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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL Por: Marta Alves da Silva Medeiros Alves da Costa Orientador Professor Carlos Afonso Leocadio . Rio de Janeiro 2009

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

Por: Marta Alves da Silva Medeiros Alves da Costa

Orientador

Professor Carlos Afonso Leocadio

.

Rio de Janeiro

2009

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

Apresentação de monografia à Universidade Candido

Mendes como requisito parcial para obtenção do grau

de especialista em Direito Processual Penal.

Por: Marta Alves da Silva Medeiros Alves da Costa

. Rio de Janeiro

2009

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Dedico este estudo a meu filho que entendeu

meus motivos e segue meus ensinamentos e a

minha irmã que me apoiou o tempo todo.

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“ A maneira mais segura, porém ao

mesmo tempo mais difícil de tornar

os homens menos propensos a

prática do aml, é aperfeiçoar a

educação.” (Cesare Beccaria)

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RESUMO

Existe uma tendência atual em se reduzir o limite de idade para fins de

inimputabilidade penal, sob a justificativa do aumento da criminalidade envolvendo

menores. Temos visto a discussão sobre a inimputabilidade penal dos menores de 18

anos, prevista nos artigos 228 da Constituição Federal e 104 da Lei nº 8.069/90 do

Estatuto da Criança e do Adolescente, tornar os contornos da irracionalidade e do

imediatismo, por parte dos defensores da redução da idade penal a 16 anos, ou até

mesmo a 14 anos. Visa-se analisar os critérios de Política Criminal, utilizados para

fixar a menoridade penal; enfocar as medidas específicas de proteção aplicáveis à

reeducação e recuperação dos menores infratores, contidas na legislação especial

(Estatuto da Criança e do Adolescente), como também as sanções a que estarão

submetidos tais menores, no caso de cometerem infrações penais. O reajuste do

processo de formação do caráter deve ser submetido à educação, não à pena criminal.

Palavras- chave: Impunidade – Juventude - Legislação

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METODOLOGIA

Este trabalho monográfico tem o objetivo descritivo por apresentar o

posicionamento doutrinário, que servirá de fundamentação para o trabalho.

A abordagem da presente pesquisa, valendo-se do método hipotético-dedutivo1,

aliada a pesquisa bibliográfica, e os dados também serão buscados por meio

eletrônico, através de acesso a Internet, buscando artigos principalmente no site do jus

Navegandi.

No que concerne ao tratamento dos dados e suas posteriores análises, teremos

o máximo cuidado de não nos precipitar em tirar conclusões se o pensamento deste ou

daquele doutrinador é certo ou errado, faz parte de corrente majoritária ou minoritária e

sim em analisá-los em seu conjunto no que tangem às questões norteadoras desta

pesquisa no intuito de apresentar idéias e conclusões originais sob os aspectos sócio-

jurídicos que envolvem o tema.

Foge totalmente de nossa pretensão produzir o esgotamento do tema discutido,

atendendo a finalidade pedagógica a que se propõe este trabalho, esperamos que o

desenvolvimento deste trabalho viesse de alguma maneira, esclarecer as lacunas que

ainda existem em nossa legislação, para a sociedade e os operadores do Direito.

1 Segundo GIL, o método hipotético-dedutivo foi proposto por POPPER: “[...] quando os conhecimentos disponíveis sobre determinado assunto são insuficientes para a explicação de um fenômeno, surge o problema. Para tentar explicar as dificuldades expressas no problema, são formuladas conjecturas ou hipóteses. Das hipóteses formuladas, deduzem-se conseqüências que deverão ser testadas ou falseadas. Falsear significa tornar falsas as conseqüências deduzidas das hipóteses. Enquanto no método dedutivo se procura a todo custo confirmar a hipótese, no método hipotético-dedutivo, ao contrário, procuram-se evidências empíricas para derrubá-la” (GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1996, p. 30).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................08

CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTAMENTAÇÃO TEÓRICA DO TEMA PROPOSTO ........10

1.1 Histórico ..................................................................................................................10

1.2 Menoridade Penal ...................................................................................................12

1.3 Tempo de Maioridade .............................................................................................13

CAPÍTULO 2 – A INIMPUTABILIDADE PENAL E O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE ............................................................................................................15

2.1 A necessidade de uma Legislação Especial ..........................................................16

2.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a realidade brasileira .......................... 19

CAPÍTULO 3 – DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO PREVISTAS NO ESTATUTO DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ................................................................................ 22

3.1 Das medidas Específicas de Proteção ....................................................................22

3.2 Das medidas Sócio – Educativas ...........................................................................27

3.3 Um breve estudo de casos estatísticos da criminalidade envolvendo crianças e

adolescentes e a crise no sistema de Justiça Criminal .................................................30

CONCLUSÃO ................................................................................................................34

ANEXO A - Tragédia acende debate sobre maioridade penal no Japão ......................37

ANEXO B – O Caso Champinha ...................................................................................40

BIBILIOGRAFIA CONSULTADA .............................................................................. 42

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa à realização de estudo científico, abordando o

seguinte tema: “A Redução da Maioridade Penal”.

Tem como objetivo, enfocar um tema altamente polêmico, abordando os

aspectos sociais e jurídicos que o envolvem.

Existe uma tendência atual em se reduzir o limite de idade para fins de

inimputabilidade penal, sob a justificativa do aumento da criminalidade envolvendo

menores.

Temos visto a discussão sobre a inimputabilidade penal dos menores de 18

anos, prevista nos artigos 228 da Constituição Federal e 104 da Lei nº 8.069/90

(Estatuto da Criança e do Adolescente), tomarem os contornos da irracionalidade e

do imediatismo, por parte dos defensores da redução da idade penal há 16 anos (ou

até mesmo há 14 anos). (Os que advogam neste sentido insistem em ignorar as

verdadeiras causas que levam o menor a praticar infrações, bem como todos os

avanços conquistados com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente).

Encaram tal medida como se ela fosse, repentinamente, nos trazer a solução

deste amplo e grave problema social. Ressurge tal discussão da redução da idade

penal, principalmente quando algo excepcional ocorre, como por exemplo, um crime

chocante praticado por menores, rebeliões entre outros eventos.

Outro ponto objeto da argumentação pelo rebaixamento, diz respeito ao

discernimento. Não se discute o maior número de informações ao alcance dos jovens.

É evidente que qualquer jovem, aos 16, 14 ou 12 anos de idade é capaz de

compreender a natureza ilícita de determinados atos. No entanto, o que objetiva-se

aqui examinar é a modificabilidade do comportamento do adolescente, e sua

potencialidade para beneficiar-se dos processos pedagógicos, dada sua peculiar

condição de pessoa em desenvolvimento.

Visa-se analisar os critérios de Política Criminal, utilizados para fixar a

menoridade penal; enfocar as medidas específicas de proteção aplicáveis à

reeducação e recuperação dos menores infratores, contidas na legislação especial

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(Estatuto da Criança e do Adolescente), como também as sanções a que estarão

submetidos tais menores, no caso de cometerem infrações penais.

Nesse caminho, a abordagem da presente pesquisa, valendo-se do método

hipotético-dedutivo, ambiciona enfrentar o problema da possibilidade da redução da

maioridade penal em face de proteção outorgada pelas cláusulas pétreas e pelos

Direitos e Garantias Individuais, ou seja, com o intuito de analisar a

constitucionalidade da pretensa redução por meio de emenda à Constituição. Tal

abordagem é um desafio inadiável, já que ligado à implementação dos fundamentos e

objetivos preconizados pela Constituição Federal de 1988. Ademais, o trabalho

intenta evidenciar que, a despeito das enormes dificuldades para o almejo desse fim,

há caminhos plausíveis de serem trilhados.

Enfocará também, a necessidade de uma política de proteção diferenciada e

especializada para os menores infratores, mostrando a não conveniência da

imposição das mesmas penas impostas ao delinqüente adulto, pois aqueles, devem

ser mantidos livres da contaminação carcerária.

Recebendo o mesmo tratamento dispensado ao delinqüente adulto, os

defensores da redução da menoridade penal ignoram o fato de que, uma vez

recolhido ao presídio sem possuir o necessário desenvolvimento físico e psíquico

para tanto, o adolescente não terá qualquer chance de recuperação e, certamente,

voltará a delinqüir. Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da

criminalidade crescente o fato de que o menor é um ser ainda incompleto e, portanto,

ainda em formação. O reajuste do processo de formação do caráter deve ser

submetido à educação, não à pena criminal.

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CAPÍTULO 1

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO TEMA PROPOSTO

Em nosso país, desde a vigência do Código Penal de 1940 vigora, no nosso

ordenamento jurídico, o princípio da inimputabilidade dos menores de 18 anos no

âmbito criminal. Anteriormente a esse código outra era a linha estabelecida pela

nossa legislação em relação a esse tema.

Assim como o Brasil, vários outros países (aliás, a maioria), adotam esse

mesmo limite de idade para a imputabilidade penal. São países como a Áustria,

França, Colômbia, México, cuba, Venezuela, Uruguai, Dinamarca entre outros.

Entretanto, em alguns países podem ser considerados imputáveis jovens de 17 anos

(Grécia, Nova Zelândia etc); 16 anos (Argentina, Espanha, Israel, Bélgica etc); 15

anos (Egito, Paraguai, Líbano, Índia, Iraque etc); 14 anos (Alemanha, Haiti); 10 anos

(Inglaterra). Em contrapartida, algumas nações, ampliam o limite até 21 anos (Suécia,

Chile etc).

1.1 Histórico

No Império, com o Código Criminal de 1830, os menores de 14 anos somente

eram considerados penalmente inimputáveis se não houvesse prova no sentido de

seu discernimento (presunção júris tantum da inimputabilidade. Demonstrada a

capacidade de entendimento do ato infracional, seriam os menores conduzidos a

casas de correção, por tempo a ser determinados pelo juiz, que não poderia distendê-

lo por tempo que viesse ultrapassar a idade de 17 anos.

Aos maiores de 14 e menores de 17 anos era dispensado tratamento especial,

por estarem sujeitos, se ao julgador parecesse justo, a uma pena de 2/3 daquela que

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caberia ao adulto. O maior de 17 e menor de 21 anos contavam sempre com o favor

de atenuante da menoridade.

Com a vigência do Código Penal de 1890, os menores de 9 anos passaram a ser

reputados plenamente inimputáveis (presunção júris et de jure). Aqueles que se

encontrassem na faixa etária entre 9 e 14 anos tinham ao seu favor a presunção

relativa da imputabilidade, de tal modo que, demonstrada a compreensão do caráter

ilícito do ato, eram recolhidos a estabelecimento disciplinar industrial, por tempo que

não ultrapassasse a idade de 17 anos. Ficou mantida a atenuante da menoridade.

Em 1926, passou a vigorar o Código de Menores, o qual dispunha em seu art. 57,

que nenhum menor de 18 anos, preso por qualquer motivo ou apreendido, seria

recolhido à prisão comum.

No ano seguinte, pelo Decreto Federal 17.043- A, foram editadas normas

consolidadoras das leis de assistência e proteção a menores, que passaram a

constituir o Código de Menores. Em seu art. 68, o menor de 14 anos autor ou

cúmplice de fato qualificado como crime ou contravenção não seria submetido a

processo penal de espécie alguma. No entanto, as providências seriam diversas se

fosse considerado abandonado, pervertido, ou na eminência de o ser. Nestes casos,

seria colocado em asilo, casa de educação, escola de preservação ou confiado à

pessoa idônea, por tempo não superior à idade de 21 anos.

Pelo art. 69, os agentes de crime ou contravenção entre 14 e 18 anos seriam

submetidos a processo especial.

Porém, o grande avanço somente veio a ocorrer, no que diz respeito à

inimputabilidade, com a edição do Código Penal de 1940. Desde então vigora no

nosso ordenamento jurídico, o preceito da inimputabilidade penal aos menores de 18

anos.

O art. 228 da Constituição Federal de 1988 menciona que:“São penalmente

inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

Este artigo repete o texto do art. 27 do Código Penal. A legislação especial a que se

referem tais artigos é a lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que

dispõe sobre a proteção integral á criança e ao adolescente.

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Neste sentido, importante destacar que a recuperação histórica, como assevera

Maria Rosário2 sobre a influência do processo de democratização no implemento dos

direitos da Infância:

O movimento social brasileiro em favor da infância e adolescência tem seu surgimento a partir dos anos de 1980, quando as organizações da sociedade civil inspirados em outros movimentos como de mulheres, das desigualdades raciais, de defesa do meio ambiente, iniciam uma luta para mudança no marco legal que tratava dos Direitos das Crianças e Adolescentes. Esse movimento social cresce e se fortalece juntamente com o processo de redemocratização do Estado brasileiro a partir de 1985.

Atualmente, nos deparamos com a constante construção de alianças entre

sociedade e poder público, a fim de concretizar os direitos das Crianças e dos

Adolescentes. Assim, nos ensina Fajardo3:

Uma breve retrospectiva histórica das políticas públicas para a proteção da infância e da adolescência no Brasil permitiu-me visualizar que a caridade, a filantropia, o assistencialismo, o corporativismo, o confinamento e o novo paradigma da proteção integral, que contradiz todos os elementos anteriormente hegemônicos, seguem convivendo hoje, simultaneamente, num conjunto que dá vida ao processo de implementação do ECA, caracterizado por ambigüidades, conflitos, acertos e desacertos, conquistas e ameaças de retrocesso.

1.2 Menoridade Penal

Na legislação brasileira as leis que diciplinam a imputabilidade penal constam

da Constituição Federal (art. 228), do Código Penal (art. 27) e do Estatuto da

Criança e do Adolescente (art. 104).

2 ROSÁRIO, Maria. Luta e defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes. Relatório Azul de 2004: garantias e violações dos Direitos Humanos. Ed. Especial. Porto Alegre: Corag, 2004, p. 25. 3 FAJARDO, Sinara Porto. Dez anos de implementação do Eca no Rio Grande do Sul: avanços e Desafios. Relatório Azul de 2004: garantias e violações dos Direitos Humanos. Ed. Especial. Porto Alegre: Corag, 2004, p. 33.

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No Brasil, o limite para a imputabilidade penal é de 18 anos4, segundo se refere

dos excertos doutrinários de Julio Fabrini Mirabete, esclarece que:

De acordo com a teoria da imputabilidade moral (livre-arbítrio), o homem é um ser inteligente e livre, podendo escolher entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, e por isso a ele se pode atribuir a responsabilidade pelos atos ilícitos que praticou. Essa atribuição é chamada imputação, de onde provém o termo imputabilidade, elemento (ou pressuposto) da culpabilidade. Imputabilidade é assim, a aptidão para ser culpável.

Ao ser fixado a menoridade penal, adotou-se o critério puramente biológico, ou

seja, levou-se em conta a idade do autor do fato e não o seu desenvolvimento mental.

Mesmo que a criança ou o adolescente seja capaz de ter plena consciência do

ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, ele não poderá

ser responsabilizado penalmente por suas ações. A maioridade penal ocorre quando

a pessoa completa 18 anos, isto porque o critério adotado pelo legislador, foi o etário.

Trata-se, na verdade de uma ficção, porque se convencionou que exatamente

à zero hora do dia do aniversário, no qual a pessoa completa 18 anos, aquele

indivíduo passa a compreender tudo o que faz.

Os menores de 18 anos, que praticam fatgos definidos como infrações penais,

não recebem as penas previstas pelo Código Penal mas sim as medidas

administrativas de reeducação e recuperação previstas pela Lei nº 8.069/90 (Estatuto

da Criança e do Adolescente).

1.3 Tempo da Maioridade

Considera-se imputável aquele que comete o fato típico, no dia em que completa

18 anos, sem levar em consideração a hora do seu nascimento. Se um indivíduo

4 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Volume I. 20ª. Ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 216.

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comete o fato no dia em que completa seus 18 anos, responde pelo crime praticado,

pois a hora não terá relevância para se considerar à maioridade penal. Esta surge no

primeiro instante do dia do aniversário. É jurisprudencial o entendimento de que o

indivíduo será considerado imputável no primeiro instante do dia do seu 18º

aniversário, sem levar em consideração a hora do seu nascimento.

O momento para se verificar a imputabilidade, é o da ação ou omissão conforme

o art. 4º do Código Penal, e não o momento da produção do resultado. Não se pode

considerar imputável, aquele que realizou a conduta antes do seu 18º aniversário,

menos que a consumação ocorra após esse dia. Porém nos crimes habituais e

permanentes, será considerado imputável, se o agente continuar na prática da ação

após o aniversário, mesmo que tenha iniciado a prática do crime dias antes.

A prova da menoridade deve ser feita inicialmente, pela certidão do termo do

registro civil, pois se impõe a restrição à prova estabelecida na lei civil, quanto ao

estado das pessoas. Porém, admite-se outra prova idônea, não se descartando a

possibilidade de exame pericial especializado, na inexistência de prova documental.

No caso de dúvida insanável, quanto à idade do agente, vigora o princípio do “in

dúbio pro reo”, e o acusado deve ser absolvido.

Se for comprovada a menoridade penal do réu, o processo deverá ser anulado,

por ausência de legitimidade passiva.

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CAPÍTULO 2

A INIMPUTABILIDADE PENAL E O ESTATUTO DA CRIANÇA

E DO ADOLESCENTE

A Lei 8.069/90 revolucionou o Direito Infanto-Juvenil, inovando e adotando a

Doutrina da Proteção Integral. Essa nova visão baseou-se numa concepção humanista,

de caráter próprio e particular, cujo fim foi garantir à criança e ao adolescente uma

proteção diferenciada, diante das condições de desenvolvimento físico e mental que

lhes são inerentes.

Primorosamente, a análise do Ilustre Saulo de Castro Bezerra5, assevera que:

[...] Campanhas como as que estamos assistindo omitem os dados mencionados acima. Não apontam os males que serão provocados à nossa infância e juventude por essa irresponsável redução. Atacam o efeito e não a causa. Momentaneamente, esquecem seus defensores de que ao direito penal não cabe a solução de problemas sociais.

Tentam passar a idéia que o Estatuto não é uma boa lei e inaplicável à nossa realidade, mesmo sabendo que este ainda sequer foi colocado integralmente em prática apenas por omissão da sociedade e do poder público, que insiste em não tratar as questões relativas à população infanto-juvenil como prioridade absoluta, assim como exige a Constituição Federal e o ECA. Senão como explicar a ausência de Conselhos dos Direitos e Tutelares da Criança e do Adolescente que se verifica na grande

5 Saulo de Castro Bezerra - Promotor de Justiça de Goiânia. Procurador-geral de justiça de Goiás BIÊNIO 2005/2006; Presidente da ABMP - Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e Juventude biênio 2004/2005biênio 2004/2005. Acesso em http: //jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1649, site jus navegandi, em 03de agosto de 2009.

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maioria dos nossos municípios? Como explicar por que ainda não houve esta mesma "mobilização social" que há para a redução da idade penal, para se garantir às nossas crianças e adolescentes, verdadeiramente, o direito a uma vida digna, com educação de qualidade, moradia, saúde, livres de qualquer forma de exploração e constrangimento. Inúmeras perguntas que por eles nunca serão respondidas.

Penso que dispomos de legítimos instrumentos de participação popular, fornecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, para alcançarmos dias melhores na área da infância e Juventude. A lei vigente busca restabelecer o papel da família, fortalecendo-a para a função de formadora do indivíduo. O chamado sistema de garantias, por sua vez, tem relevante papel em todo esse contexto, e deve chamar para si a responsabilidade de articular e orientar a comunidade, fomentando uma discussão séria e responsável acerca dos problemas e soluções para a infância e a juventude brasileira, isenta de demagogia, paixão, preconceitos e ideologias de última hora [...].

Na realidade, os conceitos de criança e adolescente, bem como seus

limites etários, apresentam variações, segundo a cultura reinante em cada país,

como vimos anteriormente.

2.1 A Necessidade de uma Legislação Especial

Primeiramente, impõe-se a necessidade de se fazer a distinção entre

inimputabilidade penal e irresponsabilidade. A inimputabilidade não significa,

absolutamente irresponsabilidade.

Proposição teórica de nobre linhagem, posto que defendida por De Plácido

e Silva6 preleciona:

“[...] evidenciada a irresponsabilidade, não se pode atribuir à pessoa qualquer culpa pelo ato, que tenha praticado. Na

6 SILVA, De Plácido e, Vocabulário Jurídico. 19ª. Edição, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p 453.

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irresponsabilidade, registra-se a prática do ato. Mas, por determinação legal, não se considera a pessoa responsável por ele, isto é, sujeita às conseqüências ou às obrigações que dele se geraram. Neste sentido, então, a irresponsabilidade exprime isenção de pena ou de obrigação. Ou melhor, não é a pessoa passível de pena e não está sujeita à obrigação”

A circunstância da criança ou do adolescente, não responder por seus atos

delituosos perante o direito Penal, não o faz irresponsável.

O artigo 228 da Constituição Federal, ao conferir-lhe inimputabilidade penal até

os dezoito anos, ressalvou a sujeição desses menores “às normas da legislação

especial”.

As medidas sócio educativas previstas no ECA são brandas e insuficientes

para dar a resposta a crimes violentos. Este argumento por um lado, têm equívocos e

por outro se funda em uma concepção arcaica de direito penal, há muito superada.

Neste sentido, as medidas sócio-educativas permitem uma graduação que vai

da advertência á privação de liberdade, por meio da internação em estabelecimento

educacional. Neste sentido, as diferenças em relação às penas do direito penal estão

mais ligadas à aplicação e quantificação que à sua natureza. Ao mesmo tempo em

que não utilizam critérios de fixação do direito penal também não comportam

benefícios de progressão automática, como os previstos na Lei de Execução Penal.

Por isso, em muitos casos, é possível aplicar a um adolescente uma sanção mais

grave por um fato semelhante, principalmente naqueles em que a sanção penal seria

menor do que quatro anos, levando à aplicação de penas não privativas de liberdade.

Por outro lado, no ECA não existe a previsão de prescrição, impedindo que a

morosidade processual leve à impunidade.

Embora inimputáveis frente ao Direito Penal Comum, os adolescentes são

imputáveis diante das normas da lei especial (ECA).

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Adultos, crianças e adolescentes, sendo pessoas desiguais, não podem ser

tratadas de maneira igual. Desta forma, impõe-se a necessidade de se fazer uma

diferenciação entre estes e aqueles. Por isso se justifica a aplicação de uma

legislação especial, destinadas apenas às crianças e adolescentes, que são pessoas

ainda em formação. Sendo assim, são pessoas especiais, merecedoras de uma

justiça especializada e diferenciada daquela aplicada aos adultos, levando em

consideração suas diferenças.

O ECA prevê tratamento diferenciado para aos menores infratores, buscando

garantir-lhes a retomada de uma vida social plena, embasada em valores éticos,

sociais e familiares.

A infância e a puberdade representam fases decisivas para o desenvolvimento

e construção da personalidade humana. Nesta fase da vida é que se determina a

formação de personalidades sadias ou doentias.

Como aduz Smuel Pfromm Neto7:

“O que hoje sabemos sobre processos básicos de natureza psicológica nos primeiros anos de vida humana, sobre fatores que contribuem para retardar ou causar danos ao desenvolvimento, sobre riscos, distúrbios, anomalias, e dificuldades que geram uma infância infeliz e prenunciam conflitos e problemas sérios na futura pessoa adulta, é mais do que suficiente para justificar a compreensão do caráter fundamental dos chamados “anos formativos”, que em média, correspondem aos dois primeiros decênios de vida”

Como pessoas em desenvolvimento, crianças e adolescentes estão ainda em

formação. Sua personalidade e a estrutura física e psíquica não atingiram a plena

7 CURY, MUNIR Silva, Fernando do Amaral e, Mendez, Emílio Garcia, apud Samuel Pfromm Neto. Estatuto da Criança e do adolescente, Comentários Jurídicos e Sociais. 3ª edição,m São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p.15.

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maturidade. O legislador preocupou-se em não violar essa característica própria, de

forma a não lhes prejudicar o futuro. Desta forma, são pessoas que merecem a

adoção de normas diferenciadas, daquelas utilizadas para adultos.

2.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Realidade Brasileira

Os arts. 4º e 5º do ECA dispõem, in verbis:

Art. 4º é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

PARÁGRAFO ÚNICO. A garantia de prioridade compreende:

a) Primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) Precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) Preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) Destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

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Frequentemente reacende-se a discussão sobre a redução da maioridade

penal. Os defensores desta posição insistem em ignorar as verdadeiras causas que

levam o menor a praticar infrações. Ignoram também os avanços conquistados como

o advento do ECA. Encaram tal medida como a solução deste amplo e grave

problema social.

É preciso atacar as causas da violência e não o seu efeito. O que geram os

crimes são a miséria, o desemprego, e a instabilidade familiar. Estes sim devem ser

combatidos. A redução da maioridade penal não é a solução, pois a mudança da lei

não irá mudar a realidade social. Necessário se torna a discussão das verdadeiras

causas a serem atacadas.

Julio Fabbrini Mirabete8 em valioso ensinamento diz:

“ninguém pode negar que o jovem de 16 a 17 anos, de qualquer meio social, tem hoje amplo conhecimento do mundo e condições de discernimento sobre a ilicitude de seus atos. Entretanto, a redução no limite de idade no direito penal comum representaria um retrocesso na política penal e penitenciária brasileira e criaria a promiscuidade dos jovens com delinqüentes contumazes. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, aliás, instrumentos eficazes para impedir a prática reiterada de atos ilícitos por pessoas com menos de 18 anos, sem os inconvenientes mencionados.”

Em relação à garantia dos direitos fundamentais da criança e do adolescente,

a Lei 8.069/90 é inovadora e coloca o Brasil à frente de muitos outros países. Esta

proclama tratamento prioritário aos menores. No entanto, a nossa realidade social é

muito diferente daquilo que nos garante o estatuto.

8 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 13ª edição. São Paulo: Atlas, 1998, p. 215.

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Na concepção do Estatuto, os direitos básicos de crianças e adolescente são

deveres da família, da sociedade em geral e do Poder Público em especial. No

entanto, a realidade brasileira é absolutamente oposta. Nossas crianças e

adolescentes, principalmente os pertencentes às camadas mais pobres, vivem em

condições desumanas sendo privados até mesmo de suas necessidades básicas,

como alimentação, educação, saúde, moradia. Muitos, desde muito cedo, precisam

trabalhar para sobreviver e vivem em condições subumanas.

Nossas crianças e jovens são ainda, vítimas da violência, dos maus tratos e do

abandono, como também das políticas econômicas concentradoras de renda, das

políticas sociais incompetentes, da exclusão social, do abandono familiar. Percebe-se

pois, que a violência destes adolescentes apenas reflete a própria violência do meio

em que vivem.

O Estado não cumpre a sua função social, a crise econômica é agravada a

cada dia e cresce de forma acentuada, o número de meninos de rua nas grandes

cidades. Para garantir a sobrevivência, é inevitável que crianças e adolescentes

cometam infrações penais.

O crescente índice de infrações cometidas por menores, demonstra o aumento

da crise econômica e a incapacidade do Estado em promover a estabilidade social.

Estes atos infracionais são apenas o reflexo do complexo problema social que assola

nosso país.

Diante tantas injustiças sociais, crianças e adolescentes carecem de uma vida

digna e humana. O estado investe muito pouco na educação, saúde, cultura e lazer.

O flagrante abandono por parte do poder público leva crianças e adolescentes a

adentrarem no mundo da marginalidade.

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A doutrina de proteção integral enfocada anteriormente tem como fundamento

o respeito aos direitos do menor. A realidade brasileira está muito distante desse

preceito.

Paulo Freire9 em preciosa lição afirma que:

Numa sociedade, porém de gosto autoritário como a nossa, elitista, discriminatória, cujas classes dominantes nada ou quase nada fazem para a superação da miséria das maiorias populares, consideradas quase sempre como naturalmente inferiores pregui8çosas e culpadas por sua penúria, o fundamental é a nossa briga incessante para que o estatuto seja letra viva e não se torne como tanto outros textos em nossa História, letra morta ou semimorta”.

CAPÍTULO 3

DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO PREVISTAS NO ESTATUTO

DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

3.1 Das Medidas Específicas de Proteção

Ao abordar as sanções do Direito Penal, a doutrina sempre se reporta à

imprescindibilidade dos Princípios do Devido Processo Legal, do Contraditório e da

9 CURY, Munir. SILVA, Fernando do Amaral e. MENDEZ, Emílio Garcia, apud Paulo Freire.Estatuto da Criança e do adolescente, Comentários Jurídicos e Sociais. 3a. Edição, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72.

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Ampla Defesa, sem os quais o agente não poderá ser condenado pela autoria

delituosa. Mesmo não sendo sanções penais as previstas na Lei nº 8069/90, que

instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, convém examiná-las à luz desses

Princípios, quando da ocorrência de atos infracionais. O Código Penal, a LCP10 e a

doutrina identificam duas espécies de sanções penais:

a) as penas

(b) as medidas de segurança11

As primeiras são de reclusão, detenção, prisão simples e multa, enquanto as

últimas são detentivas e restritivas. Todas as penas são aplicadas aos agentes

imputáveis e aos semi-imputáveis, beneficiados, estes, pela redução da pena

(conforme o grau de capacidade de querer e entender, examinado por perícia

médica).

As medidas de segurança12 são aplicadas aos inimputáveis (pessoas sem

capacidade de querer e entender) e, também, aos semi-imputáveis (quando as penas

não forem cabíveis).

Em todas as hipóteses previstas pelo Código Penal e pelas leis penais

especiais, tais sanções penais – penas e medidas de segurança – somente podem

ser cominadas se o réu for submetido ao Devido Processo Legal, observados os

Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa.

10 O art. 5º, da LCP, dispõe: “As penas principais são: I –prisão simples; II – multa.”. JESUS, Damásio E. de. Lei das Contravenções Penais Anotada, 6ª ed.. São Paulo: Editora Saraiva, 1998, pág. 34. 11 Em relação à semi-responsabilidade (art. 26, parágrafo único, do CP), diz Damásio E. de Jesus: “Aplica-se às contravenções.”. Ob. cit., pág. 17. 12 Diz Guilherme de Souza Nucci: “Atualmente, prevalecendo o sistema vicariante (“ ““ ““ que faz as vezes de outra coisa”), o juiz somente pode aplicar pena ou medida de segurança. Caso o réu seja considerado imputável à época do crime, receberá a pena; se for inimputável, caberá medida de segurança.”. NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, 2ª ed.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, pág. 318.

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Mas, em relação aos menores de 18 anos – as crianças e os adolescentes –

as sanções a serem aplicadas encontram- se no Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA), criado especialmente para esses infratores.

Criança é a pessoa com até 12 anos incompletos, e adolescentes é quem tem

idade entre 12 e 18 anos, conforme dispõe o ECA, art. 2º. Com essa definição legal

de criança e adolescente13, as sanções a eles são aplicadas conforme a idade do

adolescente à data do fato (ECA, art. 104, parágrafo único).

À luz do ECA, aos menores de 18 anos são aplicadas as medidas protetivas e

as sócio-educativas. As primeiras submetem-se as crianças e os adolescentes

infratores, enquanto às últimas submete-se somente o adolescente infrator.

Mesmo não sendo sanções penais, visam a uma orientação ou reprimenda

contra o agente infrator, ainda que menor de 18 anos e inimputável em face do

Código Penal (ECA, art. 104, “caput”).

As medidas protetivas estão previstas no ECA, art. 101, I a VII, e, salvo a

hipótese da adoção, podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente pelo Conselho

Tutelar em procedimento administrativo e tem natureza sócio-educativa.

As medidas sócio-educativas estão previstas no ECA, art. 112, I a VII, podem

ser aplicadas isolada ou cumulativamente pelo Juiz mediante persecução sócio-

educativa instaurada em juízo (sob segredo de justiça) e tem natureza pedagógica,

retributiva e sancionatória.

Para a apuração das responsabilidades e identificação da mais adequada

sanção a ser aplicada ao menor infrator, o ECA, art. 110, prevê a aplicação dos

Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa14 à persecução sócio-

13 Diz Paulo Lúcio Nogueira: “O Estatuto se aplica a todos os menores de dezoito anos em qualquer situação, sem levar em conta a situação irregular, conforme previa o art. 2º do Código de Menores, ou mesmo situação de risco pessoal, como previa o Projeto de Lei do Senado n. 193, de 1989, do Senador Roman Tito, no seu art. 98.”. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, 2ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1993, pág. 07. 14 Diz Alexandre de Moraes: “O devido processo legal tem como corolários a ampla defesa e o contraditório, que deverão ser assegurados aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, conforme o texto constitucional expresso (art. 5º, LV). Assim, embora no campo administrativo, não exista necessidade de tipificação estrita

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educativa (aos adolescentes); sendo omisso, porém, quanto à aplicação deles em

relação ao procedimento administrativo (às crianças).

Saliente-se que o ECA protege a criança e o adolescente com os Princípios da

Proteção Integral, Prioridade Absoluta, Condição de Pessoa em Desenvolvimento e

da Participação Popular, devendo a família, a sociedade e o Estado atuarem de

acordo com eles (CF, art. 227). Deverá, pois, ser obrigatória a obediência aos

Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa em favor das crianças, quando

submetidas ao procedimento administrativo.

Mas, a estas se aplicam somente as medidas protetivas, enquanto aos

adolescentes*6 aplicam-se, também, as medidas sócio-educativas15.

São também as medidas aplicáveis, em função da conduta dos menores

(prática de ato infracional). A aplicação de medidas de proteção não se exige como

pressuposto a prática de ato infracional, mas qualquer das hipóteses supra.

As medidas de proteção devem sempre buscar os fins sociais a que se

destinam. Têm elas, conteúdo especificamente pedagógico, visando ao

fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. São destinadas a alcançar seus

objetivos pedagógicos, respeitando as condições peculiares de pessoas em

desenvolvimento que são crianças e adolescentes.

Vejamos a posição de Wanda Engel16:

que subsuma rigorosamente a conduta à norma, a capitulação do ilícito administrativo não pode ser tão aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa, pois nenhuma penalidade poderá ser imposta, tanto no campo judicial, quanto nos campos administrativos ou disciplinares sem a necessária amplitude de defesa.”. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 13ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2003, págs. 123/124. 15 Ainda Paulo Lúcio Nogueira: “Além das medidas previstas no art. 112, há também a possibilidade de se aplicarem as medidas previstas no art. 101, incisos I a VI, exceto abrigo em entidade (VII) e colocação em família substituta (VIII), que são reservadas a menores abandonados, e não infratores.”. Ob. cit., pág. 156.

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[...] só é possível verdadeiramente alterar a conduta de um sujeito através de uma ação educativa que modifique sua visão do mundo (ou cultura), em franco processo de interiorização/construção nesta fase de desenvolvimento. Mesmo as possíveis sanções que se apliquem quando uma criança apresentar uma conduta que infrinja normas sociais devem ter uma clara intenção pedagógica.

Ao ato infracional praticado por criança (menor de 12 anos) aplicar-se-ão

apenas as medidas específicas de proteção previstas no art. 101, não lhes sendo

impostas as medidas sócio-educativas previstas no art. 112. Estas serão

endereçadas apenas aos adolescentes.

O ECA enumera as medidas específicas de proteção, aplicáveis ás crianças

que vierem a praticar ato infracional, dispondo in verbis:

ART.101 - Verificada qualquer das hipóteses previstas no ART.98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - abrigo em entidade; VIII - colocação em família substituta.

Parágrafo único. O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.

16 CURY, Munir. SILVA, Fernando do Amaral e. MENDEZ, Emílio Garcia, apud Paulo Freire.Estatuto da Criança e do adolescente, Comentários Jurídicos e Sociais. 3a. Edição, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 96.

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A primeira medida é o encaminhamento aos pais ou responsável mediante

termo de responsabilidade.

Esta permite que a criança ou o adolescente permaneça junto à sua família,

em seu meio natural, desde que este não seja prejudicial à sua educação e ao

desenvolvimento de sua personalidade.

A filosofia menorista procura realçar o papel da família, que é fundamental

para o aprendizado da criança e o adolescente, por diversos fatores. Assim, a criança

ou o adolescente deve sempre ser mantido na própria família, ou, na sua falta, em

família substituta, já que o ambiente familiar é mais propício para sua formação e

integração comunitária.17

O legislador teve essa preocupação porque está comprovada a correlação

entre alcoolismo e criminalidade. A OMS considera o alcoolismo um a enfermidade

psíquica, uma patologia. Então, o alcoolismo deve ser tratado como tal.

Da mesma forma, a toxicomania apresenta-se intimamente relacionada com a

criminalidade. A Medicina Forense considera alcoólatras e toxicômanos como

doentes, que necessitam de tratamento psicológico e ambulatorial por um longo

período. Daí se deduz a importância da medida.

3.2 Das Medidas Sócio-educativas

A medida sócio-educativa tem por finalidade corrigir o adolescente infrator,

sendo pressuposto para a sua aplicação a prática de ato infracional. Só pode ser

17 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do adolescente Comentado. 2ª. Edição. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 131.

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aplicada ao adolescente; às crianças são aplicadas as medidas específicas de

proteção, analisadas no item anterior.

Como assevera o Douto Wison Donizeti Liberati18, afirma que:

As medidas sócio-educativas são aquelas atividades impostas aos adolescentes quando considerados autores de ato infracional. Destina-as à formação do tratamento tutelar empreendido a fim de reestruturar o adolescente para atingir a normalidade da integração social.

Os métodos para o tratamento e orientação tutelares são pedagógicos, sociais, psicológicos e psiquiátricos, visando, sobretudo,l à integração da criança e3 do adolescente e m sua própria família e na comunidade local.

O anseio da sociedade em relação à redução da maioridade penal para os

menores de 18 anos, surge da equivocada sensação de que nada lhes acontece,

quando estes cometem infrações penais. Muitas pessoas acreditam que não há

punição para os menores de 18 anos que praticam crimes. No entanto, essa idéia

generalizada de que há impunidade é um mito, pois o Estatuto prevê penalidades

para tais infratores.

Mesmo considerado inimputáveis os menores de 18 anos, a postura do

legislador não foi de paternalismo, pois não se permite que estes fiquem impunes ao

cometerem atos infracionais.

O Estatuto permite a punição do adolescente infrator a partir dos 12 anos,

idade esta muito inferior aos 16 anos defendidos por alguns para fins de

imputabilidade penal. Só que o faz de forma responsável, seguindo os caminhos de

uma lei antes de tudo pedagógica, que visa à proteção integral da criança e do

adolescente e não apenas sua irresponsável punição.

18 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 5ª. Edição., São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 82

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Não é a alteração no Estatuto que irá diminuir o envolvimento dos menores em

atos infracionais. Não se soluciona nenhum problema social, econômico ou jurídico,

com a simples mudança de leis. É necessária a construção do sistema de proteção

integral, que considere crianças e adolescentes prioridades absolutas da nação.

Essa legislação não tem como premissa simplesmente punir menores, mas

antes de tudo, amparar crianças e adolescentes. Busca-se a recuperação daquele

que errou levado por inúmeros fatores sociais, ou até mesmo por sua imaturidade,

objetivando sempre, reintegra-lo à sociedade. O adolescente recebe como resposta à

sua conduta infracional medidas de caráter sócio-educativo, que podem ser

cumuladas com as medidas protetivas específicas do art. 101 do ECA.

A intenção do legislador é educar a criança e o adolescente, possibilitando o

seu convívio social, sem que, para isso, seja ele privado de sua liberdade. A privação

de liberdade no estatuto, só se impõe em casos extremos, por tempo máximo

determinado. Neste caso, as atividades realizadas na instituição, não visam afastar o

adolescente do convívio social, mas sim, propiciar um tratamento que o faça adquirir

um maior conhecimento e educação, tornando-o apto para voltar a viver em

sociedade.

Ao aplicar as medidas sócio-educativas, o juiz da Infância e da Juventude, não

se baseará apenas nas circunstâncias e na gravidade do delito, mas, sobretudo, nas

condições pessoais do adolescente (sua personalidade, suas referências familiares e

sociais), como também na sua capacidade de cumpri-la.

O art. 112 prevê as medidas sócio-educativas aplicáveis ao adolescente, no

caso de prática de ato infracional, dispondo in verbis:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

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I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no Art. 101, I a VI. § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

A aplicação de medidas diversas, das previstas no artigo, não será

permitida, pois o mesmo não é exemplificativo, mas sim, taxativo.

A “autoridade competente” a que se refere o artigo, e que irá aplicar as

medidas sócio-educativas, é o juiz e o promotor de justiça da infância e da

juventude (este último somente no s diz respeito às medidas previstas nos incs. I,

II, III, IV e VII, quando se tratar de concessão de remissão com aplicação de

medida).

3.3 Um breve estudo de casos estatísticos da criminalidade

envolvendo crianças e adolescentes e a crise no sistema de

Justiça Criminal

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Os dados disponíveis são surpreendentes e muito chocantes19. No Estado de

São Paulo, em 1970, do total de pessoas processadas, 75% foram denunciadas; 27%

condenadas; e 48% absolvidas. Em 1982, essas proporções reduziram-se

respectivamente para 65%, 22% e 43%. Enquanto a instauração de inquéritos penais,

no período de 1970-1982, cresceu 191,4% e as ações penais, 148,5%; os inquéritos

arquivados cresceram 326,2%. Do mesmo modo, a extinção de punibilidade cresceu

de 3,4% para 6,3%20.

No mesmo período, para o Estado do Rio de Janeiro, um estudo sobre a

evolução do crime21 observou que as chances de condenação, em crimes contra o

patrimônio, vinham declinando: em 1976, era de 0,0506; em 1980, 0428. Vale dizer,

no início do período, para cada cem crimes contra o patrimônio, condenavam-se

cinco infratores; poucos anos mais tarde, quatro infratores eram condenados. O

mesmo estudo constatou ainda que o crescimento em 50% da criminalidade urbana,

entre 1977 e 1986, foi acompanhado do declínio, em 27,4%, das taxas de

aprisionamento (população prisional/100.000 habitantes).

19 Por Sérgio Adorno é professor associado do Departamento de Sociologia da USP, coordenador do NEV/USP, diretor de educação do projeto Cepid/Fapesp e coordenador do projeto Cepid, um estudo sobre impunidade no município de São Paulo, disponível em http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252002000100023&script=sci_arttext&tlng=pt, acesso em 04 de agosto de 2009.

20 ADORNO, S. S. "Cidadania e administração da Justiça criminal". In: Diniz, E.; Leite Lopes, S. E Prandi, R. (orgs). O Brasil no rastro da crise. Anuário de Antropologia, Política e Sociologia. São Paulo: Anpocs/IPEA, Hucitec, 1994. p. 304-27. 21 COELHO, E. C. "A criminalidade urbana violenta". Dados – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Iuperj, 1988, 31(2): 145-83.

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Para a década de 1990, o quadro não é menos grave. Alguns anos mais tarde,

Soares e outros22 atualizaram as análises sobre a evolução da violência no Estado e

Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Seus resultados indicam, para o

município do Rio de Janeiro, tão somente 8,1% dos inquéritos sobre homicídios

dolosos (isto é, intencionais) e 8,9% dos inquéritos sobre roubos seguidos de morte

(modalidade mais conhecida como latrocínio) foram convertidos em processos

penais, no ano de 1992. Nesse mesmo ano, 92% dos crimes dolosos contra a vida

deixaram de merecer alguma sanção penal.

Para o município de São Paulo, Castro, observando homicídios praticados

contra crianças e adolescentes, no ano de 1991, constatou que apenas 1,72% de

todos os crimes denunciados alcançaram uma sentença condenatória, transitada em

julgado, no final do período observado, o ano de 1994. Essa tendência parece ter-se

mantido ao longo da década.

Em 1999, transitaram pelo I Tribunal de Júri da capital cerca de 10 mil

processos instaurados para apuração de responsabilidade penal de homicídios. Em

torno de 70%, os processos foram arquivados

A conseqüência mais grave deste processo em cadeia é a descrença dos

cidadãos nas instituições promotoras de justiça, em especial encarregadas de

distribuir e aplicar sanções para os autores de crime e de violência. Cada vez mais

descrentes na intervenção saneadora do poder público, os cidadãos buscam

saídas23.

Aqueles que dispõem de recursos apelam, cada vez mais, para o mercado de

segurança privada, um segmento que vem crescendo há, pelo menos, duas décadas.

Em contrapartida, a grande maioria da população urbana depende de guardas 22 SOARES, L. E. e outros. Crime e política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996 23 Op. Cit. ADORNO, Sérgio.

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privados sem profissionalização, apóia-se perversamente na "proteção" oferecida por

traficantes locais ou procura resolver suas pendências e conflitos por conta própria.

Tanto num como noutro caso, seus resultados contribuem ainda mais para

enfraquecer a busca de soluções por intermédio das leis e do funcionamento do

sistema de Justiça criminal24.

24 Ib idem

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CONCLUSÃO

Mesmo considerando inimputáveis os menores de 18 anos, a nossa legislação

não permite que estes fiquem impunes quando cometem atos infracionais.

Adolescentes ao cometerem um ilícito penal, estarão sujeitos às medidas sócio-

educativas previstas no estatuto da Criança e do adolescente. Estas poderão ir de

simples advertência até internação, conforme o caso, visando sempre puni-los e

ressocializa-los. Às crianças infratoras aplicar-se-ão as medidas de proteção

previstas no ECA.

Existe na sociedade uma sensação de impunidade, porém este sentimento é

um mito, pois o ECA prevê penalidades para os infratores. Muitos ainda, defendem

que o Estatuto não é uma boa lei e é inaplicável a nossa realidade. Na verdade, a

legislação é inovadora e sensata, pois além de punir, busca também amparar a

população infanto-juvenil.

A Constituição Federal de 1988 e a Lei 8.069/90 colocam o Brasil na

vanguarda de legislações a respeito de crianças e adolescentes. A nossa realidade,

no entanto, é oposta. A crise social agrava a cada dia, impulsionada pela carência de

políticas sociais básicas, má distribuição de rendas, má aplicação de verbas públicas

etc.

O sistema legal implantado pelo ECA considera jovens de 12 a 18 anos,

sujeitos de direitos e de responsabilidades. No caso de cometerem ato infracional,

prevê a aplicação de medidas sócio-educativas, inclusive com privação de liberdade.

As medidas têm natureza e finalidades pedagógicas, leva em consideração a

peculiar condição de indivíduos em desenvolvimento, visam à proteção integral da

criança e do adolescente e não apenas sua irresponsável punição. Não deixam de ter

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o caráter sancionatório e retributivo das penas impostas pelo Código Penal. A

diferença reside no caráter pedagógico das mesmas e na preocupação verdadeira de

recuperação, ressocialização e reintegração da criança e do adolescente

delinqüentes na sociedade, utilizando-se, para isso, de outras alternativas que não

somente a pena de prisão.

Objetiva-se a recuperação daquele que errou levado por inúmeros fatores

sociais, reintegrando-o à sociedade.

O problema não se encontra no conteúdo do ECA, pois este responde aos

justos anseios da sociedade por segurança, e exatamente na sua correta aplicação

se encontra a resposta a eles. Os resultados de sua aplicação dependem do

interesse por partes dos responsáveis, de recursos e de instrumentos para a sua

correta aplicação. A falha ocorre na falta de estrutura do Estado, que não concorre

para a sua plena efetivação. O ECA ainda não foi devidamente colocado em prática

por omissão da sociedade e do poder público, que não trata esta questão como

prioridade absoluta, como determina a Constituição Federal.

O problema da criminalidade, envolvendo a criança e o adolescente, envolve

uma série de fatores. Neste sentido é necessária a sensibilização dos governantes e

da comunidade para esse grande problema social. Se o Estatuto da Criança e do

Adolescente, for corretamente aplicado, tornar-se prescindível e sem importância, a

proposta de redução da idade de imputabilidade penal para a solução da questão

referente à criminalidade juvenil. O que realmente necessita a sociedade brasileira é

de um sério compromisso com a efetivação pela do estatuto, ou seja, sociedade,

família e Estado devem fazer valer este, que é um dos mais importantes instrumentos

de cidadania.

Atualmente, existem no Congresso Nacional, cerca de mais de trinta projetos

para a diminuição da idade penal. No caso desta redução ser aprovada para 16 anos,

por exemplo, jovens a partir dessa idade irão responder penalmente por seus atos

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infracionais. A eles não mais serão aplicadas as medidas sócio-educativas da

legislação especial, mas sim, as penas impostas pelo Código Penal e serão tais

jovens conduzidos aos presídios comuns. Há muito, sabe-se que o sistema

penitenciário brasileiro está falido. A pena privativa de liberdade não reeduca, não

ressocializa e não cumpre a sua função de reintegrar o preso à sociedade. Ao

contrário, corrompe e deforma. Encaminhar jovens a este falido sistema, seria

contribuir para o aumento da criminalidade.

Não será alterado a legislação que se conseguirá diminuir a criminalidade

infanto-juvenil. Isto se conseguirá com a efetivação do sistema de proteção integral,

nos diversos âmbitos, mobilizando comunidade, sociedade em geral, família, poder

público, a fim de que coloque, de fato, a criança e o adolescente como a prioridade

absoluta da nação.

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ANEXO A

Publicada em: 21/06/2004 às 00:00

Reportagens

Tragédia acende debate sobre maioridade penal no Japão

Nicholas Watson

21 de junho de 2004 – Satomi Mitarai, uma menina de 12 anos, morreu dentro da

sala de aula da Escola Primária Okubo, em Sasebo, 600 quilômetros ao sul de

Tókio, no dia primeiro de junho. Ela teve o pescoço atingido por um cortador de

papel durante o recreio. A agressora, uma companheira de turma que não pode

ser identificada por ter apenas 11 anos, confessou o crime.

A tragédia provocou recentemente uma reação semelhante à causada por um

outro episódio de violência envolvendo crianças em 1997, quando um menino de

14 anos degolou outro de onze, em frente à escola onde estudavam, na cidade de

Kobe, na região sudoeste do país.

Mudança na lei

Por conta do horror e da raiva gerados pelo crime em Kobe, o Parlamento baixou

a maioridade penal de 16 para 14 anos em 1997. Foi a primeira vez que a lei

criada em 1949 no Japão sofreu uma alteração.

A mudança fez com que jovens em conflito com a lei a partir de 14 anos fossem,

em casos graves, julgados por cortes criminais e, se condenados, levados a

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reformatórios juvenis, separados dos adultos, mas com foco maior na punição do

que na reabilitação, o que gerou polêmica entre especialistas.

Crianças com menos de 14 anos continuaram sendo consideradas inimputáveis, e

quando cometem um ato infracional são encaminhadas para Unidades para o

Desenvolvimento da Capacidade de Auto-sustentação ou Centros de Apoio à

Independência das Crianças.

O sistema japonês

O Japão tem 58 Centros de Apoio à Independência das Crianças, segundo o

jornal Mainichi Daily News. Eles diferem dos reformatórios, onde a segurança é

mais rigorosa e o regime se baseia na disciplina corretiva e na punição.

Os Centros privilegiam a reabilitação. "Há muita ênfase sobre a reflexão e a

contemplação", comenta o repórter da BBC Hugh Levinson, que visitou o Centro

Juvenil Tama, no subúrbio de Tókio, em 2002.

De acordo com dados do departamento judicial japonês anteriores à mudança da

lei, apenas 24% de egressos dos Centros de Apoio continuavam cometendo atos

infracionais. Isso, segundo Levinson, sugere que os métodos japoneses para

tratar jovens em conflito com a lei eram "extremamente eficientes para os padrões

internacionais".

Reabilitação e não punição

Yoshikuni Noguchi, advogado de defesa do jovem agressor de Kobe, concorda

com a afirmação de Levinson. Noguchi acredita que o sistema anterior, onde a

reabilitação era o foco, servia melhor aos interesses das crianças e da sociedade

em geral.

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"Impor sentenças mais severas pode ser contraproducente, fazendo de crianças

que cometeram um erro, criminosos implacáveis", disse à rádio BBC.

Hiroko Goto, professor de direito da Faculdade de Fuji, afirma que muitas das

preposições da Lei Juvenil estão incorretas. "Apesar de o crime – incluindo o crime

juvenil – ter aumentado nos últimos três ou quatro anos, os índices criminais eram

muito maiores nos anos 80 e ainda maiores nos 60", aponta.

"Crime juvenil"

Apesar da cobertura sensacionalista da imprensa sobre crimes envolvendo

crianças e adolescentes no Japão, o país ostenta um dos menores índices

criminais do mundo desenvolvido, e o homicídio é um crime raro. De acordo com o

Centro Nacional da ONU para as Estatísticas de Educação, o índice de homicídios

juvenis nos Estados Unidos foi 20 vezes maior que o do Japão nos anos 90.

"Os índices de homicídio têm caído desde o final da Segunda Guerra Mundial",

destaca o pesquisador de comportamento da Universidade de Waseda, Mariko

Hasegawa, ao jornal The Times. "A mídia trata estes crimes terríveis cometidos

por indivíduos mentalmente desviados como se pudessem ser cometidos por

gente normal. Na verdade, isso é muito raro", observa.

Fontes: BBC, Crossing Continents, Mainichi Daily News , Japan Times, The Times.

Acesso em :

http://www.coav.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=836&tpl=pri

nterview&sid=105, em 04 de agosto de 2009.

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ANEXO B O CASO CHAMPINHA – Fonte Revista Veja, em 19/11/2003.

Assassinato de casal de alunos do Colégio São Luís que acampava em

Embu-Guaçu, na Grande São Paulo, choca pela brutalidade e reacende a

polêmica sobre a redução da maioridade penal para 16 anos.

Por Otávio Canecchio

O assassinato covarde do jovem casal de namorados Felipe Silva Caffé, de

19 anos, e Liana Friedenbach, de 16, em Embu-Guaçu, na Grande São Paulo,

chocou o país pela brutalidade – ele recebeu um tiro na nuca e ela mais de quinze

facadas, depois de ter sido estuprada – e levantou uma antiga polêmica. Diante de

um duplo homicídio bárbaro como esse, cometido a sangue-frio por um bando de

delinqüentes do qual fazia parte um rapaz de 16 anos conhecido como

Champinha, que já havia sido acusado de homicídio e demonstra, segundo a

polícia, todas as características de um psicopata, reacende-se a velha discussão:

pode um menor de idade matar e, assim mesmo, ficar inimputável? O Código

Penal diz que sim. Menor que comete homicídio ou outro crime não recebe pena,

como qualquer cidadão a partir de 18 anos que for condenado pela Justiça, mas

uma medida corretiva, com o objetivo, de acordo com a lei, de reeducá-lo e

prepará-lo para voltar à sociedade. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

determina que ele fique recolhido por até três anos na Febem e, se não fugir antes

de lá, ganhe liberdade após esse prazo. Toda essa legislação baseia-se em um

antigo princípio do Direito segundo o qual o jovem é uma pessoa em formação e

não pode, antes de uma determinada idade, ser responsabilizado por seus atos.

Tal doutrina fazia inteiro sentido em épocas distantes em que os

adolescentes eram pouco mais do que crianças crescidas, não tinham acesso a

informações fora da escola e dependiam dos pais para tudo. Isso mudou tanto na

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sociedade brasileira contemporânea que, desde a promulgação da Constituição de

1988, é dado a eles, a partir dos 16 anos, o direito de votar. Ou seja, rapazes e

moças que nem entraram na faculdade estão aptos para escolher o presidente da

República, mas não estão sujeitos a uma condenação penal, cometam o delito

que cometerem.

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BIBLIOGRÁFIA CONSULTADA

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 8ª. Edição. São Paulo: 2007.

CURY, Munir; PAULA, Paulo Afonso Garrido de; MARÇURA, Jurandir Noberto.

Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 3ª. Ed. 2ª. Tiragem. São Paulo:

Malheiros, 2001.

DELMANTO, Celso. Código Penal Anotado. 10ª. edição, São Paulo: Saraiva, 2003.

FAJARDO, Sinara Porto. Dez anos de implementação do Eca no Rio Grande do Sul: avanços e Desafios. Relatório Azul de 2004: garantias e violações dos Direitos Humanos. Ed. Especial. Porto Alegre: Corag, 2004, p. 33.

ISHIDA, Walter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente, São Paulo: Atlas, 2005

JESUS, Damásio. Direito Penal, 1º volume , parte geral, 26ª edição, São Paulo: 2007.

LIBERATI, Wilson Donizete. Comentários ao Estatuto da Criança e do adolescente.

5ª edição. São Paulo: Malheiros, 2000.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 1º volume, parte geral. 17º

edição, São Paulo: Atlas, 2008.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20º edição revista e ampliada. Editora

Saraiva. São Paulo: 2008.

ROSÁRIO, Maria. Luta e defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes. Relatório Azul de 2004: garantias e violações dos Direitos Humanos. Ed. Especial. Porto Alegre: Corag, 2004, p. 25.

Acesso em http: //jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1649, site jus navegandi, em 03de agosto de 2009.

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SILVA, De Plácido e, Vocabulário Jurídico. 19ª. Edição, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p 453. SOARES, L. E. e outros. Crime e política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume-Dumará,

1996

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