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I
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
CIDADANIA ATRAVÉS DA LINGUAGEM CORPORAL E DO TEATRO
ANA MARIA ZETTEL
ORIENTADOR: PROF. Ms. MARCO ANTONIO LAROSA
RIO DE JANEIRO SETEMBRO/2003
DOCUMENTO PROTEGID
O PELA
LEI D
E DIR
EITO AUTORAL
II
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
Apresentação de monografia ao Conjunto UniversitárioCandido Mendes como condição prévia para aconclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”em Arteterapia em Educação e Saúde.
RIO DE JANEIRO SETEMBRO/2003
CIDADANIA ATRAVÉS DA LINGUAGEM CORPORAL E DO TEATRO
ANA MARIA ZETTEL
III
AGRADECIMENTOS
Aos meus alunos, verdadeiros mestres.
IV
DEDICATÓRIA
Aos meus filhos João e Rafael, aomeu marido José Ricardo, que meensinam o amor incondicional.
V
RESUMO
Trabalhando como coordenadora pedagógica da Associação Revivarte,
que tem como missão criar possibilidades, desenvolvendo seu potencial
criativo, emocional e intelectual através da arte e, principalmente do teatro,
pude observar várias características comuns e de que maneira estes
adolescentes apresentam resultados mais positivos para suas vidas. Pretendo
neste trabalho abordar a importância da linguagem corporal e da dramatização
no aperfeiçoamento e consciência da cidadania de adolescentes de
comunidades carentes (favelas) do Rio de Janeiro
A auto-aceitação, no que concerne, basicamente o corpo, passa por
uma atividade não competitiva, onde se expandem os limites e
conseqüentemente o conhecimento de si mesmos e de suas possibilidades: o
yoga. A dramatização -o teatro- vem facilitando a auto-expressão, na medida
em que o pensamento é eminentemente dramático, a organização em grupo e
capacidade de ouvir e ser ouvido. Enfim, levando esta experiência para todos
os âmbitos de suas vidas, não há dúvida de que se tornarão cidadãos que
exercem sua cidadania.
VI
METODOLOGIA
Ao longo de vinte anos trabalhando com teatro, a observação torna-
se, por ofício um hábito. Armazenei informações, tanto práticas quanto teóricas,
durante este período, na Universidade do Rio de Janeiro, UNI – RIO, onde
concluí a Licenciatura em Artes Cênicas e nas inúmeras montagens de
espetáculos que atuei. Trabalhando em educação pude colocar em prática
alguns destes princípios que estudei e participei empiricamente.
No curso de pós-graduação em arteterapia, pude aliar vários
princípios de teatro, trabalho corporal, e o terapêutico. Minhas anotações feitas
durante o trabalho com a Associação Revivarte, que procura ampliar os
horizontes de adolescentes que vivem em comunidades carentes do Rio de
Janeiro, mais o conhecimento teórico adquirido, foi o que fundamentou este
trabalho.
VII
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
Estética 12
CAPÍTULO II
Arteterapia 18
CAPÍTULO III
Aplicação e avaliação 23
CONCLUSÃO 26
BIBLIOGRAFIA 27 ÍNDICE 28 ANEXOS 29 FOLHA DE AVALIAÇÃO 30
VIII
INTRODUÇÃO
Quando pensamos em teatro, pensamos no ator em cena, no seu
corpo, na sua voz, na sua expressão, na sua capacidade de interpretar e
reinterpretar um texto. O corpo como instrumento de trabalho e como tal deve
ser totalmente conhecido, sentido, explorado.
Que o corpo fala a maioria de nós já sabe. Mas o que ele fala, ou
cala, quando carrega nos ombros o peso da exclusão social, da miséria, do
abandono, ou a estética que nem de longe lembra Giseles Bundchens ou
Rodrigos Santoros? Quando o mundo dos sonhos que entra pela televisão lhes
diz que não são belos, nem inteligentes, portanto terão que se contentar com
as sobras, que toda a revolta será punida e deverão existir em doce servidão?
Trabalhando como coordenadora pedagógica e professora de teatro
na Associação Revivarte, que trabalha com adolescentes que têm entre treze e
dezessete anos, moradores de favelas cariocas como: Vidigal, Rocinha e
Cantagalo pude observar algumas características em comum na linguagem
corporal destes meninos e meninas: pouca ou nenhuma consciência corporal,
sem alongamento muscular, coluna cervical arqueada, olhos no chão ou de
lado, quase nunca de frente e a voz baixa e fala rápida. Observei também, uma
desconcentração além do comum. Nada muito espantoso se pensarmos nas
condições medievais de uma favela, herança de trezentos anos de escravidão:
sem saneamento básico, esgoto a céu aberto, construções desordenadas e
aglomeradas, sem a presença do Estado, a constante ameaça de fogo
cruzado, tiroteios, balas perdidas e ausência de socorro urgente e apropriado
pelas próprias condições, ou falta delas na estrutura destes “quilombos” atuais.
IX
Primeiro tentarei definir quem são os poderosos e quem não são.
Segundo Foucault (1979),
“... Existe atualmente um grande desconhecido: quem
exerce o poder? Onde o exerce? Atualmente se sabe,
mais ou menos, quem explora, para onde vai o lucro, por
que mãos ele passa e onde ele se reinveste, mas o
poder... Sabe-se muito bem que não são os governantes
que o detêm. Mas a noção de ”classe dirigente” nem é
muito clara, nem muito elaborada. “Dominar”, “dirigir”,
“governar”, “grupo no poder”, “aparelho de Estado”, etc. é
todo um conjunto de noções que exige análise. Além
disso, seria necessário saber até onde se exerce o poder,
através de que revezamentos e até que instâncias,
freqüentemente ínfimas, de controle, de vigilância, de
proibições, de coerções. Onde há poder, ele se exerce.
Ninguém é, propriamente falando seu titular; e no entanto,
ele sempre se exerce em determinada direção, com uns
de um lado e outros de outro; não se sabe quem o detém;
mas se sabe quem não o possui ...” (FOUCAULT, 1979,
p. 75).
Segundo o mesmo autor, o poder perpassa por todo o corpo
social através do corpo individual:
“O domínio, a consciência de seu próprio corpo só
puderam ser adquiridos pelo efeito do investimento do
corpo pelo poder: a ginástica, os exercícios, o
desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do belo
corpo... tudo isto conduz ao desejo de seu próprio corpo
através de um trabalho insistente, obstinado, meticuloso,
que o poder exerceu sobre o corpo das crianças, dos
soldados, sobre o corpo sadio. Mas a partir do momento
X
em que o poder produziu este efeito, como conseqüência
direta de suas conquistas, emerge inevitavelmente a
reivindicação de seu próprio corpo contra o poder, a
saúde contra a economia, o prazer contra as normas
morais da sexualidade, do casamento, do pudor. E,
assim, o que tornava forte o poder passa a ser aquilo por
que ele é atacado... O poder penetrou no corpo, encontra-
se exposto no próprio corpo... Lembrem-se do pânico das
instituições do corpo social (médicos, políticos) com a
idéia da união livre ou do aborto... Na realidade, a
impressão de que o poder vacila é falsa, porque ele pode
recuar, se deslocar, investir em outros lugares... e a
batalha continua” (FOUCAULT, 1979, p. 75).
E finaliza:
“O corpo se tornou aquilo que está em jogo numa luta
entre os filhos e os pais, entre as crianças e as instâncias
de controle. A revolta do corpo sexual é o contra-efeito
desta ofensiva. Como é que o poder responde? Através
de uma exploração econômica (e talvez ideológica) da
erotização, desde os produtos para bronzear até os filmes
pornográficos...Como resposta à revolta do corpo,
encontramos um novo investimento que não tem mais a
forma de controle-repressão mas de controle-estimulação:
“Fique nu... mas seja magro, bonito bronzeado!” A cada
movimento de um dos dois adversários corresponde o
movimento do outro...” (FOUCAULT, 1979, p. 146-147).
Anteriormente falei em exclusão social, mas gostaria, também de
rever esta nomenclatura, pois na verdade estão incluídos, segundo Viviane
Forrester: “jamais suficientemente expulsos! Incluídos, demasiado incluídos, e
em descrédito”. Por isso optei pelo termo cidadania. O respeito pelo cidadão
XI
começa com a consciência de si mesmo, do seu corpo, de suas relações
interpessoais e intrapessoais.
Como a arteterapia através do teatro e seu instrumento, o corpo,
pode trazer autoconhecimento, auto-aceitação e, sobretudo, respeito por si
mesmos é o que pretendo pesquisar.
XII
CAPÍTULO I
ESTÉTICA
“Assim, o organismo vivo pode ser belo, mas
imperfeitamente, porque a vida animal é uma vida de
necessidade, sem interioridade consciente, portanto sem
verdadeira liberdade” (Jean Lacoste).
“A Estética nasceu como um discurso sobre o corpo. Em
sua formação original, pelo filósofo alemão Alexander
Baumgarten, o termo não se refere primeiramente à arte,
mas como o grego aisthesis, a toda a região da
percepção e sensação humanas, em contraste com o
domínio mais rarefeito do pensamento conceitual. A
distinção que o termo estética perfaz inicialmente, em
meados do século XVIII, não é aquela entre “arte” e
“vida”, mas entre o material e o imaterial: entre coisas e
pensamentos, sensações e idéias” (EAGLETON, 1991, p.
17).
S. Tomás de Aquino assim definiu o homem: Habet homo rationem
et manum (O homem possui razão e mão). Assim, em seus primórdios, no
período Paleolítico (pedra lascada), quando o homem reproduz com exatidão e
realidade e posteriormente no período Neolítco (pedra polida), onde já
aparecem abstrações e símbolos, o homem transforma a natureza com o
intuito de domina-la, exercendo o poder através dos instrumentos de trabalho e
da magia. Era o HomoFaber,isto é, o homem que fabrica. Arte e religião eram
um só princípio. O artista era o sacerdote, o mago, o transformador.
XIII
Nos diz Ernst Fischer (1959):
“A arte era um instrumento mágico e servia ao homem na
dominação da natureza e no desenvolvimento das
relações sociais (...). A função decisiva da arte nos seus
primórdios foi, inequivocamente, a de conferir poder:
poder sobre a natureza, poder sobre os inimigos, poder
sobre o parceiro de relações sexuais, poder sobre a
realidade, poder exercido no sentido de um fortalecimento
da coletividade humana. Nos alvores da humanidade, a
arte pouco tinha a ver com a contemplação estética, com
o desfrute estético: era um instrumento mágico, uma arma
da coletividade humana em sua luta pela sobrevivência”
(FISCHER, 1959, p. 45).
Na Grécia, berço do homem ocidental, a poesia era essencialmente
anônima e destinada à comunidade como um todo. A noção de sujeito só
começa a se desenvolver depois, quando começa a se descolar a arte da
religião, embora durante muitos séculos ainda estivessem organicamente
ligadas como um instrumento de magia para vencer o desconhecido,
transcender a mortalidade.
No culto a Dionísio está a origem da encenação: o ditirambo - canto
e improvisação das primitivas procissões dionisíacas. Neste país nasce o
teatro como hoje conhecemos: Téspis (VI a.C.), o primeiro ator que se tem
notícia, desceu a escadaria do templo que improvisara em sua carroça e disse:
“Eu sou Dionísio”. No théatron – “lugar de onde se vê” – já não havia o vinho,
mas o solene respeito aos atores no prokénion – o palco, apesar das
características, ainda, de ritual.
XIV
Aristóteles (384?- 322) construiu a primeira estética da arte
dramática: a Poética. “Nela acham-se definidos o pensamento, a fábula, o
caráter, a linguagem, a melodia e a encenação – os seis elementos essenciais
da obra teatral. Todos eles deviam estar subordinados à regra das três
unidades – ação, tempo e lugar -....’. Segundo o próprio Aristóteles: ”ao inspirar
por meio da ficção, certas emoções penosas ou malsãs, especialmente a
piedade e o terror, a catarse nos liberta, dessas mesmas emoções”.
A catarse se dá quando o espectador, aterrorizado pelo espetáculo
da catástrofe (personagem sofre as conseqüências do seu erro, de forma
violenta), se purifica de sua harmatia (falha trágica, única impureza que existe
no personagem, única tendência que não se harmoniza com a natureza). Sobre
o sistema trágico coercitivo de Aristóteles, Augusto Boal (1980) escreve:
“Ele nos diz que a poesia, a tragédia, o teatro, não têm
nada a ver com Política. Mas a realidade nos diz outra
coisa. Temos que ser muito mais amigos da verdade:
todas as atividades do homem, incluído-se evidentemente
todas as artes, especialmente o teatro, são políticas. E o
teatro é a forma artística mais perfeita de coerção. Que o
diga Aristóteles“ (BOAL, 1980, p. 41).
A lei da proporcionalidade, o belo como sinônimo do bem, da virtude,
da verdade surge nesta época, onde se funde estética, ética e política, pois
amar a ordem e a beleza é profundamente vantajoso para o afeto social. Para
Arnold Hauser (1998), o momento foi crucial:
“E assim a arte, originalmente uma simples servidora da
magia e do ritual, um instrumento de propaganda e
panegírico, um meio de influenciar deuses, espíritos e
homens, torna-se em certa medida uma atividade pura,
autônoma, “desinteressada”, praticada pelo seu valor
intrínseco e pela beleza que revela. Do mesmo modo, os
XV
mandamentos e proibições, os deveres e os tabus, que a
princípio eram apenas expedientes para possibilitar uma
vida comum em sociedade, dão agora origem a uma
doutrina ética que se dispõe a realizar e aperfeiçoar a
personalidade moral. Os gregos foram o primeiro povo a
completar essa transição da forma instrumental de
atividade para a forma de atividade “autônoma”, seja na
ciência, na arte ou na moral. (...) Esse abandono da velha
concepção de que a arte só é valiosa e inteligível como
arma na luta pela existência, em favor de uma nova
atitude que a trata como mero jogo de linhas e cores,
mero ritmo e harmonia pura imitação ou interpretação da
realidade – eis a mais tremenda mudança que jamais
voltaria a ocorrer em toda a história da arte” (HAUSER,
1998, p. 77)
1.1. A MODERNIDADE
O "século XX” começa depois da Primeira Guerra Mundial
renunciando a toda ilusão de realidade por princípio. O panorama cultural é
multifacetado e a arte procura refletir essa dimensão e essa crise: o cubismo, o
construtivismo, o futurismo, o expressionismo, o dadaísmo, o surrealismo, o
fauvismo, vêm redimensionando a estética, repensando o belo.
O progresso científico e tecnológico é excepcional: a teoria da
relatividade, dos quanta, da microfísica, da psicanálise freudiana e da
arquitetura funcional. Os meios de transporte (os veículos a motor,
transatlânticos e aviões cruzando oceanos) e de comunicação (o rádio assume
papel importantíssimo, o cinema dá seus primeiros passos), geram uma
velocidade de informações vertiginosa.
XVI
Baudelaire (1821-1867), segundo Frederick R. Karl, biógrafo e crítico
"compreendeu o moderno como uma qualidade em si mesma, e não como uma
coisa que contrastava com o passado”. Nesse turbilhão de acontecimentos a
ênfase passa da sociedade para o indivíduo ou para o ser interno.
Alguns de seus representantes são: nas artes plásticas, Cézanne
(embora tenha vivido no séc. XIX inspirou o cubismo e foi chamado o pai da
arte moderna), Braque, Chagall, Rouault, Matisse, Kandinsky, Picasso; na
literatura, James Joyce, T. S. Elliot, Kafka; na música, Schöenberg; na dança,
Nijinsky; no teatro, a revolução começa com Jarry, Ibsen, Strindberg, Artaud,
Craig, Meyerhold e o teatro do absurdo com Ionesco, Beckett, Arrabal.
Para Jair Ferreira dos Santos, o modernismo é a crise da
representação realista do mundo e do sujeito na arte: “Ele deforma ou bane o
referente (o real), criticando novas formas, tornando a arte, desse modo, auto-
referencializada”.
A arte nunca perdeu seu caráter coletivo, mesmo depois da quebra
da comunidade primitiva e da sua substituição por uma sociedade dividida em
classes. Das danças tribais e sacrifícios sangrentos, da magia e sacerdócio aos
meios ultra sofisticados e velozes de informação, que segundo Roland Barthes,
servem predominantemente a ideologia burguesa:
“Certamente, a ideologia e seu contrário são
comportamentos ainda mágicos, aterrorizados, ofuscados
e fascinados pela dilaceração do mundo social. E, no
entanto, é isso que devemos procurar: uma reconciliação
entre o real e os homens, a descrição e a explicação, o
objeto e o saber” (BARTHES, 1980, p. 178).
A necessidade do homem de inserir-se na coletividade é imutável,
pois o homem é um ser gregário por natureza. O único que possui capacidade
simbólica, que possui fala, cria soluções, evolui conforme a necessidade,
XVII
adapta-se a condições adversas. Por isso organiza-se em tribos, comunidades
e forma sociedades pluriculturais. Foi assim em seus primórdios desde os
primeiros grupos que se reuniam em torno da fogueira partilhando a caça, o
calor e a proteção para sua prole e sua tribo. Continua sendo nas vilas e
metrópoles pelos mesmos motivos.
XVIII
CAPÍTULO II
ARTETERAPIA
“O Arteterapeuta é um olhar, uma escuta, uma
ressonância afetiva” (PÄÏN e JARREAU, 1994).
A arteterapia começa a surgir no final do século XIX, quando os
psiquiatras e psicoterapeutas passaram a observar com mais atenção os
conteúdos das produções artísticas de seus pacientes, que até então eram
apenas resultado da terapia ocupacional sem nenhum significado mais
importante ou profundo. Foi a partir do meio do século XX, década de quarenta,
aproximadamente, que ela ganha força e os contornos que hoje conhecemos.
A adaptabilidade, como vimos anteriormente é que difere,
basicamente o homem dos outros animais. Cabe ao ego e a consciência esta
capacidade de conviver e transformar tanto externamente como internamente.
Se a capacidade criativa estiver bloqueada, sua capacidade de ir adiante, de
forma plena, íntegra, também estará.
A arteterapia não tem o princípio formador de artistas, mas de que o
homem possa elaborar seus sentimentos, de modo que haja uma evolução
mais integrada entre o conhecimento simbólico e o seu próprio “eu”. Ela
pretende ser uma maneira mais ampla de se abordar o processo criativo,
considerando-o não apenas como transmissão simbólica de conhecimentos,
mas como um processo formativo do humano.
2.1. ARTETERAPIA E O JOGO DRAMÁTICO
"Se o processo de aprendizagem social é inerentemente
dramático, e através da personificação de papéis nos adequamos
à sociedade, todo o processo de pensamento, em si, relaciona-se
XIX
com a imaginação dramática. O pensamento se forma a partir de
conceitos, e os seres humanos utilizam os conceitos de duas
principais maneiras: para o pensamento criativo e
aprendizagem de memória. Ambos os processos utilizam o
jogo dramático, abertamente, se somos crianças, e
dissimuladamente, se somos adultos” (COURTNEY, 1980, p.
67).
“Um papel é uma seqüência padronizada de ações ou feitos
aprendidos, desempenhados por uma pessoa numa situação de interação”. Em
sua Teoria dos Papéis, Sarbin observa que todas as sociedades estão
organizadas em torno de posições, e que as pessoas que ocupam essas
posições desempenham ações e papéis especializados, e que a conduta
humana é o produto da interação entre o eu e o papel. Entretanto afirma
Sarbin, os papéis que desempenham estão vinculado à posição e não à
pessoa que esta ocupando temporariamente esta posição.
O jogo é um modo acidental de aquisição de um papel de
comportamento, pois a partir do jogo dramático, há a possibilidade de
experimentar papéis sociais. Desta forma, pode-se afirmar que a teoria dos
papéis vê a personificação imaginativa como um fator fundamental do
aprendizado social. Pois a partir da representação ou personificação de um
papel, a criança poderá criar modos de falar, andar, se vestir, ou seja, se pensa
toda a mecânica do processo de desempenho do papel.
E, como afirma Sarbin, quanto maior o número de papéis no
repertório de comportamento de uma pessoa melhor será seu ajustamento
social. Portanto, a aprendizagem social depende da imitação, da identificação e
da personificação, além da presença do processo imaginativo, inerente ao jogo
dramático.
XX
2.2. ARTETERAPIA, UMA ESCUTA
Um novo olhar, uma nova escuta, uma ressonância afetiva, como
sugere Sara Païn (1994), é o que nos propõem a arteterapia, pois muitas vezes
o que realmente importa não nos é possível dizer em palavras. Ouvir com o
coração, mergulhar a fundo na alma das pessoas, é uma questão de exercício,
de paciência, que só é possível quando silenciamos nossos próprios barulhos,
e percebemos que a linguagem é muito mais do que o que é dito pela boca. O
texto a seguir ilustra com clareza este pensamento.
2.2.1. Os sons da floresta
No século III d.C., o rei Tsao mandou seu filho, o príncipe Tai, ir estudar no
templo com o grande mestre Pan Ku. O objetivo era preparar o príncipe, que iria
suceder ao pai no trono, para ser um grande administrador. Quando o príncipe chegou
ao templo, o mestre Pan Ku logo o mandou ir sozinho à floresta de Ming-Li. Ele deveria
voltar um ano depois, com a tarefa de descrever os sons da floresta. Passado o prazo,
Tai retornou e Pan Ku lhe pediu para descrever os sons de tudo aquilo que tinha
conseguido ouvir.
“Mestre”, disse o príncipe, “pude ouvir o canto dos cucos, o roçar
das folhas, o alvoroço dos beija-flores, a brisa batendo suavemente na grama,
o zumbido das abelhas e o barulho do vento cortando os céus”. Quando Tai
terminou, o mestre mandou-o de volta à floresta. Para ouvir tudo o mais que
fosse possível. Tai ficou intrigado com a ordem do mestre. Ele já não tinha
distinguido cada som da floresta?
Por longos dias e noites o príncipe se sentou sozinho na floresta,
ouvindo, ouvindo. Mas não conseguiu distinguir nada de novo além daqueles
sons Já mencionados ao mestre Pan Ku. Então, certa manhã, sentado entre as
árvores da floresta, começou a discernir sons vagos, diferentes de tudo o que
ouvira antes. Quanto mais atenção prestava, mais claros os sons se tornavam.
Uma sensação de encantamento tomou conta do rapaz. “Esses devem ser os
XXI
sons que o mestre queria que eu ouvisse”, pensou. Sem pressa, o príncipe
passou horas ali, ouvindo e ouvindo, pacientemente. Queria ter a certeza de
que estava no caminho certo.
Quando Tai retornou ao templo, o mestre lhe perguntou o que mais
ele tinha conseguido ouvir. “Mestre”, respondeu reverentemente o príncipe,
“quando prestava mais atenção, pude ouvir o inaudível - o som das flores se
abrindo, do sol aquecendo a terra e da grama bebendo o orvalho da manhã”.
O mestre acenou com a cabeça em sinal de aprovação. “Ouvir o
inaudível é ter a disciplina necessária para se tornar um grande administrador.
Apenas quando aprende a ouvir o coração das pessoas, seus sentimentos
mudos, os medos não confessados e as queixas silenciosas, um administrador
pode inspirar confiança a seu povo, entender o que está errado e atender às
reais necessidades dos cidadãos.
A morte de um país começa quando os líderes ouvem apenas as
palavras pronunciadas pela boca, sem mergulhar a fundo na alma das pessoas
para ouvir seus sentimentos, desejos e opiniões reais”.
2.3. CORPO – POSTURA, DISCIPLINA E CONFORTO
Ter disciplina para ouvir o inaudível, quando se trata de
adolescentes dispersos não é uma tarefa fácil. O que trouxe maiores resultados
foi a prática do yoga. Primeiro por não ser competitiva por natureza. É o
praticante vencendo seus próprios limites, ouvindo seu corpo, sua respiração,
seu coração, criando flexibilidade, facilitando os movimentos. Equilibra a
conexão corpo-mente-espírito.O yoga propõe que todos os exercícios sejam
feitos de forma consciente, permanecendo emocionalmente dentro de nós.
XXII
“Se o treino for praticado desta maneira... tornar-se-á
eficaz com o tempo, e quando a causa chegar à sua
consecução – tal como um melão que quando amadurece
cai automaticamente – qualquer coisa que aconteça de
modo a toca-la ou entrar em contato com ela provocará o
despertar supremo do indivíduo. É o momento em que o
praticante parece alguém que está bebendo água: só ele
poderá saber se está quente ou fria. Liberta-se então de
todas as dúvidas a seu próprio respeito e experimenta
uma grande felicidade, semelhante à que se sente ao
encontrar nosso próprio pai no cruzamento de um
caminho” (JUNG, 1964, p. 212).
O processo de individuação, da conexão self (si mesmo) e do ego
(persona construída ao longo dos anos), nos leva a liberdade natural, a
profundidade da alma, com isso muitas possibilidades são abertas, muitos
pesos são postos de lado. Ser livre requer autonomia, responsabilidade e
consciência de si no mundo e sua importância. Não há sentimento de
insignificância quando nos amamos plenamente, com nossos limites e
potencialidades. É a liberdade verdadeira que Jung nos fala.
XXIII
CAPÍTULO III
APLICAÇÃO E AVALIAÇÃO
“Errar pouco importa; o importante é você se habituar a
perceber em vez de apenas olhar!” (WEIL, 1986).
O teatro é um conjunto de jogos, exercícios e técnicas teatrais que
tem por objetivo resgatar, desenvolver e redimensionar o tornando-o um
instrumento eficaz na compreensão e na busca de alternativas para problemas
sociais e interpessoais. As vertentes pedagógica, social, cultural, política e
terapêutica se propõem a transformar o espectador (ser passivo, depositário)
em protagonista da ação dramática (sujeito criador (sujeito, criador,
transformador); estimulando-o a refletir sobre o passado, transformar a
realidade no presente e inventar o futuro. Segundo Moreno, criador do
psicodrama:
“... a realização espontânea e simultânea de um trabalho
poético, dramático, em seu processo passo a passo de
desenvolvimento, a partir de seu status nascendi. E de
acordo com esta análise, a catarse acontece: não apenas
com a platéia – efeito secundário desejado – e não nas
dramatis personae de uma produção imaginária, mas
primeiramente nos atores espontâneos da representação,
que produzem as personas, liberando-os dela ao mesmo
tempo” (COURTNEY, 1980, p. 97).
Na técnica terapêutica, o indivíduo improvisa espontaneamente. Não
como o faz dentro do método de Stanislavski, onde o ator improvisa como um
recurso suplementar prévio ao desempenho do papel de Lear, mas da mesma
maneira que no teatro criativo da sala de aula, - espontaneamente, e apenas
para aquela representação. E, assim como o improvisador cria também a
estória, o ator é também o produtor. Antes que se dê início, o sujeito é
XXIV
“aquecido”. No processo de “aquecimento’, e para o próprio processo de
atuação, é dado grande realce ao treinamento do corpo. Este é treinado para o
relaxamento, para liberar os sistemas de reflexos, através da dança,
espontânea e exercício de yoga.
Enquanto conjunto de técnicas pode ser utilizado para:
sensibilização e dinamização de pessoas em torno de um tema, estruturação
de grupos, análise da realidade e busca de alternativas, estímulo à discussão,
esclarecimento de conflitos interpessoais, divulgação de idéias e propostas.
No sociodrama, quando um grupo improvisa, o sujeito não é apenas
indivíduo, mas o grupo, e, conseqüentemente, representantes do grupo são
interpretados. O sociodrama investiga e tenta tratar membros do grupo que
partilham problemas similares. Primeiramente, mostra o comportamento de
papéis dos indivíduos através de uma série planejada de situações de vida
real, e questiona: como e em que medida está o indivíduo compreendendo a si
mesmo e aos outros que são co-autores na situação de vida?
O aprendizado formal pode ser de vários tipos. O treinamento para
um emprego pode ser apoiado pela improvisação tão próxima da realidade
quanto possível; tanto numa situação simples quanto complexa. As técnicas
sócio-dramáticas são de grande valia para a formação de jovens e adultos,
facilitando a compreensão de determinadas ansiedades sociais. Como por
exemplo, questões raciais.
3.1. AVALIAÇÃO
“Autoritarismo em todas as suas gradações
(aprovação/desprovação; bom/mal; certo/errado; defesas;
livros didáticos; notas tec.) é colocado de lado durante as
oficinas de jogos teatrais, de forma que professores e
alunos possam ser libertados do ditador (passado/futuro)
XXV
para encontrar Aqui/agora o FOCO e tornarem-se
parceiros de jogo. Impondo ou apoiando-nos em
experiências de outros, quadros de referência e padrões
de comportamento tornam todos vítimas. Vemos com os
olhos dos outros e sentimos cheiros com narizes dos
outros. Seja exercendo a autoridade ou submetendo-nos,
o autoritarismo não permite assumir o ser humano único
que somos. Idealmente, a oficina de jogos teatrais permite
que cada participante (inclusive o professor) assuma seu
próprio espaço de ser. O professor torna-se o instrutor por
meio do FOCO, ao mesmo tempo em que confia
profundamente que os parceiros jogadores tenham
recursos interiores para completar (solucionar) o
problema” (SPOLIN, 1979, p. 34).
Compreendendo o teatro como ação coletiva, pretende-se avaliar se
o aluno sabe organizar-se em grupo, ampliando as capacidades de ver e ouvir
na interação com seus colegas, colaborando com respeito e solidariedade,
permitindo a execução de uma obra conjunta. Os alunos devem participar da
avaliação do processo de cada colega, inclusive manifestando seus pontos de
vista, o que contribuirá para ampliar a percepção do processo de cada um em
suas correlações artísticas e estéticas. Aprender ao ser avaliado é um ato
social, que deve refletir o funcionamento de uma comunidade de indivíduos
pensantes e responsáveis.
XXVI
CONCLUSÃO
Considero fundamental trazer para a população de baixa renda um
horizonte, abrir perspectivas acerca de sua importância no país. É um trabalho
não só edificante e gratificante, como fundamental para um Brasil onde as
desigualdades não sejam tão gritantes, tão violentas e tristes. Apenas quando
conhecemos e respeitamos nossas diferenças e individualidades é que
podemos cobrar o que é nosso direito e não acolhermos migalhas como se
fosse um favor, na medida em que pagamos altos impostos em tudo o que
consumimos e estes deveriam ser revertidos em condições dignas de vida.
Se esta consciência para a classe média é distante, que dirá para
um morador de favelas, sem saneamento básico, sem escolas qualificadas,
assistência médica, ou alimentação decente. Que noção de respeito podem ter
de si mesmos e de outros? O teatro trabalha a troca, o ouvir e ser ouvido
organiza mentalmente, já que todo pensamento é dramático, ajuda a encontrar
seu papel na sociedade.
Neste intrincado trabalho de, através do auto-conhecimento,
reconhecer e ocupar seu lugar no mundo, na vida, na sociedade, exercendo
sua cidadania, espero poder indicar mais um caminho, mais uma possibilidade
de crescimento para pessoas tão desesperançadas, tão desacreditadas e com
tanto potencial. Pessoas que quando tocadas explodem em luz e alegria como
deve ser a vida de todos os seres viventes.
XXVII
BIBLIOGRAFIA
BARTHES, Roland. Mitologias. São Paulo: Difel, 1980.
BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1980.
COURTNEY, Richard. Jogo, Teatro & Pensamento. Rio de Janeiro: Perspectiva, 1980.
EAGLETON, Terry A Ideologia da Estética. Rio de Janeiro: Zahar, 1991.
FISCHER, Ernst. A Necessidade da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1959.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Organização e tradução por Roberto
Machado, Rio de Janeiro: Graal, 1979.
HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.
JUNG, Carl G. O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964.
LACOSTE, Jean. A Filosofia da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.
PAÏN, Sara e JARREAU, Gladys. Teoria e Técnica da arte-terapia. São Paulo:
Artes Médicas, 1994.
SPOLIN, Viola. Jogos Teatrais – manual de instrução. São Paulo: Perspectiva,
1979.
WEIL, Pierre e TOMPAKOW, Roland. O Corpo Fala. Petrópolis: Vozes, 1986.
XXVIII
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO II AGRADECIMENTOS III DEDICATÓRIA IV RESUMO V METODOLOGIA VI INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
Estética 12 1.1. A modernidade 15 CAPÍTULO II Arteterapia 18 2.1. Arteterapia e o jogo dramático 18 2.2. Arteterapia, uma escuta 20 2.2.1. Os sons da floresta 20 2.3. Corpo – postura, disciplina e conforto 21 CAPÍTULO III Aplicação e avaliação 23 3.1. Avaliação 24 CONCLUSÃO 26 BIBLIOGRAFIA 27 ANEXOS 29 FOLHA DE AVALIAÇÃO 30
XXIX
ANEXOS
XXX
FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
Instituto de Pesquisa Sócio-Pedagógicas Pós-Graduação “Latu Sensu” Título da Monografia Cidadania através da linguagem corporal e do teatro.
Data da Entrega: ___________________________ Avaliado por: ______________________________Grau: ________________
Rio de Janeiro, ______ de ______________________ de ________ _______________________________________________________________
Coordenação do Curso