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Universidade de Brasília Faculdade de Direito Alyne Lima de Mesquita A INICIATIVA INSTRUTÓRIA DO JUIZ NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO SOB A PERSPECTIVA DO SISTEMA ACUSATÓRIO Brasília 2015

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Universidade de Brasília

Faculdade de Direito

Alyne Lima de Mesquita

A INICIATIVA INSTRUTÓRIA DO JUIZ NO PROCESSO

PENAL BRASILEIRO SOB A PERSPECTIVA DO SISTEMA

ACUSATÓRIO

Brasília

2015

Alyne Lima de Mesquita

A INICIATIVA INSTRUTÓRIA DO JUIZ NO PROCESSO

PENAL BRASILEIRO SOB A PERSPECTIVA DO SISTEMA

ACUSATÓRIO

Monografia apresentada como requisito parcial

para obtenção do título de Bacharela em

Direito pela Universidade de Brasília – UnB.

Orientadora: Professora Doutora Beatriz

Vargas Ramos Gonçalves de Rezende.

Brasília

2015

Nome: MESQUITA, Alyne Lima de.

Título: A iniciativa instrutória do juiz no processo penal brasileiro sob a perspectiva do

sistema acusatório.

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharela em

Direito pela Universidade de Brasília– UnB.

Data da defesa: 07.07.2015

Resultado: ____________________

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________

Professora Doutora Beatriz Vargas Ramos Gonçalves de Rezende (Orientadora)

___________________________________________

Professor Mestre Ademar Borges de Sousa Filho

___________________________________________

Professor Mestre Marcelo Turbay Freiria

___________________________________________

Professor Mestre Rafael de Deus Garcia

À minha querida avó Ruth, pelo amor incondicional.

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar a atribuição de poderes instrutórios ao juiz no

processo penal brasileiro sob a perspectiva do sistema acusatório. O primeiro capítulo aponta

as principais características dos sistemas processuais penais acusatório, inquisitório e misto,

além de indicar os princípios informadores e o núcleo fundante dos referidos sistemas. O

segundo capítulo engloba a análise da gestão da prova, com o propósito de identificar o papel

do julgador durante a instrução probatória. O terceiro capítulo trata da eleição constitucional

do sistema acusatório em contraposição ao perfil inquisitório da legislação processual penal.

Por fim, examina-se em que medida a iniciativa instrutória do juiz é incompatível com alguns

princípios e garantias processuais penais constitucionais, como a imparcialidade da jurisdição,

a igualdade processual e a presunção de inocência.

Palavras-chave: sistemas processuais penais; sistema acusatório; gestão da prova; instrução

probatória; poderes instrutórios do juiz.

RESUMEN

El presente trabajo tiene como objetivo analizar los poderes de instrucción del juez en el

proceso penal brasileño conforme el sistema acusatorio. En el primer capítulo se describen las

principales características de los sistemas procesales penales acusatorio, inquisitorio y mixto.

También será indicado el núcleo fundador de tales sistemas. El segundo capítulo comprende

el análisis de la gestión probatoria, con el objetivo de identificar el papel del juez durante la

instrucción probatoria. El tercer capítulo trata de la elección constitucional del sistema

acusatorio en contraposición al perfil inquisitivo de la legislación procesal penal. Al final, será

verificado en qué medida la iniciativa probatoria del juez es incompatible con algunos

principios y garantías constitucionales, como la imparcialidad de la jurisdicción, la igualdad

procesal y la presunción de inocencia.

Palabras clave: sistemas procesales penales; sistema acusatorio; gestión de la prueba;

instrucción probatoria; poderes de instrucción del juez.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 8

2 SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS ............................................................................. 9

2.1 A classificação tradicional ............................................................................................ 9

2.1.1 Sistema acusatório ................................................................................................ 10

2.1.2 Sistema inquisitório .............................................................................................. 13

2.1.3 Sistema misto ....................................................................................................... 15

2.2 Identificação do núcleo fundante: a gestão da prova .................................................... 17

3 A GESTÃO DA PROVA................................................................................................. 20

3.1 Concepções e finalidades da prova .............................................................................. 21

3.2 O ônus da prova .......................................................................................................... 23

3.3 A busca da verdade no processo penal ........................................................................ 25

3.4 Os sistemas processuais penais e o papel do juiz ......................................................... 30

4 O SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO .................................................. 34

4.1 A linha inquisitorial probatória do Código de Processo Penal de 1941 ........................ 34

4.2 A eleição constitucional do sistema acusatório ............................................................ 36

4.3 Alterações legislativas de 2008 acerca das provas ....................................................... 40

4.4 O descompasso entre a legislação infraconstitucional e o modelo acusatório ............... 44

5 INICIATIVA INSTUTÓRIA DO JUIZ E PRINCIPIOLOGIA ................................... 46

5.1 Princípios e garantias processuais penais constitucionais ............................................ 46

5.2 Princípio acusatório .................................................................................................... 48

5.3 Imparcialidade da jurisdição ....................................................................................... 50

5.4 Presunção de inocência e in dubio pro reo .................................................................. 54

5.5 Igualdade processual ou paridade de armas – par conditio .......................................... 56

6 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 59

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 61

8

1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 elegeu a proteção da dignidade da pessoa humana e

dos direitos fundamentais como a principal preocupação do nosso ordenamento jurídico,

estabelecendo um extenso rol de garantias relacionadas à persecução penal, com o propósito

de proteger o acusado de eventuais arbitrariedades perpetradas pelos órgãos estatais.

Contudo, o anseio punitivo que ainda pauta a edição de normas infraconstitucionais

brasileiras corrobora a ampliação dos poderes gozados pelo magistrado na condução da ação

penal, já que é esperado que o julgador assuma postura ativa na coleta de elementos

probatórios que viabilizem a condenação dos réus e, consequentemente, diminuam a

impunidade.

Dentro de tal perspectiva, o enfoque do presente trabalho cinge-se à análise da

iniciativa instrutória do juiz no processo penal brasileiro à luz do sistema acusatório. Em um

primeiro momento, examinam-se as características estruturais e históricas dos sistemas

processuais penais clássicos, a fim de demonstrar que a gestão da prova é o elemento

fundamental para identificá-los.

Em seguida, estuda-se o instituto da prova, com a apresentação dos conceitos e das

finalidades a ela atribuídos, bem como a sua recorrente vinculação ao tema da verdade. Ainda

nesse ponto, busca-se demonstrar a relevância dos sistemas processuais penais para a

definição do papel do magistrado no exercício da função jurisdicional.

Logo depois, averigua-se a opção realizada na Constituição Federal de 1988 pelo

sistema acusatório em contraposição à evidente matriz inquisitória do Código de Processo

Penal de 1941 (CPP) e das alterações legislativas de 2008. Problematiza-se a atribuição de

poderes instrutórios e investigatórios ao juiz, especialmente a partir da leitura do artigo 156 do

CPP. Nesse cenário, é apontada a necessidade de uma interpretação sistemática do texto

constitucional, para impedir a aplicação de dispositivos legais que ofendam o modelo

processual acusatório e democrático assegurado pela Carta Magna.

Por fim, com base na premissa de que o sistema jurídico necessita de uma ordem

axiológica de princípios fundamentais para a edição e para a interpretação das normas, passa-

se ao confronto entre a iniciativa instrutória do julgador e algumas garantias constitucionais

inerentes ao Estado Democrático de Direito no âmbito processual penal, como o princípio

acusatório, a imparcialidade da jurisdição, a presunção de inocência e a igualdade processual.

9

2 SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS

Segundo JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO, a definição de sistema consiste no

“conjunto de temas colocados em relação por um princípio unificador, que forma um todo

pretensamente orgânico, destinado a uma predeterminada finalidade” 1.

No campo do processo penal, os sistemas podem ser entendidos como complexos de

princípios e de regras constitucionais, definidos conforme o momento político de cada Estado,

que orientam a aplicação das normas penais ao caso concreto2.

O exame da evolução das formas através das quais se estruturaram os modelos

político-jurídicos de resolução de conflitos de interesses ou de casos na esfera penal é

imprescindível para a compreensão do fenômeno jurídico referente à limitação das liberdades

do indivíduo pelas normas penais e processuais penais3.

Nesse contexto, a indicação do papel a ser desempenhado pelos sujeitos processuais

depende da análise dos sistemas processuais penais clássicos e de suas estruturas, para que se

verifique a compatibilidade entre a iniciativa instrutória conferida ao juiz criminal e o modelo

de processo que a Constituição brasileira pretende implantar.

2.1 A classificação tradicional

Uma análise histórica das características atribuídas à persecução penal em diferentes

ordenamentos jurídicos fundamenta a tradicional classificação dos sistemas processuais

penais.

O sistema acusatório predominou na República Romana e na Idade Média até o século

XIII. Já o sistema inquisitório estabeleceu-se, essencialmente, durante o século XII até o

século XVIII. Por sua vez, o sistema misto, também chamado de inquisitório reformado ou

napoleônico, consolidou-se na Europa continental, em razão da expansão napoleônica e das

premissas do Iluminismo4.

1 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos Princípios Gerais do Direito Processual Penal

Brasileiro. In: Revista do Instituto dos Advogados do Paraná, n.28, p. 109-138, 1999, p. 109. 2 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 49. 3 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4. ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2006, p. 61- 62. 4 ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2003, p. 37-38.

10

Diante da íntima relação existente entre o processo penal e a estrutura estatal, verifica-

se que a definição das regras e das garantias processuais penais é determinada pelo sistema

adotado.

Conforme registro de AURY LOPES JÚNIOR, nota-se que o sistema acusatório

predomina historicamente em Estados com sólida base democrática e garantidores da

liberdade individual. Por outro lado, o sistema inquisitório é característico de países marcados

pelo autoritarismo ou pelo totalitarismo, nos quais se privilegia a hegemonia estatal em

detrimento dos direitos individuais5.

2.1.1 Sistema acusatório

A evolução dos sistemas processuais penais aponta que o primeiro modelo de processo

baseou-se no princípio acusatório, migrando-se, aos poucos, para um sistema inquisitório que

persistiu por vários séculos, até que o surgimento do Estado Democrático de Direito impôs o

retorno ao modelo acusatório.

O sistema acusatório desenvolveu suas estruturas na Grécia Antiga, mediante a

participação direta do povo no exercício de acusação e de julgamento. Prevalecia a acusação

privada para os delitos menos graves e o sistema da ação popular para os delitos mais graves,

uma vez que qualquer pessoa do povo poderia formular a acusação. Já em Roma, na Alta

República, despontam as duas formas do processo penal: a cognitio e a accusatio 6.

A cognitio era um procedimento de natureza pública, realizado no interesse do Estado

romano, que atribuía aos magistrados vastos poderes de iniciativa, de instrução e de

deliberação, visto que eram considerados os representantes do rei7. Havia um recurso de

apelação ao povo denominado provocatio, com efeito suspensivo, contra a sentença proferida

pelo julgador, nos casos em que o condenado fosse cidadão e varão. A cognitio mostrou-se

insatisfatória, em razão da falta de garantias, principalmente para as mulheres e para os que

não eram cidadãos, passando a ser “uma poderosa arma política nas mãos dos magistrados” 8.

No último século da República, nasceu a accusatio, também chamada de judicium

publicum ou quaestio, que objetivava a apuração de algumas infrações relativas à ordem

5 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 106.

6 Ibid., p. 107. 7 PRADO, 2006, p. 74.

8 LOPES JR., op. cit., loc. cit.

11

pública. O acusador particular conduzia o procedimento, ora como ofendido, ora como

representante do interesse público da sociedade. Qualquer cidadão munido de provas estava

autorizado a mover a ação penal. A accusatio representou a adequação do antigo processo

penal às novas demandas sociais, assemelhando-se à forma grega9.

Vigorava o pressuposto de que ninguém seria levado a juízo sem uma acusação: nemo

in iudicium tradetur sine accusatione. A forma acusatória adotada era regida pelo

contraditório e as partes eram responsáveis pela produção das provas de suas alegações. O

processo era público e oral, de modo que os debates eram determinantes para o conteúdo das

decisões10

. As atividades de acusar e de julgar eram atribuídas a pessoas diferentes. Os juízes

adotavam uma postura passiva, pois se preservavam afastados da iniciativa probatória, não

sendo admitidos a denúncia anônima e o processo sem acusador legítimo e idôneo11

.

Entretanto, na época do Império, passou-se a reconhecer a insuficiência do sistema

acusatório para a repressão dos delitos, em virtude de seus vários inconvenientes, como a

impunidade do criminoso, a facilidade de acusação falsa e a deturpação da verdade. Os

magistrados foram aumentando seus poderes, de forma a alcançarem as atribuições antes

reservadas aos particulares, até concentrarem as funções de acusação e de julgamento,

motivados pela descoberta da verdade dos fatos. O modelo processual fundado na iniciativa

de qualquer cidadão conviveu, então, com o procedimento penal de ofício, baseado na

cognitio extra ordinem, que foi a origem do sistema inquisitivo12

.

Na atualidade, o sistema acusatório é caracterizado pelo exercício da jurisdição penal

por um órgão público, que atua como árbitro entre as partes litigantes. A persecução penal é

realizada por uma instituição estatal e o procedimento é marcado pelo debate público, oral,

contínuo e contraditório13

.

A oralidade define, na matriz acusatória, os papéis concretos exercidos pelos sujeitos

processuais, porquanto assegura que uma causa não seja decidida por um juiz que não tenha

tido contato direto com as provas e argumentos formulados pelas partes, em um procedimento

que proporcione a igualdade de diálogo14

.

9 PRADO, 2006, p. 75. 10 PRADO, loc.cit. 11 LOPES JR., 2013, p. 107. 12 PRADO, op. cit., p. 77. 13

THUMS, 2006, p. 233. 14 PRADO, op. cit., p. 156-157.

12

A publicidade também pode ser apontada como peculiar ao sistema acusatório, já que

os atos dos sujeitos processuais devem ser integralmente conhecidos pela parte contrária, o

que evidencia a vinculação deste modelo ao princípio do contraditório.15

O acusado, inserido no processo acusatório, é considerado sujeito de direitos e dotado

de garantias, em igualdade de condições frente ao acusador, devendo ser protegido contra

eventuais arbitrariedades atinentes à persecução penal16

. Como consequência, a defesa é

equiparada à acusação e tem a sua esfera de atuação ampliada, haja vista que todos os atos

processuais demandam a presença do defensor17

.

A efetiva separação entre acusador e julgador é uma característica fundamental para o

modelo acusatório, uma vez que o juiz deve manter-se como espectador desinteressado e

imparcial. Nesse sentido, aduz LUIGI FERRAJOLI:

Justamente, pode-se chamar acusatório todo sistema processual que tem o juiz como

um sujeito passivo rigidamente separado das partes e o julgamento como um debate

paritário, iniciado pela acusação à qual compete o ônus da prova, desenvolvida com

a defesa mediante um contraditório público e oral e solucionado pelo juiz, com base

em sua livre convicção 18.

A existência de parte independente incumbida da tarefa de acusar garante que o juiz se

afaste para o centro do processo, preservando sua imparcialidade, que deve marcar o

momento de avaliação das provas. O magistrado precisa ocupar posição equilibrada no

processo em respeito ao princípio do juiz natural. Este pode ser entendido como a associação

entre a exigência da clara indicação das regras do jogo e a imparcialidade da jurisdição19

.

As partes devem confiar na isenção do juiz para a validade jurídica dos atos

jurisdicionais, porque o devido processo legal apenas será assegurado quando ambas as teses

– da acusação e da defesa – puderem ser suscitadas em igualdade de condições de

convencimento do julgador20

.

Como destacado por LOPES JR., a inércia do juiz, característica do sistema acusatório,

atribui significativa responsabilidade para as partes, uma vez que estas assumem o ônus de

produção das provas necessárias à demonstração dos fatos. Nesse contexto, também é papel

do Estado a estruturação de um serviço público de defesa tão bem organizado quanto o

15

PRADO, 2006, p. 158. 16 ZILLI, 2003, p. 38. 17 THUMS, 2006, p. 265. 18

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002,

p. 452. 19

PRADO, op. cit., p. 106-109. 20 Ibid., p. 111.

13

Ministério Público, com a intenção de garantir o mesmo grau de representação processual a

todos os indivíduos21

.

2.1.2 Sistema inquisitório

A partir do século XII, o sistema acusatório vai sendo substituído, paulatinamente,

pelo sistema inquisitório ou inquisitivo 22

, que é marcado, em sua origem, pela concentração

dos poderes processuais de perseguir, de acusar e de decidir nas mãos de um único órgão: o

inquisidor. Precisamente em razão da centralização de poderes “é que o sistema inquisitório,

historicamente, esteve associado a estruturas políticas igualmente centralizadas, como, por

exemplo, nos diversos Estados absolutistas” 23

.

As origens do sistema inquisitório remontam à cognitio extra ordinem do direito

romano, que outorgava amplos poderes ao magistrado para investigar as infrações penais e

julgar as causas24

. O processo da cognitio extra ordinem instituiu a tortura entre os romanos,

como forma de obtenção de confissões pelos réus25

.

Durante a Idade Média, a jurisdição eclesiástica ganhou relevo, porquanto a Igreja

passou a conceber o crime como um problema de salvação da alma, o que exigia o magistério

punitivo para a penitência dos infiéis26

. O direito romano do Império representou a base

jurídica inspiradora dos elementos estruturais da Inquisição do Santo Ofício, que, a partir do

século XIII, sofisticou o sistema inquisitório para o direito canônico27

O método inquisitivo aprimorou-se nas jurisdições eclesiásticas como resposta à

necessidade de repressão da heresia e do comportamento irregular dos membros do clero, que

demandavam constante investigação pelas autoridades religiosas28

.

A promiscuidade entre o direito comum e o direito canônico era percebida na

inexistência de separação entre crime e pecado, de maneira que muitos delitos comuns

também eram considerados delitos religiosos. Dessa forma, o direito canônico invocou os

21 LOPES JR., 2013, p. 110. 22 Ibid., p. 111. 23

ZILLI, 2003, p. 39. 24 PRADO, 2006, p. 77. 25 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, v. I. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 105- 106 26 PRADO, op. cit., p. 80. 27 THUMS, 2006, p. 202. 28

GOMES FLHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1997, p. 21.

14

princípios do sistema inquisitivo e aperfeiçoou os procedimentos processuais da época às

infrações que procuravam punir. A forma inquisitiva é característica dos estados de

monarquia absolutista e do direito canônico, uma vez que foi apropriada para a repressão dos

opositores e dos infiéis29

.

A Inquisição representou o apogeu do sistema inquisitório. Nas palavras de GILBERTO

THUMS, foi “um terrível sistema concebido pela igreja católica para implantar o catolicismo

no mundo ocidental, principalmente na Europa” 30

.

O Manual dos Inquisidores, redigido por Nicolau Eymerich em 1376, determinava a

dinâmica dos procedimentos adotados pela Inquisição, tendo sido criado para defender o

dogma da fé da heresia. Esta podia ser entendida como tudo que contrariasse as tradições,

rituais, ensinamento dos sacramentos e crenças católicas31

.

A inquisição estava baseada na intolerância, decorrente da verdade absoluta de que a

humanidade foi criada na graça de Deus, justificando o combate a qualquer custo da heresia,

inclusive com o emprego da tortura e da crueldade32

.

No modelo inquisitorial, vigorava o sistema legal de valoração da prova, também

conhecido como tarifa probatória, segundo o qual a lei era responsável pela determinação do

valor das provas destinadas à formação do convencimento judicial33

.

A busca da verdade real autorizava a realização de qualquer diligência e legitimava os

poderes instrutórios do juiz, que tinha liberdade para intervir, coletar e selecionar o material

probatório para o julgamento da causa34

. A confissão, vista como a prova mais valiosa,

conferia validade à prisão do réu durante o processo, conforme registro de LOPES JR.:

Na busca dessa tal “verdade real”, transforma-se a prisão cautelar em regra geral,

pois o inquisidor precisa dispor do corpo do herege. De posse dele, para buscar a

verdade real, pode lançar mão da tortura, que se for “bem” utilizada conduzirá à

confissão. Uma vez obtida a confissão, o inquisidor não necessita de mais nada, pois

a confissão é a rainha das provas (sistema de hierarquia das provas) 35.

Evidencia-se que o procedimento inquisitório não priorizava a tutela dos direitos

fundamentais dos réus, haja vista que a efetivação da segurança pública demandava o

predomínio do poder de punir do Estado em detrimento da liberdade do indivíduo processado.

29 THUMS, 2006, p. 202. 30 Ibid., p. 214. 31 Ibid., p. 215. 32 LOPES JR., 2013, p. 114. 33 THUMS, op. cit., p. 205. 34

LOPES JR., op. cit., p.112 35 Ibid., p. 116.

15

O direito à defesa não era típico desse modelo processual, já que o acusado,

presumidamente culpado, não merecia ser defendido e, no caso de réus inocentes, a defesa

seria dispensável, pois o inquisidor seria capaz de descobrir a verdade para absolvê-los36

.

Em linhas gerais, podem ser apontadas como características do sistema inquisitório a

centralização das três funções do processo penal – de acusar, de defender e de julgar – em um

único sujeito; a assunção de posição secundária pelo acusador privado; o sigilo rigoroso do

procedimento; a ausência de contraditório e de ampla defesa; a disparidade de poderes entre o

juiz-acusador e o acusado; a atuação de ofício do julgador, que não precisa ser previamente

invocado; prevalência da forma escrita; intensa liberdade para o juiz pesquisar e introduzir

outros meios de prova37

.

JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO defende que o principal atributo do sistema

inquisitório encontra-se na gestão da prova, conduzida essencialmente pelo juiz, que a recolhe

secretamente, sob a aparente ilusão de que poderia informar-se sobre a verdade de todos os

fatos penalmente relevantes38

.

O sistema inquisitório prevaleceu até finais do século XVIII e início do século XIX,

momento em que a Revolução Francesa, os ideais iluministas e a concepção de valorização do

homem passaram a influenciar o processo penal39

.

É claro que o sistema inquisitório apresenta, na atualidade, traços distintos do modelo

delineado pela Inquisição e pela Justiça comum. Todavia, alguns institutos da tradição

inquisitiva não foram completamente abolidos, tais como a indisponibilidade e

obrigatoriedade da ação penal, as instâncias recursais, o caráter público dos órgãos de

acusação e a motivação das decisões judiciais40

. Então, vê-se que a base ideológica do modelo

antigo ainda invade sistemas modernos.

2.1.3 Sistema misto

A insatisfação com as formas essencialmente inquisitórias manifestada durante o

Iluminismo disseminou a proposta de reestruturação do modelo processual até então

36 THUMS, 2006, p. 203. 37 PRADO, 2006, p. 87-88. 38 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. In: ADV Advocacia

dinâmica: seleções jurídicas, n. 1, p. 33-43, jan. 1994, p. 38. 39

LOPES JR., 2013, p.117. 40 THUMS, op. cit., p. 241.

16

predominante na Europa Continental41

. Os movimentos desfavoráveis ao uso de tortura contra

o ser humano, surgidos no século XVIII, anunciaram a irracionalidade do procedimento

inquisitorial42

.

Originou-se, então, o sistema processual misto, também denominado de napoleônico

ou inquisitivo reformado, que integrou institutos próprios do sistema inquisitório e do sistema

acusatório. O novo modelo processual foi consagrado pelo Código de Instrução Criminal

francês de 1808, disseminando-se pelos códigos modernos com a expansão napoleônica43

.

O maior desafio do Código de 1808 era harmonizar uma persecução penal eficiente,

característica da Inquisição, com o respeito à dignidade da pessoa humana. Por outro lado,

uma relevante conquista do referido diploma francês foi a organização do Ministério Público,

como detentor exclusivo da persecução penal nos casos de ação penal pública44

.

O novo sistema adotado na França disciplinava o processo penal em duas fases,

segundo a lição de GERALDO PRADO:

Na primeira delas, denominada instrução, procedia-se secretamente, sob o comando

de um juiz, designado juiz-instrutor, tendo por objetivo pesquisar a perpetração das

infrações penais, com todas as circunstâncias que influem na sua qualificação

jurídica, além dos aspectos atinentes à culpabilidade dos autores, de maneira a

preparar o caminho para o exercício da ação penal; na segunda fase, chamada de

juízo, todas as atuações realizavam-se publicamente, perante um tribunal colegiado

ou júri, com a controversa e o debate entre as partes, no maior nível possível de

igualdade.45

Como se depreende da citação acima, o procedimento misto delegou as funções de

acusação e de julgamento a órgãos distintos, a partir da separação do processo em duas fases.

A primeira delas era a fase preparatória da ação penal, voltada à investigação secreta de

informações acerca do delito, sendo, portanto, nitidamente inquisitória. De outra sorte, a

segunda fase era essencialmente acusatória e permitia a participação da acusação e da defesa,

em um debate paritário e contraditório.

O sistema misto conferiu armas ao acusado para se opor à ação do Estado, através da

proibição expressa de tortura. O novo modelo processual penal resguarda os princípios da

41 ZILLI, 2003, p. 41. 42 THUMS, 2006, p. 210. 43 PRADO, 2006, p. 91. 44

THUMS, op. cit., p. 207, 45 PRADO, op. cit., loc. cit.

17

Inquisição, como a persecução penal pública, mas preza pelo respeito à dignidade da pessoa

humana46

, a partir da existência de garantias processuais.

O sistema misto, reformado ou napoleônico é fruto da conjugação dos outros dois

sistemas, mas carece de um princípio informador próprio, de forma que sempre será ou

essencialmente inquisitório, com alguns traços do sistema acusatório, ou essencialmente

acusatório, com algumas características do sistema inquisitório47

.

Constatada a inexistência, na atualidade, de sistemas puros na forma como foram

idealizados, mostra-se imprescindível a identificação do princípio unificador dos sistemas

processuais penais, para que se possa caracterizá-los.

2.2 Identificação do núcleo fundante: a gestão da prova

O reconhecimento do princípio informador é fundamental para a indicação da essência

inquisitória ou acusatória de determinado modelo processual penal. No entanto, existe

controvérsia na doutrina quanto à delimitação do núcleo fundante dos sistemas processuais.

Alguns autores apontam que a separação das atividades de julgar e acusar é satisfatória para

diferenciá-los. Por outro lado, parte da doutrina entende que a gestão ou a iniciativa

probatória é o elemento que define a essência do modelo processual.

ADA PELLEGRINI48

, filiada à primeira corrente, aduz que há uma compreensão

equivocada quanto ao significado do processo acusatório e do processo inquisitório. O

sistema acusatório atribuiria a órgãos distintos as funções de acusar e de julgar. Já o sistema

inquisitório seria caracterizado pela concentração daquelas funções em um mesmo órgão. A

gestão da prova pelo juiz no processo penal, considerada isoladamente, não seria capaz de

distinguir os sistemas processuais, pois o julgador não poderia ser um mero espectador

passivo do litígio instaurado entre as partes.

Para ADA, os poderes instrutórios do juiz identificam o inquisitorial system do direito

continental europeu e que se opõe ao adversarial system do direito anglo-saxão, no qual as

partes dispõem das provas no processo penal. A diferenciação principal não seria de sistemas

– acusatório e inquisitório –, mas sim de modelos, já que os sistemas acusatório e inquisitório,

46 THUMS, op. cit., p. 208. 47 COUTINHO, 1994, p. 36. 48

GRINOVER, Ada Pellegrini. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório. In: Revista

Brasileira de Ciências Criminais, nº 27, julho-setembro/2000. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 72-73.

18

com suas qualidades próprias, poderiam adotar tanto o modelo inquisitorial system quanto o

adversarial system” 49

.

JACINTO COUTINHO filia-se à segunda posição, ao lecionar que o princípio unificador

dos sistemas processuais é a gestão da prova e a forma pela qual ela é realizada. Todos os

outros elementos, que podem ser emprestados de um sistema ao outro, devem ser

considerados secundários50

.

Para o autor, o sistema inquisitório remete à extrema concentração de poder nas mãos

do órgão julgador, que recolhe a prova e designa sua produção. O juiz é visto como o senhor

da prova, buscando os elementos probatórios guiado pela visão que possui do fato. Em

contrapartida, no sistema acusatório, o magistrado tem a função primordial de garantir as

regras do jogo, competindo às partes, em paridade de armas, a apresentação de provas

licitamente obtidas. Assim, um sistema processual só é alterado quando ocorre a mudança de

seu princípio unificador, o que significa alterar o poder de gestão da prova pelo magistrado51

.

AURY LOPES JR. também defende que a gestão da prova é o princípio unificador dos

sistemas processuais penais. O autor admite que, ao lado do núcleo dos sistemas, existem

elementos acessórios incapazes de desnaturar o fundamento do modelo processual. Dessa

maneira, “o fato de determinado processo consagrar a separação (inicial) de atividades,

oralidade, publicidade, coisa julgada, livre convencimento motivado, etc., não lhe isenta de

ser inquisitório” 52

.

Segundo LOPES JR., é reducionista a tentativa de diferenciação dos modelos

processuais com foco exclusivo na separação entre acusador e julgador, dado o atual nível de

desenvolvimento e de complexidade do processo penal. A constituição do modelo acusatório

contemporâneo impõe que a gestão probatória esteja nas mãos das partes, porque a

imparcialidade do juiz só existe quando este é afastado da atividade de investigação e de

instrução53

.

Nesse cenário, adotamos o entendimento de que a gestão da prova é a característica

fundamental para a apreensão dos sistemas processuais penais. O juiz deve ser visto como o

destinatário da prova, uma vez que a adoção de postura ativa na busca de elementos

49 GRINOVER, 2000, p. 71-72. 50 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. As reformas parciais do CPP e a gestão da prova: segue o

princípio inquisitivo. In: Boletim IBCCrim, v. 16, São Paulo, n. 188, p. 11-13, jul. 2008, p. 11. 51 Ibid., p. 11-12. 52

LOPES JR., 2013, p. 125. 53 Ibid., p. 129.

19

probatórios compromete a imparcialidade da jurisdição e a inicial separação das atividades de

acusação e de julgamento.

20

3 A GESTÃO DA PROVA

A prova pode ser considerada a “alma do processo”, visto que os recursos probatórios,

além de servirem à formação do convencimento do juiz, cumprem a função de justificar a

decisão adotada perante o corpo social. A prova possui um valor interno, como instrumento

utilizado pelo magistrado para esclarecer os fatos, e um elemento vivificador, que permite a

assimilação de valores e símbolos vigentes na sociedade pela atividade processual, gerando a

adesão do grupo ao pronunciamento judicial resultante54

.

Os elementos probatórios produzidos no processo representam um instrumento de

solução de conflitos sociais, eis que a atuação do juiz deve ser orientada pelo interesse de toda

a sociedade, a quem deve prestar contas, para que as conclusões do procedimento sejam

reconhecidas como válidas. Nessa perspectiva, é imprescindível que a formação do

convencimento judicial observe determinados padrões e rituais, através dos quais a sociedade

possa reconhecer-se55

.

A respeito da evolução dos conceitos de prova, vejamos o que afirma ANTONIO

MAGALHÃES GOMES FILHO:

As idéias vigentes sobre o fenômeno da prova judiciária não são uniformes, nem

resultam de uma evolução constante e linear, mas representam, ao contrário,

paradigmas referidos a sistema concretos, sendo, em razão disso, fortemente

condicionados por circunstâncias históricas e culturais.56

Importante apontar que as concepções sobre o papel do processo e da prova estão

intimamente ligadas aos objetivos traçados pelo próprio Estado. Portanto, em uma

organização estatal que tenha por escopo a organização da vida dos indivíduos e a condução

da sociedade, a atividade probatória será marcada pela função de maior investigação dos

fatos. Em sentido oposto, um Estado interessado na manutenção do equilíbrio social, com a

autodeterminação dos indivíduos, prezará por um procedimento probatório menos

influenciado pelos interesses estatais. Verifica-se, então, que a atividade probatória não é

técnica ou neutra, mas é determinada por inúmeros fatores sociais, políticos, culturais, todos

variáveis no tempo e no espaço57

.

54 GOMES FILHO, 1997, p. 13. 55 Ibid., p. 18. 56

Ibid., p. 17. 57 Ibid., p. 18-19.

21

3.1 Concepções e finalidades da prova

Etimologicamente, o termo prova origina-se do latim – probatio – e significa ensaio,

verificação, exame, inspeção, argumento, aprovação ou confirmação. Dele deriva o verbo

provar – probare –, que significa ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência,

demonstrar, persuadir alguém a alguma coisa58

.

O vocábulo prova admite muitos conteúdos significativos, o que dificulta sua

conceituação. A sua definição pode variar de acordo com o contexto em que a palavra é

inserida. É claro que não constitui uma matéria exclusiva da ciência jurídica, pois é um

instituto comum a todas as esferas da vida humana59

.

ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO explica que o termo prova é empregado com

variadas significações na terminologia processual. De forma mais ampla, significa o conjunto

de atos realizados pelo juiz e pelas partes na reconstrução dos fatos que fundamentarão as

pretensões dos sujeitos processuais e do próprio pronunciamento judicial. Também pode fazer

referência aos instrumentos pelos quais os dados relevantes são incorporados ao processo –

meios de prova. Por fim, o termo prova pode indicar o resultado dessas atividades de

reconstrução de uma realidade fática60

.

O processo penal, como instrumento de reconstrução aproximada de um determinado

fato histórico, propõe-se a instruir o julgador e a proporcionar seu conhecimento sobre

determinada realidade. Logo, as provas podem ser entendidas como os meios necessários para

a reconstituição do fato passado, ou seja, o crime. Os elementos probatórios criam as

condições para que o julgador exerça a atividade recognitiva da infração penal, que produzirá

a certeza estabelecida na sentença61

.

À vista disso, admite-se que a prova é o elemento instrumental utilizado pelas partes

processuais na tentativa de influenciar o julgamento do magistrado62

.

TOURINHO FILHO sustenta que a finalidade da prova consistiria na formação da

convicção do julgador sobre os elementos necessários para a decisão da causa. Com as

58 NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.

13. 59 CHOUKR, Fauzi Hassan (Coord). Estudos do processo penal: o mundo à revelia. Campinas: Agá Juris

Editora, 2000, p. 143. 60 GOMES FILHO, 1997, p. 41-42. 61 LOPES JR., 2013, p. 535-536. 62

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. II. 2 ed. Campinas: Millennium,

2000, p. 330.

22

provas, as partes procuram convencer o juiz de que os fatos existiram ou não, ou, então, de

que ocorreram de uma determinada maneira63

.

Segundo a lição de JOSÉ FREDERICO MARQUES, o propósito da prova seria a real

configuração dos fatos sobre os pontos a serem julgados no processo. Por isso, o juiz poderia

usufruir de poderes para determinar a produção dos meios probatórios que considere

pertinentes à descoberta da verdade64

.

Para GUILHERME DE SOUZA NUCCI, uma vez entendida como a demonstração lógica da

realidade, a prova teria o objetivo de produção do convencimento do juiz quanto à verdade

processual, ou seja, aquela verdade que pode ser alcançada no processo. Nesse diapasão, seria

indispensável o esforço das partes na apresentação de elementos viáveis para o

convencimento dos órgãos do Poder Judiciário65

.

Observa-se que a noção de prova é comumente atrelada à de verdade, diante do papel

do julgador de reconstrução dos acontecimentos pretéritos, com o propósito de aplicar o

direito ao caso concreto. Desse modo, a atividade probatória parece cumprir a função de

atestar a veracidade da reconstituição fática de um crime.

Com base nos ensinamentos de MICHELE TARUFFO, podemos agrupar as teorias sobre

a verdade e as funções da prova em três grandes linhas66

.

A primeira concepção entende que a prova é algo que, na realidade, não existe ou que

não é digno de ser considerado. A prova é vista como um nonsense para aqueles que

acreditam ser ideologicamente, epistemologicamente ou praticamente impossível que a

verdade dos fatos seja alcançada no processo de modo racional. Os elementos probatórios não

serviriam para determinar os fatos, mas os seus procedimentos constituiriam ritos, análogos às

representações sacras medievais, destinados a reforçar na opinião pública o convencimento de

que o sistema processual implementa e respeita os valores positivos, como a paridade de

armas e a correção do litígio. Assim, as provas e os seus respectivos procedimentos seriam

meios para conferir aparência de legitimidade racional a um mecanismo teatral, cuja

finalidade seria dissimular a realidade irracional e injusta das decisões judiciais. Nesse

contexto, as provas serviriam para fazer crer que o processo determina a verdade dos fatos.

A segunda posição surge de forma clara no âmbito das concepções semióticas ou

narrativas do processo, que partem da premissa fundamental de que o processo é uma situação

63 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, v. III. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 220. 64 MARQUES, 2000, p. 330. 65

NUCCI, 2009, p. 16. 66 TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Madrid: Trotta, 2002, p. 80-87.

23

na qual se desenvolvem diálogos e se narram histórias. Apenas se considera relevante a

dimensão linguística e narrativa do processo, enquanto que a eventual relação entre narração e

realidade empírica não é importante ou possível. Os fatos ingressam no processo em forma de

narração e são apreciados como pontos ou partes de narrações, não sendo conhecidos ou

determinados como verdadeiros. As provas também são consideradas unicamente em sua

dimensão linguística e narrativa como um pedaço da narração relativa aos fatos. Evidencia-se

a função persuasiva da prova, pois cada advogado apresenta uma versão diferente do caso e o

julgador, ao final, pronuncia as últimas palavras do diálogo com uma decisão que, sem fazer

qualquer referência à veracidade das teses, assumirá uma das narrações suscitadas.

A terceira concepção assume a possibilidade de determinação da verdade dos fatos no

âmbito do processo. Fundamenta-se na noção de que a decisão judicial pode e deve estar

pautada na reconstrução verdadeira dos fatos da causa, recuperando o nexo instrumental entre

prova e verdade, que está na base da concepção jurídica tradicional de prova. Apreende-se a

prova como instrumento dotado de função específica no âmbito processual e a retira do

terreno sem saída no qual tudo se reduz a uma indeterminada persuasão.

3.2 O ônus da prova

Segundo a lição de CARLOS FONSECA MONNERAT, ônus processual é a faculdade que

uma parte dispõe para praticar ou deixar de praticar determinado ato processual que lhe trará

um benefício próprio. Em princípio, o exercício do ônus de natureza processual apenas

impede uma situação desvantajosa da parte perante seu adversário67

.

Quando se afirma que um sujeito tem o encargo de provar algum fato, significa

anunciar que ele é o responsável por sua demonstração, de forma a viabilizar o

convencimento do julgador sobre a credibilidade de alguma circunstância do processo. O

direito à prova integra o poder dispositivo da parte, de escolher a fonte, o meio de prova e a

metodologia de sua busca68

.

No âmbito criminal, a parte acusadora concentra inteiramente a carga da prova, eis que

a primeira afirmação no processo é feita na peça acusatória, seja ela a denúncia ou a queixa.

67

MONNERAT, Carlos Fonseca. Inversão do ônus da prova no processo penal brasileiro. Santos:

Comunnicar, 2006, p. 77. 68

GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas (?) do processo penal: considerações críticas. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2008, p. 15.

24

Ademais, a presunção de inocência institui um dever de tratamento por parte do juiz e do

acusador, que devem tratar o acusado como inocente, o que justifica a atribuição integral do

encargo probatório à acusação69

.

Ao lado da presunção de inocência, encontra-se o princípio do in dubio pro reo, que

reforça a atribuição da carga probatória ao órgão acusador, bem como a aludida regra de

julgamento, segundo a qual é vedada a condenação do réu sem que sua culpabilidade tenha

sido plenamente demonstrada. Caso não se comprove a certeza sobre a autoria e a

materialidade do delito, a absolvição será medida impositiva70

.

A inexistência de carga probatória para a defesa é percebida na medida em que não se

atribui um prejuízo direto ao acusado pela perda de uma chance probatória. Trata-se de

assunção de riscos pela defesa, que, ao deixar de produzir prova sobre determinado fato, perde

a chance de convencer o juiz da veracidade de sua alegação e, inegavelmente, potencializa o

risco de uma sentença condenatória71

.

NEREU JOSÉ GIACOMOLLI observa que o ônus da prova possui dupla dimensão: formal

e substancial. A dimensão formal refere-se à introdução das provas nos autos do processo,

enquanto que a dimensão substancial diz respeito à aceitabilidade desse material probatório

pelo julgador. Por conseguinte, não demonstrar de forma clara e segura corresponde à

inexistência de provas. Nota-se que a acusação tem o dever substancial de propor meios de

prova idôneos à límpida evidenciação da responsabilidade criminal do réu, a fim de superar

qualquer espécie de dúvida sobre sua inocência72

.

Então, para que se obtenha a condenação de qualquer acusado, impõe-se ao órgão

acusador o aproveitamento de todas as chances do processo para liberar-se da carga

probatória, constituída não apenas pelo encargo de provar a materialidade e autoria de um

crime, mas também pela exigência de derrubar a presunção de inocência instaurada em favor

do réu73

.

Desse modo, infere-se que a presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo são

determinantes para a distribuição do ônus probatório no processo penal, visto que a acusação

assume o encargo de demonstrar a participação do réu no delito, enquanto que a defesa, que

não possui o dever de provar a inocência do acusado, fica satisfeita com a existência de

dúvida sobre sua culpa.

69 LOPES JR., 2013, p. 549. 70 Ibid., p. 550. 71 Ibid., loc. cit. 72

GIACOMOLLI, 2008, p. 16. 73 LOPES JR., op. cit., p. 552.

25

3.3 A busca da verdade no processo penal

A multiplicidade de significações que perpassam a definição de prova costuma

ocasionar a associação direta do tema da prova ao da verdade, cuja conceituação também é

problemática. A realidade é experimentada por cada pessoa de maneira única e a retratação

desta realidade também ostenta um caráter particular e diferenciado para cada indivíduo.

NICOLA FRAMARINO DEI MALATESTA dispõe que a prova é o meio pelo qual o espírito

humano se apropria da verdade. Portanto, a eficácia da prova está intimamente relacionada à

crença produzida no espírito humano de que se alcançou a verdade74

.

A busca da verdade é intrigante e desafia os limites do conhecimento humano. No

tocante à possibilidade de sua apreensão, frise-se o registro de ANTONIO MAGALHÃES GOMES

FILHO:

O conhecimento da verdade pelo homem constitui questão própria da especulação

filosófica, em cujos domínios inúmeras teorias se entrechocam há milênios: desde as

posições céticas, que excluem qualquer possibilidade de um saber absoluto,

passando pelas doutrinas subjetivistas, psicológicas ou epistemológicas, que

encaram a verdade como um estado de mente ou uma crença, até as correntes

objetivas, lógicas ou ontológicas, que afirmam ser possível a ideia de verdade como

correspondência entre os fatos, procuram-se repostas a esse problema fundamental e seguramente insolúvel.75

A verdade ainda se encontra em processo de cognição pelo ser humano e possui

grande carga emocional76

. Em que pese à dificuldade para a delimitação de seu conceito, a

controvérsia sobre a possibilidade de obtenção da verdade dos fatos também é recorrente no

âmbito do processo.

É comum no campo doutrinário a diferenciação entre verdade material ou real e

verdade processual. A primeira seria a exata correspondência entre a realidade ocorrida e a

reconstrução dos fatos passados componentes de uma relação material deduzida em juízo. Por

sua vez, a verdade processual poderia ser entendida como a verdade adstrita aos limites do

processo, aferida a partir das informações constantes dos autos e de provável correspondência

com a realidade77

.

Para TOURINHO FILHO, o processo penal seria regido pelo princípio da verdade real, o

que impediria a existência de qualquer limitação à atuação probatória, sob pena de

74 MALATESTA, Nicola Framarino dei. A lógica das provas em matéria criminal. Campinas: Servanda, 2013,

p. 27. 75 GOMES FILHO, 1997, p. 43. 76

MONNERAT, 2006, p. 57. 77 CHOUCKR, 2000, p. 144.

26

desvirtuação do interesse do Estado na justa aplicação da lei. O juiz criminal estaria obrigado

a procurar, por si mesmo, a verdade dos acontecimentos, quando as partes não reconstruírem

os fatos satisfatoriamente78

.

Nesse diapasão, JOSÉ FREDERICO MARQUES anota que a verdade real seria a causa

finalis da instrução e do próprio processo, cabendo ao julgador a apreciação de dados e

informações obtidos durante a instrução, a fim de reconstruir a situação concreta objeto de seu

pronunciamento judicial. Aduz que, no processo penal moderno, o juiz deve participar dos

atos de maior relevo da relação processual, admitindo-se a intervenção complementar e

supletiva do órgão judiciário nas operações destinadas à apuração da verdade79

.

Contudo, não se pode ignorar que o princípio da verdade real viabilizou a propagação

do modelo inquisitivo e da ideologia de que a revelação da verdade, como a principal meta do

processo penal, estaria disponível aos órgãos estatais.

O Direito Antigo, atrelado aos poderes divinos, tinha sua legitimidade na crença em

Deus, uma vez que os juízes e reis saberiam a verdade por inspiração divina. Mesmo após o

predomínio da razão humana, vê-se que a ordem jurídica ainda precisa da tradição dos mitos

para encontrar legitimidade. As decisões judiciais estão baseadas em mitos formados pela

burocratização do sistema penal e voltados ao convencimento do povo. Os juízes alegam que

formaram sua convicção após terem alcançado a verdade real, em nome de uma suposta

segurança jurídica80

.

A verdade real, vista como fonte de validade da atividade jurisdicional, parece ser o

único modo de fazer com que o povo acredite e respeite as decisões judiciais. De acordo com

esta lógica, os magistrados teriam a função de convencer o jurisdicionado de que o Estado é

capaz de fornecer respostas alicerçadas na verdade81

.

Dessa maneira, constata-se que o mito da verdade real assume a função de legitimar os

pronunciamentos judiciais, a partir da ideia de que a instrução probatória seria capaz de

evidenciar a realidade fática de um evento passado. Nesse quadro, os poderes de iniciativa

probatória do juiz ganham força, haja vista que este está autorizado a praticar qualquer

diligência para a perfeita reconstrução de um delito.

Oportuno destacar que a busca da verdade material no processo constitui um equívoco,

pois a reconstituição de um crime, como fato passado e histórico, será realizada através da

78 TOURINHO FILHO, 1998, p. 225. 79

MARQUES, 2000, p. 337-339. 80

THUMS, 2006, p. 190. 81 Ibid., 192.

27

memória e, portanto, nunca corresponderá à realidade, que só existe no momento presente.

Nas palavras de LOPES JR:

Existe uma insuperável incompatibilidade entre verdade e o paradoxo temporal

ínsito ao ritual judiciário, em que um juiz, no presente, julga um fato do passado,

gerando efeitos para o futuro. O crime sempre é passado, logo, história, fantasia,

imaginação. Depende, acima de tudo, da memória. Logo existe um obstáculo

temporal insuperável para a tal verdade: o fato de o crime ser passado e depender da

presentificação dos signos do passado, da memória, da fantasia e da imaginação.82

Talvez a maior dificuldade enfrentada pelo juiz durante a formação de seu

convencimento seja a impossibilidade de observação direta dos fatos, já que sempre

reconstitui a realidade passada a partir de meios indiretos.

Os fatos pretéritos, que não são passíveis de experiência direta, serão constatados a

partir de seus efeitos e consequências. Por isso, a atividade do julgador assemelha-se à do

historiador, porque encontrará uma conclusão, que tem o valor de hipótese provável, após um

raciocínio indutivo83

.

Dado o obstáculo temporal existente entre os fatos e a instrução probatória, a sentença

judicial jamais conseguirá proferir juízos de certeza material. O subjetivismo das testemunhas,

a precariedade das provas e os aspectos subjetivos do juiz tornam impossível a exata

correspondência entre a verdade processual e a verdade material84

.

O exame dos elementos probatórios é condicionado pelas inúmeras limitações e

fraquezas humanas, que tornam inútil a busca da verdade. As partes sempre apresentarão

alegações e provas contraditórias, cabendo ao juiz selecionar a versão que mais lhe convence.

É certo que tal escolha não é um processo neutro, já que ele também é influenciado por

diversos fatores, como motivações pessoais, ideologias, sentimentos de justiça, preconceitos,

etc.85

A atividade do juiz, como toda reconstrução histórica, é seletiva. A interpretação dos

fatos é orientada por interesses e pontos de vistas, levando o julgador a privilegiar algumas

provas e a descuidar-se de outras. Assim, será induzido a evidenciar alguns fatos em lugar de

outros e considerar relevantes apenas alguns aspectos do evento86

.

82 LOPES JR., 2013, p. 573. 83 Ibid., p. 568. 84 THUMS, 2006, p. 196. 85

Ibid., p. 195. 86 FERRAJOLI, 2002, p. 47.

28

No exercício de sua função, o magistrado, ainda que sem perceber, suprime muitos

elementos pertinentes, além de perder inúmeros dados fáticos relativos à demanda, seja pela

atuação das partes, que selecionam as informações favoráveis aos seus pedidos, ou até mesmo

pela riqueza de detalhes do caso concreto.

FERRAJOLI esclarece que a verdade de qualquer teoria científica, argumentação ou

preposição empírica é sempre uma verdade contingente e relativa ao estado de conhecimentos

e experiências até então concretizados. Quando se afirma a verdade de certas proposições, “a

única coisa que se diz é que estas são (plausivelmente) verdadeiras pelo que sabemos sobre

elas, ou seja, em relação ao conjunto de conhecimentos confirmados que delas possuímos” 87

.

Impõe-se a superação do princípio da verdade real ou material no âmbito da dogmática

jurídica. As demais ciências já perceberam que as evidências ou verdades científicas são

provisórias e que se alteram de acordo com a evolução da tecnologia e da pesquisa. A verdade

deve ser reduzida à mera verossimilhança, a um juízo de probabilidade, que não pode ser

confundido com a essência da verdade88

, consoante observação de GILBERTO THUMS:

Qualquer análise das formas jurídicas evidencia ser impossível atingir a verdade

sobre certo evento histórico. Pode-se ter uma elevada probabilidade sobre a forma de

sua ocorrência, mas nunca a certeza absoluta. Primeiro, porque ao homem não é

dado conhecer a verdade absoluta de um fato que está no passado, e esta talvez seja

a única verdade. Segundo porque a verdade formal é uma espécie de reflexo no

espelho, reconstituída por um sistema de provas, mas não é a verdade, é a probabilidade. 89

A impossibilidade de reconstituição perfeita de um evento passado não pode, por

óbvio, justificar a existência de decisões arbitrárias e destituídas de fundamentação. Os

pronunciamentos judiciais precisam estar amparados na verificação dos fatos levados ao

processo, para que sejam reconhecidos como válidos e legítimos pelo corpo social.

É claro que a verdade não merece ser qualificada como desnecessária, sob pena de se

defender um ceticismo relativista. Entretanto, é fundamental perceber que a verdade almejada

no processo penal precisa estar desvinculada da tentativa inútil de reconstrução exata da

realidade.

A certeza capturada pelo magistrado durante a instrução probatória é apenas uma

verdade processual, contida nos limites da atividade dos sujeitos do processo. Como tal, é

imperfeita e remete a uma realidade paralela e fragmentada, pois a reconstituição de um fato

87 FERRAJOLI, 2002, p. 42. 88

THUMS, 2006, p. 196-197. 89 Ibid., p. 194.

29

criminoso apenas pode contar com dados e informações sobre ele, mas os agentes, as

emoções, a dinâmica fática e os inúmeros detalhes nunca serão fielmente reconstruídos90

.

No mesmo sentido é a lição de EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA, para quem o processo

penal possui o irrenunciável objetivo de construção da verdade judicial, que pode ou não

coincidir com a realidade histórica. Toda verdade judicial é uma verdade processual, diante de

sua natureza exclusivamente jurídica, dependente do maior ou menor grau de contribuição das

partes no estabelecimento de sua certeza91

.

NUCCI esclarece que a certeza é sempre um aspecto subjetivo, que produz uma verdade

igualmente subjetiva, podendo ser fiel ou não à realidade fática. A finalidade do processo não

é a produção da verdade objetiva, mas gerar, no espírito do juiz, a certeza de que alcançou a

verdade necessária para proferir a decisão. As partes assumem o compromisso de convencer o

julgador de que os fatos ocorreram exatamente como o que foi demonstrado em suas

alegações durante a instrução do processo92

.

Dessa maneira, a realidade não constitui objeto da prova ou do processo, porque

aquilo que efetivamente ocorreu no mundo naturalístico, com todos os detalhes, não pode ser

reproduzido. O convencimento do magistrado pode ser verdadeiro ou errôneo, quando

corresponder ou não à realidade, mas jamais será falso93

, conforme registro de NUCCI:

As partes devem saber demonstrar ao juiz a verdade dos fatos alegados, buscando

gerar a convicção favorável ao seu interesse, embora todo o cenário criado possa ser

distanciado da realidade. Quem prova, no processo, convence o juiz; assim fazendo, vence a disputa. Isso não significa que o resultado do processo deva ser,

necessariamente, adequado e amoldado perfeitamente à realidade. 94

LOPES JR. defende que a obtenção da verdade não pode ser vista como a função do

processo, pois esta concepção sempre legitimou a submissão do povo ao poder estatal e

reforçou o papel divino do juiz, a partir da noção de que o julgador é portador da revelação da

verdade. Sustenta que a sentença é “um ato de convencimento formado em contraditório e a

partir do respeito às regras do devido processo legal”. O julgador cria, pela via do

contraditório, a sua história do fato, escolhendo os elementos que julga válidos, e a sua

conclusão poderá ou não corresponder à verdade95

.

90 CHOUCKR, 2000, p. 145. 91 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 322. 92 NUCCI, 2009, p. 14. 93 Ibid., p. 15. 94

Ibid., loc. cit.. 95 LOPES JR. 2013, p. 575-576.

30

Frise-se que LOPES Jr. não nega a verdade no processo penal, mas propõe o

deslocamento do papel desempenhado por ela. A verdade seria contingencial e não

estruturante do processo. A legitimidade da decisão encontraria amparo na observância do

contraditório e do devido processo96

.

Diante do exposto, demonstra-se a necessidade de desmistificação da figura do juiz

como “um ser sobrenatural, capaz de descobrir a verdade sobre as coisas e, por isso mesmo,

apto a fazer justiça” 97

.

Não se pode mais admitir que o sistema jurídico caracterize os magistrados como seres

divinos e simplesmente ignore todas as suas limitações inerentes à natureza humana. Apesar

do real esforço por eles empreendido para o exercício isento da atividade jurisdicional, suas

decisões sempre serão influenciadas por seus preconceitos, sentimentos, opiniões e

experiências.

Tendo isso em vista, conclui-se que a instrução probatória apenas possibilita a

sistematização de uma verdade processual, determinada pelas informações levadas ao

processo pelas partes. Esta verdade, mesmo que não corresponda à realidade fática, será capaz

de conferir legitimidade aos pronunciamentos judiciais através da observância dos princípios

constitucionais incidentes no campo processual penal.

3.4 Os sistemas processuais penais e o papel do juiz

A verdade está atrelada a todas as formas de poder e, conseguintemente, tem reflexos

no exercício do poder político. A discussão sobre a verdade na ciência jurídica também

repercute na outorga legal de poderes instrutórios ao julgador, e esta característica é

fundamental para a estruturação dos sistemas processuais penais98

.

O sistema inquisitório elege a verdade como o mito fundante do processo e o ritual

judiciário, marcado pela arquitetura dos tribunais, pelos juramentos e pela confissão do réu,

reforça a concepção de que a verdade é uma revelação sagrada. São atribuídos poderes

instrutórios ao juiz, que passa a fazer parte do mito como o portador de tal revelação99

.

96 LOPES JR. 2013, p. 577. 97 THUMS, 2006, p. 192. 98

Ibid, p. 187. 99 LOPES JR., op. cit., p. 574.

31

A pesquisa da verdade era uma obsessão do inquisidor e a confissão representava a

melhor maneira de se alcançar a certeza a respeito dos fatos investigados100

.

No modelo inquisitorial, o juiz é visto como um ser intocável, insuspeito, ungido

contra qualquer crítica, um ser que se sobrepõe aos demais agentes processuais, que possui

mais poderes probatórios que as próprias partes. Logo, o magistrado possui legitimidade para,

independentemente da vontade das partes, ouvir testemunhas não arroladas, decretar prisões,

determinar meios de prova e até recorrer de suas próprias decisões101

.

Revela-se o grave vício epistemológico do procedimento inquisitório, porquanto o

inquisidor, comprometido com a tese de culpabilidade dos acusados, busca elementos capazes

de demonstrar aquela verdade previamente determinada102

. Nesse contexto, o juiz participa da

coleta de elementos probatórios e, ao mesmo tempo, realiza a valoração dos meios de prova e

da metodologia de sua busca como válidas, inexistindo regras quanto à apreciação das

provas103

.

Por isso, a concentração da gestão probatória na figura do juiz deve ser qualificada

como o elemento caracterizador do sistema inquisitório, eis que o mito da verdade real

justifica a produção de provas por impulso oficial do magistrado.

Em contrapartida, o sistema acusatório não elege a verdade como aspecto estruturante

do processo e as partes assumem a responsabilidade pelo convencimento do julgador, sem que

este tenha o dever de revelar a verdade. As decisões judiciais constituem atos de

convencimento decorrentes da atuação probatória da acusação e da defesa104

.

Para o modelo acusatório, a verdade processual é o resultado da correspondência entre

a verdade fática, ou seja, resultante da prova dos fatos, e a verdade jurídica, decorrente da

interpretação das normas que caracterizam o evento como infração penal105

.

O juiz, por sua vez, ocupa uma posição equidistante quanto às versões apresentadas

pelas partes, que se enfrentam para a demonstração dos fatos. O julgador não apresenta

predileção pela tese de culpabilidade do réu e assume que a condenação e absolvição são

igualmente satisfatórias para a finalidade do processo106

.

100 GOMES FILHO, 1997, p. 21-22. 101 GIACOMOLLI, 2008, p. 06. 102 GOMES FILHO, op. cit., p. 22. 103 GIACOMOLLI, op. cit., loc. cit. 104 LOPES JR., 2013, 574. 105

THUMS, 2006, p. 199. 106 LOPES JR., op. cit., p. 542.

32

A legitimidade da atividade jurisdicional é determinada pela efetivação dos direitos e

das garantias fundamentais, permitindo que acusação e defesa apresentem suas teses e provas,

com a mitigação do subjetivismo presente em todo julgamento107

.

Verifica-se que o modelo processual acusatório é incompatível com a iniciativa

instrutória do juiz, visto que sua atuação não pode ser orientada pela busca da inalcançável

verdade real. As limitações inerentes às provas e os limites impostos pela subjetividade do

magistrado exigem que a gestão probatória esteja nas mãos das partes.

A efetivação de um processo acusatório e democrático demanda o fim da crença na

onipotência do conhecimento jurídico para a reconstrução de um evento histórico108

. A

qualificação do juiz como um sujeito neutro desconsidera, por completo, os inúmeros fatores

pessoais e psicológicos que afetam o momento de valoração das provas.

É inconcebível, em um Estado Democrático de Direito, a obtenção unilateral da

verdade, sem a observância de princípios e de regras constitucionais, como bem observa

LOPES JR.:

Aos juízes não lhes compete o papel de inquisidores, de guardiões da segurança

pública e responsáveis pela “limpeza social”, como muitos – até inconscientemente

– pensam ser. O papel do juiz no processo penal é de guardião da Constituição e da

máxima eficácia dos direitos fundamentais do réu a ele submetido. Daí por que não

lhes incumbe, democraticamente, a missão de reveladores da verdade.109

A formação da decisão judicial é uma atividade complexa, que envolve muitos

aspectos cognoscitivos e valorativos, ligados à prova das circunstâncias fáticas e à regra

jurídica aplicável ao caso. Os elementos probatórios constantes dos autos serão apreciados

pelo julgador, que, antes de tudo, é um ser humano e cuja atuação está limitada pelas regras

jurídicas estabelecidas110

.

Daí decorre a relevância da fundamentação das decisões judiciais. Segundo NICOLA

FRAMARINO MALATESTA, a motivação da sentença é o meio prático pelo qual a sociedade

consegue controlar o convencimento do juiz, que não pode estar fundado em meras

apreciações subjetivas111

.

A fundamentação torna possível a exata diferenciação entre a decisão arbitrária e

aquela que respeita as regras de legalidade probatória, tendo em vista que deve evidenciar

107 PRADO, 2006, p. 35-36. 108 LOPES JR., 2013, p. 575. 109 Ibid., p. 580. 110

GIACOMOLLI, 2008, p. 26-28. 111 MALATESTA, 2013, p. 66-68.

33

todas as etapas percorridas pelo julgador para chegar à decisão final, indicando o conteúdo

das provas em que se amparou e o raciocínio que utilizou para apreciá-las112

.

Nessa perspectiva, não se pode concordar com o discurso de grande parte da doutrina

brasileira no sentido de que o processo penal rege-se pela verdade real. Como visto, tal

concepção autorizou as práticas inquisitoriais e toda a barbárie a elas vinculadas. É

fundamental assumir que o processo nunca conseguirá capturar a verdade como um todo,

cabendo às decisões judiciais o respeito aos princípios e às regras garantidoras do Estado

Democrático de Direito113

.

A atual configuração do processo penal brasileiro precisa se desvincular de qualquer

traço inquisitório. Dessa forma, a necessidade de reformulação de muitos institutos ligados à

gestão da prova, especialmente daqueles relacionados à iniciativa probatória do juiz, será

objeto de análise do próximo capítulo.

112

GOMES FILHO, 1997, p.164-165. 113 COUTINHO, 1999, p. 136.

34

4 O SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO

4.1 A linha inquisitorial probatória do Código de Processo Penal de 1941

O Código de Processo Penal Brasileiro foi promulgado pelo Decreto-Lei nº 3.689, em

03 de outubro de 1941, tendo como inspiração a legislação processual italiana da década de

1930114

, elaborada durante o regime fascista.

O novo Código não se distanciou das tradições legislativas brasileiras, pois preservou

o inquérito policial, tal como concebido no Império através da reforma de 1871. Também

consolidou o caráter contraditório da instrução probatória, promoveu a completa separação

das funções de acusação e de julgamento e restringiu a competência do Tribunal do Júri115

.

A Exposição de Motivos do Código de Processo Penal Brasileiro revela o anseio

punitivo que marcou a elaboração da nossa legislação processual. Veja-se:

As nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos réus, ainda que colhidos em

flagrante ou confundidos pela evidência das provas, um tão extenso catálogo de

garantias e favores, que a repressão se torna, necessariamente, defeituosa e

retardatária, decorrendo daí um indireto estímulo à expansão da criminalidade. Urge

que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela

social. Não se pode continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em

prejuízo do bem comum.

Fica claro que se priorizava a tutela da segurança pública em detrimento da liberdade

individual, com a fixação de uma fase investigatória fortemente inquisitorial, que ocasionou a

ampliação dos poderes dos agentes policiais. Também era orientado pela presunção de

culpabilidade, já que a existência de uma ação penal em desfavor do réu gerava a antecipação

de sua culpa. O acusado era tratado como potencial culpado, principalmente em caso de

prisão em flagrante 116

.

Nessa senda, buscava-se restringir a aplicação do princípio in dubio pro reo e ampliar

a noção de delito para o efeito da prisão provisória. A decretação da prisão preventiva passou

a ser um dever imposto ao magistrado em certos casos, em nome da efetivação da justiça

penal.

114 O Código de Processo Penal Italiano de 1930, conhecido como Código Rocco, possuía perfil essencialmente

inquisitorial. O acusado era presumidamente culpado e sobre ele recaia a regra da prisão. O Ministério Público

era equiparado ao juiz e a defesa era considerada desnecessária (GIACOMELLI, 2008, p. 07). 115 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual Penal, v. I. 2 ed. Campinas: Millenium, 2000,

p. 111. 116 OLIVEIRA, 2009, p. 06-07.

35

A pena abstratamente cominada ao delito podia gerar, após o recebimento da

denúncia, a decretação automática da prisão preventiva do acusado, bem como impedir a

restituição de sua liberdade, mesmo diante de uma sentença absolutória117

.

No Código de Processo Penal da década de 40, inexistia um conjunto claro de regras

acerca da sistemática probatória, principalmente dos meios de prova e dos limites impostos à

sua admissibilidade, o que evidencia sua forte tendência inquisitorial118

.

A indispensável busca da verdade real viabilizou a instalação de práticas autoritárias e

abusivas pelos poderes públicos, além de ter legitimado a exacerbação ilimitada do poder de

iniciativa probatória do julgador. O interrogatório do réu era considerado, exclusivamente,

como meio de prova, realizado nos moldes inquisitivos, sem a intervenção das partes,

admitindo-se, inclusive, a condução coercitiva do acusado119

.

Os magistrados desfrutavam do poder de iniciativa de provas complementares e

supletivas, seja no curso da instrução criminal, ou ao final dela, no momento em que fossem

proferir a sentença.

De acordo com a Exposição de Motivos do novo Código, o juiz não seria mais um

mero espectador inerte da produção probatória, passando a intervir na atividade processual,

não apenas para conduzir a ação penal e julgar ao final, mas também para determinar de ofício

a produção de provas que considerasse relevantes para o esclarecimento da verdade. Desse

modo, o magistrado não poderia aplicar o princípio in dubio pro reo, enquanto não fossem

exploradas todas as fontes de provas.

O modelo inquisitorial herdado da tradição italiana podia ser notado pela leitura do

artigo 156 do CPP120

, que facultava ao juiz, durante a instrução ou antes de proferir a

sentença, determinar diligências para sanar dúvidas sobre algum ponto relevante para o

processo.

A permissão legal para que o magistrado produzisse provas de ofício caracteriza-se

como um traço inquisitório, fundamentado na presunção de culpabilidade do réu. O simples

recebimento da denúncia já seria suficiente para a demonstração da responsabilidade do

agente, sendo autorizadas todas as diligências necessárias para a comprovação dessa certeza

previamente estabelecida.

117 OLIVEIRA, 2009, p. 05. 118 GIACOMOLLI, 2008, p. 05. 119 OLIVEIRA, op. cit., p. 07. 120 Art. 156 do CPP/1941: A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da

instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvidas sobre ponto

relevante.

36

4.2 A eleição constitucional do sistema acusatório

Enquanto o Código de Processo Penal de 1941 adotava uma perspectiva nitidamente

autoritária, apoiada na presunção de culpabilidade e periculosidade do réu, o texto

constitucional implantou um amplo sistema de garantias individuais e de direitos

fundamentais121

.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, inciso III, elegeu a dignidade da

pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Entende-se que

a dignidade não é algo acidental e nem mutável conforme o tempo e espaço, mas é uma

qualidade perene e inerente a todo ser humano 122

.

A premissa de que o Estado de Direito encontra-se assentado na dignidade da pessoa

humana provoca relevantes consequências jurídicas, até mesmo na seara criminal, porque

impede a instrumentalização do ser humano, que deve ser reconhecido como sujeito de

direitos. Trata-se do princípio que embasa a ordem jurídica, bem como todos os direitos,

garantias e deveres fundamentais123

.

A nossa Constituição, ao privilegiar o reconhecimento e a proteção dos direitos

fundamentais do homem, indica que o Estado existe em função de todas as pessoas, pois é o

próprio homem que constitui o Estado124

. Dessa forma, o ser humano sempre será mais

importante do que as instituições estatais.

A nova ordem constitucional passou a idealizar o processo como instrumento de

garantia do indivíduo frente ao Estado, deixando de ser mero veículo de aplicação da lei penal

voltado para a segurança pública125

.

A dignidade da pessoa humana, como fonte jurídica positiva dos direitos

fundamentais, também limita a intervenção estatal, na medida em que proíbe que o indivíduo,

ainda que réu ou condenado em algum processo, seja tratado como objeto pelas instâncias

judiciais. O processo, a pena e o cárcere não podem possibilitar a degradação humana e a

mitigação de sua essência126

.

O texto constitucional também indicou a situação jurídica de quem ainda não teve a

sua responsabilidade reconhecida por sentença transitada em julgado, ao estabelecer, em seu

121 OLIVEIRA, 2009, p. 09. 122 GIACOMOLLI, 2008, p. 10. 123 Ibid., p. 11. 124 THUMS, 2006, p. 103. 125

OLIVEIRA, op. cit., p. 08. 126 GIACOMOLLI, op. cit., p. 11.

37

artigo 5º, LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença

penal condenatória”.

A presunção de inocência, princípio reitor do processo penal, possui conceituação

muito complexa. Todavia, pode ser definida como um dever de tratamento, que atua em duas

dimensões, interna e externa ao processo. Quanto à dimensão interna ao processo, a presunção

de inocência gera o dever de tratamento por parte do juiz e da acusação, que não poderão

tratar o réu como se fosse culpado, antes de uma sentença condenatória definitiva. Em razão

disso, atribui-se, integralmente, o ônus probatório ao órgão acusador, pois o acusado não

possui o encargo de afastar a pretensão acusatória. No tocante à dimensão externa ao

processo, a presunção de inocência institui limites à publicidade e à estigmatização precoce

do acusado perante o corpo social, evitando-se a exorbitante exploração midiática da infração

penal127

.

A Constituição da República de 1988 instituiu o direito ao silêncio (art. 5º, LXVIII,

CF). Daí decorreu o direito de não produzir prova contra si mesmo – nemo tenetur se

detegere. É importante dizer que o direito ao silêncio engloba todas as formas de condutas

que possam ocasionar a autoincriminação, como, por exemplo, a reconstituição de um delito

ou intervenções corporais invasivas128

.

Segundo o texto constitucional (art. 5º, LX, CF), a publicidade dos atos processuais é

impositiva, mas pode ser restringida para a defesa da intimidade ou do interesse social. Tal

regra também vale no âmbito das provas, o que torna inadmissível a produção probatória de

forma sigilosa e misteriosa129

.

O Ministério Público foi concebido como uma instituição independente, estruturada

em carreira, com a atribuição da defesa da ordem jurídica, o que indica que o seu papel não se

esgota com a promoção dos interesses exclusivos da acusação130

.

O objetivo traçado pela nova ordem constitucional é a instauração de um processo

penal garantidor da efetiva igualdade entre as partes, realizado a partir da instrução

contraditória, perante o juiz natural da causa, com a participação da defesa técnica. A decisão

judicial deve ser proferida de forma motivada, a fim de garantir a possibilidade de sua

impugnação perante o órgão recursal competente131

.

127 LOPES JR., 2013, p. 230. 128 GIACOMOLLI, 2008, p. 13. 129 Ibid., p. 14. 130

OLIVEIRA, 2009, p. 08. 131 OLIVEIRA, loc. cit.

38

Não há unanimidade na doutrina no que concerne à opção constitucional pelo modelo

processual acusatório, uma vez que inexiste referência expressa ao princípio acusatório, assim

como ocorreu nas Constituições de Portugal e da Espanha. Por esse motivo, THUMS afirma

que “faltou coragem ao Constituinte de 1988 para dar um passo tão importante na área do

processo penal” 132

.

No entanto, a interpretação sistemática do texto constitucional evidencia sua

consagração, já que a valorização da dignidade da pessoa humana, que é pressuposto básico

do sistema acusatório, é considerada o princípio fundante do Estado brasileiro.

Ademais, o texto constitucional prevê regras determinantes do modelo processual

acusatório, como o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV), a titularidade exclusiva da

ação penal pública pelo Ministério Público (art. 129, I), o devido processo legal (art. 5º, LIV),

a presunção de inocência (art. 5º, LVII) e a exigência de publicidade e fundamentação das

decisões judiciais (art. 93, IX)133

.

No âmbito jurisprudencial, a eleição do sistema acusatório pela Constituição de 1988

já foi reconhecida até mesmo em precedentes do Superior Tribunal de Justiça134

e do Supremo

Tribunal Federal135

.

No Recurso em Habeas Corpus nº 23.945/RJ, julgado pelo Superior Tribunal de

Justiça, ficou assentado que a CRFB/88 prestigiou o sistema acusatório através da

implantação de um Estado Democrático de Direito. Vejamos trechos do voto proferido pela

ministra JANE SILVA, de importância crucial para os fins deste estudo:

Com a promulgação da Constituição da República de 1988 o sistema inquisitório,

típico de países totalitários, cedeu lugar ao Estado Democrático de Direito que

preconiza por um processo de partes, com os atos processuais sendo praticados sob a

égide das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, estas sim,

aptas a efetivar direitos fundamentais de liberdade, vida e dignidade do homem.

[...]

Ainda que os crimes investigados sejam graves, que os membros da suposta

quadrilha estejam organizados de tal forma a dificultar a elucidação correta dos fatos

132 THUMS, 2006, p. 240. 133 LOPES JR., 2013, p. 223. 134

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus nº 23.945/RJ. Relatora Ministra Jane

Silva (Desembargadora convocada do TJMG). Sexta Turma. Brasília, 05 fev. 2009. Publicação: Diário de Justiça Eletrônico, 16 mar. 2009.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 63.790/RJ. Relator Ministro Paulo Gallotti. Sexta

Turma. Brasília, 17 out. 2006. Publicação: Diário de Justiça Eletrônico: 26 nov. 2007. 135

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n°

5104/DF. Relator Ministro Roberto Barroso. Tribunal Pleno. Brasília, 21 mai. 2014. Publicação: Diário de

Justiça Eletrônico, 30 out. 2014.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 115015. Relator Ministro Teori Zavascki. Segunda

Turma. Brasília, 27 ago. 2013. Publicação: Diário de Justiça Eletrônico, 12 set. 2013.

39

pelo Estado, a garantia do indivíduo, de se ver julgado por órgão imparcial, sob o

crivo do contraditório e da ampla defesa, não pode ser esquecida, sob pena de todos

nós pagarmos o preço mais caro de retorno ao sistema inquisitório.

De igual modo, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Medida Cautelar na Ação

Direta de Inconstitucionalidade nº 5.104/DF, reconheceu a escolha inequívoca do texto

constitucional pelo sistema acusatório. Confira-se, a propósito, um trecho do voto do ministro

relator ROBERTO BARROSO:

Como se sabe, a Constituição de 1988 fez uma opção inequívoca pelo sistema acusatório – e não pelo sistema inquisitorial –, criando as bases para uma mudança

profunda na condução das investigações criminais e no processamento das ações

penais no Brasil. De forma específica, essa opção encontra-se positivada no art. 29,

inciso I – que confere ao Ministério Público a titularidade da ação penal de iniciativa

pública –, e também no inciso VIII, que prevê a competência do Parquet para

requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquéritos policias. De forma

indireta, mas igualmente relevante, a mesma lógica básica pode ser extraída dos

direitos fundamentais ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório.

Para GERALDO PRADO, a eleição do sistema acusatório é uma decorrência natural da

adoção do princípio democrático pelo Estado. A separação dos poderes, como mecanismo de

concretização da soberania popular, tem reflexos na orientação epistemológica e normativa

das ações desenvolvidas pelas esferas legislativa e judicial136

.

Frente a toda argumentação exposta, conclui-se que a análise sistemática da

Constituição de 1988 demonstra a adoção do modelo processual acusatório, mesmo que de

forma implícita. O reconhecimento da dignidade da pessoa humana e dos direitos

fundamentais pelo texto constitucional deve orientar a elaboração e a aplicação das demais

normas a partir de uma perspectiva acusatória do processo penal.

Frise-se que a implantação do sistema acusatório também repercute na atuação dos

órgãos estatais envolvidos na persecução penal, exigindo dos membros do Poder Judiciário e

do Ministério Público a devida observância das garantias individuais dos sujeitos processados.

136 PRADO, 2006, p. 34.

40

4.3 Alterações legislativas de 2008 acerca das provas

Dentre os vários projetos de reforma do Código de Processo Penal apresentados em

2001, três deles foram aprovados, após sete anos de tramitação. Desse modo, em 2008, as

Leis nº 11.689 e 11.690 e 11.719 conferiram novos ajustes à legislação processual penal.

Tais alterações, contudo, não se desligaram da base epistemológica e política da

legislação processual da década de 40, remanescendo o predomínio do ius puniendi sobre o

direito de liberdade, a busca incansável da verdade real, até mesmo com a atuação ex officio

do juiz, e os traços inquisitoriais contrários à Constituição Federal137

.

JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO sustenta que as mudanças legislativas

constituíram reformas parciais, incapazes de corrigir o núcleo do problema, que está no

princípio inquisitivo do nosso ordenamento jurídico. É evidente o absoluto descompasso entre

a inspiração fascista do nosso Código e o devido processo legal e constitucional adotado pela

atual Constituição da República, democraticamente promulgada138

.

O Código de Processo Penal está impregnado de regras inquisitoriais, uma vez que a

gestão da prova encontra-se, primordialmente, nas mãos do juiz, visto como o senhor do

processo139

.

Nessa perspectiva, a conformação da legislação brasileira ao sistema acusatório, que

foi implicitamente acolhido pela CRFB/88, mostra-se extremamente árdua. Existe um apego à

verdade e ao seu tratamento legal, pois o legislador, com base no mito da verdade real,

outorga amplos poderes ao juiz na busca de elementos para sua decisão, que deve ser o retrato

da realidade fática140

.

A Lei 11.690/2008 promoveu alterações nos artigos 155 a 159, 201, 210, 212 e 217 do

CPP.

Primeiramente, convém registrar que não havia disposição no Código de Processo

Penal da década de 40 acerca da ilicitude das provas. Porém, a Constituição Federal, no artigo

5º, inciso LVI, já havia estabelecido que “são inadmissíveis, no processo, as provas adquiridas

por meios ilícitos”. A nova redação do artigo 157 do CPP141

apenas consolidou a aludida

137 GIACOMOLLI, 2008, p. 01. 138 COUTINHO, 2008, p. 11. 139 Ibid., p. 12. 140 THUMS, 2006, p. 192. 141

Art. 157 do CPP: São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim

entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

41

regra em âmbito infraconstitucional. Entretanto, o referido artigo também criou restrições não

impostas pela Constituição, ao admitir provas derivadas das ilícitas, quando não existir nexo

de causalidade entre elas ou quando as derivadas puderem ser adquiridas por uma fonte

independente142

.

Vale anotar que o §4º do artigo 157 do CPP foi objeto de veto presidencial. Este

dispositivo previa que o juiz que tivesse contato com o conteúdo da prova declarada

inadmissível não poderia proferir sentença ou acórdão. Como bem explicado por JACINTO

COUTINHO, o objetivo do veto foi imprimir celeridade ao julgamento do processo, “mesmo

que o preço para tanto seja aviltar a democracia processual-constitucional” 143

.

Ademais, verifica-se que o legislador reforçou a valoração judicial dos elementos

colhidos durante a fase de investigação, sem o contraditório.

O antigo artigo 157 do CPP144

estipulava que o juiz deveria formar sua convicção pela

livre apreciação das provas, que, assim entendidas, só podem ser produzidas em contraditório

judicial. Todavia, a nova redação conferida ao artigo 155 do CPP145

viabilizou a apreciação,

pelo julgador, de elementos informativos colhidos durante a investigação, desde que tais

elementos não constituam o único fundamento da decisão judicial.

A apreciação judicial de dados coletados durante a fase de investigação preliminar

implica a desvirtuação do sistema acusatório e da essência do processo penal, já que o

contraditório, com a efetiva participação da defesa, é o traço que diferencia o processo dos

demais procedimentos146

. Nas palavras de GIACOMOLLI:

O art. 155 do CPP, ao permitir que o magistrado fundamente sua decisão, mesmo

que subsidiariamente, em atos de investigação, e não em atos de prova, representa

uma afirmação da inspiração inquisitorial de processo penal. Desta forma, o

legislador sacramentalizou o que vinha ocorrendo na práxis judiciária, ou seja, na

consideração dos elementos escolhidos na fase inquisitorial para condenar o

acusado. Autoriza o referido dispositivo a utilização pelo juiz, no momento de sua

§1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de

causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das

primeiras.

§2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da

investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

§3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. 142 COUTINHO, 2008, p. 12. 143 COUTINHO, loc. cit. 144 Art. 157 do CPP/1941: O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova. 145Art 155 do CPP/1941: O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório

judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na

investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. 146 GIACOMOLLI, 2008, p. 21.

42

decisão, dos elementos colhidos sem o contraditório judicial, de forma supletiva.

Essa valoração ultrapassa a mera possibilidade de contaminação do que foi

produzido sob o contraditório judicial, pelos elementos inquisitoriais, e alcança a

consideração direta destes.147

Por outro lado, o exame do artigo 156 do CPP, com a redação conferida pela Lei nº

11.690/08148

, indica que a prova da alegação será atribuída a quem a fizer. No entanto, como

já destacado, o ônus probatório no processo penal está sempre concentrado na parte

acusadora, que deve demonstrar a autoria e a materialidade do delito.

Por essa razão, a defesa possui apenas a oportunidade de evidenciar, através do

contraditório, suas alegações e produzir contraprovas das teses afirmadas pela acusação.

Importante dizer que as teses defensivas nunca serão afastadas pela insuficiência probatória

defensiva e nem as da acusação serão acolhidas pela carência de prova defensiva149

.

O inciso I do artigo 156 do CPP torna claro o modelo inquisitorial adotado pelo

legislador de 2008, pois permite que o juiz ordene a produção de provas consideradas

urgentes e relevantes, mesmo antes de iniciada a ação penal. Vê-se que a alteração legislativa

ampliou os poderes probatórios do magistrado, que poderá atuar, independentemente de

provocação, antes da formalização da pretensão acusatória pelo Ministério Público.

Convém acentuar que o julgador não é o responsável por tutelar a qualidade da

investigação, uma vez que, sobre ela, não será exercida jurisdição, ressalvadas determinadas

provas urgentes. A coleta do material probatório na fase inquisitorial é de interesse exclusivo

do responsável pelo ajuizamento da ação penal. O conhecimento judicial sobre os elementos

de prova deve estar limitado à fase de prolação da sentença, quando se estará no exercício de

função tipicamente jurisdicional150

.

É injustificável, sob a perspectiva do sistema acusatório, o envolvimento do juiz nos

autos da investigação, para analisar a qualidade dos elementos informativos pesquisados,

determinar diligências, dar-se por satisfeito com aquelas já empreendidas ou, inclusive,

147 GIACOMOLLI, 2008, p. 22. 148 Art. 156 do CPP/1941: A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de

ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e

relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir a sentença, a realização de diligências para dirimir

dúvida sobre ponto relevante. 149

GIACOMOLLI, op. cit., p. 08. 150 OLIVEIRA, 2009, p. 10-11.

43

interferir na atuação do órgão ministerial, com o propósito de possibilitar a formação da

opinio delicti151

.

A intervenção judicial ainda na fase de investigação “é algo completamente anômalo,

a ser expurgado do ordenamento jurídico, sob pena de violação das regras básicas pertinentes

à distribuição de funções, com a garantia para o acusado da imparcialidade do seu julgador”

152.

Outra situação completamente diferente refere-se ao necessário controle pelo juiz das

medidas constritivas de direitos fundamentais realizadas na fase de investigação.

Como se sabe, ainda na etapa preparatória da ação penal, são adotadas diversas

providências que inauguram as relações jurídicas cautelares, como, por exemplo, a busca

domiciliar, a prisão temporária e preventiva e a apreensão de coisas. Nessas hipóteses, exige-

se o conhecimento judicial das referidas medidas cautelares, para que os direitos fundamentais

dos investigados sejam devidamente respeitados153

.

Noutro giro, também não se pode atribuir validade constitucional ao inciso II do artigo

156 do CPP, que faculta ao juiz, no curso do processo, a iniciativa probatória para dirimir

dúvida sobre ponto relevante.

No processo penal, a existência de dúvida exige a absolvição do acusado, em face do

princípio in dubio pro reo. A realização de qualquer diligência, nesse caso, revela a aderência

do órgão jurisdicional ao interesse da acusação e ofende a presunção de inocência do acusado,

pois ocasionaria a produção de provas desfavoráveis à defesa.

Feitas essas considerações, nota-se que o atual artigo 156 do CPP representa uma

evidente afronta ao processo legal, formal e substancialmente. A nova redação é ainda pior

que o preceito derrogado, já que, anteriormente, entendia-se que o julgador não participava da

colheita das provas durante a fase inquisitorial154

, como bem explica JACINTO COUTINHO:

Agora, sem embargo, o texto é mais honesto se medido em relação à realidade que

se vive, deixando claro o absurdo fascista das entranhas do sistema, inclusive em

relação ao próprio magistrado. Afinal, permite-lhe expressamente, nas duas fases da

persecução, ordenar ex officio a produção de provas (os fundamentos suprem-se

retoricamente a partir de conceitos indeterminados como necessidade, adequação,

proporcionalidade e – pior – “dúvida sobre ponto relevante”) e, depois, cobra-se

dele, a partir da base constitucional, equidistância e equilíbrio na condução do

151 PRADO, 2006, p. 175. 152 Ibid., p. 179. 153 Ibid., p. 181. 154 COUTINHO, 2008, p. 12.

44

processo (ainda confundido, em 2008, com ação penal) e no acertamento do

processo. 155

A ampla liberdade de iniciativa probatória justifica, em muitas hipóteses, a

substituição do Ministério Público pela atuação do julgador, o que inviabiliza, por completo, a

paridade de armas no processo penal.

Nota-se que a autorização legal para que o magistrado determine de ofício a produção

de provas, bem como a realização de diligências que julgar necessárias para dirimir suas

dúvidas, permite que o juiz atue como parte no processo penal, exercendo uma atividade que

não é sua. Esta permissão não se compatibiliza com o sistema acusatório, já que é encargo da

acusação a coleta de material probatório suficiente para amparar uma eventual sentença

condenatória.

4.4 O descompasso entre a legislação infraconstitucional e o modelo acusatório

A Constituição Federal de 1988 elegeu o modelo acusatório de processo penal, nos

moldes adotados pelos sistemas jurídicos modernos, com a implantação de um sistema de

amplas garantias individuais e com a nítida separação das funções de acusação e de

julgamento. Entretanto, o sistema infraconstitucional vigente, em especial o Código de

Processo Penal, apresenta traços claramente inquisitivos, visto que o juiz continua

gerenciando os elementos probatórios, estando autorizado a praticar atos que conduzem à

condenação do acusado156

.

Com efeito, mostra-se insuficiente a separação inicial das atividades de acusar e de

julgar, quando se permite, ao longo do procedimento, que o magistrado participe ativamente

da busca de provas ou pratique atos típicos do órgão acusador, como a determinação, ex

officio, de exame de corpo de delito complementar (art. 168 do CPP), de sequestro (art. 127

do CPP) e de busca e apreensão (242 do CPP), bem como a realização de interrogatório do

réu a qualquer tempo (art. 196 do CPP), a oitiva de testemunhas não arroladas pelas partes

(art. 209 do CPP) e a condenação do acusado nos casos em que o Ministério Público tenha

postulado a absolvição (art. 385 do CPP)157

.

155 COUTINHO, 2008, p. 12. 156

THUMS, 2006, p. 303. 157 LOPES JR., 2013, p. 122.

45

Nesse contexto, vê-se que as limitações impostas ao juiz quanto à condução e à

disposição da prova constituem o traço fundamental para a diferenciação dos sistemas

processuais158

. Ou se admite que o juiz realize a gestão da prova, optando-se pelo sistema

inquisitório, ou se permite que as partes disponham dos elementos probatórios, elegendo-se o

sistema acusatório.

Ficou claro que o sistema processual penal brasileiro, produzido durante o período de

ditadura e de guerra mundial, possui muitas regras processuais que não foram recepcionadas

pela Constituição159

. Todavia, a cultura jurídica existente no país ainda não assimilou a opção

constitucional pelo sistema acusatório, o que inviabiliza, até o momento, a adaptação do

autoritário Código de Processo Penal de 1941.

A dogmática tradicional continua sendo influenciada pelo ranço da política penal e de

defesa social, que representa o maior desafio à consolidação dos princípios fundamentais

inerentes ao Estado Democrático de Direito e ao modelo acusatório160

. É preciso reconhecer

que a adequada aplicação da lei não deve estar voltada aos ideais proclamados pela opinião

pública, que costuma ser manipulada pela mídia ou, até mesmo, movida por interesses

político-econômicos161

.

Assim, evidenciada a matriz inquisitória do processo penal brasileiro, exige-se a

realização de uma filtragem constitucional daqueles dispositivos que violam o sistema

acusatório. A estrutura da legislação processual penal deve ser conformada à nova ordem

constitucional vigente, eliminando-se os inconvenientes inquisitoriais que ainda persistem em

nosso sistema162

.

A interpretação das regras processuais precisa estar amparada na Constituição. Ao

juiz, responsável pela efetivação do texto constitucional, incumbe adaptar as leis processuais

conforme o sistema acusatório ou, se for o caso, deixar de aplicar aquelas normas que

ofendam a Constituição e os direitos fundamentais por ela estabelecidos163

.

Desse modo, a reforma do sistema processual penal brasileiro é medida que se impõe,

uma vez que a concretização do princípio acusatório exige a formulação de um novo Código,

que se harmonize com os princípios constitucionais democráticos dirigidos à proteção do

acusado durante a persecução penal.

158 THUMS, 2006, p. 303. 159 Ibid., p. 78. 160 Ibid., p. 93-94. 161 Ibid., p. 305. 162

LOPES JR., 2013, p. 127. 163 PRADO, 2006, p. 49.

46

5 INICIATIVA INSTUTÓRIA DO JUIZ E PRINCIPIOLOGIA

5.1 Princípios e garantias processuais penais constitucionais

O sistema jurídico é integrado por um conjunto de normas organizadas e estruturadas a

partir de um texto fundamental, a Constituição, que pode ser definida como a concreta

maneira de ser de um Estado, quanto aos seus aspectos político, jurídico, sociológico ou

sistemático. No texto constitucional estão previstas as estruturas conceituais, os princípios

fundamentais, os objetivos estatais e a ordem econômica, política e social de um Estado164

.

JOSÉ FREDERICO MARQUES aponta que a Constituição de um país contém os pilares

institucionais e políticos de toda a legislação ordinária. Em razão de sua preeminência na

sistemática das normas legais, a carta constitucional não só traça preceitos que servem de

fontes formais para inúmeros domínios da regulamentação jurídica, como também indica

diversas características de fontes materiais em que o legislador encontra inspiração para a

elaboração de regras destinadas à disciplina legal das relações e dos fatos sociais165

.

O texto constitucional subordina o legislador ordinário a um regime de estrita

legalidade e ainda submete todo o ordenamento normativo a uma causalidade constitucional,

que é condição de legitimidade de qualquer imperativo jurídico. Portanto, a conformidade da

lei com a Constituição é o que a torna válida166

.

No âmbito do processo penal, o papel desempenhado pela Constituição e pelas

garantias constitucionais está atrelado à imposição de controles e limites ao Estado na

condução da persecução penal. As garantias do processo, que são amparadas pelas normas

constitucionais, são imprescindíveis para a tutela dos direitos fundamentais do homem167

.

A estrutura do processo penal, como litígio entre partes, ocasiona o total desprezo da

forma inquisitiva de procedimento, uma vez que o acusado não pode ser visto como mero

objeto de investigação, mas sim como sujeito de direitos, ônus, deveres e obrigações no

procedimento destinado a verificar a procedência ou não da pretensão punitiva estatal168

.

Sendo assim, adquire extrema importância o reconhecimento de que os princípios

constituem o alicerce da ordem constitucional, representando o fundamento irrenunciável de

toda norma e de toda decisão judicial.

164 THUMS, 2006, p. 77. 165 MARQUES, 2000, p. 75- 76. 166 Ibid., p.76-77. 167

THUMS, op. cit., p. 97. 168 MARQUES, op.cit., p. 82.

47

O sistema jurídico de um Estado Democrático de Direito precisa de uma ordem

axiológica de princípios fundamentais que oriente o legislador na edição de leis

infraconstitucionais e os intérpretes na aplicação dessas normas. Os princípios permitem o

direcionamento da ordem jurídica e impedem que os aplicadores do Direito apenas

reproduzam as concepções manipuladas pela dogmática conservadora169

.

Pode-se afirmar que os princípios atribuem vida ao texto constitucional, porquanto são

responsáveis pela escolha de valores essenciais, que guiarão a interpretação das normas.

Oportuno ressaltar que a Constituição da República aponta as diretrizes da estrutura

processual, ao assentar diversos direitos e garantias referentes à persecução penal, que,

inegavelmente, são decorrentes de princípios fundamentais170

. A este respeito, assim se

pronunciou GERALDO PRADO:

Parece evidente que, se é possível encontrar na Constituição da República as

diretrizes da estrutura processual, tais diretrizes concebem-se certamente como

decorrentes dos princípios fundamentais do Estado de Direito e da Democracia, com

a divisão e controle de poderes, ao lado da publicidade, e dos princípios-garantias,

vinculados à exigência de juiz imparcial, do exercício privativo da ação penal

pública pelo Ministério Público, da garantia da ampla defesa (autodefesa e defesa

profissional ou técnica e da prescrição da atividade de polícia judiciária a

determinados órgãos, consistindo estas diretrizes em subprincípio derivado daqueles

estruturantes, relacionados aos dois citados, como, indiscutivelmente, o princípio da

separação de poderes.171

A relação processual penal deve desenvolver-se a partir da estrutura democrática

adotada pela Constituição e instrumentalizada em conformidade com os princípios

constitucionais, de forma a viabilizar o adequado usufruto dos direitos de ação e de defesa,

“na busca da justa solução do conflito de interesse penal ou do caso penal” 172

.

O sistema de normas constitucionais, somado aos recursos da hermenêutica, oferece

condições para que a interpretação das normas aplicáveis ao caso concreto respeite a

preponderância dos princípios que asseguram direitos fundamentais173

. Logo, qualquer lei

ordinária e até mesmo emenda constitucional que esteja em conflito com tais princípios não

deverá ser aplicada pelo juiz, haja vista que o texto constitucional é a fonte de validade de

todas as normas inferiores174

.

169 THUMS, 2006, p. 94. 170 PRADO, 2006, p. 59. 171 PRADO, loc. cit. 172

Ibid., p. 44. 173

THUMS, op. cit., p. 91. 174 Ibid., p. 105.

48

Todavia, importante sublinhar que muitos princípios previstos na Constituição de 1988

ainda não são plenamente respeitados em nosso ordenamento jurídico, uma vez que diversas

leis de perfil inquisitorial continuam sendo aplicadas, em evidente violação aos direitos

fundamentais.

Nesse contexto, passaremos a identificar algumas garantias constitucionais no âmbito

do processo penal, com o objetivo de confrontar a iniciativa instrutória do juiz com princípios

constitucionais e seus respectivos corolários.

5.2 Princípio acusatório

Como visto, muito embora a nossa Constituição não contenha previsão expressa sobre

a opção pelo princípio acusatório, a interpretação sistemática do texto constitucional

evidencia a consagração do aludido princípio.

Inicialmente, importante ressaltar que democracia e sistema acusatório compartilham a

mesma base epistemológica, referente à valorização da dignidade da pessoa humana. No

fundamento do processo penal democrático encontra-se o sistema acusatório, que concede ao

juiz a função de prestador da jurisdição e não a de agente de investigação ou de acusação175

.

Além disso, uma série de regras estampadas no texto constitucional confirma sua

filiação ao princípio acusatório, pois são praticamente inconciliáveis com o sistema

inquisitório.

Assim, tem-se a atribuição da titularidade do exercício da ação penal pública ao

Ministério Público, a garantia do devido processo legal, com ampla defesa e contraditório,

bem como a de que todos os acusados sejam considerados inocentes até o trânsito em julgado

da sentença condenatória e que seu julgamento seja realizado por juízes competentes e

imparciais176

.

Identificando o sistema acusatório, GILBERTO THUMS leciona que:

Pode-se designar o sistema acusatório como um complexo de normas e princípios

fundamentais ordenadamente dispostos a partir de um princípio basilar, que é o

princípio acusatório. Baseia-se na divisão de tarefas na persecução penal,

175

THUMS, 2006, p. 250. 176 PRADO, 2006, p. 195.

49

apresentando um acusador, um defensor e um órgão julgador. Todos independentes

e com clara definição de seus papéis, estando as partes em posição de igualdade.177

A diferenciação entre os sistemas processuais dá-se através de seus princípios

unificadores, que são determinados pelo critério de gestão da prova. Uma vez constatada a

finalidade do processo de reconstrução de um fato pretérito, a forma pela qual se realiza a

instrução probatória é o elemento que identificará o princípio informador178

.

De fato, o sistema inquisitório, regido pelo princípio inquisitivo, caracteriza-se pela

extrema concentração de poder nas mãos do juiz, que detém a gestão da prova. Nesse sistema,

o acusado é mero objeto da investigação e visto como detentor da verdade de um delito. Por

sua vez, o sistema acusatório, informado pelo princípio dispositivo, atribui a gestão da prova

às partes, cabendo ao juiz, com base exclusivamente nos elementos probatórios produzidos no

processo, aplicar o direito ao caso concreto179

. Logo, a gestão da prova está concentrada nas

mãos das partes e, mais especificamente, a carga probatória está centralizada no órgão

acusador, assegurando-se a imparcialidade do juiz180

.

Vale destacar que a determinação do papel e da colocação institucional do julgador é

variável de acordo com o caráter acusatório ou inquisitório do sistema processual penal. No

modelo acusatório, assume-se que o juiz é um sujeito passivo e rigidamente separado das

partes. O julgamento é um debate paritário desenvolvido entre a acusação, que detém o ônus

da prova, e a defesa, mediante um contraditório público e oral. Já no sistema inquisitório, o

magistrado realiza, de ofício, a procura, a colheita e a avaliação das provas, proferindo o

julgamento após uma instrução escrita e secreta, que limita ou exclui o contraditório e os

direitos da defesa181

.

Diante da breve análise dos sistemas processuais e dos princípios que os estruturam,

nota-se que o modelo constitucional acusatório contrapõe-se ao sistema inquisitório adotado

pelo Código de Processo Penal. Esta realidade cria a necessidade de interpretação cautelosa

dos dispositivos que conferem poderes instrutórios ao juiz, com a finalidade de evitar a

ruptura da estrutura dialética do processo penal.

O julgador não pode desencadear ou provocar sua própria jurisdição, devendo

aguardar a provocação do órgão acusador. Autorizar a iniciativa instrutória do juiz, no sentido

177 THUMS, 2006, p. 237. 178 COUTINHO, 1999, p. 110. 179 COUTINHO, loc.cit. 180

LOPES JR., 2013, p. 224. 181 FERRAJOLI, 2002, p. 452.

50

de buscar a prova e decidir a seu respeito, viola o princípio acusatório e o monopólio da ação

penal pública, atribuída ao Ministério Público pela CRFB/88. A existência de um órgão

estatal, organizado e estruturado por lei, em quadro de carreira, com a função de promover a

ação penal pública, já indica, por si só, a impossibilidade de assunção do papel de acusador

pelo juiz. O interesse público do processo no tocante à acusação esgota-se na atuação do

Ministério Público, que é o único interessado pela pretensão acusatória e seus limites182

.

O princípio acusatório exige que o juiz se preserve na qualidade de expectador passivo

e desinteressado, em função da proibição ne procedat iudex ex officio. A partir do momento

em que se atribui a gestão da prova ao magistrado, tem-se um sistema inquisitório com a

presença de um juiz-ator183

.

Portanto, a efetivação de um sistema informado pelo princípio acusatório impõe a

vedação a qualquer tipo de ativismo probatório pelo juiz, com vistas à estruturação de um

Poder Judiciário independente, formado por julgadores preocupados com o respeito às

garantias reconhecidas na Constituição Federal.

5.3 Imparcialidade da jurisdição

A imparcialidade do órgão jurisdicional é um princípio supremo do processo e

fundamental para seu regular andamento, que assegura ao julgador a posição de terceiro

supraordenado às partes ativa e passiva184

.

O princípio da imparcialidade funciona como o propósito a ser conquistado pelo

julgador no exercício da jurisdição, razão pela qual são criados mecanismos capazes de

assegurá-lo. É essencial o reconhecimento de que a imparcialidade é uma garantia, tanto para

quem exerce a jurisdição, como para quem demanda perante ela185

.

De acordo com MARCOS ZILLI, a imparcialidade é um resultado natural do devido

processo legal e de um Estado verdadeiramente Democrático de Direito, de forma que a

atividade jurisdicional apenas será legítima quando for conduzida por um juiz equidistante das

partes processuais186

.

182 THUMS, 2006, p. 252. 183 Ibid., p. 251. 184 LOPES JR., 2013, p. 177. 185

COUTINHO, 1999, p. 117. 186 ZILLI, 2003, p. 140.

51

Ademais, constitui uma qualidade inerente à jurisdição, reconhecida como um direito

humano assegurado por diversos documentos internacionais, caracterizando-se pelo

desinteresse subjetivo do julgador pela lide processual. O juiz, que fica impedido de servir aos

interesses pessoais de alguma das partes, deve exercer sua atividade com isenção, sem aceitar

que elementos externos influenciem o conteúdo da decisão do caso colocado a julgamento187

.

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos já apontou, ainda na década de oitenta do

século passado, que os poderes investigatórios do juiz não se compatibilizam com a função de

julgamento, já que acarretam a violação da imparcialidade da jurisdição.

No caso Piersack vs. Bélgica188

de 1982, examinou-se a confusão entre as funções de

acusar e de julgar. Na hipótese, Christian Piersack apresentou uma demanda contra o Estado

belga alegando que não teria sido julgado por um tribunal independente e imparcial, visto que

um juiz integrante do órgão judiciário responsável pelo julgamento já havia atuado,

anteriormente, como órgão do Ministério Público perante o qual os fatos foram investigados.

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos estabeleceu que a imparcialidade é definida

pela ausência de “pré-juízos” e apresenta um aspecto subjetivo e objetivo. O aspecto subjetivo

refere-se à convicção pessoal do juiz sobre um determinado caso concreto. Já a

imparcialidade objetiva corresponde à verificação da situação do juiz, que deve oferecer

garantias suficientes para excluir qualquer dúvida razoável acerca de sua imparcialidade.

No caso em comento, o Tribunal europeu concluiu que existiam razões legítimas para

que Piersack duvidasse da isenção do juiz, que não deveria ter conhecido o caso. Portanto,

reconheceu que o Estado belga violou o artigo 6.1 da Convenção de Direitos Humanos,

responsável pela garantia da imparcialidade do julgador.

No caso De Cubber vs. Bélgica189

de 1984 também se analisou a possibilidade de um

juiz participar do julgamento de um processo do qual havia sido responsável pela investigação

criminal. Neste caso, De Cubber invocou a violação ao disposto no artigo 6.1 da Convenção

de Direitos Humanos, pois havia sido condenado por um Tribunal composto, entre outros,

pelo juiz que comandara a investigação dos fatos na fase preliminar.

No mesmo sentido, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos assentou que a

acumulação das funções de investigação e de julgamento é motivo suficiente para a quebra da

187 ZILLI, 2003, p. 140. 188

Caso “Piersack vs. Bélgica”, julgado em 01 de outubro de 1982, Série A, n. 53. 189 Caso “De Cubber vs. Bélgica”, julgado em 26 de outubro de 1984, Série A, n. 86.

52

confiança do réu na imparcialidade do julgador, pois constitui ofensa ao aspecto objetivo da

imparcialidade.190

No ordenamento jurídico brasileiro, o Supremo Tribunal Federal já tratou dos aspectos

subjetivo e objetivo da imparcialidade da jurisdição.

No Habeas Corpus nº 94641191

, julgado em 11/11/2008, a Turma, por maioria de

votos, concedeu, de ofício, a ordem de habeas corpus impetrado em favor do paciente, a fim

de anular o processo desde o recebimento da denúncia, em razão da ofensa à garantia da

imparcialidade da jurisdição. No caso, o paciente foi denunciado e condenado pela prática de

atentado violento ao pudor contra sua própria filha, porque teria praticado com ela, em muitas

ocasiões, atos libidinosos diversos da conjunção carnal.

Durante procedimento oficioso de investigação de paternidade promovido pela filha

do paciente para a averiguação da identidade do pai da criança, levantaram-se indícios de que

ela poderia ter sido violentada pelo paciente. O juiz que conduzia tal procedimento, durante

vários dias, intimou testemunhas, colheu depoimentos e enviou um relatório ao Ministério

Público. Este, em seguida, ofereceu denúncia contra o paciente. Ocorre que a inicial

acusatória foi recebida pelo mesmo juiz da ação investigatória de paternidade, que, baseado

nos fatos por ele apurado, presidiu toda a instrução e proferiu sentença.

Observa-se que o magistrado colheu pessoalmente os elementos informativos que

sustentaram a denúncia e, mais tarde, conduziu toda a ação penal baseada nos mesmos fatos,

vindo a proferir sentença condenatória. Dessa forma, o julgador atuou na produção das provas

e cognição dos fatos nas duas fases processuais.

O voto-vista do ministro CEZAR PELUSO destacou que o julgador, ao conduzir e julgar

a ação penal, jamais conseguiria desvincular-se das impressões pessoais adquiridas durante a

investigação oficiosa de paternidade. Ressaltou que o conteúdo das decisões do magistrado

evidenciava a forte influência das percepções gravadas na instrução preliminar, visto que

estavam repletas de remissões aos atos da investigação prévia e de opiniões já anteriormente

expostas sobre os fatos.

190 Oportuno destacar a observação realizada por Aury Lopes Jr. (2013, p. 181) quanto à posterior oscilação da jurisprudência do TEDH, principalmente na década de 90, no sentido de flexibilizar o entendimento de que os

poderes investigatórios do juiz violam a garantia de imparcialidade. Como ressaltado pelo autor, os casos

analisados remontam ao início da década de 80, época marcada pelo predomínio do modelo de juizado de

instrução (juiz-instrutor/inquisidor), no qual o um mesmo juiz investigava e julgava. Dessa forma, as decisões

citadas evidenciam um problema que não mais existe no modelo atual dos principais sistemas processuais penais

europeus, visto que houve o abandono do modelo de juizado de instrução. 191

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 94641. Relatora Ministra Ellen Gracie. Relator p/

Acórdão: Ministro Joaquim Barbosa. Segunda Turma. Brasília, 11 nov. 2008. Publicação: 06 mar. 2009.

53

O ministro CEZAR PELUSO considerou que houve quebra da imparcialidade objetiva,

que funciona como cláusula elementar do princípio constitucional do justo processo da lei, de

modo a ocasionar o impedimento para que o referido magistrado exercesse a jurisdição:

Caracteriza-se, portanto, hipótese exemplar de ruptura da situação de imparcialidade

objetiva, cuja falta incapacita, de todo, o magistrado para conhecer e decidir causa

que lhe tenha sido submetida, em relação à qual a incontornável predisposição

psicológica nascida de profundo contato anterior com as revelações e a força retórica

da prova dos fatos o torna concretamente incompatível com a exigência de exercício

isento da função jurisdicional. Tal qualidade, carente no caso, diz-se objetiva,

porque não provém da ausência de vínculos juridicamente importantes entre o juiz e

qualquer dos interessados jurídicos na causa, sejam partes ou não (imparcialidade

dita subjetiva), mas porque corresponde à condição de originalidade da cognição

que irá o juiz desenvolver na causa, no sentido de que não haja ainda, de modo

consciente ou inconsciente, formado nenhuma convicção ou juízo prévio, no mesmo

ou em outro processo, sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte jurídica da lide por

decidir. Como é óbvio, sua perda significa falta de isenção inerente ao exercício

legítimo da função jurisdicional.

Explicou que a imparcialidade objetiva é exigência primária do devido processo legal,

na medida em que o processo jurisdicional, que tem por pressuposto de validez absoluta a

efetiva realização da promessa constitucional de ser justo, não pode existir desvinculado do

predicado da imparcialidade da jurisdição.

Com efeito, verifica-se que a atribuição de poderes investigatórios ou instrutórios ao

juiz compromete a estrutura dialética do processo penal, o contraditório, a paridade de armas

e a imparcialidade da jurisdição192

, pois permite que o órgão jurisdicional realize inúmeros

prejulgamentos acerca do material probatório.

O recolhimento de provas pelo magistrado, em qualquer fase, é um grave erro que

provoca a antecipação do convencimento judicial. Quem investiga elementos probatórios já

sabe o que pretende encontrar e isso, no âmbito do processo penal condenatório, representa

uma inclinação comprometedora da imparcialidade do julgador193

, como acentuado por

GERALDO PRADO:

Desconfiado da culpa do acusado, investe o juiz na direção da introdução de meios

de prova que sequer foram considerados pelo órgão de acusação, ao qual, nestas

circunstâncias, acaba por substituir. Mais do que isso, aqui igualmente se verificará

o mesmo tipo de comprometimento psicológico objeto de reservas quanto ao poder

do próprio juiz iniciar o processo, na medida em que o juiz se fundamentará,

192 LOPES JR., 2013, p. 178. 193 PRADO, 2006, p. 137.

54

normalmente, nos elementos de prova que ele mesmo incorporou ao processo, por

considerar importantes para o deslinde da questão. Isso acabará afastando o juiz da

desejável posição de seguro distanciamento das partes e de seus interesses

contrapostos, posição apta a permitir a melhor ponderação e conclusão.194

Percebe-se que a consagração do juiz inquisidor autoriza que o magistrado forme seu

convencimento ainda durante a fase de instrução do processo, ao determinar a produção de

provas, e depois, no momento da sentença, apenas formalize esta decisão previamente

assumida. Tal ativismo judicial representa uma afronta ao sistema acusatório e à exigência da

imparcialidade do julgador, o qual precisa manter-se afastado da gestão probatória, para que

conquiste o alheamento necessário ao exercício da função jurisdicional.

5.4 Presunção de inocência e in dubio pro reo

O estado de inocência ou presunção de inocência configura um princípio básico do

Estado Democrático de Direito no que tange às garantias processuais penais. Também é

elemento estruturante de todo sistema processual com pretensões garantistas, sendo

responsável pelo surgimento de direitos subjetivos públicos a serem exercitados em face do

Estado195

.

Segundo FERRAJOLI196

, a presunção de inocência decorre do princípio de submissão à

jurisdição, porque, se esta pode ser entendida como a atividade necessária para a obtenção da

prova de que um sujeito cometeu uma infração penal, até que tal prova não seja produzida,

mediante um juízo regular, nenhum delito poderá ser considerado cometido e nenhum sujeito

poderá ser reputado culpado, nem submetido à pena.

O jurista italiano explica que é um princípio fundamental de civilidade, corolário de

uma opção garantista favorável à tutela da imunidade dos inocentes, mesmo que se corra o

risco da impunidade de algum culpado, eis que, para o corpo social, o mais importante é que

todos os inocentes sejam protegidos. A presunção de inocência representa uma garantia de

liberdade, de verdade e de segurança, assegurada pelo Estado de Direito e expressa pela

confiança dos cidadãos na justiça e no controle do arbítrio punitivo.

194 PRADO, 2006, p. 137. 195

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Processo e hermenêutica na tutela penal dos direitos fundamentais. Belo

Horizonte: Del Rey, 2004, p. 174. 196 FERRAJOLI, 2002, p. 441.

55

Nessa senda, FERRAJOLI afirma que o temor dos indivíduos quanto à atuação dos

juízes é um sinal da quebra de legitimidade política da jurisdição. Quando um réu inocente

tem motivos para desconfiar de um juiz, está-se fora da lógica inerente ao Estado de Direito,

pois a falta de segurança de um inocente indica “a falência da jurisdição penal e ruptura dos

valores que a legitimam” 197

.

A origem da presunção de inocência remonta à Declaração Universal dos Direitos do

Homem e do Cidadão de 1789, ao prever, em seu artigo 9º, que “todo acusado é considerado

inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor

desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser reprimido pela lei”.

No Brasil, a presunção de inocência apenas foi reconhecida como garantia

fundamental constitucional a partir da Constituição Federal de 1988198

. Atualmente, o

princípio também é assegurado pelo Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, referente à

Carta de Adesão ao Pacto de São José da Costa Rica, que dispõe, em seu artigo 8º, II,: “toda

pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se prove

legalmente sua culpa [...]”.

A afirmação do princípio da presunção de inocência implica várias consequências

quanto à aplicação das normas processuais pelos agentes estatais. Primeiramente, exige-se

extrema cautela na análise das hipóteses de decretação de prisão cautelares, porque o processo

não pode funcionar como uma forma de punição antecipada do réu199

.

A presunção de inocência também está intimamente vinculada ao tratamento do réu

durante o processo penal200

, eis que, a partir da noção de que ele é inocente, devem-se

restringir ao máximo as medidas que mitigam seus direitos no decorrer da persecução penal.

Esta garantia também impõe, especialmente ao julgador, o dever de evitar a exposição do réu

a constrangimento ou medida cautelar humilhante. Em razão disso, o magistrado assume a

obrigação de manter uma postura “negativa”, no sentido de não considerá-lo culpado, e uma

postura “positiva”, para tratá-lo como inocente201

.

Por outro lado, a incidência do princípio afeta diretamente o âmbito probatório, já que

concede o ônus da prova à parte acusadora, que é a responsável pela demonstração da

materialidade e da autoria da prática delitiva.

197 FERRAJOLI, 2002, p. 441. 198

GOMES, Luiz Flávio. Direito Processual Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 22. 199 THUMS, 2006, p. 155-156. 200

GOMES, op. cit., p. 23. 201 LOPES JR., 2013, 228.

56

No tocante à valoração da prova, emerge outro princípio importante: o in dubio pro

reo. Este princípio determina que o juiz absolva o réu sempre que o órgão acusador, após a

regular instrução processual, não conseguir coletar elementos probatórios suficientes para a

segura demonstração da responsabilidade do imputado202

. Dessa forma, em caso de dúvida,

preserva-se integralmente o estado de inocência do réu.

Nesse sentido, a presunção de inocência, enquanto princípio reitor do processo penal,

deve ser potencializada na aplicação das regras processuais, especialmente com relação à

carga da prova e às regras de tratamento do réu 203

.

Consoante o exposto, insta destacar que não cabe ao juiz a produção de provas ou a

realização de diligências para dirimir eventuais dúvidas sobre o caso concreto. A iniciativa

instrutória do julgador, nesse contexto, significa clara ofensa à presunção de inocência e ao

princípio in dubio pro reo, visto que autoriza a coleta de provas voltadas, unicamente, ao

interesse da acusação.

O amadurecimento da nossa cultura jurídica, no que diz respeito à efetiva assimilação

da presunção de inocência, permitirá que o ônus probatório no processo penal esteja

totalmente concentrado no órgão acusador, pois não se pode admitir que o juiz participe

ativamente da instrução probatória de um caso sobre o qual exerce jurisdição.

5.5 Igualdade processual ou paridade de armas – par conditio

A exigência de tratamento igualitário a todos os indivíduos é um princípio

fundamental presente em Convenções Internacionais e nas Constituições. Em nosso

ordenamento jurídico, o princípio da igualdade está previsto no caput do artigo 5º da

Constituição Federal, segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza204

.

No âmbito processual, o referido princípio é entendido como a paridade de armas ou

par conditio e significa a exigência de tratamento isonômico e igualitário para os agentes no

processo205

.

202 THUMS, 2006, p. 156. 203 LOPES JR., op. cit., p. 229. 204

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000, p. 46. 205 THUMS, op. cit., p. 133.

57

A igualdade processual assegura o mesmo tratamento para todos que se encontram na

mesma posição jurídica, assim como ocorre entre a acusação e a defesa. Por isso, a legislação

procura corrigir as desigualdades pessoais, atribuindo determinadas prerrogativas para quem

estiver em condição de desvantagem206.

O princípio da igualdade processual consiste, portanto, no equilíbrio de forças entre o

acusado e órgão acusador, com o objetivo de garantir que ambas as partes tenham as mesmas

oportunidades para a demonstração de suas alegações.

É fundamental perceber que as relações desenvolvidas no processo penal são

evidentemente desiguais. O Estado, ainda que inserido no cenário do devido processo legal,

está em posição de vantagem, já que exerce as funções de investigação, de acusação e de

julgamento207

.

Em razão desse desequilíbrio fático, justifica-se a existência de regras processuais

dirigidas à proteção do indivíduo durante a ação penal, a exemplo do princípio in dúbio pro

reo e da proibição da reformatio in pejus208

, que tentam amenizar a desigualdade de armas

entre a defesa e os agentes persecutórios.

A respeito disso, ANTONIO SCARANE FERNANDES recorda que o dever de tratamento

paritário não pode impedir que, em determinadas ocasiões, confira-se tratamento especial para

uma das partes com o objetivo de compensar eventuais desigualdades. Nessa linha, assevera

que as regras que conferem tratamento diferenciado para o acusado não ofendem o princípio

da isonomia, porque buscam suprir a situação de inferioridade do réu diante do Ministério

Público209

.

Ademais, saliente-se que a posição vantajosa ocupada pelo Estado em relação ao

acusado estabelece o dever de observância das limitações legais pelos órgãos públicos, para

que estes não exerçam suas funções de forma abusiva.

O sistema processual de um Estado Democrático de Direito precisa estar dotado de

garantias tendentes a limitar o poder de atuação dos órgãos de repressão e a proteger os réus

de eventuais excessos estatais, assegurando-lhes um processo justo210 . A necessidade de

controle do poder abusivo integra o núcleo de um modelo processual garantista, ao assegurar

206 THUMS, 2006, p. 133. 207 OLIVEIRA, 2004, p. 158. 208 THUMS, op. cit., p. 134. 209

FERNANDES, 2000, p. 51. 210 THUMS, op. cit., p. 285.

58

que as sentenças judiciais sejam afirmadas através de atividades cognitivas e, por

consequência, consigam revelar um verdadeiro saber211

.

Nesse cenário, nota-se que a iniciativa instrutória do juiz no curso da ação penal viola

o princípio da igualdade processual, porque permite que dois órgãos estatais – o Ministério

Público e o julgador – investiguem e produzam provas voltadas à confirmação dos fatos

descritos na peça acusatória. E o maior problema reside no fato de que um deles ainda será o

responsável pelo julgamento do processo, que estará revestido de informações que ele mesmo

coletou.

Como ficou assentado no presente trabalho, não é papel do julgador suprir a atuação

insatisfatória do Ministério Público quanto à reunião de provas suficientes para a condenação

do réu, uma vez que o órgão ministerial é a instituição competente para promover com

exclusividade a ação penal pública.

A observância do equilíbrio processual torna injustificável a produção de provas pelo

magistrado, tendo em vista que a parte acusadora, e não o juiz, é quem detém o encargo

processual de evidenciar a culpabilidade do réu. Em caso de dúvida sobre ponto relevante da

demanda após a regular instrução do processo, a absolvição do acusado é medida impositiva,

não sendo aceitável qualquer atuação judicial supletiva na coleta de material probatório acerca

da participação do acusado na infração penal levada a julgamento.

211 OLIVEIRA, 2004, p. 168.

59

6 CONCLUSÃO

A íntima relação existente entre o processo penal e a estrutura do Estado faz com que

as regras e as garantias fundamentais de um ordenamento jurídico variem conforme o sistema

processual adotado. Da mesma maneira, o papel desempenhado pelo juiz durante a ação penal

também é determinado pelo caráter acusatório ou inquisitório do modelo processual penal.

Embora a separação inicial das funções de acusação e de julgamento seja uma

característica relevante para a estruturação dos sistemas processuais, verificou-se que a gestão

da prova é o elemento essencial para identificá-los. Nesse sentido, ficou claro que o sistema

misto, formado pela conjugação de características dos outros dois sistemas, carece de um

princípio informador próprio, de modo que sempre será um modelo essencialmente acusatório

ou inquisitório.

O sistema inquisitivo é caracterizado pela extrema concentração de poderes

instrutórios na figura do juiz. Este exerce o papel de senhor da prova, sendo responsável por

sua produção. Em contrapartida, o sistema acusatório deve ser entendido como aquele que

atribui a gestão da prova às partes, afastando o julgador da atividade investigativa e

probatória.

O tema da verdade na ciência jurídica também é fundamental para a caracterização dos

sistemas processuais penais, eis que produz reflexos na atribuição de poderes instrutórios ao

magistrado. O mito da verdade real, sobre o qual se estrutura o procedimento inquisitório,

legitima a produção de provas de ofício pelo julgador, a partir da concepção de que o processo

serviria à perfeita reconstrução dos fatos investigados. Assim, são ignoradas as limitações

inerentes à natureza humana do juiz, exigindo-se dele a revelação de todos os detalhes da

prática delitiva.

A efetivação de um sistema acusatório, por sua vez, impõe o reconhecimento de que a

verdade não constitui aspecto estruturante do processo penal, na medida em que as partes são

as responsáveis pelo convencimento do juiz, sem que este assuma o dever de evidenciar a

verdade dos fatos. A legitimidade da atividade jurisdicional encontra fundamento na

observância dos direitos e das garantias fundamentais, cabendo ao magistrado proferir suas

decisões de acordo com as provas produzidas nos autos, sob o crivo do contraditório.

Nesse contexto, vale ressaltar a notória discrepância existente no ordenamento jurídico

brasileiro. De um lado, tem-se a eleição do modelo acusatório de processo penal pela

Constituição Federal de 1988, que privilegiou a dignidade da pessoa humana como uma das

bases da República Federativa do Brasil. De outra sorte, a legislação infraconstitucional

60

vigente, especialmente o Código de Processo Penal, ainda apresenta traços essencialmente

inquisitórios, já que o juiz permanece com amplos poderes instrutórios, podendo, até mesmo,

praticar atos típicos da parte acusadora, como a condenação do réu nos casos em que o

Ministério Público tenha requerido a absolvição.

Como analisado, o processo penal precisa estar amparado na estrutura democrática

implantada pela Constituição e, sobretudo, deve ser lido à luz dos princípios e garantias

constitucionais. Dessa forma, é importante que a atuação do julgador esteja direcionada à

materialização do princípio acusatório, o qual impede que o juiz pratique atos típicos de partes

processuais.

De fato, mostra-se insuficiente a existência de um órgão ministerial independente,

autônomo e com as mesmas garantias da magistratura, em um cenário marcado pela ampla

iniciativa instrutória do juiz. Tal liberdade probatória provoca, em muitas situações, a atuação

judicial substitutiva da função do Ministério Público, o que constitui grave ofensa à ampla

defesa e ao equilíbrio processual.

Frise-se que a atribuição de poderes instrutórios ao juiz também afronta a garantia de

imparcialidade da jurisdição, sobre a qual se alicerçam o processo penal e o sistema

acusatório. A produção de provas por impulso oficial permite a antecipação do

convencimento do órgão julgador, visto que o juiz poderá estar previamente inclinado a

decidir em determinada direção.

Além disso, importante perceber que as iniciativas judiciais voltadas à coleta de

provas, em qualquer fase processual, violam os princípios da presunção de inocência e do in

dubio pro reo, que exigem a absolvição do acusado em caso de dúvida sobre sua

responsabilidade.

Nesse diapasão, mostra-se impositiva a realização de uma filtragem constitucional de

todas as regras processuais que não se compatibilizam com o sistema acusatório consagrado

na Constituição Federal de 1988. Por óbvio, a conformação de normas inferiores aos

princípios constitucionais não é um trabalho simples, haja vista que grande parte da sociedade

brasileira ainda acredita que o papel da jurisdição penal seria a concretização do programa de

segurança pública do Estado. No entanto, é uma tarefa inadiável para os aplicadores do

Direito, a fim de que o processo penal seja, efetivamente, um instrumento garantidor dos

direitos fundamentais dos indivíduos.

61

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