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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO “A VEZ DO MESTRE” “A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A LEI MARIA DA PENHA: DISCUSSÕES E REFLEXÕES JURÍDICAS” Por: Isabel Cristina Nonato de Farias Melo Orientadora Professora Valesca Rodrigues Rio de Janeiro 2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO “A VEZ DO MESTRE”

“A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A LEI MARIA DA PENHA: DISCUSSÕES E REFLEXÕES JURÍDICAS”

Por: Isabel Cristina Nonato de Farias Melo

Orientadora Professora Valesca Rodrigues

Rio de Janeiro 2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO “A VEZ DO MESTRE”

“A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A LEI MARIA DA PENHA: DISCUSSÕES E REFLEXÕES JURÍDICAS”

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do Mestre – Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Direito Processual Penal. Por: Isabel Cristina Nonato de Farias Melo.

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AGRADECIMENTOS

Aos colegas de curso, professores e também a

meu maravilhoso marido e a todos aqueles

que, direta ou indiretamente, contribuíram

para mais uma etapa conquistada na minha

vida intelectual e profissional.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu amigo, companheiro

e amável marido e também, com muito carinho,

aos meus grandes amigos Ingrid Karen Von Lott

e Roberto Barcellos, pela sincera e leal amizade,

nestes 18 anos de idealismo profissional: o de

servir e proteger sempre!

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RESUMO

A crescente incidência de violência doméstica, onde figuram como vítimas tantas

mulheres, torna o estudo, em questão, de grande relevância.

O presente trabalho acadêmico visa abordar as questões polêmicas, surgidas com o

advento da Lei 11.340/2006, a chamada “Lei Maria da Penha”, bem como fatos históricos

da desigualdade entre homens e mulheres, o estudo da prática policial e criminal, tratando

de algumas controvérsias e discussões jurídicas, oriundas com a implementação da Lei.

O ordenamento jurídico atual conta com a tutela específica para mulheres vítimas da

violência doméstica e familiar, vítima também do preconceito, que, aos poucos, deixa de

lado a vergonha da exposição e busca seus direitos e de seus descendentes e familiares.

Desta feita, resolvemos abordar este tema tão conflitante e, ao mesmo tempo, tão

necessário, a fim de tentarmos elucidar os questionamentos quanto às medidas necessárias

para o fiel cumprimento do dispositivo legal específico e, por conseqüência, para o

equacionamento deste severo e notório problema social.

Na realização do presente trabalho, verificamos que são vários os motivos que

principiam este fenômeno, como a socialização, que define papéis próprios de “menino” e

“menina”; a desigualdade entre homem e mulher; a complacência da sociedade com a

violência doméstica e familiar contra a mulher; a ineficácia, na maioria das vezes, dos

meios de proteção, dentre outros.

É certo que, com a maior visibilidade deste fenômeno e a organização das mulheres,

foi necessária a criação de órgãos especializados para o atendimento às mulheres, em

situação de violência, o que se efetivou com a criação das Delegacias Especializadas de

Atendimento à Mulher (DEAM) e, com a Lei Maria da Penha, com a implantação dos

Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFM).

Apesar das críticas à Lei, a mulher agora dispõe de um escudo jurídico-social para

se proteger e denunciar o seu agressor, com real efeito punitivo, ao contrário do antes

inócuo existente. A ora discussão apresentada, embora no âmbito acadêmico e ideológico,

pode demonstrar que o único caminho para se assegurar a efetividade da Lei Maria da

Penha é minimizar os severos índices que a violência doméstica atingiu.

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No Capítulo 1, abordamos o tema “Por que Maria da Penha?”. No capítulo 2,

tratamos do assunto “O Germe da Violência” e, no Capítulo 3, sobre o “Ciclo da

Violência”. Já no Capítulo 4, discorremos sobre a questão da violência doméstica contra a

mulher, no passado, e, no Capítulo 5, tratamos dos “Avanços Legais”, com o advento da

Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). Em seguida, no Capítulo 6, falamos do tema

abordado em “Um Novo Tempo”.

No Capítulo 7, falamos dos Compromissos Internacionais, assumidos pelo Brasil,

com órgãos que tratam da questão da Violência Doméstica contra a Mulher e dos Direitos

Humanos e, no Capítulo 8, a respeito da violação desses Direitos Humanos e suas

conseqüências.

No Capítulo 9, discursamos sobre um tema atual e polêmico: o da “Legalização das

Uniões Homoafetivas”.

No Capítulo 10, optamos por discorrer sobre “Alguns Conceitos Básicos”, tratados

na Lei Maria da Penha, a fim de melhor instruir e orientar os operadores do Direito, e

demais cidadãos, no entendimento e aplicação da citada Lei, dentre eles, a conceituação de

Sujeitos Ativo e Passivo (Item 10.1), de Unidade Familiar (Item 10.2), de Família (Item

10.3) e de Relação Íntima de Afeto (Item 10.4).

No Capítulo 11, falamos das “Formas de Violência” contra a mulher, destacando-se

a “Violência Física” (Item 11.1), a “Violência Psicológica” (Item 11.2), a “Violência

Sexual” (Item 11.3), a “Violência Patrimonial” (Item 11.4) e a “Violência Moral” (Item

11.5).

No Capítulo 12, tratamos da definição de “Competência”, desenvolvendo o ponto

nos seguintes subitens: “Competência de Jurisdição” (Item 12.1), “Competência de Juízo”

(Item 12.2), “Competência Funcional” (Item 12.3), “Competência Ratione Personae”(Item

12.4), “Competência das Varas Criminais e dos JVDFMs” (Item 12.5), “Competência do

Júri” (Item 12.6) e, por último, o “Foro de Eleição” (Item 12.7).

No Capítulo 13, discorremos sobre as “Medidas Protetivas de Urgência”,

pormenorizando o tema nos seguintes subitens: “Tutela de Urgência” (Item 13.1); medidas

“Relativas ao Agressor” (Item 13.2); medidas “De Proteção à Vítima” (Item 13.3); a

“Separação de Corpos e Proibição de Contato” (Item 13.4); a “Obrigação Alimentar” (Item

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13.5); as “Medidas de Ordem Patrimonial” (Item 13.6) e, por fim, a “Execução” (Item

13.7).

No Capítulo 14, falamos das “Mudanças” advindas com a Lei Maria da Penha, no

“Código Penal” (Item 14.1), destacando-se a “Lesão Corporal Qualificada” (Item 14.1.1); a

inclusão de “Uma Majorante a mais” (Item 14.1.2); a questão da “Prisão Preventiva” (Item

14.1.3); o “Comparecimento ao Programa de Recuperação e Reeducação” (Item 14.1.4),

por determinação judicial, ao agressor; a polêmica a respeito do pagamento de “Cesta

Básica” (Item 14.1.5), como forma de “condenação” e, por último, a respeito do “Sursis”

(Item 14.1.6).

No Capítulo 15, discorremos sobre “A Questão da Inconstitucionalidade” da Lei

11.340/2006 e seus efeitos.

Não pretendemos, contudo, com este estudo, esgotar a discussão sobre esta

problemática, tendo em vista a sua complexibilidade. Porém, esperamos que nossas

reflexões e discussões possam contribuir, despertando a sociedade para a relevância do

enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher.

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METODOLOGIA

Foram utilizadas, para a idealização desta monografia de conclusa de curso,

pesquisas bibliográficas em livros, editais, internet e em revistas jurídicas e femininas,

além da coleta de dados em órgãos diversos, ligados à questão da Violência Doméstica e

Familiar contra a Mulher, bem como a realização de pesquisa de campo nos citados órgãos.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11 CAPÍTULO I - Por que Maria da Penha? 12 CAPÍTULO II - “O Germe da Violência” 13 CAPÍTULO III - O Ciclo da Violência 16 CAPÍTULO IV - No passado 16 CAPÍTULO V - Avanços Legais 18 CAPÍTULO VI - Um Novo Tempo 18 CAPÍTULO VII - Compromissos Internacionais 20 CAPÍTULO VIII - Violação aos Direitos Humanos 22 CAPÍTULO IX - A legalização das Uniões Homoafetivas 24 CAPÍTULO X - Alguns Conceitos Básicos 26 10.1. Sujeitos Ativo e Passivo 26 10.2. Unidade Doméstica 27 10.3. Família 28 10.4. Relação Íntima de Afeto 29 CAPÍTULO XI - Formas de Violência 30 11.1. Violência Física 31 11.2. Violência Psicológica 31 11.3. Violência Sexual 32 11.4. Violência Patrimonial 34 11.5. Violência Moral 36 CAPÍTULO XII - Definição de Competência 36 12.1. Competência de Jurisdição 37 12.2. Competência de Juízo 37 12.3. Competência Funcional 39 12.4. Competência “Ratione Personae” 39 12.5. Competência das Varas Criminais e dos JVDFMs 41 12.6. Competência do Júri 42 12.7. Foro de Eleição 42

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CAPÍTULO XIII - Medidas Protetivas de Urgência 43 13.1. Tutela de Urgência 43 13.2. Relativas ao Agressor 46 13.3. De Proteção à Vítima 47 13.4. Separação de Corpos e Proibição de Contato 47 13.5. Obrigação Alimentar 49 13.6. Medidas de Ordem Patrimonial 50 13.7. Execução 53 CAPÍTULO XIV - Mudanças 53 14.1. No Código Penal 54 14.1.1. Lesão Corporal Qualificada 55 14.1.2. Uma Majorante a mais 55 14.1.3. Prisão Preventiva 56 14.1.4. Comparecimento ao Programa de Recuperação e Reeducação 57 14.1.5. Cesta Básica 58 14.1.6. “Sursis” 59 CAPÍTULO XV - A Questão da Inconstitucionalidade 59 CONCLUSÃO 64 BIBLIOGRAFIA 66 ÍNDICE 69 FOLHA DE AVALIAÇÃO 71

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INTRODUÇÃO

A banalização da violência doméstica levou à insensibilidade do crime de maior

incidência no país e o único que tem perverso efeito multiplicador. Segundo dados da

Organização Mundial de Saúde, a situação é alarmante: a cada 15 segundos, uma mulher é

vítima de violência doméstica. Suas seqüelas comprometem todos os membros da entidade

familiar, principalmente crianças.

A partir do momento em que a lesão corporal leve foi considerada de pequeno

potencial ofensivo, surgindo a possibilidade de os conflitos serem solucionados de forma

consensual, praticamente deixou de ser punida a violência intrafamiliar. O excesso de

serviço levava o juiz a forçar desistências impondo acordos. O seu interesse, como forma

de reduzir o volume de demandas, era não deixar que o processo se instalasse. A título de

pena restritiva de direito popularizou-se de tal modo a imposição de pagamento de cestas

básicas, que o seu efeito punitivo foi inócuo. A vítima sentia-se ultrajada por sua

integridade física ter tão pouca valia, enquanto o agressor adquiriu a consciência de que era

“barato bater na mulher”.

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CAPÍTULO I

POR QUE MARIA DA PENHA?

A justificativa da Lei 11.340/2006, chamada “Lei Maria da Penha”, é dolorosa,

pois a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes foi uma das tantas vítimas da violência

doméstica deste país.

Como muitas outras mulheres, ela reiteradamente denunciou as agressões que

sofreu. Chegou a ficar com vergonha de dizer que tinha sido vítima da violência doméstica

e pensava: “se não aconteceu nada até agora, é porque ele, o agressor, tinha razão de ter

feito aquilo” (Maria da Penha, “Antes de tudo, uma forte”, pág. 22). Mas, ainda assim, não

se calou. Em face da inércia da Justiça, Maria da Penha escreveu um livro, chamado

“Sobrevivi, posso contar”, em 1994, uniu-se ao movimento de mulheres e, como ela mesmo

diz, não perdeu nenhuma oportunidade de manifestar sua indignação.

Por duas vezes, seu marido, o professor universitário e economista M.A.H.V.,

tentou matá-la. Na primeira vez, em 29 de maio de 1983, simulou um assalto fazendo uso

de uma espingarda. Como resultado, ela ficou paraplégica. Após alguns dias, pouco mais de

uma semana, nova tentativa, buscou eletrocutá-lo por meio de uma descarga elétrica

enquanto ela tomava banho.

Tais fatos aconteceram em Fortaleza, Ceará. As investigações começaram em

junho de 1983, mas a denúncia só foi oferecida em setembro de 1984. Em 1991, o réu foi

condenado pelo Tribunal do Júri a oito anos de prisão. Além de ter recorrido em liberdade,

ele, um ano depois, teve seu julgamento anulado. Levado a novo julgamento, em 1996, foi-

lhe imposta a pena de dez anos e seis meses. Mais uma vez, recorreu em liberdade e,

somente 19 anos e 6 meses após os fatos, em 2002, é que M.A.H.V. foi preso. Cumpriu

apenas dois anos de prisão.

A repercussão foi de tal ordem que o Centro pela Justiça e o Direito

Internacional – CEJIL e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos

da Mulher – CLADEM formalizaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos

Humanos da Organização dos Estados Americanos. Apesar de, por quatro vezes, a

Comissão ter solicitado informações ao governo brasileiro, nunca recebeu nenhuma

resposta. O Brasil foi condenado internacionalmente em 2001. O Relatório da OEA, além

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de impor o pagamento de indenização no valor de 20 mil dólares, em favor de Maria da

Penha, responsabilizou o Estado brasileiro por negligência e omissão em relação à

violência doméstica, recomendando a adoção de várias medidas, entre elas “simplificar os

procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual”.

Foi em face da pressão sofrida, que o Brasil finalmente cumpriu as convenções

e tratados internacionais do qual é signatário. Daí a referência, constante da ementa contida

na Lei Maria da Penha, à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação contra as Mulheres e à Convenção Interamericana para Prevenir e Erradicar

a Violência contra a Mulher.

O projeto, que teve início em 2002, foi elaborado por um consórcio de 15

ONG’s que trabalham com a violência doméstica. O Grupo de Trabalho Internacional,

criado pelo Decreto 5.030/2004, sob a coordenação da Secretaria Especial de Políticas para

as Mulheres, elaborou o projeto que, em novembro de 2004, foi enviado ao Congresso

Nacional.

A Deputada Jandira Feghali, à época, foi relatora do Projeto de Lei 4.559/2004,

realizando audiências públicas em vários Estados e apresentou substitutivo. Novas

alterações foram levadas a efeito pelo Senado Federal (PCL 37/2006). A Lei 11.340,

sancionada pelo Presidente da República, em 7 de agosto de 2007, está em vigor desde 22

de setembro de 2006.

CAPÍTULO II

“O GERME DA VIOLÊNCIA”

Ditados populares, repetidos de forma jocosa, absolveram a violência

doméstica: “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”; “ele pode não saber por

que bate, mas ela sabe por que apanha”. Esses, entre outros ditos repetidos como

brincadeira, sempre esconderam uma certa conivência da sociedade para com a violência

doméstica. Talvez o mais terrível deles seja: “mulher gosta de apanhar”, engano gerado

pela dificuldade que elas têm de denunciar seu agressor. Seja por medo, por vergonha, por

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não ter para onde ir, por receio de não conseguir se manter sozinha e sustentar os filhos, o

fato é que a mulher resiste em buscar a punição de quem ama ou, ao menos, um dia amou.

Todos sonham com a felicidade, mas a mulher deposita este sonho no

casamento. Ao depois, venderam para a mulher a idéia de que ela é frágil e necessita de

proteção e delegaram ao homem o papel de protetor, de provedor. Daí à dominação, do

sentimento de superioridade à agressão, é um passo.

Segundo Belmiro Pedro Walter, em seu livro “A norma da Lei Maria da

Penha”, “desde que o mundo é mundo humano, a mulher sempre foi discriminada,

desprezada, humilhada, coisificada, objetificada, monetarizada”. A sociedade ainda

cultiva valores que incentivam a violência, o que impõe a necessidade de se tomar

consciência de que a culpa é de todos. O fundamento é cultural e decorre da desigualdade

no exercício do poder e que leva a uma relação de dominante e dominado. Essas posturas

acabam sendo referendadas pelo Estado. Daí o absoluto descaso de que sempre foi alvo a

violência doméstica.

Apesar de todos os avanços, da equiparação entre o homem e a mulher, levada a

efeito de modo tão enfático pela Constituição, a ideologia patriarcal ainda subsiste. O

homem se tem como proprietário do corpo e da vontade da mulher e dos filhos. A

sociedade protege a agressividade masculina, constrói a imagem da superioridade do sexo,

que é respeitado por sua virilidade. Desde o nascimento, ele é encorajado a ser forte, a não

chorar, a não levar desaforo para casa, a não ser “mulherzinha”. Os homens precisam ser

super-homens, não lhes sendo permitido ser apenas seres humanos. Essa errônea

consciência masculina de poder é que lhes assegura o suposto direito de fazer uso de sua

força física e superioridade corporal sobre todos os membros da família.

A violência doméstica é o germe da violência que está assustando a todos.

Também a impotência da vítima, que não consegue ver o agressor punido, gera nos filhos a

consciência de que a violência é um fato natural.

Segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS, 30% das mulheres foram

forçadas, nas primeiras experiências sexuais; 52% são alvo de assédio sexual; 69% já foram

agredidas ou violadas. Isso tudo, sem contar o número de homicídios praticados pelo

marido ou companheiro, sob a alegação de legítima defesa da honra.

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Ainda que tais dados sejam surpreendentes, é preciso atentar que esses números

não retratam a realidade, pois a violência é subnotificada, sendo apenas 10% das agressões

sofridas por mulheres levadas ao conhecimento da polícia. É difícil denunciar alguém que

reside sob o mesmo teto, pessoa com quem se tem um vínculo afetivo e filhos em comum e

que, não raro, é o responsável pela subsistência da família.

A sociedade outorga ao macho um papel paternalista, exigindo uma postura de

submissão da fêmea. As mulheres acabam recebendo uma educação diferenciada, pois

necessitam ser mais controladas, mais limitadas em suas aspirações e desejos. Por isso, o

tabu da virgindade, a restrição ao exercício da sexualidade e a sacralização da maternidade.

A evolução da Medicina, com a descoberta de métodos contraceptivos, bem

como as lutas emancipatórias, promovidas pelo movimento feminista, levaram à

redefinição do modelo ideal de família. A mulher, ao se integrar no mercado de trabalho,

saiu do lar, impondo ao homem a necessidade de assumir responsabilidades dentro de casa.

Essa mudança acabou provocando o afastamento do parâmetro preestabelecido, terreno

fértil para conflitos. Nesse contexto, surge a violência, justificada como forma de

compensar possíveis falhas no cumprimento ideal dos papéis de gênero.

O medo, a dependência econômica, o sentimento de inferioridade, de menos

valia, decorrentes da ausência de pontos de realização pessoais impuseram à mulher a lei do

silêncio. Nem sempre é por necessidade de sustento ou por não ter condições de prover

sozinha a própria existência que ela se submete e não denuncia as agressões de que é

vítima. Em seu íntimo, se acha merecedora da punição por ter desatendido as tarefas que

acredita serem de sua exclusiva responsabilidade. Um profundo sentimento de culpa a

impede de usar a queixa como forma de fazer cessar a agressão. Por isso, raro são os casos

em que a vítima se encoraja a denunciar a violência ocorrida dentro do lar.

O desejo do agressor é submeter a mulher à vontade dele; tem a necessidade de

controlá-la. Assim, busca destruir a sua auto-estima. As críticas constantes fazem ela

acreditar que tudo que faz é errado, de nada entende, não sabe se vestir e nem se comportar

socialmente. É induzida a acreditar que não tem capacidade para administrar a casa, nem

cuidar dos filhos. A alegação de não ter ela bom desempenho sexual leva ao afastamento da

intimidade e á ameaça de abandono.

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Para dominar a vítima, o varão procura isolá-la do mundo exterior, afastando-a

da família. Proíbe amizades, denigre sua imagem aos amigos. Muitas vezes, a impede de

trabalhar, sob a justificativa de ter condições de prover a família. Com isso, a mulher se

distancia das pessoas junto às quais poderia buscar apoio. Perde a possibilidade de ter um

contato com a sanidade e buscar ajuda.

CAPÍTULO III

O CICLO DA VIOLÊNCIA

O homem sempre atribui a culpa à mulher, tentando justificar seu descontrole

na conduta dela: suas exigências constantes de dinheiro, seu desleixo para com a casa e os

filhos. Alega que foi a vítima quem começou, pois não faz nada certo, não faz o que ele

manda. Ela acaba reconhecendo que, em parte, a culpa é sua. Assim, o perdoa. Para evitar

nova agressão, recua, deixando mais espaço para a agressão. O medo da solidão a faz

dependente, sua segurança resta abalada. A mulher não resiste à manipulação e se torna

prisioneira da vontade do homem, seguindo o abuso psicológico. Forma-se um ciclo em

espiral ascendente, que não tem mais limite.

A idéia de família como uma entidade inviolável, não sujeita á interferência

nem da Justiça, faz com que a violência se torne invisível, protegida pelo segredo. Agressor

e agredida firmam um pacto de silêncio, que o livra da punição.

CAPÍTULO IV

NO PASSADO

Até o advento da Lei Maria da Penha, a violência doméstica não mereceu a

devida atenção, nem da sociedade, nem do legislador e muito menos do Poder Judiciário.

Como eram situações que ocorriam no interior do “lar, doce lar”, ninguém interferia.

Afinal, “em briga de marido e mulher, ninguém põe a colher”!

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A criação de Juízos Especiais, para o julgamento de delitos menores, foi

determinada pela Constituição Federal, no seu artigo 98. A Lei dos Juizados Especiais (Lei

9.099/1995) veio dar efetividade ao comando constitucional e significou verdadeira

revolução no sistema processual penal brasileiro. A criação de medidas despenalizadoras, a

adoção de um rito sumaríssimo, a possibilidade de aplicação da pena mesmo antes do

oferecimento da acusação e sem discussão da culpabilidade, agilizaram o julgamento dos

crimes considerados de pequeno potencial ofensivo. Com isso, a Justiça desafogou-se,

ganhou celeridade e diminuiu a ocorrência de prescrição, emprestando maior credibilidade

ao Poder Judiciário.

Ainda que tenha havido uma consciente tentativa de acabar com a impunidade,

deixou o legislador de priorizar a pessoa humana, preservar sua vida e sua integridade

física. Ao condicionar à representação as lesões corporais leves e as lesões culposas,

omitiu-se o Estado de sua obrigação de punir, transmitindo à vítima a iniciativa de buscar a

apenação de seu agressor, segundo critério subjetivo de conveniência. Foram consideradas

como infrações menores as que afetam o cidadão, mas continuam os delitos contra o

patrimônio desencadeando ação pública incondicionada.

Para atender esta realidade é que foram criadas as Delegacias da Mulher. A

primeira foi implantada em São Paulo, em 1985. Desempenharam importante papel, pois o

atendimento especializado, feito quase sempre por mulheres, estimulava as vítimas a

denunciar os maus tratos sofridos, muitas vezes, ao longo dos anos. De outro lado, o fato de

os agressores serem chamados perante a autoridade policial cumpria importante função

intimidatória. Ainda que a reconciliação do casal ensejasse a tentativa de “retirar a queixa”,

a instauração do inquérito e o desencadeamento automático da ação penal desempenhava

papel pedagógico.

Porém, a Lei dos Juizados Especiais esvaziou as Delegacias da Mulher, que se

viram limitadas a lavrar termos circunstanciados e encaminhá-los a juízo. Na audiência

preliminar, a conciliação mais do que proposta, era imposta, ensejando simples composição

de danos. Não obtido acordo, a vítima tinha o direito de representar, mas precisava se

manifestar na presença do agressor. Mesmo após a representação, e sem a participação da

ofendida, o Ministério Público podia transacionar a aplicação de multa ou pena restritiva de

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direitos.Aceita a proposta, o crime desaparecia: não ensejava reincidência, não constava da

certidão de antecedentes e não tinha efeitos civis.

CAPÍTULO V

AVANÇOS LEGAIS

A Lei 10.445, de 2002, que acrescentou um parágrafo único ao artigo 69 da Lei

9.099/1995, criou uma medida cautelar, de natureza penal, ao admitir a possibilidade de o

juiz decretar o afastamento do agressor do lar conjugal, na hipótese de violência doméstica.

Já a Lei 10.886, de 2004, acrescentou um subtipo à lesão corporal leve,

decorrente de violência doméstica, aumentando a pena mínima de três para seis meses de

detenção. Porém, a violência doméstica continuou acumulando estatísticas, isso porque a

questão continuava a tramitar no Juizado Especial Criminal e sob a incidência dos institutos

despenalizadoras da Lei 9.099/1995. As alterações legislativas foram inócuas, pois como

crime de menor potencial ofensivo, ficava dispensado o flagrante se o autor se

comprometesse a comparecer no Juizado Especial Criminal. Além disso, era possível a

transação penal, a concessão de “sursis” (Lei 9.099/1995, artigo 89), a aplicação das penas

restritivas de direitos e, se a lesão fosse leve, a ação dependia de representação (Lei

9.099/1995, artigo 88).

As absolvições sistematicamente levadas a efeito, para garantir a harmonia

familiar, acabaram tendo efeito contrário: consagraram a impunidade e condenaram a

violência doméstica à invisibilidade.

CAPÍTULO VI

UM NOVO TEMPO

Em muito boa hora entrou em vigor, em 22 de setembro de 2006, a Lei 11.340,

de 07.08.2006, com o nome de Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir a

violência doméstica e familiar contra a mulher.

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Os avanços da nova lei são muito significativos. Uma das grandes novidades foi

a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – JVDFMs, com

competência cível e criminal (art. 14). Devolvida à autoridade policial a prerrogativa

investigatória, cabe-lhe instaurar o inquérito. A vítima estará sempre acompanhada de

advogado (art. 27), tanto na fase policial como na judicial, sendo-lhe garantido o acesso aos

serviços da Defensoria Pública e da Assistência Judiciária Gratuita (art. 28). Não pode ser

ela a portadora da notificação ou da intimação ao agressor (art. 21, parágrafo único).

Também deve a vítima ser pessoalmente cientificada, quando o agressor for

preso ou liberado da prisão, sem prejuízo da intimação de seu procurador constituído ou do

defensor público (art. 21) e mais: deve o Juiz adotar medidas que façam cessar a violência,

por exemplo, determinar o afastamento do agressor do lar; impedi-lo que se aproxime da

casa; vedar o seu contato com a família (art. 22). Também tem o dever de encaminhar a

mulher e os filhos para abrigos seguros, garantindo-lhe a manutenção do vínculo de

emprego (art. 9, II). Além disso, pode decretar a separação de corpos, fixar alimentos, bem

como adotar medidas outras como suspender procuração outorgada ao agressor e anular a

venda de bens comuns (art. 24). A Lei proíbe a aplicação de pena pecuniária, multa ou a

entrega de cesta básica (art. 17) e permite a prisão preventiva do ofensor (art. 20).

O Juiz pode, conforme o art. 45, determinar o comparecimento obrigatório do

agressor a programas de recuperação e reeducação, ressaltando-se o art. 152 da LEP, que

diz que: “Poderão ser ministrados ao condenado, durante o tempo de permanência, cursos

e palestras, ou atribuídas atividades educativas. Parágrafo único – Nos casos de violência

doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do

agressor a programas de recuperação e reeducação”. É importante que as penas restritivas

de direito sejam de molde a propiciar uma mudança de comportamento naquele que pratica

o crime, sem entender o caráter criminoso de seu agir mas, para isso, é necessário que tais

espaços existam, para o cumprimento da determinação judicial.

É imprescindível, no entanto, que sejam instalados os JVDFMs e que seus

juízes, promotores, advogados e defensores estejam devidamente capacitados, sendo

montados com uma estrutura interdisciplinar, para que todos os membros da família

recebam atendimento psicológico e acompanhamento por assistentes sociais. Seria uma

utopia? Só a prática poderá nos mostrar.

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CAPÍTULO VII

COMPROMISSOS INTERNACIONAIS

Diz a nossa Constituição Federal, em seu art. 226: “A família, base da

sociedade, tem especial proteção do Estado”. E promete, no parágrafo oitavo do mesmo

artigo: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a

integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

A Lei Maria da Penha vem para atender esse compromisso constitucional.

Porém, chama a atenção que, na sua ementa, há referência não só à norma constitucional,

mas também são mencionadas as Convenções de Todas as Formas de Discriminação contra

as Mulheres e sobre a Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a

Mulher.

Esse tipo de referência pouco usual na legislação infraconstitucional, além de

atender á recomendação da OEA, decorrente da condenação imposta ao Brasil, também

reflete uma nova postura frente aos tratados internacionais de proteção dos direitos

humanos.

A partir do processo de democratização, deflagrado em 1985, o Brasil passou a

ratificar relevantes tratados internacionais de direitos humanos, que revelam, sobretudo,

conforme diz Flávia Piovesan, em “Tratados internacionais de proteção dos direitos

humanos e a Constituição Federal de 1988, “a consciência ética contemporânea

compartilhada pelos Estados, na medida em que traduzem o consenso internacional acerca

de parâmetros protetivos mínimos relativos aos direitos humanos: o mínimo ético

irredutível”.

Em 1975, foi realizada, no México, a I Conferência Mundial sobre a Mulher,

que teve como resultado a elaboração, em 1979, da Convenção sobre a Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e que entrou em vigor no ano de

1981. A Convenção prevê a possibilidade de ações afirmativas abarcando áreas como

trabalho, saúde, educação, direitos civis e políticos, estereótipos sexuais, prostituição e

família. Esse foi o primeiro instrumento internacional que dispôs amplamente sobre os

direitos humanos da mulher. Tem dois propósitos: promover os direitos da mulher na busca

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da igualdade de gênero e reprimir quaisquer discriminações contra a mulher. Porém, não foi

incorporada a questão da violência de gênero.

Somente em 1 de fevereiro de 1984, o Brasil subscreveu esta Convenção,

também chamada de Convenção da Mulher ou Convenção CEDAW (Decreto 4.377/2002),

com reservas na parte relativa ao direito de família. As reservas foram retiradas e a

Convenção acabou sendo ratificada plenamente em 1994. Aprovada pelo Congresso

Nacional, pelo Decreto Legislativo 26/1994, foi promulgada pelo Presidente da República.

Essa Convenção deve ser tomada como parâmetro mínimo das ações estatais para promover

os direitos humanos das mulheres. Os Estados têm o dever de eliminar a descriminação

contra a mulher, através da adoção de medidas legais, políticas e pragmáticas.

Foi a Conferência das Nações Unidas sobre direitos humanos, no ano de 1993,

em Viena, que definiu formalmente a violência contra a mulher como violação aos direitos

humanos.

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência

Doméstica – conhecida como Convenção de Belém do Pará – foi adotada pela ONU, em

1994. O documento conceitua a violência contra a mulher como, no art. 1◦ : “qualquer

ação ou conduta baseada, no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual

ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”. A violência contra a

mulher é tratada como grave problema de saúde pública. A Convenção foi ratificada pelo

Brasil em 27 de novembro de 1995, sendo aprovada pelo Congresso Nacional (Decreto

Legislativo 107/1995) e promulgada pelo Presidente da República (Decreto 1973/1996).

A Lei Maria da Penha só chegou em 2006, cumprindo o Brasil compromissos

assumidos internacionalmente, o que representa o esforço de contextualização das duas

paradigmáticas convenções.

Cabe ressaltar, contudo, os direitos enunciados em tratados internacionais têm

aplicação imediata e natureza de norma constitucional, conforme o que preceitua o art. 5◦,

parágrafos 1◦ e 2◦. A Constituição Federal não tem regra expressa, porém, que recepcione

automaticamente um tratado internacional ao direito interno, dependendo de um

procedimento formal incorporatório, o qual resulta da interação entre ato do Poder

Executivo e do Poder Legislativo, que tem a atribuição de aprovar sua celebração,

conforme o preceituado nos arts. 84, VIII, e 49, I, da CFRB.

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No que diz respeito aos tratados internacionais de proteção aos direitos

humanos, há divergências doutrinárias sobre a sua hierarquia, havendo 4 linhas

interpretativas, a saber: a) supraconstitucional; b) constitucional; c) infraconstitucional, mas

supralegal; d) lei federal. Em face do disposto no parágrafo 3◦, do art. 5◦, da CRFB, os

tratados possuem hierarquia constitucional, pois a Constituição atribui aos direitos

internacionais, referentes a direitos humanos, natureza especial e diferenciada de norma

constitucional. Para obterem “status” de emenda constitucional, estão sujeitas a votação

especial, ou seja, necessitam passar pelo procedimento do citado artigo. Porém,

independentemente do “quorum” de sua aprovação, são materialmente constitucionais, por

força do art. 5◦, parágrafo 2◦, da CRFB.

Questionamentos têm surgido sobre os tratados ratificados antes da inserção do

parágrafo 3◦, do art. 5◦, da CRFB. Para Flávia Piovesan, não seria razoável sustentar que os

tratados, aprovados antes da nova exigência, fossem recepcionados somente como lei

federal. Todos os tratados de direitos humanos devem ter natureza constitucional, seja

apenas materialmente (ratificados com aprovação simples) ou material e formalmente

(ratificados com aprovação especial de emenda constitucional).

Daí porque a Lei Maria da Penha, que vem regulamentar direitos assegurados a

nível internacional, ratificados pelo Brasil, por meio de tratados sobre direitos humanos,

tem natureza constitucional.

CAPÍTULO VIII

VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

A violência freqüentemente está ligada ao uso da força física, psicológica ou

intelectual, para obrigar outra pessoa a fazer algo que não quer.

A relação de desigualdade entre o homem e a mulher, realidade milenar que

sempre colocou a mulher em situação de inferioridade, lhe impondo a obediência e a

submissão, é terreno fértil à afronta ao direito à liberdade e esta é reconhecida como a

primeira geração dos direitos humanos, direito que é violado quando o homem submete a

mulher ao seu domínio.Também não há como deixar de reconhecer, nesta postura, afronta

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aos direitos humanos de segunda geração, que consagra o direito à igualdade. De outro

lado, quando se fala nas questões de gênero, ainda marcadas pela verticalização, é flagrante

a afronta à terceira geração dos direitos humanos, que tem por tônica a solidariedade.

Como diz Sumaya Saady M. Pereira, em seu livro “O Ministério Público e a

Lei Maria da Penha”, “criminosa a omissão estatal que, sob o manto da deturpada noção

de inviolabilidade do espaço privado, tem chancelado as mais cruéis e veladas formas de

violência dos direitos humanos”. Somente na Conferência das Nações Unidas sobre

Direitos Humanos é que ocorreu, no ano de 1993, em Viena, a definição formal de que a

violência contra mulher seria uma violação dos direitos humanos, o que foi proclamado

pela Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica, em

1994.

Essa Convenção, que foi ratificada pelo Brasil, em 1995, e está mencionada na

ementa da Lei da Maria da Penha, evidencia seu propósito de preservar os direitos humanos

das mulheres. Daí a expressão legal no art. 6◦, que diz que: “A violência doméstica e

familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos”,

dispositivo encomendado para dar ensejo a eventual Incidente de Deslocamento de

Competência.

Além de proclamar a natureza da violência doméstica como violadora dos

direitos humanos, a Lei impôs a adoção de políticas públicas para resguardar os direitos

humanos das mulheres, em seu art.3◦, parágrafo 1◦: “O poder público desenvolverá

políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações

domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência,

discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Entre as diretrizes das políticas públicas a serem adotadas no âmbito federal,

estadual e municipal e nas ações não-governamentais, destaca-se a dada aos direitos

humanos femininos, na esfera educacional, conforme preceitua o art. 8◦, V: “a promoção e

a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar

contra a mulher, voltadas ao público escolar e á sociedade em geral, e a difusão desta Lei

e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres”. Inclusive, pelo art. 8◦,

IX, é obrigatória a inclusão do tema os currículos escolares: “destaque, nos currículos

escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à

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equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar

contra a mulher”.

Embora a Lei Maria da Penha proclame que a violência doméstica constitui

violação dos direitos humanos, não teve o propósito de transferir para a Justiça Federal a

apuração e punição dos agressores de mulheres, conforme explicado por Guilherme de

Souza Nucci, em seu livro “Leis Penais e processuais penais comentadas”. Os crimes

praticados contra as mulheres são da competência da Justiça Estadual, como preceitua o art.

14 da Lei.

No entanto, ocorrendo grave violação dos direitos humanos, para assegurar o

cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos, dos

quais o Brasil é signatário, o Procurador Geral da República pode, em qualquer fase do

processo ou inquérito, suscitar, perante o STJ, incidente de deslocamento de competência

para a Justiça Federal (CRFB, art. 109, V-A, parágrafo 5◦).

Como a Lei Maria da Penha foi editada atendendo a tratados internacionais, que

preservam os direitos humanos das mulheres, constatado, em qualquer ação ou inquérito,

desrespeito aos propósitos da Lei, qualquer um pode representar ao Procurador Geral da

República, para que busque a transferência da demanda para a Justiça Federal.

CAPÍTULO IX

A LEGALIZAÇÃO DAS UNIÕES HOMOAFETIVAS

A Lei Maria da Penha, de modo expresso, enlaça, no conceito de família, as

uniões homoafetivas, em seu art. 2◦: “Toda mulher, independentemente de classe, raça,

etnia, orientação sexual (...) goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana”.

O parágrafo único do art. 5◦ reitera que independem de orientação sexual todas as situações

que configuram violência doméstica e familiar.

Como é assegurada proteção legal a fatos que ocorrem no ambiente doméstico,

isso quer dizer que as uniões de pessoas do mesmo sexo são entidades familiares. Violência

doméstica, como diz o próprio nome, é a violência que acontece no seio de uma família.

Assim, a Lei Maria da Penha ampliou o conceito de família, alcançando as uniões

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homoafetivas. Segundo Leonardo Barreto M. Alves, em seu livro “O reconhecimento legal

do conceito moderno de família”, “pela primeira vez foi consagrado, no âmbito

infraconstitucional, a idéia de que a família não é constituída por imposição da lei, mas

sim por vontade dos seus próprios membros”.

Ao ser afirmado que está sob o abrigo da Lei, a mulher, sem distinguir sua

orientação sexual, encontra-se assegurada proteção tanto às lésbicas como às travestis, as

transexuais e os transgêneros do sexo feminino, que mantêm relação íntima de afeto, em

ambiente familiar ou de convívio.

A partir da nova definição de entidade familiar, trazida pela Lei Maria da

Penha, não mais cabe questionar a natureza dos vínculos formados por pessoas do mesmo

sexo. Ela harmoniza-se com o conceito com o conceito de casamento “entre cônjuges”, do

art. 1511, do Código Civil, não apenas deixando de fazer qualquer alusão à oposição de

sexos, mas explicitando que a heterossexualidade não é condição para o casamento,

conforme comentado por Roberto Arriada Lorea, em seu livro “A nova definição legal da

família brasileira”.

O avanço é significativo, visto que coloca um ponto final à discussão que

entretém a Doutrina e divide os tribunais. A eficácia da nova lei é imediata, passando por

uniões homoafetivas a merecer a especial proteção do Estado (CRFB, art. 226). Sequer de

sociedade de fato cabe continuar falando, subterfúgio de conotação nitidamente

preconceituosa, pois nega o componente de natureza sexual e afetiva dos vínculos

homossexuais.

No momento em que as uniões de pessoas do mesmo sexo estão tuteladas na lei

de combate à violência doméstica, isso significa que são reconhecidas como uma família,

encontrando-se sob a égide do Direito das Famílias. Com isso, fica afastada por completo a

incidência da Súmula 380, do STF, que diz que: “Comprovada a existência de sociedade

de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do

patrimônio adquirido pelo esforço comum”. Por isso, sua apreciação deve se dar sempre na

Vara de Família e não em Vara Cível. Conseqüentemente, essa inédita previsão permite,

também nas uniões homossexuais, a separação de corpos (art. 22, II), a restrição de visitas

ao filho eventualmente adotado (art. 22, IV) e a fixação de alimentos (art. 22, V).

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CAPÍTULO X

ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS

Ainda que a lei não seja a sede adequada para emitir conceitos, andou bem o

legislador em definir a violência doméstica (art. 5◦) e identificar suas formas (art. 7◦).

O conceito legal tem recebido algumas críticas da Doutrina, sendo chamado de

“lamentável, uma norma mal redigida e extremamente aberta”, como opina Guilherme de

Souza Nucci. Há quem chega ao ponto de afirmar que, pela interpretação literal da lei,

qualquer crime contra a mulher seria violência doméstica e familiar, uma vez que lhe causa,

no mínimo, sofrimento psicológico. Não há risco de todo e qualquer delito, cometido contra

a mulher, ser considerado como violência doméstica. A agravante inserida no Código

Penal, em seu art. 61, II, “f”, “in fine”, tem limitado campo de abrangência, pois restringe a

violência praticada contra a mulher, em razão do convívio familiar ou afetivo, é que leva ao

aumento da pena.

De qualquer modo, para se chegar ao conceito de violência doméstica é

necessária a conjugação dos artigos 5◦ e 7◦ da Lei Maria da Penha. Desta feita, violência

doméstica é qualquer das ações elencadas no art. 7◦ (violência física, psicológica, sexual,

patrimonial ou moral) praticada contra a mulher, em razão de vínculo de natureza familiar

ou afetiva.

É obrigatório que a ação ou omissão ocorra na unidade doméstica ou familiar

ou em razão de qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha

convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Modo expresso, ressalva a

Lei que não há necessidade de vítima e agressor viverem sob o mesmo teto para a

configuração da violência como doméstica ou familiar. Basta que agressor e agredida

mantenham, ou já tenham mantido, um vínculo de natureza familiar.

10.1. SUJEITOS ATIVO E PASSIVO

Para a configuração da violência não é necessário que as partes sejam marido e

mulher, nem que estejam ou tenham sido casados. Também na união estável – que nada

mais é do que uma relação íntima de afeto – a agressão é considerada como doméstica, quer

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a união persista ou já tenha findado. Para ser considerada a violência como doméstica, o

sujeito ativo tanto pode ser um homem como outra mulher. Basta estar caracterizado o

vínculo de relação doméstica, de relação familiar ou de afetividade, pois o legislador deu

prioridade à criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica contra a

mulher, sem importar o gênero do agressor.

A empregada doméstica, que presta serviço a uma família, está sujeita à

violência doméstica. Assim, tanto o patrão como a patroa podem ser agentes ativos da

infração. Igualmente, desimporta o fato de ter sido o neto ou a neta que tenham agredido a

avó, sujeitando-se os agressores de ambos os sexos aos efeitos da Lei.

Os conflitos entre mães e filhas, assim como os desentendimentos entre irmãs,

está ao abrigo da Lei Maria da Penha, quando flagrado que a agressão tem motivação de

ordem familiar.

No que diz respeito ao sujeito passivo, há a exigência de uma qualidade

especial: ser mulher. Nesse conceito, encontram-se as lésbicas, as transexuais e as travestis,

que tenham identidade com o sexo feminino. A agressão contra elas, no âmbito familiar,

também constitui violência doméstica.

Não só as esposas, companheiras ou amantes estão no âmbito de abrangência

do delito de violência doméstica como sujeitos passivos. Também as filhas e netas do

agressor, como sua mãe, sogra, avó ou qualquer outra parente que mantém vínculo familiar

com ele, podem integrar o pólo passivo da ação delituosa.

Mas há a possibilidade de o sujeito passivo não ser necessariamente a mulher.

A Lei prevê mais uma majorante ao crime de lesão corporal, em sede de violência

doméstica, como previsto no art.129, parágrafo 11, CP: se o crime for cometido contra

pessoa portadora de deficiência. Seja de que sexo for o deficiente físico, sendo alvo de

lesão corporal, a pena de seu agressor é dilatada.

10.2. UNIDADE DOMÉSTICA

Para o reconhecimento da violência doméstica, preocupou-se o legislador em

identificar seu campo de abrangência. Assim define unidade doméstica, conforme o art. 5◦,

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I: “espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as

esporadicamente agregadas”.

A expressão “unidade doméstica” deve ser entendida no sentido de que a

conduta foi praticada em razão dessa unidade da qual a vítima faz parte. A tendência é

reconhecer que, neste contexto, estão incluídas as empregadas domésticas.

Não há como excluir do conceito de unidade familiar a convivência decorrente

da tutela e da curatela. Ainda que o tutor e o curador não tenham vínculo de parentesco com

a tutelada ou curatelada, a relação entre eles permite ser identificada como um espaço de

convivência. De um modo geral, existe alguma verticalização de poder nessas relações, e a

ocorrência de violência cabe ser qualificada como doméstica. Aliás, foi introduzida, no

Código Penal, uma circunstância majorante, para os casos em que a vítima seja portadora

de alguma deficiência, no art. 129, parágrafo 11◦, do CP.

Como alerta Guilherme Nucci, “a mulher agredida no âmbito da unidade

doméstica deve fazer parte dessa relação doméstica. Não seria lógico que qualquer

mulher, bastando estar na casa de alguém, onde há relação doméstica entre terceiros, se

agredida fosse, gerasse a aplicação da agravante trazida pela Lei Maria da Penha”.

10.3. FAMÍLIA

Para o efeito de assegurar sua aplicação, a Lei Maria da Penha tenta definir

família, em seu art. 5◦, II: “comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram

aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”.

Pela primeira vez, o legislador, de forma corajosa, define o que é família,

trazendo um conceito que corresponde ao formato atual dos vínculos afetivos. Fala em

indivíduos e não em um homem e uma mulher. Também não se limita a reconhecer como

família a união constituída pelo casamento. Aliás, não poderia fazê-lo, até porque a

Constituição Federal esgarçou o conceito de família e, de forma exemplificativa, refere-se

ao casamento, à união estável e à família monoparental, sem, no entanto, deixar ao

desabrigo outros modelos familiares, ao usar a expressão “entende-se também como

entidade familiar” (CRFB, art. 226, parágrafo 4◦). Assim, as famílias anaparentais

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(formadas por irmãos), as homoafetivas e as famílias paralelas (quando o homem mantém

duas famílias), igualmente estão albergadas no conceito constitucional de entidade familiar,

como merecedoras da especial tutela do Estado.

No conceito abrangente de família, cunhado pela Lei, há que se inserir a

chamada família monoparental, assim denominada a comunidade formada por qualquer dos

pais e seus descendentes (CRFB, art. 226, parágrafo 4◦).

Em face da expressão “comunidade formada por indivíduos que são ou se

consideram aparentados”, é necessário buscar, na lei civil, a definição dos vínculos de

parentesco (CC, arts. 1591, 1592 e 1593). Essa expressão legal alcança igualmente a

filiação socioafetiva, uma vez que o estado de filho afetivo faz com que as pessoas se

sintam aparentadas. Nesse conceito, mister incluir também a infeliz expressão “filho de

criação”.

O reconhecimento da união homoafetiva como família é expresso, pois a Lei

Maria da Penha incide independentemente da orientação sexual, como consta nos arts. 2◦ e

5◦, parágrafo único).

Outra realidade social, que agora vem merecendo reconhecimento jurídico, são

as uniões paralelas, ou seja, relações concomitantes, que, de um modo geral, são mantidas

por homens. Cada um dos vínculos constitui uma unidade familiar. Assim, agredindo o

varão qualquer das companheiras, o fato de a união ser rotulada de “adulterina”, não a

exclui do âmbito da proteção da Lei.

10.4. RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO

Empresta a Lei, em seu art. 5◦, III, proteção à violência perpetrada em razão de

“qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a

ofendida, independentemente de coabitação”.

É claro que o dispositivo gerou reações. Há quem alegue que, tendo sido

etiquetada como violência doméstica as relações íntimas de afeto, são dispensáveis os

incisos anteriores. Já Guilherme de Souza Nucci afirma que a Lei, ao proteger as relações

de intimidade, extrapola o espírito dos tratados ratificados pelo Brasil, uma vez que a

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Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher

prevê como doméstica exclusivamente a violência ocorrida dentro da família ou unidade

doméstica.

A definição da família como relação de afeto corresponde ao atual conceito de

família, que há muito vem sendo cunhado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família –

IBDFAM. Aliás, agora se fala em Direito das Famílias, pois há uma nova concepção da

família, que se define pela presença do vínculo de afetividade. Segundo Eliana Ferreira, “a

família modernamente concebida tem origem plural e se revela como núcleo de afeto no

qual o cidadão se realiza e vive em busca da própria felicidade. Abandonou-se o modelo

patriarcal e hierarquizado da família romana, ao longo dos anos e firmou-se, no direito

das sociedades ocidentais, um modelo de atuação participativa, igualitária e solidária dos

membros da família”.

Diante desta nova realidade, não há como restringir o alcance da previsão legal.

Vínculos afetivos, que refogem ao conceito de família e de entidade familiar, nem por isso

deixam de ser marcados pela violência. Assim, namorados e noivos, mesmo que não vivam

sob o mesmo teto, mas resultando a situação de violência do relacionamento, faz com que a

mulher mereça o abrigo da Lei Maria da Penha. Para a configuração de violência doméstica

é necessário um nexo entre a agressão e a situação que a gerou, ou seja, a relação íntima de

afeto deve ser a causa da violência.

CAPÍTULO XI

FORMAS DE VIOLÊNCIA

Preocupou-se o legislador não só em definir a violência doméstica e familiar.

Também especificou suas formas, até porque, no âmbito do Direito Penal, vigoram os

princípios da taxatividade e da legalidade, sede em que não se admitem conceitos vagos.

Além das seqüelas decorrentes do reconhecimento do delito como violência

doméstica, como o aumento da pena (CP, art. 61, II, “f”), sujeita-se o réu às demais

vicissitudes que impõe a Lei Maria da Penha. Assim, mesmo que o crime possa ser

reconhecido como de pequeno potencial ofensivo, a ação não tramita nas Varas dos

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Juizados Especiais (JECrims), mas nas Varas Criminais, enquanto não instalados os

Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFMs). No entanto, não

faz jus o réu às benesses da lei dos Juizados Especiais.

11.1. VIOLÊNCIA FÍSICA

Pelo art. 7◦, I, da Lei, é “a violência física, entendida como qualquer conduta

que ofenda sua integridade ou saúde corporal”.

Ainda que a agressão não deixe marcas aparentes, o uso da força física, que

ofenda o corpo ou a saúde da mulher, constitui “vis corporalis”, expressão que define a

violência física.

A integridade física e a saúde corporal são protegidas juridicamente pela lei

penal (CP, art. 129). A violência doméstica já configurava forma qualificada de lesões

corporais: foi inserida no Código Penal, em 2004, com o acréscimo do parágrafo 9◦ ao art.

129: “Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou

companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda, prevalecendo-se o

agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”. A Lei Maria da Penha

limitou-se a alterar a pena desse delito, de 6 meses a um ano para 3 meses a 3 anos.

Ainda que não tenha havido mudança na descrição do tipo penal, ocorreu a

ampliação do seu âmbito de abrangência. Como foi dilatado o conceito de família,

albergando também as unidades domésticas e as relações de afeto, a expressão “relações

domésticas”, constante do tipo penal, passa a ter nova leitura.

Não só a lesão dolosa, também a lesão culposa constitui violência física, pois

nenhuma distinção é feita pela lei sobre a intenção do agressor.

11.2. VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA:

Prevista agora no art. 7◦, II, da Lei, conceitua que “a violência psicológica,

entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-

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estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou

controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,

constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição

contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir

ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.

Trata-se de previsão que não estava contida na legislação pátria antes, mas a

violência psicológica foi incorporada ao conceito de violência contra mulher na Convenção

Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica, conhecida como

Convenção de Belém do Pará. É a proteção da auto-estima e da saúde psicológica. Consiste

na agressão emocional, tão ou mais grave que a física. O comportamento típico se dá

quando o agente ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima, demonstrando prazer

quando vê o outro se sentir amedrontado, inferiorizado e diminuído, configurando a “vis

compulsiva”.

A Doutrina psicológica encontra forte alicerce nas relações desiguais de poder

entre os sexos. A vítima, muitas vezes, nem se dá conta que agressões verbais, silêncios

prolongados, tensões, manipulações de atos e desejos, são violência e devem ser

denunciados. Para a configuração do dano psicológico não é necessária a elaboração de

laudo técnico ou realização de perícia. Reconhecida pelo juiz sua ocorrência, é cabível a

concessão de medida protetiva de urgência. Praticado algum delito, mediante violência

psicológica, a majoração da pena se impõe, com base no art. 61, II, “f”, do CP.

11.3. VIOLÊNCIA SEXUAL:

Pelo art. 7◦, III, da Lei, “a violência sexual, entendida como qualquer conduta

que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada,

mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a

utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método

contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,

mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício

de seus direitos sexuais e reprodutivos”.

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A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência

Doméstica (Convenção de Belém do Pará) reconheceu a violência sexual como violência

contra a mulher. Ainda assim, houve uma certa resistência da Doutrina e da Jurisprudência

em admitir a possibilidade da ocorrência de violência sexual nos vínculos familiares. A

tendência sempre foi identificar o exercício da sexualidade como um dos deveres do

casamento, a legitimar a insistência do homem, como se estivesse ele a exercer um direito.

O Código Penal é mais severo com relação aos crimes perpetrados com o abuso

da autoridade, decorrente de relações domésticas. Assim, reconhece como circunstâncias,

que sempre agravam a pena, o fato de o crime ter sido praticado “contra ascendente,

descendente, irmão ou cônjuge” (CP, art. 61, II, “e”) e “com abuso de autoridade ou

prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade” (CP, art. 61,

I, “f”). A lei Maria da Penha inseriu, neste dispositivo legal, mais uma hipótese: “com

violência contra a mulher na forma da lei específica”. Com este acréscimo, assim ficou

redigido o art. 61, II, “f”, do CP: “com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de

relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher

na forma da lei específica”.

A lei penal, além de definir o crime e estabelecer pena à prática de cada um dos

crimes sexuais, determina que a pena seja aumentada da metade quando “o agente é

ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador,

preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela”

(CP, art. 226, II). As hipóteses previstas na Lei Maria da Penha, como configuradoras de

violência sexual, tem um espectro bem maior. Porém, o legislador não teve o cuidado de

ampliar as hipóteses em que reconhece que os crimes sexuais configuram violência

doméstica. Com o advento da Lei, foram estabelecidos novos contornos à violência sexual.

Indispensável que a remissão à violência doméstica fosse acrescentada também à

majorante, como foi feito com o art. 61, II, “f”. Em face do descuido da lei, a violência

sexual cometida no âmbito doméstico enseja o aumento da pena, por incidência da

agravante genérica (CP, art. 61, II, “f”), mas não é uma majorante dos crimes sexuais (CP,

art. 226, II).

Como o conceito de violência doméstica da Lei Maria da Penha (art. 5◦) é bem

mais amplo do que o elenco das majorantes dos delitos sexuais (CP, art. 226, II), quando

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não é cabível o aumento da metade da pena, impõe-se a aplicação da agravante inserida na

parte final do art. 61, II, “f”, do CP. Via de conseqüência, quando se configura a hipótese

de majoração da pena (CP, art. 226, II), não incidem as agravantes previstas na Parte Geral

do CP. Somente quando é reconhecida a prática de violência sexual, não cabe a majorante

(CP, art. 226, II), uma vez que a pena é agravada se o crime foi praticado com violência

contra a mulher, na forma da lei específica (CP, art. 61, II, “f”). Haveria dupla apenação, o

que não se justifica.

Os delitos sexuais são identificados pela lei como de ação privada, a depender

de representação da vítima. No entanto, quando o crime é perpetrado com abuso do poder

familiar, por padrasto, tutor ou curador, a ação é pública incondicionada.

A segunda parte do inciso II, do art. 7◦, da Lei Maria da Penha enfoca a

sexualidade sob o aspecto do exercício dos direitos sexuais e reprodutivos. Trata-se da

violência que traz diversas conseqüências à saúde da mulher. A própria Lei assegura à

vítima acesso aos serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças

Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodependência Adquirida

(AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis (art. 9, parágrafo 3◦).

11.4. VIOLÊNCIA PATRIMONIAL

Pelo art. 7◦, IV, é “a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta

que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos,

instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos

econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”.

A partir da nova definição de violência doméstica, assim reconhecida também a

violência patrimonial, não se aplicam as imunidades absolutas ou relativas dos arts. 181 e

182, do CP, quando a vítima é mulher e mantém, com o autor da infração, vínculo de

natureza familiar. Não há mais como admitir o injustificável afastamento da pena ao

infrator que pratica um crime contra sua cônjuge ou companheira ou, ainda, alguma parente

do sexo feminino. Aliás, o Estatuto do Idoso, além de dispensar a representação,

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expressamente prevê a não aplicação desta excludente da criminalidade quando a vítima

tiver mais de 60 anos.

A Lei Maria da Penha reconhece como violência patrimonial o ato de “subtrair

objetos da mulher”, o que nada mais é do que furtar. Assim, se subtrair para si coisa alheia

móvel, configura o delito de furto, quando a vítima é mulher com quem o agente mantém

relação de ordem afetiva, não se podendo mais reconhecer a possibilidade de isenção de

pena. O mesmo se diga com relação à apropriação indébita e ao delito de dano. É violência

patrimonial “apropriar” e “destruir”, os mesmos verbos utilizados pela lei penal para

configurar tais crimes. Perpetrados contra a mulher, dentro de um contexto de ordem

familiar, o crime não desaparece e nem fica sujeito à representação.

Além de tais condutas constituírem crimes, se praticados contra a mulher com

quem o agente mantém vínculo familiar ou afetivo, ocorre o agravamento da pena, como

prevê o art. 61, II, “f”, do CP.

Identificada como violência patrimonial a subtração de valores, direitos e

recursos econômicos, destinados a satisfazer as necessidades da mulher, neste contexto se

encaixa o não pagamento dos alimentos. Deixar o alimentante de atender a obrigação

alimentar, quando dispõe de condições econômicas, além de violência patrimonial, tipifica

o delito de abandono material, previsto no art. 244, “caput”, do CP: “Deixar, sem justa

causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 anos ou inapto para o

trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 anos, não lhes proporcionando os

recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente

acordada, fixada ou ascendente, gravemente enfermo”.

Não é necessário, contudo, que o encargo alimentar esteja fixado judicialmente.

Mesmo durante a vida em comum, sonegando o varão os meios de assegurar a subsistência

da esposa ou da companheira, que não tem meios de prover a própria subsistência, além de

violência doméstica, pratica o varão o crime de abandono material.

Assim, incorre em equívoco quem questiona a utilidade deste dispositivo.

Também com relação à violência patrimonial, há a alegação de que o simples fato de a

vítima de um delito contra o patrimônio ser mulher não justificaria tratamento diferenciado.

A solução, como se refere Marcelo Misaka, seria interpretar os arts. 5◦ e 7◦, da Lei Maria

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da Penha, conjuntamente e, então, extrair o conceito de violência doméstica e familiar

contra a mulher.

11.5. VIOLÊNCIA MORAL

Pelo art. 7◦, V, da Lei, é “a violência moral, entendida como qualquer conduta

que configure calúnia, difamação ou injúria”.

A violência moral encontra proteção penal nos delitos contra a honra: calúnia,

difamação e injúria. São denominados delitos que protegem a honra mas, cometidos em

decorrência de vínculo de natureza familiar ou afetiva, configuram violência moral. Na

calúnia, o fato atribuído pelo ofensor à vítima é definido como crime; na injúria, não há

atribuição de fato determinado. A calúnia e a difamação atingem a honra objetiva, enquanto

que a injúria atinge a honra subjetiva. A calúnia e a difamação consumam-se quando o

próprio toma conhecimento da imputação.

Estes delitos, quando são perpetrados contra a mulher, no âmbito da relação

familiar ou afetiva, devem ser reconhecidos como violência doméstica, impondo-se o

agravamento da pena, conforme previsto no art. 61, II, “f”, do CP. De um modo geral, são

concomitantes à violência psicológica.

CAPÍTULO XII

DEFINIÇÃO DE COMPETÊNCIA

12.1. COMPETÊNCIA DE “JURISDIÇÃO”

Foram criados, pela Lei Maria da Penha, os Juizados de Violência Doméstica e

Familiar –JVDFM, órgãos da justiça ordinária com competência civil e criminal para o

processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência e

familiar contra a mulher (art. 14). Justiça ordinária significa justiça comum, não

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especializada, sendo residual e correspondendo ao que não é da competência das justiças

especiais: eleitoral, trabalhista ou militar. O que sobra, assim, automaticamente é justiça

comum, seja federal, seja estadual. Como a competência da Justiça Federal é definida pela

presença da união e suas autarquias, as causas decorrentes da prática de violência doméstica

e familiar contra a mulher sobraram para a Justiça Estadual Comum.

Porém, há a possibilidade de qualquer processo envolvendo violência

doméstica ser deslocado para a Justiça Federal. Ocorrendo grave violação dos direitos

humanos, para assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de Constituição Federal

autoriza que o Procurador Geral da república suscite, perante o STJ, incidente de

deslocamento de competência para a Justiça Federal. Ainda que não se questione a

competência da Justiça Comum Estadual para apreciar as causas envolvendo a violência

doméstica, flagrada em algum processo ou inquérito, grave violação dos direitos humanos

das mulheres, a demanda pode migrar para a Justiça Federal.

12.2. COMPETÊNCIA DE JUÍZO

Quando entrou em vigor, a Lei Maria da Penha chamou atenção e suscitou

questionamento o fato de a violência doméstica ter sido excluída do âmbito dos Juizados

Especiais Criminais – JECrims (art. 41). Porém, o legislador foi enfático e até repetitivo ao

afastar os delitos que ocorrem no âmbito da família do juízo especial, que aprecia infrações

de pequena lesividade, deixando claro que a violência doméstica contra a mulher não é

crime de pequeno potencial ofensivo.

A Constituição Federal assegurou alguns privilégios a delitos de menor

potencial ofensivo e delegou, à legislação infraconstitucional, definir os crimes que assim

devem ser considerados (CRFB, art. 98, I). Foi o que fez a Lei dos Juizados Especiais. Sem

dar nova redação nem à Lei das Contravenções Penais e nem ao Código Penal, considerou

de pequeno potencial ofensivo: a) as contravenções penais; b) os crimes a que lei comina

pena máxima não superior a dois anos; e c) os delitos de lesões corporais leves e lesões

culposas. A Lei Maria da Penha afastou a violência doméstica da égide da Lei 9099/1995.

Assim, se a vítima é mulher e o crime aconteceu no ambiente doméstico, não pode ser

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considerado de pouca lesividade e não mais será apreciado pelos JECrims. Mesmo que o

legislador tenha usado a expressão “crimes” para repudiar os Juizados Especiais Criminais,

as contravenções penais não continuam nesses Juizados.

Para o processo, o julgamento e a execução das causas cíveis e criminais,

decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, foram criados os

JVDFMs, conforme o art. 14, da Lei. Mesmo que não tenha sido imposta a criação de

Juizados Especializados e nem definido prazo para seu funcionamento, enquanto não

estruturados, foi deslocada a competência dos Juizados Especiais Criminais para as Varas

Criminais (art. 33). Foi atribuída, ao Juiz Criminal, a competência cível e criminal para

conhecer e julgar as causas decorrentes da violência doméstica, mas não para o processo

executório. Ao contrário do que acontece com os JVDFMs, onde cabe o processo, o

julgamento e a execução das demandas que aprecia.

Ainda que deslocada a competência para as Varas Criminais, continuarão os

juízes de família, e os juízes cíveis que atendem a jurisdição de família, recebendo as

demandas cíveis intentadas pela vítima da violência doméstica. Nestas ações, é possível ser

buscada, a título de tutela antecipada, a concessão das medidas protetivas, elencadas na Lei

Maria da Penha (arts. 22 a 24). Para garantir o adimplemento da liminar concedida, o juiz

pode decretar a prisão preventiva do réu.

As supracitadas alterações acabarão forçando os Tribunais de Justiça a

implantarem os JVDFMs, até porque, enquanto isso não acontecer, certamente ocorrerão

sérios transtornos em termos de distribuição de processos e volume de trabalho. Será

sensível a redução do número de processos em tramitação nos Juizados Especiais. Em

contrapartida, haverá um acréscimo muito grande de demandas nas Varas Criminais. Os

Juizados Especiais restarão esvaziados e as Varas Criminais contarão com significativo

aumento no volume de processos, pois cada denúncia de violência doméstica pode gerar

procedimentos. Tanto o expediente da autoridade policial, para a adoção de medidas

protetivas de urgência (art. 12, III), como o inquérito policial (art. 12, VII), são enviados a

juízo, em momentos diferentes. Garantido o direito de preferência a estes processos (art. 33,

parágrafo único), certamente os demais terão sua tramitação comprometida. Como, nestas

varas, os processos encontram-se os processos de réus presos, ou haverá excesso de prazo,

o que enseja a soltura do réu, ou não será garantido o direito de preferência aos delitos

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domésticos. Com isso, agrava-se o risco e ocorrência da prescrição, o que gera a

consciência da impunidade e o aumento dos índices de criminalidade.

12.3. COMPETÊNCIA FUNCIONAL

A Lei Maria da Penha nada diz sobre competência funcional.

Com relação às medidas protetivas, como a maioria delas é do âmbito do

Direito das Famílias, se dizem com “ao estado e à capacidade da pessoa”, exigem a

presença de Juiz de Direito, conforme prevê o art. 92, do CPC: “Compete, porém,

exclusivamente ao juiz de direito processar e julgar: (...) II- as ações concernentes ao

estado e à capacidade da pessoa.” Isso significa dizer que nem juízes temporários e muito

menos conciliadores têm competência para atuar nesses procedimentos.

12.4. COMPETÊNCIA “RATIONE PERSONAE”

Como afirma Luiz Flávio Gomes, em seu livro “Aspectos Criminais da lei de

violência contra a mulher”, em sede de violência doméstica, a competência é firmada em

razão da pessoa da vítima (mulher), assim como em virtude do seu vínculo pessoal com a

agente do fato, ou seja, também é imprescindível a ambiência familiar, doméstica ou

íntima. Não importa o local do fato, pois não será o local que definirá a competência, sendo

fundamental que se constate a violência contra mulher e seu vínculo com o agente do fato.

Ocorrerá a aplicação subsidiária, tanto das normas dos Códigos de Processo

Penal e Processo Civil, como do ECA e do Estatuto do Idoso, para o processo, julgamento e

execução das causas cíveis e criminais do âmbito da Lei Maria da Penha, um não excluindo

direitos reconhecidos nos outros, uma vez que os três estatutos visam a concretizar valores

constitucionalmente reconhecidos, conforme os arts. 226, parágrafo 8◦, 227 e 230, da

CRFB.

No âmbito do Direito Processual Penal, a identificação da competência atenta

ao critério do local da infração, conforme preceitua o art. 70, do CPP: “A competência será,

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de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa,

pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”. Em dispondo, o agressor, de

foro privilegiado por prerrogativa de função, a competência para o julgamento das ações

criminais desloca-se para o órgão julgador indicado na lei, que se sobrepões à competência

do lugar da infração. Já o CPC elegeu a competência territorial, ou seja, o local da

residência do réu, como prevê o seu art. 94: “A ação fundada em direito pessoal e a ação

fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no foro do domicílio

do réu”. Contudo, há exceções, dentre elas, destacando-se: o domicílio da mulher, para as

ações que visam o fim do casamento (CPC, art. 100, I) e o domicílio do alimentando, nas

ações em que se buscam alimentos (CPC, art. 100, II).

O Estatuto do Idoso impõe a competência absoluta do domicílio do idoso

somente para as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos que lhes são assegurados,

como previsto em seu art. 80. Já o ECA firma a competência pelo domicílio dos pais ou

responsável ou, na falta destes, o lugar onde se encontra a criança ou o adolescente (art.

147) e, quando se tratar de Ato Infracional, a autoridade competente será a do lugar da ação

ou omissão, conforme o art. 147, em seu parágrafo 1◦.

Em sede de violência doméstica, o critério definidor da competência é:

a) que a violência seja contra mulher; e,

b) que ela faça parte do âmbito doméstico, familiar ou de relacionamento

íntimo do agente do fato, não importando o local da agressão.

Diante deste emaranhado de regras, surgem dúvidas na hora de identificação da

Comarca e, em se tratando de violência doméstica, as dificuldades são ainda maiores

porque, nos processos cíveis, é delegado à ofendida o direito à eleição do foro, como

previsto no art. 15, da Lei Maria da Penha. Como as medidas protetivas de urgência, em sua

maioria, são de natureza cível é oportunizado à vítima eleger o foro competente mas o

encaminhamento a juízo, é levado a efeito pela autoridade policial, como prevê o art. 12,

VII, da Lei. De qualquer modo, é mister se respeitar a vontade da vítima e esta,

manifestando o desejo de exercer o direito de escolha assegurado em lei, a remessa deverá

ser feita ao juízo eleito por ela.

Em havendo a necessidade de adoção de medida protetiva de urgência, o

expediente deverá ser levado a juízo, em 48 horas, e, em momento posterior, no prazo de 30

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dias, se o indiciado estiver solto, será enviado o Inquérito Policial. Como este deverá ser

encaminhado ao juízo do local em que ocorreu a infração e aquele, por sua natureza cível,

para o foro eleito pela vítima, pode não haver coincidência de cidades. Assim, atendendo à

manifestação da vítima, o pedido de providência pode ser remetido ao foro que não o do

local da infração. Pode ocorrer que a medida protetiva se processe numa comarca, enquanto

a ação penal se instala perante distinto foro. Ainda que não exista conexão ou continência

entre ambos, é possível que surjam algumas dificuldades como, por exemplo, a desistência

à representação pode se dar perante o juiz que recebeu o pedido de medida protetiva. Em

face da necessidade do fato ser comunicado ao juízo que recebeu o inquérito, o impasse

pode gerar eventual demora e a comunicação só chegar quando já recebida a denúncia.

Deste modo, mesmo que a renúncia tenha ocorrido tempestivamente, há a possibilidade de

o juiz só tomar conhecimento da manifestação de vontade da vítima quando já iniciada a

ação penal, o que tornará ineficaz o deseja da vítima de não ver o réu processado.

12.5. COMPETÊNCIA DAS VARAS CRIMINAIS E DOS JVDFMs

A Lei Maria da Penha criou os JVDFMs, mas não impôs sua instalação e,

enquanto estes não forem estruturados, foi atribuída competência cível e criminal às Varas

Criminais, para onde devem migrar as causas decorrentes da prática de violência doméstica

e familiar contra a mulher.

Foi atribuída competência, as JVDFMs, para o processo, o julgamento e a

execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a

mulher, conforme o art. 14, da Lei. Já as Varas Criminais dispõem de competência somente

para o processo e julgamento das causas decorrentes da prática de violência doméstica e

familiar contra a mulher, como prevê o art. 33, da mesma Lei, e essa diferença é

significativa.

Devem ser encaminhadas às Varas Criminais, tanto os pedidos de medidas

protetivas de urgência como os inquéritos policiais. Ao juízo caberá apreciar o pedido

liminar e, se deferida, o juiz determinará o cumprimento, somente permanecendo, na Vara,

as medidas protetivas de natureza penal.

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Quanto às providências cíveis, após cumpridas as medidas que obrigam o

agressor, o expediente deverá ser redistribuído à Vara de Família. Este deverá determinar a

intimação das partes envolvidas. Se ocorrer o inadimplemento da tutela deferida, a

execução será proposta perante a Vara de Família. Para assegurar a eficácia de qualquer das

medidas, pode o juiz decretar a prisão preventiva, não havendo qualquer impedimento que

o Juiz da Vara de Família ou da Vara Cível assim aja, pois não se trata de cumulação de

competência penal.

12.6. COMPETÊNCIA DO JÚRI

Como prevê o art. 5◦, XXXVIII, da CRFB, os crimes dolosos contra a vida são

julgados pelo Tribunal do Júri. Porém, sendo a vítima mulher e tendo o fato acontecido em

decorrência de vínculo doméstico, a instrução do processo deve ocorrer nas varas

especializadas de combate à violência doméstica, sob pena de a vítima de tentativa de

homicídio ficar privada dos benefícios da Lei Maria da Penha.

No fim da primeira fase, antes de pronunciado o réu, é que o processo deve ser

encaminhado à Vara do Júri, para o julgamento em plenário. Ainda que o processo deva

tramitar no JVDFM, a sentença de pronúncia cabe ao Presidente do Tribunal do Júri, como

p revisto no art. 407, do CPP. Assim, o deslocamento da ação ocorrerá após a inquirição

das testemunhas e das alegações finais e não depois da pronúncia.

12.7. FORO DE ELEIÇÃO

Podemos dizer que a Lei Maria da penha tem natureza híbrida. Ainda que mais

voltada para os aspectos criminais da violência doméstica, traz disposições do âmbito do

Direito Civil, tanto que é atribuída competência cível e criminal não só às JVDFMs,

conforme previsto no art. 14 da Lei, mas também às Varas Criminais, que respondem pela

aplicação da lei, enquanto não instalados os Juizados Especializados, previstos no art. 33.

Desta feita, há a determinação da aplicação das normas do Código de Processo Civil e do

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de Processo Penal, no que não conflitarem com o nela estabelecido, como previsto no art.

13.

Em relação às medidas protetivas de urgência, requeridas pela mulher, perante a

autoridade policial, ainda que ela compareça à delegacia policial para noticiar a prática de

um delito, o registro de ocorrência autoriza o desencadeamento de providências de outra

natureza. Assim, a mulher, ao representar contra seu ofensor, pode requerer que ele seja

afastado do lar, por exemplo, bem como que lhe seja deferida a guarda dos filhos, com a

fixação de alimentos. Essas medidas, como se nota, têm natureza cível mas desencadearão

expediente elaborado pela autoridade policial e a ser remetida a juízo. O pedido, assim,

envolve Direito Civil mas a competência para apreciar pedido será da Vara Criminal, se

ainda não instalado o JVDFM. Ainda assim, a vítima pode exercer o direito de optar,

conferido-lhe por lei, e indicar o foro competente para a apreciação da medida, podendo ser

exercida até o momento da propositura da ação mas não após a distribuição, contudo.

Em caso de ser indeferido o pedido de medida protetiva pela vítima, pode ela

buscar a mesma pretensão mediante ação cautelar, já que não houve coisa julgada, devendo

ser proposta perante o JVDFM ou, em sua ausência, na Vara Cível ou de Família. Como a

faculdade de eleger o foro existe tanto para o pedido de medida protetiva como nas ações

cíveis, pode não ocorrer coincidência de foro. Assim, é possível que o procedimento

policial tenha sido enviado para a Comarca em que ocorreu a agressão e que, na demanda

cível, a autora opte pelo foro de seu domicílio. Também nas ações cíveis, que tenham causa

a prática de violência doméstica, pode a autora eleger o foro que melhor atender a seu

interesse, mesmo que a ação seja encaminhada à Vara Cível ou de Família, enquanto não

instalado o JVDFM.

CAPÍTULO XIII

MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

13.1. TUTELA DE URGÊNCIA

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A Lei Maria da Penha elenca um rol de medidas para assegurar à mulher o

direito a uma vida sem violência. A Lei traz providências que não se limitam às medidas

protetivas de urgência, previstas nos arts. 22 e 24, apresentando diversas medidas também

voltadas à proteção da vítima, que podem ser chamadas de protetivas.

Pelo art. 10 da Lei, a autoridade policial deve tomar as providências legais

cabíveis no momento em que tiver conhecimento de fato que configure violência

doméstica. Já ao Ministério Público caberá requerer a aplicação de medidas protetivas ou

revisão das que já foram concedidas, a fim de assegurar proteção à vítima, conforme o

previsto no art. 18, III, e no art. 19 e parágrafo 3◦, enquanto que o Juiz necessita ser

provocado. Como a adoção de providência de natureza cautelar está condicionada à

vontade da vítima, ainda que a mulher proceda ao registro da ocorrência, cabe somente a

ela a iniciativa de pedir proteção em sede de tutela antecipada. Sá assim será formado um

expediente para que seja possível a deflagração de concessão de medida protetiva de

urgência. Exclusivamente no caso de a vítima requerer providências, é que caberá ao juiz

agir de ofício, adotando, porém, outras medidas que julgar necessárias ao caso, a fim de

tornar efetiva a proteção da Lei.

Cabe se ressaltar que não é apenas no expediente, recebido da autoridade

policial, com o pedido de medidas protetivas, é que caberá tutela de urgência, pois novas

medidas podem ser concedidas, quando do recebimento do inquérito policial ou durante a

tramitação da ação penal. Além disso, nas demandas cíveis intentadas pela vítima ou pelo

MP, que se originam de situação de violência doméstica, o juiz pode determinar a adoção

das providências necessárias à proteção da vítima e dos integrantes da unidade familiar,

principalmente em caso em que haja filhos menores. Para garantir a efetividade das

medidas deferidas, a qualquer momento cabe substituí-las ou até mesmo conceder outras

medidas, como também o magistrado pode requisitar o auxílio de força policial, como

citado no art. 22, parágrafo 3◦, ou decretar a prisão preventiva do agressor, conforme o art.

20 da Lei.

As medidas protetivas de urgência, que obrigam o agressor e outro chamado,

são exemplificativas, não esgotando, portanto, o rol de providências protetivas passíveis de

adoção, consoante ressalvado no art. 22, parágrafo 1◦ e no “caput” dos arts. 23 e 24.

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Pelo art. 9◦, parágrafo 1◦, a vítima pode ser incluída em programas assistenciais.

De mesma natureza, há a previsão protetiva da possibilidade de assegurar à vítima,

servidora pública, acesso prioritário à remoção. Se esta trabalhar na iniciativa privada, lhe é

garantida a manutenção do vínculo empregatício, por até seis meses, se for necessário o seu

afastamento do local de trabalho, conforme previsão legal do art. 9, parágrafo 2◦, II.

A vítima tem o direito de ser informada pessoalmente dos atos processuais

relativos ao agressor, principalmente quando de seu ingresso e de sua saída da prisão,

conforme previsto no art. 21 da Lei, podendo ser considerada como medida cautelar à

vítima. Do mesmo modo, há a vedação legal de que a vítima não seja portadora de

intimação ao agressor, como prevê o art. 21, parágrafo único.

Como uma das grandes novidades da Lei, há a previsão de se admitir medidas

protetivas de urgência do âmbito do Direito das Famílias, sendo requeridas pela vítima

perante a autoridade policial. Assim, a vítima, ao registrar a ocorrência de violência

doméstica sofrida, pode requerer a separação de corpos, alimentos, vedação de o agressor

se aproximar de si e de seus familiares ou ser o agressor proibido de freqüentar

determinados lugares. Requerida a aplicação de quaisquer dessas medidas protetivas, a

autoridade policial deverá formar expediente a ser encaminhado ao juiz, conforme o

previsto no art. 12, III.

Por ausência de determinação legal, contudo, não há a previsão de se pleitear

medidas protetivas por meio de defensor ou procurador, mesmo que a Lei garanta à vítima

de violência doméstica o acesso aos serviços da Defensoria Pública ou da Assistência

Judiciária Gratuita, como consta no art. 28, não condicionando o pedido de tutela de

urgência à representação por advogado constituído.

Em sede de cognição sumária, as medidas deferidas não dispõem de caráter

temporário, isto é, não é imposto à vítima o dever de ingressar com a ação principal, no

prazo de 30 dias, conforme está previsto no art. 806, do CPC (“Cabe à parte propor a

ação, no prazo de 30 dias, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta

for concedida em procedimento preparatório.”), tendo elas um caráter satisfativo.

Pacificado na Jurisprudência, em sede de direito familiar, a medida cautelar não perde a

eficácia, inclusive se não intentada a ação no prazo legal, ainda que se tratar de prazo

decadencial.

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13.2. RELATIVAS AO AGRESSOR

As medidas protetivas que obrigam o agressor estão previstas no art. 22 da Lei

Maria da Penha, apesar de nem todas disporem desta natureza,

A primeira providência é desarmar o agressor, a fim de se garantir a

incolumidade física da mulher. A Lei admite que o juiz suspenda a posse ou restrinja o

porte de arma de fogo, com base no art. 22, I, da Lei. Conforme o Estatuto do

Desarmamento, tanto possuir arma de fogo como usá-la é proibido. Para se ter a posse de

uma arma, ainda que no interior de uma casa, é necessário o seu respectivo registro, que é

levado a efeito junto à Polícia Federal.

Se o agressor dispõe da posse regular e autorização de uso, o desarmamento só

pode ocorrer mediante a solicitação, como medida protetiva a ser enviada ao juízo. Se,

contudo, o uso ou o porte sejam ilegais, a autoridade policial deverá tomar as providências

cabíveis, quando se configurar prática de algum dos delitos previstos na Lei do

Desarmamento, em seus arts. 12, 14 e 16.

Sendo legal a posse e o uso da arma de fogo pelo agressor, denunciando a

vítima à autoridade policial a violência e justificando a necessidade de desarmá-lo, por

temer pela própria vida, será instalado expediente, a ser remetido ao Juízo. O pedido

deferido e excluído o direito do ofensor de manter a posse da arma ou, ainda, tendo

limitado o seu uso, deve ser comunicado a quem procedeu ao registro e concedeu a licença,

ou seja, ao SINARM e a Polícia Federal. Se, porém, o agressor tenha o direito ao uso de

arma de fogo, segundo o rol legal do art. 6◦, da Lei do Desarmamento, o juiz comunicará ao

respectivo órgão, corporação ou instituição, a restrição imposta. O superior hierárquico do

agressor ficará responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de

incorrer nos crimes de prevaricação (art. 319, do CP) ou desobediência (art. 330, do CP). O

objetivo da medida é evitar o que se chama de “uma tragédia maior”.

Destaca-se que as medidas protetivas que obrigam o agressor não impedem a

aplicações de outras, sempre que a segurança da vítima ou as circunstâncias assim

exigirem. O Ministério Público deverá ser comunicado de todas as providências tomadas,

com base nos arts. 18, III, e 19, parágrafo 1◦, da Lei, podendo requerer o que entender

cabível para a efetividade da tutela deferida.

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13.3. DE PROTEÇÃO À VÍTIMA

As medidas protetivas de urgência à vítima estão previstas no art. 23, da Lei

Maria da Penha.

O Juiz pode determinar, com base no art. 23, I, o encaminhamento da ofendida

e de seus dependentes a um programa oficial ou comunitário de proteção ou de

atendimento. A autoridade policial também poderá determiná-las, como o previsto no art.

11, III.

O Ministério Público, como medida de cunho administrativo, tem o direito de

requisitar serviços públicos de segurança, incluindo o de determinar o recolhimento da

vítima.

Todas as demais medidas protetivas, que visam a proteção da vítima, são do

âmbito das relações familiares, como o afastamento do agressor do domicílio do casal e a

possibilidade de a ofendida e seus dependentes serem reconduzidos ao lar, e podem ser

requeridas através de medida cautelar, intentada pela vítima, com base no art. 888, IV, do

CPC, perante o JVDFM. Se estes ainda não estiverem instalados, as ações serão propostas

no Juízo Cível. Se tratar-se de demanda de natureza jurisdicional, aa ação deverá ser

intentada mediante o atendimento de todos os requisitos legais previstos no CPC, entre eles,

a necessidade de a autora se fazer representar por advogado.

No entanto, como essas medidas têm o nome de medida protetiva de urgência,

elas poderão ser formuladas, pela vítima, quando do registro da ocorrência, desencadeando

o procedimento a ser encaminhado a juízo, pela autoridade policial. Se, mais uma vez, os

JVDFMs não tiverem sido instalados, o incidente deverá ser encaminhado à Vara Criminal,

mesmo que tratem de matéria do âmbito do Direito das Famílias e, uma vez concedida a

liminar, o expediente deverá ser enviado à Vara Cível ou de Família.

13.4. SEPARAÇÃO DE CORPOS E PROIBIÇÃO DE CONTATO

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Outra providência que cabe ser adotada é manter o agressor distante da

vítima, mediante medidas previstas nos procedimentos que obrigam o agressor, como

preceituado no art. 22, II, e nas que asseguram proteção à vítima, conforme os arts. 23, II,

III e IV.

Determinado o afastamento do agressor do domicílio ou do local de

convivência com a ofendida, conforme o art. 22, II, ela e seus dependentes podem ser

reconduzidos ao lar, como prevê o art. 23, II. Também pode ser autorizada a saída da

mulher da residência comum, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda de filhos e

alimentos, conforme o previsto no art. 23, III. Em qualquer das hipóteses, trata-se de

decreto de separação de corpos, previsto no art. 23, IV, decorrente de crime e não de outras

questões de natureza exclusivamente cível. Assim, percebe-se que, para cessar a violência,

é possível a saída de qualquer deles da residência comum do casal.

O Código de Processo Civil, entre as medidas cautelares, prevê o afastamento

temporário de um dos cônjuges da morada do casal mas o Código Cível admite a separação

de corpos como uma forma de tutela antecipada à ação de dissolução de união estável,

como prevê o art. 1.562, do CC. Como se observa, a separação de corpos pode ser deferida

quer o ofensor e a vítima sejam casados, quer vivam em união estável.

Outra forma de impedir contato entre o agressor e a vítima, seus familiares e

testemunhas, é fixar um limite mínimo de distância de aproximação, previsto no art. 22, III,

“a”, da Lei Maria da Penha, como o caso recente e notório publicamente do casal de ex-

noivos Dado Dolabella e Luana Piovanni. Para isso, o Juiz tem a faculdade de fixar, em

metros, a distância a ser mantida pelo agressor da casa, do trabalho da vítima e do colégio

dos filhos. Ao contrário do que sugere Guilherme Nucci, em seu livro “Leis Penais e

Processuais Penais Comentadas”, andou bem o legislador em não definir a extensão da

distância, ainda que a falta de delimitação na lei possa gerar algumas discussões, porque é

melhor que essa marcação seja individualizado pelo arbítrio do juiz, analisando o caso

concreto e sua margem de segurança em si.

Apesar da discussão jurídica de que a vedação configuraria constrangimento

ilegal, a verdade é que não configura e em nada infringe o direito de ir e vir, previsto em

nossa atual Constituição, em seu art. 5◦, XV, isto porque a liberdade de locomoção encontra

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limite no direito do outro de preservação da vida e da integridade física e, na ponderação

entre vida e liberdade, há que se limitar a última para que se assegure a primeira.

Outra restrição positiva é a possibilidade de proibição de contato do agressor

com a vítima, seus familiares e testemunhas, por qualquer meio de comunicação, conforme

o previsto no art. 22, III, “b”, da Lei Maria da Penha.

O Juiz também pode suspender ou restringir as visitas do agressor aos filhos

do casal, desde que flagrante a possibilidade de a segurança da vítima ser ameaçada, como

prevê o art. 22, IV. Há a recomendação de que seja ouvida a equipe de atendimento

multidisciplinar, a fim de se preservar o vínculo de convivência entre pais e filhos.

Contudo, havendo risco à integridade da ofendida ou dos filhos, será impositivo que ocorra

a suspensão das visitas, em sede liminar, não sendo necessário que o parecer técnico

anteceda a decisão judicial. Vem sendo admitida, na prática, a possibilidade do

estabelecimento de um local para as visitas ocorrerem de forma supervisionada e sem que

haja contato do ofensor com a mulher.

Para o autor Marcelo Lessa Bastos, em seu livro “Violência Doméstica e

familiar contra a mulher”, as medidas previstas nos incisos I, II e III, “a”, “b” e “c”, do art.

22, são cautelares de natureza penal, concluindo que: “vinculadas à infração penal cuja

ação seja de iniciativa pública, parece que só podem ser requeridas pelo Ministério

Público, não pela ofendida, até porque são medidas que obrigam o agressor, não se

destinando, simplesmente à proteção da ofendida. Sendo assim, não está ela legitimada a

requerer tais medidas, o que só pode ser feito pelo titular da ação penal, porque não faria

sentido poder ela promover a ação cautelar e não poder promover a ação principal”. Isto,

contudo, é um equívoco do autor pois não há como reconhecer como tendo natureza penal,

por exemplo, a determinação do afastamento do agressor do lar, já que, tanto o CC, em seu

art. 1.562, como o CPC, em seu art. 888, VI, prevêem a separação de corpos, no juízo cível,

como ações a serem propostas pela vítima, nada obstaculizando o exercício do direito de

pleitear , por meio de incidente, suscitado perante a autoridade policial, expressamente

admitido em lei.

13.5. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

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Mesmo que não se possa identificar, como medida protetiva, a fixação de

alimentos provisórios (Lei n.◦ 5.478/68 – Lei de Alimentos) ou provisionais (art. 852, do

CPC), com base no art. 22, V, esta determinação assegura a sobrevivência da entidade

familiar.

A vítima pode requerer alimentos para ela e seus filhos ou mesmo a favor

somente da prole. Em relação à esposa e à companheira, a obrigação alimentar decorre do

dever de mútua assistência. Diante dos filhos, o dever de sustento está ligado ao âmbito do

poder familiar, previsto no art. 1.694, do CC. Ressalta-se que os alimentos são devidos

desde a data de sua fixação e antecipadamente pois seria descabido aguardar o decurso do

prazo de um mês para que ocorra o seu pagamento.

De um modo geral, a pretensão de alimentos provisórios ou provisionais é

veiculada por meio de uma ação, intentada perante o Juízo de Família, estando a parte

representada por seu advogado constituído mas, se for mediante caso de violência

domiciliar, a pretensão pode ser buscada por meio da polícia. O registro da ocorrência e o

pedido de concessão de medida protetiva de urgência levam à formação de expediente, a

ser enviado ao juiz, que apreciará o pedido. Se, porém, a pretensão for indeferida, em sede

de medida protetiva, nada impede que o pedido seja feito, por meio de ação de alimentos,

perante o Juízo Cível.

13.6. MEDIDAS DE ORDEM PATRIMONIAL

A Lei prevê a possibilidade de concessão de medidas protetivas de cunho

eminentemente patrimonial, em seu art. 24 e incisos, como: restituição de bens da vítima,

que lhe foram subtraídos pelo agressor; proibição temporária de compra, venda ou locação

de bens comuns; suspensão de procuração outorgada pela vítima.

O direito assegurado à vítima de buscar a restituição de seus bens, refere-se

tanto aos bens particulares quanto aos que integram o acervo do casal, pois a metade lhe

pertence, já que os bens adquiridos durante o casamento pertencem ao par, com exceção

dos bens adquiridos sobre a constância do regime da separação convencional de bens.

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É exigido, como pressuposto, para a concessão da medida protetiva, que os

bens, que foram subtraídos, o foram por quem a vítima matem um vínculo familiar, se

configurando como crime de furto, previsto no art. 155, do CP. Com a Lei Maria da Penha,

o varão que “subtrair” objetos de sua mulher, pratica violência patrimonial, prevista no art.

7, IV, não se aplicando as imunidades absoluta e relativa dos arts. 181 e 182, do CP,

sujeitando-se o réu ao agravamento de pena, conforme o art. 61, II, “f”, do Código Penal.

Para bens imóveis, a transferência se dará por meio de registro imobiliário

e, para que isto ocorra, é necessário a outorga uxória, não havendo a possibilidade do varão

se desfazer do patrimônio imóvel, sem que a mulher assine a escritura.

No caso de união estável, ainda que a aquisição de bens, durante sua

constância, gere estado de comunhão, o fato é que não há como controlar a alienação do

patrimônio comum que não estiver em nome de ambos. Se um imóvel foi adquirido durante

a vigência da união estável, em nome de somente um dos companheiros, mesmo que passe

a pertencer a ambos, não há como saber desta situação. Assim, o companheiro que adquiriu

o bem pode aliená-lo livremente, pois consta só no seu nome e o adquirente não tem como

saber que ele vive em união estável e o bem não lhe pertence com exclusividade. Neste

caso, há uma hipótese em que é possível a busca de medida protetiva, pois tal manobra

configuraria uma forma de subtração de bem da mulher.

Caso o Juiz não veja justificativa suficiente para a concessão de restituição

pretendida pela vítima, ele tem a faculdade de determinar somente o arrolamento dos bens

ou o protesto contra alienação de bens, como consta no art. 22, parágrafo 1◦, da Lei Maria

da Penha, como forma de assegurar a higidez do patrimônio, evitando-se, assim, um dano

irreparável.

Não é só a venda de bens que cabe ser vedada mas a compra também,

quando o negócio pode ser ruinoso aos interesses da mulher ou de sua família. Havendo

este temor, a mulher tem a possibilidade de requerer medida protetiva para que a compra do

bem seja obstaculizada.

Já para o caso de locação de bens comuns, somente quando o prazo da

locação for superior a 10 anos, é necessária a vênia conjugal. Se o Juiz conceder, em sede

liminar e como medida protetiva de urgência, a proibição de o varão locar bens comuns,

concedido o pedido, a locação dependerá de autorização judicial. Trata-se de pedido de

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suprimento do consentimento, previsto no art. 11, do CPC, a ser formulado pelo agressor

mas não nos autos da medida protetiva, devendo ingressar com procedimento autônomo,

perante o JVDFM. Se não instalado este juízo, o pedido de autorização judicial terá que ser

formulado na Vara Cível ou de Família e na Vara Criminal onde tramitou o pedido de

medida que impediu a locação.

Essa proibição temporária de celebração de contrato de compra, venda ou

locação do patrimônio comum deve ser comunicada ao Cartório de Registro de Imóveis. Já

a suspensão da procuração precisa ser informada ao Cartório de Notas. Em todas as

hipóteses, contudo, para que a decisão seja oponível a terceiros, é aconselhável também a

comunicação ao Cartório de Registro de Títulos e Documentos.

Uma das medidas previstas na Lei é a possibilidade de o Juiz suspender

procurações outorgadas pela ofendida ao agressor, como consta no art. 24, III, em sede

liminar e no prazo de 48 horas, após a vítima ter denunciado, na polícia, o episódio de

violência. Apesar da Lei falar em “suspensão da procuração”, leia-se “revogação”. Estende-

se também, esta revogação, ao mandato judicial conferido ao varão, na hipótese de ele ser

advogado. Por outro lado, não há como impedir o uso do mesmo expediente para revogar

procuração outorgada a advogado ligado ao agressor, quando a concessão do mandato

tenha decorrido desta condição.

Pelo art. 24, IV, a exigência de caução, para garantir posterior pagamento

de indenização, tem nítido caráter cautelar, até por determinar depósito judicial de bens e

valores. É uma medida acautelatória, a fim de garantir a satisfação de direito que venha a

ser reconhecido em demanda judicial, a ser proposta pela vítima. Cabe a possibilidade de o

Juiz deferir a medida, por determinado prazo, ao menos até que a vítima intente a ação. Não

cabe permanecerem bens ou valores sob caução indefinidamente, sem que a vítima busque

a indenização que a caução vem assegurar.

As medidas apresentadas têm natureza extrapenal, que podem ser

formuladas perante a autoridade policial, quando do registro as ocorrência e desencadeiam

o procedimento de medida protetiva de urgência, a ser enviado a juízo, com base no art. 12,

III. Essas mesmas pretensões podem ser veiculadas por meio das ações cautelares de

seqüestro (art. 822, do CPC), busca e apreensão (art. 839, do CPC), arrolamento de bens

(art. 855, do CPC) ou mediante outras medidas provisionais, previstas no art. 888, do CPC,

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e, mesmo que tratem de ações cíveis, como a causa de pedir é a ocorrência de violência

doméstica, deverão ser propostas perante o JVDFM. Se estes não estiverem ainda

instalados, essas ações deverão ser propostas pela vítima, no juízo civil ou de família e não

na Vara Criminal.

Rejeitada quaisquer das pretensões formuladas pela vítima, por meio do

procedimento policial, é possível que a vítima busque, através da jurisdição cível, os

mesmos direitos, por meio das medidas cautelares.

13.7. EXECUÇÃO

A Lei Maria da Penha admite a aplicação das medidas previstas no

“caput” e nos parágrafos 5◦ e 6◦, do art. 461, do CPC, previsto no art. 22, parágrafo 4◦, para

assegurar a aplicação das medidas protetivas que obrigam o agressor.

As regras para o cumprimento das obrigações de fazer ou não fazer foram

transpostas para o âmbito da violência doméstica, tratando-se de tutela inibitória, que visa

impedir, de forma imediata e definitiva, a violação a um direito. A multa por tempo de

atraso é, nas palavras de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, em seu

Código de Processo Civil, “mais uma alternativa para a efetividade do processo, com

natureza jurídica de execução indireta”. Essa multa diária poderá ser imposta pelo Juiz,

independentemente de pedido da vítima e ele poderá modificar o valor ou sua

periodicidade, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. O aumento da multa

se justificará para forçar o devedor a cumprir sua obrigação.

Pelo previsto no art. 19, parágrafo 2◦, da Lei Maria da Penha, o Juiz pode

substituir algumas medidas por outras, bem como pode adotar novas providências para

garantir a segurança da ofendida, dos seus familiares e de seu patrimônio. Tais mudanças

podem ser tomadas de ofício, a requerimento do Ministério Público ou da ofendida,

conforme o que preceitua o art. 19 e parágrafo 3◦, da Lei.

CAPÍTULO XIV

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14. MUDANÇAS

A Lei Maria da Penha criou um microssistema, visando coibir a violência

doméstica, não só de caráter repressivo mas, também, de caráter preventivo e assistencial.

Visando atender a seus propósitos, foram introduzidas alterações no

Código Penal, no Código de Processo Penal e na Lei de Execução Penal, não havendo,

contudo, a previsão de novos tipos penais, limitando-se a ser inserido mais uma agravante,

uma majorante e a alterar a pena do delito de lesões corporais. Também foi admitida mais

uma hipótese de prisão preventiva, além de ter sido permitida a imposição ao agressor, em

caráter obrigatório, do comparecimento a programa de recuperação e reeducação.

14.1. NO CÓDIGO PENAL

As mudanças foram de pequena monta. O legislador limitou-se a

acrescentar mais uma circunstância agravante, quando o agente se prevalece de relações

domésticas, de coabitação ou hospitalidade. O art. 43, da Lei Maria da Penha, acrescentou

na alínea “f”, do inciso II, do art. 61, do Código Penal: “São circunstâncias que sempre

agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: (...) II- ter o agente

cometido o crime: f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas,

de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei

específica..”.

Quanto ao delito de lesões corporais, houve o aumento da pena máxima

e a diminuição da pena mínima. O art. 44, da Lei, deu nova redação ao art. 129, parágrafo

9◦, do CP: “Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou

companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o

agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena – detenção, de

três meses a três anos.”.

Também foi estabelecida uma majorante quando a vítima da violência

doméstica for portadora de alguma deficiência. O art. 44, da Lei, acrescentou o parágrafo

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11 ao art. 129, do CP: “Na hipótese do parágrafo 9◦ deste artigo, a pena será aumentada

de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.”.

14.1.1.LESÃO CORPORAL QUALIFICADA

Houve somente mudança dos limites mínimo e máximo de duração da

pena: antes era de 6 meses a 1 ano e agora é de 3 meses a 3 anos. A proposta da lei foi a de

tratar mais severamente a violência doméstica mas não deixa de ser estranho, conforme

comentários de Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, no livro “Violência

Doméstica”, a redução da pena mínima à metade.

A explicação para o aumento da pena máxima é facilmente entendida

porque, assim, vedou a possibilidade de transação, de composição de danos e suspensão

condicional do processo, sendo estas somente cabíveis para infrações penais, com pena

máxima superior a 2 anos. Contudo, o art. 41, da Lei, já afasta a aplicação da Lei dos

Juizados Especiais.

Mesmo que a Lei Maria da Penha tenha vindo em benefício da mulher, o

delito de lesão corporal qualificado pela violência doméstica aplica-se independentemente

do sexo do ofendido, podendo ter como vítima um homem ou uma mulher. Basta o fato de

a agressão decorrer do vínculo familiar entre o agressor e a vítima para configurar-se o

delito. Configurada a violência doméstica, prevista no art. 129, parágrafo 9◦, do CP, quando

a vítima é um homem, ainda que não se aplique a Lei Maria da Penha, o agressor não faz

jus a nenhum benefício da Lei dos Juizados Especiais, em face da pena máxima, atribuída

ao delito, ser de 3 anos.

A expressão “relações domésticas”, referidas na lei penal, abrangem

todas as formas de família trazidas pela nova Lei.

14.1.2. UMA MAJORANTE A MAIS

Com a inclusão do parágrafo 11 ao art. 129, do CP, passou a ser mais

severamente apenado quem pratica lesões corporais contra vítima portadora de deficiência,

sendo aumentada de um terço.

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A preocupação do legislador em aproveitar a lei que protege a mulher

para alcançar as vítimas portadoras de necessidades especiais poderia ter ido além: ao invés

de prever esta circunstância como majorante do delito de lesão corporal, deveria inseri-la

entre as agravantes genéricas, elencadas no art. 62, do Código Penal, como uma forma de

assegurar proteção especial a quem tem necessidades especiais.

14.1.3. PRISÃO PREVENTIVA

Foi criada mais uma possibilidade de prisão preventiva, com o

acréscimo do inciso IV ao art. 313, do CPP: “Se o crime envolver violência doméstica e

familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das

medidas protetivas de urgência”. Não se trata de uma nova espécie de prisão preventiva e,

sim, da prisão preventiva prevista nos arts. 311 a 316, do CPP, chamada a aplicação nas

infrações penais decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Pelo art. 20, a prisão pode ser determinada em qualquer fase do

inquérito policial ou da instrução criminal, de ofício pelo juiz, a requerimento do Ministério

Público ou mediante representação da autoridade policial. Com base no parágrafo único, do

mesmo artigo, o juiz poderá revogá-la ou decretá-la novamente a qualquer tempo,

sobrevindo razões que justifiquem o encarceramento do ofensor. Tal disposição já

constava, porém, no art. 316, do CPP. Esta inovação visa atender às hipóteses em que a

prisão em flagrante não é cabível.

Não é exigível a presença de todos os pressupostos legais para a prisão

preventiva, bastando a necessidade de assegurar a eficácia das medidas protetivas de

urgência, se estas, por si só, se revelarem ineficazes para a tutela da mulher, para que juiz

decrete a prisão preventiva do agressor.

Há quem sustente, como Rogério Sanches Cunha e Ronaldo batista

Pinto, a inconstitucionalidade da nova hipótese de decreto de prisão preventiva como forma

de garantir a execução de medida protetiva de índole civil. Contudo, a possibilidade de

aprisionamento decorre exatamente da violência doméstica.Sua prática é que autoriza a

concessão da medida protetiva e, para garantir o seu cumprimento, cabe a prisão

preventiva, não se limitando, desta feita, ao âmbito criminal.

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Como diz Rodrigo da Silva Perez Araújo, em “Violência doméstica:

possibilidade jurídica da nova hipótese de prisão preventiva à luz do princípio

constitucional da proporcionalidade”, “a prisão cautelar do agressor é, sem dúvida,

garantia do direito fundamental da mulher vitimada em sua integridade – implícita ao

direito fundamental à vida. E não há reprovação que se possa fazer por se estar a

comprimir o direito à liberdade do agente. A opção do legislador é voz legítima do

interesse público e do povo, de que emana o Poder, e, portanto, deve preponderar”.

14.1.4. COMPARECIMENTO AO PROGRAMA DE

RECUPERAÇÃO E REEDUCAÇÃO

Foi acrescentado um parágrafo único ao art. 152, da LEP, levado a

efeito pelo art. 45, da Lei Maria da Penha, assim ficando o dispositivo legal: “Poderão ser

ministrados ao condenado, durante o tempo de permanência, cursos e palestras, ou

atribuídas atividades educativas. Parágrafo único: Nos casos de violência doméstica

contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a

programas de recuperação e reeducação”.

Entre as penas restritivas de direito, elencadas no Código Penal, uma

delas é a limitação de fim de semana, em seu art. 43, VI. O seu cumprimento consiste na

obrigação do réu de permanecer, aos sábados e domingos, por 5 horas diárias, em casa de

albergue ou outro estabelecimento adequado, como prevê o art. 48, do CP. Durante esse

período, a lei faculta que sejam ministrados cursos e palestras ou atribuídas atividades

educativas, conforme o art. 48, parágrafo único, do CP, e com o art. 152, da LEP. Pela

alteração introduzida, quando a pena privativa de liberdade for substituída pela pena

restritiva de direitos, consistente na limitação de finais de semana, o agressor terá que

comparecer obrigatoriamente a programas de recuperação e reeducação.

Como diz a lei penal, a substituição de pena privativa de liberdade por

pena restritiva de direitos só cabe quando a pena aplicada é inferior a 4 anos e não tenha o

crime sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa da vítima (art. 44, I, do CP).

Assim, para haver tal possibilidade substitutiva, é necessário o implemento cumulativo

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destes dois requisitos: o “quantum” da pena ser inferior a 4 anos e a inexistência de

violência ou ameaça contra a vítima, além dos demais requisitos dos incisos II e III, do art.

44 (“II- o réu não for reincidente em crime doloso; III- a culpabilidade, os antecedentes, a

conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias

indicarem que essa substituição seja suficiente.”).

O Juiz pode impor a participação do condenado por delito doméstico

em programas de recuperação e reeducação, já que a Lei Maria da Penha acrescentou um

parágrafo ao artigo que trata do assunto, enquanto que os réus apenados pela prática de

outros delitos não podem ser obrigados a freqüentarem a cursos e palestras. Estando este

tipo de pena no contexto das medidas alternativas, descumprida a ordem judicial, a pena

restritiva de direitos transforma-se em privativa de liberdade, com base no art. 44, parágrafo

4◦, do CP.

Ao condenado por delito doméstico podem ser aplicadas, em

substituição à pena privativa de liberdade, todas as que não têm conteúdo econômico, nada

impedindo a aplicação das outras medidas, como prestação de serviço à comunidade ou a

entidades públicas, além da interdição temporária de direitos e perda de bens e valores,

como prevê o art. 43, incisos II, IV, V e VI, do CP.

A possibilidade da aplicação de medida de natureza terapêutica

estimula a denúncia, já que a vítima, sabedora que a pena imposta ao seu agressor pode

obrigá-lo a submeter-se a acompanhamento psicológico ou a participar de programa

terapêutico, pode encorajá-la a buscar auxílio. Porém, é necessário que existam espaços

destinados a essa determinação judicial, já que o art. 35, da Lei, determina a competência

concorrente da União, dos estados e municípios para a estruturação desses serviços, a serem

prestados por profissionais das áreas psicossociais.

14.1.5. CESTA BÁSICA

Está proibida, quando se tratar de crime de violência doméstica, a

substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos de prestação

pecuniária de outra natureza, conforme o que prevê o art. 45, parágrafo 2◦, do CP. No art.

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17, da Lei Maria da Penha, a vedação é expressa: “É vedada a aplicação, nos casos de

violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de

prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique isolado de multa”.

Apesar de existir uma incorreção do legislador, no termo “aplicação

de pena de cesta básica”, o que o legislador não admite é a substituição da pena carcerária

por pena restritiva de direito de prestação pecuniária (art. 43, I, do CP) e, muito menos, em

prestação de outra natureza, mesmo com a concordância da vítima (art. 45, parágrafo 2◦, do

CP).

O parágrafo 2◦, do art. 45, do CP é subsidiário, devendo o juiz fixar

prestação pecuniária a favor da vítima ou de seus dependentes e, somente na falta destes, a

prestação pecuniária dirige-se a entidade pública ou privada de caráter assistencial. Além

disso, somente quando o réu não puder pagar, é possível converter-se a pena de prestação

pecuniária em prestação de outra natureza, desde que haja a concordância do beneficiário.

De qualquer maneira, nota-se a preocupação do legislador em

mostrar que a integridade da mulher não tem valor econômico e não pode ser trocada por

moedas ou cestas básicas.

14.1.6. “SURSIS”

O agressor tem direito à suspensão condicional da pena, prevista no

art. 77, do CP, já que a pena do crime de lesão corporal qualificado é de 3 meses a 3 anos,

não estando condicionada à natureza do delito mas tão somente à quantidade da pena.

Concedido o “sursis, que pode durar de 2 a 4 anos, durante o

primeiro ano, o réu fica sujeito à limitação de fim de semana, prevista no art. 78, parágrafo

1◦, do CP. Se tratar-se de réu condenado por violência doméstica, concedido o “sursis”, a

frequência a programas de recuperação e reeducação será obrigatória, como previsto no art.

152, parágrafo único, da Lei de Execução Penal.

CAPÍTULO XV

A QUESTÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE

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Como tudo que é novo gera resistência, há quem sustente a

inconstitucionalidade tanto da Lei Maria da Penha como de um punhado de seus

dispositivos, na vã tentativa de impedir sua vigência ou limitar sua eficácia. A alegação é

que a Lei criou a desigualdade na entidade familiar, como se a igualdade constitucional

existisse no âmbito da família. Até o fato de ela direcionar-se exclusivamente à proteção da

mulher é invocado, uma vez que o homem não pode figurar como sujeito passivo e nem se

beneficiário de suas benesses, o que afrontaria o Princípio da Igualdade.

Para Valter Foleto Santin, em seu livro “Igualdade constitucional na

violência doméstica”, “a pretexto de proteger a mulher, numa postura “politicamente

correta”, a nova legislação é visivelmente discriminatória no tratamento de homem e

mulher”. Porém, nenhum questionamento desta ordem foi suscitado com relação ao

Estatuto da Infância e da Juventude e ao Estatuto do Idoso, microssistemas que também

amparam segmentos sociais, resguardando direitos de quem se encontra em situação de

vulnerabilidade. Leis voltadas a parcelas da população merecedoras de especial proteção

procuram igualar quem é desigual, o que nem de longe infringe o Princípio Isonômico. A

Lei Maria da Penha criou um microssistema que se identifica pelo gênero da vítima.

O modelo conservador da sociedade coloca a mulher em situação de

inferioridade e submissão tornando-a vítima da violência masculina. Ainda que os homens

também possam ser vítimas de violência doméstica, tais fatos não decorrentes de razões de

ordem social e cultural. Por isso, se fazem necessárias equalizações por meio de

discriminações positivas, e, conforme dito por Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista

Pinto, “medidas compensatórias que visam remediar as desvantagens históricas,

conseqüências de um passado discriminatório”. Daí o significado da lei: assegurar à

mulher o direito à sua integridade física, psíquica, sexual, moral e patrimonial.

Nesse viés, a Lei Maria da Penha não fere o Princípio da Igualdade

estampado no “caput” do art.5◦, da CRFB, pois visa a proteção das mulheres que sofrem

com a violência dentro de seus lares, delitos que costumam cair na impunidade. Por este

mesmo fundamento, a Lei não fratura o disposto no inciso I, do mesmo dispositivo

constitucional, porque o tratamento favorável à mulher está legitimado e justificado por um

critério de valoração, para conferir equilíbrio existencial, social, etc., ao gênero feminino. É

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a igualdade substancial e não só a formal, em abstrato, perante o texto constitucional

porque serve à igualdade de fato e como fator de cumprimento dos termos da Carta Magna.

Nas palavras de Marcelo Lessa Bastos, a Lei é o resultado de uma

nação afirmativa em favor da mulher vítima de violência doméstica e familiar, cuja

necessidade se evidencia urgente. Segundo o mesmo autor, “só quem não quer não enxerga

a legitimidade de tal ação afirmativa que, nada obstante formalmente aparentar ofensa ao

Princípio da Igualdade de Gênero, em essência busca restabelecer a igualdade material

entre esses gêneros, nada tendo, deste modo, de inconstitucional”.

Não só a Lei, mas alguns de seus dispositivos igualmente são

rotulados de inconstitucionais. É o que se diz ao art. 41, que veda a aplicação da Lei

9.099/1995 à violência doméstica e familiar contra a mulher.

A alegação é que, no mesmo contexto fático, a agressão levada a

efeito contra uma pessoa de um sexo ou de outro pode gerar conseqüências diversas. Dando

um exemplo, temos: na mesma oportunidade, o genitor ocasiona, no âmbito doméstico,

lesões leves num filho e numa filha. Além de haver dois juízos competentes, as ações

seguiriam procedimentos distintos. A agressão contra o menino, encontra-se sob a égide do

Juizado Especial, fazendo jus o agressor a todos os benefícios por o delito ser considerado

de pequeno potencial ofensivo. Já a agressão contra a filha, constituiria delito doméstico no

âmbito da Lei Maria da Penha. Assim, parece que a agressão contra a alguém do sexo

masculino é menos grave do que a cometida contra uma pessoa do sexo feminino. Porém,

estando uma das vítimas ao abrigo da lei especial, tal faz deslocar a competência para o

âmbito do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Por isso, há quem sustente que, quando duas são as vítimas, uma de

cada sexo, deve ser aplicada a Lei 9099/1995, tanto na sua parte processual como

material.Porém, em se tratando de violência doméstica e familiar contra a mulher, não se

aplicam os institutos despenalizadores da Lei 9099/1995. Daí a sugestão para que se troque

a expressão “violência doméstica ou familiar contra a mulher” por “violência doméstica ou

familiar contra a pessoa”, respeitando, assim, o Princípio da Igualdade.

Outro fundamento invocado para sustentar a inconstitucionalidade

do art. 41, da Lei Maria da Penha é de ferir o art. 98, I, da Constituição Federal. Esse

dispositivo, ao prever a criação dos Juizados Especiais Criminais, delega à legislação

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infraconstitucional a tarefa de identificar infrações penais como de pequeno potencial

ofensivo. Foi o que fez a Lei 9099/1995, elegendo: a) contravenções penais; b) todos os

crimes cuja pena não exceda dois anos; e c) os delitos de lesão corporal leve e as lesões

culposas. Para esses crimes, admitiu a transação penal, a suspensão condicional do processo

e a composição civil dos danos como causa extintiva de punibilidade. A exclusão destas

benesses, levada a efeito pela Lei Maria da Penha quanto aos delitos domésticos, não afeta

sua higidez. Como explica Marcelo Lessa Bastos, existe uma regra e a exceção: são

infrações penais de menor potencial ofensivo e, portanto, de competência dos Juizados

Especiais Criminais, sujeitas aos institutos despenalizadores da Lei 9099/1995, todas as

infrações penais cuja pena máxima cominada, decorram de violência doméstica ou familiar

contra a mulher, nos termos do art. 41, combinado com os arts. 5◦ e 7◦, da Lei 11340/2006.

Também o art. 33, da Lei Maria da Penha, é reiteradamente taxado

de inconstitucional, por versar matéria de organização judiciária. A alegação é que o

legislador infraconstitucional, ao determinar a acumulação, por uma Vara Criminal, de

competências Cível e Criminal, invadiu matéria de competência exclusiva dos respectivos

tribunais, rompendo com a regra que garante a independência dentre os poderes e assegura

o “autogoverno da Magistratura”.

Porém, não há inconstitucionalidade no fato de lei federal definir

competência. Ao assim proceder, não transborda seus limites. Nem é a primeira vez que o

legislador assim age. Situação semelhante já ocorreu quando foi afastada a incidência da

Lei dos Juizados Especiais, no âmbito dos crimes militares. Também a Lei 9278/1996, ao

regulamentar a união estável, definiu a competência do Juízo da Vara de Família.

A par de ter determinado a criação dos Juizados da Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher – JVDFMs, enquanto não forem eles instalados, foi

atribuída às Varas Criminais competência para julgar as causas cíveis e criminais. Com

isso, subtraiu-se a competência dos Juizados Especiais, ao ser expressamente afastada a

aplicação da Lei 9099/1995 (art. 41). Como foi excluída a incidência do juízo especial, a

definição da competência deixa de ser da esfera de organização privativa do Poder

Judiciário (CRFB, art. 125, parágrafo 1◦). Desse modo, não há como questionar a

constitucionalidade da alteração levada a efeito, atentando ao vínculo afetivo dos

envolvidos. Houve o afastamento destas demandas da esfera dos Juizados Especiais, a

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criação de novos juízos especializados de natureza cível e criminal, bem como a

identificação de competência transitória até que os tribunais instalem os JVDFM.

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CONCLUSÃO

A Lei Maria da Penha, além de inovar no conceito de família, também,

rompe com a dicotomia público/privado, evidenciada pelo antigo ditado "em briga de

marido e mulher, ninguém bota a colher". O espaço doméstico, que estava destinado

exclusivamente à mulher, era inatingível. Isso gerou um sentimento de impunidade pela

violência doméstica como se, o que acontecesse dentro de casa, não interessasse a ninguém.

A autoridade do marido, no moldes da família patriarcal, permitia o direito de dispor do

corpo, da saúde e até da vida da sua esposa. Essa autoridade do “homem-marido” sempre

foi respeitada, de forma que a Justiça parava na porta do lar e a polícia sequer podia prender

o agressor em flagrante.

Dessa forma, considera-se que a Lei Maria da Penha representa um

marco na proteção da família e um resgate da cidadania feminina, na medida em que a

mulher ficará a salvo do agressor e, assim, poderá denunciar as agressões, sem temer que

encontrará com o agressor no dia seguinte e poderá sofrer conseqüências ainda piores.

No tocante ao reconhecimento legal de uniões homoafetivas femininas,

a lei institucionaliza uma situação inegável e com clara constatação fática, além de

significar um avanço para romper com os preconceitos existentes.

A família homoafetiva é uma realidade. O conservadorismo do

legislador brasileiro, quanto à evolução no conceito de família, representa a influência

daqueles pessimistas, que pensam que a civilização corre o risco de ser engolida por clones,

bárbaros bissexuais ou delinqüentes da periferia, concebidos por pais desvairados e mães

errantes. Um conservadorismo que fecha os olhos para a realidade e se omite em dar

sustentação ao instituto, já previsto na norma inclusiva, que é o art. 226, da CRFB/88.

Aceitar novos modelos familiares não significa dizer que a família

será destruída. Conceber apenas a família nuclear, composta pelo casal heterossexual e

filhos, como o único modelo de família aceitável, é incompatível com a natureza afetiva da

família. A noção de família, como núcleo de afetividade e base da sociedade, deve ser

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encarada, como de fato é, como um fator cultural e, dessa maneira, a legislação deve

acompanhar a evolução da sociedade e, conseqüentemente, dos arranjos familiares.

Efetivamente, a família, como fruto da cultura, é reinventada e, hoje,

se reiventa para propiciar o alcance da felicidade de seus membros.

A exata aplicação da Lei Maria da Penha passa pela compreensão da

extensão dos Direitos Humanos e da Dignidade da Pessoa Humana. Infelizmente, no caso

da mulher agredida, não bastando a ordem constitucional, foi necessário uma lei ordinária,

na forma de um microssistema, para lembrar, a todos os operadores do direito e demais

cidadãos, que a mulher também é e deve ser objeto de proteção legal.

Não basta, porém, apenas essa compreensão jurídica, se os Poderes

Públicos, especialmente o Poder Executivo, não estenderem recursos às instâncias

administrativas, criando Delegacias de Polícia de Proteção à Mulher e JVDFMs, serviços

de saúde, de trabalho, moradia e assistência social, o que impede a correta aplicação da Lei.

O Ministério Público tem a relevante função de acionar os poderes,

administrativa ou judicialmente, a fim de implantar essa legislativa protetiva, que diz direto

respeito à dignidade da pessoa humana e à proteção de gênero.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

AGRADECIMENTO 03

DEDICATÓRIA 04

RESUMO 05

METODOLOGIA 08

SÚMARIO 09

INTRODUÇÃO 11

CAPÍTULO I – POR QUE MARIA DA PENHA 12

CAPÍTULO II – O GERME DA VIOLÊNCIA 13

CAPÍTTULO III – O CICLO DA VIOLÊNCIA 16

CAPÍTULO IV – NO PASSADO 16

CAPÍTULO V – AVANÇO LEGAIS 18

CAPÍTULO VI – UM NOVO TEMPO 18

CAPÍTULO VII – COMP INTERNACIONAL 20

CAPÍTULO VIII – VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS 22

CAPÍTULO IX – A LEGALIZAÇÃO DAS UNIÕES HOMOAFETIVAS 24

CAPÍTULO X – ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS 26

10.1. SUJEITOS ATIVO E PASSIVOS 26

10.2. UNIDADE DOMÉSTICAS 27

10.3. FAMILIA 28

10.4. RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO 29

CAPÍTULO XI – FORMAS DE VIOLÊNCIA 30

11.1. VIOLÊNCIA FÍSICA 31

11.2. VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA 31

11.3. VIOLÊNCIA SEXUAL 32

11.4. VIOLÊNCIA PATRIMONIAL 34

11.5. VIOLÊNCIA MORAL 36

CAPÍTULO XII – DEFINIÇÃO DE COMPETÊNCIA 36

12.1. COMPETÊNCIA DE JURÍSDIÇÃO 36

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12.2. COMPETÊNCIA DE JUÍZO 37

12.3. COMPETÊNCIA FUNCIONAL 39

12.4. COMPETÊNCIA “RATIONE PERSONAE” 39

12.5. COMPETÊNCIA DAS VARAS CRIMINAIS E DOS JVDFMS 41

12.6. COMPETÊNCIA DO JÚRI 42

12.7. FORO DE ELEIÇÃO 42

CAPÍTULO XIII – MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA 43

13.1. TUTELA DE URGÊNCIA 43

13.2. RELATIVAS AO AGRESSOR 46

13.3. DE PROTEÇÃO À VITÍMA 47

13.4. SEPARAÇÃO DE CORPOS E PROIBIÇÃO DE CONTATO 47

13.5. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR 49

13.6. MEDIDAS DE ORDEM PATRIMONIAL 50

13.7. EXECUÇÃO 53

CAPÍTULO IV – MUDANÇAS 53

14. 1. NO CÓDIGO PENAL 54

14.1.1. LESÃO CORPORAL QUALIFICADA 55

14.1.2. UMA MAJORANTE A MAIS 55

14.1.3. PRISÃO PREVENTIVA 56

14.1.4. COMP. AO PROG. DE RECUP. E REEDUCAÇÃO 57

14.1.5. CESTA BÁSICA 58

14.1.6. “SURSIS” 59

CAPÍTULO XV – A QUESTÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE 59

CONCLUSÃO 64

BIBLIOGRAFIA 66

ÍNDICE 69

FOLHA DE AVALIAÇÃO 71

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Folha de Avaliação

Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes (Instituto “A Vez do Mestre”). Título da Monografia: “A Violência Doméstica e a Lei de Maria da Penha: Discussões e Reflexões Jurídicas”

Autora: Isabel Cristina Nonato de Farias Melo Data da Entrega: 28/07/2009 Avaliado por: Conceito: