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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE IMAGENS REFLETIDAS Por: Vânia Maria Lopes de Abreu Orientador Prof. Dayse Serra Rio de Janeiro 2011

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … · Ao final veremos a teoria de Jung, chamada de Psicologia Analítica, que dá suporte à Arteterapia e nos mostra que o inconsciente

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

IMAGENS REFLETIDAS

Por: Vânia Maria Lopes de Abreu

Orientador

Prof. Dayse Serra

Rio de Janeiro

2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

IMAGENS REFLETIDAS

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Arteterapia em

Educação e Saúde.

Por: Vânia Maria Lopes de Abreu

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AGRADECIMENTOS

A todos aqueles que um dia

compartilharam um pouco do seu

conhecimento comigo, aos quais

chamo de mestres do dia a dia.

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DEDICATÓRIA

A todos que amam a Arte e sabem que

sem ela a vida não seria possível.

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RESUMO

Este trabalho procura mostrar os conteúdos subjetivos presentes nas

imagens produzidas através das expressões artísticas, sejam elas imagens

produzidas por artistas ou não.

No caso dos artistas, apresentaremos no primeiro capítulo a análise de

três obras consagradas pela crítica e importantes na História da Arte: a

“Monalisa” de Leonardo da Vinci; “As meninas” de Diego Velásquez e “Quarto

em Arles” de Vincent Van Gogh. As obras escolhidas foram produzidas por

artistas de diferentes épocas, mas que são marcantes os elementos pessoais

de cada um, bem como de seu contexto, o que é o tema de estudo da

Sociologia da Arte.

No segundo capítulo abordaremos a produção de imagens no processo

de atendimento Arteterapêutico, por pessoas comuns (ou não-artistas).

Faremos também um breve histórico desse tipo de tratamento.

Ao final, veremos um pouco da vida e obra do psicólogo e psicanalista

Carl G. Jung, que através de sua Psicologia Analítica, trouxe fundamentação

teórica para comprovar que o inconsciente das pessoas pode ser acessado

através das imagens simbólicas criadas (não somente a realidade em que

vive). Neste contexto, destacamos a importância da Arteterapia como agente

de transformação do ser, de busca de compreensão do eu e de uma melhor

qualidade de vida.

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METODOLOGIA

A metodologia utilizada para a elaboração deste trabalho foi a leitura

e seleção de livros sobre o assunto escolhido, além de investigação na internet

sobre o mesmo.

A formação anterior em História da Arte e a experiência como

professora de Arte no Ensino Fundamental, assim como as aulas teóricas e as

vivências adquiridas durante o curso de Arteterapia em Educação e Saúde,

serviram como ponto de partida para este estudo.

Este trabalho baseia-se em levantamento bibliográfico sobre os

seguintes assuntos: História da Arte, Sociologia da Arte, Arteterapia e

produção de imagens, Jung e sua Psicologia Analítica.

Os principais autores que servirão como referência são: Costa – 2004;

Cumming – 2010; Diniz – 2009; Gombrich – 2008; Grinberb – 2003; Hauser –

1998; Proença – 2001; Ramos – web e Urrutigaray – 2003.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I 10

O artista e suas imagens

CAPÍTULO II 22

Pessoas comuns e suas imagens

CAPÍTULO III 30

Jung e o inconsciente refletido nas imagens

CONCLUSÃO 38

ANEXOS 40

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 52

WEBGRAFIA 54

ÍNDICE 56

FOLHA DE AVALIAÇÃO 58

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INTRODUÇÃO

Este trabalho procura mostrar que, na produção de uma imagem,

qualquer pessoa (seja artista profissional ou não) insere nela eu contexto

social, cultural e histórico. Com os estudos da psicologia, veremos que o

inconsciente também se reflete nestas imagens através de símbolos.

Toda imagem contem componentes subjetivos da realidade e das

vivências da pessoa que a produz, ou seja, o modo como esta pessoa se

relaciona com o mundo, seus pensamentos e sentimentos. Também podemos

encontrar nas imagens, como estuda a Sociologia da Arte, determinantes

culturais como os valores, ideologias, preconceitos e religião da pessoa.

Uma obra de arte pode apresentar imagens fora do tempo histórico em

que foi feita, apontando para o futuro ou retornando ao passado, mas também

vai mostrar o momento presente, ou seja, como a pessoa está se vendo e

sentindo quando se expressa através da arte, por isso são muitas vezes

utilizadas como documento histórico.

Numa análise mais apurada de uma imagem, pode-se perceber

também algum determinante arquetípico, ou seja padrões ancestrais

associados a representações do materno, paterno; filial; de Deus; do diabo; da

totalidade; da unidade; etc.

No caso dos artistas, veremos alguns exemplos, analisando três obras

de artistas consagrados, onde pode-se observar seus conteúdos pessoais. No

caso destes artistas escolhidos, não podemos fazer uma análise completa do

ponto de vista da Arteterapia porque não acompanhamos o seu processo ao

produzir as imagens. Algumas das obras foram feitas antes mesmo da

existência do termo Arteterapia e até mesmo da Psicologia, porém podemos

afirmar a partir do conhecimento da biografia dos artistas que a Arte foi fator de

extrema importância em suas vidas, como é para todo ser humano. Através da

expressão artística pode-se exorcizar fantasmas e demônios, criar universos

diferentes da realidade, viajar na fantasia, na imaginação, na criatividade e no

sonho.

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A vida do ser humano é permeada por dúvidas e a busca de respostas

para seus grandes dilemas como a verdade, o verdadeiro eu, o sentido da

vida, o que esperar após a morte. Uma forma prazerosa de encontrar

respostas é através da arte e da expressão artística.

No início do trabalho teremos a visão do artista e seu conteúdo pessoal

inserido em importantes obras de arte. Para melhor compreendê-los veremos

um pouco da biografia de cada um dos três artistas escolhidos e seu contexto

histórico e artístico.

No segundo capítulo, veremos que não só os artistas, mas qualquer

pessoa pode ter contato com a arte e com o fazer artístico e utilizar-se de seu

poder de transformação e autocura. Daí a valorização que damos a

Arteterapia. Esta propõe um tratamento e demonstra que os conteúdos

pessoais e inconscientes refletidos nos desenhos podem ser decifrados

psicologicamente e mostrar o que também está acontecendo com o corpo.

As imagens e símbolos expostos na pintura, escultura, poesia, dança,

música, literatura e qualquer outra forma de expressão artística surgem do lado

criativo do ser humano.

Ao final veremos a teoria de Jung, chamada de Psicologia Analítica,

que dá suporte à Arteterapia e nos mostra que o inconsciente pode ser

representado na arte por meio das imagens e dos símbolos. Quando as

imagens surgem do inconsciente, somos tocados de alguma forma e levados a

um processo de transformação.

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CAPÍTULO I

O ARTISTA E SUAS IMAGENS:

A MARCA PESSOAL REGISTRADA NO TRABALHO DE

CADA ARTISTA

“A arte existe porque a vida não basta.”

Ferreira Gullar

A arte acompanha o homem desde os primórdios da humanidade. Na

Pré-História, antes mesmo de inventar as letras e os números, o homem já

produzia imagens mesmo que de forma rudimentar, no que tange aos

materiais disponíveis na época. A partir daí, vários estudos vem sendo feitos

até hoje para tentar entender o significado daqueles rabiscos e marcas de

mãos nas paredes das cavernas. O que é inegável é a importância da arte

para elucidar e nos mostrar como era a vida cotidiana de nossos antepassados

e daí temos a importância dos estudos da Arqueologia e da História da Arte.

Embora a arte esteja sempre presente em nosso cotidiano, trata-se de

um termo de difícil definição. Pareyson nos auxilia nessa árdua tarefa a partir

de três definições tradicionais da arte como fazer, como conhecer ou como

exprimir. No entanto nenhuma definição exclui a outra e vários livros e tratados

de estética já foram e continuam a ser escritos na tentativa de compor uma

definição que agrade e que seja capaz de abranger todos os campos, técnicas,

estilos e diferentes manifestações artísticas.

A arte não pode ser estudada ou analisada de forma isolada das

demais atividades humanas, pois em cada imagem produzida pelos artistas ao

longo do tempo, se apresenta sua a visão do momento histórico em que vive.

Em função disso, várias áreas de estudo e pesquisa interagem no

campo das artes, principalmente a Sociologia da Arte, que, como nos explica

Costa,

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“se propõe a entender o papel da arte na sociedade, a função social do artista, o sentido de um som ou de uma imagem num determinado contexto social, o processo de consagração artística, a dinâmica do processo artístico e a relação existente entre a arte consagrada e a vanguarda.” (COSTA, 2004, p. 17)

O que muitos comumente chamam de marca ou estilo pessoal de um

artista, no campo da Psicologia já é analisado como um reflexo do

inconsciente. Como a Psicologia é uma ciência recente, nos apoiaremos na

Sociologia da Arte primeiramente. Veremos alguns exemplos de quadros

importantes na História da Arte, onde o contexto histórico e social é mostrado

claramente. Na análise de cada quadro, veremos que os artistas se utilizam

das regras e técnicas de pintura vigentes em sua época, mas também inserem

seus conteúdos pessoais.

Os artistas escolhidos: Leonardo da Vinci, Diego Velásquez e Vincent

Van Gogh, são consagrados e conhecidos. Também são de estilos e épocas

diferentes. Se faz necessário conhecer brevemente a biografia de cada um,

bem como o seu contexto histórico e artístico para melhor compreensão da

análise de cada quadro.

1.1 – Leonardo da Vinci

Pintor, escultor, arquiteto, engenheiro, cientista, matemático,

anatomista, inventor, botânico, poeta e músico; tudo isso foi Leonardo da Vinci,

o talento mais versátil do Renascimento Italiano. Nasceu na cidade de Vinci,

Itália em 1452. Seu pai percebendo seu talento artístico o empregou como

aprendiz no ateliê de Andrea Del Verrocchio, que treinava aprendizes em

várias atividades técnicas. Tudo na natureza despertava sua atenção: ondas e

correntes, vôo dos pássaros e insetos, crescimento das árvores, harmonia dos

sons, formas de pedras e nuvens eram objeto de suas pesquisas e base de

sua arte. Sua imaginação criou vários desenhos, registrados em seus cadernos

de esboços, muitos considerados à frente do seu tempo: como o paraquedas,

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helicóptero, tanque blindado e sino de mergulhador. Foi precursor de muitas

descobertas e invenções das culturas subseqüentes, construiu canais,

aquecimento central, um telescópio, bombas portáteis entre outros.

Aos 18 anos já trabalhava como artista independente e recebia

encomendas. Depois mudou-se para Milão onde trabalhou com Ludovico

Sforza. Morreu em 1519, aos 75 anos, na França.

Suas principais obras são: Dama com um arminho (1482 – 1490) –

Museu Czartoryskich, Cracóvia, Polônia; A virgem das rochas (1483 – 1486) –

Museu do Louvre, Paris, França; A virgem das rochas (1491 – 1508) – National

Gallery, Londres, Inglaterra; O homem vitruviano (1492) – Gallerie

dell’Academia, Veneza, Itália; A Última Ceia (1495 – 1498) – Convento de

Santa Maria delle Grazie, Milão, Itália e A Virgem, o Menino e Sant’Ana (1510)

– Museu do Louvre, Paris, França.

1.1. 1 – Contexto histórico e artístico: Renascimento italiano

O Renascimento foi um movimento de renovação cultural e artística que

marcou a transição da Idade Média para a Idade Moderna. Foi um período

especial em todos os aspectos.

Do Teocentrismo Medieval o homem avança para o Humanismo,

filosofia de vida surgida com o Renascimento e que predominou na Idade

Moderna.

Esta mudança foi causada por uma série de fatores e descobertas

científicas. O homem descobriu que a Terra não era o centro do Universo e

sim o Sol; que a Terra não era plana como um tabuleiro, mas redonda e girava

em torno de si mesma; que havia outros povos que habitavam o planeta, não

só europeus e asiáticos, etc.

A busca da verdade levou o homem à pesquisa, procurando conhecer

mais do mundo e de si mesmo, colocando-se como centro do Universo.

Durante toda a Idade Média, o artista foi considerado como um

instrumento de manifestação divina (a serviço da igreja), não tendo méritos

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próprios. Na Renascença, o artista começa a ser valorizado como pessoa. É

considerado um criador, um gênio.

Os artistas voltam a estudar o corpo humano, procurando perfeição e

harmonia de formas, e vão buscar sua inspiração nos povos greco-romanos,

os que melhor trabalharam a natureza humana na Antiguidade.

O Renascimento marca o início da pintura moderna. O naturalismo

constituiu a tendência artística básica. Os temas são episódios da vida

cotidiana da classe média, retratos, paisagens, motivos mitológicos e

religiosos. A arte deste período passou a reproduzir com realismo as formas

da natureza.

O desenvolvimento de novas técnicas de pintura (da têmpera em painéis

de madeira e afrescos para pintura a óleo em telas esticadas) possibilitou a

inovação dos artistas criando novos estilos para representar a realidade.

Hauser afirma que “o fato verdadeiramente notável a respeito da Renascença

não era o artista ter-se tornado um observador da natureza, mas o de ter-se a

obra de arte convertido num ‘estudo da natureza’.” (1998, p. 274)

Quatro inovações técnicas caracterizaram o renascimento: a tinta óleo

sobre tela, que em substituição à têmpera, aumentou as opções de cores,

produzindo suaves nuances de tonalidades, permitindo representar texturas e

simular formas tridimensionais; a criação da perspectiva, método de criar a

ilusão de profundidade numa superfície plana, uma das descobertas mais

significativas da historia da arte; o uso da técnica de luz e sombra (também

chamada de técnica chiaroscuro , que significa claro/escuro em italiano), para

criar ilusão de relevo, os contornos não são mais desenhados com firmeza dos

traços e sim esfumaçados num suave sombreamento, e por fim a chamada

configuração piramidal, ou seja, a criação de uma composição simétrica, mais

tridimensional que leva o olhar ao centro do quadro.

1.1.2 – Monalisa (1503-6), 77 x 53 cm, óleo sobre madeira, Museu do

Louvre, Paris, França (a imagem encontra-se no Anexo I):

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Considerada a pintura mais famosa do mundo, uma das mais admiradas

e reproduzidas até os dias de hoje, exprime o renascimento em todas as suas

características.

A retratada, Madona Lisa di Antonio Maria Gherardini, historicamente

não era uma pessoa importante, e sim a jovem esposa do rico cidadão

florentino Francesco Del Giocondo, (“Mona” era abreviatura de Madonna, que

quer dizer Senhora). Embora existam especulações de que seja na verdade

um autorretrato do próprio autor.

A pose informal e descontraída da jovem florentina Lisa foi uma das

inovações que esse retrato introduziu, removendo a aparência dura e artificial

dos retratos anteriores, exprimindo o renascimento em todas as suas

características. Leonardo dizia que o objetivo do artista era pintar “o homem e

a intenção de sua alma” e esse objetivo é alcançado nesta pintura; a técnica

do sfumato provoca efeito misterioso no contorno dos olhos e no sorriso

enigmático. Para Leonardo os olhos eram como “janelas do corpo humano”

(CUMMING, 2010, p. 26) e é impressionante como Mona Lisa parece olhar

para nós, parece estar viva e prestes a abrir um sorriso largo.

O conhecimento exato da anatomia é evidente na modelagem refinada

das mãos. As mangas pintadas com contornos mais marcados - estilo das

primeiras obras - que o drapeado sobre o ombro num estilo mais suave –

lembra obras posteriores - sugere que o artista trabalhou nesta pintura por um

período considerável. O vestido é finamente decorado com bordado

entrelaçado, se há algum significado no bordado também é um mistério.

Especula-se que e o restaurador tenha usado um solvente errado e removido

as sobrancelhas na primeira vez que o quadro foi limpo.

A composição tem como base a forma piramidal e a perspectiva é usada

com todas as linhas convergindo para o ponto de fuga atrás da cabeça de

Mona Lisa. Ao fundo a característica paisagem rochosa, muito usada por

Leonardo.

1.2 – Diego Rodrígues de Silva y Velásquez

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Nasceu em 1599 em Sevilha na Espanha onde aprimorou seus talentos

no ateliê de Francisco de Herrera e depois no ateliê de Francisco Pacheco.

Com Pacheco adquiriu cultura internacional, foi apresentando aos ideais da

renascença, bem como também ao seu círculo de amigos influentes. Casou-se

com a filha dele, Juana, em 1618.

Qualificou-se como mestre pintor aos 18 anos. Agradou a monarquia e

tornou-se o mais prestigiado pintor do país. Em 1623, após pintar um retrato do

rei, foi contratado como pintor oficial da corte e mudou-se para Madrid onde

ficou até seus últimos dias.

Visitou a Itália por duas vezes, estimulado por Rubens e despertado

pela vontade de viver a arte e a cultura dos mestres da renascença.

Foi precursor do Impressionismo criando obras de realismo visual, mas

com pinceladas fluidas. Sua abordagem humanizou os retratos da nobreza,

colocando os personagens em poses mais naturais.

Faleceu em 1660 em Madrid.

Suas principais obras são: Auto retrato (1622 – 1623) - Museu

Hermitage, São Petersgurbo, Rússia; A marquesa Elena Grimaldi Cattaneo

(1623) - National Gallery Of Art, Washington, D.C.,EUA; Reinaldo e Armida

(1629) - Museu de Arte de Baltimore, Baltimore, EUA; Carlos I e Henriqueta

Maria da França e seus dois filhos mais velhos (1632) - Royal Collection,

Windsor, Inglaterra; Os três filhos mais velhos de Carlos I e Henriqueta Maria

da França (1635) - Royal Collection, Windsor, Inglaterra; Retrato eqüestre de

Carlos I (1637 – 1638) - National Gallery, Londres, Inglaterra; e Os lordes John

e Bernard Stuart (1638) - National Gallery, Londres, Inglaterra.

1.2. 1 – Contexto histórico e artístico: Barroco Espanhol

A arte barroca originou-se na Itália , no século XVII e logo se espalhou

por outros países da Europa. Chegou também ao continente americano,

trazida pelos colonizadores portugueses e espanhóis.

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O termo barroco foi utilizado pela primeira vez com sentido pejorativo.

Barroco era, originalmente, uma palavra portuguesa que significava uma pérola

de formato irregular. A palavra circulou, num sentido figurado, significando

qualquer idéia enrolada ou um processo tortuoso de pensamento. Foi utilizada

em relação à arte porque os artistas não mais observaram as rígidas regras

estabelecidas no Renascimento.

Na arte barroca predominam as emoções e não o racionalismo da arte

renascentista.

Como características principais da pintura barroca temos: a utilização de

recursos ilusionistas como a perspectiva; forte contraste entre luz e sombra

que expressa a dramaticidade desta época; composição diagonal.

Na Espanha, os retratos da família real e os motivos religiosos são os

grandes temas dos pintores.

1.2.2 – “As Meninas” (1656), 318 x 276 cm, óleo sobre tela, Museu Del

Prado, Madrid (a imagem encontra-se no Anexo II)

Originalmente chamada de “A família de Felipe IV”, a obra prima de

Velásquez foi considerada a maior obra de arte realizada por um ser humano,

por um júri a pedido da Ilustrated London News. Danificada por um incêndio

em 1734, foi renomeada em 1843 no catálogo do Museu do Prado.

Apesar de sempre ser descrito como o retrato da princesa Margarida

aos cinco anos de idade sendo atendida por suas amas no estúdio do artista.

Velásquez faz um jogo de inversão: à esquerda do quadro vemos seu auto-

retrato, pintando um quadro enorme. Mesmo sendo o centro do quadro não é

Margarida que está posando e sim seus pais (o rei Felipe IV e sua esposa

Mariana da Áustria). Como mostra o reflexo do espelho na parede ao fundo.

Esta inversão aguça o diálogo entre artista e espectador, com a imagem dele

olhando diretamente para nós. Na mesma parede o autor demonstra sua

admiração por Rubens, pois as pinturas penduradas são versões de Palas e

Aracne.

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Todo o cotidiano da época é retratado. A força da igreja é demonstrada

pela presença da freira e do sacerdote à esquerda. As damas de honra

oferecendo água e aguardando as ordens da infanta. José Nieto camareiro da

rainha ao fundo, que sutilmente aponta para o espelho, ressaltando a

importância do casal real apesar de não serem o tema central. O cachorro, a

anã e o palhaço que forneciam diversão à corte.

A iluminação, característica marcante do pintor, e o jogo de luz e sombra

são utilizados com maestria, aumentando a ilusão de profundidade e

destacando as figuras das sombras. O planejamento geométrico leva nossos

olhos a passear por toda composição e observar os detalhes primorosos.

1.3 – Vincent Willem Van Gogh

Vincent é um dos artistas mais conhecidos no mundo, apesar de sua

carreira curta. Nasceu em 1853, em Zundert, Holanda e tentou sucesso em

diversas carreiras: lecionou na Inglaterra, trabalhou como pastor e em 1880,

aos 27 anos decidiu tornar-se pintor das classes trabalhadoras. Incentivado

pelo irmão, comerciante de arte, entrou para Academia de Arte de Bruxelas.

Em 1885 pintou sua primeira grande obra “Os comedores de batata”

contudo o aspecto sombrio e melancólico não agradou muito. Ao mudar-se

para Paris em 1886, estudou no ateliê do pintor Fernand Corman, recebeu

influência dos impressionistas e neo-impressionistas; estudou teoria das cores

e efeitos de luminosidade. Foi um dos primeiros artistas a ser influenciado por

gravuras japonesas e fez freqüentes referências a elas em suas obras.

Cansado do ritmo parisiense, mudou-se para o sul da França em 1888,

onde produziu mais de 200 obras em quinze meses. Neste mesmo ano

Gauguin juntou-se a ele para uma colaboração artística, mas no final do ano a

relação chegou ao extremo e Van Gogh teve seu primeiro acesso mental

chegando ao ponto de cortar a própria orelha. Em 1889, entrou no hospital

psiquiátrico de Saint-Rémy como paciente voluntário, lá ficou por um ano.

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Continuou pintando freneticamente até seu suicídio, com um tiro no peito, em

uma plantação em Auvers-sur-Oise, no ano de 1890.

O irmão Theo sustentou Vincent financeira e emocionalmente, na fase

adulta e as muitas cartas escritas por eles mostram a co-dependência

emocional de ambos. Elas contêm informações valiosas sobre as idéias,

tristezas, desilusões, depressões e rotina.

Podemos ver outras informações sobre a vida de Van Gogh, escritas em

forma poética no Anexo 5.

Suas principais obras são: Os comedores de batata (1885) – Museu Van

Gogh, Amsterdã, Holanda; Le Père Tanguy (1887) – Musée Rodin, Paris,

França; Girassóis (1888) – National Gallery, Londres, Inglaterra; O terraço do

café em Arles à noite (1888) – Museu Kröller-Müller, Otterlo, Holanda; A

arlesiana (1888) - Museu Hermitage, São Petersburgo, Rússia; O semeador

(1888) – Museu Van Gogh, Amsterdã, Holanda; A casa amarela (1888) –

Museu Van Gogh, Amsterdã, Holanda; O café noturno (1888) – Galeria de Arte

da Universidade de Yale, New Haven, EUA; Noite estrelada (1889) – MoMA,

Nova York, EUA; e Campo de trigo com corvos (1890) – Museu Van Gogh,

Amsterdã, Holanda.

1.3. 1 – Contexto histórico e artístico: do Pós Impressionismo ao

Expressionismo

O Pós Impressionismo é um termo que classifica a pintura realizada de

1886 até o cubismo em a907 e 1908. Vários pintores, inicialmente ligados ao

movimento impressionista, rompem com este estilo artístico que valorizava o

uso da cor, independentemente do tema tratado. Esta ruptura dividiu os

artistas em dois campos: de um lado Seurat e Cézanne com desenhos mais

formais e esquematizados em relação ao uso da cor e da luz; e do outro

Gauguin, Van Gogh e Lautrec com foco voltado para expressar suas emoções

(embora todo estilo artístico seja em si expressivo).

Posteriormente Van Gogh e Munch serão os nomes mais importantes

do estilo denominado Expressionismo, que foi um movimento artístico sob

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influência das teorias psicanalíticas, que procurava expressar nas obras as

emoções e a subjetividade do artista, ou seja, seu mundo interior. Este estilo

surgiu exatamente entre as duas grandes guerras mundiais, e, portanto, reflete

a angústia, depressão e pessimismo do período através de imagens fortes e

contundentes, com predominância dos valores emocionais sobre os

intelectuais usando-se até a distorção das figuras.

1.3.2 – Quarto em Arles (1889) 57,5 x 74 cm, óleo sobre tela, Musée

d’Orsay, Paris (a imagem encontra-se no Anexo III):

Esta é a terceira versão do quadro, pintada para sua mãe, enquanto

estava no hospital psiquiátrico de Saint Rémy. Dez meses após Van Gogh

comete suicídio.

Gostava da técnica de pontos e pinceladas de cor pura. Suas

pinceladas não eram usadas apenas para dispersar as cores, mas também

para expressar as suas emoções. Eram aplicadas com tinta muito grossa,

claramente visíveis, com se estivesse sublinhando um texto.

A representação correta não era a intenção, usava as cores e formas

para transmitir o que sentia. Utilizava-se inclusive da distorção para alcançar

seus objetivos.

A melhor descrição do quadro é dada pelo próprio artista em uma de

suas cartas:

“Eu tinha uma nova idéia na cabeça e aqui está seu esboço... desta vez, trata-se simplesmente do meu quarto, só que a cor se encarregará de tudo, insuflando, por sua simplificação, um estilo mais impressivo às coisas e uma sugestão de repouso ou de sono, de um modo geral. Numa palavra, contemplar o quadro deve ser repousante para o cérebro ou, melhor dizendo, para a imaginação.

(...) Neste quarto nada existe que sugira penumbra,

cortinas corridas. As amplas linhas do mobiliário,repito, devem expressar absoluto repouso. Retratos nas paredes, um espelho, uma toalha e algumas roupas.

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A moldura – como não existe branco no quadro – será branca. Isso à maneira de vingança pelo repouso forçado que fui obrigado a fazer. Trabalhei nele o dia inteiro, mas você pode ver como a concepção é simples. As gradações de cor e as sombras estão suprimidas, o quadro está pintado em camadas leves e planas, livremente jogadas na tela à maneira das gravuras japonesas...” (GOMBRICH, 2008, p. 548)

1.4 – A interação com a obra de arte

A arte é uma maneira que o ser humano usa para dar significado ao

mundo, mostrando a sua própria visão da realidade que o cerca. Quando

estamos diante de uma obra de arte, seja uma pintura, escultura, peça de

teatro, filme de cinema, etc, a arte fala à nossa imaginação. Mas para que isso

aconteça da melhor forma é necessário que tenhamos uma sensibilidade

treinada, um mínimo de disponibilidade e conhecimento de história e história

da arte. É muito comum ver uma pessoa deparar-se diante de uma obra e não

compreender seu significado ou o que o artista tentou expressar. Comum

também é ter sempre um texto explicando alguns aspectos artísticos em uma

mostra de arte. Analisar uma obra de arte é um exercício de conhecimento e

de sensibilidade que auxilia no nosso crescimento pessoal. Qualquer que seja

o nosso interesse ao nos aproximarmos da arte, sempre aprenderemos algo

com ela.

“A arte penetra em nós através da porta da sensibilidade, mantendo aberto esse canal com nossa natureza mais instintiva e profunda. A cada emoção ou prazer que resulta do contato com o belo, nossos sentidos se renovam e se apuram num processo infindável de recriação. A cada momento de arte nos tornamos mais aptos à captação da beleza do mundo e de seus significados.” (COSTA, 2004, p. 135, 136)

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CAPÍTULO II

PESSOAS COMUNS E SUAS IMAGENS:

O ENCONTRO COM A ARTE E O PROCESSO CRIATIVO

EM ARTETERAPIA

“Aquele que tem acesso à arte ou ao ‘fazer artístico’ está tendo oportunidade

de desenvolver ou de configurar habilidades, as quais são, por sua vez,

reveladoras da estrutura intelectiva ou cognitiva de quem as realiza, assim

como também de seus sentimentos e valores ideais.”

Maria Cristina Urrutigaray

Qualquer pessoa, mesmo sem nenhum conhecimento prévio da

História da Arte pode apreciar e sentir o encantamento e as emoções

despertadas pelas obras dos grandes artistas.

Todos nós temos contato com a arte em suas diversas formas todos os

dias no nosso próprio cotidiano. É difícil imaginar a vida sem a arte. Não

conseguiríamos viver sem ela, sem criarmos imagens e símbolos capazes de

expressar o nosso mundo interior e cada um faz isso de uma forma bem

particular, mesmo sem ter a consciência disso. “A arte está presente nos mais

diversos aspectos da vida e nas atividades mais cotidianas, nas quais estamos

sempre buscando algum tipo de beleza.” (COSTA, 2004, p. 62)

A maioria das pessoas tem um contato formal inicial com o fazer

artístico e a possibilidade de experimentação de variadas técnicas e

conhecimento dos grandes artistas através da escola. A partir da promulgação

da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996, o ensino

de arte nas escolas tornou-se obrigatório e, posteriormente, os Parâmetros

Curriculares Nacionais enfatizam a sua importância e orientam que:

“a educação em arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico e da percepção estética, que caracterizam um modo próprio de ordenar e dar sentido à experiência humana: o aluno desenvolve sua

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sensibilidade, percepção e imaginação, tanto ao realizar formar artísticas quanto na ação de apreciar e conhecer as formar produzidas Poe ele e pelos colegas, pela natureza e nas diferentes culturas”. (PCN-Arte, p. 19)

Apesar de todos os esforços de professores, arte-educadores e até

mesmo artistas, o que se observa é que historicamente os avanços no sentido

de uma real valorização do ensino de arte são lentos. O ensino de arte ainda

ocupa uma posição marginal se comparada as outras disciplinas do currículo

escolar. Ainda hoje vemos reflexos de uma herança cultural que distingue o

trabalho intelectual do manual, em uma sociedade que dá maior ênfase ao

pensamento em detrimento de outras funções, à razão em detrimento da

emoção.

O fazer artístico está voltado para o significado, unindo o inteligível ao

sensível. A arte é essencial para o ser humano e a maior prova disso é que

não existiu uma sociedade, ao longo da história, que passasse sem ela. Todas

as pessoas atuam no sistema das artes, seja como artista ou como

expectador.

Segundo Ostrower a criatividade é um potencial inerente ao homem e

a realização desse potencial (não restrito a arte) é uma de suas necessidades.

Todo processo criativo se elabora dentro de um contexto cultural que orienta

as escolhas que delimitam a forma, os modos e o meio e que ordena e

configura a matéria segundo a percepção daquele que a transforma,

transformando a si próprio, deixando seus valores e suas percepções na

matéria que opta por recriar.

O criar representa transformar a realidade, criando uma realidade nova

e possibilitando um crescimento interior a partir de nova perspectiva diante de

um conflito ou de uma possibilidade ainda não explorada.

Ainda segundo a mesma autora, todos os processos de criação são

originalmente tentativas de experimentação, estruturação e controle. Onde

ocorrem as transferências simbólicas, quando o homem pode se ordenar e

dominar-se interiormente. Conhecendo e ampliando sua consciência e

recriando suas potencialidades.

Na transformação da matéria o homem concretiza o potencial criativo

recriando a si próprio.

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Tentaremos mostrar a importância do processo de produção de

imagens num atendimento em Arteterapia e a diferença do processo de

produção de uma imagem por um artista.

1.1 – Definição e histórico da Arteterapia

O termo Arteterapia é, numa explicação bem sucinta, o uso da Arte

como base de um processo terapêutico.

O tratamento oferece ao paciente a experimentação de diversas

linguagens artísticas (como música, dança, teatro e principalmente as artes

plásticas como pintura, desenho, gravura, colagem, modelagem, etc), porém

sem a exigência de conhecimento prévio das técnicas artísticas ou

aperfeiçoamento estético. O mais importante é a observação e análise do

processo e dos trabalhos resultantes. Visa estimular o crescimento interior,

abrir novos horizontes e ampliar a consciência do indivíduo sobre si e sobre

sua existência em busca de melhora da qualidade de vida e de sintomas.

A Arteterapia pode ainda ser aplicada a pessoas de qualquer faixa

etária, de forma individual ou em grupo.

Embora a Arte exista desde os primórdios da humanidade, seu uso

aliado à terapia vai se consolidar muito mais tarde, no século XIX. Damos

destaque à figura de Freud (fundador da Psicanálise), que em seus estudos se

interessou pela expressão do inconsciente através das imagens, chegando até

a estudar obras de artistas consagrados como Leonardo da Vinci e

Michelangelo.

Posteriormente, Jung, discípulo de Freud, foi além, utilizando a

expressão artística em consultório.

“Para ele, a simbolização do inconsciente individual e do coletivo ocorre na arte. Na década de 20, recorreu à linguagem expressiva como forma de tratamento e, para tanto, pedia aos clientes que fizessem desenhos livres, imagens de sentimentos, de sonhos, de situações conflituosas ou outras. Priorizava a expressão artística e a

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verbal como componentes de cura.” (Silva de Souza - web)

Já no Brasil, o destaque é para a Dra Nise da Silveira, que na década

de 40 passou a estudar imagens dos pacientes internos do Centro Psiquiátrico

D. Pedro II. Escreveu sobre o tema e fundou o Museu de Imagens do

Inconsciente, embora o trabalho da Arteterapia não busque a perfeição

estética no produto final.

A arteterapia enquanto tratamento visa alcançar conteúdos

inconscientes e não verbais, que são mais difíceis de serem expressos. Ela

possibilita vivenciar, pela qualidade do material escolhido, atitudes como:

comportamentos rígidos; estruturas frágeis; relações simples e complexas.

A interação com o material assemelha-se com as relações humanas,

ou seja, uma solução encontrada na experimentação artística pode ser

transportada para um problema na realidade.

Cada material artístico possui propriedades diferentes e por isso requer

diferentes suportes, usos e técnicas. Em linhas gerais, os materiais gráficos,

por exemplo (lápis, grafite, lápis de cor), trazem a sensação de organização e

limite, pois possuem ponta frágil, mas que está contida na madeira, o que

permite maior controle de manuseio e precisão. As tintas, ao contrário, nos dão

a sensação de expansão e fluidez, de extravasar e romper limites.

Trabalhos com colagem nos remetem a ressignificação das imagens e

exige uma colaboração consciente desde a escolha do material ou das

imagens que serão utilizadas até a composição que se forma. Trabalha

também a desestruturação e a posterior estruturação além de ser uma técnica

que não requer nenhum conhecimento prévio de técnicas de desenho ou

pintura, pois pode-se trabalhar com imagens prontas e até mistura de

materiais.

A modelagem (com massa de modelar, massa de biscuit, argila, etc),

através do tato, trabalha a maleabilidade e a flexibilidade, sugere movimento e

transformação, revela e surpreende ao surgir novas formas. Também pode

trabalhar a agressividade dependendo do seu manuseio e o desapego quando

reparamos nas partes que são retiradas ao se esculpir.

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A utilização de sucata, em tempos em que a preocupação com o meio

ambiente está tão em voga, nos remete ao que é descartável, que ninguém

quer mais, mas que pode receber uma nova serventia.

Estes são alguns exemplos das propriedades, usos e indicações de

alguns materiais artísticos usados em Arteterapia. Existem ainda vários outros

materiais e técnicas que não foram citados. Cabe ressaltar que o material por

si só não faz nada. O seu uso deve ser associado à técnica usada e a pré-

disposição do cliente em atendimento. Se houver algum tipo de repulsa com

um determinado material, dificilmente ele cumprirá sua função e caberá ao

arteterapeuta achar uma solução de adaptação ou substituição do mesmo.

Outro aspecto importante na análise de imagens é o uso da cor. As

cores estão ao nosso redor e possuem um apelo visual intenso. Elas por si só

já são uma forma de comunicação imediata (basta ver os sinais de trânsito).

Elas também transmitem sensações e a mistura de cores nos traz novas cores,

por isso o estudo das cores complementa a análise e investigação das

relações e representações humanas. As cores escolhidas pelo cliente e a

harmonia que cria com elas também tem significado.

“A harmonia é essencial no sentido de relacionar entre si todas as cores de uma composição, ajustando-as a um todo unificado. Uma cor depende de seu contexto no espaço que ocupa. Cada cor se altera pela colocação de outras cores de modo que o que era quente pode tornar-se frio e o que estava em harmonia se faz discordante em um novo contexto.

Não há um princípio rígido para a obtenção da harmonia das cores, pois atua dentro de aspectos mais subjetivos do que objetivos.” (COLAGRANDE, 2010, p. 102)

Cada elemento (cor, forma, linha, textura, etc) é importante na análise

da forma final, porém na arteterapia a observação do processo também é

muito importante. Deve-se observar cada material escolhido e como é utilizado.

A imagem refletida no papel ou qualquer outro suporte (até mesmo o

movimento do corpo) reflete também a maneira de cada pessoa se relacionar

com si mesmo e com o outro, ou seja, de estar no mundo.

A função do arteterapeuta é atuar como um facilitador da expressão

não verbal do cliente para obter a imagem do inconsciente, tornando-a assim,

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consciente. Após fazer a imagem, o cliente volta-se para a leitura da mesma, o

que desencadeia novas formas de expressão, podendo trazer a tona o que

estava bloqueado.

“O Universo da Arte fundamentado na materialização de imagens mentais, formadas pelas ideias ou ideais, encontra no encontro com materiais plásticos, nas performances corporais, na música, etc, o continente para a concretização das necessidades individuais.(...)

O poder da autoridade de inovar, de fazer diferente, aumenta a auto-estima, fortalece a personalidade e dota de energia a consciência para enfrentar futuras escolhas e definições diante da própria vida.” (URRUTIGARAY, 2003, p. 18)

Embora a Arteterapia seja uma ciência recente, os estudos, os cursos

e a publicação de livros na área vem crescendo no Brasil, o que com certeza

irá promover mais opções de tratamento e atendimento a pessoas na

resolução de seus problemas.

1.2 – Arte: linguagem da alma

Diniz nos afirma que a arte é a linguagem da alma e através do

atendimento arteterapêutico pode-se revelar um verdadeiro universo cheio de

mitos, símbolos, sonhos, medos e dúvidas. Por meio das atividades de

expressão artística como desenho, pintura, gravura, expressão corporal, etc, a

comunicação não está restrita ao código verbal. Daí a maior abrangência ao se

utilizar a expressão artística, pois esta já estava presente na vida do homem

antes mesmo da escrita. Através da linguagem verbal alguns conteúdos

internos podem ser camuflados. Já a expressão através da arte vale-se do

simbólico, que pode tornar visível o que é invisível. O inconsciente se revela

através de símbolos e a arte traz a possibilidade de tradução das imagens

mentais, transformando-as em expressão, assim o mundo interno se apresenta

e possibilita o cliente visualizá-lo e promover uma transformação pessoal, o

desenvolvimento humano e a estruturação a personalidade. Daí o efeito

terapêutico e curativo da arte.

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“Tudo que se faz com a arte se faz com a alma. (...) A Arteterapia fornece suportes materiais adequados

para que a energia psíquica torne visíveis símbolos em criações diversas. Esse processo colabora para a compreensão e a resolução de estados objetivos conflitados, favorecendo a estruturação e a expansão da personalidade por meio da criação.” (DINIZ, 2009, p. 21-22)

1.3 – Diferenças artista/cliente

Como já dissemos, toda pessoa é dotada de criatividade e necessita

expressá-la. Todos nós temos contato com a arte no nosso cotidiano, seja ao

ouvir uma música, assistir um filme no cinema ou indo visitar uma exposição

em um museu. Atualmente, com as facilidades da tecnologia, um museu em

outro continente está a apenas um clique de nós (embora nada se compare ao

encontro real com a obra). Também devido a ela, vemos se cumprir a

“profecia” de Andy Warhol de que um dia todos seriam famosos por quinze

minutos.

Historicamente a definição do termo artista passou de uma posição

religiosa (como nos rituais mágicos na pré-história), por um lugar em oficinas

ou corporações de ofício (na Idade Média) até chegar ao status de gênio (no

Renascimento). Atualmente a grande maioria das pessoas confunde a

celebridade e quem está na mídia (principalmente televisiva) com o artista.

No entanto somente algumas pessoas se tornam verdadeiros artistas,

o que é algo também muito difícil de classificar, pois depende de legitimação

da crítica especializada. Ser artista não depende de um talento natural ou dom

divino e sim de muita dedicação, exercício, estudo, aprofundamento e

atualização constante. Exige comprometimento com essa atividade, sacrifício e

método, e não apenas prazer para que a pessoa passe de amador à

profissionalização como artista.

Como chamar então aquele que não é artista? Pessoa comum?

Pessoa normal? Amador? Não-artista? Essa dificuldade de definição permeia

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até mesmo o termo artista, pois como vimos, esta definição foi mudando ao

longo da história. Neste trabalho, chamaremos simplesmente de pessoa

comum (sem querer dar nenhuma conotação de condição especial ao artista) e

no caso específico da arteterapia, chamaremos de cliente.

O artista volta sua atenção para a obra de arte do ponto de vista

estético, mas esta só se completa e cumpre sua função em comunicação com

o público, por isso a arte é uma forma de linguagem. E cada pessoa pode dar

seus próprios significados diante de uma obra.

Ao contrário, através da arteterapia, o cliente é levado a analisar o

processo criativo em si e não a qualidade estética da criação. A análise está no

processo que leva o cliente a criar determinada imagem ou desenvolver

determinado comportamento durante o processo. Uma imagem não pode ser

analisada isoladamente e separada de seu contexto. Por isso, ao longo do

processo de atendimento em arteterapia, há momentos para se voltar a um

grupo de imagens produzidas e fazer uma análise do conjunto.

O importante é que todos, seja como artista, como cliente em

atendimento arteterapeutico, ou como mero espectador, todos podemos

usufruir dos benefícios do contato com a arte e com o fazer artístico.

“Por tudo isso, podemos dizer que nos tornamos mais humanos à medida que nos fazemos mais artistas, e que as conquistas do homem contemporâneo passam necessariamente pela consciência desse incalculável legado.” (COSTA, 2004, p. 137)

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CAPÍTULO III

JUNG E O INCONSCIENTE REFLETIDO NAS IMAGENS

“Arte é a expressão mais pura que há para a demonstração do inconsciente de

cada um. É a liberdade de expressão, é sensibilidade, criatividade, é vida.”

Jung

Carl Gustav Jung é o autor da psicologia analítica, que é o fundamento

teórico para a Arteterapia. Desta forma, se faz necessário conhecer um pouco

mais deste magnífico psicólogo e psiquiatra e suas ideias. A obra científica de

Jung está diretamente associada aos fatos de sua própria vida e ao estudo de

seus casos clínicos.

1.1 – Biografia de Carl Gustav Jung

Nasceu em 26 de julho de 1875, em Keswill, na Suíça, em uma família

humilde, filho de um pastor, Johann Paul Achilles Jung, de quem herdou a fé e

o interesse pela religião. A mãe, Emile Preiswerk, foi internada algumas vezes

durante sua infância e afirmava que era visitada por espíritos. Foi uma criança

sensível, porém solitária e ao longo de sua vida teve sonhos e visões com

características mitológicas e religiosas, além de fenômenos parapsicológicos.

Estes eventos despertaram seu interesse por mitos, sonhos, alquimia e outras

religiões. Ele próprio acreditava ter duas personalidades separadas:

“... em sua personalidade que denominou ‘número 1’, reconhecia-se como um menino normal, menos inteligente do que a média, porém esforçado. Por outro lado, em sua personalidade ‘número 2’, sentia-se distante do mundo dos homens e próximo dos fenômenos da natureza, como se fosse um velho e vivesse em outra época.” (CAVALCANTI, 2007, p. 14-15)

Uma dessas personalidades é voltada para o mundo exterior,

envolvida com seu mundo familiar, enquanto a outra é voltada para o mundo

interior, sendo mais secreta e que tinha uma proximidade com a natureza e

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com Deus. Jung sentia necessidade de integrar essas duas personalidades e

isso o levou a buscar o conhecimento de “si mesmo”, o que justifica seu

interesse pela Psicologia e Psiquiatria. Jung também procurou unir o religioso e

o científico, numa tentativa de fazer uma relação de interação entre ambos e

não tratar esses campos como contraditórios.

Em 1895 ele iniciou seus estudos de Medicina na Universidade da

Basileia, na Suíça.

Em 1900 tornou-se assistente de Eugen Bleuler no Burghölzli (hospital

psiquiátrico), em Zurique, na Suíça, onde teve contato com as novas teorias no

campo da psicologia e com a obra de Freud “A interpretação dos sonhos” e

teve seu interesse voltado para a Psicanálise.

Em 1902 defendeu a tese de doutoramento em medicina: “Sobre a

Psicologia e a Patologia dos Fenômenos Ditos Ocultos”.

Em 1903 casou-se com Emma Rauschenbach, de família abastada, e

terminam suas preocupações financeiras. Tiveram quatro filhas e um filho.

Em 1905 tornou-se chefe da clínica em Burghölzli e lecionou na

Faculdade de Medicina de Zurique.

Em 1906 começou a se corresponder com Freud (359 cartas que

depois foram publicadas) até ter seu primeiro encontro pessoal com o mesmo

em 1907, na casa de Freud em Viena, encontro este que durou 13 horas de

conversa e se tornaram amigos. Esta amizade vai marcar a vida e a obra de

ambos.

Em 1909 abriu sua clínica particular. Também neste mesmo ano viajou

aos Estados Unidos com Freud a convite da Universidade Clark em

Massachusetts.

Em 1910 tornou-se ocupou o cargo de Primeiro Presidente da

Associação Psicanalítica Internacional, com o apoio de Freud que chegou a

considerá-lo como seu “príncipe herdeiro”, no entanto Freud não deu valor

quando Jung começou a expor algumas de suas ideias, até divergentes de

Freud e posteriormente passam a ter desentendimentos.

Em 1913 Jung fundou a Psicologia Analítica com a publicação da obra

“Metamorfoses e símbolos da libido”. A Psicologia Analítica é, de forma bem

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sucinta, “um conjunto de conhecimentos (teoria) que procura investigar e

explicar a estrutura e o funcionamento da psique e uma categoria de

psicoterapia (prática).” (RAMOS, web)

Algumas das ideias que Jung apresentas nesta obra são contrárias à

Psicanálise de Freud, o que gera atritos entre eles e põe um fim a amizade tão

produtiva.

As contradições são:

“... entre alguns exemplos, (Jung) acredita na importância da sexualidade na vida humana, porém não a considera como o único e principal motivo propulsor da vida e das causas das doenças psíquicas; discorda do método de interpretação dos sonhos estruturado por Freud e formula seu próprio método; e critica a visão positivista de Freud sobre a Psicologia. Ao contrário deste, crê na importância da busca da espiritualidade e do papel das religiões para uma vida saudável.” (RAMOS, web)

Em 1915 Jung iniciou estudos sobre Psicologia Oriental, Alquimia e

Gnose.

Entre 1918 e 1919, serviu na Primeira Grande Guerra como

comandante-médico atendendo a soldados ingleses.

Em 1923 terminou a construção se sua “Torre Bollingen”, que segundo

ele era a morada do seu verdadeiro eu.

Entre 1920 e 1933 ele fez várias viagens (Novo México – EUA,

Uganda, Quênia, Egito, Palestina, Algéria, Tunísia), onde teve contato com

xamãs, chefes religiosos, tribos aborígenes, etc, em busca de conhecimentos

sobre filosofia, psicologia, religião de outros povos e outras culturas que não a

europeia.

“Como vimos, as experiências de Jung com a religiosidade do pai, o espiritismo da mãe e sua personalidade número 2, fizeram com que o invisível desde cedo se tornasse uma questão para ele. Nessa procura de respostas, participava d sessões espíritas ao mesmo tempo em que lia vários filósofos.” (CAVALCANTI, 2007, p. 17)

Em 1934 foi eleito Presidente da Sociedade Médica Geral para

Psicoterapia.

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Em 1944 foi nomeado para lecionar na Faculdade de Medicina da

Basiléia.

Em 1948 foi inaugurado o Instituto Carl Gustav Jung, em Zurique.

Em 1957 Jung começou a escrever sua autobiografia, com o título

“Memórias, sonhos e reflexões”, que foi editada após a sua morte que ocorreu

em 1961. Além de sua autobiografia, deixou uma obra científica de 18

volumes, além de outros importantes escritos.

A melhor forma porém de explicar a vida de Jung é através de sua

própria obra, conforme ele mesmo afirma: “Minha vida é a quintessência do

que escrevi e não o contrário. O que sou e o que escrevo são uma só coisa.

Todas as minhas ideias e todos os meus esforços, eis o que sou.”

(GRINBERG, 2003, p. 11)

1.2 – Alguns conceitos de Jung

A partir de suas experiências pessoais como sonhos, imagens e

fantasias, Jung passou desde cedo a buscar explicações para seus dilemas e

questões pessoais. Após estudar medicina e psiquiatria, desenvolveu sua

própria teoria e método de tratamento. Seu método de investigação buscava

interagir com os conteúdos do inconsciente, porém sem perder o contato com

a realidade externa. Esse cuidado é essencial porque os conteúdos do

inconsciente podem ser positivos ou negativos. A partir daí ele elaborou alguns

dos conceitos que veremos a seguir.

1.2. 1 – Psique

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Para Jung a psique é a totalidade de todos os processos psíquicos

conscientes e inconscientes. Ela está estruturada em três elementos:

consciente, inconsciente pessoal e inconsciente coletivo.

O consciente (ou consciência) tem como o núcleo o “eu” (pode ser

comparado ao ego na psicanálise) e é na consciência temos os mecanismos

de percepção, de atenção, de memória e de raciocínio.

A parte consciente é comparada à ponta de um iceberg, enquanto que

o inconsciente é a sua parte submersa e de proporção imensurável.

“As representações simbólicas remetem a psique a estados primitivos, que se exprimem por meio de imagens mitológicas, possibilitando o funcionamento conjunto entre o consciente, e aquilo que o perturba, com o inconsciente, que mantém os conteúdos primitivos.” (SANTOS, 2008, p. 37)

Jung, por sua vez, usa a imagem de várias esferas concêntricas para

representar a psique. A camada superficial representa a consciência e as

camadas internas representam os níveis mais profundos do inconsciente, até

chegar ao centro.

1.2. 2 – Inconsciente coletivo e inconsciente pessoal.

O inconsciente guarda todos os conteúdos que estão fora do campo da

consciência e por isso são inacessíveis a ela. O inconsciente é dividido em

duas partes: o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo. O inconsciente

pessoal é formado pelas camadas mais superficiais do inconsciente. Ele é

formado após o nascimento da pessoa e nele se encontram conteúdos de

experiências de vida, conflitos psicológicos e desejos não realizados. Esses

conteúdos, ao adquirirem energia psíquica suficiente, podem passar para a

consciência através de lembranças, sonhos e fantasias.

Já o inconsciente coletivo representa as camadas mais profundas do

inconsciente e é formado de padrões universais como os instintos e os

arquétipos.

É importante ressaltar que o inconsciente se manifesta através do

nosso comportamento, sonhos, fantasias, atos falhos, lapsos de linguagem,

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lembranças, desenhos, doenças mentais e fenômenos paranormais. Além

disso, ele pode ser ativado através de situações cotidianas diversas, do sono,

da psicoterapia, das expressões artísticas e rituais.

1.2. 3 – Arquétipos

Os arquétipos são padrões que determinam os comportamentos que

regem a existência da humanidade desde seu surgimento e não dependem de

cultura, de lugar ou de época histórica. Eles são à priori ao nosso nascimento,

passados de geração a geração, tanto pelo seu valor histórico quanto como

uma ferramenta educacional para ajudar as pessoas a encontrarem uma

direção na vida. Eles podem ser representados nas imagens através das

expressões artísticas, mesmo que inicialmente a pessoa não saiba explicá-lo,

por ser algo ancestral, que não tenha relação direta com a sua vida.

1.2. 4 – Símbolos

Um símbolo é o termo usado para traduzir algo que ainda não foi

compreendido pela consciência. Como explica Grinberg:

“uma palavra ou imagem serão símbolos quando implicarem algo além de seu significado imediato, remetendo para um aspecto desconhecido ligado ao nosso inconsciente, um aspecto mais amplo, que nunca é precisa ou completamente explicado.” (GRINBERG, 2003, p. 103)

Assim sendo, cada pessoa dá o seu próprio significado para o símbolo

e este significado pode não ser permanente e estático (ao contrário de um

sinal que tem um significado fixo).

O símbolo é responsável por ligar as partes do sistema consciente-

inconsciente. O inconsciente se manifesta através dos símbolos, por meio de

sonhos, fantasias ou pela técnica criada por Jung, chamada de imaginação

ativa. Os símbolos estão em toda parte. Eles podem ser assimilados quando

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passam a fazer parte da consciência após serem transformados em memória

ou pensamento. Aí ele deixa de ser símbolo.

“Um símbolo refere-se a algo tão profundo e complexo que a consciência, tão limitada como ela é, não consegue captar o seu significado de uma só vez. Assim, o símbolo sempre carrega um elemento do desconhecido e inexplicável, daquilo que não é acessível às palavras e que, muitas vezes, possui uma qualidade numinosa. Ainda assim, o próprio fato de o símbolo existir nos diz que, em algum nível, nós sabemos ou sentimos o seu significado obscuro. Nessa tensão entre saber e não-saber, entre consciente e inconsciente, existe uma grande quantidade de energia psíquica.” (FURTH, 2004, p. 41-42)

1.2. 5 – Self – Si-mesmo .

É o núcleo de toda psique e também o arquétipo que nos leva a busca

do auto conhecimento, pela integração com o outro, pela espiritualidade e

integração com Deus. Essa busca é chamada de processo de individuação,

como veremos a seguir.

1.2. 6 – Individuação

O eixo central da Psicologia Analítica e o seu objetivo é o chamado

processo de individuação, que é a busca pela totalidade psíquica (a integração

entre consciente e inconsciente). É uma busca inerente ao homem, ou seja

ele é impelido pelo próprio inconsciente a iniciá-la. No entanto nem todas as

pessoas chega ao final do processo, alguns chegam a fugir dessa busca pois

ela gera um embate consigo mesmo, encarando seus traumas psicológicos,

complexos e contradições.

“(...) o termo significa tornar-se um ‘indivíduo’, aquele que não se divide. Implica tornar-se si-mesmo, ou seja, aquilo que de fato somos – o que nada tem a ver com individualismo, com o sentimento que leva a enfatizar alguma peculiaridade particular em detrimento de considerações e obrigações coletivas.” (GRINBERG, 2003, p. 176)

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Cada indivíduo é único em seu processo de individuação e busca

soluções próprias em busca de sua totalidade. Durante esse processo, a

personalidade se desenvolve e se unifica. O indivíduo se torna consciente do

seu eu como ser único e autêntico no mundo, distinguindo dos papéis que

assume na vida social.

1.2. 7 – O porquê terapêutico de trabalhar com Arte.

Através de sua experiência, Jung percebeu a importância do uso de

técnicas expressivas (como o desenho) como meio de se chegar ao

inconsciente, integrando a expressão artística à linguagem verbal.

“A arte é um instrumento essencial para o desenvolvimento humano; daí ter efeito terapêutico (podendo até mesmo ser autocurativa), pois possibilita ao indivíduo expressar seus conteúdos conflitivos e/ou traumáticos por meio de suas produções artísticas, ajudando na revelação do inconsciente. Quando utilizada com fins terapêuticos, os aspectos estéticos deixam de ser privilegiados.

A prática da Arteterapia facilita a decifração do mundo interno, o confronto com as imagens e a energia psíquica que aí se configuram.” (DINIZ, 2009, p. 32)

Traduzindo suas imagens e representações mentais através da

expressão artística e trazendo o mundo interno para o concreto, podemos

visualizar a transformação proporcionada pela Arteterapia.

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CONCLUSÃO

Como vimos, a arte faz parte da caminhada do homem desde o inicio

da humanidade. Estudos em historia e sociologia da arte mostram como o

contexto cultural, social e histórico de cada artista pode ser representado em

suas imagens (sejam pictóricas, tridimensionais ou corporais)

Posteriormente, com a criação da psicologia analítica de Jung,

encontramos referencial e comprovação teorica q nem so os grandes e

consagrados artistas imprimem uma marca pessoal em suas obras, como toda

pessoa, ao produzir imagens, usa-se de símbolos que refletem o seu

inconsciente.

Através da imagem, todos refletem seus conteúdos internos. Não se

pode desassociar a vida da produção artística. O próprio Jung afirmou que ele

e a sua obra são uma só coisa. Que ele era as suas ideias e seus esforços.

Na busca do conhecimento de nós mesmos, precisamos ter contato e

compreender conscientemente o que está no nosso mundo inconsciente. O

inconsciente pode chegar a nós através da linguagem dos sonhos, da pintura,

dos desenhos e outras formas de expressão artística. Uma análise dos nossos

sonhos e imagens, através de um estudo próprio ou com o auxílio de um

terapeuta, pode nos trazer uma maior compreensão dessas mensagens do

inconsciente.

O uso da expressão artística como forma de comunicação simbólica,

amplia a nossa auto compreensão. Por meio da interpretação e análise dessas

expressões, aprendemos a reconhecer nossas fraquezas, nossos medos e

aspectos negativos, bem como nossa força e potencial para superá-los,

levando-nos a transformação e melhor conhecimento do nosso verdadeiro eu.

Quem tem contato com a arte e a felicidade de experimentar as

diferentes formas de expressão artística e desfrutas dos benefícios advindos

desse contato, deve sentir-se responsável em valorizá-la e promovê-la. Em

especial quem é formado ou pelo menos conhece o potencial da Arteterapia.

Através dela, emoções e sentimentos contidos no interior chegam à tela, papel

ou qualquer outro suporte, de forma natural. Os símbolos surgem no processo

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criativo, possibilitando a ação da função transcendente de transformação,

realizando a síntese entre o consciente e inconsciente, transformando essa

dualidade em algo novo, único, que vai além das partes. Por meio das técnicas

expressivas, o homem coloca em prática a criatividade que lhe é inata e que

possibilita a abertura das possibilidades de transformação do ser. Dando

forma, seja pelo desenho, pintura, escultura, música, dança, teatro, etc, o

homem torna o invisível visível, ou seja, traz para a realidade, para o concreto,

o que antes era desconhecido. Através da representação acontece a

transformação. O simples ato de criar é terapêutico. Pois dar forma aos

símbolos e depois dar-lhes significados traz a transformação.

A Arte provocou transformações na minha própria vida e um pouquinho

disto está presente no poema no Anexo 7.

Por meio da Arteterapia criamos uma nova ligação com nossa própria

essência, única e criativa, em busca de um equilíbrio harmônico entre

consciente e inconsciente, entre mente e corpo, num processo que nos torna

mais humanos e mais artistas.

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ANEXOS

Índice de anexos

Anexo 1 >> Imagem “Monalisa” – Leonardo da Vinci

Anexo 2 >> Imagem “As meninas” – Diego Velásquez

Anexo 3 >> Imagem “O quarto” – Van Gogh

Anexo 4 >> Letra da música “Meu reflexo” – Gram

Anexo 5 >> Poema “Roçando o infinito” – Adriana Abujamra

Anexo 6 >> Entrevista com o escritor Ferreira Gullar

Anexo 7 >> Poema “A tinta me fez perder os limites de mim” – Vânia Maria

Lopes de Abreu

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ANEXO 1

Monalisa – Leonardo da Vinci

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ANEXO 2

As meninas – Diego Velásquez

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ANEXO 3

Quarto em Arles – Vincent Van Gogh

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ANEXO 4

Meu Reflexo

Gram

(Gram foi uma banda paulistana de rock alternativo formada em 2002. A

banda encerrou suas atividades em 09/07/2007)

Sou quase nada, ou quase alguém

Até agora, quase fiz, quase existi

E todo dia lembra ontem

Me acho diferente, sempre igual

O meu espelho não me vê

Eu sou do tipo que reflete por ninguém

Está chovendo na platéia

E eu molhado de vaidade

Ah! Meus amores daqui de onde estou

Não posso ver se alguém me estende a mão

Ah! Minha fuga não tem como me esconder

Sempre ha um rosto atrás do espelho

To indo para trás

Quando é minha vez

Não me falam, não me ligam

Quando eu ficar bom daqui um mês, talvez uns dois

Demore, eu sei, mas não passa de um ano

Já percebi uma imagem, uma pista

Sou quase alguém

Oh meu espelho, espelho meu

Faça de mim uma verdade

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Ah! Meus amores daqui de onde estou

Não posso ver se alguém me estende a mão

Ah! Minha fuga não tem como me esconder

Sempre ha um rosto atrás do vidro

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ANEXO 5

Roçando o infinito

Adriana Abujamra (poema retirado do livro Traços Travessos)

Imagine o seguinte:

Fazer um golaço,

Correr pro abraço

E ninguém te dar bola,

Fora a bola que rola.

Foi assim a história

de Van Gogh.

Pintou mais de mil telas,

Viveu sem plateia.

Vendeu só um quadro,

Por uma ninharia.

Podia faltar comida,

Mas sem tinta

Não aguentaria.

Theo, que irmão!

Ajudava bastante.

Assim Van Gogh

Seguia adiante.

Ele e seu cavalete,

Pintando ao ar livre,

No campo verde.

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Para ver à noite

Teve uma ideia,

Pregou uma porção de velas

Na aba do seu chapéu.

As estrelas piscaram no pincel.

Já piscada de namorada,

nada.

Ombro amigo, pouco.

Diziam que Van Gogh

Era louco:

- Olha o moço esquisito

Pintando no meio do trigo.

- Faz o que dá na telha.

Até cortou a própria orelha!

Pensava tão embaralhado,

Que dava um nó.

Era traço pra todo lado,

Calado a girar só.

E as palavras sem voz

Saíam no grito amarelo

Dos girassóis.

Van Gogh com um tiro

Saiu de cena. Só o homem.

Seu nome não some.

Roçou o infinito.

ANEXO 6

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Entrevista Ferreira Gullar (com grifos meus):

'A arte existe porque a vida não basta', diz Ferreira Gullar

Escritor, que completa 80 anos, fez um balanço irreverente de sua carreira. Poeta relembrou anos de exílio, criticou concretistas e falou do novo livro.

Por Luciano Trigo Do G1, em Paraty

Ferreira Gullar, o maior poeta brasileiro vivo, tinha três motivos para comemorar sua terceira passagem pela FLIP: o Prêmio Camões concedido há poucas semanas, o aniversário de 80 anos e o lançamento de um novo livro de poesias após um intervalo de 11 anos, “Em alguma parte alguma”.

No entanto, na conversa conduzida pelo editor Samuel Titan Jr. neste sábado (7), ele mostrou que não está satisfeito, que continua buscando alguma coisa. Permanece, enfim, fiel à sua trajetória como poeta e intelectual engajado.

Gullar começou lembrando o início de seu caminho poético. “Eu costumo dizer, brincando, que nasci em Macondo, a cidade de 'Cem anos de solidão' onde tudo acontecia um século depois. Na adolescência eu era um poeta parnasiano, que escrevia em versos metrificados, até falava em decassílabos", recordou. "Quando chegou a São Luiz a poesia moderna de Carlos Drummond de Andrade, eu, acostumado a ler Camões, levei um choque ao ler aqueles versos. Aí fui para a biblioteca pública da cidade ler outros poetas modernos, como Mario de Andrade, e comecei a entender o que era aquilo”, completou.

O poeta maranhense nascido em São Luís publicou seu primeiro livro aos 19 anos, “Um pouco acima do chão”, e em seguida começou a escrever uma poesia em que não havia nada previsto. Isso resultou em “A luta corporal - um livro em que a linguagem nasce com o poema".

“A linguagem é velha, e o poema é uma coisa nova, que acabei de descobrir. A implosão da linguagem feita nesse livro, com a destruição da sintaxe, acabou se tornando um pouco a matriz da poesia concreta, que é uma poesia sem discurso, com uma sintaxe visual. Os poetas paulistas Augusto e Haroldo de Campos e Decio Pignatari me procuraram, trocamos ideias, e nasceu a poesia concreta.Mais tarde eles optaram por uma poesia matemática e romperam comigo”.

Gullar continuou lembrando seu convívio com Mario Pedrosa ao chegar no Rio de Janeiro, em 1951. “Pedrosa defendia a arte concreta e geométrica de artistas como Max Bill, premiado na primeira Bienal de São Paulo, o que representava uma ruptura muito grande com a figuração que predominava na arte modernista brasileira”, contou Gullar. "Vieram então a arte neoconcreta e o Manifesto do Não-Objeto, que implicam a entrada do corpo numa arte que era apenas ótica e visual".

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"Publiquei o projeto de um 'Poema enterrado' [um cubo dentro de outros cubos, numa sala subterrânea, contendo a palavra ‘Rejuvenesça’], então o Helio Oiticica quis materializá-lo na casa do pai na Gávea Pequena, só que o pai dele não deixou. Depois, quando deixou, choveu e estragou tudo. Era o único poema com o endereço da poesia brasileira”.

Artes plásticas e literatura

Indagado sobre sua atividade como crítico de arte, Gullar disse que, antes de pensar em ser poeta, queria ser pintor. “Depois a poesia tomou conta, essas coisas a gente não governa. Mas continuo pintando e pensando sobre artes plásticas até hoje. Sobre poesia eu não penso, eu simplesmente faço: a minha poesia nasce do espanto. Qualquer coisa pode espantar um poeta, até um galo cantando no quintal. Arte é uma coisa imprevisível, é descoberta, é uma invenção da vida. E quem diz que fazer poesia é um sofrimento está mentindo: é bom, mesmo quando se escreve sobre uma coisa sofrida. A poesia transfigura as coisas, mesmo quando você está no abismo. A arte existe porque a vida não basta”.

Gullar aproveitou então para criticar certa atitude que prevalece entre artistas. "A vanguarda é que nem o terrorismo, ninguém pode botar o galho dentro. Na Bienal de São Paulo, qualquer bobagem tem que ser aceita, porque quem fala mal é visto como sendo de retaguarda”.

O escritor também falou sobre a poesia de cordel que escreveu na época da repressão política. “Comecei a entrar em crise com a poesia espacial que estava fazendo, porque sempre questiono o que faço. Li um livro de Jean-Yves Calvet e me engajei no marxismo e na luta política e participei do CPC da UNE. Mas era uma ação muito mais política que literária. No dia do golpe militar eu entrei para o Partido Comunista, numa reunião da casa do Carlinhos Lyra, porque queria participar da resistência contra o regime. Era uma coisa que tinha que ser feita, não havia bravura nisso”.

Veio então o Grupo Opinião, em Copacabana, que encenou diversos espetáculos num espaço improvisado em Copacabana. “O golpe nos mostrou o quanto é difícil transformar o mundo, e isso serviu também para a minha literatura. E, em seguida, com a radicalização política e o aumento da repressão, o exílio".

'Poema sujo'

“Pessoas à minha volta eram presas e torturadas, e como eu era da direção do partido, tive que sair do país. Fui para a União Soviética, o Chile de Allende, depois a Argentina. Com a morte de Perón, voltei a ficar numa situação terrível, sem passaporte, e nessa situação escrevi 'Poema sujo', para registrar tudo o que me restava a dizer", relembrou Gullar.

"Nessa época Vinicius de Moraes foi a Buenos Aires fazer um show, e n os reunimos com Augusto Boal, que também estava exilado em Buenos Aires. Boal falou sobre o 'Poema sujo' e eu o li para umas 20 pessoas, na casa

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do Boal.Vinicius gravou minha leitura e levou para o Brasil, e o poema foi sendo divulgado assim, clandestinamente, até que Enio Silveira, editor da Civilização Brasileira, quis publicá-lo, e fez uma noite de autógrafos sem o autor”.

Gullar leu então um trecho de 'Poema sujo' e foi aplaudido por mais de um minuto, num dos momentos mais intensos da FLIP 2010.

Em alguma parte alguma sucede os livros Barulhos (1987) e Muitas vozes (1999), o que dá uma média de um livro de poemas por década. “Eu escrevo muito pouco, sem espanto eu não escrevo. Às vezes passo meses sem escrever, não depende da minha vontade. Mas quando a poesia vem é muito gratificante”.

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ANEXO 6

A tinta me fez perder meus limites de mim A tinta estava contida Num frasco com um biquinho apertado Por onde ela saia Aos poucos, devagar e espremida. Ah! Pobre coitada... Nem sabia que não era tinta Era na verdade cola colorida E por isso não concluía nem para quê servia: Pra colar ou pra pintar? Estava atrapalhada Saía do tubo mais do que a quantidade desejada Explodia em cores E borrava mais do que o papel A tela era uma nova aventura Onde a forma brinca Se deforma Se reforma Se transforma Ganha uma nova forma Com novos contornos, mas agora, sem limites ou definições! 14/06/2010 Poema de minha autoria Homenagem a Professora Eveline Carrano que me fez conhecer a Linguagem dos Materiais Artísticos.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ABUJAMRA, Adriana. Traços Travessos: histórias de 20 pintores. São Paulo:

Geração Editorial, 2003.

CAVALCANTI, Tito R. de A. Jung. São Paulo: Publifolha, 2007.

COLAGRANDE, Claudia. Arteterapia na prática: diálogos com a Arte-

Educação. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2010.

COSTA, Cristina. Questões de arte: o belo, a percepção estética e o fazer

artístico. São Paulo: Moderna, 2004.

CUMMING, Robert. Arte em Detalhes. São Paulo: Publifolha, 2010.

DINIZ, Ligia. Arte: Linguagem da alma. IN MONTEIRO, Dulcinéia da Mata

Ribeiro (Organizadora). Arteterapia: arquétipos e símbolos; pintura e mídia. Rio

de Janeiro: Wak Editora, 2009.

FARTHING, Stephen (Editor geral). 501 grandes artistas. Rio de Janeiro:

Sextante, 2009.

FURTH, Gregg M. O mundo secreto dos desenhos: uma abordagem junguiana

da cura pela arte. São Paulo: Paulus, 2004.

GOMBRICH, E. H. (Ernst Hans). A História da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

GRINBERG, Luiz Paulo. Jung: o homem criativo. São Paulo: FTD, 2003.

HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins

Fontes, 1998.

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LAROSA, Marco Antonio & AYRES, Fernando Arduini. Como produzir uma

monografia passo a passo ... siga o mapa da mina. Rio de Janeiro: Wak

Editora, 2008.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes,

2008.

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. São Paulo: Martins Fontes, 1989

PROENÇA, Graça. História da Arte. São Paulo: Ática, 2001.

SANTOS, Sandra Regina (Organizadora). Jung: um caminhar pela Psicologia

analítica. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2008.

SECRETARIA de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:

Arte. Brasília: MEC/SEF, 1997.

STRICKLAND, Carol. Arte Comentada: da pré-história ao pós-moderno. Rio de

Janeiro: Ediouro, 2004.

URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: a transformação pessoal pelas

imagens. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2003.

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WEBGRAFIA

Entrevista com Ferreira Gullar – Anexo 6

Disponível em http://g1.globo.com/pop-arte/flip/noticia/2010/08/arte-existe-

porque-vida-nao-basta-diz-ferreira-gullar.html

Acesso em 24/01/2011

Frases de Andy Warhol

Disponível em http://pensador.uol.com.br/autor/Andy_Warhol/

Acesso em 27/01/2011

História da Arte

Disponível em www.historiadaarte.com.br

Acesso em 25/10/2010

Imagem “Monalisa” – Anexo 1

Disponível em http://www.brasilescola.com/artes/mona-lisa.htm

Acesso em 21/01/2011

Imagem “As meninas” – Anexo 2

Disponível em: http://jssgallery.org/other_artists/Velazquez/Velazquez.htm

Acesso em 21/01/2011

Imagem “Quarto em Arles” – Anexo 3

Disponível em http://galeria-van-gogh.blogspot.com/2008/07/quarto.html

Acesso em 21/01/2011

Informações sobra a banda Gram

Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Gram_(banda)

Acesso em 25/01/2011

Letra da música “Meu reflexo” – Anexo 4

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Disponível em http://letras.terra.com.br/gram/

Acesso em 25/01/2011

RAMOS, Luis Marcelo Alves. Apontamentos sobre a psicologia analítica de

Carls Gustav Jung.

Disponível em

http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/etd/article/view/1805/1647

Acesso em 24/01/2011

SILVA E SOUZA, Otília Rosângela. Histórico da Arteterapia.

Disponível em http://www.ubaat.org/

Acesso em 12/11/ 2010

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO ......................................................................................... 2

AGRADECIMENTOS ....................................................................................... 3

DEDICATÓRIA................................................................................................. 4

RESUMO ......................................................................................................... 5

METODOLOGIA .............................................................................................. 6

SUMÁRIO ........................................................................................................ 7

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 8

CAPÍTULO I ..................................................................................................... 10

O ARTISTA E SUAS IMAGENS: a marca pessoal registrada no trabalho de

cada artista

1.1 – Leonardo da Vinci ................................................................................... 11

1.1.1 – Contexto histórico e artístico: Renascimento italiano .................. 12

1.1.2 – Monalisa ...................................................................................... 17

1.2 – Diego Rodrígues de Silva y Velásquez ................................................... 15

1.2.1 - Contexto histórico e artístico: Barroco espanhol .......................... 16

1.2.2 – As meninas .................................................................................. 17

1.3 – Vincent Willem Van Gogh ....................................................................... 17

1.3.1 – Contexto histórico e artístico: do Pós Impressionismo ao

Expressionismo ....................................................................................... 18

1.3.2 – Quarto em Arles .......................................................................... 19

1.4 – A interação com a obra de arte ............................................................... 20

CAPÍTULO II .................................................................................................... 22

PESSOAS COMUNS E SUAS IMAGENS: o encontro com a arte e o processo

criativo em arteterapia

1.1 – Definição e histórico da Arteterapia ....................................................... 24

1.2 – Arte: linguagem da alma ......................................................................... 27

1.3 – Diferenças artista/cliente ......................................................................... 28

CAPÍTULO III ................................................................................................... 30

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JUNG E O INCONSCIENTE REFLETIDO NAS IMAGENS

1.1 – Biografia de Carl Gustav Jung ................................................................ 30

1.2 – Alguns conceitos de Jung ....................................................................... 33

1.2.1 – Psique .......................................................................................... 34

1.2.2 – Inconsciente coletivo e inconsciente pessoal .............................. 34

1.2.3 – Arquétipos .................................................................................. 35

1.2.4 – Símbolos ..................................................................................... 35

1.2.5 – Self – Si-mesmo ......................................................................... 36

1.2.6 – Individuação ................................................................................ 36

1.2.7 – O porquê terapêutico de trabalhar com Arte ............................... 37

CONCLUSÃO .................................................................................................. 38

ANEXOS .......................................................................................................... 40

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ....................................................................... 52

WEBGRAFIA ................................................................................................... 54

ÍNDICE ............................................................................................................. 56

FOLHA DE AVALIAÇÃO .................................................................................. 58

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição:

Título da Monografia:

Autor:

Data da entrega:

Avaliado por: Conceito: