136
Universidade de Lisboa Faculdade de Belas-Artes O Outro Fado. Propostas de Reprogramação do Museu do Fado Cristina Alexandre Peralta Baldroegas Mestrado em Museologia e Museografia 2013

Universidade de Lisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/9043/2/ULFBA_TES609.pdf · 2013 . Universidade de Lisboa . Faculdade de Belas-Artes . O Outro Fado. Propostas de Reprogramação

  • Upload
    others

  • View
    3

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Universidade de Lisboa

Faculdade de Belas-Artes

O Outro Fado.

Propostas de Reprogramação do Museu do

Fado

Cristina Alexandre Peralta Baldroegas

Mestrado em Museologia e Museografia

2013

Universidade de Lisboa

Faculdade de Belas-Artes

O Outro Fado.

Propostas de Reprogramação do Museu do

Fado

Cristina Alexandre Peralta Baldroegas

Dissertação Orientada pelo Professor Doutor Fernando António Baptista

Pereira e Co-orientada pela Professora Mestre Ana Duarte

Mestrado em Museologia e Museografia

2013

iv

Agradecimentos

Agradeço antes de mais ao meu orientador de tese, o Professor Doutor Fernando

António Baptista Pereira, e à minha Co-orientadora, a Professora Mestre Ana Duarte,

pela preciosa orientação e pela disponibilidade demonstrada durante todas as etapas

deste processo de investigação.

Agradeço a todas as pessoas ligadas ao Fado amador e profissional, pela simpatia e

amabilidade que tiveram para comigo, a todos os fadistas, guitarristas, violistas, letristas

e proprietários de Casas de Fado, que desde logo se disponibilizaram e partilharam

comigo as suas experiências, permitindo a realização de entrevistas e o encontro para

conversas informais, sem as quais este trabalho não teria sido possível.

Agradeço também ao Museu do Fado, à Doutora Sara Pereira e ao Doutor Rui Vieira

Nery pela disponibilidade demonstrada.

Não poderei também deixar de agradecer aos meus familiares e amigos que sempre me

apoiaram e acompanharam durante todo este processo de investigação.

v

Resumo

A presente investigação centra-se no Museu do Fado e na sua interacção com as Casas

de Fado de Lisboa e com o Fado amador.

Por se tratar de um museu interdisciplinar, composto por colecções provenientes de

diversas áreas, visando a compreensão do Fado, e uma vez que este se manifesta de

forma amadora e profissional nos bairros típicos de Lisboa, leva-nos a questionar se

uma instituição deve democratizar as suas fontes de pesquisa e comunicar com os

detentores deste património imaterial de uma forma mais abrangente, no sentido de

apresentar uma canção urbana em todas as suas vertentes e valências, fornecendo uma

visão mais completa e diversificada do mesmo.

Para entender de que modo o museu é encarado neste meio, entrevistei várias pessoas

envolvidas no universo fadista, dos amadores aos profissionais, proprietários de Casas

de Fado, fadistas, guitarristas, violistas e letristas, no sentido de compreender o que é

esperado dessa instituição e o que poderia ser melhorado.

A primeira parte da investigação irá centrar-se num enquadramento geral acerca dos

museus, e de como deve ser a sua relação com a comunidade segundo a Nova

Museologia, definindo também o que pode ser considerado Património Cultural

Imaterial, e que práticas são defendidas pela UNESCO.

A segunda parte irá centrar-se num enquadramento específico, contextualizando

relativamente à história do Fado e ao modo como este evoluiu até aos dias de hoje,

fazendo ainda uma apresentação do museu em estudo.

A conclusão desta investigação irá centrar-se na análise do conteúdo programático do

Museu do Fado, na análise das entrevistas realizadas, apresentando propostas de

reprogramação do mesmo, expondo ainda as conclusões retiradas desta investigação.

Palavras-Chave: Museu do Fado, Casas de Fado, Fado Amador, Comunidade,

Património Cultural Imaterial.

vi

Abstract

The present research is centered on the Fado Museum, its interaction with the Fado

Houses of Lisbon and amateur Fado.

This is an interdisciplinary museum, with collections from diverse areas, intent on

understanding Fado. Given that Fado is expressed in both amateur and professional

fashion at the typical Lisbon bairros, one is led to question if the institution should

democratise its research sources and communicate with those keeping the intangible

heritage in a more encompassing way. The goal being presenting the urban song in all

its approaches and manifestations, thus providing a broader and more diversified view

of it.

In order to understand how the museum is regarded in this environment, what is

expected of it and how it may be improved, I have interviewed a variety of persons

involved in the Fado universe: amateurs, professionals, Fado House owners, performers,

portuguese guitar players, guitar players and lyrics writers.

The first part of the research will be centered on the general framing of museums and

their relationship with the local community, according to New Museology. It will also

deal with the definition of Intangible Cultural Heritage and with the practices supported

by UNESCO.

The second part will have a specific framing, contextualizing Fado's history and how it

has evolved from its origins up to present times. In addition, a presentation of the

museum currently in study will also be given.

The conclusion of this research will focus on the analysis of the museum's

programmatic content and of the interviews that were made. It shall present proposals

for the reprogramming of the museum and the conclusions drawn from this research.

Keys-Words: Fado Museum, Fado Houses, Amateur Fado, Community, Intangible

Cultural Heritage.

vii

ÍNDICE

TOMO I

INTRODUÇÃO……………………………………………………...........................1

Apresentação do tema e objectivos da investigação…………………………………..2

Metodologia de investigação…………………………………………………………..4

Organização do trabalho……………………………………………………………...11

CAPITULO I – MUSEUS E PATRIMÓNIO IMATERIAL………………………..13

1.1. Os museus e a comunidade……………………………………………………..14

1.2. A UNESCO e o Património Cultural Imaterial………………………………....23

CAPITULO II – DA HISTÓRIA DO FADO AO MUSEU DO FADO…….………32

2.1. O Fado e a sua história……………………………………………………….....33

2.2. A criação do Museu do Fado……..…………………………………………….53

CAPITULO III – PROPOSTAS DE REPROGRAMAÇÃO DO MUSEU DO

FADO………………………………………………………………………………...56

3.1 O Museu do Fado e o seu percurso museológico………………………………..57

3.1.1. Comentário relativo ao espaço físico, social e expositivo……………..57

3.1.2. Análise do percurso e dos conteúdos…………………………………..59

3.2. A comunidade fadista…………………………………………………………...71

3.2.1. Proprietários de Casas de Fado amador …………………………….….71

viii

3.2.2. Proprietários de Casas de Fado profissional ………………………….73

3.2.3. Fadistas amadores………………………..............................................76

3.2.4. Fadistas profissionais………………………………….……………….81

3.2.5. Músicos………………………………………………….……………..86

3.2.6. Letristas………………………………………………………………..89

3.2.7. Análise geral de questões extra-guião…………………….……………91

3.3. O Museu do Fado e a candidatura a Património Cultural Imaterial da

Humanidade…………………………………………………………………………..93

3.3.1. O depoimento da Directora do Museu do Fado – Dra. Sara Pereira……93

3.3.2. O depoimento do Presidente da Comissão Cientifica da candidatura do

Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade – Dr. Rui Vieira Nery……….99

3.4. Propostas de reprogramação do Museu do Fado………………………………103

3.4.1. Posto interactivo “As Grandes Noites Do Fado”……………………..103

3.4.2. Inventário de todas as Casas de Fado amador e profissional de Lisboa e

posto interactivo “ O Fado em Lisboa”………………………………………………104

3.4.3. Realização de encontros regulares com proprietários de Casas de

Fado…………………………………………………………………………………..105

3.4.4. Sector de exposição permanente centrado no Fado amador - “O Outro

Fado”…………………………………………………………………………….…...106

3.4.5. Ciclo de noites de Fado com fadistas representativos dos vários bairros

típicos de Lisboa……………………………………………………………………..107

3.4.6. Posto interactivo “Museu do Fado” nas Casas de Fado amador e

profissional de Lisboa………………………………………………………………..108

ix

CONCLUSÃO...………...………………………………….……………………....109

BIBLIOGRAFIA ………………………………………………………….…….....113

TOMO II

ANEXOS

x

ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1 – Grelha de observação de dados relativos ao espaço físico, social e

expositivo do Museu do Fado……………….………………………………………..4

Quadro 2 – Guião da entrevista para proprietários de Casas de Fado amador…..….6

Quadro 3 – Guião da entrevista para proprietários de Casas de Fado profissional….6

Quadro 4 – Guião da entrevista para fadistas amadores………………………….….7

Quadro 5 – Guião da entrevista para fadistas profissionais………………………….7

Quadro 6 – Guião da entrevista para músicos……………………………………..…8

Quadro 7 – Guião da entrevista para letristas………………………………………...8

Quadro 8 – Guião da entrevista para a Directora do Museu do Fado………………..9

Quadro 9 – Guião da entrevista para o Presidente da Comissão Cientifica da

candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade………………..9

xi

ÍNDICE DE ANEXOS

Anexo 1 – Grelha de observação de dados relativos ao espaço físico, social e expositivo

do Museu do Fado……………………………………………………………….…….2

Anexo 2 – Transcrição das entrevistas realizadas a proprietários de Casas de Fado

amador………………………………………………………………………………..15

Anexo 3 – Transcrição das entrevistas realizadas a proprietários de Casas de Fado

profissional…………………………………………………………………………...31

Anexo 4 – Transcrição das entrevistas realizadas a fadistas amadores……………...52

Anexo 5 – Transcrição das entrevistas realizadas a fadistas profissionais………......92

Anexo 6 – Transcrição das entrevistas realizadas a músicos……………………….144

Anexo 7 – Transcrição das entrevistas realizadas a letristas………………………..171

Anexo 8 – Transcrição da entrevista realizada à Directora do Museu do Fado…….178

Anexo 9 – Transcrição da entrevista realizada ao Presidente da Comissão Cientifica da

candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade……………..190

xii

ÍNDICE DE ANEXOS (em cd): Documentos

Anexo 1 – Mesa-Redonda realizada em Santiago do Chile (1972)………………….2

Anexo 2 – Declaração de Quebec (1984)…………………………………………….6

Anexo 3 – Declaração de Oaxtepec (1984)…………………………………………...9

Anexo 4 – Declaração de Caracas (1992)……………………………………………12

Anexo 5 – Convenção para a Protecção de Bens Culturais em Caso de Conflito Armado

(1954)………………………………………………………………………………...35

Anexo 6 – Carta de Veneza (1964)…………………………………………………..51

Anexo 7 – Declaração dos Princípios da Cooperação Cultural Internacional

(1966)………………………………………………………………………………...56

Anexo 8 – Convenção relativa às medidas a serem adotadas de modo a proibir e impedir

a importação, exportação e transferência de propriedade ilícitas dos bens culturais

(1970)………………………………………………………………………………...59

Anexo 9 – Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural

(1972)………………………………………………………………………………...69

Anexo 10 – Declaración de México sobre Las Políticas Culturales (1982)…………83

Anexo 11 – Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular

(1989)………………………………………………………………………………...89

Anexo 12 – Report of the World Commission on Culture and Development “Our

Creative Diversity” (1996)…………………………………………………………...94

Anexo 13 – Convention on Biological Diversity (1992)…………………………...158

xiii

Anexo 14 – International Consultation on New Perspectives for UNESCO’s

Programme: The Intangible Heritage (1993)……………………………………...….187

Anexo 15 – Directrices para la Creación de Sistemas Nacionales de “Tesoros Humanos

Vivos” (1993)………………………………………………………………………....211

Anexo 16 – Discurso Pronunciado por ocasião da Abertura da Cerimónia da

Proclamação das Obras-Primas do Património Oral e Imaterial da Humanidade

(2001)………………………………………………………………………………....223

Anexo 17 – Proclamation of the Oral and Intangible Heritage (2001)……………….228

Anexo 18 – Report on the Preliminar Study on the Advisability of Regulating

Internationally, Through a New Strandard-Setting Instrument, the Protection of

Traditional Culture and Folklore (2001)……………………...……………………....233

Anexo 19 – Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (2001)…………......245

Anexo 20 – III rd Round Table of Ministers of Culture - Istambul (2002)………......249

Anexo 21 – Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial

(2003)…………………………………………………………………………………262

Anexo 22 – Decreto-Lei nº 139 (2009)……………………………………………….287

Anexo 23 – Portaria nº 196 (2010)…………………………………………………....294

Anexo 24 – Plano de Salvaguarda do Museu do Fado…………………………….....299

xiv

LISTA DE ABREVIATURAS

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

ICOM – Conselho Internacional de Museus

IMC – Instituto dos Museus e da Conservação

EGEAC – Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural

1

INTRODUÇÃO

2

Apresentação do tema e objectivos da investigação

Os museus têm um papel fundamental na sociedade, na medida em que representam um

dos principais dispositivos de acesso à cultura, disponibilizando um conjunto de

serviços que visam o enriquecimento de todo um vasto leque de públicos que

diariamente os visitam.

Devem por isso ser reconhecidos pela qualidade das suas colecções, mas também pelo

modo como conseguem interagir com os diferentes públicos.

Os museus que têm como objectivo promover e apresentar o Património Cultural

Imaterial devem por isso desenvolver novas abordagens no sentido interagir com a

comunidade e dar a conhecer todas as vertentes de um determinado universo temático,

promovendo a diversidade, e democratizando as fontes de pesquisa.

Nesse sentido a minha investigação centrou-se no Museu do Fado, com o objectivo de

compreender de que forma este se relaciona com as Casas de Fado de Lisboa e com os

fadistas amadores.

Numa leitura mais atenta ao museu, pude observar que este se encontra dedicado quase

exclusivamente às figuras mais conhecidas do Fado de agora e de outros tempos,

havendo um certo distanciamento em relação às Casas de Fado e ao Fado amador,

popular e tradicional que ocorre nos dias de hoje em bairros típicos de Lisboa.

Deste modo, o Museu do Fado parece-me pouco comunicativo com as comunidades

mais populares que também impulsionam e garantem a continuidade deste género

musical secular.

Foi nesse sentido que me pareceu pertinente desenvolver esta investigação, com o

objectivo de entender verdadeiramente de que forma o museu se relaciona com as Casas

de Fado e com os fadistas amadores, e combater um certo elitismo sentido num museu

desta natureza.

3

O que se pretende é estabelecer uma relação de diálogo com a comunidade fadista, de

modo a entender como este museu é encarado pelos detentores desse património, e de

que forma se pode responder às suas necessidades, levando a cabo modificações e

aperfeiçoamentos que permitam ao mesmo tempo apresentar à comunidade nacional e

internacional uma visão mais rica e ampla de uma canção que é constituída por

variadíssimas vertentes, promovendo, divulgando e disponibilizando mais informação

acerca dos locais onde se canta e toca o Fado amador e profissional, dando também a

conhecer os fadistas amadores e as suas histórias.

Nesse sentido, elaborei um projecto de reprogramação do museu, apresentando várias

propostas, com o objectivo de estabelecer uma relação de diálogo e partilha entre

pessoas, convidando-as a e intervir e participar na acção museológica, promovendo a

pluralidade e a ambivalência, trazendo ao mesmo tempo para o museu os apreciadores e

fiéis frequentadores das Casas de Fado, que muitas vezes se encontram apartados desse

meio, estabelecendo assim, uma ligação entre pessoas, de todos os meios e origens, que

de uma forma ou de outra se encontram ligadas a este universo tão particular,

estimulando a democratização cultural, e uma progressiva identificação e apropriação

com o espaço que se afirma como a Casa-Mãe do Fado.

Desse modo, o projecto será dividido em partes distintas, sendo uma destinada à criação

de postos interactivos de cariz informativo, a serem colocados no interior do museu e

nas Casas de Fado amador e profissional, e outra dedicada a acções conjuntas entre os

detentores desse património e o museu.

4

Metodologia de investigação

Para a realização desta investigação segui uma estratégia de investigação qualitativa,

que me permitiu saber de que modo o museu se relaciona com as Casas de Fado de

Lisboa e com os fadistas amadores, e ao mesmo tempo entender de que forma o museu

é encarado pela comunidade fadista.

Para tal centrei a minha investigação na visita de vários locais, na observação não

participante e na recolha de dados, realizando diversas entrevistas.

Desse modo visitei por diversas vezes o Museu do Fado, analisei o seu conteúdo

programático, identificando as suas particularidades e carências, observando e

recolhendo dados relativos ao espaço físico, social e expositivo (cf. Quadro 1).

Quadro 1: Grelha de observação de dados relativos ao espaço físico, social e expositivo

do Museu do Fado

5

Consultei documentação variada, disponibilizada ao público, como o catálogo do

museu, catálogos de exposições temporárias, folhetos informativos, informação oficial

disponibilizada na internet, livros acerca da história do Fado e roteiros de Casas de

Fado, tendo visitado diversos espaços que apresentam Fado amador e profissional.

Realizei variadíssimas entrevistas a proprietários de Casas de Fado, fadistas,

guitarristas, violistas e letristas de Fado amador e profissional, entrevistando igualmente

a Directora do Museu do Fado e o Presidente da Comissão Cientifica da candidatura do

Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade, seguindo um modelo semi-

estruturado, recorrendo para tal a um guião (cf. Quadro 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9). Foram

também colocadas algumas questões extra-guião relativas ao meio fadista em geral e

outras questões relacionadas com a especificidade da actividade desenvolvida pelo

entrevistado, ou seu percurso artístico.

6

Quadro 2: Guião da entrevista a realizar a proprietários de Casas de Fado amador

Quadro 3: Guião da entrevista a realizar a proprietários de Casas de Fado profissional

7

Quadro 4: Guião da entrevista a realizar a fadistas amadores

Quadro 5: Guião de entrevistas a realizar a fadistas profissionais

8

Quadro 6: Guião da entrevista a realizar a músicos

Quadro 7: Guião da entrevista a realizar a letristas

9

Quadro 8: Guião da entrevista a realizar à Directora do Museu do Fado

Quadro 9: Guião da entrevista a realizar ao Presidente da Comissão Cientifica da

candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade

10

A realização dessas entrevistas permitiu-me demarcar o campo de pesquisa, obter

conhecimento sobre determinados assuntos e aprofundar questões acerca da realidade

do tema em pesquisa.

As entrevistas foram feitas individualmente, registadas em formato áudio e

posteriormente transcritas.

11

Organização do trabalho

A presente investigação encontra-se dividida em três capítulos. Após esta introdução

seguem-se os capítulos: os museus e o património imaterial, da história do Fado ao

Museu do Fado e as propostas de reprogramação do Museu do Fado, seguindo-se

posteriormente as conclusões.

O capítulo I é dividido em duas partes, sendo a primeira dedicada ao enquadramento

geral, relativamente ao modo como os museus se devem relacionar com a comunidade,

e o modo como estes podem contribuir activamente para o enriquecimento pessoal do

território onde se inserem, para o autoconhecimento e a integração social,

proporcionando uma aprendizagem ao longo da vida, assente em princípios de respeito

e preservação. Abordamos nesta pesquisa os princípios de uma democratização cultural

e de uma Nova Museologia.

Este subcapítulo refere também o modo como o conceito de património se alterou,

modificando consequentemente as prática museológicas, conduzindo a novas tipologias

de museu, mostrando também as contribuições de entidades como UNESCO e o ICOM

em todo esse processo.

A segunda parte irá definir o que é considerado Património Cultural Imaterial,

mostrando de que forma a cultura foi sendo considerada prioridade de trabalho para a

UNESCO, de que modo o património intangível foi sendo progressivamente valorizado,

e que passos foram dados até à criação da Convenção para a Salvaguarda do Património

Cultural Imaterial em 2003.

O capítulo II faz o enquadramento específico relativamente ao tema de pesquisa, sendo

dividido em duas partes.

A primeira parte irá enquadrar o Fado em termos históricos, demonstrando a ambiência

na qual inicialmente o Fado singrou, de que modo entrou nos salões aristocráticos,

como ocorreu o processo de profissionalização, e de que forma acontece nos dias de

hoje.

12

A segunda parte irá centrar-se na história do Museu do Fado, na sua missão, no seu

acervo e espaço expositivo, referindo os serviços disponibilizados e a intervenção de

recuperação a que foi sujeito em 2008.

O capítulo III encontra-se dividido em quatro partes distintas.

No primeiro subcapítulo será apresentado um comentário relativo ao Museu do Fado,

relativo ao seu espaço físico, social e expositivo, sendo também analisado o seu

percurso museológico e conteúdo programático, identificando as colecções que lá se

encontram representadas e as lacunas por nós detectadas.

O segundo subcapítulo irá apresentar a análise relativa às entrevistas realizadas aos

proprietários de Casas de Fado, aos fadistas, guitarristas, violistas e letristas, permitindo

identificar de que forma o museu é encarado pela comunidade, o que é esperado do

mesmo, apurando também a relação que este estabelece com as Casas de Fado de

Lisboa e com o Fado amador.

O terceiro subcapítulo irá apresentar a análise relativa às entrevistas realizadas à

Directora do Museu do Fado e ao Presidente da Comissão Cientifica da candidatura do

Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade, permitindo entender de que

forma o museu foi pensado, com que objectivo foi criado e que alterações ocorreram

depois do Fado ter sido reconhecido Património Cultural Imaterial da Humanidade.

O quarto subcapítulo será dividido em seis partes, nas quais serão apresentadas

propostas de reprogramação do Museu do Fado, a realizar dentro do museu, mas

também nas Casas de Fado amador e profissional, demonstrando de que forma se pode

estabelecer um diálogo efectivo com a comunidade fadista, convidando-a a participar na

acção museológica.

Por fim, serão as apresentadas as considerações finais, expondo as conclusões retiradas

desta investigação, resumindo as linhas gerais de trabalho.

13

CAPITULO I – MUSEUS E PATRIMÓNIO IMATERIAL

14

1.1. Os museus e a comunidade

A partir dos anos 60 ocorreram importantes alterações no meio museológico. As

instituições passaram a assumir um papel importante e a ter uma responsabilidade

eminentemente educativa, algo que se deveu ao esbatimento da relação tradicionalmente

hierarquizada entre a cultura de cariz elitista e a cultura popular. A indústria do lazer

difundiu-se, abrangendo progressivamente um maior número de pessoas, tornando-se

por isso mais acessível a todos.

Os princípios de democratização transformaram os museus em lugares apropriados a

uma aprendizagem mais abrangente e estimulante, abrindo novas direcções e

incorporando temáticas cada vez mais diversificadas, uma vez que, segundo Luis

Alonso Fernandéz1 tudo poderia ser musealizado, levando a uma redefinição do

conceito de património e de educação.

Desse modo começou a dar-se mais importância à participação activa dos públicos,

sendo valorizada a experiência em detrimento de um processo de conhecimento passivo,

adaptando-se por isso as actividades museológicas aos públicos “através do estudo dos

interesses, das motivações e das impressões destes”2.

A redefinição de património passou a integrar as pessoas e o modo como estas se

relacionam com o meio em que se inserem, “ou seja, o real, na sua totalidade: material,

imaterial, natural e cultural, em suas dimensões de tempo e de espaço”3 e esse será o

campo de acção da Nova Museologia, uma vez que se centra na comunidade e

estabelece, segundo J. Amado Mendes4, uma ligação entre o passado, o presente e o

futuro, preservando, investigando e divulgando o legado deixado pelos nossos

antepassados.

1 FERNÁNDEZ, Luis Alonso - Introducción a La Nueva Museologia. Madrid: Alianza, 1999. p.65

2 MENDES, J. Amado - Estudos para o Património: Museus e Educação. Coimbra: Imprensa da

Universidade de Coimbra, 2009. p.38 3 SANTOS, Maria Célia T. Moura - Museu e Educação: Conceitos e Métodos. São Paulo: Artigo extraído do

texto proferido na abertura do Simpósio Internacional “Museu e Educação: conceitos e métodos”, 2001. p.6 (disponível em http://www.rem.org.br/dowload/MUSEU_E_EDUCA__O_conceitos_e_m_todos_Porto_Alegre[1].pdf) 4 MENDES, J. Amado - Estudos para o Património: Museus e Educação. Coimbra: Imprensa da

Universidade de Coimbra, 2009. p.51

15

Os museus passaram dessa forma, a ser vistos como locais especializados na cultura,

onde a educação poderia acontecer de modo activo e participativo, através da interacção

com objectos e lugares, passando estes a abrir “os seus próprios espaços para a

realização de outras experiências comunitárias”5, contribuindo para um

desenvolvimento da percepção e do autoconhecimento, estimulando a integração social.

Por outro lado, a aprendizagem passou a ser encarada como um fenómeno contínuo e

progressivo, não se restringindo apenas à infância e adolescência, uma vez que os

museus podem ser visitados sempre que se queira e ao longo de toda a vida.

Mas para que melhor se compreenda este fenómeno é preciso contextualizar, referindo

de que modo instituições como a Organização das Nações Unidas para a Educação,

Ciência e Cultura e o Conselho Internacional de Museus contribuíram para o repensar

do papel do museu na sociedade, e para o desenvolvimento de novas metodologias

museológicas, conduzindo posteriormente ao desenvolvimento dessa corrente.

No início da década de 1980, surge em França o movimento da Nova Museologia, pela

mão de um grupo de museólogos descontentes com a forma como os museus

funcionavam, “completamente desfasados das necessidades, preocupações e evolução

da sociedade”6, centrando-se apenas no edifício, no estudo das suas colecções e na

exibição do respectivo acervo, dirigindo a sua atenção para públicos específicos,

mantendo um certo elitismo, e consequentemente um distanciamento em relação ao

público em geral.

Essa nova corrente museológica defendia uma maior abertura por parte das instituições,

procurando uma relação de diálogo efectivo com a comunidade, desenvolvendo acções

dentro e fora do espaço museológico, recusando assim o modelo tradicional de museu,

defendendo uma mudança de paradigma.

5 PAIS, Tereza Azevedo - Museologia e Comunicação. Lisboa: Cadernos de Museologia nº 1, 1993. p.44

(disponível em http://www.mestrado-Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_01_1993.pdf) 6 ALMEIDA, Maria Mota - Mudanças Sociais, Mudanças Museais: Nova História/Nova Museologia - Que

Relação? Lisboa: Cadernos de Museologia nº 5, 1996. p.109 (disponível em: http://www.mestrado-Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_05_1996.pdf)

16

Contudo, certas questões relacionadas com o papel social que os museus deveriam

desempenhar, já vinham sendo traçadas em variados encontros e conferências realizadas

pela UNESCO e pelo ICOM.

Em 1962, na 7ª Assembleia Geral do ICOM já se debatia a ligação entre os museus e a

preservação do Património Natural e Cultural da Humanidade.

No Seminário Regional da UNESCO e do ICOM (realizado no Rio de Janeiro em

1958), na 8ª Conferência Geral do ICOM (realizada em Munique em 1968) e na IX

Conferência Geral do ICOM (realizada em Paris e Grenoble em 1971), debatia-se

também o papel que os museus poderiam desempenhar na sociedade, que relações

poderiam estabelecer com ela, e de que forma poderiam contribuir para a educação dos

indivíduos, defendendo a necessidade de uma maior abertura em relação à comunidade,

chamando a atenção para a importância que se deveria dar à avaliação do tipo de

serviços prestados ao visitante.

Similarmente a Mesa-Redonda realizada em Santiago do Chile em 1972, teve como

objectivo debater o papel das instituições museológicas e da educação ao longo de toda

a vida, causando algum impacto ao nível da redefinição de museu, originando propostas

inovadoras e consciencializando relativamente ao seu papel na sociedade, promovendo

assim uma relação de diálogo e interacção constantes, capazes de contribuir para uma

melhoria substancial da relação do homem com o meio em que se insere.

Podemos então observar que se dá uma evolução ao nível do processo museológico,

uma vez que o individuo deixa de ser encarado, segundo Maria Célia Santos7 enquanto

sujeito passivo e contemplativo, passando a actuar e transformar a realidade. Desse

modo a comunidade deixa de ser vista de forma anonima, e as instituições museológicas

passam a estabelecer uma relação de proximidade com uma comunidade específica,

7 SANTOS, Maria Célia T. Moura - Reflexões sobre a Nova Museologia. Lisboa: Cadernos de

Sociomuseologia nº 18, 2002. p.111 (disponível em http://www.mestrado-Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_18_2002.pdf)

17

como defende Marc Maure8, sendo o museu encarado enquanto “ferramenta de

desenvolvimento cultural, social e económico de um grupo determinado”9.

O museu era assim definido enquanto” instituição ao serviço da sociedade”10

,

integrando a mesma e contribuindo para a formação de consciências, e nesse sentido a

Declaração da Mesa-Redonda do Chile apelou à criação de um sistema que permitisse

avaliar a eficácia das acções desenvolvidas junto do publico, promovendo a educação

informal dentro dos museus e a criação de serviços educativos dinâmicos, capazes de

actuar dentro e fora de portas, chamando igualmente a atenção de todas as instituições,

organizações locais e comunitárias para a responsabilidade do seu papel na educação e

na partilha de conhecimentos.

Torna-se então possível compreender o processo que conduziu à Nova Museologia, uma

vez que esta era considerada uma “museologia da acção”11

, não sendo possível também,

deixar de referir a forte influência que o trabalho desenvolvido pelo museólogo francês

Georges Henri Rivière teve nesse processo, uma vez que também ele defendia a

museologia de cariz social, centrada nas pessoas e não nos objectos ou nas suas

colecções.

A tónica encontrava-se assim, no território, sendo este encarado enquanto entidade

geográfica, politica, económica, cultural e natural, e não no edifício, partindo para uma

“acção integrada por técnicos e sujeitos sociais”12

, com vista à apropriação e

reapropriação do património cultural, na qual se valorizava a memória colectiva, o

respeito pela diferença e o reconhecimento da diversidade identitária.

Contudo, o que a Nova Museologia trouxe de realmente reformador, foi a ideia de

autogestão por parte da comunidade, conferindo-lhes a capacidade de preservar o seu

8 MAURE, Marc - La Nouvelle Museologie - Qu'est-ce-que C'est? Stavanger: Symposium Museum and

Community II, 1995. p.129 (disponível em http://network.icom.Museum/fileadmin/user_upload/minisites/icofom/pdf/ISS%2025%20(1995).pdf) 9 MAURE, Marc - La Nouvelle Museologie - Qu'est-ce-que C'est? Stavanger: Symposium Museum and

Community II, 1995. p.129 - tradução livre (disponível em http://network.icom.Museum/fileadmin/user_upload/minisites/icofom/pdf/ISS%2025%20(1995).pdf) 10

Declaração da Mesa-Redonda de Santiago do Chile (disponível no cd em anexo, p.2) 11

MAURE, Marc - La Nouvelle Museologie - Qu'est-ce-que C'est? Stavanger: Symposium Museum and Community II, 1995. p.129 - tradução livre (disponível em http://network.icom.Museum/fileadmin/user_upload/minisites/icofom/pdf/ISS%2025%20(1995).pdf) 12

SANTOS, Maria Célia T. Moura - Estratégias Museais e Patrimoniais Contribuindo para a Qualidade de Vida dos Cidadãos: Diversas Formas de Musealização. Lisboa: Cadernos de Sociomuseologia nº 18, 2002. p.135 (disponível em http://www.mestrado-Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_18_2002.pdf)

18

património, uma vez que a organização e gestão dos espaços museológicos ficariam ao

seu alcance, sendo por isso fornecidas à comunidade as ferramentas que lhes

permitissem fazer parte desse processo.

Este movimento defendia assim que os museus deveriam estar “ao serviço das

pessoas”13

, sendo necessário por isso, uma interacção real com a comunidade, centrando

a sua actividade museológica na pesquisa, preservação e comunicação, com o objectivo

de dinamizar a cultura, promover a cidadania e a democratização cultural.

Esse fenómeno veio possibilitar o “agenciamento de novos circuitos,”14

, dando origem

ao aparecimento de novas tipologias de museus, que funcionavam num “sistema aberto

em contínua comunicação”15

, envolvendo a comunidade e convidando-a a actuar na

construção de um museu voltado para a sua própria cultura, como refere Bruno

Soares16

.

Nesse contexto surgiram os ecomuseus, museus integrais ou museus de vizinhança,

intimamente ligados à redefinição do conceito de património, dando origem a uma

mudança substancial relativamente aos acervos, mas também ao modo como se

relacionavam com os indivíduos, uma vez que resgatavam as práticas culturais do

grupo, promovendo “a valorização e significação desse acervo”17

, levando a que muitas

acções museológicas pudessem ocorrer fora do espaço fechado do museu, abrindo

“amplas possibilidades para a realização de novos processos de musealização”18

. E

nesse sentido a função do conservador deixou de ter o enquadramento anterior, como

13

MENDES, J. Amado - Estudos para o Património: Museus e Educação. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009. p.23 14

SOUSA, Francisco Clode - Museologia e Comunicação. Lisboa: Cadernos de Museologia nº 1, 1993. p.37 (disponível em http://www.mestrado-Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_01_1993.pdf) 15

SANTOS, Maria Célia T. Moura - Museu: Centro de Educação Comunitária ou Contribuição ao Ensino Formal? Lisboa: Cadernos de Sociomuseologia nº 18, 2002. p.38 (disponível em http://www.mestrado-Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_18_2002.pdf) 16

SOARES, Bruno César Brulon - Entendendo o Ecomuseu: Uma Nova Forma de Pensar a Museologia. Estudo Sobre Museus, Museologia e Património. 2006. p.7 (disponível em http://www.unirio.br/jovemMuseologia/documentos/2/artigobruno.pdf) 17

ARAS, Lina Maria Brandão de; TEIXEIRA, Maria das Graças de Souza - Os Museus e o Ensino da História. p.3 (disponível em http://www.ichs.ufop.br/perspectivas/anais/GT1603.htm) 18

SANTOS, Maria Célia T. Moura - Museu e Educação: Conceitos e Métodos. São Paulo: Artigo extraído do texto proferido na abertura do Simpósio Internacional “Museu e Educação: conceitos e métodos”, 2001. p.6 (disponível em http://www.rem.org.br/dowload/MUSEU_E_EDUCA__O_conceitos_e_m_todos_Porto_Alegre[1].pdf)

19

refere Maria Cordovil19

, uma vez que este passou a desempenhar diferentes tarefas e a

contar com a intervenção de novos agentes – a comunidade.

Desse modo, os museus tornaram-se pluridisciplinares, abarcando toda uma série de

novas funções e finalidades, dando origem a novos conceitos, entre eles o conceito de

ecomuseu, conceito criado em França por Hugues de Varine no início dos anos 70, no

qual se defendia que a interacção com a comunidade deveria ser efectiva, e a

conservação da memória colectiva deveria estar aliada à preservação do meio ambiente.

Desse modo, os ecomuseus deveriam antes de mais definir e reconhecer o seu território,

no sentido de estabelecer uma relação de diálogo com a comunidade, de modo

individual e colectivo, conhecer as suas necessidades e os seus anseios, englobando para

tal os vários segmentos sociais, numa relação de parceria ao nível da gestão e da

produção de acções museológicas.

O território passou desse modo a ser encarado enquanto objecto museológico, e a

comunidade enquanto parceiro na acção, uma vez que a essência do museu, segundo

Tereza Scheiner e Bruno Soares20

não residia na exposição, mas na participação

comunitária.

Assim, os ecomuseus preservavam a memória através da realização de inventários,

procurando conhecer e investigar o património, mas também o território, valorizando e

gerindo o mesmo em conjunto com a comunidade, promovendo a educação contínua,

desenvolvendo acções de sensibilização para questões ambientais e contribuindo para

um “envolvimento activo nos problemas do presente, visando a sobrevivência do

homem em seu meio ambiente”21

.

Em 1972, surge o conceito de museu integral na América Latina, seguindo a mesma

linha comunitária, no qual se estabelece uma íntima ligação com a sociedade ao nível da

19

CORDOVIL, Maria Madalena - Novos Museus, Novos Perfis Profissionais. Lisboa: Cadernos de Museologia nº 1, 1993. p.15 (disponível em http://www.mestrado-Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_01_1993.pdf) 20

SCHEINER, Tereza C. M.; SOARES, Bruno C. Brulon - A Ascenção dos Museus Comunitários e Patrimónios “Comuns”. Um ensaio sobre a Casa, 2009. p.7 (disponível em http://uff.academia.edu/BrunoBrulon/Papers/738384/A_ascencao_dos_Museus_comunitarios_e_os_patrimonios_comuns) 21

SOARES, Bruno César Brulon - Entendendo o EcoMuseu: Uma Nova Forma de Pensar a Museologia. Estudo Sobre Museus, Museologia e Património. 2006. p.9 (disponível em http://www.unirio.br/jovemMuseologia/documentos/2/artigobruno.pdf)

20

gestão e da produção de acções museológicas, de modo a preservar o património e

promover o respeito pela diversidade, tendo como principal prioridade “aumentar a

consciência e a capacidade de iniciativa dos grupos”22

, tendo em conta a realidade

vivida pela mesma, e nesse sentido o museu funcionava enquanto espelho identitário

dos indivíduos que geriam e participavam na sua organização, uma vez que as decisões

eram tomadas no sentido inverso.

Também os museus de vizinhança centravam a sua acção na pesquisa do quotidiano

comunitário e nas suas histórias, sendo encarados como locais de encontro comunitário,

permitindo a interacção entre as pessoas, promovendo o autoconhecimento e a

confiança, ajudando a solucionar problemáticas locais ou de cariz social, através de

acções, exposições ou outras actividades museológicas, realizadas junto da comunidade,

sendo valorizados “todos os tipos de actividades locais”23

sempre numa relação de

partilha, de forma a “integrar verdadeiramente a vida dos residentes”24

.

Contudo, e apesar destas novas tipologias museológicas apresentarem metodologias

revolucionárias e renovadoras, não foi alcançado o reconhecimento internacional

pretendido, pelo que em 1984 é publicada a Declaração de Quebec, no decorrer do

Atelier Internacional Ecomuseus - Nova Museologia.

Essa declaração veio desenvolver ideias anteriormente lançadas na Mesa-Redonda de

Santiago do Chile de 1972, e teve como principal objectivo reunir esforços e estabelecer

uma interacção entre países, no sentido de aprofundar e rever conceitos, desenvolver

novas práticas museológicas assentes na interdisciplinaridade, e estabelecer uma relação

de parceria, promovendo o diálogo, e a realização de programas e iniciativas, seguindo

directrizes gerais passiveis de serem adaptadas a projectos específicos, com vista a uma

evolução democrática das sociedades.

22

SANTOS, Maria Célia T. Moura - Reflexões sobre a Nova Museologia. Lisboa: Cadernos de Sociomuseologia nº 18, 2002. p.113 (disponível em http://www.mestrado-Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_18_2002.pdf) 23

SCHEINER, Tereza C. M.; SOARES, Bruno C. Brulon - A Ascenção dos Museus Comunitários e Patrimónios “Comuns”. Um ensaio sobre a Casa, 2009. p.9 (disponível em http://uff.academia.edu/BrunoBrulon/Papers/738384/A_ascencao_dos_Museus_comunitarios_e_os_patrimonios_comuns) 24

SCHEINER, Tereza C. M.; SOARES, Bruno C. Brulon - A Ascenção dos Museus Comunitários e Patrimónios “Comuns”. Um ensaio sobre a Casa, 2009. p.9 (disponível em http://uff.academia.edu/BrunoBrulon/Papers/738384/A_ascencao_dos_Museus_comunitarios_e_os_patrimonios_comuns)

21

Também a Declaração de Oaxtepec de 1984 e a Declaração de Caracas de 1992, vieram

realçar a importância que os museus deveriam dar ao modo como a comunicação era

estabelecida, apelando ao uso de uma linguagem aberta e democrática, na qual fossem

utilizados códigos comuns acessíveis a todos, reforçando assim a importância que se

deveria dar à contemporaneidade, no sentido das instituições museológicas focarem o

seu discurso no presente, e poderem ser encarados enquanto ferramentas de interacção

com o mundo em transformação, e não como um fim, como refere Maria Almeida25

.

Podemos deste modo verificar que a Nova Museologia teve que rever a metodologia

utilizada anteriormente e procurar novas formas de implementar as suas acções,

reconhecendo que a comunicação, a difusão, o caractér educativo e o sentido lúdico,

assentes no contacto directo com o público devem, como refere Francisca Hernández26

,

ser as funções primordiais dos museus.

O museu deve por isso, divulgar um património cultural pertencente à comunidade,

impulsionando o diálogo e o trabalho conjunto, promovendo a apropriação e

reapropriação desse mesmo património, uma vez que a própria comunidade vai

participar nas diferentes fases do processo museológico, fases essas, que segundo Marc

Maure27

se centram na planificação, pesquisa, documentação, recolha, produção,

apresentação e debate, devendo ser dirigida a sua atenção para “as mudanças efectuadas

no seu meio envolvente”28

e para os seus interesses, contribuindo para um reforço da

identidade e preservação da memória individual e colectiva, constituindo “ganhos

significativos para todos os sujeitos envolvidos no processo”29

, uma vez que são eles os

principais protagonistas da acção museológica, como refere Luis Alonso Fernandéz30

.

25

ALMEIDA, Maria Mota - Mudanças Sociais, Mudanças Museais: Nova História/Nova Museologia - Que Relação? Lisboa: Cadernos de Museologia nº 5, 1996. p.110 (disponível em http://www.mestrado-Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_05_1996.pdf) 26

HERNÁNDEZ, Francisca Hernández - Manual de Museologia. Madrid: Sintesis, 1994. p.81 27

MAURE, Marc - La Nouvelle Museologie - Qu'est-ce-que C'est? Stavanger: Symposium Museum and Community II, 1995. p.132 - tradução livre (disponível em http://network.icom.Museum/fileadmin/user_upload/minisites/icofom/pdf/ISS%2025%20(1995).pdf) 28

PAIS, Tereza Azevedo - Museologia e Comunicação. Lisboa: Cadernos de Museologia nº 1, 1993. p.46 (disponível em http://www.mestrado-Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_01_1993.pdf) 29

SANTOS, Maria Célia T. Moura - Museu: Centro de Educação Comunitária ou Contribuição ao Ensino Formal? Lisboa: Cadernos de Sociomuseologia nº 18, 2002. p.36 (disponível em http://www.mestrado-Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_18_2002.pdf) 30

FERNÁNDEZ, Luis Alonso - Introducción a La Nueva Museologia. Madrid: Alianza, 1999. p.155

22

Deste modo, as actividades e exposições realizadas segundo estas metodologias devem,

apresentar património representativo de uma determinada comunidade, mostrando

aquilo que melhor as “identifica e caracteriza”31

, devendo por isso, ser previamente

reconhecido e aceite por ela, “levando sempre ao questionamento e abrindo novas

perspectivas”32

.

Logo, a pesquisa deve centrar-se nas pessoas e no entendimento da sua vida quotidiana,

reunindo acervo que permanece em constante mutação, uma vez que abrange muito

mais que o património material, devendo por isso, investigar e produzir documentação,

estimular a consciencialização relativa à preservação patrimonial, estabelecendo sempre

uma relação de diálogo e desenvolvendo actividades ou acções, numa “permanente

abertura para avaliar os processos museais e para a auto-avaliação”33

.

31

MENDES, J. Amado - Estudos para o Património: Museus e Educação. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009. p.52 32

ALMEIDA, Maria Mota - Mudanças Sociais, Mudanças Museais: Nova História/Nova Museologia - Que Relação? Lisboa: Cadernos de Museologia nº 5, 1996. p.113 (disponível em http://www.mestrado-Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_05_1996.pdf) 33

SANTOS, Maria Célia T. Moura - Museu e Comunidade: Uma Relação Necessária. São Paulo: Texto apresentado na 13ª Reunião Anual do Instituto Biológico, 2000. p.14 (disponível em http://www.rem.org.br/dowload/MUSEU_E_COMUNIDADE_2.pdf)

23

1.2. A UNESCO e o Património Cultural Imaterial

Falar de Património Cultural Imaterial é falar de formas de expressão ou tradições vivas,

protagonizadas por indivíduos, sendo transmitidas de geração em geração.

Enquanto legado, podemos dizer que é valorizado, uma vez que é representativo de uma

comunidade específica, funcionando enquanto elemento identitário e integrador da

mesma, algo que se prende também com a redefinição do conceito de património, uma

vez que este passou a considerar as pessoas na sua totalidade, alargando-o ao intangível.

Nesse sentido, o Património Cultural Imaterial pode manifestar-se através de “tradições

orais, artes performativas, práticas sociais, rituais, eventos festivos, conhecimentos e

práticas relacionadas com a natureza e o universo, ou conhecimento e capacidade de

produção de artesanato tradicional”34

, e desse modo só o podemos testemunhar “nos

momentos em que são executados ou, indirecta e parcialmente, mediante a apreciação

dos seus registos ou produtos”35

.

Por se tratar de um património em constante recriação, que depende da sua transmissão

para ser mantido, torna-se extremamente importante definir medidas de salvaguarda, e

nesse sentido a UNESCO assumiu um papel relevante e indispensável, sensibilizando

para a preservação desse património a nível internacional, definindo medidas de

protecção numa base de respeito multicultural, “centrada na questão das identidades em

contextos locais”36

.

Desse modo, e para que melhor se compreenda a Convenção para a Salvaguarda do

Património Cultural Imaterial de 2003, é importante mostrar de que modo a UNESCO

foi criada, e com que objectivos, referindo que passos foram dados até à elaboração da

mesma.

34

Site oficial da UNESCO - Tradução Livre (disponível em http://www.unesco.org/archives/multimedia/index.php?page=3&id_page=13&pattern=Intangible%20cultural%20heritage) 35

CABRAL, Clara Bertrand - Património Cultural Imaterial: Convenção da Unesco e seus Contextos. Lisboa: Edições 70, 2011 (Arte & Comunicação). p.16 36

CARVALHO, Ana - Os Museus e o Património Cultural Imaterial: Estratégias para o Desenvolvimento de Boas Práticas. Lisboa: Colibri, 2011 (Cidehus) p.28

24

A UNESCO foi fundada em 1945, realizando a sua primeira Conferência Geral no

mesmo ano, tendo sido definido que o Conselho Executivo deveria ser formado por

representantes governamentais dos Estados Membros, numa relação de cooperação

internacional, elaborando declarações, recomendações e convenções, passiveis de serem

adoptadas pelos mesmos, entrando em vigor “após a ratificação, aceitação e aprovação

ou adesão de um número variável de Estados”37

, e desse modo as resoluções seriam

tomadas “quer por consenso, quer por votação, e sempre respeitando regras estritas

previamente acordadas entre todos”38

, contando actualmente com 195 Estados

Membros, e 8 Estados Membros associados.

A UNESCO tem como missão promover a educação para todos, o desenvolvimento

sustentável, a ética social, o diálogo intercultural e a diversidade, propondo que o

conhecimento deve estar ao alcance de todos, em áreas como a educação, a ciência e a

cultura, tendo como principais prioridades o continente Africano e a Igualdade do

Género. A UNESCO começou assim, a desenvolver acções relacionadas com a cultura a

partir de 1946, fundando o ICOM, no qual era defendido: “o papel educativo dos

museus, exposições, a circulação internacional dos bens culturais”39

, centradas no

restauro e na conservação.

Em 1954 foi aprovada a Convenção de Haia, ratificada em 1958, com o objectivo de

proteger bens culturais em caso de conflito armado, na qual se assumia uma postura de

salvaguarda em relação a bens, móveis ou imóveis, que apresentassem “uma grande

importância para o património cultural dos povos”40

.

A elaboração da Carta de Veneza de 1964, veio também sensibilizar a comunidade

internacional para a importância de preservar e restaurar monumentos históricos,

enquanto património comum, defendendo um acordo de âmbito internacional, no qual

37

CABRAL, Clara Bertrand - Património Cultural Imaterial: Convenção da Unesco e seus Contextos. Lisboa: Edições 70, 2011 (Arte & Comunicação). p.70 38

CABRAL, Clara Bertrand - Património Cultural Imaterial: Convenção da Unesco e seus Contextos. Lisboa: Edições 70, 2011 (Arte & Comunicação). p.p.69 39

Site oficial do ICOM - Tradução Livre (disponível em http://icom.museum/the-organisation/history/) 40

Convenção para a Protecção de Bens Culturais em Caso de Conflito Armado (disponível no cd em anexo, p.35)

25

cada país deveria assumir a responsabilidade de “aplicação no quadro das suas próprias

culturas e tradições”41

.

Em 1966, a Conferência Geral da UNESCO adoptou a Declaração dos Princípios da

Cooperação Cultural Internacional, definindo políticas de cooperação internacionais,

capazes de salvaguardar a cultura de cada povo, adoptando em 1970 a Convenção

relativa às medidas a serem adotadas de modo a proibir e impedir a

importação, exportação e transferência de propriedade ilícitas dos bens culturais.

Também a Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural de

1972, veio definir o conceito de património, nomeando os elementos tangíveis,

considerando que a degradação e o desaparecimento de um bem implicariam “um

empobrecimento efectivo do património de todos os povos do mundo”42

, reconhecendo

os monumentos, os conjuntos e os locais de interesse, estimulando a cooperação

internacional e a elaboração de projectos de pesquisa e desenvolvimento, .

A Conferência Mundial sobre Politicas Culturais, denominada Mondiacult, realizada no

México em 1982, foi especialmente relevante, uma vez que passou a definir cultura

enquanto “conjunto das particularidades distintas, espirituais e materiais, intelectuais e

afectivas que caracterizam uma sociedade ou um grupo”43

, tais como as artes e letras, os

modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as

tradições e as crenças.

Nesse sentido, foi uma das primeiras acções que passou a considerar a intangibilidade

do ser humano, numa postura de respeito pela diversidade cultural e igualdade, numa

relação de colaboração entre nações, capaz de garantir “o respeito pelo direito dos

outros e assegurando o exercício das liberdades fundamentais do homem e dos seus

povos com direito à auto determinação”44

, desenvolvendo assim, politicas ao nível da

educação e da cultura, com o objectivo de promover a identidade, fomentar a criação

artística e intelectual, assente em valores democráticos.

41

Carta de Veneza (disponível no cd em anexo, p.51) 42

Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural (disponível no cd em anexo, p.69) 43

Declaración de México sobre Las Políticas Culturales - Tradução Livre (disponível no cd em anexo, p.84) 44

Declaración de México sobre Las Políticas Culturales - Tradução Livre (disponível no cd em anexo, p.84)

26

No mesmo ano foi igualmente realizado o Comité de Peritos para a Salvaguarda do

Folclore, e criada a Secção do Património Não Tangível, que conduziu à adopção da

Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular em 1989,

reconhecendo a “extrema fragilidade de certas formas da cultura tradicional e popular e,

particularmente, a de seus aspectos correspondentes à tradição oral”45

.

Essa recomendação alertava as entidades governamentais para a importância dos

elementos tangíveis, considerando a sua salvaguarda em parceria com organizações

internacionais, considerando o conjunto de criações “de uma comunidade cultural

fundadas na tradição, expressas por um grupo ou por indivíduos”46

que

reconhecidamente respondessem “às expectativas da comunidade enquanto expressão

de sua identidade cultural e social”47

, transmitidas “oralmente, por imitação ou de outras

maneiras”48

, através da língua, literatura, música, dança, jogos, mitologia, rituais,

costumes, artesanato, arquitetura ou outras artes, sendo por isso considerado, o primeiro

instrumento jurídico aplicado ao património imaterial.

Em 1992 foi também criada uma Comissão Mundial independente sobre Cultura e

Desenvolvimento que deu origem ao Relatório Mundial “Our Creative Diversity”,

publicado em 1995, no qual se promovia a pluralidade cultural tangível e intangível, e a

sua salvaguarda, num contexto de desenvolvimento socioeconómico.

Nesse sentido os museus deveriam apresentar as experiências, os conhecimento e as

práticas de todos aqueles que contribuíssem para a “dimensão humana da cidade,

promovendo o envolvimento de toda a comunidade em políticas e operações,

reconhecendo que as suas ferramentas de trabalho não são apenas colecções, mas, na

realidade, todo o seu património, não sendo no entanto, necessariamente encarados

45

Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular (disponível no cd em anexo, p.89) 46

Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular (disponível no cd em anexo, p.90) 47

Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular (disponível no cd em anexo, p.90) 48

Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular (disponível no cd em anexo, p.90)

27

como monetariamente valiosos”49

, sendo por isso necessário, dotar os seus profissionais

de competências especificas.

A Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica de 1992, veio defender

de igual forma a salvaguarda do Património Cultural Imaterial, reconhecendo as

“populações indígenas de muitas comunidades locais que adoptavam estilos de vida

tradicionais relacionados com os recursos biológicos”50

, tendo sido realizada um ano

depois a Reunião Internacional de Consulta de Novas Perspectivas para o Programa da

UNESCO: Património Cultural Imaterial, onde se alertou relativamente aos novos

rumos que pudessem vir a ser tomados no âmbito da salvaguardar e valorização do

património cultural intangível.

Em 1993, foi desenvolvido o programa “Línguas em Perigo no Mundo”, tendo sido

criado o “Red Book of Endangered Languages”, contendo informação relativa às

línguas ameaças, sendo mais tarde substituído pelo “Atlas of the World’s Languages in

Danger”.

No mesmo ano foi criado o “Tesouros Humanos Vivos”, onde seriam consideradas

pessoas com “um alto grau de conhecimento e as técnicas necessárias para interpretar

ou recriar alguns elementos do Património Cultural Imaterial”51

, no intuito de

salvaguardar os saberes e as técnicas inerentes às expressões culturais, enquanto

elementos identitários de uma comunidade.

Em 1997 a UNESCO criou também o programa de Proclamação das Obras-Primas do

Património Oral e Imaterial da Humanidade, redefinindo o conceito de património

imaterial, passando a englobar “os processos de criação dos saberes e fazeres que todas

as populações são depositárias e a criatividade que os conforma, os produtos que geram,

bem como as fontes e espaços necessários para sua vitalidade e perenidade, o que inclui

as línguas, artes do espectáculo, tradição oral, celebrações, rituais sociais, cosmogonias,

sistemas de conhecimento, crenças e práticas ligadas à natureza”52

, sendo aplicada pela

49

Report of the World Commission on Culture and Development “Our Creative Diversity” - Tradução Livre (disponível no cd em anexo, p.126) 50

Convention on Biological Diversity - Tradução Livre (disponível no cd em anexo, p.159) 51

Directrices para la Creación de Sistemas Nacionales de “Tesoros Humanos Vivos” - Tradução Livre (disponível no cd em anexo, p.214) 52

Discurso Pronunciado por ocasião da Abertura da Cerimónia da Proclamação das Obras-Primas do Património Oral e Imaterial da Humanidade em 2001 (disponível no cd em anexo, p.225)

28

primeira vez em 2001, acontecendo de dois em dois anos, com o objectivo de distinguir

internacionalmente esse património, impulsionando a identificação, avaliação,

documentação e transmissão do mesmo, através de criação de inventários em parceria

com os executantes.

Essa proclamação, veio defender uma vez mais a diversidade cultural, sensibilizando a

comunidade internacional para a necessidade e urgência de salvaguarda do património

intangível, prevendo a criação de legislação específica por parte dos Estados Membros,

contudo, esse programa foi suspenso em 2006, entrando em vigor a Convenção para a

Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, aprovada em 2003.

Em 2001, foi igualmente elaborado um relatório referente ao estudo preliminar da

necessidade de elaboração de um novo instrumento normativo internacional, para a

proteção da cultura tradicional e popular, e nesse sentido, o novo instrumento normativo

deveria basear-se na Declaração Mundial dos Direitos Humanos, no respeito pela

diversidade cultural e na sua sustentabilidade, definindo que se deve incentivar e

proteger “o direito e a capacidade das comunidades em continuar a cumprir a sua

herança cultural imaterial através do desenvolvimento das suas próprias abordagens

para gestão de modo a sustentá-lo”53

, sendo particularmente direcionado aos criadores,

praticantes e comunidades detentoras desse património, incluindo conjuntamente os

investigadores e especialistas nessa área, numa relação de cooperação entre todos.

No mesmo ano, foi adoptada na Conferência Geral da UNESCO a Declaração Universal

sobre a Diversidade Cultural, onde o conceito de cultura foi adaptado e ampliado, com

base na Conferência de Mondiacult.

A cultura podia assumir assim “diversas formas ao longo do tempo e do espaço”54

, e

essa diversidade estaria inscrita no “carácter único e na pluralidade das identidades dos

grupos e das sociedades que formam a humanidade. Enquanto fonte de intercâmbios,

inovação e criatividade”55

devendo ser “reconhecida e afirmada em benefício das

53

Report on the Preliminar Study on the Advisability of Regulating Internationally, Through a New Strandard-Setting Instrument, the Protection of Traditional Culture and Folklore - Tradução Livre (disponível no cd em anexo, p.238) 54

Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (disponível no cd em anexo, p.245) 55

Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (disponível no cd em anexo, p.245)

29

gerações presentes e futuras”56

, promovendo a interacção entre as comunidades

detentoras de Património Cultural Imaterial, enquanto fonte de desenvolvimento e

construção identitária, assente nos direitos básicos do Homem.

Em 2002, realizou-se uma Mesa-Redonda em Istambul centrada no Património Cultural

Imaterial, onde foi reforçada a necessidade de desenvolver um plano de trabalho capaz

de salvaguardar o património intangível, tendo sido criadas várias acções de carácter

urgente, assentes na Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural de 2001, e na

Proclamação das Obras-Primas do Património Oral e Imaterial da Humanidade de 1997.

Nessa Mesa-Redonda, foi referida a importância desse património na “formação da

identidade cultural dos indivíduos e das comunidades, como fonte de criatividade e

alicerce de desenvolvimento sustentável, realçando ainda a sua vulnerabilidade, o seu

dinamismo, a relação com o património material, a importância da participação de todos

os agentes relevantes”57

, numa acção de cooperação entre as nações.

Ainda no mesmo ano, foi realizado em Paris o Encontro Intergovernamental para a

Elaboração do Projecto Preliminar de Salvaguarda do Património Cultural Imaterial,

onde se discutiu a definição de Património Cultural Imaterial, tendo sido proposta a

identificação do património presente nos vários territórios, através da elaboração de um

inventário e, um registo internacional, elaborado posteriormente.

Foram realizados vários encontros intergovernamentais até à elaboração da Convenção

para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, tendo esta como base o programa

defendido na Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural de

1972, sendo alargada ao intangível e adoptada em 2003.

Esta convenção veio apelar à salvaguarda da intangibilidade do ser humano, defendendo

o “respeito pelo Património Cultural Imaterial das comunidades, dos grupos e dos

indivíduos em causa; a sensibilização, a nível local, nacional e internacional”58

,

chamando à atenção para a importância desse património, deliberando que devem ser

encaradas enquanto Património Cultural Imaterial todas “as práticas, representações,

56

Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (disponível no cd em anexo, p.246) 57

CABRAL, Clara Bertrand - Património Cultural Imaterial: Convenção da Unesco e seus Contextos. Lisboa: Edições 70, 2011 (Arte & Comunicação). p.81 58

Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial (disponível no cd em anexo, p.265)

30

expressões, conhecimentos e aptidões - bem como os instrumentos, objectos, artefactos

e espaços culturais que lhes estão associados”59

, sendo esse património transmitido de

geração em geração, e “recriado pelas comunidades e grupos em função do seu meio, da

sua interacção com a natureza e da sua história”60

, manifestando-se assim, através de

expressões e tradições orais (incluindo a língua), das artes do espectáculo, das práticas

socais, rituais e festivas, dos conhecimentos relacionados com a natureza, o universo e

as técnicas artesanais tradicionais, estabelecendo uma ligação com o património

tangível.

A convenção propõe também a criação de programas e acções de salvaguarda, centradas

na identificação, documentação, investigação, preservação, protecção, promoção,

valorização e transmissão através da educação, formal e informal do Património

Cultural Imaterial, uma vez que a “salvaguarda não se resume à preservação dos

elementos do Património Cultural Imaterial em arquivos e colecções de museus”61

.

Desse modo, as acções de salvaguarda requerem um reconhecimento prévio do

património por parte da comunidade, envolvendo-a activamente nas mesmas, uma vez

que a “ identificação, valorização e promoção do Património Cultural Imaterial deverá

partir dos próprios detentores do património e decorrer do profundo anseio de preservar

a memória e identidade local em benefício das gerações futuras”62

.

São previstas a criação de medidas legislativas por parte dos Estados Membros, bem

como a criação de metodologias de pesquisa adequadas, e o desenvolvimento de

programas educativos que sensibilizem a comunidade e a população mais jovem,

através de “meios não formais de transmissão de conhecimentos”63

.

Com o intuito de promover esse património, foram criadas duas listas representativas de

Património Cultural Imaterial, sendo uma delas direccionada ao património que requer

medidas urgentes de salvaguarda, sendo necessário para tal, submeter uma candidatura,

sujeita a aprovação posteriormente.

59

Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial (disponível no cd em anexo, p.265) 60

Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial (disponível no cd em anexo, p.265) 61

CARVALHO, Ana - Os Museus e o Património Cultural Imaterial: Estratégias para o Desenvolvimento de Boas Práticas. Lisboa: Colibri, 2011 (Cidehus) p 54 62

GUIMARÃES, Fernando Andresen - Prefácio in CABRAL, Clara Bertrand - Património Cultural Imaterial: Convenção da UNESCO e seus Contextos. Lisboa: Edições 70, 2011 (Arte & Comunicação). p.10 63

Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial (disponível no cd em anexo, p.273)

31

Deste modo, podemos observar que esta convenção se dedica exclusivamente ao

património intangível, tendo como base uma visão de cariz democrático, promovendo o

respeito e a diversidade cultural, defendendo a salvaguarda dos elementos tangíveis que

lhes são associados, sendo por isso dada grande relevância ao papel que a comunidade

desempenha, “em detrimento dos poderes políticos e saberes académicos”64

, uma vez

que a comunidade é detentora desse património, e nesse sentido, assistimos segundo

Clara Cabral65

, a uma mudança de paradigma, uma vez que a patrimonialização deixa

de estar associada ao poder institucional, sendo a comunidade convocada a definir o que

deve ou não ser patrimonializado.

Esta convenção entrou em vigor em 2006, prevendo a cooperação internacional, sendo

posteriormente aprovada, através da ratificação e da sua aceitação pelos Estados

Membros, obrigando à apresentação de relatórios periódicos, quer a nível nacional,

como internacional.

No caso português, a convenção foi aprovada em 2008, tendo sido criada legislação

específica para o efeito (o Decreto-Lei nº 139/2009) fundamentada nas medidas

essenciais da convenção, onde o Estado desempenha um papel determinante.

A convenção prevê a elaboração de um sistema de inventário (gerido pelo IMC), em

conjunto com a comunidade, e nesse sentido as entidades governamentais devem

“realizar acções de sensibilização acerca do valor do património para a sociedade,

apoiar os grupos e comunidades na identificação do seu património e na delineação e

execução de medidas de salvaguarda”66

.

64

CABRAL, Clara Bertrand - Património Cultural Imaterial: Convenção da Unesco e seus Contextos. Lisboa: Edições 70, 2011 (Arte & Comunicação). p.34 65

CABRAL, Clara Bertrand - Património Cultural Imaterial: Convenção da Unesco e seus Contextos. Lisboa: Edições 70, 2011 (Arte & Comunicação). p.157 66

CABRAL, Clara Bertrand - Património Cultural Imaterial: Convenção da Unesco e seus Contextos. Lisboa: Edições 70, 2011 (Arte & Comunicação). p.193

32

CAPITULO II – DA HISTÓRIA DO FADO AO MUSEU DO

FADO

33

2.1. O Fado e a sua história

A palavra Fado encontrava-se geralmente ligada à ideia de destino ou sina, assumindo

musicalmente temáticas ligadas à saudade e ao conformismo, estando igualmente

ligadas à ideia de esperança e orgulho, sendo por isso possível encontrar Fados de cariz

fatalista, mas também Fados nos quais a sátira, a ironia e o humor são utilizados.

Se tentarmos depreender quais as origens do Fado, deparamo-nos com a existência de

pouca informação, uma vez que esta canção não foi estudada, nem devidamente

documentada à época. No entanto, os primeiros registos que ligam o Fado à música

remontam aos finais do séc. XIX, e duas importantes obras acabam por caracterizar um

pouco a ambiência em que se vivia o Fado nessa época, sendo apontado por Alberto

Pimentel e Pinto de Carvalho (Tinop) o ano de 1840 para o início da prática da mesma.

Pinto de Carvalho publica em 1903 a “História do Fado”, sendo editado um ano mais

tarde “A Triste Canção do Sul: Subsídios para a História do Fado”, por Alberto

Pimentel. Ambos se debruçaram sobre a temática do Fado, realizando um trabalho único

para a época, tendo baseado Pinto de Carvalho o seu trabalho no contacto directo com

os fadistas, realizando alguma pesquisa histórica, mas também alguns artigos

biográficos, descrevendo ainda o ambiente em que o Fado acontecia.

No caso de Alberto Pimentel, podemos encontrar também alguma pesquisa histórica, no

entanto é dedicada uma maior atenção à textualidade do Fado, classificando essa canção

por géneros e subgéneros.

Apesar da existência destas duas edições, torna-se difícil saber com precisão como o

Fado surgiu, ou a partir de que influências, existindo por isso várias teorias acerca do

assunto.

Vários estudiosos afirmam que este poderá ter tido origem árabe (Adalberto Alves),

africana (Eduardo Sucena), portuguesa (José Alberto Sardinha) ou brasileira (José

Ramos Tinhorão, Rui Vieira Nery) 67

, no entanto, parece não haver informação

67

Para mais informação consultar: ALVES, Adalberto - Em Busca da Lisboa Árabe. Lisboa: Clube do Coleccionador dos Correios, 2007; SUCENA, Eduardo - Lisboa, o Fado e os Fadistas. Lisboa: Nova Veja,

34

suficiente que permita afirmar com total exactidão que o Fado teve uma determinada

proveniência, existindo, porém, teorias que assentam numa boa argumentação,

vinculadas a uma série de documentos ou acontecimentos históricos.

A teoria de que o Fado poderá ter tido origem no Brasil é a defendida por um maior

número de estudiosos, e, historicamente, tudo parece fazer sentido, contudo muitos

autores contestam esta hipótese.

Segundo Rui Vieira Nery68

, os primeiros registos históricos que relatam o Fado

referem-se ao Fado dançado no contexto colonial brasileiro, contudo este seria um Fado

totalmente diferente do Fado português, assumindo características associadas à presença

negra e mulata.

Presume-se que esse tipo de Fado dançado foi posteriormente trazido para Portugal, tal

como outros tipos de dança, sendo possível reconhecer a influência afro-brasileira em

danças que chegaram mesmo a ser populares junto das classes mais abastadas, como as

“Modinhas” e o “Lundum”, sendo este último considerado o antecessor directo do Fado.

O que se pode afirmar é que o Fado, independentemente das suas origens, terá sofrido

mutações ao longo dos tempos, não tendo aparecido espontaneamente com todas as

singularidades e características que hoje conhecemos, tendo-se manifestado

inicialmente em Lisboa em meados do séc. XIX (1840 segundo Pinto de Carvalho e

Alberto Pimentel), difundindo-se posteriormente pelo resto do país, graças à interacção

mercantil e boémia, uma vez que o Fado funcionava como meio de comunicação entre a

classe operária que vinha para a capital, adquirindo características muito próprias em

determinadas zonas, como Coimbra ou Ribatejo (Fado Marialva), não sendo no entanto,

um género habitualmente cantado em todas as regiões do país.

Depois da partida da família real para o Brasil, Portugal sofreu alterações sociais

profundas, e muitas famílias burguesas adquiriram bens em Lisboa, havendo igualmente

uma grande afluência de população rural, conduzindo a um aumento populacional

bastante considerável, e a uma expansão da área urbana, sendo alcançadas assim, as

2008 (Memória de Lisboa); SARDINHA, José Alberto - A Origem do Fado. Vila Verde: Tradisom, 2010; TINHORÃO, José Ramos - Fado: Dança do Brasil, Cantar de Lisboa. Lisboa: Caminho, 1994; NERY, Rui Vieira - Para uma História do Fado. Lisboa: Público, 2004 68

NERY, Rui Vieira - Para uma História do Fado. Lisboa: Público, 2004 (Fado 100 anos) p.23

35

zonas limites da cidade. A camada populacional tornou-se, bastante diversificada,

havendo muitas pessoas ligadas a cargos públicos e privados, mas também muitos

marinheiros, soldados, oficiais, operários, camponeses e escravos negros.

O Fado desenvolveu-se dessa forma, dentro e fora de Lisboa, assumindo em ambientes

rurais características distintas, uma vez que acontecia ao ar livre, em hortas, retiros,

feiras ou touradas, tendo desse modo surgido em contextos bastante diversificados,

mantendo-se contudo, bastante ligado a circuitos boémios e marginais, acontecendo em

momentos de lazer e convívio entre marujos, marialvas ou prostitutas, sendo associado

o termo “Casa de Fado” a espaços de diversão e prostituição, e o termo “fadista” a

prostitutas ou proxenetas, apresentando muitas vezes “tatuagens ou desenhos impressos

na epiderme”69

.

Muitos dos espaços onde o Fado acontecia foram mais tarde frequentados por uma

camada social bastante diversificada, como “estudantes, jornalistas, homens do teatro e

artistas”70

, mas também por membros pertencentes às elites, uma vez que também eles

frequentavam as tabernas e os bordeis situados nos bairros típicos de Lisboa, dando

origem a uma espécie de união entre as classes, sendo um bom exemplo disso, o

envolvimento do Conde do Vimioso com a meretriz Maria Severa, cantadeira muito

dotada, que adquiriu uma “aura de celebridade póstuma sem precedentes”71

, podendo

dizer-se por isso, que a ligação entre um membro da monarquia e uma cantadeira foi o

primeiro passo para que o Fado começasse a surgir nos salões, locais onde a guitarra

começou a ser substituída pelo piano.

O Fado começou também a ser cantado nas ruas, por mendigos e cegos, muitas vezes

sozinhos ou acompanhados à viola, factor que contribuiu para uma maior disseminação

dessa canção, uma vez que essas pessoas percorriam regularmente as festas e romarias

nos arredores de Lisboa, sendo igualmente associada a festejos populares e cegadas,

ligando-se ainda ao carnaval lisboeta, onde assumiu características satíricas e de

intervenção.

69

CARVALHO, Pinto de - História do Fado. Lisboa: Dom Quixote, 2003 (Portugal de Perto) p.57 70

NERY, Rui Vieira - Para uma História do Fado. Lisboa: Público, 2004 (Fado 100 anos) p.60 71

NERY, Rui Vieira - Para uma História do Fado. Lisboa: Público, 2004 (Fado 100 anos) p.65

36

As temáticas do Fado centravam-se inicialmente em narrativas do quotidiano, cantando

as “contingências da sorte voltária, a negregada sina dos infelizes”72

, intimamente

ligadas à marginalidade e à transgressão, sendo abordadas temáticas, segundo Alberto

Pimentel73

, associada a males de amor, saudade, ansiedade amorosa, passando também

pelo sofrimento, ódio, ciúme ou traição, sendo ainda cantados Fados em que a temáticas

se relacionava com o trabalho, com os espaços urbanos e com as péssimas condições de

vida, sendo desse modo abordados temas bastante variados, como a esperança, o

orgulho, a felicidade, a paixão ou a crença.

Alberto Pimentel74

elaborou por isso uma lista de subgéneros temáticos: Fados ligados

ao “mar”, à “terra”, à “campa”, à “escritura” e “cantigas a atirar”, nas quais se

improvisava, havendo despique entre dois fadistas.

Tanto Pinto de Carvalho como Alberto Pimentel, disponibilizam nas suas obras uma

lista de homens e mulheres ligados ao Fado, sendo a maior parte deles contemporâneos

ou sucessores de Maria Severa, e quase todos ligados ao mesmo tipo de vida bairrista,

ou mesmo operária, relacionando-se no mesmo ambiente marginal. No entanto, existe

pouca ou nenhuma informação acerca das suas características vocais.

Os fadistas costumavam combinar também, os seus nomes próprios com uma alcunha

ou uma referência à profissão que exerciam, sendo todos eles considerados “amadores”,

tendo em conta que o Fado acontecia em momentos de lazer, sendo geralmente

apresentado em trio, no qual havia um guitarrista e um violista a acompanhar alguém

que cantava, apesar de até ao final do séc. XIX, a parte instrumental ser muitas vezes

executada pelo próprio fadista, ou por apenas um músico que acompanhava, sendo

também relatado em vários registos a presença da dança associada a uma marcada

melodia rítmica acompanhada por voz ou apenas por instrumentação (Fado dançado ou

batido), contudo não existem registos que indique as diferenças entre o Fado cantado e o

Fado dançado, sendo este possivelmente executado pelos próprios fadistas ou músicos.

72

CARVALHO, Pinto de - História do Fado. Lisboa: Dom Quixote, 2003 (Portugal de Perto) p.38 73

PIMENTEL, Alberto - A Triste Canção do Sul, Subsídios para a História do Fado. Lisboa: Dom Quixote, 1989 (Memória Portuguesa) p. 84 74

PIMENTEL, Alberto - A Triste Canção do Sul, Subsídios para a História do Fado. Lisboa: Dom Quixote, 1989 (Memória Portuguesa) p. 71

37

Os registos relatam conjuntamente a improvisação ao nível da letra, por parte do fadista,

uma vez que a parte melódica se encontrava separada da parte poética, podendo assim

“suportar múltiplos textos sucessivos, livremente escolhidos pelo intérprete”75

,

conduzindo a um número infinito de versões, com variantes e acrescentos, sendo muitas

vezes utilizado um tipo de linguagem característico, o popular “calão bairrista” 76

,

perdendo-se em muitos casos a autoria das letras, problema que ficou parcialmente

resolvido por volta de 1870, época em que se começam a ser publicadas colecções de

letras de Fado, destinadas ao uso doméstico, editadas a baixo custo, e acessíveis às

classes mais baixas.

A partir do séc. XX, algumas colecções de Fado começam também a ser editadas com

notações musicais, sendo comercializadas a um preço mais elevado, e dirigidas às

classes mais abastadas, surgindo igualmente inúmeras edições de Fados para piano,

numa “escrita imitativa de execução guitarrística”77

.

As letras começaram desse modo a sofrer alterações, assumindo por vezes uma poética

um pouco mais instruída, devido à convivência com pessoas de outras classes sociais.

Entre meados do séc. XVIII e o início do séc. XIX, a viola era habitualmente utilizada

exclusivamente nos círculos da aristocracia, tendo caído posteriormente em desuso,

vindo a ser substituída pela guitarra inglesa e posteriormente pelo piano, e “é nessa

qualidade que a vemos associada ao acompanhamento de algumas modinhas e

cançonetas de carácter mais erudito” 78

, surgindo a designação de “guitarra portuguesa”

no inicio do séc. XIX, na qual eram utilizadas doze cordas de aço agrupadas em seis

pares, destacando-se na história da sua construção (inteiramente artesanal) duas

famílias: Álvaro da Silveira e João Pedro Grácio, existindo também algumas teorias

acerca do modo como se terá desenvolvido, havendo quem pense que ela provem da

guitarra inglesa, escocesa ou mesmo das citaras.

75

NERY, Rui Vieira - Propaganda pela Trova - Movimento Operário e Ideal Republicano no Fado de Lisboa até à Ditadura in Fado 1910. Lisboa: EGEAC/Museu do Fado, 2010. p.15 76

NERY, Rui Vieira - Para uma História do Fado. Lisboa: Público, 2004 (Fado 100 anos) p.91 77

NERY, Rui Vieira - Para uma História do Fado. Lisboa: Público, 2004 (Fado 100 anos) p.99 78

PEREIRA, Sara - Museu do Fado: 1998-2008. Lisboa: EGEAC/Museu do Fado, 2008. p.135

38

Por essa época, e até à primeira metade do séc. XX, surgiram alguns discursos críticos

“num dominador comum de hostilidade à canção urbana de Lisboa”79

, por parte da

Geração de 70, grupo composto por alguns jovens intelectuais portugueses, como

Antero de Quental, Eça de Queirós, Oliveira Martins, Teófilo Braga, Ramalho Ortigão

ou Batalha Reis, que primeiro em Coimbra e depois em Lisboa, manifestaram um

descontentamento perante o estado da cultura e das instituições nacionais.

Num primeiro momento, deu-se um distanciamento associado à marginalidade inerente

a esse meio, prolongando-se durante todo o séc. XX. São bom exemplo disso “não

cantem o Fado” (1909) de António Arroio80

, ou Armando Leça81

(1918), que

considerava aceitável o Fado acontecer no meio popular, considerando contudo

incorrecto que essa canção fosse levada para fora do seu ambiente. Outro exemplo são

as palestras de Luiz Moita (1936) na Emissora Nacional, posteriormente compiladas no

livro “O Fado, Canção dos Vencidos”.

De um modo geral, a classe intelectual uniu-se num mútuo sentimento em relação ao

Fado, assumindo alguma hostilidade, e mais tarde, também Fernando Lopes Graça82

e

António Osório83

seguiram a mesma linha. No entanto, e apesar da hostilidade sentida,

o Fado acabou por se disseminar por variadíssimos espaços, contribuindo para uma

afluência cada vez maior de população diversificada, começando a ser relativamente

normal as actuação dos fadistas mais populares em salões aristocráticos, havendo

porém, uma limitação ao nível do tipo de Fados cantados.

O Fado começou assim a sedimentar-se noutros espaços, sendo acolhido nos teatros,

que começaram a integrar esta canção nos seus espectáculos entre 1851 e 1870, e essa

apropriação aumentou progressivamente, multiplicando-se as actuações a várias zonas

do país, com espectáculos de Revista, tendo sido realizada a primeira em 1851, na qual

foram abordadas de modo satírico, questões relacionadas com a política e com a vida

social da época.

79

PEREIRA, Sara - O mais Português dos Quadros a Óleo in Fado 1910. Lisboa: EGEAC/Museu do Fado, 2010. p.67 80

PEREIRA, Sara - Museu do Fado: 1998-2008. Lisboa: EGEAC/Museu do Fado, 2008. p.60 81

NERY, Rui Vieira - Para uma História do Fado. Lisboa: Público, 2004 (Fado 100 anos) p.144 82

PEREIRA, Sara - Museu do Fado: 1998-2008. Lisboa: EGEAC/Museu do Fado, 2008. p.60 83

PEREIRA, Sara - Museu do Fado: 1998-2008. Lisboa: EGEAC/Museu do Fado, 2008. p.60

39

De certo modo, estas adaptações do Fado ao teatro conduziram a algumas alterações ao

nível das temáticas utilizadas, e das suas melodias, uma vez que o Fado passou a ser

orquestrado e a ter refrão, sendo inicialmente cantado por famosas actrizes, uma vez que

só mais tarde os verdadeiros fadistas subiram aos palcos.

O Fado conseguiu desse modo, receber um tipo de público ainda popular, sendo no

entanto destinado à classe media baixa, conduzindo a uma descaracterização do Fado,

na sua vertente mais castiça e popular, alcançando assim, uma “perspectiva de

respeitabilidade”84

.

Também a partir de meados do séc. XIX, a prática fadista começou a atrair uma classe

estudantil considerável, uma vez que Lisboa dispunha já de vários Institutos e cursos

superiores. No entanto, Coimbra, por deter um grande polo estudantil, foi o local onde o

Fado se evidenciou mais, sendo conduzido pelos próprios alunos, abordando temáticas

mais alargadas, ligadas ao seu quotidiano estudantil.

Por volta de 1890, esta canção passou também a assumir uma vertente contestatária ao

nível das temáticas, uma vez que as condições de vida do proletariado eram bastante

precárias, sendo exigido pelo povo uma maior justiça social e igualdade. Esse factor

despoletou o aparecimento de várias associações recreativas, culturais e sindicais, como

a Voz do Operário, conduzindo também a um alargamento das “convenções poéticas do

género, introduzindo-lhe gradualmente, nas duas primeiras décadas do séc. XX novas

métricas”85

, que deram origem ao “Fado Operário”, sendo igualmente adoptada, em

menor escala, uma postura anti eclesiástica, uma vez que a vertente religiosa se

encontrava muito vincada na tradição popular.

Em 1910 começaram também a ser editadas publicações centradas apenas nesta canção,

como alguns periódicos, contribuindo para um progressivo enriquecimento do meio

fadista, porém, ao contrário do que acontecia anteriormente (letras de Fado na década de

1870), são sobretudo apontamentos biográficos ou artigos acerca de fadistas, guitarristas

ou outras personalidades ligadas ao meio, sendo anunciados alguns espectáculos,

apresentando igualmente algumas letras de Fado.

84

NERY, Rui Vieira - Para uma História do Fado. Lisboa: Público, 2004 (Fado 100 anos) p.121 85

NERY, Rui Vieira - Propaganda pela Trova - Movimento Operário e Ideal Republicano no Fado de Lisboa até à Ditadura in Fado 1910. Lisboa: EGEAC/Museu do Fado, 2010. p.40

40

Nesse ano, é publicado o primeiro jornal intitulado “O Fado”, dirigido por Carlos

Harrington, surgindo vários outros ao longo da segunda e terceira década do séc. XX,

funcionando como uma clara estratégia de dignificação e legitimação do Fado e, nesse

sentido, o poeta Avelino de Sousa assumiu um papel fundamental, publicando um

conjunto de artigos de opinião posteriormente compilados no livro “O Fado e os Seus

Censores” (1912), que no fundo pretendiam dar resposta à hostilidade demonstrada por

parte da intelectualidade portuguesa, mostrando que o Fado poderia consciencializar as

pessoas relativamente a questões políticas e sociais.

Ainda em 1910, este tipo de canção chega também às artes plásticas, sendo representada

na obra “O Fado” de José Malhoa, onde a vida popular e urbana foi caracterizada

iconograficamente, sendo exposto em Lisboa apenas no ano de 191786

, algo que

sucedeu devido à rejeição da temática representada, uma vez que esta se encontrava

intimamente ligada à marginalidade e à transgressão.

Também a partir de 1916, e devido à péssima preparação dos soldados para a Grande

Guerra de 1914-1918, a temática das letras fica novamente marcada durante várias

décadas, começando a surgir a partir da década de 1920, novas categorias poéticas no

Fado (como o versículo, o duplicado ou o triplicado), com novos modelos formais,

novas métricas e rimas, sendo abordadas temáticas de cariz mais erudito, que

contribuíram para uma maior legitimação do Fado, levando essa canção a circuitos mais

reservados, mantendo igualmente o potencial instrutivo de consciencialização do povo.

O Fado continuava a acontecer em meios populares, quer nos bairros de Lisboa, quer

nas zonas limite da cidade, acontecendo maioritariamente de forma amadora, no

entanto, o lançamento de registos discográficos (princípio do séc. XX, cerca de 1904)

contribuiu para uma maior difusão do Fado, tornando-o acessível a um público que, na

maior parte dos casos, não se sentia à vontade para frequentar os locais onde esta canção

acontecia, representando contudo, um mercado bastante reduzido, uma vez que a

aquisição de gramofones e discos envolvia custos bastante elevados para a época.

Os artistas começaram assim, a trabalhar directamente com empresas discográficas

nacionais e internacionais, tendo sido editadas várias centenas de gravações, conduzindo

86

Site oficial do Museu da Cidade (disponível em http://www.museudacidade.pt/Coleccoes/Pintura/Paginas/O-Fado.aspx)

41

à consagração de alguns dos fadistas menos conhecidos, tendo a invenção do microfone

eléctrico (em 1925), resolvido algumas questões relacionadas com a captação do registo

sonoro, começando a ser comercializados gramofones a preços mais competitivos,

alcançando desse modo, um número progressivamente maior de pessoas.

Uma vez que as primeiras gravações não apresentavam grande qualidade sonora e

ficavam muito aquém da audição ao vivo do Fado, começaram também a surgir a partir

da década de 1920, vários cafés e cafetarias com noites de Fado, alterando os preços

praticados durante o dia, e dando uma especial atenção à selecção do público, no intuito

de atrair as pessoas menos familiarizadas com o Fado.

Esses locais passaram a oferecer noites de Fado com alguns dos fadistas e guitarristas

mais famosos da época, envolvendo o pagamento de honorários, e mantendo uma

espécie de relação contractual com os mesmos, conduzindo assim à profissionalização

deste tipo de canção, uma vez que esse novo circuito começou a ser encarado como um

meio de subsistência, e “a presença dos fadistas era sinónimo de maior rentabilidade”87

,

fazendo parte dessa nova geração nomes como Berta Cardoso ou Alfredo Marceneiro.

Os teatros continuaram também a ter espectáculos de Revista e comédias musicais,

multiplicando esse tipo de produção, na qual eram escolhidos novos tipos de repertório,

e incluídas Operetas nas suas programações, sendo contratados apenas verdadeiros

fadistas, como Ercília Costa ou Hermínia Silva.

Em meados da década de 1920 e nos inícios da década de 1930, as empresas

discográficas começaram também a ter melhores condições de remuneração, tentando

alcançar os fadistas mais conceituados, e nesse sentido, a gravação discográfica acabou

por ter “um papel reformador da prática fadista”88

, sendo encarado como um novo

mercado de trabalho, capaz de garantir algumas condições, padronizando contudo, o

tipo de Fados cantados.

A mediatização do Fado foi também alcançada através da radiodifusão, tendo assumido

uma importância fulcral no início do séc. XX, uma vez que conseguia atrair inúmeros

87

BICHO, Sofia - Vozes do Fado no Período da República in Fado 1910. Lisboa: EGEAC/Museu do Fado, 2010. p.101 88

PEREIRA, Sara - Museu do Fado: 1998-2008. Lisboa: EGEAC/Museu do Fado, 2008. p.87

42

ouvintes, dentro e fora de Portugal, em países de língua portuguesa, mas também nas

antigas colónias.

A Estação Rádio de Lisboa foi considerada a primeira rádio portuguesa e, por volta de

1925, começou a emitir programas regulares, como algumas emissões em directo de

espectáculos de teatro.

Dois anos mais tarde sai o extenso Decreto-Lei (lei nº 13 564 de 6 de Maio de 1927),

que regulamentou todo o universo do Fado, determinando o funcionamento dos locais

onde o Fado ocorria, as letras, as licenças, os direitos de autor, exigindo a atribuição de

carteira profissional e a existência de contratos, levando os fadistas a ter repertório

próprio, implementando igualmente a censura prévia sobre os espectáculos, imprensa e

publicações.

Desse modo, nenhum fadista poderia receber qualquer tipo de remuneração sem carteira

profissional e todos os locais eram obrigados a formalizar um contrato de trabalho, e por

isso, o “intérprete deixou de ser amador para ser profissional”89

.

Também as letras cantadas em cada noite estavam sujeitas a fiscalização, e tendo em

conta que os documentos jurídicos eram pouco claros, não existiam normas precisas

relativamente a cortes ou à proibição de letra, regendo-se a censura por matrizes

moralista, sendo rejeitados todos os textos de natureza anti eclesiástica, ideológica ou

política, atingindo também os textos utilizados nas Revistas, de cariz satírico ou cómico.

A censura levou assim, a que muitos poetas deixassem de escrever livremente, ou nem

tentassem levar os seus textos a aprovação, e desse modo, todos os “Fados Operários”

ou de cariz minimamente contestatário deixaram de ser cantados. As temáticas

retornaram às lamentações pessoais, aos problemas sentimentais e às questões do

quotidiano, e as grandes figuras do passado, como a Severa, voltaram a ser evocadas,

denotando-se uma certa nostalgia ligada à época em que o Fado acontecia de forma

espontânea, de um modo informal e sem limitações.

Estas alterações no meio fadista conduziram também a opiniões opostas, pois se por um

lado, essas alterações eram encaradas como uma espécie de reconhecimento e

89

FÉLIX, Pedro - Ao Fado Muito se Deve a Implementação da República in Fado 1910. Lisboa: EGEAC/Museu do Fado, 2008. p.143

43

dignificação do Fado, havia por outro, quem defendesse que o Fado deveria permanecer

nos bairros populares como forma de consciencializar a população.

Nas décadas de 1920 e 1930, deu-se um aumento bastante considerável da

profissionalização nas Casas de Fado, que procuravam ser mais do que simples espaços

com noites de Fado ocasionais, e esse aspecto beneficiou os empresários, mas também

os intérpretes e instrumentistas, contribuindo para uma actividade regular e variada,

uma vez que cada casa trabalhava com artistas específicos e músicos residentes, tendo

ficado conhecidos na altura intérpretes de grande qualidade, como Berta Cardoso,

Hermínia Silva ou Alfredo Marceneiro, tendo sido inaugurado o Solar da Alegria em

1928, sendo considerado o primeiro espaço aberto segundo esses moldes.

As Casas de Fado passaram assim a ser vistas como espaços sofisticados e bem

frequentados, algo sustentado por João Reis, que defendia que o Fado não podia

acontecer em “espeluncas” nem ser cantado por “indivíduos sem escrúpulos”, e desse

modo o Fado passou a acontecer mais vezes e num maior número de casas, conduzindo

a uma gradual mudança de hábito, e consequentemente a um aumento de público, uma

vez que as Casas de Fado se encontravam devidamente regulamentadas, concentrando-

se nos bairros históricos de Lisboa, como Bairro Alto, Alfama, Madragoa e Graça.

As gravações discográficas limitavam como vimos o improviso, levando a maior parte

dos intérpretes a seguir um estilo e a realizar versões de Fados conhecidos, e desse

modo, as características interpretativas de cada fadista passaram a ser muito apreciadas.

Paralelamente, grande parte dos Fados mais antigos acabaram por desaparecer, à

excepção das melodias mais comuns como a Mouraria, Fado corrido ou Menor que, de

algum modo, eram considerados Fados essenciais dessa prática.

No final da década de 1930, depois desta canção se ter afastado definitivamente de uma

certa marginalidade, surgiram novas tendências e deu-se uma espécie de revivalismo

associado ao Fado mais típico e castiço.

“A Canção do Sul” (1938) e a “Guitarra de Portugal” começaram a indicar o modo

como se deveriam decorar as Casas de Fado, referindo que todos os elementos deveriam

ter origem popular e ser representativos de Lisboa, remetendo para o ambiente das

tabernas e dos retiros, fazendo lembrar o ambiente informal em que o Fado acontecia

44

originalmente, denotando-se desse modo, um certo esforço de padronização, em relação

ao modo como o fadista se devia comportar e apresentar.

No caso das mulheres, o negro devia ser utilizado em conjunto com o xaile, mas para

além disso, o ouvinte deveria também permanecer em silêncio durante as actuações,

dando-se assim uma verdadeira transformação no universo fadista, se compararmos com

o modo como o Fado acontecia inicialmente.

A partir de 1930, três companhias de Fado profissional começaram a trabalhar em

digressões, a “Troupe Guitarra de Portugal”, o “Grupo Artístico Canção Nacional” e o

“Grupo Artístico Propaganda do Fado”, apresentavam grandes nomes do Fado, e

participavam muitos deles nas “embaixadas”90

do Fado, havendo digressões dentro e

fora de Portugal, sendo também disponibilizado em periódicos, os contactos de outros

grupos do género, e de alguns fadistas que actuavam individualmente, facilitando a

contratação dos mesmos.

Apesar de toda esta mediatização, a Revista era o local de eleição para os fadistas mais

conceituados, levando ao aparecimento de novos compositores, pelo que em 1930,

desenvolveu-se o chamado “Fado-Canção moderno”91

, no qual eram evocados os

estereótipos do Fado originário, como a figura da Severa.

A partir de 1932, o Fado passou também a ter que cooperar com o Estado Novo para

subsistir, sendo apropriado enquanto “cultivador da canção Nacional”92

, pelo que a

partir de 1935, o Regime começou a servir-se da rádio, através da Emissora Nacional de

Radiodifusão, enquanto forma de divulgação e difusão das suas ideologias,

“combinando a difusão de intervenções de Salazar e demais autoridades, as palestras de

doutrinação ideológica e divulgação cultural, a programação musical erudita e as

chamadas variedades de música popular urbana” 93

, sendo um ano mais tarde emitido

um conjunto de palestras de Luiz Moita intituladas “O Fado: canção dos vencidos”, nas

quais se desvalorizava essa canção.

90

NERY, Rui Vieira - Para uma História do Fado. Lisboa: Público, 2004 (Fado 100 anos) p.213 91

NERY, Rui Vieira - Para uma História do Fado. Lisboa: Público, 2004 (Fado 100 anos) p.213 92

AAVV - Roteiro de Fado de Lisboa. Lisboa: EBAHL/CML, 2001 p.23 93

NERY, Rui Vieira - Para uma História do Fado. Lisboa: Público, 2004 (Fado 100 anos) p.207

45

Nessa época surgem ainda as apresentações de fadistas nos “Serões para

Trabalhadores”, cobertos radiofonicamente e promovidos pela Federação Nacional para

a Alegria no Trabalho (FNAT). Estes acontecimentos eram encarados enquanto

acontecimentos lúdicos e culturais, apesar de serem organizados com intuito de formar

uma ideia de concordância em relação ao Regime e às condições instituídas.

Em 1937, surge o Centro de Preparação de Artistas de Rádio e, um ano mais tarde, é

lançado para o ar um programa regular da responsabilidade de Maria Teresa de Noronha

(na época uma fadista amadora), pela Emissora Nacional, tendo sido emitido até 1962,

altura em que esta decidiu abandonar a vida artística.

Em 1949, todas as pequenas rádios foram agrupadas pelo Estado Novo nos Emissores

Associados de Lisboa e Emissores do Norte Reunidos. Contudo, a forte mediatização do

Fado através da rádio, originou algumas opiniões controversas acerca da forma como a

música entrava na casa das pessoas, quase sem permissão ou de modo abusivo, sendo

por isso encarado enquanto estratégia de obtenção de audiências, uma vez que todas as

rádios passaram a dar um lugar de destaque ao Fado, divulgando e favorecendo

também, as empresas discográficas.

Nos finais da década de 1940, as Casas de Fado assumiam-se como restaurantes típicos,

utilizando nomes como A Severa, A Tipoia, O Faia ou O Timpanas, de modo a captar

novos públicos, inclusivamente turistas, alargando os seus espectáculos às actuações de

folclore.

Esse novo modelo levou os restaurantes a adoptar uma forte componente comercial,

recebendo artistas com carteira profissional que actuavam um certo número de vezes

por noite, sendo previamente determinados todos os pormenores relativos à actuação,

conduzindo a uma reconfiguração do Fado, uma vez que este se afastou do improviso e

passou a ser dirigido pela censura, havendo uma padronização dos espectáculos e,

consequentemente, uma alteração do modo como os intérpretes se apresentavam e

cantavam, conferindo alguma qualidade às actuações, uma vez que era necessária a

“especialização de intérpretes, autores e músicos” 94

.

94

PEREIRA, Sara - Museu do Fado: 1998-2008. Lisboa: EGEAC/Museu do Fado, 2008. p.96

46

Nessa época, e apesar do Fado ser olhado de outra forma, Leitão de Barros promoveu

um inquérito acerca da importância do Fado enquanto canção urbana, originando muitas

tomadas de posição, pois se por um lado, o Fado era visto como canção urbana de

Lisboa, e não como canção nacional, era também olhado com algum desdém, por

figuras como Leite de Vasconcellos ou António Botto, que encaravam o Fado como

resultado da vida psíquica e emocional do povo Português.

E apesar de ter havido sempre opiniões bastante variadas sobre esta canção, o Fado

trespassou numa fase inicial para o teatro (finais do séc. XIX) e para a rádio (inícios do

séc. XX) alcançando posteriormente o universo do cinema, pelo que em 1931, é

realizado o primeiro filme sonoro, da autoria de Leitão de Barros, dedicado à figura

mítica da Severa, sendo produzidos depois diversos filmes em que o Fado era figura

central, como “A Canção de Lisboa” (1933), “O Pai Tirano” (1941), “O Pátio das

Cantigas” (1942), “O Costa do Castelo” (1943), “O Fado, História de uma Cantadeira”

(1947), protagonizado por Amália Rodrigues, ou “O Miúdo da Bica” (1963),

protagonizado por Fernando Farinha.

A partir da década de 1930 o Fado alcançou a internacionalização, especialmente no

Brasil, consolidando-se definitivamente na década de 1950, sobretudo devido à

notoriedade de Amália Rodrigues.

E se, por volta de 1927, o emergente Regime do Estado Novo não demonstrou

hostilidade particular relativamente ao Fado, tentando apenas que não surgissem

práticas susceptíveis de colocar o Regime em questão, tolerando a sua prática “desde

que devidamente controlada”95

, praticamente nunca o introduziu em cerimónias ou

eventos nacionais. No entanto, com a vitória dos aliados no final na II Guerra Mundial,

e devido à falta de confiança do povo, o Regime tentou chegar às pessoas, servindo-se

por isso, de um discurso popular, pelo que, a partir da década de 1950, passou a

incorporar o Fado na sua estratégia propagandística, transformando-o em “Canção

Nacional”, apropriando-se efectivamente do mesmo, levando a que o Fado fosse

confundido com o próprio Regime.

Nessa fase, as Casas de Fado multiplicaram-se, e funcionavam já de um modo muito

organizado, atraindo um número cada vez maior de público, que englobava uma

95

NERY, Rui Vieira - Para uma História do Fado. Lisboa: Público, 2004 (Fado 100 anos). p.220

47

quantidade bastante considerável de turistas, tornando viável a estabilidade económica

dos estabelecimentos, factor que permitiu às casas alargar os seus elencos, num regime

de exclusividade, apresentando igualmente fadistas mais novos.

Vários fadistas acabaram assim por abrir as suas próprias casas, como Lucília do Carmo

ou Hermínia Silva, mas também a edição discográfica ganhou um novo impulso, uma

vez que o lançamento de discos de 45 rpm tornou bastante mais acessível esse produto à

população em geral.

Paralelamente a esse forte desenvolvimento, o Fado considerado amador continuou a

ocorrer nos bairros populares e nas associações recreativas, sempre de modo informal,

havendo inúmeros concursos improvisados, e é nesse contexto que surge o lendário

fadista Fernando Maurício.

A partir de 1951, deu-se início a um importante concurso, que se manteve durante várias

décadas, chamado a “Grande Noite do Fado”, destinado a todos os fadistas amadores

que pretendiam alcançar o estatuto profissional, representando as associações

recreativas dos seus bairros, sendo realizado em Lisboa e no Porto, organizado pela

Caixa de Previdência dos Profissionais da Imprensa de Lisboa, sendo a própria

audiência responsável pela atribuição dos prémios, através da contagem cronometrada

dos aplausos.

Em 1957, as emissões da Radio Televisão Portuguesa tiveram também início e, à

semelhança do que tinha acontecido com a rádio, começaram a incorporar programas de

Fado nas suas emissões, passando a divulgar personalidades desse meio, recriando

ambientes fadistas, transmitindo emissões regulares entre 1959 e 1974, e uma vez que a

mediatização do Fado prosseguiu de forma estável, através do teatro de Revista, da

imprensa especializada nos princípios do séc. XX, e paralelamente pela rádio, cinema e

televisão, o Fado atingiu um máximo expoente entre as décadas de 1940 e 1960, dando

origem a uma rede de Casas de Fado, que se afirmou enquanto mercado de trabalho

bastante atraente e estável, uma vez que possibilitava a gravação discográfica, actuações

na televisão e na rádio, e a realização de tournées nacionais e internacionais.

Durante as décadas de 1950 e 1960, também o futebol e a religião acabaram por entrar

nessa tentativa de mobilização, dando origem aos três efes: “Fado, Fátima e Futebol”,

48

havendo contudo, uma maior consciência relativamente ao Regime, uma vez que as

camadas mais jovens tomavam já contacto com outro género de influências vindas do

exterior.

Nessa época Amália Rodrigues ocupou um papel importante na reformulação dos

princípios de actuação, utilizando sempre roupa negra e xaile, mantendo um repertório

próprio e uma forma de cantar muito pessoal, recorrendo a poetas populares célebres da

época, apesar de se ter interessado desde cedo pela poesia erudita.

Na década de 1960, Amália Rodrigues juntamente com Alain Oulmain, contribuíram

para alterações bastante profundas ao nível das letras utlizadas nos Fados, já que muitos

dos “poetas ditos cultivados lhe forneceram textos cujas temáticas acabaram por

coincidir e trouxeram ao Fado notáveis enriquecimentos”96

, sendo utilizados textos de

importantes poetas, como David Mourão-Ferreira ou Alexandre O´Neill, mas também a

poesia de Camões, a poesia romântica ou a trovadoresca, algo impensável uns anos

antes, uma vez que anteriormente as poesias cantadas eram anónimas e transmitidas

sobretudo por via oral.

Alain Oulmain desempenhou assim, um papel fundamental transformando “quase em

norma o que até à altura não passara de excepção” 97

, permitindo que qualquer tipo de

poema pudesse ser cantado, tendo originado novamente algumas controvérsias por parte

da intelectualidade portuguesa, tendo em conta que algumas pessoas defendiam que a

poesia erudita não deveria estar associada a um suporte musical popular.

Numa época em que o Fado se encontrava novamente em transformação, surgiu uma

nova geração de fadistas com Carlos do Carmo ou Maria da Fé, e apesar da maioria

desses fadistas não ter contribuído para grandes transformações no universo do Fado,

Carlos do Carmo demonstrou ter também uma preocupação ao nível da escolha de

repertório, combinando o Fado castiço com o Fado moderno, contribuindo para

importantes inovações ao nível dos arranjos, tendo introduzido posteriormente temáticas

de intervenção nos seus Fados.

96

MOURA, Vasco Graça - Amália: dos Poetas Populares aos Poetas Cultivados. Lisboa: Tugaland, 2010. p.73 97

PEREIRA, Sara - Museu do Fado: 1998-2008. Lisboa: EGEAC/Museu do Fado, 2008. p.127

49

No teatro de Revista, a sátira voltou também a ser utilizada, uma vez que a censura

começou a ser aplicada com uma maior moderação, principalmente a partir de 1969,

período de Marcelo Caetano.

As Casas de Fado foram-se progressivamente descaracterizando, assumindo uma

postura marcadamente comercial, ligada ao turismo, apresentando um repertório

limitado, tendo em conta que os estereótipos evocados não sofreram alteração, sendo

apresentados no entanto, grandes nomes do Fado.

A apropriação do Fado por parte do Estado Novo já em declínio, acabou assim por

prejudicar este meio, uma vez que a televisão e rádio passaram a dar menos importância

a esta canção, transmitindo programas fora dos horários nobres, contribuindo também

uma redução das tournées a nível nacional e internacional, começando a haver um

afastamento progressivo por parte do público, aparecendo nessa altura a chamada

música de intervenção, apresentando cantores como José Afonso, Adriano Correia de

Oliveira ou José Mário Branco.

Com o 25 de Abril de 1974, o mercado musical português expandiu-se e concentrou-se

definitivamente na música de intervenção de cariz popular, e após esse acontecimento a

presença do Fado nas emissões de rádio e televisão decresceu radicalmente, sendo

interrompido o concurso “A Grande Noite do Fado” durante dois anos.

Apenas em meados de 1976, e devido a uma estabilização do Regime Democrático, se

tornou possível que esta canção recuperasse algum encanto e gerasse algum consenso,

uma vez que começaram a surgir preocupações maiores em relação à preservação da

música de cariz tradicional, tendo sido retomada também a “A Grande Noite do Fado”.

A partir da década de 1980, e devido à adesão à Comunidade Europeia, foram

disponibilizados fundos comunitários, que contribuíram substancialmente para um

melhoramento do poder de compra da população. O Fado foi reconhecido enquanto

Património Musical Português, contribuindo para um crescente interesse por parte da

indústria discográfica, sendo reeditados alguns álbuns e gravações, no entanto, os

fadistas não conseguiam gravar discos com a mesma facilidade que acontecia

anteriormente (nas décadas de 1950 e 1960), uma vez que o se mercado encontrava

alargado a outros estilos musicais.

50

Os novos trabalhos não passavam nos meios de comunicação, e as próprias Casas de

Fado não tinham a mesma afluência de antigamente, não permitindo pagar aos músicos

e fadistas, tornando por isso muito difícil contratar, ou mesmo conseguir ter elencos

fixos, pelo que se começou a integrar novamente o Fado nas festas populares.

Desse modo, o número de Casas de Fado diminuiu drasticamente, comparativamente às

décadas de 1950 e 1960, época em que o Fado se encontrava num lugar de destaque na

ocupação dos tempos livres, e não existia tanta variedade cultural, e apesar de haver

alguns fadistas novos, a maior parte deles só terá tomado contacto com o Fado através

dos registos discográficos, não tendo por isso, frequentado o circuito das Casas de Fado.

Começou desse modo, a haver um distanciamento cada vez maior entre fadistas, e só

uma fracção reduzida deles, os realmente mais célebres, conseguiam gravar discos,

aparecer nos meios de comunicação, ou fazer tournées, enquanto outra porção,

incluindo fadistas bastante célebres, acabaram por ficar reduzidos aos circuitos das

Casas de Fado, que à época não gozavam de qualquer tipo de mediatização.

O Fado seguia então um caminho profundamente distinto, se comparado com o modo

como surgiu no final do séc. XIX, ou com a transformação ocorrida na década de 1930,

em que o Fado saiu das tabernas e se transferiu para ambientes que não se relacionavam

de forma alguma com a marginalidade, porém, assistimos na década de 1990 a um

renovado interesse internacional por esta canção, impulsionado pelo circuito das

chamadas “Músicas do Mundo”, sendo um bom exemplo disso, o interesse pelo

trabalho da fadista Mísia.

Segundo Manuel Halpern98

, a partir de 1990 surgiu aquilo a que chamou “Novo Fado”,

abraçando novas tendências e mantendo vivas algumas características do Fado castiço,

originando desenvolvimentos inovadores, levando o Fado a novas direcções, sendo

apanhados nesta corrente muitos outros artistas, como a fadista Mariza (década de

2000).

Outros fadistas foram ganhando igualmente relevância dentro de Portugal, surgindo

uma geração de fadistas de qualidade e em ascensão, como é o caso de Camané,

98

HALPERN, Manuel - O Futuro da Saudade, O Novo Fado e os Novos Fadistas. Lisboa: Dom Quixote, 2004 p.96

51

contudo, o facto do Fado ser apreciado e premiado no estrangeiro, levou a que muitos

dos fadistas conseguissem alcançar sucesso primeiro lá fora. O primeiro caso é o de

Mísia, mas também Cristina Branco lançou o seu primeiro álbum na Holanda, sendo

conhecida no nosso país quando contava já com quatro álbuns editados no estrangeiro, ,

acontecendo o mesmo a uma série de fadistas como Mafalda Arnauth ou Camané.

Mariza terá sido a primeira fadista da nova geração a alcançar alguma notabilidade

dentro do nosso país, no início da sua carreira, mas também ela teve dificuldade em

editar o seu primeiro disco em território nacional.

Aos poucos, vários fadistas foram conseguindo o seu espaço, conseguindo muitos deles

atingir rapidamente um patamar bastante elevado, gravando discos que rapidamente se

tornaram em êxitos editoriais, conseguindo uma agenda de espectáculos bastante

relevante, como é o caso de Ana Moura, Carminho ou Raquel Tavares.

A maior parte desses fadistas apresentam um repertório novo, mas regra geral cantam

ainda temas considerados “clássicos” do Fado, permitindo estabelecer uma ligação mais

estreita com o público, sendo introduzidos conjuntamente novos instrumentos na

composição típica do Fado, como por exemplo o contrabaixo, saxofone, tuba ou

acordeão, algo realizado anteriormente por fadistas como Amália Rodrigues ou Carlos

do Carmo.

Relativamente às letras, parece ter sido igualmente seguido o percurso iniciado por

Amália Rodrigues e Alain Oulmain, sendo evocados poetas como Fernando Pessoa,

Eugénio de Andrade ou Sophia de Mello Breyner Andresen.

De certa forma, o Fado de cariz mais popular continua a existir, no entanto esta canção,

parece assumir um “carácter mais elitista e intelectualizado”99

, estabelecendo também

ligações a outros géneros musicais, sendo formadas parcerias inesperadas, com artistas

como Sérgio Godinho ou José Mário Branco.

De algum modo, podemos dizer que o Fado voltou a emergir em Portugal após ter

permanecido um pouco inactivo no pós-25 de Abril, no entanto é interessante verificar

que muitos desses fadistas vêm de contextos que nada têm a ver com o Fado, tendo

99 HALPERN, Manuel - O Futuro da Saudade, O Novo Fado e os Novos Fadistas. Lisboa: Dom Quixote,

2004 p.118

52

muitos deles uma formação bastante diversificada e ligada a outras áreas musicais,

contribuindo assim para uma renovação do género, e desse modo, podemos dizer que

esta canção assumiu uma postura diferente, uma vez que tudo é pensado ao detalhe e

definido previamente, sendo adoptada uma lógica semelhante à de outros estilos

musicais, levando a que muitas das actuações perdessem o carácter informal e

espontâneo de outros tempos.

E nesse sentido, esta vertente do Fado encontra-se em ascensão, uma vez que ao longo

da história do Fado, nunca tantos fadistas tiveram um acesso tão imediato a lançamentos

discográficos, digressões nacionais e internacionais, ou tanta visibilidade mediática. E

assim, podemos dizer que actualmente os fadistas podem seguir dois caminhos: ou são

relativamente conhecidos, conseguem gravar discos e ter alguma notabilidade que

possibilite dar concertos em espaços de maior destaque, e para um número bastante

alargado de pessoas, ou continuam um percurso semelhante ao que acontecia

anteriormente, cantando e tocando em Casas de Fado, num ambiente mais intimista e

restrito, podendo dentro desses circuitos ocorrer de diferentes formas, uma vez que nas

Casas de Fado profissional o elenco é geralmente fixo e privativo, sendo programadas

previamente as noites de Fado, ao passo que nas Casas de Fado amador tudo acontece

de um modo informal e espontâneo, aparecendo fadistas que de forma amadora cantam,

sem que seja pago qualquer tipo de remuneração, sendo designado de Fado “vadio”.

53

2.2. A criação do Museu do Fado

O Museu do Fado abriu ao público a 25 de Setembro de 1998, estando situado no Largo

do Chafariz de Dentro em Lisboa, instalado numa antiga estação elevatória de água do

séc. XIX, o edifício do Recinto da Praia.

É um museu tutelado pela Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural,

sendo um espaço inteiramente dedicado à temática do Fado.

O Museu do Fado é um museu temático interdisciplinar, na medida em que é composto

por colecções provenientes de diferentes áreas, visando a compreensão de um único

universo, integrando na sua missão “o conjunto de actividades inerentes ao

cumprimento dos objectivos gerais de angariação, preservação, conservação,

investigação, interpretação, promoção, divulgação, exposição, documentação e fruição

do património e do universo do Fado e da guitarra portuguesa, tendo em vista difundir o

conhecimento sobre esta expressão musical e de promover a sua aprendizagem”100

.

O espaço expositivo foi renovado por ocasião do 10º aniversário do museu, no âmbito

do projecto de “Recuperação e Valorização”, através de uma candidatura apresentada

pela EGEAC ao Programa Operacional da Cultura, com o intuito de lhe conceder

melhores condições físicas ao nível da articulação expositiva, assim como a utilização

de outros tipos de resolução, ao nível das bases de dados de imagem, som e texto.

Essa intervenção contemplou a reabilitação das fachadas, ao nível da cobertura e dos

revestimentos, a eliminação de barreiras arquitectónicas, facilitando o acesso a pessoas

de mobilidade condicionada, o reforço ao nível da segurança, através da instalação de

um circuito de vídeo vigilância e também, a ampliação e renovação da exposição

permanente do museu.

Desse modo, a exposição foi alargada a todos os pisos do edifício, tendo sido criado um

novo circuito museológico, que permitiu a integração de novas peças, e o

desenvolvimento de novos projectos de investigação dentro da temática do Fado.

100

Site Oficial do Museu do Fado (disponível em http://www.museudofado.pt/gca/index.php?id=11)

54

Foi recolhido junto de várias personalidades ligadas ao Fado, um espólio muito variado

e bastante considerável de cerca de 16.500 peças, tratando-se maioritariamente de

doações, integrando peças originais e reproduções que incluem fotografias, cartazes,

periódicos, partituras, manuscritos, discos, instrumentos musicais, trajes de cena,

troféus, pinturas e ilustrações.

Foram também integradas novas peças, que evocam e documentam o Fado,

nomeadamente na área das artes plásticas, sendo muitas delas provenientes de outras

instituições museológicas, como “ O Fado” de José Malhoa, cedido temporariamente

pelo Museu da Cidade, ou o tríptico “O Marinheiro” de Constantino Fernandes, cedido

temporariamente pelo Museu do Chiado.

Nesse sentido, foram também integradas algumas peças de cariz mais artesanal, como é

o caso da Casa da Mariquinhas construída por Alfredo Marceneiro.

O museu e a sua exposição permanente pretendem prestar homenagem e promover o

carácter singular de uma arte performativa que conta com uma história de cerca de 200

anos, integrando uma exposição alusiva à sua história, desde a sua génese, no séc. XIX,

até aos dias de hoje, abordando os principais percursos de mediatização da canção

urbana, o teatro, a rádio, o cinema e a televisão, o historial e evolução técnica da

guitarra portuguesa, bem como o percurso biográfico e artístico de várias personalidades

deste universo.

Com a intenção de dotar o museu de melhores condições ao nível da informação

disponibilizada, foi desenvolvido todo um discurso museológico assente numa forte

componente multimédia, de cariz interactivo que disponibiliza ao visitante informação

variada sobre esta temática, dispondo de postos multimédia com bases de dados, que

permitem ao visitante conhecer um pouco melhor a biografia de alguns fadistas e

músicos, alguns dos seus Fados, fotografias, documentos, cartazes, discografia, entre

outro tipo de documentação.

Paralelamente a esses pontos de consulta todo o circuito museológico é complementado

por ecrãs que possibilitam o visionamento de vídeos e filmes relacionados com o Fado,

existindo também cerca de mais três postos de informação para além destes.

55

Foi paralelamente desenvolvido um sistema de áudio guias, em português, inglês,

francês e castelhano, com o objectivo de permitir ao visitante uma maior autonomia

dentro do espaço expositivo, possibilitando a audição de vários Fados ao longo do

circuito.

O Museu do Fado investiga e divulga temas relacionados com a temática do Fado,

promovendo várias exposições temporárias temáticas ou biográficas.

O serviço educativo promove visitas guiadas dirigidas a diferentes públicos, mediante

marcação prévia, dispondo de uma escola que lecciona cursos na área do canto,

repertório e instrumentação de guitarra portuguesa e viola de Fado, dispondo

conjuntamente de um gabinete de ensaios.

O museu possui também um centro de documentação, que reúne um acervo composto

por periódicos, cartazes, documentos, repertório e fotografias, e uma biblioteca

especializada em temáticas relacionadas com o Fado, publicando ainda algumas

edicções relativas a exposições temporárias, disponibilizando um catálogo relativo à

renovação expositiva do museu.

56

CAPITULO III – PROPOSTAS DE REPROGRAMAÇÃO DO

MUSEU DO FADO

57

3.1. O Museu do Fado e o seu percurso museológico

3.1.1. Comentário relativo ao espaço físico, social e expositivo

O espaço físico é composto por três pisos, estando dividido em espaço público, semi-

reservado e reservado, sendo o espaço público composto por recepção, pela

loja/bilheteira, pelo bengaleiro, pela cafetaria/restaurante, pelos wc´s, pela zona de

exposição permanente e zona de exposições temporárias.

O espaço semi-reservado é composto pela zona das reservas, pela sala de serviço

educativo, pela escola do museu, pelo auditório e pelo biblioteca/centro de

documentação, sendo o espaço de acesso reservado constituído pelo gabinete de

restauro, pelo gabinete técnico e pelos gabinetes administrativos.

Relativamente ao espaço social podemos considerar que de uma maneira geral todos os

espaços são agradáveis, e todos os funcionários são amáveis, mostrando disponibilidade

em colaborar e responder às dúvidas ou questões que o visitante possa ter.

A loja disponibiliza alguma discografia de Fado, vários livros acerca dessa temática e

catálogos das exposições temporárias que estiveram patentes no museu, no entanto

poderiam existir alguns sofás, nos quais o público se pudesse sentar para observar com

maior atenção as obras disponibilizadas.

O centro de documentação disponibiliza também documentação variada como

periódicos, repertório, cartazes e fotografias, disponibilizando ainda uma biblioteca

especializada em temáticas relacionadas com o universo do Fado, sendo necessária

marcação prévia.

O serviço educativo desenvolve actividades variadas como visitas guiadas, visitas

cantadas ou visitas com actividades, necessitando algumas delas de marcação prévia,

podendo ser dirigidas a diferentes públicos, de variadas faixas etárias, podendo também

ser realizadas em diferentes línguas.

58

Nas visitas cantadas são realizadas visitas guiadas ao museu, com a participação de um

fadista, ocorrendo em dias específicos. No caso das visitas com actividades são

desenvolvidas algumas actividades lúdicas, podendo também ser acordadas mediante

marcação prévia, determinadas temáticas, uma vez que são direccionadas a uma faixa

etária escolar.

O museu disponibiliza também folhetos em versão trilingue (português, castelhano e

inglês), postais relativos às visitas cantadas em versão bilingue (português e inglês) e

catálogos relativos à exposição permanente, no entanto o único catálogo disponível para

venda encontra-se em inglês, apesar de existir uma edição em português que segundo

consta não pode ser comercializado, e por isso não se encontra na loja.

É também disponibilizado um áudio guia (disponível em português, castelhano, francês

e inglês), que funciona como complemento à exposição permanente, acrescentando

informação relativa ao acervo, no qual podemos escutar igualmente alguns Fados, uma

vez que a exposição é apresentada sem som.

Relativamente ao espaço expositivo podemos observar que os textos de parede e as

tabelas são geralmente bilingues (português e inglês), complementando o acervo, e

permitindo ao público aceder a informação relativa à história do Fado ou dados

específicos sobre determinados objectos em exposição. No caso das tabelas é sempre

disponibilizada uma ficha técnica.

Os postos interactivos complementam igualmente o discurso museológico, contendo

texto, imagem, manuscritos digitalizados, e em alguns casos vídeo, não sendo no

entanto adaptáveis a todo o tipo de público, como o público infantil.

Ao nível do discurso museológico é possível observar que é seguida uma linha

cronológica que se inicia no segundo quartel do séc. XIX, passando pelo processo de

mediatização do Fado através do teatro (Revista e Operetas), gravações discográficas,

emissões radiofónicas, cinema e televisão, sendo também abordada a profissionalização

deste género musical e a censura a que as letras eram sujeitas, terminando a exposição

numa zona à qual se pode aceder a informação variada acerca de diversos fadistas e

músicos, contudo a informação disponibilizada poderia ser mais abrangente, uma vez

59

que a lista de personalidades a que podemos aceder é direcionada a figuras

relativamente conhecidas da actualidade e de outros tempos.

É apresentada ainda uma zona dedicada à guitarra portuguesa, na qual é abordada a sua

história e o modo como o instrumento é construído.

O conceito de Fado amador e Fado profissional são referenciados, uma vez que foi de

forma amadora que o género se manifestou, desenvolvendo-se mais tarde até à

profissionalização, contudo podemos observar que em termos de contemporaneidade o

Fado amador se encontra pouco referenciado, apresentando também o Fado profissional

de uma forma incoerente, uma vez que as figuras com maior destaque são as figuras

consagradas do Fado profissional, amplamente conhecidos pelos públicos.

Podemos também observar que os fadistas escolhidos para as visitas cantadas são

geralmente figuras relativamente conhecidas deste meio, como Cuca Roseta, Anita

Guerreiro ou Ana Sofia Varela.

3.1.2. Análise do percurso e dos conteúdos

Quando entramos no museu, vemos que existe um painel em cada um dos pisos, nos

quais se encontram representadas figuras ilustres do Fado, como interpretes, músicos e

poetas.

Somos conduzidos para a loja do museu, onde se encontra a bilheteira e prosseguimos

para a zona do bengaleiro, onde nos é dado um áudio guia, uma vez que toda a

exposição se encontra numerada e sem som, de modo a que o visitante possa aceder a

informação relacionada com determinadas peças, vídeos ou assuntos relativos à história

do Fado, existindo versões em português, inglês, francês e castelhano, podendo

igualmente ouvir alguns Fados.

A visita inicia-se no piso 0 onde existe um átrio, no qual podemos encontrar prémios,

sendo o primeiro um busto, prémio Goya para Melhor Canção Original de 2008, no

60

filme “Fado da Saudade” de Carlos Saura (Depósito de Carlos do Carmo). A segunda

peça é um trofeu de World Music, atribuído a Mariza pela BBC Radio 3 em 2003

(Depósito da Mariza).

Nesse átrio temos um manuscrito anónimo de estudo de guitarra, e o primeiro posto de

interactivo dedicado às origens do Fado, onde encontramos informação relativa à

existência do Fado dançado no Brasil, de origens africanas, descrevendo o modo como

era praticado, as alterações que o Fado sofreu quando foi trazido para Portugal, o

“Lundum” e do modo como este se enraizou, começando a ser publicado em partituras,

sendo também referida a popularidade alcançada pelas “Modinhas” no nosso país.

Este posto interactivo tem dois números associados ao áudio guia, que referem o

ambiente marginal em que o Fado se desenvolveu em Lisboa, fazendo uma

apresentação do museu, relativamente ao conteúdo programático, aos serviços que o

museu tem disponíveis, falando igualmente da sua história e do projecto de reabilitação

a que foi sujeito.

Em seguida subimos umas escadas, em direcção ao piso 1, que vão dar a um corredor

envidraçado com vista para as ruas de Alfama, onde se encontra transcrita em português

e inglês uma frase da Convenção da Unesco para a Salvaguarda do Património Cultural

Imaterial de 2003 (“O Património Cultural Imaterial, transmitido de geração em

geração, é permanentemente recriado pelas comunidades e grupos em função do seu

meio, da sua interacção com a natureza e a sua história, proporcionando-lhes um

sentimento de identidade e de continuidade, contribuindo assim para promover o

respeito pela diversidade cultural e a criatividade humana”).

Nessa área temos acesso a três postos interactivos iguais que disponibilizam alguma

informação relativa aos bairros mais típicos de Lisboa, como a Madragoa, o Bairro

Alto, a Mouraria, o Castelo e a Sé, Alfama e Graça, sendo apresentados alguns pontos

de interesse.

Os pontos de interesse referidos na Madragoa são o Museu da Marioneta e a Casa de

Fados Sr. Vinho, sendo referenciadas no Bairro Alto as Casas de Fado O Faia, A Tasca

do Chico, A Severa, Adega Machado, O Luso e a Adega Mesquita.

61

Na Mouraria é referida a Rua do Capelão, associada à Severa e à sua ligação ao Conde

de Vimioso, e o Coliseu dos Recreios onde é referida a primeira “Grande Noite de

Fado” de 1953, sendo também referida a Sé Catedral e o Castelo de São Jorge na zona

do Castelo e Sé

Relativamente a Alfama, encontram-se referenciados o Panteão Nacional, a Igreja de

Santo António, a Igreja de São Miguel, a Igreja de Santo Estevão, a Sé Catedral de

Lisboa, o Chafariz de Dentro, o Chafariz D´el Rey, o Miradouro de Santa Luzia, a Feira

da Ladra, o Grupo Sportivo Adicense, e as seguintes Casas de Fado: Marquês da Sé,

Casa de Linhares, Clube do Fado, Parreirinha de Alfama, Taverna D´el Rey, Mesa de

Frades, Baiuca” e Fado Maior, não sendo apresentado nenhum ponto de interesse na

zona da Graça.

Relativamente a edifícios históricos, ruas ou miradouros é sempre apresentado um

pouco da sua história. No caso das Casas de Fado, é apresentado um pouco da sua

história, mas também os preços e elenco regular.

Estes postos interactivos não são no entanto minimamente representativos das Casas de

Fado de Lisboa uma vez que apresentam um número extremamente reduzido de sítios

onde se canta o Fado, tendo em conta a quantidade de locais existentes, tanto de Fado

profissional como de Fado amador.

Ao passarmos o corredor envidraçado encontramo-nos no lado direito do Museu, e

iniciamos a nossa visita.

A primeira peça exposta é uma guitarra portuguesa de 1890 (Construção de Manuel

Pereira dos Santos), e encontra-se inserida dentro de um nicho onde aparece transcrita a

frase “ao valor material do instrumento, sempre somaremos o intangível valor da

mestria que dedilha as cordas”.

Seguidamente, temos um texto de parede relativo ao primeiro período de divulgação

ligado ao teatro, em Revistas ou Operetas, referindo o aparecimento das primeiras

publicações historiográficas do tema e as primeiras publicações periódicas. É também

referido o aparecimento dos primeiros locais que começam a incluir Fado nas suas

programações, e a ser representado de forma iconográfica nas artes plásticas.

62

Dentro de uma grande vitrina encontra-se a Casa da Mariquinhas da autoria de Alfredo

Marceneiro, havendo uma legenda relativa à história da peça (apenas em português),

estando a ela associado um número para o áudio guia, no qual se pode ouvir o Fado

homónimo.

Na sala seguinte encontramos alguns instrumentos musicais, como um piano de mesa do

séc. XIX (Depósito do Museu da Música), uma guitarra portuguesa de duas bocas

(Construção de Gilberto Grácio), uma guitarra portuguesa normal (Construção de

Manuel Pereira dos Santos; Deposito da Academia da Guitarra Portuguesa e do Fado), e

algumas navalhas de ponta e mola.

Encontra-se transcrito dentro da vitrina um texto do Pinto de Carvalho (Tinop) que faz

referência ao aspecto físico dos fadistas, intimamente ligado à transgressão (“o fadista

usava frequentemente tatuagens ou desenhos impressos na epiderme, que ele ou algum

artista antropógrafo traçava nas mãos, entre o indicador e o polegar, nos braços e no

peito, iluminuras a carmim que representavam ancoras, navios, guitarras, flores,

animais, inscrições diversas, corações trespassados, corações unidos, a cruz, cinco

chagas e outros emblemas amorosos, religiosos, metafóricos e fantasias”), aparecendo

também transcrito na vitrina a frase de Ramalho Ortigão de 1878: “o que temos de

perguntar é: porque não se prendem os fadistas?”.

Nessa sala encontram-se algumas publicações, como “As Farpas, o País e a Sociedade”

de Ramalho Ortigão (1943), “Canção das Vielas” de Xavier Magalhães, “Trovas para o

Povo” de José Alves, “Os amores da Severa e do Conde Vimioso” de Júlio Guimarães,

“O Fado e os seus Censores” de Avelino de Sousa (1912), “Alma de Fadista, Romance

da Vida Boémia” de Vanceslau de Oliveira, “Canção Nacional, Fado do Cego” de J. C.

Mendes Júnior e a “História do Fado” de Pinto de Carvalho (1903).

Ainda nessa sala temos a gravura “Fadistas” de Rafael Bordalo Pinheiro (Depósito do

Museu da Cidade), uma pintura sem título de 1985 de Júlio Pomar e a importante

pintura de José Malhoa “O Fado” de 1910 (Depósito do Museu da Cidade), à qual estão

associados dois números para o áudio guia, referindo aspectos relacionados com a

história da peça, sendo também possível ouvir o Fado homónimo.

63

A sala seguinte apresenta os primeiros discos de Fado, editados pela “Columbia”,

“Odeon”, “Decca”, “Brunswick” ou “Rouxinol”, no entanto penso que poderia existir

mais alguma informação relativa a estas primeiras edicções em vinil.

Nessa sala temos a pintura “O Marinheiro” de Constantino Fernandes de 1913

(Colecção Museu do Chiado), à qual está associado um número para o áudio guia,

referindo o reaparecimento do Fado nas artes plásticas, e as três fases da vida do

marinheiro representadas na peça: a viagem, o estar distante e sentir saudades da família

e o regresso.

Na sala seguinte encontramos um posto interactivo no qual é possível consultar “O Fado

e os seus Censores” de Avelino de Sousa, “O Fado: Canção dos Vencidos” de Luiz

Moita e “Ídolos do Fado” de A. Victor Machado.

Dentro de uma vitrina temos um texto de parede alusivo à profissionalização das Casas

de Fado, referindo o Decreto-Lei de 6 de Maio de 1927, a censura prévia às letras, a

criação de recintos próprios para se cantar o Fado, a criação da carteira profissional e o

traje necessário para as actuações, sendo referido que nos anos 30 as Casas de Fado se

encontravam nos principais bairros históricos, funcionando para um público bastante

diversificado.

É também referido que o Fado deixa de ser improvisado, havendo alguns números

associados ao áudio guia, nos quais são referidas as alterações impostas pelo Decreto-

Lei de 1927, e de que forma a edição discográfica alterou a duração dos Fados e a

maneira de cantar dos fadistas.

Ainda dentro dessa vitrina temos uma guitarra portuguesa de Luís Carlos Silva de 1920

(Construção de Avelino Augusto Coutinho), e alguns documentos como a carteira

profissional e o bilhete de identidade de Alfredo Marceneiro, a carteira profissional de

Maria José da Guia, a licença profissional de Duarte Pais e o bilhete de identidade de

Frutuoso França.

Encontram-se igualmente expostas algumas publicações como os “Ídolos do Fado” de

A. Victor Machado (1937), e os periódicos “História do Fado” de Avelino de Sousa, a

“Guitarra de Portugal (1934) e “Trovas de Portugal” (1933).

64

Ao lado dessa vitrina encontram-se três vídeos alusivos à mediatização do Fado,

referindo o Fado no teatro, o Fado no cinema e o Fado na televisão (nenhum deles é

emitido com som, pelo que podemos aceder ao mesmo através do áudio guia).

São também indicados alguns números para o áudio guia, referindo a publicação e a

existência de imprensa especializada nas actividades fadistas, o teatro de Revista e o

modo como foram criadas novas temáticas e melodias, o aparecimento de muitos postos

de rádio amadores, a difusão de programas em directo das Casas de Fado e o programa

a cargo da Maria Teresa de Noronha, referindo ainda que o primeiro filme sonoro

português foi centrado na figura da Severa.

Na sala seguinte existe um texto de parede que refere o anonimato relativo às primeiras

letras de Fado, uma vez que estas eram transmitidas oralmente, o aparecimento de

poetas populares e mais tarde, o modo como a poesia erudita foi introduzida no Fado,

havendo uma grande vitrina ao seu lado onde se encontram expostos uma garrafa de

licor, da década de 40/50 com uma figura a tocar guitarra, uma guitarra portuguesa

(Construção de Álvaro M. da Silveira), várias caixas de fósforos com ilustrações

alusivas ao Fado, uma aguarela de Arnaldo Louro de Almeida (1947; sem titulo) e

diversas letras de Fado submetidas à censura, algumas proibidas (como “Medalhas” de

Frutuoso França), outras aprovadas parcialmente (como “Canção de Maria” de Jacinto

Pereira) ou aprovadas integralmente (como “ Conforme” de Carlos Conde).

Ainda na mesma sala encontra-se exposta a pintura “Lisboeta” de Cândido Costa Pinto

de 1952 (Depósito do Museu da Cidade), ao qual está associado um número para o

áudio guia, onde é mencionado o facto de Regime se ter apropriado do Fado como

forma de propaganda, havendo ainda uma impressão sobre tela intitulada “O Fado” de

Paula Rego de 1995.

Encontram-se conjuntamente expostos discos em vinil de diversos fadistas profissionais

(António Rocha, Camané, Fernando Farinha, Fernanda Maria, Amália Rodrigues, Maria

de Lourdes Machado, Alfredo Marceneiro, Hermínia Silva, Carlos do Carmo, Carlos

Ramos, Maria Teresa de Noronha, Maria da Fé, Manuel de Almeida, Maria Albertina,

António dos Santos, Filipe Duarte, Carlos Duarte, Ercília Costa e Maria Dilar).

65

Nessa sala encontramos um outro texto de parede que refere de que forma o Fado se

internacionalizou entre os anos 30 e 50, abordando a importância da Amália Rodrigues

nesse processo, sendo projectado um vídeo com actuações da mesma.

Somos conduzidos para um corredor que nos dá uma vista panorâmica do museu, de

onde podemos observar “O Mais Português dos Quadros a Óleo” de João Vieira exposto

no piso -1 (zona dedicada às exposições temporárias).

Prosseguimos para o lado esquerdo do museu, encontrando um corredor no qual se

encontra transcrita a seguinte frase de Martinho D´assunção “Por muito que se disser/ O

Fado é canção bairrista/ Não é fadista quem quer/ Mas sim quem nasceu fadista…”.

Nesse corredor encontramos as partituras “5 Fados para Guitarra” de Reinaldo Varella,

“Fados de Coimbra” de Francisco Menano, “Fado da Triste Feia” (Revista Tic Tac),

“Gado Bravo – Grande Fono-Filme Português”, “Fado da Fadista” (do filme “Aldeia da

Roupa Branca”), e duas de “Fado de la Goya”.

Ao lado desse corredor encontra-se uma sala dedicada a várias personalidades ligadas

ao Fado, disponibilizando três postos interactivos iguais, que possibilitam ao visitante a

livre pesquisa consoante os seus interesses, sendo compostos por um menu bilingue

(português e inglês) dividido em duas áreas: “Personalidades” e “Documentos”.

No menu “Personalidades” podemos encontrar uma lista de pessoas que abrange

fadistas e músicos, maioritariamente profissionais, mas também alguns compositores

(Ada de Castro, Adelina Ramos, Alain Oulman, Alberto Costa, Alberto Janes, Alcidia

Rodrigues, Alcindo de Carvalho, Aldina Duarte, Alexandra, Alfredo Marceneiro,

Amália Rodrigues, Amaro de Almeida, Ana Maria, Ana Moura, Ana Sofia Varela,

Anita Guerreiro, António Chainho, António dos Santos, António Menano, António

Parreira, António Pinto Bastos, António Rocha, António Zambujo, Argentina Santos,

Armandinho, Artur Paredes, Ary dos Santos, Basilissa dos Santos, Beatriz da

Conceição, Berta Cardoso, Camané, Carlos Conde, Carlos do Carmo, Carlos Gonçalves,

Carlos Guedes de Amorim, Carlos Macedo, Carlos Manuel Proença, Carlos Paredes,

Carlos Ramos, Carlos Zel, Carminho, Carolina Redondo, Casimiro Ramos, Celeste

Rodrigues, Cidália Moreira, Cristina Branco, Cuca Roseta, Custódio Castelo, Dâna,

David Mourão-Ferreira, Deolinda Rodrigues, Deonilde Gouveia, Domingos Camarinha,

66

Duarte, Duarte Pais, Ercília Costa, Ermelinda Vitória, Esmeralda Amoedo, Fernando

Baptista, Fernanda Maria, Fernando Alvim, Fernando Farinha, Fernando Freitas,

Fernando Maurício, Filipe Duarte, Filipe Pinto, Florência, Florinda Maria, Francisco

Carvalhinho, Francisco Perez Andion, Francisco Vasconcelos, Frederico de Brito,

Frederico Valério, Gabino Ferreira, Gilberto Grácio, Gonçalo Salgueiro, Grupo de

Fados ISEP, Hélder Moutinho, Hermínia Silva, Hilário, Jaime Santos, Joana

Amendoeira, João Braga, João da Mata, João Linhares Barbosa, João Maria dos Anjos,

João Torre do Valle, Joaquim Campos, Joaquim Silveirinha, Joel Pina, Jorge Fernando,

José da Câmara, José Fontes Rocha, José Inácio, José Luís Gordo, José Luís Nobre

Costa, José Manuel Neto, José Manuel Osório, José Maria Nobrega, José Nunes, José

Porfírio, José Paracana, Júlia Florista, Julieta Estrela, Julieta Reis, Júlio de Sousa, Júlio

Duarte, Júlio Gomes, Júlio Peres, Júlio Proença, Júlio Vieitas, Kátia Guerreiro, Lenita

Gentil, Lídia Ribeirinho, Lina Maria Alves, Lucília do Carmo, Luís Penedo, Mafalda

Arnauth, Manuel Calixto, Manuel Cascais, Manuel de Almeida, Manuel Fernandes,

Márcia Condessa, Marco Oliveira, Marco Rodrigues, Maria Albertina, Maria Alice,

Maria Amélia Proença, Maria Ana Bobone, Maria Armanda, Maria da Fé, Maria da

Nazaré, Maria do Carmo, Maria do Carmo Torres, Maria do Rosário Bettencourt, Maria

Jô Jô, Maria José da Guia, Maria Sidónio, Maria Teresa de Noronha, Maria Valejo,

Maria Vitória, Mariana Silva, Mário Pacheco, Mariza, Martinho D´assunção, Max,

Mísia, Natalino de Jesus, Natalino Duarte, Natércia Maria, Nuno da Câmara Pereira,

Nuno de Aguiar, Paulo Parreira, Pedro Caldeira Cabral, Pedro Homem de Mello, Pedro

Joia, Pedro Moutinho, Raquel Tavares, Raul Nery, Ricardo Parreira, Ricardo Ribeiro,

Ricardo Rocha, Rodrigo, Rodrigo Costa Félix, Severa, Teresa Silva Carvalho, Teresa

Tapadas, Teresa Tarouca, Tony de Matos, Tristão da Silva e Vicente da Câmara).

Neste menu podemos pesquisar dentro dos itens “Biografia”, “Fotografia”, “Áudio”,

“Vídeo” e “Documentos”, no entanto a informação disponibilizada varia consoante a

pessoa, uma vez que nem sempre se encontram disponíveis todos os itens para consulta.

No menu “Documentos” podemos consultar os itens “Publicações”, “Partituras”,

“Repertórios”, “Cartazes”, “Discografia” e “Outros Documentos”, acedendo a uma lista

variada de informação relativa a cada temática, podendo também ser feita uma pesquisa

de texto livre em cada um dos menus.

67

E como podemos observar é disponibilizada bastante informação acerca de muitas

personalidades, no entanto não existe referência a fadistas amadores da nossa

contemporaneidade, nem a muitos dos fadistas profissionais que trabalham actualmente

no circuito das Casas de Fado de Lisboa.

Ainda nessa sala encontra-se exposto um retrato do Carlos Paredes da autoria de Júlio

Pomar (Depósito de João Pinto de Sousa), e alguns electrodomésticos, como um

receptor de rádio, uma televisão e gira-discos, uma grafonola de salão e algumas

reproduções de etiquetas centrais dos discos de vinil.

A sala seguinte é dedicada à guitarra portuguesa e apresenta um texto de parede alusivo

ao modo como a guitarra foi amplamente difundida nos salões europeus durante o séc.

XVIII, e ao modo como a guitarra inglesa foi introduzida em Portugal e utilizada

exclusivamente pela Nobreza e Burguesia, sendo também mencionado que a designação

de guitarra portuguesa surge no séc. XIX, aparecendo ligada ao Fado em 1840,

referindo ainda a importância da famílias de Álvaro de Silveira e José Pedro Grácio na

construção desse instrumento.

Dentro da uma vitrina encontram-se peças representativas das várias fases de construção

da guitarra portuguesa, e diversas guitarras portuguesas, como a guitarra portuguesa de

Jaime Santos, de 1971 (Construção de Jaime Santos), uma guitarra portuguesa de 1957

(Construção de Álvaro de Silveira), a guitarra portuguesa de José Marques Piscalarete,

de 1966 (Construção de João Pedro Grácio), a guitarra portuguesa de Carlos Paredes, de

1970 (Construção de João Pedro Grácio) e a guitarra portuguesa de Apolinário Pombo

Pereira (Construção de José Paulo Ferreira), estando transcrito dentro da mesma vitrina

a frase “É que Carlos Paredes pertence ao número de interpretes portugueses que sabem

criar um auditório não isolado. A mensagem de Carlos Paredes une as pessoas em vez

de as dividir” de João Freitas Branco.

Existe também outra vitrina onde se encontram igualmente peças representativas das

várias fases de construção da guitarra portuguesa, e diversas guitarras portuguesas e

violas como, uma guitarra portuguesa de 1961 (Construção de Álvaro Marciano de

Silveira), a viola de Amadeu Ramin de 1966 (Construção de Álvaro Marciano de

Silveira), viola (Construção de Júlio Pedro Grácio), a viola baixo de Joel Pina da década

68

de 70 e uma reprodução da guitarra portuguesa atribuída a Maria Severa (Construção de

Gilberto Grácio).

Na mesma sala é projectado ainda um vídeo que mostra como a guitarra portuguesa é

construída, estando a ele associado um número para o áudio guia no qual se pode ouvir

um Fado.

Ao lado dessa sala encontramos uma outra à qual podemos aceder abrindo uma porta,

encontrando-se transcrita por cima da mesma a seguinte frase em português e inglês: ”O

Fado é um poema que se ouve e que se vê…”, e nessa sala podemos encontrar uma

parede com cartazes, convites, cartões de Casas de Fado, capas de periódicos,

fotografias de fadistas e ilustrações, todos eles alusivos a outras épocas, havendo

também exposto dentro de um nicho um traje de actuação do Teatro Sá da Bandeira, e

uma representação de um bairro típico Lisboeta, intitulado “Viela de Lisboa” de Rui

Pimentel de 1998.

Nessa sala a iluminação utilizada é mais fraca, e nela podemos visualizar três vídeos,

que pretendem mostrar a ambiência que se vive nas Casas de Fado, sendo apresentado

no primeiro vídeo uma gravação realizada em estúdio, com um cenário que remete para

o aspecto das Casas de Fado, e no qual aparecem fadistas Ricardo Ribeiro, Pedro

Moutinho, Vivente da Câmara, Maria da Nazaré, Carminho e Ana Sofia Varela, e

posteriormente alguns músicos sem a componente da voz.

Depois desta projecção são apresentados mais três vídeos gravados no Clube do Fado,

com a actuação da Joana Amendoeira, na Mesa de Frades, com a actuação da Carminho,

e no Sr. Vinho com a actuação da Maria da Fé, incluindo legendas em inglês dos Fados

cantados.

E como podemos constatar estas projecções não representam minimamente as Casas de

Fado de Lisboa, uma vez que referem apenas três, e apenas de Fado profissional,

mantendo-se completamente à margem das Casas de Fado amador, apresentando

também artistas bastante conhecidos.

Ao sairmos dessa divisão vamos dar à última sala do museu, onde se encontra um

retrato de Carlos Paredes e um retrato de Carlos do Carmo, ambos da autoria de Júlio

69

Pomar (de 2007), e uma representação da Amália Rodrigues intitulada “Amália Negra”

de Leonel Moura (Colecção Berardo).

Encontram-se transcritos também nas paredes alguns versos, sendo apresentado um

vídeo do Carlos do Carmo a cantar o “Um Homem na Cidade”, ao qual está associado

um número para o áudio guia, no qual é referida a hostilidade em relação ao Fado,

devido à apropriação do mesmo por parte do Antigo Regime enquanto método de

propaganda, sendo também referida a importância do disco “Um Homem na Cidade”

para o meio fadista.

Existem como vimos, um painel por piso apresentando personalidades do Fado,

maioritariamente fadistas ou músicos profissionais da actualidade e de outros tempos,

sendo alguns representados duas vezes no mesmo painel, estando a algumas

personalidades associado um número para o áudio guia.

No piso -1 encontram-se representadas as seguintes personalidades: Mariza, Maria

Amélia Proença, Ricardo Rocha, Ana Moura, Ricardo Ribeiro, Joana Amendoeira,

Cristina Branco, Mafalda Arnauth, Carminho, Pedro Moutinho, José Manuel Neto, Júlio

Pomar, Ricardo Parreira, Carlos do Carmo, António Zambujo, Argentina Santos,

Camané, Celeste Rodrigues, Aldina Duarte, Raquel Tavares, Hélder Moutinho, Maria

da Fé, Ângelo Freire, António Rocha, Ana Sofia Varela, Vicente da Câmara, José da

Câmara, Marco André e Kátia Guerreiro.

No piso 0: Manuel Mendes, António Chainho, Carlos Zel, Jorge Fernando, Fernando

Maurício, Alexandra, Carlos Macedo, Paulo de Carvalho, Mariana Silva, Lenita Gentil,

Mísia, Beatriz da Conceição, João Braga, Teresa Silva Carvalho, António Rocha, Carlos

Paredes, António Mourão, Carlos Gonçalves, Alfredo Marceneiro, Rodrigo, José

Paracana, Filipe Pinto, Amália Rodrigues, Nuno de Aguiar, Hermínia Silva, Mário

Pacheco, Lucília do Carmo, Fernando Farinha, Raul Nery, José Carlos Ary dos Santos,

Manuel Alegre, José Fontes Rocha, Carlos do Carmo, Argentina Santos, Pedro Homem

de Mello, Júlio Gomes, Santos Moreira, Joel Pina, Maria da Fé, Jaime Santos, Maria

Amélia Proença, David Mourão-Ferreira, Tristão da Silva, José Régio, Anita Guerreiro,

Alexandre O’Neill, Alcindo Carvalho, Fernanda Maria, Celeste Rodrigues, Maria

Teresa de Noronha, Lina Maria Alves, Fernanda Peres, Carlos Ramos e Vicente da

Câmara.

70

E no piso 1: Amadeu Ramim, Maria José da Guia, José Marques Piscalarete, Berta

Cardoso, Aura Ribeiro, Alfredo Marceneiro, Acácio Rocha, Júlio Peres, Maria Cristina,

Fernanda Maria, Maria do Espirito Santo, Fernando Farinha, Pais da Silva, António

Calvário, Maria Marques, António Bessa, Frutuoso França, Alfredo Mendes, Filipe

Pinto, Celeste Rodrigues, Tony de Matos, Maria Sidónio, José Nunes, Adelina Ramos,

Argentina Santos, Francisco Carvalhinho, Martinho D´assunção, Joel Pina, Max,

Frederico de Brito, Carlos do Carmo, Jorge Fontes, Lucília do Carmo, José Maria

Nóbrega, Manuel Fernandes, Aníbal Nazaré, Francisco Perez Andion, Manuel de

Almeida, Carlos Ramos, Carlos Conde, Maria Teresa de Noronha, Henrique Rêgo, José

Linhares Barbosa, Ercília Costa, Amália Rodrigues, Raul Nery, Júlio Proença, Deolinda

Rodrigues, Fernando Freitas, Joaquim Pimentel, João da Mata, Madalena de Melo,

Hermínia Santos, Armando Freire Armandinho, Deonilde Gouveia, Maria do Carmo e

Domingos Camarinha.

Na fachada do museu encontram-se também representadas algumas personalidades do

meio fadista como Camané, Carminho, Carlos do Carmo, Mariza, Ricardo Ribeiro,

Maria Teresa de Noronha, Alfredo Marceneiro, Amália Rodrigues, Argentina Santos e

dois guitarristas.

71

3.2. A comunidade fadista

Com base nas entrevistas realizadas a diversos elementos da comunidade fadista, serão

apresentadas no presente subcapítulo a análise e o comentário dos dados recolhidos nas

mesmas.

3.2.1. Proprietários de Casas de Fado amador

Os proprietários das Casas de Fado amador que entrevistei manifestaram ter como

preferência musical esta canção nacional desde a adolescência, no entanto apenas um

destes inquiridos frequentou Casas de Fado em jovem, uma vez que o proprietário da

Casa de Fado T.J. vivia na província e o proprietário da Casa de Fado B. tinha uma

profissão que não lhe permitia dispor de tempo para tal.

Segundo os meus informantes a abertura dos seus estabelecimentos ocorreu sem que

inicialmente esses locais tivessem tardes ou noites de Fado, tendo sido incorporado

posteriormente como complemento, por solicitação ou sugestão de outras pessoas,

apesar de todos eles gostarem de Fado há algum tempo.

Ficou também claro nestas conversas que os seus espaços são frequentados por um

público bastante diversificado, e que os turistas mostram um interesse bastante

considerável por este tipo de locais.

O Fado é cantado de modo informal nos estabelecimentos dos proprietários com quem

falei, sendo este tipo de Fado conhecido como “Fado vadio”, onde as pessoas cantam

apenas por prazer, de forma espontânea e amadora, sem que exista remuneração.

Foi também possível verificar que muitas das pessoas que cantam ou tocam nestes

locais são pessoas que o fazem de modo profissional noutros espaços, frequentando

estas casas nos seus dias de folga, por considerarem esse ambiente mais descontraído,

72

uma vez que tudo acontece de forma espontânea, ou depois de saírem dos seus locais de

trabalho.

O Fado amador é encarado pelos meus informantes como uma fase evolutiva para a

profissionalização, pela qual todos fadistas e músicos passam, apesar de alguns não

pretenderem ser profissionais, contudo, nesta questão foi possível observar que as

opiniões variam um pouco, pois para alguns não existe diferença entre Fado amador e

profissional, como o caso do proprietário da Casa de Fado T.C. uma vez que os temas

cantados são os mesmos101

, enquanto outros, como o proprietário da Casa de Fado B.

consideram que o Fado amador acontece de forma espontânea e imprevisível e que esse

sentimento se perde quando é cantado por profissionais em grandes salas, uma vez que

o contacto não é directo, e tudo acontece de forma programada e formal.

Podemos também observar que alguns dos informantes sentem que o Fado amador é

pouco considerado e valorizado pelos profissionais, uma vez que alguns amadores lhes

retiram oportunidades de trabalho, porque o fazem de uma forma gratuita102

.

Relativamente ao Museu do Fado podemos observar que a maioria dos informantes

gostam do mesmo, uma vez que este vem valorizar o Fado103

, porém o proprietário da

Casa de Fado B. apesar de considerar que as iniciativas que o museu desenvolve são

boas, pensa que o espaço se encontra demasiado modernizado104

, engrandecendo os

fadistas vivos, particularmente os mais conhecidos pela maior parte das pessoas, dando

destaque às últimas novidades editadas.

Para a maior parte dos informantes os fadistas amadores encontram-se lá representados,

contudo o proprietário da Casa de Fado B. considera que não, uma vez que actualmente

101

«(…)o Fado é todo igual, portanto os profissionais cantam exactamente os Fados que os amadores cantam(…)» - Proprietário da Casa de Fado T.C. 102

«(…)os profissionais não gostam dos amadores porque às vezes os amadores tiram-lhes trabalho…eu percebo, mas aí ninguém tem culpa(…)» - Proprietário da Casa de Fado T.J. 103

«(…)Está muito bem, muito bem. Acho que sim, acho que Lisboa merecia e o Fado merece um museu(…)» - Proprietário da Casa de Fado T.J. 104

«(…)museu é qualquer coisa que nos fala da história e neste momento está muito modernizado e como museu tem muito pouco. As iniciativas sim senhora, estão…mas penso que aqui é um problema de arquitectura, penso que os novos arquitectos com as modernices querem por vezes estilizar muito as coisas e refinar mas depois aquilo não tem mensagem, não tem aqueles enquadramentos daquelas figuras, com aquelas luzes indirectas, com tudo aquilo…aquilo vê-se em qualquer lado moderno, qualquer loja que vende cd´s, têm de facto aquelas fotos daquelas pessoas que enfim, que estão neste momento na fama, estão neste momento…não é o papel do Museu do Fado(…)» - Proprietário da Casa de Fado B.

73

não existe uma recriação do ambiente de taberna como na musealização anterior105

. É

também referido por esse inquirido que seria muito difícil representar as Casas de Fado

de Lisboa no interior do museu, devido à divergência de opiniões entre os proprietários

das mesmas, apesar disso considera que o projecto que se encontra em desenvolvimento

actualmente entre o museu e as Casas de Fado (“Fado à Mesa”) poderá ser bom, no

entanto deveria ter sido desenvolvido mais cedo, porque certamente o teria ajudado a

melhorar os seus serviços.

Relativamente à interacção entre o museu e as Casas de Fado pude constatar através

destas conversas que o museu não comunica muito com as mesmas, mas apesar disso

alguns proprietários referem que o museu envia convites para todos os eventos que lá

acontecem106

, encaminhando também algumas pessoas para os seus estabelecimentos107

.

Por ultimo, e em relação ao facto do Fado ter sido reconhecido enquanto Património

Cultural Imaterial da Humanidade as opiniões parecem variar, pois se por um lado

alguns inquiridos consideram que esse facto deveria impor mais responsabilidade a

todos os envolvidos no meio fadista, outros consideram que a responsabilidade é a

mesma, havendo ainda outros que consideram que se trata de algo muito recente, e que

só mais tarde se irão sentir alterações.

3.2.2. Proprietários de Casas de Fado profissional

Os proprietários das Casas de Fado profissional que entrevistei manifestaram ter como

preferência por este tipo de canção, uma vez que a maioria ouvia Fado e frequentava

Casas de Fado enquanto jovens. Apenas o proprietário da Casa de Fado B.M./C.L. não

105

«(…)o cenário que se via, a montagem de uma taberna, o balcão com o taberneiro com o trapo ali, que o taberneiro tinha ao ombro para limpar o balcão…porque era assim, há cem anos era assim, quer dizer, que as coisas aconteciam, agora não, tudo isso saiu(…)» - Proprietário da Casa de Fado B. 106

«(…)escrevem-me a dizer que estou convidado a estar presente(…)» - Proprietário da Casa de Fado T.C. 107

«(…)pelo menos já mandaram pessoas para aqui, já…turistas vão lá e depois perguntam se calhar onde é que podem ir e já aconteceu(…)» - Proprietário da Casa de Fado T.J.

74

costumava frequentar por só ter começado a ouvir Fado há cerca de dez anos, altura em

que se iniciou neste tipo de negócio.

Estes inquiridos têm hoje Casas de Fado por razões variadas, pois alguns começaram a

ter noites de Fado porque eles próprios cantam Fado e desse modo poderiam cantar nas

suas próprias casas, como o proprietário da Casa de Fado C.A., da Casa de Fado T.D.R.,

e da Casa de Fado E.A., noutros casos alguns dos inquiridos dirigem Casas de Fado que

já existiam anteriormente, como o proprietário da Casa de Fado B.M./C.L. e a

proprietária da Casa de Fado S.M.A., que dirige actualmente a casa que pertencia à sua

mãe. Já a proprietária da Casa de Fado B. começou a ter noites de Fado em alguns dias

da semana, por gostar muito desse tipo de canção.

Através destas entrevistas pude também perceber que os clientes que as frequentam são

bastante variados porém, foi possível concluir que os turistas frequentam bastante este

tipo de locais, representando uma fatia bastante considerável de público na Casa de

Fado B.M./C.L.

A maioria dos informantes entrevistados referem que nas suas noites de Fado

apresentam um elenco privativo, e apenas a Casa de Fado B. apresenta artistas variados

numa das duas noites semanais em que tem Fado, apresentando na outra artistas fixos.

Acerca do Fado amador é possível observar que os proprietários destas casas têm

opiniões variadas, e se alguns o encaram como algo genuíno, porque permite que as

pessoas cantem livremente, e possam evoluir para posteriormente se tornarem

profissionais, outros pensam que as pessoas que o fazem devem saber cantar bem e ter

alguma qualidade vocal.

Nestas entrevistas foi possível também observar que muitos destes proprietários

consideram que o Fado profissional deve ser sempre bem executado, não podendo haver

variações ou oscilações de qualidade como poderá ocorrer no Fado amador, sendo ainda

referido pelo proprietário da Casa de Fado C.A. que certas casas exploram o Fado

75

amador como se fosse profissional, considerando concorrência desleal para com as

Casas de Fado que pagam pelos serviços prestados pelos músicos e fadistas108

.

Podemos também constatar que as opiniões variam e que alguns dos inquiridos

consideram que o Fado amador é valorizado por ser mais acessível frequentar Casas de

Fado amador do que profissional, como refere a proprietária da Casa de Fado B. Outros

proprietários consideram que alguns amadores cantam e tocam melhor que certos

profissionais, e que por isso o Fado amador é igualmente valorizado, enquanto alguns

inquiridos, como o proprietário da Casa de Fado E.A. entendem que por essa mesma

razão o Fado amador não é tão valorizado como deveria ser109

.

Acerca do Museu do Fado pude perceber que os proprietários de Casas de Fado que

entrevistei apresentam opiniões variadas, pois se por um lado alguns consideram que o

museu está mais dinâmico, dando mais oportunidade aos fadistas profissionais e

realizando concertos regularmente, outros consideram que o mesmo se encontra

demasiado modernizado110

, e bastante elitista111

, apresentando sempre os mesmos

fadistas112

.

A maior parte dos inquiridos considera que o museu não interage com as Casas de Fado

nem colabora com as elas113

, e de uma maneira geral pude perceber que quase todos os

proprietários pensam que o museu deveria fazê-lo, e organizar reuniões regulares com

os proprietários das casas, disponibilizando ao público informação acerca das casas

108

«(…)o que é triste é que existem essas Casas de Fado amador e que explorem o Fado amador como o Fado profissional…isso…portanto…é concorrência desleal e isso eu não concordo, concordo sim com Casas de Fado amador, para a pessoa que quer fazer desporto e cantar Fado, não sendo explorado, e todo o Fado amador é explorado(…)» - Proprietário da Casa de Fado C.A. 109

«(…)Se calhar não será tão valorizado como deveria ser porque…não sei, não sei se por peneiras, se por vaidade, mas posso-lhe dizer que no Fado amador há vozes muito melhores que os profissionais, mas muito melhores(…)» - Proprietário da Casa de Fado E.A. 110

«(…)Acho que aquilo não é museu. Os museus são coisas antigas não é e aquilo parece-me tudo menos um Museu de Fado(…)» - Proprietária da Casa de Fado T.D.R. 111

«(…)o Museu do Fado para mim é uma casa de eventos de Fado, portanto…para mim não é o Museu do Fado, é o clube do Fado porque aquilo…o Museu do Fado para mim é…tirando a família Camané e Carlos do Carmo mais ninguém entra no Museu do Fado(…)» - Proprietário da Casa de Fado C.A. 112

«(…)em relação aos fadistas…quando há situações, digamos…procuram sempre ir buscar os fadistas já batidos, já conceituados, portanto todos os outros ficam de fora(…)» - Proprietária da Casa de Fado S.M.A. 113

«(…)Eu não digo que deva haver uma interacção maior, eu digo que deva haver interacção porque neste momento não há nenhuma, rigorosamente nenhuma. Nós estamos digamos assim, no coração do Fado que é Alfama, o Museu do Fado é em Alfama e eu não vejo nenhuma manifestação do Museu do Fado em relação às Casas de Fado(…)» - Proprietária da Casa de Fado S.M.A.

76

existentes, apresentando assim o Fado em todas as suas vertentes, como refere a

proprietária da Casa de Fado S.M.A.114

.

Apesar disso alguns informantes referem que o museu envia convites, como a

proprietária da Casa de Fados T.D.R., e que se encontra a desenvolver um projecto que

envolve as Casas de Fado115

(“Fado à Mesa”), encaminhando algumas pessoas para

alguns dos estabelecimentos pertencentes a alguns dos meus informantes, como a Casa

de Fado E.A.

Relativamente ao facto do Fado ter sido considerado Património Cultural Imaterial da

Humanidade pude perceber que os inquiridos sentem que esse reconhecimento não

impõe uma maior responsabilidade por parte dos envolvidos neste meio artístico, no

entanto alguns consideram que existe um maior número de pessoas a querer cantar

Fado, e que as entidades competentes deveriam impor algumas restrições, de modo a

regular as casas existentes, mas também as que vão abrindo, de modo a que todas

funcionassem de igual forma, numa concorrência leal116

.

3.2.3. Fadistas amadores

Os fadistas amadores entrevistados manifestaram conhecer bastante bem o Fado, uma

vez que todos eles gostam deste género musical desde bastante jovens, tendo dois deles

pessoas na família que cantavam, como o fadista R.C. e o fadista A.F.

Pude também perceber que a maioria dos inquiridos costumava frequentar Casas de

Fado ou colectividades enquanto jovens, uma vez que apenas um deles não o fazia.

114

«(…)Eu acho que o museu até devia ter uma mostragem de todas as Casas de Fado que existem em Alfama com as diversas vertentes porque nós temos desde a taberna Fado vadio, passando por as outras casas(…)» - Proprietária da Casa de Fado S.M.A. 115

«(…)Nós temos muito pouco contacto com o Museu do Fado, devo-lhe dizer que a empresa tem dez anos de actividade, fomos contactados há uns três meses pela primeira vez para um programa que está em desenvolvimento, de qualificação das Casas de Fado, aderimos ao programa, não temos nada contra a actividade mas também não temos contactos com o Museu do Fado(…)» - Proprietário da Casa de Fado B.M./C.L. 116

«(…)teria que haver uma fiscalização rigorosa(…)» - Proprietário da Casa de Fado C.A.

77

Todos os fadistas entrevistados costumam cantar actualmente de forma amadora em

diversos locais, como tertúlias, restaurantes, colectividades e Casas de Fado amador, no

entanto são por diversas vezes contratados para cantar noutros locais, como a fadista

A.N., referindo que apesar de o fazer prefere cantar em Casas de Fado amador117

.

A maior parte dos inquiridos costuma vestir-se de forma normal quando vai cantar e

apenas alguns costumam vestir roupa preta, um pouco mais clássica, ou utilizar o xaile

como complemento, no entanto alguns referem que quando são contratados para cantar

dão uma maior atenção ao vestuário, utilizando fato, gravata, saia comprida ou vestido,

utilizando também o xaile como a fadista C.S. 118

.

Nenhum dos inquiridos considera o Fado uma canção exclusivamente triste, uma vez

que todos eles consideram que o Fado pode ser um misto de alegria e tristeza, podendo

também ser melancólico e dolente, como satírico e humorístico.

A maior parte dos fadistas entrevistados nunca participou em nenhum concurso de

Fado, no entanto alguns terão participado em concursos como a “Grande Noite do

Fado”, ou obtido primeiros lugares noutros eventos, sendo também referido pelo fadista

R.C. refere que não tenciona participar novamente porque considera que nos concursos

existem bastantes injustiças119

.

Acerca do Fado amador a maior parte dos informantes sente que é uma forma de todas

as pessoas poderem cantar livremente, e apenas por gostarem muito de o fazer, e por

isso é encarado como algo autêntico e genuíno, contribuindo também para uma

renovação do género, por aparecerem fadistas a cantar de forma diferente120

.

Muitos destes fadistas pensam também que o Fado profissional é cantado de outra

forma, uma vez que tudo é controlado e ensaiado diariamente, havendo uma maior

exigência por parte das pessoas que os ouvem, tanto ao nível da qualidade vocal como

117

«(…)Não estou presa todos os dias a cantar numa casa profissional, mas de vez em quando também canto nas casas profissionais também, mas gosto muito deste tipo de casas assim, do Fado espontâneo, dos fadistas aparecerem aqui, sejam eles amadores ou não, profissionais. Adoro este tipo de ambiente(…)» - Fadista A.N. 118

«(…)aqui eu venho no meu normal, mas em certas casas, em certos sítios que sou convidada vou vestida a rigor(…)» - Fadista C.S. 119

«(…)Participei num e não quero participar mais. Há injustiças, há muitas injustiças, mas como há em tudo também(…)» - Fadista R.C. 120

«(…)o Fado amador é que lança as modas, é aqui na tasca que aparece aquela voz, aquela forma de cantar o Fado diferente(…)» - Fadista M.

78

do repertório e da imagem, sendo também referido por alguns informantes, como a

fadista A.N., que se um fadista tiver que cantar regularmente possivelmente deixará de o

fazer com prazer.

A fadista A.N, refere também que no Fado amador os fadistas se encontram menos

preparados121

, porque estão habituados a cantar sem ensaios e com variados músicos, e

nesse sentido o fadista que canta de forma amadora é considerado um verdadeiro

fadista, ao passo que um fadista profissional que actua em grandes salas é encarado pela

minha informante como um artista122

.

Alguns fadistas como o J.S. ou o V.U, referem ainda que as pessoas só deveriam cantar

quando existe qualidade123

, reconhecendo no entanto que alguns fadistas amadores

cantam bastante bem, e apresentam qualidade para se poderem tornar profissionais,

sendo também referido por alguns informantes que o circuito do Fado amador é bastante

maior que o profissional, e que por ser bastante restrito e fechado oferece menos

oportunidades às pessoas124

.

Relativamente ao facto do Fado amador ser ou não valorizado as opiniões dividem-se, e

se por um lado alguns consideram que não é valorizado porque alguns fadistas não

apresentam qualidades suficientes para cantar, outros consideram que é valorizado

porque aparecem pessoas a cantar muito bem, e com vozes que ainda não se encontram

profissionalizada, como refere o fadista M.

É também referido por alguns informantes que o Fado amador não é valorizado no meio

profissional, porque as pessoas que o fazem de forma amadora não recebem qualquer

valor monetário, retirando assim oportunidades de trabalho aos profissionais125

.

121

«(…)aqui está a essência, a essência é precisamente o Fado espontâneo, sem estarmos preocupados(…)» - Fadista A.N. 122

«(…)eu já os ouvi a cantar nos grandes concertos e aí eu não os considero fadistas mas sim artistas, nestas casas eles são fadistas, eles são fadistas nestas casas(…)» - Fadista A.N. 123

«(…)há muita gente no Fado amador que além de não saber o que está a fazer, não tem qualidade…acaba por estragar o outro lado bom do Fado amador(…)» - Fadista J.S. 124

«(…)Os círculos são muito fechados, o Fado vive muito de lobby´s e o Fado profissional é um lobby muito fechado e muito restrito e é muito maior o amador(…)» - Fadista A.F. 125

«(…)os donos destas casas assim, de Fado amador preenchem os seus espectáculos, não pagam a quem canta, só pagam a quem toca e para eles é muito bom, aparecem as pessoas e cantam senão houvessem esses ditos amadores eles teriam que contratar profissionais e teriam que pagar portanto é normal que os profissionais se sintam lesados(…)» - Fadista A.P.

79

Acerca dos fadistas profissionais mais conhecidos que dão concertos em grandes salas,

num circuito que se afasta das Casas de Fado, os inquiridos consideram que por vezes o

Fado é alterado, perdendo o seu cariz castiço, sendo por vezes introduzidos alguns

instrumentos além da guitarra e da viola, sendo algo mal visto por alguns dos inquiridos

como o fadista J.S., por considerar que alguns músicos participam em projectos de Fado

por não terem trabalho noutras áreas musicais126

.

Outros inquiridos pensam ainda que o Fado que acontece em grandes salas se encontra

demasiado ligado a uma vertente comercial127

, considerando no entanto, que sem ele o

Fado não teria qualquer tipo de projecção internacional, como refere o fadista V.U.

Relativamente ao Museu do Fado as opiniões dos meus informantes variam, pois se por

um lado alguns fadistas gostam do museu, considerando que é um sítio agradável e

bonito, outros referem que é um museu bastante elitista e demasiado ligado a certos

fadistas128

, sendo referido também por alguns dos inquiridos que alguns artistas que

iniciaram a sua carreira recentemente se encontram lá representadas devido à influência

de determinadas pessoas129

, como referem os fadistas J.S. ou V.U., e que outras pessoas

com carreiras mais longas não se encontram lá representadas.

Alguns informantes referem também que gostavam mais do projecto de musealização

anterior130

como a fadista C.S., e outros dois informantes não tiveram ainda

oportunidade de visitar o museu, e por isso não têm uma opinião formada acerca do

mesmo.

126

«(…)nalguns casos também é uma falta de respeito, porque é, porque há coisas que não se devem fazer. O problema é que podiam chamar outra coisa qualquer não é, porque é que lhe chamam Fado? Eles colam-se ao Fado porque está na moda(…)» - Fadista J.S. 127

«(…)aí é venda de Fado(…)» - Fadista C.S. 128

«(…)É muito bonito mas não da maneira como está agora, porque agora está tudo Mariza, Camané, Carlos do Carmo, por aí fora(…)» - Fadista C.S. 129

«(…)há muita gente consagrada no Fado, tão consagrada e raramente se lembram deles…no Museu do Fado e no entanto há pessoas que andam aí há meia dúzia de dias mas por conhecer fulano tal e fulana tal e não sei quê…e vão lá e tem um retrato para eles, uma homenagem e não sei quê, portanto não se compreende…está mal entregue, ou seja, o Museu do Fado não está a fazer o trabalho que deveria fazer(…)» - Fadista J.S. 130

«(…)Há bons e muitos fadistas que hoje em dia já não existem na nossa praça mas que tinham espólios muito bonitos dentro do Museu do Fado. Acho que isso deveria voltar ao mesmo sítio porque Museu do Fado só há este, e o Fado não começou agora(…)» - Fadista C.S.

80

Algumas das pessoas entrevistadas por mim consideram que o museu não apresenta o

Fado amador, havendo porém alguns inquiridos a considerar o contrário131

, e que apesar

do Fado amador se encontrar lá representado, os fadistas mais consagrados assumem

um maior destaque.

Em relação às Casas de Fado alguns dos inquiridos consideram que as Casas de Fado

não se encontram lá representadas132

e deveriam estar, no sentido de prestar ao visitante

mais informação acerca dos locais onde os fadistas cantam. Alguns inquiridos

consideram também que as Casas de Fado se encontram lá representadas, no entanto

poderiam ser apresentadas de forma mais abrangente, uma vez que apenas as Casas de

Fado profissional mais importantes são divulgadas, algo que o fadista M. associa ao

facto do museu se encontrar direcionado ao turismo133

.

Acerca do evento “Grandes Noites do Fado” a maior parte dos fadistas considera que o

evento perdeu a importância que tinha antigamente, no entanto alguns deles falaram-me

com bastante entusiamo acerca do ambiente em que o evento se realizava, durando até

de manhã, com a participação de diversas claques das associações e colectividades dos

bairros populares134

. Alguns referem ainda que os prémios eram atribuídos através da

cronometragem dos aplausos e que esse método era pouco justo, havendo alguns

favorecimentos.

Alguns informantes referem ainda que são realizados alguns eventos do mesmo género,

no entanto pouco têm a ver com as “Grandes Noites do Fado” realizadas no Coliseu,

sendo também referido que possivelmente o evento deixou de ser realizado porque

existem novas formas de encontrar novos valores no Fado135

.

131

«(…)de certa forma está, nós podemos quase chamar uma senhora que está representada e bem, que no fundo, sendo profissional é a imagem do Fado amador que é a Argentina Santos, está lá representada de uma forma muito marcada mesmo(…)» - Fadista V.U. 132

«(…)Eu acho que não, e devia ser representado também, porque nós quando cantamos Fado temos um sítio para cantar e devia ser representado o sítio onde as pessoas cantam(…)» - Fadista C.S. 133

«(…)o Museu do Fado está virado mais para apoiar e promover Casas de Fado profissionais, onde se canta o Fado profissional. Um turista que entre no Museu do Fado saí dali para uma Casa de Fados profissional…e bom…pronto…é para o turista(…)» - Fadista M. 134

«(…)era uma festa do povo, era uma festa das colectividades, as colectividades apresentavam os seus representantes(…)» - Fadista A.N. 135

«(…)Canta-se o Fado em tanto lado e bem que talvez a “Grande Noite do Fado” que se calhar já não tem razão de ser(…)» - Fadista V.U.

81

Relativamente ao facto do Fado ter sido reconhecido enquanto Património Cultural

Imaterial da Humanidade as opiniões dos inquiridos variam, pois por um lado alguns

dos inquiridos consideram que esse reconhecimento impõe mais responsabilidade para

todas as pessoas envolvidas no meio fadista, enquanto outras consideram que não

produz nenhuma alteração, nem impõe uma maior responsabilidade.

Alguns informantes consideram que a notoriedade que esta canção tem actualmente leva

a que muitas pessoas queiram cantar Fado, mas que por se tratar de algo bastante

recente, será feita uma selecção e só depois se poderá promover o Fado, devendo por

isso ser feito um esforço para não se desvirtuar o Fado136

, como refere o fadista M.

Alguns dos inquiridos referem ainda que este reconhecimento por parte da UNESCO

veio favorecer os fadistas mais conceituados, e que deveria ser dada mais importância às

pessoas que cantam exclusivamente por gosto137

.

3.2.4. Fadistas profissionais

Os fadistas profissionais entrevistados manifestaram conhecer bastante bem o Fado,

uma vez que todos eles começaram a ouvir esta canção durante a sua juventude, pois

alguns costumavam ouvir este tipo de canção em casa e outros tinham pessoas na

família que cantavam.

Enquanto jovens alguns deles frequentavam verbenas ou iam a Casas de Fado,

colectividades ou encontros informais onde se cantava o Fado, no entanto alguns

inquiridos não costumavam frequentar Casas de Fado por não existirem nos locais onde

viviam.

136

«(…)há uma tendência a desvirtuar o Fado no seu…na sua essência e basta nós vermos esses programas da televisão, que se canta Fado às nove da manhã, às dez da manhã, às onze da manhã e aparecem pessoas de todas as origens e as pessoas dizem assim “estamos a dar oportunidade a novas vozes”…não…isso é uma forma de desvirtuar o Fado, tem que haver…tem que haver conta, peso e medida(…)» - Fadista M. 137

«(…)quando as coisas surgem eles são os primeiros…têm acesso…podemos falar abertamente, acesso a isto, àquilo…eles estão lá sempre e é muito difícil. Ou seja, as pessoas que até gostam e fazem por gosto mesmo mereciam outra atenção…acabam por não ter nada disso(…)» - Fadista J.S.

82

Grande parte dos inquiridos costuma cantar de forma privativa em Casas de Fado

localizadas nos bairros típicos de Lisboa, enquanto outros preferem cantar em mais do

que uma Casa de Fado por não quererem ser privativos, cantando assim em diferentes

casas consoante os dias da semana.

Um dos fadistas entrevistados não canta actualmente em Casas de Fado, dando alguns

espectáculos em salas de maior dimensão, tanto a nível nacional como internacional.

Alguns destes fadistas referem também que por vezes cantam de forma amadora em

Casas de Fado vadio, e para a comunidade portuguesa no estrangeiro.

Todos os inquiridos revelam ter um cuidado em relação ao vestuário utilizado nas suas

actuações, utilizando roupa clássica negra, como fato e gravata. No caso das fadistas,

uma das inquiridas refere que utiliza saltos altos para cantar, salientando que não

costuma utiliza-los no dia-a-dia.

De uma maneira geral os fadistas entrevistados não encaram o Fado como uma canção

exclusivamente triste, uma vez que pode também envolver sentimentos alegres. São

também referidos por alguns inquiridos o sentimento de esperança138

e de nostalgia139

.

Estes fadistas profissionais entrevistados por mim encaram o Fado amador como uma

fase do processo de aprendizagem que poderá conduzir à profissionalização, sendo

encarado por alguns, como o fadista M.R. como a base do Fado, uma vez que todos os

fadistas se iniciam dessa forma. É também referido que quem canta de forma amadora o

faz por prazer e sem qualquer tipo de obrigações, ao passo que aos fadistas profissionais

é exigida uma maior qualidade vocal, não sendo toleradas falhas140

.

138

«(…)além de ser alegre e ser triste há uma coisa que é muito importante no Fado que é…tem um sentimento muito…que pouco se fala que é a esperança. Eu canto o Fado e nem sempre consigo sentir isso mas…mas as coisas que eu mais gosto de sentir quando estou a cantar é a esperança(…)» - Fadista P.M. 139

«(…)Eu costumo dizer que há três tipos de música que são muito semelhantes, que é o Fado, o flamengo e o tango e uma das grandes semelhanças é falarem de uma forma tão profunda sobre sentimentos, sendo que quanto a mim as diferencia…eu quando ouço flamengo aquilo soa-me mais a revolta, quando ouço tango penso mais…a paixão, e quando ouço Fado penso mais em nostalgia(…)» - Fadista M.R. 140

«(…)Os profissionais são aqueles que vivem da arte que fazem e naturalmente tem um grau de dificuldade mais elevado. As pessoas exigem, se eu vou cantar as pessoas já estão a exigir que eu vá fazer bem, não aceitam que eu erre percebe…é uma coisa…e eu já vou nessa condição de…e quando é amador sabemos de antemão que se se enganar pronto…existe mais desculpa(…)» - Fadista R.M.

83

Alguns dos inquiridos referem também que algumas Casas de Fado apresentam Fado

amador como se fosse profissional, sendo algo mal-encarado por alguns, uma vez que

os preços praticados141

são altos e não são pagos honorários aos fadistas, como refere o

fadista J.M., sendo também referido que algumas casas dizem que as pessoas que lá

cantam são amadoras ou profissionais consoante o que cliente procurar142

.

A maior parte dos fadistas entrevistados considera que o Fado amador é valorizado

pelos profissionais porque todos eles se iniciam desse modo, e se habituam a cantar com

os mais variados músicos, conhecendo novo repertório, apesar de alguns inquiridos

considerarem que quando se atinge o profissionalismo se aprende mais, porque tudo

acontece de forma organizada e o ambiente é mais sério. Alguns inquiridos consideram

também que o Fado amador é pouco levado a sério e por isso menos valorizado.

Acerca do Museu do Fado é possível ver que as opiniões se dividem, pois se por um

lado alguns fadistas consideram que o museu tem desenvolvido um bom trabalho,

salvaguardando essa canção, divulgando a sua história, organizado também alguns

concertos, sendo encarado como a casa dos fadistas143

, outros inquiridos consideram

que este se apresenta incompleto, uma vez que muitos artistas com carreiras

consolidadas não se encontram lá representados, ao passo que alguns fadistas que se

iniciaram há pouco tempo estão, não tendo ainda não atingido o estatuto necessário para

tal144

, sendo por isso necessária uma busca mais exaustiva.

141

«(…)Poucas pessoas aproveitam o Fado amador por respeito, aproveitam-no…tem alguns sítios que ainda se sente a vibração do Fado vadio, o tal Fado vadio sente-se, até pelo preço das coisas, a forma que é tratado, os cheiros, o ambiente…sente-se mesmo ali. Hoje…pronto, o Fado amador, é como digo, está a ser aproveitado como negócio(…)» - Fadista J.M. 142

«(…)o Fado teve um boom, há muitas pessoas que se aproveitam um pouco disso e há o meio termo que é…quanto a mim as Casas de Fado pseudo-amador , pseudo-profissional…é o que o turista lá chegar e dependendo do que o turista diz, é o que eles são, ou seja, se o turista disser que quer uma casa com músicos profissionais, uma Casa de Fado profissional todos eles são profissionais, se por ventura o turista disser que quer uma coisa very typical eles são todos very typical e ninguém é profissional, são todos amadores. Portanto, sou fã do amador, sou fã do profissional, do pseudo…não(…)» - Fadista M.R. 143

«(…)é a casa dos fadistas…aquilo não é uma casa morta, é uma casa viva…está sempre em movimento, estão sempre a acontecer coisas…ali é um espaço onde o fadista pode apresentar o seu disco, pode ensaiar, pode fazer uma palestra…é um espaço vivo e há uma dedicação por parte da Dra. Sara Pereira e da sua equipa, uma dedicação tão forte, tão forte que eu diria que nós fadistas tivemos muita sorte, muita sorte…aquele museu é o símbolo da dedicação(…)» - Fadista C.C. 144

«(…)Um museu é de coisas antigas não é e eu não considero o Camané antigo, nem a Carminho…para eles estarem aqui nas montras do museu. Acho que as pessoas deveriam entrar ali a partir de uma certa idade, com trabalhos realmente feitos e reconhecidos e não é o caso, não é o caso do museu(…)» - Fadista L.

84

Alguns inquiridos consideram também que o museu é pouco representativo do Fado

amador, porque não apresenta o processo natural que conduz à profissionalização dos

artistas145

, sendo igualmente encarado como um museu elitista146

como refere J.M.

Em relação às Casas de Fado alguns dos inquiridos referem que as mesmas se

encontram lá representadas em todas as suas vertentes, contudo também nesta questão

as opiniões variam, uma vez que alguns consideram que apenas algumas Casas de Fado

se encontram lá representadas, sendo também referido por alguns inquiridos como

fadista L. e M.R., que apesar de não terem a certeza julgam que museu está a tentar

estabelecer contacto com algumas Casas de Fado.

É ainda referido por alguns fadistas como J.M. que as Casas de Fado que são divulgadas

pelo museu se encontram lá representadas por interesse147

, e que os concertos

organizados pelo museu apresentam sempre os fadistas mais conhecidos, não dando

oportunidade a outros148

, pelo que o fadista J.M. e L. referem que certas personalidades

exercem uma grande influência no modo como tudo se processa dentro do museu149

.

Alguns inquiridos referem também que a divulgação dos locais onde os fadistas cantam

seria uma mais-valia para todos150

, principalmente depois do Fado ter sido considerado

Património Cultural Imaterial da Humanidade.

145

«(…)a essência do Fado é começar pelo Fado vadio e depois fazer umas escadinhas como o macaco e depois começou a subir para homem e por aí a fora porque o Fado também é assim(…)» - Fadista J.M. 146

«(…)Eu não sabia mas fui lá conhecer, olhei e vi as elites que existem ali, aquele…horrível, horrível, a única palavra que eu arranjo, é horrível, estarmos em Lisboa e o departamento da cultura da Câmara Municipal aceitar determinadas situações que estão a acontecer ali(…)» - Fadista J.M. 147

«(…)tem lá algumas casas representadas por interesses, o caso do Luso, o caso do Clube de Fado especialmente, especialmente…o Clube de Fado então, o caso do Fado Maior, a Parreirinha de Alfama antes, porque a Argentina estava no activo, agora como não está no activo estão-se todos a borrifar para a casa da Argentina que é a Parreirinha, e de resto não passa mais nada, é a elite, é como eu digo, está lá a elite, onde o Carlos do Carmo é bem tratado é onde se fala(…)» - Fadista J.M. 148

«(…)nos Santos Populares vão buscar os tais fadistas de palco para virem cantar a Alfama e Alfama está carregada de fadistas…quer dizer, não são capazes de falar com alguém daqui de Alfama, que trabalhe aqui em Alfama(…)» - Fadista L. 149

«(…)o Carlos do Carmo é…do qual eu não lhe tiro valor como artista não é, é o dono do Fado, temos aqui o Museu do Fado muito perto e dá para provar que aquilo é o museu do Carlos do Carmo, se for lá dentro vai ver que é e montes de fadistas consagrados não se encontram lá e tudo se deve a ele(…)» - Fadista L. 150

«(…)Seria bom porque daria a conhecer as Casas de Fado e os artistas que lá trabalham diariamente e fazem da sua profissão a cultura deste país(…)» - Fadista R.M.

85

Apenas um dos inquiridos não quis falar acerca do museu, remetendo as minhas

questões para a direcção do museu, e outro dos inquiridos não teve ainda oportunidade

de visitar o museu, e por isso não tem opinião formada acerca do mesmo.

Relativamente ao evento as “Grandes Noites do Fado” os fadistas sentem que o evento

foi perdendo alguma importância com o passar dos anos, principalmente quando a Casa

da Imprensa deixou de realizar o evento, passando a ser organizado pelo Montepio,

depois da morte de José La Feria.

Muitos dos fadistas profissionais entrevistados por mim referem ainda que participaram

neste concurso, tendo obtido primeiros prémios, e que nessa altura o evento não tinha a

mesma importância de antigamente, no entanto todos guardam boas recordações do

mesmo, descrevendo-o como a festa das colectividades.

Relativamente ao facto do Fado ter sido reconhecido enquanto Património Cultural

Imaterial da Humanidade as opiniões dos inquiridos variam, pois se por um lado muitos

dos inquiridos consideram que esse reconhecimento não impõe uma maior

responsabilidade por parte das pessoas envolvidas no meio fadista, tendo em conta que

todos devem fazê-lo da melhor forma possível, outros consideram que a

responsabilidade será maior uma vez que se oficializa uma canção, sendo ainda referido

que a maior responsabilidade irá recair sob as entidades que devem manter esse

reconhecimento, por se tratar de algo efémero, como refere o fadista M.R.,

considerando ainda que a maior alteração se deu ao nível das mentalidades e em relação

ao modo como os portugueses encaram esta canção151

.

Alguns dos inquiridos como a fadista G.J. referem também que esse reconhecimento

poderá trazer aspectos positivos e negativos, pois o Fado será mais divulgado,

contribuindo no entanto para que cada vez mais pessoas queiram abrir Casas de Fado,

sem as condições para tal152

, e nesse sentido o fadista C.C. considera que deve ser dada

151

«(…)depois de sermos Património Imaterial da Humanidade, a mentalidade que mudou mesmo muito foi um bocado a nossa, mesmo em geral, ou seja, das pessoas que ainda eram um pouco desconfiadas mesmo depois de tudo o que o Fado já provou ser como música…ainda eram um pouco desconfiadas e isto veio trazer assim um balão de oxigénio para essas pessoas, e as pessoas começaram a querer conhecer mais(…)» - Fadista M.R. 152

«(…)Há o lado que a meu ver é mau que é…como o Fado está na moda qualquer pessoa hoje em dia que tenha um restaurante quer ter Fados mas não sabe como dar Fados(…)» - Fadista G.J.

86

uma maior atenção à qualidade do que é apresentado, uma vez que o Fado passa a agora

a ser encarado enquanto imagem de marca153

Alguns dos inquiridos consideram também que esse reconhecimento vem beneficiar os

fadistas e músicos mais conhecidos154

, e nesse sentido tudo permanece igual para os

fadistas e músicos que trabalham no circuito das Casas de Fado.

3.2.5. Músicos

Os músicos entrevistados manifestaram conhecer Fado bastante bem, na medida em que

todos eles escutavam esta canção enquanto jovens, tendo alguns dos inquiridos, músicos

ou familiares próximos que cantavam ou tocavam guitarra, apesar de alguns não terem

frequentado Casas de Fado enquanto jovens, por viverem no Alentejo, assistindo

esporadicamente a noites de Fado nas suas terras, quando alguns músicos alentejanos

residentes em Lisboa iam a casa em visita.

Dois dos músicos entrevistados por mim continuam a tocar em Casas de Fado em

Lisboa e na margem sul do tejo, fazendo paralelamente alguns espectáculos noutros

locais.

Os outros dois informantes passaram já por esse circuito das Casas de Fado e

actualmente fazem alguns espectáculos em salas de maior dimensão tanto a nível

nacional como internacional, tendo iniciado as suas carreiras dessa forma,

acompanhando grandes nomes do Fado.

153

«(…)Se nós vamos lá fora fazer concertos e as pessoas se habituam a ouvir-nos nos palcos e a gostar tanto não é justo que cheguem a Lisboa e que não oiçam em boas condições as pessoas que vêm ouvir, portanto entrando numa Casa de Fados, pelo mais simples que seja…pode ser uma Casa de Fado simples, que não é uma Casa de Fados dita comercial mas pelo menos…o que se pretende minimamente é o que o guitarrista e o violista tenham os instrumentos afinados, que toquem de uma forma escorreita e que as pessoas que cantam…quem é amador e está a cantar solto…tudo bem…não tem responsabilidades mas quem já tem um pouquinho mais de responsabilidade tem que saber o que está a fazer porque…porque é uma imagem de marca(…)» - Fadista C.C. 154

«(…)foi melhor para os que já ganhavam e continua a ser igual para os que não ganhavam(…)» - Fadista J.M.

87

O interesse pela guitarra portuguesa ou pela viola surgiu nos meus informantes por

variadas razões, pois alguns conviviam com pessoas amigas ou familiares que tocavam

esses instrumentos, ao passo que o guitarrista C. começou a interessar-se pela guitarra

portuguesa por gostar muito de ouvir o Carlos Paredes, referindo ainda que esse

interesse se manifestou devido à sonoridade do próprio instrumento, e não tanto ao

Fado155

.

De uma maneira geral todos os músicos entrevistados por mim consideram que houve

uma evolução técnica na forma de tocar dos músicos, uma vez que antigamente as

pessoas aprendiam a tocar com familiares ou amigos, sendo referido pelo guitarrista

A.C. que na maior parte dos casos as pessoas que aprendiam a tocar eram filhos de

guitarristas.

Dessa forma, os músicos entrevistados consideram que os jovens têm actualmente um

outro tipo de preparação, podendo frequentar o conservatório e escolas de Fado,

podendo usufruir igualmente das novas tecnologias, ao contrário do que acontecia

anteriormente156

.

Os músicos consideram que esta nova forma de aprendizagem está a contribuir para o

aparecimento de imensos músicos jovens a tocar bastante bem157

, considerando por isso

que a guitarra portuguesa está a atravessar a melhor fase de sempre.

É também referido pelo guitarrista A.C. que em determinada altura chegou a pensar que

a guitarra portuguesa deixaria de ser tocada, uma vez que muitos guitarristas tinham

falecido e existiam poucos jovens a tocar esse instrumento, tendo sido um incentivo

para a abertura da sua própria escola de guitarra portuguesa158

.

155

«(…)interessei-me pela guitarra portuguesa por causa do som que o senhor Paredes tirava, o senhor Carlos Paredes…um génio não é? e então isso é que me levou para a guitarra portuguesa, não propriamente para o Fado(…)» - Guitarrista C. 156

«(…)Houve uma grande evolução porque hoje em dia praticamente todos os guitarristas e…a maior parte dos guitarristas, não digo todos mas muitos têm técnica de…estudam nos conservatórios que não havia nessa altura. Essa maneira de se aprender não é…nos conservatórios, na academia de amadores de música também…e têm portanto uma preparação musical que naquela altura a maior parte dos guitarristas não tinham(…)» - Violista F.A. 157

«(…)esta nova geração de músicos fabulosos…há aí miúdos a tocar tão bem, tão bem, já com formação de conservatório, com uma base forte em termos de formação musical e isso só trás uma mais-valia para o Fado e evidentemente é um processo evolutivo muito bom(…)» - Guitarrista S.P. 158

«(…)nós precisamos de uma escola de ensino para depois, daqui a dez, a duas décadas mais ou menos, termos professores à altura(…)» - Guitarrista A.C.

88

O Fado amador é encarado pelos meus informantes como uma fase necessária para

todos os que se tornam profissionais, e por isso essencial, sendo também uma forma de

se descobrirem novos valores.

Alguns músicos como o guitarrista C. referem também que por vezes o Fado amador se

sobrepõe ao profissional, devido ao facto de muitos proprietários de Casas de Fado não

necessitarem de contratar fadistas ou músicos profissional por não precisarem de pagar

aos que o fazem de forma amadora, acabando por prejudicar todos os que se dedicam a

esta arte de forma profissional159

.

Em relação ao facto do Fado ser ou não valorizado as opiniões variam, pois alguns

informantes, como o guitarrista A.C. referem que existem alguns amadores a cantar

bastante bem, sem pretenderem no entanto seguir a via profissional, ao passo que outros

consideram que não é valorizado porque muitas pessoas não apresentam qualidade a

nível vocal, no entanto todos os inquiridos consideram que são fases distintas de um

processo de aprendizagem ou evolução160

.

O Museu do Fado é encarado também de diferentes formas, pois se por um lado alguns

consideram que este veio desempenhar um papel importante na divulgação e

preservação do Fado, fazendo um bom enquadramento acerca da sua história,

mostrando-o nas suas diversas vertentes, desenvolvendo igualmente boas iniciativas,

outros consideram que o museu apresenta algumas lacunas na medida em que não

apresenta o Fado em todas as suas vertentes, nem dá a importância devida às Casas de

Fado, envolvendo-se demasiado no mediatismo que envolve esta canção actualmente161

,

sendo ele bastante recente e pouco representativo da sua história, como refere o

guitarrista S.P.

159

«(…)há gente sem escrúpulos que os mete porque assim evitam pagar os ordenados aos profissionais. Há profissionais em casa e amadores a cantar aqui e ali(…)» - Guitarrista C. 160

«(…)são campos distintos não é, o amador é um campo que não interfere com o profissional…só quando atingem depois um determinado patamar(…)» - Violista F.A. 161

«(…)Se as pessoas conhecerem a realidade das coisas, conhecerem aquilo que é o Museu do Fado e depois conhecerem a outra vertente…aquilo que são as Casas de Fado, vão ao Museu do Fado e veem muito pouco. Concluem que as Casas de Fado estão ali muito pouco representadas, e deviam estar muito mais porque as Casas de Fados têm um papel importantíssimo…têm tido um papel importantíssimo ao longo destes anos na divulgação do Fado, até porque o dito Fado espectáculo…esse Fado ou essa componente do Fado é uma coisa recentíssima, esse Fado espectáculo é uma vertente que o Fado adquiriu com este mediatismo todo que teve nos últimos tempos…nos últimos anos, nomeadamente com a Mariza, com o aparecimento de grandes novos nomes, o Camané…enfim…criaram…conseguiram criar uma pequena industria em volta do Fado(…)» - Guitarrista S.P.

89

Apenas um dos inquiridos não visitou o museu e por isso não tem uma opinião formada

acerca do mesmo.

3.2.6. Letristas

A letrista entrevistada referiu ter uma relação ambígua com o Fado, uma vez que apesar

de sempre ter escutado Fado em casa, e ter revelado uma progressiva aproximação a

este tipo de canção não o consegue definir em termos técnicos e artísticos162

.

Acerca do modo como compõe as letras para Fado a inquirida refere que o faz quando

alguém lhe pede, e que nesse processo não se serve de temas pensados previamente,

tentando acima de tudo perceber como a pessoa é e qual a sua história163

, aceitando por

vezes sugestões.

Sobre esta questão a letrista refere ainda que existe uma maior abertura ao nível das

temáticas abordadas no Fado, considerando que existe uma tentativa de se descobrir as

suas origens em termos musicais, considerando que existe uma matriz comum entre o

Fado e outros géneros musicais como a morna, o tango ou o flamengo164

, resultante da

convivência entre os diversos povos.

162

«(…)a ligação com o Fado também vai-se transformando com o tempo e a passagem daquilo que eu posso considerar ser o Fado como uma canção, para qualquer outra coisa que começou a ser misteriosa e que eu cada vez mais me sinto incapaz de definir ou de precisar(…)» - Letrista A.M. 163

«(…)eu componho quando alguém me pede, e portanto, não tendo temas na gaveta, também não sou eu que escolho os temas, isto é, eu tento perceber que tipo de disco é que é, muitas vezes sigo até as próprias sugestões, muitas vezes tenho conversas com as pessoas e da conversa com elas que eu percebo…muitas vezes não é o que elas gostariam de cantar, é o que é que eu sinto que elas e com a história delas…que o que eu vou fazer faz sentido, isto é, eu mais do que procurar um tema eu procuro chegar às pessoas e àquilo que elas são e às histórias delas(…)» - Letrista A.M. 164

«(…)o Fado tem características que são na minha opinião, algumas são superficiais…estão à superfície, não é superficiais, estão à superfície sobretudo na maneira de ornamentar, o que faz com que qualquer canção, a gente pode transforma-la num Fado…pode de facto…se é Fado ou não é, não sei mas realmente há essa possibilidade, mas depois há coisas muito mais profundas e aí, eu acho que esse profundo tem a ver até se calhar com tempos antes do próprio Fado não é, onde a nossa música era uma mistura até de encontros disto, que é esta Europa, disto que é este Mediterrâneo, desta cultura mediterrânica não é, que são anteriores até à formação dos países e essas marcas estão e eu acho que esse fundo é que é interessante vir ao de cima e pelo menos senti-lo(…)» - Letrista A.M.

90

A inquirida encara o Fado amador como algo importante e essencial, porque permitir

que as pessoas transmitam aquilo que lhes foi ensinado, podendo expressar-se

livremente e de forma espontânea, considerando esse o melhor lado de uma tradição, a

seu ver um pouco conservadora.

Sobre o amadorismo e a espontaneidade a inquirida refere ainda que tanto as escolas

como outras instituições (referindo o próprio Museu do Fado), tudo teriam a ganhar se

alterassem o seu método de ensino, através de uma aprendizagem ligadas à

espontaneidade, por considera-la base de tudo165

.

Acerca do Museu do Fado a letrista refere que só teve oportunidade de o visitar uma

única vez, não tendo por isso uma opinião formada, contudo considera que o museu

apresenta bastante documentação e toda a informação necessária sobre esta canção,

possuindo um bom arquivo bom em termos de registos, desenvolvendo também boas

iniciativas. Refere também que o Fado não teria sido reconhecido Património Cultural

Imaterial da Humanidade se não tivesse a ser desenvolvido um bom trabalho no Museu

do Fado.

Acerca da visita que fez ao museu a letrista refere que se recorda das fotografias

colocadas à entrada, referindo que gostaria de vê-las representadas com iguais

dimensões, por considerar que dessa forma estariam mais ligadas à estética das Casas de

Fado166

, contudo reconhece que é um museu relativamente novo, e que por isso não

165

«(…)acho que é uma escola à qual as escolas de música, sejam elas de música clássica ou outras teriam muito a aprender se se ligassem mais…como? Não sei, se calhar a ligação das escolas…quem diz as escolas diz as instituições como o Museu do Fado aos amadores, eu não sei qual será, mas terá que ser a mesma, acho eu, daquilo que são os encontros por exemplo, a que eu assisti muitas vezes e que se estão a perder, e que tenho muita pena, dos poetas populares, onde eles fazem as desgarradas e realmente só quem assistiu numa tarde a esses encontros de poesia popular percebe aquilo que eu estou a dizer, quer dizer, aquilo é o sangue a correr nas veias das coisas, é a base das coisas. É evidente que depois, que é a outra base que tem a ver mais com a escola e mais a ver com a aprendizagem também é fundamental não é, o ideal era conseguir conhecer as duas e perceber a importância de uma e de outra e sentir-se um bocadinho amador enquanto se é profissional e vice-versa(…)» - Letrista A.M. 166

«(…)tenho do museu uma imagem que é daquela entrada, com as fotografias não é, eu se calhar gostaria mais de ver aquele museu em termos de imagem a partir de um contexto que teria mais a ver com as Casas de Fado onde as fotografias dos fadistas estão todas por igual não é, dá-me um bocado a ideia de que aquela necessidade de pôr em tamanho maior os fadistas que segundo as opiniões deles serão os melhores…não sei se coaduna muito com aquilo que poderia ser o ambiente do Fado(…)» - Letrista A.M.

91

pode seguir nenhuma referência, por se tratar do primeiro museu dedicado ao Fado,

estando possivelmente sujeito a diversas pressões167

.

Quando a questiono acerca do museu apresentar ou não o Fado em todas as suas

vertentes, refere que por não ter uma relação próxima com o mesmo, não sabe se as

actividades desenvolvidas se aproximam mais do Fado amador ou profissional, contudo

pensa que o museu se devia descentralizar e criar raízes um pouco por todo o país168

.

3.2.7. Análise geral de questões extra-guião

Nas entrevistas realizadas pude perceber que existe uma cumplicidade no tipo de

linguagem utilizado pelos fadistas e músicos deste tipo de canção, uma vez que os

temas são pedidos aos músicos pelo nome da música ou pelo nome do autor, e não pelo

nome do poema, existindo também termos próprios que definem a velocidade a que o

Fado poderá ser tocado, sendo ainda referido que é utilizado o termo “tom” em vez de

“tonalidade”, utilizado por músicos de outros géneros musicais.

Pude também perceber que existem algumas expressões utilizadas para caracterizar o

modo como os fadistas cantam, definindo a qualidade das suas prestações.

Relativamente ao uso da cor negra e do xaile foi também possível observar que existe

uma maior descontração e uma maior variedade de cores utilizadas, algo que parece

estar associado ao facto de existirem muitos jovens a cantar ou a tocar Fado, havendo

assim uma modernização ao nível do vestuário utilizado. Apesar disso o xaile continua

167

«(…)é de facto um museu que começou bem, começou bem e acho que as pessoas que estão lá querem mesmo fazer um bom trabalho, agora, o mundo do Fado é um mundo que, para lá do Fado também há as pessoas, depois há as ligações que elas têm e normalmente as ligações de um grupo é contra um outro grupo. Eu sinto é…que pode também acontecer…que seja um museu que por razões diferentes acaba por afastar ou…não sei, eu acho que o mundo do Fado é um mundo também muito complicado, agora que o museu está a criar condições pelo menos para terem a informação necessária sobre o Fado, eu não tenho duvidas nenhumas sobre isso…que é pelo que o museu vive(…)» - Letrista A.M. 168

«(…)a grande aposta se calhar do museu seria ver este museu com raízes um pouco por todo o Portugal, isso seria uma aposta fundamental, não sei como nem com que meios, e eu acho que se isso acontecesse, seria se calhar uma forma mais dinâmica de encontrar alguns laços que estão distanciados do museu(…)» - Letrista A.M.

92

ainda a ser utilizado, no entanto alguns considerarem que este deveria ser mantido pelos

fadistas, como forma de demonstrar respeito por esta canção, uma vez que é encarado

como parte integrante de um ritual e símbolo deste tipo de canção.

Acerca do ambiente das Casas de Fado os entrevistados consideram que este se alterou

bastante, estando actualmente bastante ligado a uma vertente comercial e ao turismo,

uma vez que antigamente as casas eram frequentadas por muitos portugueses, havendo

noites de Fado até mais tarde.

Acerca do Fado que acontece em circuitos paralelos às Casas de Fado, os entrevistados

encaram-no de diferentes formas, e se por um lado alguns consideram que essa é mais

uma vertente do Fado, que ocorre noutros espaços performativos, sem desvirtuar essa

canção169

, sendo apenas introduzidas novas formas de cantar ou novos instrumentos,

outros consideram já que esse tipo de performance não pode ser encarado como Fado170

,

porque ocorre em salas de grandes dimensões e para um grande número de pessoas,

perdendo alguma autenticidade, e por isso os inquiridos consideram que esse tipo de

performance deve ocorrer nas Casas de Fado, onde o ambiente é intimista e não são

utilizados os artifícios técnicos que os grandes espectáculos envolvem171

.

169

«(…)dizer é uma lufada de ar fresco no Fado, é uma nova forma de cantar, sem o desvirtuar, cantado de outra forma, com inclusão de alguns instrumentos, o caso do contrabaixo, o acordéon e até mesmo a flauta e pronto…é uma forma diferente de ver Fado(…)» - Fadista profissional P.A 170

«(…)é uma espécie de espectáculo montado porque o Fado cantado é no seu sítio restrito, no seu ambiente, os seus sons, até o arrastar das cordas de um guitarra, de um viola, as respirações, tudo isso é que é Fado…as luzes, as expressões que se ouvem umas às outras, agora, os grandes espectáculos é o quê, é Fado? Não, é um espectáculo com Fado(…)» - Fadista profissional J.M. 171

«(…)há gostos para tudo, mas na realidade…se as pessoas quiserem mesmo Fado devem escolher uma casa pequena onde não haja aparelhagem nem microfone nem…porque o contacto é directo, é o contacto na mesa, é a forma de cantar para as pessoas, não para grandes auditórios, porque perde não é…no meu entender perde…pronto, é um tipo de espectáculo que realmente não se enquadra em grandes salas(…)» - Proprietário da Casa de Fado amador B.

93

3.3. O Museu do Fado e a candidatura a Património Cultural

Imaterial da Humanidade

Com base nas entrevistas realizadas à Directora do Museu do Fado e ao Presidente da

Comissão Cientifica da candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da

Humanidade, serão apresentadas no presente subcapítulo a análise e o comentário dos

dados recolhidos nas mesmas.

3.3.1. O depoimento da Directora do Museu do Fado - Dra. Sara

Pereira

Na entrevista com a Directora do Museu do Fado pude perceber que este foi pensado e

criado por haver a necessidade de se criar um espaço ligado à preservação desta canção,

tendo sido inaugurado em 1998, integrando desde o início uma escola.

Uma vez que existem diferentes teorias acerca das origens do Fado, a Directora refere

que o museu adoptou a teoria com maior credibilidade científica (Dr. Rui Vieira Nery),

referindo que o acervo existente no museu foi maioritariamente doado, sendo isso

encarado como um voto de confiança por parte da comunidade, com a qual o museu terá

criado uma relação bastante próxima, considerando a inquirida que essa proximidade é

essencial, na medida em que comunidade deve reconhecer-se e identificar-se com o

mesmo172

, participando inclusivamente da programação museológica, tendo sido por

isso criado um Conselho Consultivo constituído por varias personalidades do Fado, uma

associação e uma academia, com o objectivo de chegar à comunidade fadista, e às várias

gerações de artistas.

172

«(…)Foi um trabalho sempre numa relação muito próxima com a comunidade e se tivesse sido de outra forma eu creio que não teríamos conseguido este resultado, da consagração do Fado junto da UNESCO, de facto ficou muito claro para nós desde o início que só faria sentido…este museu seria tão mais pertinente quanto a comunidade fadista aqui se reconhecesse, aqui se identificasse, aqui se reunisse, partilhasse os seus saberes e se revisse neste museu, independentemente das questões do ego e das…que existe em qualquer meio artístico(…)» - Directora do Museu do Fado

94

Foi-me referido pela inquirida que a missão do museu consiste em preservar, investigar,

promover e divulgar essa canção através de exposições temporárias dentro e fora do

museu, centrando a sua investigação nos artistas mais relevantes do meio fadista,

construtores de guitarra portuguesa, considerando também a ligação do Fado a outras

artes.

O museu encontrasse direcionado a todo o tipo de público, mas também aos

estrangeiros, referindo a inquirida que a única especificidade que poderá existir será a

de receber bastante público que se encontra ligado ao meio fadista, desde artistas às

pessoas que gostam de Fado.

Acerca do projecto de recuperação do museu a inquirida refere que foram feitas

algumas alterações, tendo sido realizado no âmbito do Programa Operacional da Cultura

sendo o guião museológico da sua autoria, e o projecto de arquitectura do espaço da

autoria de António Viana. Nesse projecto foram revistas questões relacionadas com a

acessibilidade para visitantes com mobilidade condicionada, revistas as condições de

segurança ao nível da vídeo vigilância e outros pormenores técnicos, tendo sido também

realizadas algumas obras no espaço da restauração.

A Directora do museu refere também que ao nível do circuito museológico foram feitas

muitas alterações, tendo sido retirados elementos que tentavam recriavam o ambiente

das Casas de Fado, porque o visitante poderia ir às Casas de Fado reais173

. Ao nível da

exposição permanente quiseram apresentar obras que se relacionassem com esta canção,

de modo a estabelecer uma relação de diálogo entre o Fado e outras peças, fazendo

também o enquadramento histórico.

O som foi também retirado da exposição por se tratar de um espaço relativamente

pequeno, tendo sido adoptado um sistema de áudio guias no qual se podem ouvir Fados

e outros conteúdos relacionados com o acervo, sendo introduzidos postos de consulta

173

«(…)já não fazia sentido continuarmos a recriar os ambientes das Casas de Fado, a recriar a taberna, a recriar…a ter uma museografia que passasse pela cenografia e pela recriação de ambientes…já não fazia sentido, e sobretudo quando o visitante pode atravessar a estrada e ouvir, ver o Fado ao vivo e a cores. Quisemos também deixar claro que o papel do museu nesta interpretação do Fado é de um centro de interpretação, é de um convite à descoberta não é, e portanto, o museu deve assumir junto do visitante esta perspectiva de o convidar a descobrir o Fado num outro museu que existe lá fora e que é muito mais extenso e onde o Fado está presente, na Casa de Fados, na associação, enfim…na rua(…)» - Directora do Museu do Fado

95

com informação relativa a vários artistas, para que o visitante pudesse aceder ao acervo

que não se encontra exposto no museu.

A Directora do museu fala-me também da existência de um conjunto de postos

interactivos dedicados às Casas de Fado, nos quais o visitante pode pesquisar por zona,

ficando a conhecer as diferentes casas que existem, podendo inclusivamente identificar

quais as Casas de Fado profissional e quais as Casas de Fado amador174

, apresentando

igualmente outros espaços emblemáticos.

Ainda acerca das Casas de Fado a inquirida refere que a última sala da exposição

permanente é única zona do museu onde o som é emitido, tendo sido o local escolhido

para ilustrar o ambiente das Casas de Fado contemporâneas.

Acerca dos painéis presentes nos três pisos do museu a Directora refere que foram

criados com o objectivo de representar as figuras mais emblemáticas das diferentes

gerações de fadistas e músicos desta canção, pretendendo passar a ideia de família e

união entre todos, assumindo que não seria possível colocar todas as pessoas porque não

existiria espaço para tal, contudo refere que um artista que não se encontre lá

representado estará certamente presente no acervo do museu, ou em última instancia no

centro de documentação.

Ainda sobre os painéis a Directora refere que muitos artistas gostariam de se encontrar

lá representados, contudo quando o museu tenta estabelecer contacto com os mesmos,

ou recolher informação nem sempre consegue175

.

Relativamente ao facto de ser dada bastante visibilidade ao Carlos do Carmo no final da

exposição a Directora refere que tal acontece devido à sua importância na história do

Fado, fazendo uma paralelismo com o percurso artístico da Amália Rodrigues176

.

174

«(…)o visitante clica em Alfama e percebe imediatamente a quantidade de casas que há aqui e quais são as profissionais e as amadoras, onde é que pode ir, os sítios mais emblemáticos, a igreja de Santo Estevão, os repertórios associados à igreja de Santo Estevão…para a Mouraria, para o Bairro Alto a mesma coisa, portanto esta também é uma base de dados que é um work in progress permanente(…)» - Directora do Museu do Fado 175

«(…)Dou-lhe um exemplo de um artista…enfim, não vou dizer nomes, mas um artista menos conhecido do grande público, que ache que não está no painel…conheço esses casos…mas está com certeza no Centro de Documentação, na base de dados não é, e estará tão ou mais representado quanto mais informação nos der não é, isto é uma é uma questão na qual nós insistimos muito não é, porque há alguns artistas “ah, eu não estou aqui e tal”, mas se telefonarmos ene vezes não atendem, não estão, não dão fotografias e portanto, sem querer alimentar aqui nenhuma espécie de polémica, pelo contrário…enfim, faz parte(…)» - Directora do Museu do Fado

96

Acerca do serviço educativo a Directora refere que as actividades desenvolvidas se

encontram adaptadas aos diferentes tipos de público, existindo visitas guiadas e

temáticas, algumas especificamente direccionadas a um público em idade escolar,

existindo também as visitas cantadas dirigidas ao público em geral, e as visitas dançadas

direccionadas a um público mais específico, havendo ainda leituras de poesia dirigidas a

um público sénior, e os ateliês de Fado para as crianças onde são construídas marionetas

relacionadas com este tipo de canção.

No âmbito da candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade, e

porque o museu considera que o conhecimento deve ser transmitido pelos próprios

artistas, foram desenvolvidas algumas acções como levar fadistas às escolas177

.

Como tinha sido também referido, o museu dispõe de uma escola onde são leccionados

cursos de guitarra portuguesa, viola e seminários de canto e escrita criativa para Fado,

sendo desenvolvidas algumas parcerias com conservatórios, havendo também a

colaboração com a escola por parte de várias pessoas, como Julieta Estrela, ligada à

Casa de Fado O Fado Maior e pertencente também à Associação Portuguesa dos

Amigos do Fado.

O museu dispõe ainda de uma biblioteca e de centro de documentação onde podem ser

consultados periódicos, repertório de poetas populares e eruditos, fotografias,

documentação profissional, correspondência, cartazes e partituras.

Acerca das alterações ocorridas depois do Fado ter sido considerado Património

Cultural Imaterial da Humanidade a Directora refere que o Fado é encarado de outra

forma e que a nível nacional é demonstrado um maior interesse em apresentar

exposições acerca do Fado, conferências e programas, e que existem mais pessoas a

176

«(…)Ao longo da exposição nós destacamos a Amália, pioneira na internacionalização do Fado…quer dizer, não há qualquer margem de dúvidas, e destacamos o Carlos do Carmo naturalmente…quer dizer…e depois vamos para a sala dos novos…da nova geração. Continuamos a ouvir, temos o Camané, temos a Mariza(…)» - Directora do Museu do Fado 177

«(…)Cada vez mais estamos a apostar em levar artistas às escolas, a Mariza por exemplo foi dar aulas na Escola Luísa de Gusmão no ano passado e foi um êxito, os alunos nunca estiveram tão silenciosos…ainda cantou e algumas alunas cantaram também, portanto estamos muito insistentes em levar os artistas à comunidade escolar porque são os artistas que tem que passar este conhecimento não é, nós sobre isso…o papel do museu e a visão do museu é muito clara, são os artistas que tem de passar este conhecimento, é aliás a visão também da UNESCO não é…não são os investigadores, os doutores, não, são os artistas os detentores do conhecimento e os responsáveis pela sua transmissão e nós criamos os meios para que essa transmissão aconteça nas melhores condições(…)» - Directora do Museu do Fado

97

estudar o tema, referindo também que os artistas que já não trabalham no circuito das

Casas de Fado sentem algumas mudanças porque existe uma maior facilidade em chegar

ao exterior178

.

A Directora refere também que o plano de salvaguarda está a ser desenvolvido desde

2010, seguindo cinco áreas programáticas179

, estando toda a informação disponível no

site do Museu do Fado.

O Fado amador é encarado pela mesma como algo bastante importante para a história

do Fado, uma vez que esta canção começou a ser realizada dessa forma, referindo que o

circuito das colectividades e associações é bastante importante, e contribui para que

muitas pessoas posteriormente frequentem Casas de Fado180

.

A inquirida considera também que a diferença entre Fado amador e Fado profissional é

difícil de definir181

, no entanto pude constatar que encara as Casas de Fado amador e

profissional de forma diferente, considerando que as pessoas que frequentam as casas as

escolhem consoante o tipo de ambiente que procuram, e por isso considera que as

pessoas envolvidas no circuito das Casas de Fado não deveriam dar tanta importância a

questões relacionadas com concorrência, porque o tipo de performance que ocorre é

diferente182

, no entanto pensa que deveria existir uma maior fiscalização, no sentido de

todas as casas funcionarem segundo as mesmas regras.

178

«(…)Eu diria…ao nível económico, se quiser, são dados que ainda não temos não é, ainda não temos mas eu acho que, enfim, dos artistas, se calhar…enfim, os artistas que já saíram das Casas de Fado não é…o feedback que tenho é que tem tido muito, muito…sentem a diferença não é, que isto veio dar e que tem muito mais facilidade em chegar lá fora(…)» - Directora do Museu do Fado 179

«(…)este reconhecimento pressupõe um plano de salvaguarda que o museu está a desenvolver desde 2010 e que se estenderá aos próximos anos e que se orienta nas tais cinco áreas programáticas, a rede de arquivos, o arquivo digital, o programa educativo, o programa editorial e os roteiros de Fado(…)» - Directora do Museu do Fado 180

«(…)o Fado amador, eu acho…teve um papel na história do Fado fundamental, é aqui que começa não é, é daqui que saem depois para as casas profissionais muitas vezes, estas redes de colectividades e de associações que há pelo país inteiro…falamos de milhares, de dezenas de milhares de associações e de colectividades…um circuito que continua a alimentar o Fado, que continua a cultivar o Fado e de onde vem um grande publico que depois em Lisboa vai às Casas de Fado, portanto, são circuitos muito importantes para alimentar todo este sector(…)» - Directora do Museu do Fado 181

«(…)o que é um fadista amador e o que é um fadista profissional? Profissional é o que já gravou um disco? Já gravou dois? Mas…profissionalmente só canta? Faz outras coisas? A fronteira não é muito clara(…)» - Directora do Museu do Fado 182

«(…)São coisas…quem…o público…há espaço para tudo, há oferta para tudo não é, há procura, quer dizer, há procura para tudo. Há quem queira…um jovem, um grupo de jovens que quer falar, quer fazer barulho, se calhar quer ir beber um copo e ouvir um Fado amador e o mesmo grupo de jovens se estiver noutra onda, se estiver mais…pode querer ir ouvir um Fado mais sério não é. Acho que há espaço para

98

A Directora do museu considera que o Fado amador se encontra representado no museu

porque as casas aparecem no roteiro de Casas de Fado, tal como os Grupos Desportivos,

tendo sido desenvolvido um projecto183

junto das colectividades com as quais o museu

diz manter uma boa relação desde a sua abertura.

É referido também pela inquirida que a programação do museu recebe colaboração das

Casas de Fado e que estabelece uma relação cordial e de proximidade com as mesmas,

mencionando que a proprietária do Fado Maior dá aulas na escola do museu, e que

outras pessoas pertencentes a algumas Casas de Fado, como o Marco Rodrigues da

Adega Machado ou o António Guerreiro do Faia costumam colaborar com o mesmo.

Ainda sobre a relação que o museu desenvolve com as Casas de Fado a Directora refere

que se encontra em desenvolvido o projecto “Fado à Mesa” patrocinado pela

Associação de Turismo de Lisboa, numa relação de parceria com a Agência Única, e

que esse projecto visa a promoção e requalificação das Casas de Fado ao nível da

gastronomia, do serviço, da comunicação, arquitectura, iluminação, segurança e

eventuais questões burocráticas que possam existir de modo a que a divulgação dessas

casas possa ser feita com garantia de qualidade184

.

Questionada sobre a importância das “Grandes Noites do Fado” a Directora do museu

considera que foi bastante importante para as todas as pessoas que cantavam em

colectividades, realçando o seu papel na história do Fado, referindo que apesar disso o

evento deixou de ser organizado, devido à morte de José La Feria, e nesse sentido pensa

tudo e acho que devíamos investir mais energia na resolução dos problemas que se colocam hoje às Casas de Fado, mesmo às casas amadoras, e menos nesta concorrência que não faz…não vejo que os espaços amadores ameassem as casas profissionais, são coisas completamente diferentes não é. É como dizer que uma Zara ameaça uma marca muito melhor, quem quer a marca melhor não vai comprar…não é, são coisas diferentes e se calhar quem compra a marca melhor também compra a Zara…estou a dar…são coisas diferentes(…)» - Directora do Museu do Fado 183

«(…)Fizemos este programa de que lhe falava há pouco…foi a nível nacional, portanto com a Confederação portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio, Desporto…que agora com…a nível nacional, portanto todas as distritais não é, e portanto temos uma ligação óptima com esse sector associativo e…das colectividades, desse universo das colectividades e do Fado amador(…)» - Directora do Museu do Fado 184

«(…)A nossa intenção é que depois deste projecto possamos promover com a garantia de que estamos a promover o melhor que há na cidade…estes espaços que estamos a promover e a dar-lhes a visibilidade que eles precisam(…)» - Directora do Museu do Fado

99

que provavelmente não voltará a ser realizado, uma vez que ele era o mentor185

do

mesmo.

Acerca do espólio relativo a este evento a Directora refere que o museu dispõe de

poucos elementos, e que a própria Casa da Imprensa não terá feito registos ou gravações

do mesmo, no entanto pensa que poderá existir algum espólio pertencente a Esmeralda

Amoedo (primeira vencedora das “Grandes Noites do Fado”) ou ao Camané e Ricardo

Ribeiro.

3.3.2. O depoimento do Presidente da Comissão Cientifica da

candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade – Dr.

Rui Vieira Nery

Na entrevista com o Presidente da Comissão Cientifica da candidatura do Fado a

Património Cultural Imaterial da Humanidade pude perceber que o Fado não terá

existido em Lisboa antes de 1820/1830, e por isso algumas das teorias acerca das

origens do Fado que pretendem antecipar essa data não apresentam credibilidade

científica, nem se baseiam na documentação e fontes históricas existentes.

Segundo o Dr. Rui Nery, esta canção estabelece uma relação directa com o Fado

documentado no Brasil, uma vez que esse modelo terá sido combinado com outras

tradições musicais presentes em Lisboa, referindo também que esta canção se manteve

sempre em constante mutação, e por isso não se pode considerar que tenha existido um

Fado em estado puro num determinado momento da sua história186

.

185

«(…)o evento deixou de se fazer e é uma pena. Com o José La Féria havia um grande amor à camisola, uma grande paixão, uma grande dedicação e às vezes mesmo eventos desta importância…a sua realização é feita nestas condições, portanto, duvido que apareça outro José La Féria, que não vai aparecer…mas tenho pena que tenha acabado…se não voltar a acontecer eu terei pena(…)» - Directora do Museu do Fado 186

«(…)portanto acima de tudo aquilo que é preciso na história do Fado, é nós não partirmos do princípio que aquilo que hoje conhecemos como Fado sempre foi Fado. Há muita coisa em que o Fado foi mudando, aliás a primeira lição que a história do Fado nos dá é que ele esteve sempre a mudar, não há um Fado puro em nenhum momento e portanto não podemos tomar por garantido que as

100

O inquirido refere também que foi o autor dos dois guiões museológicos iniciais do

Museu do Fado, tendo sido utilizada na primeira versão uma visão mais tradicional

baseada na exibição de objectos, terminando a visita ao museu numa sala que tinha

como objectivo recriar o ambiente das Casas de Fado, ao passo que na segunda versão

essa recriação foi substituida pela projecção de vídeos captados em Casas de Fado reais,

apresentando um menor número de objectos, e uma maior quantidade de conteúdos

interactivos a partir do uso da nova tecnologia, referindo que a escolha dos conteúdos

em cada núcleo são da responsabilidade da equipa técnica e da Directora do Museu do

Fado.

Acerca da candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade o

inquirido refere que foi o Presidente da mesma, sendo a comissão formada pela Dra.

Salwa Castelo-Branco e pela Dra. Sara Pereira, e que todo esse trabalho permitiu reunir

muita informação, investigar novas fontes, fazer inventários, entrevistar muitas pessoas

do meio fadista, e criar um espirito de união com a comunidade, referindo também que

independentemente do Fado ter sido reconhecido enquanto Património Cultural

Imaterial da Humanidade houve uma maior exposição internacional do Fado e isso

originou um maior interesse por esta canção, tendo-se refletido num maior número de

convites a músicos e fadistas para a realização de eventos ou espectáculos no

estrangeiro.

Em seu entender esse reconhecimento gerou também um maior consenso nacional

relativamente a esta canção, e por isso a maioria das pessoas considera actualmente que

o Fado faz parte da identidade portuguesa, referindo contudo que não existe uma maior

responsabilidade por parte dos artistas envolvidos neste meio porque parte do principio

de que tudo deve ser sempre feito da melhor forma possível187

.

O inquirido refere também que a responsabilidade recairá sob o estado português,

porque este terá que preservar esse património, e por isso o museu deve ser mantido e

alargado, alertando também para o facto das Casas de Fado necessitarem de apoio

características que nós hoje identificamos com o Fado tal como ele é praticado nos nossos dias sejam aquelas que caracterizaram sempre o Fado a cada momento(…)» - Presidente da Comissão Cientifica da Candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade 187

«(…)Eu acho que os artistas, os poetas, os compositores fazem aquilo que têm que fazer por uma questão de consciência artística, de integridade artística, não precisam de estímulos exteriores para cantarem bem, tocarem bem, comporem bem, escreverem bem poemas(…)» - Presidente da Comissão Cientifica da Candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade

101

porque atravessam algumas dificuldades, e nesse sentido deviam existir estímulos

fiscais capazes de garantir a qualidade dos serviços, uma vez que continuam a

desempenham um papel importante neste meio188

.

O Fado amador é também encarado de duas formas, pois o inquirido reconhece que a

espontaneidade com que acontece em ambientes informais é algo positivo, e que se

relaciona muito com o modo como Fado acontecia antes da profissionalização, no

entanto considera que essa vertente se mantém muito conservadora, tradicionalista e

repetitiva.

O inquirido considera também que as Casas de Fado amador poderão colocar em risco

as casas que cumprem todas as normas, por considerar que os direitos de autor

geralmente não são respeitados, ao passo que numa Casa de Fado profissional as

autorias dos Fados cantados têm que ser declarados e pagos os direitos, considerando

por isso que deveria ser desenvolvida regulamentação de forma que o Fado acontecesse

de um modo mais vantajoso para todos189

.

Acerca do Fado amador se encontrar ou não representado no Museu do Fado o autor do

guião refere que muitos artistas desenvolveram a sua carreira em ambientes informais, e

que por isso o Fado amador se encontra lá representado, no entanto considera que os

protagonistas do género são geralmente artistas profissionais, sendo por isso os mais

destacados no museu.

O autor do guião considera também que este interage bastante com as Casas de Fado e

que as representa, na medida em que tem editado guias relativos às casas e é um espaço

onde os fadistas que cantam nesse circuito podem lançar os seus discos, contudo e

188

«(…)a meu ver deveria haver uma responsabilidade no sentido de um maior apoio aos espaços de apresentação de Fado…as chamadas Casas de Fado que apesar de tudo continuam a ter um papel muito importante neste circuito…têm problemas graves, não têm estímulos fiscais adequados para garantir em muitos casos uma boa qualidade da prestação artística, e portanto acho que devia haver no âmbito da politica económica alguma atenção especial ou estimulo a esta actividade(…)» - Presidente da Comissão Cientifica da Candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade 189

«(…)esta apropriação sem contrapartidas do trabalho das pessoas obviamente que é preocupante, e mais ainda, põe em risco as Casas de Fado que cumprem as obrigações e que têm esses custos adicionais, portanto eu acho que há um bom senso de equilíbrio...que tem que existir no sentido de não coibir a abertura e o funcionamento desses espaços do Fado Vadio mas de encontrar algum tipo de regulamentação que permita salvaguardar todos os direitos envolvidos(…)» - Presidente da Comissão Cientifica da Candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade

102

porque se trata de um museu de administração pública, não poderá ter finalidades

comerciais, devendo fomentar única e exclusivamente a actividade artística190

O inquirido considera também que as “Grandes Noites do Fado” se encontram

devidamente referenciadas no museu porque segundo ele existe muita informação

relativa ao evento nos postos interactivos, considerando contudo que o evento perdeu

bastante importância, porque o Fado acontecia maioritariamente no circuito das Casas

de Fado e das colectividades ,e neste momento a vida associativa e comunitária nos

bairros típicos alterou-se, logo os veículos de profissionalização são outros191

.

190

«(…)essa colaboração tem que separar muito bem aquilo que é o estimulo à actividade artística do Fado e aquilo que é o negócio do Fado, que é muito respeitável e tem que existir…sem isso não poderiam existir essas estruturas que são fundamentais mas portanto, o museu tem que separar bem a área em que pode intervir ou não, mas acho que o universo das Casas de Fado está, quer as do passado quer as actuais, acho que está bem representado no museu(…)» - Presidente da Comissão Cientifica da Candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade 191

«(…)era diferente na altura em que o Fado estava contido na rede das Casas de Fado e nas colectividades amadoras, e portanto a “Grande Noite do Fado” era uma maneira de os jovens fadistas se revelarem e depois até entrarem no circuito das Casas de Fado a seguir. Mas num momento em que o meio do Fado começa a ter outros veículos de profissionalização, em que as pessoas aparecem muitas vezes já fora do circuito das Casas de Fado, gravam directamente o seu primeiro disco, entram num circuito de espectáculos…portanto o veículo de revelação que era a “Grande Noite do Fado” tende a ser menos importante do que era(…)» - Presidente da Comissão Cientifica da Candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade

103

3.4. Propostas de reprogramação do Museu do Fado

3.4.1. Posto interactivo “As Grandes Noites Do Fado”

Tento em conta as entrevistas realizadas a um grande número de informantes

directamente ligados ao Fado, compreendi que o evento “Grandes Noites do Fado”

realizadas em Lisboa e no Porto, apesar de não terem actualmente a importância que

tinham anteriormente, tiveram um papel bastante importante na história desta canção,

especialmente para todas as pessoas que de forma amadora desenvolviam esta arte.

Nesse sentido, e por se encontrar pouco referenciado no museu (ao contrário do que

refere o autor dos guiões museológicos), tendo em conta que o museu possui poucos

elementos relativos ao mesmo (como refere a Directora do museu), considero que se

deveria reunir acervo, sendo para isso necessário entrar em contacto com os vários

participantes e vencedores das várias edições, com a Casa da Imprensa, com o Montepio

Geral, com a Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio, e com a

RTP, com intuito de se desenvolver um posto interactivo dedicado a esse evento.

Esse posto seria assim composto pela descrição do evento, as suas origens, por algum

espólio recolhido junto dos vários participantes e outras entidades, como registos

audiovisuais (no caso de existirem), artigos e periódicos, tal como uma base de dados

relativa aos muitos participantes que por lá passaram e respectivos vencedores,

contendo alguns dados biográficos, e respectiva discografia (no caso de existir).

O menu deveria ser bilingue (português e inglês) e estar organizado por ordem

cronológica, possibilitando a pesquisa por ano de edição do evento, ou nome do

intérprete.

104

3.4.2. Inventário de todas as Casas de Fado amador e profissional

de Lisboa e Posto interactivo “ O Fado em Lisboa”

Com base nas entrevistas realizadas aos muitos informantes deste meio, e com base na

análise ao conteúdo programático do Museu do Fado foi possível reconhecer que as

Casas de Fado se encontram mal representadas nas suas diversas vertentes, uma vez que

o roteiro de Casas de Fado192

, publicado em 2001, não se encontra actualizado, e os

postos interactivos não representam minimamente esse circuito, apesar de ser referido

pela Directora que as Casas de Fado se encontram lá representadas. No entanto

podemos observar que se encontram lá representadas num número bastante reduzido,

tendo em conta a quantidade de casas existentes em Lisboa, sendo também apresentadas

apenas três Casas de Fado profissional na ultima sala do museu.

Nesse sentido e por constatar que muitos dos envolvido neste meio consideram que o

museu privilegia algumas Casas de Fado, uma vez que apenas algumas se encontram lá

representadas, seria importante dedicar um posto a todas as Casas de Fado existentes, de

modo a que os visitantes pudessem saber em que locais se pode ouvir Fado, e que

músicos ou fadistas poderá ouvir (no caso das Casas de Fado profissional).

Para a elaboração desse posto deveria fazer-se um inventário de todas as Casas de Fado

existentes em Lisboa, e tentar estabelecer uma relação de parceria com as mesmas, no

sentido de obter a informação necessária para tal, sendo esse posto composto por uma

lista detalhada de todas as Casas de Fado amador e profissional presentes em Lisboa,

disponibilizando informação relativa à sua localização.

O menu estaria organizado por ordem alfabética, sendo possível pesquisar por Fado

amador ou profissional, nome do estabelecimento ou zona, podendo disponibilizar um

pequeno texto descritivo do local, sua história, programação e pequena biografia de

músicos e fadistas residentes (no caso das Casas de Fado profissional), sendo o menu

apresentado em formato bilingue (português e inglês).

192

AAVV – Roteiro de Fado de Lisboa. Lisboa: EBAHL/CML, 2001

105

Essa informação e programação deveria ser criteriosamente organizada e actualizada

regularmente, viabilizando o potencial turístico, contribuindo para uma maior

sustentabilidade cultural da cidade de Lisboa.

Esse projecto deveria também ser alargado posteriormente a todas as Casas de Fado do

país, de modo a criar uma relação de comunicação entre o museu e a todas as Casas de

Fado nacionais, mostrando também em que locais se poderá ouvir Fado fora de Lisboa.

Em relação à projecção que pretende mostrar uma imagem contemporânea das Casas de

Fado de Lisboa, e uma vez que apenas três de Fado profissional se encontram lá

representadas, penso que seria importante registar também o modo como este acontece

nas Casas de Fado amador, contudo penso que seria preferível obter registos num local

neutro, como o próprio museu, no sentido de não privilegiar determinadas casas, tendo

em conta que possivelmente não seria possível obter registos de todas as casas

existentes.

3.4.3. Realização de encontros regulares com proprietários de

Casas de Fado

No decorrer das entrevistas realizadas aos diversos proprietários de Casas de Fado, foi

também possível compreender que não existe uma grande interacção entre o museu e as

Casas de Fado, apesar de ser referido pela Directora do museu que a programação é

feita com a colaboração das mesmas. Contudo, e uma vez que entrevistei variados

proprietários das Casas de Fado amador e profissional, pude perceber que o único

contacto estabelecido com as casas é feito através do envio de convites para todas as

actividades organizadas pelo museu, sentindo-se por isso uma grande incongruência, e

por isso considero que seria da maior importância criar encontros ou reuniões com os

proprietários das casas, no sentido de estabelecer uma maior interacção com as mesmas,

ouvir o que os proprietários têm a dizer e identificar os problemas que actualmente

atravessam, uma vez que sempre desempenharam um papel importante na história do

Fado, e sem elas o Fado possivelmente não se teria mantido até aos dias de hoje.

106

Não posso no entanto deixar de referir o projecto que se encontra em desenvolvimento,

e que pretende requalificar as Casas de Fado de Lisboa (“Fado à Mesa”), considerando

que esse projecto irá certamente contribuir para que todas as casas funcionem melhor e

de igual forma, no que diz respeito a taxas, impostos e licenças que possam ser

aplicadas, resolvendo assim alguns dos problemas que parecem existir entre as Casas de

Fado amador e profissional.

3.4.4. Sector de exposição permanente centrado no Fado amador -

“O Outro Fado”

Foi-me também possível compreender no decorrer das entrevistas realizadas a diversas

pessoas envolvidas no meio fadista, e no decorrer da análise do conteúdo programático

do museu, que este destaca apenas os artistas mais conceituados, da actualidade e de

outros tempos, tanto ao nível dos postos interactivos como em termos de concertos ou

exposições temporárias, não referenciando devidamente o modo como todos os artistas

profissionais iniciam o seu percurso ou o modo como ocorre na actualidade.

Nesse sentido deveria ser preparado um sector de exposição permanente centrado no

Fado amador, uma vez que este se encontra pouco representado, afastando a ideia que

muitas pessoas partilham, de que o museu é um espaço elitista e demasiado ligado a

certas personalidades.

Para a sua elaboração seria necessário chegar até essas pessoas, conhece-las e convidá-

las a fazer parte deste projecto, conhecer as suas histórias, saber quando começaram a

gostar de Fado e de que forma passaram a integra-lo nas suas vidas, podendo

inclusivamente elaborar-se posteriormente uma exposição dedicada ao Fado profissional

que ocorre nos circuitos das Casas de Fado de Lisboa, com o intuito de dar a conhecer

os fadistas e músicos que apenas trabalham nesse circuito, e que são, de certa forma

“desconhecidos” da maior parte das pessoas.

107

Paralelamente a estes projectos poderia ser desenvolvido um projecto-piloto relativo à

criação de uma base de dados aberta, e direcionada a todos os fadistas e músicos,

amadores e profissionais que assim o desejassem, qualificando essa recolha de

informação como parte integrante do património, podendo também conter entrevistas

feitas, fotografias e som.

Esse projecto-piloto serviria para desenvolver uma estratégia de trabalho e ver de que

forma as pessoas estariam interessadas em participar e interagir com o museu,

permitindo posteriormente alargar a informação contida na base de dados, e criar laços

entre o museu e a comunidade, ouvir as suas opiniões e pareceres, promovendo

igualmente valores de salvaguarda em relação a este património.

Seria também uma forma de complementar o posto interactivo já existente no museu,

que como vimos destaca apenas os artistas mais conhecidos actuais e de outras épocas,

na grande maioria profissionais.

3.4.5. Ciclo de Noites de Fado com fadistas representativos dos

vários Bairros Típicos de Lisboa

Foi-me possível perceber que muitos dos envolvidos neste meio consideram que o

museu apenas desenvolve actividades ou concertos com fadistas e músicos profissionais

ou já consagrados, e nesse sentido penso que seria importante organizar um ciclo que

composto por noites de Fado ao ar livre (durante o verão) com variados fadistas e

músicos pertencentes aos vários bairros típicos de Lisboa, com o intuito de dar a

conhecer as pessoas envolvidas neste meio, de forma amadora ou profissional.

Este ciclo contribuiria para uma maior partilha e convívio entre pessoas de diferentes

proveniências, tanto de Fado amador como de Fado profissional, e que certamente

frequentam diferentes Casas de Fado, estimulando e dinamizando o funcionamento do

museu.

108

Este ciclo seria realizado no Largo do Chafariz de Dentro, semanalmente ou

quinzenalmente durante a época de verão, e cada noite de Fados seria dedicada a um

bairro típico de Lisboa (Bairro Alto, Alfama, Mouraria, Castelo e Sé, Madragoa, Graça).

Ao nível da divulgação seria aconselhável a elaboração de folhetos informativos,

distribuídos pelas várias Casas de Fado e por todo o centro de Lisboa, disponibilizando

também informação relativa ao evento no site oficial do museu e nas juntas de freguesia

dos diferentes bairros.

3.4.6. Posto interactivo “Museu do Fado” nas Casas de Fado

amador e profissional de Lisboa

No seguimento das entrevistas aos proprietários de Casas de Fado, fadistas, músicos e

letristas, e por ter frequentado diversas casas senti a necessidade de fazer um

enquadramento em relação ao papel que as estas desempenharam na história do Fado,

divulgando a sua história nos locais onde se cria e recria essa arte, contribuindo para que

muitas pessoas ficassem a saber um pouco mais acerca desta canção, de como se

desenvolveu e que dificuldades atravessou.

Nesse sentido seriam criados pequenos postos interactivos (um pouco à semelhança das

molduras electrónicas) a serem expostos no interior das Casas de Fado amador e

profissional de Lisboa, contendo informação relativa à história do Fado e da guitarra

portuguesa, mas também acerca do Museu do Fado, do seu acervo, programação e

serviços, havendo assim uma divulgação do museu em relação às Casas de Fado e vice-

versa.

109

CONCLUSÃO

110

Os objectivos traçados inicialmente permitiram compreender o modo como o museu é

encarado pela comunidade fadista, confirmando a pertinência do objecto de estudo e a

urgência em alterar o modo como a acção museológica é desenvolvida, apesar de

existirem alguns projectos em desenvolvimento no âmbito do reconhecimento do Fado

enquanto Património Cultural Imaterial da Humanidade (“Fado à Mesa”).

Como se tornou possível verificar a comunidade encara o Museu do Fado de duas

formas: se, por um lado, alguns membros da comunidade consideram que o museu

cumpre com as suas funções, promovendo e valorizando o Fado, permitindo também

que se saiba a sua história e o modo como evoluiu até aos dias de hoje, outros

consideram-no bastante elitista, na medida em que se encontra demasiado ligado a

certas personalidades, apresentando apenas algumas Casas de Fado, privilegiando

alguns segmentos, difundindo assim uma visão incoerente do meio.

Numa análise detalhada ao Museu do Fado pude confirmar algumas dessas questões

uma vez que foi possível identificar algumas falhas ao nível dos postos interactivos e

dos registos em formato vídeo relativos aos espaços performativos, uma vez que apenas

algumas Casas de Fado se encontram lá representadas, estando os espaços que se

dedicam ao Fado amador muito pouco representados.

As Casas de Fado não possuem também o enquadramento histórico que poderiam ter e

nesse sentido seria uma mais-valia desenvolver estratégias que permitissem divulgar a

história do Fado, promovendo ao mesmo tempo o museu existente dedicado a essa

canção.

Também o concurso as “Grandes Noites do Fado” se encontra pouco representado

devido ao facto de existir pouco acervo relativo ao mesmo dentro do museu, contudo, e

uma vez que desempenhou um papel bastante importante na história do Fado deveria

ocupar um lugar de maior destaque dentro do mesmo, e nesse sentido o museu poderia

entrar em contacto com os participantes, vencedores e entidades envolvidas na

realização do evento com o intuito de reunir mais documentação, de forma a

complementar a existente.

Relativamente aos fadistas que cantam actualmente de forma amadora é possível

também observar que apresentam muito pouca relevância dentro do museu, tanto ao

111

nível do acervo como de iniciativas realizadas. No caso do Fado profissional os artistas

que assumem maior destaque são também os mais consagrados, sendo por isso pouco

representativo do meio.

Nesse sentido, e uma vez que o Fado é uma forma de expressão viva, em constante

recriação, manifestando-se de diversas formas e em múltiplos contextos, é necessário

desenvolver medidas de salvaguarda e de apoio que abranjam todas as suas vertentes de

igual forma, e para tal torna-se urgente apoiar e divulgar as Casas de Fado, uma vez que

desempenham um papel fundamental na salvaguarda do mesmo, enquanto espaços

performativos onde a maior parte dos fadistas e músicos de Fado criam e recriam

diariamente a sua arte.

Para tal será também importante dialogar e prestar o apoio necessário, para que todas as

casas se possam reger pelos mesmos princípios, cumprindo com o pagamento de todas

taxas e licenças necessárias, de modo a que a concorrência se torne mais justa entre

todos e se crie uma relação mais salutar entre as casas.

Considerando também que o museu pretende ser encarado como a casa de todos os

fadistas e músicos de Fado, devem desenvolver-se iniciativas mais abrangentes,

estabelecendo uma relação de parceria com a comunidade, envolvendo assim todas as

pessoas ligadas a esse universo, democratizando as fontes de pesquisa, pois só desse

modo se poderá compreender a dinâmica do território em que o museu se insere, e se

poderá identificar e apresentar o Fado em todas as vertentes, tanto o amador como o

profissional, das pessoas anonimas às consagradas, uma vez que o sentimento que as

une é transversal.

Para alcançar esses objectivos o museu deve centrar-se na análise e interpretação da

prática e vivência quotidianas, direcionando a sua atenção para as pessoas que se

encontram diariamente ligadas ao meio fadista. O museu deverá mostrar-se sensível às

suas necessidades, e desenvolver novas formas de actuar, utilizando todos os recursos

disponíveis, de modo a responder aos reais problemas dos detentores do património e

dos espaços performativos. Desse modo será possível reunir acervo de carácter

dinâmico e produzir documentação relativa ao mesmo, como bases de dados e

inventários, qualificando os dados obtidos na pesquisa, pesquisa essa que deverá ser

feita de modo constante e regular.

112

As exposições devem ser o resultado de todo o trabalho desenvolvido com e para a

comunidade, mostrando aquilo que melhor a identifica e caracteriza, de modo a toda a

comunidade fadista se sinta lá representada e envolvida na acção museológica,

contribuindo para uma multiplicidade de leituras, estimulando a salvaguarda do seu

próprio património.

Desse modo o museu deve servir-se da memória colectiva como recurso para a

realização de acções integradas e interactivas, e desenvolver projectos dentro e fora do

seu espaço físico, criando parcerias de mãos dadas com a comunidade, utilizando

códigos comuns acessíveis a todos, num compromisso comunitário e museológico.

A acção museológica não deve deixar de estabelecer ligações com o passado ou com

outras áreas, contudo deve centrar-se na contemporaneidade, focando o seu discurso no

presente e nas práticas culturais do grupo, ligadas à preservação, identificação,

documentação e comunicação, promovendo a participação, devendo criar igualmente

um sistema que permita avaliar a eficácia das acções desenvolvidas, e dos serviços

prestados à comunidade, agendando reuniões periódicas que permitam ouvir o que as

pessoas têm para dizer, sempre numa relação de partilha, cooperação e troca de ideias.

Assim, podemos concluir que só através da democratização das fontes de pesquisa e do

diálogo permanente com a comunidade, se poderá responder às suas necessidades,

desmistificar a acção museológica, estimular e promover a apropriação e reapropriação

do património, fomentar o respeito pelas múltiplas realidades contemporâneas dentro de

um mesmo universo artístico, de modo a ampliar e abraçar um património que se

apresenta riquíssimo, contribuindo para uma consciencialização maior relativamente ao

seu valor.

Sem alcançar estas metas o Museu do Fado não terá razão de existir.

113

BIBLIOGRAFIA

114

AAVV – Encontro Museus e Educação. Lisboa: Instituto Português de Museus, 2002

AAVV – Práticas e Métodos de Investigação em Ciências Sociais. Lisboa: Gradiva,

2005 (Trajectos)

AAVV – Roteiro de Fado de Lisboa. Lisboa: EBAHL/CML, 2001

ALMEIDA, Maria Mota – Mudanças Sociais, Mudanças Museais: Nova História/Nova

Museologia - Que Relação? Lisboa: Cadernos de Museologia nº 5, 1996 (disponível em

http://www.mestrado-Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_05_1996.pdf)

ALVES, Adalberto – Em Busca da Lisboa Árabe. Lisboa: Clube do Coleccionador dos

Correios, 2007

ANICO, Marta – A Pós-Modernização da Cultura: Património e Museus na

Contemporaneidade. Porto Alegre: Horizontes Antropológicos, 2005 (disponível em

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832005000100005)

ARAS, Lina Maria Brandão de; TEIXEIRA, Maria das Graças de Souza – Os Museus e

o Ensino de História (disponível em

http://www.ichs.ufop.br/perspectivas/anais/GT1603.htm)

AZEVEDO, Clara; GARRIDO, Luis Chimeno – Tudo isto é Fado, Roteiro e receitas

para provar e ouvir o Fado em Lisboa. Lisboa: Planeta, 2010

BELL, Judith – Como Realizar um Projecto de Investigação. Lisboa: Gradiva, 2008

(Trajectos)

BICHO, Sofia – Vozes do Fado no Período da República in Fado 1910. Lisboa:

EGEAC/Museu do Fado, 2010

BISPO, Mariana Nascimento – Politicas Públicas e o Património Histórico: Das

Primeiras acções a Economia da Cultura. Contemporânea ed. 17, vol. 9, nº 1, 2011

(disponível em

http://www.contemporanea.uerj.br/pdf/ed_17/contemporanea_n17_07_bispo.pdf)

115

BRANDÃO, José M. – Acção Cultural e Educação em Museus. Lisboa: Cadernos da

Sociomuseologia nº 5, 1996 (disponível em http://www.mestrado-

Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_05_1996.pdf)

CABRAL, Clara Bertrand – Património Cultural Imaterial: Convenção da Unesco e

seus Contextos. Lisboa: Edições 70, 2011 (Arte & Comunicação)

CABRAL, Clara Bertrand – Património Cultural Imaterial: Proposta de uma

Metodologia de Inventariação. Lisboa, 2009 (disponível em

https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/3034/14/Disserta%C3%A7%C3%A3o_Patrim

%C3%B3nio-Cultural-Imaterial.pdf)

CARVALHO, Ana – Os Museus e o Património Cultural Imaterial. Algumas

Considerações. Artigo baseado na dissertação de mestrado em museologia: Os Museus

e o Património Cultural Imaterial: Estratégias para o Desenvolvimento de Boas Práticas

(disponível em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/8935.pdf)

CARVALHO, Ana – Os Museus e o Património Cultural Imaterial: Estratégias para o

Desenvolvimento de Boas Práticas. Lisboa: Colibri, 2011 (Cidehus)

CARVALHO, Pinto de – História do Fado. Lisboa: Dom Quixote, 2003 (Portugal de

Perto)

CORDOVIL, Maria Madalena – Novos Museus, Novos Perfis Profissionais. Lisboa:

Cadernos de Museologia nº 1, 1993 (disponível em http://www.mestrado-

Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_01_1993.pdf)

COSTA, Paulo Ferreira – Património Imaterial, Identidade e Desenvolvimento Rural

(disponível em

https://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:QlMa95vOUQAJ:www.matrizpci.imc-

ip.pt/MatrizPCI.Web/CommonServices/FileDownloader.axd%3FfileId%3D3049%26IdReg%3D1

2%26TipoReg%3D105%26fileIsToDownload%3Dtrue%26fileName%3DDPI_PCI%252C%2BIdenti

dade%2Be%2BDesenvolvimento_2009.pdf%26fileType%3D+Patrim%C3%B3nio+imaterial,+ide

ntidade+e+desenvolvimento+rural&hl=pt-PT&gl=pt&pid=bl&srcid=ADGEESh2YEb48tIw7bqi-

EKhSArJLZhPe3zPdOjw_EcRhM0Br6dlfI7Um2XhomZnDd2edoqJnQsN1J7cnIweQ34PFRzScaedQ

116

ZpVSnwl2THKPXn-

DtyrzBqCj_90guIeP07q60BsxHxu&sig=AHIEtbSRnN0huQYW3iHaZlTKKkEs_ghj8Q)

CURY, Marília Xavier Cury – Museologia, Novas tendências. Rio de Janeiro: Museu e

Museologias: Interfaces e Perspectivas, 2009 (disponível em

http://www.mast.br/livros/mast_colloquia_11.pdf)

DAVALLON, Jean – Nouvelle Museologie vs Museologie? Stavanger: Symposium

Museum and Community II, 1995 (disponível em

http://network.icom.Museum/fileadmin/user_upload/minisites/icofom/pdf/ISS%2025%20(19

95).pdf)

DECAROLIS, Nelly – Heritage, Museum, Territory and Community. Stavanger:

Symposium Museum and Community II, 1995 (disponível em

http://network.icom.Museum/fileadmin/user_upload/minisites/icofom/pdf/ISS%2025%20(19

95).pdf)

DOUCET, Paule – Les Nouvelles Museologies: Approche Conceptuelles et Pratiques.

Stavanger: Symposium Museum and Community II, 1995 (disponível em

http://network.icom.Museum/fileadmin/user_upload/minisites/icofom/pdf/ISS%2025%20(19

95).pdf)

DUARTE, Alice – O Desafio de não Ficarmos pela Preservação do Património

Cultural Imaterial. Actas do I Seminário de Investigação em Museologia dos Países de

língua Portuguesa e Espanhola, vol. 1 (disponível em http://repositorio-

aberto.up.pt/bitstream/10216/23630/2/aliceduartedesafio000096245.pdf)

DUARTE, Alice – O Museu como Lugar de Representação do Outro. Antropologia e

Museus (disponível em http://ceaa.ufp.pt/museus2.htm)

ECO, Umberto – Como se Faz uma Tese em Ciências Humanas. Barcarena: Presença,

2008

FÉLIX, Pedro – Ao Fado Muito se Deve a Implementação da República in Fado 1910.

Lisboa: EGEAC/Museu do Fado, 2008

117

FERNÁNDEZ, Luis Alonso – Introducción a la Nueva Museología. Madrid: Alianza,

1999

GARRIADO, Álvaro – Museus e Comunidades. Museus em Rede: Boletim da Rede

Portuguesa de Museus nº 29, 2008 (disponível em

http://www.ipMuseus.pt/Data/Documents/Recursos/Publica%C3%A7oes/Edicoes_online/Pub

_Periodicas/Boletim_rede/Boletim_n29.pdf)

HALPERN, Manuel – O Futuro da Saudade, O Novo Fado e os Novos Fadistas.

Lisboa: Dom Quixote, 2004

HERNÁNDEZ, Francisca Hernández – Manual de Museologia. Madrid: Sintesis, 1994

HORTA, Maria de Lourdes – Museums and Communities: a powerful equation.

Stavanger: Symposium Museum and Community II, 1995 (disponível em

http://network.icom.Museum/fileadmin/user_upload/minisites/icofom/pdf/ISS%2025%20(19

95).pdf)

JOKILEHTO, J. – Definition of Cultural Heritage: References to Documents in History

(disponível em

https://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:sT88Guc15LcJ:cif.icomos.org/pdf_docs/Docum

ents%2520on%2520line/Heritage%2520definitions.pdf+unesco+veneza+1970&hl=pt-

PT&gl=pt&pid=bl&srcid=ADGEEShuol0KQFgq36I4uryJIKYMXArei5I5ZClq6_vaJu3eCq5XRwlGNq

XrtK8LtwVN-

s4JxyixGaRB_UWxFp8QDrlJGdEhazISNhYqwSHVOMsw3JItrFc2CSQwe_vO0m_9Q6IMCNu1&sig

=AHIEtbSlW7SrvXrp8d7w-4Fqkx148vXjRQ)

JUNIOR, Bruno Wanderley; VOLPINI, Carla Ribeiro – Mondiacult: A Cultura como

Dimensão dos Direitos Humanos (disponível em

http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/bruno_wanderley_junior.pdf)

KIM, Hongman – Intangible Heritage and Museum Actions. Icom News nº4, 2004

(disponível em http://icom.Museum/fileadmin/user_upload/pdf/ICOM_News/2004-

4/ENG/p18_2004-4.pdf)

118

KURIN, Richard – Museums and Intangible Heritage: Culture Dead or Alive? Icom

News nº4, 2004 (disponível em

http://icom.Museum/fileadmin/user_upload/pdf/ICOM_News/2004-4/ENG/p7_2004-4.pdf)

MARANDA, Lynn – Museums and the Community. Stavanger: Symposium Museum

and Community II, 1995 (disponível em

http://network.icom.Museum/fileadmin/user_upload/minisites/icofom/pdf/ISS%2025%20(19

95).pdf)

MAURE, Marc – La Nouvelle Muséologie – Qu´est-ce-que C´est? Stavanger:

Symposium Museum and Community II, 1995 (disponível em

http://network.icom.Museum/fileadmin/user_upload/minisites/icofom/pdf/ISS%2025%

20(1995).pdf)

MENDES, J. Amado – Estudos e Património: Museus e Educação. Coimbra: Imprensa

da Universidade de Coimbra, 2009

MOURA, Vasco Graça – Amália: dos Poetas Populares aos Poetas Cultivados. Lisboa:

Tugaland, 2010

MOUTINHO, Mário – Sobre o Conceito de Museologia Social. Lisboa: Cadernos de

Museologia nº 1, 1993 (disponível em http://www.mestrado-

Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_01_1993.pdf)

NERY, Rui Vieira – Para uma História do Fado. Lisboa: Público, 2004 (Fado 100

anos)

NERY, Rui Vieira – Propaganda pela Trova - Movimento Operário e Ideal

Republicano no Fado de Lisboa até à Ditadura in Fado 1910. Lisboa: EGEAC/Museu

do Fado, 2010

NIGAM, Anupama – Museum and Community. Stavanger: Symposium Museum and

Community II, 1995 (disponível em

http://network.icom.Museum/fileadmin/user_upload/minisites/icofom/pdf/ISS%2025%20(19

95).pdf)

119

PAIS, Teresa Azevedo – Museologia e Comunicação. Lisboa: Cadernos de Museologia

nº 1, 1993 (disponível em http://www.mestrado-

Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_01_1993.pdf)

PEREIRA, Sara – Museu do Fado: 1998-2008. Lisboa: EGEAC/Museu do Fado, 2008

PEREIRA, Sara – O mais Português dos Quadros a Óleo in Fado 1910. Lisboa:

EGEAC/Museu do Fado, 2010

PIMENTEL, Alberto – A Triste Canção do Sul, Subsídios para a História do Fado.

Lisboa: Dom Quixote, 1989 (Memória Portuguesa)

PINNA, Giovanni – Museums and Intangible Heritage. Icom News nº4, 2003

(disponível em http://icom.Museum/fileadmin/user_upload/pdf/ICOM_News/2003-

4/ENG/p3_2003-4.pdf)

PRIMO, Judite Santos – Pensar Contemporaneamente a Museologia. Lisboa: Cadernos

de Sociomuseologia nº 16, 1999 (disponível em

http://pt.scribd.com/doc/51182353/Pensar-contemporaneamente-a-Museologia)

REIS, Felipa Lopes dos – Como Elaborar uma Dissertação de Mestrado Segundo

Bolonha. Lisboa: Pactor, 2010

RIVIÈRE, Georges Henri – La Museología: Curso de Museología, Textos y

Testimonios. Madrid: Akal, 1993

SANTOS, Maria Célia T. Moura – Estratégias Museais e Patrimoniais contribuindo

para a qualidade de vida dos cidadãos: Diversas formas de Musealização. Lisboa:

Cadernos de Sociomuseologia nº 18, 2002 (disponível em http://www.mestrado-

Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_18_2002.pdf)

SANTOS, Maria Célia T. Moura – Museu: Centro de Educação Comunitária ou

Contribuição ao Ensino Formal? Lisboa: Cadernos de Sociomuseologia nº 18, 2002

(disponível em http://www.mestrado-

Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_18_2002.pdf)

120

SANTOS, Maria Célia T. Moura – Museu e Comunidade: Uma Relação Necessária.

São Paulo: Texto apresentado na 13ª Reunião Anual do Instituto Biológico, 2000

(disponível em http://www.rem.org.br/dowload/MUSEU_E_COMUNIDADE_2.pdf)

SANTOS, Maria Célia T. Moura – Museu e Educação: Conceitos e Métodos. São

Paulo: Artigo extraído do texto proferido na abertura do Simpósio Internacional “Museu

e Educação: conceitos e métodos”, 2001 (disponível em

http://www.rem.org.br/dowload/MUSEU_E_EDUCA__O_conceitos_e_m_todos_Porto_Alegre[

1].pdf)

SANTOS, Maria Célia T. Moura – Reflexões sobre a Nova Museologia. Lisboa:

Cadernos de Sociomuseologia nº 18, 2002 (disponível em http://www.mestrado-

Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_18_2002.pdf)

SANTOS, Maria Célia T. Moura – Uma Abordagem Museológica do Contexto Urbano.

Lisboa: Cadernos da Sociomuseologia nº 5, 1996 (disponível em http://www.mestrado-

Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_05_1996.pdf)

SARDINHA, José Alberto – A Origem do Fado. Vila Verde: Tradisom, 2010

SARMENTO, Manuela – Guia Prático sobre Metodologia Cientifica para a

Elaboração, Escrita e Apresentação de Teses de Doutoramento, Dissertações de

Mestrado e Trabalhos de Investigação Aplicada. Lisboa: Universidade Lusíada, 2008

(Manuais)

SCHEINER, Tereza C. M. – Museologia ou Patrimoniologia: reflexões. Rio de Janeiro:

Museu e Museologias: Interfaces e Perspectivas, 2009 (disponível em

http://www.mast.br/livros/mast_colloquia_11.pdf)

SCHEINER, Tereza C. M. – On Museum, Communities and the Relativity of it all.

Stavanger: Symposium Museum and Community II, 1995 (disponível em

http://network.icom.Museum/fileadmin/user_upload/minisites/icofom/pdf/ISS%2025%20(19

95).pdf)

SCHEINER, Tereza C. M. – Repensando o Museu Integral: Do Conceito às Práticas.

Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas vol.7, nº 1,

121

2012 (disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1981-

81222012000100003&script=sci_arttext)

SCHEINER, Tereza C. M.; SOARES, Bruno C. Brulon – A Ascenção dos Museus

Comunitários e os Patrimónios “Comuns”. Um ensaio sobre a Casa, 2009 (disponível

em

http://uff.academia.edu/BrunoBrulon/Papers/738384/A_ascencao_dos_Museus_comunitario

s_e_os_patrimonios_comuns)

SOARES, Bruno César Brulon – Entendendo o Ecomuseu: Uma Nova Forma de Pensar

a Museologia. Estudo Sobre Museus, Museologia e Património. 2006 (disponível em

http://www.unirio.br/jovemMuseologia/documentos/2/artigobruno.pdf)

SOUSA, Francisco Clode – Museologia e Comunicação. Lisboa: Cadernos de

Museologia nº 1, 1993 (disponível em http://www.mestrado-

Museologia.net/Cadernos_pdf/Cadernos_01_1993.pdf)

SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e – Metodologia da Investigação, Redacção e

Apresentação de Trabalhos Científicos. Lisboa: Civilização, 1999

SUCENA, Eduardo – Lisboa, o Fado e os Fadistas. Lisboa: Nova Veja, 2008 (Memória

de Lisboa)

TINHORÃO, José Ramos – Fado: Dança do Brasil, Cantar de Lisboa. Lisboa:

Caminho, 1994

VALENTE, Maria Esther Alvarez Valente – Educação e Museus: a Dimensão

Educativa do Museu. Rio de Janeiro: Museu e Museologias: Interfaces e Perspectivas,

2009 (disponível em http://www.mast.br/livros/mast_colloquia_11.pdf)

YIN, Tongyun – Museum and the Safeguarding of Intangible Cultural Heritage

(disponível em http://Museumstudies.si.edu/safeguarding_intangible.pdf)

122

Sites da Internet

http://www.unesco.org/

http://www.unesco.pt/

http://icom.Museum/

http://www.icom-portugal.org/

http://www.ipMuseus.pt/

http://www.MuseudoFado.pt/

http://www.egeac.pt/

http://www.museudacidade.pt