses de bispo ou de general, a moça costumava ficar no portão do cemitério, para dar uma espiada. Você já notou como coroa impressiona a gente? Demais. E há a curiosidade de ler o que está escrito nelas. Morto que dá pena é aquele que chega desacompanhado de flores – por disposição de família ou falta de recursos, tanto faz. As coroas não prestigiam apenas o defundo, mas até o embalam. Às vezes ela chegava a entrar no cemitério e a acompanhar o préstimo até o lugar do sepultamento. Deve Ter sido assim que adquiriu o costume de passear lá por dentro. Meu Deus, com tanto lugar pra passear no Rio! E no caso da moça, quando estivesse mais amolada, bastava tomar um bonde em direção à praia, descer no Mourisco, debruçar-se na amurada. Tinha o mar à sua disposição, a cinco minutos de casa. O mar, as viagens, as ilhas de coral, tudo grátis. Mas por preguiça pela curiosidade dos enterros, sei lá por quê, deu para andar em São João Batista, comtemplando túmulo. Coitada!
– No interior isso não é raro...
– Mas a moça era de Botafogo.
– Ela trabalhava?
– Em casa. Não me interrompa. Você não vai me pedir certidão de idade da moça, nem sua descrição física. Para o caso que estou contando, isso não interessa. O certo é que de tarde costumava passear – ou melhor, "deslizar" pelas ruinhas brancas do cemitério, mergulhada em cisma.. Olhava uma inscrição, ou não olhava, descobria uma figura de anjinho, uma coluna partida, uma águia, comparava as covas ricas às covas pobres, fazia cálculos de idade dos defuntos, considerava retratos em medalhões – sim, há de ser isso que ela fazia por lá, pois que mais poderia fazer? Talvez mesmo subisse ao morro, onde está a parte nova do cemitério, e as covas mais modestas. E deve Ter sido lá que, uma tarde, ela apanhou a flor.
– Que flor?
– Uma flor qualquer. Margarida, por exemplo. Ou cravo. Para mim foi margarida, mas é puro palpite, nunca apurei. Apanhou com esse gesto vago e maquinal que a gente tem diante de um pé de flor. Apanha, leva ao nariz – não tem cheiro, como inconscientemente já esperava –, depois amassa a flor, joga para um canto. Nào se pensa mais nisso.
Se a moça jogou a margarida no chão do cemitério ou no chão da rua, quando voltou para casa, também ignoro. Ela mesma se esforçou mais tarde por esclarecer esse ponto, mas foi incapaz. O certo é que já tinha voltado, estava em casa bem quietinha havia poucos minutos, quando o telefone tocou, ela atendeu.
– Aloooô...
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– Quede a flor que você tirou de minha sepultura?
A voz era longínqua, pausada, surda. Mas a moça riu. E, meio sem compreender:
– O quê?
Desligou. Voltou para o quarto, para as suas obrigações. Cnco minutos depois, o telefone chamava de novo.
– Alô.
– Quede a flor que você tirou de minha sepultura?
Cinco minutos dão para a pessoa mais sem imaginação sustentar um trote. A moça riu de novo, mas preparada.
– Está aqui comigo, vem buscar.
No mesmo tom lento, severo, triste, a voz respondeu:
– Quero a flor que você me furtou. Me dá minha florzinha.
Era homem, era mulher? Tão distante, a voz fazia-se entender, mas não se identificava. A moça topou a conversa:
– Vem buscar, estou te dizendo.
– Você bem sabe que eu não posso buscar coisa nenhuma, minha filha. Quero minha flor, você tem obrigação de devolver.
– Mas quem está falando aí?
– Me dá minha flor, eu estou te suplicando.
– Diga o nome, senão eu não dou.
– Me dá minha flor, você não precisa dela e eu preciso. Quero minha flor, que nasceu na minha sepultura.
O trote era estúpido, não variava, e moça, enjoando logo, desligou. Naquele dia não houve mais nada.
Mas no outro dia houve. À mesma hora o telefone tocou. A moça, inocente, foi atender.
– Alô!
– Quede a flor...
Não ouviu mais. Jogou o fone no gancho, irritada. Mas que brincadeira é essa! Irritada voltou à costura. Não demorou muito, a campainha tinia outra vez. E antes que a voz lamentosa recomeçasse:
– Olhe, vire a chapa, já está pau.
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– Você tem que dar conta de minha flor, retrucou a voz de queixa. Pra que foi mexer logo na minha cova? Você tem tudo no mundo, eu, pobre de mim, já acabei. Me faz muita falta aquela flor.
– Essa é fraquinha. Não sabe de outra?
E desligou. Mas, voltando ao quarto, já não ia só. Levava consigo a idéia daquela flor, ou antes, a idéia daquela pessoa idiota que a vira arrancar uma flor no cemitério, e agora a aborrecia pelo telefone. Quem poderia ser? Não se lembrava de Ter visto nenhum conhecido, era distraída por natureza. Pela voz não seria fácil acertar. Certamente se tratava de voz disfarçada, mas tão bem que não se podia saber ao certo se de homem ou de mulher. Esquisito, uma voz fria. E vinha de longe, como de interurbano. Parecia vir de mais longe ainda... Você está vendo que a moça começou a Ter medo.
– E eu também.
– Não seja bobo. O fato é que aquela noite ela custou a dormir. E daí por diante é que não dormiu mesmo nada. A perseguição telefônica não parava. Sempre à mesma hora, no mesmo tom. A voz não ameaçava, não crescia de volume: implorava. Parecia que o diabo da flor constituía para ela a coisa mais preciosa do mundo, e que seu sossego eterno – admitindo que se tratasse de pessoa morta – ficara dependendo da restituição de uma simples flor. Mas seria absurdo admitir tal coisa, e a moça, além do mais, não queria se amofinar. No quinto ou sexto dia, ouviu firme a cantilena da voz e depois passou-lhe uma bruta descompostura. Fosse amolar o boi. Deixasse de ser imbecil (palavra boa, porque convinha a ambos os sexos). E se a voz não se calasse, ela tomaria providências.
A providência consistiu em avisar o irmão e depois o pai. (A intervenção da mãe não abalara a voz.) Pelo telefone, pai e irmão disseram as últimas à voz suplicante. Estavam convencidos de que se tratava de algum engraçado absolutamente sem graça, mas o curioso é que, quando se referiam a ele, diziam "a voz".
– A voz chamou hoje? Indagava o pai, chegando da cidade.
– Ora. É infalível, suspirava a mãe, desalentada.
Descomposturas não adiantavam, pois, ao caso. Era preciso usar o cérebro. Indagar, apurar na vizinhança, vigiar os telefones públicos. Pai e filho dividiram entre si as tarefas. Passaram a freqüentar as casas de comércio, os cafés mais próximos, as lojas de flores, os marmoristas. Se alguém entrava e pedia licença para usar o telefone, o ouvido do espião se afiava. Mas qual. Ninguém reclamava flor de jazigo. E restava a rede dos telefones particulares. Um em cada apartamento, dez, doze no mesmo edifício. Como descobrir?
O rapaz começou a tocar para todos os telefones da Rua General Polidoro, depois para todos os telefones das ruas transversais, depois para todos os telefones da linha dois-meia... Discava, ouvia o alô, conferia a voz – não era –, desligava. Trabalho inútil, pois a pessoa da voz devia estar ali por perto – o tempo de sair do cemitério e tocar para a moça – e bem escondida estava ela, que só se fazia ouvir quando queria, isto é, a uma certa hora da tarde. Essa questão de hora também inspirou à família algumas diligências. Mas infrutíferas.
Claro que a moça deixou de atender telefone. Não falava mais nem com as amigas. Então a "voz", que não deixava de pedir, se outra pessoa estava no aparelho, não dizia mais "você me dá minha flor", mas "quero minha flor", "quem furtou minha flor tem que restituir", etc. Diálogo com essas pessoas a "voz" não mantinha. Sua conversa era com a moça. E a "voz" não dava explicações.
Isso durante quinze dias, um mês, acaba por desesperar um santo. A família não queria escândalos, mas teve de queixar-se à polícia. Ou a polícia estava muito ocupada em prender
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comunista, ou investigações telefônicas não eram sua especialidade – o fato é que não se apurou nada. Então o pai correu à Companhia Telefônica. Foi recebido por um cavalheiro amabilíssimo, que coçou o queixo, aludiu a fatores de ordem técnica...
– Mas é a tranqüilidade de um lar que eu venho pedir ao senhor! É o sossego de minha filha, de minha casa. Serei obrigado a me privar de telefone?
– Não faça isso, meu caro senhor. Seria uma loucura. Aí é que não se apurava mesmo nada. Hoje em dia é impossível viver sem telefone, rádio e refrigerador. Dou-lhe um conselho de amigo. Volte para sua casa, tranqüilize a família e aguarde os acontecimentos. Vamos fazer o possível.
Bem, você já está percebendo que não adiantou. A voz sempre mendigando a flor. A moça perdendo o apetite e a coragem. Andava pálida, sem ânimo para sair à rua ou para trabalhar. Quem disse que ela queria mais ver enterro passando? Sentia-se miserável, escravizada a uma voz, a uma flor, a um vago defunto que nem sequer conhecia. Porque – já disse que era distraída – nem mesmo se lembrava da cova de onde arrancara aquela maldita flor. Se ao menos soubesse...
O irmão voltou do São João Batista dizendo que, do lado por onde a moça passeara aquela tarde, havia cinco sepulturas plantadas. A mãe não disse coisa alguma, desceu, entrou numa casa de flores da vizinhança, comprou cinco ramalhetes colossais, atravessou a rua como um jardim vivo e foi derramá-los votivamente sobre os cinco carneiros. Voltou para casa e ficou à espera da hora insuportável. Seu coração lhe dizia que aquele gesto propiciatório havia de aplacar a mágoa do enterrado – se é que os mortos sofrem, e aos vivos é dado consolá-los, depois de os haver afligido.
Mas a "voz" não se deixou consolar ou subornar. Nenhuma outra flor lhe convinha senão aquela, miúda, amarrotada, esquecida, que ficara rolando no pó e já não existia mais. As outras vinham de outra terra, não brotavam de seu estrume – isso não dizia a voz, era como se dissesse. E a mãe desistiu de novas oferendas, que já estavam no seu propósito. Flores, missas, que adiantava?
O pai jogou a última cartada: espiritismo. Descobriu um médium fortíssimo, a quem expôs longamente o caso, e pediu-lhe que estabelecesse contato com a alma despojada de sua flor. Compareceu a inúmeras sessões, e grande era sua fé de emergência, mas os poderes sobrenaturais se recusaram a cooperar, ou eles mesmos são impotentes, quando alguém quer alguma coisa até sua última fibra, e a voz continuou, surda, infeliz, metódica. Se era mesmo de vivo (como às vezes a família ainda conjeturava, embora se apegasse cada dia mais a uma explicação desanimadora, que era a falta de qualquer explicação lógica para aquilo), seria de alguém que houvesse perdido toda noção de misericórdia; e se era de morto, como julgar, como vencer os mortos? De qualquer modo, havia no apelo uma tristeza úmida, uma infelicidade tamanha que fazia esquecer o seu sentido cruel, e refletir: até a maldade pode ser triste. Não era possível compreender mais do que isso. Alguém pede continuamente uma certa flor, e esta flor não existe mais para lhe ser dada. Você não acha inteiramente sem esperança?
– Mas, e a moça?
– Carlos, eu preveni que meu caso de flor era muito triste. A moça morreu no fim de alguns meses, exausta. Mas sossegue, para tudo há esperança: a voz nunca mais pediu.
(Extraído do livro "CONTOS DE APRENDIZ", de Carlos Drummond de Andrade, 1951. Editora Record, 22
ª edição, Rio de Janeiro.)
“Quem conta um conto, aumenta um ponto.”
13
Ficou assustado? Quem conhece mais histórias de cemitério? Que tal contar alguns
“causos” assustadores da nossa cidade ou região? Vamos organizar para que todos
possam ter sua vez de falar e serem ouvidos pela turma.
Leiam o poema de Carlos Drummond de Andrade e com a ajuda da professora de
História tentem situar os fatos descritos e os sentimentos sugeridos dentro da história
mundial.
(Ver vídeo www.youtube.com/watch)
* Refugiar-se no amor não afastou o medo do poeta. Justifique esta afirmação.
* Cite três tipos de medo que o poeta descreve em seu poema;
* Qual a herança desta geração para a próxima? Por quê?
* Não opinião do poeta o medo produz tanto “carcereiros, escritores, edifícios, este
poema...” Explique com suas palavras o que entendeu desta afirmação.
* Para evitar o medo qual o recurso utilizado na época?
* Há uma crítica do poeta às pessoas que se acomodam e vivem com medo. Em quais
versos podemos identificar esta idéia.
O MEDO - Carlos Drummond de Andrade
Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos.
Somos apenas uns homens
e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
14
Doenças galopantes, fomes.
(O professor deve trabalhar o texto integral encontrado no site
www.kplus.cosmo.com.br )
Vamos escrever um texto dissertativo utilizando alguma das idéias que este poema nos
traz sobre o medo e como ele pode interferir na vida das pessoas. Não esqueçam de
respeitar a divisão de parágrafos, a coerência e a coesão. Mostre seu texto a um colega e
peça sua opinião. Lembre-se que uma dissertação deve convencer o leitor de uma idéia
utilizando-se de argumentos bem fundados, deve ser claro e conciso.
Bom trabalho!
***************************************************************
Você já ouviu falar de Edgar Allan Poe?
Foi o primeiro grande escritor americano. Escreveu poemas, contos, um romance e
crítica literária. Seus contos são, porém, a parte central de sua produção: ele é um
mestre incrível do conto fantástico e de terror, assim como do conto de mistério e
raciocínio. Ele chegou a escrever um famoso conto de mistério em forma de poema. Leia
este conto traduzido por ninguém menos que Fernando Pessoa:
O CORVO *
(de Edgar Allan Poe)
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
15
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais".
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
"É o vento, e nada mais."
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
16
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
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O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!
Agora vamos dividir a sala em grupos e ler alguns de seus outros contos :
“Máscara da morte rubra”
“Gato preto”
“A carta roubada”
“Coração denunciador”
“Berenice”
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Agora tentem identificar em cada conto o lugar, o ambiente, época, personagens e o fato
que torna a história tão intrigante. Cada grupo apresentará oralmente seu conto e os
itens sugeridos. Vocês podem treinar antes no poema “O Corvo”.
E por falar em Fernando Pessoa... vamos conhecê-lo em nossas próximas aulas!
Referências bibliográficas:
Andrade, Carlos Drummond de. Contos de Aprendiz. Rio de Janeiro: Editora Record, 22ª.
edição, 1951.
----. O medo. Disponível em www.kplus.cosmo.com.br acessado em 10.10.08
Coralina, Cora. O tesouro da casa velha. São Paulo: Editora Global, 1989. p. 59-60
Fanzine. Disponível em pt.wikipedia.org/wiki acessado em 10.10.08
Much, Edvard. O grito. Disponível em pt.wikipedia.org/wiki/ acessado em 10.10.08
Poe, Edgar Allan. O corvo. Disponível em www.insite.com.br/art/pessoa/coligidas/trad
acessado em 10.10.08
Síndrome do pânico. Disponível em www.valleser.rumo.com.br, acessado em 10.10.08