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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA-UCB PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO-PRG
CURSO DE PSICOLOGIA/HABILITAÇÃO PSICÓLOGO TRABALHO DE FINAL DE CURSO
USO DE DROGAS NA ADOLESCÊNCIA: UM ESTUDO SOBRE A DINÂMICA DE
UMA FAMÍLIA E SUA PARTICIPAÇÃO EM PROGRAMA DE ATENDIMENTO
INSTITUCIONAL
Autora: Denise Santoro Helmer Gonçalves
Orientadora: Profª.Drª. Maria Alexina Ribeiro
Brasília, junho de 2008.
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA – UCB PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA
USO DE DROGAS NA ADOLESCÊNCIA: UM ESTUDO SOBRE A DINÂMICA DE
UMA FAMÍLIA E SUA PARTICIPAÇÃO EM PROGRAMA DE ATENDIMENTO
INSTITUCIONAL
Denise Santoro Helmer Gonçalves
Trabalho apresentado ao curso de Psicologia da Universidade Católica de Brasília como requisito para obtenção do Título de Psicólogo. Orientadora: Profª. Drª.MariaAlexina Ribeiro
Brasília, junho de 2008.
USO DE DROGAS NA ADOLESCÊNCIA: UM ESTUDO SOBRE A DINÂMICA DE UMA FAMÍLIA E SUA PARTICIPAÇÃO EM UM PROGRAMA DE ATENDIMENTO INSTITUCIONAL
DENISE SANTORO HELMER GONÇALVES
PROFESSORA DOUTORA MARIA ALEXINA RIBEIRO
Estudos de diferentes áreas do conhecimento já instigaram e, cada vez mais, têm levado
muitos estudiosos e teóricos em busca de explicação sobre quais são os fatores que levam ao
uso de drogas na adolescência. A complexidade do tema tem produzido discordâncias no que
se refere ao tratamento da drogadição, no entanto, a despeito das divergências quanto à
escolha da modalidade de intervenção, parece haver, de forma geral, um consenso no que diz
respeito à importância do papel da família como principal alicerce no tratamento para a
interrupção do uso de drogas na adolescência. As bases teóricas que nortearam este estudo
fundamentam-se nos conceitos da abordagem sistêmica da família, tais como: a família como
sistema e seus diferentes subsistemas, o ciclo de vida familiar e a fase da adolescência. A
pesquisa teve como objetivos conhecer a dinâmica de uma família com adolescente usuário
de drogas, bem como alguns aspectos de sua participação em um programa de atendimento
institucional; identificar algumas dimensões da dinâmica familiar como papéis, autoridade,
padrões de comunicação e expressão de afetividade; conhecer a história de uso de drogas
pelo adolescente e providências tomadas pela família; identificar os sentimentos da família
antes e após a participação no programa; identificar mudanças ocorridas a partir do
engajamento da família no programa de atendimento institucional. Foi entrevistada a genitora
de um adolescente usuário de drogas que participava de um Grupo Multifamiliar em uma
instituição de atendimento a adolescentes de Brasília/DF. Os passos seguidos para realização
da pesquisa incluíram: contato com a instituição, observação das atividades, observação dos
grupos multifamiliares e de entrevistas de instrumentalização, indicação da genitora pela
instituição e convite para participar da pesquisa. A entrevista aconteceu na residência da
participante, com duração de duas horas, com base em um roteiro semi-estruturado e foi
gravada em fita k-7. Após ser informada sobre os objetivos e procedimentos do estudo, a
participante assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os dados da entrevista
foram transcritos e submetidos à análise de conteúdo e organizados nas seguintes categorias,
definidas de acordo com os objetivos do estudo: uso de drogas, relações familiares, papéis
familiares, expressão de afetividade na família, ciclo de vida familiar, participação da família
no programa da instituição, mudanças observadas na dinâmica familiar após a participação no
grupo multifamiliar e situação atual da família. Algumas características encontradas na
família estudada, a partir da fala da participante, foram: indefinição dos papéis familiares;
dificuldade em estabelecer regras e limites e exercer autoridade; dificuldade de expressar
afeto e possibilitar o desenvolvimento da autonomia e independência do adolescente;
sentimentos de impotência, insegurança, incompetência e culpa da genitora. A participação no
grupo multifamiliar contribuiu para que a mãe do adolescente desenvolvesse uma capacidade
de empoderamento como, por exemplo, a mudança no discurso do fracasso para o
encorajamento, o que proporcionou uma melhoria na qualidade das relações familiares, tais
como o estabelecimento de limites, a busca de aproximação dos filhos através do diálogo e da
expressão de afeto, especialmente do abraço, a iniciativa de lutar pela suspensão do uso de
drogas pelo filho e a disponibilidade para promover mudanças na família. Todos esse fatores
lhe proporcionaram recursos cognitivos e afetivos para lidar com situações estressantes,
apresentando uma elevação da auto-estima, diminuição de aspectos depressivos e a vontade
individual no processo de recuperação da própria enfermidade. Consideramos que o
referencial teórico fundamentado na teoria sistêmica possibilitou a compreensão da situação,
a partir das relações e das interações da família com seu contexto. A metodologia utilizada
revelou-se adequada ao alcance dos objetivos do estudo, abrindo possibilidades para novas
investigações sobre a problemática do adolescente usuário de drogas e sua família.
Palavras-chave: família, drogadição, adolescência, grupo multifamiliar, empoderamento.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................6
2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 Conceito de Família, segundo as bases da Teoria Sistêmica............................................8 2.2 O ciclo de vida familiar ..................................................................................................14 2.3 Adolescência...................................................................................................................15 2.4 O uso de drogas na adolescência ....................................................................................17 2.4.a A competência da família................................................................................................19 2.4.b O Empowerment............................................................................................................. 20 2.4.c O grupo multifamiliar..................................................................................................... 22
3 OBJETIVO 3.1 Objetivo geral .................................................................................................................25 3.2 Objetivos específicos......................................................................................................25 4 MÉTODO............................................................................................................................26 4.1 Participantes ...................................................................................................................26 4.2 Instrumentos ..................................................................................................................26 4.3 Procedimentos ...............................................................................................................27 4.4 Análise dos dados........................................................................................................... 27 5 RESULTADOS..................................................................................................................28
6 DISCUSSÃO .....................................................................................................................36
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................39
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................44 ANEXOS ANEXO 1- Roteiro de entrevista..............................................................................................45 ANEXO 2- Termo de Consentimento Livre e Esclarecimento ................................................47
6
1- INTRODUÇÃO
Sendo funcionária da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, lotada na Unidade
Mista de Taguatinga, fui convidada, em março de 2007, para trabalhar no serviço de
atendimento ao adolescente. No entanto, seria necessário fazer um curso de capacitação
com duração de 340 horas, distribuída em 04 estágios: observação atenta ao
atendimento; treino em perguntas pertinentes ao atendimento; treino em intervenções e
treino na condução da consulta. O interesse pelo tema drogadição na adolescência
surgiu a partir do conhecimento do trabalho desenvolvido, visto que a instituição tem
como um dos objetivos principais a capacitação de profissionais, na forma de
treinamento em serviço, para formação de novas equipes na atenção ao adolescente e
sua família.
O atendimento realizado na instituição tem como base teórica a Terapia familiar
Sistêmica. A proposta do Grupo multifamiliar é incluir a família no tratamento do
adolescente usuário de drogas, a fim de garantir uma parceria com a equipe, priorizando
a responsabilização da família no tratamento do adolescente. As famílias têm a
oportunidade de transformar a vivência desta dificuldade em uma oportunidade de
repensar, refletir e resignificar as relações familiares a partir do reconhecimento de suas
competências e da construção de relações baseadas na autoridade e na expressão da
afetividade. Segundo Vasconcelos (2003), o trabalho em grupo tem um enorme
potencial para prover suporte emocional e real para os indivíduos, reduzir o risco de
isolamento, estimular a troca de experiências, oferecerem oportunidade para o
desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais.
O uso indevido de drogas constitui um grave problema de saúde pública
mundial, representando danos não só para os indivíduos diretamente envolvidos, como
7
também aos familiares e a sociedade. Assim, estudos que busquem contribuir para uma
melhor compreensão desta problemática, se fazem necessários, já que a dinâmica
familiar representa um dos principais fatores a ser considerado, especialmente quando
se tenta compreender o uso de drogas na adolescência. Pretendemos que este trabalho
abra novos caminhos para a construção de novas possibilidades de enfrentamento da
situação de uso de drogas na adolescência, visando fornecer informações que possam
subsidiar programas de atendimento às famílias que possuem essa problemática. Diante
do exposto, espera-se contribuir, para que os familiares de adolescentes que vivem a
mesma situação, possam refletir sobre suas atitudes, com base no depoimento da mãe de
um adolescente envolvido em situação especial de uso de drogas, participante de um
grupo multifamiliar em uma determinada Instituição de Saúde no Distrito Federal.
A relevância do tema para a Psicologia é a oportunidade de refletir sobre o papel
do cliente e do especialista, pois, no grupo multifamiliar, o especialista é um facilitador
e não o ditador do tratamento, devendo, portanto, respeitar o cliente como especialista
da sua História e da resolução dos seus problemas. O principal objetivo é ajudar as
famílias a desenvolverem a capacidade de empoderaramento, mudando o discurso do
fracasso para o encorajamento.
8
2- REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 - Conceito de Família, segundo as bases da Teoria Sistêmica.
De acordo com a abordagem sistêmica, a família deve ser considerada como um
todo orgânico, um sistema aberto, em constante transformação e interação com outros
sistemas. Segundo Andolfi (1981), a família é um sistema constituído por várias
unidades ligadas ao conjunto por regras de comportamento e por funções dinâmicas,
que estão em constante interação, sendo que uma mudança em uma unidade será
seguida por uma nova mudança nas outras unidades.
A família é a instituição mais importante, pois ela tem a capacidade de exercer
maior controle (estabelecimento de regras, horários, punições, recompensas) sobre o
jovem. É assim que se dá a sua importância como fator de risco ou de proteção para a
infração (FEIJÓ; ASSIS, 2004).
A Teoria Sistêmica considera que o sintoma apresentado por um membro da
família faz sentido quando visto à luz de seu contexto familiar. Assim, o sintoma é
considerado um “fenômeno relacional, que tem uma função no e para o sistema”
(PENSO 2003, p.33).
Entre os seres humanos, unir-se para “coexistir” significa normalmente uma
sorte de grupo familiar. A família é um grupo natural que através dos tempos tem
desenvolvido padrões de interação. Estes padrões constituem a estrutura familiar que,
por sua vez, governa o funcionamento dos membros da família, delineando sua gama de
comportamento e facilitando sua interação. Uma forma viável de estrutura familiar é
necessária para desempenhar suas tarefas essenciais e dar apoio para a individualização
ao mesmo tempo em que provê um sentido de pertinência (MINUCHIN; FISHMAN,
1990).
9
Segundo Sarti (1993), vários estudiosos da família começam seus trabalhos
comentando a dificuldade particular que o assunto oferece por remeter a uma realidade
que nos é muito próxima e que se confunde com o que nós somos com nossa identidade
pessoal. Exige, assim, um esforço de distanciamento nem sempre fácil. Se esse é um
problema comum aos estudos sobre a família, acrescenta-se outro à análise das famílias
hoje, pela extraordinária rapidez da mudança nas suas relações internas nas últimas
décadas.
Podemos observar uma mudança no significado da família. Na geração passada,
as mudanças nos padrões de ciclo de vida familiar aumentaram em virtude do índice de
natalidade menor, da expectativa de vida maior, da mudança do papel feminino e do
crescente índice de divórcio, recasamento e mãe solteira. A mudança do papel feminino
nas famílias tem sido crucial na modificação desses padrões de ciclo de vida familiar.
Durante muito tempo a identidade feminina era quase que pré-determinada, tendo,
assim, seus objetivos pessoais voltados para o campo familiar. O movimento feminista
foi crucial para que a mulher assumisse uma identidade pessoal e o ciclo de vida
familiar passasse a apresentar variadas mudanças em seus padrões, estágios, estruturas e
formas (CARTER; McGOLDRICK, 1985).
Segundo Minuchin e Fishman (1990), todo ser humano se vê como uma
unidade, um todo, interagindo com outras unidades. Sabe que influi sobre o
comportamento de outros indivíduos e que eles influenciam o seu. E quando interage
dentro de sua família, experiencia o mapeamento do mundo da família.
Féres-Carneiro (1992), a partir de várias pesquisas realizadas na Universidade
Católica do Rio de Janeiro e da literatura sobre família e terapia familiar, estabelece
dimensões do funcionamento da família consideradas por eles importantes na
10
determinação da saúde sócio-emocional de seus membros. Foram estudados e
pesquisados padrões de relação que diferenciam uma interação familiar saudável de
uma interação familiar enferma. A partir daí são definidas categorias de saúde e de
doença, presentes na dinâmica familiar, relacionadas às seguintes dimensões:
1-Comunicação - foram identificados os níveis de relato e ordem, presentes em
qualquer comunicação. A autora discorre sobre quatro importantes distúrbios da
comunicação que, quando presentes no grupo familiar, dificultam o desenvolvimento
emocional dos membros da família. A comunicação que dificultará o desenvolvimento
saudável dos membros da família é caracterizada como incongruente, confusa, sem
direcionalidade adequada, sem carga emocional adequada e é também denominada de
comunicação desqualificada e disfuncional.
2-Regras familiares - todo grupo social possui normas que regulam o
comportamento do grupo. Há quatro importantes dimensões nas regras familiares
estreitamente mencionadas com o desenvolvimento emocional saudável dos membros a
família. São elas: a explicitação, a coerência, a flexibilidade e a democracia das regras.
Regras coerentes e flexíveis facilitam o desenvolvimento emocional saudável dos
membros da família, assim como regras explicitamente discutias e democraticamente
compartilhadas.
3- Papéis familiares - o grupo familiar é definido como as funções de cada
membro a partir das posições que ocupa nos subsistemas conjugal, parental, fraternal e
filial. A família é facilitadora de saúde emocional, na medida em que cada membro
conhece e desempenha seu papel específico. A família estará facilitando o crescimento
de seus membros quando cada membro puder assumir papéis definidos e adequados,
todavia sem estereotipia e rigidez.
11
4-Liderança - no sistema familiar, na medida em que o subsistema parental é
investido de certa autoridade e o poder dos pais se diferencia do poder dos filhos, é
esperado dos pais, sobretudo quando os filhos estão no início do seu desenvolvimento,
que eles assumam frequentemente os papéis de líderes. Todavia, assim como é
importante que a autoridade dos pais possa ser questionada, é importante que, em alguns
momentos, o papel de líder possa ser assumido por outros membros da família,
dependendo do tipo de interação estabelecidas. A presença ou não da liderança e sua
possibilidade de diferenciação, assim como, sua forma autocrática ou democrática, são
dimensões importantes na determinação de uma dinâmica familiar facilitadora de saúde
emocional.
5- Conflitos - os conflitos, na interação familiar, podem ser vistos como
benignos ou malignos na medida em que estimulem o crescimento ou predisponham ao
desequilíbrio emocional. Os conflitos são expressos quando podem aparecer de forma
explicita e clara na interação familiar. Os conflitos são possivelmente valorizados
quando as diferenças e discordância entre os membros da família são vistas por eles,
não como uma ameaça, mas, sobretudo como algo que pode ser construtivo, na medida
em que, estimule o crescimento.
6- Manifestações da agressividade - é muito importante que, na interação
familiar, os sentimentos possam ser expressivos, quaisquer que eles sejam. Nas famílias
que facilitam o crescimento emocional de seus membros, a manifestação da
agressividade está presente podendo ser de forma construtiva e com direcionalidade
adequada.
7- Afeição física - para que uma família promova o desenvolvimento emocional
saudável de seus membros, é importante que o contato físico possa estar presente e ser
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manifestado com carga emocional adequada entre os diferentes membros do grupo,
sobretudo, pelos pais em relação aos filhos e, em relação um ao outro.
8- Interação conjugal - é muito importante que a relação conjugal possa ser
gratificante para os membros do casal, não apenas tendo em vista as suas satisfações
recíprocas, mas também considerando as repercussões na formação da identidade sexual
da criança e do adolescente, funcionando para eles como modelo básico de relação
homem - mulher.
9-Auto-estima - a interação familiar promove auto-estima nos membros da
família quando os pais possuem sentimentos de valor positivo em relação a si mesmos e
valorizam o crescimento, as novas aquisições e as realizações de seus filhos.
Gonzáles (2006) apresenta vários fatores que conduzem às disfunções e crises
familiares, dentre elas as resistências às mudanças evolutivas, às mudanças do ciclo
vital dos membros da família, e a manutenção de atitudes educativas errôneas. Ele
destaca os dez mal-estares da família atual, dos quais gostaria de citar o mal estar na
família que, segundo o autor, se deve à:
1-Falta de habilidade educativa dos pais - Os pais submergem em um mar de confusões,
não sabendo o que fazer e como manter critérios claros e seguros que lhes permitam ter
consciência de estar fazendo aquilo que desejam de todo coração. Os pais não foram
educados para serem pais. O importante como perspectiva é começar a ensinar os
adolescentes de hoje o que é “formar um casal” e construir uma família.
2-Falta de limites - Existe o medo de colocar limites para os filhos. Há fantasias de
perder o afeto, o carinho, o amor dos filhos se lhes disser “não”. Aprender a dizer “não”
é um objetivo prioritário para os pais hoje.
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3-Escassa hierarquia na família - O grupo familiar entendido como sistema, tem uma
estrutura para poder levar adiante suas tarefas educativas. Pai e mãe devem integrar o
que cada qual tem de melhor e mais positivo, sem criar problemas e potencializando as
interferências de gênero e de estilos aprendidos nas famílias de origem para que
enriqueçam a função educadora.
4-Confusão de papéis na estrutura família - Da renúncia dos pais surge a confusão de
papéis. Há muitas mães que têm que ser “pai-mãe”, nisso encerra-se uma armadilha
para a apresentação de modelos complementares que servem de referências para
finalizar o processo de “identificações infantis” que há de congelar na “identidade
adolescente”, que é o núcleo central da constituição da personalidade adulta e madura.
A família representa um subsistema dentro de um sistema maior que é o
contexto sócio-cultural no qual a família está inserida. Da mesma forma esta família
está composta por subsistemas, como o conjugal e o fraternal. Segundo Minuchin e
Fishman (1990), é por meio dos subsistemas que o sistema familiar diferencia e realiza
suas funções. Ele diferencia três tipos de fronteiras: nítida, difusa e rígida.
A fronteira nítida é permeável, permitindo trocas sadias, sem, no entanto, perder
o limite da diferenciação. A fronteira difusa é aquela onde os limites são pouco
diferenciados, deixando entrar e sair com muita facilidade, perdendo os limites
necessários. A fronteira rígida apresenta pouca permeabilidade, deixando pouco espaço
para a expansão e as trocas.
O estado ideal das fronteiras é a semipermeabilidade, que permite trocar, ao
mesmo tempo em que garante diferenciação dos subsistemas e dos membros que os
compõem.
14
2.2 - O ciclo de vida familiar
Atualmente o modelo do Ciclo de Vida Familiar proposto por Carter e
McGoldrick (1995) é o mais utilizado por estudiosos da área. As autoras elaboraram um
modelo, no qual este Ciclo é dividido em seis estágios: saindo de casa: jovens solteiros,
a união de famílias no novo casamento: o novo casal, famílias com filhos pequenos,
famílias com adolescentes, lançando os filhos e seguindo em frente e famílias no estágio
tardio da vida.
Segundo Carter e McGoldrick (1995), a família sofre estressores que vão gerar
picos de ansiedade e provocar a geração do sintoma. Acreditam que o estresse familiar,
seja maior nos pontos de transição de um estágio para outro, no processo
desenvolvimental familiar, e que os sintomas tendem a aparecer mais quando há uma
interrupção ou deslocamento no ciclo de vida familiar em desdobramento. Para elas, o
ciclo de vida familiar é um fenômeno complexo. Ele é uma espiral da evolução familiar
na medida em que as gerações avançam no tempo em seu desenvolvimento do
nascimento à morte.
À medida que a criança cresce e suas necessidades mudam, o subsistema
parental deverá mudar também. Com o aumento de sua capacidade, a ela devem ser
dadas mais oportunidades de decisões e de autocontrole. Famílias com filhos
adolescentes devem negociar diferentemente das famílias com filhos menores. Pais com
filhos maiores terão que conceder-lhes mais responsabilidade (MINUCHIN;
FISHMAN, 1990).
Para Carter e McGoldrick (1995), as fronteiras agora, devem ser
permeáveis. Os pais não podem mais impor uma autoridade completa. Os adolescentes
podem e realmente abrem a família para um cortejo completo de novos valores, quando
15
trazem seus amigos e novos ideais para a arena familiar. As autoras chamam a atenção
para as adaptações na estrutura e na organização familiar para manejar questões típicas
que vêm com a adolescência. Confirmam que as famílias onde os adolescentes são
encorajados a participarem de processos de tomada de decisão permitem que o filho
tenha mais autonomia. Para isso, sublinham a importância dos pais manterem o controle
e serem, ao mesmo tempo, objetivos, apoiadores e democráticos.
A importância atribuída aos pares na adolescência também provoca mudança no
relacionamento entre pais e filhos. Os adolescentes tornam-se mais distantes de seus
pais e têm maior probabilidade de recorrer aos pares em busca de conselhos sobre como
agir em diferentes contextos (COLE; COLE, 2004).
A Teoria Sistêmica considera que o sintoma apresentado por um membro da
família faz sentido quando visto à luz de seu contexto familiar. Assim, o sintoma é
considerado um “fenômeno relacional, que tem uma função no e para o sistema” e
ainda refere-se à crise da adolescência como sendo de toda a família onde todos deverão
buscar um novo equilíbrio. (PENSO, 2003).
2.3 - Adolescência
Penso (2003) descreve a adolescência como uma fase marcada por uma série de
transformações, onde o indivíduo sofre as maiores modificações no seu processo vital.
Para a autora, este é um período de intensa experimentação de papéis e situações
sociais, sendo um momento rico em possibilidades de descobertas, reorganização e
mudanças.
Na busca pelo desenvolvimento de sua autonomia, é fundamental que os
adolescentes possam se aventurar fora de casa para se tornarem mais autoconfiantes e
16
independentes. Assim, é preciso que sejam encorajados a se tornarem mais responsáveis
por si mesmos. Isto não significa desconectar-se emocionalmente dos pais, mas reflete
uma fase em que ele tem mais controle sobre a tomada de decisões em sua vida
(CARTER; McGOLDRICK, 1995).
Tanto a família quanto os amigos, tem um papel fundamental na formação da
identidade dos adolescentes. As amizades dos jovens, os grupos ou turmas,
desempenham um papel desenvolvimental importante. Ao buscarem uma turma, os
adolescentes procuram aquela cujos membros comportam-se de maneiras específicas,
compartilhando interesses, crenças e valores. As turmas, portanto, e a maneira como são
categorizadas, ajudam os adolescentes a aprender as identidades sociais, geralmente
orientando o tipo de relações interpessoais que se estabelecem entre os seus membros
(COLE; COLE, 2004). Freitas (2002) descreve o grupo de pares como o lugar onde o
adolescente busca uma certa segurança e um aumento de sua auto-estima.
Durante a adolescência deve-se considerar o papel da pressão e influência dos
pares no comportamento dos jovens. Porém, essa deve ser considerada como um
processo mútuo, no qual o adolescente influencia e é influenciado por seu grupo,
podendo escolher os amigos com os quais se identifica (COLE; COLE, 2004).
Segundo Bezerra (1999), a essência da adolescência está no salto tanto
qualitativo como quantitativo, da unidade biopsicossocial. Esta unidade traz
componentes específicos e distintos tanto nos aspectos biológicos, quanto psicológicos e
sócio-culturais, mas nem são vivenciadas nem podem ser pensadas separadamente, pois
sempre estão juntas em cada ação. Numa concepção sistêmico-complexa, este salto
quanti-qualitativo biopsicossocial é o que caracteriza e fundamenta a adolescência
(BEZERRA, 1999).
17
2.4 – O uso de drogas na adolescência
Para Carter e McGoldrick (1995), a maioria das famílias é capaz de se
reorganizarem e mudarem suas normas e os limites para permitir aos adolescentes maior
autonomia e independência. Porém, segundo os autores, problemas universais
associados à transição para a adolescência, podem resultar na disfunção familiar e no
desenvolvimento de sintomas, tanto no adolescente, quanto em qualquer outro membro
da família.
Segundo Carter e McGoldrick (1995), a propensão do adolescente em questionar
e desafiar normas e padrões também desencadeia transformações em casa, na escola e
na comunidade.
A família é a instituição mais importante, pois ela tem a capacidade de exercer
maior controle (estabelecimento de regras, horários, punições, recompensas) sobre o
jovem. É assim que se dá a sua importância como fator de risco ou de proteção para a
infração (FEIJÓ; ASSIS, 2004).
Com a adolescência, o grupo de companheiros alcança muito poder. É uma
cultura em si mesmo, com seus próprios valores sobre sexo, drogas, álcool, maneira de
vestir, política, estilo de vida e sobre o futuro. Agora a família está interagindo com um
sistema forte e muitas vezes competitivo e a competência crescente do adolescente
torna-o mais apto a demandar acomodação de seus pais (MINUCHIN; FISHMAN,
1990).
Segundo Bezerra e Linhares (1999), os pais, embora percebam e sintam a
gravidade dos problemas que o uso de drogas traz para o filho e para a família, sentem-
se impotentes, incompetentes, culpados, e, sobretudo ficam confusos e divididos entre o
18
certo e o errado, não sabem mais que atitudes devem tomar. Os autores citam alguns
fatores sociais e culturais que sustentam, complicam, alimentam e ampliam esta
situação, tais como:
- Uma banalização do uso de drogas por vários seguimentos sociais, como bandas de
música e movimentos artísticos, algumas defesas calorosas e públicas e o argumento de
que “todo mundo um dia vai experimentar”, ou que esse uso faz parte da fase da
adolescência e que, portanto vai passar.
- A ambigüidade social criminaliza algumas drogas e legaliza outras com argumentos
falsos e moralistas. Essa separação de drogas lícitas e ilícitas não tem qualquer relação
com o mal que possam causar, pois ambas são prejudiciais à saúde. Muitos pais entram
em pânico, porque descobriram que a filha usa maconha, no entanto, não demonstram a
mesma preocupação com um adulto da família ou mesmo com o filho que faz uso
sistemático de álcool, ambas as situações são preocupantes.
- Argumentos racionais e simplistas que deslocam essa questão complexa das drogas
somente para a área da saúde física e área jurídica, sem levar em conta que o uso de
drogas pelo filho envolve, sobretudo, aspectos afetivos e emocionais entre os membros
da família. Os primeiros e principais problemas que surgem, e que devem preocupar os
pais, não estão na esfera da saúde, mas no distanciamento afetivo entre pais e filhos, nas
dificuldades de comunicação que contaminam outros aspectos da dinâmica familiar, e
na esfera social, pelo fato do adolescente ser lançado num contexto marginal que
permeia o uso de drogas ilícitas, sendo este meio mais nocivo que o próprio uso da
droga em si.
19
- Informação e posições contraditórias entre profissionais sobre o uso de drogas, que
vão depender da experiência, do tempo dessa experiência, e principalmente do modelo
técnico-ontológico dos profissionais envolvidos.
- Encontramos posições variadas tais como: “o adolescente só pára se ele de fato quiser
ser ajudado”; “não adianta proibi-lo de usar drogas, pois ele tem de descobrir outros
prazeres para substituir a droga”; todos os adolescentes experimentarão drogas de
qualquer maneira”.
De acordo com a abordagem sistêmica da família, quando no contexto familiar,
um membro é capaz de mudar, tende a possibilitar mudanças nos outros membros.
Nesse sentido, o grupo multifamiliar, ajuda a família no reconhecimento de suas
potencialidades e no desenvolvimento de suas competências. Assim, algumas famílias
sentindo-se empoderadas, têm contribuído para afastar o adolescente do contexto das
drogas, a partir de algumas atitudes:
2.4.a - A competência da família
Os vínculos dos pais com os filhos são mais poderosos em operar mudanças que
qualquer vínculo terapêutico ou de autoridade constituída. São vínculos com história de
vida, com um tempo de, no mínimo, a idade do filho. É essa crença do profissional que
vai confirmar a família como capaz e competente e torná-la poderosa em promover
mudanças verdadeiras em todo o sistema familiar. Se essa família não for confirmada
como capaz, o que de fato é, ficará mergulhada numa crença de fracasso e de
incompetência tão grande que dificilmente terá condições de ajudar o filho, e tentará de
todos os modos transferir a competência para o profissional, que se não for “esperto”,
será seduzido pelo brilho do poder de curar e cairá na armadilha mais antiga e perigosa
para nós. É tão difícil para a família acreditar que é ela que tem os instrumentos para
20
fazer o filho parar com o uso de drogas, como para o profissional descer do pedestal
onde foi colocado pela família, que acaba funcionando como uma armadilha para
ambos. Basta a crueldade de nossa sociedade que põe na família toda a culpa
(BEZERRA; LINHARES, 1999). No grupo multifamiliar o especialista é um
facilitador e não o ditador do tratamento, devendo, portanto, respeitar o cliente como
especialista da sua História e da resolução dos seus problemas. O principal objetivo é
ajudar as famílias a desenvolverem a capacidade de empoderaramento, mudando o
discurso do fracasso para o encorajamento.
2.4.b - O Empowerment
Constitui um termo da língua inglesa de difícil tradução direta em português e
alguns têm traduzido como empoderamento, fortalecimento ou aumento da autonomia.
Vasconcelos (2003) propõe usar o termo original em inglês, exatamente para manter a
complexidade e o caráter multifacetário do conceito, propondo um sentido provisório de
“aumento do poder e autonomia pessoal e coletiva de indivíduos e grupos sociais nas
relações interpessoais e institucionais, principalmente daqueles submetidos a relações de
opressão, dominação e discriminação social”. O Autor faz uma tentativa de adaptação e
diversificação dos termos originais em inglês, para adequá-los às condições e estratégias
no campo da saúde mental em nosso país. Citaremos alguns:
1- Recuperação – No campo da saúde mental, o termo foi apropriado pelo
movimento de usuários, como um processo profundamente pessoal e coletivo de
mudanças que pode levar a uma vida com satisfação, desejo e participação social,
mesmo com as limitações causadas pelo transtorno.
2- Cuidado de si – Dispositivos individuais de elaboração das vivências
pessoais, inclusive auto-ajuda. Propõe-se que este conceito abranja apenas os
dispositivos e abordagens que mobilizem a iniciativa e a vontade individual de cada
21
pessoa, no seu processo de recuperação, de elaboração das suas vivências pessoais
difíceis e de aumento do poder contratual em suas relações pessoais e sociais.
3- Ajuda mútua – Constituem grupos de trocas de vivências, experiências, de
ajuda emocional e discussão das diferentes estratégias para lidar com os problemas
comuns. Outro caminho para a ajuda mútua é constituído pelas redes informais mais
amplas de amigos e companheiros com os quais vamos trocando regularmente as nossas
experiências, vitórias, desafios e dificuldades da vida.
4- Suporte mútuo – Na maioria das vezes a partir de dispositivos de ajuda mútua,
podemos também desenvolver atividades e iniciativas de cuidado e suporte concreto na
vida cotidiana. Segundo Vasconcelos (2003), cada tipo de indivíduo, grupo ou clientela,
implica em diferentes formas de discriminação/opressão, de comunicação humana, de
habilidades sociais e necessidades específicas, requerendo-se, portanto, perspectivas
teóricas apropriadas e um conjunto particular de estratégias práticas.
Uma segunda observação do autor refere-se à necessária integração dos
diferentes níveis e tipos de práticas. A maior parte das situações concretas que requerem
uma intervenção na perspectiva do empowerment e das lutas antiopressivas irá
necessitar de múltiplas e variadas formas de trabalho integradas no nível individual,
grupal, comunitário, institucional e político mais amplo.
O autor afirma que as estratégias de empowerment baseadas em abordagens
antiopressivas podem ser implementadas nos seguintes níveis: auto-empowerment,
cuidado de si e demais estratégias de ajuda e defesa dos direitos individuais. Embora
reconhecendo a importância de cada um desses níveis, comentaremos o cuidado de si e
a autodefesa de direitos, o empowerment das outras pessoas e o empowerment grupal.
1- Cuidando de si: essa perspectiva traz algumas idéias-chave que indicam
conhecer melhor a si mesmo, desenvolvendo um autêntico processo de
individuação; explorar e criar uma narrativa autobiográfica, integrando
22
experiências vividas, dispersa e às vezes dolorosas; trabalhar as dificuldades
subjetivas e objetivas, se necessário com ajuda profissional adequada; adotar
práticas reflexivas identificando objetivos; estabelecer um processo de
desenvolvimento pessoal que envolva não somente as dimensões
psicológicas, mas também reais oportunidades em outras áreas; criar ou
desenvolver uma boa rede de contatos, amizades, intercâmbio social, de
apoio pessoal, de cuidado e de ação social e política; realizar ações diretas
com base em informações consistentes e/ou conjuntamente com outros
grupos ou organizações antiopressivas e de empowerment.
2- O empowerment de outras pessoas: esse nível de prática é importante não só
para trabalhadores e profissionais, mas também para usuários dos serviços e
pessoas comuns em suas relações interpessoais cotidianas, que podem
ganhar dimensões e características de empowerment.
3- O empowerment grupal: existe uma visão muito comum e difusa de que
qualquer atividade de grupo implica automaticamente em empowerment
individual e coletivo de seus membros. O trabalho em grupo tem um enorme
potencial para prover suporte emocional e real para os indivíduos, reduzir o
risco de isolamento, estimular a troca de experiências, oferecerem
oportunidade para o desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais.
2.4.c - O grupo multifamiliar
O grupo multifamiliar tem como objetivo possibilitar às famílias trocar
experiências, potencializar os recursos para que se sintam capazes de agir diante da
dificuldade do uso de droga do adolescente, aprender novas formas de comportamento e
confirmar as famílias para que possam executar ações positivas.
23
A proposta do Grupo é incluir a família no tratamento do adolescente usuário de
drogas, a fim de garantir uma parceria entre a equipe e a família, priorizando a
responsabilização da família no tratamento do adolescente. Para tanto, os membros da
equipe atuam como facilitadores potencializadores das capacidades das famílias, uma
vez que acreditam na competência da mesma para assumir a responsabilidade em ajudar
o adolescente a parar com o uso de drogas (BEZERRA; LINHARES, 1999).
No dia da marcação de consulta o familiar é agendado para uma entrevista na
semana seguinte e orientado a levar o maior número de familiares possível para compor
a rede de proteção ao tratamento do adolescente. No dia da entrevista os facilitadores
seguem um roteiro de entrevista coletando informações sobre o uso de droga do
adolescente e a dinâmica familiar. Nesta mesma etapa do atendimento, o familiar recebe
um calendário do grupo com informação dos dias e horários dos encontros, o guia de
atitudes e declarações e ainda é feita a instrumentalização que consiste na apresentação
das atitudes e declarações, que fazem parte da proposta de trabalho da equipe:
A Arte de Construir Relações Amorosas na Família:
As cinco atitudes
1ª Atitude: Separe a pessoa do comportamento.
2ª Atitude: Usar a força dos sentimentos e iniciar um diálogo com a palavra “EU·”.
3ª Atitude: Defina quem é quem na relação.
4ª Atitude: Apostar no positivo, construindo um elogio por dia: identifique um
comportamento positivo, atribua uma qualidade a pessoa que fez isso e diga como você
se sentiu diante da atitude da pessoa.
24
5ª Atitude: Diminuir distâncias com um abraço em família no mínimo três vezes ao dia.
É um abraço planejado, internacional e estratégico e sempre que abraçar, deve-se
mentalizar uma ORDEM:“O seu coração vai ouvir o meu coração”.
As cinco declarações
1ª Declaração: Amor Incondicional - Não abrir mão do adolescente por nada.
2ª Declaração: Não aceitação do comportamento - Não aceitação do uso de drogas,
fazendo o possível e o impossível para interromper o uso.
3ª Declaração: Responsabilidade – Assumir a responsabilidade de fazer o adolescente
parar com o uso de drogas e oferecer a própria mudança como instrumento de mudança
do outro.
4ª Declaração: Sem segredos - “Nós não vamos guardar segredo para ninguém que
possa nos ajudar”
5ª Declaração: Persistência - “Eu não vou desistir nunca de você e nem de fazer você
mudar esse comportamento”.
Independente da relação, que pode já estar desgastada ou não, os pais amam os
filhos, e os filhos amam seus pais. Não existe ex-pai, ex-mãe ou ex-filhos. Muitas vezes,
a mágoa é tanta que bloqueia nosso canal de amorosidade. Confundimos a não
demonstração de amor com a falta de amor. Ao colocar em prática as atitudes, podem
surgir algumas dificuldades. Diante dessas dificuldades, o primeiro movimento é fugir.
Mas, como as dificuldades apontam para o crescimento, o que devemos fazer é correr
em direção a elas (BEZERRA, LINHARES, 2006).
25
3 – OBJETIVO
1. Objetivo Geral:
- Conhecer a dinâmica de uma família com adolescente usuário de drogas, bem como
alguns aspectos de sua participação em um programa de atendimento institucional.
2. Objetivos específicos:
- Identificar algumas dimensões da dinâmica familiar como papéis, autoridade, padrões
de comunicação e expressão de afetividade.
- Conhecer a história de uso de drogas pelo adolescente, as providências tomadas pela
família e sua situação atual.
- Identificar os sentimentos da família antes e após a participação programa.
- Identificar mudanças ocorridas na dinâmica familiar a partir do engajamento da
família no programa de atendimento institucional.
26
4- MÉTODO
Utilizamos pesquisa qualitativa através do estudo de caso. Segundo André
(2005), o estudo de caso é um tipo de estudo adequado para investigar problemas
práticos, questões que emergem do dia-a-dia. Algumas das vantagens do estudo de caso,
citadas pela autora é a possibilidade de fornecer uma visão profunda e ao mesmo tempo
ampla e integrada de uma unidade social complexa, composta de múltiplas variáveis e a
capacidade de retratar situações da vida real, sem prejuízo de sua complexidade e de sua
dinâmica natural.
4.1 - Participante
Participou da pesquisa a Sra. Ane¹, de 55 anos, solteira, advogada, funcionária pública,
com renda mensal de 12.000,00 reais. A sra. Ane é evangélica, reside com a filha Cler,
de 26 anos, solteira, jornalista, evangélica e o filho Marc, de 18 anos, adotivo. Marc é
solteiro, tem o segundo grau completo, está desempregado, e é usuário de drogas há seis
anos. Marc foi adotado aos três meses de idade e, segundo a Sra. Ane, “a mãe biológica
nunca o procurou, nunca quis saber dele e nem ele nunca quis saber dela”.
4.2-Instrumentos
Foram utilizados os seguintes instrumentos:
- roteiro de entrevista semi-estruturada (Anexo 1);
- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 2);
- gravador e fita k-7.
¹ Todos os nomes utilizados no presente trabalho são fictícios
27
4.3 – Procedimentos
A partir do interesse em realizar o trabalho sobre a participação da família no
tratamento do adolescente usuário de drogas, foi feito contato com uma mãe
participante, há 04 anos, de um grupo multifamiliar em uma instituição pública. Assim,
foi feito o primeiro contato, o convite para participação na entrevista e prestadas as
informações sobre a natureza deste trabalho. A entrevista aconteceu na residência da
participante, com duração de duas horas e foi gravada em fita K7 para posterior
transcrição.
4.4 - Análise dos dados
Os dados da entrevista foram transcritos e submetidos a uma análise de conteúdo
(BARDIN, 1977) e organizados em categorias definitivas de acordo com os objetivos
do estudo: Uso de drogas, relações familiares, papéis familiares, expressão de
afetividade na família, ciclo de vida familiar, participação da família no programa da
instituição, mudanças observadas na dinâmica familiar após a participação no grupo
multifamiliar e situação atual da família.
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5 - RESULTADOS
Os dados do presente trabalho vão ser apresentados em itens que foram
definidos de acordo com os objetivos específicos da pesquisa, a partir de categorias pré-
estabelecidas.
5.1 - Uso de drogas
Marc faz uso de drogas desde 2002, quando estava com 12 anos de idade. A
mãe, porém, descobriu o uso em 2003, quando o pai de um dos colegas de seu filho a
procurou para avisar que o filho dele estava fazendo uso de drogas e, como os dois
andavam juntos, ela deveria ficar atenta aos movimentos do filho. Este pai participava
de um grupo multifamiliar da Secretaria Estadual de Saúde para atendimento de
familiares de adolescentes envolvidos com drogas. Neste serviço, segundo ela, os
familiares são orientados a abordarem os pais dos companheiros dos filhos com o
objetivo de “queimar o filme deles”, o que significa afastá-los do contexto das drogas.
A partir de então, a Sra. Ane relata ter começado a perceber mudanças no
comportamento do filho, o que motivou uma busca no quarto dele e culminou na
descoberta de maconha escondida em seus pertences, tais como embaixo do colchão e
dentro do travesseiro. Ela afirma que: “Foi um período assim difícil, eu tava com
depressão, vivia internada e aí foi a fuga dele e eu não sabia como lidar com a coisa,
eu brigava muito e aí quanto mais eu brigava, mais eu piorava da depressão, foi
quando eu procurei ajuda. O pai que me alertou sobre o uso de drogas do meu filho, me
levou para a Instituição e eu comecei a entender como deveria tratar o Marc”.
Segundo a Sra. Ane, Marc já fez uso de ecstasy, cocaína, crack e maconha. Para
ela, o filho passou a fazer uso inicialmente de maconha, depois experimentou as outras
drogas e como “passava muito mal, ficou só com a maconha”. A mãe relata que,
mesmo antes da descoberta do uso de drogas, seu filho, juntamente com os colegas de
infância, moradores da mesma quadra, e todos na faixa etária de 12 a 13 anos, foram
29
submetidos a exame de urina: “Nós, os pais, nos unimos porque os meninos estavam
muito rebeldes e alguém nos contou que havia mudado para a quadra um menino mais
velho que usava drogas e o pai desse menino foi orientado pela Instituição a contar
para os outros pais que o filho dele usava drogas”.
Na época, o exame de urina deu negativo e logo depois a Sra. Ane precisou ser
hospitalizada em uma clínica para tratar de depressão e síndrome do pânico. Ela acredita
que, nessa época, o filho iniciou o uso de drogas: “O meu filho sempre foi muito
ansioso e ele sempre disse que eu era o alicerce dele e quando eu fiquei doente o chão
abriu para ele e a droga, pra ele, foi uma fuga”.
Tanto a mãe quanto a irmã de Marc não aceitam o uso de drogas e consideram
como uma doença que deve ser tratada. A Sra. Ane acredita que o uso de drogas deve
ser tratado como uma doença não só como a Instituição prega “que é com amorosidade
mais ser tratada como doença mesmo, porque se não cuidar ele pode ficar
completamente louco e o meu medo era de que fosse irreversível por causa do surto que
ele deu por causa da droga”. Segundo ela, o Psiquiatra e o Psicólogo da clínica onde
Marc está internado, disse que a maconha funciona para ele como um tranqüilizante e
que fumando ele se acalma. Ela afirma que “ele sempre foi muito danado na escola, ele
não teve agenda, ele tinha era caderno de anotações porque eu recebia recado todo
dia, desde o maternal: ele bateu em fulano, ele fez isso, ele fez aquilo, ele fugiu da sala,
ele não consegue ficar parado, ele é muito dispersivo e ansioso”.
5.2 - Relações familiares
Com relação ao tempo em família, a Sra. Ane referiu que sempre trabalhou
muito, que viajava bastante a serviço e parou de viajar quando o filho estava com 11
anos, passando então a ter de dois a três empregos: “Apesar da ocupação com o
trabalho, sempre almoçava em casa, a empregada levava Marc para a escola, para
30
aula de reforço, para a psicoterapia, para a natação, para o judô e eu sempre ia buscar
e a noite e final de semana eu ficava com ele”. Ela afirma que o filho era muito mais
apegado a ela que sua filha: “pra tudo quanto era lugar ele ia comigo, se eu cismasse
de ir ao supermercado de madrugada ele ia comigo, se eu chamasse pra um comício
político lá ia ele, sempre muito grudado comigo”.
A Sra. Ane relata que o início de uso de drogas do filho coincide com o período
em que ela foi acometida por depressão: “começou a complicar as coisas depois que eu
fiquei doente com crise de depressão e tentei suicídio três vezes, então tudo isso pra
cabeça dele foi terrível e até hoje ele me joga na cara”. Ela conta que ficou muito
voltada para a própria doença e acredita que esse foi o motivo do envolvimento do filho
com as drogas.
O relacionamento familiar após a descoberta do uso de drogas foi muito
conflituoso, pois a irmã de Marc não aceitava a agressividade dele com a mãe. Segundo
ela, “foi um período muito difícil porque minha filha rompeu relações com ele. Ele me
agredia verbalmente, ele quebrava as coisas, jogava as coisas em cima de mim e ela
não aceitava isso e chamava a polícia, mais não adiantava nada”.
No início do uso de drogas, a mãe afirma que o adolescente se isolava no quarto:
“ele ficava mais no quarto do que qualquer outro lugar da casa e não me olhava, não
falava nada, não discutia, só ficava de cabeça baixa e comia no quarto”. Com o passar
do tempo, ela relata que o filho foi se tornando agressivo: “a última vez que ele me
agrediu, jogava as coisas em cima de mim e eu ficava com hematomas e ele me
machucou muito e me xingou muito de prostituta, de vagabunda, isso bem alto, pra todo
mundo ouvir”.
A Sra. Ane relata que, certa vez, estava hospitalizada e a empregada telefonou
avisando que seus filhos estavam se agredindo fisicamente e então ela retirou o soro da
veia e foi imediatamente para casa. A filha estava revoltada e culpando o irmão pela
31
hospitalização da mãe: ”ela faz até hoje o papel de durona mesmo, ela pode chorar no
quarto mais ela não demonstra pra ele que tá sofrendo”.
A dificuldade da Sra. Ane no desempenho da autoridade legitimada, levou a uma
relação de poder com o filho: “aí eu disse pra ele que o psiquiatra queria conversar
com ele à noite e ele acreditou e quando chegou na clínica, eu internei ele na marra”.
E ainda trouxe sofrimento para ambos: “eu nunca pensei que fosse passar por aquilo,
ele me xingou de todos os palavrões possíveis e imaginários na frente da clínica inteira
e cuspiu na minha cara e eu pensei que fosse morrer. Eu dei as costas e vim embora,
não atendia o telefone e aí um dia eu resolvi atender e ele pediu perdão, disse que me
amava e que tava arrependido”.
5.3 - Papéis familiares
A Sra. Ane relata que tinha dificuldades em colocar limites no filho, “eu
passava a mão na cabeça dele, eu tinha pena de dizer “não” e quando eu comecei a
dizer, ele se assustou porque não tava acostumado, lá no fundo eu achava que ele era
um coitadinho por não ter a família biológica, e eu não podia fazer ele sofrer”. Por
outro lado, quando ela comenta o discurso da filha: “mãe, comigo a senhora é um
general e o Marc a senhora deixa fazer o que quer”. Percebemos uma ambivalência na
atitude de Sra. Ane e sua autoridade não parece legitimada, pois, mesmo a filha
afirmando que ela é “um general”, o discurso mostra dificuldade na definição dos papéis
familiares: “eu dei uma de durona, mais em função da minha filha do que de mim
mesma, porque por mim eu abria a porta, mais ela não me permitiu isso. Ela falou que
ele ia ter que se arrepender. Hoje eu me arrependo porque ele já tava doente”.
Antes de ser evangélica a Sra. Ane era espírita e relata dois episódios que
remetem à inversão de papéis entre ela e a filha. Conta que certa vez a filha lhe obrigou
32
a sair: “hoje eu vou te levar na minha igreja”. Como houve recusa: “aí ela forçou a
barra e me pegou a força, puxando, me colocando dentro do carro e trouxe na igreja”;
em outro momento, ela afirma: “eu mesma me ajudo e a minha filha também, tanto é
que ela escondeu os meus remédios e o dia que eu tô muito mal eu peço pra ela e ela
me diz que eu tenho que agüentar e que se eu digo isso para o irmão dela, tem que
servir pra mim também”.
Por outro lado, a permissividade com o filho, evidencia uma superproteção
associada à culpabilização. Antes de descobrir o envolvimento do filho com as drogas, a
Sra. Ane deixou dois empregos e ficou trabalhando apenas em um órgão público. Refere
ter ficado quase dois anos muito voltada para a própria doença e considera: “tudo isso
foi terrível para a cabeça dele, eu tentei suicídio três vezes e até hoje ele me joga na
cara: que mãe é essa que tenta se matar e não se lembra que tem um filho”.
5.4 - Expressão de afetividade na família
A Sra. Ane relata que sempre teve dificuldade em abraçar os filhos: “quando eu
chegava em casa, para abraçar meus filhos eu chegava me encolher,abraçar era muito
difícil”.Ela refere que após o acompanhamento na Instituição aprendeu que precisava
mudar: “tanto é que hoje eu chego na clínica abraço e beijo ele. Teve um dia na visita
que ele deitou no meu colo, começou a chorar e a dizer que me amava, que tava
arrependido e eu também disse que o amava muito e que mesmo que ele estivesse no
fundo do poço eu estaria junto. Ele chorou muito, muito, muito”.
33
5.5 - Ciclo de vida familiar
A família está vivendo um estágio do ciclo de vida que representa tarefas de
desenvolvimento familiar específicas, visto que a mãe está na meia idade e aposentada,
a filha é adulta jovem e está em plena atividade profissional e o filho adolescente está
vivenciando uso de drogas.
A família estudada parece ter tido dificuldade em lidar com esta fase específica
do ciclo de vida familiar que corresponde à entrada do filho na adolescência: “ele
começou com aquela história de jogos em lojas né, eu já sabia onde era, eu ia atrás,
depois ele parou”. Ela ainda comenta: “ele repetiu a primeira vez, aí eu troquei ele de
escola, repetiu de novo, aí eu consegui uma vaga no Colégio Militar do Corpo de
Bombeiros, foi uma catástrofe porque lá ele foi convidado a se retirar por rebeldia,
porque não seguia as normas de militar, aí eu resolvi que não ia mais colocar ele pra
estudar e ele ficou dois anos sem estudar. Aí eu resolvi que ele deveria voltar a estudar
e procurei um curso supletivo mais pela idade só podia com autorização, aí eu fui
estudar junto com ele, eu fui fazer o 1º grau junto com ele. Eu já era graduada, mais ele
passou e eu fiquei reprovada”.
5.6 - Participação da família no programa da Instituição
A Sra. Ane relatou que, no início, freqüentava o grupo de familiares de
adolescentes envolvidos com drogas sem acreditar na metodologia utilizada. Refere que
não conseguia parar de chorar nas reuniões, que sentia culpa por não ter percebido antes
o uso de drogas do filho: “depois eu fui amadurecendo e vi que eu sou uma pessoa
muito mais forte do que eu pensava que era, e hoje eu consigo administrar a minha vida
porque eu tive um crescimento muito grande como pessoa, como ser humano, podendo
ajudar não somente ao meu filho mais a outras pessoas que estão na mesma situação,
mais não foi fácil”.
34
Com relação à prática das atitudes orientadas no serviço de atendimento, ela diz
ter sentido dificuldade em abraçar o filho, no entanto conseguiu mudar. Outra
dificuldade relatada foi na prática da colocação de limites, porém ela afirma que hoje
diz “não” com mais facilidade. Ficou evidenciado que a troca de experiências
possibilitada pelo grupo multifamíliar, funcionou como um instrumento capaz de
fortalecer as famílias que vivenciam a mesma situação.
5.7-Mudanças observadas na dinâmica familiar após a participação no grupo
multifamiliar
A Sra. Ane considera que obteve um grande amadurecimento e fortalecimento a
partir da participação no grupo multifamiliar. Ressalta que muitas coisas aprendidas ela
aplicou à sua maneira e aos poucos foi se convencendo de que era o alicerce da família
e que precisava ser forte: “no começo eu estava cega, muito ansiosa, com uma
expectativa tão grande que não conseguia raciocinar direito, então eu comecei a ver
com os olhos dos outros e as pessoas do grupo foram me mostrando, pontuando as
minhas mudanças”. Ela menciona algumas conquistas, tais como: a expressão de
afetividade através do abraço; a tolerância como uma mudança fundamental, pois antes
não sabia lidar com o filho: ”eu gritava, batia, berrava e lá eu aprendi que se eu fosse
mais tolerante eu iria vencer, e fui aplicando isso não só dentro de casa mais também
com os amigos dele que usavam drogas”.
A Sra. Ane relata que não tem freqüentado o grupo multifamiliar desde a
internação do filho, porém afirma que continua colocando em prática o que aprendeu e
destaca a influência que a participação na Instituição exerceu na relação familiar: “eu
aprendi muito na Instituição, eu entendi que o meu filho não era um coitadinho por não
ter a família biológica. Deixei de achar também que eu era uma coitada e hoje eu vejo
que tenho saúde e garra. Hoje eu consigo administrar a minha vida, tive um
35
crescimento muito grande como pessoa, como ser humano e posso ajudar não só o meu
filho mais outras pessoas que estão na mesma situação. De tudo o que eu aprendi lá, a
tolerância foi fundamental. Eu tinha muita dificuldade em colocar limites, hoje eu digo
“não” com muita facilidade. Eu e a minha filha continuamos colocando em prática
tudo o que eu aprendi lá, a gente sabe que o nosso amor ta salvando ele, porque se a
gente não tivesse denunciado o nosso amor por ele não adiantaria ele ficar na clínica”.
5.8 - Situação atual da família
Após algumas recaídas do filho, a Sra. Ane decidiu interná-lo em uma clínica
para tratamento de desintoxicação e síndrome de abstinência: “há nove meses que ele tá
usando Rivotril, Visperidina, Frontal, Hipinol, Dormonid e Risperidona. Depois que ele
dorme, se não estiver na cama tem que ser carregado, porque ele apaga, mais é só à
noite”.
A primeira internação de Marc foi em setembro de 2007 por 60 dias, a segunda,
após uma recaída, foi em janeiro de 2008 e, no momento, ele se encontra internado por
vontade própria porque se sentiu “descontrolado, com tremores e falando sozinho”.
O adolescente nunca trabalhou, encontra-se fora da escola, freqüenta uma igreja
evangélica, os amigos são usuários de drogas e não tem relacionamento com pares. A
Sra. Ane está aposentada e divide o seu tempo se dedicando ao filho e as atividades
religiosas. Ela não tem familiares nesta cidade e os amigos que tem são da igreja e ex-
colegas de trabalho.
Refere ter se desligado parcialmente do grupo multifamiliar, para se envolver
com o tratamento da clínica que consiste em terapia ocupacional, psicoterapia,
musicoterapia e natação. Ela relata que continua colocando em prática tudo o que
aprendeu no grupo. A filha da Sra. Ane é solteira, evangélica, tem 26 anos, graduação
superior, está bem empregada, o pai é americano e reside no Canadá.
36
Embora todos os membros da família sejam evangélicos, cada um freqüenta uma
denominação diferente. O tempo em família se dá quando não há compromissos na
igreja. A Sra. Ane afirma que leva o filho e um amigo ex-usuário de drogas para a igreja
deles, vai para a igreja dela e depois retorna para buscá-los.
6 - DISCUSSÃO
Analisando os dados obtidos, é possível destacar uma série de fatores essenciais
para a compreensão de importantes aspectos da dimensão relacional da família
estudada. Para tanto serão discutidas algumas características identificadas a partir da
análise da entrevista realizada.
Segundo Bezerra e Linhares (1999), os pais, embora percebam e sintam a
gravidade dos problemas que o uso de drogas traz para o filho e para a família, sentem-
se impotentes, incompetentes, culpados e, sobretudo, ficam confusos e divididos entre o
certo e o errado, não sabem que atitudes devem tomar. Outro aspecto que os autores
destacam é como a família se posiciona em relação ao uso de drogas, pois, ao mesmo
tempo em que afirma ser contra, em alguns casos parece tolerar o uso de drogas lícitas
pelo adolescente. Na família estudada, parece haver boa aceitação por parte da mãe, em
relação às seis drogas medicamentosas que o adolescente faz uso há nove meses. Para
Bezerra; Linhares (1999) existe uma ambivalência cultural em relação ao uso de drogas
lícitas, o que tem levado a sociedade a tolerar o comércio abusivo, pois, ao mesmo
tempo em que o uso é estimulado, também é estigmatizado pela mídia.
Outro aspecto que merece destaque, é com relação a indefinição dos papéis
familiares, havendo uma tendência da mãe, delegar autoridade e responsabilidade a sua
filha. Féres-Carneiro (1992) afirma que o papel familiar é definido como as funções de
cada membro a partir das posições que ocupa nos subsistemas conjugal, parental,
fraternal e filial. A família é facilitadora de saúde emocional, na medida em que cada
37
membro conhece e desempenha seu papel específico. Percebemos que a Sra. Ane, em
certos momentos, delegou autoridade para sua filha, caracterizando uma dificuldade em
exercer o papel de autoridade na família. Associado à ausência da figura paterna, tal fato
pode levar o adolescente a ter dificuldade para lidar com regras, limites e respeito às
leis, o que pode contribuir com o comportamento de uso de drogas. Vale ressaltar que a
enfermidade pela qual a Sra. Ane foi acometida, pode ter contribuído nas dificuldades
enfrentadas pela família, com relação às regras e relações familiares. Quando a mãe
tentou suicídio, o filho teria dito: “... que mãe é essa que tenta se matar e não se lembra
que tem um filho”?
Para Carter e McGoldrick (1995), a maioria das famílias é capaz de se
reorganizar e mudar suas normas e limites para permitir aos adolescentes maior
autonomia e independência. Porém, segundo as autoras, problemas universais
associados à transição para a adolescência, podem resultar na disfunção familiar e no
desenvolvimento de sintomas, tanto no adolescente, quanto em qualquer outro membro
da família. Tal evidência pode ser percebida na fala da Sra. Ane quando afirma que
tinha dificuldade em colocar limites no filho porque queria poupá-lo de sofrimento, já
que o considerava “um coitadinho” por ser filho adotivo. Essa atitude parece ser comum
nas famílias adotivas, o que faz com que sejam negligentes em termos de colocação de
limites nos filhos.
Gonzáles (2006) apresenta vários fatores que conduzem às disfunções e crises
familiares, dentre eles existe o medo de colocar limites para os filhos. Há fantasias de
perder o afeto, o carinho, o amor dos filhos se lhes disser “não”. A Sra. Ane relata que
antes de participar do grupo multifamiliar, não conseguia colocar limites e nem dizer
“não” e agora afirma que “não é não e acabou”.
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Carter e McGoldrick (1995) chamam a atenção para as adaptações na estrutura e
na organização familiar para manejar questões típicas que vêm com a adolescência.
Afirmam que as famílias onde os adolescentes são encorajados a participarem de
processos de tomada de decisão permitem que o filho tenha mais autonomia. Para isso,
sublinham a importância dos pais manterem o controle e serem, ao mesmo tempo,
objetivos, apoiadores e democráticos.
Tal característica não foi observada na família estudada, ao contrário, a Sra.
Ane parece estar apresentando comportamentos de autoritarismo com o filho, quando se
refere ao fato de tê-lo afastado da escola por dois anos e depois ter decidido pelo seu
retorno, sem considerar o desejo e a autonomia do adolescente. Para Carter e
McGoldrick (1995), as famílias que descarrilam nesse estágio podem estar muito
fechadas a novos valores e ameaçadas por eles, e com freqüência estão fixadas numa
visão anterior de seus filhos. Vale ressaltar que o fato do adolescente ter sido internado
na clínica de recuperação, sem prévio conhecimento, indica que ele foi impedido de
assumir responsabilidade na decisão de parar com o uso de drogas.
Com relação à construção dos vínculos afetivos a Sra. Ane relata que tinha
dificuldade de aproximação com os filhos. Ela conta que quando os filhos se
aproximavam para abraçá-la, ela se encolhia. Participando do grupo multifamiliar,
aprendeu a construir um canal de afetividade com os filhos, através da prática das
atitudes. Isso nos remete ao que afirma Gonzáles (2006), segundo o qual a afeição física
é necessária para que uma família promova o desenvolvimento emocional saudável de
seus membros. É importante que o contato físico possa estar presente e ser manifestado
com carga emocional adequada entre os diferentes membros do grupo, sobretudo, pelos
pais em relação aos filhos e em relação um ao outro.
Segundo Bezerra e Linhares (1999), os vínculos dos pais com os filhos são mais
poderosos em operar mudanças que qualquer vínculo terapêutico ou de autoridade
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constituída. São vínculos com história de vida com um tempo de, no mínimo a idade do
filho. É essa crença do profissional que vai confirmar a família como capaz e
competente e vai torná-la poderosa em promover mudanças verdadeiras em todo o
sistema familiar. Os autores ainda afirmam que, se essa família não for confirmada
como capaz o que de fato é, ficará mergulhada numa crença de fracasso e de
incompetência tão grande que dificilmente terá condições de ajudar o filho. Há indícios
de que a Sra. Ane, após sentir-se empoderada, foi capaz de contribuir para que
mudanças ocorressem.
Podemos também considerar a participação no grupo multifamíliar, como sendo
de ajuda mútua, que para Vasconcelos (2003) constituem grupos de trocas de vivências,
experiências, de ajuda emocional e discussão das diferentes estratégias para lidar com
os problemas comuns. Outro caminho para a ajuda mútua é constituído pelas redes
informais mais amplas de amigos e companheiros com os quais vamos trocando
regularmente as nossas experiências, vitórias, desafios e dificuldades da vida.
Como exemplo, podemos destacar a fala da Sra. Ane de que na época em que
estava precisando, o grupo multifamiliar lhe deu muita força e ela acredita que a sua
participação no grupo também foi positiva, porque houve troca de experiências e de
vivências. Ela atualmente se considera uma mulher forte, capaz de ajudar a si mesma e
aos outros, afirmando que deixou de considerar-se uma “coitada” e que atualmente se
sente competente para enfrentar as situações difíceis.
7 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da entrevista realizada, encontramos uma série de pontos importantes
para reflexão no sentido de ampliarmos nossa compreensão acerca da dinâmica familiar
de adolescentes usuários de drogas, especialmente no que se refere à participação da
família no programa de atendimento institucional.
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Foi possível destacar, a partir do relato de uma mãe participante de um grupo de
famílias de adolescentes usuários de drogas, diversas contribuições, que parecem ter
proporcionado mudanças concretas e o aprendizado de novas formas de comportamento
na família, tais como: a construção de um canal de afetividade com os filhos, através da
prática das atitudes; a iniciativa individual no processo de recuperação da própria
enfermidade; trocas de vivências, experiências, de ajuda emocional e discussão das
diferentes estratégias para lidar com os problemas comuns através do grupo
multifamiliar; a expressão de afetividade por meio do abraço e a tolerância, considerada
por ela como uma mudança fundamental.
O estudo permitiu-nos confirmar alguns aspectos da dinâmica familiar de
adolescentes envolvidos com drogas, apresentados na literatura e apontados na
discussão, tais como: dificuldades de expressar afetividade, indefinição de papéis
familiares, dificuldades em estabelecimento de regras e limites, bem como em exercer a
autoridade. Os dados obtidos nos mostraram que o conjunto de atitudes e declarações
utilizado no programa da instituição tem servido como instrumento importante,
auxiliando no processo de aproximação, integração e melhoria na qualidade das relações
familiares.
Ficou clara a necessidade de a mãe construir junto aos filhos seu papel de
autoridade, demonstrando afeto, cuidado, sugerindo valores, estabelecendo limites e, ao
mesmo tempo, sendo democrática e flexível para que o adolescente possa desenvolver
sua autonomia e independência. No que diz respeito ao uso de drogas, entendemos que,
no momento, houve uma substituição da droga ilícita pela droga lícita – uso de
medicamentos. Seria saudável que houvesse investimento nas potencialidades do
adolescente, visando sua individualidade, singularidade, independência e autonomia,
considerando suas dificuldades e possibilitando a realização de seus objetivos
individuais.
41
A mãe desenvolveu uma grande capacidade de empoderamento como, por
exemplo, a vontade individual no processo de recuperação da própria enfermidade, a
iniciativa de lutar pela suspensão do uso de drogas pelo filho, a disponibilidade para
promover mudanças na família e a troca de vivências no grupo multifamiliar. Tudo isso
lhe proporcionou recursos cognitivos e afetivos para lidar com situações estressantes,
apresentando uma elevação da auto-estima e diminuição de aspectos depressivos, o que
trouxe melhora na qualidade das relações familiares.
A utilização de uma metodologia qualitativa mostrou-se muito importante para
uma melhor compreensão da dinâmica da família estudada a partir do discurso da mãe.
Avaliamos que a fundamentação teórica escolhida para nortear o estudo foi adequada,
possibilitando uma melhor compreensão do fenômeno do uso de drogas na família,
constituindo um importantíssimo instrumento na terapia familiar, na psicologia clínica
social, bem como em outras ciências sociais que vêm realizando investigações sobre
este tema.
Certamente, uma entrevista com todos os membros desta família, nos permitiria
obter mais informações que seriam relevantes para compreender melhor a dinâmica
familiar de adolescentes envolvidos com drogas. Novos estudos, portanto, serão de
grande importância para o alcance de tal objetivo, principalmente incluindo a narrativa
do próprio adolescente usuário de drogas.
Apesar das limitações, acreditamos que o presente estudo atingiu seus objetivos,
confirmando o que grande parte dos autores vem observando sobre as principais
características da história e da dinâmica familiar de adolescentes envolvidos com
drogas. Os dados obtidos oferecem importantes subsídios para programas de
atendimento às famílias, contribuindo para a compreensão de sua dinâmica, bem como
algumas formas de enfrentamento para lidar com as dificuldades das famílias com
adolescentes em uso de drogas.
42
Espera-se, ao final deste trabalho, contribuir de algum modo para que este
estudo possa integrar-se a outros que tenham o mesmo objetivo, o de evidenciar a
importância do empoderamento como estratégia de enfrentamento aos desafios
cotidianos que possam levar ao sofrimento psíquico.
43
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44
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VASCONCELOS, E. M. O poder que brota da dor e da opressão: empowerment, sua
história, teorias e estratégias: Paulus, 2003.
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ANEXO 1
Dados pessoais do entrevistado
Nome - Profissão -
Sexo - Ocupação -
Idade - Parentesco com o adolescente -
Estado civil - Condição da moradia -
Religião - Número de habitantes -
Escolaridade - Renda familiar -
Roteiro de Entrevista
1 - Qual a idade do adolescente?
2 - Quando, quem e como percebeu o uso de drogas do adolescente?
3 - Desde quando é o uso?
4 - Quais as drogas que a família sabe que o adolescente usa ou usou?
5 - Onde o adolescente fazia ou faz uso?
6 - Houve envolvimento com ato infracional? Qual?
7 - Como era o desempenho escolar do adolescente?
8 - Houve repetência? Em qual série? Qual a causa?
9 - Houve mudanças no ciclo de amigos? Quando?
10 - Houve mudanças nas relações familiares? Quando?
11 - Existem familiares que fizeram ou fazem uso de algum tipo de droga?
12 - Qual a posição de cada membro da família diante do uso de drogas?
13 - Qual o tempo que o adolescente passava e passa em família?
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14 - Quais as hipóteses da família sobre o uso de drogas do adolescente?
15 - Quais os valores religiosos dos membros da família?
16 - Quais as principais dificuldades que a família tem com o uso de drogas do
adolescente?
17 - Quem levou a família a procurar ajuda?
18 - Quais os tratamentos a família já buscou?
19 - Atualmente a família se encontra em algum serviço de apoio?
20 - Em caso afirmativo, qual o serviço e como é a participação da família?
21 - Quem levou a família a optar por este atendimento?
22- Como você descreve seus sentimentos antes e depois do atendimento?
23 - Como era a sua relação familiar com esse adolescente?
24 - O que você espera que possa melhorar na relação familiar entre vocês?
25 - De que maneira você acha que pode conseguir isto?
26 - Que mudanças você acredita que já ocorreram nas relações familiares?
27 - E na relação do adolescente com as drogas?
28 - Caso tenha ocorrido, a quê você atribui essas mudanças?
29 - Como foi para você colocar em prática a proposta deste serviço?
30 - Como você classifica a sua adesão a este programa de atendimento?
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ANEXO 2
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA – UCB PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado a participar de uma entrevista que faz parte de uma
pesquisa realizada como trabalho final de curso da aluna Denise Santoro Helmer
Gonçalves, do curso de Psicologia da Universidade Católica de Brasília, sob a
orientação da Professora Doutora Maria Alexina Ribeiro.
O estudo consta de um encontro na residência da participante para uma
entrevista com trinta questões que serão gravadas em vídeo, para garantir a fidelidade
dos dados, que serão transcritos pela pesquisadora. Será assegurada a confidencialidade
dos dados e a identidade dos participantes mantida em sigilo. No relatório final, os
nomes dos participantes serão substituídos por nomes fictícios.
O estudo, a princípio, não trará benefício aos participantes do mesmo, mas
poderá propiciar um melhor conhecimento do tema estudado, e auxiliar pessoas e
profissionais que trabalham com pessoas, casais e famílias que vivenciam as mesmas
situações.
A participação neste estudo é completamente voluntária, não terá qualquer custo,
e os participantes não serão remunerados. Sua participação e de sua família poderá ser
interrompida a qualquer momento, sem que este fato traga nenhuma conseqüência para
seus membros.
A pesquisadora ficará à disposição para eventuais esclarecimentos sobre
quaisquer aspectos da pesquisa. Contatos poderão ser feitos pelo telefone: ----------------
Ao assinar o presente termo, eu __________________________________ declaro que
estou de acordo com as condições acima.
Brasília/DF, _____ de ____________ de 2008.
_______________________________ Assinatura do participante/ responsável/representante da família
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