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UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DO SALVADOR MESTRADO EM FAMIacuteLIA NA SOCIEDADE CONTEMPORAcircNEA
JOANA GALDIERI TORRES
FAMILIARES DE PACIENTES COM AVC EM UNIDADE DE TERAPIA
INTENSIVA IMPACTOS DO ADOECIMENTO
Salvador
2011
2
JOANA GALDIERI TORRES
FAMILIARES DE PACIENTES COM AVC EM UNIDADE DE TERAPIA
INTENSIVA IMPACTOS DO ADOECIMENTO
Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Universidade Catoacutelica
do Salvador como requisito parcial para a
obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Famiacutelia na
Sociedade Contemporacircnea
Orientadora Profordf Drordf Anameacutelia Lins e Silva
Franco
Salvador
2011
3
T693 Torres Joana Galdieri
Familiares de pacientes com AVC em Unidade de Terapia Intensiva
Impactos do adoecimento Joana Galdieri Torres ndash Salvador 2011
76 f
Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Universidade Catoacutelica do Salvador
Superintendecircncia de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado em Famiacutelia
na Sociedade Contemporacircnea
Orientaccedilatildeo Prof Dra Anameacutelia Lins e Silva Franco
1 Familiar - Paciente - Acidente Vascular Cerebral (AVC) 2 Famiacutelia -
Impacto psicoloacutegico - Adoecimento 3 Famiacutelia - Paciente -Unidade de Terapia
Intensiva (UTI) I Tiacutetulo
CDU31635626168
UCSAL Sistema de Bibliotecas
4
5
Este trabalho eacute dedicado a todas as pessoas que
tem a difiacutecil missatildeo de acompanhar seus
familiares na UTI em especial agravequelas que se
dispuseram a participar desta pesquisa Jamais
conseguiriacuteamos ir tatildeo longe se vocecircs natildeo
permitissem
6
AGRADECIMENTOS
Agrave Deus que a cada dia que passa se mostra mais presente na minha vida
Agrave minha orientadora Anameacutelia Franco por todo o seu conhecimento e experiecircncia que tanto
me ensinou e pelo imenso coraccedilatildeo que tatildeo bem me acolheu
Agrave Elaine Rabinovich e Ceacutelia Nunes que participaram da banca de qualificaccedilatildeo contribuindo
de forma relevante para o desenvolvimento dessa pesquisa e pela gentileza em aceitarem o
convite para formar a banca examinadora
Ao meu querido tio Alberto que me proporcionou essa conquista e cuja presenccedila se faz
sempre tatildeo forte apesar da distacircncia
Agrave minha doce Clarice a dona do sorriso de dois dentes mais lindo do mundo que chegou em
meio a essa caminhada e me ensinou ainda mais sobre a vida e seu encantamento
Agrave Antonieta Omar Juacutelia Maria Joseacute Bruno Liacutedia peccedilas fundamentais do meu quebra-
cabeccedila familiar
Agrave Mari Pinheiro minha pupila preferida pessoa fundamental na realizaccedilatildeo deste trabalho
Agrave minha querida amiga Andrecirczza Castro que me ajudou a ldquosegurar a ondardquo nos uacuteltimos
tempos me fazendo esquecer dos milhares de quilocircmetros que nos separam
Aos professores funcionaacuterios e colegas deste curso pela companhia durante este percurso
Agrave Psicologia com seus desafios e recompensas
7
ldquoAqui ningueacutem mais ficaraacute depois do sol
No final seraacute o que natildeo sei mas seraacute
Tudo demais
Nem o bem nem o mal
Soacute o brilho calmo dessa luzrdquo
(Flaacutevio Venturini)
8
RESUMO
Este estudo tem como objetivo principal conhecer o impacto do adoecimento para os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC que se encontram internados em unidade de terapia
intensiva Habitualmente a literatura tem mostrado trabalhos realizados com familiares de
pacientes em situaccedilatildeo crocircnica de adoecimento estudos que contemplem os familiares no
momento inicial do adoecimento ainda satildeo escassos Os instantes iniciais de internamento em
uma UTI configuram-se como um desafio a ser enfrentado pelos familiares que muitas vezes
embora natildeo conheccedilam esta realidade possuem fantasias em relaccedilatildeo ao seu significado
Paralelo a isso estaacute o fato de seu paciente ter sido acometido por uma doenccedila de instalaccedilatildeo
aguda e que pode vir a ser limitante para o indiviacuteduo Com o intuito de conhecer esta
realidade foram realizados registros a posteriori dos atendimentos do serviccedilo de psicologia
aos familiares cujos pacientes encontram-se internados em uma unidade de terapia intensiva
Tais atendimentos possuem um roteiro onde satildeo abordadas questotildees pertinentes agrave experiecircncia
do processo de adoecimento e atraveacutes do qual foi possiacutevel destacar os principais sentimentos
vivenciados duacutevidas e mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares estudados A
anaacutelise do texto reconstruido dos atendimentos permitiu conhecer o quatildeo impactante pode ser
uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento medo da morte e de sequumlelas necessidade de mudanccedilas
de papeacuteis familiares e inseguranccedila sobre o cuidado dos pacientes apoacutes a alta satildeo apenas alguns
dos pontos destacados neste trabalho Ficou evidente a importacircncia de se manter uma boa
comunicaccedilatildeo entre equipe e familiares aleacutem da presenccedila de profissionais habilitados para
lidar com este puacuteblico em um momento tatildeo delicado
Palavras-chaves Acidente Vascular Cerebral UTI impacto psicoloacutegico do adoecimento
famiacutelia
9
ABSTRACT
This studys main objective is to know the impact of the disease to the relatives of victims of
stroke patients who are admitted to the intensive care unit Usually the literature has shown
work done with families of patients suffering chronic illness studies that address the family at
the start of the illness are scarce The initial moments of hospitalization in an ICU are
characterized as a challenge to be faced by the family that often but do not know this reality
they have fantasies about their meaning Parallel to this is the fact that his patient had been
affected by an acute onset of disease and that may be limiting to the individual In order to see
this reality were performed retrospectively records of visits made by the psychology service
to patients whose relatives are hospitalized in an intensive care unit Such visits have a script
that cover issues relevant to the experience of illness and the process by which it was possible
to highlight the main feelings about the main questions arising and the main coping
mechanisms used by the families concerned The text analysis of care possible to know how
shocking it can be an acute illness Fear of death and disability the need for changes in family
roles and how to care for patients after discharge are just some of the points highlighted in this
work It was evident the importance of maintaining good communication between staff and
relatives besides the presence of skilled professionals to deal with this audience in a delicate
moment
Keywords Stroke ICU psychological impact of illness family
10
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Quadro Paacutegina
QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick
2011
30
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC
2010
51
QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes
viacutetimas de AVC 2010
52
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 12
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20
31 CRISES FAMILIARES 21
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26
4 O ADOECER 28
41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29
5 A DOENCcedilA AGUDA 33
6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35
61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47
62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44
7 MEacuteTODO 49
71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51
8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53
81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65
REFEREcircNCIAS 69
Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75
APEcircNDICE A ndash TCLE 77
APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem
sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de
gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo
apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais
aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a
influecircncia dos mesmos sobre este grupo social
Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves
relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As
definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram
necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees
contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees
Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para
a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de
seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como
primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a
vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos
indiviacuteduos
Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe
confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador
de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo
rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de
opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio
interminaacutevel (1997 p23)
Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo
especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a
mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto
laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a
famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada
Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de
alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente
13
acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e
apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por
outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo
Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma
instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo
elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de
fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como
pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto
como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um
conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das
geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as
dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias
Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis
modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram
distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo
mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da
horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e
autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade
Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a
nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)
Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo
confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e
igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem
negociadosrdquo (1997 p27)
O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem
relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de
famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros
descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo
(MINUCHIN 1999 p28)
Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia
domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos
estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no
14
funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias
atuais
Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um
quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem
trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma
populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o
desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus
familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas
O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia
constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros
Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro
cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e
desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o
enfrentamento da situaccedilatildeo
Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente
vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta
eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por
uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter
temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem
(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)
Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o
entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras
aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que
haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro
denominando-se AVC hemorraacutegico
Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do
corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar
caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode
ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos
O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias
na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as
15
doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e
a principal causa de incapacidade no mundo
Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que
sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes
ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente
(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E
KUSOMOTA 2006)
A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica
culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este
por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas
com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados
Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e
cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a
adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado
conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as
primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute
dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E
ANGELO 2005 BOCCHI 2004)
Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva
evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as
atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a
quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias
encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a
necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo
suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo
voltadas aos mesmos
Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se
propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de
pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais
pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos
16
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-
degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou
definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e
responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud
PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008)
De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se
como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso
centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)
O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico
(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte
de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro
comprimindo os neurocircnios
Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade
para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo
aparente
Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre
a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees
cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12
Entretanto o
AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros
fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas
inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas
4 Estudos
preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade
inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45
anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)
Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas
apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs
horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de
receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para
desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz
17
Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam
adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo
saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do
colesterol
A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do
derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este
caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de
idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo
receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular
cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no
mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS
2010)
No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por
AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente
morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos
pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema
no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das
maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados
Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano
A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN
(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo
quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por
AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com
68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute
A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A
regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de
Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
18
coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa
o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
cerebrovasculares
Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto
a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos
nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente
quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e
fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso
Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo
AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento
pessoalrdquo
Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma
ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para
o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter
relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se
natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma
forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece
previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico
mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou
ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes
Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir
de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave
instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da
terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso
constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso
bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio
uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia
Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por
algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias
19
mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e
prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar
sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)
Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos
uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de
internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter
que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar
tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas
unidades impotildee
20
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA
O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande
grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees
familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados
pelo que o grupo familiar permite
Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade
compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo
Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu
funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo
Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois
carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo
as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do
comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia
crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada
De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por
subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo
classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute
sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras
(MINUCHIN 1999)
Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de
transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm
para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um
periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e
novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees
confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua
nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um
periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)
Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os
periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio
tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido
embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo
21
constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo
cristalizada (MINUCHIN 1999)
Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como
complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos
psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do
seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo
adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a
possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)
Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria
familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo
de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica
esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)
Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um
legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de
depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do
grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a
doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria
familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)
Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o
lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de
alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila
podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-
47)
31 CRISES FAMILIARES
Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado
poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de
forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento
diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto
22
em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar
com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)
Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa
uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se
necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991
p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila
Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo
indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros
para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo
de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento
anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de
emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise
Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de
uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria
pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute
que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo
baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e
definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram
um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas
diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo
Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo
como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)
Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros
pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das
crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas
que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)
A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com
destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E
DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-
lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro
tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais
e crises do cuidador
23
As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute
real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise
estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios
guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma
satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo
agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam
se solidarizar a este tipo de acontecimento
As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas
normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as
quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas
poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo
enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo
diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao
longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a
transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de
nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras
As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave
mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que
ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o
stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o
stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios
do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido
anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado
como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia
e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar
ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a
importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar
As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma
rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de
mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou
assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho
Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem
24
desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do
cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador
algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do
que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se
indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por
desencadear a crise
Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer
assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia
mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de
poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem
desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de
dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva
sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador
que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia
desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise
Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua
instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no
desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento
Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento
devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de
crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais
que os auxiliam neste momento
Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson
(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da
famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma
necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros
O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo
pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila
Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez
iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao
estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as
consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social
25
Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre
stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e
outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo
Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que
tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise
previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e
valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que
ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de
mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma
criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud
JOSELEVICH 1991)
Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com
frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu
caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar
Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa
e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos
integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo
(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo
capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um
cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se
estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma
assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir
para potencializar o stress vivenciado
A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito
reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral
quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo
cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do
sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio
emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu
mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo
disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede
e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)
26
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR
Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e
possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de
perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos
mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e
com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez
mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude
e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens
Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres
humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo
emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a
necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no
iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte
do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir
de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a
ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto
maior o potencial para a perda
Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo
transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo
vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a
continuidade da vida
Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos
profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que
agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria
do ciclo vital
Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta
o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como
unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os
membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem
como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento
de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda
27
mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que
confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente
apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo
28
4 O ADOECER
O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele
acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees
de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar
a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional
O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser
compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais
socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute
nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)
Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer
acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente
a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que
provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional
e social
Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar
que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que
marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no
enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute
importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos
A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da
famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e
expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um
universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas
tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto
Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de
adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do
paciente e seus familiares
29
41 A DOENCcedilA CROcircNICA
Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida
das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a
despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta
razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez
que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo
Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a
progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia
de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos
que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se
agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a
estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a
doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas
mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a
necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de
natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma
constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES
KUSOMOTA 2006)
Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de
viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge
a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees
nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)
Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas
nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases
importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)
30
Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011
FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL
bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e
programaccedilatildeo de
tratamento
bullAprender a lidar com
sintomas ambiente
hospitalar e procedimentos
terapecircuticos estabelecer
bons viacutenculos com a
equipe
bullIntervalo entre periacuteodo de
diagnoacutestico inicial e ajuste
ao tratamento
bullPredominam questotildees de morte
e doenccedila terminal
Pode haver uma progressatildeo ou
constacircncia do quadro
bullA famiacutelia busca manter a
normalidade diante da
ldquoanormalidaderdquo da doenccedila
crocircnica
A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto
quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do
organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui
reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi
proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)
Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e
sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada
importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou
outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com
os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons
relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de
natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve
construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas
competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova
condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade
entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar
da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter
e McGoldrick 2001 p 378)
31
A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico
inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de
terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou
mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida
normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal
este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo
claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar
sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p
378)
A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se
faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza
separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma
retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E
McGOLDRICK 2001)
Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre
ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem
desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto
familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007
FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)
Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma
doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua
intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)
Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das
circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA
2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural
habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de
seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas
vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua
rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes
acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos
financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com
32
que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue
cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado
Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida
atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar
(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere
citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados
cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E
MARTINS 2008 p148)
O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a
sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado
por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud
SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao
desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades
sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais
A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo
supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o
cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a
sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo
um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005
ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008
WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)
Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser
vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que
afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda
contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo
(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados
de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo
desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de
sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre
33
eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais
(SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um
suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005
APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante
tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005
paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees
no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e
fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros
quanto do grupordquo
42 A DOENCcedilA AGUDA
Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como
processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees
agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas
Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo
suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um
quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir
uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de
alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)
As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta
agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da
famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo
de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para
administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)
Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos
seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus
familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do
mesmo
34
Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia
se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de
serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel
Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas
famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de
solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)
Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE
observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos
pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se
revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido
Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e
social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de
forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a
dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos
familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)
Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em
unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de
informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de
muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria
relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges
(2009)
O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de
grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as
pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes
que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro
comatoso
Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da
instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo
das UTIs
35
5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)
Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os
pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de
estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade
destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que
funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais
responsaacuteveis
Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de
terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees
raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo
A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas
dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente
dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de
ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade
capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E
CORREcircA 2007)
Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico
raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas
alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E
AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA
2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)
Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas
por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para
ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam
diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem
aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo
proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a
alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um
nuacutemero razoaacutevel de leitos
36
Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo
doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem
de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes
inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas
de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes
com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por
um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar
na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser
diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso
de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como
forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem
Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros
dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da
perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da
equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a
disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)
A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na
maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e
medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu
familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma
linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova
realidade
Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em
unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual
foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada
difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento
por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)
Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela
rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o
fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento
Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e
ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI
37
As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez
que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do
paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo
pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo
familiar
Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua
rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao
ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos
No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua
famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e
finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os
indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus
planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a
instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo
Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco
iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar
hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil
ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo
(p140)
O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo
soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO
E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado
nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e
poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar
papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo
Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns
dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da
situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)
Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a
incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas
(URIZZI E CORREcircA 2007)
38
Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em
uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua
famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de
estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos
(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de
estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe
por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem
picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a
percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes
tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros
2007 URIZZI E CORREcircA 2007)
A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave
comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras
de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo
(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente
restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo
de falta de controle
O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma
mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de
informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a
oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados
referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato
demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma
tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem
como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca
de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos
dados fornecidos pela equipe aos familiares
Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente
com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria
para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como
forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e
familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de
conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)
39
Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina
intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de
48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade
do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica
para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande
desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados
fornecidos
Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a
compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida
natildeo foi comunicada (2007 p05)
Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse
contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs
realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade
pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em
instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o
intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe
de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam
ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007
p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que
se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por
sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo
oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato
ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do
paciente internado em UTI
Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de
terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa
vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha
Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma
morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso
Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute
muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante
40
O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e
funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e
abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais
membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os
diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E
GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)
Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas
que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees
sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009
RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)
O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo
lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo
lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior
entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de
elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944
apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em
potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se
aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente
aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade
aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude
Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e
inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre
a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo
ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo
algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)
Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa
ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os
papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema
familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN
1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de
funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida
satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma
41
morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto
bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste
contexto
Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar
com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas
constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos
envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que
temporariamente a pessoa doente
42
6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA
Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a
famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia
seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra
doente
A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo
revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda
despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a
recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)
Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o
suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos
profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a
colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social
Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees
hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto
Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no
enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)
Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em
um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas
portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o
adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na
famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais
na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao
processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)
A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas
pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente
destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos
Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das
pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos
quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo
43
A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes
as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo
responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas
incapacidade dentre outros
Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente
transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma
histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994
apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a
soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo
ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a
famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e
outros 2002 p 46)
Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar
esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees
contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo
da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias
desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick
1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)
Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do
sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases
temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs
dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto
familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre
a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar
relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da
doenccedila
A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de
uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as
questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo
(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)
Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente
diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees
44
impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se
como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades
Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair
de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por
representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se
encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral
sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da
famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de
emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as
distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave
eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que
a constituem
Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves
mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista
que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir
sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema
(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)
Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na
estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa
para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo
estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da
revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias
consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo
(p 24)
Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a
vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da
famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso
eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda
eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o
periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI
Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que
assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma
45
resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma
possibilidade de recuperaccedilatildeo
Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em
2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o
retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que
desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma
crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de
estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos
como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK
amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)
Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila
de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital
pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a
evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos
papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem
como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar
Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute
com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como
tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma
situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento
Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente
Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas
conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e
incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos
familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular
De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do
ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos
reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais
amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o
ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978
apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)
46
Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute
espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com
eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste
processo
As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na
compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a
tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro
Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade
familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da
famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia
Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se
modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da
famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns
membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)
Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma
alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez
podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a
doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de
instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo
As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as
famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila
avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma
doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na
qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma
fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila
centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de
reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente
estado de fusatildeo
47
61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING
Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress
e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este
processo de maneira menos comprometedora
O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas
pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI
DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping
eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a
uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o
Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN
(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila
cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos
da pessoa (CHAVES 2000)
No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam
que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na
emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema
melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de
remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)
O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto
emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente
de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a
realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente
dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima
positiva manter a esperanccedila e o bem-estar
Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como
reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado
do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido
como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo
acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)
48
Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em
contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no
problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar
informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar
recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida
familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede
mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento
Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes
estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico
aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o
provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados
como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser
melhor e e) usar mecanismos de defesa
Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para
momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa
de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa
(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no
enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no
problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de
terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal
e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo
49
7 MEacuteTODO
Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade
familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos
familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas
apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos
mesmos
Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com
familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados
em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de
Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15
leitos divididos entre as duas especialidades
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos
profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando
dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de
maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)
Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse
jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como
estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela
proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia
No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do
estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos
atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)
Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e
situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os
1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-
BA
50
familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das
demandas observadas (Apecircndice B)
Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos
familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos
propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os
resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que
acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em
uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta
realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles
Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48
horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante
da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste
processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o
serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta
unidade
Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois
casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se
apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que
estava presente em todos os horaacuterios
71 APRESENTANDO OS PACIENTES
Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados
relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do
relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo
considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a
internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A
diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato
de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico
O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um
homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo
possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam
51
atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os
demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem
assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por
apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco
eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)
Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia
de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos
natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)
natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010
Paciente
Sexo
Idade
Estado
Civil
Filhos
Profissatildeo
Residecircncia
Diagnoacutestico
Acompanhante
A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada
B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos
C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de
Almoxarifado
SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta
D F 22 Solteira 0 Auxiliar
Administrativa
Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES
Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos
pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua
maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram
casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam
sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se
mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do
estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos
(Quadro III)
52
QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC
2010
Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia
A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador
B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute
C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix
D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute
53
8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria
de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados
81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS
bull Famiacutelia A
A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com
quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados
reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de
Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante
do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de
obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho
ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse
estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio
sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro
comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC
isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o
internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da
paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato
restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a
mesma e sua histoacuteria
bull Famiacutelia B
A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro
filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua
proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus
familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma
mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes
episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade
sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo
com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos
54
quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador
permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo
bull Famiacutelia C
O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute
alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)
Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de
almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)
Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI
deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute
havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar
sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha
para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima
os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando
bull Famiacutelia D
A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos
reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando
funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel
sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital
em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de
ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia
comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente
e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em
funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em
funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um
primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS
A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo
aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas
sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos
familiares de pacientes viacutetimas de AVC
55
As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)
- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)
- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)
- A ausecircncia de privacidade (iv)
- Ter que lidar com algo novo (v)
O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos
familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao
paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo
trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por
estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante
ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo
familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em
consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada
ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)
ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)
Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas
com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um
nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes
exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao
primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando
a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados
dispensados aos pacientes
ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute
que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)
Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC
o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas
por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo
56
agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo
fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem
de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele
paciente
O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido
pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em
funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa
de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de
estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias
proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a
133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)
era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador
ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito
espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)
ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia
todo aquirdquo (D1)
Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees
onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves
16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta
minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico
plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos
alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando
esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta
de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de
transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba
potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos
O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes
dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia
intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador
ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a
gente melhorardquo (A1)
ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela
precisava ir para UTIrdquo (B1)
57
ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)
ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo
preocupadordquo (D1)
Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em
UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi
percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar
colocar-se no lugar e perceber o outro
Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em
relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades
satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como
ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir
da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma
receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos
investimentos terapecircuticos
O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela
acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina
dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor
aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa
provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora
ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu
esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave
noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no
domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai
precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)
O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que
referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo
praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento
suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares
ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um
pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um
primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()
meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito
58
tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo
dando noticias pra elesrdquo (D1)
A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado
que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a
promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma
menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)
As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)
-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)
- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)
- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)
- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)
A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)
Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas
funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na
autonomia e independecircncia dos mesmos
ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)
ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)
ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)
A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees
motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na
comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio
para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC
como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995
apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN
FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI
2004)
59
Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em
seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as
sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois
exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene
alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua
maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte
dos cuidados
A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida
tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das
familiares no presente trabalho
O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos
familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel
vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)
ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo
(B1)
ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)
O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado
pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam
indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente
As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como
aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias
agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha
ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso
natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)
ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)
O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de
um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se
repita
ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei
o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)
O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante
de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que
os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido
60
ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser
agorardquo (C1)
O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela
acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando
sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem
a patologia atual
ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto
tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra
() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute
mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos
porquerdquo(D1)
Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas
da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP
de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades
de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente
156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados
confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo
Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)
- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
- Medo da morte (iii)
- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)
- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)
- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)
- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)
- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)
- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)
O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de
novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)
Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como
principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees
como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo
61
linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste
processo
A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e
NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com
frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe
ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da
histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham
Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz
seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade
Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as
informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou
boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas
pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo
e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais
com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de
comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o
conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares
Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo
do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no
hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)
ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)
ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc
resultadordquo (C1)
Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante
assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e
desgaste do paciente (C1)
ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)
ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)
ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)
O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se
em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe
ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que
ela tem eacute graverdquo (D1)
62
Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar
como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem
Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda
parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de
algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh
e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo
vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)
As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Ter que lidar com o paciente em coma (i)
- Conhecer pouco a paciente (ii)
-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)
- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)
A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave
questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente
No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade
voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em
funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato
de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter
respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo
ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)
ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)
Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em
termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma
reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e
pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos
Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a
ocorrecircncia do AVC foram
-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)
63
- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)
- Conversas com a paciente (iii)
Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o
intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a
recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O
acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado
na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a
forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que
conversava com a paciente
ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as
notiacuteciasrdquo (A1)
ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta
gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)
ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)
Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de
enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de
enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante
de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas
proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao
indiviacuteduo
Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro
enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver
recursos para poder lidar com ela
Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento
A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou
situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil
ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas
similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de
D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem
(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos
episoacutedios
64
ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para
emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso
aconteceurdquo (B1)
Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele
jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)
ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e
mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por
querdquo (D1)
Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo
de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de
origem da paciente que se encontrava fora de Salvador
ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na
terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho
de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido
dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo
(A1)
A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento
ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela
surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da
situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas
pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia
65
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores
preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por
elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi
possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente
de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas
continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a
experiecircncia vivenciada
As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que
repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor
limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma
unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma
proximidade constante
Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo
em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees
norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no
momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos
Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de
serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC
ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees
para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato
de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para
Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente
Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute
visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo
feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os
cuidados aos enfermos
O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi
instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o
encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe
muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves
66
mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos
sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias
utilizadas para enfrentaacute-lo
As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-
se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para
poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava
restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo
que os doentes
O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem
tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias
que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir
aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los
em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava
por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas
relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves
chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos
ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo
episoacutedio
A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser
bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes
evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave
possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro
Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave
necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento
do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico
Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares
abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter
que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente
do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares
saber como se sentem seus pacientes
67
A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da
expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir
acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento
da UTI
O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no
quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste
modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o
quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade
Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em
alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e
assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees
nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de
tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em
outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de
uma das pacientes do estudo
Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas
os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a
principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo
agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e
aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e
esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo
Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de
informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente
tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade
Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro
desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento
inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto
nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a
ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress
Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a
importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI
68
Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste
processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas
duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos
sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas
envolvidas neste processo
Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao
seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o
familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para
lidar com ela
Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas
principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento
Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante
aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta
terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto
emocionalmente
Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as
duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro
proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao
funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como
dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos
Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um
adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande
comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares
neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de
minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante
para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais
adequado a tal realidade
69
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ANEXO 01
ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo
destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta
unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina
No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da
sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma
sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente
neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos
que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes
O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida
pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato
com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo
de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para
tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que
vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em
questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao
adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os
haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela
situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como
forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo
O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno
deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta
necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a
meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em
momentos distintos deste processo
O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em
tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba
sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando
com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de
forma mais clara o viacutenculo entre ambos
76
Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio
entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica
profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com
dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do
processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel
77
APEcircNDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
FAMILIARES
O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos
pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do
Hospital Espanhol
Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute
ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva
neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente
Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as
formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias
diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo
voltado a estes familiares
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo
seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro
momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado
rotineiramente
Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de
permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do
TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos
atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em
mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia
Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e
responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que
os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo
Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para
contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820
78
Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE
Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi
explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa
Nome________________________________________________________________________
__
Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )
Documento de Identidade ________________
Endereccedilo
_______________________________________________________________________
Telefones para Contato
___________________________________________________________
Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)
Salvador _______ de ____________________ de 2010
_____________________________ _____________________________
Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador
79
APEcircNDICE B
ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de
terapia intensiva
Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento
Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor
Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as
outras vezes EM que sua esposa adoeceu
O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter
provocado isso
O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que
O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo
essas
Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente
Como eacute a sua esposa
Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes
Como foram estas outras experiecircncias para o senhor
Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou
antes
O que tem sido mais difiacutecil para lidar
Como o senhor tem feito para lidar com isso
Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor
Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram
Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo
80
Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento
Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI
Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada
Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa
Qual a sua expectativa a partir de agora
2
JOANA GALDIERI TORRES
FAMILIARES DE PACIENTES COM AVC EM UNIDADE DE TERAPIA
INTENSIVA IMPACTOS DO ADOECIMENTO
Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Universidade Catoacutelica
do Salvador como requisito parcial para a
obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Famiacutelia na
Sociedade Contemporacircnea
Orientadora Profordf Drordf Anameacutelia Lins e Silva
Franco
Salvador
2011
3
T693 Torres Joana Galdieri
Familiares de pacientes com AVC em Unidade de Terapia Intensiva
Impactos do adoecimento Joana Galdieri Torres ndash Salvador 2011
76 f
Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Universidade Catoacutelica do Salvador
Superintendecircncia de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado em Famiacutelia
na Sociedade Contemporacircnea
Orientaccedilatildeo Prof Dra Anameacutelia Lins e Silva Franco
1 Familiar - Paciente - Acidente Vascular Cerebral (AVC) 2 Famiacutelia -
Impacto psicoloacutegico - Adoecimento 3 Famiacutelia - Paciente -Unidade de Terapia
Intensiva (UTI) I Tiacutetulo
CDU31635626168
UCSAL Sistema de Bibliotecas
4
5
Este trabalho eacute dedicado a todas as pessoas que
tem a difiacutecil missatildeo de acompanhar seus
familiares na UTI em especial agravequelas que se
dispuseram a participar desta pesquisa Jamais
conseguiriacuteamos ir tatildeo longe se vocecircs natildeo
permitissem
6
AGRADECIMENTOS
Agrave Deus que a cada dia que passa se mostra mais presente na minha vida
Agrave minha orientadora Anameacutelia Franco por todo o seu conhecimento e experiecircncia que tanto
me ensinou e pelo imenso coraccedilatildeo que tatildeo bem me acolheu
Agrave Elaine Rabinovich e Ceacutelia Nunes que participaram da banca de qualificaccedilatildeo contribuindo
de forma relevante para o desenvolvimento dessa pesquisa e pela gentileza em aceitarem o
convite para formar a banca examinadora
Ao meu querido tio Alberto que me proporcionou essa conquista e cuja presenccedila se faz
sempre tatildeo forte apesar da distacircncia
Agrave minha doce Clarice a dona do sorriso de dois dentes mais lindo do mundo que chegou em
meio a essa caminhada e me ensinou ainda mais sobre a vida e seu encantamento
Agrave Antonieta Omar Juacutelia Maria Joseacute Bruno Liacutedia peccedilas fundamentais do meu quebra-
cabeccedila familiar
Agrave Mari Pinheiro minha pupila preferida pessoa fundamental na realizaccedilatildeo deste trabalho
Agrave minha querida amiga Andrecirczza Castro que me ajudou a ldquosegurar a ondardquo nos uacuteltimos
tempos me fazendo esquecer dos milhares de quilocircmetros que nos separam
Aos professores funcionaacuterios e colegas deste curso pela companhia durante este percurso
Agrave Psicologia com seus desafios e recompensas
7
ldquoAqui ningueacutem mais ficaraacute depois do sol
No final seraacute o que natildeo sei mas seraacute
Tudo demais
Nem o bem nem o mal
Soacute o brilho calmo dessa luzrdquo
(Flaacutevio Venturini)
8
RESUMO
Este estudo tem como objetivo principal conhecer o impacto do adoecimento para os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC que se encontram internados em unidade de terapia
intensiva Habitualmente a literatura tem mostrado trabalhos realizados com familiares de
pacientes em situaccedilatildeo crocircnica de adoecimento estudos que contemplem os familiares no
momento inicial do adoecimento ainda satildeo escassos Os instantes iniciais de internamento em
uma UTI configuram-se como um desafio a ser enfrentado pelos familiares que muitas vezes
embora natildeo conheccedilam esta realidade possuem fantasias em relaccedilatildeo ao seu significado
Paralelo a isso estaacute o fato de seu paciente ter sido acometido por uma doenccedila de instalaccedilatildeo
aguda e que pode vir a ser limitante para o indiviacuteduo Com o intuito de conhecer esta
realidade foram realizados registros a posteriori dos atendimentos do serviccedilo de psicologia
aos familiares cujos pacientes encontram-se internados em uma unidade de terapia intensiva
Tais atendimentos possuem um roteiro onde satildeo abordadas questotildees pertinentes agrave experiecircncia
do processo de adoecimento e atraveacutes do qual foi possiacutevel destacar os principais sentimentos
vivenciados duacutevidas e mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares estudados A
anaacutelise do texto reconstruido dos atendimentos permitiu conhecer o quatildeo impactante pode ser
uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento medo da morte e de sequumlelas necessidade de mudanccedilas
de papeacuteis familiares e inseguranccedila sobre o cuidado dos pacientes apoacutes a alta satildeo apenas alguns
dos pontos destacados neste trabalho Ficou evidente a importacircncia de se manter uma boa
comunicaccedilatildeo entre equipe e familiares aleacutem da presenccedila de profissionais habilitados para
lidar com este puacuteblico em um momento tatildeo delicado
Palavras-chaves Acidente Vascular Cerebral UTI impacto psicoloacutegico do adoecimento
famiacutelia
9
ABSTRACT
This studys main objective is to know the impact of the disease to the relatives of victims of
stroke patients who are admitted to the intensive care unit Usually the literature has shown
work done with families of patients suffering chronic illness studies that address the family at
the start of the illness are scarce The initial moments of hospitalization in an ICU are
characterized as a challenge to be faced by the family that often but do not know this reality
they have fantasies about their meaning Parallel to this is the fact that his patient had been
affected by an acute onset of disease and that may be limiting to the individual In order to see
this reality were performed retrospectively records of visits made by the psychology service
to patients whose relatives are hospitalized in an intensive care unit Such visits have a script
that cover issues relevant to the experience of illness and the process by which it was possible
to highlight the main feelings about the main questions arising and the main coping
mechanisms used by the families concerned The text analysis of care possible to know how
shocking it can be an acute illness Fear of death and disability the need for changes in family
roles and how to care for patients after discharge are just some of the points highlighted in this
work It was evident the importance of maintaining good communication between staff and
relatives besides the presence of skilled professionals to deal with this audience in a delicate
moment
Keywords Stroke ICU psychological impact of illness family
10
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Quadro Paacutegina
QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick
2011
30
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC
2010
51
QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes
viacutetimas de AVC 2010
52
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 12
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20
31 CRISES FAMILIARES 21
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26
4 O ADOECER 28
41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29
5 A DOENCcedilA AGUDA 33
6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35
61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47
62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44
7 MEacuteTODO 49
71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51
8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53
81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65
REFEREcircNCIAS 69
Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75
APEcircNDICE A ndash TCLE 77
APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem
sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de
gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo
apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais
aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a
influecircncia dos mesmos sobre este grupo social
Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves
relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As
definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram
necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees
contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees
Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para
a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de
seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como
primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a
vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos
indiviacuteduos
Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe
confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador
de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo
rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de
opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio
interminaacutevel (1997 p23)
Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo
especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a
mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto
laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a
famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada
Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de
alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente
13
acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e
apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por
outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo
Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma
instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo
elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de
fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como
pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto
como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um
conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das
geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as
dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias
Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis
modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram
distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo
mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da
horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e
autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade
Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a
nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)
Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo
confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e
igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem
negociadosrdquo (1997 p27)
O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem
relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de
famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros
descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo
(MINUCHIN 1999 p28)
Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia
domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos
estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no
14
funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias
atuais
Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um
quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem
trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma
populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o
desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus
familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas
O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia
constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros
Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro
cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e
desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o
enfrentamento da situaccedilatildeo
Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente
vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta
eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por
uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter
temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem
(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)
Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o
entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras
aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que
haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro
denominando-se AVC hemorraacutegico
Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do
corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar
caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode
ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos
O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias
na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as
15
doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e
a principal causa de incapacidade no mundo
Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que
sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes
ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente
(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E
KUSOMOTA 2006)
A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica
culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este
por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas
com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados
Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e
cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a
adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado
conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as
primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute
dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E
ANGELO 2005 BOCCHI 2004)
Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva
evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as
atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a
quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias
encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a
necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo
suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo
voltadas aos mesmos
Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se
propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de
pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais
pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos
16
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-
degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou
definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e
responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud
PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008)
De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se
como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso
centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)
O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico
(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte
de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro
comprimindo os neurocircnios
Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade
para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo
aparente
Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre
a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees
cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12
Entretanto o
AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros
fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas
inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas
4 Estudos
preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade
inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45
anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)
Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas
apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs
horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de
receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para
desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz
17
Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam
adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo
saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do
colesterol
A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do
derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este
caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de
idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo
receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular
cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no
mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS
2010)
No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por
AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente
morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos
pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema
no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das
maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados
Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano
A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN
(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo
quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por
AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com
68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute
A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A
regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de
Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
18
coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa
o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
cerebrovasculares
Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto
a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos
nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente
quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e
fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso
Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo
AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento
pessoalrdquo
Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma
ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para
o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter
relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se
natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma
forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece
previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico
mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou
ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes
Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir
de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave
instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da
terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso
constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso
bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio
uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia
Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por
algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias
19
mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e
prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar
sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)
Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos
uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de
internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter
que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar
tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas
unidades impotildee
20
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA
O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande
grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees
familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados
pelo que o grupo familiar permite
Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade
compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo
Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu
funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo
Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois
carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo
as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do
comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia
crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada
De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por
subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo
classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute
sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras
(MINUCHIN 1999)
Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de
transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm
para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um
periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e
novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees
confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua
nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um
periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)
Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os
periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio
tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido
embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo
21
constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo
cristalizada (MINUCHIN 1999)
Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como
complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos
psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do
seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo
adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a
possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)
Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria
familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo
de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica
esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)
Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um
legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de
depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do
grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a
doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria
familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)
Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o
lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de
alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila
podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-
47)
31 CRISES FAMILIARES
Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado
poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de
forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento
diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto
22
em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar
com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)
Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa
uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se
necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991
p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila
Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo
indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros
para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo
de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento
anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de
emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise
Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de
uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria
pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute
que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo
baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e
definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram
um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas
diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo
Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo
como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)
Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros
pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das
crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas
que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)
A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com
destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E
DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-
lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro
tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais
e crises do cuidador
23
As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute
real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise
estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios
guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma
satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo
agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam
se solidarizar a este tipo de acontecimento
As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas
normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as
quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas
poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo
enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo
diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao
longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a
transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de
nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras
As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave
mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que
ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o
stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o
stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios
do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido
anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado
como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia
e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar
ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a
importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar
As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma
rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de
mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou
assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho
Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem
24
desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do
cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador
algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do
que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se
indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por
desencadear a crise
Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer
assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia
mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de
poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem
desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de
dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva
sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador
que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia
desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise
Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua
instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no
desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento
Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento
devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de
crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais
que os auxiliam neste momento
Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson
(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da
famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma
necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros
O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo
pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila
Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez
iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao
estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as
consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social
25
Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre
stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e
outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo
Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que
tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise
previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e
valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que
ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de
mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma
criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud
JOSELEVICH 1991)
Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com
frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu
caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar
Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa
e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos
integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo
(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo
capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um
cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se
estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma
assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir
para potencializar o stress vivenciado
A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito
reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral
quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo
cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do
sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio
emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu
mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo
disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede
e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)
26
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR
Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e
possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de
perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos
mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e
com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez
mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude
e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens
Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres
humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo
emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a
necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no
iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte
do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir
de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a
ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto
maior o potencial para a perda
Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo
transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo
vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a
continuidade da vida
Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos
profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que
agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria
do ciclo vital
Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta
o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como
unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os
membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem
como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento
de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda
27
mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que
confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente
apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo
28
4 O ADOECER
O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele
acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees
de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar
a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional
O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser
compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais
socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute
nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)
Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer
acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente
a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que
provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional
e social
Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar
que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que
marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no
enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute
importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos
A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da
famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e
expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um
universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas
tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto
Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de
adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do
paciente e seus familiares
29
41 A DOENCcedilA CROcircNICA
Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida
das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a
despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta
razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez
que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo
Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a
progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia
de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos
que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se
agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a
estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a
doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas
mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a
necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de
natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma
constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES
KUSOMOTA 2006)
Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de
viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge
a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees
nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)
Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas
nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases
importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)
30
Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011
FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL
bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e
programaccedilatildeo de
tratamento
bullAprender a lidar com
sintomas ambiente
hospitalar e procedimentos
terapecircuticos estabelecer
bons viacutenculos com a
equipe
bullIntervalo entre periacuteodo de
diagnoacutestico inicial e ajuste
ao tratamento
bullPredominam questotildees de morte
e doenccedila terminal
Pode haver uma progressatildeo ou
constacircncia do quadro
bullA famiacutelia busca manter a
normalidade diante da
ldquoanormalidaderdquo da doenccedila
crocircnica
A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto
quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do
organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui
reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi
proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)
Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e
sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada
importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou
outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com
os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons
relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de
natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve
construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas
competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova
condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade
entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar
da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter
e McGoldrick 2001 p 378)
31
A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico
inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de
terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou
mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida
normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal
este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo
claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar
sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p
378)
A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se
faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza
separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma
retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E
McGOLDRICK 2001)
Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre
ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem
desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto
familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007
FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)
Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma
doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua
intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)
Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das
circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA
2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural
habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de
seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas
vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua
rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes
acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos
financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com
32
que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue
cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado
Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida
atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar
(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere
citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados
cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E
MARTINS 2008 p148)
O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a
sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado
por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud
SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao
desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades
sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais
A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo
supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o
cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a
sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo
um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005
ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008
WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)
Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser
vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que
afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda
contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo
(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados
de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo
desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de
sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre
33
eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais
(SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um
suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005
APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante
tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005
paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees
no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e
fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros
quanto do grupordquo
42 A DOENCcedilA AGUDA
Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como
processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees
agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas
Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo
suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um
quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir
uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de
alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)
As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta
agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da
famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo
de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para
administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)
Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos
seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus
familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do
mesmo
34
Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia
se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de
serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel
Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas
famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de
solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)
Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE
observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos
pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se
revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido
Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e
social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de
forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a
dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos
familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)
Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em
unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de
informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de
muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria
relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges
(2009)
O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de
grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as
pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes
que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro
comatoso
Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da
instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo
das UTIs
35
5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)
Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os
pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de
estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade
destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que
funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais
responsaacuteveis
Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de
terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees
raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo
A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas
dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente
dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de
ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade
capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E
CORREcircA 2007)
Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico
raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas
alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E
AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA
2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)
Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas
por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para
ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam
diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem
aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo
proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a
alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um
nuacutemero razoaacutevel de leitos
36
Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo
doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem
de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes
inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas
de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes
com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por
um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar
na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser
diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso
de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como
forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem
Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros
dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da
perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da
equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a
disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)
A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na
maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e
medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu
familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma
linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova
realidade
Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em
unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual
foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada
difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento
por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)
Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela
rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o
fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento
Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e
ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI
37
As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez
que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do
paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo
pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo
familiar
Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua
rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao
ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos
No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua
famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e
finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os
indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus
planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a
instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo
Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco
iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar
hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil
ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo
(p140)
O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo
soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO
E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado
nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e
poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar
papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo
Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns
dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da
situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)
Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a
incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas
(URIZZI E CORREcircA 2007)
38
Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em
uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua
famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de
estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos
(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de
estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe
por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem
picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a
percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes
tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros
2007 URIZZI E CORREcircA 2007)
A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave
comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras
de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo
(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente
restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo
de falta de controle
O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma
mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de
informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a
oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados
referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato
demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma
tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem
como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca
de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos
dados fornecidos pela equipe aos familiares
Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente
com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria
para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como
forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e
familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de
conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)
39
Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina
intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de
48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade
do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica
para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande
desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados
fornecidos
Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a
compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida
natildeo foi comunicada (2007 p05)
Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse
contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs
realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade
pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em
instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o
intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe
de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam
ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007
p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que
se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por
sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo
oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato
ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do
paciente internado em UTI
Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de
terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa
vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha
Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma
morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso
Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute
muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante
40
O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e
funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e
abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais
membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os
diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E
GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)
Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas
que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees
sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009
RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)
O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo
lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo
lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior
entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de
elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944
apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em
potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se
aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente
aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade
aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude
Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e
inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre
a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo
ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo
algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)
Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa
ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os
papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema
familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN
1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de
funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida
satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma
41
morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto
bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste
contexto
Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar
com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas
constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos
envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que
temporariamente a pessoa doente
42
6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA
Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a
famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia
seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra
doente
A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo
revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda
despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a
recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)
Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o
suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos
profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a
colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social
Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees
hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto
Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no
enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)
Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em
um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas
portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o
adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na
famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais
na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao
processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)
A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas
pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente
destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos
Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das
pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos
quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo
43
A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes
as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo
responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas
incapacidade dentre outros
Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente
transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma
histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994
apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a
soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo
ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a
famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e
outros 2002 p 46)
Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar
esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees
contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo
da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias
desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick
1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)
Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do
sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases
temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs
dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto
familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre
a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar
relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da
doenccedila
A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de
uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as
questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo
(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)
Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente
diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees
44
impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se
como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades
Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair
de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por
representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se
encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral
sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da
famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de
emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as
distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave
eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que
a constituem
Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves
mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista
que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir
sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema
(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)
Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na
estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa
para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo
estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da
revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias
consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo
(p 24)
Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a
vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da
famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso
eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda
eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o
periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI
Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que
assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma
45
resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma
possibilidade de recuperaccedilatildeo
Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em
2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o
retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que
desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma
crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de
estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos
como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK
amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)
Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila
de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital
pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a
evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos
papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem
como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar
Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute
com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como
tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma
situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento
Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente
Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas
conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e
incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos
familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular
De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do
ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos
reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais
amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o
ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978
apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)
46
Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute
espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com
eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste
processo
As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na
compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a
tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro
Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade
familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da
famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia
Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se
modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da
famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns
membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)
Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma
alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez
podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a
doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de
instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo
As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as
famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila
avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma
doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na
qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma
fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila
centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de
reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente
estado de fusatildeo
47
61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING
Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress
e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este
processo de maneira menos comprometedora
O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas
pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI
DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping
eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a
uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o
Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN
(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila
cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos
da pessoa (CHAVES 2000)
No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam
que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na
emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema
melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de
remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)
O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto
emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente
de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a
realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente
dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima
positiva manter a esperanccedila e o bem-estar
Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como
reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado
do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido
como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo
acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)
48
Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em
contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no
problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar
informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar
recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida
familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede
mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento
Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes
estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico
aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o
provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados
como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser
melhor e e) usar mecanismos de defesa
Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para
momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa
de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa
(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no
enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no
problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de
terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal
e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo
49
7 MEacuteTODO
Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade
familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos
familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas
apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos
mesmos
Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com
familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados
em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de
Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15
leitos divididos entre as duas especialidades
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos
profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando
dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de
maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)
Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse
jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como
estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela
proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia
No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do
estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos
atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)
Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e
situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os
1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-
BA
50
familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das
demandas observadas (Apecircndice B)
Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos
familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos
propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os
resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que
acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em
uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta
realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles
Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48
horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante
da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste
processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o
serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta
unidade
Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois
casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se
apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que
estava presente em todos os horaacuterios
71 APRESENTANDO OS PACIENTES
Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados
relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do
relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo
considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a
internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A
diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato
de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico
O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um
homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo
possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam
51
atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os
demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem
assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por
apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco
eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)
Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia
de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos
natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)
natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010
Paciente
Sexo
Idade
Estado
Civil
Filhos
Profissatildeo
Residecircncia
Diagnoacutestico
Acompanhante
A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada
B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos
C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de
Almoxarifado
SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta
D F 22 Solteira 0 Auxiliar
Administrativa
Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES
Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos
pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua
maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram
casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam
sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se
mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do
estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos
(Quadro III)
52
QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC
2010
Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia
A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador
B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute
C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix
D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute
53
8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria
de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados
81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS
bull Famiacutelia A
A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com
quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados
reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de
Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante
do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de
obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho
ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse
estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio
sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro
comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC
isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o
internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da
paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato
restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a
mesma e sua histoacuteria
bull Famiacutelia B
A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro
filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua
proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus
familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma
mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes
episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade
sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo
com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos
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quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador
permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo
bull Famiacutelia C
O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute
alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)
Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de
almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)
Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI
deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute
havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar
sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha
para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima
os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando
bull Famiacutelia D
A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos
reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando
funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel
sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital
em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de
ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia
comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente
e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em
funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em
funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um
primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS
A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo
aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas
sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos
familiares de pacientes viacutetimas de AVC
55
As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)
- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)
- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)
- A ausecircncia de privacidade (iv)
- Ter que lidar com algo novo (v)
O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos
familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao
paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo
trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por
estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante
ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo
familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em
consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada
ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)
ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)
Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas
com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um
nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes
exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao
primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando
a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados
dispensados aos pacientes
ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute
que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)
Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC
o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas
por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo
56
agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo
fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem
de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele
paciente
O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido
pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em
funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa
de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de
estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias
proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a
133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)
era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador
ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito
espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)
ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia
todo aquirdquo (D1)
Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees
onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves
16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta
minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico
plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos
alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando
esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta
de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de
transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba
potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos
O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes
dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia
intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador
ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a
gente melhorardquo (A1)
ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela
precisava ir para UTIrdquo (B1)
57
ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)
ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo
preocupadordquo (D1)
Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em
UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi
percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar
colocar-se no lugar e perceber o outro
Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em
relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades
satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como
ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir
da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma
receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos
investimentos terapecircuticos
O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela
acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina
dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor
aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa
provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora
ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu
esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave
noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no
domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai
precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)
O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que
referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo
praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento
suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares
ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um
pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um
primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()
meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito
58
tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo
dando noticias pra elesrdquo (D1)
A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado
que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a
promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma
menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)
As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)
-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)
- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)
- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)
- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)
A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)
Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas
funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na
autonomia e independecircncia dos mesmos
ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)
ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)
ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)
A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees
motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na
comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio
para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC
como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995
apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN
FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI
2004)
59
Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em
seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as
sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois
exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene
alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua
maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte
dos cuidados
A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida
tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das
familiares no presente trabalho
O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos
familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel
vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)
ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo
(B1)
ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)
O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado
pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam
indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente
As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como
aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias
agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha
ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso
natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)
ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)
O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de
um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se
repita
ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei
o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)
O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante
de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que
os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido
60
ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser
agorardquo (C1)
O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela
acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando
sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem
a patologia atual
ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto
tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra
() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute
mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos
porquerdquo(D1)
Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas
da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP
de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades
de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente
156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados
confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo
Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)
- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
- Medo da morte (iii)
- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)
- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)
- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)
- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)
- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)
- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)
O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de
novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)
Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como
principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees
como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo
61
linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste
processo
A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e
NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com
frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe
ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da
histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham
Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz
seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade
Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as
informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou
boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas
pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo
e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais
com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de
comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o
conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares
Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo
do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no
hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)
ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)
ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc
resultadordquo (C1)
Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante
assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e
desgaste do paciente (C1)
ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)
ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)
ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)
O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se
em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe
ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que
ela tem eacute graverdquo (D1)
62
Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar
como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem
Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda
parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de
algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh
e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo
vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)
As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Ter que lidar com o paciente em coma (i)
- Conhecer pouco a paciente (ii)
-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)
- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)
A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave
questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente
No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade
voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em
funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato
de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter
respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo
ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)
ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)
Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em
termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma
reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e
pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos
Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a
ocorrecircncia do AVC foram
-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)
63
- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)
- Conversas com a paciente (iii)
Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o
intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a
recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O
acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado
na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a
forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que
conversava com a paciente
ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as
notiacuteciasrdquo (A1)
ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta
gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)
ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)
Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de
enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de
enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante
de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas
proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao
indiviacuteduo
Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro
enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver
recursos para poder lidar com ela
Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento
A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou
situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil
ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas
similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de
D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem
(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos
episoacutedios
64
ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para
emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso
aconteceurdquo (B1)
Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele
jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)
ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e
mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por
querdquo (D1)
Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo
de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de
origem da paciente que se encontrava fora de Salvador
ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na
terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho
de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido
dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo
(A1)
A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento
ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela
surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da
situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas
pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia
65
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores
preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por
elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi
possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente
de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas
continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a
experiecircncia vivenciada
As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que
repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor
limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma
unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma
proximidade constante
Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo
em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees
norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no
momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos
Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de
serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC
ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees
para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato
de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para
Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente
Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute
visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo
feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os
cuidados aos enfermos
O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi
instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o
encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe
muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves
66
mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos
sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias
utilizadas para enfrentaacute-lo
As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-
se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para
poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava
restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo
que os doentes
O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem
tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias
que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir
aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los
em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava
por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas
relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves
chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos
ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo
episoacutedio
A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser
bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes
evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave
possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro
Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave
necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento
do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico
Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares
abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter
que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente
do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares
saber como se sentem seus pacientes
67
A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da
expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir
acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento
da UTI
O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no
quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste
modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o
quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade
Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em
alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e
assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees
nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de
tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em
outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de
uma das pacientes do estudo
Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas
os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a
principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo
agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e
aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e
esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo
Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de
informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente
tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade
Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro
desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento
inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto
nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a
ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress
Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a
importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI
68
Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste
processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas
duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos
sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas
envolvidas neste processo
Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao
seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o
familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para
lidar com ela
Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas
principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento
Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante
aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta
terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto
emocionalmente
Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as
duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro
proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao
funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como
dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos
Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um
adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande
comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares
neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de
minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante
para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais
adequado a tal realidade
69
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ANEXO 01
ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo
destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta
unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina
No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da
sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma
sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente
neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos
que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes
O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida
pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato
com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo
de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para
tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que
vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em
questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao
adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os
haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela
situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como
forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo
O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno
deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta
necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a
meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em
momentos distintos deste processo
O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em
tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba
sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando
com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de
forma mais clara o viacutenculo entre ambos
76
Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio
entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica
profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com
dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do
processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel
77
APEcircNDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
FAMILIARES
O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos
pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do
Hospital Espanhol
Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute
ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva
neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente
Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as
formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias
diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo
voltado a estes familiares
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo
seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro
momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado
rotineiramente
Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de
permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do
TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos
atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em
mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia
Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e
responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que
os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo
Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para
contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820
78
Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE
Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi
explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa
Nome________________________________________________________________________
__
Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )
Documento de Identidade ________________
Endereccedilo
_______________________________________________________________________
Telefones para Contato
___________________________________________________________
Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)
Salvador _______ de ____________________ de 2010
_____________________________ _____________________________
Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador
79
APEcircNDICE B
ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de
terapia intensiva
Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento
Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor
Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as
outras vezes EM que sua esposa adoeceu
O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter
provocado isso
O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que
O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo
essas
Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente
Como eacute a sua esposa
Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes
Como foram estas outras experiecircncias para o senhor
Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou
antes
O que tem sido mais difiacutecil para lidar
Como o senhor tem feito para lidar com isso
Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor
Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram
Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo
80
Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento
Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI
Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada
Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa
Qual a sua expectativa a partir de agora
3
T693 Torres Joana Galdieri
Familiares de pacientes com AVC em Unidade de Terapia Intensiva
Impactos do adoecimento Joana Galdieri Torres ndash Salvador 2011
76 f
Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Universidade Catoacutelica do Salvador
Superintendecircncia de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado em Famiacutelia
na Sociedade Contemporacircnea
Orientaccedilatildeo Prof Dra Anameacutelia Lins e Silva Franco
1 Familiar - Paciente - Acidente Vascular Cerebral (AVC) 2 Famiacutelia -
Impacto psicoloacutegico - Adoecimento 3 Famiacutelia - Paciente -Unidade de Terapia
Intensiva (UTI) I Tiacutetulo
CDU31635626168
UCSAL Sistema de Bibliotecas
4
5
Este trabalho eacute dedicado a todas as pessoas que
tem a difiacutecil missatildeo de acompanhar seus
familiares na UTI em especial agravequelas que se
dispuseram a participar desta pesquisa Jamais
conseguiriacuteamos ir tatildeo longe se vocecircs natildeo
permitissem
6
AGRADECIMENTOS
Agrave Deus que a cada dia que passa se mostra mais presente na minha vida
Agrave minha orientadora Anameacutelia Franco por todo o seu conhecimento e experiecircncia que tanto
me ensinou e pelo imenso coraccedilatildeo que tatildeo bem me acolheu
Agrave Elaine Rabinovich e Ceacutelia Nunes que participaram da banca de qualificaccedilatildeo contribuindo
de forma relevante para o desenvolvimento dessa pesquisa e pela gentileza em aceitarem o
convite para formar a banca examinadora
Ao meu querido tio Alberto que me proporcionou essa conquista e cuja presenccedila se faz
sempre tatildeo forte apesar da distacircncia
Agrave minha doce Clarice a dona do sorriso de dois dentes mais lindo do mundo que chegou em
meio a essa caminhada e me ensinou ainda mais sobre a vida e seu encantamento
Agrave Antonieta Omar Juacutelia Maria Joseacute Bruno Liacutedia peccedilas fundamentais do meu quebra-
cabeccedila familiar
Agrave Mari Pinheiro minha pupila preferida pessoa fundamental na realizaccedilatildeo deste trabalho
Agrave minha querida amiga Andrecirczza Castro que me ajudou a ldquosegurar a ondardquo nos uacuteltimos
tempos me fazendo esquecer dos milhares de quilocircmetros que nos separam
Aos professores funcionaacuterios e colegas deste curso pela companhia durante este percurso
Agrave Psicologia com seus desafios e recompensas
7
ldquoAqui ningueacutem mais ficaraacute depois do sol
No final seraacute o que natildeo sei mas seraacute
Tudo demais
Nem o bem nem o mal
Soacute o brilho calmo dessa luzrdquo
(Flaacutevio Venturini)
8
RESUMO
Este estudo tem como objetivo principal conhecer o impacto do adoecimento para os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC que se encontram internados em unidade de terapia
intensiva Habitualmente a literatura tem mostrado trabalhos realizados com familiares de
pacientes em situaccedilatildeo crocircnica de adoecimento estudos que contemplem os familiares no
momento inicial do adoecimento ainda satildeo escassos Os instantes iniciais de internamento em
uma UTI configuram-se como um desafio a ser enfrentado pelos familiares que muitas vezes
embora natildeo conheccedilam esta realidade possuem fantasias em relaccedilatildeo ao seu significado
Paralelo a isso estaacute o fato de seu paciente ter sido acometido por uma doenccedila de instalaccedilatildeo
aguda e que pode vir a ser limitante para o indiviacuteduo Com o intuito de conhecer esta
realidade foram realizados registros a posteriori dos atendimentos do serviccedilo de psicologia
aos familiares cujos pacientes encontram-se internados em uma unidade de terapia intensiva
Tais atendimentos possuem um roteiro onde satildeo abordadas questotildees pertinentes agrave experiecircncia
do processo de adoecimento e atraveacutes do qual foi possiacutevel destacar os principais sentimentos
vivenciados duacutevidas e mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares estudados A
anaacutelise do texto reconstruido dos atendimentos permitiu conhecer o quatildeo impactante pode ser
uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento medo da morte e de sequumlelas necessidade de mudanccedilas
de papeacuteis familiares e inseguranccedila sobre o cuidado dos pacientes apoacutes a alta satildeo apenas alguns
dos pontos destacados neste trabalho Ficou evidente a importacircncia de se manter uma boa
comunicaccedilatildeo entre equipe e familiares aleacutem da presenccedila de profissionais habilitados para
lidar com este puacuteblico em um momento tatildeo delicado
Palavras-chaves Acidente Vascular Cerebral UTI impacto psicoloacutegico do adoecimento
famiacutelia
9
ABSTRACT
This studys main objective is to know the impact of the disease to the relatives of victims of
stroke patients who are admitted to the intensive care unit Usually the literature has shown
work done with families of patients suffering chronic illness studies that address the family at
the start of the illness are scarce The initial moments of hospitalization in an ICU are
characterized as a challenge to be faced by the family that often but do not know this reality
they have fantasies about their meaning Parallel to this is the fact that his patient had been
affected by an acute onset of disease and that may be limiting to the individual In order to see
this reality were performed retrospectively records of visits made by the psychology service
to patients whose relatives are hospitalized in an intensive care unit Such visits have a script
that cover issues relevant to the experience of illness and the process by which it was possible
to highlight the main feelings about the main questions arising and the main coping
mechanisms used by the families concerned The text analysis of care possible to know how
shocking it can be an acute illness Fear of death and disability the need for changes in family
roles and how to care for patients after discharge are just some of the points highlighted in this
work It was evident the importance of maintaining good communication between staff and
relatives besides the presence of skilled professionals to deal with this audience in a delicate
moment
Keywords Stroke ICU psychological impact of illness family
10
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Quadro Paacutegina
QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick
2011
30
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC
2010
51
QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes
viacutetimas de AVC 2010
52
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 12
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20
31 CRISES FAMILIARES 21
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26
4 O ADOECER 28
41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29
5 A DOENCcedilA AGUDA 33
6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35
61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47
62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44
7 MEacuteTODO 49
71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51
8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53
81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65
REFEREcircNCIAS 69
Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75
APEcircNDICE A ndash TCLE 77
APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem
sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de
gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo
apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais
aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a
influecircncia dos mesmos sobre este grupo social
Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves
relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As
definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram
necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees
contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees
Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para
a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de
seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como
primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a
vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos
indiviacuteduos
Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe
confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador
de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo
rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de
opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio
interminaacutevel (1997 p23)
Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo
especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a
mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto
laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a
famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada
Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de
alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente
13
acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e
apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por
outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo
Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma
instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo
elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de
fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como
pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto
como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um
conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das
geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as
dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias
Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis
modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram
distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo
mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da
horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e
autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade
Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a
nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)
Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo
confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e
igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem
negociadosrdquo (1997 p27)
O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem
relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de
famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros
descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo
(MINUCHIN 1999 p28)
Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia
domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos
estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no
14
funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias
atuais
Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um
quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem
trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma
populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o
desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus
familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas
O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia
constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros
Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro
cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e
desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o
enfrentamento da situaccedilatildeo
Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente
vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta
eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por
uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter
temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem
(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)
Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o
entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras
aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que
haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro
denominando-se AVC hemorraacutegico
Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do
corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar
caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode
ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos
O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias
na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as
15
doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e
a principal causa de incapacidade no mundo
Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que
sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes
ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente
(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E
KUSOMOTA 2006)
A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica
culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este
por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas
com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados
Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e
cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a
adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado
conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as
primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute
dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E
ANGELO 2005 BOCCHI 2004)
Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva
evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as
atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a
quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias
encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a
necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo
suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo
voltadas aos mesmos
Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se
propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de
pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais
pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos
16
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-
degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou
definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e
responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud
PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008)
De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se
como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso
centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)
O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico
(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte
de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro
comprimindo os neurocircnios
Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade
para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo
aparente
Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre
a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees
cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12
Entretanto o
AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros
fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas
inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas
4 Estudos
preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade
inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45
anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)
Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas
apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs
horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de
receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para
desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz
17
Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam
adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo
saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do
colesterol
A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do
derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este
caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de
idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo
receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular
cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no
mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS
2010)
No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por
AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente
morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos
pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema
no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das
maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados
Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano
A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN
(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo
quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por
AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com
68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute
A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A
regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de
Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
18
coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa
o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
cerebrovasculares
Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto
a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos
nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente
quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e
fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso
Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo
AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento
pessoalrdquo
Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma
ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para
o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter
relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se
natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma
forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece
previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico
mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou
ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes
Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir
de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave
instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da
terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso
constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso
bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio
uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia
Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por
algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias
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mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e
prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar
sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)
Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos
uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de
internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter
que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar
tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas
unidades impotildee
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3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA
O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande
grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees
familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados
pelo que o grupo familiar permite
Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade
compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo
Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu
funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo
Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois
carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo
as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do
comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia
crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada
De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por
subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo
classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute
sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras
(MINUCHIN 1999)
Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de
transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm
para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um
periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e
novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees
confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua
nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um
periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)
Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os
periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio
tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido
embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo
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constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo
cristalizada (MINUCHIN 1999)
Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como
complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos
psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do
seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo
adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a
possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)
Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria
familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo
de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica
esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)
Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um
legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de
depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do
grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a
doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria
familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)
Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o
lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de
alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila
podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-
47)
31 CRISES FAMILIARES
Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado
poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de
forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento
diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto
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em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar
com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)
Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa
uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se
necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991
p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila
Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo
indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros
para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo
de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento
anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de
emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise
Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de
uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria
pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute
que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo
baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e
definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram
um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas
diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo
Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo
como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)
Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros
pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das
crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas
que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)
A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com
destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E
DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-
lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro
tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais
e crises do cuidador
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As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute
real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise
estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios
guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma
satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo
agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam
se solidarizar a este tipo de acontecimento
As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas
normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as
quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas
poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo
enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo
diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao
longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a
transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de
nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras
As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave
mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que
ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o
stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o
stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios
do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido
anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado
como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia
e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar
ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a
importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar
As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma
rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de
mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou
assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho
Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem
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desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do
cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador
algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do
que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se
indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por
desencadear a crise
Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer
assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia
mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de
poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem
desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de
dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva
sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador
que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia
desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise
Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua
instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no
desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento
Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento
devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de
crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais
que os auxiliam neste momento
Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson
(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da
famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma
necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros
O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo
pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila
Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez
iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao
estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as
consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social
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Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre
stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e
outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo
Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que
tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise
previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e
valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que
ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de
mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma
criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud
JOSELEVICH 1991)
Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com
frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu
caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar
Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa
e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos
integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo
(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo
capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um
cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se
estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma
assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir
para potencializar o stress vivenciado
A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito
reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral
quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo
cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do
sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio
emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu
mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo
disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede
e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)
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32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR
Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e
possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de
perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos
mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e
com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez
mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude
e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens
Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres
humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo
emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a
necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no
iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte
do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir
de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a
ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto
maior o potencial para a perda
Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo
transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo
vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a
continuidade da vida
Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos
profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que
agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria
do ciclo vital
Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta
o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como
unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os
membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem
como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento
de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda
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mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que
confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente
apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo
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4 O ADOECER
O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele
acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees
de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar
a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional
O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser
compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais
socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute
nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)
Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer
acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente
a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que
provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional
e social
Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar
que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que
marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no
enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute
importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos
A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da
famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e
expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um
universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas
tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto
Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de
adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do
paciente e seus familiares
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41 A DOENCcedilA CROcircNICA
Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida
das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a
despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta
razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez
que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo
Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a
progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia
de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos
que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se
agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a
estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a
doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas
mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a
necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de
natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma
constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES
KUSOMOTA 2006)
Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de
viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge
a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees
nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)
Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas
nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases
importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)
30
Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011
FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL
bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e
programaccedilatildeo de
tratamento
bullAprender a lidar com
sintomas ambiente
hospitalar e procedimentos
terapecircuticos estabelecer
bons viacutenculos com a
equipe
bullIntervalo entre periacuteodo de
diagnoacutestico inicial e ajuste
ao tratamento
bullPredominam questotildees de morte
e doenccedila terminal
Pode haver uma progressatildeo ou
constacircncia do quadro
bullA famiacutelia busca manter a
normalidade diante da
ldquoanormalidaderdquo da doenccedila
crocircnica
A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto
quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do
organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui
reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi
proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)
Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e
sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada
importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou
outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com
os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons
relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de
natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve
construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas
competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova
condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade
entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar
da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter
e McGoldrick 2001 p 378)
31
A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico
inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de
terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou
mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida
normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal
este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo
claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar
sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p
378)
A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se
faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza
separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma
retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E
McGOLDRICK 2001)
Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre
ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem
desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto
familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007
FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)
Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma
doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua
intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)
Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das
circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA
2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural
habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de
seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas
vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua
rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes
acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos
financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com
32
que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue
cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado
Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida
atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar
(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere
citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados
cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E
MARTINS 2008 p148)
O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a
sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado
por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud
SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao
desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades
sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais
A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo
supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o
cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a
sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo
um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005
ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008
WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)
Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser
vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que
afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda
contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo
(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados
de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo
desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de
sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre
33
eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais
(SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um
suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005
APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante
tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005
paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees
no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e
fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros
quanto do grupordquo
42 A DOENCcedilA AGUDA
Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como
processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees
agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas
Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo
suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um
quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir
uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de
alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)
As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta
agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da
famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo
de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para
administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)
Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos
seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus
familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do
mesmo
34
Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia
se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de
serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel
Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas
famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de
solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)
Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE
observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos
pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se
revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido
Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e
social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de
forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a
dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos
familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)
Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em
unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de
informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de
muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria
relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges
(2009)
O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de
grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as
pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes
que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro
comatoso
Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da
instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo
das UTIs
35
5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)
Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os
pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de
estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade
destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que
funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais
responsaacuteveis
Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de
terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees
raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo
A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas
dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente
dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de
ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade
capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E
CORREcircA 2007)
Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico
raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas
alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E
AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA
2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)
Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas
por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para
ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam
diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem
aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo
proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a
alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um
nuacutemero razoaacutevel de leitos
36
Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo
doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem
de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes
inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas
de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes
com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por
um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar
na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser
diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso
de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como
forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem
Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros
dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da
perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da
equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a
disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)
A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na
maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e
medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu
familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma
linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova
realidade
Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em
unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual
foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada
difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento
por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)
Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela
rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o
fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento
Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e
ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI
37
As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez
que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do
paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo
pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo
familiar
Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua
rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao
ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos
No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua
famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e
finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os
indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus
planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a
instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo
Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco
iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar
hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil
ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo
(p140)
O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo
soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO
E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado
nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e
poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar
papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo
Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns
dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da
situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)
Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a
incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas
(URIZZI E CORREcircA 2007)
38
Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em
uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua
famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de
estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos
(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de
estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe
por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem
picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a
percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes
tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros
2007 URIZZI E CORREcircA 2007)
A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave
comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras
de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo
(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente
restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo
de falta de controle
O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma
mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de
informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a
oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados
referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato
demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma
tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem
como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca
de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos
dados fornecidos pela equipe aos familiares
Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente
com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria
para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como
forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e
familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de
conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)
39
Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina
intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de
48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade
do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica
para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande
desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados
fornecidos
Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a
compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida
natildeo foi comunicada (2007 p05)
Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse
contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs
realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade
pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em
instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o
intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe
de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam
ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007
p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que
se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por
sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo
oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato
ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do
paciente internado em UTI
Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de
terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa
vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha
Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma
morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso
Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute
muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante
40
O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e
funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e
abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais
membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os
diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E
GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)
Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas
que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees
sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009
RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)
O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo
lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo
lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior
entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de
elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944
apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em
potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se
aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente
aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade
aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude
Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e
inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre
a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo
ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo
algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)
Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa
ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os
papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema
familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN
1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de
funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida
satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma
41
morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto
bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste
contexto
Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar
com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas
constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos
envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que
temporariamente a pessoa doente
42
6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA
Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a
famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia
seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra
doente
A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo
revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda
despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a
recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)
Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o
suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos
profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a
colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social
Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees
hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto
Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no
enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)
Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em
um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas
portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o
adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na
famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais
na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao
processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)
A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas
pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente
destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos
Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das
pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos
quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo
43
A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes
as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo
responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas
incapacidade dentre outros
Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente
transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma
histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994
apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a
soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo
ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a
famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e
outros 2002 p 46)
Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar
esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees
contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo
da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias
desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick
1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)
Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do
sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases
temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs
dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto
familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre
a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar
relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da
doenccedila
A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de
uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as
questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo
(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)
Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente
diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees
44
impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se
como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades
Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair
de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por
representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se
encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral
sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da
famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de
emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as
distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave
eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que
a constituem
Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves
mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista
que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir
sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema
(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)
Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na
estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa
para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo
estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da
revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias
consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo
(p 24)
Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a
vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da
famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso
eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda
eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o
periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI
Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que
assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma
45
resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma
possibilidade de recuperaccedilatildeo
Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em
2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o
retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que
desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma
crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de
estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos
como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK
amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)
Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila
de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital
pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a
evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos
papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem
como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar
Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute
com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como
tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma
situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento
Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente
Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas
conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e
incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos
familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular
De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do
ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos
reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais
amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o
ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978
apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)
46
Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute
espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com
eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste
processo
As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na
compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a
tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro
Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade
familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da
famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia
Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se
modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da
famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns
membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)
Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma
alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez
podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a
doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de
instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo
As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as
famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila
avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma
doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na
qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma
fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila
centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de
reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente
estado de fusatildeo
47
61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING
Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress
e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este
processo de maneira menos comprometedora
O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas
pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI
DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping
eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a
uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o
Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN
(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila
cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos
da pessoa (CHAVES 2000)
No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam
que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na
emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema
melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de
remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)
O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto
emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente
de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a
realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente
dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima
positiva manter a esperanccedila e o bem-estar
Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como
reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado
do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido
como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo
acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)
48
Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em
contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no
problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar
informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar
recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida
familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede
mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento
Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes
estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico
aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o
provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados
como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser
melhor e e) usar mecanismos de defesa
Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para
momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa
de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa
(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no
enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no
problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de
terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal
e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo
49
7 MEacuteTODO
Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade
familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos
familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas
apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos
mesmos
Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com
familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados
em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de
Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15
leitos divididos entre as duas especialidades
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos
profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando
dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de
maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)
Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse
jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como
estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela
proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia
No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do
estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos
atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)
Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e
situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os
1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-
BA
50
familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das
demandas observadas (Apecircndice B)
Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos
familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos
propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os
resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que
acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em
uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta
realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles
Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48
horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante
da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste
processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o
serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta
unidade
Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois
casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se
apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que
estava presente em todos os horaacuterios
71 APRESENTANDO OS PACIENTES
Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados
relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do
relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo
considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a
internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A
diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato
de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico
O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um
homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo
possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam
51
atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os
demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem
assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por
apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco
eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)
Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia
de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos
natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)
natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010
Paciente
Sexo
Idade
Estado
Civil
Filhos
Profissatildeo
Residecircncia
Diagnoacutestico
Acompanhante
A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada
B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos
C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de
Almoxarifado
SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta
D F 22 Solteira 0 Auxiliar
Administrativa
Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES
Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos
pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua
maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram
casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam
sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se
mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do
estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos
(Quadro III)
52
QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC
2010
Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia
A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador
B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute
C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix
D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute
53
8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria
de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados
81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS
bull Famiacutelia A
A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com
quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados
reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de
Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante
do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de
obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho
ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse
estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio
sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro
comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC
isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o
internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da
paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato
restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a
mesma e sua histoacuteria
bull Famiacutelia B
A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro
filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua
proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus
familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma
mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes
episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade
sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo
com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos
54
quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador
permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo
bull Famiacutelia C
O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute
alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)
Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de
almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)
Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI
deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute
havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar
sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha
para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima
os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando
bull Famiacutelia D
A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos
reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando
funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel
sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital
em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de
ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia
comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente
e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em
funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em
funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um
primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS
A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo
aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas
sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos
familiares de pacientes viacutetimas de AVC
55
As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)
- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)
- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)
- A ausecircncia de privacidade (iv)
- Ter que lidar com algo novo (v)
O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos
familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao
paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo
trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por
estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante
ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo
familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em
consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada
ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)
ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)
Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas
com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um
nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes
exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao
primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando
a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados
dispensados aos pacientes
ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute
que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)
Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC
o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas
por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo
56
agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo
fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem
de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele
paciente
O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido
pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em
funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa
de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de
estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias
proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a
133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)
era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador
ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito
espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)
ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia
todo aquirdquo (D1)
Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees
onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves
16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta
minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico
plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos
alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando
esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta
de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de
transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba
potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos
O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes
dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia
intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador
ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a
gente melhorardquo (A1)
ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela
precisava ir para UTIrdquo (B1)
57
ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)
ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo
preocupadordquo (D1)
Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em
UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi
percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar
colocar-se no lugar e perceber o outro
Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em
relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades
satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como
ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir
da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma
receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos
investimentos terapecircuticos
O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela
acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina
dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor
aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa
provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora
ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu
esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave
noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no
domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai
precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)
O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que
referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo
praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento
suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares
ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um
pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um
primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()
meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito
58
tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo
dando noticias pra elesrdquo (D1)
A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado
que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a
promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma
menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)
As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)
-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)
- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)
- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)
- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)
A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)
Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas
funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na
autonomia e independecircncia dos mesmos
ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)
ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)
ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)
A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees
motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na
comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio
para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC
como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995
apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN
FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI
2004)
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Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em
seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as
sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois
exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene
alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua
maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte
dos cuidados
A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida
tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das
familiares no presente trabalho
O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos
familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel
vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)
ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo
(B1)
ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)
O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado
pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam
indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente
As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como
aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias
agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha
ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso
natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)
ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)
O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de
um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se
repita
ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei
o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)
O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante
de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que
os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido
60
ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser
agorardquo (C1)
O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela
acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando
sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem
a patologia atual
ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto
tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra
() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute
mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos
porquerdquo(D1)
Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas
da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP
de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades
de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente
156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados
confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo
Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)
- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
- Medo da morte (iii)
- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)
- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)
- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)
- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)
- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)
- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)
O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de
novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)
Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como
principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees
como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo
61
linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste
processo
A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e
NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com
frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe
ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da
histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham
Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz
seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade
Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as
informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou
boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas
pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo
e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais
com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de
comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o
conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares
Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo
do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no
hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)
ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)
ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc
resultadordquo (C1)
Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante
assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e
desgaste do paciente (C1)
ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)
ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)
ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)
O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se
em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe
ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que
ela tem eacute graverdquo (D1)
62
Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar
como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem
Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda
parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de
algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh
e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo
vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)
As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Ter que lidar com o paciente em coma (i)
- Conhecer pouco a paciente (ii)
-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)
- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)
A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave
questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente
No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade
voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em
funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato
de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter
respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo
ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)
ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)
Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em
termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma
reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e
pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos
Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a
ocorrecircncia do AVC foram
-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)
63
- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)
- Conversas com a paciente (iii)
Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o
intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a
recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O
acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado
na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a
forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que
conversava com a paciente
ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as
notiacuteciasrdquo (A1)
ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta
gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)
ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)
Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de
enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de
enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante
de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas
proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao
indiviacuteduo
Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro
enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver
recursos para poder lidar com ela
Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento
A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou
situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil
ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas
similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de
D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem
(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos
episoacutedios
64
ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para
emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso
aconteceurdquo (B1)
Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele
jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)
ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e
mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por
querdquo (D1)
Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo
de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de
origem da paciente que se encontrava fora de Salvador
ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na
terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho
de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido
dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo
(A1)
A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento
ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela
surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da
situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas
pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia
65
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores
preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por
elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi
possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente
de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas
continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a
experiecircncia vivenciada
As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que
repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor
limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma
unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma
proximidade constante
Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo
em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees
norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no
momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos
Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de
serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC
ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees
para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato
de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para
Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente
Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute
visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo
feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os
cuidados aos enfermos
O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi
instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o
encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe
muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves
66
mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos
sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias
utilizadas para enfrentaacute-lo
As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-
se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para
poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava
restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo
que os doentes
O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem
tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias
que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir
aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los
em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava
por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas
relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves
chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos
ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo
episoacutedio
A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser
bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes
evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave
possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro
Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave
necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento
do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico
Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares
abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter
que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente
do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares
saber como se sentem seus pacientes
67
A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da
expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir
acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento
da UTI
O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no
quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste
modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o
quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade
Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em
alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e
assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees
nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de
tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em
outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de
uma das pacientes do estudo
Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas
os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a
principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo
agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e
aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e
esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo
Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de
informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente
tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade
Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro
desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento
inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto
nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a
ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress
Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a
importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI
68
Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste
processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas
duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos
sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas
envolvidas neste processo
Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao
seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o
familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para
lidar com ela
Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas
principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento
Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante
aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta
terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto
emocionalmente
Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as
duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro
proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao
funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como
dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos
Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um
adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande
comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares
neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de
minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante
para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais
adequado a tal realidade
69
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75
ANEXO 01
ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo
destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta
unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina
No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da
sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma
sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente
neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos
que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes
O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida
pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato
com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo
de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para
tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que
vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em
questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao
adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os
haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela
situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como
forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo
O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno
deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta
necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a
meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em
momentos distintos deste processo
O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em
tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba
sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando
com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de
forma mais clara o viacutenculo entre ambos
76
Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio
entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica
profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com
dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do
processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel
77
APEcircNDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
FAMILIARES
O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos
pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do
Hospital Espanhol
Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute
ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva
neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente
Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as
formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias
diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo
voltado a estes familiares
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo
seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro
momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado
rotineiramente
Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de
permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do
TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos
atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em
mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia
Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e
responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que
os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo
Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para
contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820
78
Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE
Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi
explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa
Nome________________________________________________________________________
__
Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )
Documento de Identidade ________________
Endereccedilo
_______________________________________________________________________
Telefones para Contato
___________________________________________________________
Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)
Salvador _______ de ____________________ de 2010
_____________________________ _____________________________
Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador
79
APEcircNDICE B
ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de
terapia intensiva
Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento
Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor
Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as
outras vezes EM que sua esposa adoeceu
O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter
provocado isso
O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que
O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo
essas
Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente
Como eacute a sua esposa
Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes
Como foram estas outras experiecircncias para o senhor
Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou
antes
O que tem sido mais difiacutecil para lidar
Como o senhor tem feito para lidar com isso
Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor
Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram
Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo
80
Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento
Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI
Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada
Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa
Qual a sua expectativa a partir de agora
4
5
Este trabalho eacute dedicado a todas as pessoas que
tem a difiacutecil missatildeo de acompanhar seus
familiares na UTI em especial agravequelas que se
dispuseram a participar desta pesquisa Jamais
conseguiriacuteamos ir tatildeo longe se vocecircs natildeo
permitissem
6
AGRADECIMENTOS
Agrave Deus que a cada dia que passa se mostra mais presente na minha vida
Agrave minha orientadora Anameacutelia Franco por todo o seu conhecimento e experiecircncia que tanto
me ensinou e pelo imenso coraccedilatildeo que tatildeo bem me acolheu
Agrave Elaine Rabinovich e Ceacutelia Nunes que participaram da banca de qualificaccedilatildeo contribuindo
de forma relevante para o desenvolvimento dessa pesquisa e pela gentileza em aceitarem o
convite para formar a banca examinadora
Ao meu querido tio Alberto que me proporcionou essa conquista e cuja presenccedila se faz
sempre tatildeo forte apesar da distacircncia
Agrave minha doce Clarice a dona do sorriso de dois dentes mais lindo do mundo que chegou em
meio a essa caminhada e me ensinou ainda mais sobre a vida e seu encantamento
Agrave Antonieta Omar Juacutelia Maria Joseacute Bruno Liacutedia peccedilas fundamentais do meu quebra-
cabeccedila familiar
Agrave Mari Pinheiro minha pupila preferida pessoa fundamental na realizaccedilatildeo deste trabalho
Agrave minha querida amiga Andrecirczza Castro que me ajudou a ldquosegurar a ondardquo nos uacuteltimos
tempos me fazendo esquecer dos milhares de quilocircmetros que nos separam
Aos professores funcionaacuterios e colegas deste curso pela companhia durante este percurso
Agrave Psicologia com seus desafios e recompensas
7
ldquoAqui ningueacutem mais ficaraacute depois do sol
No final seraacute o que natildeo sei mas seraacute
Tudo demais
Nem o bem nem o mal
Soacute o brilho calmo dessa luzrdquo
(Flaacutevio Venturini)
8
RESUMO
Este estudo tem como objetivo principal conhecer o impacto do adoecimento para os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC que se encontram internados em unidade de terapia
intensiva Habitualmente a literatura tem mostrado trabalhos realizados com familiares de
pacientes em situaccedilatildeo crocircnica de adoecimento estudos que contemplem os familiares no
momento inicial do adoecimento ainda satildeo escassos Os instantes iniciais de internamento em
uma UTI configuram-se como um desafio a ser enfrentado pelos familiares que muitas vezes
embora natildeo conheccedilam esta realidade possuem fantasias em relaccedilatildeo ao seu significado
Paralelo a isso estaacute o fato de seu paciente ter sido acometido por uma doenccedila de instalaccedilatildeo
aguda e que pode vir a ser limitante para o indiviacuteduo Com o intuito de conhecer esta
realidade foram realizados registros a posteriori dos atendimentos do serviccedilo de psicologia
aos familiares cujos pacientes encontram-se internados em uma unidade de terapia intensiva
Tais atendimentos possuem um roteiro onde satildeo abordadas questotildees pertinentes agrave experiecircncia
do processo de adoecimento e atraveacutes do qual foi possiacutevel destacar os principais sentimentos
vivenciados duacutevidas e mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares estudados A
anaacutelise do texto reconstruido dos atendimentos permitiu conhecer o quatildeo impactante pode ser
uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento medo da morte e de sequumlelas necessidade de mudanccedilas
de papeacuteis familiares e inseguranccedila sobre o cuidado dos pacientes apoacutes a alta satildeo apenas alguns
dos pontos destacados neste trabalho Ficou evidente a importacircncia de se manter uma boa
comunicaccedilatildeo entre equipe e familiares aleacutem da presenccedila de profissionais habilitados para
lidar com este puacuteblico em um momento tatildeo delicado
Palavras-chaves Acidente Vascular Cerebral UTI impacto psicoloacutegico do adoecimento
famiacutelia
9
ABSTRACT
This studys main objective is to know the impact of the disease to the relatives of victims of
stroke patients who are admitted to the intensive care unit Usually the literature has shown
work done with families of patients suffering chronic illness studies that address the family at
the start of the illness are scarce The initial moments of hospitalization in an ICU are
characterized as a challenge to be faced by the family that often but do not know this reality
they have fantasies about their meaning Parallel to this is the fact that his patient had been
affected by an acute onset of disease and that may be limiting to the individual In order to see
this reality were performed retrospectively records of visits made by the psychology service
to patients whose relatives are hospitalized in an intensive care unit Such visits have a script
that cover issues relevant to the experience of illness and the process by which it was possible
to highlight the main feelings about the main questions arising and the main coping
mechanisms used by the families concerned The text analysis of care possible to know how
shocking it can be an acute illness Fear of death and disability the need for changes in family
roles and how to care for patients after discharge are just some of the points highlighted in this
work It was evident the importance of maintaining good communication between staff and
relatives besides the presence of skilled professionals to deal with this audience in a delicate
moment
Keywords Stroke ICU psychological impact of illness family
10
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Quadro Paacutegina
QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick
2011
30
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC
2010
51
QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes
viacutetimas de AVC 2010
52
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 12
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20
31 CRISES FAMILIARES 21
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26
4 O ADOECER 28
41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29
5 A DOENCcedilA AGUDA 33
6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35
61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47
62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44
7 MEacuteTODO 49
71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51
8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53
81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65
REFEREcircNCIAS 69
Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75
APEcircNDICE A ndash TCLE 77
APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem
sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de
gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo
apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais
aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a
influecircncia dos mesmos sobre este grupo social
Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves
relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As
definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram
necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees
contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees
Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para
a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de
seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como
primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a
vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos
indiviacuteduos
Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe
confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador
de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo
rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de
opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio
interminaacutevel (1997 p23)
Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo
especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a
mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto
laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a
famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada
Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de
alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente
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acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e
apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por
outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo
Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma
instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo
elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de
fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como
pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto
como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um
conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das
geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as
dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias
Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis
modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram
distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo
mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da
horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e
autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade
Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a
nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)
Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo
confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e
igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem
negociadosrdquo (1997 p27)
O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem
relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de
famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros
descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo
(MINUCHIN 1999 p28)
Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia
domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos
estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no
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funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias
atuais
Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um
quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem
trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma
populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o
desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus
familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas
O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia
constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros
Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro
cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e
desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o
enfrentamento da situaccedilatildeo
Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente
vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta
eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por
uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter
temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem
(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)
Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o
entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras
aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que
haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro
denominando-se AVC hemorraacutegico
Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do
corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar
caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode
ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos
O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias
na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as
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doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e
a principal causa de incapacidade no mundo
Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que
sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes
ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente
(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E
KUSOMOTA 2006)
A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica
culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este
por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas
com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados
Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e
cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a
adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado
conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as
primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute
dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E
ANGELO 2005 BOCCHI 2004)
Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva
evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as
atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a
quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias
encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a
necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo
suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo
voltadas aos mesmos
Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se
propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de
pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais
pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos
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2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-
degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou
definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e
responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud
PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008)
De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se
como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso
centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)
O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico
(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte
de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro
comprimindo os neurocircnios
Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade
para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo
aparente
Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre
a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees
cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12
Entretanto o
AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros
fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas
inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas
4 Estudos
preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade
inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45
anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)
Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas
apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs
horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de
receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para
desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz
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Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam
adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo
saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do
colesterol
A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do
derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este
caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de
idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo
receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular
cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no
mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS
2010)
No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por
AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente
morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos
pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema
no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das
maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados
Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano
A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN
(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo
quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por
AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com
68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute
A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A
regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de
Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
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coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa
o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
cerebrovasculares
Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto
a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos
nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente
quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e
fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso
Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo
AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento
pessoalrdquo
Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma
ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para
o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter
relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se
natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma
forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece
previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico
mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou
ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes
Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir
de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave
instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da
terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso
constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso
bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio
uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia
Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por
algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias
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mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e
prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar
sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)
Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos
uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de
internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter
que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar
tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas
unidades impotildee
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3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA
O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande
grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees
familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados
pelo que o grupo familiar permite
Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade
compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo
Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu
funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo
Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois
carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo
as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do
comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia
crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada
De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por
subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo
classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute
sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras
(MINUCHIN 1999)
Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de
transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm
para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um
periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e
novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees
confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua
nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um
periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)
Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os
periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio
tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido
embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo
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constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo
cristalizada (MINUCHIN 1999)
Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como
complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos
psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do
seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo
adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a
possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)
Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria
familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo
de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica
esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)
Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um
legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de
depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do
grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a
doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria
familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)
Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o
lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de
alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila
podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-
47)
31 CRISES FAMILIARES
Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado
poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de
forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento
diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto
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em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar
com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)
Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa
uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se
necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991
p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila
Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo
indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros
para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo
de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento
anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de
emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise
Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de
uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria
pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute
que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo
baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e
definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram
um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas
diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo
Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo
como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)
Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros
pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das
crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas
que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)
A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com
destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E
DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-
lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro
tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais
e crises do cuidador
23
As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute
real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise
estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios
guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma
satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo
agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam
se solidarizar a este tipo de acontecimento
As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas
normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as
quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas
poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo
enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo
diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao
longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a
transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de
nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras
As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave
mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que
ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o
stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o
stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios
do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido
anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado
como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia
e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar
ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a
importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar
As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma
rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de
mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou
assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho
Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem
24
desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do
cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador
algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do
que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se
indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por
desencadear a crise
Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer
assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia
mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de
poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem
desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de
dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva
sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador
que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia
desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise
Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua
instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no
desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento
Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento
devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de
crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais
que os auxiliam neste momento
Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson
(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da
famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma
necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros
O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo
pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila
Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez
iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao
estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as
consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social
25
Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre
stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e
outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo
Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que
tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise
previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e
valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que
ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de
mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma
criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud
JOSELEVICH 1991)
Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com
frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu
caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar
Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa
e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos
integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo
(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo
capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um
cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se
estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma
assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir
para potencializar o stress vivenciado
A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito
reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral
quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo
cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do
sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio
emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu
mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo
disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede
e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)
26
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR
Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e
possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de
perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos
mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e
com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez
mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude
e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens
Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres
humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo
emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a
necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no
iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte
do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir
de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a
ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto
maior o potencial para a perda
Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo
transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo
vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a
continuidade da vida
Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos
profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que
agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria
do ciclo vital
Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta
o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como
unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os
membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem
como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento
de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda
27
mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que
confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente
apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo
28
4 O ADOECER
O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele
acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees
de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar
a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional
O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser
compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais
socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute
nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)
Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer
acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente
a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que
provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional
e social
Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar
que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que
marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no
enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute
importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos
A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da
famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e
expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um
universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas
tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto
Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de
adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do
paciente e seus familiares
29
41 A DOENCcedilA CROcircNICA
Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida
das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a
despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta
razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez
que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo
Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a
progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia
de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos
que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se
agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a
estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a
doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas
mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a
necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de
natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma
constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES
KUSOMOTA 2006)
Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de
viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge
a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees
nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)
Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas
nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases
importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)
30
Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011
FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL
bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e
programaccedilatildeo de
tratamento
bullAprender a lidar com
sintomas ambiente
hospitalar e procedimentos
terapecircuticos estabelecer
bons viacutenculos com a
equipe
bullIntervalo entre periacuteodo de
diagnoacutestico inicial e ajuste
ao tratamento
bullPredominam questotildees de morte
e doenccedila terminal
Pode haver uma progressatildeo ou
constacircncia do quadro
bullA famiacutelia busca manter a
normalidade diante da
ldquoanormalidaderdquo da doenccedila
crocircnica
A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto
quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do
organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui
reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi
proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)
Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e
sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada
importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou
outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com
os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons
relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de
natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve
construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas
competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova
condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade
entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar
da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter
e McGoldrick 2001 p 378)
31
A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico
inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de
terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou
mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida
normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal
este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo
claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar
sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p
378)
A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se
faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza
separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma
retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E
McGOLDRICK 2001)
Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre
ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem
desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto
familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007
FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)
Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma
doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua
intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)
Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das
circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA
2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural
habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de
seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas
vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua
rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes
acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos
financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com
32
que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue
cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado
Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida
atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar
(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere
citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados
cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E
MARTINS 2008 p148)
O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a
sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado
por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud
SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao
desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades
sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais
A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo
supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o
cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a
sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo
um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005
ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008
WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)
Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser
vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que
afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda
contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo
(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados
de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo
desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de
sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre
33
eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais
(SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um
suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005
APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante
tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005
paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees
no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e
fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros
quanto do grupordquo
42 A DOENCcedilA AGUDA
Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como
processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees
agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas
Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo
suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um
quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir
uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de
alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)
As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta
agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da
famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo
de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para
administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)
Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos
seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus
familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do
mesmo
34
Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia
se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de
serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel
Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas
famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de
solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)
Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE
observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos
pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se
revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido
Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e
social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de
forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a
dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos
familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)
Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em
unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de
informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de
muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria
relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges
(2009)
O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de
grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as
pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes
que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro
comatoso
Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da
instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo
das UTIs
35
5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)
Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os
pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de
estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade
destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que
funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais
responsaacuteveis
Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de
terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees
raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo
A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas
dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente
dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de
ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade
capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E
CORREcircA 2007)
Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico
raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas
alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E
AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA
2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)
Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas
por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para
ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam
diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem
aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo
proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a
alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um
nuacutemero razoaacutevel de leitos
36
Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo
doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem
de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes
inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas
de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes
com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por
um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar
na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser
diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso
de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como
forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem
Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros
dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da
perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da
equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a
disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)
A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na
maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e
medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu
familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma
linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova
realidade
Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em
unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual
foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada
difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento
por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)
Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela
rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o
fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento
Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e
ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI
37
As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez
que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do
paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo
pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo
familiar
Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua
rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao
ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos
No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua
famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e
finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os
indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus
planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a
instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo
Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco
iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar
hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil
ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo
(p140)
O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo
soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO
E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado
nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e
poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar
papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo
Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns
dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da
situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)
Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a
incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas
(URIZZI E CORREcircA 2007)
38
Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em
uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua
famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de
estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos
(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de
estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe
por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem
picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a
percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes
tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros
2007 URIZZI E CORREcircA 2007)
A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave
comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras
de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo
(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente
restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo
de falta de controle
O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma
mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de
informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a
oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados
referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato
demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma
tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem
como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca
de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos
dados fornecidos pela equipe aos familiares
Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente
com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria
para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como
forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e
familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de
conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)
39
Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina
intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de
48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade
do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica
para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande
desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados
fornecidos
Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a
compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida
natildeo foi comunicada (2007 p05)
Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse
contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs
realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade
pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em
instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o
intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe
de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam
ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007
p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que
se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por
sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo
oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato
ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do
paciente internado em UTI
Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de
terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa
vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha
Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma
morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso
Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute
muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante
40
O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e
funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e
abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais
membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os
diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E
GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)
Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas
que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees
sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009
RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)
O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo
lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo
lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior
entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de
elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944
apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em
potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se
aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente
aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade
aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude
Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e
inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre
a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo
ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo
algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)
Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa
ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os
papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema
familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN
1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de
funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida
satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma
41
morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto
bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste
contexto
Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar
com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas
constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos
envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que
temporariamente a pessoa doente
42
6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA
Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a
famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia
seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra
doente
A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo
revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda
despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a
recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)
Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o
suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos
profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a
colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social
Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees
hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto
Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no
enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)
Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em
um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas
portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o
adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na
famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais
na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao
processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)
A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas
pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente
destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos
Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das
pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos
quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo
43
A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes
as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo
responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas
incapacidade dentre outros
Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente
transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma
histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994
apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a
soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo
ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a
famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e
outros 2002 p 46)
Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar
esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees
contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo
da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias
desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick
1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)
Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do
sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases
temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs
dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto
familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre
a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar
relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da
doenccedila
A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de
uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as
questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo
(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)
Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente
diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees
44
impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se
como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades
Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair
de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por
representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se
encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral
sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da
famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de
emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as
distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave
eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que
a constituem
Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves
mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista
que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir
sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema
(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)
Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na
estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa
para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo
estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da
revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias
consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo
(p 24)
Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a
vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da
famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso
eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda
eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o
periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI
Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que
assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma
45
resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma
possibilidade de recuperaccedilatildeo
Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em
2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o
retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que
desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma
crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de
estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos
como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK
amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)
Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila
de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital
pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a
evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos
papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem
como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar
Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute
com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como
tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma
situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento
Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente
Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas
conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e
incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos
familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular
De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do
ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos
reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais
amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o
ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978
apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)
46
Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute
espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com
eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste
processo
As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na
compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a
tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro
Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade
familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da
famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia
Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se
modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da
famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns
membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)
Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma
alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez
podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a
doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de
instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo
As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as
famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila
avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma
doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na
qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma
fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila
centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de
reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente
estado de fusatildeo
47
61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING
Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress
e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este
processo de maneira menos comprometedora
O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas
pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI
DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping
eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a
uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o
Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN
(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila
cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos
da pessoa (CHAVES 2000)
No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam
que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na
emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema
melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de
remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)
O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto
emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente
de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a
realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente
dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima
positiva manter a esperanccedila e o bem-estar
Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como
reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado
do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido
como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo
acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)
48
Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em
contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no
problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar
informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar
recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida
familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede
mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento
Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes
estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico
aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o
provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados
como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser
melhor e e) usar mecanismos de defesa
Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para
momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa
de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa
(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no
enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no
problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de
terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal
e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo
49
7 MEacuteTODO
Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade
familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos
familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas
apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos
mesmos
Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com
familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados
em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de
Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15
leitos divididos entre as duas especialidades
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos
profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando
dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de
maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)
Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse
jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como
estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela
proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia
No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do
estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos
atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)
Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e
situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os
1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-
BA
50
familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das
demandas observadas (Apecircndice B)
Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos
familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos
propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os
resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que
acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em
uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta
realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles
Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48
horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante
da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste
processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o
serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta
unidade
Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois
casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se
apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que
estava presente em todos os horaacuterios
71 APRESENTANDO OS PACIENTES
Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados
relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do
relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo
considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a
internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A
diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato
de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico
O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um
homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo
possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam
51
atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os
demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem
assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por
apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco
eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)
Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia
de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos
natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)
natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010
Paciente
Sexo
Idade
Estado
Civil
Filhos
Profissatildeo
Residecircncia
Diagnoacutestico
Acompanhante
A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada
B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos
C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de
Almoxarifado
SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta
D F 22 Solteira 0 Auxiliar
Administrativa
Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES
Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos
pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua
maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram
casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam
sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se
mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do
estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos
(Quadro III)
52
QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC
2010
Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia
A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador
B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute
C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix
D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute
53
8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria
de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados
81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS
bull Famiacutelia A
A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com
quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados
reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de
Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante
do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de
obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho
ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse
estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio
sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro
comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC
isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o
internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da
paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato
restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a
mesma e sua histoacuteria
bull Famiacutelia B
A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro
filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua
proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus
familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma
mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes
episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade
sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo
com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos
54
quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador
permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo
bull Famiacutelia C
O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute
alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)
Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de
almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)
Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI
deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute
havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar
sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha
para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima
os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando
bull Famiacutelia D
A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos
reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando
funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel
sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital
em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de
ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia
comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente
e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em
funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em
funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um
primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS
A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo
aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas
sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos
familiares de pacientes viacutetimas de AVC
55
As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)
- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)
- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)
- A ausecircncia de privacidade (iv)
- Ter que lidar com algo novo (v)
O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos
familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao
paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo
trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por
estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante
ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo
familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em
consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada
ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)
ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)
Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas
com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um
nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes
exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao
primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando
a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados
dispensados aos pacientes
ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute
que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)
Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC
o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas
por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo
56
agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo
fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem
de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele
paciente
O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido
pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em
funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa
de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de
estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias
proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a
133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)
era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador
ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito
espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)
ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia
todo aquirdquo (D1)
Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees
onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves
16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta
minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico
plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos
alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando
esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta
de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de
transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba
potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos
O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes
dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia
intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador
ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a
gente melhorardquo (A1)
ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela
precisava ir para UTIrdquo (B1)
57
ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)
ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo
preocupadordquo (D1)
Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em
UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi
percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar
colocar-se no lugar e perceber o outro
Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em
relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades
satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como
ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir
da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma
receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos
investimentos terapecircuticos
O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela
acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina
dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor
aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa
provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora
ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu
esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave
noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no
domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai
precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)
O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que
referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo
praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento
suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares
ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um
pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um
primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()
meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito
58
tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo
dando noticias pra elesrdquo (D1)
A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado
que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a
promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma
menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)
As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)
-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)
- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)
- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)
- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)
A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)
Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas
funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na
autonomia e independecircncia dos mesmos
ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)
ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)
ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)
A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees
motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na
comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio
para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC
como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995
apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN
FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI
2004)
59
Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em
seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as
sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois
exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene
alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua
maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte
dos cuidados
A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida
tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das
familiares no presente trabalho
O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos
familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel
vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)
ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo
(B1)
ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)
O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado
pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam
indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente
As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como
aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias
agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha
ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso
natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)
ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)
O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de
um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se
repita
ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei
o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)
O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante
de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que
os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido
60
ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser
agorardquo (C1)
O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela
acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando
sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem
a patologia atual
ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto
tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra
() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute
mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos
porquerdquo(D1)
Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas
da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP
de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades
de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente
156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados
confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo
Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)
- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
- Medo da morte (iii)
- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)
- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)
- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)
- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)
- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)
- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)
O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de
novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)
Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como
principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees
como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo
61
linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste
processo
A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e
NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com
frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe
ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da
histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham
Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz
seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade
Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as
informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou
boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas
pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo
e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais
com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de
comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o
conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares
Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo
do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no
hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)
ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)
ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc
resultadordquo (C1)
Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante
assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e
desgaste do paciente (C1)
ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)
ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)
ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)
O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se
em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe
ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que
ela tem eacute graverdquo (D1)
62
Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar
como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem
Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda
parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de
algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh
e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo
vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)
As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Ter que lidar com o paciente em coma (i)
- Conhecer pouco a paciente (ii)
-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)
- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)
A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave
questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente
No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade
voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em
funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato
de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter
respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo
ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)
ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)
Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em
termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma
reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e
pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos
Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a
ocorrecircncia do AVC foram
-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)
63
- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)
- Conversas com a paciente (iii)
Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o
intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a
recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O
acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado
na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a
forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que
conversava com a paciente
ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as
notiacuteciasrdquo (A1)
ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta
gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)
ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)
Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de
enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de
enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante
de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas
proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao
indiviacuteduo
Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro
enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver
recursos para poder lidar com ela
Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento
A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou
situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil
ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas
similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de
D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem
(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos
episoacutedios
64
ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para
emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso
aconteceurdquo (B1)
Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele
jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)
ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e
mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por
querdquo (D1)
Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo
de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de
origem da paciente que se encontrava fora de Salvador
ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na
terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho
de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido
dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo
(A1)
A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento
ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela
surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da
situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas
pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia
65
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores
preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por
elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi
possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente
de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas
continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a
experiecircncia vivenciada
As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que
repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor
limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma
unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma
proximidade constante
Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo
em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees
norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no
momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos
Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de
serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC
ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees
para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato
de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para
Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente
Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute
visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo
feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os
cuidados aos enfermos
O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi
instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o
encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe
muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves
66
mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos
sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias
utilizadas para enfrentaacute-lo
As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-
se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para
poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava
restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo
que os doentes
O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem
tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias
que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir
aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los
em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava
por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas
relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves
chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos
ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo
episoacutedio
A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser
bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes
evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave
possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro
Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave
necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento
do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico
Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares
abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter
que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente
do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares
saber como se sentem seus pacientes
67
A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da
expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir
acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento
da UTI
O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no
quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste
modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o
quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade
Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em
alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e
assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees
nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de
tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em
outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de
uma das pacientes do estudo
Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas
os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a
principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo
agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e
aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e
esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo
Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de
informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente
tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade
Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro
desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento
inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto
nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a
ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress
Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a
importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI
68
Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste
processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas
duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos
sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas
envolvidas neste processo
Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao
seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o
familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para
lidar com ela
Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas
principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento
Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante
aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta
terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto
emocionalmente
Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as
duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro
proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao
funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como
dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos
Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um
adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande
comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares
neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de
minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante
para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais
adequado a tal realidade
69
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75
ANEXO 01
ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo
destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta
unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina
No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da
sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma
sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente
neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos
que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes
O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida
pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato
com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo
de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para
tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que
vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em
questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao
adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os
haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela
situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como
forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo
O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno
deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta
necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a
meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em
momentos distintos deste processo
O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em
tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba
sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando
com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de
forma mais clara o viacutenculo entre ambos
76
Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio
entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica
profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com
dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do
processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel
77
APEcircNDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
FAMILIARES
O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos
pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do
Hospital Espanhol
Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute
ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva
neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente
Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as
formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias
diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo
voltado a estes familiares
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo
seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro
momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado
rotineiramente
Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de
permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do
TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos
atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em
mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia
Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e
responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que
os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo
Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para
contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820
78
Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE
Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi
explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa
Nome________________________________________________________________________
__
Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )
Documento de Identidade ________________
Endereccedilo
_______________________________________________________________________
Telefones para Contato
___________________________________________________________
Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)
Salvador _______ de ____________________ de 2010
_____________________________ _____________________________
Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador
79
APEcircNDICE B
ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de
terapia intensiva
Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento
Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor
Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as
outras vezes EM que sua esposa adoeceu
O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter
provocado isso
O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que
O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo
essas
Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente
Como eacute a sua esposa
Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes
Como foram estas outras experiecircncias para o senhor
Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou
antes
O que tem sido mais difiacutecil para lidar
Como o senhor tem feito para lidar com isso
Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor
Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram
Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo
80
Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento
Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI
Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada
Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa
Qual a sua expectativa a partir de agora
5
Este trabalho eacute dedicado a todas as pessoas que
tem a difiacutecil missatildeo de acompanhar seus
familiares na UTI em especial agravequelas que se
dispuseram a participar desta pesquisa Jamais
conseguiriacuteamos ir tatildeo longe se vocecircs natildeo
permitissem
6
AGRADECIMENTOS
Agrave Deus que a cada dia que passa se mostra mais presente na minha vida
Agrave minha orientadora Anameacutelia Franco por todo o seu conhecimento e experiecircncia que tanto
me ensinou e pelo imenso coraccedilatildeo que tatildeo bem me acolheu
Agrave Elaine Rabinovich e Ceacutelia Nunes que participaram da banca de qualificaccedilatildeo contribuindo
de forma relevante para o desenvolvimento dessa pesquisa e pela gentileza em aceitarem o
convite para formar a banca examinadora
Ao meu querido tio Alberto que me proporcionou essa conquista e cuja presenccedila se faz
sempre tatildeo forte apesar da distacircncia
Agrave minha doce Clarice a dona do sorriso de dois dentes mais lindo do mundo que chegou em
meio a essa caminhada e me ensinou ainda mais sobre a vida e seu encantamento
Agrave Antonieta Omar Juacutelia Maria Joseacute Bruno Liacutedia peccedilas fundamentais do meu quebra-
cabeccedila familiar
Agrave Mari Pinheiro minha pupila preferida pessoa fundamental na realizaccedilatildeo deste trabalho
Agrave minha querida amiga Andrecirczza Castro que me ajudou a ldquosegurar a ondardquo nos uacuteltimos
tempos me fazendo esquecer dos milhares de quilocircmetros que nos separam
Aos professores funcionaacuterios e colegas deste curso pela companhia durante este percurso
Agrave Psicologia com seus desafios e recompensas
7
ldquoAqui ningueacutem mais ficaraacute depois do sol
No final seraacute o que natildeo sei mas seraacute
Tudo demais
Nem o bem nem o mal
Soacute o brilho calmo dessa luzrdquo
(Flaacutevio Venturini)
8
RESUMO
Este estudo tem como objetivo principal conhecer o impacto do adoecimento para os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC que se encontram internados em unidade de terapia
intensiva Habitualmente a literatura tem mostrado trabalhos realizados com familiares de
pacientes em situaccedilatildeo crocircnica de adoecimento estudos que contemplem os familiares no
momento inicial do adoecimento ainda satildeo escassos Os instantes iniciais de internamento em
uma UTI configuram-se como um desafio a ser enfrentado pelos familiares que muitas vezes
embora natildeo conheccedilam esta realidade possuem fantasias em relaccedilatildeo ao seu significado
Paralelo a isso estaacute o fato de seu paciente ter sido acometido por uma doenccedila de instalaccedilatildeo
aguda e que pode vir a ser limitante para o indiviacuteduo Com o intuito de conhecer esta
realidade foram realizados registros a posteriori dos atendimentos do serviccedilo de psicologia
aos familiares cujos pacientes encontram-se internados em uma unidade de terapia intensiva
Tais atendimentos possuem um roteiro onde satildeo abordadas questotildees pertinentes agrave experiecircncia
do processo de adoecimento e atraveacutes do qual foi possiacutevel destacar os principais sentimentos
vivenciados duacutevidas e mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares estudados A
anaacutelise do texto reconstruido dos atendimentos permitiu conhecer o quatildeo impactante pode ser
uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento medo da morte e de sequumlelas necessidade de mudanccedilas
de papeacuteis familiares e inseguranccedila sobre o cuidado dos pacientes apoacutes a alta satildeo apenas alguns
dos pontos destacados neste trabalho Ficou evidente a importacircncia de se manter uma boa
comunicaccedilatildeo entre equipe e familiares aleacutem da presenccedila de profissionais habilitados para
lidar com este puacuteblico em um momento tatildeo delicado
Palavras-chaves Acidente Vascular Cerebral UTI impacto psicoloacutegico do adoecimento
famiacutelia
9
ABSTRACT
This studys main objective is to know the impact of the disease to the relatives of victims of
stroke patients who are admitted to the intensive care unit Usually the literature has shown
work done with families of patients suffering chronic illness studies that address the family at
the start of the illness are scarce The initial moments of hospitalization in an ICU are
characterized as a challenge to be faced by the family that often but do not know this reality
they have fantasies about their meaning Parallel to this is the fact that his patient had been
affected by an acute onset of disease and that may be limiting to the individual In order to see
this reality were performed retrospectively records of visits made by the psychology service
to patients whose relatives are hospitalized in an intensive care unit Such visits have a script
that cover issues relevant to the experience of illness and the process by which it was possible
to highlight the main feelings about the main questions arising and the main coping
mechanisms used by the families concerned The text analysis of care possible to know how
shocking it can be an acute illness Fear of death and disability the need for changes in family
roles and how to care for patients after discharge are just some of the points highlighted in this
work It was evident the importance of maintaining good communication between staff and
relatives besides the presence of skilled professionals to deal with this audience in a delicate
moment
Keywords Stroke ICU psychological impact of illness family
10
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Quadro Paacutegina
QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick
2011
30
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC
2010
51
QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes
viacutetimas de AVC 2010
52
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 12
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20
31 CRISES FAMILIARES 21
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26
4 O ADOECER 28
41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29
5 A DOENCcedilA AGUDA 33
6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35
61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47
62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44
7 MEacuteTODO 49
71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51
8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53
81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65
REFEREcircNCIAS 69
Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75
APEcircNDICE A ndash TCLE 77
APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem
sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de
gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo
apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais
aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a
influecircncia dos mesmos sobre este grupo social
Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves
relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As
definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram
necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees
contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees
Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para
a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de
seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como
primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a
vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos
indiviacuteduos
Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe
confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador
de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo
rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de
opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio
interminaacutevel (1997 p23)
Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo
especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a
mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto
laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a
famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada
Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de
alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente
13
acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e
apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por
outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo
Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma
instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo
elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de
fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como
pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto
como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um
conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das
geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as
dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias
Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis
modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram
distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo
mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da
horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e
autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade
Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a
nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)
Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo
confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e
igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem
negociadosrdquo (1997 p27)
O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem
relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de
famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros
descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo
(MINUCHIN 1999 p28)
Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia
domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos
estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no
14
funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias
atuais
Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um
quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem
trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma
populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o
desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus
familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas
O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia
constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros
Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro
cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e
desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o
enfrentamento da situaccedilatildeo
Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente
vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta
eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por
uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter
temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem
(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)
Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o
entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras
aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que
haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro
denominando-se AVC hemorraacutegico
Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do
corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar
caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode
ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos
O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias
na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as
15
doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e
a principal causa de incapacidade no mundo
Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que
sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes
ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente
(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E
KUSOMOTA 2006)
A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica
culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este
por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas
com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados
Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e
cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a
adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado
conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as
primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute
dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E
ANGELO 2005 BOCCHI 2004)
Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva
evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as
atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a
quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias
encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a
necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo
suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo
voltadas aos mesmos
Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se
propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de
pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais
pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos
16
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-
degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou
definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e
responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud
PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008)
De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se
como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso
centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)
O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico
(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte
de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro
comprimindo os neurocircnios
Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade
para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo
aparente
Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre
a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees
cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12
Entretanto o
AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros
fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas
inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas
4 Estudos
preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade
inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45
anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)
Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas
apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs
horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de
receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para
desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz
17
Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam
adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo
saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do
colesterol
A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do
derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este
caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de
idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo
receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular
cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no
mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS
2010)
No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por
AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente
morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos
pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema
no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das
maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados
Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano
A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN
(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo
quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por
AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com
68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute
A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A
regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de
Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
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coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa
o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
cerebrovasculares
Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto
a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos
nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente
quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e
fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso
Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo
AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento
pessoalrdquo
Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma
ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para
o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter
relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se
natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma
forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece
previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico
mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou
ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes
Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir
de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave
instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da
terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso
constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso
bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio
uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia
Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por
algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias
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mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e
prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar
sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)
Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos
uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de
internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter
que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar
tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas
unidades impotildee
20
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA
O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande
grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees
familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados
pelo que o grupo familiar permite
Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade
compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo
Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu
funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo
Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois
carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo
as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do
comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia
crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada
De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por
subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo
classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute
sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras
(MINUCHIN 1999)
Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de
transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm
para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um
periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e
novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees
confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua
nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um
periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)
Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os
periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio
tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido
embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo
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constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo
cristalizada (MINUCHIN 1999)
Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como
complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos
psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do
seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo
adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a
possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)
Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria
familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo
de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica
esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)
Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um
legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de
depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do
grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a
doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria
familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)
Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o
lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de
alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila
podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-
47)
31 CRISES FAMILIARES
Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado
poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de
forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento
diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto
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em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar
com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)
Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa
uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se
necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991
p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila
Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo
indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros
para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo
de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento
anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de
emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise
Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de
uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria
pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute
que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo
baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e
definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram
um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas
diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo
Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo
como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)
Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros
pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das
crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas
que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)
A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com
destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E
DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-
lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro
tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais
e crises do cuidador
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As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute
real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise
estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios
guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma
satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo
agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam
se solidarizar a este tipo de acontecimento
As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas
normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as
quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas
poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo
enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo
diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao
longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a
transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de
nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras
As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave
mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que
ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o
stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o
stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios
do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido
anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado
como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia
e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar
ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a
importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar
As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma
rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de
mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou
assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho
Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem
24
desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do
cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador
algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do
que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se
indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por
desencadear a crise
Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer
assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia
mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de
poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem
desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de
dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva
sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador
que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia
desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise
Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua
instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no
desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento
Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento
devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de
crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais
que os auxiliam neste momento
Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson
(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da
famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma
necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros
O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo
pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila
Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez
iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao
estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as
consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social
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Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre
stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e
outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo
Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que
tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise
previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e
valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que
ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de
mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma
criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud
JOSELEVICH 1991)
Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com
frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu
caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar
Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa
e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos
integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo
(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo
capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um
cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se
estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma
assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir
para potencializar o stress vivenciado
A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito
reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral
quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo
cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do
sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio
emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu
mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo
disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede
e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)
26
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR
Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e
possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de
perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos
mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e
com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez
mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude
e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens
Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres
humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo
emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a
necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no
iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte
do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir
de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a
ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto
maior o potencial para a perda
Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo
transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo
vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a
continuidade da vida
Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos
profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que
agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria
do ciclo vital
Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta
o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como
unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os
membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem
como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento
de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda
27
mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que
confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente
apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo
28
4 O ADOECER
O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele
acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees
de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar
a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional
O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser
compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais
socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute
nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)
Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer
acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente
a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que
provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional
e social
Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar
que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que
marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no
enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute
importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos
A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da
famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e
expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um
universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas
tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto
Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de
adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do
paciente e seus familiares
29
41 A DOENCcedilA CROcircNICA
Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida
das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a
despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta
razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez
que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo
Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a
progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia
de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos
que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se
agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a
estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a
doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas
mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a
necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de
natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma
constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES
KUSOMOTA 2006)
Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de
viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge
a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees
nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)
Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas
nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases
importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)
30
Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011
FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL
bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e
programaccedilatildeo de
tratamento
bullAprender a lidar com
sintomas ambiente
hospitalar e procedimentos
terapecircuticos estabelecer
bons viacutenculos com a
equipe
bullIntervalo entre periacuteodo de
diagnoacutestico inicial e ajuste
ao tratamento
bullPredominam questotildees de morte
e doenccedila terminal
Pode haver uma progressatildeo ou
constacircncia do quadro
bullA famiacutelia busca manter a
normalidade diante da
ldquoanormalidaderdquo da doenccedila
crocircnica
A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto
quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do
organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui
reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi
proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)
Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e
sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada
importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou
outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com
os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons
relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de
natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve
construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas
competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova
condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade
entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar
da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter
e McGoldrick 2001 p 378)
31
A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico
inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de
terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou
mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida
normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal
este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo
claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar
sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p
378)
A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se
faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza
separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma
retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E
McGOLDRICK 2001)
Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre
ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem
desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto
familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007
FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)
Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma
doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua
intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)
Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das
circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA
2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural
habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de
seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas
vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua
rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes
acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos
financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com
32
que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue
cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado
Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida
atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar
(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere
citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados
cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E
MARTINS 2008 p148)
O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a
sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado
por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud
SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao
desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades
sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais
A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo
supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o
cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a
sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo
um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005
ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008
WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)
Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser
vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que
afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda
contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo
(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados
de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo
desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de
sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre
33
eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais
(SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um
suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005
APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante
tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005
paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees
no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e
fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros
quanto do grupordquo
42 A DOENCcedilA AGUDA
Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como
processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees
agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas
Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo
suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um
quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir
uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de
alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)
As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta
agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da
famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo
de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para
administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)
Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos
seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus
familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do
mesmo
34
Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia
se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de
serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel
Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas
famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de
solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)
Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE
observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos
pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se
revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido
Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e
social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de
forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a
dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos
familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)
Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em
unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de
informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de
muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria
relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges
(2009)
O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de
grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as
pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes
que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro
comatoso
Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da
instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo
das UTIs
35
5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)
Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os
pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de
estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade
destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que
funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais
responsaacuteveis
Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de
terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees
raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo
A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas
dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente
dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de
ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade
capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E
CORREcircA 2007)
Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico
raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas
alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E
AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA
2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)
Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas
por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para
ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam
diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem
aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo
proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a
alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um
nuacutemero razoaacutevel de leitos
36
Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo
doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem
de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes
inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas
de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes
com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por
um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar
na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser
diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso
de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como
forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem
Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros
dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da
perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da
equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a
disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)
A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na
maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e
medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu
familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma
linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova
realidade
Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em
unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual
foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada
difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento
por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)
Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela
rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o
fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento
Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e
ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI
37
As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez
que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do
paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo
pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo
familiar
Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua
rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao
ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos
No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua
famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e
finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os
indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus
planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a
instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo
Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco
iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar
hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil
ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo
(p140)
O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo
soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO
E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado
nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e
poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar
papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo
Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns
dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da
situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)
Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a
incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas
(URIZZI E CORREcircA 2007)
38
Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em
uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua
famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de
estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos
(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de
estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe
por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem
picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a
percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes
tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros
2007 URIZZI E CORREcircA 2007)
A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave
comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras
de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo
(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente
restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo
de falta de controle
O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma
mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de
informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a
oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados
referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato
demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma
tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem
como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca
de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos
dados fornecidos pela equipe aos familiares
Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente
com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria
para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como
forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e
familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de
conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)
39
Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina
intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de
48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade
do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica
para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande
desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados
fornecidos
Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a
compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida
natildeo foi comunicada (2007 p05)
Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse
contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs
realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade
pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em
instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o
intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe
de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam
ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007
p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que
se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por
sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo
oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato
ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do
paciente internado em UTI
Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de
terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa
vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha
Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma
morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso
Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute
muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante
40
O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e
funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e
abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais
membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os
diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E
GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)
Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas
que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees
sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009
RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)
O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo
lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo
lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior
entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de
elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944
apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em
potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se
aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente
aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade
aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude
Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e
inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre
a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo
ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo
algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)
Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa
ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os
papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema
familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN
1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de
funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida
satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma
41
morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto
bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste
contexto
Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar
com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas
constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos
envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que
temporariamente a pessoa doente
42
6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA
Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a
famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia
seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra
doente
A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo
revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda
despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a
recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)
Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o
suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos
profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a
colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social
Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees
hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto
Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no
enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)
Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em
um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas
portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o
adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na
famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais
na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao
processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)
A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas
pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente
destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos
Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das
pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos
quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo
43
A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes
as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo
responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas
incapacidade dentre outros
Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente
transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma
histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994
apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a
soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo
ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a
famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e
outros 2002 p 46)
Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar
esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees
contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo
da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias
desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick
1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)
Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do
sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases
temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs
dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto
familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre
a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar
relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da
doenccedila
A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de
uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as
questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo
(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)
Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente
diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees
44
impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se
como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades
Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair
de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por
representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se
encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral
sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da
famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de
emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as
distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave
eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que
a constituem
Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves
mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista
que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir
sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema
(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)
Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na
estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa
para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo
estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da
revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias
consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo
(p 24)
Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a
vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da
famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso
eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda
eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o
periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI
Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que
assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma
45
resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma
possibilidade de recuperaccedilatildeo
Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em
2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o
retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que
desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma
crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de
estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos
como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK
amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)
Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila
de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital
pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a
evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos
papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem
como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar
Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute
com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como
tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma
situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento
Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente
Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas
conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e
incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos
familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular
De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do
ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos
reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais
amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o
ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978
apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)
46
Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute
espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com
eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste
processo
As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na
compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a
tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro
Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade
familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da
famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia
Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se
modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da
famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns
membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)
Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma
alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez
podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a
doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de
instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo
As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as
famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila
avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma
doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na
qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma
fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila
centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de
reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente
estado de fusatildeo
47
61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING
Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress
e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este
processo de maneira menos comprometedora
O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas
pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI
DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping
eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a
uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o
Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN
(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila
cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos
da pessoa (CHAVES 2000)
No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam
que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na
emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema
melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de
remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)
O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto
emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente
de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a
realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente
dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima
positiva manter a esperanccedila e o bem-estar
Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como
reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado
do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido
como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo
acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)
48
Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em
contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no
problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar
informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar
recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida
familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede
mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento
Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes
estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico
aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o
provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados
como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser
melhor e e) usar mecanismos de defesa
Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para
momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa
de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa
(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no
enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no
problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de
terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal
e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo
49
7 MEacuteTODO
Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade
familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos
familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas
apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos
mesmos
Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com
familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados
em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de
Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15
leitos divididos entre as duas especialidades
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos
profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando
dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de
maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)
Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse
jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como
estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela
proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia
No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do
estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos
atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)
Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e
situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os
1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-
BA
50
familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das
demandas observadas (Apecircndice B)
Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos
familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos
propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os
resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que
acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em
uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta
realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles
Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48
horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante
da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste
processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o
serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta
unidade
Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois
casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se
apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que
estava presente em todos os horaacuterios
71 APRESENTANDO OS PACIENTES
Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados
relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do
relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo
considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a
internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A
diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato
de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico
O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um
homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo
possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam
51
atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os
demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem
assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por
apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco
eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)
Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia
de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos
natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)
natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010
Paciente
Sexo
Idade
Estado
Civil
Filhos
Profissatildeo
Residecircncia
Diagnoacutestico
Acompanhante
A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada
B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos
C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de
Almoxarifado
SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta
D F 22 Solteira 0 Auxiliar
Administrativa
Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES
Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos
pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua
maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram
casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam
sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se
mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do
estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos
(Quadro III)
52
QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC
2010
Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia
A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador
B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute
C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix
D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute
53
8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria
de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados
81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS
bull Famiacutelia A
A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com
quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados
reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de
Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante
do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de
obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho
ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse
estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio
sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro
comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC
isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o
internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da
paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato
restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a
mesma e sua histoacuteria
bull Famiacutelia B
A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro
filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua
proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus
familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma
mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes
episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade
sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo
com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos
54
quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador
permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo
bull Famiacutelia C
O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute
alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)
Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de
almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)
Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI
deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute
havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar
sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha
para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima
os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando
bull Famiacutelia D
A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos
reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando
funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel
sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital
em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de
ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia
comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente
e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em
funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em
funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um
primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS
A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo
aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas
sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos
familiares de pacientes viacutetimas de AVC
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As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)
- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)
- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)
- A ausecircncia de privacidade (iv)
- Ter que lidar com algo novo (v)
O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos
familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao
paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo
trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por
estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante
ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo
familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em
consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada
ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)
ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)
Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas
com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um
nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes
exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao
primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando
a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados
dispensados aos pacientes
ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute
que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)
Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC
o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas
por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo
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agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo
fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem
de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele
paciente
O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido
pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em
funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa
de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de
estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias
proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a
133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)
era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador
ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito
espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)
ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia
todo aquirdquo (D1)
Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees
onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves
16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta
minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico
plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos
alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando
esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta
de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de
transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba
potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos
O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes
dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia
intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador
ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a
gente melhorardquo (A1)
ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela
precisava ir para UTIrdquo (B1)
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ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)
ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo
preocupadordquo (D1)
Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em
UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi
percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar
colocar-se no lugar e perceber o outro
Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em
relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades
satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como
ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir
da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma
receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos
investimentos terapecircuticos
O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela
acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina
dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor
aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa
provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora
ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu
esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave
noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no
domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai
precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)
O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que
referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo
praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento
suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares
ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um
pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um
primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()
meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito
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tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo
dando noticias pra elesrdquo (D1)
A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado
que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a
promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma
menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)
As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)
-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)
- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)
- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)
- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)
A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)
Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas
funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na
autonomia e independecircncia dos mesmos
ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)
ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)
ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)
A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees
motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na
comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio
para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC
como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995
apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN
FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI
2004)
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Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em
seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as
sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois
exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene
alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua
maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte
dos cuidados
A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida
tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das
familiares no presente trabalho
O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos
familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel
vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)
ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo
(B1)
ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)
O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado
pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam
indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente
As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como
aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias
agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha
ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso
natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)
ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)
O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de
um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se
repita
ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei
o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)
O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante
de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que
os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido
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ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser
agorardquo (C1)
O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela
acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando
sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem
a patologia atual
ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto
tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra
() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute
mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos
porquerdquo(D1)
Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas
da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP
de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades
de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente
156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados
confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo
Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)
- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
- Medo da morte (iii)
- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)
- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)
- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)
- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)
- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)
- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)
O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de
novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)
Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como
principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees
como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo
61
linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste
processo
A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e
NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com
frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe
ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da
histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham
Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz
seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade
Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as
informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou
boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas
pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo
e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais
com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de
comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o
conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares
Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo
do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no
hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)
ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)
ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc
resultadordquo (C1)
Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante
assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e
desgaste do paciente (C1)
ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)
ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)
ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)
O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se
em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe
ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que
ela tem eacute graverdquo (D1)
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Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar
como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem
Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda
parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de
algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh
e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo
vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)
As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Ter que lidar com o paciente em coma (i)
- Conhecer pouco a paciente (ii)
-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)
- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)
A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave
questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente
No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade
voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em
funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato
de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter
respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo
ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)
ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)
Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em
termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma
reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e
pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos
Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a
ocorrecircncia do AVC foram
-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)
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- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)
- Conversas com a paciente (iii)
Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o
intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a
recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O
acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado
na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a
forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que
conversava com a paciente
ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as
notiacuteciasrdquo (A1)
ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta
gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)
ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)
Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de
enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de
enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante
de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas
proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao
indiviacuteduo
Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro
enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver
recursos para poder lidar com ela
Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento
A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou
situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil
ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas
similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de
D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem
(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos
episoacutedios
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ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para
emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso
aconteceurdquo (B1)
Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele
jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)
ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e
mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por
querdquo (D1)
Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo
de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de
origem da paciente que se encontrava fora de Salvador
ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na
terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho
de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido
dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo
(A1)
A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento
ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela
surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da
situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas
pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia
65
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores
preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por
elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi
possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente
de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas
continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a
experiecircncia vivenciada
As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que
repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor
limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma
unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma
proximidade constante
Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo
em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees
norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no
momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos
Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de
serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC
ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees
para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato
de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para
Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente
Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute
visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo
feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os
cuidados aos enfermos
O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi
instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o
encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe
muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves
66
mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos
sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias
utilizadas para enfrentaacute-lo
As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-
se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para
poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava
restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo
que os doentes
O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem
tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias
que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir
aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los
em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava
por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas
relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves
chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos
ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo
episoacutedio
A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser
bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes
evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave
possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro
Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave
necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento
do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico
Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares
abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter
que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente
do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares
saber como se sentem seus pacientes
67
A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da
expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir
acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento
da UTI
O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no
quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste
modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o
quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade
Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em
alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e
assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees
nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de
tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em
outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de
uma das pacientes do estudo
Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas
os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a
principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo
agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e
aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e
esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo
Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de
informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente
tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade
Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro
desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento
inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto
nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a
ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress
Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a
importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI
68
Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste
processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas
duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos
sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas
envolvidas neste processo
Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao
seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o
familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para
lidar com ela
Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas
principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento
Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante
aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta
terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto
emocionalmente
Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as
duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro
proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao
funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como
dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos
Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um
adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande
comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares
neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de
minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante
para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais
adequado a tal realidade
69
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ANEXO 01
ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo
destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta
unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina
No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da
sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma
sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente
neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos
que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes
O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida
pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato
com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo
de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para
tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que
vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em
questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao
adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os
haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela
situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como
forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo
O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno
deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta
necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a
meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em
momentos distintos deste processo
O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em
tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba
sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando
com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de
forma mais clara o viacutenculo entre ambos
76
Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio
entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica
profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com
dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do
processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel
77
APEcircNDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
FAMILIARES
O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos
pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do
Hospital Espanhol
Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute
ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva
neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente
Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as
formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias
diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo
voltado a estes familiares
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo
seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro
momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado
rotineiramente
Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de
permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do
TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos
atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em
mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia
Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e
responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que
os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo
Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para
contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820
78
Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE
Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi
explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa
Nome________________________________________________________________________
__
Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )
Documento de Identidade ________________
Endereccedilo
_______________________________________________________________________
Telefones para Contato
___________________________________________________________
Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)
Salvador _______ de ____________________ de 2010
_____________________________ _____________________________
Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador
79
APEcircNDICE B
ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de
terapia intensiva
Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento
Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor
Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as
outras vezes EM que sua esposa adoeceu
O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter
provocado isso
O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que
O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo
essas
Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente
Como eacute a sua esposa
Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes
Como foram estas outras experiecircncias para o senhor
Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou
antes
O que tem sido mais difiacutecil para lidar
Como o senhor tem feito para lidar com isso
Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor
Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram
Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo
80
Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento
Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI
Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada
Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa
Qual a sua expectativa a partir de agora
6
AGRADECIMENTOS
Agrave Deus que a cada dia que passa se mostra mais presente na minha vida
Agrave minha orientadora Anameacutelia Franco por todo o seu conhecimento e experiecircncia que tanto
me ensinou e pelo imenso coraccedilatildeo que tatildeo bem me acolheu
Agrave Elaine Rabinovich e Ceacutelia Nunes que participaram da banca de qualificaccedilatildeo contribuindo
de forma relevante para o desenvolvimento dessa pesquisa e pela gentileza em aceitarem o
convite para formar a banca examinadora
Ao meu querido tio Alberto que me proporcionou essa conquista e cuja presenccedila se faz
sempre tatildeo forte apesar da distacircncia
Agrave minha doce Clarice a dona do sorriso de dois dentes mais lindo do mundo que chegou em
meio a essa caminhada e me ensinou ainda mais sobre a vida e seu encantamento
Agrave Antonieta Omar Juacutelia Maria Joseacute Bruno Liacutedia peccedilas fundamentais do meu quebra-
cabeccedila familiar
Agrave Mari Pinheiro minha pupila preferida pessoa fundamental na realizaccedilatildeo deste trabalho
Agrave minha querida amiga Andrecirczza Castro que me ajudou a ldquosegurar a ondardquo nos uacuteltimos
tempos me fazendo esquecer dos milhares de quilocircmetros que nos separam
Aos professores funcionaacuterios e colegas deste curso pela companhia durante este percurso
Agrave Psicologia com seus desafios e recompensas
7
ldquoAqui ningueacutem mais ficaraacute depois do sol
No final seraacute o que natildeo sei mas seraacute
Tudo demais
Nem o bem nem o mal
Soacute o brilho calmo dessa luzrdquo
(Flaacutevio Venturini)
8
RESUMO
Este estudo tem como objetivo principal conhecer o impacto do adoecimento para os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC que se encontram internados em unidade de terapia
intensiva Habitualmente a literatura tem mostrado trabalhos realizados com familiares de
pacientes em situaccedilatildeo crocircnica de adoecimento estudos que contemplem os familiares no
momento inicial do adoecimento ainda satildeo escassos Os instantes iniciais de internamento em
uma UTI configuram-se como um desafio a ser enfrentado pelos familiares que muitas vezes
embora natildeo conheccedilam esta realidade possuem fantasias em relaccedilatildeo ao seu significado
Paralelo a isso estaacute o fato de seu paciente ter sido acometido por uma doenccedila de instalaccedilatildeo
aguda e que pode vir a ser limitante para o indiviacuteduo Com o intuito de conhecer esta
realidade foram realizados registros a posteriori dos atendimentos do serviccedilo de psicologia
aos familiares cujos pacientes encontram-se internados em uma unidade de terapia intensiva
Tais atendimentos possuem um roteiro onde satildeo abordadas questotildees pertinentes agrave experiecircncia
do processo de adoecimento e atraveacutes do qual foi possiacutevel destacar os principais sentimentos
vivenciados duacutevidas e mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares estudados A
anaacutelise do texto reconstruido dos atendimentos permitiu conhecer o quatildeo impactante pode ser
uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento medo da morte e de sequumlelas necessidade de mudanccedilas
de papeacuteis familiares e inseguranccedila sobre o cuidado dos pacientes apoacutes a alta satildeo apenas alguns
dos pontos destacados neste trabalho Ficou evidente a importacircncia de se manter uma boa
comunicaccedilatildeo entre equipe e familiares aleacutem da presenccedila de profissionais habilitados para
lidar com este puacuteblico em um momento tatildeo delicado
Palavras-chaves Acidente Vascular Cerebral UTI impacto psicoloacutegico do adoecimento
famiacutelia
9
ABSTRACT
This studys main objective is to know the impact of the disease to the relatives of victims of
stroke patients who are admitted to the intensive care unit Usually the literature has shown
work done with families of patients suffering chronic illness studies that address the family at
the start of the illness are scarce The initial moments of hospitalization in an ICU are
characterized as a challenge to be faced by the family that often but do not know this reality
they have fantasies about their meaning Parallel to this is the fact that his patient had been
affected by an acute onset of disease and that may be limiting to the individual In order to see
this reality were performed retrospectively records of visits made by the psychology service
to patients whose relatives are hospitalized in an intensive care unit Such visits have a script
that cover issues relevant to the experience of illness and the process by which it was possible
to highlight the main feelings about the main questions arising and the main coping
mechanisms used by the families concerned The text analysis of care possible to know how
shocking it can be an acute illness Fear of death and disability the need for changes in family
roles and how to care for patients after discharge are just some of the points highlighted in this
work It was evident the importance of maintaining good communication between staff and
relatives besides the presence of skilled professionals to deal with this audience in a delicate
moment
Keywords Stroke ICU psychological impact of illness family
10
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Quadro Paacutegina
QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick
2011
30
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC
2010
51
QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes
viacutetimas de AVC 2010
52
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 12
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20
31 CRISES FAMILIARES 21
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26
4 O ADOECER 28
41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29
5 A DOENCcedilA AGUDA 33
6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35
61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47
62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44
7 MEacuteTODO 49
71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51
8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53
81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65
REFEREcircNCIAS 69
Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75
APEcircNDICE A ndash TCLE 77
APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem
sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de
gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo
apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais
aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a
influecircncia dos mesmos sobre este grupo social
Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves
relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As
definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram
necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees
contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees
Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para
a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de
seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como
primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a
vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos
indiviacuteduos
Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe
confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador
de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo
rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de
opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio
interminaacutevel (1997 p23)
Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo
especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a
mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto
laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a
famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada
Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de
alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente
13
acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e
apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por
outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo
Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma
instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo
elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de
fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como
pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto
como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um
conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das
geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as
dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias
Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis
modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram
distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo
mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da
horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e
autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade
Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a
nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)
Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo
confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e
igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem
negociadosrdquo (1997 p27)
O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem
relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de
famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros
descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo
(MINUCHIN 1999 p28)
Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia
domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos
estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no
14
funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias
atuais
Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um
quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem
trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma
populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o
desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus
familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas
O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia
constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros
Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro
cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e
desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o
enfrentamento da situaccedilatildeo
Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente
vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta
eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por
uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter
temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem
(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)
Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o
entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras
aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que
haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro
denominando-se AVC hemorraacutegico
Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do
corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar
caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode
ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos
O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias
na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as
15
doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e
a principal causa de incapacidade no mundo
Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que
sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes
ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente
(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E
KUSOMOTA 2006)
A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica
culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este
por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas
com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados
Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e
cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a
adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado
conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as
primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute
dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E
ANGELO 2005 BOCCHI 2004)
Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva
evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as
atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a
quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias
encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a
necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo
suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo
voltadas aos mesmos
Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se
propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de
pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais
pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos
16
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-
degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou
definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e
responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud
PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008)
De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se
como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso
centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)
O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico
(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte
de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro
comprimindo os neurocircnios
Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade
para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo
aparente
Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre
a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees
cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12
Entretanto o
AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros
fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas
inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas
4 Estudos
preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade
inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45
anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)
Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas
apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs
horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de
receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para
desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz
17
Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam
adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo
saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do
colesterol
A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do
derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este
caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de
idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo
receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular
cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no
mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS
2010)
No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por
AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente
morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos
pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema
no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das
maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados
Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano
A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN
(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo
quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por
AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com
68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute
A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A
regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de
Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
18
coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa
o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
cerebrovasculares
Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto
a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos
nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente
quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e
fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso
Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo
AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento
pessoalrdquo
Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma
ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para
o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter
relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se
natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma
forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece
previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico
mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou
ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes
Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir
de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave
instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da
terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso
constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso
bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio
uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia
Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por
algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias
19
mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e
prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar
sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)
Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos
uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de
internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter
que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar
tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas
unidades impotildee
20
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA
O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande
grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees
familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados
pelo que o grupo familiar permite
Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade
compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo
Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu
funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo
Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois
carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo
as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do
comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia
crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada
De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por
subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo
classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute
sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras
(MINUCHIN 1999)
Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de
transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm
para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um
periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e
novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees
confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua
nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um
periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)
Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os
periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio
tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido
embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo
21
constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo
cristalizada (MINUCHIN 1999)
Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como
complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos
psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do
seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo
adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a
possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)
Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria
familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo
de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica
esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)
Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um
legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de
depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do
grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a
doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria
familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)
Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o
lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de
alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila
podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-
47)
31 CRISES FAMILIARES
Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado
poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de
forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento
diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto
22
em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar
com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)
Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa
uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se
necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991
p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila
Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo
indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros
para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo
de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento
anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de
emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise
Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de
uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria
pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute
que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo
baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e
definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram
um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas
diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo
Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo
como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)
Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros
pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das
crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas
que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)
A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com
destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E
DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-
lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro
tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais
e crises do cuidador
23
As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute
real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise
estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios
guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma
satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo
agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam
se solidarizar a este tipo de acontecimento
As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas
normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as
quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas
poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo
enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo
diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao
longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a
transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de
nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras
As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave
mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que
ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o
stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o
stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios
do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido
anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado
como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia
e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar
ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a
importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar
As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma
rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de
mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou
assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho
Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem
24
desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do
cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador
algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do
que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se
indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por
desencadear a crise
Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer
assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia
mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de
poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem
desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de
dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva
sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador
que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia
desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise
Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua
instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no
desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento
Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento
devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de
crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais
que os auxiliam neste momento
Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson
(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da
famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma
necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros
O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo
pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila
Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez
iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao
estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as
consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social
25
Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre
stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e
outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo
Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que
tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise
previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e
valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que
ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de
mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma
criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud
JOSELEVICH 1991)
Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com
frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu
caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar
Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa
e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos
integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo
(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo
capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um
cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se
estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma
assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir
para potencializar o stress vivenciado
A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito
reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral
quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo
cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do
sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio
emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu
mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo
disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede
e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)
26
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR
Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e
possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de
perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos
mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e
com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez
mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude
e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens
Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres
humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo
emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a
necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no
iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte
do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir
de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a
ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto
maior o potencial para a perda
Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo
transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo
vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a
continuidade da vida
Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos
profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que
agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria
do ciclo vital
Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta
o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como
unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os
membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem
como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento
de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda
27
mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que
confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente
apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo
28
4 O ADOECER
O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele
acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees
de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar
a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional
O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser
compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais
socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute
nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)
Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer
acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente
a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que
provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional
e social
Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar
que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que
marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no
enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute
importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos
A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da
famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e
expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um
universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas
tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto
Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de
adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do
paciente e seus familiares
29
41 A DOENCcedilA CROcircNICA
Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida
das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a
despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta
razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez
que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo
Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a
progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia
de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos
que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se
agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a
estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a
doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas
mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a
necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de
natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma
constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES
KUSOMOTA 2006)
Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de
viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge
a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees
nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)
Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas
nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases
importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)
30
Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011
FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL
bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e
programaccedilatildeo de
tratamento
bullAprender a lidar com
sintomas ambiente
hospitalar e procedimentos
terapecircuticos estabelecer
bons viacutenculos com a
equipe
bullIntervalo entre periacuteodo de
diagnoacutestico inicial e ajuste
ao tratamento
bullPredominam questotildees de morte
e doenccedila terminal
Pode haver uma progressatildeo ou
constacircncia do quadro
bullA famiacutelia busca manter a
normalidade diante da
ldquoanormalidaderdquo da doenccedila
crocircnica
A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto
quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do
organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui
reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi
proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)
Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e
sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada
importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou
outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com
os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons
relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de
natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve
construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas
competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova
condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade
entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar
da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter
e McGoldrick 2001 p 378)
31
A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico
inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de
terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou
mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida
normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal
este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo
claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar
sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p
378)
A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se
faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza
separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma
retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E
McGOLDRICK 2001)
Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre
ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem
desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto
familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007
FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)
Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma
doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua
intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)
Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das
circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA
2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural
habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de
seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas
vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua
rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes
acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos
financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com
32
que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue
cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado
Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida
atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar
(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere
citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados
cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E
MARTINS 2008 p148)
O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a
sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado
por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud
SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao
desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades
sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais
A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo
supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o
cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a
sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo
um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005
ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008
WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)
Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser
vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que
afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda
contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo
(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados
de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo
desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de
sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre
33
eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais
(SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um
suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005
APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante
tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005
paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees
no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e
fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros
quanto do grupordquo
42 A DOENCcedilA AGUDA
Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como
processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees
agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas
Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo
suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um
quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir
uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de
alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)
As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta
agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da
famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo
de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para
administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)
Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos
seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus
familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do
mesmo
34
Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia
se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de
serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel
Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas
famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de
solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)
Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE
observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos
pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se
revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido
Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e
social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de
forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a
dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos
familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)
Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em
unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de
informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de
muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria
relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges
(2009)
O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de
grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as
pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes
que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro
comatoso
Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da
instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo
das UTIs
35
5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)
Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os
pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de
estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade
destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que
funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais
responsaacuteveis
Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de
terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees
raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo
A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas
dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente
dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de
ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade
capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E
CORREcircA 2007)
Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico
raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas
alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E
AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA
2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)
Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas
por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para
ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam
diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem
aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo
proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a
alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um
nuacutemero razoaacutevel de leitos
36
Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo
doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem
de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes
inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas
de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes
com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por
um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar
na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser
diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso
de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como
forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem
Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros
dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da
perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da
equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a
disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)
A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na
maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e
medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu
familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma
linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova
realidade
Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em
unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual
foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada
difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento
por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)
Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela
rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o
fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento
Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e
ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI
37
As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez
que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do
paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo
pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo
familiar
Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua
rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao
ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos
No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua
famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e
finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os
indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus
planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a
instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo
Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco
iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar
hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil
ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo
(p140)
O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo
soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO
E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado
nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e
poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar
papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo
Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns
dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da
situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)
Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a
incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas
(URIZZI E CORREcircA 2007)
38
Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em
uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua
famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de
estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos
(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de
estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe
por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem
picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a
percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes
tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros
2007 URIZZI E CORREcircA 2007)
A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave
comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras
de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo
(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente
restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo
de falta de controle
O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma
mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de
informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a
oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados
referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato
demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma
tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem
como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca
de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos
dados fornecidos pela equipe aos familiares
Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente
com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria
para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como
forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e
familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de
conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)
39
Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina
intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de
48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade
do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica
para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande
desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados
fornecidos
Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a
compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida
natildeo foi comunicada (2007 p05)
Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse
contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs
realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade
pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em
instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o
intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe
de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam
ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007
p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que
se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por
sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo
oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato
ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do
paciente internado em UTI
Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de
terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa
vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha
Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma
morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso
Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute
muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante
40
O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e
funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e
abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais
membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os
diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E
GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)
Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas
que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees
sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009
RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)
O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo
lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo
lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior
entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de
elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944
apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em
potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se
aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente
aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade
aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude
Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e
inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre
a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo
ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo
algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)
Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa
ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os
papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema
familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN
1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de
funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida
satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma
41
morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto
bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste
contexto
Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar
com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas
constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos
envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que
temporariamente a pessoa doente
42
6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA
Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a
famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia
seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra
doente
A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo
revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda
despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a
recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)
Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o
suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos
profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a
colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social
Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees
hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto
Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no
enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)
Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em
um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas
portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o
adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na
famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais
na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao
processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)
A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas
pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente
destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos
Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das
pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos
quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo
43
A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes
as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo
responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas
incapacidade dentre outros
Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente
transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma
histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994
apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a
soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo
ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a
famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e
outros 2002 p 46)
Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar
esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees
contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo
da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias
desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick
1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)
Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do
sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases
temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs
dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto
familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre
a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar
relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da
doenccedila
A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de
uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as
questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo
(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)
Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente
diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees
44
impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se
como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades
Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair
de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por
representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se
encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral
sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da
famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de
emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as
distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave
eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que
a constituem
Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves
mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista
que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir
sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema
(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)
Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na
estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa
para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo
estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da
revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias
consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo
(p 24)
Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a
vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da
famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso
eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda
eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o
periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI
Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que
assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma
45
resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma
possibilidade de recuperaccedilatildeo
Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em
2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o
retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que
desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma
crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de
estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos
como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK
amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)
Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila
de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital
pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a
evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos
papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem
como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar
Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute
com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como
tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma
situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento
Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente
Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas
conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e
incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos
familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular
De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do
ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos
reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais
amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o
ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978
apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)
46
Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute
espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com
eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste
processo
As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na
compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a
tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro
Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade
familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da
famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia
Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se
modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da
famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns
membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)
Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma
alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez
podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a
doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de
instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo
As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as
famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila
avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma
doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na
qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma
fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila
centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de
reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente
estado de fusatildeo
47
61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING
Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress
e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este
processo de maneira menos comprometedora
O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas
pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI
DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping
eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a
uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o
Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN
(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila
cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos
da pessoa (CHAVES 2000)
No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam
que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na
emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema
melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de
remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)
O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto
emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente
de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a
realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente
dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima
positiva manter a esperanccedila e o bem-estar
Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como
reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado
do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido
como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo
acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)
48
Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em
contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no
problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar
informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar
recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida
familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede
mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento
Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes
estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico
aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o
provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados
como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser
melhor e e) usar mecanismos de defesa
Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para
momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa
de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa
(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no
enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no
problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de
terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal
e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo
49
7 MEacuteTODO
Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade
familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos
familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas
apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos
mesmos
Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com
familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados
em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de
Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15
leitos divididos entre as duas especialidades
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos
profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando
dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de
maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)
Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse
jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como
estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela
proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia
No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do
estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos
atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)
Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e
situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os
1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-
BA
50
familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das
demandas observadas (Apecircndice B)
Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos
familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos
propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os
resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que
acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em
uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta
realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles
Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48
horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante
da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste
processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o
serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta
unidade
Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois
casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se
apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que
estava presente em todos os horaacuterios
71 APRESENTANDO OS PACIENTES
Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados
relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do
relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo
considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a
internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A
diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato
de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico
O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um
homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo
possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam
51
atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os
demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem
assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por
apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco
eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)
Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia
de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos
natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)
natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010
Paciente
Sexo
Idade
Estado
Civil
Filhos
Profissatildeo
Residecircncia
Diagnoacutestico
Acompanhante
A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada
B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos
C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de
Almoxarifado
SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta
D F 22 Solteira 0 Auxiliar
Administrativa
Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES
Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos
pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua
maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram
casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam
sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se
mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do
estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos
(Quadro III)
52
QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC
2010
Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia
A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador
B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute
C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix
D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute
53
8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria
de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados
81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS
bull Famiacutelia A
A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com
quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados
reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de
Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante
do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de
obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho
ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse
estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio
sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro
comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC
isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o
internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da
paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato
restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a
mesma e sua histoacuteria
bull Famiacutelia B
A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro
filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua
proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus
familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma
mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes
episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade
sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo
com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos
54
quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador
permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo
bull Famiacutelia C
O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute
alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)
Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de
almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)
Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI
deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute
havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar
sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha
para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima
os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando
bull Famiacutelia D
A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos
reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando
funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel
sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital
em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de
ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia
comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente
e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em
funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em
funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um
primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS
A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo
aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas
sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos
familiares de pacientes viacutetimas de AVC
55
As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)
- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)
- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)
- A ausecircncia de privacidade (iv)
- Ter que lidar com algo novo (v)
O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos
familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao
paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo
trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por
estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante
ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo
familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em
consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada
ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)
ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)
Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas
com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um
nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes
exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao
primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando
a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados
dispensados aos pacientes
ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute
que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)
Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC
o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas
por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo
56
agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo
fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem
de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele
paciente
O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido
pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em
funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa
de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de
estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias
proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a
133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)
era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador
ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito
espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)
ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia
todo aquirdquo (D1)
Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees
onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves
16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta
minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico
plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos
alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando
esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta
de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de
transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba
potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos
O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes
dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia
intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador
ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a
gente melhorardquo (A1)
ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela
precisava ir para UTIrdquo (B1)
57
ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)
ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo
preocupadordquo (D1)
Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em
UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi
percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar
colocar-se no lugar e perceber o outro
Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em
relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades
satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como
ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir
da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma
receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos
investimentos terapecircuticos
O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela
acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina
dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor
aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa
provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora
ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu
esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave
noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no
domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai
precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)
O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que
referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo
praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento
suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares
ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um
pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um
primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()
meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito
58
tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo
dando noticias pra elesrdquo (D1)
A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado
que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a
promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma
menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)
As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)
-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)
- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)
- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)
- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)
A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)
Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas
funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na
autonomia e independecircncia dos mesmos
ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)
ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)
ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)
A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees
motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na
comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio
para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC
como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995
apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN
FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI
2004)
59
Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em
seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as
sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois
exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene
alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua
maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte
dos cuidados
A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida
tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das
familiares no presente trabalho
O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos
familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel
vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)
ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo
(B1)
ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)
O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado
pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam
indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente
As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como
aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias
agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha
ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso
natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)
ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)
O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de
um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se
repita
ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei
o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)
O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante
de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que
os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido
60
ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser
agorardquo (C1)
O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela
acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando
sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem
a patologia atual
ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto
tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra
() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute
mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos
porquerdquo(D1)
Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas
da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP
de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades
de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente
156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados
confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo
Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)
- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
- Medo da morte (iii)
- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)
- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)
- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)
- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)
- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)
- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)
O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de
novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)
Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como
principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees
como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo
61
linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste
processo
A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e
NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com
frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe
ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da
histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham
Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz
seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade
Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as
informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou
boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas
pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo
e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais
com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de
comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o
conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares
Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo
do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no
hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)
ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)
ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc
resultadordquo (C1)
Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante
assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e
desgaste do paciente (C1)
ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)
ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)
ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)
O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se
em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe
ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que
ela tem eacute graverdquo (D1)
62
Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar
como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem
Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda
parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de
algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh
e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo
vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)
As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Ter que lidar com o paciente em coma (i)
- Conhecer pouco a paciente (ii)
-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)
- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)
A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave
questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente
No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade
voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em
funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato
de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter
respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo
ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)
ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)
Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em
termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma
reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e
pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos
Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a
ocorrecircncia do AVC foram
-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)
63
- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)
- Conversas com a paciente (iii)
Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o
intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a
recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O
acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado
na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a
forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que
conversava com a paciente
ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as
notiacuteciasrdquo (A1)
ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta
gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)
ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)
Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de
enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de
enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante
de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas
proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao
indiviacuteduo
Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro
enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver
recursos para poder lidar com ela
Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento
A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou
situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil
ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas
similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de
D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem
(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos
episoacutedios
64
ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para
emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso
aconteceurdquo (B1)
Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele
jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)
ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e
mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por
querdquo (D1)
Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo
de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de
origem da paciente que se encontrava fora de Salvador
ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na
terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho
de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido
dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo
(A1)
A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento
ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela
surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da
situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas
pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia
65
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores
preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por
elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi
possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente
de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas
continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a
experiecircncia vivenciada
As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que
repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor
limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma
unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma
proximidade constante
Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo
em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees
norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no
momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos
Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de
serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC
ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees
para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato
de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para
Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente
Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute
visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo
feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os
cuidados aos enfermos
O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi
instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o
encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe
muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves
66
mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos
sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias
utilizadas para enfrentaacute-lo
As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-
se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para
poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava
restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo
que os doentes
O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem
tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias
que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir
aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los
em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava
por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas
relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves
chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos
ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo
episoacutedio
A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser
bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes
evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave
possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro
Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave
necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento
do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico
Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares
abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter
que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente
do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares
saber como se sentem seus pacientes
67
A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da
expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir
acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento
da UTI
O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no
quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste
modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o
quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade
Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em
alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e
assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees
nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de
tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em
outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de
uma das pacientes do estudo
Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas
os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a
principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo
agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e
aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e
esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo
Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de
informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente
tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade
Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro
desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento
inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto
nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a
ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress
Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a
importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI
68
Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste
processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas
duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos
sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas
envolvidas neste processo
Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao
seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o
familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para
lidar com ela
Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas
principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento
Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante
aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta
terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto
emocionalmente
Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as
duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro
proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao
funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como
dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos
Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um
adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande
comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares
neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de
minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante
para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais
adequado a tal realidade
69
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75
ANEXO 01
ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo
destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta
unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina
No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da
sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma
sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente
neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos
que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes
O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida
pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato
com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo
de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para
tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que
vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em
questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao
adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os
haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela
situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como
forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo
O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno
deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta
necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a
meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em
momentos distintos deste processo
O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em
tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba
sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando
com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de
forma mais clara o viacutenculo entre ambos
76
Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio
entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica
profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com
dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do
processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel
77
APEcircNDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
FAMILIARES
O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos
pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do
Hospital Espanhol
Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute
ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva
neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente
Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as
formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias
diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo
voltado a estes familiares
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo
seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro
momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado
rotineiramente
Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de
permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do
TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos
atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em
mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia
Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e
responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que
os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo
Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para
contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820
78
Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE
Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi
explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa
Nome________________________________________________________________________
__
Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )
Documento de Identidade ________________
Endereccedilo
_______________________________________________________________________
Telefones para Contato
___________________________________________________________
Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)
Salvador _______ de ____________________ de 2010
_____________________________ _____________________________
Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador
79
APEcircNDICE B
ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de
terapia intensiva
Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento
Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor
Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as
outras vezes EM que sua esposa adoeceu
O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter
provocado isso
O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que
O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo
essas
Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente
Como eacute a sua esposa
Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes
Como foram estas outras experiecircncias para o senhor
Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou
antes
O que tem sido mais difiacutecil para lidar
Como o senhor tem feito para lidar com isso
Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor
Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram
Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo
80
Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento
Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI
Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada
Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa
Qual a sua expectativa a partir de agora
7
ldquoAqui ningueacutem mais ficaraacute depois do sol
No final seraacute o que natildeo sei mas seraacute
Tudo demais
Nem o bem nem o mal
Soacute o brilho calmo dessa luzrdquo
(Flaacutevio Venturini)
8
RESUMO
Este estudo tem como objetivo principal conhecer o impacto do adoecimento para os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC que se encontram internados em unidade de terapia
intensiva Habitualmente a literatura tem mostrado trabalhos realizados com familiares de
pacientes em situaccedilatildeo crocircnica de adoecimento estudos que contemplem os familiares no
momento inicial do adoecimento ainda satildeo escassos Os instantes iniciais de internamento em
uma UTI configuram-se como um desafio a ser enfrentado pelos familiares que muitas vezes
embora natildeo conheccedilam esta realidade possuem fantasias em relaccedilatildeo ao seu significado
Paralelo a isso estaacute o fato de seu paciente ter sido acometido por uma doenccedila de instalaccedilatildeo
aguda e que pode vir a ser limitante para o indiviacuteduo Com o intuito de conhecer esta
realidade foram realizados registros a posteriori dos atendimentos do serviccedilo de psicologia
aos familiares cujos pacientes encontram-se internados em uma unidade de terapia intensiva
Tais atendimentos possuem um roteiro onde satildeo abordadas questotildees pertinentes agrave experiecircncia
do processo de adoecimento e atraveacutes do qual foi possiacutevel destacar os principais sentimentos
vivenciados duacutevidas e mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares estudados A
anaacutelise do texto reconstruido dos atendimentos permitiu conhecer o quatildeo impactante pode ser
uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento medo da morte e de sequumlelas necessidade de mudanccedilas
de papeacuteis familiares e inseguranccedila sobre o cuidado dos pacientes apoacutes a alta satildeo apenas alguns
dos pontos destacados neste trabalho Ficou evidente a importacircncia de se manter uma boa
comunicaccedilatildeo entre equipe e familiares aleacutem da presenccedila de profissionais habilitados para
lidar com este puacuteblico em um momento tatildeo delicado
Palavras-chaves Acidente Vascular Cerebral UTI impacto psicoloacutegico do adoecimento
famiacutelia
9
ABSTRACT
This studys main objective is to know the impact of the disease to the relatives of victims of
stroke patients who are admitted to the intensive care unit Usually the literature has shown
work done with families of patients suffering chronic illness studies that address the family at
the start of the illness are scarce The initial moments of hospitalization in an ICU are
characterized as a challenge to be faced by the family that often but do not know this reality
they have fantasies about their meaning Parallel to this is the fact that his patient had been
affected by an acute onset of disease and that may be limiting to the individual In order to see
this reality were performed retrospectively records of visits made by the psychology service
to patients whose relatives are hospitalized in an intensive care unit Such visits have a script
that cover issues relevant to the experience of illness and the process by which it was possible
to highlight the main feelings about the main questions arising and the main coping
mechanisms used by the families concerned The text analysis of care possible to know how
shocking it can be an acute illness Fear of death and disability the need for changes in family
roles and how to care for patients after discharge are just some of the points highlighted in this
work It was evident the importance of maintaining good communication between staff and
relatives besides the presence of skilled professionals to deal with this audience in a delicate
moment
Keywords Stroke ICU psychological impact of illness family
10
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Quadro Paacutegina
QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick
2011
30
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC
2010
51
QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes
viacutetimas de AVC 2010
52
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 12
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20
31 CRISES FAMILIARES 21
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26
4 O ADOECER 28
41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29
5 A DOENCcedilA AGUDA 33
6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35
61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47
62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44
7 MEacuteTODO 49
71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51
8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53
81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65
REFEREcircNCIAS 69
Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75
APEcircNDICE A ndash TCLE 77
APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem
sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de
gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo
apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais
aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a
influecircncia dos mesmos sobre este grupo social
Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves
relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As
definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram
necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees
contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees
Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para
a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de
seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como
primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a
vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos
indiviacuteduos
Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe
confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador
de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo
rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de
opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio
interminaacutevel (1997 p23)
Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo
especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a
mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto
laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a
famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada
Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de
alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente
13
acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e
apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por
outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo
Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma
instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo
elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de
fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como
pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto
como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um
conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das
geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as
dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias
Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis
modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram
distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo
mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da
horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e
autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade
Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a
nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)
Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo
confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e
igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem
negociadosrdquo (1997 p27)
O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem
relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de
famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros
descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo
(MINUCHIN 1999 p28)
Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia
domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos
estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no
14
funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias
atuais
Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um
quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem
trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma
populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o
desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus
familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas
O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia
constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros
Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro
cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e
desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o
enfrentamento da situaccedilatildeo
Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente
vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta
eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por
uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter
temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem
(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)
Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o
entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras
aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que
haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro
denominando-se AVC hemorraacutegico
Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do
corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar
caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode
ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos
O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias
na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as
15
doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e
a principal causa de incapacidade no mundo
Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que
sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes
ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente
(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E
KUSOMOTA 2006)
A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica
culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este
por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas
com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados
Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e
cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a
adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado
conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as
primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute
dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E
ANGELO 2005 BOCCHI 2004)
Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva
evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as
atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a
quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias
encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a
necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo
suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo
voltadas aos mesmos
Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se
propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de
pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais
pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos
16
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-
degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou
definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e
responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud
PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008)
De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se
como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso
centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)
O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico
(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte
de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro
comprimindo os neurocircnios
Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade
para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo
aparente
Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre
a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees
cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12
Entretanto o
AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros
fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas
inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas
4 Estudos
preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade
inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45
anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)
Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas
apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs
horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de
receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para
desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz
17
Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam
adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo
saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do
colesterol
A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do
derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este
caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de
idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo
receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular
cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no
mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS
2010)
No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por
AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente
morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos
pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema
no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das
maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados
Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano
A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN
(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo
quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por
AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com
68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute
A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A
regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de
Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
18
coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa
o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
cerebrovasculares
Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto
a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos
nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente
quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e
fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso
Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo
AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento
pessoalrdquo
Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma
ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para
o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter
relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se
natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma
forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece
previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico
mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou
ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes
Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir
de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave
instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da
terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso
constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso
bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio
uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia
Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por
algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias
19
mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e
prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar
sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)
Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos
uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de
internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter
que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar
tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas
unidades impotildee
20
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA
O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande
grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees
familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados
pelo que o grupo familiar permite
Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade
compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo
Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu
funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo
Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois
carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo
as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do
comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia
crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada
De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por
subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo
classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute
sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras
(MINUCHIN 1999)
Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de
transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm
para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um
periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e
novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees
confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua
nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um
periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)
Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os
periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio
tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido
embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo
21
constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo
cristalizada (MINUCHIN 1999)
Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como
complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos
psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do
seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo
adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a
possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)
Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria
familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo
de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica
esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)
Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um
legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de
depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do
grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a
doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria
familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)
Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o
lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de
alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila
podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-
47)
31 CRISES FAMILIARES
Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado
poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de
forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento
diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto
22
em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar
com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)
Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa
uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se
necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991
p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila
Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo
indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros
para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo
de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento
anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de
emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise
Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de
uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria
pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute
que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo
baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e
definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram
um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas
diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo
Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo
como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)
Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros
pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das
crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas
que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)
A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com
destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E
DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-
lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro
tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais
e crises do cuidador
23
As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute
real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise
estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios
guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma
satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo
agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam
se solidarizar a este tipo de acontecimento
As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas
normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as
quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas
poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo
enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo
diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao
longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a
transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de
nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras
As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave
mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que
ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o
stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o
stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios
do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido
anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado
como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia
e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar
ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a
importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar
As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma
rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de
mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou
assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho
Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem
24
desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do
cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador
algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do
que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se
indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por
desencadear a crise
Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer
assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia
mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de
poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem
desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de
dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva
sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador
que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia
desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise
Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua
instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no
desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento
Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento
devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de
crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais
que os auxiliam neste momento
Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson
(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da
famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma
necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros
O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo
pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila
Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez
iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao
estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as
consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social
25
Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre
stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e
outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo
Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que
tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise
previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e
valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que
ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de
mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma
criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud
JOSELEVICH 1991)
Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com
frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu
caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar
Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa
e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos
integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo
(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo
capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um
cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se
estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma
assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir
para potencializar o stress vivenciado
A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito
reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral
quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo
cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do
sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio
emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu
mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo
disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede
e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)
26
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR
Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e
possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de
perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos
mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e
com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez
mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude
e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens
Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres
humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo
emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a
necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no
iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte
do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir
de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a
ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto
maior o potencial para a perda
Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo
transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo
vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a
continuidade da vida
Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos
profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que
agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria
do ciclo vital
Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta
o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como
unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os
membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem
como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento
de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda
27
mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que
confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente
apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo
28
4 O ADOECER
O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele
acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees
de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar
a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional
O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser
compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais
socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute
nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)
Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer
acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente
a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que
provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional
e social
Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar
que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que
marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no
enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute
importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos
A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da
famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e
expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um
universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas
tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto
Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de
adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do
paciente e seus familiares
29
41 A DOENCcedilA CROcircNICA
Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida
das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a
despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta
razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez
que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo
Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a
progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia
de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos
que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se
agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a
estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a
doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas
mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a
necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de
natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma
constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES
KUSOMOTA 2006)
Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de
viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge
a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees
nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)
Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas
nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases
importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)
30
Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011
FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL
bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e
programaccedilatildeo de
tratamento
bullAprender a lidar com
sintomas ambiente
hospitalar e procedimentos
terapecircuticos estabelecer
bons viacutenculos com a
equipe
bullIntervalo entre periacuteodo de
diagnoacutestico inicial e ajuste
ao tratamento
bullPredominam questotildees de morte
e doenccedila terminal
Pode haver uma progressatildeo ou
constacircncia do quadro
bullA famiacutelia busca manter a
normalidade diante da
ldquoanormalidaderdquo da doenccedila
crocircnica
A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto
quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do
organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui
reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi
proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)
Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e
sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada
importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou
outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com
os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons
relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de
natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve
construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas
competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova
condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade
entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar
da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter
e McGoldrick 2001 p 378)
31
A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico
inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de
terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou
mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida
normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal
este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo
claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar
sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p
378)
A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se
faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza
separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma
retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E
McGOLDRICK 2001)
Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre
ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem
desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto
familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007
FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)
Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma
doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua
intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)
Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das
circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA
2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural
habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de
seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas
vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua
rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes
acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos
financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com
32
que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue
cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado
Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida
atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar
(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere
citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados
cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E
MARTINS 2008 p148)
O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a
sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado
por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud
SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao
desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades
sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais
A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo
supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o
cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a
sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo
um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005
ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008
WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)
Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser
vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que
afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda
contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo
(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados
de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo
desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de
sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre
33
eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais
(SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um
suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005
APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante
tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005
paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees
no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e
fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros
quanto do grupordquo
42 A DOENCcedilA AGUDA
Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como
processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees
agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas
Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo
suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um
quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir
uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de
alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)
As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta
agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da
famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo
de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para
administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)
Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos
seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus
familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do
mesmo
34
Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia
se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de
serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel
Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas
famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de
solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)
Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE
observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos
pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se
revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido
Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e
social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de
forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a
dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos
familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)
Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em
unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de
informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de
muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria
relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges
(2009)
O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de
grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as
pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes
que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro
comatoso
Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da
instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo
das UTIs
35
5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)
Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os
pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de
estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade
destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que
funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais
responsaacuteveis
Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de
terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees
raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo
A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas
dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente
dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de
ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade
capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E
CORREcircA 2007)
Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico
raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas
alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E
AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA
2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)
Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas
por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para
ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam
diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem
aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo
proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a
alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um
nuacutemero razoaacutevel de leitos
36
Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo
doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem
de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes
inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas
de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes
com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por
um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar
na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser
diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso
de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como
forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem
Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros
dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da
perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da
equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a
disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)
A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na
maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e
medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu
familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma
linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova
realidade
Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em
unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual
foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada
difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento
por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)
Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela
rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o
fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento
Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e
ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI
37
As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez
que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do
paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo
pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo
familiar
Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua
rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao
ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos
No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua
famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e
finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os
indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus
planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a
instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo
Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco
iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar
hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil
ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo
(p140)
O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo
soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO
E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado
nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e
poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar
papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo
Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns
dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da
situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)
Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a
incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas
(URIZZI E CORREcircA 2007)
38
Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em
uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua
famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de
estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos
(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de
estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe
por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem
picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a
percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes
tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros
2007 URIZZI E CORREcircA 2007)
A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave
comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras
de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo
(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente
restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo
de falta de controle
O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma
mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de
informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a
oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados
referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato
demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma
tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem
como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca
de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos
dados fornecidos pela equipe aos familiares
Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente
com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria
para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como
forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e
familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de
conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)
39
Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina
intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de
48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade
do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica
para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande
desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados
fornecidos
Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a
compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida
natildeo foi comunicada (2007 p05)
Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse
contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs
realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade
pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em
instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o
intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe
de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam
ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007
p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que
se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por
sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo
oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato
ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do
paciente internado em UTI
Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de
terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa
vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha
Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma
morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso
Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute
muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante
40
O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e
funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e
abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais
membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os
diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E
GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)
Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas
que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees
sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009
RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)
O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo
lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo
lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior
entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de
elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944
apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em
potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se
aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente
aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade
aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude
Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e
inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre
a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo
ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo
algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)
Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa
ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os
papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema
familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN
1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de
funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida
satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma
41
morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto
bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste
contexto
Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar
com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas
constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos
envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que
temporariamente a pessoa doente
42
6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA
Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a
famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia
seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra
doente
A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo
revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda
despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a
recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)
Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o
suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos
profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a
colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social
Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees
hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto
Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no
enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)
Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em
um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas
portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o
adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na
famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais
na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao
processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)
A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas
pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente
destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos
Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das
pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos
quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo
43
A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes
as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo
responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas
incapacidade dentre outros
Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente
transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma
histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994
apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a
soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo
ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a
famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e
outros 2002 p 46)
Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar
esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees
contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo
da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias
desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick
1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)
Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do
sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases
temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs
dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto
familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre
a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar
relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da
doenccedila
A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de
uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as
questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo
(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)
Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente
diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees
44
impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se
como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades
Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair
de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por
representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se
encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral
sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da
famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de
emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as
distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave
eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que
a constituem
Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves
mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista
que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir
sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema
(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)
Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na
estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa
para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo
estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da
revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias
consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo
(p 24)
Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a
vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da
famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso
eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda
eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o
periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI
Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que
assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma
45
resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma
possibilidade de recuperaccedilatildeo
Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em
2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o
retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que
desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma
crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de
estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos
como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK
amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)
Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila
de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital
pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a
evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos
papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem
como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar
Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute
com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como
tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma
situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento
Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente
Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas
conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e
incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos
familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular
De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do
ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos
reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais
amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o
ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978
apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)
46
Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute
espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com
eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste
processo
As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na
compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a
tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro
Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade
familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da
famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia
Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se
modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da
famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns
membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)
Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma
alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez
podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a
doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de
instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo
As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as
famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila
avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma
doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na
qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma
fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila
centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de
reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente
estado de fusatildeo
47
61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING
Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress
e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este
processo de maneira menos comprometedora
O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas
pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI
DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping
eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a
uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o
Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN
(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila
cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos
da pessoa (CHAVES 2000)
No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam
que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na
emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema
melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de
remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)
O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto
emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente
de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a
realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente
dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima
positiva manter a esperanccedila e o bem-estar
Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como
reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado
do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido
como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo
acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)
48
Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em
contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no
problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar
informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar
recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida
familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede
mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento
Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes
estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico
aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o
provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados
como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser
melhor e e) usar mecanismos de defesa
Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para
momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa
de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa
(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no
enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no
problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de
terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal
e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo
49
7 MEacuteTODO
Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade
familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos
familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas
apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos
mesmos
Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com
familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados
em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de
Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15
leitos divididos entre as duas especialidades
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos
profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando
dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de
maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)
Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse
jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como
estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela
proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia
No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do
estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos
atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)
Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e
situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os
1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-
BA
50
familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das
demandas observadas (Apecircndice B)
Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos
familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos
propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os
resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que
acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em
uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta
realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles
Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48
horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante
da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste
processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o
serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta
unidade
Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois
casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se
apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que
estava presente em todos os horaacuterios
71 APRESENTANDO OS PACIENTES
Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados
relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do
relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo
considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a
internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A
diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato
de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico
O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um
homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo
possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam
51
atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os
demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem
assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por
apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco
eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)
Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia
de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos
natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)
natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010
Paciente
Sexo
Idade
Estado
Civil
Filhos
Profissatildeo
Residecircncia
Diagnoacutestico
Acompanhante
A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada
B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos
C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de
Almoxarifado
SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta
D F 22 Solteira 0 Auxiliar
Administrativa
Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES
Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos
pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua
maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram
casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam
sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se
mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do
estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos
(Quadro III)
52
QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC
2010
Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia
A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador
B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute
C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix
D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute
53
8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria
de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados
81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS
bull Famiacutelia A
A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com
quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados
reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de
Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante
do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de
obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho
ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse
estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio
sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro
comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC
isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o
internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da
paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato
restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a
mesma e sua histoacuteria
bull Famiacutelia B
A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro
filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua
proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus
familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma
mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes
episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade
sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo
com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos
54
quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador
permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo
bull Famiacutelia C
O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute
alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)
Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de
almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)
Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI
deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute
havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar
sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha
para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima
os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando
bull Famiacutelia D
A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos
reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando
funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel
sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital
em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de
ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia
comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente
e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em
funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em
funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um
primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS
A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo
aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas
sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos
familiares de pacientes viacutetimas de AVC
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As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)
- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)
- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)
- A ausecircncia de privacidade (iv)
- Ter que lidar com algo novo (v)
O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos
familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao
paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo
trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por
estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante
ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo
familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em
consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada
ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)
ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)
Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas
com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um
nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes
exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao
primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando
a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados
dispensados aos pacientes
ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute
que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)
Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC
o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas
por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo
56
agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo
fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem
de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele
paciente
O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido
pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em
funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa
de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de
estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias
proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a
133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)
era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador
ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito
espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)
ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia
todo aquirdquo (D1)
Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees
onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves
16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta
minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico
plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos
alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando
esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta
de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de
transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba
potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos
O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes
dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia
intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador
ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a
gente melhorardquo (A1)
ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela
precisava ir para UTIrdquo (B1)
57
ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)
ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo
preocupadordquo (D1)
Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em
UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi
percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar
colocar-se no lugar e perceber o outro
Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em
relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades
satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como
ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir
da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma
receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos
investimentos terapecircuticos
O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela
acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina
dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor
aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa
provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora
ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu
esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave
noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no
domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai
precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)
O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que
referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo
praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento
suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares
ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um
pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um
primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()
meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito
58
tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo
dando noticias pra elesrdquo (D1)
A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado
que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a
promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma
menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)
As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)
-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)
- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)
- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)
- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)
A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)
Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas
funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na
autonomia e independecircncia dos mesmos
ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)
ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)
ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)
A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees
motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na
comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio
para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC
como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995
apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN
FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI
2004)
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Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em
seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as
sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois
exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene
alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua
maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte
dos cuidados
A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida
tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das
familiares no presente trabalho
O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos
familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel
vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)
ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo
(B1)
ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)
O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado
pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam
indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente
As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como
aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias
agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha
ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso
natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)
ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)
O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de
um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se
repita
ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei
o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)
O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante
de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que
os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido
60
ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser
agorardquo (C1)
O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela
acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando
sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem
a patologia atual
ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto
tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra
() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute
mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos
porquerdquo(D1)
Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas
da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP
de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades
de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente
156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados
confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo
Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)
- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
- Medo da morte (iii)
- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)
- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)
- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)
- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)
- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)
- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)
O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de
novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)
Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como
principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees
como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo
61
linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste
processo
A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e
NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com
frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe
ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da
histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham
Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz
seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade
Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as
informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou
boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas
pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo
e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais
com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de
comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o
conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares
Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo
do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no
hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)
ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)
ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc
resultadordquo (C1)
Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante
assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e
desgaste do paciente (C1)
ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)
ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)
ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)
O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se
em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe
ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que
ela tem eacute graverdquo (D1)
62
Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar
como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem
Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda
parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de
algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh
e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo
vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)
As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Ter que lidar com o paciente em coma (i)
- Conhecer pouco a paciente (ii)
-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)
- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)
A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave
questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente
No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade
voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em
funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato
de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter
respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo
ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)
ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)
Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em
termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma
reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e
pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos
Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a
ocorrecircncia do AVC foram
-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)
63
- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)
- Conversas com a paciente (iii)
Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o
intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a
recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O
acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado
na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a
forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que
conversava com a paciente
ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as
notiacuteciasrdquo (A1)
ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta
gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)
ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)
Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de
enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de
enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante
de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas
proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao
indiviacuteduo
Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro
enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver
recursos para poder lidar com ela
Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento
A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou
situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil
ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas
similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de
D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem
(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos
episoacutedios
64
ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para
emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso
aconteceurdquo (B1)
Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele
jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)
ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e
mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por
querdquo (D1)
Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo
de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de
origem da paciente que se encontrava fora de Salvador
ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na
terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho
de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido
dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo
(A1)
A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento
ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela
surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da
situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas
pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia
65
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores
preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por
elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi
possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente
de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas
continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a
experiecircncia vivenciada
As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que
repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor
limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma
unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma
proximidade constante
Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo
em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees
norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no
momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos
Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de
serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC
ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees
para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato
de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para
Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente
Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute
visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo
feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os
cuidados aos enfermos
O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi
instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o
encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe
muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves
66
mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos
sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias
utilizadas para enfrentaacute-lo
As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-
se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para
poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava
restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo
que os doentes
O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem
tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias
que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir
aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los
em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava
por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas
relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves
chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos
ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo
episoacutedio
A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser
bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes
evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave
possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro
Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave
necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento
do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico
Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares
abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter
que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente
do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares
saber como se sentem seus pacientes
67
A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da
expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir
acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento
da UTI
O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no
quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste
modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o
quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade
Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em
alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e
assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees
nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de
tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em
outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de
uma das pacientes do estudo
Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas
os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a
principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo
agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e
aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e
esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo
Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de
informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente
tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade
Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro
desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento
inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto
nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a
ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress
Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a
importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI
68
Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste
processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas
duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos
sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas
envolvidas neste processo
Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao
seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o
familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para
lidar com ela
Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas
principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento
Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante
aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta
terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto
emocionalmente
Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as
duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro
proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao
funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como
dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos
Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um
adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande
comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares
neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de
minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante
para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais
adequado a tal realidade
69
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75
ANEXO 01
ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo
destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta
unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina
No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da
sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma
sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente
neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos
que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes
O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida
pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato
com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo
de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para
tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que
vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em
questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao
adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os
haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela
situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como
forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo
O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno
deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta
necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a
meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em
momentos distintos deste processo
O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em
tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba
sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando
com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de
forma mais clara o viacutenculo entre ambos
76
Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio
entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica
profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com
dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do
processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel
77
APEcircNDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
FAMILIARES
O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos
pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do
Hospital Espanhol
Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute
ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva
neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente
Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as
formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias
diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo
voltado a estes familiares
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo
seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro
momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado
rotineiramente
Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de
permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do
TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos
atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em
mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia
Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e
responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que
os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo
Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para
contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820
78
Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE
Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi
explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa
Nome________________________________________________________________________
__
Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )
Documento de Identidade ________________
Endereccedilo
_______________________________________________________________________
Telefones para Contato
___________________________________________________________
Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)
Salvador _______ de ____________________ de 2010
_____________________________ _____________________________
Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador
79
APEcircNDICE B
ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de
terapia intensiva
Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento
Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor
Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as
outras vezes EM que sua esposa adoeceu
O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter
provocado isso
O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que
O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo
essas
Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente
Como eacute a sua esposa
Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes
Como foram estas outras experiecircncias para o senhor
Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou
antes
O que tem sido mais difiacutecil para lidar
Como o senhor tem feito para lidar com isso
Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor
Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram
Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo
80
Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento
Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI
Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada
Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa
Qual a sua expectativa a partir de agora
8
RESUMO
Este estudo tem como objetivo principal conhecer o impacto do adoecimento para os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC que se encontram internados em unidade de terapia
intensiva Habitualmente a literatura tem mostrado trabalhos realizados com familiares de
pacientes em situaccedilatildeo crocircnica de adoecimento estudos que contemplem os familiares no
momento inicial do adoecimento ainda satildeo escassos Os instantes iniciais de internamento em
uma UTI configuram-se como um desafio a ser enfrentado pelos familiares que muitas vezes
embora natildeo conheccedilam esta realidade possuem fantasias em relaccedilatildeo ao seu significado
Paralelo a isso estaacute o fato de seu paciente ter sido acometido por uma doenccedila de instalaccedilatildeo
aguda e que pode vir a ser limitante para o indiviacuteduo Com o intuito de conhecer esta
realidade foram realizados registros a posteriori dos atendimentos do serviccedilo de psicologia
aos familiares cujos pacientes encontram-se internados em uma unidade de terapia intensiva
Tais atendimentos possuem um roteiro onde satildeo abordadas questotildees pertinentes agrave experiecircncia
do processo de adoecimento e atraveacutes do qual foi possiacutevel destacar os principais sentimentos
vivenciados duacutevidas e mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares estudados A
anaacutelise do texto reconstruido dos atendimentos permitiu conhecer o quatildeo impactante pode ser
uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento medo da morte e de sequumlelas necessidade de mudanccedilas
de papeacuteis familiares e inseguranccedila sobre o cuidado dos pacientes apoacutes a alta satildeo apenas alguns
dos pontos destacados neste trabalho Ficou evidente a importacircncia de se manter uma boa
comunicaccedilatildeo entre equipe e familiares aleacutem da presenccedila de profissionais habilitados para
lidar com este puacuteblico em um momento tatildeo delicado
Palavras-chaves Acidente Vascular Cerebral UTI impacto psicoloacutegico do adoecimento
famiacutelia
9
ABSTRACT
This studys main objective is to know the impact of the disease to the relatives of victims of
stroke patients who are admitted to the intensive care unit Usually the literature has shown
work done with families of patients suffering chronic illness studies that address the family at
the start of the illness are scarce The initial moments of hospitalization in an ICU are
characterized as a challenge to be faced by the family that often but do not know this reality
they have fantasies about their meaning Parallel to this is the fact that his patient had been
affected by an acute onset of disease and that may be limiting to the individual In order to see
this reality were performed retrospectively records of visits made by the psychology service
to patients whose relatives are hospitalized in an intensive care unit Such visits have a script
that cover issues relevant to the experience of illness and the process by which it was possible
to highlight the main feelings about the main questions arising and the main coping
mechanisms used by the families concerned The text analysis of care possible to know how
shocking it can be an acute illness Fear of death and disability the need for changes in family
roles and how to care for patients after discharge are just some of the points highlighted in this
work It was evident the importance of maintaining good communication between staff and
relatives besides the presence of skilled professionals to deal with this audience in a delicate
moment
Keywords Stroke ICU psychological impact of illness family
10
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Quadro Paacutegina
QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick
2011
30
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC
2010
51
QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes
viacutetimas de AVC 2010
52
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 12
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20
31 CRISES FAMILIARES 21
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26
4 O ADOECER 28
41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29
5 A DOENCcedilA AGUDA 33
6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35
61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47
62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44
7 MEacuteTODO 49
71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51
8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53
81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65
REFEREcircNCIAS 69
Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75
APEcircNDICE A ndash TCLE 77
APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem
sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de
gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo
apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais
aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a
influecircncia dos mesmos sobre este grupo social
Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves
relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As
definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram
necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees
contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees
Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para
a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de
seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como
primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a
vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos
indiviacuteduos
Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe
confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador
de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo
rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de
opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio
interminaacutevel (1997 p23)
Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo
especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a
mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto
laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a
famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada
Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de
alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente
13
acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e
apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por
outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo
Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma
instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo
elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de
fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como
pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto
como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um
conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das
geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as
dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias
Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis
modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram
distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo
mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da
horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e
autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade
Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a
nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)
Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo
confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e
igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem
negociadosrdquo (1997 p27)
O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem
relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de
famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros
descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo
(MINUCHIN 1999 p28)
Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia
domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos
estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no
14
funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias
atuais
Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um
quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem
trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma
populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o
desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus
familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas
O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia
constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros
Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro
cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e
desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o
enfrentamento da situaccedilatildeo
Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente
vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta
eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por
uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter
temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem
(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)
Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o
entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras
aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que
haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro
denominando-se AVC hemorraacutegico
Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do
corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar
caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode
ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos
O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias
na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as
15
doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e
a principal causa de incapacidade no mundo
Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que
sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes
ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente
(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E
KUSOMOTA 2006)
A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica
culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este
por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas
com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados
Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e
cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a
adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado
conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as
primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute
dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E
ANGELO 2005 BOCCHI 2004)
Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva
evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as
atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a
quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias
encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a
necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo
suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo
voltadas aos mesmos
Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se
propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de
pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais
pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos
16
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-
degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou
definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e
responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud
PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008)
De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se
como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso
centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)
O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico
(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte
de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro
comprimindo os neurocircnios
Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade
para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo
aparente
Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre
a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees
cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12
Entretanto o
AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros
fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas
inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas
4 Estudos
preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade
inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45
anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)
Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas
apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs
horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de
receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para
desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz
17
Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam
adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo
saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do
colesterol
A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do
derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este
caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de
idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo
receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular
cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no
mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS
2010)
No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por
AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente
morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos
pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema
no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das
maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados
Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano
A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN
(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo
quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por
AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com
68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute
A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A
regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de
Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
18
coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa
o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
cerebrovasculares
Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto
a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos
nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente
quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e
fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso
Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo
AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento
pessoalrdquo
Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma
ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para
o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter
relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se
natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma
forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece
previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico
mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou
ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes
Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir
de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave
instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da
terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso
constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso
bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio
uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia
Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por
algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias
19
mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e
prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar
sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)
Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos
uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de
internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter
que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar
tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas
unidades impotildee
20
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA
O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande
grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees
familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados
pelo que o grupo familiar permite
Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade
compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo
Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu
funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo
Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois
carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo
as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do
comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia
crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada
De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por
subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo
classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute
sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras
(MINUCHIN 1999)
Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de
transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm
para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um
periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e
novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees
confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua
nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um
periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)
Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os
periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio
tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido
embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo
21
constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo
cristalizada (MINUCHIN 1999)
Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como
complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos
psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do
seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo
adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a
possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)
Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria
familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo
de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica
esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)
Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um
legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de
depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do
grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a
doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria
familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)
Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o
lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de
alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila
podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-
47)
31 CRISES FAMILIARES
Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado
poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de
forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento
diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto
22
em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar
com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)
Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa
uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se
necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991
p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila
Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo
indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros
para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo
de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento
anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de
emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise
Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de
uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria
pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute
que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo
baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e
definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram
um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas
diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo
Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo
como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)
Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros
pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das
crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas
que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)
A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com
destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E
DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-
lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro
tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais
e crises do cuidador
23
As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute
real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise
estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios
guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma
satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo
agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam
se solidarizar a este tipo de acontecimento
As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas
normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as
quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas
poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo
enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo
diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao
longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a
transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de
nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras
As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave
mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que
ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o
stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o
stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios
do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido
anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado
como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia
e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar
ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a
importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar
As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma
rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de
mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou
assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho
Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem
24
desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do
cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador
algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do
que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se
indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por
desencadear a crise
Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer
assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia
mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de
poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem
desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de
dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva
sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador
que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia
desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise
Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua
instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no
desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento
Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento
devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de
crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais
que os auxiliam neste momento
Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson
(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da
famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma
necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros
O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo
pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila
Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez
iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao
estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as
consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social
25
Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre
stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e
outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo
Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que
tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise
previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e
valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que
ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de
mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma
criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud
JOSELEVICH 1991)
Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com
frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu
caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar
Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa
e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos
integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo
(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo
capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um
cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se
estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma
assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir
para potencializar o stress vivenciado
A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito
reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral
quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo
cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do
sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio
emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu
mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo
disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede
e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)
26
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR
Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e
possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de
perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos
mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e
com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez
mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude
e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens
Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres
humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo
emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a
necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no
iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte
do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir
de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a
ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto
maior o potencial para a perda
Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo
transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo
vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a
continuidade da vida
Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos
profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que
agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria
do ciclo vital
Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta
o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como
unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os
membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem
como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento
de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda
27
mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que
confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente
apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo
28
4 O ADOECER
O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele
acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees
de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar
a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional
O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser
compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais
socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute
nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)
Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer
acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente
a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que
provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional
e social
Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar
que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que
marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no
enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute
importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos
A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da
famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e
expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um
universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas
tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto
Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de
adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do
paciente e seus familiares
29
41 A DOENCcedilA CROcircNICA
Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida
das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a
despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta
razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez
que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo
Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a
progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia
de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos
que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se
agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a
estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a
doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas
mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a
necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de
natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma
constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES
KUSOMOTA 2006)
Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de
viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge
a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees
nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)
Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas
nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases
importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)
30
Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011
FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL
bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e
programaccedilatildeo de
tratamento
bullAprender a lidar com
sintomas ambiente
hospitalar e procedimentos
terapecircuticos estabelecer
bons viacutenculos com a
equipe
bullIntervalo entre periacuteodo de
diagnoacutestico inicial e ajuste
ao tratamento
bullPredominam questotildees de morte
e doenccedila terminal
Pode haver uma progressatildeo ou
constacircncia do quadro
bullA famiacutelia busca manter a
normalidade diante da
ldquoanormalidaderdquo da doenccedila
crocircnica
A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto
quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do
organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui
reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi
proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)
Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e
sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada
importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou
outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com
os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons
relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de
natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve
construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas
competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova
condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade
entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar
da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter
e McGoldrick 2001 p 378)
31
A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico
inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de
terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou
mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida
normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal
este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo
claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar
sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p
378)
A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se
faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza
separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma
retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E
McGOLDRICK 2001)
Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre
ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem
desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto
familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007
FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)
Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma
doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua
intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)
Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das
circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA
2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural
habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de
seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas
vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua
rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes
acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos
financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com
32
que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue
cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado
Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida
atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar
(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere
citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados
cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E
MARTINS 2008 p148)
O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a
sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado
por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud
SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao
desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades
sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais
A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo
supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o
cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a
sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo
um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005
ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008
WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)
Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser
vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que
afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda
contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo
(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados
de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo
desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de
sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre
33
eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais
(SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um
suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005
APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante
tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005
paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees
no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e
fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros
quanto do grupordquo
42 A DOENCcedilA AGUDA
Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como
processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees
agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas
Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo
suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um
quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir
uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de
alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)
As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta
agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da
famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo
de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para
administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)
Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos
seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus
familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do
mesmo
34
Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia
se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de
serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel
Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas
famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de
solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)
Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE
observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos
pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se
revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido
Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e
social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de
forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a
dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos
familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)
Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em
unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de
informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de
muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria
relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges
(2009)
O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de
grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as
pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes
que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro
comatoso
Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da
instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo
das UTIs
35
5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)
Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os
pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de
estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade
destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que
funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais
responsaacuteveis
Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de
terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees
raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo
A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas
dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente
dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de
ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade
capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E
CORREcircA 2007)
Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico
raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas
alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E
AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA
2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)
Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas
por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para
ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam
diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem
aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo
proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a
alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um
nuacutemero razoaacutevel de leitos
36
Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo
doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem
de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes
inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas
de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes
com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por
um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar
na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser
diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso
de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como
forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem
Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros
dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da
perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da
equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a
disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)
A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na
maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e
medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu
familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma
linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova
realidade
Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em
unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual
foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada
difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento
por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)
Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela
rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o
fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento
Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e
ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI
37
As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez
que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do
paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo
pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo
familiar
Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua
rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao
ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos
No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua
famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e
finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os
indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus
planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a
instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo
Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco
iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar
hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil
ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo
(p140)
O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo
soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO
E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado
nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e
poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar
papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo
Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns
dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da
situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)
Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a
incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas
(URIZZI E CORREcircA 2007)
38
Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em
uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua
famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de
estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos
(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de
estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe
por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem
picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a
percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes
tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros
2007 URIZZI E CORREcircA 2007)
A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave
comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras
de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo
(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente
restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo
de falta de controle
O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma
mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de
informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a
oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados
referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato
demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma
tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem
como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca
de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos
dados fornecidos pela equipe aos familiares
Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente
com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria
para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como
forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e
familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de
conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)
39
Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina
intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de
48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade
do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica
para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande
desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados
fornecidos
Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a
compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida
natildeo foi comunicada (2007 p05)
Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse
contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs
realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade
pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em
instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o
intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe
de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam
ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007
p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que
se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por
sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo
oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato
ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do
paciente internado em UTI
Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de
terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa
vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha
Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma
morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso
Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute
muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante
40
O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e
funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e
abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais
membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os
diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E
GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)
Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas
que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees
sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009
RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)
O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo
lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo
lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior
entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de
elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944
apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em
potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se
aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente
aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade
aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude
Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e
inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre
a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo
ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo
algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)
Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa
ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os
papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema
familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN
1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de
funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida
satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma
41
morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto
bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste
contexto
Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar
com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas
constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos
envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que
temporariamente a pessoa doente
42
6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA
Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a
famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia
seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra
doente
A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo
revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda
despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a
recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)
Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o
suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos
profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a
colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social
Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees
hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto
Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no
enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)
Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em
um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas
portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o
adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na
famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais
na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao
processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)
A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas
pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente
destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos
Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das
pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos
quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo
43
A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes
as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo
responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas
incapacidade dentre outros
Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente
transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma
histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994
apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a
soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo
ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a
famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e
outros 2002 p 46)
Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar
esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees
contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo
da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias
desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick
1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)
Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do
sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases
temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs
dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto
familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre
a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar
relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da
doenccedila
A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de
uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as
questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo
(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)
Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente
diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees
44
impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se
como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades
Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair
de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por
representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se
encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral
sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da
famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de
emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as
distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave
eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que
a constituem
Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves
mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista
que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir
sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema
(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)
Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na
estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa
para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo
estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da
revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias
consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo
(p 24)
Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a
vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da
famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso
eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda
eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o
periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI
Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que
assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma
45
resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma
possibilidade de recuperaccedilatildeo
Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em
2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o
retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que
desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma
crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de
estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos
como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK
amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)
Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila
de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital
pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a
evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos
papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem
como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar
Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute
com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como
tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma
situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento
Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente
Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas
conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e
incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos
familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular
De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do
ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos
reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais
amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o
ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978
apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)
46
Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute
espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com
eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste
processo
As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na
compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a
tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro
Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade
familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da
famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia
Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se
modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da
famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns
membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)
Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma
alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez
podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a
doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de
instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo
As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as
famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila
avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma
doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na
qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma
fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila
centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de
reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente
estado de fusatildeo
47
61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING
Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress
e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este
processo de maneira menos comprometedora
O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas
pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI
DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping
eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a
uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o
Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN
(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila
cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos
da pessoa (CHAVES 2000)
No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam
que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na
emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema
melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de
remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)
O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto
emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente
de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a
realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente
dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima
positiva manter a esperanccedila e o bem-estar
Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como
reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado
do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido
como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo
acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)
48
Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em
contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no
problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar
informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar
recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida
familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede
mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento
Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes
estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico
aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o
provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados
como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser
melhor e e) usar mecanismos de defesa
Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para
momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa
de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa
(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no
enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no
problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de
terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal
e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo
49
7 MEacuteTODO
Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade
familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos
familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas
apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos
mesmos
Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com
familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados
em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de
Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15
leitos divididos entre as duas especialidades
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos
profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando
dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de
maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)
Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse
jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como
estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela
proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia
No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do
estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos
atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)
Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e
situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os
1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-
BA
50
familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das
demandas observadas (Apecircndice B)
Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos
familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos
propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os
resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que
acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em
uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta
realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles
Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48
horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante
da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste
processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o
serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta
unidade
Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois
casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se
apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que
estava presente em todos os horaacuterios
71 APRESENTANDO OS PACIENTES
Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados
relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do
relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo
considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a
internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A
diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato
de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico
O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um
homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo
possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam
51
atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os
demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem
assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por
apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco
eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)
Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia
de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos
natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)
natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010
Paciente
Sexo
Idade
Estado
Civil
Filhos
Profissatildeo
Residecircncia
Diagnoacutestico
Acompanhante
A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada
B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos
C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de
Almoxarifado
SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta
D F 22 Solteira 0 Auxiliar
Administrativa
Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES
Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos
pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua
maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram
casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam
sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se
mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do
estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos
(Quadro III)
52
QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC
2010
Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia
A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador
B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute
C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix
D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute
53
8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria
de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados
81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS
bull Famiacutelia A
A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com
quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados
reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de
Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante
do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de
obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho
ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse
estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio
sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro
comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC
isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o
internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da
paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato
restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a
mesma e sua histoacuteria
bull Famiacutelia B
A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro
filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua
proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus
familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma
mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes
episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade
sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo
com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos
54
quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador
permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo
bull Famiacutelia C
O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute
alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)
Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de
almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)
Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI
deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute
havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar
sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha
para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima
os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando
bull Famiacutelia D
A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos
reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando
funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel
sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital
em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de
ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia
comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente
e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em
funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em
funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um
primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS
A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo
aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas
sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos
familiares de pacientes viacutetimas de AVC
55
As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)
- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)
- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)
- A ausecircncia de privacidade (iv)
- Ter que lidar com algo novo (v)
O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos
familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao
paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo
trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por
estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante
ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo
familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em
consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada
ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)
ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)
Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas
com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um
nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes
exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao
primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando
a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados
dispensados aos pacientes
ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute
que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)
Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC
o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas
por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo
56
agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo
fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem
de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele
paciente
O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido
pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em
funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa
de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de
estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias
proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a
133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)
era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador
ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito
espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)
ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia
todo aquirdquo (D1)
Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees
onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves
16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta
minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico
plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos
alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando
esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta
de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de
transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba
potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos
O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes
dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia
intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador
ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a
gente melhorardquo (A1)
ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela
precisava ir para UTIrdquo (B1)
57
ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)
ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo
preocupadordquo (D1)
Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em
UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi
percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar
colocar-se no lugar e perceber o outro
Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em
relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades
satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como
ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir
da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma
receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos
investimentos terapecircuticos
O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela
acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina
dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor
aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa
provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora
ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu
esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave
noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no
domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai
precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)
O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que
referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo
praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento
suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares
ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um
pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um
primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()
meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito
58
tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo
dando noticias pra elesrdquo (D1)
A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado
que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a
promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma
menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)
As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)
-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)
- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)
- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)
- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)
A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)
Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas
funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na
autonomia e independecircncia dos mesmos
ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)
ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)
ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)
A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees
motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na
comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio
para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC
como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995
apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN
FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI
2004)
59
Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em
seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as
sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois
exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene
alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua
maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte
dos cuidados
A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida
tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das
familiares no presente trabalho
O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos
familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel
vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)
ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo
(B1)
ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)
O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado
pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam
indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente
As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como
aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias
agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha
ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso
natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)
ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)
O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de
um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se
repita
ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei
o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)
O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante
de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que
os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido
60
ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser
agorardquo (C1)
O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela
acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando
sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem
a patologia atual
ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto
tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra
() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute
mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos
porquerdquo(D1)
Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas
da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP
de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades
de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente
156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados
confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo
Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)
- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
- Medo da morte (iii)
- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)
- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)
- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)
- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)
- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)
- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)
O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de
novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)
Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como
principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees
como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo
61
linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste
processo
A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e
NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com
frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe
ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da
histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham
Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz
seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade
Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as
informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou
boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas
pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo
e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais
com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de
comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o
conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares
Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo
do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no
hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)
ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)
ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc
resultadordquo (C1)
Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante
assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e
desgaste do paciente (C1)
ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)
ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)
ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)
O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se
em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe
ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que
ela tem eacute graverdquo (D1)
62
Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar
como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem
Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda
parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de
algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh
e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo
vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)
As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Ter que lidar com o paciente em coma (i)
- Conhecer pouco a paciente (ii)
-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)
- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)
A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave
questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente
No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade
voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em
funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato
de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter
respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo
ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)
ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)
Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em
termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma
reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e
pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos
Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a
ocorrecircncia do AVC foram
-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)
63
- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)
- Conversas com a paciente (iii)
Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o
intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a
recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O
acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado
na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a
forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que
conversava com a paciente
ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as
notiacuteciasrdquo (A1)
ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta
gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)
ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)
Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de
enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de
enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante
de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas
proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao
indiviacuteduo
Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro
enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver
recursos para poder lidar com ela
Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento
A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou
situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil
ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas
similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de
D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem
(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos
episoacutedios
64
ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para
emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso
aconteceurdquo (B1)
Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele
jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)
ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e
mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por
querdquo (D1)
Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo
de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de
origem da paciente que se encontrava fora de Salvador
ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na
terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho
de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido
dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo
(A1)
A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento
ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela
surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da
situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas
pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia
65
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores
preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por
elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi
possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente
de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas
continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a
experiecircncia vivenciada
As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que
repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor
limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma
unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma
proximidade constante
Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo
em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees
norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no
momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos
Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de
serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC
ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees
para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato
de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para
Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente
Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute
visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo
feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os
cuidados aos enfermos
O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi
instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o
encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe
muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves
66
mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos
sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias
utilizadas para enfrentaacute-lo
As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-
se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para
poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava
restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo
que os doentes
O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem
tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias
que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir
aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los
em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava
por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas
relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves
chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos
ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo
episoacutedio
A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser
bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes
evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave
possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro
Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave
necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento
do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico
Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares
abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter
que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente
do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares
saber como se sentem seus pacientes
67
A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da
expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir
acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento
da UTI
O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no
quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste
modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o
quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade
Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em
alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e
assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees
nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de
tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em
outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de
uma das pacientes do estudo
Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas
os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a
principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo
agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e
aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e
esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo
Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de
informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente
tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade
Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro
desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento
inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto
nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a
ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress
Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a
importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI
68
Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste
processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas
duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos
sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas
envolvidas neste processo
Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao
seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o
familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para
lidar com ela
Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas
principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento
Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante
aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta
terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto
emocionalmente
Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as
duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro
proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao
funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como
dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos
Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um
adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande
comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares
neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de
minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante
para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais
adequado a tal realidade
69
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75
ANEXO 01
ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo
destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta
unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina
No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da
sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma
sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente
neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos
que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes
O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida
pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato
com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo
de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para
tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que
vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em
questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao
adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os
haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela
situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como
forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo
O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno
deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta
necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a
meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em
momentos distintos deste processo
O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em
tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba
sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando
com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de
forma mais clara o viacutenculo entre ambos
76
Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio
entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica
profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com
dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do
processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel
77
APEcircNDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
FAMILIARES
O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos
pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do
Hospital Espanhol
Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute
ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva
neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente
Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as
formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias
diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo
voltado a estes familiares
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo
seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro
momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado
rotineiramente
Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de
permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do
TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos
atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em
mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia
Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e
responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que
os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo
Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para
contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820
78
Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE
Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi
explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa
Nome________________________________________________________________________
__
Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )
Documento de Identidade ________________
Endereccedilo
_______________________________________________________________________
Telefones para Contato
___________________________________________________________
Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)
Salvador _______ de ____________________ de 2010
_____________________________ _____________________________
Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador
79
APEcircNDICE B
ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de
terapia intensiva
Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento
Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor
Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as
outras vezes EM que sua esposa adoeceu
O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter
provocado isso
O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que
O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo
essas
Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente
Como eacute a sua esposa
Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes
Como foram estas outras experiecircncias para o senhor
Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou
antes
O que tem sido mais difiacutecil para lidar
Como o senhor tem feito para lidar com isso
Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor
Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram
Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo
80
Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento
Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI
Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada
Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa
Qual a sua expectativa a partir de agora
9
ABSTRACT
This studys main objective is to know the impact of the disease to the relatives of victims of
stroke patients who are admitted to the intensive care unit Usually the literature has shown
work done with families of patients suffering chronic illness studies that address the family at
the start of the illness are scarce The initial moments of hospitalization in an ICU are
characterized as a challenge to be faced by the family that often but do not know this reality
they have fantasies about their meaning Parallel to this is the fact that his patient had been
affected by an acute onset of disease and that may be limiting to the individual In order to see
this reality were performed retrospectively records of visits made by the psychology service
to patients whose relatives are hospitalized in an intensive care unit Such visits have a script
that cover issues relevant to the experience of illness and the process by which it was possible
to highlight the main feelings about the main questions arising and the main coping
mechanisms used by the families concerned The text analysis of care possible to know how
shocking it can be an acute illness Fear of death and disability the need for changes in family
roles and how to care for patients after discharge are just some of the points highlighted in this
work It was evident the importance of maintaining good communication between staff and
relatives besides the presence of skilled professionals to deal with this audience in a delicate
moment
Keywords Stroke ICU psychological impact of illness family
10
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Quadro Paacutegina
QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick
2011
30
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC
2010
51
QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes
viacutetimas de AVC 2010
52
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 12
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20
31 CRISES FAMILIARES 21
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26
4 O ADOECER 28
41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29
5 A DOENCcedilA AGUDA 33
6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35
61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47
62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44
7 MEacuteTODO 49
71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51
8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53
81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65
REFEREcircNCIAS 69
Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75
APEcircNDICE A ndash TCLE 77
APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem
sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de
gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo
apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais
aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a
influecircncia dos mesmos sobre este grupo social
Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves
relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As
definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram
necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees
contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees
Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para
a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de
seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como
primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a
vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos
indiviacuteduos
Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe
confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador
de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo
rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de
opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio
interminaacutevel (1997 p23)
Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo
especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a
mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto
laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a
famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada
Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de
alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente
13
acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e
apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por
outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo
Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma
instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo
elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de
fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como
pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto
como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um
conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das
geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as
dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias
Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis
modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram
distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo
mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da
horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e
autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade
Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a
nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)
Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo
confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e
igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem
negociadosrdquo (1997 p27)
O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem
relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de
famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros
descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo
(MINUCHIN 1999 p28)
Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia
domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos
estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no
14
funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias
atuais
Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um
quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem
trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma
populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o
desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus
familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas
O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia
constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros
Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro
cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e
desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o
enfrentamento da situaccedilatildeo
Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente
vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta
eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por
uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter
temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem
(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)
Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o
entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras
aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que
haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro
denominando-se AVC hemorraacutegico
Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do
corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar
caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode
ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos
O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias
na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as
15
doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e
a principal causa de incapacidade no mundo
Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que
sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes
ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente
(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E
KUSOMOTA 2006)
A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica
culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este
por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas
com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados
Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e
cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a
adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado
conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as
primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute
dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E
ANGELO 2005 BOCCHI 2004)
Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva
evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as
atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a
quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias
encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a
necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo
suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo
voltadas aos mesmos
Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se
propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de
pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais
pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos
16
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-
degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou
definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e
responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud
PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008)
De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se
como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso
centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)
O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico
(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte
de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro
comprimindo os neurocircnios
Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade
para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo
aparente
Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre
a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees
cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12
Entretanto o
AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros
fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas
inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas
4 Estudos
preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade
inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45
anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)
Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas
apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs
horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de
receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para
desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz
17
Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam
adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo
saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do
colesterol
A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do
derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este
caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de
idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo
receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular
cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no
mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS
2010)
No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por
AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente
morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos
pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema
no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das
maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados
Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano
A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN
(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo
quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por
AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com
68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute
A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A
regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de
Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
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coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa
o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
cerebrovasculares
Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto
a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos
nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente
quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e
fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso
Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo
AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento
pessoalrdquo
Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma
ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para
o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter
relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se
natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma
forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece
previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico
mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou
ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes
Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir
de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave
instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da
terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso
constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso
bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio
uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia
Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por
algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias
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mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e
prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar
sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)
Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos
uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de
internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter
que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar
tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas
unidades impotildee
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3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA
O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande
grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees
familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados
pelo que o grupo familiar permite
Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade
compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo
Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu
funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo
Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois
carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo
as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do
comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia
crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada
De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por
subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo
classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute
sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras
(MINUCHIN 1999)
Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de
transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm
para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um
periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e
novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees
confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua
nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um
periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)
Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os
periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio
tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido
embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo
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constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo
cristalizada (MINUCHIN 1999)
Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como
complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos
psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do
seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo
adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a
possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)
Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria
familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo
de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica
esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)
Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um
legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de
depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do
grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a
doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria
familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)
Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o
lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de
alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila
podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-
47)
31 CRISES FAMILIARES
Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado
poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de
forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento
diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto
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em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar
com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)
Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa
uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se
necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991
p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila
Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo
indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros
para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo
de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento
anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de
emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise
Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de
uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria
pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute
que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo
baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e
definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram
um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas
diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo
Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo
como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)
Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros
pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das
crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas
que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)
A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com
destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E
DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-
lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro
tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais
e crises do cuidador
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As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute
real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise
estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios
guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma
satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo
agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam
se solidarizar a este tipo de acontecimento
As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas
normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as
quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas
poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo
enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo
diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao
longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a
transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de
nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras
As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave
mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que
ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o
stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o
stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios
do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido
anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado
como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia
e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar
ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a
importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar
As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma
rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de
mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou
assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho
Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem
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desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do
cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador
algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do
que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se
indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por
desencadear a crise
Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer
assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia
mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de
poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem
desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de
dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva
sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador
que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia
desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise
Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua
instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no
desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento
Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento
devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de
crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais
que os auxiliam neste momento
Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson
(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da
famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma
necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros
O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo
pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila
Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez
iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao
estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as
consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social
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Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre
stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e
outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo
Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que
tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise
previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e
valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que
ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de
mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma
criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud
JOSELEVICH 1991)
Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com
frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu
caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar
Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa
e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos
integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo
(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo
capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um
cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se
estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma
assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir
para potencializar o stress vivenciado
A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito
reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral
quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo
cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do
sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio
emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu
mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo
disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede
e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)
26
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR
Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e
possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de
perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos
mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e
com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez
mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude
e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens
Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres
humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo
emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a
necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no
iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte
do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir
de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a
ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto
maior o potencial para a perda
Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo
transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo
vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a
continuidade da vida
Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos
profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que
agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria
do ciclo vital
Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta
o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como
unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os
membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem
como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento
de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda
27
mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que
confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente
apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo
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4 O ADOECER
O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele
acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees
de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar
a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional
O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser
compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais
socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute
nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)
Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer
acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente
a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que
provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional
e social
Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar
que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que
marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no
enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute
importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos
A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da
famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e
expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um
universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas
tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto
Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de
adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do
paciente e seus familiares
29
41 A DOENCcedilA CROcircNICA
Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida
das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a
despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta
razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez
que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo
Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a
progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia
de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos
que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se
agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a
estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a
doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas
mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a
necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de
natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma
constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES
KUSOMOTA 2006)
Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de
viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge
a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees
nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)
Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas
nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases
importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)
30
Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011
FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL
bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e
programaccedilatildeo de
tratamento
bullAprender a lidar com
sintomas ambiente
hospitalar e procedimentos
terapecircuticos estabelecer
bons viacutenculos com a
equipe
bullIntervalo entre periacuteodo de
diagnoacutestico inicial e ajuste
ao tratamento
bullPredominam questotildees de morte
e doenccedila terminal
Pode haver uma progressatildeo ou
constacircncia do quadro
bullA famiacutelia busca manter a
normalidade diante da
ldquoanormalidaderdquo da doenccedila
crocircnica
A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto
quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do
organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui
reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi
proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)
Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e
sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada
importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou
outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com
os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons
relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de
natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve
construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas
competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova
condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade
entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar
da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter
e McGoldrick 2001 p 378)
31
A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico
inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de
terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou
mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida
normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal
este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo
claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar
sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p
378)
A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se
faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza
separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma
retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E
McGOLDRICK 2001)
Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre
ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem
desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto
familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007
FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)
Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma
doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua
intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)
Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das
circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA
2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural
habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de
seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas
vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua
rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes
acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos
financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com
32
que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue
cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado
Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida
atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar
(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere
citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados
cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E
MARTINS 2008 p148)
O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a
sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado
por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud
SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao
desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades
sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais
A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo
supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o
cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a
sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo
um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005
ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008
WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)
Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser
vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que
afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda
contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo
(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados
de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo
desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de
sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre
33
eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais
(SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um
suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005
APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante
tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005
paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees
no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e
fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros
quanto do grupordquo
42 A DOENCcedilA AGUDA
Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como
processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees
agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas
Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo
suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um
quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir
uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de
alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)
As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta
agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da
famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo
de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para
administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)
Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos
seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus
familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do
mesmo
34
Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia
se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de
serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel
Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas
famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de
solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)
Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE
observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos
pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se
revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido
Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e
social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de
forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a
dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos
familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)
Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em
unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de
informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de
muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria
relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges
(2009)
O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de
grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as
pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes
que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro
comatoso
Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da
instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo
das UTIs
35
5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)
Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os
pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de
estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade
destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que
funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais
responsaacuteveis
Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de
terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees
raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo
A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas
dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente
dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de
ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade
capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E
CORREcircA 2007)
Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico
raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas
alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E
AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA
2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)
Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas
por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para
ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam
diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem
aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo
proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a
alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um
nuacutemero razoaacutevel de leitos
36
Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo
doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem
de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes
inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas
de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes
com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por
um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar
na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser
diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso
de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como
forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem
Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros
dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da
perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da
equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a
disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)
A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na
maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e
medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu
familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma
linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova
realidade
Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em
unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual
foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada
difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento
por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)
Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela
rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o
fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento
Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e
ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI
37
As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez
que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do
paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo
pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo
familiar
Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua
rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao
ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos
No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua
famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e
finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os
indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus
planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a
instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo
Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco
iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar
hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil
ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo
(p140)
O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo
soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO
E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado
nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e
poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar
papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo
Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns
dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da
situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)
Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a
incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas
(URIZZI E CORREcircA 2007)
38
Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em
uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua
famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de
estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos
(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de
estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe
por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem
picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a
percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes
tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros
2007 URIZZI E CORREcircA 2007)
A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave
comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras
de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo
(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente
restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo
de falta de controle
O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma
mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de
informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a
oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados
referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato
demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma
tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem
como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca
de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos
dados fornecidos pela equipe aos familiares
Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente
com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria
para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como
forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e
familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de
conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)
39
Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina
intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de
48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade
do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica
para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande
desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados
fornecidos
Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a
compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida
natildeo foi comunicada (2007 p05)
Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse
contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs
realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade
pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em
instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o
intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe
de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam
ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007
p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que
se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por
sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo
oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato
ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do
paciente internado em UTI
Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de
terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa
vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha
Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma
morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso
Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute
muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante
40
O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e
funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e
abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais
membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os
diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E
GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)
Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas
que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees
sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009
RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)
O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo
lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo
lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior
entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de
elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944
apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em
potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se
aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente
aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade
aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude
Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e
inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre
a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo
ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo
algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)
Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa
ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os
papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema
familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN
1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de
funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida
satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma
41
morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto
bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste
contexto
Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar
com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas
constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos
envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que
temporariamente a pessoa doente
42
6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA
Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a
famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia
seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra
doente
A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo
revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda
despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a
recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)
Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o
suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos
profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a
colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social
Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees
hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto
Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no
enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)
Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em
um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas
portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o
adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na
famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais
na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao
processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)
A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas
pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente
destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos
Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das
pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos
quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo
43
A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes
as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo
responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas
incapacidade dentre outros
Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente
transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma
histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994
apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a
soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo
ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a
famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e
outros 2002 p 46)
Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar
esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees
contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo
da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias
desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick
1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)
Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do
sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases
temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs
dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto
familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre
a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar
relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da
doenccedila
A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de
uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as
questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo
(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)
Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente
diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees
44
impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se
como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades
Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair
de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por
representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se
encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral
sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da
famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de
emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as
distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave
eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que
a constituem
Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves
mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista
que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir
sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema
(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)
Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na
estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa
para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo
estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da
revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias
consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo
(p 24)
Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a
vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da
famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso
eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda
eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o
periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI
Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que
assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma
45
resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma
possibilidade de recuperaccedilatildeo
Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em
2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o
retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que
desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma
crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de
estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos
como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK
amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)
Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila
de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital
pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a
evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos
papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem
como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar
Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute
com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como
tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma
situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento
Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente
Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas
conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e
incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos
familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular
De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do
ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos
reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais
amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o
ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978
apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)
46
Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute
espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com
eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste
processo
As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na
compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a
tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro
Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade
familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da
famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia
Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se
modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da
famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns
membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)
Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma
alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez
podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a
doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de
instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo
As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as
famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila
avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma
doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na
qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma
fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila
centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de
reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente
estado de fusatildeo
47
61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING
Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress
e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este
processo de maneira menos comprometedora
O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas
pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI
DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping
eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a
uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o
Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN
(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila
cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos
da pessoa (CHAVES 2000)
No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam
que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na
emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema
melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de
remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)
O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto
emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente
de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a
realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente
dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima
positiva manter a esperanccedila e o bem-estar
Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como
reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado
do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido
como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo
acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)
48
Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em
contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no
problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar
informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar
recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida
familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede
mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento
Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes
estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico
aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o
provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados
como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser
melhor e e) usar mecanismos de defesa
Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para
momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa
de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa
(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no
enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no
problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de
terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal
e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo
49
7 MEacuteTODO
Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade
familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos
familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas
apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos
mesmos
Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com
familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados
em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de
Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15
leitos divididos entre as duas especialidades
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos
profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando
dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de
maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)
Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse
jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como
estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela
proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia
No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do
estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos
atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)
Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e
situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os
1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-
BA
50
familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das
demandas observadas (Apecircndice B)
Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos
familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos
propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os
resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que
acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em
uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta
realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles
Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48
horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante
da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste
processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o
serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta
unidade
Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois
casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se
apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que
estava presente em todos os horaacuterios
71 APRESENTANDO OS PACIENTES
Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados
relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do
relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo
considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a
internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A
diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato
de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico
O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um
homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo
possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam
51
atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os
demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem
assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por
apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco
eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)
Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia
de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos
natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)
natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010
Paciente
Sexo
Idade
Estado
Civil
Filhos
Profissatildeo
Residecircncia
Diagnoacutestico
Acompanhante
A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada
B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos
C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de
Almoxarifado
SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta
D F 22 Solteira 0 Auxiliar
Administrativa
Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES
Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos
pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua
maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram
casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam
sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se
mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do
estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos
(Quadro III)
52
QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC
2010
Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia
A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador
B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute
C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix
D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute
53
8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria
de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados
81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS
bull Famiacutelia A
A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com
quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados
reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de
Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante
do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de
obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho
ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse
estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio
sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro
comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC
isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o
internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da
paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato
restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a
mesma e sua histoacuteria
bull Famiacutelia B
A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro
filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua
proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus
familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma
mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes
episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade
sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo
com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos
54
quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador
permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo
bull Famiacutelia C
O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute
alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)
Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de
almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)
Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI
deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute
havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar
sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha
para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima
os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando
bull Famiacutelia D
A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos
reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando
funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel
sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital
em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de
ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia
comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente
e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em
funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em
funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um
primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS
A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo
aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas
sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos
familiares de pacientes viacutetimas de AVC
55
As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)
- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)
- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)
- A ausecircncia de privacidade (iv)
- Ter que lidar com algo novo (v)
O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos
familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao
paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo
trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por
estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante
ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo
familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em
consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada
ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)
ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)
Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas
com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um
nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes
exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao
primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando
a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados
dispensados aos pacientes
ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute
que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)
Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC
o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas
por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo
56
agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo
fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem
de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele
paciente
O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido
pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em
funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa
de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de
estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias
proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a
133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)
era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador
ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito
espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)
ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia
todo aquirdquo (D1)
Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees
onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves
16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta
minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico
plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos
alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando
esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta
de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de
transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba
potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos
O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes
dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia
intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador
ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a
gente melhorardquo (A1)
ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela
precisava ir para UTIrdquo (B1)
57
ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)
ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo
preocupadordquo (D1)
Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em
UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi
percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar
colocar-se no lugar e perceber o outro
Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em
relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades
satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como
ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir
da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma
receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos
investimentos terapecircuticos
O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela
acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina
dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor
aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa
provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora
ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu
esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave
noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no
domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai
precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)
O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que
referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo
praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento
suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares
ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um
pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um
primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()
meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito
58
tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo
dando noticias pra elesrdquo (D1)
A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado
que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a
promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma
menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)
As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)
-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)
- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)
- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)
- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)
A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)
Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas
funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na
autonomia e independecircncia dos mesmos
ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)
ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)
ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)
A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees
motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na
comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio
para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC
como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995
apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN
FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI
2004)
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Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em
seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as
sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois
exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene
alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua
maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte
dos cuidados
A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida
tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das
familiares no presente trabalho
O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos
familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel
vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)
ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo
(B1)
ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)
O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado
pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam
indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente
As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como
aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias
agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha
ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso
natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)
ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)
O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de
um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se
repita
ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei
o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)
O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante
de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que
os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido
60
ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser
agorardquo (C1)
O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela
acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando
sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem
a patologia atual
ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto
tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra
() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute
mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos
porquerdquo(D1)
Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas
da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP
de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades
de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente
156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados
confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo
Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)
- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
- Medo da morte (iii)
- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)
- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)
- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)
- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)
- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)
- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)
O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de
novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)
Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como
principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees
como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo
61
linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste
processo
A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e
NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com
frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe
ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da
histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham
Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz
seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade
Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as
informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou
boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas
pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo
e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais
com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de
comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o
conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares
Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo
do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no
hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)
ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)
ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc
resultadordquo (C1)
Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante
assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e
desgaste do paciente (C1)
ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)
ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)
ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)
O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se
em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe
ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que
ela tem eacute graverdquo (D1)
62
Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar
como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem
Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda
parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de
algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh
e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo
vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)
As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Ter que lidar com o paciente em coma (i)
- Conhecer pouco a paciente (ii)
-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)
- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)
A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave
questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente
No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade
voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em
funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato
de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter
respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo
ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)
ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)
Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em
termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma
reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e
pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos
Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a
ocorrecircncia do AVC foram
-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)
63
- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)
- Conversas com a paciente (iii)
Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o
intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a
recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O
acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado
na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a
forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que
conversava com a paciente
ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as
notiacuteciasrdquo (A1)
ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta
gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)
ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)
Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de
enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de
enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante
de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas
proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao
indiviacuteduo
Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro
enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver
recursos para poder lidar com ela
Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento
A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou
situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil
ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas
similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de
D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem
(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos
episoacutedios
64
ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para
emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso
aconteceurdquo (B1)
Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele
jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)
ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e
mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por
querdquo (D1)
Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo
de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de
origem da paciente que se encontrava fora de Salvador
ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na
terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho
de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido
dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo
(A1)
A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento
ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela
surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da
situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas
pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia
65
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores
preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por
elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi
possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente
de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas
continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a
experiecircncia vivenciada
As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que
repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor
limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma
unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma
proximidade constante
Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo
em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees
norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no
momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos
Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de
serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC
ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees
para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato
de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para
Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente
Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute
visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo
feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os
cuidados aos enfermos
O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi
instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o
encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe
muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves
66
mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos
sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias
utilizadas para enfrentaacute-lo
As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-
se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para
poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava
restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo
que os doentes
O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem
tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias
que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir
aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los
em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava
por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas
relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves
chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos
ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo
episoacutedio
A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser
bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes
evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave
possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro
Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave
necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento
do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico
Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares
abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter
que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente
do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares
saber como se sentem seus pacientes
67
A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da
expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir
acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento
da UTI
O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no
quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste
modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o
quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade
Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em
alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e
assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees
nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de
tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em
outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de
uma das pacientes do estudo
Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas
os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a
principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo
agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e
aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e
esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo
Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de
informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente
tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade
Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro
desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento
inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto
nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a
ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress
Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a
importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI
68
Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste
processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas
duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos
sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas
envolvidas neste processo
Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao
seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o
familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para
lidar com ela
Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas
principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento
Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante
aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta
terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto
emocionalmente
Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as
duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro
proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao
funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como
dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos
Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um
adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande
comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares
neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de
minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante
para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais
adequado a tal realidade
69
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ANEXO 01
ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo
destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta
unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina
No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da
sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma
sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente
neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos
que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes
O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida
pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato
com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo
de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para
tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que
vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em
questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao
adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os
haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela
situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como
forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo
O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno
deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta
necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a
meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em
momentos distintos deste processo
O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em
tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba
sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando
com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de
forma mais clara o viacutenculo entre ambos
76
Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio
entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica
profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com
dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do
processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel
77
APEcircNDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
FAMILIARES
O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos
pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do
Hospital Espanhol
Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute
ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva
neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente
Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as
formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias
diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo
voltado a estes familiares
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo
seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro
momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado
rotineiramente
Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de
permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do
TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos
atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em
mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia
Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e
responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que
os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo
Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para
contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820
78
Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE
Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi
explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa
Nome________________________________________________________________________
__
Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )
Documento de Identidade ________________
Endereccedilo
_______________________________________________________________________
Telefones para Contato
___________________________________________________________
Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)
Salvador _______ de ____________________ de 2010
_____________________________ _____________________________
Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador
79
APEcircNDICE B
ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de
terapia intensiva
Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento
Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor
Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as
outras vezes EM que sua esposa adoeceu
O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter
provocado isso
O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que
O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo
essas
Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente
Como eacute a sua esposa
Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes
Como foram estas outras experiecircncias para o senhor
Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou
antes
O que tem sido mais difiacutecil para lidar
Como o senhor tem feito para lidar com isso
Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor
Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram
Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo
80
Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento
Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI
Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada
Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa
Qual a sua expectativa a partir de agora
10
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Quadro Paacutegina
QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick
2011
30
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC
2010
51
QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes
viacutetimas de AVC 2010
52
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 12
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20
31 CRISES FAMILIARES 21
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26
4 O ADOECER 28
41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29
5 A DOENCcedilA AGUDA 33
6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35
61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47
62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44
7 MEacuteTODO 49
71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51
8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53
81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65
REFEREcircNCIAS 69
Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75
APEcircNDICE A ndash TCLE 77
APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem
sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de
gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo
apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais
aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a
influecircncia dos mesmos sobre este grupo social
Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves
relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As
definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram
necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees
contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees
Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para
a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de
seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como
primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a
vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos
indiviacuteduos
Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe
confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador
de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo
rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de
opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio
interminaacutevel (1997 p23)
Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo
especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a
mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto
laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a
famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada
Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de
alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente
13
acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e
apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por
outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo
Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma
instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo
elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de
fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como
pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto
como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um
conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das
geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as
dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias
Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis
modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram
distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo
mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da
horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e
autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade
Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a
nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)
Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo
confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e
igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem
negociadosrdquo (1997 p27)
O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem
relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de
famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros
descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo
(MINUCHIN 1999 p28)
Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia
domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos
estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no
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funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias
atuais
Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um
quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem
trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma
populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o
desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus
familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas
O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia
constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros
Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro
cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e
desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o
enfrentamento da situaccedilatildeo
Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente
vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta
eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por
uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter
temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem
(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)
Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o
entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras
aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que
haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro
denominando-se AVC hemorraacutegico
Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do
corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar
caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode
ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos
O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias
na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as
15
doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e
a principal causa de incapacidade no mundo
Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que
sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes
ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente
(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E
KUSOMOTA 2006)
A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica
culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este
por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas
com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados
Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e
cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a
adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado
conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as
primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute
dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E
ANGELO 2005 BOCCHI 2004)
Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva
evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as
atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a
quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias
encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a
necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo
suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo
voltadas aos mesmos
Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se
propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de
pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais
pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos
16
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-
degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou
definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e
responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud
PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008)
De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se
como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso
centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)
O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico
(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte
de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro
comprimindo os neurocircnios
Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade
para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo
aparente
Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre
a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees
cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12
Entretanto o
AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros
fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas
inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas
4 Estudos
preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade
inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45
anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)
Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas
apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs
horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de
receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para
desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz
17
Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam
adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo
saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do
colesterol
A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do
derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este
caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de
idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo
receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular
cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no
mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS
2010)
No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por
AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente
morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos
pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema
no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das
maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados
Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano
A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN
(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo
quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por
AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com
68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute
A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A
regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de
Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
18
coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa
o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
cerebrovasculares
Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto
a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos
nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente
quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e
fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso
Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo
AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento
pessoalrdquo
Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma
ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para
o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter
relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se
natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma
forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece
previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico
mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou
ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes
Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir
de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave
instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da
terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso
constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso
bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio
uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia
Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por
algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias
19
mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e
prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar
sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)
Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos
uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de
internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter
que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar
tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas
unidades impotildee
20
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA
O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande
grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees
familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados
pelo que o grupo familiar permite
Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade
compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo
Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu
funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo
Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois
carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo
as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do
comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia
crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada
De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por
subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo
classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute
sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras
(MINUCHIN 1999)
Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de
transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm
para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um
periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e
novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees
confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua
nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um
periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)
Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os
periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio
tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido
embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo
21
constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo
cristalizada (MINUCHIN 1999)
Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como
complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos
psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do
seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo
adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a
possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)
Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria
familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo
de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica
esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)
Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um
legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de
depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do
grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a
doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria
familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)
Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o
lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de
alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila
podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-
47)
31 CRISES FAMILIARES
Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado
poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de
forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento
diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto
22
em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar
com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)
Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa
uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se
necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991
p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila
Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo
indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros
para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo
de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento
anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de
emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise
Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de
uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria
pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute
que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo
baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e
definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram
um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas
diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo
Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo
como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)
Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros
pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das
crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas
que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)
A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com
destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E
DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-
lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro
tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais
e crises do cuidador
23
As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute
real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise
estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios
guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma
satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo
agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam
se solidarizar a este tipo de acontecimento
As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas
normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as
quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas
poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo
enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo
diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao
longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a
transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de
nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras
As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave
mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que
ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o
stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o
stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios
do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido
anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado
como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia
e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar
ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a
importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar
As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma
rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de
mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou
assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho
Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem
24
desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do
cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador
algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do
que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se
indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por
desencadear a crise
Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer
assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia
mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de
poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem
desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de
dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva
sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador
que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia
desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise
Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua
instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no
desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento
Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento
devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de
crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais
que os auxiliam neste momento
Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson
(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da
famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma
necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros
O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo
pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila
Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez
iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao
estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as
consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social
25
Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre
stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e
outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo
Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que
tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise
previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e
valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que
ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de
mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma
criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud
JOSELEVICH 1991)
Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com
frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu
caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar
Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa
e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos
integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo
(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo
capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um
cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se
estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma
assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir
para potencializar o stress vivenciado
A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito
reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral
quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo
cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do
sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio
emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu
mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo
disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede
e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)
26
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR
Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e
possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de
perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos
mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e
com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez
mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude
e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens
Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres
humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo
emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a
necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no
iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte
do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir
de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a
ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto
maior o potencial para a perda
Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo
transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo
vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a
continuidade da vida
Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos
profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que
agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria
do ciclo vital
Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta
o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como
unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os
membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem
como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento
de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda
27
mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que
confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente
apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo
28
4 O ADOECER
O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele
acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees
de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar
a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional
O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser
compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais
socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute
nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)
Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer
acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente
a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que
provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional
e social
Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar
que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que
marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no
enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute
importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos
A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da
famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e
expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um
universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas
tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto
Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de
adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do
paciente e seus familiares
29
41 A DOENCcedilA CROcircNICA
Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida
das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a
despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta
razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez
que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo
Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a
progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia
de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos
que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se
agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a
estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a
doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas
mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a
necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de
natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma
constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES
KUSOMOTA 2006)
Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de
viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge
a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees
nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)
Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas
nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases
importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)
30
Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011
FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL
bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e
programaccedilatildeo de
tratamento
bullAprender a lidar com
sintomas ambiente
hospitalar e procedimentos
terapecircuticos estabelecer
bons viacutenculos com a
equipe
bullIntervalo entre periacuteodo de
diagnoacutestico inicial e ajuste
ao tratamento
bullPredominam questotildees de morte
e doenccedila terminal
Pode haver uma progressatildeo ou
constacircncia do quadro
bullA famiacutelia busca manter a
normalidade diante da
ldquoanormalidaderdquo da doenccedila
crocircnica
A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto
quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do
organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui
reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi
proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)
Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e
sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada
importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou
outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com
os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons
relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de
natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve
construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas
competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova
condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade
entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar
da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter
e McGoldrick 2001 p 378)
31
A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico
inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de
terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou
mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida
normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal
este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo
claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar
sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p
378)
A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se
faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza
separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma
retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E
McGOLDRICK 2001)
Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre
ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem
desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto
familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007
FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)
Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma
doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua
intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)
Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das
circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA
2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural
habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de
seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas
vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua
rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes
acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos
financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com
32
que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue
cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado
Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida
atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar
(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere
citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados
cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E
MARTINS 2008 p148)
O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a
sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado
por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud
SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao
desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades
sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais
A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo
supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o
cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a
sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo
um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005
ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008
WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)
Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser
vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que
afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda
contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo
(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados
de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo
desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de
sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre
33
eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais
(SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um
suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005
APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante
tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005
paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees
no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e
fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros
quanto do grupordquo
42 A DOENCcedilA AGUDA
Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como
processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees
agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas
Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo
suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um
quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir
uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de
alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)
As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta
agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da
famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo
de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para
administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)
Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos
seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus
familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do
mesmo
34
Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia
se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de
serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel
Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas
famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de
solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)
Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE
observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos
pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se
revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido
Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e
social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de
forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a
dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos
familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)
Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em
unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de
informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de
muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria
relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges
(2009)
O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de
grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as
pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes
que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro
comatoso
Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da
instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo
das UTIs
35
5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)
Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os
pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de
estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade
destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que
funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais
responsaacuteveis
Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de
terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees
raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo
A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas
dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente
dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de
ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade
capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E
CORREcircA 2007)
Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico
raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas
alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E
AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA
2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)
Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas
por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para
ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam
diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem
aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo
proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a
alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um
nuacutemero razoaacutevel de leitos
36
Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo
doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem
de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes
inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas
de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes
com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por
um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar
na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser
diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso
de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como
forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem
Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros
dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da
perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da
equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a
disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)
A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na
maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e
medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu
familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma
linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova
realidade
Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em
unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual
foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada
difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento
por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)
Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela
rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o
fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento
Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e
ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI
37
As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez
que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do
paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo
pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo
familiar
Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua
rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao
ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos
No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua
famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e
finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os
indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus
planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a
instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo
Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco
iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar
hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil
ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo
(p140)
O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo
soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO
E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado
nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e
poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar
papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo
Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns
dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da
situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)
Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a
incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas
(URIZZI E CORREcircA 2007)
38
Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em
uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua
famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de
estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos
(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de
estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe
por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem
picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a
percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes
tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros
2007 URIZZI E CORREcircA 2007)
A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave
comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras
de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo
(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente
restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo
de falta de controle
O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma
mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de
informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a
oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados
referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato
demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma
tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem
como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca
de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos
dados fornecidos pela equipe aos familiares
Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente
com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria
para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como
forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e
familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de
conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)
39
Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina
intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de
48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade
do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica
para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande
desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados
fornecidos
Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a
compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida
natildeo foi comunicada (2007 p05)
Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse
contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs
realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade
pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em
instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o
intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe
de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam
ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007
p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que
se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por
sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo
oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato
ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do
paciente internado em UTI
Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de
terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa
vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha
Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma
morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso
Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute
muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante
40
O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e
funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e
abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais
membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os
diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E
GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)
Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas
que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees
sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009
RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)
O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo
lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo
lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior
entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de
elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944
apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em
potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se
aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente
aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade
aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude
Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e
inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre
a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo
ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo
algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)
Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa
ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os
papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema
familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN
1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de
funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida
satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma
41
morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto
bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste
contexto
Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar
com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas
constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos
envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que
temporariamente a pessoa doente
42
6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA
Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a
famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia
seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra
doente
A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo
revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda
despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a
recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)
Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o
suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos
profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a
colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social
Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees
hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto
Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no
enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)
Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em
um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas
portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o
adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na
famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais
na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao
processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)
A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas
pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente
destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos
Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das
pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos
quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo
43
A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes
as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo
responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas
incapacidade dentre outros
Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente
transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma
histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994
apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a
soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo
ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a
famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e
outros 2002 p 46)
Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar
esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees
contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo
da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias
desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick
1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)
Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do
sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases
temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs
dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto
familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre
a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar
relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da
doenccedila
A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de
uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as
questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo
(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)
Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente
diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees
44
impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se
como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades
Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair
de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por
representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se
encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral
sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da
famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de
emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as
distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave
eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que
a constituem
Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves
mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista
que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir
sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema
(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)
Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na
estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa
para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo
estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da
revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias
consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo
(p 24)
Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a
vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da
famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso
eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda
eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o
periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI
Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que
assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma
45
resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma
possibilidade de recuperaccedilatildeo
Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em
2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o
retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que
desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma
crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de
estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos
como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK
amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)
Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila
de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital
pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a
evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos
papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem
como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar
Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute
com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como
tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma
situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento
Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente
Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas
conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e
incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos
familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular
De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do
ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos
reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais
amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o
ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978
apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)
46
Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute
espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com
eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste
processo
As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na
compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a
tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro
Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade
familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da
famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia
Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se
modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da
famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns
membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)
Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma
alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez
podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a
doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de
instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo
As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as
famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila
avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma
doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na
qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma
fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila
centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de
reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente
estado de fusatildeo
47
61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING
Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress
e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este
processo de maneira menos comprometedora
O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas
pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI
DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping
eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a
uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o
Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN
(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila
cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos
da pessoa (CHAVES 2000)
No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam
que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na
emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema
melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de
remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)
O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto
emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente
de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a
realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente
dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima
positiva manter a esperanccedila e o bem-estar
Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como
reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado
do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido
como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo
acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)
48
Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em
contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no
problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar
informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar
recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida
familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede
mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento
Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes
estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico
aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o
provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados
como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser
melhor e e) usar mecanismos de defesa
Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para
momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa
de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa
(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no
enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no
problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de
terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal
e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo
49
7 MEacuteTODO
Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade
familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos
familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas
apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos
mesmos
Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com
familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados
em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de
Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15
leitos divididos entre as duas especialidades
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos
profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando
dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de
maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)
Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse
jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como
estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela
proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia
No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do
estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos
atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)
Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e
situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os
1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-
BA
50
familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das
demandas observadas (Apecircndice B)
Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos
familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos
propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os
resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que
acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em
uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta
realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles
Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48
horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante
da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste
processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o
serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta
unidade
Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois
casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se
apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que
estava presente em todos os horaacuterios
71 APRESENTANDO OS PACIENTES
Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados
relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do
relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo
considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a
internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A
diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato
de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico
O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um
homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo
possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam
51
atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os
demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem
assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por
apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco
eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)
Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia
de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos
natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)
natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010
Paciente
Sexo
Idade
Estado
Civil
Filhos
Profissatildeo
Residecircncia
Diagnoacutestico
Acompanhante
A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada
B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos
C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de
Almoxarifado
SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta
D F 22 Solteira 0 Auxiliar
Administrativa
Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES
Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos
pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua
maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram
casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam
sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se
mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do
estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos
(Quadro III)
52
QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC
2010
Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia
A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador
B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute
C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix
D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute
53
8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria
de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados
81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS
bull Famiacutelia A
A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com
quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados
reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de
Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante
do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de
obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho
ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse
estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio
sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro
comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC
isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o
internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da
paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato
restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a
mesma e sua histoacuteria
bull Famiacutelia B
A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro
filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua
proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus
familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma
mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes
episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade
sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo
com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos
54
quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador
permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo
bull Famiacutelia C
O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute
alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)
Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de
almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)
Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI
deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute
havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar
sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha
para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima
os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando
bull Famiacutelia D
A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos
reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando
funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel
sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital
em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de
ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia
comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente
e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em
funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em
funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um
primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS
A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo
aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas
sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos
familiares de pacientes viacutetimas de AVC
55
As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)
- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)
- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)
- A ausecircncia de privacidade (iv)
- Ter que lidar com algo novo (v)
O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos
familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao
paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo
trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por
estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante
ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo
familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em
consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada
ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)
ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)
Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas
com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um
nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes
exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao
primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando
a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados
dispensados aos pacientes
ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute
que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)
Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC
o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas
por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo
56
agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo
fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem
de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele
paciente
O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido
pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em
funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa
de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de
estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias
proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a
133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)
era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador
ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito
espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)
ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia
todo aquirdquo (D1)
Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees
onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves
16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta
minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico
plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos
alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando
esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta
de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de
transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba
potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos
O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes
dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia
intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador
ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a
gente melhorardquo (A1)
ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela
precisava ir para UTIrdquo (B1)
57
ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)
ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo
preocupadordquo (D1)
Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em
UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi
percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar
colocar-se no lugar e perceber o outro
Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em
relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades
satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como
ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir
da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma
receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos
investimentos terapecircuticos
O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela
acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina
dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor
aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa
provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora
ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu
esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave
noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no
domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai
precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)
O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que
referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo
praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento
suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares
ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um
pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um
primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()
meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito
58
tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo
dando noticias pra elesrdquo (D1)
A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado
que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a
promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma
menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)
As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)
-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)
- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)
- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)
- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)
A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)
Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas
funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na
autonomia e independecircncia dos mesmos
ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)
ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)
ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)
A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees
motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na
comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio
para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC
como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995
apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN
FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI
2004)
59
Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em
seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as
sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois
exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene
alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua
maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte
dos cuidados
A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida
tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das
familiares no presente trabalho
O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos
familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel
vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)
ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo
(B1)
ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)
O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado
pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam
indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente
As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como
aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias
agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha
ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso
natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)
ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)
O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de
um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se
repita
ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei
o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)
O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante
de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que
os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido
60
ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser
agorardquo (C1)
O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela
acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando
sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem
a patologia atual
ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto
tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra
() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute
mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos
porquerdquo(D1)
Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas
da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP
de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades
de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente
156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados
confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo
Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)
- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
- Medo da morte (iii)
- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)
- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)
- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)
- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)
- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)
- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)
O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de
novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)
Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como
principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees
como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo
61
linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste
processo
A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e
NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com
frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe
ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da
histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham
Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz
seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade
Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as
informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou
boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas
pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo
e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais
com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de
comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o
conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares
Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo
do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no
hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)
ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)
ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc
resultadordquo (C1)
Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante
assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e
desgaste do paciente (C1)
ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)
ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)
ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)
O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se
em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe
ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que
ela tem eacute graverdquo (D1)
62
Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar
como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem
Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda
parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de
algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh
e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo
vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)
As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Ter que lidar com o paciente em coma (i)
- Conhecer pouco a paciente (ii)
-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)
- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)
A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave
questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente
No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade
voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em
funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato
de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter
respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo
ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)
ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)
Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em
termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma
reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e
pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos
Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a
ocorrecircncia do AVC foram
-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)
63
- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)
- Conversas com a paciente (iii)
Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o
intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a
recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O
acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado
na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a
forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que
conversava com a paciente
ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as
notiacuteciasrdquo (A1)
ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta
gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)
ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)
Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de
enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de
enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante
de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas
proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao
indiviacuteduo
Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro
enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver
recursos para poder lidar com ela
Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento
A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou
situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil
ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas
similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de
D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem
(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos
episoacutedios
64
ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para
emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso
aconteceurdquo (B1)
Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele
jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)
ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e
mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por
querdquo (D1)
Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo
de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de
origem da paciente que se encontrava fora de Salvador
ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na
terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho
de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido
dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo
(A1)
A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento
ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela
surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da
situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas
pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia
65
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores
preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por
elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi
possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente
de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas
continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a
experiecircncia vivenciada
As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que
repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor
limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma
unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma
proximidade constante
Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo
em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees
norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no
momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos
Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de
serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC
ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees
para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato
de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para
Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente
Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute
visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo
feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os
cuidados aos enfermos
O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi
instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o
encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe
muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves
66
mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos
sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias
utilizadas para enfrentaacute-lo
As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-
se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para
poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava
restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo
que os doentes
O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem
tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias
que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir
aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los
em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava
por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas
relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves
chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos
ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo
episoacutedio
A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser
bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes
evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave
possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro
Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave
necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento
do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico
Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares
abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter
que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente
do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares
saber como se sentem seus pacientes
67
A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da
expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir
acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento
da UTI
O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no
quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste
modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o
quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade
Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em
alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e
assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees
nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de
tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em
outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de
uma das pacientes do estudo
Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas
os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a
principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo
agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e
aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e
esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo
Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de
informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente
tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade
Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro
desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento
inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto
nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a
ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress
Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a
importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI
68
Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste
processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas
duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos
sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas
envolvidas neste processo
Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao
seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o
familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para
lidar com ela
Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas
principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento
Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante
aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta
terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto
emocionalmente
Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as
duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro
proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao
funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como
dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos
Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um
adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande
comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares
neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de
minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante
para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais
adequado a tal realidade
69
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ANEXO 01
ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo
destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta
unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina
No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da
sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma
sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente
neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos
que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes
O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida
pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato
com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo
de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para
tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que
vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em
questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao
adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os
haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela
situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como
forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo
O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno
deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta
necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a
meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em
momentos distintos deste processo
O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em
tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba
sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando
com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de
forma mais clara o viacutenculo entre ambos
76
Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio
entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica
profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com
dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do
processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel
77
APEcircNDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
FAMILIARES
O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos
pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do
Hospital Espanhol
Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute
ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva
neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente
Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as
formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias
diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo
voltado a estes familiares
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo
seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro
momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado
rotineiramente
Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de
permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do
TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos
atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em
mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia
Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e
responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que
os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo
Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para
contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820
78
Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE
Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi
explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa
Nome________________________________________________________________________
__
Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )
Documento de Identidade ________________
Endereccedilo
_______________________________________________________________________
Telefones para Contato
___________________________________________________________
Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)
Salvador _______ de ____________________ de 2010
_____________________________ _____________________________
Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador
79
APEcircNDICE B
ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de
terapia intensiva
Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento
Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor
Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as
outras vezes EM que sua esposa adoeceu
O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter
provocado isso
O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que
O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo
essas
Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente
Como eacute a sua esposa
Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes
Como foram estas outras experiecircncias para o senhor
Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou
antes
O que tem sido mais difiacutecil para lidar
Como o senhor tem feito para lidar com isso
Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor
Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram
Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo
80
Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento
Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI
Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada
Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa
Qual a sua expectativa a partir de agora
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 12
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20
31 CRISES FAMILIARES 21
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26
4 O ADOECER 28
41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29
5 A DOENCcedilA AGUDA 33
6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35
61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47
62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44
7 MEacuteTODO 49
71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51
8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53
81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65
REFEREcircNCIAS 69
Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75
APEcircNDICE A ndash TCLE 77
APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem
sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de
gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo
apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais
aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a
influecircncia dos mesmos sobre este grupo social
Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves
relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As
definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram
necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees
contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees
Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para
a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de
seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como
primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a
vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos
indiviacuteduos
Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe
confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador
de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo
rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de
opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio
interminaacutevel (1997 p23)
Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo
especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a
mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto
laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a
famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada
Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de
alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente
13
acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e
apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por
outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo
Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma
instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo
elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de
fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como
pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto
como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um
conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das
geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as
dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias
Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis
modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram
distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo
mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da
horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e
autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade
Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a
nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)
Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo
confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e
igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem
negociadosrdquo (1997 p27)
O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem
relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de
famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros
descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo
(MINUCHIN 1999 p28)
Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia
domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos
estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no
14
funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias
atuais
Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um
quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem
trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma
populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o
desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus
familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas
O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia
constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros
Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro
cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e
desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o
enfrentamento da situaccedilatildeo
Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente
vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta
eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por
uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter
temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem
(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)
Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o
entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras
aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que
haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro
denominando-se AVC hemorraacutegico
Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do
corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar
caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode
ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos
O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias
na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as
15
doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e
a principal causa de incapacidade no mundo
Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que
sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes
ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente
(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E
KUSOMOTA 2006)
A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica
culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este
por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas
com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados
Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e
cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a
adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado
conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as
primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute
dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E
ANGELO 2005 BOCCHI 2004)
Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva
evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as
atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a
quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias
encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a
necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo
suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo
voltadas aos mesmos
Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se
propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de
pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais
pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos
16
2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-
degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou
definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e
responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud
PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008)
De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se
como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso
centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)
O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico
(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte
de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro
comprimindo os neurocircnios
Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade
para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo
aparente
Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre
a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees
cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12
Entretanto o
AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros
fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas
inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas
4 Estudos
preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade
inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45
anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)
Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas
apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs
horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de
receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para
desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz
17
Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam
adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo
saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do
colesterol
A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do
derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este
caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de
idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo
receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular
cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no
mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS
2010)
No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por
AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente
morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos
pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema
no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das
maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados
Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano
A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN
(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo
quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)
Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por
AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com
68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute
A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A
regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de
Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do
18
coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa
o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas
cerebrovasculares
Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto
a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos
nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente
quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e
fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso
Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo
AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento
pessoalrdquo
Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma
ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para
o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter
relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se
natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma
forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece
previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico
mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou
ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes
Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir
de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave
instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da
terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso
constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso
bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio
uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia
Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por
algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias
19
mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e
prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar
sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)
Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos
uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de
internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter
que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar
tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas
unidades impotildee
20
3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA
O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande
grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees
familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados
pelo que o grupo familiar permite
Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade
compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo
Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu
funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo
Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois
carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo
as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do
comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia
crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada
De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por
subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo
classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute
sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras
(MINUCHIN 1999)
Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de
transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm
para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um
periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e
novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees
confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua
nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um
periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)
Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os
periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio
tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido
embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo
21
constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo
cristalizada (MINUCHIN 1999)
Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como
complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos
psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do
seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo
adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a
possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)
Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria
familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo
de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica
esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)
Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um
legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de
depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do
grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a
doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria
familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos
(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)
Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o
lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de
alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila
podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-
47)
31 CRISES FAMILIARES
Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado
poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de
forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento
diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto
22
em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar
com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)
Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa
uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se
necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991
p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila
Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo
indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros
para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo
de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento
anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de
emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise
Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de
uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria
pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute
que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo
baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e
definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram
um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas
diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo
Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo
como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)
Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros
pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das
crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas
que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)
A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com
destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E
DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-
lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro
tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais
e crises do cuidador
23
As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute
real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise
estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios
guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma
satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo
agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam
se solidarizar a este tipo de acontecimento
As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas
normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as
quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas
poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo
enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo
diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao
longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a
transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de
nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras
As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave
mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que
ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o
stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o
stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios
do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido
anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado
como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia
e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar
ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a
importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar
As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma
rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de
mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou
assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho
Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem
24
desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do
cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador
algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do
que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se
indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por
desencadear a crise
Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer
assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia
mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de
poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem
desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de
dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva
sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador
que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia
desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise
Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua
instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no
desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento
Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento
devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de
crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais
que os auxiliam neste momento
Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson
(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da
famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma
necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros
O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo
pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila
Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez
iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao
estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as
consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social
25
Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre
stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e
outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo
Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que
tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise
previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e
valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que
ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de
mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma
criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud
JOSELEVICH 1991)
Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com
frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu
caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar
Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa
e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos
integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo
(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo
capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um
cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se
estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma
assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir
para potencializar o stress vivenciado
A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito
reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral
quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo
cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do
sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio
emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu
mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo
disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede
e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)
26
32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR
Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e
possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de
perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos
mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e
com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez
mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude
e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens
Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres
humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo
emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a
necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no
iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte
do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir
de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a
ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto
maior o potencial para a perda
Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo
transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo
vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a
continuidade da vida
Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos
profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que
agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria
do ciclo vital
Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta
o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como
unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os
membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem
como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento
de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda
27
mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que
confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente
apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo
28
4 O ADOECER
O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele
acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees
de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar
a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional
O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser
compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais
socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute
nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)
Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer
acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente
a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que
provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional
e social
Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar
que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que
marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no
enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute
importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos
A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da
famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e
expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um
universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas
tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto
Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de
adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do
paciente e seus familiares
29
41 A DOENCcedilA CROcircNICA
Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida
das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a
despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta
razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez
que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo
Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a
progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia
de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos
que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se
agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a
estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a
doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas
mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a
necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de
natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma
constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES
KUSOMOTA 2006)
Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de
viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge
a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees
nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)
Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas
nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases
importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)
30
Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011
FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL
bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e
programaccedilatildeo de
tratamento
bullAprender a lidar com
sintomas ambiente
hospitalar e procedimentos
terapecircuticos estabelecer
bons viacutenculos com a
equipe
bullIntervalo entre periacuteodo de
diagnoacutestico inicial e ajuste
ao tratamento
bullPredominam questotildees de morte
e doenccedila terminal
Pode haver uma progressatildeo ou
constacircncia do quadro
bullA famiacutelia busca manter a
normalidade diante da
ldquoanormalidaderdquo da doenccedila
crocircnica
A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto
quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do
organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui
reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi
proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)
Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e
sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada
importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou
outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com
os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons
relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de
natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve
construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas
competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova
condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade
entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar
da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter
e McGoldrick 2001 p 378)
31
A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico
inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de
terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou
mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida
normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal
este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo
claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar
sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p
378)
A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se
faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza
separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma
retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E
McGOLDRICK 2001)
Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre
ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem
desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto
familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007
FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)
Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma
doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua
intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)
Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das
circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA
2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural
habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de
seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas
vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua
rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes
acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA
GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos
financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com
32
que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue
cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado
Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida
atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar
(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere
citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados
cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E
MARTINS 2008 p148)
O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a
sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado
por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud
SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao
desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades
sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais
A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo
supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o
cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a
sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo
um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005
ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008
WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)
Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser
vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que
afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda
contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo
(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados
de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo
desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de
sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre
33
eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais
(SIMONETTI E FERREIRA 2008)
Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um
suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005
APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante
tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005
paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees
no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e
fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros
quanto do grupordquo
42 A DOENCcedilA AGUDA
Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como
processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees
agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas
Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo
suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um
quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir
uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de
alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)
As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta
agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da
famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo
de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para
administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)
Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos
seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus
familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do
mesmo
34
Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia
se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de
serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel
Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas
famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de
solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)
Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE
observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos
pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se
revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido
Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e
social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de
forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a
dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos
familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)
Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em
unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de
informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de
muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria
relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges
(2009)
O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de
grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as
pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes
que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro
comatoso
Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os
familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da
instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo
das UTIs
35
5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)
Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os
pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de
estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade
destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que
funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais
responsaacuteveis
Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de
terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees
raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo
A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas
dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente
dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de
ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade
capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E
CORREcircA 2007)
Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico
raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas
alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E
AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA
2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)
Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas
por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para
ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam
diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem
aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo
proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a
alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um
nuacutemero razoaacutevel de leitos
36
Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo
doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem
de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes
inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas
de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes
com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por
um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar
na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser
diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso
de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como
forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem
Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros
dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da
perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da
equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a
disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)
A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na
maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e
medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu
familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma
linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova
realidade
Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em
unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual
foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada
difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento
por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)
Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela
rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o
fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento
Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e
ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI
37
As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez
que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do
paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo
pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo
familiar
Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua
rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao
ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos
No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua
famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e
finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os
indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus
planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a
instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo
Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco
iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar
hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil
ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo
(p140)
O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo
soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO
E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado
nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e
poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar
papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo
Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns
dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da
situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)
Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a
incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas
(URIZZI E CORREcircA 2007)
38
Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em
uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua
famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de
estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos
(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de
estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe
por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem
picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a
percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes
tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros
2007 URIZZI E CORREcircA 2007)
A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave
comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras
de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo
(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente
restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo
de falta de controle
O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma
mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de
informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a
oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados
referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato
demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma
tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem
como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca
de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos
dados fornecidos pela equipe aos familiares
Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente
com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria
para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como
forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e
familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de
conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)
39
Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina
intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de
48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade
do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica
para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande
desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados
fornecidos
Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a
compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida
natildeo foi comunicada (2007 p05)
Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse
contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs
realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade
pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em
instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o
intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe
de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam
ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007
p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que
se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por
sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo
oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato
ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do
paciente internado em UTI
Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de
terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa
vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha
Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma
morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso
Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute
muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante
40
O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e
funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e
abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais
membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os
diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E
GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)
Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas
que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees
sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009
RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)
O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo
lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo
lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior
entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de
elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944
apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em
potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se
aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente
aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade
aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude
Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e
inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre
a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo
ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo
algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)
Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa
ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os
papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema
familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN
1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de
funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida
satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma
41
morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto
bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste
contexto
Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar
com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas
constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos
envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que
temporariamente a pessoa doente
42
6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA
Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a
famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia
seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra
doente
A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo
revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda
despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a
recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)
Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o
suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos
profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a
colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social
Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees
hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto
Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no
enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)
Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em
um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas
portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o
adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na
famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais
na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao
processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)
A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas
pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente
destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos
Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das
pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos
quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo
43
A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes
as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo
responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas
incapacidade dentre outros
Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente
transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma
histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994
apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a
soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo
ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a
famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e
outros 2002 p 46)
Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar
esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees
contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo
da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias
desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick
1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)
Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do
sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases
temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs
dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto
familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre
a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar
relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da
doenccedila
A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de
uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as
questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo
(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)
Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente
diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees
44
impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se
como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades
Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair
de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por
representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se
encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral
sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da
famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de
emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as
distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave
eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que
a constituem
Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves
mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista
que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir
sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema
(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)
Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na
estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa
para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo
estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da
revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias
consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo
(p 24)
Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a
vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da
famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso
eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda
eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o
periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI
Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que
assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma
45
resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma
possibilidade de recuperaccedilatildeo
Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em
2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o
retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que
desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma
crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de
estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos
como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK
amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)
Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila
de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital
pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a
evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos
papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem
como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar
Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute
com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como
tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma
situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento
Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente
Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas
conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e
incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos
familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular
De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do
ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos
reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais
amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o
ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978
apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)
46
Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute
espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com
eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste
processo
As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na
compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a
tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro
Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade
familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da
famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia
Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se
modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da
famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns
membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)
Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma
alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez
podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a
doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de
instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo
As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as
famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila
avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma
doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na
qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma
fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila
centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de
reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente
estado de fusatildeo
47
61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING
Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress
e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este
processo de maneira menos comprometedora
O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas
pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI
DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping
eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a
uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o
Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN
(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila
cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos
da pessoa (CHAVES 2000)
No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam
que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na
emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema
melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de
remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)
O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto
emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente
de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a
realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente
dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima
positiva manter a esperanccedila e o bem-estar
Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como
reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado
do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido
como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo
acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)
48
Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em
contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no
problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar
informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar
recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida
familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede
mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento
Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes
estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico
aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o
provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados
como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser
melhor e e) usar mecanismos de defesa
Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para
momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa
de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa
(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)
Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no
enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no
problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de
terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal
e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo
49
7 MEacuteTODO
Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade
familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos
familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas
apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos
mesmos
Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com
familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados
em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de
Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15
leitos divididos entre as duas especialidades
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos
profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando
dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de
maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)
Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse
jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como
estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela
proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia
No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do
estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos
atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)
Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e
situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os
1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-
BA
50
familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das
demandas observadas (Apecircndice B)
Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos
familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos
propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os
resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que
acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em
uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta
realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles
Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48
horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante
da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste
processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o
serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta
unidade
Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois
casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se
apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que
estava presente em todos os horaacuterios
71 APRESENTANDO OS PACIENTES
Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados
relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do
relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo
considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a
internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A
diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato
de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico
O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um
homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo
possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam
51
atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os
demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem
assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por
apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco
eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)
Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia
de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos
natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)
natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los
QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010
Paciente
Sexo
Idade
Estado
Civil
Filhos
Profissatildeo
Residecircncia
Diagnoacutestico
Acompanhante
A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada
B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos
C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de
Almoxarifado
SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta
D F 22 Solteira 0 Auxiliar
Administrativa
Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde
72 APRESENTANDO OS FAMILIARES
Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos
pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua
maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram
casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam
sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se
mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do
estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos
(Quadro III)
52
QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC
2010
Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia
A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador
B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute
C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix
D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute
53
8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria
de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados
81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS
bull Famiacutelia A
A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com
quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados
reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de
Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante
do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de
obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho
ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse
estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio
sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro
comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC
isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o
internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da
paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato
restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a
mesma e sua histoacuteria
bull Famiacutelia B
A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro
filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua
proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus
familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma
mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes
episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade
sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo
com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos
54
quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador
permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo
bull Famiacutelia C
O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute
alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)
Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de
almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)
Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI
deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute
havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar
sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha
para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima
os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando
bull Famiacutelia D
A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos
reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando
funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel
sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital
em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de
ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia
comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente
e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em
funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em
funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um
primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito
82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS
A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo
aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas
sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos
familiares de pacientes viacutetimas de AVC
55
As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)
- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)
- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)
- A ausecircncia de privacidade (iv)
- Ter que lidar com algo novo (v)
O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos
familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao
paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo
trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por
estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante
ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo
familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em
consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada
ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)
ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)
Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas
com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um
nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes
exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR
MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)
O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao
primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando
a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados
dispensados aos pacientes
ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute
que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)
Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC
o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas
por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo
56
agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo
fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem
de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele
paciente
O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido
pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em
funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa
de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de
estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias
proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a
133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)
era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador
ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito
espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)
ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia
todo aquirdquo (D1)
Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees
onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves
16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta
minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico
plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos
alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando
esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta
de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de
transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba
potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos
O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes
dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia
intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador
ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a
gente melhorardquo (A1)
ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela
precisava ir para UTIrdquo (B1)
57
ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)
ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo
preocupadordquo (D1)
Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em
UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi
percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar
colocar-se no lugar e perceber o outro
Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em
relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades
satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como
ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir
da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma
receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos
investimentos terapecircuticos
O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela
acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina
dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor
aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa
provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora
ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu
esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave
noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no
domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai
precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)
O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que
referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo
praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento
suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares
ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um
pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um
primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()
meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito
58
tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo
dando noticias pra elesrdquo (D1)
A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado
que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a
promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma
menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)
As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC
relacionavam-se a
- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)
-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)
- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)
- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)
- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)
A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)
Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas
funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na
autonomia e independecircncia dos mesmos
ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)
ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)
ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)
A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees
motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na
comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio
para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC
como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995
apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN
FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI
2004)
59
Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em
seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as
sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois
exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene
alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua
maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte
dos cuidados
A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida
tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das
familiares no presente trabalho
O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos
familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel
vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)
ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo
(B1)
ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)
O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado
pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam
indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente
As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como
aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias
agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha
ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso
natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)
ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)
O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de
um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se
repita
ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei
o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)
O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante
de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que
os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido
60
ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser
agorardquo (C1)
O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela
acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando
sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem
a patologia atual
ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto
tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra
() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute
mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos
porquerdquo(D1)
Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas
da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP
de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades
de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente
156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados
confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo
Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)
- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)
- Medo da morte (iii)
- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)
- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)
- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)
- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)
- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)
- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)
O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de
novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)
Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como
principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees
como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo
61
linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste
processo
A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e
NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com
frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe
ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da
histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham
Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz
seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade
Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as
informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou
boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas
pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo
e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais
com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de
comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o
conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares
Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo
do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no
hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)
ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)
ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc
resultadordquo (C1)
Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante
assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e
desgaste do paciente (C1)
ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)
ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)
ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)
O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se
em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe
ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que
ela tem eacute graverdquo (D1)
62
Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar
como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem
Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda
parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de
algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh
e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo
vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)
As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do
AVC foram
- Ter que lidar com o paciente em coma (i)
- Conhecer pouco a paciente (ii)
-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)
- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)
A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave
questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente
No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade
voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em
funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato
de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter
respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo
ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)
ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)
Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em
termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma
reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e
pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos
Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a
ocorrecircncia do AVC foram
-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)
63
- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)
- Conversas com a paciente (iii)
Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o
intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a
recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O
acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado
na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a
forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que
conversava com a paciente
ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as
notiacuteciasrdquo (A1)
ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta
gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)
ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)
Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de
enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de
enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante
de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas
proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao
indiviacuteduo
Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro
enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver
recursos para poder lidar com ela
Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento
A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou
situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil
ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas
similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de
D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem
(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos
episoacutedios
64
ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para
emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso
aconteceurdquo (B1)
Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele
jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)
ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e
mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por
querdquo (D1)
Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo
de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de
origem da paciente que se encontrava fora de Salvador
ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na
terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho
de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido
dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo
(A1)
A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento
ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela
surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da
situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas
pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia
65
9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores
preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por
elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi
possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente
de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas
continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a
experiecircncia vivenciada
As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que
repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor
limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma
unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma
proximidade constante
Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo
em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees
norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no
momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos
Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de
serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC
ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees
para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato
de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para
Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente
Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute
visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo
feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os
cuidados aos enfermos
O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi
instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o
encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe
muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves
66
mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos
sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias
utilizadas para enfrentaacute-lo
As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-
se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para
poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava
restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo
que os doentes
O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem
tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias
que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir
aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los
em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo
O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava
por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas
relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves
chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos
ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo
episoacutedio
A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser
bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes
evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave
possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro
Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave
necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento
do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico
Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares
abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter
que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente
do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares
saber como se sentem seus pacientes
67
A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da
expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir
acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento
da UTI
O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no
quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste
modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o
quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade
Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em
alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e
assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees
nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de
tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em
outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de
uma das pacientes do estudo
Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas
os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a
principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo
agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e
aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e
esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo
Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de
informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente
tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade
Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro
desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento
inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto
nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a
ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress
Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a
importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI
68
Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste
processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas
duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos
sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas
envolvidas neste processo
Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao
seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o
familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para
lidar com ela
Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas
principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento
Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante
aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta
terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto
emocionalmente
Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as
duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro
proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao
funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como
dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos
Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um
adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande
comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares
neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de
minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante
para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais
adequado a tal realidade
69
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ANEXO 01
ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo
destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta
unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina
No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da
sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma
sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente
neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos
que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes
O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida
pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato
com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo
de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para
tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que
vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em
questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao
adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os
haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela
situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como
forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo
O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno
deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta
necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a
meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em
momentos distintos deste processo
O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em
tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba
sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando
com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de
forma mais clara o viacutenculo entre ambos
76
Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio
entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica
profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com
dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do
processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel
77
APEcircNDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
FAMILIARES
O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos
pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do
Hospital Espanhol
Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute
ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva
neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente
Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as
formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias
diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo
voltado a estes familiares
O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de
atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo
(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo
seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro
momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado
rotineiramente
Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de
permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do
TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos
atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em
mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia
Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e
responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que
os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo
Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para
contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820
78
Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE
Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi
explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa
Nome________________________________________________________________________
__
Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )
Documento de Identidade ________________
Endereccedilo
_______________________________________________________________________
Telefones para Contato
___________________________________________________________
Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)
Salvador _______ de ____________________ de 2010
_____________________________ _____________________________
Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador
79
APEcircNDICE B
ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA
Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de
terapia intensiva
Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento
Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor
Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as
outras vezes EM que sua esposa adoeceu
O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter
provocado isso
O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que
O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo
essas
Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente
Como eacute a sua esposa
Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes
Como foram estas outras experiecircncias para o senhor
Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou
antes
O que tem sido mais difiacutecil para lidar
Como o senhor tem feito para lidar com isso
Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor
Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram
Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo
80
Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento
Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI
Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada
Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa
Qual a sua expectativa a partir de agora