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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
O MOVIMENTO SURREALISTA E SUAS ARTES
DANIEL FRANCISCO MOURA DA SILVA
ORIENTADOR:
Prof. Marco Antônio C. de Almeida
RIO DE JANEIRO
AGOSTO/2001
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
O MOVIMENTO SURREALISTA E SUAS ARTES
DANIEL FRANCISCO MOURA DA SILVA
Trabalho monográfico apresentado
como requisito parcial para a obtenção do
Grau de Especialista em docência do
ensino médio e fundamental
RIO DE JANEIRO
AGOSTO/2001
2
Agradeço a todos aqueles que me
ajudaram a desenvolver esta pesquisa.
Meu sábio e dedicado pai, minha mãe,
Daniele, por estar ao meu lado em todos os
momentos difíceis, meu irmão Carlos, aos
meus grandes e fiéis amigos, e todas as
personalidades que, acima de tudo,
mostraram que a busca do sentimento
verdadeiro e da sabedoria suprema deve
estar sempre ao lado daquele que almeja
viver a vida em sua plenitude.
3
“A obra de arte vive, na medida em que é
sem cessar recriadora de emoção, em
que da sensibilidade cada vez mais haure
diariamente um elemento mais
necessário”.
André Breton
4
SUMÁRIO
CAPÍTULO I. INTRODUÇÃO 06 CAPÍTULO II. O NASCIMENTO DO SURREALISMO 08 2.1 Antecedentes do movimento 08 2.2 Período de formação 09 CAPÍTULO III. HISTÓRIA DO MOVIMENTO 12 3.1 O Primeiro Manifesto 12 3.2 O Surrealismo Engajado 15 3.3 O Segundo Manifesto 17 3.4 A década de 30 19 3.5 O retorno após a Segunda Guerra 22 3.6 As últimas Aventuras Surrealistas 23 CAPÍTULO IV. O PROCESSO CRIATIVO E SUAS INOVAÇÕES 27 4.1 A Escrita Automática 27 4.2 A Prática do Sono e os Estados Segundos 29 4.3 As Imagens e o Acaso Objetivo 31 4.4 Os Jogos Surrealistas 32 CAPÍTULO V. O SURREALISMO E AS ARTES 34 5.1 O Surrealismo no Teatro 34 5.2 O Surrealismo nas Artes Plásticas 35 5.3 O Surrealismo na Poesia 36 5.4 O Surrealismo no Cinema 38 CAPÍTULO VI. CONCLUSÃO 41 BIBLIOGRAFIA 42 ANEXOS
5
APRESENTAÇÃO
Dentro da realidade atual, não creio que o surrealismo seja um movimento
bem interpretado e acoplado dentro das diversas camadas sociais, sendo
inclusive, freqüentemente, deslocado de seu sentido original. Nota-se que a
palavra "surrealista" entra cada vez mais para o domínio público despida de
qualquer provocação específica, podendo designar tudo o que é absurdo em um
determinado contexto. Hoje, qualquer situação esdrúxula ou estapafúrdia pode
ser retratada como surrealista, quase sempre ligada a um toque de ironia.
A proposta deste trabalho é enaltecer de forma clara e objetiva o mundo da
criação surrealista. Apresentar uma reflexão teórica sobre as características do
movimento. Evidenciar seu início, suas raízes, influências e conquistas. Trazer
seus criadores, manifestos e a ideologia de um dos movimentos de vanguarda
mais importantes deste século.
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CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
Os movimentos modernistas do pré-guerra tentaram recriar uma sintaxe de
arte, propondo mudanças reais no campo da criação das idéias e na própria
formação do homem. Estava ficando para trás, não merecendo mais crédito toda
representação do homem como ser totalmente consciente e racional e de
qualquer idéia presa a uma realidade fica e imutável. A idéia de ruptura, frente
aos valores conservadores da época, evidenciavase em cada pensamento vivo,
na busca da criação de algo novo e estruturalmente explosivo.
A inútil guerra pelo poder entre os homens, as falsas ideologias, os
pensamentos conflituosos e todas as idéias conservadoras da sociedade levaram
um seleto grupo de personalidades a criar uma opção real visando mudanças
estruturais no próprio comportamento do homem em sua história. Temos no
nascimento do Surrealismo, na segunda década do século XX, um passo a frente
de toda e qualquer situação formal produzida na época. Os surrealistas sugeriam,
de imediato, uma transformação profunda, a ponto de questionar o próprio sentido
e finalidade da arte; buscavam uma ruptura e a negação imediata de todos os
conceitos falidos de uma sociedade presa e de concepção viciada. Para o
surrealista, não existia regra, mas sim uma ânsia na busca da característica real
de revolucionar o momento sem, ao mesmo tempo, se preocupar com a
receptividade e a interpretação popular. Como beneficiário da inventividade das
gerações anteriores, exploravam livremente os avanços estilísticos conquistados.
O Surrealismo representa urna aventura dento da existência humana, e
não se prende a preceitos, pois sempre posiciona-se contra sistematizações ou
qualquer sistema estereotipado, proposto pela sociedade. Os surrealistas, com
toda sua identidade crítica revolucionária, abrem as portas, em sua produção,
para o desconhecido e a criatividade infinita da mente humana. Na busca de seu
7
conhecimento interior, o homem surrealista adquire intensamente em seu mundo
o verdadeiro processo poético-crítico natural, o amor, a liberdade e toda forma
não regratizada de produção humana.
Vale ressaltar, no entanto, que o movimento surrealista jamais se
preocupou em ser, ou mesmo representar, uma nova escola poética e artística,
mas sim um movimento envolvendo claras definições morais, filosóficas e
políticas. O Surrealismo nasce com o intuito básico de dar diretrizes verdadeiras
para uma nova forma de produção social
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CAPÍTULO II
O NASCIMENTO DO SURREALISMO
2.1 Antecedentes do Movimento
Vamos começar por volta de 1917, quando André Breton, francês de
Tinchebry e mentor e iniciador do movimento, conheceu Philippe Soupault através
de Apollinaire, poeta e crítico de arte, figura de proa no final da belle époque.
Durante a Primeira Guerra (1914-1918), Breton seguia um curso de
medicina auxiliar, tendo encontrado Louis Aragon, também estudante, no hospital
Val de Grâce. Os dois jovens poetas e Soulpault partilhavam um amor pelos
versos de Rimbaud e Lautréamont e um desprezo, também comum, pelas
cabeças bem pensantes e consagradas como Paul Claudel, por exemplo, a quem
não perdoavam nem o catolicismo, nem as idéias nacionalistas.
A guerra e a carnificina dos campos de batalha, em proporções
consideráveis, exacerbou o sentimento de revolta, plenamente encarnado por
Jacques Vaché, amigo e correspondente de Breton, que se encantava com essa
insubordinação contra os valores da sociedade. A primeira grande guerra e seus
massacres inúteis levaram Breton e seus amigos a despertar um sentimento
imediato de negação e repúdio contra todos os valores vividos naquela época.
Os poetas Pierre Reverdy e Paul Valéry também exerceram influências: o
primeiro, com sua teoria a respeito da imagem poética, e o segundo, que nesta
época já imagem abandonara o Simbolismo, renunciando a escrever literatura,
para explorar todas as formas de seu pensamento. Foi ele quem batizou a
primeira revista de Breton, Soupault e Aragon: Littérature.
O espírito dessa publicação, que apareceu em 1919, abria-se para a
literatura moderna e desprezava o que Rimbaud chamava de “velharias poéticas”.
Além dos diretores, colaboraram nos primeiros números: Valéry, André Gide,
Pierre Reverdy, Blaise Cendrars, Max Jacob e Drico La Rochelle. Alguns textos
9
de Rimbaud e Lautréamont foram publicados, e também algumas
correspondências de Vaché para Breton. Nesta época, dois novos poetas
integraram o grupo de Breton: Paul Éluard e Benjamin Péret, ambos dedicaram-
se imediatamente de corpo e alma ao pensamento e atitude Dadá, movimento de
negação suprema frente a qualquer idéia da época.
Os dadaístas rebelavam-se contra tudo, desejavam a desintegração da
sociedade, com uma ferocidade crítica particular e uma volta ao nulismo na arte.
O movimento, precursor do Surrealismo, trabalhava com efeitos surpresas
em suas obras, assimilando como técnicas a pose e as piadas. A palavra de
ordem era chocar, imitar a complacência burguesa, atingindo dolorosamente com
degradação “dos supremos valores artísticos”, os dodoístas negavam toda e
qualquer existência artísticos e diziam não a tudo.
2.2 Período de Formação
Com o passar do tempo vários integrantes do dada já demonstraram
insatisfação, negação pela negação. Picobio já estava farto e Breton já idealizava
uma inserção num movimento mais amplo, achando que era importante canalizar
o espírito dadaísta numa corrente mais constrituva e conseqüente.
Nasce com esta idéia trabalhos com “espírito surrealista”, contemporâneos
às manifestações dadás, como por exemplo, as criações inerentes às colagens,
que Max Everest expusera em Paris. A exposição impressionou tanto Aragon, que
o mesmo atacou a pintura e optou pela colagem como técnica ideal, uma vez que
esta impede o narcisismo do pintor, levando-o a uma prática mágica. Breton já
experimentara a técnica de escrita automática e editara Les Champs
Magnétiques, primeira obra do período intuitivo do Surrealismo, realizada com a
colaboração de Phillipe Soupault.
Esses anos que antecederam o lançamento do Manifesto surrealista foram
importantes para a estruturação do grupo, que, aos poucos, tornou-se coeso,
fazendo frente a Dadá, graças à polarização das descobertas da escrita
automática e da colagem. As adesões de Roger Vitrac, Georges Limbour, René
Crevel e Jacques Baron, ligados à revista Aventure, enriqueceram o grupo.
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Outros que se aproximaram nessa época foram Antonin Artraud (teatrólogo),
André Masson (pintor) e Michel Leiris (poeta e etnólogo). A revista Littérature, por
sua vez, entra em nova série, dirigida por Breton, Péret, Aragon, Ernst e Éluard. O
Surrealismo encaminhava-se para seu período histórico. O novo grupo não se
limitava a discutir; participava de atividades coletivas: sessões de jogos –
especialmente o cadavre exquis (cadáver delicado) – e sessões de “sonos”, estas
introduzidas por René Crevel, que tivera iniciação espírita, levando os amigos a
interessarem-se por estados de hipnose. Robert Desnos, poeta, que entrara para
o grupo em 1922 levado por Benjamin Péret, é a figura que mais se destaca,
adormecendo com rapidez. Certa vez, completamente inconsciente, pegou uma
faca e perseguiu Éluard. Esses estados hipnóticos não só facilitam o abandono
das normas do cotidiano, levando a momentos de iluminação poética, como
também são propícios a desequilíbrios emocionais. Isso fez com que Breton
interrompesse as experiências. Infelizmente, poucas transcrições foram
guardadas, sendo mais conhecidas as de Desnos, que dizia estar em
comunicação telepática com Rose Sélavy (isto é, Marcel Duchamp).
As descobertas de Freud no interior da psicanálise marcaram e fascinaram
os surrealistas. Breton visitou-o em Viena e durante algum tempo trocaram
correspondência. Cumpre dizer que Breton começara estudos de psiquiatria,
chegando a trabalhar em asilos durante a guerra. Os trabalhos de Freud relativos
aos sonhos e sua teoria do inconsciente forneceram material de extrema
importância para a estruturação do movimento surrealista. O desejo de explorar
os “estados segundos relaciona-se com a buscas dos guardados do inconsciente.
Tanto a escrita automática quanto as sessões de sono hipnótico podem revelar
um discurso rico em imagens, simbologias. A narrativa dos sonhos é transcrita,
cuidadosamente, ao despertar; há uma supervalorização do universo onírico,
devido à riqueza de suas metáforas. A pesquisa desses estudos representa uma
opção de revolta contra as regras da razão, da lógica, do bom-gosto, da moral e
de todas as formas de ideologia ou espírito crítico. Essa aventura interior procura
um poesia mais densa, forte e verdadeira, que, supõe-se, deve estar escondida
sob a realidade. Existe uma surrealidade que precisa ser revelada. Nada pode
substituir o “brilho maravilhoso das frases que batem contra o vidro da janela” no
estado que antecede o sono; retocá-las é crime de lesa-surrealidade. O Manifesto
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do Surrealismo só vai aparecer em 1924, mas as bases e práticas surrealistas já
haviam sido lançadas. Essa corrente iniciática, simultânea à experiência Dadá,
recebeu desta a vitalidade, a ousadia, que contribuíram para a definição do
caminho, mostrando que antes de tudo é preciso se expor para se fazer ouvir e
que a revolta deve sair às ruas.
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CAPÍTULO III
A HISTÓRIA DO MOVIMENTO
3.1 O Primeiro Manifesto
A primeira manifestação surrealista aconteceu em 1925 com a divulgação
do panfleto "Um cadáver", a propósito da morte de Anatole France, prêmio Nobel
de literatura. Os surrealistas não estavam interessados no estilo límpido, nem no
famoso ceticismo desse escritor consagrado e, por isso mesmo, alvo perfeito para
o grupo de jovens lobos mostrarem suas garras. Numa linguagem violenta,
afirmavam que acabava de morrer "um pouco da servilidade humana". E, como
esperavam, a repercussão foi enorme. Como conseqüência funesta, Breton e
Aragon perderam o emprego oferecido pelo colecionador Jacques Doucet.
O Manifesto do Surrealismo, termo emprestado do prólogo da peça Les
mamelles de tirésias, de Apollinaire, contém as seguintes posições: crítica à
realidade e à razão, opostas irremediavelmente às certezas da infância, da
loucura e da imaginação; louvor às descobertas de Freud, no domínio da
psicanálise, e o enaltecimento do sonho. A palavra de ordem do Manifesto será:
"O maravilhoso é sempre belo, qualquer maravilhoso é belo, que seja belo somente o maravilhoso." (Breton, Manifestes..., p.24)
É fato conhecido que os surrealistas desprezavam o romance; apenas o
romance gótico alcança o "domínio do maravilhoso", pois, segundo Breton, ele
não é fantástico, "o fantástico é que ele é real".
A definição de Surrealismo é lançada no Manifesto, baseada no modelo
dos verbetes de dicionários e enciclopédias:
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Surrealismo. S. m. Automatismo psíquico puro através do qual se propõe exprimir, verbalmente ou por escrito, ou de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de qualquer controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estética ou moral. Encicl. Filos. O Surrealismo repousa sobre a crença na realidade superior de certas formas de associação negligenciadas até ele, no sonho todo-poderoso, no jogo desinteressado do pensamento. Ele tende a arruinar definitivamente todos os outros mecanismos psíquicos, substituindo-os para resolução dos principais problemas da vida. (Breton, Manisfestes..., p. 37) .
Em seguida, Breton cita os antecessores do movimento: Swift, "surrealista
na malvadeza"; Sade, "no sadismo"; Poe, "na aventura"; Baudelaire, "na moral";
Jarry, "no absinto"; Roussel, "na anedota"; Saint-John Perse, "à distância";
Reverdy, "em sua casa"; Vaché, "surrealista em Breton". Além de Rimbaud,
Mallarmé e outros.
Depois de apresentar os antecessores, Breton elabora alista de autores
contemporâneos surrealistas: Phillipe Soupault, Roger Vitrac, Paul Éluard, Max
Morise, Joseph Delteil e Louis Aragon, mostrando alguns de seus vários
pensamentos.
Diferentes receituários de práticas surrealistas são apresentados: escrita
automática, maneiras surrealistas de não se aborrecer acompanhado, como fazer
discursos e escrever falsos romances. Essa sessão intitula-se Segredos da Arte
Mágica Surrealista. Aqui se encontra também a "nova maneira de fazer um
poema", juntando, gratuitamente, títulos ou fragmentos de notícias de jornal, por
exemplo:
"Poema Um rebentar de rir
de Safira na Ilha de Ceilão
As mais belas palhas Tem a tez fanada
sob as fechaduras"
Ainda em 1924, no mês de dezembro, aparece La Révolucion Surréaliste,
primeira revista do movimento, dirigida por Péret e Pierre Naville. O grupo de
Breton sabe perfeitamente contra o que está lutando: contra a alienação da
14
sociedade, contra a aceitação dos valores pátria, família, religião, trabalho e
honra. O próprio nome – A Revolução Surrealista – já revela uma vontade latente
de subversão. A finalidade dessa publicação é estabelecer uma "nova declaração
dos direitos do homem". Contra os valores decaídos ou ultrapassados da
sociedade impõe-se os grandes faróis do Surrealismo: a poesia, o amor e a
liberdade: Os textos publicados pertencem a um universo literário subversivo,
como a escrita automática e as narrativas de sonhos. Outra sessão da revista
aborda, sob a forma de pesquisa, assuntos essenciais para o movimento, como o
sexo e o amor. "O suicídio é uma solução?" é o título de outra pesquisa,
infelizmente bastante profético.
Sob direção de Antonin Artaud, foi criado um Bureau de pesquisas
surrealistas, situado à Rue de Grenelle e pronto para recolher qualquer tipo de
comunicação sobre as formas que podem tomar as atividades inconscientes do
espírito. Artaud também foi responsável pela publicação de textos coletivos,
dotados de ardor insurrecional: "Abrir as prisões, licenciar o exército" ou "Carta
aos médicos-chefes dos asilos de alienados".
Essa postura de Artaud, paralela ao seu misticismo e reações paroxísticas,
inquietava Breton, que resolve assumir o comando de La Révolution Surréaliste,
impondo preponderância aos domínios da linguagem, que, para os surrealistas,
deve passar para o primeiro plano, como, aliás, já acontecerá no período da
escrita automática, recurso da linguagem sem dúvida, como já vimos, dos mais
revolucionários.
Na Rue de Château todos eram apaixonados por jazz, cinema, passeios
noturnos, jogos coletivos, conversas e brincadeiras intermináveis. Todavia
Jacques Prévert e Queneau praticamente nada criaram em termos de obras
surrealistas. A explosão viria mais tarde. Após a ruptura, Jacques Prévert e
Queneau vão escrever livros baseados em meios de expressão mais populares, e
suas obras serão magníficas. Duhamel, depois de passar pelo cinema e teatro, irá
dirigir a primeira grande coleção francesa de romances policiais, a Série Noire.
Contudo, no momento da cisão, Breton estava mais preocupado com a pureza e o
rigor do jovem Surrealismo e viu, naquela despreocupação e verve contínuas, um
início de vulgarização do movimento.
15
Em 1926, Pierre Naville abandonou o grupo, aderindo ao comunismo, e
tentou convencer os amigos a deixarem as brincadeiras idealistas e se tornarem
militantes. Breton respondeu com o texto Légitime Défense, afirmando que as
experiências interiores não devem ser controladas de fora, nem mesmo pelo
marxismo.
O caso de Antonin Artaud no entanto, foi mais complicado, o misticismo
cada vez mais pronunciado e a atração pelo Oriente levaram Artaud, no número 3
de La Révolution Surréaliste, a dirigir-se ao Dalai Lama como seu fiel servidor,
pedindo-lhe suas luzes. Durante uma reunião, num café, o grande teatrólogo foi
acusado de manter atividades jornalísticas e teatrais, perseguindo isoladamente
"a estúpida aventura literária". Artaud respondeu com o texto "O Blefe
Surrealista", onde reafirma que o Surrealismo é uma espécie de magia e que a
adesão de Breton e muitos amigos ao comunismo acabou com o movimento. O
engajamento político dentro do Surrealismo rendeu várias cenas e inúmeras
discussões ao movimento.
3.2 O Surrealismo engajado
O grupo, desde seu nascimento, sempre se sentiu atraído por uma idéia de
revolução. Em 1925, Breton leu o livro de Trotski sobre Lénin. Dois anos depois,
apesar da resistência ao marxismo apresentada no texto Légitime Défense,
Breton, Péret, Aranista. Todos tinham passado por um período de autocrítica;
estavam voltados para o questionamento da atividade revolucionária; na ordem
do dia discutia-se a questão da passagem da liberdade do espírito pela libertação
social do homem. Não desejando ligações com militantes, Phillipe Soupault e
Roger Vitrac afastam-se do Surrealismo nesta época.
Nada pode justificar a miséria de uma população sujeita aos interesses de
uma classe social. Os surrealistas, todavia, entendem que a condição humana se
coloca além da condição social. Para "transformar o mundo", como Marx
desejava, era preciso "mudar a vida", segundo Rimbaud. Essas duas palavras de
ordem, para os surrealistas, são apenas uma.
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Para Breton e seus amigos, foi muito difícil aceitar "o primado da matéria
sobre o espírito" e dedicar-se à "tarefa de lutar, prioritariamente, pela
transformação social do mundo". Durante o período que antecedeu sua aceitação
como membros do partido, os surrealistas passaram por incontáveis comissões
que colocavam sempre as mesmas perguntas, especialmente sobre o nome La
Révolution Surréaliste, bastante suspeito, ou sobre os trabalhos de Picasso,
publicados por eles e que não pareciam compatíveis com a revolução. A questão
implícita nesses inquéritos incluía praticamente o fim do movimento, pois para ser
marxista não havia necessidade de pertencer ao Surrealismo. Finalmente, todos
foram aceitos como membros do partido, mas Breton estava desgastado.
Au grand jour é uma coleção de cartas endereçadas aos comunistas, pelos
novos membros, tentando dissipar de vez os mal-entendidos. As tarefas que
recebem incluíam levantamentos sobre a situação social, baseados em
estatísticas de produção. Logo perceberam a incompatibilidade entre a formação
do poeta e a militância, diária. Os surrealistas retiram-se do partido simplesmente,
sem as grandes peripécias ocorridas quando postulavam sua entrada.
Contudo saíram marcados. De agora em diante, Breton vai mostrar que
sua força de combate situa-se em dois planos: num deles, mostrar que os poetas
não são inofensivos sonhadores e estão dispostos a participar de debates
revolucionários; no outro, explicar aos militantes a aberração que é lutar por idéias
sociais avançadas, conservando uma concepção retrógrada da arte.
Esse contato mais íntimo com o mundo da política deixará, para sempre,
profundas marcas no grupo surrealista. Foi uma época de muita discussão interna
no grupo; várias personalidades surrealistas ficaram desgastadas, o escândalo,
instrumento revelador e todo-poderoso, capaz de por a mostra as molas secretas
e odiosas do sistema que era necessário derrubar foi substituído por outra forma
de ação, a política, vinculada diretamente ao comunismo. Anos mais tarde, muitos
companheiros entrarão definitivamente para o partido; outros, a quem a ação
social não interessava, ver-se-ão excluídos. Péret irá, por exemplo, em 1936, lutar
na guerra civil espanhola ao lado dos republicanos. Podemos dizer que o contato
com o marxismo aguçou a consciência social dos surrealistas, mas, para alguns,
não foi suficiente para obscurecer a visão da repressão stalinista.
17
3.3 O Segundo Manifesto
Nos últimos anos da década de 20, alguns artistas plásticos aderiram ao
Surrealismo: Magritte, Victor Brauner, Giacometti. Outros já faziam parte do
grupo: Max Emst, Miró, Man Ray, Tanguy. Picasso, sem ser um membro
constante, colaborou com trabalhos nas revistas e em algumas exposições. A
pintura sempre foi um interesse permanente. Aragon escreveu La Peinture Au
Défi e Breton, Le Surréalisme et la Peinture.
As novas adesões contribuíram para equilibrar o grupo, desfalcado pelos
membros expulsos ou afastados voluntariamente.
O Segundo Manifesto do Surrealismo foi publicado em 1929 no último
número de La Révolucion Surrealiste. Nele Breton fez um ajuste de contas com
seus antigos companheiros.
"Tudo leva a crer que existe um 'certo ponto do espírito onde a vida e a morte, o real e o imaginário, o passado e o futuro, o comunicável, o alto e o baixo deixam de ser percebidos contraditoriamente. Ora, é em vão que se procuraria dar à atividade surrealista um outro móvel que não fosse a esperança de determinação desse ponto." (Breton. Manifestes..., p. 76)
Essa idéia de ponto supremo que ultrapassa um conjunto de pares
antinômicos tem raízes em Hegel, conforme afirma o próprio Breton. Convém
ressaltar também que no pensamento esotérico da cabala, no texto Zohar (Livro
do Esplendor), fala-se de um ponto primordial, o centro místico em torno do qual
os processos teogônicos se cristalizam.
Mas se podemos falar em coincidências sobre a origem do ponto supremo,
Breton adverte que não devemos situá-lo como místico. O único dogma aceito
pelo Surrealismo é a revolta absoluta, a insubmissão total.
Neste manifesto, Breton rompeu com os modelos afirmando que o único
dogma aceito pelo Surrealismo é a revolta absoluta, a insubmissão total; em
matéria de revolta não há necessidade nem de ancestrais, não se deve ocultar os
mortos. Entram na lista negra, entre outros, Rimbaud, Sade, Baudelaire e Poe;
somente Lautréamont escapa. O acerto de contas atinge também antigos
18
membros - Artaud, Georges Limbour, André Masson, Soupault, Roger Vitrac – ,
atacados ferinamente por traição surrealista.
Breton também critica os comunistas e sua óptica estreita, que esquece
deliberadamente as possibilidades do homem, ao colocar a ação social como
prioritária. Ele insiste na postura revolucionária, da qual não pretende abrir mão,
más critica antigos surrealistas que aderiram ao marxismo, como Jacques Baron
e Pierre Naville.
A própria prática surrealista é questionada: a negligência no uso da escrita
automática, a acomodação, a vaidade, a falta de rigor e pureza em que muitos
escorregaram ao operar pelo recurso automático, como se ele fosse uma
simplificação do ato de escrever "literariamente". Breton investe contra Desnos,
de quem não espera mais nada depois que este se voltou para o jornalismo, "para
grande desastre de sua poesia". Os ataques; no entanto, são seguidos pela
reconciliação com Tristan Tzara. Lamentando "passados incidentes", Breton
reconhece que ele não abandonou "a sombra pela presa".
Este Segundo Manifesto abre espaço para pesquisas esotéricas, em
particular para a figura do alquimista Nicolas Flamel. O Surrealismo também
procura a pedra filosofal, que deveria dar à "imaginação afogada pela moral de
tantos séculos sua verdadeira desforra". A mensagem Surrealista deve ser
confrontada com a mensagem esotérica. Temendo a vulgarização do movimento,
o exibicionismo para o público, o esquema de concessões ao mundo, Breton pede
a ocultação profunda, verdadeira do surrealismo.
Aos ataques explícitos neste manifesto, um grupo procura uma resposta e
organiza um panfleto, ironicamente também intitulado "Um cadáver", onde
aparece a foto de Breton com os olhos entrecerrados e aureolado com uma coroa
de espinhos e gotas de sangue. Entre outros, assinam Vitrac, Limbour, Baron,
Queneau, Prévert e Desnos.
Continuam, no grupo de Breton, seus amigos: Péret, Éluard, Aragon,
Crevel e Tanguy. La Révolucion Surréaliste acaba e, por imposição de Aragon, a
nova revista vai-se chamar Le Surréalisme Au Service De La Révolucion ou,
abreviadamente, ASDLR (1930-1933). Apesar de estampar na capa uma adesão
à III Internacional em caso de ataque imperialista à URSS, a revista era
independente.
19
Foi uma época de adesões marcantes para o Surrealismo: Salvador Dali,
Luis Buñuel, René Char e Georges Sadoul entraram para o grupo.
Dali havia colaborado nos roteiros de Le Chien Andalou e L´age d´or, de
Buñuel, criados a partir de imagens insólitas e propositadamente desconexas.
Ado Kirou, teórico do Surrealismo no cinema, afirma que este é a arte surrealista
por excelência, pois cinema e sonho exprimem, através de imagens, o conteúdo
latente da vida. Se o filme Entr'acte, de René Clair, representa o cinema
Surrealista, cujo precursor, Man Ray, dirigia L ´étoile de mer, Retour à Ia raison e
Les mystères du château de Ré, nos quais o elemento onírico é fundamental,
além da preocupação com a fotografia, um dos títulos de glória de Ray.
Esse período viu florescer os objetos surrealistas realizados por Dali, Miró,
Giacometti, Man Ray; mas o elemento-chave, em termos de criatividade, foi dado
por um método de pesquisa e criação idealizado por Dali: a paranóia crítica. A
revista Minotaure, embora independente, abriu suas ricas portas aos membros do
grupo. Textos arquicélebres de Breton foram publicados. Dali, Péret, Tzara e
mesmo Jacques Lacan, que mais tarde seria o papa da psicanálise francesa,
enviaram trabalhos.
3.4 A década de 30
Em 1930, Aragon e Georges Sadoul foram à Rússia, para participar do
Congresso dos Escritores Revolucionários. Voltaram entusiasmados, apesar de
assinarem um documento abrindo mão da plena liberdade de assinarem um
documento abrindo mão da plena liberdade de exploração e expressão artísticas.
Enfim, abrindo mão da marca registrada do Surrealismo. Evidentemente o grupo
não aceitou essa imposição. Aragon tentou contemporizar, ameaçando suicídio, e
o drama arrastou-se por longos meses. Numa reunião em que Dali esboçava um
objeto – um smoking enfeitado com copos de licor cheios de leite – , Aragon,
irritado, disse que o leite poderia ser dado às criancinhas. Mas o pior aconteceria
posteriormente, quando Aragon publica o poema Front rouge, um texto horrível,
feito quase que por encomenda do partido. Ele estava irreversivelmente
comprometido e, a partir de então, jamais se afastaria dos comunistas. O grupo
20
não perdoa e, em 1932, aparecem dois panfletos contra ele: Certificat, de Éluard,
e Paillase!, assinado pelos antigos companheiros, com exceção de Breton. Nesse
momento, a repressão stalinista na Rússia contribui, de modo decisivo, para a
ruptura entre surrealistas e os membros do partido comunista.
O Congresso dos Escritores para Defesa da Cultura, de 1935,
praticamente organizado pelos comunistas, foi marcado por outro incidente: os
surrealistas queriam participar para expor seus pontos de vista; René Crevel lutou
muito para que Breton pudesse fazer um discurso. Ora, o escritor soviético Ylia
Ehrenbourg havia publicado um artigo onde dizia, entre outras inépcias:
"Os surrealistas aceitam muito bem Hegel, Marx e a Revolução, mas o que eles recusam é o trabalho. Têm suas ocupações. Estudam, por exemplo, a pederastia e os sonhos (..)" (Breton, Entretiens, p. 177)
Ehrenbourg também estava no congresso e Breton, encontrando-o na rua,
apresentou-se e o esbofeteou várias vezes. Crevel, extremamente sensível e
vendo a conciliação impossível, suicidou-se. Finalmente, Éluard pôde ler o
discurso de Breton, quando a sala já estava vazia. Apesar desses percalços
violentos, a atração de alguns surrealistas pelo partido nunca deixará de existir.
Em 1935, Tzara aderiu ao comunismo e, em 1938, foi a vez de Éluard.
A década de 30, também assinala a internacionalização do movimento,
novos artistas plásticos se unem ao surrealismo. Foram efetuadas viagens de
conferências para a Tchecoslováquia e Bélgica, que já possuíam um grupo
importante. Na Iugoslávia também foi formado um núcleo de artistas interessados
na pesquisa surrealista. As exposições em Tóquio, Copenhage e Londres
também contribuíram para a sua divulgação. O movimento se renovava, sem,
contudo, perder a exploração automática do domínio do maravilhoso e do onírico.
Ainda nesta época, aderiram ao grupo de Paris o poeta mexicano Octavio Paz e
os artistas plásticos Wolfgang Paalen, Roberto Matta e Jacques Hérold.
Três grandes textos de Breton, desse período, sublinham que a pesquisa
da linguagem, um dos fundamentos do Surrealismo, não foi abandonada.
L'immaculé conception, publicado em 1930 e escrito em parceria com Paul
Éluard, apresenta textos automáticos e simulações de delírios (paralisia geral,
21
debilidade mental, demência precoce e delírio de interpretação). Trata-se de um
trabalho de recriação de certos estados mentais patológicos, tentando mostrar
como é tênue a distinção entre saúde e doença mental. Les vases communicants,
onde Breton mostra a conjunção de sonho e realidade, que são vasos
comunicantes, um dos temas essenciais do movimento surrealista, e L'amour fou,
publicado em 1937, que narra o encontro de Breton e uma mulher em 1934, e seu
passeio por Paris, à noite. L'amour fou apresenta também um texto básico para a
compreensão do projeto estético do Surrealismo, isto é, a noção de beleza
convulsiva e o próprio erotismo velado.
Em 1938, Breton viaja ao México, num programa cultural, e encontra-se
com Trotski. Das inúmeras conversas, regadas com mútua admiração e passando
por cima de discordâncias mais do que naturais, sairia o texto em conjunto: Por
uma arte revolucionária independente. A partir de então, Breton jamais deixara de
defendê-lo, o que aprofundará ainda mais as divergências entre surrealistas e
comunistas, inclusive antigos membros do grupo, como Aragon e Éluard. Anos
mais tarde, em 1950, Breton publicará uma "Carta Aberta" a Éluard, pedindo sua
posição frente à condenação à morte do poeta tcheco Kalandra, amigo de ambos.
Infelizmente Éluard ficará com o partido. Provavelmente doía-lhe lembrar a
citação de Lautréamont, colocada no final do panfleto Cetificat, com o qual
rompeu com Aragon: "Toda a água do mar não seria suficiente para lavar uma
mancha de sangue intelectual".
A organização da FIARI (Federação Internacional da Arte Revolucionária
Independente), tentada por Breton, deveria ter como bandeira a luta contra o
nacionalismo, pois nem trabalhadores nem artistas precisam de pátria. Todavia o
crescente nacionalismo alemão, às vésperas da Segunda Guerra enterrou de vez
o projeto.
Certas declarações de Dali, ironizando os proletários (das quais se
retratou), e o envio de um trabalho a Hitler provocaram sua exclusão do grupo. Se
essa perda não significou muito em termos de amizade, foi danosa à atividade
das reuniões, pois Dali encarnava a animação.
Breton, a partir de então, apelidou-o de AVIDA DOLLARS (magnífico
anagrama de Salvador Dali); este, maliciosamente, mesmo fora do grupo,
continuou-se declarando surrealista e único.
22
3.5 O retorno após a Segunda Guerra
Durante a Segunda Guerra, muitos surrealistas foram convocados. Com a
ocupação da França pelos Alemães, eles foram desmobilizados e tiveram
problemas sérios. Péret esteve preso várias vezes e outros entraram para grupos
clandestinos da Resistência. Meses depois, Breton, Péret, Hans Bellmer, Victor
Brauner, Dominguez, Ernst e Masson refugiaram-se em Marselha, no Comitê de
Socorro Americano aos Intelectuais. Masson, Ernst e Breton conseguiram chegar
aos Estados Unidos. Péret foi para o México.
No exílio, Breton organizou, em outubro de 1942, com Marcel Duchamp, a
Exposição Surrealista de Nova lorque, em prol dos prisioneiros franceses. A
atividade surrealista nos Estados Unidos ganhou novos adeptos e uma revista, a
VVV, dirigida por Duchamp, Breton, David Hare e Max Ernst.
Em 1943, Péret enviou aos surrealistas, refugiados nos Estados Unidos,
um texto sobre poesia, mito e revolução, batizado por eles de La parole est à
Péret. Breton escreveu Arcane 17 e Ode à Charles Fourier. Tanto Péret como
Breton apaixonaram-se pela arte dos diversos povos indígenas das Américas.
Um volume de poesias em honra à Resistência foi publicado, na França,
com o título L'honneur des poètes (A honra dos poetas). Péret respondeu com o
texto Le déshonneur des poètes (A desonra dos poetas), posicionando-se contra
a poesia de circunstância, na qual o texto não ultrapassa o nível de receitas
farmacêuticas laudatórias. Só dos verdadeiros poemas pode sair o sopro da
liberdade. Nem os antigos resistentes nem Aragon perdoaram Péret, que foi cada
vez menos divulgado. Sobretudo porque o papel dos comunistas crescera muito
depois da guerra, quando então passaram a dominar postos importantes na
imprensa, rádios e editoras.
Em 1946, foram editados no livro Manifestes du Surréalisme. Em combate
aberto a todas ideologias e sistemas, Breton lamentava a morte de Freud,
achando incerto o futuro da psicanálise, que poderia deixar de ser um instrumento
de libertação, para se tornar opressora. Realiza alguns ataques, especialmente a
Aragon e a Dali (Avida Dollars), e faz elogios ao poeta Aimé Césaire, que
conhecera numa parada de sua viagem aos Estados Unidos. Manifesta-se contra
qualquer explicação unívoca da realidade: nada do que foi estabelecido pelo
23
homem pode ser considerado definitivo nem deve ser cultuado; talvez nem
mesmo o homem seja o centro do Universo, quem sabe esta um grupo de seres
hipotéticos dotados de uma complexão diferente. Breton estava convencido de
que o homem representava apenas um pequeno fragmento do cosmos.
3.6 As últimas aventuras surrealistas
Já ligado ao Partido Comunista e à ação social revolucionária, Tzara, um
dia dadá e surrealista, foi convidado a fazer uma conferência, na Sorbonne, sobre
o surrealismo e o após guerra. Breton e seus companheiros investiram
furiosamente pela sala, pois Tzara não era mais membro do grupo, e eles
continuavam desaprovando o stalinismo, o partido e o nacionalismo. Para o grupo
era inadmissível alguém, não mais pertencente ao movimento, discursar sobre
ele. Tzara, "com grande malícia dos tempos de Dadá", limitou-se a contemplar o
tumulto.
Nesta ocasião, foi organizada por Duchamp e Breton, a Exposição
Internacional do Surrealismo, com o objetivo de mostrar características
ideológicas do movimento e as aspirações momentâneas a um mito novo e
naturalmente, coletivo que se formava: era a Les grands transparents (As grandes
transparências) que trazia uma releitura do próprio homem. A imprensa e os
surrealistas nunca se entenderam, e a exposição, quando não sofreu ataques
irônicos, obteve pouco espaço nos jornais.
No final dos anos 40, os surrealistas reuniram-se no Café de La Place
Blanche: Breton, Péret, Hérold, a pintora tcheca Toyen, Hans Arp, Bellmer, Ernst,
Matta, Lam, Miró, Man Ray. Em 1948 foi lançado um jornal surrealista: Neon.
Ainda nessa ocasião, o grupo foi agitado pelas expulsões de Matta e Brauner.
Em janeiro de 1949, o jovem poeta Jean-Pierre Duprey enviou alguns
poemas a Breton, que, deslumbrado, convidou-o a participar das atividades do
grupo. Esses textos foram publicados no mesmo ano com o título Derrière son
double. Dez anos depois, ao acabar La fin et Ia manière, Duprey suicidou-se,
enquanto sua mulher levava o envelope com os originais ao correio.
24
No início dos anos 50, foram incorporados ao movimento Robert Benayoun
e Ado Kirou, ligados à revista L'Âge du Cinemá, e também Jean Schuster, Gilbert
Legrand, Michel Zimbacca, Jean-Louis Bédouin e Allain Jouffroy.
Anthologie de l´humeur noir, de Breton, escrito em 1940 e proibido pela
censura de Vichy durante a ocupação alemã, foi reeditado. O humor negro, termo
criado pelo próprio Breton, é o humor do risco aquele que repele a
sentimentalidade e a poesia banal, entre seus grandes participantes estavam:
Swift, Roussel, Duchamp, Cravan, Brisset e muitos outros, além de Lautréamont,
cuja figura é "resplandecente de luz negra".
A galeria L'Etoile Scellée foi inaugurada em 1952; o seu nome mantém
correspondências com a tradição da alquimia. Nesse ano, os surrealistas
assistiram às conferências de René Alleau sobre os textos clássicos da tradição
esotérica. Para ele, a manipulação dos metais e a evolução espiritual
estabelecem entre si relações de identidade e não de mera analogia. Breton não
estava interessado em saber se os livros do passado chegaram completos ou não
aos nossos dias, mas sim que tipo de influência causaram em poetas como
Nerval, Baudelaire, Rimbaud, Lautréamont, Mallarmé, Jarry. Se o Surrealismo
passou por esses autores, cruzou forçosamente com o esoterismo, procurando
nele uma das fontes da poesia. A revista Médium, dirigida por Jean Schuster, dá o
tom das preocupações surrealistas. Uma delas, art brut (conhecida no Brasil
como arte do inconsciente), mereceu a criação, com Jean Dubuffet, da
Compagnie de L'Art Brut, encarregada de recolher exemplos de arte executada
por pessoas isentas de cultura artística: loucos, reclusos, idosos, indivíduos para
quem a arte é, essencialmente, uma livre expressão do inconsciente. Outra
corrente, a arte gaulesa, é importante para o Surrealismo, ao explicitar sua própria
riqueza, seus valores mágicos, o que reforça a proposta de ruptura com a tradição
cultural greco-latina. Finalmente, a arte mágica, aquela que transmite a magia na
qual foi concebida, como nos quadros de Bosche e nas gravuras alquímicas.
Sobre o assunto, Breton e Gerárd Legrand escreveram L'art magique em 1957. O
livro contém numerosos depoimentos de antropólogos, críticos, artistas plásticos e
pesquisadores do esoterismo. O Surrealismo seria, no século XX, o mais digno
representante da arte mágica, desafiando diretamente o senso crítico, e seu
25
imaginário, como nos antigos mitos, exigindo uma interpretação do Universo, uma
integração do homem ao cosmos.
Novos jogos surrealistas foram inventados, talvez os mais requintados na
história do grupo: Um no outro e Mapa de analogias. Os exemplos guardados
indicam a proximidade dessa prática com a literatura; eles mostram com clareza a
visão analógica do mundo, isto é, o próprio fundamento do Surrealismo. Saber
jogar é conservar o espírito da infância, é ter os olhos limpos para a contemplação
do Universo. Atividade coletiva, os jogos mantém acesa a chama do grupo, abrem
espaço para o lúdico, o acaso e a poesia.
Em 1954, Max Ernst, que acompanhara o movimento surrealista desde o
Primeiro Manifesto, aceitou a premiação da Bienal de Veneza e foi expulso do
grupo. O Surrealismo jamais aceitou ser encampado por iniciativas oficiais. O
movimento começa a atravessar uma de suas fases mais trágicas, ligada a
problemas pessoais de seus participantes. Em 1955 morreu Tanguy. Em 1959
morreu Benjamin Péret, "o mais puro dos surrealistas", segundo Breton, e "o
poeta por excelência", para Buñuel. Três suicídios arrasaram o grupo: os artistas
plásticos Dominguez e Paalen e o poeta Jean-Pierre Duprey. Dos fundadores só
Breton continuou de pé.
As reuniões passaram a se realizar no café La Promenade de Vénus. Além
de Breton e Elisa – sua esposa –, Jean Schuster, Joyce Mansour, Gilbert
Legrand, José Pierre, Vincent Bounoure, Robert Benayoun, Radovan lvsic, Jean
Benoît (que realizou o Testamento do Marquês de Sade, imprimindo no peito,
com ferro em brasa, as letras SADE), Jorge Camacho (que desenhou a obra de
Roussel) e Toyen. O brasileiro Sérgio Lima, em 1961, apresentou no café sua
mostra de desenhos e aquarelas.
Duas grandes exposições temáticas – Eros em 1959, e Desvio Absoluto,
em 1965 – foram realizadas em Paris. Em Nova Iorque, elaborada por Duchamp,
inaugurou-se a Surrealist Intrusion in the Enchanters' Domain (1960).
Com o passar dos tempos, vários grupos surrealistas espalharam-se em
muitos países. Em Portugal, o Surrealismo iniciou-se em 1947; entre seus
componentes podemos citar: Mário Cesariny, Pedro Oom, Mário Henrique Leiria,
Cruzeiro Seixas, que organizaram manifestações e exposições coletivas. Na
América Latina surgiram núcleos no Peru, México, Argentina, Colômbia. No Brasil,
26
Sérgio Lima animou um grupo entre 1962 e 1964. A cidade de São Paulo foi
tratada como Paris já o fora pelos surrealistas. Entre as obras publicadas
podemos citar: Piazzas e Paranóia, de Roberto Piva (com fotos de Wesley Duke
Lee); Amore, de Sérgio Lima, impresso litograficamente com texto manuscrito, e
Anotações para um apocalipse, do poeta Cláudio Willer. Paulo Antônio Paranaguá
realizou o premiado filme Nadja. Desde 1965, o grupo começa a articular a
Exposição Surrealista de São Paulo, que Breton supervisiona de Paris. Os artistas
plásticos Flávio de Carvalho e Maria Martins deram seu apoio. A exposição foi
inaugurada na Fundação Armando Álvares Penteado em 1967. O único número
da revista surrealista brasileira A Phalla apareceu no mesmo ano.
Um ano antes, no dia 28 de setembro, morreu Breton. Na notícia fúnebre
apenas constava:
"André Breton 1896 - 1966
Procuro o ouro do tempo"
Frase tirada de seu texto Discours sur le peu de réalité. As reuniões no café não
foram suspensas. A presença de Elisa incentivava o grupo a continuar.
L'Archibras, a última revista, foi publicada na tentativa de conservar a coesão e a
coerência dos companheiros.
Entretanto, Breton e seu poder carismático eram insubstituíveis: não havia
espaço nem vontade para admitir um sucessor. Em 1969, Jean Schuster assinou
um documento dissolvendo o grupo. Em vários países, o movimento continuou,
mas os anos históricos e toda a mágia aventureira e instigadora, talvez agora
míticos, tinham se acabado.
A poética surrealista, agora, ficaria imortalizada em suas obras, filosofias e
atitudes, que ecoarão infinitamente através do tempo.
27
CAPÍTULO IV
O PROCESSO CRIATIVO E SUAS INOVAÇÕES
4.1 A escrita automática
A escrita automática, sem dúvida, foi um dos feitos mais revolucionários e
marcantes do movimento surrealista, tornando-se inclusive um desafio direto a
cânones de composição, consagrados dentro da literatura: descarta a rima, a
métrica, e as formas tradicionais de organização da linguagem literária,
procurando com seu novo discurso recuperar amostras do funcionamento do
inconsciente.
O primeiro livro dessa nova maneira de escrever chamou-se Les Champs
Magnétiques; Breton e Soupault escreveram-no sem premeditação, sem plano,
tema ou correções. A experiência ficou em segredo durante duas semanas.
Depois de pronto o manuscrito, um riso triunfal tomou conta de ambos, pois
continha o gosto da libertação das normas da literatura.
No Primeiro Manifesto há uma parte – Secrets de L'art Magique Surréaliste
– que explica como deve transcorrer a atividade automática na literatura:
"Faça com que lhe tragam com o que escrever depois de ter encontrado um local, tão favorável quanto possível, para a concentração de seu espírito nele mesmo. Coloque-se no estado mais passivo, ou receptivo, que puder. Abstraia sua genialidade, talento e também os dos outros. Diga que a literatura é um dos mais tristes caminhos que levam a qualquer canto. Escreva depressa sem tema preconcebido, bem depressa para não recordar e não ficar tentado a reler. A primeira frase virá sozinha (..) Continue por quanto tempo quiser. Fie-se no caráter inesgotável do murmúrio." (Breton, Manifestes..., p.42)
A escrita automática não procura ser um fazer literário, é espontânea,
não-dirigida, mas, quando se converte em técnica para fazer literatura, ela tende a
28
desaparecer e perde intensidade, deixando de ser "brilho puro", e mesmo
surrealista. O importante nesse procedimento é o que ele revela enquanto
afloramento da linguagem interior do sujeito. O processo de automatismo da
escrita crava um golpe irremediável na vaidade literária; a noção de autor, como o
eleito dos deuses, desqualifica-se numa obra escrita automaticamente. O
importante, nesse ato, não é o sentido, mas o rápido movimento da escrita. Os
escritos dos médiuns em transe, que recebem ditados ou desenham imagens,
inclusive, aproximam-se bastante da descoberta de Breton.
O discurso automático da escrita rompe com as formas tradicionais de
poesia; o soneto, por exemplo, é considerado uma estrutura retrógrada para
canalizar o fluxo ininterrupto de imagens que nascem do inconsciente. Esse
discurso automático, com surpreendentes imagens, aponta uma nova literatura,
cujo fator capital não é o projeto nem a realização e, sim, a gênese. No ato da
criação, o poeta incorpora, simultaneamente, os domínios do sonho, do mágico e
do maravilhoso. O direito de explorar seu próprio discurso deve ser concedido a
todos; "todos são videntes". O ditado mágico-poético pode ser alcançado com
lápis e papel. "O Surrealismo está ao alcance de todos os inconscientes."
A descoberta admirável dessa escrita sem dúvida permanece como um
dos pontos culminantes do Surrealismo, muito embora sua história passe também
por problemas de várias ordens é muito difícil abandonar-se completamente do
fluxo poético; portanto é praticamente impossível fazer um texto cem por cento
ditado pelo inconsciente. Outro problema é a tentação de corrigir o texto, ou
gramaticalmente ou do ponto de vista da pontuação. Eliminar passagens sem
sentido aparente toma-se, às vezes, necessário no momento da publicação. Mas
há questões mais graves ainda: o uso imoderado da escrita automática conduz a
alucinações visuais; Breton criador da escrita achava mesmo que a prática
prolongada e sistemática, especialmente quando o "ditado" era muito rápido,
poderia levar à morte.
As alucinações visuais nascem durante o ato de escrever
automaticamente, e pode acontecer que não tenham relação direta, e nem
mesmo remota com o assunto que se desenrola no papel; nesse caso,
contribuem para desorganizar a escrita ou então resultam num freio dessa
atividade. As imagens visuais podem causar, também, problemas do tipo
29
dissociação mental, como ocorreu com as sessões de sono hipnótico. A escrita
automática é revolucionária, mas deve ser bem interpretada para seu bom uso.
Evidenciando os prós e os contras, e buscando seu verdadeiro sentido,
observamos no geral que a escrita automática acaba se relacionando diretamente
com a formação, visão do mundo e aspirações de seu praticante. A riqueza de
suas vivências, de seu vocabulário ou de suas leituras podem constituir, sim,
dados importantes para a obtenção de um texto mais denso e diversificado.
Aragon colocou, certa vez, que imbecilidades escritas automaticamente não
deixam de ser imbecilidades. O bom uso dessa atividade caminha paralelamente
à percepção daquele que escreve. A escrita automática trouxe um novo rumo
para a atividade literária, lançando uma forma inovadora frente a própria estética
da literatura e dando alicerce real e diretrizes ao processo literário como um todo.
4.2 A prática do sono e os estados segundos
O Surrealismo passa por três práticas, através das quais procura descer ao
interior do sujeito: a escrita automática, as narrativas dos sonhos, e o sono
hipnótico, recursos que visavam a uma libertação do espírito frente às regras
literárias, aos tabus e às normas de conduta que costumam pesar no livre uso da
imaginação. O conhecimento pleno do homem pelo homem, para os surrealistas,
deve ser seu voto mais profundo.
O nascimento da escrita automática está associado ao interesse poético de
certas frases entreouvidas antes do sono, ou logo depois do despertar, instantes
em que a consciência do sujeito quase que se coloca entre parênteses. Breton
chega a afirmar que um murmúrio é suficientemente poético. Para o movimento
surrealista, a magia é pura poesia, e não um pacto com supostas potências
ocultas.
A anotação dos sonhos é uma prática amplamente realizada dentro do
surrealismo. Em Les Vases Communicants, Breton descreve e analisa vários
sonhos, mostrando a poesia latente e sua comunicação com fatos registrados em
sua ordem cotídica. Freud já escrevera trabalhos a respeito, mas ainda era pouco
divulgado na França. Sonho e realidade entretêm relações ambíguas e proféticas,
30
daí a necessidade de observá-las. Cabe ao poeta criador operar essa prática de
forma produtiva.
A terceira prática está ligada diretamente aos estados segundos, que,
basicamente, são estados inconscientes, nos quais o sujeito "adormecido" realiza
atos de expressão automática. É conhecida como "sessões de sono". Introduzido
por René Crevel, que tivera em sua bagagem uma forte iniciação espírita, o
processo era muito simples: na obscuridade da sala, em silêncio, uma cadeia de
mãos formava-se sobre a mesa; Crevel conseguia dormir e proferia frases como
um oráculo grego. Após esses sonos, ao acordar, o participante perde a noção do
que proferiu. Isso garante a limpeza de um discurso feito exclusivamente a partir
do murmúrio do inconsciente.
Essas práticas foram de grande importância na temática surrealista. O que
interessava nas reuniões era a possibilidade apaixonante de escapar às injunções
que normalmente pesam sobre o pensamento de uma pessoa acordada, que se
amarra às percepções sensoriais imediata, à moral, à cultura ou à ideologia de
sua sociedade. O grupo buscava uma libertação a qualquer tipo de espírito crítico
em cada reunião.
A sessões de sono, relacionadas aos estados segundos, com o tempo, foram
abandonadas em virtude de considerações de higiene mental e se tornando
mesmo perigosas. Os sonos, mais do que a escrita automática, estavam
ocasionando desordens sensoriais aos adormecidos. Nesse estado, alguns se
sentiam compelidos a atos impulsivos e as vezes até dramáticos. Uma noite,
quando várias pessoas adormeciam na casa de Picabia, alguns adormecidos
desapareceram e foram encontrados tentando enforcar-se. Robert Denos, certa
vez, somente conseguiu despertar de seu sono profundo com intervenção
médica. As sessões forma então suspensas pelo grupo.
O gosto por estudos do psiquismo humano, mais tarde, ainda passou pelos
campos do patológico, L'immaculeé concepción, de Éluard e Breton simula
delírios de diversas formas de alienação mental. Salvador Dali, cria o método
crítico-paranóico, baseado em associações delirantes, sob forte inspiração de
Freud. A atividade crítica de Dali foi um método espontâneo de conhecimento
irracional, baseado na associação crítico-interpretativa dos fenômenos dos
31
delírios. A paranóia-crítica organiza e produz o acaso objetivo, ao mesmo tempo
que celebra as fobias dalinianas.
O lado escondido e obscuro da realidade sempre seduziu os surrealistas,
que se colocaram a seu inteiro serviço na busca da poesia, "centelha mágica da
surrealidade".
4.3 As imagens e o acaso objetivo
O Surrealismo ampara-se na criação das imagens e espelhas-se nelas.
Para os surrealistas as imagens ajudam a aproximação do sonho: elas são as
fagulhas que escapam do inconsciente, referindo basicamente uma visão
analógica do mundo; são como uma chave para a vida, um guia para a obra e
qualquer criação.
Para Breton, as imagens surrealistas falam por sua própria existência, não
adormecem, são como as do ópio, que não são evocadas, mas falam por si só. A
escrita automática é um grande meio de produção de imagens, as quais guiam o
espírito e o deleitam. Para os surrealistas, a imagem é uma criação pura do
espírito, inspiradora da própria poética surrealista. Nenhuma atividade do grupo
acontecia sem um vínculo direto das imagens criadas a uma produção surreal.
O termo "acaso objetivo" vem de Hegel. Filosoficamente é o "lugar
geométrico das coincidências". Para Friedrich Engels, a causalidade só pode ser
compreendida em relação com a categoria do acaso objetivo, forma de
manifestação da necessidade.
Sobre o termo curioso, idealizado na produção surrealista, Michael
Carrouges escreveu um texto reflexivo:
O "acaso objetivo" seria o conjunto das premonições, dos encontros
insólitos e das coincidências atordoantes que se manifestam de tempos em
tempos, na vida humana. Esses fenômenos aparecem como sinais de uma vida
maravilhosa que se revelaria intermitentemente no decurso da vida quotidiana.
32
Evidentemente há semelhanças entre os presságios, presentes na vida de
vários povos, e os sinais do "acaso objetivo". Este, porém, não resulta de um
sistema codificado, e muito menos institucionalizado, e sim de aventura, quase
sempre encontrada no cotidiano dos grandes centros e lugares saturados de
pessoas e suas relações. O "acaso objetivo" surrealista, muitas vezes, pode ser
encarado como a escrita automática do destino. Todavia, nem sempre é
exaltante; às vezes, decepciona, pois, mesmo cercado de explosões do
maravilhoso, pode não conduzir a parte alguma.
O "acaso objetivo" está diretamente ligado às premonições, encontros
fulgurantes, coincidências do destino e as próprias produções dos sonhos –
temáticas adoráveis do surrealismo. Nadja, publicado em 1928, é um dos pontos
culminantes do "acaso objetivo" e enaltece a produção poética do amor no
Surrealismo.
Para André Breton e todo o grupo, a amizade e o amor constituem peças
favoráveis à aparição do "acaso objetivo", que pode ser visto como a projeção de
um desejo que se materializa num objeto, num encontro exaltante. O "acaso
objetivo" é encontrado nos próprios acontecimentos e encontros promovidos pelo
destino.
4.4 Os jogos surrealistas
O jogo também é um pretexto para a criação de imagens poéticas no
surrealismo. A literatura e o jogo são faces indivisíveis da mesma moeda; o
enaltecimento da linguagem está presente até nos momentos lúdicos do grupo. A
própria escrita automática está envolta neste processo e pode ser vista como um
jogo. Para os surrealistas, o jogo sempre foi uma atividade coletiva de
fundamental importância, reforçando, antes de tudo, espírito de união do grupo e
a atitude de criação poética.
Em um depoimento, Paul Éluard fala sobre essas sessões:
"...freqüentemente é de bom grado vários de nós nos reuníamos para juntar
palavras ou desenhar fragmentos de personagens. Quantas noites passadas,
criando com amor toda uma multidão de cadavre exquis. A rivalidade consistia em
33
quem encontraria mais encanto, mais unidade, mais audácia nessa poesia
determinada coletivamente. Não havia mais preocupação alguma, nós
brincávamos com as imagens e não havia perdedores".
O primeiro e mais famoso jogo é o Cadavre exquis (cadáver delicado),
jogado por cinco pessoas. Cada uma anota, sem que ninguém veja, um
substantivo que será o sujeito da frase. Dobrado o papel e passado ao vizinho,
todos escrevem um adjetivo, sem saber que substantivo se escreveu. Segue-se
um verbo, outro substantivo e adjetivo para o complemento. A primeira frase
obtida batizou o jogo: "O Cadáver Delicado".
Para Michael Carrouges, esse jogo é uma espécie de escrita automática,
pela espontaneidade e despreocupação que cada jogador escrevia. Para Breton,
o cadavre exquis é um meio infalível de isenção da mentalidade crítica, liberando
a atividade metafórica, característica forte, dentro do processo poético do grupo.
Outro fator fundamental é a obtenção de um resultado coletivo, no qual o acaso é
o organizador do maravilhoso.
Com o tempo, outros jogos também foram inventados pelo grupo. Entre
eles, o jogo das perguntas que colhia verdadeiros encontros estonteantes (uma
pessoa fazia a pergunta e outra respondia, sem tê-la escutado); "Um no Outro";
descoberto em 1953, um jogo que envolvia correspondências, aproximando-se de
enigmas; "O Mapa de Analogias", baseado em um esquema curioso de dados
pessoais das carteiras de identidade de cada jogador.
Cada jogo surrealista representava para o grupo o puro ato de prazer,
coloca entre parênteses o princípio da realidade, exige de seus participantes a
paixão da entrega. Criador violento e gratuito de imagens, o puro ato de jogar é
uma aventura surreal, no seio da linguagem e da literatura. A busca de uma
auto-afirmação dos participantes, frente aos objetivos criadores e a ideologia do
próprio movimento, ficava evidenciado em cada sessão.
34
CAPÍTULO V
O SURREALISMO E AS ARTES
Toda a concepção surrealista da arte já nasce com o sentimento de pensar
e com o próprio manifesto surreal. A arte surrealista também não é encarada
como diversão, mas como um desafio direto ao status quo. O poeta surrealista
mexicano Otávio Paz escreve bem sobre o assunto: "O Surrealismo propõe não
tanto a criação de poemas, mas a transformação dos homens em poemas vivos".
O critério aplicado pelos surrealistas a uma obra de arte é sua capacidade de
provocar uma verdadeira transformação nos que entram em contato com ela,
despertar uma reação afetiva qualitativamente semelhante à que é despertada
pela visão da mulher amada.
Os surrealistas adotam a arte como forte vertente no movimento, porque
acreditam que seja a melhor maneira de registrar a vida interior ou de conferir as
imagens, as formas de realidade e de projeto dos seus desejos. O Surrealismo
sempre mostrou personalidade forte em suas atitudes artísticas e tem uma
relação direta e verdadeira com os diversos tipos de artes produzidas pelo
homem.
5.1 O Surrealismo no teatro
O Surrealismo legou ao teatro moderno dois nomes revolucionários:
Antonin Artaud e Roger Vitrac. Artaud, violento defensor de uma arte que
chamava "crueldade", propunha um novo espírito ritualístico no drama, derivado
de suas pesquisas no teatro "Kabuki" oriental e nas encenações de grupos
primitivos da Ilha de Bali. Foi um dos mais atormentados e "malditos" criadores do
século. Incompreendido dentro do próprio surrealismo, queria encenar Stridberg
35
na porta da embaixada da Suécia. Morreu praticamente louco em lury, em 1948.
Roger Vitrac, um dos primeiros a aderir ao grupo, ficou bastante conhecido,
através da montagem de sua peça "Victor ou As Crianças no Poder”. Foi
introdutor da imagística surreal em seus textos dramáticos, repleto de um feroz
humor. Autor de trabalhos poéticos, seu forte, no entanto, era o teatro, onde fez
sucesso com peças como Victor, O Golpe de Trafalgar e O Sabre de meu Pai.
5.2 O Surrealismo nas artes plásticas
Não este uma arte suprema para os surrealistas, mas a pintura, assim
como a poesia, marcou de forma intensa a produção artística do movimento. Foi
na pinturas e na poesia que o grupo melhor expressou seu entrelaçamento com o
inconsciente descoberto por Freud e com elucubrações dos primórdios da Teoria
da Relatividade, de Einstein.
A pintura Surrealista traz uma justaposição de tintas, executadas de tal
maneira, que deixa transparecer uma clara imagem poética. Pintura e poesia são
no surrealismo atividades conciliáveis. O interessante é que, em nenhum
momento, o Movimento Surrealista se preocupou com uma suposta formação de
uma escola de pintura para a posteridade. Em suas inúmeras obras, o
surrealismo traz o belga René Magritte, cujo senso de metalinguagem antecedia a
pop-art e preparava o "avesso do olho" na arte moderna; os quadros do
grego-italiano Giorgio De Chirico que dão a sensação de vazio e de infinito,
aproximando-se das emanações obtidas durante os sonhos. As telas de Salvador
Dali, com um traço acadêmico herdado de Goya e Velasques, admitem a fusão do
supra-real no consciente, com uma abertura plástica destruidora. As atitudes
revolucionárias e as obras desconcertantes de Marcel Duchamp, que conseguiu
excluir da arte qualquer sentimento artístico, e até mesmo de emoção. Duchamp
foi o inventor dos ready mades, objetos fabricados em série, sem emoção estática
e indiferentes, do ponto de vista visual. Suas obras adivinham a chegada do
homem mecânico e da ciência misteriosa.
Yves Tanguy mostra suas obras as paisagens abstratas, que se
assemelham a cidades do futuro, devoradas pelo estrôncio e colocadas em
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imensos desertos de cores mortas. Paul Delvaux e suas mulheres nuas recriam a
Arte Renascentista, com um toque de frieza erótica e uma sensibilidade mármore
do corpo feminino. A cada feito, a arte plástica tradicional estava sendo
derrubada.
Max Ernst, que acompanhou a formação do movimento e em 1922 pintou o
grupo da Littérature na tela Au Rendez-Vous Des Amis, traz em seu surrealismo
misto suas colagens desconcertantes e o frottage (técnica de riscar com grafite
uma folha de papel em qualquer superfície irregular). André Masson fazia
desenhos automáticos, deixando suas mãos rabiscarem rapidamente e falarem
por si só. Ainda aparecem de forma marcante os objetos de funcionamento
simbólico de Giacometti, as transparências exóticas de Jacques Herold e os
trabalhos fílmicos e fotográficos do admirável norte-americano Man Ray, também
participante ativo do Ready Masters, cujo exemplo mais famoso é Presente, um
ferro de passar roupas com uma coluna de pregos, e o eterno Jean Miró que,
inclusive, apresentou Dali ao movimento. Em sua fase surrealista, o pintor
abandonou a realidade pelo imaginário e aderiu, por completo, ao automatismo
pregado por Breton e todo o grupo, Miró chegava a ficar três dias sem comer para
ter alucinações e desenhar monstros em sua fase de pinturas selvagens". As
artes plásticas, como um todo, foram peças vitais e participativas dentro do
movimento.
5.3 O Surrealismo na poesia
A poética surrealista rompe naturalmente com vários modelos literários
anteriores. No entanto, algumas raízes estão vinculadas ao próprio nascimento do
movimento. Os surrealistas interessaram-se pelos românticos e iluminados
Novailis, Blake, Coleridge, Holderlin. Na França, seus poetas preferidos eram
Nerval, Baudelaire, Lautreamont e Rimbaud. Breton afirmava que todos eles
tentam forçar a portas do mistério, na busca da recuperação dos poderes originais
do espírito. Mais próximos de seu tempo, os poetas simbolistas sugeriam e
influenciaram os primeiros versos de Breton, Éluard, Soupaul e Aragon. A ruptura
definitiva com o simbolismo viria, primeiramente, com a adesão à Dadá e,
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posteriormente, com os primeiros textos automáticos, quando se abandona o
poema extremamente trabalhado, em favor do fluxo incontido do automatismo.
Mas, incontestavelmente, embora o Movimento Surrealista pretendesse buscar
uma linguagem mais natural e distante de "literatura", o vocabulário luxuriante e
precioso dos simbolistas são encontrados em suas obras no decorrer do caminho
Surrealista.
Enquanto os poetas românticos se fixavam no gênio do autor e os
simbolistas enfatizaram a obra, a poesia Surrealista afirmava que a experiência
poética não poderia prender-se apenas ao poema. Os Dadás propunham que não
seria preciso fazer versos para ser poeta. A poesia Surrealista não concordava
com esse pensamento, e desejava, inclusive, confundir-se com a própria vida; o
poema era tão importante quanto o práxis de todos os dias. O silêncio de
Rimbaud também poderia ser uma experiência poética. Os surrealistas
abominavam o escritor profissional, não queriam nada com a literatura, pois
nunca desejaram fazer parte de escolas literárias ou artísticas.
A poética Surrealista valoriza, no ato criador, a espontaneidade, o
automatismo e o acaso. A escrita automática foi um desafio revolucionário direto,
frente às regras literárias. Para os surrealistas a página escrita não deve ser
corrigida e nem apagada; o discurso produzido, seja qual for, deve ser corrigida e
nem apagada; o discurso produzido, seja qual for, deve ser enaltecido e mantido,
pois estará sempre buscando uma recuperação e auto-afirmação de amostras de
funcionamento do inconsciente. Lautreaumont diz que a poesia pode e deve ser
feita por todos. No surrealismo, esse pensamento está vivo, a figura do artista
desce do pedestal, pois a fonte do automatismo, que para os surrealistas é a
própria poética, passa a ser apenas o psiquismo do poeta.
André Breton, Louis Aragon, Robert Desnos, Paul Eluard, Benjamin Péret,
René Char, Jacques Prévert, Raymond Queneau, Phillipe Soupault, Michel Leiris,
Jacques Vaché foram alguns dos nomes que trouxeram à poesia moderna
diretrizes inovadoras, marcantes e revolucionárias, dentro do processo de
produção poético-literária. Em Nadja (1928) L'Amour Four (Amor Louco -1937),
por exemplo, Breton traz uma dedução da experiência pessoal que ocorria com
todos os tipos de trocas sutis entre determinismos ou acasos exteriores e as
operações internas do psiquismo. Robert Desnos, o mais ativo participante da
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época dos sonos, era um mestre do mundo onírico. Aragon esquadrinhava o
maravilhoso na Paris da época, desvendando uma misteriosa beleza, sob a
superfície trivial das coisas, sem falar no poeta do amor por excelência – Paul
Éluard –, que em cada poema produzido parecia celebrar o amor, com uma
pureza despojada, conferindo um caráter sacro à sensualidade profana. Todos os
poetas participantes do movimento levaram suas obras poéticas à imortalidade do
surrealismo para toda a história. O movimento surrealista oferece uma outra visão
de mundo em suas atitudes artísticas, onde práxis e poesia caminham
entrelaçados: para o Surrealista, viver plenamente é viver a própria poesia.
5.4 O Surrealismo no cinema
É difícil dizer em qual das artes o surrealismo mostrou-se da forma mais
explícita. Na realidade, em todos. O cinema, arte popular indissoluvelmente ligada
ao cotidiano, representa imagens vivas na produção surrealista. Nele, o
surrealismo buscou recursos infinitos para seu imaginário. O pensamento
Surrealista aparece de forma puritana e real na arte cinematográfica. As imagens
dos filmes surrealistas evocam menos o mundo conhecido do que aquele que nos
falta conhecer. A imagem cinematográfica não afirma, ela demonstra; ela não
persuade, impõe ao expectador as conclusões que ele não pode rebater de
imediato, a não ser momentos depois, uma vez fora da sala, ao recuperar a luz
das ruas e de seu pensar. O cinema é capaz de viver pelo choque visual, e isso, é
em sua plenitude criadora surrealista.
A relação imediata e paralela do início do surrealismo com o cinema é bem
conhecida. A época de gestação do movimento coincide com os primeiros
grandes sucessos do cinema mudo. Era uma época de disputa entre o filme
documentário e o de vanguarda. Francis Picabia tinha criado com Erik Satie e
René Clair o filme Dadá Entreato. Antonin Artaud escreveu com Germaine Dulac,
La coquille et la clergyman (A concha e o pastor). Georges Hugnet escreveu A
Pérola, Marcel Duchamp concebeu Anemic Cinema, Man Ray realizou A estrela
do Mar, com base no roteiro de Robert Desnos Emak Bakia e O mistério dos
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Castelos de Dados. Os irmãos Prévert em O negócio está feito assinalaram um
universo absurdo que consistia o reverso admitido de Jean Renoir.
Com a estruturação e formação do movimento, o amor pelo cinema se
refletia nos próprios Manifestos surrealistas. O grupo listava suas preferências em
relação a sétima arte; os filmes burlescos de Mack Sennett e as comédias
anárquicas dos irmãos Marx ou W.C. Fields figuravam ao lado de películas de
pura exaltação como Os Vampiros, Nosferatu e Peter lbbeston. Mas, o mestre
reconhecido, aquele que encarnou por completo o espírito surrealista em suas
obras cinematográficas foi o espanhol Luis Buñuel, em uma época em que o
cinema contornava o romance em sua relação com o real.
O primeiro filme verdadeiramente surrealista foi produzido em 1929 por
Luis Buñuel e Salvador Dali. Nascia Un chien andaluz (Um cão andaluz) do
encontro dos sonhos de seus criadores. Foi a primeira bomba escândalo do
cinema surreal, um impacto para a sociedade conservadora, agora toda a criação
cinematográfica evidenciava-se como pré-surrealista ou mesmo Dadá, apesar do
crítico Surrealista Ado Kyrou colocar La coquille et Ia clergyman como primeiro
filme Surrealista. O grupo, no entanto, aplaudiu de pé a produção de Buñuel e
Dali, e vaiou a produção de Dulac, não aceitando-a como Arrealista.
O também escandaloso e maravilhoso L'âge dor (A idade do ouro), de Luis
Buñuel, foi a segunda criação do cinema surrealista. Explode outra bomba
escandalosa. O choque foi imediato e gerou violência em sua estréia. L'âge dor
mostrou em sua amplitude o sentimento surreal, sendo orquestrado por todo o
grupo surrealista como um acontecimento revolucionário, desencadeando
ataques de extrema direita e a proibição imediata da película. L'âge dor, durante
muito tempo, foi grande referência do movimento, custando para seu criador um
doloroso exílio na América do Norte. O filme ficou proibido durante cinqüenta
anos.
Após a Segunda Guerra Mundial, Breton retorna a França e se depara com
uma nova geração saída da cinemateca que estava explorando o cinema como
terra virgem. No oposto a super estimada Nouvelle Vague de Godard, Truffaut e
outros, tentava nascer uma outra geração cinematográfica surrealista. Zimbacca,
Ado Kyrou, Robert Benayoun estavam iniciando algumas realizações de
longa-metragens. Lançaram-se em conjunto na produção de experiências
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inéditas, que traziam em suas temáticas a busca de uma ampliação irracional de
filmes, noticiários surrealistas, através de uma técnica de colagens de sombras.
Depois de um longo interlúdio mexicano, do qual se estacam produções como "O
alucinado”, "O anjo exterminador" e “Simão do Deserto”, e após outro intervalo
Espanha, onde exorcizou as lembranças da terra natal ("Viridiana" e "Tristana"),
Luis Buñuel volta a França. Logo volta a arrematar obras impressionantes
totalmente entregues ao onirismo e à subversão: “O estranho caminho de São
Tiago", "O discreto charme da burguesia", "O fantasma da liberdade", entre
outros, confirmam a supremacia incontestável sobre qualquer produção de
cineastas oriundos do movimento.
Vários mal entendidos cultivados pelos próprios críticos em seu tempo
torna confusa uma melhor apreciação sobre o cinema Surrealista. Muitas vezes
não se sabe ao certo quais os filmes que representam o cinema Surrealista em
sua plenitude. Na realidade, existem os filmes pelos quais os surrealistas se
interessavam (freqüentemente películas de um certo gênero: fantásticos, de
suspense, comédias musicais); os que exploravam ou mesmo se acoplavam a
uma temática surrealista (o expressionismo e a avant garde francesa); os
realizados por determinados surrealistas e que geralmente eram puros estudos
pessoais; e enfim, as películas que implicavam nos valores fundamentais e
filosóficos do movimento, os únicos aptos e habilitados a representá-los são
aqueles de Luis Buñuel e somente eles, que além de produzir, foram fiéis a
verdade temática surrealista. O cinema surrealista e Buñuel são eternizados em
mostras cinematográficas nas diversas salas de cinema pelo mundo.
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CAPÍTULO VI
CONCLUSÃO
O movimento surrealista deixou infinitas idéias e conquistas frente às
necessidades. O Surrealismo, em sua essência, sempre desejou a liberdade do
espírito humano mostrando-nos que atingir o âmago do ser é lutar pela sua
liberdade integral, em todas as frentes, em todas as horas. Representou um polo
de revolta contra tudo o que mutila a vida interior do homem, tudo o que sufoca
sua imaginação. O espírito surrealista, cada vez mais, cresce, mostrando-se vivo
e sendo lembrado em exposições, seminários, amostras, filmes e no próprio
pensamento de personalidades vivas do globo terrestre, imortalizando as artes
plásticas, o cinema, o teatro, a poesia e todas as atitudes revolucionárias do
mundo surrealista. Aqueles que se identificaram verdadeiramente com a filosofia
do movimento, podem estar abrindo portas definitivas para uma busca de
concepções inovadoras para o seu próprio crescimento intelectual. O Surrealismo
nunca morrerá, pois suas obras e seu pensar permanecerão vivos, falando por si
só, mostrando eternamente que a poesia sempre estará em toda a parte e em
todos os lugares do sentir humano.
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BIBLIOGRAFIA
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BOSQUE, Alain. Diálogos com Salvador Dali; Rio de Janeiro, Mundo Mundial,
1966.
BRETON, André. Os manifestos surrealistas; Brasiliense, 1975.
BUÑUEL, Luis. Meu último suspiro; Nova Fronteira, 1977.
CARROUGES, Michel. Textos de Análises.
DUPLENIS, Yves. O Surrealismo. São Paulo, Difusão Européia do livro, 1963.
KYROU, Ado. Le Surréalisme au Cinema; Paris, Le Terrain Vague, Eric Losfeld,
éditeur, , 1963.
LIMA, Sérgio. A aventura surrealista; Campinas, Vozes, 1995.
MOURÃO, Sylvia Rhéa. Da Influência Surrealista na estética contemporânea;
Pallas, 1974.
NADEAU, Maurice. História do Surrealismo. São Paulo, Perspectiva, 1985.