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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E
DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATU-SENSU”
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
A EDUCAÇÃO CRIATIVA DO MOVIMENTO
RELACIONADA À FUNÇÃO TÔNICA
por
VERA LÚCIA OLIVEIRA ARAÚJO DA SILVA
ORIENTADORA: FABIANE MUNIZ
RIO DE JANEIRO
2004
1
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E
DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU-SENSU
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
A EDUCAÇÃO CRIATIVA DO MOVIMENTO
RELACIONADA À FUNÇÃO TÔNICA
por
VERA LÚCIA OLIVEIRA ARAÚJO DA SILVA
Trabalho monográfico apresentado como condição prévia para a
conclusão do Curso de Pós - Graduação, Latu-Sensu em
Psicomotricidade.
Rio de Janeiro Março/2004
2
Dedico esse trabalho a todos os professores, colegas e estudiosos do movimento que acreditam na educação como o meio mais seguro de integrar corpo e mente e estimular a criatividade.
3
“Criar representa uma intensificação do viver, um vivenciar-se no fazer; e, em vez de substituir a realidade, é a realidade”.
Fayga Ostrower
4
RESUMO
O tema educação, tonicidade, criatividade e movimento percorrem esse
trabalho de pesquisa de maneira a esclarecer dúvidas e definir conceitos. Na
introdução, uma das perguntas é feita: “se é possível educar o movimento de maneira
preventiva para ativar e despertar a criatividade no adulto e idoso, atenuando
bloqueios e inibições, e assim, obter um tônus mais flutuante e equilibrado”. As
respostas vão sendo esclarecidas aos poucos, num processo que leva à reflexão sobre
o despertar da criatividade, do comportamento tônico-emocional, e da expressão e
consciência pelo movimento.
O corpo do trabalho divide-se em três capítulos que abrangem tópicos e
subtópicos. No primeiro capítulo, a “Abordagem Tônica”, relaciona o psiquismo, a
motricidade e a tonicidade, e no outro tópico, trata da atividade tônica e afetividade.
No segundo capítulo, a “Abordagem Educacional”, leva em conta o ensino e a
aprendizagem; divide-se em itens e subitens, como: a definição de educação; a
atitude do educador na prática educativa; o processo de aprendizagem, com os
seguintes subitens: a psicomotricidade na escola; a educação psicomotora; a
consciência do movimento. O último capítulo trata do tema em questão, ou seja, “A
Educação Criativa do Movimento” subdivide-se em: corpo – espaço e movimento, e
tem os subitens: qualidade de movimento e equilíbrio tônico. Ainda nesse capítulo,
os seguintes tópicos: o espaço do corpo na educação e por fim a educação criativa.
Conclui-se que apesar de ser um tema muito abrangente, todos os assuntos
são abordados de maneira precisa e didaticamente minuciosa, fundamentada nos
ensinamentos dos grandes mestres do corpo em movimento.
5
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica de valor didático. Para a execução
da mesma, foram investigados os fundamentos teóricos com exemplificações
práticas, selecionando-se os estudiosos do movimento corporal ligados a
Psicomotricidade e a Consciência pelo Movimento, que serviram de base para os
ensinamentos do corpo como uma unidade psicofísica.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................... 7
CAPÍTULO 1 ABORDAGEM PSICOTÔNICA .............................................. 9
CAPÍTULO 2 ABORDAGEM EDUCACIONAL: ENSINO E APENDIZAGEM .. 20
CAPÍTULO 3 A EDUCAÇÃO CRIATIVA DO MOVIMENTO ............................ 38
CONCLUSÃO ........................................................................................ 62
BIBLIOGRAFIA .................................................................................... 63
ÍNDICE ................................................................................................. 65
FOLHA DE AVALIAÇÃO .................................................................. 66
7
INTRODUÇÃO
Essa pesquisa visa a valorização do indivíduo, durante o processo de
envelhecimento, tendo como referência o comportamento tônico-emocional.
Acredita-se na capacidade de aprendizado do ser humano por toda a sua vida
e, no trabalho preventivo como um processo para despertar a consciência de si
mesmo, de se estar no mundo com a mente aberta a novas descobertas. É com esse
pensamento que se pretende encontrar respostas para a pergunta: “é possível educar o
movimento de maneira preventiva para ativar e despertar a criatividade no adulto e
idoso, atenuando bloqueios e inibições, e assim, obter um tônus mais flutuante e
equilibrado?”. Para responder essa questão, é necessária uma abordagem psicotônica no
campo da afetividade; uma abordagem educacional conceituando a educação em suas
considerações gerais, quanto à atitude do educador, o processo de aprendizagem;
uma abordagem psicomotora e a criatividade do movimento. Investigar as relações
que permeiam o corpo do adulto num contexto social, cultural, relacional e
emocional dando função à linguagem corporal.
A educação é base de toda a sociedade que deseja uma convivência de
respeito e solidariedade com o próximo. A partir desse conceito, procura-se a
colaboração de educadores que se dedicaram à tarefa de ensinar e aprender
ensinando; ...“ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para
a sua própria produção ou a sua construção”.1
Na educação criativa, pensa-se no ser humano como uma unidade
psicofísica, com elementos sensíveis, em sua plasticidade2, como: formas, linhas,
volumes, cores, movimentando-se na sua individualidade e características próprias.
Torna-se mais delicado esse tema da educação no campo da criatividade do
movimento, porque vai significar tocar no despertar do gesto
íntimo, do ritmo interno de cada um, na expressão e consciência do movimento.
1 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. 21.Que tem propriedade de adquirir determinadas formas sensíveis, por efeito de uma ação exterior. 2. que tem características de beleza e harmonia. Dic. Aurélio On-line.
8
A ênfase é dada à função tônica, o tônus emocional é de suma importância
no desenvolvimento das crianças, e é uma presença constante na vida do ser humano
em todas as idades e situações.
Como um trabalho preventivo, a educação do movimento tenciona atuar na
capacidade do adulto em desenvolver sua criatividade, estimulado-o a experimentar
novos movimentos e a melhorar seu estado tônico e sua auto-estima.
Seguindo a linha de pensamento no corpo como uma unidade de integração,
buscou-se aproximar os estudiosos do movimento pela consciência corporal,
psicomotricidade, filosofia, psicologia, psicanálise, dança e artes em geral com
afinidades entre si.
A função tônica teve como consultores Henri Wallon e Gerda Alexander,
entre outros. Além disso, propõe um estudo de valor didático com exemplificações
práticas.
9
CAPÍTULO - 1
ABORDAGEM PSICOTÔNICA
10
1.1 - Relações entre Psiquismo, Motricidade e Tonicidade3:
Faz-se necessário, iniciarmos esse estudo fazendo a ligação entre psiquismo,
motricidade e tônus4, para entendermos os efeitos dessa relação na vida humana,
antes de investirmos no campo da educação criativa do movimento.
As primeiras estruturas do comportamento humano são essencialmente de
ordem motora e só mais tarde de ordem mental. À medida que o contato com o meio
vai se enriquecendo, o papel da motricidade vai ficando em dependência recíproca
com a consciência.
A criança faz-se entender por gestos e até o momento da linguagem o
movimento constitui quase que a expressão global das suas necessidades. A
profundidade e o valor da intercomunicação humana pelo gesto é de extrema
importância na criança, não só por estar em relação estreita com as emoções, como
propriamente por ser o veículo de transmissão do equilíbrio do estado interior do
recém-nascido.
O sistema nervoso, com as suas capacidades prodigiosas de crescimento e
aprendizagem, é o meio pelo qual, a vida mental se organiza. O sistema nervoso
elabora-se e estrutura-se através do movimento, como primeiro aspecto da relação da
integração humana com o mundo objetivo.
É a atividade de relação com o mundo que permite a evolução psicológica da
pessoa humana. Para se dar essa atividade de relação, as pessoas têm de romper com
os horizontes do seu espaço e projetar-se no universo pelo movimento, dado que a
relação com ele é essencialmente dinâmica. Dessa forma, nunca é demais realçar a
importância da relação recíproca entre a motricidade e a evolução psicológica do ser
humano.
As funções motoras e psíquicas inter-relacionam-se reciprocamente em todo
o processo evolutivo humano. Com a motricidade, não como mera adaptação, o
cérebro captou informação, integrou formação e elaborou transformação.
3 Esse capítulo teve como fonte de consulta o livro “Psicomotricidade: Filogênese, Ontogênese e Retrogênese” de Vitor da Fonseca e “O Desenvolvimento Psicomotor” de Le Boulch 4 Tono ou tono é uma contração muscular leve e contínua.
11
Henri Wallon (1949) aprofundará as relações que unem o tono, o pano de
fundo de todo o ato motor, à trama sobre a qual se tece, e a emoção, isto é, a
expressão mais primitiva dessa atividade especificamente humana que é a atividade
de relação. Ele mostrou, notadamente, que a toda emoção estão ligados, ao mesmo
tempo: certo comportamento tônico, a certas transformações características das
atitudes e reações musculares e viscerais, e procurou formular as leis dessa inter-
relação, na citação que se segue:
“Essencialmente a função de expressão plástica, as emoções
constituem uma formação de origem postural, e têm por
base material o tono muscular.A sua diversidade está
vinculada à hipertensão5 ou hipotensão6 do tono, ao seu
livre escoamento em gestos e em ações ou à sua acumulação
sem saída e à sua utilização in loco7 mediante os
espasmos”.8
Essas impressões vão modificar a musculatura (de relação estriada9),
constituindo assim a história do indivíduo, refletida numa diferenciada compleição
motora.
As primeiras relações vão ocasionar uma alteração da tonicidade do
indivíduo que traduzem esquemas de reação, uns hipotônicos10, outros
hipertônicos11.
Ajuriaguerra12 definiu mais claramente e com precisão os aspectos menos
claros da obra de Henri Wallon, dando ênfase à função central da comunicação do
5 Aqui esse termo se refere ao excesso de tensão muscular (hipertonia) e não a pressão arterial alta. 6 Quer dizer pouca tensão muscular (hipotonia), e não baixa de pressão arterial. 7 [Lat.] No lugar; in situ. 8 WALLON, Henri. Les Origines du Caractère. Paris: Ed. Puf, 1974. 9 Relação aos músculos estriados: esqueléticos (de ação voluntária) 10 Hipotonia é a diminuição do tônus associada a hiperextensibilidade e à labilidade (instabilidade emocional: tendência a demonstrar, alternadamente, estados de alegria e tristeza) neurovegetativa. 11 Hipertonia: estado no qual a musculatura apresenta, em relação a um grau médio considerado normal, um aumento de tônus, apreciável por diferentes testes clínicos entre os quais os de extensibilidade, é também associada a uma hipoextensibilidade. 12 AJURIAGUERRA, Jean de. Le Manuel de Psychiatrie de L’Enfant. Paris: Ed. Masson, 1974
12
tono, denominada “diálogo tônico” 13. É por meio de um verdadeiro diálogo tônico,
corporal e gestual (primeiramente com a mãe), que a criança se introduz na cultura.
Através da motricidade, não como mera adaptação, o cérebro humano captou
informação, integrou formação e elaborou transformação. A impressionante
dominância da espécie humana, está inteiramente relacionada com a
psicomotricidade, de onde aparece a ação como verdadeira produção final de uma
organização central do cérebro. Por essa razão, reforça-se a inseparabilidade da
percepção, do pensamento e da ação.
Segundo Luria14, as formas complexas de comportamento têm origem social,
a partir da qual se desencadeiam processos que elaboram, armazenam e conservam a
informação do mundo exterior e se programam e controlam ações que materializam
intenções, obedecendo estas a uma organização estruturada, auto-regulada e
hierarquizada no cérebro. Assim, “cada processo de comportamento envolve um
complexo sistema funcional, baseado num plano ou programa de operações, que
conduz a um fim determinado”.
Em termos ontogenéticos15, a organização psicomotora, conforme o modelo
neuropsicológico de Luria, evolui do 1º ao 3º bloco, ou seja, parte da Tonicidade até
a Praxia Fina, a evolução maturacional do córtex humano, parte do Tronco Cerebral
(1º bloco) para os Hemisférios Cerebrais (2º bloco, e 3º bloco), dando significado ao
princípio da hierarquia estrutural do cérebro.
O efeito inevitável da idade, (como o do tônus de suporte enfraquecendo, os
defeitos de atitude aumentando, o cérebro menos oxigenado tornando-se confuso),
inverte a seqüência dos fatores transicionais do desenvolvimento, isto é, introduz a
noção de retrogênese16, uma desmontagem declinativa do 3º para o 1º bloco, da
Praxia Fina à tonicidade.
Todas as manifestações do comportamento no processo de envelhecimento,
numa involução geneticamente programada, de origem motora, perceptiva, cognitiva
ou sócio-emocional, vão se dar agora do córtex à medula, do mais complexo ao mais
13 Tônico (diálogo): compreensão (aceitação e confiança) do outro, proporcionada pelo contato ou pela mobilização corporal. 14 In: Vitor da Fonseca. Psicomotricidade... 15 Relativo à ontogênese ou ontogenia; ontogênico: desenvolvimento do indivíduo desde a fecundação até a maturidade para a reprodução; ontogênese 16 Retro = 'movimento para trás': retrotrair, retroversão.
13
simples, do mais voluntário ao mais automático, dando em conseqüência uma
desorganização vertical descendente.
1.2 - Atividade Tônica e Afetividade17:
Como já foi dito anteriormente em nota de rodapé (4), tônus ou tono é a
contração muscular leve e contínua, normalmente presente. Tem um papel muito
importante na tomada de consciência de si e na edificação do conhecimento do
mundo e do outro. O seu aparecimento depende da maturidade motora em função da
relação com o mundo exterior.
A afetividade está na área das emoções e dos sentimentos relacionados com
as modificações do vivido corporal18 e com o meio em que circula.
O constante contato com o mundo exterior provoca uma sucessão de reações
periféricas que vão estruturando paulatinamente a sensibilidade, na medida em que o
gesto é um processo de linguagem da sensibilidade.
Entre o movimento e a sensibilidade há uma constante e incessante
reciprocidade, justificando definitivamente uma dupla unidade funcional entre a
contração muscular e a sensação provocada. A contração muscular, por meio da qual
o movimento é possível, suporta-se mutuamente com a sensação que origina do
próprio indivíduo.
Entramos, assim, numa acomodação simultânea, tanto motora como mental,
geradora da conscientização humana. A atividade muscular encontra-se ligada ao
próprio corpo e conseqüentemente ao objeto e à pessoa. Sherrington19 denominou,
por essa razão, dois tipos de sensibilidade, a proprioceptiva20 e exteroceptiva21. E
17 Fontes de Consulta: “Psicomotricidade: Filogênese, Ontogênese e Retrogênese” de Vitor da Fonseca; “A Psicomotricidade” de Jean-Claude Coste, “O Domínio do Corpo” de Rudolf Laban; “O Desenvolvimento psicomotor” de Le Boulch 18 Consciência das sensações ligadas ao próprio corpo, com ou sem deslocamentos segmentares, experimentadas por um sujeito em qualquer situação. 19 SERRINGTON, C.S. In: Vitor da Fonseca. Psicomotricidade... 20 sistema sensorial resultante da atividade de receptores localizados ao nível do músculo (fuso neuromuscular) do tendão (corpúsculos de Golgi) e do labirinto, e que fornecem informações referentes à posição e ao movimento dos membros do corpo. 21Sensibilidade exteroceptiva: estimulada pelos agentes exteriores do organismo (visão, audição, olfato, etc...) e do córtex cerebral. Ocorre no estágio sensório-motor ou da inteligência espacial
14
Cannon22 já tinha proposto dividir a motilidade23 em motilidade proprioceptiva e
motilidade êxtero-afetiva24.
Segundo Zazzo25, “O movimento é um meio de expressão da afetividade”, e
para Piaget, “o movimento como adaptação, está condicionado à esfera da
afetividade e, por outro lado, interconectado com a evolução da função tônica”.
Ao estudar as ações humanas para chegar pelo gesto ao sentimento, Laban
(1978)26 afirmava que: “a qualidade dos movimentos está determinada por razões
psicológicas”, desenvolveu escalas harmônicas do movimento espacial27, estudou
profundamente as leis da gravidade28, elaborou um método de notação do
movimento29. Classificou toda a gama possível de energia que cabe entre as
condições extremas de máxima tensão30 e total relaxação31.
Entre uma tensão nervosa e uma tensão muscular não há diferença; elas têm
implicações recíprocas, na medida em que perturbação psíquica se estabelece na
dependência de uma perturbação da motilidade. O mesmo modo é dizer que todo
conflito intrapsíquico se pode repercutir em conseqüências motoras32.
Neste aspecto da unidade do homem, entre o hemisfério psíquico e o
hemisfério motor, o tônus constitui a função de ligação. Todas as manifestações do
comportamento e da afetividade estão ligadas à função tônica.
Nesse âmbito relacional humano, Ajuriaguerra33 aborda as relações do
psiquismo com o tônus muscular, “o tônus é uma função de comunicação inter-
humana”.
É necessário abrir um parêntese para falar da organização do movimento, e
dizer que ela é dependente da musculatura estriada ou de relação, onde se verificam
dois tipos de função estreitamente complementares, os quais Wallon cita no próximo
parágrafo. 22 In: Victor da Fonseca. Psicomotricidade... 231. Faculdade de mover (-se). 2.Força motriz. 3. Fisiol. Capacidade de mover-se espontaneamente. Dic. Aurélio On-line 24 êxtero = a exterior – a relação de afetividade vem do contato com o outro. 25 Zazzo, René. Le Comportement: Ed. PUF, 1969. 26 LABAN, Rudolf. O domínio do corpo. Summus Ed. Dirigiu seu trabalho para a dança como meio de educação 27 Denominou de método de corêutica 28 _________ de eucinêutica 29 _________ cinetografia 30 estado hipertônico 31 estado hipotônico 32 Fonte do parágrafo: Vitor da Fonseca. Concepção dinâmica do movimento... 33 In: Vitor da Fonseca. Psicomotricidade...
15
Wallon determina essa atividade da dupla função do músculo: “a função
ciônica”, base de toda a atividade cinética34, virada para o mundo exterior, ou seja, o
encurtamento ou o alongamento simultâneo das miofibrilas35 componentes do
músculo; e a “função tônica”, que mantém no músculo uma certa tensão de suporte e
de apoio ao seu esforço. Essa tensão varia em condições fisiológicas próprias do
indivíduo ou das dificuldades de execução.
Wallon concluiu, que as variações do tônus estão ligadas às modificações da
sensibilidade afetiva. “Entre o tônus e a afetividade coexiste uma reciprocidade de
ação imediata”.
Le Boulch (2001)36 define o tônus muscular, de maneira efetiva ...“O tono
muscular é a atividade primitiva e permanente do músculo; além de traduzir a
vivência emocional do organismo, é o alicerce das atividades práxicas” 37 .
A regulação complexa do tônus que abordamos38, é dependente das emoções
e do controle afetivo e constitui um dos meios de preparação da representação
mental. A ele estão ligados os diferentes tipos de hipertonicidade em relação próxima
com a organização progressiva do sistema nervoso central. O tônus constitui o
suporte das atitudes em relação à acomodação39 e à vida afetiva.
A adaptação constante que o indivíduo estabelece face ao meio está
condicionada pelas esferas da afetividade em conexão com a evolução e o
afinamento tônicos, não como puro desenvolvimento neurofisiológico, mas como
estado de transformações progressivas em função de uma organização
particularizada. O comportamento humano é um complexo onde cada fator
psicológico ou psicossomático joga uma inter-relação recíproca.
Em todas as formas de conduta do ser humano, há uma interconexão entre a
musculatura estriada, lisa e o sistema hormonal. A função tônica intervém na inter-
relação dos sistemas muscular voluntário, neurovegetativo e hormonal. 34 ou cinemática: parte da mecânica que estuda os movimentos sem se referir às forças que os produzem ou às massas dos corpos em movimento. Dic. Aurélio On-line 35É uma estrutura cilíndrica longa, contrátil, presente no tecido muscular estriado. Dic. Aurélio On-line 36 LE BOULCH, J. O desenvolvimento psicomotor. 37 Uma praxia é um conjunto de reações motoras coordenas em função de um resultado prático. Representa um conjunto organizado com a finalidade de alcançar um fim. Desde que começa a atividade intencional, aparecem as primeiras praxias e à custa do campo visual e do campo cinestésico. O acesso à locomoção vai multiplicar as possibilidades de aquisição, graças à conduta de exploração. 38 Fonte de ref. Victor da Fonseca. Psicomotricidade... 39 Em relação à expectativa perceptiva. Fonte bibliog. Victor da Fonseca. Psicomotricidade...
16
Para Wallon, a função tônica intervém na dialética40 da atividade de relação
e no campo da psicogênese41.
No diálogo corporal que o indivíduo estabelece com o mundo, o tônus
integra toda a história dialética das informações exteriores, e inter-relaciona-as para
dar origem à fenomenologia42 do comportamento humano.
Nesse sentido, o tônus encontra-se induzido pelo contato com o outro e pela
sua presença. O tônus toma também parte das sensações de prazer e de dor que
percebemos parcialmente por seu intermédio. É uma atitude intercomunicável do
diálogo com o outro, e já é em si um meio de comunicação com o outro.
A expressão motora, desde os primeiros gestos úteis da criança, quando ela
quer algum objeto para a sua satisfação de bem estar, encontra-se profundamente
ligada à esfera afetiva.
A forma de expressão emotiva é o elemento da formulação da consciência,
de onde se originará o mundo da representação, posta em jogo pelo movimento.
Para Wallon, a questão da emoção é orgânica e social. É orgânica porque
tem controle subcortical e tem repercussões tônicas; é social porque precisa e
depende do contato com o outro.
É através de um conceito chave “a emoção” que, segundo o autor, se
estabelece à relação entre o biológico e o social e o psicológico.
A emoção faz parte da vida orgânica e cognitiva. É através dela que o
indivíduo se socializa. É pela comunicação afetiva que temos acesso ao mundo
humano."No primeiro ano de vida nutrir a inteligência é nutrir o afeto" 43.
Segundo o autor a emoção é social e epidêmica44 e a mãe é afetada pelo
choro do bebê. A criança sobrevive graças à mobilização do outro pela emoção.
Primeiramente, a emoção é controlada pelo subcórtex. À medida que o córtex vai
amadurecendo, vai ocorrendo a possibilidade de um controle maior. Em um primeiro 40 Filos. Arte do diálogo ou da discussão, quer num sentido laudativo, como força de argumentação. Hist. Filos. A dialética, conforme Hegel, é a natureza verdadeira e única da razão e do ser que são identificados um ao outro e se definem segundo o processo racional que procede pela união incessante de contrários -- tese e antítese -- numa categoria superior, a síntese. 41 Estudo da origem e do desenvolvimento das funções psíquicas; psicogenia. 42 Estudo descritivo de um fenômeno ou de um conjunto de fenômenos em que estes se definem quer por oposição às leis abstratas e fixas que os ordenam, quer por oposição às realidades de que seriam as manifestações. Abordagem dos problemas filosóficos segundo um método que busca a volta "às coisas mesmas", numa tentativa de reencontrar a verdade nos dados originários da experiência, entendida esta como a intuição das essências 43 Wallon. In: Psicomotricidade: Filogênese... 44 O mesmo que contagiante.
17
momento a emoção é incontrolada, passando a controlar-se lentamente através da
maturação e do processo social. Crianças muito impulsivas podem apresentar alguma
lesão subcortical. Podem também, segundo o autor, apresentar um problema de
"educação da emoção" - o que fazer com a emoção, a emoção descontrolada.
A afetividade não é apenas uma das dimensões da pessoa, é também uma
fase de desenvolvimento, a mais primitiva. Wallon45, ao falar da construção do
sujeito, consegue mostrar como se dá a unidade do pensamento, afirmando que: ...“A
história da construção da pessoa se dará por uma sucessão pendular de movimentos
dominantemente afetivos ou dominantemente cognitivos - não paralelos, mas
integrados”.Isto significa que a afetividade depende, para evoluir, de conquistas
realizadas no plano da inteligência.
Com a linguagem surgem outras formas de vinculação afetiva, a linguagem
é uma forma cognitiva de vinculação afetiva. Wallon falava em três momentos dessa
afetividade: “a afetividade emocional ou tônica, inicial; a afetividade simbólica46; a
afetividade categorial47.”
É a capacidade de realizar o movimento, que faz a motricidade ser a primeira
forma de manifestação do ser humano. Primeiramente de maneira reflexa, passando a
ser automática e gradativamente vai se tornando voluntária. Mas desde suas
primeiras manifestações a motricidade é afetiva.
A construção da pessoa é uma autoconstrução. O vínculo afetivo supre a
insuficiência da inteligência do início da vida., quando ainda não é possível a ação
cooperativa que vem da articulação de pontos de vista bem diferenciados.
O contágio afetivo cria os elos necessários à ação coletiva. Com o passar do
tempo, a essa forma primitiva acrescenta-se outra, e assim, vai se construindo como
sujeito.
Em estudos mais aprofundados, Wallon queria descobrir quais as raízes
orgânicas do movimento. Chegou à conclusão de que estas raízes estão na
musculatura, pois são os músculos que formam o movimento.
45 Wallon In: Psicomotricidade: Filogênese... 46 De uma maneira geral, como um conjunto de símbolos duma religião, duma época, dum povo, dum autor... Sinônimo de alegoria: seqüência de metáforas que significam uma coisa nas palavras e outra coisa no sentido. Para Wallon a atividade simbólica é a capacidade de se dar a um objeto uma representação (imaginada) e a esta representação, um sinal (verbal); 47 Diz respeito a Caráter, espécie, natureza. Segundo Kant, cada um dos conceitos fundamentais do entendimento puro, que confere unidade aos juízos.
18
Como dissemos anteriormente, os músculos têm duas funções importantes, a
função cinética responsável pelo deslocamento do corpo no espaço e, a função tônica
responde no movimento a sustentação da posição (tônus). Ambas variam de acordo
com os estados afetivos.
Acrescenta Wallon, “o indivíduo não é apenas uma combinação de
sensações ou uma coleção de movimentos. A sua experiência combina movimentos
com emoções, representações48 com sociabilização”.
Para o mesmo autor o movimento possui duas dimensões:
a) A “dimensão afetiva”, um reforço da comunicação: como a mímica
do bebê, movimentos de braços e pernas e a movimentação e
expressões dos adultos.
b) E a “dimensão práxica” quando atua sobre o ambiente e envolve a
cognição.
O movimento, como elemento-base da reflexão humana, tem sempre
fundamento sociocultural e depende de um contexto histórico e dialético.
A Motricidade tem um papel fundamental na vida intelectual e constitui uma
de suas origens. Wallon estuda a relação entre a motricidade e caráter, enquanto que
Dupré correlaciona a motricidade com a inteligência. Esse estudo de Wallon permite
que ele relacione o movimento ao afeto, à emoção, ao meio ambiente e aos hábitos
da criança. Para Wallon o conhecimento, a consciência e o desenvolvimento geral da
personalidade não podem ser isolados das emoções.
“Estas primeiras relações de similitudes e diferenças entre a
debilidade motora e a debilidade mental, somadas à
contribuição de Wallon relativa a ação recíproca entre o
movimento, emoção, indivíduo e meio ambiente, fazem o
delineamento de um primeiro momento do campo
psicomotor: é o momento do” paralelismo “e, portanto, da
48 Filos. Conteúdos concretos apreendidos pelos sentidos, pela imaginação, pela memória ou pelo pensamento. Dic. Aurélio On-line
19
relação (tentativa de separação do dualismo cartesiano)
ente o corpo, expressado basicamente no movimento, e a
mente, expressada no desenvolvimento intelectual e
emocional do indivíduo”.49
Afetividade = Base do Movimento. Movimento como denominador comum
de diversos campos sensoriais. O desenvolvimento da personalidade pode ser
constatado através da integração da MOTRICIDADE, da EMOÇÃO e do
PENSAMENTO.
49 Esteba Levin – “A clinica Psicomotora” - 1999, Ed. Vozes
20
CAPÍTULO - 2
ABORDAGEM EDUCACIONAL:
Ensino e Aprendizagem50
50 Fonte de Consulta: Fonte de consulta: FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia... - ALVES, Fátima Psicomotricidade: Corpo, Ação e Emoção. – SANTOS, Hilda. “Piaget na prática pedagógica”
21
2.1 - Definição de Educação:
A Educação51 é definida, como: 1. “processo de desenvolvimento da
capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando
à sua melhor integração individual e social”; 2. “Os conhecimentos ou as aptidões
resultantes de tal processo”; 3. “Aperfeiçoamento integral de todas as faculdades
humanas”; 4. “Conhecimento e prática dos usos de sociedade; civilidade,
delicadeza, polidez, cortesia”.52
A Educação é a “arte de desenvolver” as qualidades éticas, intelectuais e
físicas da pessoa, criando condições de distingui-la das outras, e com a intenção de
ajudá-la no contato harmonioso com seu meio53.
A Educação determina a língua e estabelece um padrão de conceitos e
reações comuns a uma sociedade específica. Estes conceitos e reações vão variar de
acordo com o ambiente no qual a pessoa nasceu.
A Educação define amplamente a direção da auto-educação, que é o
elemento mais ativo no nosso desenvolvimento, e socialmente de uso mais freqüente,
que os elementos de origem biológica; influencia o modo pelo qual a educação
externa é adquirida, bem como a seleção do material a ser aprendido, e a rejeição
daquilo que não podemos assimilar.
Nas primeiras semanas da vida de uma criança, a educação é principalmente
a absorção do meio-ambiente e a auto-educação é quase inexistente; consiste
somente na recusa ou resistência a alguma coisa que é organicamente estranha e
inaceitável pela criança.
A Educação impositiva e as propensões individuais estabelecem, juntas, a
direção para todas as ações e comportamentos habituais. Somente a auto-educação
está de certa maneira em nossas mãos; os genes nos vêm sem serem solicitados, a
educação é imposta e mesmo a auto-educação não é isenta de influências; decidida
pela força relativa da personalidade herdada, pelas características individuais, pelo
trabalho efetivo do sistema nervoso, e muitas vezes pelo modo como nos passam os
ensinamentos.
51 Do lat. ducere, conduzir. Dic. da Filosofia. Ed. Larousse do Brasil 52 Dicionário Aurélio On-line 53 Definição adaptada do Dic. de Psicologia. Ed. Larousse do Brasil
22
A auto-educação está estreitamente ligada ao autoconhecimento54. E o
educador deve estar tão atento consigo mesmo, quanto com o outro.
2.2 - A Atitude do Educador na Prática Educativa55:
Define-se atitude como o modo de proceder ou agir; a afetação de
comportamento ou procedimento. E também quer dizer, posição (postura) do corpo
guiada e controlada pela sensibilidade postural (sensibilidade proprioceptiva).
Aceitar-se como ser social, pensante, comunicante, transformador, criador,
sonhador, capaz de ter sentimentos variados como rancor e amor é aceitar-se como
sujeito capaz de reconhecer-se como objeto.
Segundo o Prof. Paulo Freire, não se imagina o que pode passar na vida do
aluno um simples gesto do professor. “O que pode um gesto aparentemente
insignificante valer como força formadora ou como contribuição à do educando por
si mesmo”.56 Ele conta que era um adolescente inseguro, de corpo anguloso e feio,
achando-se menos capaz do que os outros, mal-humorado, frágil diante da vida; um
dia, ao receber a devolução da sua redação corrigida, o professor balança a cabeça
numa demonstração de respeito e consideração. O gesto do professor lhe valeu mais
do que a nota dez que obteve. Isso ficou gravado na sua memória para sempre, esse
simples gesto lhe trouxe aos poucos a confiança de que era possível trabalhar e
produzir.
Não é a repetição mecânica do gesto o que importa na formação do aluno,
mas a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do desejo, da
insegurança a ser vencida pela segurança, do medo que, ao ser “educado”, vai
gerando coragem, que é a de enfrentar o medo.
Citando mais uma vez o educador Paulo Freire, sobre o ato de ensinar:
“...Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades
para a sua própria produção ou construção” (...) “devemos estar abertos às
indagações, à curiosidade dos alunos, as suas inibições”; desse modo, educar para a
54 Conhecimento de si mesmo. 55 Fonte de consulta: FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia... e, ALVES, Fátima Psicomotricidade: Corpo, Ação e Emoção 56 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia...
23
vida é o que importa, respeitando-se as diferenças e ajudando os alunos na busca de
sua autonomia, em processo de formação.
A autocrítica na prática educativa, e a avaliação da atuação do professor
devem seguir o critério da coerência entre o dizer e o fazer. Como dar o exemplo, se
ao invés de ser generoso, o educador mostrar-se irônico, inibidor do aluno, usando de
arrogância e superioridade.
Por outro lado, faz-se necessário ter a atitude de refletir sobre uma possível
timidez, ou a irresponsabilidade do seu descaso, cuidando também, do seu
desempenho, do seu senso ético e, organizando-se com clareza para a prática
educativa.
O termo atitude não pode ser substituído em psicologia, em sociologia e na
filosofia existencial, explicitado-se no pensamento abaixo:
“Há uma componente muscular clara neste termo e neste
conceito, pois toda atitude pode ser vista nas pessoas ainda
antes que elas declarem sua posição... existencial. Posição,
postura e atitude são termos e conceitos muito próximos” 57.
Para o professor exercer seu ofício com dedicação, é necessário, além de um
programa de ensino e um plano de realização58, ter uma atitude que passe ao aluno
disposição e vontade de ensinar; devendo aprender a perceber seus alunos, a
expressão do rosto e o estado de ânimo; ser generoso ao transmitir o ensinamento e
um constante esforço de aperfeiçoamento.
Assim, tanto os professores como os alunos podem, através da
psicomotricidade, desenvolver a confiança em si mesmos e um melhor conhecimento
de suas possibilidades e limites, condições necessárias para uma boa relação com o
mundo.
A psicanálise contribuiu muito ao demonstrar o significado afetivo das
atitudes e gestos que sustentam os modos de ser do sujeito em seu meio.
57 GAIARSA, Dr. J. A. In: Feldenkrais, Moshe. Consciência pelo movimento. 58 deve ser dono, mas não deve ser escravo desses planos.
24
2.3 - O Processo de Aprendizagem59:
O processo de aprendizagem é irregular, consiste de passos ou etapas, e pode
haver altos e baixos. Isto se aplica mesmo a coisas tão simples quanto decorar um
poema. Pode-se aprender num dia e no dia seguinte não lembrar de quase nada.
Poucos dias depois, poderá de repente sabê-lo perfeitamente.
Com as perguntas: por que se aprende, como se aprende e para que se
aprende, põe-se em evidência o que caracteriza a aprendizagem na vida do ser
humano. Segundo Piaget60, “o sujeito intervém como totalidade”, sendo um
organismo biológico e uma entidade psíquica, que se encontra numa determinada
situação. A situação diz respeito ao ambiente em que vive, a escola que freqüenta, o
tipo de família à qual pertence, ao grupo ou grupos aos quais se vincula, a sua
história particular, a uma classe social, e assim por diante. “Essa situação dá ao
sujeito uma dimensão geográfica, social e cultural”.
As áreas biológicas, psíquica e social se inter-relacionam no processo da
aprendizagem, podendo apresentar algum problema, como: fome, fadiga, sono... que
são da ordem biológica. Outros como, a falta de concentração, a depressão... que são
da ordem psíquica, e os de aspecto sócio-cultural, como as normas e valores
diferentes num mesmo grupo podem acarretar conflitos entre os seus integrantes.
A aprendizagem é “um processo que dura toda a vida e através do qual o
sujeito motivado, numa situação problemática, resolve o problema, atingindo a meta
e modificando-se de forma duradoura”.61
A aprendizagem está ligada ao pensamento, e esse, é um processo dinâmico,
contínuo, de caráter cognitivo. O pensamento tem raízes na atividade sensório-
motora. A atividade sensório-motora permite a descoberta da existência dos objetos e
da sua permanência. A noção do objeto no sentido piagetiano é adquirida quando o
objeto se torna “independente e permanente”.
59 Fonte Consultada: “Psicomotricidade: Filogênese...” de Vitor da Fonseca. “Piaget na prática pedagógica” de Hilda Santos, entre outros 60 SANTOS, Hilda. Piaget na prática pedagógica. Lisboa: Ed. Semente, 1977. 61 SANTOS, Hilda. Piaget na prática pedagógica.
25
Segundo Rubinstein, S. L. 62:
...”o pensamento é impossível sem o conhecimento sensorial
(sem a sensação e a percepção) dado que só no sensorial se
encontram os dados iniciais únicos de que pode partir o
pensamento. Mais ainda, que comece por estes atos, o
pensamento não pode manter-se neles”.
O pensamento como processo cognitivo é expressão da interação do homem
com o meio. O ser humano age sobre o meio, donde recolhe os dados iniciais que lhe
permitirão conhecê-lo, tendo o poder de formular conceitos.
Segundo Brown63, “a cognição não se reserva apenas a idéias; pelo
contrário, trata-se de uma constelação de elementos perceptivos, motores, afetivos e
lingüísticos, que no seu conjunto constituem o ato mental”.
Entre o homem e o animal há certamente homologias64, essencialmente as de
caráter biológico; porém, no campo social e cultural as diferenças são incomparáveis.
Devido à ação consciente do ser humano e à sua autoconscientização
(somatognosia), e daí à simbolização, mergulhando num envolvimento emocional,
moral e semiótico65 cada vez mais complexos, a mediação66 na aprendizagem passa a
ser uma condição de sobrevivência a que nenhuma nova geração pode escapar.
Para que o organismo aprenda, ele tem primeiro de ser capaz, através de uma
adequação energética própria, de ampliar e inibir estímulos, processar informações e
agir. Sem o domínio postural, o cérebro não aprende, a motricidade não se
desenvolve e a atividade simbólica fica inequivocamente afetada.
62 RUBINSTEIN, S. L. El ser y la conciencia. Montevideo: Ed. Pueblos Unidos In: Piaget na prática pedagógica. 63 In: FONSECA, Vitor. Manual de Observação Psicomotora. Porto Alegre, Artes Médicas, 1995. 64 Biol. Quer dizer: semelhança de estrutura e de origem, em partes de organismos taxonomicamente diferentes; Taxinomia: biol. Ciência que se ocupa das classificações dos seres vivos. Dic. Aurélio On-line 65 Define-se como: Ciência geral dos signos, segundo Ferdinand de Saussure (v. saussuriano), que estuda todos os fenômenos culturais como se fossem sistemas de signos, i. e., sistemas de significação. Em oposição à lingüística, que se restringe ao estudo dos signos lingüísticos, ou seja, da linguagem, a semiologia tem por objeto qualquer sistema de signos (imagens, gestos, vestuários, ritos, etc.); semiótica (q. v.). Dic. Aurélio On-line. 66 Mediação: Intervenção, intercessão, intermédio. Relação que se estabelece entre duas coisas, ou pessoas, ou conceitos, etc., por meio de uma terceira coisa, ou pessoa, ou conceito, etc.
26
O cérebro precisa automatizar as suas funções antigravídicas67 antes de poder
processar informações simbólicas.
As aquisições posturais são pré-requisitos das aquisições especificamente
humanas, daí a sua incomensurável importância no desenvolvimento cognitivo.
A primeira fonte de conhecimento humano reclama a experiência motora
pessoal e essa só é viável debaixo de determinadas condições de estabilidade
postural.
Com instabilidade postural, nenhum conhecimento é apropriável, na medida
em que se perdem todas as referências para que o cérebro processe a informação.
As atividades posturais e motoras precedem as atividades mentais, depois
atuam conjuntamente, assistindo-se mutuamente, até que mais tarde a atividade
motora se subordina à atividade mental.
Do ato ao pensamento, depois do pensamento ao ato. Da motricidade a
psicomotricidade, e finalmente da psicomotricidade a motricidade.68
Wallon classificou os movimentos conforme as áreas de controle
neurológico:
a) movimentos reflexos (inerente à espécie humana, via medula);
b) movimentos automáticos (no subcórtex), acompanham as praxias e
são controlados pelo subcórtex. São os cacoetes, automatismos
gestuais que realizamos sem nos darmos conta pois são inconscientes;
c) movimentos voluntários: do córtex cerebral (lobo parietal e pré-
frontal).
Segundo Wallon existe sempre uma dependência entre os movimentos
automáticos e os movimentos voluntários (ex: dirigir um automóvel).
Qualquer tipo de motricidade automática ou voluntária está profundamente
dependente da melhor ou pior integração dos dados exteroceptivos (espaço e tempo)
e dos dados proprioceptivos (esquema corporal), organizados, sistematizados,
codificados e programados pela função tônica; a função tônica tem um papel muito
importante na tomada de consciência de si “formação do Eu” e na edificação do
conhecimento do mundo e do outro.
67 Antigravidade: 1. Astr. Efeito hipotético, que constituiria na anulação da gravidade. 2 Fís. Repulsão de uma massa por outra, causada pela ação de uma força de tipo gravitacional, e que implicaria a existência de uma massa negativa. Dic. Aurélio On-line 68 Fonte de informação: FONSECA, Vitor da. Manual de Observação Psicomotora...
27
Para Azemar (1965)69. O movimento corticalizado ou voluntário não é senão
um movimento, integrado ou interiorizado, onde a consciência intervém ao nível
aferente para regular a escolha e induzir as adaptações globais às informações
recebidas e captadas.
2.3.1 - A Psicomotricidade na Escola70:
Dentro do campo da educação, nos últimos anos, tem-se dado especial
importância ao desenvolvimento da expressividade do aluno, e com isso,
potencializar sua sensibilidade, suas possibilidades criativas e sua capacidade de
descobrir-se a si mesmo, manifestando-se com espontaneidade e plenitude.
É a partir da própria realidade corporal que se estabelece contato com o
mundo exterior. Pensando assim, o corpo é o nexo entre o mundo exterior e o
mundo circundante.
Anteriormente, a filosofia cartesiana71, com o falso conceito da oposição
entre o corpo e o espírito, predominou nos sistemas educativos até que a psicologia e
a pedagogia modernas deram o justo valor ao que constitui a unidade funcional
corpo-psique.
O desenvolvimento da capacidade intelectual, psíquica, e humana da criança
seria incompleto e antinatural se atendesse apenas à área cognitiva; não se deve só
pensar, mas também, perceber, sentir e viver as experiências a partir da unidade
psicofísica.
As experiências vividas a partir do próprio corpo, lugar da interação do
intelecto e do emocional, promovem uma captação diferente do mundo, uma
apreensão de conceitos que, por terem sido vivenciados, deixam uma impressão mais
profunda que os conhecimentos meramente racionais.
No processo de formação desenvolver as faculdades sensoriais do aluno
de forma equilibrada, auxilia-os a enfrentar as exigências do aprendizado escolar;
69 Azemar In: Vitor da Fonseca. Psicomotricidade... 70 Fontes de Consulta: “Psicomotricidade...” de Vitor da Fonseca; “Psicomotricidade: Corpo...” de Fátima Alves; “Psicomotricidade e Aprendizagem” de Lúcia S. Nascimento 71 Cartesianismo: Doutrina de René Descartes, filósofo, matemático e físico francês (1596-1650), e de seus seguidores, caracterizada pelo racionalismo, pela consideração do problema do método como garantia da obtenção da verdade, e pelo dualismo metafísico. Filosofia que confia de modo irrestrito e exclusivo na capacidade cognitiva da razão, mas limitando-a as explicações mecânicas, simplificadoras, que são inadequadas à compreensão da realidade.
28
abre um espaço para a livre expressão, necessário para estimular a sua
criatividade, seu potencial interior e a inter-relação ativa e positiva com os
demais.
Por essa razão a psicomotricidade vem cumprir essa função, junto com a
expressão corporal72; ambas trabalham com a vivência do corpo no espaço e no
tempo, desenvolvendo-se a consciência de si mesmo como ser íntegro: sensível,
material e espiritual, capaz de sentir, expressar e, principalmente capaz de se
comunicar e compartilhar com os outros.
Segundo o capítulo: “A psicomotricidade no processo de aprendizagem” 73,
a presença da psicomotricidade existe nos menores gestos e em todas as atividades
que desenvolve a motricidade da criança, organizando o conhecimento para o
domínio do seu próprio corpo. Sendo assim, é um fator essencial e indispensável para
desenvolvimento da criança de maneira global e uniforme.
A psicomotricidade faz uso da educação psicomotora quando a criança
apresenta dificuldades de aprendizagem, geralmente a origem do problema está no
nível básico do desenvolvimento psicomotor.
No processo de aprendizagem, os elementos básicos da psicomotricidade são
amplamente utilizados e trabalhados para o desenvolvimento do aluno, como: o
Esquema Corporal, Lateralidade, Estruturação Espacial, Orientação Temporal e Pré-
Escrita. Havendo um problema em um desses elementos, a boa aprendizagem estará
prejudicada.
O desenvolvimento psicomotor quando mal estruturado, poderá trazer
disfunções na escrita, na leitura, na direção gráfica, na distinção de letras (troca de
letras, com b/d), ordenação de sílabas, na abstração de números, na análise
gramatical, entre outras. Desse modo, como já foi dito, o problema está na base de
formação da criança.
A psicomotricidade é reconhecida atualmente como a ciência da educação74,
tendo como objetivo à representação e expressão motora, através da utilização
psíquica e mental do indivíduo.
72 Ou consciência do movimento, que é mais direcionada para os adultos. 73 texto adaptado do livro “Psicomotricidade: Corpo, Ação e Emoção” de Fátima Alves, 74 In: Psicomotricidade ... F. Alves no cap. 6.1 “A educação e a escola”
29
Presente direta ou indiretamente nos estudos de outras áreas, numa rede
interdisciplinar, a psicomotricidade enriquece e é enriquecida por esses estudiosos
em suas especializações.
Cada vez mais conhecida, mas ainda não praticada em todas as escolas, a
psicomotricidade é considerada “a neurociência dos anos 90 que estuda a interação
equilibrada dos aspectos neuromaturacionais: cognitivo-afetivo-motor na
otimização corporal” 75.
Essencial para o desenvolvimento das capacidades básicas, como o aumento
do potencial motor, e intelectual, a psicomotricidade tem sido defendida e
considerada por diversos profissionais como de suma importância para o
desenvolvimento motor durante os três primeiros anos de vida.
As atividades lúdicas como: os jogos, as brincadeiras, os movimentos livres
de correr, trepar, andar, pular falar, cantar, enfim se expressar, são agora valorizados
e assistidos como práticas de desenvolvimento do indivíduo como um todo; e como
um produto da educação, das experiências vividas.
Segundo Vitor da Fonseca76, o movimento como aprendizagem levou o ser
humano ao bipedismo e serviu para libertar as mãos para as diversas funções como
criar instrumentos para o trabalho, descobrir e edificar a linguagem, assimilar o saber
teórico e prático da sociedade que se formava.
A tomada de consciência de seu próprio corpo, a afirmação da dominância
lateral, orientação em relação a si mesmo, adaptação ao mundo exterior, vão sendo
adquiridas através da maturação neuromotora e perceptivo-motora.
Uma questão poderá ser feita nesse momento da pesquisa: diz respeito aos
adultos, que ao longo da sua vida continuaram a carregar consigo os mesmos tipos de
problemas, de ordem neuromotora, psicomotora, e na passagem pelas etapas de seu
desenvolvimento, nunca foram assistidos, nem avaliados. O que a psicomotricidade
pode fazer por esses adultos, o que precisam para melhorar seu quadro geral, de
baixa auto-estima, de inibições, de desconhecimento do seu próprio corpo, de
desorientação espacial, entre outros inúmeros problemas.
A psicomotricidade ocupa-se principalmente do desenvolvimento das
crianças, e é recente seu interesse pela terceira idade. Tem-se pouco material de
75 Segundo Loureiro, In: “Psicomotricidade: Corpo, Ação e Emoção” de Fátima Alves 76 In: “Psicomotricidade: Filogênese...”
30
pesquisa nessa área; atualmente, os trabalhos que estão sendo realizados, são mais na
base da experimentação, em todo o caso, o interesse por essa faixa etária cresce dia a
dia.
Diante desse fato, faz-se necessário trazer o adulto para o clímax desse
estudo com uma pergunta reflexiva: “quem cuida das crianças e dos idosos?” Supõe-
se que são os adultos, adianta trabalhá-los de maneira consciente, para
desenvolverem seu potencial, melhorar seu contato com os outros e consigo mesmo,
prevenindo-os das dificuldades que a velhice poderá lhes trazer?
Esse trabalho de pesquisa quer abordar esses problemas que o adulto traz
consigo através dos anos, e não teve oportunidade de perceber, ou pela carga de
responsabilidades, ou de emoções. Realiza, muitas vezes, ações automatizadas,
perdendo o contato consigo mesmo, tornando-se distante da percepção do seu
próprio corpo.
Assim, pretende-se nos próximos capítulos, falar das ações preventivas, o
que poderá ser feito para amenizar os efeitos da senescência. A prevenção como um
meio de ajudar o adulto nesse processo. E os estímulos para ativar a criatividade, e a
auto-estima.
As afirmações que dizem: “a criatividade existe em estado latente77 nos
adultos” 78, quer dizer que se ela for trabalhada no adulto, a linguagem da ação vai
expressar o engajamento pessoal frente à realidade presente, provocando a
imaginação e favorecendo a criatividade.
2.3.2 - Educação Psicomotora79:
A aprendizagem de caráter preventivo tem na educação psicomotora seu
ponto de apoio para fundamentar-se e objetivar seus conceitos. Visa o
desenvolvimento integral do indivíduo nas várias etapas de crescimento, nesse
estudo, propõe abranger o universo dos adultos e idosos, valorizando a vida integrada
em todo o seu percurso.
77 Que permanece escondido; que não se manifesta; oculto 78 “Linguagem Corporal” de Pierre Vayer 79 Fonte de Consulta: “Psicomotricidade: ... Retrogênese” de Vitor da Fonseca; “Imagem e Esquema Corporal”, organizadores: Carlos de Mattos Ferreira e Rita Thompson; “Psicomotricidade: Corpo, Ação e Emoção” de Fátima Alves; “O Desenvolvimento Psicomotor” de Le Boulch
31
Ao mesmo tempo, que ajuda as crianças nos aspectos neurológicos de
maturação, nos planos rítmico e espacial, no plano da palavra e no corporal, pode
ajudar os adultos no conhecimento de si mesmo e como estímulo a sua criatividade.
Segundo Luria e Costallat, a Educação Psicomotora trabalha com as
seguintes atividades:
a) Tônica: Tonicidade e Equilíbrio
b) Psicofuncional: Lateralidade, Noção do corpo, Estruturação
espaço-corporal.
c) De Relação: Memória corporal.
Cria-se através de estímulos condições para o desenvolvimento da
linguagem, da inteligência e do corpo de forma mais harmônica e equilibrada. A
educação psicomotora avalia a criança, ajuda-as nas suas possíveis dificuldades,
tanto na área da inteligência como da afetividade. Através de brincadeiras e jogos,
leva-se a criança para um universo de atividades psicomotoras. A criança é orientada
para trabalhar melhor os seus limites, expondo fatos vivenciados, e fazendo a ligação
entre o imaginário e o real.
Portanto, realizando-se atividades que envolvam esquema e imagem
corporal, lateralidade, relações espaço-temporais, trabalha-se o indivíduo como um
todo.
O corpo é o processo e produto final das experiências agradáveis e
desagradáveis, onde se cristaliza o psíquico, protegendo-o com uma armadura tônica
específica e dando-lhe alicerce ao seu eu. É também, instrumento de realização e
criação, centro difusor de satisfação e dor, base da organização perceptiva e
cognitiva, emancipa-se como ponto de referência espacial e existencial, e transforma-
se na essência da personalidade.
A imagem corporal é um conjunto de informações que constituem um sujeito
diante de si, do outro e do mundo. A construção da imagem passa necessariamente
pelo outro e pela cultura.
O sujeito aprende a se ver com os olhos dos outros. A imagem passa pelos
cuidados recebidos, pelo amor e desamor, pelas frustrações, privações e castrações
simbólicas. O sujeito está para além do seu corpo, apesar de muitas vezes estar
marcado por ele.
32
A gerontologia80 nos tem mostrado o quanto à depreciação e o isolamento do
idoso, em nossa sociedade, podem levá-lo à doença e à morte. E, por outro lado, à
integração e o reconhecimento de seu lugar como sujeito, trazem-no à vida e a saúde.
Portanto, a educação pelo movimento é uma peça mestra na área pedagógica,
e é também, a maneira de se fazer uma educação preventiva, para quando o jovem
tornar-se adulto e o adulto em idoso.
Os estudiosos do movimento psicofísico que trabalham com as dificuldades
psicomotoras da ordem da imagem corporal, esquema corporal, e tônico emocional,
chegam ao movimento criativo81.
Encontram-se os fundamentos que levam os adultos à experimentação e a
percepção de seu movimento de maneira consciente no subitem que se segue.
2.3.3 - Consciência do Movimento82:
Um dos objetivos dessa pesquisa é relacionar as áreas da educação do
movimento, que tratam da unidade mente e corpo, e a educação psicofísica83,
especificando e integrando seus pontos afins.
Como já vimos, a educação psicomotora serve de base indispensável à
formação de toda a criança que seja normal ou com problemas. Tem como
finalidades, “assegurar o desenvolvimento funcional tendo em conta possibilidades
da criança e ajudar sua afetividade a expandir-se e equilibrar-se através do
intercâmbio com o ambiente humano” 84.
A consciência pelo movimento requer uma auto-educação, que é a força
ativa da individualidade e leva a diferença existente para o campo da ação, tendendo
em grande medida a colocar nosso comportamento em linha com os outros.
A auto-educação progride à medida que o organismo infantil cresce e se
torna mais estável. A criança desenvolve gradualmente características individuais,
começa a escolher entre objetos e ações os de acordo com a sua própria vontade. O
80 Ciência que estuda os problemas do idoso sob todos os seus aspectos: biológico, clínico, histórico, econômico e social. 81 (movimento nascido de cada um). 82 Baseado nos estudiosos da Consciência pelo Movimento: FELDENKRAIS, M.; LABAN, R. 83 Estudo das relações funcionais entre a mente e os fenômenos físicos. Unidade psicofísica. 84 Le Boulch. O desenvolvimento psicomotor: do nascimento até os 6 anos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982.
33
adulto é um grande beneficiário desse tipo de educação, sabe-se que as tarefas diárias
o afastam do contato consigo mesmo e acentua o distanciamento do seu eu corporal.
A noção do eu corporal, segundo Wallon, não se limita a sua intuição, exige
uma distinção feita entre os elementos relacionados ao mundo exterior e os
atribuídos ao próprio corpo; assim estaria o eu corporal definido sob os seus
diferentes aspectos. Por conseguinte, é condição indispensável e de reconhecida
capacidade, que seja possível a ligação entre a atividade voltada para o mundo
exterior e a relacionada de modo mais imediato, às necessidades do corpo.
Tanto a psicomotricidade como a consciência pelo movimento trata da
função de interiorização, que é uma forma de atenção perceptiva85 centrada no corpo
próprio, que permite a tomada de consciência de suas características. O jogo das
funções gnósicas86, quanto ao aspecto da percepção, divide-se em dois campos, um
deles relacionado com o ambiente, o outro relacionado com o próprio corpo.
A consciência corporal passa por vias diferentes de informações, a primeira
via distinguida por Wallon é a das sensibilidades viscerais, internas e denominadas
interoceptiva87; a segunda via é chamada de proprioceptiva88, refere-se às sensações
ligadas ao equilíbrio, ações e movimentos do próprio corpo; e a terceira, considerada
a mais tardia, é a construída por intermédio da sensibilidade voltada para as
informações/excitações de origem exterior e é chamada de exteroceptiva89.
A função de interiorização no que diz respeito à área motora, vai tornar
possível uma melhor dissociação dos movimentos suscetíveis de permitir um melhor
controle das praxias90. A função de interiorização tem duas conseqüências, uma no
plano gnósico, a outra no plano práxico. O interesse pelo próprio corpo e pelos dados
exteriores é um fator essencial da estruturação espaço-temporal.
O ser humano é emoção e movimento.Todo movimento consciente para
transformar o mundo emocional implica em modificações na estrutura física. O olhar
85 Percepção é a organização consciente dos dados de informação em relação ao corpo próprio. 86 Gnósico - Relativo à gnose, ao conhecimento. Dic. Aurélio-On line 87 Integra em paralelo a funcionalidade biológica e aos processos básicos de sobrevivência, até aos vários estados de dor 88 Sensibilidade oriunda dos músculos, dos tendões e das articulações, do sistema vestibular e do sentido tátil-quinestésico, também chamado sistema háptico 89 Sensibilidade resultante da ação da experiência e da aprendizagem 90 Praxia: movimento intencional, organizado, tendo em vista a obtenção de um fim ou de um resultado determinado. Não é um movimento reflexo, nem automático; é um movimento voluntário, consciente, intencional, organizado, inibido, isto é, humanizado, sujeito portanto a um planejamento cortical e a um sistema de auto-regulação.
34
para dentro, reconhecer e aceitar sentimentos, perceber o quanto estão reprimidas as
forças de vida e prazer, iluminando os porões do inconsciente; retirar o lixo; trazer da
sombra para a luz, e integrar o ser humano à vida consciente é um exercício diário de
atenção.
O que realmente sentimos? O que há por trás de nossas falas? O que
escondem nossas reações? Quais os nossos mais secretos desejos e necessidades?
Isso tudo está relacionado com o motor e o mental, num trabalho de lapidação91 da
sensibilidade, da percepção, da capacidade de atenção para com o mundo interior e
exterior.
No pensamento de Feldenkrais92, o ser humano é dotado de uma consciência
altamente desenvolvida, e também, possui uma capacidade específica de abstração,
que lhe permite saber o que está acontecendo dentro dele, quando consegue fazer uso
desse poder. Ele pode saber se sabe ou não alguma coisa, se entende ou não alguma
coisa que sabe. Para esse autor, há uma diferença entre consciência e percepção,
embora os limites verbais não sejam muito claros. “... Eu posso subir a escada de
minha casa plenamente consciente do que estou fazendo, e não saber quantos
degraus subi. Para saber quantos são, devo subir uma segunda vez, prestar atenção,
ouvir a mim mesmo e contá-los”. Conclui que a percepção é a consciência junto com
a noção do que está acontecendo na situação ou dentro de nós mesmos, quando
estamos conscientes.
Observa Feldenkrais93 que muitas pessoas acham fácil ter consciência do
controle de seus músculos voluntários, pensamento e processos de abstração. Por
outro lado, é muito mais difícil, ser consciente e controlar os músculos involuntários,
sensações e habilidades criativas. Porém, essa dificuldade não significa
impossibilidade, embora assim pareça para muitos94.
Os trabalhos corporais que desenvolvem a sensibilidade, a imaginação, a
criatividade e a comunicação são aqueles que pensam o corpo como um instrumento
de expressão e não como um meio de ação automático95.
91 Lapidação com o sentido figurado quer dizer: educação, aperfeiçoamento. Dic. Aurélio on-line 92 Fonte: “Consciência pelo Movimento” de Moshe Feldenkrais 93 “Consciência e Percepção”. In: Consciência pelo Movimento: Summus Ed. 94 O ensino da técnica corporal de Feldenkrais, com seu método cuidadoso de pesquisa pode ser encontrado no livro: Consciência pelo Movimento: Summus Ed. 95 “O corpo automatizado é aquele corpo que executa 85% das ações cotidianas inconscientemente, uma vez que dos 15% restantes apenas uma pequena parte é consciente, no plano do movimento e da percepção”. Fonte: Teixeira, Letícia. Conscientização do movimento: uma prática corporal...
35
O que se quer é trabalhar o lúdico, para descontrair músculos e articulações,
mudar o padrão respiratório, expandir o repertório de movimentos, equilibrando-se,
seguir no caminho de autoconhecimento corporal, no contato com o corpo próprio e
com o espaço à volta, num afloramento da percepção.
A consciência pelo movimento como técnica corporal procura desenvolver e
fortificar a individualidade do Ser integrado, atuando com o meio ambiente,
compartilhando com o próximo, trocando conhecimentos, enquanto a história de vida
vai se inscrevendo no corpo.
Como essa pesquisa é voltada para a educação do movimento e afloramento
da criatividade do corpo vivido, é fundamental que o professor que vai conduzir o
trabalho experimente e vivencie primeiro em seu corpo, o processo de
conscientização do movimento.
Quando nos referimos à criança em seu desenvolvimento, primeiramente
ativa-se o impulso motor, que entra em ação pelas necessidades vitais, elevando o
tono, que é alternado pela relaxação quando se satisfaz.
Segue-se ativando os estímulos de toda a ordem: visuais, auditivos, táteis,
organizando o equilíbrio tônico, a comunicação afetiva que se abre para a relação
com o meio, ganhando assim mais presença corporal.
O impulso motor, os estímulos sensoriais e o diálogo tônico continuam
presentes e precisam ser aprimorados para maior segurança corporal e presença
física.
As ações são influenciadas pelo corpo inteiro, no bebê o corpo é globalizado,
em função do sistema nervoso que não se ramificou. Com o tempo, os segmentos vão
se individualizando, favorecendo o domínio de cada parte do corpo, para melhorar a
coordenação motora, lateralidade, equilíbrio e agilidade nas várias posturas
corporais.
Por vezes, encontramos adultos que ainda apresentam em seu domínio
corporal uma certa fragilidade, alguns pontos se encontram enfraquecidos. O que
fazer? Para amenizar os problemas, que inevitavelmente chegarão com o tempo, na
condição de idosos.
As diversas técnicas de consciência corporal sugerem uma reeducação, ou
melhor, uma educação preventiva. Alguma delas, ao retomar no adulto as posições
36
realizadas nos primeiros anos de vida, e que dinamizam o desenvolvimento motor da
criança, ele resgatará esse domínio corporal mencionado.
Segundo Bartenieff96, os padrões neurológicos básicos no desenvolvimento
da criança estabelecem os padrões básicos do movimento e as relações
correspondentes da percepção, incluindo a orientação espacial, a imagem corporal e
os elementos básicos de aprendizagem e comunicação.
Através dos sentidos recebemos informações do interior do nosso corpo e do
exterior. A maneira como o ser humano filtra as informações, essas informações vão
ser modificadas, distorcidas, aceitas ou rejeitadas, e quando usadas tomam parte do
ato de perceber o mundo.
A observação das informações está ligada aos estímulos do meio ambiente.
Quando as informações são bloqueadas há uma defesa destes estímulos.
A consciência do movimento precisa ser vivenciada e é um trabalho que
exige tempo e disponibilidade. Exemplificaremos através dos exercícios práticos de
Letícia Teixeira (1998)97:
“...Deitar de costas, rolar, ficar de bruços, torcer, sentar,
ajoelhar, ficar de pé, voltar a ajoelhar, sentar, deitar,
torcer, são passagens contínuas trabalhadas em séries.
Cada série enfoca uma região a ser sensibilizada e ativada,
tais como: os membros inferiores, os membros superiores,
as musculaturas posterior e cruzada e o pescoço. Os
membros inferiores possuem seqüências mais variadas por
causa da necessidade imperiosa de afrouxar suas
articulações. As articulações sacro-ilíaca, coxa-femural, do
joelho, do tornozelo e dos artelhos são responsáveis pelo
bom desempenho e equilíbrio estrutural, isso porque as
articulações são interligadas. Por exemplo: ao estar de pé o
ao andar, as articulações dos pés interagem e se conectam
com as do pescoço e as da cabeça. A estrutura do corpo é
dinâmica, responde a modulações do movimento.”
96 “Bartenieff Fundamentals” de I. Bartenieff do Laban Institute. Fonte de consulta para os três primeiro parágrafos 97 Fonte de Consulta: “Consciência do Movimento: uma prática corporal” de Letícia Teixeira
37
Esse trabalho de consciência pelo movimento acima, volta-se para o trabalho
com o adulto, na recuperação de movimentos e libertando o corpo para novas
descobertas. É um trabalho individual embora seja feito também em grupo.
Voltando a Bartenieff98, os padrões neurológicos básicos do
desenvolvimento do movimento, ontogenético99 e filogenético100, não acontecem de
forma linear, mas por estágios de desenvolvimento. Cada estágio acompanha e
sustenta um dos estágios sucessivos, qualquer omissão, interrupção ou falha para
completar um estágio do desenvolvimento pode levar a problemas de alinhamento no
movimento, desarmonia entre os sistemas corporais e bloqueios da percepção,
conexão, memória e criatividade.
As respostas automáticas que acompanham os movimentos gerados pela
nossa vontade, incluem os reflexos primitivos, reações de correção e respostas ao
equilíbrio, esses são os elementos fundamentais ou o “alfabeto” de nossos
movimentos.
Klauss Vianna (1990), fala da percepção corporal a partir de movimentos
básicos e chama a atenção para os movimentos cotidianos: “Se observarmos, por
exemplo, o ato de andar, é possível identificar características muito distintas de
comportamento”. Na percepção de si mesmo, o contato dos pés com o chão, a
posição dos joelhos e quadris, a colocação do tronco em relação às pernas, a posição
da cabeça em relação ao tronco, o corpo acaba sofrendo uma interferência só pelo
fato de se estar observando.
Quando se lida com o corpo do outro, deve-se respeitar a integridade desse
corpo, as descobertas das dificuldades, das compensações, e tensões reveladas para o
dono do corpo. Deve-se também, ter cuidado para não interferir de maneira abrupta,
e sempre optar por orientar e não por comandar, sugerir e não ordenar, para não
automatizar e sim estimular os movimentos voluntários, respeitando-se o tempo de
cada um.
98 “Body Movement”, de Irmgard Bartenieff. In: Apostila do Grupo de Estudos sobre “Os padrões de desenvolvimento do movimento” de Henrique Schüller, graduado pelo Laban Institute of Movement Studies. New York 99 desenvolvimento da criança na espécie humana 100 a progressão evolutiva no reino animal
38
CAPÍTULO - 3
A EDUCAÇÃO CRIATIVA DO MOVIMENTO
39
3.1 - Corpo - Espaço e o Movimento101:
O ser humano começa sua experiência com o fator espaço por volta do
terceiro mês de vida, quando já tem seus órgãos perceptivos mais desenvolvidos, e
consegue focalizar sua mãe e objetos. Por meio dessa focalização, locomove-se para
objetos e pessoas. Primeiramente, para o espaço pessoal, depois o parcial e o geral.
Quando começa a focalizar para fora, os objetos tomam forma e deixam de parecer
uma só coisa. Fica assim estabelecido o “princípio de realidade”, isto é, quem eu
sou e quem é o outro. A tarefa do fator espaço é a comunicação.
É a comunicação que faz o indivíduo se relacionar com o outro, o mundo à
sua volta. “A atitude relacionada ao espaço é a de atenção, afeta o foco do
movimento, informando sobre o onde do movimento”.102
As localizações no espaço são mais complexas, dão ao movimento um
aspecto mais intelectual da personalidade. A atenção pode estar num único foco
como em dois (atenção bidimensional), ou em mais focos ao mesmo tempo, gerando
uma configuração no espaço nas três dimensões simultaneamente.
O espaço e o movimento trazem em si a idéia de unidade, de dois aspectos
envolvidos em uma mesma realidade. O espaço não é vazio e nem separado do
movimento, é uma localidade, como nos afirma Laban: “... o movimento é
constituído pelo trajeto entre diferentes pontos no espaço e não por uma sucessão de
poses. O espaço é um aspecto oculto do movimento e o movimento é um aspecto
visível do espaço”.103
O corpo humano quando se movimenta modifica o espaço, em graus104:
pequeno ou grande. O espaço está todo o tempo se modificando, as pessoas, os
animais, o ar que passa, modificam o espaço. “O espaço é uma coisa viva”.105
Quando se relaciona o corpo com o espaço, não se pode deixar de falar em
eixo espacial. Eixo é uma linha imaginária, que cruza um ponto central, com
101 Fonte de Consulta: “Psicomotricidade, Ritmo e Expressão Corporal” de Marta Shinca; “O Domínio do Corpo” de Rudolf Laban. Dicionário Laban de Lenira Rangel, entre outros. 102 RENGEL, Lenira. Dic. Laban 103 RENGEL, Lenira. Dic. Laban. 104 Aqui exprime o aumento ou a diminuição do ser, relativamente à sua dimensão normal ou intensidade maior ou menor de um atributo. 105 CAVALCANTI, Cibele. In: Dic. Laban.
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conteúdo direcional de tensões opostas. Um eixo divide um corpo em partes
aproximadamente equilibradas.
Considera-se a dimensão106 como um dos elementos básicos de orientação no
espaço. Para Laban (1966) as dimensões são como tendências do espaço.
Há três dimensões: de amplitude ou largura, comprimento ou altura e
profundidade. E para cada dimensão espacial107 há o eixo correspondente:
• dimensão de comprimento – eixo vertical;
• dimensão de amplitude – eixo horizontal;
• dimensão de profundidade – eixo sagital.
Na dimensão de comprimento, temos as direções: cima – baixo; na de
amplitude: lado-lado; na de profundidade: frente – trás.
As ações espaciais facilitam a sensação cinestésica108 (emergir e afundar) na
dimensão do comprimento, na dimensão de amplitude (alargando e estreitando), na
dimensão de profundidade (avançando e retraindo-se)
Além dos três eixos: vertical, horizontal e sagital, existe outros chamados
diagonais, diametrais109 e transversais110.
A diagonal é uma linha imaginária, inclinada, que fica exatamente em igual
distância entre as três dimensões já citadas. Têm componentes tridimensionais,
porque passa pelas três dimensões ao mesmo tempo. Pode ser visualizada, percebida
ou sentida espacialmente experimentando-se todas as dimensões nessa linha
diagonal, pode-se também, enfatizar mais uma dimensão do que outra ou outras.
Ao relacionar-se o corpo com o espaço, cinestesicamente falando, aparece a
sua ligação com o tema do antagonismo111.
Verificamos que, para estabelecer antagonismo muscular dentro do
movimento, é necessário “dar substância112” ao espaço. Senti-lo como oponente por
106 Sentido em que se mede a extensão para avaliá-la. Geom. Anal. Num espaço, o número mínimo de coordenadas necessárias à determinação unívoca de seus pontos. 107 Dimensão espacial: é uma extensão entre duas direções opostas. Dic. Laban 108 Sentido pelo qual se percebem os movimentos musculares, o peso e a posição dos membros. 109 Diâmetro: numa curva, lugar geométrico dos pontos médios das cordas paralelas a uma dada direção. [Numa circunferência, o diâmetro é o comprimento de qualquer corda que lhe passe pelo centro.] Numa superfície, lugar geométrico dos centros das seções planas paralelas a um dado plano. 110 Linha transversal (inclinação) passa por diferentes planos, (de alto-direita, para trás baixo; ou de alto-direita para esquerda-baixo) o movimento tem um traçado de linha reta,pode também ser traçado por curvas ou sinuosas. (Ver Dic. Laban) 111 Oposição de idéias ou de sistemas; Oposto, contrário. Dic. Aurélio On-line 112 Dar corpo. A parte real, ou essencial, de alguma coisa; a natureza de um corpo; aquilo que lhe define as qualidades materiais; matéria. Dic. Aurélio On-line
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sua densidade e corporeidade é o primeiro passo para trabalhar com a qualidade do
movimento113. Não só o espaço pode fazer o papel de antagonista, podemos também,
imaginar o corpo como antagonista do espaço, e este no papel de agonista114.
Trata-se aqui de conceitos abstratos de difícil entendimento, por essa razão
se faz oportuno, tomar essas idéias como imagens, ou seja, um objeto imaginário que
muda de peso.
A luta com a gravidade trás o entendimento a partir do momento em que se
deve variar a graduação do antagonismo, quando a transformação da matéria da qual
é feito o objeto produz no trabalho corporal uma mudança de qualidade.
Exemplifica-se a idéia acima com exercícios práticos retirados do trabalho de
Marta Schinca (1991)115:
a) Preparação para o exercício: De pé, pernas separadas. Sustentar, entre as
mãos, uma bola imaginária.
Conduzi-la, com movimento de braços, para cima, bem alto, estirando coluna
e braços, chegando a ficar na ponta dos pés. Em seguida, levá-la bem baixo, contra o
chão, entre as pernas, mediante flexão dos joelhos e tronco para frente, por várias
vezes.
Continuar sustentando-a entre as mãos, agora à altura do peito; conduzi-la
para a direita, por rotação do tronco sobre as pernas fixas e estiramento de braços
para esse lado. Daí, passar para o lado esquerdo. Várias vezes.
b) Mudança de peso: voltar à via espacial acima-abaixo, sustentando a bola
com peso e volume normais.
À proporção que se realiza o movimento, modifica-se a matéria de que se
compõe, exemplo: ao invés de ter ar dentro, supõe-se que agora tem areia. Sente-se
de imediato uma maior tensão muscular, coloca-se mais energia, o tônus aumenta, e
portanto, como o grau de esforço é maior, a via espacial diminui em amplitude: já
não é possível levantar tanto nem com tanta facilidade e, além disso o movimento se
torna mais lento. Em seguida, passa a ser de ferro; é pesadíssima, portanto o grau de
antagonismo aumentou bastante e o esforço muscular também.
113 Falaremos mais a respeito no item 3.1.1 Qualidade de Movimento 114 Diz-se de músculo que promove uma ação à qual se opõe outro músculo, denominado antagonista. Dic. Aurélio On-line. Neste contexto, o espaço é constituído de corpo (de sustância) 115 “Psicomotricidade...” ver na nota 86. A autora pertence ao CIOS (Centro de Investigación y Orientación Psicológica) criado em 1966. Marta está vinculada a uma das escolas mais criativas da expressão corporal alemã.
42
A gravidade se faz presente, e é tão grande a luta contra ela que mal se pode
elevar a “bola”; a amplitude e a velocidade do movimento diminui mais ainda.
Diminuindo-se o peso, pouco a pouco, transforma-se em um globo muito
leve. A amplitude do movimento é máxima; não existe antagonismo nem luta contra
a gravidade, nota-se a leveza do movimento com redução do tônus muscular .
É importante, depois de realizar essa experiência, sentirem essas diferentes
graduações do esforço muscular e sua relação com o espaço, pedir que cada um
(crianças ou indivíduos de qualquer idade) faça sozinho, mudando voluntariamente o
material de que é feita a bola. Quem estiver assistindo a execução dos movimentos,
pedir para dizerem que material é a esfera em cada transformação.
Dar atenção ao ritmo-espaço a fim de criar um certo domínio e uma
adequada esfera pessoal116 de esforço à sua volta, para adquirir melhor posição para
seu esforço. Ritmo-espaço é trajeto que o indivíduo traça através de todas as
combinações de esforço necessário ao seu trabalho e a seu comportamento em geral.
A relação do corpo com o espaço e o movimento é para ser experimentado
ao longo da existência. Vivenciar o espaço total, através da percepção das relações
do movimento com os seus limites e dificuldades, dá ao indivíduo mais capacidade
de se relacionar com os outros; indo do plano individual, racional para o coletivo,
estabelece-se assim, a comunicação.
A forma de conseguir o contato pelo movimento realiza-se através do espaço
comum; em psicomotricidade todos os temas se tocam, se superpõem, se inter-
relacionam constantemente. O valor do trabalho pessoa a pessoa, ou entre mais
indivíduos, vai além de um objetivo meramente terapêutico. Abre-se um caminho
para a aceitação e a transmissão mútua, saindo cada um de sua própria esfera
limitada.O movimento é a prolongação, no espaço, do movimento do outro.
Os elementos extracorporais (bastões, bolas, lenços, faixas, elásticos, etc.)
podem ser usados como guias para a busca e o controle do movimento. Como por
exemplo, conduzir lentamente uma bola em ampla trajetória espacial, para entregá-
la a outro supõe domínio de impulso, concentração de energia e sustentação corporal,
ao mesmo tempo em que conduz à possibilidade de continuidade desse movimento
criando a comunicação.
116 Ou Cinesfera.
43
No movimento corporal, é possível aparecer perturbações na orientação
espacial por causas motoras, psicomotoras e psicológicas. As perturbações de ordem
motora estão ligadas ao ritmo irregular da respiração do sujeito ou a um problema
auditivo; as de ordem psicomotora são reveladas pela falta de orientação e de
organização espaciais; e as psicológicas aparecem em caso de choque afetivo ou
viver em ambiente inseguro, onde não existem pontos de referências suficientes117.
Para Piaget118, “a orientação e a estruturação espaciais são importantes
todo o tempo, em nossa criança interior que, se não trabalhada a contento, deve
colocar-se em relação ao espaço e reestruturar-se em relação ao tempo”.
O corpo em movimento pode transformar-se e modificar-se em relação ao
espaço. Um espaço amplo, livre e disponível, sugere movimentos de expansão; no
entanto, um espaço apertado, comprimido, pode induzir a movimentos restritos ou de
busca de evasão. Trata-se de uma inter-relação dialética entre corpo e âmbito119 que
pode, assim, enriquecer ou empobrecer, expandir ou restringir o comportamento
corporal.
Como já vimos, o espaço pode ser percebido, explorado e conhecido. O
escultor, o pintor, o músico, o arquiteto, tratam o espaço com seus respectivos meios
específicos. O dançarino conecta-se com o espaço, ocupando-o com o seu próprio
corpo; experiencia o movimento dialogando com o espaço em inúmeras
possibilidades criativas.
Segundo Brikman120, o espaço pode constituir-se de presenças e ausências
(espaços cheios e espaços vazios); enquanto não o pensamos ou não o exercitamos, o
espaço não existe. Assim, o corpo tem espaço interior e exterior121, e a sensação de
espaço exterior infinito contrasta com a sensação finita do próprio corpo.
O espaço é tridimensional, tem comprimento, profundidade, e altura122. Um
percurso dentro desse espaço implica desenhar pontos, linhas e suas infinitas
combinações.
117 Fonte: “Psicomotricidade...” de Fátima Alves 118 In: “Psicomotricidade...” de Fátima Alves 119 Espaço delimitado; no sentido figurado: campo de ação; zona de atividade. Dic. Aurélio On-line 120 BRIKMAN, Lola. A linguagem do movimento corporal. Summus Ed. 121 Fonte: Psicomotricidade... de Fátima Alves – “explorado pela percepção exteroceptiva: a visão de um objeto através de estímulos exteriores – vem de fora para dentro; e pela percepção proprioceptiva: os gestos que são necessários para apanhá-lo – análise de dentro para fora”. 122 Dimensão
44
Pode-se pensar o espaço: pela percepção, sentindo os espaços; pela descrição
do desenho, considerando a linha e suas combinações; e ainda, sentir e atuar,
integrando ambos os aspectos. Respeitando-se os aspectos formais e sentidos de
direção: em cima/embaixo, ambos os lados, à frente/atrás.
Segundo Giacomim (1985)123, “...O espaço humano é todo orientado no
sentido esquerdo, direito, acima, abaixo, longe, e perto”.
Além disso, devem ser cuidadosamente considerados, a intenção, o manejo
corporal, a utilização de energia, a localização postural, o tempo necessário, enfim o
movimento interior e exterior124.
Em sua prática corporal Feldenkrais125 usa as relações espaciais como um
meio de coordenar a ação, afirmando que a atenção dada conscientemente às relações
espaciais entre os membros em movimento, faz com que eles se tornem coordenados
e fluentes, e a exploração sistemática e atenta de uma parte do corpo, pode relaxar
tensões supérfluas.
O espaço corporal envolve uma direita e uma esquerda de gestos, que
recebem uma orientação. O ato acrescenta ao gesto uma adaptação ao espaço visual
do meio que o circunda, adaptando-se aos objetos. Há um interesse afetivo que o
indivíduo demonstra nas relações entre o espaço gestual e o espaço dos objetos e da
acomodação motora ao mundo exterior. Através dessas relações consegue-se a
orientação de direção e distância, com base nos sentidos da visão e do tato.
Para atuar no espaço é necessário compreender pouco a pouco que as coisas
que nos cercam têm uma trajetória que não depende de nós.
Ao adotar posturas e realizar movimentos no espaço surge o sentido da
esquerda e direita próprias, e a noção de que outras pessoas podem possuí-la, e
outros objetos126.
As inter-relações do corpo, espaço e movimento se dão pela estruturação do
espaço-temporal: tempo, espaço, distância e ritmo127. Toda e qualquer ação se
123 In: “Psicomotricidade: corpo, ação e emoção” de Fátima Alves 124 Fonte: Adaptação do livro “A linguagem corporal” de Lola Brikman 125 FELDENKRAIS, Moshe. Consciência pelo movimento. Summus Ed. 1977 126 Fonte: “Definições e conteúdos da psicomotricidade” In: Expressão Corporal... de Patrícia Stokoe e Ruth Harf. Summus Ed. 127 Fator de estruturação temporal que sustenta a adaptação ao tempo. Há ritmos internos (cardíaco, respiratório, etc.) e externos (eventos naturais: das horas do dia, das estações, etc.).
45
desenrola num tempo e num espaço dados, e o tempo e o espaço formam um todo
indivisível.
A distância sempre deverá ser entendida nos dois sentidos do termo: o físico
(calculável em centímetros) e o afetivo (“longe dos olhos, longe do coração”).
Os sentidos nos permitem tomar conhecimento do espaço; a avaliação da
distância que separa ou liga mutuamente, varia de cultura para cultura, de grupo
sócio-cultural, de grupo geográfico, e ainda de indivíduo para indivíduo, do
extrovertido que fala em voz alta e toca seu interlocutor, ao inibido que não suporta o
contato e reprime seus gestos128.
Klauss Vianna (1990)129, mostra a necessidade da relação com o espaço
através do olhar: “O espaço é limitante e é necessário conviver com ele, aprender a
olhar os limites da sala e além da sala. Essas diferentes intenções geram diferentes
reações musculares”. No momento da prática corporal, as informações que são
passadas pelos participantes, como o modo de sentir o trabalho, se alguma coisa
modificou na percepção, se sentem tudo da mesma forma. Chama atenção para as
diferenças a partir da respiração, “retrato da emoção”.
Continua Klauss, “...a respiração é um processo de troca com o mundo, eu
me alimento através dela. Exatamente por isso fico sem reposta quando prendo a
respiração, quando deixo de me relacionar e trocar com o mundo”. O espaço para
cada pessoa, cada aluno, vai sendo criado na possibilidade de vivenciar coisas novas.
3.1.1 - Qualidade do Movimento130:
A qualidade do movimento está ligada a quantidade de energia que o corpo
deve empregar para realizar um certo esforço. Esse esforço se cumpre em certo
tempo e num certo espaço particular e resulta em ações básicas.
Há três aspectos que correspondem à qualidade do movimento ou “qualidade
do esforço” 131, a energia, o tempo e o espaço. A energia = forte / suave; o tempo =
rápido / lento; o espaço = direto / indireto.
128 Fonte: “A Psicomotricidade” de Jean-Claude Coste. Zahar Ed. 129 Fonte de Consulta: “A Dança” de Klauss Vianna 130 Fonte: “Dicionário Laban” de Lenira Rangel; “A linguagem do Movimento Corporal” de Lola Brikman; “Domínio do Movimento” de R. Laban; “Psicomotricidade, Ritmo e Expressão Corporal” de M. Schinca. 131 “Dicionário Laban” de Lenira Rengel.
46
Segundo Laban (1971)132: “Qualidade do esforço é o correspondente
primário da dinâmica de movimento, a qual tem elementos polares em tempo
(sustentado-súbito), em espaço (direto-flexível), em peso (leve-firme) e em fluência
(livre-limitada)”.
Qualidades que não são de ordem quantitativa ou mensurável, mas pela
distinção de atributos133. As mudanças qualitativas do esforço no movimento
ocorrem dentro de uma gama134 entre dois contrários. Qualidade do esforço é um
aspecto do comportamento e pode ser considerada como um produto do
metabolismo, da aprendizagem e da percepção do meio ambiente. Resulta de uma
atitude interior (consciente ou inconsciente) da pessoa que se move em relação aos
fatores de movimento.
Pode-se dizer que as qualidades do esforço têm uma rede infinita e complexa
de nuances, as quais derivam das inúmeras relações e combinações que podem
acontecer no movimento.
Da relação entre espaço, tempo e energia, derivam oito ações básicas, cada
uma das quais faz uma diferente combinação de três qualidades do movimento135.
Como vemos a seguir:
ĺ Golpear = forte / rápido / direto
ĺ Chicotear = forte / rápido / indireto
ĺ Pressionar = forte / lento / direto
ĺ Torcer = forte / lento / indireto
ĺ Apalpar = suave / rápido / direto
ĺ Deslizar = suave / lento / direto
ĺ Sacudir = suave / rápido / indireto
ĺ Flutuar = suave / lento / indireto
Essas ações básicas têm qualidades que se relacionam com o movimento e
com o emprego do tempo e do espaço; permitem distinguir entre movimento fluido e
132 “Dicionário Laban” 133 Que são próprios de um ser. 134 Fig. Série ou sucessão de idéias, sensações, teorias, etc. Dic. Aurélio On-line 135 Fonte de consulta: “A linguagem do movimento” de Lola Brikman
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movimento controlado; mobilizam tanto a musculatura mais próxima ao osso como a
mais periférica.
Obtém-se as ações básicas descarregando-se o peso do corpo sobre o chão e
reforçando os apoios conseguidos mediante uma descarga bem localizada. Os
movimentos se apóiam na gravidade e a partir daí se enriquecem. Diferencia-se o
movimento entre as diversas qualidades, na busca pelos movimentos opostos.
Devemos considerar a inter-relação do interior e exterior do próprio corpo. O
movimento exterior pode promover mudanças no ambiente, e através desse
andamento, põe em jogo o movimento interior, este pode conscientizar tudo aquilo
que passa pelos sentidos.
Nas variedades e mudanças de qualidades de peso, tempo, espaço e fluência
manifesta-se às ações corporais ligadas ao ritmo do esforço, ou seja, nas diferentes
pontuações de esforço. Podemos observar que duas pessoas juntas fazendo a mesma
coisa, mostram diferentes ritmos de esforço.
Na visão de Marta Schinca (1991)136, podem existir basicamente quatro
qualidades: pesado / pesado e forte / leve / leve e suave.
• Pesado: com a gravidade, sem antagonismo espacial (ceder à atração
da gravidade sem tensão muscular);
• Pesado e forte: com a gravidade, com antagonismo espacial (ceder à
atração da gravidade, mas em tensão);
• Leve: contra a gravidade, com antagonismo (esforço contra a
gravidade, energia muscular);
• Leve e suave: contra a gravidade, sem antagonismo (movimento
livre, superado todo o esforço muscular; o corpo atua como que
suspenso no espaço, sem sensação de peso).
Ainda segundo Schinca, “A noção de qualidade de movimento se completa
com dois fatores de grande importância: o fluir de energia e o uso do fator temporal
(o movimento pode ser direto ou flexível)”.
A energia quando se propaga em linha reta é unidirecional; quando em
curva, utiliza-se de várias alterações de direção espacial. Em relação ao sentido
136 do livro “Psicomotricidade, Ritmo e Expressão Corporal” de M. Schinca
48
temporal, quanto às matizes agônicas137, basicamente o movimento pode ser súbito
(curto e rápido), ou contido (longo e lento).
Para complementar a avaliação da “qualidade do movimento”, além de levar
em conta o peso e o grau de tensão muscular, é preciso estimar o fluxo do
movimento (direto ou flexível) e seu desenvolvimento no tempo (súbito ou contido).
Todos esses movimentos dependem da carga emocional que despertam nos
alunos. Como medida de sensibilizar levando-se em conta os matizes expressivos,
podemos trabalhar o tema mediante imagens, como exemplo: os diferentes materiais
em que o corpo se transforma, atendendo as características de peso e tensão; as
diferentes consistências do espaço, trabalhando os contrastes nos fatores: peso,
tensão, fluxo, duração temporal; exercícios que simulem a passagem por vários
estados, como exemplo: água fria – ebulição – evaporação – condensação, ou casulo
– larva – mariposa.138 Além da riqueza comparativa da capacidade de esforço
humana, pode-se notar nela uma especialidade que cabe ser denominada de esforço
humanitário. Graças a esse esforço o ser humano tem condições de controlar hábitos
negativos e desenvolver qualidades e inclinações que possam beneficiar, apesar de
influências adversas.
Laban (1978)139 trata do estudo e treinamento de movimentos baseados na
observação dos hábitos de esforço dos animais, da natureza, do trabalhador, e nos
instintos comunitários. “Os estranhos hábitos do ser humano, que não podem ser
inteiramente explicados como adaptação às circunstâncias e ao meio ambiente, são
os resultados de um refinamento conscientes do esforço”.
Os movimentos do corpo podem ser divididos aproximadamente em passos,
gestos dos braços e mãos, expressões faciais. Os passos abrangem pulos, giros,e
corridas. Os gestos das extremidades da parte superior do corpo compreendem
movimentos de esvaziar, de recolher e de espalhar, dispersar. As expressões faciais
relacionam-se aos movimentos da cabeça, que servem para dirigir os olhos, ouvidos,
boca e narinas na direção de objetos dos quais se espera ter impressões sensoriais. A
coluna, os braços e as pernas são articulados, isto é, subdivididos em juntas
articuladas; a articulação da coluna é mais complexa que a dos braços e pernas.
137 De agonista: Anat. Diz-se de músculo que promove uma ação à qual se opõe outro músculo, denominado antagonista (posto, contrário). 138 Fonte de Consulta: “Psicomotricidade, Ritmo e Expressão Corporal” de Marta Schinca. 139 “Domínio do Movimento” de Rudolf Laban
49
Cada um dos movimentos se origina de uma excitação interna dos nervos,
provocada tanto por uma impressão sensorial imediata quanto por uma complexa
cadeia de impressões sensoriais previamente experimentadas e arquivadas na
memória.
E, é relativamente fácil observar um movimento fluindo livremente numa
direção exterior, a partir do centro do corpo em direção das articulações.
A fluência do movimento140 é controlada quando o sentido dele toma um
rumo para dentro, que se inicia nas terminações das extremidades, progredindo em
relação ao centro do corpo. Existe porém todo um “labirinto” de combinações que
não pode ser demonstrados em poucas palavras, tornando-os, portanto, necessário
efetuar-se um exame sistemático dos principais tipos de ações corporais.
Um fator importante na qualidade do movimento é a tomada de consciência
do tempo e do espaço, tendo por base o ritmo corporal.
Como já vimos, o corpo se move num espaço e num tempo correspondente.
Cada gesto ou signo no espaço também se desenvolve no tempo. E, todo movimento
no tempo necessita manifestar-se no espaço.
A propagação de energia de um ponto a outro, produzida pelo encadeamento,
sucessão e diferenciação do trabalho muscular, constitui o “ritmo fisiológico” do
movimento.
Ritmo e expressão corporal estão estreitamente ligados, tanto o ritmo interno,
quanto o externo. Existe um ritmo interior, anímico141, enraizado em nossas
características psicossomáticas, e que depende também de fatores circunstanciais e
ambientais; manifesta-se exteriormente como um tempo afim a cada um.
O ritmo exterior, o ritmo como relação de valores sonoros, nos permite
ordenar o corpo no tempo e no espaço simultaneamente. É importante o educador
observar, na medida do possível, o tempo natural de cada um e seu grau de
capacidade rítmica.
Antes de iniciar o trabalho corporal, é muito útil caminhar, correr ou avançar
saltando, sem especificar tempo; cada um o faz livremente. Fazendo-os seguir, com
passos, um esquema rítmico bem simples, também se pode descobrir a capacidade
auditiva e rítmica natural de cada um. 140 Fonte de Consulta: “Domínio do Movimento” de Laban: A fluência do movimento é controlada por centros nervosos que reagem aos estímulos internos e externos. 141 Pertencente ou relativo à alma; psíquico. Aurélio On-line.
50
O conceito tempo refere-se à rapidez ou lentidão com que se manifesta,
dentro do tempo em sua acepção mais ampla, uma seqüência rítmica ou musical
determinada.
Há pessoas com uma variedade grande do tempo, umas com o tempo normal
muito acelerado142, e outras cujo tempo é muito lento.
Ritmo é ajustamento ao tempo através da percepção temporal, de uma
motricidade global bem organizada temporalmente. O caráter rítmico do movimento
espontâneo lhe confere sua harmonia e sua coordenação.
Existem sons interiores (lembranças auditivas), sons especiais (buzina), sons
da natureza (o vento, a chuva), sons de nosso corpo (respiração, voz, articulações,
pulsação, ossos). Todos esses elementos possuem um ritmo próprio.
3.1.2 - Equilíbrio Tônico143:
A função tônica é um critério fundamental do desenvolvimento da criança,
tendo na tonicidade axial a marca dessa evolução. Na 11ª semana a cabeça não sabe
se posicionar direito e ainda volta a cair num sentido ou noutro.
Inicia-se a função tônica, quando a criança começa a se equilibrar sobre o
eixo do corpo, a partir do 4˚ ou 5˚ mês, tornando-se capaz de se orientar por um
movimento contínuo.
Aos 6 meses, adquire a postura sentada; aos 9, mantém-se de pé com a ajuda
de algo em que se apóie. Passa rapidamente da locomoção reptante144, para o
quadrupedismo145.
A aquisição do equilíbrio é adquirida a partir do 12˚ mês, quando a criança
realiza os seus primeiros passos, se bem que a extensão dos músculos dos membros
inferiores ainda lhe faça falta.
Somente no final do segundo ano é que a motricidade global se aperfeiçoa,
permitindo à criança caminhar de pé.
142 Geralmente essas pessoas estão num estado de inquietação ou excitação. 143 Fontes de Consulta: “A Psicomotricidade” de Jean-Claude Coste; “Eutonia: um caminho para a percepção corporal” de Gerda Alexander; “Viver o seu corpo” de Yvonne Berge; “Psicomotricidade...” de Henri Wallon 144 Que anda de rastos; Dic. Aurélio On-line 145 Quadrúpedes: designação usada por Aristóteles para os animais com sangue e providos de quatro pés. Segundo esse autor, os quadrúpedes vivíparos e os quadrúpedes ovíparos, juntamente com as aves e os peixes, formavam o grupo dos animais.
51
De uma maneira geral, a evolução tônica da criança desenvolve-se da
periferia para o eixo corporal: o recém-nascido caracteriza-se pela hipertonia dos
membros (inferiores e superiores) e a hipotonia do eixo corporal. Essa divisão ganha
equilíbrio, pela tonicidade do tronco e da nuca; é o desenvolvimento das funções
piramidais e a mielinização146 das fibras nervosas que permitem essa evolução.
É graças a um ajustamento apropriado na musculatura que o ser humano
pode manter-se em equilíbrio e recuperar o equilíbrio. O tônus varia em função da
atitude e da postura; em contrapartida, as adaptações do tônus contribuem largamente
para a manutenção do equilíbrio.
O tônus é regulado e modulado por todos os processos do sistema nervoso,
desde o nível medular até o nível cortical.
Alguns estudiosos, observadores da regulação tônica147, situam o estudo do
tônus como um dos mais vastos e complexos da neurofisiologia. Vasto porque não é
de formação nervosa exclusiva; é também de formação cerebral, medular e
periférica, tendo com todas uma relação de conjunto. Complexo porque forma o
fundo das atividades motoras e posturais, preparadoras para o movimento, fixando a
atitude, protegendo o gesto, mantendo a postura e o equilíbrio.
Sublinhou Wallon148, que o tônus é o suporte onde se fazem as atitudes, e é o
responsável pelas perturbações da evolução humana. Para o mesmo autor, a função
tônica intervém na dialética149 da atividade de relação e no campo da psicogênese.
No diálogo corporal que o indivíduo estabelece com o mundo, o tônus
integra toda a história dialética das informações exteriores, e inter-relaciona-as para
dar origem à fenomenologia do comportamento humano.
O estudo do equilíbrio tônico, no sentido de obtenção de um tônus
harmonioso e “ótimo”, tem como referência à técnica da “Eutonia” de Gerda
Alexander (1976)150. A Eutonia151 era originalmente um método de relaxamento, sua
146 Mielina: substância lipóide que forma a bainha em torno de certos nervos. 147 Como Mauro e Laget. In: “Psicomotricidade…” de Vitor da Fonseca 148 In: “Psicomotricidade…” de Vitor da Fonseca 149 Hist. Filos. Conforme Hegel (v. hegelianismo), a natureza verdadeira e única da razão e do ser que é identificado um ao outro e se definem segundo o processo racional que procede pela união incessante de contrários -- tese e antítese -- numa categoria superior, a síntese. Segundo Marx , o processo de descrição exata do real. 150 “Eutonia: Um caminho para a percepção corporal” de Gerda. Alexander 151 Fonte de Consulta: “Eutonia e Relaxamento”
52
criadora o transforma num processo de aprendizado sensório-motor ou sistema de
consciência mental-corporal.
O ponto central da EGA (Eutonia Gerda Alexander) é trabalhar com o
equilíbrio do tônus de todos os tecidos, da pele e músculos, aos órgãos e glândulas.
Tem como objetivo, aprender a soltar fixações do tônus (grupos de músculos que
continuam tensos, mesmo em repouso) e substituí-las por flexibilidade, o que permite
que todos os graus de tonicidade, do repouso à atividade, sejam usados com
eficiência e discernimento152.
A flexibilidade do tônus, teoriza G. Alexander, “favorece reações criativas e
espontâneas a cada novo estímulo e exigência da vida, não apenas físicos, mas
também intelectuais e emocionais”.
Na opinião de Yvonne Berge (1988)153, “...o relaxamento deve preceder
sistematicamente toda sessão de educação corporal”; isso se deve a correria diária,
os alunos chegando cansados, nervosos, atrasados, totalmente incapazes de estarem
prontamente presentes, abertos, receptivos. Daí vem à necessidade de se descontrair
prontamente, antes de iniciarem a atividade. Sem isso, poderiam se exercitar de
modo mecânico, com desatenção.
O relaxamento permite tomar consciência dos tempos fortes e dos tempos
fracos das atividades humanas. E, ainda, não se trata de um amolecimento passivo,
como a palavra sugere, mas exige uma vigilância profunda do que se passa em nós. É
uma espécie de auscultação de si mesmo, a iniciação de uma reeducação.
O método da Eutonia incorpora de Henri Wallon o estudo da origem da
consciência corporal e sua contribuição mais expressiva: o caráter emocional do
tônus muscular, nega a compartimentação do indivíduo, abordando-o tão somente em
sua “unidade”.
A Eutonia se faz entender sobretudo através da prática, a prática precede a
teoria; baseia-se na sensação tátil consciente, no desenvolvimento da sensibilidade
superficial e profunda. O tato e o contato das pessoas entre si pressupõem uma
normalização e o domínio do tônus para que cada parceiro não prejudique o outro
pela transferência no seu modo de atuar ou de suas próprias dificuldades.
152 Conhecer distintamente; perceber claro por qualquer dos sentidos; apreciar; distinguir; discriminar. 153 Fonte de Consulta: “Viver o seu Corpo” de Yvonne Berge
53
Trata-se, portanto, no trabalho eutônico, de estar aberto e receptivo aos
outros, sem enfraquecer a própria personalidade.
A experiência mostra que o mesmo exercício executado aparentemente da
mesma maneira por diversas pessoas leva, geralmente a resultados e vivências
diferentes. Cada aluno reagirá de maneira diferente, condicionado pelos seus hábitos,
tabus e inibições inconscientes, de acordo com a sua educação e os modelos que
tenta imitar.
Sentir e observar são caminhos diferentes, é necessário que se inter-
relacionem, num processo dialético. Para que a pessoa consiga um contato dela
consigo mesma, com o próximo e com o ambiente, é preciso que vivencie
conscientemente seu corpo, no movimento e no contato com o ambiente.
Para realizar o movimento, com a harmonização do tônus, Gerda utiliza
linhas feitas no espaço, imagina o prolongamento das extremidades dos braços
direcionados para o teto, paredes, chão, e assim por diante. O movimento ganha
leveza e liberdade sem o esforço desnecessário. Trabalha a respiração de modo
indireto, não precisando regulá-la, porque notava que as pessoas quando se
preocupavam com a respiração a desregulava.
A base do método é atingir uma consciência sensorial maior e um estado de
presença, de maneira relacionada e não isolada: “deitado no chão, sentindo a
respiração, a pele e a forma do corpo, você também sente a ligação com o chão” 154.
Manter uma presença sensitiva e estável de si mesmo não significa se fechar ao
ambiente, assim como ficar em contato com o ambiente não significa perder a
individualidade e a consciência interior.
A Eutonia para Gerda não pode ser separada da vida cotidiana; e a
consciência mais profunda, a que favorece a maturação, é a do esqueleto. Sentir a
estrutura óssea é algo que pode liberar as tensões mais arraigadas e levar a um
sentimento de segurança e solidez interior, além de restaurar o alinhamento155.
Segundo M. Schinca (1991)156, “A boa postura ou atitude equilibrada é uma
busca da reeducação psicomotora, já que os desequilíbrios ou deficiências neste
154 “Eutonia e Relaxação” de Gunna Brieghel-Müller (discípula de Gerda Alexander) 155 Fonte de Consulta: Monografia para o Curso de Pós-Graduação em Terapias Corporais (IBMR) de autoria de Vera Lúcia Oliveira Araújo da Silva: “Consciência do Esqueleto...” 156 “Psicomotricidade, Ritmo e Expressão Corporal” de Marta Schinca
54
sentido constituem manifestações que podem responder a fatores físicos ou psíquicos
e, muitas vezes a ambos”.
A hipotonia e a hipertonia muscular estão quase sempre relacionadas com
transtornos psico-afetivos ou com problemas de falta de controle corporal por
inexatidão das sensações proprioceptivas.
A hipotonia (o baixo tônus muscular), produz defeitos de postura, já que os
músculos não sustentam convenientemente os diferentes seguimentos ósseos nas
devidas posições. A conseqüência mais comum é a acentuação das curvaturas
vertebrais, produzindo cifose, lordose ou escoliose.
A paratonia ou hipertonia produz um desgaste desnecessário de energia,
tanto muscular quanto nervosa. As permanentes contraturas provocam rigidez não
controlável e não permitem a distensão necessária nas diferentes seqüências
dinâmicas.
A tomada de consciência da boa postura, corresponde a uma adequada
estrutura do esquema corporal, e obtém-se com base na sensação, percepção e
domínio muscular, através de exercícios especiais em que se põe em jogo a
equilibração e sincronização das contrações e distensões.
É importante chegar à posição equilibrada das diferentes partes do corpo,
mas com uma “tonicidade normal”, isto é, com um esforço muscular mínimo, sem
desgaste inútil de energia e evitando contrações falsas ou rigidez.
Outros enfoques se fazem necessários para demonstrar como algumas
técnicas corporais equilibram o corpo em sua relação com o movimento. O método
da Drs. Ehrenfried157 preocupa-se com a postura natural da cabeça, usando a imagem
de elevação da cabeça para cima ou para o céu. Outro que se preocupa com a
colocação da cabeça é a técnica de Alexander158.
Há uma relação entre o equilíbrio físico e o psíquico, os déficits na
equilibração produzem estados de insegurança e ansiedade. Do ponto de vista motor,
é sua conseqüência uma falta de precisão nos movimentos, falsas contrações e
instabilidade total159.
157 “A Educação do Corpo ao Equilíbrio do Espírito” de L. Ehrenfried. 158 “A Ressurreição do Corpo” de M. Alexander. 159 Exercícios práticos nos livros de M. Schinca, como também, nos livros de Gerda Alexander, Le Boulch entre outros.
55
Segundo Klauss, a um desequilíbrio postural corresponde um desequilíbrio
emocional, no entanto, as tensões são necessárias para se manter por em pé, ou
suportar o peso da estrutura corporal, cedendo à força da gravidade, que
constantemente leva o corpo para baixo.
O problema está no acúmulo das tensões localizadas que restringem a
capacidade de movimento das articulações e dos grupos musculares, obstruindo o
fluxo energético que atravessa o corpo. Por essa razão a experimentação corporal que
trabalhe o equilíbrio do tônus, se faz tão necessária.
3.2 - O Espaço do Corpo na Educação:
Faz-se necessário como primeira medida, resgatar o corpo do educador para
resgatar a educação160. Atentar para os valores fundamentais como: solidariedade,
confiança, respeito à individualidade, honestidade, lealdade e compaixão que são
transmitidas pelo homem e não pelas máquinas. Acredita-se que desenvolver estes
valores, um dos papéis fundamentais da Educação, juntamente com a transmissão de
conhecimentos, é facilitar o processo ensino-aprendizagem e promover o
desencadear do gosto pela descoberta161.
Trabalha-se muitas vezes de modo compensatório, ou seja, preenchendo as
falhas evolutivas, treinando-se capacidades e habilidades. Questiona-se sobre o lugar
destinado às crianças, as técnicas e os métodos rigidamente programados, e sobre
qual o espaço dado ao desejo de movimento, de ação e de exploração pessoal diante
do que era proposto tornarem-se cada vez mais freqüentes. As possibilidades de
atividade espontânea como forma de manifestação criativa ganham espaço.
Essas mesmas possibilidades de manifestação criativa podem ser
transportadas para o universo do adulto, que já foi criança “ontem” e será idoso
“amanhã”. Adultos que exercem atividades diversas, ou aqueles que trabalham
160 No sentido de liberar o corpo, torná-lo mais flexível, atenuar a rigidez de postura, e a intolerância, para exercer seu trabalho educativo com competência e eficiência, voltando a atenção para os valores éticos. 161 Fonte de consulta : o texto de Margarida Oppliger Pinto “O Lugar do Corpo na Educação”. Profª de Educação Física graduada pela UFRGS - Psicomotricista pela Sociedade Brasileira de Psicomotricidade – Psicom. Relacional pela Escola Internacional de Psicomotricidade Relacional (Barcelona) - Profª e Coord. do Curso de Formação em Psicomot.Relacional de Porto Alegre.
56
especificamente com crianças, adolescentes e idosos, e são chamados de “meia
idade”.
Cabe aqui, questionar esses adultos que na maioria das vezes vivem
distanciados de seu próprio corpo, e não têm oportunidade de experienciar em si
mesmo novos movimentos advindos de estímulos internos.
Numa relação funcional entre a mente e os fenômenos físicos amplia-se a
capacidade de sentir, perceber, agir, conhecer; permitindo tanto a criança como o
adulto e idoso entrarem em contato com o seu próprio desejo.
A partir daí será possível pensarmos num processo de autoconhecimento. A
pessoa acaba por tornar-se mais criativa e criadora comprometendo-se com esse
processo. Nesta abordagem quando falamos de corpo como unidade dinâmica e
indivisível, nos referimos em princípio às quatro dimensões interligadas e
necessariamente influentes entre si, que estão assim discriminadas (apud Suzana
Cabral)162:
a) Corpo funcional, instrumento de ação no mundo: Corpo do tônus; Corpo
das atitudes e posturas; Corpo das emoções; Corpo das sensações e das percepções;
Corpo da motricidade e práxis; Corpo da lateralidade.
b) Corpo instrumento de conhecimento: Corpo do conhecimento de si
mesmo, e esquema corporal; Corpo que conhece o objeto e o outro; Corpo que
conhece o mundo, o espaço , o tempo, a causalidade; Corpo que se orienta e estrutura
o espaço; Corpo que se adapta a ritmos e se insere na história de sua vida; Corpo que
vai da ação ao pensamento; Corpo cuja ação sensório-motora se torna operação, no
sentido piagetiano constituído a base da abstração e do raciocínio lógico.
c) Corpo fantasmático e relacional: Corpo tônico – emocional; Corpo dos
fantasmas primitivos e da imagem corporal; Corpo de contato afetivo na relação
objetal; Corpo da comunicação com o outro; Corpo da identificação sexual; Corpo
do relacionamento interpessoal.
d) Corpo social: Corpo marcado pela Lei na situação triangular edipiana;
Corpo influenciado por papéis culturalmente definidos; Corpo manipulado,
reprimido ou valorizado de acordo com a ideologia da Sociedade.
A tecnologia, a informática, os avanços na ciência inseridos na educação
necessitarão cada vez mais de educadores íntegros no sentido mais amplo deste
162 In: “O Lugar do Corpo na Educação” de Margarida Oppliger Pinto (artigo on-line)
57
termo, com seu corpo funcional, emocional, afetivo e espiritual o mais "afinado"
possível. Nosso corpo é o ponto de partida para todas as produções criativas e para
todas as relações. Esta afirmativa sendo verdadeira, pergunta-se: qual o espaço que
deveria ser dado ao corpo nesse contexto educacional?
A resposta pode ser dada pelo pensamento de Yvonne Berge (1988),
“Educar é, etimologicamente, (conduzir para fora de). Procuramos conduzir nossos
alunos para fora da ignorância que têm de si mesmos, para fora da inércia, para
fora da anarquia gestual, para uma capacidade de expressão autônoma, criadora,
satisfatória.” 163
A educação da sensibilidade, ajuda a liberar a sensibilidade receptiva; a
tensão nervosa é sustentada por má receptividade sensorial.
3.3 - A Educação Criativa:
Criar é, basicamente, formar. É poder dar forma a algo novo. O ato criador
abrange a capacidade de compreender; e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar,
configurar, significar.
Desde as culturas primitivas, o ser humano surge dotado de um dom
singular: mais do que “homo faber”, ser fazedor, o homem é um ser formador. Nas
perguntas que o ser humano faz ou nas soluções que encontra, ao agir, ao imaginar,
ao sonhar, sempre ele relaciona e forma.
Segundo Fayga Ostrower164, “Nós nos movemos entre formas. Um ato tão
corriqueiro como atravessar a rua ņ é impregnado de formas”.
Para H.Pieron165, “criatividade é uma função inventiva de imaginação
criadora, dissociada da inteligência”. Como se pode aprender a ser criativo?
Esse item aborda o estudo do movimento através da exploração de variações
de intensidade, acentuação, ritmo e ocupação do espaço. A metodologia proposta
nessa área baseia-se nas intenções de cada movimento, as quais caracterizam os
diferentes tipos de esforços166.
163 Fonte de Consulta: “Viver o seu corpo” de Yvonne Berge 164 Fonte de Consulta: “Criatividade e processos de criação” de Fayga Ostrower. 165 In: OSTROWER, Fayga. “Criatividade e processos de criação”. 166 Ver o subitem 3.1.1 “Qualidade de Movimento”
58
Como sugestões para o movimento ser expressivo e criativo, utiliza-se de
evocações de imagens sensoriais e de sentimentos, mas não necessariamente precisa
ser artístico. Assim, fala-se da corporeidade167, do corpo vivido168 na sua totalidade,
na sua unidade.
Todo movimento, do mecânico ao simbólico, traz uma carga expressiva.
Todo o ser vivente manifesta-se no movimento. Ao observar os animais, podemos
verificar como um cachorro latindo, abanando o rabo e saltando, demonstra alegria,
e quando ladra numa atitude de ataque mostra ira. O gato dependendo de como
encurva suas costas podem estar espreguiçando, ou quando o faz de maneira rápida,
seu pelo eriça, podem estar com raiva.
O ser humano exprime-se pelo movimento, assim como pela interrupção dele
numa postura transitória. Revela nos movimentos cotidianos, a sua forma de ser e de
sentir, quando simplesmente caminha, fica em pé, toma assento, deita-se ou gira,
torna a sua idade manifesta, o seu estado de saúde, de ânimo, a sua cultura.
Ostrower reafirma esse conceito de criação e arte, dito anteriormente, ao
considerar a criatividade um potencial inerente ao ser humano, e a realização desse
potencial uma de suas necessidades. “Os processos criativos não se restringem à
arte.” O artista é considerado com mais liberdade de ação em amplitude emocional e
intelectual, por essa razão, o termo criatividade está ligado estreitamente ao nome do
artista.
A criatividade tendo uma visão ligada somente a uma classe torna-se
limitada, porque ela é bem mais abrangente: “...o criar só pode ser visto num sentido
global, como um agir integrado em um viver humano. Criar e viver se interligam.” 169
O ser humano possui uma natureza criativa que se elabora no contexto
cultural, e os comportamentos criativos baseiam-se na integração do consciente, do
sensível e do cultural.
O ato criador não parece existir antes ou fora do ato intencional, nem haveria
condições, fora da intencionalidade, de se avaliar situações novas ou buscar novas
167 Ou Corporalidade: qualidade de corpóreo ou corporal. 168 Vivido (corporal): consciência das sensações ligadas ao próprio corpo, com ou sem deslocamentos segmentares, experimentadas por um sujeito em qualquer situação. 169 Fayga Ostrower
59
coerências. Em toda criação humana, no entanto, revelam-se certos critérios que são
elaborados pelo indivíduo através de escolhas e alternativas.
O potencial consciente e sensível de cada um, se realiza sempre e
unicamente dentro de formas culturais. Não há, para o ser humano, um
desenvolvimento biológico que possa ocorrer independente do cultural.
A percepção delimita o que somos capazes de sentir e compreender,
porquanto corresponde a uma ordenação seletiva dos estímulos e cria uma barreira
entre o que percebemos e o que não recebemos. Articula o mundo que nos atinge, o
mundo que chega a conhecer e dentro do qual nós convivemos. Articula o nosso ser
dentro do não-ser.
Na ordenação dos dados sensíveis estruturam-se os níveis do consciente; ela
permite, ao apreender o mundo, o homem apreenda também o próprio ato de
apreensão; permite que, aprendendo, o homem compreenda. Dentro do vasto campo
da sensibilidade é, portanto, à percepção que nos referimos nessa pesquisa, um fator
importante a ser explorado.
O adulto e o idoso quando se mantém ativos, curiosos, participativos, podem
influenciar no seu movimento, tornando-o mais solto, fluido. A educação criativa
busca transformar emoções em renovação dos desejos.
É importante que possamos avaliar em que medida somos capazes de
expressar – verbalizar ou atuar – conteúdos que aflorem de níveis profundos de nossa
sensibilidade e de nossa intimidade170.
A atitude criativa depende da capacidade de mobilizar o mundo interno dos
desejos e fantasias, a expressão corporal é, precisamente, tornar a existência desse
mundo imaginário, possível.
No movimento de criatividade, podem surgir imagens relacionadas com um
sentido proprioceptivo. Uma forma de resposta imginativo-cinética com
representação no espaço, na música, na própria energia, procurando sempre precisar
cada imagem.
Sem elaboração do imaginário não há trabalho criativo, o que importa na
expressão corporal é a experiência de elaboração do “mundo imaginário -movimento
corporal – ação”.
170 A prática vem antes da teoria, primeiro vem a vivência corporal, que é de fundamental importância para os professores que cuidam tanto das crianças, quanto dos idosos.
60
Existem vários caminhos para sentir e pensar, como: o teatro, a poesia, a
música, a dança, o cinema, entre outros. O imaginário impulsiona o movimento que
permite, por exemplo, representar algo, hoje ausente, que foi percebido alguma vez,
resgatar algo passado; digamos, recriar uma velha imagem. A ação se nutre do
imaginário. Sonhando o impossível convertê-lo em possível.
Um corpo sensível e conscientizado pode fazer com que o mundo imaginário
se torne ação. Um mesmo tempo, um mesmo espaço, uma mesma motivação podem
suscitar as mais diversas e enriquecidas respostas.
A tarefa do educador é precisamente orientar o aluno para que, ao
instrumentalizar seu trabalho, integre os elementos que lhe foram dados com aqueles
que já possui.
O que importa é o vínculo com a realidade e a forma em que esse se
concretiza. Existe uma diferença entre refletir a realidade e modificá-la, ou seja,
“passar à realidade” não é meramente refleti-la, mas sim modificá-la.
Cabe ao educador a função de conseguir mobilizar os alunos para as
vivências corporais, para a exploração dos elementos que o estimulem a criar.
Não importa a idade de seu aluno, mas a boa vontade de participar, e experimentar
situações novas.
Para Yvonne Berge,171 as faculdades criadoras não podem ser comandadas.
Nascem naturalmente,e em geral os alunos que dispõem de grande gama gestual são
os que chegam a sentir-se mais livres e criadores. Jogam espontaneamente com os
contrastes e sabem exprimir suas emoções com facilidade tanto maior quanto mais
aprenderam, durante sessões de improvisação172, a libertar-se de certos bloqueios e a
mudar a imagem restritiva que tinham de si próprios.
O papel do professor é muito delicado, devendo orientar a vitalidade profusa
dos alunos, a fim de ajudá-los na escolha e harmonização dos movimentos. Quando
se trata de ensinar, o mais difícil será sustentar o estímulo e o interesse durante as
fases, por vezes desagradáveis, do trabalho técnico que exige concentração,
disponibilidade, e por essa razão, o professor deverá usar de toda a criatividade, pois
educar é uma ação que exige trabalho.
171 Fonte de Consulta: “Viver seu Corpo” de Yvonne Berge. 172 A improvisação é bastante explorada em aulas de Expressão Corporal e Consciência do Movimento, no Centro de Estudos do Movimento e Artes – Escola Angel Vianna, no Rio de Janeiro.
61
“O potencial criador elabora-se nos múltiplos níveis do ser sensível-cultural-
consciente do homem, e se faz presente nos múltiplos caminhos em que o homem
procura captar e configurar as realidades da vida”.173 Os caminhos podem
permanecer sem mudanças, vivências podem integrar-se em forma de comunicação,
em ordenações concluídas, mas a criatividade como potência se refaz sempre. “A
produtividade do homem, em vez de se esgotar, liberando-se, se amplia”.174
A criatividade envolve a produtividade, a capacidade básica de dar, e de
poder receber. Nem na arte existiria criatividade se não pudéssemos encarar o fazer
artístico como trabalho, como um fazer intencional produtivo e necessário que
amplia em nós a capacidade de viver.
173 “Criatividade e Processos de Criação” de Fayga Ostrower 174 Fayga Ostrower
62
CONCLUSÃO
“A educação criativa do movimento, relacionada à função tônica”, título
desse trabalho de pesquisa inspirou-se no olhar interno, na percepção de si mesmo e
no olhar externo, na percepção do outro, e do que está a sua volta.
A mistura das técnicas corporais relatadas nessa investigação serviu de
referências para incentivar o movimento expressivo, próprio do ser humano aberto a
descobertas. Apostou-se na capacidade dos humanos de se tornarem eternos
aprendizes.
Essa pesquisa procurou mostrar a importância da educação em todas as
etapas da vida; manteve uma visão do movimento revelando o tônus emocional em
sua atuação dinâmica; e buscou na vitalidade da ação criativa a coerência para chegar
as respostas.
Definiu conceitos e deu uma forma didática ao modo de exposição, com
informações explicativas das fontes fundamentadas.
As perguntas que surgiram, foram respondidas na medida do possível,
sugerindo novas reflexões, chegou-se à conclusão que, o aprendizado é um ato
contínuo e a importância da prática vai além da teoria. Cumpriram-se etapas, mas as
questões foram deixadas em aberto; nada é absoluto, nem a pesquisa se esgota.
63
BIBLIOGRAFIA
ALEXANDER, Gerda. Eutonia - um caminho para a percepção corporal. São Paulo: Martins Fontes Ed., 1991 ALVES, Fátima. Psicomotricidade: corpo, ação e emoção. Rio de Janeiro: Wak, 2003 BERGE, Yvonne. Viver o seu corpo – por uma pedagogia do movimento. São Paulo: Martins Fontes Ed. 1988 LE BOULCH, Jean. A educação psicomotora – a psicocinética na idade escolar. Porto Alegre: Artes Médicas ___________, O desenvolvimento psicomotor: do nascimento aos 6 anos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982 BRIEGBEL-MÜLLER, Gunna. Eutonia e relaxamento. São Paulo: Summus Ed., 1998 ___________ & WINKLER, Anne-Marie. Pedagogia e terapia em Eutonia. São Paulo: Summus Ed., 1999 BRIKMAN, Lola. A linguagem do movimento corporal. São Paulo: Summus Ed., 1989 COSTE, Jean-Claude. A psicomotricidade. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1998 EHRENFRIED, L. Da educação do corpo ao equilíbrio do espírito. São Paulo: Summus Ed., 1991 FELDENKRAIS, Moshe. Consciência pelo movimento. São Paulo: Summus Ed., 1977 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia – saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 FONSECA, Vitor. Psicomotricidade: filogênese, ontogênese e retrogênese. São Paulo: Ed. Artes Médicas, 1998 KNASTER, Mirka. Descubra a sabedoria do seu corpo. São Paulo, Cultrix, 1996 LABAN, Rudolf. Domínio do movimento. São Paulo: Summus Ed., 1978 OSSONA, Paulina. A educação pela dança. São Paulo: Summus Ed., 1988. OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 1987
64
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65
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ........................................................................... 7
CAPÍTULO 1 ABORDAGEM PSICOTÔNICA ................................................ 9
1.1 Relações entre Psiquismo, Motricidade e Tonicidade ......... 10
1.2 Atividade Tônica e Afetividade ........................................... 13
CAPÍTULO 2 ABORDAGEM EDUCACIONAL: Ensino e Aprendizagem .... 20
2.1 Definição de Educação ........................................................ 21
2.2 A Atitude do Educador na Prática Educativa....................... 22
2.3 O Processo de Aprendizagem .............................................. 24 2.3.1 A Psicomotricidade na Escola .................................. 27
2.3.2 Educação Psicomotora ............................................. 30
2.3.3 Consciência do Movimento ..................................... 32
CAPÍTULO 3
A EDUCAÇÃO CRIATIVA DO MOVIMENTO ..................... 38
3.1 Corpo – Espaço e Movimento .............................................. 39
3.1.1 Qualidade do Movimento .......................................... 45
3.1.2 Equilíbrio Tônico ...................................................... 50
3.2 O Espaço do Corpo na Educação ........................................ 55
3.3 A Educação Criativa ........................................................... 57
CONCLUSÃO ........................................................................... 62
BIBLIOGRAFIA ....................................................................... 63
FOLHA DE AVALIAÇÃO ...................................................... 66
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FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
Projeto “A Vez do Mestre”
Pós-Graduação – Especialização em Psicomotricidade
Título da Monografia:
“A Educação Criativa do Movimento Relacionada à Função Tônica”
Data da entrega:_____________________________________________
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Avaliado por:..................................................Grau........
Rio de Janeiro.........de.....................de 2004
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