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Uni FMU – CENTRO UNIVERSITÁRIO CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA CORPO: INSTRUMENTO PARA DESENVOLVER NOSSO POTENCIAL DE EVOLUÇÃO PESSOAL A visão do hatha-yoga, da bioenergética, da psicologia formativa e do rolfing VANESSA G. MALAGÓ SÃO PAULO 2006

UNIFMU_VANESSA MALAGÓ_Corpo Instrumento para desenvolver nosso potencial de evolução pessoal.pdf

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  • Uni FMU CENTRO UNIVERSITRIO CENTRO DE PS-GRADUAO E PESQUISA

    CORPO: INSTRUMENTO PARA DESENVOLVER NOSSO POTENCIAL DE EVOLUO PESSOAL

    A viso do hatha-yoga, da bioenergtica, da psicologia formativa e do rolfing

    VANESSA G. MALAG

    SO PAULO 2006

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    VANESSA G. MALAG

    CORPO: INSTRUMENTO PARA DESENVOLVER NOSSO POTENCIAL DE EVOLUO PESSOAL

    A viso do hatha-yoga, da bioenergtica, da psicologia formativa e do rolfing

    Monografia apresentada ao Centro de Ps-Graduao e Pesquisa da Uni FMU Centro Universitrio, como requisito parcial para obteno do Ttulo Especialista em Yoga

  • iii

    Ao Ivan,

    meu companheiro de muitos caminhos.

  • iv

    Agradecimentos

    querida amiga Ana Nava, pelas longas conversas e pelas experincias e descobertas compartilhadas antes e ao longo desse trabalho. Ana Cristina, Ana Paula e Roberto, meus primeiros professores e mentores nesse caminho do yoga. Aos meus alunos, que me trazem a satisfao de poder ensinar e a possibilidade de aprender continuamente.

  • v

    Precisamos aprender a repensar a anatomia

    como mais do que um simples materialismo

    esttico, ilustraes de mortos, abstraes sob a

    forma de frmulas fisiolgicas, idias a respeito

    da natureza, em vez da natureza em si mesma.

    A anatomia, na verdade, diz respeito a um

    processo vivo, dinmico, um mistrio, uma

    iniciao, a forma da experincia que d origem

    ao sentimento, ao pensamento e ao. Refere-

    se a ns como formas de sentir. [...] Conhecer a

    anatomia emocional experimentar as dores do

    desejo e da decepo, os conflitos do contato e

    a luta pela satisfao, o sabor da intimidade e da

    individualidade, o conhecimento do amor

    condicional e incondicional.

    (Stanley Keleman, 1992, pg. 174)

  • vi

    RESUMO A viso de corpo e mente como algo integrado compartilhada em diversas escolas, tanto do Ocidente como do Oriente. O Ocidente partiu de uma viso integrada para uma diviso entre corpo e mente, idia preconizada no sculo XVII por Descartes, e que se difundiu no pensamento ocidental a partir da. No final do sculo XIX e incio do sculo XX esse conceito comea a ser revisto e a associao entre corpo e mente passa novamente a ser considerada no trabalho de alguns estudiosos. Hoje essa idia vem sendo retomada no Ocidente e comum admitirmos que problemas como estresse ou depresso afetam diretamente o corpo e a sade fsica. Mas, e o contrrio? O corpo tambm no influencia a mente? Se o corpo expressa nossas emoes, no seria possvel atravs do trabalho com o corpo, influenciar estados emocionais e mentais? O Hatha-yoga uma das escolas do Oriente que v o corpo e mente de forma integradas. O corpo o instrumento para a descoberta de si mesmo. No caminho do autoconhecimento, o Hatha-yoga prope que se parta daquilo que nos mais concreto, nosso prprio corpo, para ento atuar sobre aspectos mais sutis. A mesma viso do corpo como ferramenta para a autodescoberta vista em escolas do Ocidente, como a anlise bioenergtica, a psicologia formativa e o rolfing. Nesse trabalho tratamos dessas diferentes abordagens, comparando-as, ressaltando pontos de ligao entre elas e comentando aspectos em que podem ser complementares.

  • vii

    PREFCIO

    Durante minha adolescncia, era comum meus pais me dizerem: Arruma essa

    postura, menina! No comeo eu acho que no dava muita importncia pra

    isso. Depois, fui me dando conta, mas como me manter ereta? Eu at que

    tentava, respirava fundo, jogava os ombros pra trs, alongava a coluna,

    expandindo o peito. Mas quem disse que durava? Num esforo que me parecia

    sobre-humano, eu podia mant-la, por vejamos, 5 minutos! E ento eu j

    estava novamente no meu antigo padro, ombros voltados para dentro, a

    barriga apontada para frente e o peso do corpo pendendo sobre a parte de trs

    dos joelhos.

    Sempre pratiquei esportes e o contato com o corpo me parecia algo familiar.

    Pratiquei natao, vlei, basquete, capoeira e escalada, mas a postura,

    continuava a mesma. Foi com o yoga, num processo lento e gradual, que

    comecei a travar contato com novos padres e referncias em meu corpo.

    Como acionar a musculatura das costas, deixando os ombros relaxados?

    Como abrir o peito, sem erguer a cabea e tensionar a nuca? Como distribuir o

    peso do meu corpo igualmente entre os ps? Como esticar as pernas sem

    hiperextender os joelhos? Como manter meu centro de equilbrio numa postura

    invertida?

    Meu objetivo inicial com o yoga era trabalhar o corpo. Naquela poca, quando

    comecei a praticar, meu conhecimento sobre o yoga se restringia s posturas

    feitas em sala de aula e exerccios respiratrios. Procurando saber mais sobre

    o assunto, recorri aos livros. Em diversos textos sobre o yoga era comum ouvir

    sobre a unio entre corpo e mente. Mas o que isso significava?

    Admitimos com naturalidade que a mente afeta diretamente nossa sade fsica.

    Quantas vezes no escutamos: fulano passou tanto stress que teve uma

    lcera. A parecia estar a relao entre corpo e mente. Mas no era s isso....

    H vrios anos atrs, ainda na minha adolescncia, li o livro O corpo fala (de

  • viii

    Pierre Weil e Roland Tompakow, Ed. Vozes). A idia de que o nosso corpo

    espelha nossas emoes e sentimentos me despertou bastante interesse.

    Segundo o livro, atravs do corpo, dizemos muito sobre ns mesmos. Numa

    conversa, no apenas as palavras nos trazem informaes sobre nosso

    interlocutor, mas a maneira com que ele se expressa com o corpo pode nos dar

    informaes valiosas. A linguagem do cotidiano traduz continuamente como o

    corpo expressa emoes e sentimentos. Fulano um sujeito casca-grossa....

    Ela tem os ps no cho. Usamos expresses como essas no nosso dia-a-dia,

    e muitas vezes, nem nos damos conta dessa relao.

    Essa idia do corpo como reflexo de nossas emoes veio novamente tona,

    muitos anos depois, a partir do meu contato com o yoga. No poderamos

    tambm interferir na mente pelo corpo? No seria essa a proposta dos asanas

    e pranayamas?

    Na experincia de expandir e contrair, tensionar e relaxar, construir e

    desconstruir uma postura fui aprendendo a identificar melhor meu prprio corpo

    e a dar novas formas a ele. Ainda que ocorra de modo lento e progressivo,

    assimilar uma nova forma envolve uma experincia de certa forma dolorosa.

    medida que se vai incorporando um novo padro postural, a antiga referncia

    comea aos poucos a parecer inadequada e pouco funcional. Como me portar?

    Abro ou fecho o peito? Expando-me ou me contraio? A sensao inicial a de

    no encontrar uma forma adequada, como se a nova forma ainda me fosse um

    pouco estranha e a antiga, ento j no me servisse. Aos poucos vou

    assumindo um novo corpo, mas percebo que no s isso. Eu por inteira, j

    no sou mais a mesma.

    A conexo mente e corpo comeou a parecer mais clara. Como experenciar as

    coisas da vida, seno em meu prprio corpo? Como praticar o amor, se no me

    entrego, se meu corao se mantm intocvel e escondido na armadura das

    costas e na curvatura dos ombros? Como praticar o contentamento, se a

    respirao antecipa os instantes e no se d tempo para que possam ser

    desfrutados? Como ter determinao e perseverana se as pernas no se

    sustentam?

  • ix

    Dessa experincia nasceu a motivao para investigar como o yoga e outras

    escolas do Ocidente enxergam essa relao corpo-mente.Como ver como uma

    unidade, aquilo que tendemos a separar? Mais do que isso, como vivenciar

    corpo e mente de forma integradas?

    Nesse caminho, descobri o corpo como ferramenta para o autoconhecimento e

    evoluo pessoal. medida que aprendemos a assumir novas formas, mudamos

    no apenas essa camada visvel e concreta de ns mesmos (o corpo), mas a

    maneira como vemos e interagirmos com o mundo. Nos abrimos para novas

    escolhas e novas formas de experienciar o mundo a nossa volta.

  • x

    SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................... 1 A conexo mente-corpo.................................................................................. 1 O objetivo do trabalho..................................................................................... 2

    AS BASES DO YOGA ........................................................................................ 3 Histria............................................................................................................ 3 O que o yoga? ............................................................................................. 8 O Yoga Sutras de Patanjali............................................................................. 8 Hatha-yoga ................................................................................................... 20

    PSICOTERAPIA CORPORAL E OUTRAS ESCOLAS DO OCIDENTE........... 23 A ANLISE BIOENERGTICA ........................................................................ 24 A PSICOLOGIA FORMATIVA.......................................................................... 29 O ROLFING...................................................................................................... 38 O CORPO E AS EMOES............................................................................ 43

    A dor agradvel .......................................................................................... 48 FUNDAMENTAO E ESTABILIDADE EMOCIONAL .................................... 51 RESPIRAO E EMOO.............................................................................. 58 POSTURA ERETA E PADRES POSTURAIS................................................ 61 CONCLUSO................................................................................................... 67 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................. 73

  • 1

    INTRODUO

    A conexo mente-corpo

    H aproximadamente 400 a.C, Hipcrates, pai da medicina ocidental, j se

    referia influncia da mente sobre o corpo. Na cultura oriental, bem antes

    disso, h cerca de 5000 anos atrs, os primeiros textos de medicina ayurvdica

    j tratavam o corpo e mente de forma integrada. Da mesma forma, a medicina

    chinesa tambm relacionava corpo e mente.

    No Ocidente, a diviso entre corpo e mente, preconizada por Descartes no

    sculo XVII, levou a medicina a concentrar-se no corpo, deixando de lado

    aspectos psicolgicos. Essa concepo dualista dominante na cultura

    ocidental, que tornou possvel o surgimento da Psicologia como temos hoje,

    como ramo teraputico separado da Medicina. Enquanto a Medicina estuda os

    fenmenos orgnicos, a Psicologia, estuda os fenmenos psquicos. A relao

    entre corpo e mente foi negligenciada pela psicologia durante anos. No sculo

    XIX esse conceito comeou a ser revisto atravs dos estudos do mdico

    austraco Wilhelm Reich. O trabalho de Reich levou ao aparecimento de outras

    escolas, como a escola de Anlise Bioenergtica, baseada nos estudos do

    mdico americano Alexander Lowen.

    Atuando num campo distinto da psicologia e a partir de estudos realizados

    sobre o colgeno, a bioqumica americana Ida P. Rolf desenvolveu na dcada

    de 40 um processo de educao corporal denominado Rolfing. Segundo Ida

    Rolf, o comportamento e as emoes esto diretamente ligados estrutura.

    Ao realizar um trabalho que buscava promover uma postura mais equilibrada e

    a integrao estrutural, ela acreditava que promoveria no apenas o bem-estar

    fsico, mas tambm o mental e espiritual.

    Assim, pouco a pouco vamos notando no Ocidente uma retomada da idia que

    associa o corpo mente. Hoje nos parece natural o fato de que estados

    psquicos como estresse, ansiedade ou depresso contribuem para o

  • 2

    aparecimento de doenas, mas ainda no parece claro que nessa relao

    mente e corpo, no apenas o mental afeta o fsico, mas o contrrio tambm

    verdadeiro. Se nosso corpo expressa nossas emoes, ser que mudando

    certos aspectos corporais podemos influenciar o mental e o emocional?

    O objetivo do trabalho

    O objetivo desse trabalho investigar como algumas escolas do oriente e do

    ocidente enxergam a relao corpo-mente e em especial, o papel que o corpo

    assume como instrumento para se desenvolver o potencial de evoluo

    pessoal que reside dentro de ns mesmos .

    Do oriente, analisaremos a viso do Hatha-yoga e, das escolas ocidentais, os

    trabalhos realizados por Alexander Lowen, Stanley Keleman e Ida Rolf. Nossa

    proposta a de apresentar relaes entre o Hatha-yoga e os trabalhos

    desenvolvidos no ocidente por esses estudiosos.

    No Hatha-yoga, corpo e mente so uma estrutura nica e inseparvel. Da

    mesma forma, as demais escolas abordadas nesse trabalho se dedicam a

    estudar as manifestaes comportamentais e energticas da mente sobre o

    corpo, e do corpo sobre a mente, tratando-os em seu conjunto e no como

    elementos dissociados. O ponto-chave de aproximao entre esses sistemas

    de conhecimento a viso integrada entre corpo e mente e o objetivo do

    encontro de si mesmo. Ainda que tragam tcnicas distintas e sejam completos

    em si mesmos, podem ser complementares e o que pretendemos investigar

    aqui. Antes de avanar nessa investigao, vamos apresentar o ponto de

    partida das bases conceituais que os formam.

  • 3

    AS BASES DO YOGA

    Histria

    Acredita-se que o yoga tenha surgido com os drvidas, povo que habitava a

    regio do Vale do Indo, que hoje corresponde ao norte da ndia e parte do

    Paquisto. Estima-se que a civilizao do Vale do Indo, representada por duas

    grandes cidades, Mohenjodaro e Harappa, tenha existido entre 3000 a.C e

    1500 a.C. Apenas no comeo do sculo XX que essas cidades foram

    redescobertas e at hoje os estudos arqueolgicos continuam na regio, onde

    foram encontrados diversos objetos, cermicas, utenslios e brases, que nos

    contam um pouco sobre a cultura e os costumes dessa civilizao. Entre esses

    objetos, uma espcie de selo, retratando uma figura em postura de ltus a

    primeira indicao da prtica do yoga. A civilizao do Vale do Indo possua

    uma escrita prpria, que, infelizmente no foi desvendada at hoje. No h,

    portanto, como saber, se j naquele perodo, existia algum tipo de registro

    escrito sobre o yoga. Tampouco se sabe como se deu o desaparecimento

    dessa civilizao . Essa uma questo que divide os historiadores, mas boa

    parte deles, acredita que o que tenha colaborado para o desaparecimento dos

    drvidas foi a invaso da regio por um povo indo-europeu, conhecido como

    ria. Os rias subjugaram a populao local, impondo sua prpria tradio.

    dentro da tradio ariana que surgem os primeiros textos indianos, os Veda,

    textos que eram em sua maioria de cunho ritualstico. Na tradio ariana havia

    uma rgida diviso social e dentro dessa diviso social, os brmanes, que

    representavam a classe religiosa, eram os detentores dos conhecimentos

    presentes nos Veda.

    O termo yoga com a conotao que conhecemos hoje aparece por volta de 800

    a.C, nos textos finais dos Veda, as Upanishads. Ao contrrio dos hinos e rituais

    expostos nos Veda, as Upanishads relatam dilogos entre um mestre e seus

    discpulos, que vivem isolados na floresta, levando uma vida asctica. Indcios

    da prtica de yoga j aparecem em textos anteriores a esse, como o Atharva-

  • 4

    Veda, texto mais ou menos contemporneo das primeiras Upanishads, que

    menciona a existncia desses grupos ascticos e os descreve como

    praticantes de misteriosas disciplinas respiratrias.

    As Upanishads descrevem uma nova forma de acesso ao sagrado. Os critrios

    para aquisio do conhecimento transmitido por elas no estavam relacionados

    classe social como ocorria com os Veda, mas sim s qualificaes

    psicolgicas por parte de quem buscava esse saber. As Upanishads

    apresentam uma profunda mudana de valores, voltando a ateno do mundo

    exterior para o mundo interior. O ascetismo representa a renncia ao mundo

    exterior, de onde a felicidade no pode ser alcanada. A dor e sofrimento

    humanos so causados pela ignorncia, pelo desconhecimento do homem de

    que sua essncia a mesma essncia do universo, brahman. Para alcanar a

    felicidade preciso experienciar essa identidade com brahman atravs do

    yoga.

    Durante esse perodo, vrios textos mencionam a importncia do yoga, mas

    sem explicaes minuciosas sobre o mtodo. A mais antiga exposio

    sistemtica do yoga que chegou at ns o Yoga Sutras, compilado por

    Patanjali entre os sculos II a.C e IV d.C. Patanjali no inventou o yoga e as

    prticas descritas no Yoga Sutras, apenas registrou o conhecimento existente

    no seu tempo e que foi preservado ao longo dos sculos atravs da

    transmisso oral de mestre para discpulo. O Yoga Sutras escrito dentro

    desse mesmo contexto das Upanishads, que envolve a idia da renncia e

    asceticismo. O Yoga Sutras de Patanjali, tambm conhecido como Raja Yoga,

    d nfase a aspectos meditativos da prtica .

    O Bhagavad-Gita, escrito entre os sculos IV a.C e IV d.C, outro texto

    importante sobre o yoga e representa uma sntese entre os dois pontos-de-

    vista, na medida em que procura unir valores, at ento dspares. O Bhagavad-

    Gita apresenta diferentes vias para a prtica do yoga. Cada indivduo livre

    para escolher a forma de yoga que est em afinidade com seu carter, sem a

    necessidade de abandonar seus deveres sociais e viver uma vida asctica.

  • 5

    Assim como no Bhagavad-Gita, nos anos que se seguem, novos movimentos e

    escolas aparecero, propondo diferentes caminhos para a prtica do yoga. At

    essa poca nenhum dos textos sobre yoga chega a detalhar e explicar tcnicas

    envolvendo o trabalho fsico. Ser apenas por volta do sculo IX que o corpo

    comea a ser encarado como instrumento de transcendncia. Entre os sculos

    IV d.C e XII d.C aparece na ndia um movimento cultural chamado Tantrismo.

    O Tantrismo foi um movimento de revalorizao da natureza, dos aspectos da

    vida mundana e de recuperao dos valores negados pelas tradies

    ascticas. Ao contrrio dos ascetas que viam o corpo como um mero acmulo

    de vsceras, cujo destino final morrer e apodrecer, no tantrismo o corpo

    visto como instrumento do homem em sua busca espiritual. O Tantrismo com

    todas as transformaes culturais, sociais e religiosas que acarretou, trouxe

    uma forte influncia ao yoga.

    O Hatha-yoga, de onde vieram as posturas fsicas (asanas) to em voga hoje

    no Ocidente, surgiu entre os sculos IX e X.d.C e recebeu influncia direta do

    Tantrismo. Ao invs de abandonar as sensaes corporais, o hatha-yoguin

    passa a valorizar o culto ao corpo para o desenvolvimento da alma. O Hatha-

    yoga, entretanto, no se ope s idias contidas no Yoga Sutras. Na viso do

    Hatha-yoga e do tantrismo, o homem, vivendo ento num mundo desorientado,

    no tinha como transcender a partir do caminho apontado no Yoga Sutras. Era

    preciso utilizar meios especficos e adequados para os novos tempos. O foco

    das prticas passa a ser o corpo, usado como ponto de partida para a

    investigao das realidades mais sutis . Diz Tara Michal (1975, pg. 165): o

    yogi que segue a via tntrica no procura desapegar-se do mundo fenomenal

    apoiando-se sobre as foras do intelecto; ele visa a transmutar toda a natureza,

    a partir de sua forma mais grosseira, a manifestao corporal.

    O fato de no encontrarmos nos textos anteriores ao Hatha-yoga e ao

    tantrismo a exposio de prticas fsicas, no significa que essas no

    existissem. Os asanas e pranayamas (tcnicas que envolvem o trabalho fsico)

    so mencionados no Yoga Sutras, mas no h nenhum detalhamento sobre

    essas tcnicas. No Yoga Sutras no h enfoque sobre o corpo e sim sobre os

    mecanismos de controle da mente. Uma explicao que se d para isso que

  • 6

    o Yoga Sutras apresenta um ensinamento para iniciados, que j tinham

    domnio sobre as tcnicas fsicas.

    Os principais textos sobre o Hatha-yoga so o Hatha Yoga Pradpik, o e o

    Shiva Samhit e so neles que encontramos as primeiras descries sobre

    asanas. O Hatha Yoga Pradpik foi escrito durante o sculo XIV e descreve 16

    posturas . O Gheranda Samhit um manual do sculo XVII que se baseou no

    Hatha Yoga Pradpik e apresenta 32 posturas. O Shiva Samhit do sculo

    XVIII e o que apresenta o maior nmero de posturas, 84. Alm de

    apresentarem diferentes asanas, esses textos apresentam tcnicas de controle

    do alento (pranayamas), tcnicas de purificao, entre outras. No podemos

    afirmar que as datas desses textos correspondem a data de criao do Hatha-

    yoga. Pela tradio indiana, o conhecimento era transmitido de mestre para

    discpulo oralmente e da, podemos deduzir que essas prticas eram bem mais

    antigas que os textos a seu respeito.

    O Yoga no Ocidente

    O Yoga chegou ao Ocidente a partir da presena de portugueses e ingleses na

    ndia, que traduziram para seus idiomas textos tradicionais. A primeira traduo

    em ingls do Bhagavad Gita de 1785. Em 1893, Swami Vivekananda vai para

    os Estados Unidos para uma palestra no Primeiro Parlamento de Religies do

    Mundo, onde fala sobre o Raja Yoga. Depois disso palestrou durante dois anos

    em diferentes cidades da Europa.

    Yogananda foi outra figura importante na disseminao do Yoga na Amrica.

    Em 1920, ele foi convidado a representar a ndia em um Congresso , realizado

    em Boston. Sua conferncia nesse Congresso e subseqentes palestras na

    Costa Leste dos Estados Unidos foram entusiasticamente acolhidas, e em

    1924 ele partiu para uma turn de conferncias atravs do continente. Durante

    as trs dcadas seguintes, Paramahansa Yogananda contribuiu de maneira

    profunda no sentido de criar no Ocidente uma percepo e uma apreciao

    mais aguda da sabedoria espiritual do Oriente. Em Los Angeles ele

  • 7

    estabeleceu a Sede Internacional da Self-Realization Fellowship, uma

    instituio fundada por ele em 1920.

    Essas primeiras aproximaes do Ocidente com o yoga estavam relacionadas

    diretamente ao Vedanta e ao Raja Yoga, prticas com enfoque na meditao.

    Os asanas ganharam maior proeminncia no Ocidente a partir do sculo XX,

    quando se passou a olhar mais seriamente para os benefcios fsicos da

    prtica. Na ndia, Paramahansa Madhavadasaji encorajou cientistas e mdicos

    locais a explorar os aspectos fisiolgicos da prtica de asanas. Um de seus

    estudantes, Kuvalayananda fundou o primeiro instituto voltado a essa

    explorao, o Kaivalyadhama Ashram and Research Institute. Alm de

    Kuvalayananda, que explorou os benefcios fsicos e psicolgicos da prtica do

    yoga, dois outros mestres indianos, Swami Sivananda,de Rishikesh e T.

    Krishnamacharya, de Mysore, colaboraram para essa disseminao,

    expandindo o repertrio do Hatha-yoga (com um variado sistema de asanas e

    tcnicas de pranayama) e apresentando-o tambm s mulheres. Grande parte

    das escolas de Hatha-yoga presente hoje no Ocidente tiveram influncia no

    trabalho desenvolvido por esses homens. O trabalho de Krishnamacharya

    comeou por volta de 1930, quando recebeu um financiamento do maraj de

    Mysore para dar aulas e disseminar o conhecimento sobre o yoga entre jovens

    estudantes. Dois de seus alunos se destacaram e desenvolveram um estilo

    prprio de yoga, hoje bastante difundidos no Ocidente. Pattabhi Jois

    desenvolveu o ashtanga vinyasa yoga, uma prtica de Hatha-yoga que trabalha

    com o sistema de vinyasa, que sincroniza respirao e movimento. B.K.S.

    Iyengar criou uma escola conhecida pela nfase dada ao alinhamento postural

    e utilizao de acessrios de apoio para a realizao dos asanas e que hoje

    conhecida como Iyengar Yoga.

  • 8

    O que o yoga? Para entender o que o yoga, vale a pena comear entendendo o que o yoga

    no . Marcos Rojo (2003) comenta:

    Infelizmente, por ignorncia ou apelo comercial, o Yoga

    chegou ao Ocidente trazendo na bagagem conceitos que

    no necessariamente pertencem ao seu universo. Por

    parte de quem fala ou preconceito de quem escuta, j foi

    confundido com faquirismos, autoflagelao, religio,

    ginstica e prtica misteriosa para fanticos e iniciados

    no esoterismo... (ROJO, 2003 pg.50)

    Como vimos anteriormente, existem diferentes linhas e escolas de yoga,

    entretanto todas elas buscam o mesmo objetivo. E que objetivo esse? A

    palavra yoga vem da raiz snscrita yuj, que significar unir, juntar. Yoga significa

    unio, integrao, unio do ser individual com o Ser absoluto, atemporal. O

    yoga busca alcanar o conhecimento de si-mesmo, o conhecimento do atman,

    do deus que habita dentro de ns mesmos.

    O Yoga Sutras de Patanjali

    No tratado de Patanjali yoga significa tanto o objetivo (unio) como o mtodo

    que leva a esse objetivo. Yoga a supresso dos movimentos da conscincia,

    aquietar sua mente. Somente silenciando a mente que poderemos remover

    o sofrimento que vem do mundo fenomnico e encontrar a felicidade suprema.

    Somente com a mente calma, poderemos nos encontrar com a nossa real

    natureza. Para lidar com o sofrimento e alcanar esse objetivo, o Yoga Sutras

    prope uma estratgia de oito passos ou oito partes, o Ashtanga Yoga

    (ashta=oito, anga=membro).Quando falamos em passos, nossa tendncia

    pensar linearmente. No caso do Ashtanga, o melhor seria pensar numa

  • 9

    imagem em espiral em que a cada volta se percorre os vrios passos e esses

    vo novamente se repetindo at que se chegue ao centro.

    Os oito passos que compem o sistema de Patajali so:

    1. Yamas 2. Niyamas 3. Asanas 4. Pranayama 5. Pratyahara 6. Dharana 7. Dhyana 8. Samadhi

    Iyengar (2001a) compara os oito passos descritos no Yoga Sutras a uma

    rvore. Os yamas e niyamas so as razes e os troncos, o que d base a essa

    rvore, os alicerces da prtica.

    Os yamas e niyamas so comumente interpretados como princpios ticos que

    guiam nossos relacionamentos com os outros e com ns mesmos. Ainda que

    possam conduzir a uma conduta tica, o objetivo maior da prtica dos yamas e

    niyamas o de aquietar a mente. Os yamas e niyamas no foram definidos no

    Yoga Sutras como princpios ticos para a conduta social, mas sim para a

    conduta pessoal. Eles no implicam em sermos bons ou maus, mas nos

    mostram como nossos atos trazem implicaes para ns mesmos.

    1- Yamas

    A palavra yama pode ser traduzida por refreamento e vem do verbo yam, que

    significa refrear, restringir. Os yamas so: ahimsa, satya, asteya, brahmacharya

    e aparigraha.

  • 10

    AHIMSA no-violncia

    Tornou-se mote da campanha nacionalista de Gandhi, quando ento se tornou

    um conceito bastante conhecido no mundo contemporneo, inspirando

    igualmente Martin Luther King. Swami Kuvalayananda (1963) v ahimsa no

    apenas do ponto-de-vista fsico, mas da sua presena em pensamentos. A

    violncia nos pensamentos pode ser pior do que a violncia em si, quando

    praticada sem a inteno e sem ressentimentos. o caso, por exemplo, de um

    cientista que utiliza animais em experincias, um aougueiro que mata

    exercendo sua profisso, mas sem o desejo de matar.

    A no-violncia no se aplica apenas aos outros, mas tambm na relao que

    temos com ns mesmos. Se algum nos bate no estmago e ficamos sem ar,

    fcil reconhecer essa situao como violenta. Por outro lado, difcil

    reconhecer um comportamento como violento quando provocamos em ns

    mesmos sensaes prejudiciais atravs de pensamentos e aes.

    interessante observar tambm que quando agimos de forma violenta em

    relao a algum, primeiro ferimos a ns mesmos. Quando voc est com

    raiva, quem sofre? Voc sofre. Seus batimentos cardacos aumentam e sua

    respirao se altera.

    SATYA - veracidade

    Satya implica em ser verdadeiro nos pensamentos, sentimentos, palavras e

    aes. Taimni (2001) comenta que a mentira cria uma espcie de tenso

    mental e emocional que nos impede de harmonizar e tranqilizar nossa mente.

    ASTEYA no-roubar

    O professor indiano Aadil Palkhivala (fonte: artigo publicado na Revista Yoga

    Journal ver bibliografia) comenta que asteya no significa apenas no-

    roubar, mas desenraizar crenas subconscientes ligadas a falta e carncia,

    que causam cobia e a necessidade constante de acumular coisas.

  • 11

    BRAHMACHARYA moderao dos sentidos

    Tradicionalmente, brahmacharya traduzido como celibato. O termo

    brahmacharya significa literalmente o que caminha com brahman. Gulmini

    (2002) explica:

    Esse termo era utilizado para designar o estudante

    bramnico durante o perodo em que aprendia os Veda

    aos ps de um mestre. Como a castidade era exigncia

    disciplinar, brahmacharya tornou-se sinnimo de

    continncia dos impulsos sensoriais, sobretudo o sexual

    (lembremos que o sistema de Yoga de Patanjali de

    cunho totalmente asctico). (GULMINI, 2002 pg. 268)

    Iyengar (1979) argumenta que a maioria dos yoguis e sbios da antiga ndia

    eram casados e que brahmacharya no significa uma austeridade forada.

    Para ele, aquele que pratica brahmacharya o que v o sagrado em todas as

    coisas.

    Brahmacharya tambm pode ser visto como moderao dos sentidos. Quando

    os sentidos esto esparramados, estamos fora de nosso centro. A busca

    incessante pelo prazer (no apenas sexual) nas coisas que esto fora de ns,

    nos afasta de encontrar nossa prpria essncia. Praticar brahmacharya no

    significa nos abster do prazer ou deixar de buscar o prazer no que fazemos,

    mas no sofrer na busca pela repetio do prazer.

    APARIGRAHA no-possessividade

    A prtica de aparigraha no significa que devamos banir nossos desejos e

    aspiraes e nos livrarmos de todas as nossas posses para crescer

    espiritualmente. No nosso mundo de hoje, inundado pela publicidade, a idia

    de desejar mais e mais e de criar necessidades desnecessrias e a

    compulsividade ao consumo so bastante visveis. Eu preciso comprar ...,

    No posso ficar sem isso... A conscientizao de aparigraha nos liberta do

    hbito de nos identificar com as coisas que nos rodeiam para nos

  • 12

    aproximarmos da nossa prpria essncia. Dependemos de certas posses

    materiais para viver (roupas, comida, casa), mas no devemos viver apenas

    para manter essas posses.

    2- Niyamas

    Os niyamas so observncias que o yoguin deve seguir. So eles: saucha,

    santosha, tapas, svadhyaya e isvara pranidhana.

    SAUCHA - pureza

    Saucha est associada idia de pureza, tanto externamente como

    internamente, o que comemos, o que vemos, o que ouvimos e o que

    pensamos. Na traduo de Gulmini (2002) temos: Da purificao surge a

    repugnncia pelo prprio corpo e o no-contato com os outros. Uma traduo

    praticamente igual a essa feita por Taimni (2001). Considerando o aspecto

    asctico do Yoga Sutras, o corpo visto como algo sujo e preciso desapegar-

    se dele para nos tornarmos sensveis e vermos as coisas como elas realmente

    so.

    J na viso de algumas escolas de Hatha-yoga, isso visto de forma distinta.

    Iyengar (1998) esclarece que, ainda que o corpo se deteriore, o praticante no

    deve v-lo com averso, mas deve mant-lo limpo e purificado como gratido a

    sua prpria essncia (purusa). Atravs de saucha, o corpo o instrumento do

    yoguin na busca do conhecimento espiritual.

    SANTOSHA - contentamento

    Taimni (2001, pg. 197) comenta: A principal causa da nossa constante

    infelicidade a perptua conturbao da mente causada por todo tipo de

    desejos. [...] Uma mente calma est apta a refletir em si mesma, a bem-

    aventurana, inerente a nossa verdadeira natureza divina.

    Marcos Rojo (2003, pg.58) d uma boa explicao sobre Santosha: ...

    contentamento dar valor para o que j se tem, e no ficar olhando o que est

    faltando. Ele explica ainda o contentamento com a seguinte frmula:

  • 13

    Contentamento = Aquisies / Expectativas. Ou seja, se sempre tivermos

    mais expectativas que aquisies, o contentamento nunca vai ser igual a um.

    Isso no significa que no devemos ter expectativas e desejar novas coisas.

    Estudamos, esperando passar na prova; viajamos, esperando nos divertir...

    Boa parte do que fazemos tem uma expectativa futura. O problema

    apoiarmos totalmente nossa felicidade na realizao dessas expectativas. Se

    no encontrarmos contentamento no que temos hoje, estaremos numa busca

    incessante pela felicidade que nunca ser alcanada, j que sempre haver

    novos desejos.

    TAPAS - determinao

    Tapas vem da raiz tap, que significa queimar, calor. Citando Taimni (2001,

    pg.181): O significado da palavra deriva, provavelmente do processo de

    submeter-se o ouro impuro a um forte calor, atravs do qual todas as

    impurezas so queimadas, permanecendo somente o ouro puro.

    Tapas combina em si o significado de diversas palavras: autodisciplina,

    purificao, determinao e se refere ao esforo para se alcanar um

    determinado objetivo.

    SVADHYAYA auto-reflexo

    Svadhyaya muitas vezes traduzido como leitura dos textos sagrados. O

    significado por trs de svadhyaya parece ir bem alm disso, e alguns autores o

    traduzem por auto-estudo, auto-reflexo. Svadhyaya est associado idia de

    interiorizao, de autoconhecimento e busca por aquilo que realmente somos.

    Fazer uso das nossas atividades como espelho para descobrir mais sobre ns

    mesmos, seja a prtica de asanas ou nosso relacionamento com os outros e

    ns mesmos, uma forma de se praticar svadhyaya.

    ISVARA PRANIDHANA - entrega

    Isvara Pranidhana interpretado como consagrao ao Senhor, e pode ser

    visto como ato de entrega, no necessariamente a Deus, mas a algo maior que

    si mesmo. Isso significa fazer o melhor que podemos, sabendo que o resultado

    final no est em nossas mos.

  • 14

    Isvara Pranidhana se aproxima muito do conceito de f exposto por Lowen

    (1983):

    A f uma qualidade do ser: de estar em contato

    consigo mesmo, com a vida e com o universo. uma

    sensao de pertencer a uma comunidade, a um pas e

    Terra. Acima de tudo a sensao de estar assentado

    no prprio corpo, na prpria humanidade e na sua prpria

    natureza animal. Ela pode ser todas essas coisas porque

    uma manifestao da vida, uma expresso da fora

    vital que une todos os seres.

    (LOWEN, 1983 pg.151/152)

    3. Asanas

    Asanas so posturas psicofsicas que conferem estabilidade ao corpo e, assim

    como os passos anteriores (yama e niyama), tm o propsito de acalmar as

    inquietaes da mente.

    No Yoga Sutras, o primeiro aforismo que aborda o asana (sutra II-47)

    comumente traduzido como: o asana deve ser estvel e confortvel. Swami

    Kuvalayananda (1963, pg. 26) afirma: asana aquilo que contribui para a

    estabilidade e para a sensao de bem-estar. De acordo com ele, esse

    aforismo traduzido erroneamente por o asana estvel e confortvel , o que

    pode se fazer pensar que para praticar asanas, basta adotar uma postura fcil

    de realizar e manter. Ele comenta que o Hatha Yoga Pradipika, no aforismo I-

    17 faz a mesma colocao, ao definir asana como aquilo que contribui para

    estabilidade, sade e flexibilidade.

    Em relao a isso, Iyengar (1998) comenta que Patanjali descreve nesse sutra

    o asana em sua perfeio. No se pode dizer que uma postura um asana,

    apenas por ser confortvel. Disciplina e ateno devem ser aplicadas na

    prtica de cada asana, que deve ser executada com firmeza e estabilidade.

  • 15

    Atravs do asana o yogi busca a inteligncia e a conscincia que est

    escondida em seu corpo, e a partir da que poder acessar sua prpria

    essncia. Segundo ele, a perfeio no asana alcanada quando o corpo,

    mantendo-se firme e estvel, cessa qualquer tipo de esforo, e assim, funde-se

    com sua essncia. Quando o praticante alcana esse estado de equilbrio,

    ateno e relaxamento se fazem presentes simultaneamente, e o praticante

    ento no pode mais ser atingido por dualidades como prazer e dor. O efeito

    do asana pr fim s diferenciaes entre corpo e mente, mente e alma.

    Quando corpo, mente e alma esto unidos em uma postura perfeita, o

    praticante alcana o estado de felicidade suprema.

    Segundo Swami Satyananda Saraswati (2002) o aforismo de Patanjali que

    define o asana interpretado como uma postura estvel e confortvel. Ele

    comenta que no contexto do Yoga Sutras o asana deve ser praticado para

    desenvolver a capacidade de se sentar confortvel numa posio por um longo

    tempo, como necessrio para a meditao. Ele comenta que no Raja Yoga,

    asana se refere a uma posio sentada, enquanto que no hatha yoga isso

    significa algo mais. Asanas so posies especficas do corpo que abrem os

    canais de energia e centros psquicos. Eles so ferramentas para aumentar

    nossa conscincia e para promover uma base estvel para a explorao de

    nosso corpo, respirao e mente. Saraswati (ibid.) afirma:

    A mente e o corpo no so entidades separadas, ainda

    que haja uma tendncia para pensarmos e agirmos como

    se fossem. [...] A prtica de asanas integra e harmoniza

    corpo e mente. Tanto o corpo como a mente permitem o

    desenvolvimento de tenses e ns.[...] O objetivo do

    asana aliviar esses ns. Os asanas aliviam as tenses

    mentais , lidando com elas no nvel fsico, atuando

    somtica e psicologicamente atravs do corpo e da

    mente. Por exemplo, tenses emocionais podem

    bloquear o funcionamento normal dos pulmes, do

    diafragma e prejudicar o processo respiratrio.

    (SARASWATI, 2002 pg. 11)

  • 16

    O trabalho com o corpo nos faz despertar para experincias mais sutis. Como

    afirma Rojo (2003):

    fcil perceber no corpo as modificaes provocadas

    por uma alterao emocional. Algum tenso logo

    apresenta ombros suspensos e rgidos com alterao no

    tnus muscular. Algum deprimido pode apresentar uma

    postura de flexo ou inclinao da cabea para frente. A

    idia do yoga seguir o caminho do fsico para o mental,

    interferir onde as emoes interferem;ou seja,

    primeiramente no tnus muscular, na postura, e

    posteriormente na respirao. (ROJO, 2003 pg.61)

    Pedro Kupfer (extrado do artigo Asana: pensando com o corpo - ver

    bibliografia) tambm faz uma colocao interessante sobre o papel dos asanas

    dentro do caminho do yoga: O Yoga quer dar um corpo novo ao praticante,

    que ele mesmo ir construir, clula por clula, fibra por fibra. Usando esse novo

    corpo como instrumento, ele poder avanar a passos largos em direo

    meta do Yoga. De acordo com ele, a construo desse novo corpo possibilita

    ao praticante perder a identificao com o antigo corpo, vinculado couraas

    de tenso muscular e samskaras , impresses mentais subconscientes.

    4. Pranayama

    Segundo Pedro Kupfer:

    A palavra pranayama deriva de dois termos snscritos:

    prana , que significa alento, fora vital, respirao,

    energia, vitalidade e ayama, expresso que, segundo o

    Amarakosha , significa extenso, intensidade,

    propagao, dimenso. Prnyma, ento, o processo

    atravs do qual se expande e intensifica o fluxo da

    energia no interior do corpo. Em outra acepo, esta

  • 17

    palavra estaria formada pelos vocbulos prna,

    designando a energia vital e yama, que significa controle,

    domnio, reteno, pausa. Donde, pode traduzir-se

    tambm como domnio da bioenergia, utilizando tcnicas

    respiratrias. (extrado do artigo: Fora vital, respirao

    e conscincia ver bibliografia)

    A vida est intimamente ligada respirao. Podemos passar alguns dias sem

    nos alimentar, mas no muito tempo sem respirar. Respirar bem, significa viver

    melhor. Os pranayamas melhoram as funes respiratrias em geral, mas

    formam tambm um dos mais importantes canais de acesso para as emoes.

    A respirao a primeira funo fisiolgica que se altera quando mudamos

    nosso comportamento. Todos os estados emocionais afetam a respirao.

    Kupfer comenta que cada estado emocional corresponde a um ritmo

    respiratrio. Uma respirao profunda e ritmada demonstra satisfao,

    segurana e serenidade, enquanto que respirao curta e rpida denota

    ansiedade, insegurana ou medo. Aprendendo a manipular o ritmo respiratrio

    conseguimos modificar e sutilizar as emoes, o que interfere diretamente em

    nossa qualidade de vida.

    A atividade da mente e da respirao andam de mos dadas. Quando a

    respirao est agitada, a mente acompanha sua velocidade. Os pranayamas,

    assim como os trs primeiros passos descritos por Patanjali nos ajudam a

    controlar e acalmar nossa mente.

    5. Pratyahara

    Pratyahara a retrao dos sentidos, com o intuito de centrar-se em si mesmo.

    Constantemente somos bombardeados por imagens, sons e sensaes, que

    nos arrastam para a experincia externa e agitam a mente. Pratyahara induz a

    um estado de relaxamento profundo e consciente, preparatrio para a

  • 18

    meditao, a partir do momento em que nos desvinculamos dos estmulos

    vindos do mundo exterior. Como menciona Michael (1975):

    Liberar-se da sujeio dos sentidos de importncia

    primordial para o yogin, pois so os poderosos impulsos

    dos sentidos que constantemente agitam e submergem o

    esprito. O indivduo no pode absorver-se na

    conscincia pacificada do Eu, enquanto no tiver

    dominado a influncia dispersiva dos sentidos.

    (MICHAEL, 1975 pg.90)

    6. Dharana

    Dharana traduzido como concentrao. A palavra concentrao muitas

    vezes tomada com um sentido diferente em nosso dia-a-dia. importante no

    confundir a concentrao intelectual com a concentrao yguica, que diferem

    em seus propsitos e na maneira como so conduzidas. Na concentrao

    intelectual canalizamos nossa ateno numa determinada direo e a partir de

    uma idia vamos desenvolvendo outras idias. Na concentrao yguica, voc

    comea com vrios pensamentos e vai aos poucos diminuindo, focalizando sua

    ateno em uma nica idia. Dharana portanto, a ateno em um nico

    ponto, uma concentrao que pode ter como apoio um objeto para observao,

    como por exemplo, um smbolo, uma imagem ou um som especfico.

    7. Dhyana

    Dhyana traduzido como meditao. Quando, em Dharana, a ateno chega a

    seu pice, transforma-se em concentrao extrema, ou Dhyana. Enquanto em

    Dharana, a concentrao em um nico ponto s atingida por alguns

    instantes, em Dhyana a concentrao se torna prolongada e ininterrupta.

    Michael (1975) esclarece:

    Quando o controle sobre a ateno se consolida, os

    inumerveis pensamentos e distraes que intervinham e

    se imiscuam no esprito, frustrando-o em sua

  • 19

    concentrao, diminuem de freqncia e importncia, e a

    partir da a lucidez do yogin se intensifica, eliminando

    toda sonolncia, dissipando toda bruma mental, toda

    sombra, toda reserva, e revelando o objeto numa

    claridade direta e fixa. A meditao conduz ao Samadhi.

    (MICHAEL, 1975, pg.94)

    8. Samadhi

    Segundo o Yoga Sutras (apud MICHAEL, 1975, pg.94), Quando s o objeto

    meditado resplandece na conscincia, que aparece esvaziada de sua prpria

    forma, tem-se o Samadhi. Nesse momento, o objeto de observao e o

    observador se fundem em pura conscincia, tornando-se um s. A dualidade

    entre sujeito e objeto abolida. Samadhi a liberao, o estado de iluminao,

    em que o contemplador se absorve na conscincia universal.

    Como mencionamos anteriormente, para Patanjali, yoga tanto o meio como o

    fim. Vyasa (apud MICHAEL, 1975, pg. 95) afirma o Yoga deve ser conhecido

    por meio do Yoga, o prprio Yoga conduz ao Yoga. Aquele que se aplica sem

    descanso ao Yoga, no final encontra no Yoga uma alegria permanente.

    Samadhi o objetivo ltimo do yogin. Em Samadhi ele deixa sua conscincia

    individual ento capaz de entrar na essncia de seu ser, estando assim

    liberado de todo o sofrimento.

  • 20

    Hatha-yoga

    O Hatha-yoga se coloca como complemento ao Yoga Sutras de Patanjali e

    como meio para alcan-lo. A afirmao da Hatha Yoga Pradipika (SOUTO,

    2000 pg.35) confirma isso: Sado o Todo-poderoso senhor Shiva (Adinatha),

    que ensinou o conhecimento do Hatha Yoga. Este conhecimento como uma

    escada, para o praticante que procura alcanar o elevado Raja Yoga em sua

    busca espiritual.

    Hatha significa em snscrito fora, violncia. A interpretao do Hatha-yoga

    como yoga da fora vai de encontro ao enfoque dado ao corpo e idia de se

    partir do mais grosseiro para o mais sutil na busca pela transcendncia. Outra

    interpretao de que o Hatha-yoga a unificao do sol (ha) com a lua (tha).

    O sol, nesse caso corresponde energia masculina e a lua energia feminina,

    que circulam em nosso corpo atravs de canais de energia denominados nadis.

    Esses canais podem chegar a 72 mil, segundo alguns textos. Devesa (2003,

    pg. 112) comenta:

    Apesar de vrios autores modernos buscarem uma relao entre canais e

    anlogos no corpo denso (nervos, artrias e veias), no existe qualquer relao

    entre canais de energia sutil e regies anatomicamente definidas do corpo

    fsico.

    A energia vital ou prana entra em ns a partir da respirao atravs de dois

    nadis importantes, ida e pingala, que partem respectivamente das narinas

    esquerda e direita. Ida representa a energia feminina e pingala a energia

    masculina. Um dos mais importantes canais de energia o sushuma nadi, uma

    canal central que corre no interior do eixo cerebroespinhal. Ao longo do trajeto

    de sushuma encontramos cruzamentos de canais sutis que, em alguns pontos

    se entrecruzam , dando origem a um turbilho circular de energia, denominado

    chakra. No sushuma nadi se encontra adormecida a kundalini, energia

    criadora, que ao ascender atravs dos chakras e alcanar o topo da cabea,

    leva ao Samadhi. A kundalini se representa simbolicamente como uma

  • 21

    serpente, enroscada na base da coluna. O objetivo do Hatha-yoga fazer

    despertar a serpente e ascend-la atravs de sushuma nadi.

    Apresentamos a seguir uma breve descrio dos sete principais chakras:

    1) Muladhara, que significa fundao, a base raiz. Localiza- na regio entre o nus e os genitais, na base da espinha dorsal. Est relacionado s

    necessidades bsicas do indivduo, como alimentao, sono, sexo, etc; e a

    sensao de estabilidade e firmeza tanto no plano fsico como psicolgico.

    2) Svadhisthana, que significa lugar ou morada do ser. Localiza-se no baixo ventre e na cintura plvica no nvel dos rgos genitais, atuando sobre eles e

    sobre o sistema urinrio. Est relacionando a funo sexual e a experincia de

    aproximao com o outro.

    3) Manipura, que significa "cidade das gemas" ou "cidade da jia resplandecente". Localiza-se no plexo solar, na regio do umbigo,

    compreendendo todo o sistema digestivo. Est associado a expansividade e

    sociabilidade e as sensaes de prazer e dor.

    4) Anahata, que significa no golpeado, no tocado. Localiza-se no plexo cardaco, na regio do corao e relaciona-se com as funes afetivas.

    5) Vishuddha, que significa purificao. Compreende todas as estruturas da boca, pescoo e garganta. Est associado a expressividade, criatividade e fala.

    6) Ajna, que significa autoridade, comando, poder ilimitado. Localiza-se um pouco acima das sobrancelhas e entre elas e compreende os olhos, ouvidos e

    nariz. Relaciona-se a capacidade de visualizar e compreender conceitos em

    um nvel que vai alem do racional e ao despertar da intuio.

    7) Sahashara, que significa o de mil ptalas. Localiza-se no topo da cabea. Este chakra relaciona-se com dimenso transcendente da vida. Quando a

  • 22

    kundalini ascende a sahashara que se d o Samadhi, o estado de comunho

    com todas as coisas.

    De acordo com Swami Satyananda Saraswati (2002) a prtica dos asanas no

    apenas fortalece o corpo, mas ativa e desperta os centros responsveis pela

    evoluo da conscincia, estimulando os chakras e distribuindo a energia

    gerada pela kundalini por todo o corpo. Para ele, o objetivo principal do Hatha-

    yoga balancear o fluxo entre ida e pingala. Quando ida e pingala se

    equilibram e a mente controlada, ento, sushuma, que o nadi mais

    importante, comea a fluir. Quando sushuma flui, a kundalini desperta e

    ascende sobre os chakras.

    Pedro Kupfer comenta que o trabalho do Hatha-yoga um longo caminho

    atravs de aes purificatrias, fsicas e psquicas, que visam limpar o espelho

    da alma para que ela possa refletir sua verdadeira face. Esse trabalho inclui a

    prtica dos yamas e niyamas, o uso do corpo atravs dos asanas, a purificao

    da energia vital atravs dos pranayamas e a purificao do psiquismo atravs

    da meditao . (Extrado do artigo O corpo o templo da divindade ver

    bibliografia)

    Concluindo, o Hatha-yoga um caminho, que, tendo o corpo como ponto de

    partida, busca o aperfeioamento nas dimenses sutil, emocional, mental e

    psquica para a realizao do objetivo final de todas as forma de yoga, a

    libertao da ignorncia e a integrao com brahman, essncia de todas as

    coisas.

  • 23

    PSICOTERAPIA CORPORAL E OUTRAS ESCOLAS DO OCIDENTE

    A psicoterapia corporal ou somtica tem suas razes nos trabalhos

    desenvolvidos por Wilhelm Reich (1897- 1957), depois de seu afastamento do

    movimento psicanaltico. Reich foi aluno e colaborador de Freud e em seu

    trabalho como psicanalista comeou a observar que muitos de seus pacientes

    no progrediam dentro do tratamento psicanaltico. Reich percebeu que muitos

    deles resistiam ao tratamento, ainda que de forma inconsciente, e que essa

    resistncia, era muitas vezes, expressa no prprio corpo do paciente, sob a

    forma de tenses. Comea ento a dedicar-se a um mtodo prprio de trabalho

    que buscava integrar mente e corpo. Para Reich, o corpo contm a histria de

    cada indivduo e atravs dele que podemos resgatar as emoes mais

    profundas e restabelecer a mobilidade biopsquica, flexibilizando e rompendo

    couraas e armaduras emocionais que funcionam como mecanismos de

    defesa.

    A psicoterapia corporal se divide hoje em uma srie de vertentes, que trabalham

    com a idia da interao entre os aspectos fisiolgicos e orgnicos e os

    processos emocionais, afetivos e psquicos. Nesse trabalho abordaremos em

    particular, a anlise bioenergtica de Alexander Lowen e a psicologia formativa

    de Stanley Keleman. Saindo do campo da psicologia corporal, mas explorando a

    mesma idia de corpo e mente integrados, est o trabalho realizado por Ida Rolf,

    que tambm analisaremos aqui.

  • 24

    A ANLISE BIOENERGTICA

    A anlise bioenergtica foi sistematizada por Alexander Lowen e John Pierrakos,

    a partir do trabalho de Reich, de quem Lowen foi aluno. Ainda que adotando uma

    abordagem teraputica distinta da de Reich, Lowen foi fortemente influenciando

    por ele. Reich observou em seu trabalho na clnica psicanaltica que as

    resistncias apresentadas por seus pacientes no se manifestavam somente

    atravs da fala, mas em gestos, na maneira de falar, na maneira de andar, etc.

    Essas resistncias tambm estavam relacionadas musculatura corporal,

    atravs de tenses que limitavam o movimento e a respirao, e que Reich

    denominou couraa muscular. Lowen comenta sobre isso (1977):

    A formulao de Reich a respeito da identidade funcional

    entre a tenso muscular e o bloqueio emocional foi um

    dos grandes insights desenvolvidos no curso de terapia

    analtica de problemas emocionais. Abriu a porta para um

    novo campo de investigao analtica e Reich foi o

    primeiro a explorar suas possibilidades. (LOWEN, 1977

    pg. 30)

    Para Reich a expresso corporal a perspectiva somtica da expresso

    emocional, que vista no nvel psquico como carter. Ele elaborou o

    conceito de que o carter e a atitude muscular eram funcionalmente idnticos e

    serviam a mesma funo energtica. Assim, no era necessrio depender

    apenas de sonhos ou da tcnica de associao livre para chegar at os

    impulsos inconscientes e suas resistncias. Os trabalhos realizados a partir

    dessas formulaes levaram ao uso da respirao no procedimento

    teraputico. Em relao a isso Lowen (1977) observa:

    A anlise do nvel somtico havia revelado que os

    pacientes prendiam sua respirao e chupavam a barriga

  • 25

    a fim de suprimir ansiedade e outras sensaes... Em

    situaes que so vividas como amedrontadoras ou

    dolorosas, prende-se a respirao, contrai-se o diafragma

    e enrijece-se os msculos abdominais. A descarga da

    tenso resulta em suspiro. Se este padro se torna

    crnico, o peito est sempre numa postura de inspirao

    do ar, a respirao baixa e o estmago duro. (LOWEN,

    1977, pg. 31)

    Lowen partiu do conceito de couraa muscular de Reich para o desenvolvimento

    de seu prprio trabalho, que se baseava no seguinte questionamento: Se

    estrutura corporal e temperamento esto relacionados, possvel modificar o

    carter de um indivduo sem uma alterao de sua estrutura corporal e de sua

    mobilidade funcional? Ao mudar a estrutura e aprimorar sua mobilidade, no

    poderamos efetuar as modificaes no temperamento, desejadas pelo

    paciente? Como define o prprio Lowen (1977, pg. 16), o terapeuta bioenergtico analisa

    no apenas o problema psicolgico do paciente como o faria qualquer analista,

    mas tambm a expresso fsica do problema, na medida em que manifesto em

    sua estrutura corporal e movimento.

    A tcnica envolve a leitura do corpo, da expressividade de seus movimentos,

    procurando analisar e elaborar o significado das tenses musculares crnicas e

    uma tentativa sistemtica de liber-las.

    Para Lowen (1977, pg. 13/14) , a psicanlise apresenta uma precariedade em

    sua tcnica, ao no considerar o corpo diante dos conflitos psquicos e

    emocionais. A palavras e as idias so insuficientes para promover a

    transformao necessria, limitando-se muitas vezes um autoconhecimento

    intelectual. A anlise bioenergtica se prope a conjugar o trabalho corporal que

    busca propiciar um contato maior com o prprio corpo, sensaes e sentimentos;

    com o processo analtico, que tenta elaborar estes contedos, tendo como

  • 26

    referncia a histria do indivduo.

    A bioenergtica trabalha com a hiptese de que h uma energia fundamental

    no ser-humano. Os processos psquicos e somticos so determinados pela

    operao dessa energia, que Lowen denomina bioenergia. A anlise

    bioenergtica ajuda a pessoa a compreender seus problemas emocionais, a

    natureza e a origem dos conflitos internos e trabalha para liberar os padres de

    tenso muscular. A tese fundamental da bioenergtica de que o acontece

    com a mente se reflete no corpo e vice-versa.

    Lowen desenvolveu posies e exerccios que propiciam um maior contato com o

    corpo e sua vitalidade. Veio da o conceito de grounding, que tornou-se uma

    caracterstica da abordagem bioenergtica: a vitalidade das pernas, a respirao

    profunda, a sensao de proximidade com o solo; o contato com a realidade,com

    o seu corpo e sua sexualidade.

    Lowen (1977) coloca que o problema da segurana emocional no pode ser

    separado em uma pessoa, da questo da segurana fsica do seu andar. Ainda

    que o problema possa ser resolvido ao nvel verbal, desaparece mais rpida e

    completamente em uma terapia que combine a anlise com um trabalho direto do

    distrbio fsico. A terapia bioenergtica tem como objetivo fazer com que o

    paciente trave contato com seus ps e com o cho e, ao mesmo tempo, torn-lo

    consciente da relao entre seu problema emocional e sua correspondncia

    fsica. Lowen (1983) afirma:

    Levar os sentimentos ao ventre para que a pessoa possa

    sentir suas entranhas, e s suas pernas para que ela as

    sinta como razes mveis, chama-se fundamentar o

    indivduo. A pessoa assim assentada sente que tem um

    apoio slido no cho e a coragem para se erguer ou

    movimentar-se como desejar. (LOWEN, 1983, pg. 39)

    Estar fundamentado estar em contato com a realidade, o que em nossa

  • 27

    linguagem so sinnimos. Dizemos que uma pessoa realista a aquele que tem

    os ps no cho, enquanto que a pessoa que vive em sonhos, est nas nuvens.

    Lowen (1983) complementa:

    Grounding um conceito bioenergtico e no apenas uma

    metfora psicolgica. Quando colocamos um fio terra num

    circuito eltrico fornecemos uma sada para a descarga de

    sua energia. No ser humano, sua fundamentao tambm

    serve para liberar ou descarregar as excitaes do corpo.

    A energia em excesso do organismo vivo est

    constantemente sendo descarregada atravs da

    movimentao ou do aparelho genital. Ambas so funes

    da parte inferior do corpo. A parte superior incumbida

    principalmente de energizar na forma de comida, oxignio

    ou estmulos sensoriais e excitaes. [...] Se a pessoa no

    pode se carregar adequadamente, ficar fraca,

    descarregada, e mostrar uma falta de vitalidade. Se ela

    no puder se descarregar adequadamente ficar suspensa

    no ar. (LOWEN, 1983, pg.42)

    A funo de descarga est associada ao prazer. O indivduo incapaz de

    descarregar um estado de tenso sente dor, ainda que ela no seja consciente.

    Ele procura amortecer sua dor, enrijecendo partes do seu corpo e tem medo de

    liberar a rigidez, porque essa poder evocar novamente a dor. A pessoa numa

    condio como essa, passa a sentir falta de prazer em relao vida, sua

    respirao fica restrita, seu apetite e seu interesse pela vida diminuem. Lowen

    (1983) diz : [...] qualquer distrbio na fundamentao como a destruio de

    algumas das razes que mantm a vida de uma rvore. Destrua as razes e veja

    quanto tempo ela se manter ereta e viva.

    De acordo com Lowen (1977) , toda conduta teraputica que pretende

    fundamentar uma pessoa deve realizar uma liberao significativa de suas

    tenses musculares. No podemos evitar a rigidez no corpo que vem com a

  • 28

    idade, mas podemos evitar a rigidez que vem de tenses musculares geradas por

    conflitos emocionais no resolvidos. Na anlise bioenergtica, a pessoa volta a

    ter contato com suas tenses, a fim de que possa perceb-las e se tornar

    consciente do seu significado. Que aes esto sendo evitadas

    inconscientemente a partir dessa tenso? Como ela age para limitar sentimentos

    e sensaes? Que efeito causa no comportamento e nas atitudes?

    Lowen (1977) coloca que mesmo o analista freudiano tradicional analisa a

    expresso facial de seu paciente, mas so poucos os terapeutas analticos que

    analisam a forma e movimento da parte inferior do corpo. O paciente tem uma

    postura ereta? O peso das pernas est colocado sobre as pernas ou sobre o

    sacro? Como o peso do corpo distribudo nos ps? A postura de uma pessoa,

    a maneira com que ela fala e se move nos ajuda a entender melhor quem ela .

    De acordo com ele no possvel uma mudana no indivduo, se no h um

    trabalho em dois nveis, o somtico e o psquico. No nvel somtico, a

    bioenergtica trabalha com o aumento na mobilidade, coordenao e controle, e

    no psquico, atua com a reorganizao dos pensamentos e atitudes. Lowen

    (1977, pg. 115) afirma: No possvel realizar a terapia bioenergtica sem uma

    elaborao das atitudes e comportamentos cotidianos e das foras genticas e

    dinmicas que fizeram com que tais atitudes e comportamentos surgissem.

    A funo teraputica ajudar o paciente a encontrar seu caminho de auto-amor e

    auto-aceitao e desenvolver a f em si mesmo.

  • 29

    A PSICOLOGIA FORMATIVA

    A psicologia formativa desenvolvida por Stanley Keleman se baseia no fato de

    que o corpo de uma pessoa moldado por suas experincias internas e

    externas, crescimento, relacionamentos, trabalho, resoluo de problemas, etc.

    Sua forma impressa pelas tenses e desafios da existncia e as respostas

    que cada um d ao mundo cria sua forma emocional nica. Keleman comenta

    que se pudssemos fotografar nossa vida e projet-la quadro por quadro,

    perceberamos que somos seqncias mveis de formas emocionais variadas.

    Geneticamente recebemos um corpo, mas tambm construmos um corpo a

    partir do modo como nos usamos e de nossas experincias.

    De acordo com a psicologia formativa no temos um corpo, somos o corpo.

    Nosso corpo pulsa e tem experincias. As emoes acontecem atravs dele.

    Se choramos, se rimos, se sentimos dor ou prazer, isso sentido em nosso

    corpo.

    Keleman acredita que no se pode mudar a mente sem mudar o corpo e

    enfatiza que seu mtodo se baseia na experincia vivenciada e no na

    construo terica de idias. O insight psicolgico importante, mas no cria

    por si s, mudana suficiente.

    Segundo Keleman (1992), um dos elementos caractersticos de matrias vivas

    sua capacidade de se expandir e se contrair, de se alongar e se encurtar,

    inchar e encolher. O organismo humano visto como uma bomba pulstil,

    composto de uma srie de tubos e camadas. Sobre isso, ele desenvolve alguns

    questionamentos:

    O que acontece, dentro de ns, quando estamos

    emocional e psicologicamente estressados? O que

    acontece com nossos tubos? O que acontece com o

    relacionamento entre as bolsas de nossos tubos e os

    outros tubos que os envolvem? Como nos organizamos

  • 30

    para nos proteger? Fuga ou luta, colapso ou rigidez?

    (KELEMAN, 1992, pg. 17)

    Padres contnuos de estresse emocional podem fazer com que esses tubos e

    camadas se tornem rgidos e alongados, inchados, densos e comprimidos ou

    frgeis e em colapso. Os perigos internos ou externos mudam nossa forma,

    mas apenas temporariamente. Voltamos a um estado normal, quando o perigo

    passa. Entretanto, em algumas situaes a reao pode persistir, passando a

    fazer parte da nossa estrutura. Essa continuidade de uma resposta temporria

    que identificada como estresse. Keleman (1992, pg. 80) afirma: Muitas

    pessoas esto sempre em um estado de retesamento moderado contra um

    perigo que elas no conseguem articular plenamente.

    O estresse perturba os padres de pulsao, diminuindo a amplitude da

    pulsao celular e afetando nossos sentimentos, pensamentos e aes.

    Podemos nos superexpandir e perder a capacidade de recuar ou o contrrio,

    nos encolher e perder a capacidade de expanso. Keleman (1992) comenta:

    O organismo lida de duas formas com agresses

    contnuas ou cumulativas. Ou resiste ou cede. Resistir

    requer que o organismo fique em p, perante o ataque,

    para repeli-lo. Ceder requer que o organismo se renda,

    aceite a agresso e recue para um nvel inferior de

    funcionamento. Ao resistir, o organismo torna-se mais

    slido, se enrijece ou se retesa. Ao criar mais forma,

    estrutura, limites e solidez, o organismo torna-se

    overbound. Ao ceder, o organismo amolece, rende-se,

    assemelha-se mais ao lquido. Ao criar menos forma,

    menos limite e um estado mais liquefeito, o organismo

    torna-se underbound. (KELEMAN, 1992, pg.90)

  • 31

    Os msculos desempenham o papel de assegurar o movimento, tanto da

    estrutura total do organismo, como tambm de substncias internas. Alm

    disso, sustentam a postura e provm informaes sobre auto-identidade e

    limites. Keleman (1992) afirma que os msculos reagem instantaneamente

    experincia.

    Sentimo-nos retesados em situaes tensas ou

    experimentamos uma certa agitao no corao, como

    medo ou alegria. Os msculos permitem um contato

    imediato com a realidade: externamente, pela ao do

    esqueleto, e internamente, pelo aumento ou reduo do

    batimento cardaco e da atividade do sistema digestivo.

    (KELEMAN, 1992, pg. 49)

    Ele complementa (1992, pg.72): Um msculo normal, ou contido, elstico,

    capaz de expanso ou contrao plenas. O msculo firme, suave, com

    flexibilidade e elasticidade.

    A figura apresentada a seguir ilustra como se caracterizam diferentes

    estruturas musculares:

  • 32

    Fonte: Anatomia Emocional, pgs. 96 e 97

    Os msculos overbound oferecem muita resistncia e so slidos demais.

    Podem ser densos ou rgidos, cheios de ns. Msculos rgidos tm dificuldade

    para se contrair e os msculos densos para se expandir. J os msculos

    underbound criam pouca resistncia. Podem ser inchados, intumescidos como

    se estivessem cheios de gordura, liquido ou ar ou frgeis e atrofiados.

    Msculos inchados ou frgeis no conseguem prover os limites que ajudam a

    gerar presso e o organismo extravasa ou entra em colapso. De acordo com

    Keleman numa sensao de bem-estar e tranqilidade , observa-se que o

    diafragma e a parede corporal so moles, mas firmes, o peito e o abdmen so

    flexveis, podendo se expandir e se contrair. Sob estresse contnuo, o corpo se

  • 33

    fixa nas emoes de emergncia, caminhando para a rigidez ou colapso.

    Acerca disso Keleman (1992) faz a seguinte considerao:

    As emoes expressam um clima interno e se

    relacionam com a motilidade e a pulsao. Essa relao

    recproca. A pulsao gera emoo e sentimento.

    Emoo e sentimento influenciam a pulsao. Pulsao

    um bombeamento. Quando o bombeamento

    superestimulado, os sentimentos so exaltados e

    inflados. Quando o bombeamento restrito, diminuem a

    expresso emocional e o sentimento. A raiva e a fria

    nos retesam e nos enrijecem, e a pulsao aumenta. A

    tristeza e a derrota nos liquefazem e nos amolece, e a

    pulsao diminui. A expresso emocional, dessa forma,

    afetada pela perpetuao de um padro de estresse.

    (KELEMAN, 1992, pg. 105)

    As imagens apresentadas a diante seguem uma seqncia que vai do

    enrijecimento compactao depois ao inchao e por fim, ao colapso De um

    lado, a pessoa torna-se maior, que o caso das estruturas rgida e inchada, e

    de outro, torna-se menor, que o que se v nas estruturas densa e em

    colapso. Cada um dos tipos apresentados envia uma mensagem emocional ao

    mundo. Tanto a rigidez como o inchao so perturbaes da expanso, mas

    suas intenes so distintas. A rigidez visa manter o outro afastado e o

    inchao, trazer o outro para perto. O mesmo se passa com a densidade e o

    colapso, que so perturbaes de compactao. A densidade tem por objetivo

    afastar o outro e o colapso serve para trazer o outro para perto.

  • 34

    Fonte: Anatomia Emocional, pg. 160

    Keleman observa que alguns indivduos trazem caractersticas como as da

    imagem, sendo predominantemente rgidos, densos, inchados ou em colapso.

    Outros so combinaes desses tipos, assumindo estruturas diferentes nas

    partes de cima e de baixo do corpo, ou em diferentes camadas e bolsas.

    Keleman (1992, pg. 164) explica: As camadas e bolsas, organizadas para

    resistir s agresses contnuas, podem tambm ter camadas e bolsas

    compensatrias. [...] Uma cabea superexcitada pode ser uma compensao

    para uma pelve subexcitada. Vsceras rgidas podem compensar msculos

    fracos.

  • 35

    Todas essas estruturas expressam o presente imediato do indivduo, como ele

    v o mundo e interage com ele para obter contato e realizao. Para Keleman

    no h forma perfeita, tipo ideal ou estrutura melhor do que outra, mas sim uma

    forma que funcional para quem a utiliza.

    Keleman afirma que muitas vezes nossos problemas persistem porque no

    sabemos como organiz-los ou desorganiz-los. Podemos estar excitados,

    sem saber o que fazer com isso ou podemos estar com raiva e no conseguir

    nos acalmar. Podemos ser incapazes de criar uma experincia satisfatria, o

    que leva muitas vezes, ao distresse emocional. Se no entendermos nosso

    comportamento somtico e continuamos a nos identificar com velhos padres

    no h como mudar nossa histria. Keleman (1995) comenta sobre isso:

    Quando as coisas no vo bem emocionalmente,

    procuramos motivos ou justificativas biogrficas para

    nosso prprio comportamento ou alheio. Os problemas

    so analisados em termos de causalidade: Quem

    comeou a briga? Quais eram as circunstncias ou o

    motivo? Mas algum tambm poderia perguntar: Como

    me usei para entrar nessa briga? Usei uma voz exigente

    e uma postura agressiva? Endureci para lutar ou me

    encolhi rejeitado? As respostas a essas questes

    expem a natureza somtica e emocional do

    comportamento e revelam como palavras, emoes,

    pensamentos e gestos musculares se conectam.

    (KELEMAN, 1995, pg. 15)

    O procedimento que Keleman prope para descobrir o prprio processo

    organizador chama-se metodologia do COMO. O primeiro passo na

    metodologia identificar e experimentar como se realiza uma determinada

  • 36

    atividade. Ele torna explcito o seu modo de se usar em determinada situao,

    ajudando a tornar consciente seus padres de sensao.

    A metodologia do COMO envolve 05 estgios:

    1. O primeiro estgio a percepo de como se est, o que est acontecendo,

    qual seu padro postural , qual sua imagem na situao presente . Aqui

    observamos como lidamos com um problema, com um conflito interno e como

    corporificamos essa experincia.

    2. No segundo estgio observa-se como se cria essa imagem e como ela

    perpetuada muscularmente. Essa percepo acontece intensificando

    muscularmente e em pequenos passos a organizao.

    3. No terceiro estgio o objetivo desfazer, passo a passo, a organizao

    observada no estgio anterior. Como acabo com esse modo de me

    corporificar? Utiliza-se aqui o exerccio da sanfona. Intensifica-se ao mximo

    um padro de tenso e ento volta-se atrs, afrouxando e relaxando, at

    experimentar a sensao de alongamento muscular. Keleman (1995, pg. 28)

    sugere: Se voc percebe sua barriga contrada, pode usar a prpria sensao

    de contrao para desfaz-la. Contraia com fora, menos, mais, menos, at ter

    a sensao de poder deixar o abdmen descer.

    4. O quarto estgio um momento de pausa e reorganizao, de receber e

    perceber as respostas somtico-emocionais que emergem.

    5. O quinto estgio o incio de uma nova organizao, ou a repetio da antiga

    referncia. Como uso o que aprendi? Nesse ponto h a escolha. Posso

    esquecer o que acabo de experimentar e continuar com o modo anterior ou

    posso usar o que acabo de aprender e formar uma nova resposta.

    A metodologia do COMO para Keleman a ferramenta para se explorar o

    processo pessoal. Keleman (1995, pg. 27) diz : Em vez de se remoer, se

    questionar, procurar as faltas, se culpar, use o COMO para deixar que sua forma

    lhe fale, ensinando como uma resposta a um evento externo se configura de

    dentro para fora.

    Quando nos perguntam: como voc quando est com raiva? Na maioria das

  • 37

    vezes respondemos usando palavras que tentem explicar nosso estado

    psicolgico. Dificilmente pensamos em como nosso corpo est no momento de

    raiva. Que forma ele assume? Como desorganizar essa forma? So esses

    questionamentos que nos trazem a metodologia de Keleman.

    Na metodologia do COMO parte-se muito mais da experincia direta do que da

    interpretao. Em cada situao nos organizamos para lidar com as

    necessidades presentes, buscando o contato e apreenso das formas que o

    corpo assume com a experincia. Em sua psicologia formativa, Keleman

    reconhece o ser humano como possuidor da habilidade de influenciar suas

    prprias atitudes e comportamentos, o ser-humano agente de criao do seu

    existir.

  • 38

    O ROLFING

    O Rolfing ou Integrao Estrutural , como oficialmente denominado, foi

    criado na dcada de 40 pela cientista norte-americana Ida Rolf. Como

    bioqumica, Ida Rolf se especializou no estudo do colgeno, um dos

    componentes qumicos do tecido conjuntivo chamado fscia. O Rolfing um

    processo de educao corporal, realizado atravs da manipulao da fscia.

    A fscia envolve os msculos e as fibras musculares, suportando os msculos

    e mantendo a relao desses com os ossos, determinando, assim, a forma do

    corpo. Em relao a fscia, Rolf (1999) explica:

    [...] a fscia freqentemente confundida com msculo.

    O msculo est dentro da fscia, como a polpa de uma

    laranja est contida dentro de suas paredes celulares de

    separao [...] O msculo uma unidade altamente

    contrtil e pronta para reagir; a fscia j no assim.

    Como camada protetora, tem que ser mais estvel.

    (ROLF, 1999, pg. 24)

    Em seus estudos, ela fez uma descoberta importante, a de que a fscia reage

    aplicao de presso e calor. Diversos fatores, como traumas, acidentes,

    doenas ou estados depressivos podem contribuir para o enrijecimento da

    fscia, afetando o equilbrio do organismo. Quando submetida a um esforo

    contnuo e excessivo, a fscia se adensa, engrossa e perde a elasticidade.

    Com o adensamento do tecido, as relaes entre os msculos ficam

    prejudicadas e o corpo adota um novo padro postural para se adaptar nova

    situao. Para Rolf, o tnus fascial, ou seja, sua elasticidade essencial para

    o bem-estar.

    Rolf (1999, pg. 29) fala em relao ao msculo: no h outro tecido cujas

    funes envolvam tantas mudanas oscilatrias na qumica, no estado fsico,

  • 39

    na energia e nas dimenses. Com suas contraes e relaxamentos, os

    msculos controlam o exato pulso da vida no homem e no animal.

    No Rolfing, trabalha-se com a presso e manipulao da fscia, a fim de ela

    se torne mais solvel e permita que as estruturas envolvidas em seu tecido

    alterem seu arranjo e se adaptem em uma relao mais eficiente com as

    demais partes do corpo. O Rolfing, atravs de uma srie de 10 sesses,

    procura liberar padres de estresse causados por problemas fsicos e

    emocionais. Traz o corpo para o presente ao anular a memria de limites e

    padres que no so mais necessrios, restabelecendo relaes mais

    apropriadas e econmicas do ponto de vista energtico. Em cada sesso

    trabalha-se um segmento especfico do corpo (cabea, pescoo, trax, pelve,

    pernas e ps) com o intuito de organiz-los em torno de um eixo vertical.

    Ida Rolf (1999, pg. 21) menciona: Muitos de nossos concidados poderiam ser

    mais propriamente caricaturas do que modelos de campos de energia humana.

    A linguagem de seus corpos denota o uso errado que fazem da energia

    gravitacional.

    Fonte: Rolfing, pg. 19

    O Rolfing procura trazer ao indivduo

    um melhor alinhamento em relao

    gravidade e maior coordenao de

    movimentos. O corpo ganha equilbrio

    e economia funcional, no precisando

    gastar tanta energia para realizar

    movimentos bsicos, como ficar de p

    ou caminhar.

    A experincia da Integrao Estrutural, promovida pelo Rolfing, no atinge

    apenas o aspecto fsico, mas tambm o psicolgico. A respeito disso, Rolf

    (1999) comenta:

  • 40

    [...] sussurramos que somos infelizes por causa de

    nossas emoes depresso crnica, frustrao, raiva,

    ressentimento, tristeza, avidez, irritabilidade. A dor nas

    costas, a dor no pescoo, a tenso nos ombros parecem-

    nos secundrias. E ento? A resposta que, medida

    que a estrutura vai se tornando mais apropriada, os

    distrbios emocionais podem diminuir e de fato,

    diminuem. (ROLF, 1999, pg.3)

    Ela complementa:

    A premissa da psicoterapia moderna que as

    circunstncias exteriores do homem so uma projeo de

    seu eu interior, muitas vezes oculto. Essa premissa pode

    ser vista sob um ngulo diferente: o estado emocional de

    um homem pode ser visto como a projeo de seus

    desequilbrios estruturais. [...] um homem que busca a

    integrao da estrutura de seu corpo experimenta o elo

    bsico que existe entre estrutura e emoo. medida

    que caminha em direo ao equilbrio estrutural, percebe

    que seu aspecto psicolgico tambm est mudando.

    Para sua satisfao, consegue sentir que seus problemas

    psicolgicos so verdadeiros espinhos cravados na

    carne, que s desaparecero na medida em que as

    barreiras dentro da carne forem derrubadas e na medida

    em que for estabelecido o livre fluxo da energia do corpo

    e seus fluidos. (ROLF, 1999, pgs. 3 e 4)

    Assim, medida que a relao entre a gravidade e o corpo humano evolui, os

    desconfortos fsicos crnicos diminuem e as mudanas somticas e

    psicolgicas vo ocorrendo de forma progressiva. Uma nova conscincia

  • 41

    despertada, proporcionando uma postura mais equilibrada e ntegra diante da

    vida.

    No Rolfing, h uma grande nfase no trabalho de alinhamento postural. Rolf

    (1999) ressalta o papel da pelve nesse equilbrio estrutural, fazendo uma

    relao com a importncia que essa assume dentro do yoga. O tantrismo

    reconhece a pelve como a rea que conserva a kundalini, energia criadora.

    Alm disso a pelve o local fisiolgico de fatores ligados a sexualidade e

    fertilidade. H muito anos os homens acreditam na importncia da pelve, sendo

    que a prpria palavra sacro, significa osso sagrado. Rolf concorda com os

    sbios da antiguidade que a pelve a chave para o bem-estar do homem, mas

    em sua viso, no a pelve em si a chave desse benefcio, mas a relao do

    ser-humano atravs da pelve com o campo gravitacional.

    Vimos anteriormente que Lowen v a segurana emocional diretamente

    relacionada a segurana fsica no andar. Ida Rolf (1999, pg. 11) expressa a

    mesma opinio: [...] quando nossas duas pernas no esto adequadamente

    embaixo do nosso corpo, ficamos inseguros, e agimos e sentimo-nos dessa

    forma.

    Ela ilustra isso com a histria de um homem, que quando criana sofre um

    acidente de bicicleta. No acidente ele no sofre nenhuma fratura e a me julga

    que no h dano algum, entretanto ele passa ao longo dos anos a ter

    dificuldades em seu andar. J adulto ele recorre ao psicoterapeuta para lhe

    ajudar com seu problema de insegurana emocional. Rolf acredita que um

    psicoterapeuta pode fazer muito pouco para um homem nessa situao. Para

    ela, os problemas emocionais desse homem esto vinculados a seus padres

    estruturais e musculares. Enquanto no houver a mudana fsica, ele ficar

    preso a seu problema.

    Acerca disso, Rolf (1999) comenta ainda:

    muito freqente as pessoas predominantemente

    interessadas em seu desenvolvimento psquico no

    perceberem que o conhecimento psquico melhor

  • 42

    fundamentado e sustentado por um corpo fsico cuja

    sensibilidade e vigor permitem que os eventos psquicos

    ocorram naturalmente e com a sustentao adequada. A

    estrutura estvel oferecida por um sistema mesodrmico

    adequado tem um papel muito mais importante na

    canalizao das energias psquicas do que se reconhece

    habitualmente. (ROLF, 1999, pg. 266)

  • 43

    O CORPO E AS EMOES

    Nas diferentes abordagens que mencionamos aqui (Hatha-yoga, bioenergtica,

    psicologia formativa e rolfing), o corpo visto como o caminho para se descobrir

    quem se .

    Para Iyengar (1979, pg.41), negligenciar o prprio o corpo e no encar-lo como

    algo divino, negar a vida universal da qual ele parte. As necessidades do

    corpo so as necessidades do esprito que habita o corpo. Onde termina o corpo

    e comea a mente? Onde termina a mente e comea o esprito? Eles no podem

    ser divididos porque esto inter-relacionados e so diferentes aspectos da

    mesma conscincia divina.

    Ida Rolf (1999, pg. 23) afirma em relao a isso: O corpo do homem no

    apenas um instrumento de sua auto-expresso, ele prprio. Uma pessoa em

    dificuldades modifica inconscientemente seu corpo, solidificando sua atitude

    mental no concreto biolgico. Se alguma coisa que lhe incomoda

    espiritualmente, mentalmente ou emocionalmente isso ir evidenciar-se em seu

    corpo.

    O Rolfing trabalha o corpo atravs da manipulao da fscia, enquanto que a

    bioenergtica faz uso de exerccios. Da mesma forma, os asanas nos ajudam a

    aliviar tenses internas e emocionais de nossos corpos. medida que

    trabalhamos o corpo no Hatha-yoga, comum que questes emocionais venham

    tona.

    A revista Yoga Journal publicou em Abril de 2004 um artigo abordando essa

    situao e entrevistou diversos professores de yoga. Os asanas no so

    prescritos para questes emocionais como muitas vezes so para aspectos

    fsicos, entretanto, a maioria dos professores entrevistados concorda que

    algumas posturas parecem iniciar mais do que outras respostas emocionais.

    Posturas que trabalham aberturas de peito como as retroflexes e tores foram

    algumas das posturas mencionadas.

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    Por que isso parece ocorrer durante a prtica dessas posturas? As retroflexes

    so posturas que do nfase a abertura dos msculos da parte frontal do corpo,

    agindo sobre os chakras anahata (no corao) e manipura (ao redor do umbigo) .

    Posturas como Bhujangasana, Ustrasana, Matsyasana e Urdhva Dhanurasana,

    so exemplos de retroflexes realizadas no Hatha-yoga. J as tores, estimulam

    e tonificam os rgos da regio abdominal. Ardha matsyendrasana e

    marichyasana so alguns exemplos de tores.

    Abaixo apresentamos algumas ilustraes dessas posturas, com a descrio de

    seus efeitos:

    Matsyasana Postura do Peixe Alguns dos benefcios dessa postura so o alongamento dos msculos intercostais e o estmulo nos rgos e msculos da regio da barriga e pescoo

    Ustrasana Postura do Camelo Essa postura estimula os rgos abdominais, alongando toda a regio do abdmen e peito. Tambm ajuda a fortalecer a musculatura das costas e coxas.

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    Marichyasana Estimula os rgos da regio abdominal, prevenindo e reduzindo problemas estomacais e intestinais.

    Urdhva Dhanurasana Postura do Arco-erguido Proporciona um alongamento intenso na regio peitoral e abdominal e nas pernas e braos

    Segundo Ken Dychtwald (1984), a cavidade abdominal a regio mais vulnervel

    e desprotegida de nosso corpo. Se nos locomovssemos de quatro como vrios

    animais, teramos a proteo das costas e dos membros nas laterais, mas com o

    desenvolvimento da postura ereta, passamos a expor nossa barriga ao mundo.

    No interior da regio abdominal esto muitos de nossos rgos vitais, nossas

    vsceras e nossos sentimentos. da que brotam nossas emoes, fluindo para

    baixo, inundando a pelve e pernas e fluem para o alto, atravs do diafragma,

    atingindo o peito.

    De acordo com Lowen (1983) o ventre a sede da vida:

    [...] nos assentamos no ventre e mantemos contato

    atravs dele com o assoalho plvico, os rgos sexuais e

    as pernas... Na mitologia antiga, o diafragma era

    relacionado superfcie da Terra. Tudo acima da

    superfcie era luz e, portanto, consciente. Abaixo da

    superfcie estava a escurido que representava o

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    inconsciente. (LOWEN, 1983, pg. 38)

    Estando-se em seu prprio ventre e sentindo-se bem, evita-se a diviso entre

    consciente e inconsciente, entre corpo e ego, e o indivduo se sente centrado e

    integrado fisicamente e psicologicamente.

    Para Lowen (1983), uma pessoa deprimida tem um buraco no corpo, uma

    sensao de vazio interior, que se reflete em falta de sensaes na barriga. A

    energia no flui dessa regio para as partes inferiores do corpo, em funo do

    medo de que no haja onde se apoiar, ao deixar-se o fluxo passar. O resultado

    desse bloqueio que a parte inferior do corpo fica desenergizada, o que contribui

    ainda mais para a sensao de insegurana.

    Em relao a regio do peito, Dychtwald (1984) diz:

    o peito onde os sentimentos e sensaes so

    focalizados, ampliados e traduzidos. [...] Uma vez que o

    peito responsvel pela integrao harmoniosa desses

    diversificados aspectos comportamentais, tende a

    modelar-se de acordo com as formas que refletem o estilo

    que o indivduo empregar para lidar com estes elementos

    de sua vida. Contrariamente, o modo como o indivduo

    relaciona-se com as dimenses passionais, expressivas e

    interpessoais de si mesmo ser fortemente influenciado

    pela natureza e pela estrutura desta regio de seu

    corpomente. (DYCHTWALD, 1984, pg. 145)

    A existncia de couraas ou bloqueios na regio abdominal ou no peito pode

    impedir que a energia flua pelo corpo. Acerca disso Lowen (1983) faz o seguinte

    comentrio:

    A pessoa que pensa que se conhece mas est sem

    contato com a qualidade e o significado de suas reaes

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    fsicas est funcionando sob uma iluso. Confunde as

    intenes com as aes. Em seu corao a pessoa quer

    sair em busca, mas esse impulso no pode fluir livremente

    por causa de sua armadura muscular. (LOWEN, 1983, pg.

    186)

    Lowen quer dizer com isso, que, ainda que haja uma inteno consciente por

    parte do indivduo da necessidade de uma mudana, essa no pode acontecer,

    porque o seu corpo no possibilita a mudana. necessrio romper esse

    bloqueio, essa couraa muscular para que a mudana se concretize.

    O fato de emoes virem tona durante a prtica de asanas, est diretamente

    relacionado quebra de determinados padres posturais e couraas. No

    tratamento com seus pacientes, Lowen relata diversas situaes em que a prtica

    de algum exerccio bioenergtico leva a liberao de emoes at ento

    escondidas.

    Lowen (1983, pg.40) afirma: Quando um paciente comea a permitir que as

    se