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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI LÍVIA FUSCO RODRIGUES ECOS DO NOVO CINEMA LATINO AMERICANO CONTEMPORÂNEO DO BRASIL, ARGENTINA E COLÔMBIA. SÃO PAULO 2012

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

LÍVIA FUSCO RODRIGUES

ECOS DO NOVO CINEMA LATINO AMERICANO CONTEMPORÂNEO

DO BRASIL, ARGENTINA E COLÔMBIA.

SÃO PAULO

2012

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LÍVIA FUSCO RODRIGUES

ECOS DO NOVO CINEMA LATINO AMERICANO CONTEMPORÂNEO

DO BRASIL, ARGENTINA E COLÔMBIA.

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação com área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob orientação da Profa. Dra. Maria Ignês Carlos Magno

SÃO PAULO

2012

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R614e Rodrigues, Lívia Fusco Ecos do novo cinema latino americano contemporâneo do Brasil, Argentina e Colômbia / Lívia Fusco Rodrigues. – 2012. 107f. : il. ; 30 cm. Orientador: Maria Ignês Carlos Magno Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2012. Bibliografia: f. 86-89. 1. Comunicação. 2. Cinema latino americano. 3. Cinema latino americano contemporâneo. 4. Deslocamento humano. 5. Periferia. 6. Ruas. I. Título. CDD 302.2

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LÍVIA FUSCO RODRIGUES

ECOS DO NOVO CINEMA LATINO AMERICANO CONTEMPORÂNEO

DO BRASIL, ARGENTINA E COLÔMBIA

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação com área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob orientação da Profa. Dra. Maria Ignês Carlos Magno

Aprovada em ____/____/____.

______________________________________

Profa. Dra. Maria Ignês Carlos Magno

______________________________________

Prof. Dr. Vicente Gosciola

______________________________________

Profa. Dra. Glaucia Eneida Davino

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AGRADECIMENTOS

Está dissertação não teria sido possível sem as colaborações de maneiras

distintas de várias pessoas, entre elas estão: Profa. Dra. Maria Ignês, minha

orientadora, Lilian T. Fusco Rodrigues, Sergio Luppi, Ianina Zubowicz, Melina

Carvalho, Caue Pastore, Felipe Alface, Daina Jurkšaitis, Carolina Delgado Mesa,

Menchu Picarzo, Jéssica Balbino, Etienne Yamamoto e a Universidade Anhembi

Morumbi.

A eles e aos inúmeros amigos que sempre se alegraram ao ouvir sobre os

problemas da América Latina representados em seus filmes, mesmo que

repetidamente.

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"Améríca Latina: No te compran si no te vendes... (defiende tu país). Respeta tu

raíz... (dale amor a tu bandera). Recoge toda la historia... (nuestra colectiva

memoria)" por Yiramundi, Argentina

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RESUMO

Esta pesquisa teve por objetivo analisar o cinema latino americano contemporâneo,

destacando temáticas sociais comuns aos filmes produzidos durante o Novo Cinema

Latino Americano, e encontrados na produção latina americana contemporânea do

Brasil, Argentina e Colômbia. Os filmes utilizados para essa análise foram “Rodrigo

D: No Future”, (1990), do diretor Victor Gaviria, “Pizza, Birra, Faso”, (1998), do

diretor Adrian Caetano “La Sombra del Caminante” (2004), do diretor Ciro Guerra,

“Os Inquilinos – Os Incomodados que se mudem”, (2009), do diretor Sergio Bianchi

“Los Viajes del Viento”,(2009), do diretor Ciro Guerra e “Viajo Porque Preciso e Volto

Porque Te Amo”, (2009), do diretor Karim Ainouz.

Partindo do nascimento oficial do movimento do Nuevo Cine Latinoamericano no

primeiro encontro formal dos jovens cineastas latino-americanos, I Encuentro de

Cineastas Latinoamericanos, inserido no V Festival de Cine de Viña del Mar no

Chile, em março de 67, quando jovens influenciados por acontecimentos históricos,

como a revolução cubana (1959), apresentaram seus filmes e discutiram o uso do

cinema como arma na luta, denuncia das questões sociais comuns a países

colonizados, buscando entre eles o reconhecimento de uma identidade comum e a

projeção de um futuro distinto.

Considerando a militarização da América Latina nos anos 70, o que causou uma

interrupção brusca no desenvolvimento do movimento e queda da produção

cinematográfica latino-americana, até a retomada do cinema na década de 90 em

países como o Brasil, Argentina e Colômbia. Destacando nos filmes escolhidos e

citados acima, os ecos das questões sociais presentes nos filmes do Novo

Movimento Latino Americano, e revisitados no cinema contemporâneo como: o

deslocamento humano e seus desdobramentos, a rua como representação dos

espaços sociais, os problemas sociais que permeiam a periferia, e o encontro com a

própria identidade do latino americano que vive na estrada.

Palavras-chave: Novo Cinema Latino Americano, cinema latino-americano

contemporâneo, deslocamento humano, periferia, ruas.

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RESUMEN

Esta investigación tuvo como objetivo analizar el cine latinoamericano

contemporáneo, destacando temáticas sociales comunes a los fines producidos

durante el Nuevo Cine Latinoamericano, y encontrados en la producción

latinoamericana contemporánea de Brasil, Argentina y Colombia, usando como

medio las películas: Rodrigo D: No Future (1990) de director Victor Gaviria, Pizza,

Birra, Faso (1998) del director Adrian Caetano, La Sombra del Caminante (2004) del

director Ciro Guerra, Os inquilinos- Os incomodados que se mudem (2009) del

director Sergio Bianchi, Los Viajes del Viento (2009) del director Ciro Guerra, Viajo

Porque Preciso e Volto Porque Te Amo (2009) del director Karim Ainouz.

Partiendo del nacimiento oficial del movimiento del Nuevo Cine Latinoamericano en

el primer encuentro formal de los jóvenes cineastas latinoamericanos, I Encuentro de

Cineastas Latinoamericanos, que formó parte del V Festival de Viña del Mar en

Chile, en marzo del 67, cuando jóvenes influenciados por los acontecimientos

históricos, como la Revolución Cubana (1959), presentaron sus películas y

discutieron el uso del cine como arma de lucha y como denuncia de cuestiones

sociales comunes a los países colonizados , buscando entre ellos el reconocimiento

de una identidad común y la proyección de un futuro distinto.

Considerando la militarización de América Latina en los años 70, lo que causó una

interrupción brusca en el desarrollo del movimiento y la caída de la producción

cinematográfica latinoamericana, hasta la vuelta del cine en la década del 90 en

países como Brasil, Argentina y Colombia. Destacando en las películas elegidas,

citadas anteriormente, los ecos de las cuestione sociales presentes en las películas

del Nuevo Movimiento Latinoamericano, y revistos en el cine contemporáneo como:

el desplazamiento humano y sus consecuencias, la calle como representación de

espacios sociales, los problemas sociales que permean la periferia y el encuentro

con la propia identidad del latinoamericano que vive en el camino.

Palabras-clave: Nuevo Cine Latinoamericano, cine latinoamericano contemporáneo,

desplazamiento humano, periferia, calles.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1........................................................................................................ 33

Figura 2........................................................................................................ 33

Figura 3........................................................................................................ 46

Figura 4........................................................................................................ 46

Figura 5........................................................................................................ 55

Figura 6........................................................................................................ 55

Figura 7........................................................................................................ 71

Figura 8........................................................................................................ 71

Figura 9........................................................................................................ 74

Figura 10 ..................................................................................................... 74

Figura 11 ..................................................................................................... 78

Figura 12 ..................................................................................................... 78

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................. 11

1. V Festival de Viña del Mar e o I Encontro dos Cineastas Latino

Americanos..........................................................................................

15

1.1. Desdobramentos do primeiro encontro ........................................ 21

1.2. Militarização da América Latina ................................................... 22

1.3. O novo Cinema Latino Americano dos anos 90 .......................... 25

2. O Deslocamento em “Los Viajes del Viento”,(2009) e “Viajo Porque

Preciso e Volto Porque Te Amo”,(2009)...........................................

30

2.1. Congruências.............................................................................. 30

2.2. O desvendar da Costa Colombiana e do Sertão Nordestino

através do olhar dos personagens............................................... 35

2.3. Paisagem e movimento................................................................ 37

3. As periferias nos filmes “Rodrigo D. No Future”, (1990) e “Os

Inquilinos – Os Incomodados que se mudem”, (2009).........................

42

3.1. Congruências.............................................................................. 42

3.2. A Periferia..................................................................................... 47

3.3. Uma breve historia sobre a formação das comunas paisas e

das periferias paulistas................................................................. 51

3.4. A presença musical do Punk e do Axé......................................... 57

4. A luta pela sobrevivência nas grandes cidades representadas em

“Pizza, Birra, Faso”,(1998) e “La Sombra del Caminante”, (2004)... 62

4.1. Congruências ............................................................................... 62

4.2. A representação das cidades ...................................................... 68

4.3. Opressão e amizade na cidade ................................................... 75

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 83

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 86

FILMOGRAFIA .............................................................................................. 90

ANEXO ........................................................................................................... 102

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INTRODUÇÃO

A proposta dessa dissertação foi dar continuidade a análise do cinema latino

americano contemporâneo, destacando temáticas sociais comuns aos filmes

produzidos durante o Novo Cinema Latino Americano (NCL), e encontrados na

produção latina americana contemporânea do Brasil, Argentina e Colômbia, usando

como meio os filmes: Rodrigo D: No Future (1990), Pizza, Birra, Faso (1998), La

Sombra del Caminante (2004), Os Inquilinos – Os Incomodados que se mudem

(2009), Los Viajes del Viento (2009), Viajo Porque Preciso e Volto Porque Te Amo

(2009).

O cinema latino americano foi escolhido como objeto de estudo desde o meu

curso de graduação, partindo de uma identificação e percepção das semelhanças

sociais e históricas encontradas na América Latina. Diante de tal fato iniciei uma

pesquisa com objetivos mais específicos durante a pós graduação lato sensu. Uma

das dificuldades para o desenvolvimento desse trabalho foi a escassez de produção

literária e filmográfica sobre este assunto, com isso acredito poder enriquecer essa

temática com “novas descobertas” e pontes propostas por mim sobre a produção

latino americana em diferentes países.

Durante esse novo recomeço em minha pesquisa, optei por primeiramente

mapear o cinema latino americano contemporâneo, partindo de uma análise da

minha videoteca particular que abrange um acervo que conta com aproximadamente

120 títulos de diversos países latino americanos. Em um segundo momento optei

pelas cinematografias dos dois países de minha preferência: Argentina e Colômbia;

a escolha do Brasil se deu como justificativa para sustentar o discurso do Novo

Cinema Latino Americano, pelo qual tenho profunda admiração, que traçou paralelos

entre as cinematografias e realidades dos países hispanohablantes e da brasileira,

carregando a bandeira de uma possível unificação latino americana.

Ao rever inúmeros filmes desses três países, destaquei dois diretores de cada

um desses lugares que abordavam questões sociais comuns a problemas

historicamente latino americanos começando pelos colombianos Victor Gaviria com

Rodrigo D. No Future (1990), La Vendedora de Rosas (1998), Sumas y Restas

(2004), e Ciro Guerra com seus La Sombra del Caminante (2004), Los Viajes del

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Viento (2009); da Argentina a diretora Lucrécia Martel com La Ciénaga (2001), La

Niña Santa (2004), La Mujer sin Cabeza (2008), e do diretor originalmente uruguaio

que vive na Argentina, abordando temas bem regionais em filmes como Pizza, Bira y

Faso (1998), Bolivia (2001), Cronica de una fuga (2006); por fim selecionando os

brasileiros Karim Ainouz com O Céu de Suely (2006), Viajo Porque Preciso e Volto

Porque Te Amo (2009); e o diretor Sergio Bianchi com A Causa Secreta (1994),

Cronicamente Inviável (2004), Os Inquilinos – Os Incomodados que se Mudem

(2009).

Após a escolha dos diretores e análise de seus filmes, delimitei os anos com

os quais iria trabalhar de 1990 a 2010, propondo a partir desse momento diálogos

entre os filmes escolhidos em pares, sendo que esses deveriam ser provenientes de

países distintos. As intersecções feitas entre os filmes e as temáticas sociais

oriundas das mesmas encontradas na produção cinematográfica do Novo Cinema

Latino Americano – NCL; foram apresentadas de forma breve à banca qualificadora

que sugeriu uma redução nos filmes devido ao tempo restante para a pesquisa. A

sugestão foi aceita, o que gerou a escolha dos dois diretores colombianos

selecionados anteriormente com apenas um filme cada um; um diretor da Argentina

com um filme; dois diretores brasileiros com um filme cada e mantivemos a mesma

metodologia proposta desde o principio.

Os filmes selecionados para essa dissertação foram: Rodrigo D: No Future

(1990), Pizza, Birra, Faso (1998), La Sombra del Caminante (2008), Os Inquilinos –

Os Incomodados que se mudem (2009), Los Viajes del Viento (2009), Viajo Porque

Preciso e Volto Porque Te Amo (2009); cada par de filmes selecionado foi analisado

a partir da temática social comum à eles e aos temas encontrados na produção da

NCL, sendo estes: o deslocamento humano e seus desdobramentos, a rua como

representação dos espaços sociais, os problemas sociais que permeiam a periferia,

e o encontro com a própria identidade do latino americano que vive na estrada. Os

capítulos a seguir tratam de todas essas temáticas, logo após um resumo da

trajetória do movimento do Novo Cinema Latino Americano até a produção latina

americana contemporânea.

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O primeiro capitulo apresenta uma síntese desde a sua formação até o que foi

o Movimento do Novo Cinema Latino Americano nas décadas de 60 e 70 formatado

no V Festival de Viña del Mar e no I Encuentro de Cineastas Latinoamericanos

realizado em 1967 no Chile, discorrendo resumidamente sobre as características

latino americanas de fazer cinema até a produção cinematográfica produzida na

América Latina atualmente, com enfoque no Brasil, Argentina e Colômbia. Dessa

forma, destacamos desses dois momentos históricos diferentes da produção as

temáticas sociais mais recorrentes à ambos, como o deslocamento humano e seus

desdobramentos, a rua como representação dos espaços sociais, os problemas

sociais que permeiam a periferia, e o encontro com a própria identidade do latino

americano que vive na estrada. Todas essas temáticas aparecem sob o signo da

miséria e dos diferentes níveis de violência comum ao povo latino americano.

O segundo capítulo trata do latino americano e o movimento de migração,

sugerindo a busca recorrente do local ao qual pertence, a exemplificação desses

movimentos de deslocamento na atualidade, nos filmes selecionados: o colombiano

Los Viajes del Viento (2009) e o brasileiro Viajo Por que Preciso e Volto Porque Te

Amo (2009). Sublinhando em ambos os filmes o desvendar de lugares que são

símbolos nacionais do Brasil e da Colômbia, muitas vezes pouco visitados, do qual

podemos destacar o sertão e o mar, elementos utilizados em diversas produções do

NCL; bem como a tendência neorrealista encontrada nos filmes contemporâneos

escolhidos e nas produções do movimento.

O discurso sobre os deslocamentos internos dentro do Brasil e da Colômbia

em busca de melhor qualidade de vida entre outras razões específicas de cada

local, gerando um crescimento desordenado das grandes cidades que abrigaram em

seu entorno regiões periféricas de moradia, surge no terceiro capitulo com as

intersecções feitas entre o filme colombiano Rodrigo D. No Future (1990) e o

brasileiro Os Inquilinos – Os incomodados que se mudem (2010). Nesse capitulo,

transparece o quanto a violência destes filmes se assemelha a aquelas retratadas

no cinema do NCL, além do teor de denúncia de ambos os filmes, reafirmando

novamente traços do neorrealismo na forma de contar a história que opta por não

atores, cenários reais. Os filmes analisados no segundo e no terceiro capitulo são

ficcionais, no entanto dialogam em diversos momentos com o documentário.

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O quarto capitulo discorre sobre o novo papel das grandes cidades na vida de

um grupo de jovens delinquentes argentinos em Pizza, Birra, Faso (1998) e na de

dois homens dispostos a recomeçar a vida no filme colombiano La Sombra del

Caminante (2004). As grandes cidades não são mais sinônimo de progresso como

eram representadas nas décadas anteriores, sendo representada, agora, como

opressor dos menos favorecidos que lá habitam, também denunciam todos os tipos

de fraudes nos sistemas governamentais entre outros.

Essa dissertação propõe mais uma etapa da minha pesquisa sobre o cinema

latino americano, que servirá além de, produção literária a ser compartilhada por

outros acadêmicos e interessados no assunto, mas também para comprovar a

minha hipótese proposta no primeiro parágrafo da introdução: a representação de

problemas sociais comuns na América Latina, trabalhados pelos cineastas

provenientes do Novo Movimento do Cinema Latino Americano e revisitadas pelos

diretores latinos americanos contemporâneos.

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1. V Festival de Viña del Mar e o I Encontro dos Cineastas Latino

Americanos

O V Festival de Viña del Mar, Chile, em 1967, reuniu cineastas de todo o

continente com o propósito de participar com seus filmes e de promover o primeiro

encontro oficial de cineastas na América Latina que, até essa época, se

encontravam em festivais como o de Veneza, criado em 1932, o de Pesaro, criado

em 1964, ambos realizados na Itália e o Festival de Cannes, criado em 1946 na

França.

O Cine Club de Viña del Mar 1, dirigido por Aldo Francia e sua equipe foram

os principais responsáveis por reunirem cinquenta e cinco curtas e média metragens

e quarenta e seis cineastas da América Latina e do Caribe, a saber; quinze da

Argentina, entre eles Fernando Birri (1925-) e Octavio Getino (1935-); nove do Brasil,

que contou com a participação de Glauber Rocha (1939-1981) e Nelson Pereira dos

Santos (1928-); onze do Chile, que foi representado também por Miguel Littin(1942-);

quatro do Peru; quatro do Uruguai, e uma mulher representando a Venezuela:

Margo Benacerraf (1926-). A delegação cubana foi marcada pela presença de

Alfredo Guevara (1925-) e Saul Yélin (1935-1977), já que por acordo com a OEA 2, o

governo do Chile, como todos os governos da América Latina, com exceção do

México, havia interrompido as relações diplomáticas com Cuba. Naquele momento

Cuba representava uma nova realidade na América Latina desde a Revolução

Socialista em 1959, quando Fidel Castro ao lado de Che Guevara e o Exército

Rebelde derrotaram o governo do ditador Fulgêncio Batista3 e instituíram o

Socialismo na ilha.

A semente da esperança de uma ideologia socialista sem diferenças entre

classes sociais, enfatizando o caráter anticapitalista e antiamericano se espalhou

rapidamente entre os países latino americanos, brotando em áreas aparentemente

distantes da política como o cinema. Um novo cinema surgia, segundo o cineasta

chileno Miguel Littin (1942-), que viveu esse momento: “Tempos de mudanças,

1 O Cine Club de Viña Del Mar foi criado por Aldo Francia no principio dos anos 60.

2 OEA: Organização dos Estados Americanos, criada em 1948, por membros de 35 nações independentes das

Américas; tendo como objetivo principal defender os interesses do Continente Americano. 3 Fulgencio Batista y Zaldívar (1901-1973) presidente oficial de Cuba de 1940 a 1944 e novamente de 1952 a

1959, como ditador.

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tempos de revolução social, tempos de sonhos forjados escrupulosamente na

lucidez do combate” (Littin, 1990:21)

O novo cinema projetado nas telas do festival impactou os espectadores que

se reconheceram nas histórias dos países vizinhos, ficaram explícitas as diversas

temáticas advindas de realidades distintas e que foram amarradas entre si pela

desigualdade social, subdesenvolvimento e outros problemas típicos de países de

terceiro mundo que carregam essas características. A necessidade emergente de

um resgate das próprias raízes, da realidade de países colonizados, da prática de

um cinema imposto pelos yankees, projetando dessa forma o começo de uma

unificação latina americana através do cinema.

Durante o período de uma semana (de um a oito de março de 1967), as

projeções mais aclamadas e premiadas foram os filmes: “Manuela” (1966) do

cubano Humberto Solás (1941-2008) que fala sobre um episódio da Revolução

Cubana; o “Revolución” (1961/3) de Jorge Sanjínes (1936-), único filme

representante da Bolívia: que narra à conquista espanhola nas Américas; o

aclamado “Now” (1965) do diretor cubano Santiago Alvarez (1919-1938) que

denunciou à luta dos negros americanos contra os maus tratos usando de fundo a

música de mesmo titulo da cantora de jazz Lena Horne; “Maioria Absoluta”, (1964),

do Leon Hirsztman (1938 – 1987) documentário histórico sobre a problemática do

latifúndio na estrutura agrária brasileira o filme do brasileiro Geraldo Sarno (1938-)

que conta a história dos emigrantes que saem do Nordeste para a cidade de São

Paulo em busca de uma vida melhor em “Viramundo” (1964); “Rodas e outras

historias” (1964) do brasileiro Sergio Muñiz (1935-) baseado em um folhetim.

O festival também destacou o trabalho realizado pela Escuela de Documental

de Santa Fé, (1956), criada na Argentina pelo cineasta de mesma nacionalidade

Fernando Birri (1925-) – a primeira escola focada no gênero documentário da

América Latina – se tornou conhecida pela proposta de um cinema coletivo, o uso de

cine encuesta em seus documentários além de ser caracterizada por retratar um

cinema social, essa escola também destacou as obras cubanas em geral. É

importante mencionar nomes, vindo de outras “escolas” latino americanas, como:

Pedro Chaskel (1932-), Hector Rios (1927-), Patrício Guzmán (1941-), Nieves

Yankovic (1916-1985) e Jorge Di Lauro (1910-1989), do Chile; Raimundo Gleyzer

(1941-1976), Carlos Fisherman e Eliseo Subiela (1944-1995) da Argentina.

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O I Encuentro de Cineastas Latinomericanos dentro do próprio festival contou

também com mesas de debates, que possuíam o objetivo de definir planos para um

futuro próximo desse novo cinema, intitulado, a partir daquele momento, como o

Nuevo Cine Latinoamericano (NCL), um movimento cinematográfico, que pela

primeira vez, reuniu formalmente a produção cinematográfica latino americana,

marcada pela proposta de conscientização política e o tom de denúncia, pelo uso de

circuitos alternativos de difusão e por ideias expressas em manifesto e publicações

nas décadas de 60 e 70. A partir desse nascimento, o cinema latino americano

também se propôs a ser reconhecido como uma unidade. Para que isso

acontecesse foram estabelecidos os seguintes objetivos pelo V Festival de Viña Del

Mar:

a) Exibir e confrontar obras experimentais que elevem o cinema como

arte;

b) Investigar novas formas de linguagem cinematográfica através da

latinidade autêntica baseada na problemática do homem e da raça,

fazendo com que ele, enquanto sujeito, redescubra suas raízes e

incorpore-as;

c) Reunir representantes do cinema latino americano de diferentes

atividades e manifestações com a finalidade de trocar experiências e

possibilitar a união de uma força comum.

A primeira mesa tinha como proposta resgatar a história da cinematografia

latino-americana e analisar de forma profunda a temática e a estilística de tal

produção, tendo como pontos principais:

a) A história do Cinema Latino Americano;

b) A descoberta de certas coincidências entre os povos do continente,

abordando também suas particularidades expressivas;

c) A liberdade de expressão cinematográfica;

d) A cultura cinematográfica por traz dos filmes: cineclubes, cinematecas

e críticas.

As questões propostas nessa mesa dialogavam diretamente com o formato

desse novo cinema, como a busca de uma linguagem própria afastada das formas e

conteúdos do já conhecido cinema industrial e de consumo, através de elementos

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essenciais como dizia a célebre frase do diretor brasileiro Glauber Rocha (1939-

1981): “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. A forma estava naturalmente

determinada por outros elementos, segundo Littin, (1990): “Assim, a estética do

Novo Cinema Latino Americano já estava determinada por condições econômicas,

sociais, culturais, políticas do subdesenvolvimento e da cultura da fome” 4 (LITTIN,

1990, p. 27, tradução nossa). O termo “cultura da fome” é uma referencia a tese

apresentada durante as discussões em torno do Cinema Novo e o Cinema Mundial,

escrito pelo diretor brasileiro Glauber Rocha (1939-1981), conhecido como Estética

da Fome 65, que consistia segundo o próprio Rocha em “contingências que

forçaram a modificação: o paternalismo do europeu em relação ao Terceiro Mundo

foi o principal motivo da mudança de tom”.

Todavia não é difícil perceber nos cinqüenta e cinco filmes apresentados uma

preocupação com as questões discutidas em paralelo, o back ground dos jovens

cineastas latino americanos carregavam como referência estética o neorrealismo

italiano, Guevara, et. al. (1988) 5, a montagem soviética de Eisenstein, Birri (1999) 6,

o documentário Inglês, Littin (1990) 7, a Nouvelle Vague, Rocha ( 2004) 8 e as teorias

de arte politizadas.

Uma segunda mesa discutia um dos maiores problemas do cinema latino

americano: a forma de distribuição da produção que deveria chegar diretamente aos

seus destinatários naturais com os quais os cineastas queriam se comunicar. Em

inúmeras vezes os canais de difusão usados eram clandestinos, o que resultavam

em prisões como ocorreu na projeção feita no mesmo ano pelo Grupo Cine

Liberación 9, no sindicato de Buenos Aires, onde 200 pessoas foram presas. Esse

era o real motivo para uma discussão profunda dos seguintes tópicos:

4 “Así, la estética de este nuevo cine latino-americano estaba ya determinada por las condiciones económicas,

sociales, culturales, políticas del subdesarrollo de la cultura del hambre.” 5 O Neorrealismo Italiano foi um movimento cultural que surgiu no final da II Guerra Mundial, caracterizado por

um cinema de temáticas realistas próximas ao documentário que envolvesse questões sociais e econômicas, o uso de não atores, câmera solta. 6 Serguei Mikhailovitch Eisenstein (1898-1948): importante cineasta soviético participou da consolidação do

cinema como meio de expressão artística. Criou uma nova técnica de montagem chamada de montagem dialética, que consistia em uma montagem paralela de dois planos, que através de sua combinação e alternância visava formar um novo significado implícito, interpretado pelo espectador. 7 A Escola Britânica surgiu na década de 30, contendo duas linhas fundamentais: o enfoque temático da

realidade, do ar fresco e do homem real e o impulso que constitui a consciência de uma responsabilidade social. 8 A Nouvelle Vague, foi um movimento artístico de cinema francês, criado no final dos anos 50, que expressava

em seus filmes uma narrativa não linear, diálogos com temáticas amorais e montagens inesperadas. 9 Grupo Cine Liberación: grupo organizado na Argentina começou na clandestinidade em meados dos anos 60,

encabeçados pelos cineastas Fernando Solanas e Octavio Getino. Surgiu a partir da experiência de assistir diferentes filmes latino-americanos com forte critica social, que despertaram uma forte consciência política, seguida da vontade de criticar a realidade e depois, tentar modificá-la.

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a) Legislação vigente;

b) Um estudo básico do mercado cinematográfico comum;

c) O intercâmbio de filmes e a difusão do cinema latino americano em

distintos países do continente;

d) Criar uma política de expansão do cinema latino americano em

mercados

Como consequência dessas discussões surgiu uma grande preocupação em

manter as relações formalmente estabelecidas no I Encuentro de Cineastas Latino-

americanos e de criar um órgão que ajudasse a manter aquecidas essas relações

entre os movimentos do NCL a fim de sistematizar um reconhecimento global da

cinematografia latino-americana e aumentar suas possibilidades de

desenvolvimento. O órgão responsável foi nomeado de Centro Latinoamericano del

Nuevo Cine que seria antecessor do Comitê de Cineastas da América Latina

fundado em Caracas em 1974, como resposta ao golpe militar no Chile um ano

antes, onde uma de suas funções seria a luta em defesa dos desaparecidos e suas

demais responsabilidades pré-estabelecidas em uma terceira mesa de debate:

a) Manter os contatos estabelecidos no I Encuentro de Cineastas Latino-

americanos;

b) Criar relações entre todas as escolas de cinema do continente, com

direito a bolsa de estudos entre alunos e professores;

c) Revistas de cinema;

d) Mecanismos que informem diariamente o “dia-a-dia” do cinema em

cada país do continente.

O estudo histórico e a análise estilística dos temas da produção latino

americana, assim como a necessidade fundamental da criação de cursos e escolas,

onde esses estudos pudessem ser realizados, gerou a base do que no ano seguinte

seria a Escuela de Cine de Viña Del Mar, dirigida pelo Cine Club em parceria com a

Universidade do Chile.

O planejamento feito para a criação de uma nova linguagem, que respeitasse

as características de cada pais, deveria unir a parte teórica às evoluções

tecnológicas da época, como as câmeras mais leves, os negativos de imagem mais

sensíveis, que permitem filmar em condições de pouca luz, o som direto, ou seja, a

gravação do som ao mesmo tempo em que a imagem esta sendo captada; e tudo

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que já estava sendo utilizado na Nouvelle Vague Francesa. Assim, foi criada uma

mesa de discussão que envolvia os seguintes tópicos:

a) Experiências anteriores e as fracassadas tentativas de se fazer cinema

industrial;

b) Legislação vigente;

c) Uma pesquisa profunda dos equipamentos existente nos diferentes

países;

d) Bases reais para o surgimento de coproduções latino-americanas.

Durante aquela semana, os participantes do festival e espectadores foram

imersos em desdobramentos das latinidades vistas nas projeções e debates, que

espelhavam questões sociais comuns ao subdesenvolvimento como os

deslocamentos do homem latino americano em busca de um futuro melhor, a

violência diária que foi além das guerrilhas em Cuba ou da repressão do movimento

estudantil no México no campo e na cidade,

O movimento estudantil surgiu no México em 1968. Na década de 60 era composto por camponeses, professores, ferroviários, médicos – exigindo explicações diante dos mortos e desaparecidos em movimentos anteriores, além de suas principais reclamações que consistiam em um conjunto de reivindicações progressistas e democráticas, pautadas na história do México. O movimento também incorporou o movimento dos trabalhadores, colocando um ponto final em antigos mitos e valores nacionais: unidade nacional, estabilidade econômica e social do país. Por fim, o movimento foi massacrado por completo na Plaza De Las Tres Culturas, em Tlatelolco, no dia 2 de

outubro de 1968. (DE VERDAD, 2002)

O resultado desse encontro, junto com a promessa dos próximos dois anos

depois ecoou carregando nomes distintos em cada pais: no Brasil chamado de

Cinema Novo; ICAIC – Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica - em

Cuba; foi o cinema contestador na Escuela de Documental de Santa Fé na

Argentina; na Bolívia foi o cinema de Sanjínes e depois UKAMAU – grupo de

cineastas bolivianos liderados pelo próprio Sanjínes, funcionando em moldes

similares ao Grupo Liberación na Argentina; foi o cinema nascido em meio a

manifestações populares no Chile, chamado de Nuevo y Experimental; no México foi

o Cine Independiente; já no Uruguai foi Cine Nuevo e Cinemateca de Tercer Mundo;

o Cine Documental nasceu na Colômbia; e foi o cinema de Margot Benacerraf a

criadora da Cinemateca Nacional da Venezuela (1966).

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1.1. Desdobramentos do primeiro encontro

As promessas realizadas entres os jovens cineastas latino-americanos no V

Festival de Viña del Mar e no I Encuentro de Cineastas Latinoamericanos, resultou

em grande reflexão e criação de verdadeiras obras primas da história do cinema

latino americano, como citou Miguel Littin em seu discurso inaugural no Festival de

Viña del Mar “O cinema com que a Colômbia deve começar, tem que ser

documental por imagem direta, sincera e valente que devolve imediatamente.”10

(LITTIN, 1990, p. 28, tradução nossa) segundo o diretor colombiano Carlos Alvarez

(1942-) narrou durante as gravações do documentário “Asalto” (1968) feito com

fotos que narrava sobre as invasões do exército na cidade universitária.

O cinema argentino do Grupo Cine Liberación, foi outro exemplo de bons

frutos, com o aclamado documentário político dirigido por Fernando “Pino” Solanas e

Octavio Gentino: “La Hora de Los Hornos”(1968), baseado na teoria sobre o “cinema

da descolonização”, seus 255 minutos foram divididos em duas partes:

Neocolonialismo y Violencia; Acto para la liberación; divido por sua vez em 2

grandes momentos Cronica del Peronismo (1945-1955) e Violencia y liberación.

A ideia, muitas vezes debatida nas mesas de discussão do V Festival de Viña

del Mar, de promover além de uma produção diversificada, de acordo com as teorias

do NCL, encontros e intercâmbios entre os cineastas latinos americanos também

deu frutos meses depois desse primeiro encontro em forma do II Encuentro de

Cineastas Latinoamericanos em Mérida (Venezuela)11, bem como a Mostra Del

Nuevo Cinema de Pesaro (Itália). Tais encontros reuniram não só jovens cineastas

latinos americanos, mas também apontavam para um crescente interesse de críticos

europeus que passavam por uma fase de profunda politização da arte em geral,

dando dessa forma muita visibilidade a filmes como o citado anteriormente: “La Hora

de Los Hornos” (1968).

O próprio Festival de Viña del Mar, voltou a reunir esses cineastas em 1969,

abrindo espaço para longas metragens como o reconhecido filme cubano de Tomás

Gutiérrez Alea (1928-1996) o “Memorias del Subdesarrollo” (1968), que conta a

10

“El cine con el que Colombia debe empezar, tiene que ser documental por la imagen directa, sincera y valiente que devuelve inmediatamente.” 11

II Encontro dos Cineastas Latino-americanos em Mérida – Venezuela - ocorreu do dia 21 a 29 de setembro, de 1968, por iniciativa de Carlos Rebolledo (1933 – 1994) – realizador e docente Venezuelano.

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história de um burguês cubano que após a revolução decide ficar no país, enquanto

uma boa parte da sua classe social opta por deixar a ilha; o já comentado “La Hora

de Los Hornos”,(1968), o colombiano “Asalto”, (1968), a obra prima do cineasta

brasileiro Nelson Pereira dos Santos (1928-) intitulada de “Vidas Secas”,(1963),

baseada na novela de Graciliamo Ramos que mostra a vida de uma família que

migra no Nordeste brasileiro em busca de uma vida melhor.

Os intercâmbios culturais, produções literárias como as revistas: Cine Cubano

(Cuba), Hablemos de Cine (Peru), Cine Del Tercer Mundo (Uruguai) e Cine Al Dia

(Venezuela) e manifestos dos próprios integrantes do NCL como o conhecido Por

Un Cine Imperfecto (1969) do cineasta cubano Julio Garcia Espinosa (1926), que

sugeria que o artista era um trabalhador e que o prazer estético estava apenas na

funcionalidade e o Eztetyka da Fome (1965) do Glauber Rocha, de acordo com a

pesquisadora Mariana Vilhaça12 em seu desdobramento da tese de doutorado:

“Circuitos e diálogos do Nuevo Cine Latinoamericano (1967-1986)” junto com a

produção cinematográfica latino-americana também passou a interessar os críticos

europeus que passavam por uma fase de profunda politização da arte em geral.

1.2. Militarização da América Latina

Os anos 70 foram marcados pela militarização da América Latina, com golpes

militares de direita na maioria dos países. Segundo o historiador Eric Hobsbawm

(1995), a partir da década de 50, grande parte dos países de Terceiro Mundo

atravessaram esse período com revoluções, golpes militares para reprimir ou

promover a revolução, ou alguma forma de conflito interno. Em países como Brasil,

Argentina e Uruguai, por exemplo, surgiu a chamada guerrilha urbana que defendia

os interesses da esquerda revolucionária, no caso da Colômbia a guerrilha criada

em área rural também motivada pela revolução cubana em 1964 sob o nome de

Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia–Ejército del Pueblo (FARC) e é o

exemplo de formação guerrilheira mais antiga, sobrevivendo até a atualidade.

12

Doutora pelo Depto.de História da FFLCH-USP e integrante de Projeto Temático “Cultura e política nas Américas: circulação de idéias e configuração de identidades (séculos XIX e XX)”. Esse trabalho é um desdobramento da tese de doutorado e parte da pesquisa de pós-doutorado intitulada “Circuitos e diálogos do Nuevo Cine Latinoamericano (1967-1986)”, com auxílio da FAPESP, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Ligia Coelho Prado.

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Segundo o próprio Hobsbawm (1995):

(...) a guerrilha urbana era formada por jovens intelectuais, na maioria das vezes de classe média. A guerrilha urbana são mais fáceis de serem organizadas do que as rurais, por não precisarem contar com a solidariedade e convivência em massa, além de explorarem o anonimato das grandes cidades, podendo também com a ajuda financeira de simpatizantes que na maioria das vezes são da classe

média. (HOBSBAWM, 1995, p.428).

As tentativas de revolução foram minadas em quase toda a América Latina de

forma gradativa após a instauração de regimes, na sua maioria militares direitistas,

sendo eles: no Peru em 1962, seguindo em 1964 pelo Brasil e Bolívia, em 1966 na

Argentina, no Equador em 1972 e por fim, em 1973 no Uruguai e no Chile. A maior

parte desses regimes teve uma influência determinante da diplomacia americana,

defendiam os interesses das Oligarquias nacionais, ligadas ao processo econômico

ocidental nas mãos das grandes empresas multinacionais, por isso optaram por

eliminar o inimigo político cortando o mal pela raiz.

Os três golpes militares que mudaram o rumo da história da América do Sul

foram os ocorridos no Brasil, Argentina, Chile. No Brasil, segundo Hobsbawm (1995)

as Forças Armadas tomaram o poder contra um inimigo semelhante ao argentino:

As Forças Armadas tomaram o poder no Brasil em 1964 contra um inimigo muito semelhante: os herdeiros do grande líder populista brasileiro Getúlio Vargas (1883-1954), que se deslocavam para a esquerda no inicio da década de 1960 e ofereciam democratização, reforma agraria e ceticismo em relação a politica americana. (HOBSBAWN, 1995:429)

Na Argentina outro líder populista Juan Domingos Perón (1895-1974), cuja

força estava na organização dos trabalhadores e mobilização dos menos

favorecidos teve seu governo interrompido por um golpe militar: Revolución

Libertadora em 1955, liderado pelo militar Eduardo Lonardi (1896-1956) o que levou

Perón ao exílio na Espanha até 1973, quando ele voltou apoiado pelo movimento de

massa peronista ficou mais um ano no poder e foi derrotado pelas Forças Armadas

um ano mais tarde.

A militarização do Chile em 1973, talvez tenha sido a mais representativa, já

que o país foi o que mais se aproximou a experiência socialista cubana tendo como

líder político Salvador Allende (1908-1973) como o primeiro presidente da república

e o Primeiro Chefe de Estado Socialista, eleito democraticamente na América Latina.

Allende acreditava na via eleitoral da democracia representativa e acreditava ser

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possível instaurar o Socialismo dentro do sistema político não vigente. Em 1973,

Allende resistiu até o último momento ao golpe militar de Augusto Pinochet (1915-

2006), sozinho no Palácio da Moeda, onde se acredita que foi morto pelas tropas

invasoras e em uma segunda versão em suicídio.

O resultado da militarização da América Latina foi um sufocamento do NCL,

que mesmo sob a forte censura continuava tentando denunciar os abusos de poder

e a falta de liberdade dentro de seus países, tendo como consequência aos

membros da NCL - que muitas vezes também faziam parte de grupos organizados

das guerrilhas -, companheiros extraditados, assassinados, presos e torturados sem

justa forma de defesa. A coerência com o ideal do movimento resultou em um

desaceleramento gradativo da produção cinematográfica e também em órgãos de

amparo aos membros do movimento vitimados pelas ditaduras, como o exemplo já

citado do Comitê de Cineastas da America Latina (C-CAL) em Caracas (Venezuela),

criado pelo cubano Alfredo Guevara.

Através do Comitê, foram reunidos escritores, músicos e dramaturgos, para

finalmente redundar os festivais de cinema. Guevara foi o responsável pelo primeiro

festival de cinema após os popularmente chamados de “anos de chumbo” 13 trazidos

com os golpes militares, em 1979, na ilha de Cuba. O primeiro Festival Del Nuevo

Cine Latinoamericano de La Habana visava reiniciar as tradição do cinema latino

americano e dessa forma, dar uma resposta ao Imperialismo. O NCL tentou se

reorganizar como tal, em 1986 por meio de um projeto articulado por antigos

membros do grupo como; o argentino Fernando Birri, o cubano Julio Garcia

Espinosa, o escritor colombiano Gabriel Garcia Marques, entre outros 14 para criação

da Escuela Internacional de Cine y TV, em Cuba (EICTV), para jovens dos países de

terceiro mundo. A EICTV se tornou a mais renomada escola de cinema no mundo,

no entanto não foi capaz de reviver o movimento.

13

A expressão “anos de chumbo”, deriva do filme: Die Bleierne Zeit (o titulo em português foi traduzido como: Tempos de Chumbo) da diretora alemã Margarethe Von Trotta em 1981, que por sua vez deriva do filme, do poema do romancista alemão Johann Christian Friedrich Hölderlin, "Passeio ao campo" (Der Gang aufs Land, 1800), indicando na América Latina os períodos duros de ditadura militar. Fonte: www.wikipedia.org.br; Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Anos_de_chumbo. Acessado em 28/11/2011. 14

Dos cineastas: o argentino Fernando Birri, o cubano Julio García Espinosa, o escritor colombiano Gabriel Garcia Marques, entre outros.

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1.3. O novo Cinema Latino Americano dos anos 90

A década de 1990 foi marcada pelo fim da Guerra Fria, culminando com o ato

simbólico da Queda do Muro de Berlim (1961-1989), que decretou o encerramento

de décadas de disputas econômicas, ideológicas e militares entre o bloco capitalista,

comandado pelos Estados Unidos e o socialista, dirigido pela União das Repúblicas

Socialistas Soviéticas (URSS), como consequência a reunificação da Alemanha

Ocidental e Oriental e o ponto final ao sonho socialista. Esses acontecimentos

reverberaram por todo o mundo, atingindo e influenciando desde a economia como a

cultura na América Latina.

O fim da Guerra Fria encontrou os países da América Latina em pleno

processo de avanço das instituições democráticas, a nova situação desse continente

que via nesse momento seus países cada vez mais integrados na economia

internacional, característica essa do processo de globalização, que é a integração

econômica, cultural, social e política que impulsionado pelo barateamento dos meios

de transporte e comunicação dos países no mundo no final do século XX, levando a

uma reorganização das funções do Estado. A nova formatação da América Latina

trouxe à tona antigas discussões como a proposta pelo cineasta cubano Julio García

Espinosa em seu “Por un Cine Imperfecto” (1993), onde Espinosa revisita o ensaio

escrito 25 anos antes “Por un Cine Perfecto” (1969).

De acordo com Sérgio Trabucco (2007) O Novo Cinema Latino Americano

morreu? Em todo caso, digamos que “não desaparece do nada, desaparece do

todo”. (TRABUCCO, 2007, tradução nossa)15. Sérgio Muniz (1998) diz que:

Contribuiu para criar e fomentar o único movimento no qual se reconhece um caráter continental. Logrou que se falasse no mundo de Cinema Latino Americano como um conceito global. Falemos simplesmente de Cinema Latino Americano. O de Ontem, o de hoje, o de amanha, os que nos une a todos em nossa diversidade. O que sempre lutará por um mundo onde não haja necessidade de ser egoísta para ser feliz. (MUNIZ, 1998: 57)

A produção latino-americana da década de 1990 não pode mais ser

classificada como fruto do Novo Cinema Latino Americano, por inúmeros fatores.

Tecnicamente o cinema e a produção audiovisual passaram a influenciar os meios

15

“El arte no va a desaparecer en la nada. Va a desaparecer en el todo.”

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de comunicação e cultura, o emprego do chamado “tempo livre”, da economia e o

desenvolvimento. Esse crescimento foi produto do processo de globalização

econômica, das políticas neoliberais impostas na maior parte desses países e nas

diversas inovações tecnológicas. Dessa forma, as novas experiências vividas em

matéria da concentração e transnacionalização econômica, assim como os câmbios

tecnológicos, como a criação das câmeras de vídeo, VHS, que sugiram m 1976 e

digital, que entrou no circuito na década de 90, que baratearam o custo dos filmes, a

popularização de novas mídias como a internet, o desaparecimento dos Drive-in e

Cine Clubs dando espaço a multiplex – construídos estrategicamente dentro de

grandes centros comerciais, onde a existência desses complexos cinematográficos

permitem uma ampliação do horário comercial das lojas e um maior volume de

consumo; encontraram espaço no campo das indústrias culturais e na produção e

comercialização de filmes e meios audiovisuais.

Os cineastas latino-americanos, considerados frutos das ditaduras, surgiram

em um cenário bem diferente daquele conhecido pelos cineastas do Novo

Movimento Latino Americano, segundo o panorama descrito pelo cineasta argentino

Octavio Getino (1988) sobre a América Latina nesse momento:

Economias destruídas, indústrias e recursos naturais e recursos devastados, uma dívida externa sem precedentes, desemprego e marginalidade poucas vezes vistos, corrupção institucionalizada, aculturação e hipocrisia total nos discursos dominantes (...)16 (GETINO, 1988:66, tradução nossa).

As disparidades encontradas nesse novo contexto social e econômico

influenciaram diretamente a nova geração de cineastas que possuíam maiores

ferramentas de produção e de difusão de seus filmes, também contou com grande

liberdade de expressão, e na bagagem um hiato na produção cinematográfica latino-

americana como resultado das ditaduras, segundo o cineasta brasileiro Pedro

Butcher (1962-) esse hiato não significou uma interrupção total da produção

audiovisual: “O que cresceu nesse período foi a televisão e a publicidade, que

durante um período sustentaram o audiovisual e foram responsáveis pela criação de

uma nova geração.” (Butcher, 2006, p102). O discurso de Butcher justifica a

16

“Economias destruídas, industrias y recursos naturales devastados, una deuda externa sin precedentes, desempleo y marginalidade pocas veces vistos, corrupción institucionalizada, aculturalización,y hipocrisia total en los discursos dominantes (...)”

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linguagem e cortes rápidos encontrados nesse novo cinema influenciado pela

linguagem publicitária e televisiva.

A consequência desse hiato refletiu na forma de fazer e pensar cinema de

toda uma geração relatou o cineasta argentino Pablo Trapero (1971-):

[...] de alguma maneira, a mudança de geração que deveria ter acontecido nos anos 80 pulou uma década e foi acontecer nos anos 90, quando surge uma geração que queria contar uma realidade, talvez de uma forma mais abstrata e não de forma resultante de militância ou de um discurso latino-americano ou nacional. Havia uma necessidade natural das pessoas quererem exprimir seu ponto de vista sobre uma realidade, que poderia ser uma realidade mais social, mais plural, ou uma realidade mais pessoal e existente. (TRAPERO, 2006:103).

O cinema latino-americano produzido nesse novo contexto social e

econômico nasce de uma reformulação de ideias e padrões distintos daqueles

teorizado pelo NCl, levando em conta as novas questões apresentada nesse período

na América Latina, de acordo com Trapero é necessário desvendar essa nova

realidade: “(...) um discurso segundo o qual o cinema faz parte da nossa realidade

cotidiana, e essa realidade cotidiana, sem bem vivemos na América Latina, é latino-

americana.” Trapero (2006, p.105). Identificando e relatando essas histórias do

cotidiano latino-americano, respeitando a individualidade do realizador, ainda citando

Trapero (2006, p. 105): “Qualquer dogma, qualquer manifesto vai contra a expressão

natural que um autor necessita para contar sua história”..

O ponto passivo que emerge entre a cinematografia fundadora do movimento

e a nova surgida nos anos noventa diz respeito à realidade latino-americana,

dialogando de alguma forma com o cinema documental e contestador. O cineasta

colombiano Victor Gaviria (1955-) declarou, quando questionado sobre a principal

característica do cinema latino-americano atual, em entrevista para Naira Reinaga

de Lima em sua dissertação de mestrado: “Há uma consciência do mundo pós-

moderno, de um cinema que está falando da desumanização, onde as pessoas

estão submetidas às experiências quase impossíveis de formalizar e relatar.” (LIMA,

20011, tradução nossa)17 A realidade ligada a desumanização do ser humano

denota o caráter social que permeia ambas as produções, onde podemos traçar um

17

“Hay una conciencia del mundo posmoderno, de un cine que está hablando de la deshumanización, donde la gente está sometida a experiencias casi imposibles de formalizar y relatar.”

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paralelo entre as temáticas abordada pelo NCL e as mesma encontradas no cinema

do princípio dos anos 1990 até 2010 em países como Brasil, Argentina e Colômbia.

As políticas cinematográficas entre Brasil e Colômbia também se

aproximaram no princípio dos anos 90 quando as empresas criadas pelo Estado

para fomentar a produção e distribuição cinematográfica no Brasil com o nome de

Embrafilmes (Empresa Brasileira de Filmes Sociedade Anônima) e FOCINE

(Compañía de Fomento Cinematográfico) que por sua vez também incentivava as

coproduções com países vizinhos, Europeus e o uso de capital privado; chegaram

ao fim nos anos 1990 e 1993: a primeira foi liquidada pelo Programa Nacional de

Desestatização (PND) do governo de Fernando Collor de Mello (1949-); a segunda

chegou ao fim depois de uma má administração que gerou uma divida exorbitante e

o processo de burocratização foram alguns dos fatores destacados por Luis Alberto

Alvarez (2001): A grande euforia inicial da FOCINE seguiram as crises de

reconhecimento, as acusações, a burocratização, a instabilidade laboral, os

interesses políticos, as formulas a meia e, finalmente, uma paralisia da qual não se

acerta a sair.(ALVAREZ, 2001, tradução nossa) 18 Os dois países ganharam anos

depois Leis de Incentivo à cinematografia que colaboraram com a retomada de seus

cinemas. De acordo com o site Wikipedia:

No Brasil, a lei de incentivo a cultural foi criada em 1991, popularmente chamada de Lei Rouanet e conhecida principalmente pela politica de incentivos fiscais que possibilita as empresas (pessoas jurídicas) e cidadãos (pessoa física) aplicarem uma parte do IR (imposto de renda) devido em ações culturais; no caso da Colômbia a chamada de Ley de Cine surgiu em 2003, onde se instituí o uso da cobrança de impostos a distribuidores, exibidores e produtores de cinema cuja a arrecadação estará destinada a apoiar os curtas, media e longas-metragens, assim como projetos de formação de público (WIKIPEDIA, 2006)

As políticas cinematográficas argentinas não traçaram o mesmo trajeto que as

instituídas no Brasil e Colômbia, no entanto a retomada de seu cinema mais

conhecida como Nuevo Cine Argentino, marcada pelo seu caráter independente e

focado em crônicas do “dia a dia”, de acordo com Maria Iribarren (2005):

Raivosamente amarrado ao presente (com fugazes referencias ao passado que não chega mais atrás da ultima ditadura militar), o “novo cinema argentino” abandonou a vocação revisionista de seus

18

A la gran euforia inicial de Focine siguieron la crisis de reco­nocimiento, las acusaciones, la burocratización, la inestabilidad laboral, los intereses políticos, las fórmulas a medias y, final­mente, una parálisis de la que no se acierta a salir”.

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mayors, se fixou na crônica, abriu um campo formidável para a experimentação formal e, um passo em direção, colocou a discussão da teoria dos gêneros em relação aos costumes da classe média nacional. (IRIBARREN, 2005, tradução nossa)19

As temáticas sociais revisitadas que se destacam na cinematografia desses

países contam com a característica do latino, como a tendência ao deslocamento

dentro de seu próprio país, o que pode sugerir uma inquietação diante da realidade:

pobreza, desemprego, decadência do desenvolvimento educacional e cultural

gerando um movimento que sinaliza uma busca de uma vida melhor dentro de seu

próprio pais, muitas vezes dentro habitat urbano ou uma busca da sua identidade

marcada pelas ditaduras. Segundo o antropólogo argentino contemporâneo Nestor

Canclini (2002), o cinema latino americano está carregado de lacunas sobre a nossa

história e questões sociais, ele afirma que: “O cinema latino-americano retrabalha

passados locais para voltar a pensar no fascismo, no cotidiano e na degradação

social (...)”. (Canclini, 2002:28).

Os filmes selecionados para serem trabalhados nessa dissertação resultam

em um leque de subtemáticas das quais três delas foram escolhidas para serem

analisadas dentro do contexto social revelado em suas histórias: o deslocamento

nos filmes: “Los Viajes del Viento” (2009) do cineasta colombiano Ciro Guerra (1981-

) e “Viajo Porque Preciso e Volto Porque Te Amo” (2009) do cineasta brasileiro Karin

Aunoiz (1966-); a questão da periferia das grandes cidades nos filmes: Rodrigo D.-

“No Futuro” (1990) do diretor colombiano Victor Gaviria e “Os Inquilinos – Os

incomodados que se mudem”, (2009), do cineasta brasileiro Sérgio Bianchi (1945-);

as ruas das grandes cidades como espaços de representação social nos filmes:

“Pizza, birra, faso” (1998) do naturalizado argentino Adrián Caetano (1969-) e “La

Sombra del Caminante” (2004) também do diretor colombiano Ciro Guerra.

19

“Rabiosamente amarrado al presente (con fugaces referencias a un pasado que no llega más atrás de la última dictadura militar), el "nuevo cine argentino" abandonó la vocación revisionista de sus mayores, se plantó en la crónica, abrió un campo formidable para la experimentación formal y, de paso, puso en discusión la teoría de los géneros en relación con las costumbres de la clase media nacional.”

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2. O Deslocamento em “Los Viajes del Viento”,(2009) e “Viajo

Porque Preciso e Volto Porque Te Amo”,(2009).

2.1. Congruências.

A tônica que permeia o filme colombiano “Los Viajes del Viento” (2009) e o

brasileiro “Viajo Porque Preciso e Volto Porque Te Amo” (2009) é o estar em

movimento, em busca de algo que em um primeiro momento pode ser chamado de

promessa, como relatou o protagonista Ignacio Carrillo ao seu jovem companheiro

de viagem Fermín: promessa de encontrar seu velho mestre para devolver seu

acordeom e nunca mais tocar; por sua vez, o protagonista do road movie brasileiro,

o geólogo, José Renato, percorre o sertão nordestino, à primeira vista por motivo de

trabalho, para avaliar as condições do terreno e estudar a viabilidade da construção

de um canal na região. Em ambos os casos os reais motivos desses movimentos

internos vão sendo revelados ao longo dos filmes.

O filme colombiano contou com a direção do jovem cineasta Ciro Guerra

(1981) que em seu segundo longa metragem elegeu narrar a história ficcional de um

popular músico de Vallenato20 interpretado não por um ator e sim pelo renomado

músico Marciano Martínez, que após a morte de sua esposa percorre muitas milhas

desde Majagual - Sucre, até Taroa - depois do Deserto de La Guarija, uma média de

750 à 800 km, passando por locais nunca vistos antes no cinema colombiano como:

Cesar, na Serranía de Perijá; na Serra Nevada; em la Guajira; no Pantano de

Magdalena; em busca do seu velho mestre Guerra para entregá-lo seu acordeom,

conhecido como “acordeom do diabo”. Os traços da escola italiana neo-realista

ficam evidentes a partir da escolha do protagonista por um não ator, porém de

mesmo background do personagem e pelas cenas externas do personagem em sua

mula ao lado de Fermín percorrendo essa longa distância em busca de seu mestre.

O diretor Ciro Guerra explicou em entrevista para Nathan Jaccard sobre a

escolha de não atores, de acordo com ele “Desde o inicio eu não queria atores do

20

Vallenato quer dizer vale: nato, ou seja, natural do vale, o que se refere aos nascidos em Valle - ao norte da Colômbia, popularmente chamados de valduparense. O Vallenato é um gênero musical que compreende os ritmos típicos da região, somados a experiência pessoal do autor e a mestiçagem do povo colombiano. Vallenato – bella musica colombiana. Fonte: Disponível em: http://vallenato.biz/. Acessado em 07/12/2011.

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interior que imitem o sotaque costenho, se não pessoas que refletiram a forma de

ser, a multiculturalidade da região. Nos interessava ser fiel á região a linguagem da

região do Caribe” (entrevista concedida a Revista Semana.com, tradução nossa).21

A escolha do protagonista do filme brasileiro pelo ator pernambucano Irandhir

Santos, de sotaque nordestino marcado, para narrar a história de Viajo Porque

Preciso e Volto Porque Te Amo, em primeira pessoa, sem nunca aparecer diante da

câmera, pode ter sido feita partindo de um pensamento semelhante ao de Ciro

Guerra de legitimar a identidade do personagem.

A proximidade entre o neo-realismo e o cinema latino americano foi

reconhecida durante a década de 50 com o neo-realismo presente como um tema

de debate privilegiado nos meios intelectuais da América Latina, seguidos da

presença colaborativa de um dos importantes representantes dessa escola, Cesare

Zavattini (1902-1989) no México e em Cuba, durante os anos de 1953-57, para

Zavattini o conceito desse cinema era simples e próximo a realidade: “Quis que

meus filmes fossem os mais elementares, os mais simples, a bem dizer os mais

triviais possíveis. O ideal seria criar um espetáculo cinematográfico com noventa

minutos da vida de um homem a quem nada aconteceu.” Essas características neo-

realistas voltam a reaparecer também no filme brasileiro dos diretores Karim Ainouz

(1966-) e Marcelo Gomes (1963-), que antes de criarem a ficção sobre o geólogo

que foi abandonado pela mulher amada e passa 60 dias percorrendo o Sertão

pesquisando sobre seu terreno, partiu de imagens feitas durante uma pesquisa de

um mês pelos próprios com o propósito de reunirem material para um documentário

sobre feiras livres, e dessas imagens originaram anos depois o documentário de 26

minutos, intitulado “Sertão de Azul Piscina” (2004) feitas em super-8, 16mm, e

digital, feitas na Bahia, Sergipe, Ceará, Pernambuco e Alagoas,sendo montadas

apenas, em um segundo momento, após a criação da história ficcional, fazendo com

que o filme misture imagens reais com ficção, navegando dessa forma entre o

gênero documental e ficcional.

21

“Desde el principio no queríamos actores del interior que imitaran los acentos costeños, sino personas que reflejaran la forma de ser, la multiculturalidad de la región. Nos interesaba ser fieles al lenguaje de la región Caribe.”

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Essas imagens são muito próximas do real, fazendo com que o filme dialogue

com o cinema documental, porém, ao traçarmos a relação da personagem Renato

com a paisagem,- que ele assiste a todas as mudanças de dentro da cabine de seu

caminhão -, propondo no início da jornada um distanciamento entre ela e o lugar -

demonstrando a eterna sensação de solidão do Sertão que Renato sente ao se

encontrar na estrada, apenas dando vasão as suas lembranças do fim do

relacionamento e tecendo pequenos comentários sobre as pessoas que conhece no

meio do caminho. Essa ideia vai ao encontro do que o diretor italiano Federico Fellini

(1920-1993) acreditava ser o conceito do neo-realismo, usando como exemplo o

cinema de Roberto Rossellini (1906-1977):

Seu abandono em relação à realidade, sempre atento, límpido, fervoroso, aquela sua forma de se situar com naturalidade num único ponto impalpável e inconfundível entre a indiferença do distanciamento e a falta de habilidade de adesão, permitia-lhe capturar, fixar a realidade em todos os espaços, olhar o interior e o exterior das coisas, desvendar o que a vida tem de inalcançável, de misterioso, de mágico. Por acaso o neo-realismo não é isso? (FELLINI apud FABRIS, 2006: 201-201).

O material coletado durante as primeiras pesquisas foi visto e revisto,

montado e desmontado, o que anos depois fez com que ele ganhasse outro efeito,

segundo o próprio diretor Marcelo Gomes em entrevista:

E ao revermos, descobrimos uma verdade muito grande naquele material, muita emoção, e queríamos mostrar aquelas imagens para o mundo. Então a gente conseguiu construir uma narrativa que costurasse aquelas imagens. E um personagem que, como a gente estivesse à flor da pele. Ele começa a ver aquele lugar, que não sabia, como nós, como era. Ele está à flor da pele por outras questões, e começa a se envolver com aquele lugar. (MAHMOUD, 2009)

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FIGURA 1 - OS TRABALHADORES A CAMINHO DO TRABALHO NO PAU

DE ARARA, NORDESTE BRASILEIRO.

FONTE: DVD - Viajo Porque Preciso e Volto Porque te Amo.

FIGURA 2 - OS TRABALHADORES NA MINA DE SAL EM LA GUAJIRA.

FONTE: DVD - Los Viajes Del Viento.

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A história de um homem comum, que transita por um ambiente rural,

prevalece em ambas as narrativas, dialogando com os primeiros filmes que

retrataram o homem rural feitos na NCL, bem como os mineiros das salinas também

retratado no filme colombiano quando Ignacio e Fermín chegam ao Deserto de La

Guajira e se deparam com imensas montanhas de sal sendo trabalhadas por

pessoas do povo em paralelo com a imagem dos camponeses montados em um

caminhão pau-de-arara vista pelo Renato durante sua pesquisa.

Essa nova tendência de retratar personagens mais próximos à realidade,

foram reveladas nas décadas anteriores durante o vigor do antigo movimento NCL,

pelo escritor Hernando Martinez Pardo (1978) sobre o cinema colombiano em

meados dos anos 60:

Novas perspectivas porque aparecem novos personagens em nossa cinematografia: o camponês, não em seu papel de elemento folclórico se não como ser que há entrado em conflito pela violência politica nos campos e pela atração que exerce sobre a cidade como fonte de trabalho e mundo de comodidade. O mineiro de sal e as pedreiras – personagem completamente novo no cinema colombiano – em suas condições de trabalho e em sua forma de vida. (PARDO, 1978, p. 197, tradução nossa)22

A década de 1960 parece ter influenciado diretamente o diretor Ciro Guerra

que optou por ambientar seu filme no ano de 1968:

É uma data muito importante para a humanidade e para o Vallenato, pois é o final da época dos trovadores e o começo de uma nova era onde o ritmo ser torna massivo, de estrelas, de concertos, de discotecas. Ainda em 1968 se fundou Estado de Cesar. (JACCARD, 2009, tradução nossa)23

22

“Nuevas perspectivas porque aparecen nuevos personajes en nuestra cinematografía: el campesino, no en su papel de elemento folclórico sino como ser que ha entrado en conflicto por la violencia política en los campos y por la atracción que ejerce sobre él la ciudad como fuente de trabajo y mundo de comodidad. El minero de la sal y de las canteras – personaje completamente nuevo en el cine colombiano – en sus condiciones de trabajo y en su forma de vida” 23

“Es una fecha importante para la humanidad y para el vallenato, pues es el final de la época de juglares y el comienzo de una nueva era donde el ritmo se vuelve masivo, de estrellas, de conciertos, de discos. Además en 1968 se fundó el departamento del Cesar.”

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2.2. O desvendar da Costa Colombiana e do Sertão Nordestino através

do olhar dos personagens.

O caminho percorrido por Ignácio e seu jovem companheiro Fermín sugere

uma variedade imensa de paisagens de muito verde, passando por cordilheiras

glaciais, descendo até o deserto e terminando na costa caribenha, fugindo

completamente das grandes cidades revelando lugares tão complexos quanto ela. O

geografo Renato também percorre o Sertão indo em direção oposta ao das grandes

cidades, se deparando com uma paisagem árida e quente que muito se assemelha

ao deserto atravessado por Ignacio e Fermín, desembocando, por fim no mar, nunca

antes visto pelo garoto de águas límpidas que poderia ser facilmente confundido

com o mar de Acapulco no México, onde ele diz que gostaria de estar apesar de se

encontrar no município brasileiro de Piranhas em Alagoas diante das águas do Rio

São Francisco. O que fica claro é que os dois filmes foram cuidadosamente

construídos para fugir das imagens pré-concebidas de lugares turísticos da Costa

Colombiana e do Nordeste Brasileiro.

A busca por paisagens que não possuem o colorido turístico e exótico,

contrastam com a dureza dos lugares escolhidos, dando lugar muitas vezes à uma

paisagem de beleza simples, capturado de forma extraordinária pela fotografia dos

filmes. O diretor Marcelo Gomes justificou a escolha por ambientar sua história no

Sertão em entrevista “O sertão é uma coisa muito simbólica. Eu não gosto nem de

falar de sertão, mas do deserto. Porque o sertão é que nem atravessar o oceano,

atravessar um lugar que tem uma geografia muito repulsiva: difícil, o calor, a aridez.

Então você fica muito com você o tempo inteiro. E depois de você fazer uma

travessia como essa, você sai transformado”.

A travessia proposta nos filmes obriga os personagens a olharem para sí

mesmos, a partir do olhar sobre lugares isolados como o sertão e o deserto, lugares

que evocam sentimentos de solidão, reafirmados pelo próprio Renato durante o filme

“Não aguento a ideia de ficar só”.

A escolha de um músico regional como protagonista do filme colombiano e de

um geólogo no caso brasileiro, sugere o conhecimento e reconhecimento do próprio

território – incluindo cultura e folclore, brasileiro e colombiano como uma

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característica do cinema da retomada dos anos 90; resultando em uma nova

reflexão entre as relações traçadas entre os personagens e o território físico ou

imaginados. A solidão e a dor, durante a travessia, são os sentimentos que unem

Renato e Ignacio, apesar do segundo estar acompanhado por Fermín o personagem

passa a se revelar para o jovem companheiro a partir da cena na qual garoto conta

que é filho de pai desconhecido, um trovador como Ignácio, que em uma rápida

passagem por Majagual para um evento de música conheceu sua mãe e depois

partiu. A verdadeira história da paternidade de Fermín que havia sido criado por

outro homem, fez com que Ignácio recordasse da forma muito parecida como ele

agia antes de conhecer sua falecida esposa, Ana Luz, possivelmente tendo

abandonado filhos que nem chegou a conhecer pelas cidades nas quais tocou. Por

sua vez, Renato narra inúmeras aventuras amorosas com mulheres que encontra

pela estrada, que muitas vezes soam como parte de sua imaginação, onde tenta

acabar fugazmente com o pesar que sente por Joana sem sucesso.

A presença do mar próximo em ambos os filmes se dá nas proximidades do

fim, é certo que Fermín já havia relatado sua curiosidade em ver o mar pela primeira

vez, impossibilitado pelas desventuras das “estradas” e pela busca incansável do

paradeiro do mestre de Ignácio. Porém a imagem do mar na película colombiana se

dá, após o retrato dos trabalhadores nas salinas e da solidariedade dos mesmos ao

ajudarem Ignácio que não se sente bem, sinalizam a chegada dos personagens ao

destino final: Taroa e subjetivamente uma esperança nesse quadro. Para Renato as

águas do Rio São Francisco também são reveladas apenas no final com o “salto no

mar de Acapulco”, apesar de subjetivamente permearem toda a historia, já que a

missão do geólogo em estudar o solo estava diretamente ligada as construções de

canais por onde passaria as águas do São Francisco, a visão do rio nas

proximidades do município de Piranhas e a imagem do salto das pedras, também

representa o final da jornada e do processo de auto-conhecimento pela qual ele

passou.

A metáfora do Sertão – Mar também foi recorrente no Cinema Novo no Brasil,

no filme de Nelson Pereira dos Santos: Vidas Secas (2963) e Deus e o Diabo na

Terra do Sol (1964) do maior representante brasileiro do movimento Glauber Rocha.

Onde o Sertão representava a miséria, o subdesenvolvimento, e o Mar por sua vez

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representava o desejo de seguir adiante, de superar essa condição, mas ao mesmo

tempo sem prever o que aconteceria depois, levando em conta a época na qual

esses filmes foram rodados, sendo os anos 60 marcados por agitações já

comentadas no capitulo anterior. Para o diretor Karim Ainouz, as imagens feitas

durante um mês de pesquisa revelaram um movimento feito pelo lugar retratado no

cinema de Glauber Rocha e a imagem do Sertão atualmente em entrevista feita por

Laura Oliveira; “O sertão era muito diferente do que eu imaginava, dos filmes do

Glauber (Rocha), da loucura religiosa; era muito pop, tinha um negocio de

contaminação de símbolos contemporâneos e tal.”

A falsa impressão de permanência do Sertão é proporcionada a partir da

analise dos elementos geográficos organizados ao redor do homem e pela busca

das razões para firmar raízes do mesmo, além de elementos trazidos por outros

povos, mudanças geológicas do solo entre outros; o que resulta em uma impressão

equivocada de que o lugar Sertão se encontra estático no tempo, no qual nada

acontece e se desenvolve, característica dada pela mobilidade do lugar impresso

sutilmente na presença constante do vento em “Los Viajes del Viento” e no

simbolismo de diversos objetos à venda nas feiras livres do filme “Viajo Porque

Preciso e Volto Porque Te Amo”, citados no parágrafo anterior pelo próprio diretor.

2.3. Paisagem e movimento

Os filmes analisados comparativamente estão pautados na mobilidade dos

personagens e como consequência a mudança de paisagem durante esse trajeto,

conforme discorremos anteriormente. Para compreender melhor a relação entre a

paisagem e o movimento, é necessário entender o que são esses elementos

separadamente para depois pensar na ligação entre eles exemplificada em diversas

situações de ambos os filmes. Segundo Milton Santos, 1997, a paisagem também

engloba movimentos, ele afirma que: “Tudo aquilo que nós vemos, o que nossa

visão alcança, é a paisagem. Esta pode ser definida como o domínio do visível,

aquilo que a vista abarca. Não é formada apenas de volumes, mas também de

cores, movimentos, odores, sons etc”. (Santos, 1997, p. 61)

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Sobrepondo o conceito da paisagem sobre os nossos protagonistas, Ignacio

percebe a dimensão da paisagem ao seu redor que está em constante movimento

de cima de seu burro, como Renato que permanece dentro de seu veículo,

selecionando dessa forma como as objetivas de uma câmera a forma com a qual

veem e se relacionam com a realidade, sobre isso, Santos relata que “A percepção é

sempre um processo seletivo de apreensão. Se a realidade é apenas uma, cada

pessoa a vê de forma diferenciada; dessa forma, a visão pelo homem das coisas

materiais é sempre deformada”. (Santos, 1997, p. 62)

Essas paisagens apresentadas em diversos momentos dos filmes parecem

serem completamente naturais como as montanhas onde vivem os indígenas

colombianos e partes do Sertão Nordestino, no entanto essas paisagens não são

naturais, pois de alguma forma, direta ou indiretamente, já foram modificadas pelo

homem, nela encontram-se marcas da evolução e histórias de povos que alí

viveram.

As relações entre as mudanças de paisagens e o protagonista são de suma

importância para o desenvolvimento da trama e crescimento do próprio personagem,

segundo o próprio diretor Ciro Guerra, em entrevista concedida à Nicolá Mendonza,

ele diz que “A viagem do herói se constrói através das suas paradas. Essa é a

estrutura episódica por natureza”.24 (MENDONZA, 2009, tradução nossa). Sendo

assim o reconhecimento do próprio território colombiano já citado anteriormente é

uma das peças fundamentais, para ele: “Se pode fazer com o que quiser, mas nesse

caso a ideia era os elementos que compõem a cultura do Caribe: está o elemento do

negro, está o elemento indígena, está o elemento da violência”.25 (MENDONZA,

2009, tradução nossa). Essas são as palavras de Ciro Guerra ainda na mesma

entrevista.

Um trecho do filme que exemplifica a relação da paisagem com os

personagens, revelando ao mesmo tempo traços da cultura nacional é a sequencia

na qual Fermín escuta um batuque em meio a uma clareira da floresta, se aproxima

24

“El viaje del héroe se construye a través de las paradas. Esa es una estructura episódica por naturaleza, y cada episodio gira en torno a una idea.” Ochoymedio.info 25

“Lo puedes hacer con lo que quieras, pero en este caso la idea era los elementos que componen la cultura Caribe: esta el elemento negro, esta el elemento indígena, esta el elemento de la violencia”.

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e vê um grupo de garotos negros tendo aulas de tambores de Palenque de San

Basilio – município de Mahates, e na cena seguinte sendo batizados com sangue de

lagarto como “percursionistas”; o garoto desafia o professor dizendo que é

percursionista e também quer ser batizado, o professor que só fala em Bantú26 lhe

oferece o instrumento para que ele mostre o que sabe. O desafio é concluído

quando o garoto mostra que sabe tocar e no momento seguinte ele e Ignacio partem

de volta ao objetivo de encontrar o mestre, finalizando dessa forma mais uma etapa.

Na paisagem do Sertão Nordestino, Renato parece estar ligado

intrinsecamente com as imagens que vê ao longo da estrada, com as pessoas que

encontra em meio ao caminho, mesmo forçando um distanciamento entre ele e o

lugar na primeira metade do filme. Para o escritor Marc Augé (1994), a melhor

definição para o lugar é “identitário, relacional e histórico”, sendo o não-lugar no

filme “Viajo Porque Preciso e Volto Porque Te Amo” a estrada, onde se encontra

Renato. Para MAGNO & GOSCIOLA (2011), os não-lugares visitados em alguns filmes

brasileiros: como aeroportos, estrada, salas de espera, lugares de passagem em

geral tem um potencial socializador, contrário ao discurso de Augé (1994):

Todavia, pelo o que demonstram os filmes, podemos perceber que o não-lugar tem potencial socializador. Cada personagem em seu deslocamento, ainda que centrado no objetivo de sua busca, desenvolve relacionamentos em seu percurso, que, por sua vez, compõe a própria temática das narrativas de desdobramento. (MAGNO & GOSCIOLA, 2011)

A outra razão que conecta o geólogo com o Sertão é a sua própria profissão

que estuda o solo e os processos de formação da Terra, o tornando uma espécie de

historiador de todas as camadas do solo.

Os movimentos encontrados nas duas tramas, aproxima seus personagens

entre sí e também daqueles retratados durante o auge da produção do NCL, que

seguiam adiante em busca de melhores condições de vida por caminhos muitas

vezes incertos. Esses movimentos vistos em diversos filmes da NCL tanto quanto

nos dois filmes aqui trabalhados, podem ser intitulados como movimentos

migratórios, segundo Max Sorre, 1984;

26

A língua Bantú é falada em países africanos e também ao Sul do Equador. O filme: Los Viajes del Viento é falado em Espanhol, Wayunaiky, Ikn, Arhuaco e Bantú; no território colombiano é possíveis encontrar 67 línguas diferentes.

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No sentido original, bem amplo, o termo aplica-se somente a ideia de movimento, de mudança de lugar e de moradia. Designa tanto uma atitude individual, como a do homem da cidade que vai para o campo, quanto uma transferência de móveis ou uma mudança de sentido da palavra. Pode-se portanto, utilizá-lo igualmente para transportes ou circulação de grupos através dos oceanos, sem expectativa de volta, para movimentos sazonais de grupos a procura de trabalho e para os deslocamentos periódicos de espécies de animais (...) (SORRE, 1984, p. 125)

Esse deslocamento ao longo da travessia cria novas relações entre os

personagens e os não-lugares por onde eles transitam como uma espécie de

migrantes.

As paisagens desvendadas pelos personagens somadas a solidão da

travessia, estimulam a memória, trazendo a um nível consciente histórias por eles

vividas. Os diretores brasileiros expuseram muitas lembranças de Renato em forma

de imagem, quando ele se referia as flores e ao trabalho de botânica de Joana,

surgiam na tela imagens com uma textura diferente das demais, contando com cores

mais vivas e a presença de flores típicas do Nordeste sincronizadas com a narração

do personagem. Em “Los Viajes del Viento” a memória não fica tão evidenciada na

tela, a não ser pela cena em que Ignacio questiona sobre a foto de uma garota que

Fermín carrega consigo guardada na bolsa a tira colo e pelo momento no qual

Ignacio em meio ao Primer Festival de la Leyenda Vallanta27, reconhece uma mulher

com quem já saiu ao lado de um criança, em homenagem ao seu suposto filho e a

memória de uma rápida historia de amor ele decide por apresentar-se tocando a

música Caballito, sobre um cavalinho de madeira.

O que transparece ao longo da travessia são as relações construídas entre os

personagens e as paisagens, as memórias evocadas por elas que culminam com o

desenvolvimento e autoconhecimento dos mesmos no trajeto em busca de objetivos

aparentemente diferentes que de forma poética são revelados na tela nas

sequencias finais quando Ignacio cumpre com a promessa de devolver ao seu já

falecido mestre o acordeom, recebendo naquele momento uma nova missão de

amparar a sua família; o geólogo Renato chega ao final da jornada na cidade de

Piranhas – a primeira que será submersa após a construção do canal, evocando o

filme de Glauber Rocha “Deus e o Diabo na Terra do Sol” sob a premissa de que um

27

Primeiro Festival de Lenda Vallanata aconteceu em Valledupar, em abril de 1968.

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dia “o Sertão vai virar mar e o mar vai virar Sertão” e diante das águas do Rio São

Francisco ele se imagina saltando de uma pedra como se estivesse em Acapulco,

saltando para uma nova fase da sua vida.

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3. As periferias nos filmes “Rodrigo D. No Future”, (1990) e “Os

Inquilinos – Os Incomodados que se mudem”, (2009)

3.1. Congruências.

Os pontos passivos de maior impacto entre o filme colombiano Rodrigo D. No

Future (1990) e o filme brasileiro Os Inquilinos – Os Incomodados que se mudem

(2009), realizado quase vinte anos após o primeiro, são decorrentes á partir do local

onde as personagens vivem e de seus desejos pessoais: o jovem Rodrigo sonha em

tocar bateria em uma banda de punk e o “chefe de família” Valter almeja finalizar os

estudos para conseguir um emprego melhor, para prover sua família. A periferia

como cenário das histórias individuais de Rodrigo e Valter traduzem os problemas

sociais comuns á diversos países latino-americanos.

O diretor Victor Gaviria (1955-) imprime em seu primeiro longa metragem

“Rodrigo D. No Futuro” (1990) a realidade de uma geração conhecida como sem

futuro como sugere o titulo No Future através da história do jovem Rodrigo e de seus

amigos envolvidos em situações ilegais como roubo, trafico, violência na periferia de

Medellín na década de 1980. Nessa década Medellín viveu um boom da violência

urbana, culminando com a alta taxa de homicídios de jovens estimada em 77 para

cada 1000.000 habitantes, em Medellín esse número salta para 381 de acordo com

Reinaga (2011:44). A escolha de Gaviria por não-atores frutos dessa mesma

geração No Futuro foi uma das ferramentas encontradas no filme para aproximar As

personagens da realidade, segundo entrevista para Naiara Reinaga (2001):

Eu vinha trabalhando com atores naturais, fazendo curtas e notei que com esse tipo de atores eu tinha a possibilidade de me colocar onde foi socialmente. Porque se fazia filmes, por exemplo, sobre os ferroviários e escolhia ferroviários de atores, isso lograria que o filme se tornasse super interessante, com cruzamentos históricos. Surgiam um montão de coisas que não estavam nos livros... Me dei conta de que os atores naturais logravam que os roteiros funcionavam através do que eles contavam para mim. O filme se potencializava e passava a ser um documento. (REINAGA, 2011, p.125, tradução nossa)28

28

“Yo venía trabajando con actores naturales, haciendo cortos, y noté que con esta clase de actores tenía la posibilidad de meterme donde fuera socialmente. Porque si hacía películas, por ejemplo, sobre ferrocarrileros y cogía a ferrocarrileros de actores, eso lograría que la película se volviera súper interesante, con entrecruces históricos. Surgían un montón de cosas que no estaban en los libros... Me di cuenta que los actores naturales lograban que los guiones funcionaran a través de lo que ellos me contaban a mi. La película se potenciaba, se volvía un documento.”

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Essa característica, segundo o próprio Gaviria foi inspirada no neo-realismo

italiano: “Em parte de ter visto os exemplos do neorrealismo italiano, como os

trabalhos de Vittorio de Sica e Rossellini. São filmes de pessoas que estão ali, que

são parte desses mundos, não são somente atores.” 29 (tradução nossa)

A escolha por não atores teve uma grande influencia no filme de Gaviria,

atores e equipe trabalharam durante dez meses no primeiro roteiro que partiu de

uma crônica de jornal, onde um garoto sobe ao alto de um edifício para suicidar,

mas acaba sendo convencido a não saltar por uma faxineira do lugar, que acabou

incorporando histórias e experiências vividas pelos próprios atores. A criação do

roteiro do filme de Sergio Bianchi (1955-) “Os Inquilinos – Os incomodados que se

mudem” (2009), também surgiu a partir do conto homônimo de Vagner Giovani

Ferrer como tarefa de classe do EJA (Educação de Jovens e Adultos) em 2002 – o

texto foi publicado na revista “Vozes da Ilha” 30; sendo adaptado, pelo próprio diretor

e a escritora Beatriz Breacher. Seu interesse pelo texto foi relatado por Bianchi em

entrevista para Alan de Faria, (2008), “O texto é fruto de um curso de criação de

texto, que ela ministrava. Eu li e gostei muito de algumas características do conto,

pois narra situações da periferia de uma forma muito plana, sem julgar, sem

decodificar, sem ideologizar...”

A humanização da periferia, dos personagens conhecido por estarem a

margem da sociedade submerge de ambos os filmes, distante do modelo americano

abominado também pelos cineastas do NCL, usando uma repetição de formulas ao

redor de um mesmo tema como a violência social do filme Cidade de Deus, (2002),

de Fernando Meirelles 31, segundo Sergio Bianchi comentou em entrevista para

Trópico, audiovisual:

Eu não gosto disso. Me nego! É uma atitude colonizada e burra. Eu não gosto de falar mal de colega, as dificuldades para todos são grandes. O ideal é cada um fazer o filme que se propõe a fazer. Não sou crítico de artes, nem quero criar polêmica. Mas também não quero essa coisa colonizada, me sentir inferiorizado e copiar o modelo americano. (FARIA, 2008).

29

“En parte de haber visto los ejemplos del neorrealismo italiano, como los trabajos de Vittorio de Sica y Rossellini. Son películas de personas que están allí, que son parte de esos mundos, no son solamente actores” 30

- O conto que leva a o mesmo nome do filme pode ser lido na integra no blog do escritor Meu Fundo de Armário. Disponível em: http://manufaturadosom.blogspot.com/2010/02/os-inquilinos-vagner-geovani-ferrer-o.html . Acessado em 29/12/2011. 31

Filme brasileiro, dirigido por Fernando Meirelles e co-dirigido por Kátia Lund. A narrativa gira em torno do crescimento do crime organizado na favela Cidade de Deus, Rio de Janeiro, entre ás décadas de 1960-1980. Recebeu quatro indicações ao Oscar, nas categorias de Melhor Diretor (Fernando Meirelles), Melhor Roteiro Adaptado (Bráulio Mantovani), Melhor Edição (Daniel Rezende) e Melhor Fotografia (Cesár Charlone).

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44

Para Victor Gaviria é necessário revelar esses sentimentos humanos unindo o

discurso dos não atores com as imagens das periferias para estimular os

espectadores acostumados aos modelos norte americanos que vão ao cinema,

somente pela excitação que esse tipo de filme produz, sem ir mais além.

Eu não tinha maneira de dar a entender esse mundo se não através do que me diziam as pessoas. Para mim é primordial que as palavras acompanhem as ações, porque essas remetem a uma concepção do mundo, quase como uma leitura sociolinguística, uma espécie de bricolagem da linguagem. É o único que humaniza essa ação e realmente os filmes de violência passaram a ser para o espectador um estimulo bem mais excitante, porque produz emoção, mas não

compreensão do por que esta acontecendo isso (...) 32 (tradução nossa)

O dia a dia na periferia da Vila Brasilândia em São Paulo é o pano de fundo

do filme de Bianchi que acompanha a família de Valter, que possui um subemprego

de carregador de caixas de maça em uma empresa e estuda a noite. Tudo vai bem

até que seu vizinho aluga um dos cômodos de sua casa para três rapazes de

comportamento duvidoso – não trabalham, vivem de festa, trocam a noite pelo dia,

que acabam mudando toda a rotina da família e da comunidade ao redor. O

cotidiano em comunidades carentes já haviam sido temas de produções do NCL

como Rio, 40°, (1955), de Nelson Pereira dos Santos conhecido como importante

filme brasileiro que subiu a favela do Rio de Janeiro mostrando o universo dos

excluídos sem pré-julgamentos e no cinema pós-retomada, sendo visitado e

revisitado, inúmeras vezes.

A impressão da realidade que distingue o filme de Gaviria e de Bianchi de

seus contemporâneos é também o de pautar, de uma forma ou de outra, suas

ficções em um mundo real, usando dados reais como foi o caso da geração “No

Future”, filmado em 1986 representando o ano de 1988; já Bianchi optou por inserir

ao filme um dado efervescente e polemico como a influência do PCC (Primeiro

Comando da Capital)33 na cidade de São Paulo durante a maior onda de ataques no

ano de 2006. Ocorreram 63 ataques a delegacias, carros de polícia, guardas

metropolitanas, bases móveis da policia militar e Civil e ao Corpo de Bombeiros. 32

“Yo no tenía forma de dar a entender ese mundo sino a través de lo que me decían esas personas. Para mi es primordial que las palabras acompañen las acciones, porque estas remiten a una concepción del mundo, casi como una lectura sociolingüística, una especie de bricolage del lenguaje. Es lo único que humaniza esa acción, y realmente las películas sobre la violencia se han convertido para el espectador en un estimulo más bien morboso, porque producen emoción, pero no una comprensión de por qué esta pasando todo eso (…)” 33

O primeiro Comando da Capital (PCC) é uma organização criminosa, criada dentro do Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté, na década de 1990 com o objetivo de zelar pelos direitos dos presidiários, além de vingar a morte de presos mortos em rebeliões.

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45

Segundo o Observatório de Segurança Pública em 2006. Além dos ataques, os

presos comandaram 24 rebeliões por todo o Estado, o que fez com que escolas,

comércios, transportes públicos e unidades hospitalares parassem de funcionar,

deixando todo o Estado sob um clima de tensão durante o período de maio à julho

do mesmo ano. A ação do PCC foi evidenciada em diversas cenas do filme, como

na que Valter passa por um ônibus público em chamas ou na que a diretora da

escola afirma que os alunos que não compareceram na aula da semana passada,

devido a supostos ataques do PCC que por consequência fechariam a escola

levaram falta, pois a escola se manteve aberta independente dos acontecimentos.

A escola faz parte das intersecções encontradas nos filmes, sendo ela um

elemento dúbio de interpretação que surge de duas maneiras distintas. Para Rodrigo

que deixou a escola, os estudos são “perda de tempo” pois, “a escola não serve

para nada”, como chegou a dizer ao seu irmão mais novo que estuda e ajuda o pai

em seu trabalho no pequeno açougue. Em outra cena Rodrigo vai com seu amigo

Ramón a escola de seu irmão pagar a mensalidade, a cena que nos deparamos é

de um lugar decadente, de vidros quebrados, onde seu amigo exerce o tráfico de

drogas com garotos entre as grades da quadra em plena luz do dia denunciando o

péssimo estado das instituições de ensino nos bairros periféricos e o fato de não

serem gratuitas. Uma segunda escola apresentada no filme como escola noturna

para adultos traz com ela um dos poucos indícios de esperança dentro da

comunidade, nela estudam alguns conhecidos de Rodrigo como o jovem Johncito e

sua namorada.

No filme brasileiro a escola noturna representa a única chance de Valter

progredir e deixar de trabalhar em um subemprego. A escola noturna de ambos os

filmes também conta com elementos paradoxais como: o envolvimento de Johncito,

que apesar de ser um dos poucos jovens da comunidade que continua estudando,

com um roubo de moto que implica em um assassinato e depois o aparecimento de

seu corpo brutalmente morto em uma das encostas do morro; a presença de dois

personagens na sala de Valter que contestam e desafiam de forma negativa todos

os temas discutidos, a própria localização da escola próxima a ataques do PCC

também denunciam a violência generalizada simbolizando que talvez os estudos

não os levem a lugar algum como comenta um amigo de Valter que concluiu os

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estudos se tornando técnico de enfermagem, continuando mesmo assim em um

subemprego.

FIGURA 3 - ESCOLA PARA ADULTOS, ONDE JONHCITO E SUA

NAMORADA ESTUDAM NO PERÍODO DA NOITE.

FONTE: DVD - Rodrigo D. No Future

FIGURA 4 - ESCOLA PARA ADULTOS, ONDE VALTER ESTUDA NO

PERÍODO DA NOITE.

FONTE: DVD - Os Inquilinos – Os Incomodados que se mudem.

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O tom de denuncia que permeia as duas narrativas do começo ao fim evocam

os preceitos básicos de um cinema político descritos no manifesto chamado de Por

un cine militante, do Grupo de Cine Popular Colombiano em março de 1970

enumerando características importantes para o NCL: “Unir o cultural ao político para

convertê-lo em força libertadora, como desafio que nos foi concebido a análise da

realidade colombiana e que devemos aceitar como intelectuais revolucionários” 34

(tradução nossa). O cultural citado no manifesto também pode ser reconhecido nos

filmes através de elementos populares encontrados nos filmes como o estilo musical

Axé, surgido na década de 1980 durante o carnaval de Salvador – Bahia., presente

em diversas passagens ou o velório de Jonhcito feito em casa, onde sua mãe coloca

no som sua música predileta, em inglês, ao lado de seu caixão, sendo esse um

costume típico paisa 35 visto em outros filmes da retomada do cinema colombiano

como “Rosario Tijeras”, (2005), do diretor Emílio Maillé.

3.2. A Periferia

As periferias retratadas nos filmes escolhidos dialogam diretamente com a

marginalidade, exclusão social, violência entre outros temas. Na periferia paisa,

podemos destacar problemas como a precariedade das moradias sem reboco ou

água encanada; das ruas; a crise das instituições tradicionais como a escola citada

anteriormente; a família que na maior parte dos casos não é representada pelo pai,

mãe e filhos e sim por um membro como a mãe, no caso do amigo de Rodrigo

Ramon, ou no de Adolfo criado pela tia, as corporações policiais como o próprio

Adolfo denuncia em conversa com amigos sobre as praticas de tortura que são

realizadas em suspeitos. A crise da autoridade estatal é marcada pela música

cantada pela banda em um ensaio do qual Rodrigo participa, a música contém o

refrão que diz: “policia filha da puta”.36 (tradução nossa). A polícia, retratada no filme

de Bianchi, também não sugere uma participação ativa, ela aparece apenas fazendo

34

“Unir la cultura a lo politico para convertilo em fuerza libertadora, como reto que nos há planteado el analisis de la realidade colombiana y que debemos aceptar como intelectuales revolucionarios” GETINO, Octavio. El cine de “las historias de la revolcuión”: Aproximación a las teorías y prácticas del cine de “intervención política” en América Latina (1967-1977). Buenos Aires, Editora Altamira, 2002, p.74. 35

Expressão referente a aquele que nasceu no departamento da Antioquia. 36

“Policia hijoeputa, policía hijoeputa”.

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algumas “batidas policiais” durante um dos ataques do PCC e também em uma das

sequencias finais onde dois, dos três inquilinos suspeitos, são presos pelo

assassinato do vizinho de quintal que lhes alugava o cômodo dos fundos. A

arquitetura da casa também sinaliza a precariedade da região que fica próxima a

uma favela, delimitando assim que apesar da precariedade na qual eles vivem, suas

condições estão um pouco acima do nível dos habitantes da favela.

A favela nesse caso é vista como lugar de extrema violência, maior

precariedade nas construções, assassinatos, chacinas, tráfico entre outros aspectos.

A periferia onde vive Valter e sua família também conta com diversos problemas

como esses, porém, menos acentuados, talvez pelo fato da personagem ter uma

estrutura familiar forte com sua mulher que apóia seus estudos, consequentemente

seu progresso; filhos carinhosos que vão a escola e uma referência forte ao seu pai

que foi quem construiu a casa onde vive, sendo essa uma das principais razões de

mantê-lo vivendo nesse lugar, apesar da insegurança trazida com a presença dos

novos inquilinos.

A precariedade das moradias e regiões onde habitam grande parte da

população da América Latina já é uma questão discutida e conhecida mundialmente,

segundo reafirma o escritor uruguaio Eduardo Galeano (2010):

Um organismo das Nações Unidas estima que ao menos a quarta parte da população das cidades latino-americanas habita “assentamentos que escapam as normas modernas de construção urbana”, extenso eufemismo dos técnicos para designar tugúrios conhecidos como favelas no Rio de Janeiro, callampas em Santiago do Chile, jacales no México, barrios em Caracas, barriadas em Lima, villas miséria em Buenos Aires e cantegriles em Motevidéu. (GALEANO, 2010, p. 329)

A exclusão dessa população considerada à margem da sociedade, chamada

de elite, traz consigo inúmeros problemas sociais citados ao longo do capítulo, para

a jornalista mineira Jéssica Balbino (2006) podemos somar outros itens inseridos

nesse contexto que engloba essa questão:

A falta de estudos e a desinformação acarretam consequências, bem como a falta adequada de condições de vida. Os jovens aliam-se as drogas, e por não conseguirem empregos dignos, passam para o trafico, quando o dinheiro vem fácil e rápido. As garotas são mães muito cedo, e viram donas de casa e chefes de família muito cedo. (BALBINO, 2006, p.159)

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Os trabalhos executados por grande parte dessa população são subempregos

como é o exemplo de Valter que carrega caixas de maça ou de “pequenos trabalhos

de curta temporada”, os que não se adéquam a esses padrões de emprego partem

para a ilegalidade como, por exemplo, as personagens dos amigos de Rodrigo, que

vivem de furtos de motos e carros, segundo Eduardo Galeano (2010) em seu artigo,

essa é a realidade dessas pessoas em toda América Latina:

(...) os marginalizados vivem de biscates, mordiscando trabalho aos pouquinhos e de quando em quando, ou cumprem tarefas sórdidas ou proibidas: são serventes, canteiros ou pedreiros ocasionais, vendedores de limonada ou de qualquer coisa, ocasionais eletricistas ou bombeiros hidráulicos ou pintores de paredes, mendigos, ladrões, flanelinhas, braços disponíveis para o que apareça. (GALEANO, 2010, p. 330)

No cinema latino americano existe uma tradição de representação dos

excluídos, segundo Christian Leon (2007), principalmente nas últimas décadas,

colocando em debate as relações estabelecidas entre centro da cidade e periferia,

denominando dessa forma a nova tendência como “realismo sujo” que dialoga

diretamente com diversas produções do NCL, dos diretores Fernando Birri, Julio

García Espinosa, Nelson Pereira dos Santos. Esses diretores também se inspiraram

em outros percursores dessa temática no cinema, como o diretor Espanhol Luis

Buñuel (1990-1983) revelou em seu filme “Los Olvidados” (1950).

O cinema da marginalidade reintroduz na cena publica aqueles sujeitos incompleto negados pelo discurso da modernidade e gera o retorno do reprimido pela ordem social e cultural. Sua vocação por visualizar a marginal projetando uma ruptura simbólica que reintroduz ao imaginário coletivo aqueles restos que foram excluídos na constituição da sociabilidade. Ao fazer-lo mostra a perversa operação do discurso ilustrado e demonstra e demonstra a profunda identidade entre o marginal e o cidadão. Os indigentes – os sem casa – que até aqui haviam sido representados como rejeitados necessitados de reabilitação e redenção, se mostram dotados de uma subjetividade e uma vivencia transbordante que ameaça a ordem social. 37 (LEÓN, 2005 p. 33)

37

“El Cine de la Marginalidad reintroduce en la escena publica aquellos sujetos incompletos negados por el discurso de la modernidad y genera el retorno del reprimido por el orden social y cultural. Su vocación por visualizar al marginal plantea una ruptura simbolica que reintroduce en el imaginario colectivo aquellos restos

que fueron excluidos en la construcción de la socialidad. Al hacerlo muestra la perversa operación del discurso ilustrado y demuestra la profunda identidad entre el marginal y el ciudadano. Los indigentes – los sin casa – que hasta aquí habían sido representados como interdictos necesitados de rehabilitación o redención se muestran dotados de subjetividad y una vivencia desbordante que amenaza el orden social.” LEÓN, Christian. El cine de la marginalidad: realismo sucio y violencia urbana. Quito, Editora Nacional, 2005, p.33.

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O filme que conta a história da geração No Future é citado por León em seu

livro como um dos representantes dessa tendência como o filme “Pizza, Birra, Faso”

(1998) que será analisado no capitulo seguinte.

A subjetividade dada aos personagens marginalizados em ambos os filmes,

os aproximam mais da representação do real, deixando o maniqueísmo de lado, ou

seja, nenhum personagem é inteiramente do bem ou do mal. No filme colombiano

Adolfo comete diversos crimes, mas sempre se preocupa em presentear sua

namorada com itens dos quais ela necessita como meia e batom; o próprio Rodrigo

que parece estar apático ao mundo ao seu redor e somente se importando com o

sonho de comprar uma bateria, socorre um vizinho, que teve um derrame, levando-o

de ônibus até o hospital que fica no centro da cidade, uma segunda crítica inserida

nessa sequência: a saúde publica. Em “Os Inquilinos”, Bianchi apresenta o líder do

grupo dos inquilinos inoportunos como um vagabundo que não trabalha e sugere

que ele também seja um assassino, ao mesmo tempo, que revela no final do filme a

sua participação no PCC, que apesar de ser uma organização criminosa também

está envolvida com ações sociais pela comunidade como a distribuição de

alimentos.

A má distribuição das casas e as ruas estreitas em regiões periféricas

somadas às necessidades diárias também contribuem, segundo Jéssica Balbino

(2006), para a fortificação das relações entre vizinhos: “As casas são muito

próximas, e as janelas e portas estão sempre abertas aos vizinhos, estando um

dentro da casa do outro, formando uma grande família. Uma família a margem da

sociedade dita elite.” (159/160). A solidariedade entre os vizinhos podem ser vistas

na relação de Valter com seu vizinho ancião que foi forçado a aceitar os arruaceiros

no outro cômodo da sua casa, ele se mostra extremamente preocupado com a

situação que vê na casa do ancião por cima do muro e pela janela da cozinha,

oferecendo ajuda inúmeras vezes. O pai de Rodrigo também possui uma relação

muito próxima com o rapaz que vive em outro cômodo, na mesma construção onde

fica sua casa, onde em uma das cenas ele pede um espaço do freezer emprestado

para guardar uma carne que não cabe em sua geladeira.

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51

3.3. Uma breve historia sobre a formação das comunas paisas e das

periferias paulistas

Para compreender melhor a estrutura do lugar onde transcorrem as histórias

das personagens e todas as influências locais é necessário voltar de maneira breve

ao passado e resgatar de forma sucinta como elas surgiram, destacando um

problema social que fundamentalmente às une, independente da distancia física e

cultural, entre esses dois territórios paisa e paulista, conhecido como migração.

A formação das comunas é uma das consequências dos três períodos de

violência na historia da Colômbia, que tiveram como estopim o assassinato do

candidato à presidência Jorge Eliécer Gaitán, em 1948. Gaitán era um candidato

popular, do Partido Liberal, à Presidência da República para o período de 1950-

1954, tendo grande aceitação popular incluindo o apoio da classe média e baixa,

com grandes probabilidades de ser eleito. Seu assassinato a luz do dia no Centro de

Bogotá, ocorrido durante a mesma semana da realização da IX Conferência

Panamericana que reunia importantes presidentes da América, onde se deu o

nascimento da OEA. O assassinato gerou o levante de uma multidão enfurecida que

linchou o suposto assassino – pois, acredita-se que seu assassinato teve alguma

conexão com a IX Conferência Panamericana e com o presidente colombiano que

estava no poder, o conservador Mariano Ospina Pérez, e seguiu de forma

descontrolada pelo centro com o objetivo de matar o presidente em vigor.

A destruição gerada pela morte de Gaitán resultou em edifícios destruídos,

lojas furtadas, enfrentamentos na rua, mas o levante que tinha como o objetivo

inicial matar Mariano Ospina Perez foi cessado. A ira da população que via em

Gaitán a esperança política de um pais com menor diferença econômica e uma

reforma agrária justa, durou uma semana e ficou conhecida como El Bogotazo.38 De

acordo com o site Colômbia Aprende, estima-se que esses dias de revolta

resultaram em um saldo de três mil pessoas mortas ou desaparecidas e cerca de

146 edificações destruídas. Essa onda de violência ultrapassou as barreiras da

cidade chegando até o campo, dando início a época conhecida como La Violencia,

38

Informações retiradas da primeira parte do documentário: El Bogotazo: La historia de una ilusión (2008), realizado pela parceria de The History Channel com Canal Caracol e Mazdoc Documentaries.

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na qual duzentos mil colombianos morreram envolvidos na guerra partidarista entre

liberais e conversadores no meio rural e urbano.

A segunda fase da violência se deu na década de 60, relacionada com a

criação da guerrilha de esquerda, as Força Armada Revolucionária da Colômbia

(FARC), os paramilitares de direita e os grupos armados a serviço dos

narcotraficantes, culminando em um conflito que permaneceu no meio rural. Para

Naiara Reinaga (2009), a Colômbia contou com um passado de violência que

antecede El Bogotazo e os conflitos que envolvem os grupos acima citados.

A história do país foi marcada pela violência, com guerras civis nos séculos XIX e XX e decorrentes da violência politica bipartidarista que dividiu o pais. Como informa Alcoforado (2002), em meados do século XX surgiu uma nova configuração social no pais, onde o conflito de classes entre a elite dominante em combate com camponeses e guerrilheiros marxistas desencadeia a guerrilha (...) (REINAGA, 2009, p.13)

Os conflitos dessa segunda fase geraram um fenômeno conhecido como

desplazados39, pessoas que vivem em áreas rurais, muitas vezes camponeses que

são obrigados pelos grupos citados no parágrafo anterior a deixarem suas terras

para que esse lugar sirva de base de operações, além disso, sua permanência no

local pode ser perigosa pelas balas perdidas; resultados do enfrentamento desses

grupos e o recrutamento forçado de jovens, camponeses e até crianças para

manterem a guerrilha durante o conflito. Sem escolha, essas pessoas são obrigadas

a deixarem suas terras e seguirem em direção de uma nova vida nas grandes

cidades. Para Milton Santos (1997), as cidades aparecem como um lugar de trabalho

livre desde a transição do feudalismo para o capitalismo, onde as terras

permanecem com os senhores feudais e a cidade é a única opção:

A cidade aparece, então, como uma semente da liberdade: gera produções históricas e sociais que contribuem para o desmantelamento do feudalismo. Representava a possibilidade do homem livre, da liberdade de escolha, muito embora fosse relativa, já que os ofícios eram regulamentados pelas corporações, pelas confrarias. (SANTOS, 1997, p. 53)

O deslocamento forçado dessa população decorrente da “fuga” dessas

regiões resultou em um crescimento desordenado de duas grandes cidades

colombianas como Bogotá e Medellín, onde a população praticamente duplicou40. O

39

Desplazado pode ser traduzido de forma livre como sem lugar, deslocados. 40

Segundo o Departamento Administrativo Nacional de Estatisticas – Colombia, de 1995 a 2005 quase 2 milhões de pessoas migraram para as cidades, fugindo das zonas de conflito entre guerrilha e paramilitares. Neste

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53

que claramente acelerou o processo de formação das grandes metrópoles e das

regiões periféricas, chamadas na Colômbia de comunas, se acentua a terceira fase

da violência decorrente das precárias condições de vida nessa região e do boom do

narcotráfico no país nas décadas de 80 e 90. As comunas são assentamentos

populares, surgidos em terrenos irregulares compostos por declives e vales o que

acentua desastres como inundações, as construções são feitas pelo empenho

particular e individual e por isso na maioria das vezes se assemelham com

construções da periferia brasileira, como exemplo: a casa, a contínua construção da

casa mal acabada da mãe de Alacrán, feita pelo próprio com ajuda de amigos, mal

acabadas, criada pelos chamados de urbanizadores piratas respeitando assim a

reticula entre as ruas e estradas – como se evidencia nas idas de Rodrigo ou de

seus amigos no percurso entre comuna e cidade, trata-se de uma região residencial

que conta com apenas algumas lojas de comércio alimentício e itens de

sobrevivência, em alguns setores das comunas o transporte sofre a influencia

positiva do metrocable 41 – no caso da comuna onde vive Rodrigo o transporte mais

usado é a motocicleta. Medellín conta com 16 comunas em seu território.

A migração da população da área rural para a urbana, resultando em um

crescimento sem planejamento das cidades, originando consequentemente as

regiões periféricas ao seu redor também é um fenômeno comum a realidade

brasileira. A grande diferença entre essas migrações é que a brasileira se deu não

por guerras ou conflitos e sim por problemas com a economia planejada

independente das reais necessidades da população. Na década de 1970 a

mecanização das atividades agrárias, somadas a concentração de terras nas mãos

dos latifundiários, a falta de infraestrutura básica como educação e saúde, os

períodos de seca, fazem com que a vida na cidade torne-se a primeira opção para

os trabalhadores rurais de uma maneira geral.

A urbanização, para Santos, (1997), foi o fator principal para esses grandes

deslocamentos nos países conhecidos como de Terceiro Mundo:

O fenômeno da urbanização é, hoje, avassalador nos países de Terceiro Mundo. A população urbana dos países subdesenvolvidos (tomada apenas as cidades com mais de vinte mil habitantes) é multiplicada por 2,5 entre 1920 e 1980, enquanto nos países

período, Bogotá duplica sua população de 4 para 8 milhões, enquanto Medellín de 2 para 4 milhões de habitantes. 41

O metrocable é uma espécie de teleférico que une a comuna instalada em um morro e a cidade.

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subdesenvolvidos o multiplicador se aproxima de 6. O retardo da urbanização nos países do “Sul” é seguido de uma verdadeira revolução urbana. No caso do Brasil, a população urbana é praticamente multiplicada por cinco nos últimos trinta e cinco anos e por mais de três nos últimos vinte e cinco anos. (SANTOS, 1997, p. 41)

O que ocorreu no Brasil é que a urbanização das grandes cidades não

garantiu que a oferta de emprego fosse compatível com a procura, o que gerou

desemprego e subempregos – como de Valter e de seu amigo, outros tantos

buscaram por trabalhos informais e bicos. Esses fatores somados a falta de

investimento do Estado na ampliação da infraestrutura urbana, culminaram no

surgimento de regiões periféricas ao redor das grandes metrópoles como favelas,

palafitas e invasões urbanas rodeadas por ruas estreitas em um terreno repleto de

declives como o das comunas. A região periférica paulista conhecida como

Brasilândia, onde foi rodado o filme “Os Inquilinos” se assemelha muito a comuna

paisa retratada em “Rodrigo D. No Future”.

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55

FIGURA 5 - VISTA DA JANELA DO QUARTO DE RODRIGO PARA A

COMUNA ONDE VIVE.

FONTE: DVD - Rodrigo D. No Future.

FIGURA 6 - VISTA DA VILA BRASILÂNDIA, ONDE VALTER VIVE COM

SUA FAMÍLIA.

FONTE: DVD - Os Inquilinos – Os Incomodados que se mudem.

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O escritor Eduardo Galeano (2010) explica a relação entre a mão de obra do

campo e da cidade na América Latina

Terras ricas, subsolos riquíssimos, homens muito pobres neste reino de abundancia e desamparo: a imensa marginalização dos trabalhadores que o sistema lança a beira do caminho frustra o desenvolvimento do mercado interno e aviltá o nível dos salários. A perpetuação do regime vigente de propriedade da terra não só aguça o crônico problema de baixa produtividade rural, pelo desperdício da mão de obra na proliferação dos minifúndios, também como deriva em uma drenagem caudalosa e crescente de trabalhadores desempregados em direção as cidades. O subemprego rural transforma-se em subemprego urbano. Crescem a burocracia e as populações marginais, aonde vão parar, voragem sem fundo, os

homens despojados do direito ao trabalho. (GALEANO, 2010, p.328)

A situação descrita por Galeano, 2010, poderia ser facilmente ilustrada pela

de Valter que possui um subemprego pesado, em uma empresa onde seu chefe

nega registrá-lo e com isso sem vínculo empregatício, colocando-o como mais um

na estatística de trabalhadores informais sem direito a férias, décimo terceiro, fundo

de garantia, ou seja, sem nenhuma estabilidade no campo econômico.

A maior parte da população que vive nessas regiões periféricas descendem

de nordestinos, negros, mestiços e brancos, o que não difere muito da população de

mestiços e brancos, afro colombianos e indígenas que se aglomeram nas comunas.

O preconceito e o racismo são tipos de discriminações que essas pessoas sofrem

quase que diariamente, quando saem das regiões periféricas como foi o caso de

Rodrigo, que ao utilizar o elevador de um prédio na cidade é hostilizado pela

faxineira do lugar, que o mede dos pés a cabeça e demonstra estar desconfiada

com a presença do garoto de origem simples trajado como punk no local;

provavelmente a própria faxineira era oriunda de uma região periférica, talvez da

mesma ou de uma outra comuna. O preconceito aparente na reação da faxineira

representa a cidade que não lhe dá opção alguma; nem a de cumprir a sua missão

que procurava fazer a primeira vez que entrou no edifício: tirar sua própria vida

saltando de um dos andares mais altos. A escolha pela cidade nesse caso dá a ele a

opção pelo anonimato de ser apenas mais um excluído na grande cidade, fato que

seria impossível em sua comuna devido a proximidade dos laços afetivos das

pessoas que vivem lá.

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57

3.4. A presença musical do Punk e do Axé

O filme colombiano faz referencia a musica punk em diversos momentos,

agregando ao personagem de Rodrigo o único traço de vivacidade quando ele ouve

uma música ou sonha com a sua bateria, dividindo espaço apenas com as memórias

de sua falecida mãe, o que bate de frente com a utilização do gênero Axé ligado

diretamente a imagem da “mulher objeto” diante de músicas que contém palavras de

baixo escalão e da dança sensual feita pela filha de Valter e suas amiguinhas na rua

da periferia. Ambos os ritmos nas situações apresentadas nos filmes estão ligados

com a violência, direta ou indiretamente e com questões relacionadas à identidade.

O punk surge originalmente nos Estados Unidos no principio dos anos 1970

como uma manifestação juvenil caracterizada pelo estilo baseado no tripé: música,

moda e comportamento. Algumas importantes característica, da cultura punk que

podem ser destacas no filme são: ”Do It Yourself” 42, projetado nas ruas

confeccionadas pelos próprios punks, reconhecido nas roupas dos personagens de

Rodrigo e principalmente de Alacrán com calças apertadas, camisetas de bandas

recortadas, entre outros, além de símbolos como a suástica nazista, a foice e o

martelo comunistas e anarquistas, usados como críticas a polícia e valores sócias e

morais; o principio do punk inglês que mesclou o tédio cultural e a decadência social

resultando no princípio de “qualquer um pode montar uma banda” como Sex Pistol e

Ramones, princípio esse que acompanha Rodrigo por todo o filme. Segundo os

criadores do site Anarquiapunk, o punk é usado como forma de contestação do

sistema no qual estamos inseridos:

Jovens, marginalizados pela sociedade, pobres e desempregados, começam a chocar a sociedade pelo seu modo agressivo de ser, de se vestir, e de agir. Tudo é contestação para os Punks, eles defendiam o Anarquismo e a liberdade individual, e manifestavam a sua rebeldia contra a hipocrisia, os privilégios, a sociedade conformista, as desigualdades sociais etc. (ANARQUIAPUNK, 2010)

A ideologia Punk não tinha fronteiras sociais e econômicas o que fez com que

no fim da década de 1970 esse movimento tomasse conta das periferias de

Medellín, dando a oportunidade de jovens excluídos fazerem parte de um

movimento, expressando suas indignações, gostos pessoais e suas vontades

através dele. Diversas bandas punks surgiram nesse cenário, principalmente na

42

“Faça Você Mesmo”

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periferia, suas músicas eram baseadas principalmente no ódio, no dia a dia dos

bairros e periferias. Nesse sentido o movimento punk agrega uma identidade aos

personagens do filme “Rodrigo D. No Future”, além de situá-los de forma coerente

no momento histórico no qual o filme se passa. O que pode ser visto de forma

objetiva nas diversas cenas com trilhas sonoras que denunciam problemas

recorrentes desses jovens, destacando a cena na qual Rodrigo sai pela rua

angustiado provavelmente pelo tema da busca incansável por uma bateria, após

brigar com sua irmã e a música, da banda Mutantex, de fundo diz em seu refrão:

“[...] Dinheiro, Angustias, Dinheiro, Problemas, Dinheiro, Sistema[...]”.43 (tradução

nossa)

Rodrigo e seus amigos se identificam com o estilo e a música punk, sendo o

protagonista e seu amigo punk que trabalha na marcenaria e o passa a acompanhar

nos ensaios de bandas de heavy metal e punk, angariando qualquer oportunidade

de utilizar os instrumentos dos quais não possuem os verdadeiros representantes do

movimento puro, por se manterem afastados da marginalidade em que os outros se

encontram. A marginalidade, marcada pela adoração por armas e motos

apresentadas principalmente na cena em que diversos jovens em motos se reúnem

na ruínas de um casarão no topo do morro, onde brincam com as armas, lutam,

fumam maconha e repetem insistentemente que “a morte pode chegar a qualquer

momento”. Para Gaviria em entrevista para Rebeca Mayorga o punk e a morte são

temas recorrentes em suas conversas com os não atores que vivem os personagens

do filme: “Quando me encontro com os atores de Rodrigo D., me dizem que vão

43

“Caminando por las calles sin saber a donde voy sin angustias ni problemas libre del sistema estoy”[…] El sistema nos aliena y nos quiere consumir con promesas, con dinero y ambicion nos llenarán Dinero....... angustias Dinero....... problemas Dinero....... sistema Nuestro dios es el dinero y sin él el hambre está, toca que antes te asesinen sin poderlo disfrutar lo deseas, lo acaricias y por él la vida das el sistema lo ha creado y tú lo conservarás […]”

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morrer. São ’punks‘ que tinham tomado a morte muito jovens e o sem futuro como

forma de vida”. 44 (tradução nossa)

A delinquência, adoração por armas e motos aproxima os amigos de Rodrigo

de outra denominação de tribo urbana que mistura o punk com a realidade violenta

da vida nas periferias, sofrendo a influência também do narcotráfico que a partir da

década de 1980 passou a ser figura importante, principalmente nessas regiões de

baixa renda como o boom dos cartéis de drogas e a aparição de traficantes

poderosos como o próprio Pablo Escobar 45. Essa tribo chamada popularmente de

pistolocos, para Pierre Michel Rosner esses grupos surgiram decorrentes da grande

movimentação da droga na Colômbia, segundo ele:

As formações dos cartéis (70-80): os narcos (cocaína) surgidos da delinquência comum eliminam os contrabandistas (maconha), aumentam o trafico e brigam entre eles para ganhar parte na comercialização nos EUA. O Estado e a sociedade civil se empenham em “rejeitar a violência como um feito estrangeiro”: os pistoleiros são locos (pistolocos) que “ajustam suas contas entre eles” (...) 46 (ROSNER, tradução nossa)

A definição de Rosner aproxima esse grupo dos que seriam os sicários47 em

um segundo momento, já para a professora de cinema colombiana Juana Suaréz

em seu livro sobre cinema colombiano esse grupo trata-se de “meninos dos bairros

marginais sempre fascinados por armas e motos” 48.

A ponte proposta entre o gênero musical punk do filme colombiano e o gênero

musical Axé é o da violência compreendida através dos conflitos apresentados em

ambos os filmes que possuem como pano de fundo esses gêneros. O Axé, conforme

foi citado no principio desse capitulo surgiu na Bahia em 1980, durante as

manifestações populares do carnaval de Salvador, sendo uma mistura de diversos

ritmos,muitas vezes designado de forma errada para generalizar ritmos de raízes

44

“Cuando me encuentro con los actores de Rodrigo D. me dicen que van a morir. Son ‘punkeros’ que han tomado la muerte joven y el no-futuro como forma de vida” 45

Pablo Escobar tornou-se o homem mais rico do mundo através do tráfico da cocaína da Colômbia para os EUA e outros países. Travando um verdadeiro “jogo de gato e rato” com a polícia até ser preso e assassinado em 1993, após ser perseguido pela polícia colombiana por mais de dez anos. 46

“La formación de los carteles (70-80): los "narcos" (cocaína) surgidos de la delincuencia común eliminan a los contrabandistas (marihuana), aumentan el tráfico y se pelean entre ellos para ganar partes en la comercialización hacia los EE.UU. El Estado y la sociedad civil se empeñan en "rechazar esta violencia como un hecho extranjero": los pistoleros son "locos" (pistolocos) que "ajustan sus cuentas entre ellos".”Base DPH 47

De acordo com os filmes: Sicários (1995/Venezuela) do director José Ramon Novoa, La Virgen de Los Sicarios (2000/Colombia) do director Barbet Schroeder, Rosario Tijeras (2005/Colombia) do diretor Emilio Maillé, os sicários são jovens de regiões periféricas que trabalham como matadores de aluguel e se locomovem em motos ou bicicletas, ligados ao narcotráfico ou não. 48

“ Muchachos de los barrios marginales, siempre fascinados por las armas y motocicletas”. SUAREZ, Juana. Cinembargo Colombia. Ensayos críticos sobre cine y cultura. Cali: Programa Editorial Universidad del Valle, 2009, p.102.

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africanas, seu nome é uma saudação que significa energia positiva para as religiões

africanas Candomblé e Umbanda. Esse gênero se tornou sucesso em todo o país

através dos carnavais e micaretas, os carnavais fora de época, durante o princípio

dos anos 1990, através das vozes de Daniela Mercury, Banda Mel, Banda Cheiro de

Amor e pela banda É o Tchan, grupo que se popularizou através de músicas de

duplo sentido e teor erótico, além de contar com dois vocais e duas bailarinas que se

apresentavam com roupas sumárias e movimento sensuais.

O grupo É o Tchan se sustentou nas paradas se sucesso usando a mesma

formula até 2000, durante esses anos ocorreram troca das bailarinas e o grupo virou

referência para outros do mesmo gênero. O diretor Sérgio Bianchi fez uma séria

critica a esse gênero musical e referência direta ao É o Tchan em seu filme, em um

primeiro momento a esposa de Valter e ele assistem á um programa policial

apresentado por Datena, o apresentador sensacionalista José Luis Datena é

conhecido por apresentar notícias relacionadas a um alto grau de violência – típico

da imprensa marrom, dá a noticia do estupro acompanhado de morte de uma garota

de oito anos, seu corpo foi encontrado na beira de uma represa. A notícia de um ato

de crueldade com uma garota que poderia ser a filha do casal os perturba. Algumas

sequências depois Valter se depara com sua filha de roupas cor de rosa – o que dá

a conotação de feminino e infantil ao mesmo tempo, dançando uma música de Axé

em uma rodinha de amigas da mesma idade, a música vem acompanhada por uma

dança sensual que desperta o interesse de um senhor, que estava passando pelo

local, que começa a ver o corpo daquela garotinha se movendo como o de uma

mulher e a olha com desejo. O pai perturbado com a situação se enche de ódio do

senhor e pede para sua filha entrar imediatamente; após esse acontecimento ele

passa a vigiar os passos da filha mais de perto.

A violência descrita no parágrafo anterior revela que o Axé Music traz consigo

uma carga de sensualidade que faz com que a parte da identidade cultural inserida

nele fique em segundo plano, aquela que conta sobre as raízes brasileiras de

miscigenação das raças como a Africana com a brasileira na época da escravatura,

limitando-o a um gênero associado a estereótipos, como por exemplo, a velha

dicotomia da “cultura popular” e “cultura erudita”, sem mostrar realmente que cultura

e identidades não podem ser pensadas como um patrimônio a ser preservado, como

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acredita Nestor Canclini49, para quem o intercâmbio e a modificação são peças

chaves para orientar a formulação e construção de identidades. No caso do Axé

Music, segundo Dr. Ordep Serra (1999), muito se perde do gênero se nos apoiarmos

apenas a esses estereótipos da “cultura popular” de forma pejorativa. Marcos Joel

de Melo Santos (2006) em sua dissertação de mestrado diz que:

Eu vejo, com receio, o fato de que a discriminação com o povo criador dos grandes ritos carnavalescos ainda continua e ainda é forte por aqui, e de que há uma apropriação simbólica dos valores produzidos por este povo, que são mostrados, são postos na vitrine para exibir uma imagem positiva do conjunto da Bahia, ao mesmo tempo em que se dá este processo de exclusão, que é constante, que é continuo e que a gente verifica até no próprio carnaval.(SANTOS, 2006)

O que transparece ao longo dos filmes é que ambos os gêneros musicais são

permeados pela tônica da violência representada de formas diferentes: em os punks

de “Rodrigo D. No Future” a violência pela qual estão expostos diariamente na

comuna em que vivem, é a causa do inconformismo e revolva em toda uma geração

que usa o movimento punk como forma de expressar esses sentimentos; na

representação do Axé Music em “Os Inquilinos”, a violência se apresenta como um

fator que gera violência ao sensualizar com suas letras e danças a crianças.

49

Fonte: Site Mundo Educação, “Identidade Cultural, Por Rainer Sousa/Mestre em História”. Disponível em: http://www.mundoeducacao.com.br/sociologia/identidade-cultural.htm. Acessado em 05/01/2012.

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62

4. A luta pela sobrevivência nas grandes cidades representadas

em “Pizza, Birra, Faso”,(1998), e “La Sombra del Caminante”,

(2004)

4.1. Congruências

O que une ao filme argentino “Pizza, Birra, Faso”, (1998), dirigido por Adrián

Caetano (1969-) e Bruno Stagnaro (1973-), do colombiano “La Sombra del

Caminante”, (2004), dirigido por Ciro Guerra é o lugar onde essas histórias são

narradas: a capital argentina Buenos Aires e a capital colombiana Bogotá. A

representação do cenário como pano de fundo vai além da trama, sendo a cidade

apresentada desde o começo como uma importante personagem que conecta todos

os demais, exercendo uma grande influência sobre eles. A grande cidade como

personagem se estrutura de forma paradoxal: ao mesmo tempo, que é o lugar onde

se pode ter um novo recomeço e ganhar a vida, também é o local onde está

acentuada a exclusão social, uma sociedade corrompida entre outros problemas da

contemporaneidade.

Pizza, Birra, Faso foi dirigido pelo diretor Uruguaio, radicado na Argentina,

Adrián Caetano (1969-) em parceria com o argentino Bruno Stagnaro (1973-) que

decidiram narrar à história de cinco jovens amigos que sobreviveram a delinquência

nas ruas de Buenos Aires. Conhecidos como Cordobés, Pablo, Megabom, Frula e

Sandra, os jovens carregam o dilema de que enquanto houver dinheiro para “pizza,

cerveja e cigarro” como sugere o titulo do filme, tudo estará bem. Para o escritor

Gonzalo Aguilar (2006), o titulo conota o quanto vale cada personagem com a

possibilidade de consumo deles com as características da sociedade pós-moderna

na qual estão inseridos, rotulando-os dessa forma como parte do grupo de excluídos

e marginalizados, pois possuem poder aquisitivo pequeno já que consomem poucos

itens e sempre em grupo, para Gonzalo (2006:73) essa característica “define os

personagens, mediante um jargão, por aquelas mercadorias que consomem”.50

(tradução nossa)

A relação dos diretores com os acontecimentos ocorridos na Argentina na

década de 1990 é evidenciada em diversos momentos do filme, que além do titulo

também há uma preocupação na construção de personagens conectados com o

50

“Define a los personajes, mediante una jerga, por aquellas mercancías que consumen”

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movimento da juventude da época. Segundo Norberto O. Ferreras, (2009),51 que

escreve sobre a ingenuidade da juventude argentina, que em 1989 sofreu com o

Golpe Econômico com a nova presidência de Carlos Menem que implementou

políticas mais liberais para equilibrar uma economia que ainda não estava bem, de

acordo, com informações encontradas no site: Argentina-Argentinien: Das Online

Portal zu Argentinien52: foi o que desiludiu a juventude vigente, esperançosa por

mudanças.

A realidade cinzenta e mesquinha dos anos Menem, Reagan, Bush, Thatcher, colocaram a juventude dos anos noventa em uma situação de desespero e angustia. Como processar essa tristeza? Quais eram as possibilidades de um jovem, nesses anos? A esterilidade dessa realidade deixava os jovens, novamente, sozinhos e isolados. Os mais velhos, os jovens de ontem, estavam empenhados em defender os seus trabalhos de ameaçadores jovens de hoje. Os altos índices de desemprego e a falta de crescimento não entregavam utopias, como as de palito Ortega. Quem eram os bem-sucedidos? Ninguém que atuasse licitamente. (NORBERTO, 2009: 43)

O momento histórico colombiano no principio do ano 2000 foi um ponto forte

para melhorar a compreensão do filme “La Sombra del Caminante”, (2004), o jovem

diretor Ciro Guerra (1981-) em seu primeiro longa metragem procurou retratar a

busca do deficiente físico Mañe, por um trabalho digno, passando por diversas

situações onde é hostilizado pelo seu problema físico. Mañe encontra nas ruas de

Bogotá outro excluído que lhe oferece trabalho de cadeireiro, levando as pessoas de

um ponto ao outro em uma cadeira de madeira que carrega nas costas, os dois

personagens não recorrem à ilegalidade para sobreviver, são fruto da violenta

trajetória colombiana como relatou o próprio diretor em entrevista para Rolando

Justos:

Mostram personagens que vivem e são produtos de uma sociedade violenta e indiferente, mas sem colocar opiniões periféricas, somente conta (um dos méritos do filme). Protagonistas que não fazem ver que a violência é uma só; venha do lado que venha, personagens que contam muito dizendo pouco, e o que fazem através de uma

51

Norberto O. Ferreras é professor adjunto do Departamento de História d Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializado em História da América Contemporânea, foi convidado para escrever o artigo ”As crises argentinas dos anos sessenta aos nossos dias” para a mostra de cinema argentino intitulada “Do novo ao novo Cinema Argentino: birra, crise e poesia”, que aconteceu no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de 19 de agostos a 06 de setembro de 2009 em São Paulo. 52

Fonte: Site Argentina-Argentinien: Das Online Portal zu Argentinien / El portal online a la Argentina. Artigo: Historia Argentina. Disponível em: http://www.argentina-argentinien.com/es/ml/historia-argentina.html. Acessado em 10/01/2012.

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manobra de montagem que descreve a realidade em torno de cada personagem. 53 (JURADO, 2005, tradução nossa)

A violência como problema histórico e social colombiano, surge no filme para

pontuar os 60 anos desde o princípio da conhecida era da La Violencia, descrita no

capitulo anterior, como tendo seu começo a partir da guerra partidarista entre liberais

e conservadores após o Bogotazo; sua segunda fase sendo marcada na década de

1960 pela guerra que ocorreu no campo entre guerrilha, paramilitares e

narcotraficantes; e o terceiro momento marcada pelo boom das grandes cidades que

receberam os desplazados (deslocados) de suas terras da etapa anterior,

mesclados com a abertura dos mercados internacionais para a cocaína colombiana,

resultando no surgimento de diversos cartéis de droga e de figuras que se tornaram

mundialmente conhecidas como Pablo Escobar. Guerra reproduz a terceira fase da

violência como pano de fundo da cidade em seu filme, segundo as características

dessa fase descrita pelo diretor colombiano Luis Ospina (1949-):

A terceira violência denominaria a violência urbana ocasionada pelo desemprego e pobreza dessas populações marginais nas grandes cidades, vinculadas ao auge da máfia das drogas em Medellín e Cali desde a metade dos anos oitenta que se aproveitam brutalmente dessa mão de obra barata. 54 (OSPINA, 2008, tradução nossa)

Os diretores de ambos filmes se aproximam nessa preocupação em pontuar o

momento histórico no qual as personagens estão vivendo. Guerra procura fazer isso

de uma forma mais intimista, que ressoa na escolha por gravar – foi feito com

câmeras digitais, seu filme em preto e branco, usando uma trilha sonora de um

piano que se colocam em contra ponto com as imagens duras do dia a dia dos

personagens no centro de Bogotá. Por outro lado, Caetano e Stagnaro, oferecem

cortes rápidos, trilha sonora de cumbia55 sobreposta ao barulho da cidade, uma

plástica mais suja considerado pelo escritor Christian León (2006) como um dos

filmes pertencentes ao chamado de “realismo sujo” (León, 2006:19) junto com o já

comentado Rodrigo D. No Futuro, Un Oso Rojo (2002), do mesmo diretor Adrián

Caetano entre outros, o próprio León define o realismo sujo latino americano como

53

“Muestra personajes que viven y son producto de una sociedad violenta e indiferente, pero sin meter opiniones de contrabando, solo lo cuenta (uno de los méritos del film). Protagonistas que nos hacen ver que la violencia es una sola, venga del lado que venga, personajes que cuentan mucho diciendo poco, y lo hacen a través de un buen manejo de imágenes que describen la realidad y entorno de cada personaje.” 54

“La tercera Violencia denominaría la violencia urbana ocasionada por el desempleo y pobreza de estas poblaciones marginales en las grandes ciudades, vinculada al auge de las mafias de la droga en Medellín y Cali desde mitades de los ochenta, que se aprovechan brutalmente de esta mano de obra barata.” 55

Cumbia é um gênero musical surgido nos guetos colombianos, anos depois se disseminando pela América Latina. A cumbia é atualmente considerada um dos ritmos mais populares da Argentina. Disponível em: http://cumbia.info/. Acessado em 10/01/2012.

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uma combinação de elementos do cinema direto e do cinema verité com

procedimentos do cinema comercial.

A denúncia das instituições cidadãs e o mundo da rua presente na trama

argentina e na colombiana, são questões muito frequentes no cinema tido como

“realista”, de acordo com o texto da escritora argentina Malena Verardi (2009): “A

questão temática do cinema “realista” fica aderente mais do que a narração de

certas histórias, especialmente vinculadas com a abordagem da precariedade

laboral, o universo dos pobres urbanos, etc (...)” 56 (VERARDI, 2009 p.189, tradução

nossa). Alguns críticos destacam outra característica quase que etnográfica desse

cinema realista em torno da superfície social e urbana, segundo destacou o escritor

Emilio Bernini (2003):

Com isso, o cinema realista atual ainda responde, como os cineastas modernos, a essa exigência tácita feita ao cinema em relação ao conhecimento da sociedade. (...) Mas o modo em que se apresentam esses mundos distantes permite que essa alteridade social seja entretanto compatível ao mundo do espectador, porque esses outros sociais e racionais estão integrados ideologicamente no olhar do

cineasta, como acontece com o cinema de Caetano57.(tradução

nossa) (BERNINI, 2003:99)

Um adendo nesse caso seria importante, o número de espectadores de

“Pizza, Birra, Faso” foi de 100.000 espectadores, segundo a BACIFI (Buenos Aires

Festival Internacional de Cine Independiente) em 1999, o que é um número bem alto

para um filme argentino, mesmo dentro de seu próprio pais; já o “La Sombra del

Caminante” foi selecionado para o Festival de Cannes e circulou em mais de 60

festivais pelo mundo segundo dados do Portal del Cine Audiovisual Latinoamericano

y Caribeño 58, o que revela a empatia do público com essas cinematografias.

As temáticas destacadas nesse cinema realista dialogam diretamente com a

escola do neorrealismo italiano, consequentemente com o movimento do Nuevo

Cine Latinoamericano (NCL). O chamado agora de “novo neorrealismo urbano”

passa a ser uma nova característica singular do cinema contemporâneo, para

56

“La cuestión temática del cine “realista” quede aderida además de la narración de ciertas historias, especialmente vinculadas con el abordaje de la precarización laboral, el universo de los pobres urbanos, etc (…)” 57

“Con esto, el cine realista actual aún responde, como los cineastas modernos, a esa exigencia tácita hecha al cine respecto del conocimiento de la sociedad.(…) Pero el modo en que se presentan esos mundos ajenos permite quee esa alteridad social sea sin embargo compatible con el mundo del espctador, porque esos otros sociales y raciales están integrados ideológicamente en la mirada del cineasta, como sucede en el cine de Caetano” 58

Fonte: Portal del Cine Audiovisual Latinoamericano y Caribeño. El largometraje colombiano La sombra del caminante se estrena en cartelera en Francia como La sombra de Bogotá. Disponível em: http://www.cinelatinoamericano.org/texto.aspx?cod=2674. Acessado em 11/01/2012.

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66

escritores como Rafael Filippelli, Raú Beceyro e David Oubiña essa é uma clara

tendência atual.

Existe uma espécie de stock genérico de procedimentos aos que “soltam a mão” de modo cuja motivação é difícil de captar. E me pergunto se isso não corresponde a substituição da ideia, muito precisa, de plano, pela imagem (...) há uma confusão entre ideologia realista e estética.59 (BECEYRO et. al, 2000, tradução nossa)

O “novo neorrealismo urbano” também se evidencia na forma de falar do

grupo de Cordobés, com um Espanhol rápido e repleto de gírias quase

incompreensível. Personagens que atendiam por codinomes apelativos como Frula

ou Megabom. Caetano e Stagnaro optaram por protagonistas sem experiência,

deixando os atores profissionais como secundários.

O neorrealismo italiano se fez presente em toda uma geração de cineastas

argentinos contemporâneos conhecidos como Nuevo Cine Argentino (NCA)60

(tradução nossa) movimento marcado pelo surgimento de “Pizza, Birra y Faso”, em

1998 considerado o primeiro filme do movimento que é visto como o sucessor da

“generación de los 60” 61 (tradução nossa), ou seja, dos diretores envolvidos na

NCL. Entre esses dois movimentos, Ignacio Amatrianni (2009) destaca

problemáticas comuns entre os dois a partir de dados coletados por Malena Verardi

(2009):

A crise do esquema produtivo dos grandes estúdios, abertura cosmopolita a outros movimento renovadores mundiais, reivindicações cahierista; o alterismo em certos diretores referentes dentro da grande indústria, emergência dos cine-clubes e salas de arte e ensaio; apoio de uma “nova critica” especializada; sofisticação da linguagem cinematográfica; e incluindo um fazer de um novo

verossímil realista62 (VERARDI, 2009: 24, tradução nossa)

A importância de “Pizza, Birra, Faso” ser o primeiro representante dessa nova

geração que se inspira no passado, expondo no presente argentino questões sociais

importantes é também reafirmado por Malena Verardi (2009):

Se bem que o filme aborda os vínculos entre pobreza, exclusão social, marginalidade e delito através de uma leitura que não se

59

Hay uma espécie de stock genérico de procedimentos a los que se echa mano de um modo cuya motivción es difícil de captar. Y me pregunto si esto no se corresponde con la situacion de la idea, muy precisa, de plano, por la de imagen(…) hay una confunsión entra ideología realista y estética realista” 60

Novo Cinema Argentino. 61

Geração dos anos sessenta 62

“Crisis del esquema productivo de los grandes estudios, apertura cosmopolita a otros movimiento renovadores mundiales; reinvidicación retrospectiva de cuño caheirista, del “auterismo” en ciertos directores referentes dentro de la gran industria; emergencia de los cine clubes y salas de arte y ensayo; apoyo de una “nueva critica” especializada; sofisticación del lenguaje cinematográfico, e incluso el hallazgo de un nuevo verosímil realista.”

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aprofunda em múltiplos aspectos de essa complexa relação: Pizza, Birra, Faso tem o mérito de ser um dos primeiros filmes – se não o primeiro – em interrogar-se sobre as mudanças operadas na sociedade argentina a partir da implementação do modelo neoliberal. (VERARDI, 2009: 188)

O caminho traçado entre a “generacion de los sessenta” e o “nuevo cine

argentino” contemporâneo foi cheio de interrupções, é necessário lembrar que os

cineastas dessa geração, que foram os mesmos do NCL, passaram por um breve

momento renovador, tidos como a “geração perdida” segundo o professor Fábio

Nuñez, (2009) 63 por ter atravessado por boicotes institucionais, censura política e

por problemas econômicos. Essa interrupção fez com que os cineastas do nuevo

cine argentino não tivessem em que se espelhar se não nessa geração, já que após

ela, a dos anos 60 ocorreu um hiato de alguns anos, consequência dos problemas

citados anteriormente e discutidos no primeiro capitulo da dissertação. O diretor

argentino Pablo Trapero (2006), faz parte dessa geração e confirma essa tendência:

Quando comecei a fazer cinema, algumas coisas tinham mudado na Argentina. Talvez a mudança fosse semelhante em toda América Latina, uma vez que haviam terminado as ditaduras e no cinema existia uma ausência de linguagem. Estavamos diante de um cinema de divertimento. Durante muitos anos houve um debate sobre a linguagem cinematográfica. A partir dos anos 80, quando comecei como expectador dos novos filmes, e mais tarde nos anos 90, quando iniciei meus estudos, minha geração foi vista como aquela que reaparecia, após o desaparecimento de toda uma geração e de uma forma de contar histórias, produto da repressão e da ditadura dos anos 70. Naquele período houve um gap, durante qual nada de novo aconteceu na Argentina, e nada chegava na América Latina (...) Então de alguma maneira, a mudança da geração que deveria ter acontecido nos anos 90 pulou uma década e foi acontecer nos anos 90 (...) (TRAPERO, 2006:103)

A preocupação com as questões sociais foram um dos principais legados

passados da “geração dos 60” para os cineastas dos anos 90, ainda que

representadas na contemporaneidade dentro de histórias do cotidiano na maioria

das vezes nas grandes cidades e não mais no meio rural, em historias que envolvia

um coletivo.

63

Fabio Nuñez é professor adjunto do departamento de cinema e vídeo da Universidade Federal Fluminense (UFF) e curador da mostra de cinema argentino intitulada “Do novo ao novo Cinema Argentino: birra, crise e poesia”, que aconteceu no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de 19 de agostos a 06 de setembro de 2009 em São Paulo, onde produziu para o catalogo o artigo “Do novo ao novo Cinema: um pais em dois momentos”.

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68

4.2. A representação das cidades

Um ponto passivo e fundamental nas duas tramas é a presença da cidade

como um espaço de representação social, agindo com a mesma força de um

personagem e não apenas como um cenário onde se desenrolam diversas histórias

do grupo de delinquentes de “Pizza, Birra, Faso” ou dois personagens

marginalizados de “La Sombra del Caminante”. No primeiro deles, sabemos apenas

de onde descende o líder do grupo de codinome Cordobés, que provavelmente

migrou 700 km rumo a capital Argentina em busca de uma vida melhor,

independente de que ela seja dentro ou fora da lei. No segundo caso a cidade de

Bogotá carrega com ela, uma conotação de lugar onde se pode recomeçar, já que

Mañe sai do departamento de Caquetá para a capital afim de conseguir um trabalho,

após sobreviver à um massacre onde ele perdeu uma perna, da mesma forma que

o Cadereiro sai de Cesar na mesma direção, para esquecer o seu passado e viver

uma nova vida.

A intenção do diretor Ciro Guerra por criar personagens que descendessem

de outros lugares e não da capital e colocá-los em um contexto urbano de uma

cidade de grandes dimensões, foi algo calculado e partiu da sua experiência

pessoal, de alguém que também nasceu em Rio del Oro, Cesar e se deslocou até

Bogotá para cursar Cinema e Televisão na Universidade Nacional da Colômbia

(UNAL), em entrevista à Sarmiento diz:

Queria faze-lo desde o urbano, desde esse circo que está acontecendo nas ruas bogotanas diariamente, desde minha experiência como estrangeiro em Bogotá, já que sou de Cesar. Sinto que temos muito que contar que refletir, e para isso é o cinema. E logicamente também queria entreter, divertir, entregar uns personagens íntimos, mas sem golpes baixos. Queria que a gente saísse do cinema pensando que viu algo que te acompanhará por muito tempo. 64 (SARMIENTO, 2004, tradução nossa)

As cidades no cinema latino americano e mundial, sempre representaram um

ponto de atração sobre os personagens do cinema, por representar em si uma série

64

"Quería hacerlo desde lo urbano, desde ese circo que está ocurriendo en las calles bogotanas a diario, desde mi experiencia como extranjero en Bogotá, ya que soy del Cesar. Siento que tenemos mucho que contar y mucho qué reflexionar, y para eso es el cine. Y lógicamente también quería entretener, divertir, entregar unos personajes entrañables, pero sin golpes bajos. Quería que la gente saliera del cine pensando que vio algo que te acompañará por mucho tiempo" .

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de fatores distintos do espaço rural, que aparentemente se adapta de forma mais

maleável ao novo homem surgido com ela. Para Sandra Jatahy Pesaventos (2007) o

poder relacionado ás cidades, pode ser compreendido a partir da sua formação:

(…) A cidade foi, desde muito cedo, reduto de uma nova sensibilidade. Se citadino, portar um ethos urbano, pertencer a uma cidade implicou formas, sempre renovadas ao longo do tempo, de representar essa cidade, fosse pela palavra escrita, escrita ou falada, fosse pela música, em melodias e canções que a celebravam, fosse pelas imagens, desenhadas, pintadas ou projetadas que a representavam, no todo ou em parte, fosse ainda pelas práticas cotidianas, pelos rituais e pelos códigos de civilidade presente naqueles que a habitavam. (JATAHY, 2007:11)

A cidade representada como ícone de civilidade descrito por Jatahy (2007) vai

ao encontro dos problemas sociais expostos no filme. A cidade antes retratada nos

filmes brasileiro das NCL como o local das oportunidades se opondo ao campo e ao

Sertão Nordestino, mostra outra face no filme colombiano na sequência em que

Mañe vai até uma agência de empregos, depois de esperar em uma fila, quando é

atendido, expõe seu problema físico e sua gana de um trabalho para a atendente

que repete diversas vezes, logo após pedir uma quantia para um exame obrigatório:

“Nós te conseguimos trabalho nem que seja cocho, cego ou surdo. Dez mil pesos,

por favor”. A cena seguinte mostra Mañe após ter pagado a quantia e feito um

exame semelhante ao de diabetes, com a própria atendente é encaminhado para

uma sala onde ocorreu um a espécie de culto evangélico mesclado com palestra

motivacional, onde o “palestrante” faz as pessoas repetirem coisas como “I am

working mucho” 65

A agência de empregos age como uma ferramenta de exploração, na qual

nem os deficientes físicos são poupados. Na capital argentina, a fila enorme diante

da agencia de empregos em que Cordobés, Megabom e Pablo aplicam pequenos

golpes, também denunciam a crise econômica pelo qual o pais atravessava, além

uma grande mudança no posicionamento antes privilegiados das grandes cidades

no mundo, que ocorreu na década de 1990, segundo a própria Jatahy (2007)

explica:

O que cabe destacar no viés da analise introduzido pela historia cultural é que a cidade não é mais considerada só como locus privilegiado, seja da realização da produção, seja da ação de novos

65

“Eu estou trabalhando muito” agrega ao palestrante uma qualidade referente a globalização, já que ele mistura o inglês com o espanhol, talvez lhe dando um suposto conhecimento sobre o tema.

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atores sociais, mas sobretudo, como um problema e um objeto de reflexão, a partir das representações sociais que produz e que se objetivam em praticas sociais. (JATAHY, 2007:13)

As relações expostas entre os personagens e a polícia, denotam uma

instituição corrompida, sendo mais uma característica associada às duas grandes

cidades dos filmes. O policial apresentado no grande momento em que o plano do

assalto a uma casa noturna em Buenos Aires, sendo o grande clímax do filme e

única opção de desfecho para a vida dos garotos delinquentes, que projetam nesse

assalto a única saída de mudarem de vida, ocupa seu tempo espancando Megabom

– claramente um menor de idade - diante do local que está ocorrendo visivelmente o

assaltado ao invés de zelar pela segurança das pessoas que correm apavoradas do

local ao se darem conta do assalto envolvendo armas e um segurança de refém;

outro policial após se solidarizar com o carro dos jovens quebrado – em uma das

sequências anteriores, pedem propina para que possa liberá-los com o carro, já que

o motorista não possuía habilitação em mãos.

Uma prática semelhante ao suborno é apresentada no filme colombiano.

Mañe decide usar de seus contatos para conseguir uma permissão para que o

Cadeireiro possa executar seu trabalho nas ruas sem ser mais vitimas de

apreensões do seu principal material de trabalho: sua cadeira, por viver na mesma

casa de um sargento reformado, Mañe consegue a permissão de trabalho para seu

amigo, mediante a apresentação e nenhum documento ou registro legal. O que

sugere o retrato de uma cidade corrompida também diante da problematização do

grande crescimento do trabalho informal representado pelo personagem do

Cadeireiro que oferece seus serviços como um animal de carga ou do Mañe que fica

horas ao relento na Praça Bolívar vendendo figuras em origami.

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FIGURA 7 - CENTRO DE BUENOS AIRES.

FONTE: DVD - Pizza, Birra, Faso.

FIGURA 8 - CENTRO DE BOGOTÁ

FONTE: DVD - La Sombra del Caminante.

O big boom desses problemas associados as cidades atuais, para Massimo

Di Felice (2009), surgiram em um momento pontual.

A grande expansão urbana mundial ocorrida entre duas grandes guerras levantou um conjunto de problemas urbanísticos e sociais que acarretou a eleição do problema da cidade como prioridade pelos governos, os políticos e a sociedade como um todo. (Di FELICE, 2009:113)

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Tais problemas são expostos ao expectador na segunda sequência do filme

da Guerra, onde nos é apresentado o centro de Bogotá em preto e branco, repleto

de pessoas, vendedores informais espalhados pela Carrera 766, cidade ruidosa,

cachorros nas ruas, trafego intenso.

Os diretores de “Pizza, Birra, Faso” apresentam em uma primeira sequência

uma Buenos Aires muito semelhante a Bogotá de Guerra, imagens de pontos

históricos muito conhecidos da cidade com o Obelisco, a Praça da Constituição,

mesclando elementos da arquitetura clássica da cidade com vendedores informais,

ônibus, forte trafego costurados por uma montagem frenética junto com a trilha

sonora de uma Cumbia por cima do som direto da rua. A presença de personagens

marginais e o gênero musical popular Cumbia, têm sido frequentes no cinema

argentino, segundo Oubiña (2004) apud AMATRIANIN, 2009:

Muitos filmes argentinos recentes estão habitados por personagens marginais e por gêneros musicais como a cumbia e o cuarteto. Como entender essa escolha? O que está em jogo na apropriação do popular: a articulação de um discurso crítico que registre as tensões e os matizes, ou melhor, a construção de um estereotipo de uma vida lumpen?67 (Oubiña, 2004 apud AMATRIANIN, 2009:57, tradução nossa)

Os lumpen surgiram a partir de um término criado pelo fundador da doutrina

comunista Karl Marx (1818–1883), para designar o estrato social que vivem em

condições de precariedade e são basicamente compostos por pessoas que

executam trabalhos ocasionais, vagabundos e delinquentes

A apropriação do popular vai mais além da música, passando por símbolos

históricos das duas capitais, da expressão das pessoas que caminham pelas ruas

bem enfocadas durante a apresentação dos filmes. Para Jatahy (2007), a população

diz muito a respeito da cidade em que habita:

É por isso que ao lado das imagens icônicas da materialidade urbana, há toda uma outra linha de representação que exibe a cidade através de sua população, com suas ruas movimentadas, o povo a habita-lá, a mostrar sua presença e também sua diversidade, em

imagem ora ternas, ora terríveis de contemplar(...)(JATAHY, 2007:14)

66

Também chamada de Avenida Alberto Lleras Camargo. 67

“Muchos films argentinos recientes están habitados por personajes marginales y por géneros musicales como la cumbia y el cuarteto. Cómo entender esta elección? Qué está en juego en la apropiación de lo popular: la articulación de un discurso critico que registre las tensiones y los matices de ese ámbito o, más bién, la construcción de un esteriotipo de la vida lumpen?”

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A observação de Jatah, sobre a população ser uma espécie de reflexo junto

com os símbolos da cidade e de representação das mesmas, devemos levar em

conta que a arquitetura dos edifícios e desenhos das ruas também são pistas

importantes para desvendarmos esse lugar urbano. A Bogotá desvendada pelo olhar

de Guerra se passa em bairros centrais ou subúrbios como La Perseverancia, Las

Nieves e Ricaurte, de ruas estreitas e ladeiras como os locais onde vivem Mañe,

tendo somente um lugar verde onde o Cadeireiro vive em uma barraca de lona, em

cima da montanha de Monserrate que fica ao redor da região mais habitada e

desenvolvida da cidade, em contra partida o único verde visto em meio ao Bairro da

Constituição no centro de Buenos Aires é o verde dos canteiros públicos.

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FIGURA 9 - SUBÚRBIO PORTENHO ONDE VIVEM CORDOBÉS E SEUS

AMIGOS.

FONTE: DVD - Pizza, Birra, Faso.

FIGURA 10 - CADEIREIRO CAMINHA PELO BAIRRO DA CANDELÁRIA,

CENTRO HISTÓRICO DE BOGOTÁ.

FONTE: DVD - La Sombra del Caminate

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As construções onde vivem os personagens urbanos acrescentam outras

informações sobre o papel das cidades, como, por exemplo, o grupo do Cordobés

vive em uma casa invadida no centro da cidade, o pai de sua namorada Sandra vive

em um bairro afastado perto do porto, sugerindo que o único lugar onde ir após a

grande fuga seria a saída pelo mar que os levariam ao Uruguai. Por sua vez Mañe

vive em um quarto alugado em uma casa no centro, que se encontra em uma ruela

inclinada, cercada por marginais que hostilizam sua condição de deficiente, roubam

e agem com violência com ele. Habitações que de forma alguma asseguram o

manifesto urbanístico resultante do IV Congresso Internacional de Arquitetura

Moderna (CIAM), realizado em Atenas em 1933, conhecido como Carta de Atenas

descrito por Massimo Di Felice (2009):

Doravante, os bairros habitacionais devem ocupar nos espaços urbanos as melhores localizações, um número mínimo de horas de insolação deve ser fixado para cada moradia. O alinhamento das habitações ao longo das vias de comunicação deve ser proibido (...).

Na região que acerca a cidade, amplos espaços deverão ser reservados e organizados (...). Uma destinação fecunda das horas livres forjará uma saúde e um coração para os habitantes da cidade (...).

A cidade deve assegurar nos planos espiritual e material, a liberdade

individual e o beneficio da ação coletiva (DI FELICE, 2009:114)

As necessidades básicas da vida na cidade proposta na Carta de Atenas não

são asseguradas em ambos os filmes, onde a precariedade das habitações, a falta

do verde nos espaços urbanos, a desorganização das construções e a falta de

liberdade na atuação em um trabalho informal nas ruas da cidade são questões

recorrentes em diversos momentos das narrativas.

4.3. Opressão e amizade na cidade

Duas relações são sobressalentes durante as narrativas: a de opressão e a

de amizade, sendo que os principais personagens ora são ativos e ora passivos na

representação dos papeis de opressor/oprimido, usando a relação da amizade como

fio condutor dessas histórias. O primeiro delito de Cordobés e Pablo se apresenta

em um taxi que leva um passageiro, ao final do assalto o taxista se revela como o

mentor da emboscada, agredindo Cordobés por ser impulsivo e pagando muito

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pouco aos dois; Mañe por sua vez é oprimido pelo sargento que lhe aluga o quarto

onde ele vive, o aluguel está sempre atrasado, pois Mañe não consegue um trabalho

fixo, por esse se sentir “provedor”, o Sargento se vê no direito de humilhá-lo

verbalmente e até agredi-lo, além de sugerir que ele vá viver em um asilo devido a

sua deficiência.

Taxista e Sargento se colocam de alguma forma como provedores dos

protagonistas, mesmo o taxista precisando da colaboração de Pablo e Cordobés

para efetuar seus assaltos, ele enxerga a relação de uma forma unilateral como se

apenas eles dependessem dele, acreditando assim estar fazendo um “favor”,

ganhando o direito deliberado de agir com violência sobre eles. O Sargento

aposentado, apesar de também ter uma deficiência na perna e muitos problemas de

saúde, acredita ser mais digno do que Mañe, porque o vê como diferente de si,

também se sentindo no direito de tratá-lo como bem entender. A antiga relação,

inúmeras vezes discutidas pelos participantes do NCL nas décadas anteriores, de

colonizador e colonizado, conquistador e conquistado, impresso na história da

América Latina volta a se repetir, mas dessa vez com pessoas oriundas do mesmo

país e de classes sociais muito próximas.

Cordobés é quem se sente mais incomodado com essa situação, tentando

assim realizar outros golpes independentes do taxista, que resultam em mais

opressão, dessa vez de Hugo, um suposto amigo de Frula, é quem está disposto a

usar seu carro e uma arma em um assalto a um restaurante fino, localizado no bairro

Once, sendo que no fim do ato ele humilha todo o grupo e não divide de forma

honesta o dinheiro ganho. Esse é o ponto de partida para que eles percebam que

permanecer dependente desse tipo de relação, sempre acarretará injustiça e maus

tratos, por isso a ideia de um grande assalto que mudará os caminhos deles,

principalmente do mentor desse assalto, o líder Cordobés, que vai ser pai de um

filho com Sandra e está em mais uma situação que não pode controlar, quando

percebe que Sandra sofre maus tratos de seu pai, precisando com urgência de

meios para tirá-la de lá e oferecer uma vida decente a ela.

No entanto os diretores do filme argentino colocam seus personagens dentro

de um ciclo vicioso que o final do filme prova que não pode ser rompido, no qual

oprimido também pode ser opressor, provando indiretamente o quanto a sociedade

Argentina está corrompida com a cena em que Codobés e Frula, após comerem

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pizza e cerveja com o pouco dinheiro ganho com o assalto ao taxista, decidem

caminhar algumas quadras até a rua Florida, onde encontram um músico de rua de

codinome Rengo, que não possui as duas pernas e espera, diante de uma loja, por

turistas que vem do hotel Sheraton para tocar. E decidem roubá-lo. O roubo

acontece, e a cena para Caetano é uma clara referencia ao “Los Olvidados” (1950)

do diretor espanhol Luis Buñuel, que segundo ele, foi colocada para que:

A gente não simpatiza-se muito com os personagens e já fosse uma

apologia a pobreza ou marginalidade(...). A partir dai continua vendo

os personagens com simpatia, mas também sabe que esses garotos

são capazes de qualquer coisa. 68 (BORDIGONI & GUZMÁN,

2011:85, tradução nossa).

68

“La gente simpatizara demasiado con los personajes y ya fuera una apología de la pobreza o marginalidad (…). A partir de ahí seguís viendo a los personajes con simpatía pero también sabés que esos gauchos son capaces de cualquier cosa.

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FIGURA 11 - CORDOBÉS E PABLO DIVIDEM UMA PIZZA NA PIZZARIA

UGI`s.

FONTE: DVD - Pizza, Birra, Faso.

FIGURA 12 - MAÑE BEBE CHÁ QUE CADEREIRO LHE OFERECEU.

FONTE: DVD - La Sombra del Caminante.

A saída encontrada para Mañe é a vingança, ao encontrar o Sargento na rua

de sua casa, ele é mais uma vez mal tratado, porém o opressor passa mal e Mañe

aproveita para descarregar sua raiva entre chutes e xingamentos, tentando inclusive

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interromper o socorro que o Cadeireiro presta ao homem estirado no chão. Ao ver

que não pode controlar todas as ações do Cadeireiro que tanto lhe é solícito, Mañe

tenta em um segundo momento virar agente da opressão roubando uma planta que

seu amigo mantém e de onde tira as folhas para preparar um chá que ele toma

diariamente; no entanto ao se dar conta de que esse chá é o que mantém o outro

vivo, ele se desespera em busca da planta, se expondo a surras do grupo de

marginais vizinhos entre outros.

O que prevalece é o sentimento de amizade e companheirismo,

principalmente explicito na relação de Mañe com o Cadeireiro e de Cordobés com

Pablo. Originalmente o próprio título do filme colombiano: “La Sombra del

Caminante”, em português, “A Sobra do que Caminha”, sugere a relação chave

entre os protagonistas: o Cadeireiro, sendo aquele que caminha e pode dessa forma

carregar em suas costas aquele que não pode caminhar da mesma forma. Diego

Andrés Martinez Zambrano (2009) sugere em sua reflexão sobre o filme algo mais

sobre o titulo:

O que caminha, não é mais que o arquétipo de um personagem da sociedade colombiana. Um individuo que tenta construir seu presente, negando seu passado, e, por perder, sem material para construir seu agora. O que caminha tenta confrontar seu agora construindo uma cadeira para carregar os transeuntes no centro de Bogotá, único material não violento com o qual ele conta para interatuar com seu presente, mas essa cadeira construída a partir de caixão (...) tentando afrontar seu novo presente comum escasso material do seu passado, ser um cadeireiro e escrever umas quantas palavras como havia lhe ensinado seu pai já que todo o resto se encontra cheio de crueldade e morte. 69 (ZAMBRANO, 2009, tradução nossa)

A amizade entre Mañe e o Cadeireiro se baseia em uma troca mútua: Mañe

oferece seus conhecimentos ensinando o Cadeireiro a ler e escrever, por sua vez, o

Cadeireiro oferece a proteção que o primeiro teria se não tivesse sofrido uma

violência e perdido uma perna, este também assegura seu bem estar ao redor de

sua casa, onde três jovens agridem Mañe com palavras e fisicamente. Ambos fazem

parte de uma classe de excluídos onde um olha pelo outro. No entanto o grande

69

“El caminante no es más que el arquetipo de un personaje de la sociedad colombiana. Un individuo que intenta construir su presente, negando su pasado, y, por ende, sin material para constituir su ahora. El caminante al intentar afrontar su ahora construye una silla para cargar a los transeúntes en el centro de Bogotá, único material no violento con el que cuenta para interactuar con su presente, pero esta silla es construida a partir de ataúdes (…) intenta afrontar su nuevo presente con un escaso material de su pasado, el ser un silletero y escribir unas cuantas palabras como le había enseñado su padre, ya que todo el resto se encuentra lleno de crueldad y de muerte.”

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clímax do filme está marcado na cena em que o Cadeireiro revela que seus

caminhos já haviam sido cruzados no passado, passado esse onde ele era opressor

e Mañe o oprimido e a Colômbia seguia um caminho de violência generalizado nos

anos oitenta.

Nesse sentido, a interpretação de Diego Andrés Martinez Zambrano (2009)

somada ao discurso de Guerra, quando disse que buscava com esse filme falar de

seus pais e dos conflitos que estavam ocorrendo nele: “Mas queria fazê-lo sem

recorrer a balas, rifles, exércitos em combate, mortos” 70 (tradução nossa). O recurso

usado foi unir no cenário urbano, personagens que originavam de um mesmo

problema histórico de violência. Ao longo da trama, diante do túmulo de seu maior

opressor, o Sargento, Mañe conta que quando ele vivia em Caquetá, alguns homens

entraram em sua casa, mataram e esquartejaram seus pais, sendo que ele foi o

único a sobreviver, que após se esconder dos agressores no banheiro da casa

sofreu um acidente quando o hospital ao lado da sua casa foi explodido pelos

criminosos e o muro do edifício caiu sobre sua perna, resultando na amputação da

mesma logo depois.

A resposta à pergunta crucial que o Cadeireiro e o espectador fazem nesse

momento sobre a autoria dos crimes é pontualmente respondida por Mañe: “Primeiro

disseram que foi a guerrilha, depois paramilitares, depois narcos, depois que o

exercito (...)”, revelando dessa forma o pano de fundo referente ao segundo

momento da violência colombiana partindo supostamente do olhar de quem viveu

ela, sem saber exatamente o que estava acontecendo com eles e seu lugar. O que

historicamente resultou em um grande êxodo rural dessas pessoas que tiveram seus

lugares invadidos por membros dessa guerra interna no país, para qual somente

restaram à opção de ir para as grandes cidades em um busca de um novo lugar

como sugere o término dado a essas pessoas: desplazados, ou seja, deslocados,

sem lugar.

Sob o signo do oprimido, Mañe busca abrigo na cidade de Bogotá para

recomeçar a sua vida. O clímax da narrativa se dá no momento em que após

diversos indícios o Cadeireiro se apresenta como opressor da história de Mañe,

70

"Pero quería hacerlo sin recurrir a balas, rifles, ejércitos en combate, muertos".

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fazendo um contraponto e também humanizando aqueles que são condenados

como opressores pela história colombiana, mas que também são oprimidos pela

violência gerada por esse conflito interno gerado pelos grupos já citados. Cadeireiro

foi um dos lideres da guerrilha que invadiu Puerto Nueva, onde Mañe vivia, grande

responsável pelo atentado ao hospital e por dezenas de mortes no local, que a

princípio seria apenas sede do encontro da guerrilha com seus familiares até que o

Sargento descobriu e o líder do grupo teve que reagir; pela situação fora de controle

o Cadeireiro foi sentenciado pela própria guerrilha com uma bala na cabeça.

O passado atrelado ao local, fez com que o Cadeireiro migrasse para Bogotá

como Mañe para construir uma nova história baseada nas poucas coisas que havia

vivido antes de ser sequestrado pela guerrilha, obrigado a fazer parte do grupo com

o ofício de carregar pessoas e escrever algumas palavras que seu pai havia lhe

ensinado. O que os protagonistas não esperavam é que o lugar como espaço

também carregue memórias, tornando impossível deixar o passado por um todo,

independente do deslocamento do campo para a cidade, por exemplo, segundo

Jatahy (2007):

(...) o espaço se transforma em lugar, ou seja, portador de um significado e de uma memória; que passamos a considerar uma cidade como metrópole, realidade urbana que, desde o seu surgimento, causou uma revolução na vida, no tempo e no espaço; que criamos as categorias de cidadão e de excluído para expressar as diferenças visíveis e perceptíveis no contexto urbano (...).

(JATAHY, 2007:15)

“Pizza, Birra, Faso” e “La Sombra del Caminante” sugerem, cada um a sua

maneira um fatalismo ao apresentar personagens que representam os papéis de

opressor e oprimido, sem conseguir mudar o seu curso, fadados a fazer parte de

uma classe social marginalizada onde as principais instituições foram corrompidas,

conviverem em uma sociedade amoral dentro de uma grande capital que ao final da

trama oferece a única coisa que ainda é permitido aos excluídos: a morte. O

momento da morte não é negado ao Cordobés, revelado sem primeiro plano, sem

música ou outro elemento que com a mesma sutileza com o qual Mañe depois de

enterrar o Cadereiro coloca uma de suas figuras de origami em seu sepulcro, é feito.

Histórias individuais, que representam um todo como a experiência da

violência, relações pautadas no companheirismo, somadas a um baixo orçamento,

onde o cenário de duas grandes cidades atuem como personagens capazes de

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gerar esperanças e ao mesmo tempo desesperança, as duas faces da mesma

moeda representadas no filme argentino e no filme colombiano; segundo Jatahy

(2007) as cidades carregam consigo agregados valores paradoxais:

A cidade é objeto da produção de imagens e discursos que se colocam no lugar da materialidade e do social e os representam. Assim a cidade um fenômeno que revela pela percepção de emoções e sentimentos dados pelo viver urbano e também pela expressão das utopias, de esperanças, de desejos e medos individuais e coletivos, que esse habitar em proximidade propicia. (JATAHY, 2007:14)

O que fica claro ao longo do percurso dos personagens que o lugar tido pelas

cidades escolhidas: Buenos Aires e Bogotá, em um primeiro momento geraram a

esperança de uma vida melhor, sendo que ao longo das tramas a esperança deu

espaço para desesperança, indicando uma nova chance de mudança e de melhorias

em apenas dois caminhos: para a nova vida gerada em Sandra a única oportunidade

é imigrar para outro país, tentando assim em um novo lugar recomeçar longe da

corrompida capital Argentina; para o Cadeireiro - após fazer as pazes com o seu

passado - Bogotá não lhe reservava mais nada além de seu lugar de seu sepulcro

na mata aos arredores da grande metrópole. Para os comparsas de Cordobés e

Mañe, independente de seus destinos serem diferentes, as capitais continuariam

carregando o símbolo fatalista do qual nada poderia ser diferente do que era.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os pontos passivos encontrados entre a produção do NCL e os seis filmes

escolhidos como representantes de uma produção latino-americana contemporânea

do Brasil, Argentina e Colômbia, apontados no principio da dissertação foram

reafirmados ao longo das análises dos filmes. Sendo eles: o teor de denúncia de

corrupção em diversas instituições como a polícia; o crescimento de uma população

que vive a margem da sociedade, o deslocamento do latino americano dentro de seu

próprio território como consequência de conflitos externos e internos; o

desconhecimento do próprio território. Ao revisitar todos esses temas no âmbito da

atualidade o que se sobressaí é que, de uma forma ou de outra, o latino americano

ainda não superou completamente os conflitos vividos durante os “anos de chumbo”

das ditaduras na América Latina e suas consequências históricas.

É importante ressaltar que apesar do processo de militarização pelo qual

atravessou a América Latina como um todo, cada país teve seu processo histórico

particular, de militarização direta ou indireta como foi o caso da Colômbia descrito

nos terceiro e quarto capítulos para melhor compreensão do momento histórico por

traz das narrativas de Rodrigo D. No Future e de La Sombra del Caminante.

O hiato da produção latino americana, ligada diretamente a militarização da

América Latina, gerou diretores que passaram a se reconhecer somente nessa

geração contestadora que acreditava que iria mudar o mundo: a “geração anos 60”,

usando-a como exemplo respeitando as mudanças pelas quais todos os países

latinos americanos passaram. Os diretores dessa nova geração passaram a relatar

em seus filmes as questões sociais encontradas no dia a dia de qualquer pessoa;

sendo assim foram deixados de lado a violência coletiva para se retratar a violência

individual de um personagem, por exemplo, expondo uma nova forma de fazer

cinema distante daquela proposta pelo NCL que partia do coletivo de um grupo de

trabalhadores, tribo, entre outros, para retratar os problemas atravessados na época.

A proximidade com o cinema documental é outra forte característica nessa

nova produção que descende da NCL, que uniu as questões sociais do cotidiano

com ferramentas da escola neorrealista como o uso de não atores que possuíam o

mesmo background dos personagens; o uso de cidades, regiões periféricas, estrada

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como cenário para as narrativas deixando e lado as filmagens dentro de estúdios. O

jogo proposto entre ficção e documentário permeado por questões sociais resultou

em um novo gênero chamado de “realismo sujo”, encontrado em dois dos filmes

analisados: Rodrigo D. No Future e Pizza, Birra, Faso.

O renomado diretor espanhol Luis Buñuel e seu filme: Los Olvidados (1950)

foi citado pelos diretores dos filmes analisados ou por outros estudiosos do cinema

como presença constantemente reconhecida nas narrativas apresentadas, sendo

também um ícone a ser admirado pelos representantes do movimento; O que

comprova mais uma vez a empatia entre a produção e cineastas ligados ao NCL e

as produções contemporâneas escolhidas nessa dissertação. O filme em questão

mostrou pela primeira vez os subúrbios da Cidade do México, onde Buñuel deu voz

a personagens marginalizados e “esquecidos” pela sociedade - uma referência

direta ao próprio titulo: Los Olvidados, causando um grande impacto na sociedade

mexicana e garantindo o Premio de Melhor Filme no Festival de Cannes de 1951.

Essa pesquisa também pode comprovar ao longo de seu desenvolvimento

que apesar de diversas intersecções entre os dois grupos, incluindo características

muito fortes entre os filmes e diretores selecionados, não existe compromisso algum

entre os diretores: Karim Ainouz e Marcelo Gomes; Ciro Guerra; Sergio Bianchi;

Adrián Caetano e Bruno Stagnaro; Victor Gaviria; descartando totalmente alguma

ligação que não seja de admiração entre os representantes do movimento e seu

legado. Talvez a característica mais forte entre os jovens diretores e àqueles

militantes dos anos 60 seja o olhar, permeado pela sensibilidade em representar

personagens muitas vezes politicamente incorretos perante a sociedade, sem julgá-

los, apenas os representando o mais próximo da vida real de forma humanizada.

É certo, que após estudar os filmes selecionados nota-se que as fronteiras

entre os países latino americanos são menores do que temos consciência,

comprovada em semelhanças estruturais: como a proximidade entre a comuna paisa

e a Vila Brasilândia; o frágil sistema educacional apresentado na Colômbia e no

Brasil; a presença de uma polícia corrupta nas ruas de Buenos Aires, de Medellín,

de Bogotá e de São Paulo; a similaridade entre a diversidade de paisagens

referentes ao Sertão Nordestino e a Costa Caribenha pouco vistas em nossos

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cinemas; as questões sociais internas como a formação da guerrilha colombiana e

de grupos como o PCC que assegurem bem feitorias e recursos à população que

são responsabilidade do governo.

Ao final do trajeto proposto nesta pesquisa, vejo que um objeto tão amplo

como o escolhido não pode resultar em uma planilha engessada de erros e acertos,

mas sim na queda de muitas barreiras imaginárias erguida pelo tempo e espaço

entre as cinematografias latino-americanas. Acredito e espero ter avançado as

pesquisas desvendando os “poréns” do cinema latino americano desde o NCL até os

dias de hoje e pretendo dar continuidade ao estudo tão amplo e rico que é o cinema

latino americano.

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FILMOGRAFIA

Rodrigo D: No Future (1990)

Titulo Original: Rodrigo D: No Future

Ano: 1990.

Ano de produção:1988.

Duração: 90 min.

Direção: Víctor Gaviria

País: Colombia

Roteiro: Victor Gaviria

Genero: Ficção

Tipo: Longa metragem/ Colorido.

Elenco: Ramiro Meneses, Carlos Mario Restrepo, Jackson Idrian Gallego, Vilma Díaz, Irene de Galvis, Wilson Blandon.

Feita em homenagem a garotos que morreram sem completar 20 anos, em função

da violência, na época da “crise urbana”, que ocorreu após o grande deslocamento

das pessoas da área rural para urbana. (uso de gírias)

Ramires Meneses: o Rodrigo decidiu sair da violenta vida das comunas e se tornou

ator profissional, com ajuda do diretor.

La vendedora de rosas (1998)

Título Original: La vendedora de rosas

Ano: 1998

Duração: 116 min.

Direção: Víctor Gaviria

País: Colombia

Roteiro: Victor Gaviria, Carlos Hernao

Produtores: Erwin Goggel

Gênero: Drama

Tipo: Longa metragem/ Colorido.

Elenco: Lady Tabares, Marta Correa, Diana Murillo, Yuli Garcia, Liliana Guiraldo, Aléx Bedoya.

O filme que conta a historia de uma menina que vive nas ruas de Medellín vendendo

rosas foi feito com crianças que viviam na rua, baseada no romance: La Vendedora

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de Cerillas, do escritor inglês Hans Christian Andersen e na vida da menina de rua

Mônica Rodriguez.

Por um ano os não atores escolhidos para fazer o filme tiveram uma casa, enquanto

rodavam o filme, ganharam dinheiro e viajaram o mundo em festivais, porém ao final

das filmagens, a maioria não soube como lidar com fama e dinheiro e foram mortos

ou estão presos. Uma das atrizes: Marta Correa quis viver longe da marginalidade e

foi apadrinhada pelo diretor.

Sumas y Restas (2004)

Título original: Sumas y restas

Ano: 2004

Duração: 105 min.

Diretor: Víctor Gaviria

País: Colombia

Roteiro: Víctor Gaviria, Hugo Restrepo

Música: Víctor García

Fotografía: Rodrigo Lalinde

Gênero: Drama | Drogas.

Tipo: Longa-metragem/Colorido

Produtora: Coproducción Colombia-España; Latin Cinema Group / La Ducha Fría

Producciones / Latino Films / A. T. P. P. Producciones

Elenco: Juan Uribe, Alonso Arias, María Isabel Gaviria, Fredy York Monsalve, Ana

María Naranjo, Fabio Restrepo, José Rincón

O filme conta as origens do narcotráfico na Colômbia nos anos 80. Usando como

protagonista um engenheiro civil que por problemas financeiros começa a traficar.

La Sombra del Caminante (2004)

Título original: La sombra del caminante

Ano: 2004

Duração: 90 min.

Diretor: Ciro Guerra

País: Colombia

Roteiro: Ciro Guerra

Música: Diego Hernández, Richard Córdoba

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Fotografia: Emmanuel Rojas (B&W)

Gênero: Drama/ Comedia

Tipo: Longa-metragem/ Preto e branco

Produtoras: Ciudad Lunar Producciones / Proyecto Tucan

Elenco: César Badillo, Ignacio Prieto, Inés Prieto, Lowin Allende, Julián Díaz,

Andrés Gaitán, Diego Manzano

Mañe perdeu uma perna e por isso não consegue encontrar emprego e é

hostilizado. Perambulando pelo centro de Bogotá conhece uma “cadereiro” (veio das

memórias do que o diretor guardou de quando vivia em Rio de Oro e via os

“cadeireiros” cruzarem o rio de seu povoado) que leva as pessoas nas costas por

alguns trocados. Desenvolve-se uma amizade desse encontro.

Porém ao longo do tempo, eles descobrem que dividem o mesmo passado de

violência colombiana, partindo da questão: “que marcar a realidade colombiana

deixa na alma coletiva?”.

A trilha sonora é feita por um piano, filmado em digital (preto e branco).

Los viajes del viento (2009)

Títulos original: Los Viajes del Viento

Ano: 2009

Duração: 117 min.

Diretor: Ciro Guerra

País: Colombia

Roteirista: Ciro Guerra

Gênero: Drama, Musical

Tipo: Longa-metragem / Colorido

Produtoras: Ciudad Lunar Producciones, Razor Film Produktion GmbH, Cine Ojo,

ZDF/Arte, Volya Films, Primer Plano Film Group, RCN Cine, CinemArt, Carboandes,

Cinéfondation, Hubert Bals Fund, Nederlands Fonds voor de Film, Rotterdam Media

Fund, Ibermedia, Servientrega, Gobernacion del Cesar, Universidad Nacional de

Colombia, Fondo para el Desarrollo Cinematografico, World Cinema Fund

Elenco: Marciano Martínez, Yull Núñez, Agustin Nieves, Jose Luis Torres, Carmen

Molina (2), Erminia Martinez, Justo Valdez, Juan Batista Martinez, Hector Brito,

Guillermo Merlo, Clemente Herrera, Nibaldo 'Niveo' Vergara, Guillermo Arzuaga,

Ruben Carrillo, Teolinda Fajardo

O filme conta a historia de um velho músico (Marciano Martinez, uma lenda da

música) de Vallanato que empreende uma viagem por seis lugares diferentes da

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costa colombiana até encontrar seu mestre e devolve-lo um acordeom, no caminho

ele encontra um jovem garoto que se torna seu aprendiz. (uso de pessoas que tenha

o mesmo background do personagem para atuar)

O filme é falado em Espanhol, Wayunaiky, Ikn – Arhuaco e Bantú (sendo que na

Colômbia se falam 67 línguas), para descrever fielmente todos os lugares onde o

protagonista passa (road movie).

O Pântano (2001)

Títulos original: La Ciénaga

Ano: 2001

Duração: 103 min.

Diretor: Lucrecia Martel

País: Argentina

Roteirista: Lucrecia Martel

Gênero: Comédia, Drama

Tipo: Longa-metragem / Colorido

Distribuidora: Riofilme

Produtoras: 4k Films, Wanda Visión S.A., Code Red, Cuatro Cabezas, TS Productions

Elenco: Mercedes Morán, Graciela Borges, Martín Adjemián, Leonora Balcarce, Silvia Baylé, Sofia Bertolotto, Juan Cruz Bordeu, Noelia Bravo Herrera, Maria Micol Ellero, Andrea López (1), Sebastián Montagna, Daniel Valenzuela (1), Franco Veneranda, Fabio Villafane, Diego Baenas

Trata-se da historia de duas mulheres de uma mesma família. A primeira vive

alcoolizada discutindo com o marido sem se preocupar com os filhos. A outra vem

de um núcleo estruturado. Ambas são primas e a historia se passa em uma

cidadezinha em Salta.

Vale destacar a forma como é tratada a empregada da primeira mulher, uma

boliviana, além da festa popular latina: o carnaval.

A Menina Santa (2004)

Títulos original: La Niña Santa

Ano: 2004

Duração: 106 min

Diretores: Lucrecia Martel

Países: Argentina

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Roteiristas: Lucrecia Martel

Gênero: Drama

Tipo: Longa-metragem / Colorido

Distribuidoras: Pandora Filmes, Imagem Filmes

Produtoras: La Pasionaria S.r.l., R&C Produzioni, Teodora Film, El Deseo S.A., Fondazione Montecinemaverita, Hubert Bals Fund, Lita Stantic Producciones

Elenco: Mercedes Morán, Carlos Belloso, Alejandro Urdapilleta, María Alche, Julieta Zylberberg, Mía Maestro, Marta Lubos, Arturo Goetz, Alejo Mango, Mónica Villa, Leandro Stivelman, Manuel Schaller, Miriam Diaz, Rodolfo Cejas, Maria Victoria Mosca Coll

Trata-se da historia de duas adolescentes que frequentam um grupo de estudos

católicos, mas seus pensamentos sempre se voltam para o sexo.

Um dia uma delas é molestada na rua por um médico, depois encontra seu

molestador e tenta “salva-lo” ao mesmo tempo, que sua mãe se sente atraída por

ele.

O filme que tem como foco a religião católica e o sexo foi produzido por Pedro

Almodóvar. (a religião católica tem muita força na América latina).

A Mulher Sem Cabeça (2008)

Títulos original: La Mujer Sin Cabeza

Ano: 2008

Duração: 87 min.

Diretor: Lucrecia Martel

País: Argentina

Roteiristas: Lucrecia Martel

Gênero: Drama, Mistério, Suspense

Tipo: Longa-metragem / Colorido

Produtoras: Aquafilms, El Deseo S.A., R&C Produzioni, Slot Machine, Teodora Film

Elenco: María Onetto, Claudia Cantero, César Bordón, Daniel Genoud, Guillermo

Arengo, Inés Efron, Alicia Muxo, Pía Uribelarrea, María Vaner

O filme conta a historia de uma mulher de meia idade que dirigindo na estrada

acredita ter atropelado alguém, após esse vento ela perde o controle da sua vida,

não consegue manter uma conversa, perde a memória entre outros.

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O filme é um suspense que além de abordar a psique humana, fala sobre relação

família e preconceito de forma sutil: a suposta vitima do acidente era um menor

imigrante.

Pizza, Cerveja, Cigarro (1998).

Título Original: Pizza, Birra, Faso

Ano: 1998

Duração: 78 minutos

Direção: Adrián Caetano, Bruno Stagnaro.

País: Argentina

Roteiro: Adrián Caetano

Gênero: Drama

Tipo: Longa-metragem / Colorido

Produtora: Palo y a la Bolsa Cine.

Elenco: Hector Anglada, Jorge Sesán, Pamela Jordán, Adrián Yospo, Walter Díaz,

Alejandro Pous.

Grupo de jovens que vivem em uma casa abandonada, o lema do grupo é: “Mientras

alcance para las birras”.

O líder é o Cordobes, sua namorada está grávida e sofria violência em casa por

parte de seu pai. (problema consequente da miséria social)

O bando vive de pequenos furtos, porém sempre depende de outros para

concretizar tais furtos, tendo como cenário os pontos turísticos de Buenos Aires.

(mostra que o diretor é nacionalista)

Diante dos problemas financeiros e da gravidez da namorada, Cordobes tenta fazer

com que o grupo passe a “trabalhar” independente de outros. (a falta do amparo do

estado na formação desses jovens faz com que eles se organizem por si só em

grupos ilegais co-dependentes um dos outros, como exemplo é o taxista que arma

roubos á seus passageiros e coloca outros grupos para executá-los).

O filme também exalta a própria exploração entre esses grupos (que reproduzem a

relação vivida entre colonizador e colonizada).

* o filme se assemelha á uma vertente do “docu drama”.

Bolívia (2001)

Título original: Bolivia

Ano: 2001

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96

Duração: 80 min.

Diretor(es): Adrián Caetano

País: Argentina

Roteiro: Adrián Caetano (Argumento: Romina Lafranchini)

Música: Los Kjarkas

Fotografía: Julián Apezteguia (B&W)

Género:Drama | Imigração.

Tipo: Longa-metragem / Preto e Branco.

Produtora: Iacam

Elenco: Freddy Flores, Rosa Sánchez, Óscar Bertea, Enrique Liporace, Marcelo

Videla, Alberto Mercado, Héctor Anglada

O filme se passa em um bar-restaurante em um bairro tradicional de Buenos Aires

(nacionalista), mantendo uma clientela de trabalhadores honesta, gente proveniente

de outras províncias argentinas e de países vizinhos como Paraguai e Bolívia.

O restaurante precisa de um cozinheiro e quem consegue o emprego é um

boliviano, recém-chegado no pais, sem permissão para trabalhar. (problema comum

na América latina: imigração e trabalho ilegal)

O boliviano é explorado pelo dono do restaurante (relação colonizador e colonizado)

e hostilizado por diversos clientes argentinos (preconceito).

A maior parte da clientela são taxistas que, a época da crise faz com que a

esperança deles sejam pequena e as dividas aumentem. (tema latino americano:

crise econômica de 2001 na argentina, durante o governo de Carlos Menem).

Câmera fixa, em preto e branco, pouco dinheiro.

Crônica de uma fuga (2006)

Título original: Crónica de una fuga

Ano: 2006

Duração: 103 min.

Diretor: Adrián Caetano

País: Argentina

Roteiro: Adrián Caetano, Esteban Student, Julián Loyola

Música: Iván Wyszogrod

Fotografía: Julian Apezteguia

Género: Thriller. Drama/Baseado em fatos reais.

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97

Tipo: Longa-metragem / Colorido.

Produtora: K & S Films S.A.

Elenco: Rodrigo De la Serna, Pablo Echarri, Nazareno Casero, Lautaro Delgado,

Matias Marmorato, Martín Urruty

Baseado em uma historia real.

Em 1977, um grupo de agentes secretos a serviço da ditadura militar sequestram um

goleiro de um time da segunda divisão e o levam para um cativeiro: uma mansão

chamada de Mansion Seré. (critica ao poder do estado)

Ali, enfrenta o inferno de interrogatórios e torturas, sem saber exatamente porque foi

detido. Conversando com outros detentos ele descobre que foi delatado por um

amigo, participante de um grupo da luta armada, que firmou um pacto para entregar

pessoas não envolvidas e, assim, ganhar tempo para que os reais militantes

pudessem escapar. Em uma noite de tempestade, Claudio e três outros prisioneiros

tentam fugir. (critica a esquerda)

Em uma noite de tormenta eles fogem nus.

Os Inquilinos - Os Incomodados que se mudem (2009)

Título original: Os Inquilinos (Os incomodados que se mudem)

Ano: 2009.

Duração: 103 minutos

Direção: Sérgio Bianchi

Pais: Brasil

Roteiro: Sergio Bianchi, Beatriz Bracher.

Distribuição: Petrobras e Agravo Produções

Gênero: Drama.

Tipo: Longa-metragem / Colorido.

Produtora: Agravo Produções Cinematográficas.

Elenco: Marat Descartes, Ana Carbatti, Umberto Magnani, Lennon Campos,

Andressa Néri, Cássia Kiss, Ana Lucia Torre, Caio Blat, Leona Cavalli, Zezeh

Barbosa, Sergio Guizé, Ailton Graça, Sidney Santiago, Fernando Alves Pinto

Família simples vive na periferia próxima a uma favela (o cenário lembra a comuna

onde vive Rodrigo D: No Future da Colômbia).

O pai trabalha em um subemprego e a noite estuda, pois quer progredir, mesmo

com sua mulher achando que isso é perda de tempo (desesperança).

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Quando a casa ao lado é alugada por vizinhos “baderneiros” que parecem viver de

forma ilegal. Em um primeiro momento a vizinhança tenta confrontá-los, mas depois

os aceitam (quando existe a ausência do estado, as próprias pessoas devem fazer

suas leis).

Ao mesmo tempo o pai sofre uma ambiguidade de sentimentos, pois quer proteger

sua família sem cair na mesma marginalidade que seus vizinhos.

O filme é rodado em 2008 e tem como pano de fundos diversos ataques do PCC

(Primeiro Comando da Capital, criada com o objetivo manifesto de defender os

direitos de cidadãos encarcerados no país. Surgiu no início da década de 1990 no

Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté, local que acolhia prisioneiros

transferidos por serem considerados muito perigosos). Lembrando que foi nesse

mesmo ano que ocorreu em todo o estado de São Paulo a maior rebelião

generalizada de presos da história do Brasil até então, através do uso de telefones

celulares presos se organizaram e promoveram a rebelião. Vários presídios daquele

estado, inclusive os do interior se rebelaram.

O fim trata da ambiguidade da lei, já que no final é revelado que os baderneiros

eram do PCC e que também eram eles os mesmos, que em outro momento do filme

que lideravam uma ação de doação de alimentos para o povo.

O filme trabalha com símbolos nacionais como o axé.

Crônica Inviável (2000)

Título Original: Cronicamente Inviável

Ano: 2000

Duração: 101 minutos

Direção: Sergio Bianchi

País: Brasil

Roteiro: Gustavo Steinberg e Sergio Bianchi

Música: Miriam Biderman

Fotografia: Marcelo Coutinho e Antônio Penido Desenho de Produção: Carmen

Schenini e Rossine A. Freitas Direção de Arte: Pablo Vilar, Beatriz Bianco e Jean-

Luis Leblanc

Edição: Paulo Sacramento

Distribuição: Riofilme

Gênero: Drama

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Tipo: Longa metragem/ Colorido.

Produção: Sergio Bianchi, Gustavo Steinberg e Alvarina Souza e Silva

Elenco: Cecil Thiré (Luís) | Betty Gofman (Maria Alice) | Daniel Dantas (Carlos) |

Dan Stulbach (Adam) | Umberto Magnan (Alfredo) | Dira Paes (Amanda) | Leonardo

Vieira | Cosme Santos | Zezé Mota | Zezeh Barbosa | Cláudia Mello | entre outros.

O filme aborda o caos social em diversas regiões e classes sociais do Brasil

(discriminação social; exploração do colonizado por outro colonizado – cena sobre

polacos*; preconceito contra migrantes e imigrantes, a nova burguesia brasileira).

Usa símbolos nacionais como samba (axé), fazendo uma analogia entre colonizador

e colonizado, dominação e dominado; também o cristo redentor; bossa nova.

Também critica a exploração exacerbada da terra.

A Causa Secreta (1994)

Título Original: A Causa Secreta

Ano: 1994

Duração: 97 minutos

Direção: Sergio Bianchi

País Brasil

Roteiro: Sergio Bianchi, Isa Kopelman, Kate Lyra, baseado no conto de Machado de

Assis.

Estúdio/Distrib.: Versátil

Gênero: Drama.

Tipo: Longa-metragem/ Colorido.

Produtora: Agravo Produções Cinematográficas.

Elenco: Renato Borghi, Rosi Campos, José Rubens Chachá, Rogeria, Ester Goes,

Ligia Cortez, Alexandre Paternost.

Baseado em um conto de Machado de Assis, publicado em 1985 na Gazeta de

Noticias. (exaltação da nacionalidade). Narração em off.

O filme traz a cidade de São Paulo como personagem, especialmente o centro.

Para encenar uma nova peça, os atores de um grupo teatral fazem, como

laboratório, pesquisa sobre a miséria no país. Nas filas do INPS, hospitais públicos e

nas próprias ruas, eles encontram um sentimento cada vez mais indiferente à dor e

à humilhação dos marginalizados. Ao longo da pesquisa eles dão exemplo de

hipocrisia como o ator que é funcionário publico e entoa discursos sobre a

burguesia; tratam de forma animalesca crianças de ruas, expõem a violência

domestica, tratam de forma “errada” portadores de HIV, demonstram machismo e

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fazem de tudo para “não sentir culpa”, afinal: “burocracia é causa da miséria

também”. Os atores reagem a isso de diferentes formas: desde a empatia à raiva,

sendo que a maior parte deles se mostrou mais preocupada com seu processo

criativo e seus problemas pessoais do que a dor alheia.

O Céu de Suely (2006)

Título Original: O Céu de Suely

Ano: 2006

Duração: 90 minutos

Diretor: Karim Ainouz

Pais: Brasil

Roteiro: Karim Ainouz, Mauricio Zacharias, Felipe Bragança, Simone Lima.

Gênero: Drama/Road Movie.

Tipo: Longa metragem/Colorido.

Produtora: Celluloid Filmes, Fado Filmes, Shotgun Pictures, Video Filmes.

Elenco: Hermila Guedes, Maria Menezes, João Miguel, Georgina Castro, Zezita

Matos, Claudio Jaborandy.

Hermila é uma jovem de 21, nascida em Iguatu – cidadezinha no Ceará (referencia a

própria historia de migração interna do diretor) que se apaixona, engravida e vai

para São Paulo com o namorado “tentar a vida” (migração).

Hermila acaba voltando para Iguatu antes com seu filho, pois os custos de vida em

São Paulo eram muito altos (má divisão de renda), depois de um mês ela descobre

que o marido sumiu e não vai encontrá-la, por isso decide ir para o Rio Grande do

Sul em “busca de uma vida melhor” (discussão sobre pertencer ou não á sua cidade,

identidade).

O filme traz a tona alguns símbolos regionais como o forró. Em meio ao forró no

posto Hermila conhece uma garota de programa e depois de estabelecerem uma

amizade já que tem quase à mesma idade (prostituição na juventude) ela tem a idéia

de rifar “Uma Noite no Paraíso” para arrecadar dinheiro para sua viagem.

A rifa é um sucesso e ela assume o pseudônimo de Suely, esse sucesso gera varias

de formas de violência e preconceito pela sua atitude inclusive dentro de sua própria

família.

No fim, ela consegue o dinheiro e vai para o Rio Grande do Sul com o filho, sem

nenhum esboço de alegria, como se soubesse que depois de uma temporada no sul

iria querer partir para outro lugar.

Viajo porque preciso e volto porque te amo (2010)

Título original: Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo.

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Ano: 2009

Duração: 75 minutos

Diretor: Karim Aïnouz e Marcelo Gomes

Pais: Brasil

Roteiro: Karim Aïnouz e Marcelo Gomes

Gênero: Drama

Tipo: Longa metragem/ Colorido

Produtora: Rec Produtores Associados Ltda.

Elenco: Irandhir Santos

Geólogo tem de viajar pelo sertão nordestino, vivendo longe da mulher amada

(migração interna que se assemelha ao filme colombiano: El Viaje Del Viento, e

símbolos regionais do sertão nordestino).

Com narração do protagonista em off, o que faz a ficção se aproximar mais de um

documentário (road movie).

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ANEXO

Curiosidades sobre os filmes e seus diretores...

COLOMBIA

1. Victor Gaviria (1955 Medelín) - professor de psicologia, cineasta, escritor. Seus

filmes tratam dos problemas sociais da sua cidade natal, construindo historias a

partir de relatos de pessoas que viveram os acontecimentos reais, chegando a

usar essas pessoas como atores de seus filmes (uso de não atores).

1.1. Filmografia

Rodrigo D: No Futuro (1990), feito em homenagem a garotos que morreram

sem completar 20 anos, em função da violência, na época da “crise urbana”,

que ocorreu após o grande deslocamento das pessoas da área rural para

urbana. Ramires Meneses, o Rodrigo, decidiu sair da violenta vida das

Comunas e se tornou ator profissional, com ajuda do diretor.

La vendedora de rosas (1998), conta a historia de uma menina que vive nas

ruas de Medellín vendendo rosas, foi realizado com crianças que viviam na

rua, baseada no romance: La Vendedora de Cerillas, do escritor inglês Hans

Christian Andersen e na vida da menina de rua Mônica Rodriguez. Por um

ano os não atores escolhidos para fazer o filme tiveram uma casa, enquanto

rodavam o filme, ganharam dinheiro e viajaram o mundo em festivais, porém

ao final das filmagens, a maioria não soube como lidar com fama e dinheiro e

foram mortos ou estão presos. Uma das atrizes, Marta Correa, quis viver

longe da marginalidade e foi apadrinhada pelo diretor.

Sumas y Restas (2004), o filme conta as origens do narcotráfico na Colômbia

nos anos 80. Usando como protagonista um engenheiro civil que por

problemas financeiros começa a traficar.

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2. Ciro Guerra (1980, Rio de Oro – Cesar) - Estudou cinema e televisão na

Universidade Nacional da Colômbia.

2.1. Filmografia

La Sombra del Caminante (2004), Mañe perdeu uma perna e por isso não

consegue encontrar emprego e é hostilizado. Perambulando pelo centro de

Bogotá conhece uma “cadereiro” (veio das memórias do que o diretor

guardou de quando vivia em Rio de Oro e via os “cadeireiros” cruzarem o rio

de seu povoado) que leva as pessoas nas costas por alguns trocados.

Desenvolve-se uma amizade desse encontro. Porém ao longo do tempo, eles

descobrem que dividem o mesmo passado de violência colombiana, partindo

da questão: “que marcar a realidade colombiana deixa na alma coletiva?”. A

trilha sonora é feita por um piano, filmado em digital (preto e branco).

Los viajes del viento (2009), o filme conta a historia de um velho músico

(Marciano Martinez, uma lenda da música) de Vallanato que empreende uma

viagem por seis lugares diferentes da costa colombiana até encontrar seu

mestre e devolve-lo um acordeom, no caminho ele encontra um jovem garoto

que se torna seu aprendiz. (uso de pessoas que tenha o mesmo background

do personagem para atuar). O filme é falado em Espanhol, Wayunaiky, Ikn –

Arhuaco e Bantú (sendo que na Colômbia se falam 67 línguas), para

descrever fielmente todos os lugares onde o protagonista passa (road movie).

ARGENTINA

3. Lucrecia Martel (1966, Salta) - foi para Buenos Aires aonde estudou

Comunicação, seu cinema é conhecido pelo humor negro e por sempre abordar

a psique humana.

3.1. Filmografia

O Pântano (2001) - trata-se da historia de duas mulheres de uma mesma

família. A primeira vive alcoolizada discutindo com o marido sem se preocupar

com os filhos. A outra vem de um núcleo estruturado. Ambas são primas e a

historia se passa em uma cidadezinha em Salta. Vale destacar a forma como

é tratada a empregada da primeira mulher, uma boliviana, além da festa

popular latina: o carnaval.

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A Menina Santa (2004) - trata-se da historia de duas adolescentes que

frequentam um grupo de estudos católicos, mas seus pensamentos sempre

se voltam para o sexo. Um dia uma delas é molestada na rua por um médico,

depois encontra seu molestador e tenta “salva-lo” ao mesmo tempo, que sua

mãe se sente atraída por ele. O filme que tem como foco a religião católica e

o sexo foi produzido por Pedro Almodóvar. (a religião católica tem muita força

na América latina).

A Mulher Sem Cabeça (2008) - O filme conta a historia de uma mulher de

meia idade que dirigindo na estrada acredita ter atropelado alguém, após

esse vento ela perde o controle da sua vida, não consegue manter uma

conversa, perde a memória entre outros. O filme é um suspense que além de

abordar a psique humana, fala sobre relação família e preconceito de forma

sutil: a suposta vitima do acidente era um menor imigrante.

4. Adrian Caetano (1969 Montevidéu- Uruguai) - roteirista, ator e diretor.

Mudou de Montevidéu para Córdoba na Argentina aos 16 anos. Estudou

cinema na França, mas todo seu trabalho foi feito na Argentina. Adrian é tido

como uma grande representante do no Novo Cinema Argentino.

4.1. Filmografia

Pizza, cerveja e cigarro (1998) – o filme conta a história de grupo de jovens

que vivem em uma casa abandonada, o lema do grupo é: “Mientras alcance

para las birras”. O líder é o Cordobés, sua namorada está grávida e sofria

violência em casa por parte de seu pai. (problema consequente da miséria

social) O bando vive de pequenos furtos, porém sempre depende de outros

para concretizar tais furtos, tendo como cenário os pontos turísticos de

Buenos Aires, o que evidencia que o diretor é nacionalista. Diante dos

problemas financeiros e da gravidez da namorada, Cordobés tenta fazer com

que o grupo passe a “trabalhar” independente de outros, a falta do amparo do

estado na formação desses jovens faz com que eles se organizem por si só

em grupos ilegais co-dependentes um dos outros, como exemplo é o taxista

que arma roubos contra seus passageiros e coloca outros grupos para

executá-los. O filme também exalta a própria exploração entre esses grupos

que reproduzem a relação vivida entre colonizador e colonizada. O filme se

assemelha á uma vertente do “docudrama”.

Bolívia (2001) - o filme se passa em um bar-restaurante em um bairro

tradicional de Buenos Aires (nacionalista), mantendo uma clientela de

trabalhadores honesta, gente proveniente de outras províncias argentinas e

de países vizinhos como Paraguai e Bolívia. O restaurante precisa de um

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cozinheiro, e quem consegue o emprego é um boliviano, recém-chegado no

país, sem permissão para trabalhar, problema comum na América Latina,

imigração e trabalho ilegal. O boliviano é explorado pelo dono do restaurante

(relação colonizador e colonizado) e hostilizado por diversos clientes

argentinos (preconceito). A maior parte da clientela são taxistas que, na

época da crise fizeram com que a esperança se tornasse pequena e as

dividas grande. (tema latino americano: crise econômica de 2001 na

argentina, durante o governo de Carlos Menem). Câmera fixa, em preto e

branco, pouco dinheiro.

Crônica de uma fuga (2006) - Baseado em uma historia real, em 1977, um

grupo de agentes secretos a serviço da ditadura militar sequestraram um

goleiro de um time da segunda divisão e o levaram para um cativeiro: uma

mansão chamada de Mansion Seré, uma crítica ao poder do estado. Ali,

enfrenta o inferno de interrogatórios e torturas, sem saber exatamente porque

foi detido. Conversando com outros detentos ele descobre que foi delatado

por um amigo, participante de um grupo da luta armada, que firmou um pacto

para entregar pessoas não envolvidas e, assim, ganhar tempo para que os

reais militantes pudessem escapar. Em uma noite de tempestade, Claudio e

três outros prisioneiros tentam fugir. (critica a esquerda). Em uma noite de

tormenta eles fogem nus.

BRASIL

5. Sérgio Bianchi (1945, Ponta Grossa – Paraná) - estudou cinema em

Curitiba e São Paulo, vem de uma família de fotógrafos. Conhecido por ser

um cineasta de critica a burocracia, a burrice institucional e ao “jeitinho

brasileiro”.

5.1. Filmografia

Os Inquilinos – Os Incomodados que se mudem (2009) - Família simples vive

na periferia próxima a uma favela (o cenário lembra a comuna onde vive

Rodrigo D: No Future da Colômbia). O pai trabalha em um subemprego e a

noite estuda, pois quer progredir, mesmo com sua mulher achando que isso é

perda de tempo (desesperança). Quando a casa ao lado é alugada por

vizinhos “baderneiros” que parecem viver de forma ilegal. Em um primeiro

momento a vizinhança tenta confrontá-los, mas depois os aceitam (quando

existe a ausência do estado, as próprias pessoas devem fazer suas leis). Ao

mesmo tempo o pai sofre uma ambiguidade de sentimentos, pois quer

proteger sua família sem cair na mesma marginalidade que seus vizinhos. O

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filme é rodado em 2008 e tem como pano de fundos diversos ataques do

PCC - Primeiro Comando da Capital (criado com o objetivo manifesto de

defender os direitos de cidadãos encarcerados no país. Surgiu no início da

década de 1990 no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté, local

que acolhia prisioneiros transferidos por serem considerados muito

perigosos). Lembrando que foi nesse mesmo ano que ocorreu em todo o

estado de São Paulo a maior rebelião generalizada de presos da história do

Brasil até então, através do uso de telefones celulares presos se organizaram

e promoveram a rebelião. Vários presídios daquele estado, inclusive os do

interior se rebelaram. O fim trata da ambiguidade da lei, já que no final é

revelado que os baderneiros eram do PCC e que também eram eles os

mesmos, que em outro momento do filme que lideravam uma ação de doação

de alimentos para o povo. O filme trabalha com símbolos nacionais como o

axé.

Crônica Inviável (2000) - O filme aborda o caos social em diversas regiões e

classes sociais do Brasil (discriminação social; exploração do colonizado por

outro colonizado – cena sobre polacos; preconceito contra migrantes e

imigrantes, a nova burguesia brasileira). Usa símbolos nacionais como samba

(axé), fazendo uma analogia entre colonizador e colonizado, dominação e

dominado; também o cristo redentor; bossa nova. E crítica contra a

exploração exacerbada da terra.

A Causa Secreta (1994) - Baseado em um conto de Machado de Assis,

publicado em 1985 na Gazeta de Noticias. (exaltação da nacionalidade).

Narração em off. O filme traz a cidade de São Paulo como personagem,

especialmente o centro. Para encenar uma nova peça, os atores de um grupo

teatral fazem, como laboratório, pesquisa sobre a miséria no país. Nas filas do

antigo INPS, hospitais públicos e nas próprias ruas, eles encontram um

sentimento cada vez mais indiferente à dor e à humilhação dos

marginalizados. Ao longo da pesquisa eles dão exemplo de hipocrisia como o

ator que é funcionário público e entoa discursos sobre a burguesia; tratam de

forma animalesca crianças de ruas, expõem a violência doméstica, tratam de

forma “errada” portadores de HIV, demonstram machismo e fazem de tudo

para “não sentir culpa”, afinal: “burocracia é causa da miséria também”. Os

atores reagem a isso de diferentes formas: desde a empatia à raiva, sendo

que a maior parte deles se mostrou mais preocupada com seu processo

criativo e seus problemas pessoais do que a dor alheia.

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6. Karin Ainouz (1966 – Fortaleza-Ceará) - Filho de mãe cearense e pai

argentino, talvez por isso aborde muitos temas referentes à migração em seus

filmes. Karim Aïnouz é formado em arquitetura e urbanismo pela Universidade

de Brasília. Tem mestrado em história do cinema pela Universidade de Nova

Iorque, se especializando em teoria cultural, pelo programa de estudos

independentes do Whitney Museum of American Art. Diretor, roteirista

(inclusive do filme: Cidade Baixa, 2005, do diretor Sérgio Machado), premiado

em festivais internacionais.

6.1. Filmografia

O Céu de Suely (2006) - Hermila é uma jovem de 21, nascida em Iguatu –

cidadezinha no Ceará (referencia a própria historia de migração interna do

diretor) que se apaixona, engravida e vai para São Paulo com o namorado

“tentar a vida” (migração). Hermila acaba voltando para Iguatu, antes do

esperado, com seu filho, pois os custos de vida em São Paulo eram muito

altos (má divisão de renda), depois de um mês ela descobre que o marido

sumiu e não vai encontrá-la, por isso decide ir para o Rio Grande do Sul em

“busca de uma vida melhor” (discussão sobre pertencer ou não á sua cidade,

identidade). O filme traz a tona alguns símbolos regionais como o forró. Em

meio ao forró no posto Hermila conhece uma garota de programa e depois de

estabelecerem uma amizade já que tem quase à mesma idade (prostituição

na juventude) ela tem a ideia de rifar “Uma Noite no Paraíso” para arrecadar

dinheiro para sua viagem. A rifa é um sucesso e ela assume o pseudônimo de

Suely, esse sucesso gera várias formas de violência e preconceito pela sua

atitude inclusive dentro de sua própria família. No fim, ela consegue o dinheiro

e vai para o Rio Grande do Sul com o filho, sem nenhum esboço de alegria,

como se soubesse que depois de uma temporada no sul iria querer partir para

outro lugar.

Viajo porque preciso e volto porque te amo (2010) - Geólogo tem de viajar

pelo sertão nordestino, vivendo longe da mulher amada (migração interna que

se assemelha ao filme colombiano: El Viaje Del Viento, e símbolos regionais

do sertão nordestino). Com narração do protagonista em off, o que faz a

ficção se aproximar mais de um documentário (road movie).