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UNIVERSIDADE de BRASÍLIA Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação O TAO DA COLABORAÇÃO: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A APRENDIZAGEM COLABORATIVA NA FORMAÇÃO EM MEDICINA CHINESA Pedro Ivo Marini Tahan Brasília-DF Abril de 2015

UNIVERSIDADE de BRASÍLIA Programa de Pós-Graduação em … · Agradeço também a todos os orientandos do professor Lucio, com os quais compartilhei um aprendizado rico e estimulante,

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UNIVERSIDADE de BRASLIA

Faculdade de Educao

Programa de Ps-Graduao em Educao

O TAO DA COLABORAO:

UM ESTUDO DE CASO SOBRE A APRENDIZAGEM COLABORATIVA

NA FORMAO EM MEDICINA CHINESA

Pedro Ivo Marini Tahan

Braslia-DF

Abril de 2015

PEDRO IVO MARINI TAHAN

O TAO DA COLABORAO:

UM ESTUDO DE CASO SOBRE A APRENDIZAGEM COLABORATIVA

NA FORMAO EM MEDICINA CHINESA

Dissertao de Mestrado apresentada ao

Programa de Ps-Graduao da Faculdade de

Educao (PPGE) da Universidade de

Braslia (UnB), como requisito parcial para

obteno do ttulo de Mestre em Educao.

rea de Educao, Tecnologias e

Comunicao, sob orientao do Professor

Dr. Lucio F. Teles.

Braslia - DF

Abril de 2015

PEDRO IVO MARINI TAHAN

O TAO DA COLABORAO:

UM ESTUDO DE CASO SOBRE A APRENDIZAGEM COLABORATIVA

NA FORMAO EM MEDICINA CHINESA

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________________________________________

Dr. Lcio Frana Teles

Orientador/FE/UnB

________________________________________________________________

Dr. Leila Chalub

Examinadora Interna/ FE/UnB

________________________________________________________________

Dr. Maria Cndida de Moraes

Examinadora externa/ UCB

________________________________________________________________

Dr. Laura Maria Coutinho

Examinadora Suplente/ FE/ UnB

GRATIDO

Agradeo ao Lucio pelo companheirismo, pela orientao, pela mediao e pela

colaborao. Leila, pela amizade e grande luz que irradia. Maria Cndida por ser parte e

cuidar com tanto zelo da transformao resplandecente do mundo.

Agradeo a todos professores e todas professoras que alimentam as chamas da educao.

Agradeo especialmente ao Gilberto, Cristina, Laura e Raquel. Ainda Carlota, Kanping

Hua, Carme e Vicen. Tambm aos professores do DAN: Jos Jorge, Guilherme e Karenina.

Agradeo aos professores da ENAc: Marcos, Lo, Fernanda, Elena, Anglica, Anamrita,

Isabela, Marcelo, Jurema, Wagner, Marcus E., Nbia, Gu, Ricardo, Jules, Bernardo,

Washington, Paulo, Silvia, rica, Itamar, Tobias, Aline, Andra, Ubirajara, Maria Anglica e

qualquer outro que, por desventura, tenha esquecido de agradecer.

Agradeo tambm a todos os orientandos do professor Lucio, com os quais compartilhei

um aprendizado rico e estimulante, especialmente ao Estevon, ao Romes, Rosana, ao

Wellington, Vnia, Alessandra, ao Antnio, Doris, Lenildes, Tnia, Kalina, ao

Germano, Fabrcia, Lua e Al. Agradeo todo o pessoal do PPGE da Faculdade de

Educao e aos amigos da UnB. Agradecimento especial ao Flvio e aos amigos da Multiuso

cpias. Gratido ao Chiquinho e sua incansvel sede de conhecimento.

Agradeo imensamente pela colaborao e amizade de Renato, Ins, Daniel, Fernando,

Zen, Svio e Rafaella, grandes amigos e facilitadores do conhecimento. Agradecimentos

especialssimos aos amigos mestres-aprendizes e colaboradores Carlos, Tmara, Bianca, Sheila,

Pedro, Kelly, Mariana, Marcela, Keila, Ben Hur, Alya, Priscilla, Vanessa, Cludio, Tlio e

Thasa. Agradecimentos tambm ao amigo e colega antroplogo Igor.

Agradeo aos amigos e colegas de aprendizado que participaram dessa caminhada

colaborativa: Anna Paula, Adriana, Ana, Costa, Leoneza, Edvan, Luciano, Gilmar, Alexandre,

Ktia, Mnica, Jssica, Luciane, Carol, Aida, Alan, Amanda, Alessandra, Ana Laura, Andressa,

Ana Rita, Ellen, Priscilla, Paula, Enilda, Valderi, Limoncino, Bianca, Cristina, Ericsson, Fbio,

Fred, Gabriel, Leonardo, Hortncio, Tain, Lucy, Gabriela, Louisse, Victor Hugo, Hlio,

Daniel, Inez, Irene, Jana, Jeanete, Joo, Rosa, Aderval, Josi, Jamile, Juliana, Kellen, Victor,

Laurentina, Regina, Anglica, Lourdes, Fabiana, Denise, Kellen, Luiza, Luciano, Michelle,

Luciana, Thiago, Leila, Lucy, Caroline, Jos Graciano, Daniela, Tatiana, Dbora, Talles, Silvia,

Daniela, Cia, Rosely, Silvana, Roberto, Svio, Semramis, Eurpedes, rica, Rose, Robson,

Izabel, Sirlene, Suze, Glucia, Emlia, Meires, Glria, Mathias, Marco Aurlio, Marilene, Kate,

Hatsuko, Edgar, Hlio, Caetano, Juliano, Dirce, Ccero, Rogria, Irene, Jayro, Ana Laura,

Alessandra, Cludia, Nayara, Dbora, Elza, Eduardo, Jeferson, Jair, Julio Csar, Jos Milton,

Laura, Lucas, Luciene, Luiz, Mrcia, Marcos, Maria, Mrcia S., Marcela M., Marta, Mayra,

Naiana, Patrcia, Pollyana, Raimundo, Rolf, Rosane, Simone, Tatiane, Ted, Vnia, Natan,

Varunee, Elisa, Francisco, Simone, Zul, Anderson, Ranieri, Socorro, Neila, Samuel. E aos

colegas que, mesmo tendo compartilhado comigo momentos de aprendizado mtuo, tenham

escapado desse agradecimento.

Aos amigos e parceiros na defesa da Medicina Chinesa: Betinho, Silvia, Bruno, Roberta,

Leila, Reginaldo, Mrio, Francisco, Daniel, Eduardo, Dennis, Fernando, Henrique, Tlio e a

todos que participaram e participam das mobilizaes virtuais e presenciais.

Agradeo tambm Tracie, Tet e ao Llio e a todos meus tios e tias. Aos familiares

e aos grandes amigos: Babil, Hail, Marcelo, Rodrigo, Dani, Bel, Dario, Gabi, Chico, Drica,

Bruno, Luiz, Renata, rica, Bruno M., Beto, Snia, Teco, Bia, Ludi, Paulinha, Cia, Lia,

Camila, Rober, Naddeo, Markito, Andr, e tantos outros pelos quais nutro muito carinho e

admirao. Agradecimento especialssimo ao Srgio, que to amorosamente me acolheu nessa

etapa de idas e vindas Braslia.

Tambm agradeo aos amigos da famlia ISMET, especialmente ao lex e Diana.

Agradeo ainda rede UNIPAZ, seus colaboradores, facilitadores e aprendizes,

especialmente Hlyda e Lda. Agradecimento especial ao reitor Roberto, pelo apoio e

grande inspirao.

Agradeo, enfim, a todos pacientes-interagentes com os quais convivi e tive a

oportunidade de auxiliar e ser auxiliado nos caminhos da regulao, transformao e imanncia.

Dedico este trabalho Fernanda,

adorvel companheira nessa aventura, amante e amada

meus agradecimentos sero infinitos.

Dedico Adara, ao Unai, Pri e Petra,

minhas maiores fontes de inspirao

e respeito pela vida.

Ao meu saudoso Carlo, corao maior no h.

Dedico tambm V Carmem, to presente,

assim como aos avs Ari e Marini e v Miraci.

E minha fantstica me, dona Snia, quanta gratido....

Dedico, finalmente, J, Bia e ao Mr: amo vocs!

Educar no encher um cntaro, mas acender um fogo

W. B. YEATS

RESUMO

A formao em Acupuntura/ Medicina Chinesa uma realidade no meio acadmico

contemporneo de vrios pases, inclusive do Brasil. Nesse contexto, um grande desafio se

apresenta para as escolas e para os educadores: estruturar cursos e estratgias pedaggicas

adequadas ao estudo e prtica de um sistema mdico oriundo de outra matriz cultural, que se

configura como uma racionalidade mdica, ancorada nos saberes e prticas clssicas daostas e

confucionistas e que assume ares transdisciplinares e notria complexidade.

Concomitantemente, percebe-se a consolidao de um novo paradigma na educao, com

formatos pedaggicos apoiados por Tecnologias de Informao e Comunicao cada vez mais

avanadas e em plataformas de aprendizagem online, e com a maior participao do aluno na

produo do conhecimento. Em vista disso, desenvolveu-se o presente Estudo de Caso, com os

olhares ecossistmico e taosta como guias, com a inteno de retratar a experincia concreta

de implementao da plataforma de ensino MOODLE (Modular Object-Oriented Dynamic

Learning Environment), na inaugurao de uma estratgia colaborativa em formato blended-

learning (aprendizagem hbrida) na Escola Nacional de Acupuntura, entre os anos 2010 e 2012,

na formao de estudantes de Medicina Chinesa. Esta pesquisa se insere no Programa de Ps-

Graduao em Educao da Universidade de Braslia, na linha de pesquisa Educao,

Tecnologias e Comunicao (ETEC) e no eixo de interesse aprendizagem colaborativa online

e interfaces estticas de colaborao, sob a orientao do Dr. Lucio Frana Teles.

Palavras-chave: Aprendizagem Colaborativa com Suporte Computacional, Perspectiva

Ecossistmica, Acupuntura/ Medicina Chinesa, Taosmo.

ABSTRACT

Acupuncture degree programs are a reality within the contemporary academic

environment in many countries, including Brazil. In this context, schools and educators face a

great challenge: to structure courses and educational strategies suited to the study and practice

of a medical system that arose from an entirely different cultural matrix, was configured as a

medical rationale, is anchored in classic Taoist and Confucian knowledge and practices, and

takes on transdisciplinary characteristics and notorious complexity. Simultaneously, the

consolidation of a new educational paradigm is appearing, which has pedagogical formats

supported by increasingly advanced information and communications technology that employs

online learning platforms and includes more student participation in knowledge production. In

view of this fact, the present Case Study has been developed with ecosystemic and Taoist views

as guides, with the goal of portraying the concrete experience of implementing the MOODLE

(Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment) learning environment during the

inauguration of a collaborative strategy in the blended-learning format that was implemented

at the Escola Nacional de Acupuntura between 2010 and 2012 while teaching students of

Chinese medicine. This study is part of the University of Brasilias Postgraduate Program in

Education, following an education, technology and communications line of research and on a

priority axis of online collaborative learning and esthetic interfaces of collaboration, under

the guidance of Dr. Lucio Frana Teles.

Keywords: Computer-Supported Collaborative Learning, Ecosystemic Perspective,

Acupuncture/ Chinese Medicine, Taoism.

LISTA DE TABELAS E FIGURAS

Figura 1: Tringulo emblemtico ................................................................................. 31

Figura 2: Tabela de avaliao (4 afirmao) ............................................................... 37

Figura 3: Sala de Professores ........................................................................................ 40

Figura 4:Frum de notcias (sala de professores) ......................................................... 41

Figura 5: Relato de um aprendiz (atuao docente) 1 .................................................. 41

Figura 6: Relato de um aprendiz (atuao docente) 2 .................................................. 41

Figura 7: Tabela de pesquisa (5 afirmao) ................................................................. 44

Figura 8: Relato de um aprendiz sobre papel do professor (1) ..................................... 45

Figura 9: Relato de um aprendiz sobre papel do professor (2) ..................................... 45

Figura 10: Relato de um aprendiz sobre papel do professor (3) ................................... 46

Figura 11: Tabela de avaliao (2 afirmao) ............................................................. 61

Figura 12: Relato de aprendiz (permeabilidade entre os ambientes) ............................ 62

Figura 13: Relato de aprendiz (2.2.3) 1 ........................................................................ 65

Figura 14: Relato de aprendiz (2.2.3)2 ......................................................................... 66

Figura 15:Relato de aprendiz (mudana de papel)1 ..................................................... 66

Figura 16: Relato de aprendiz (mudana de papel)2 .................................................... 67

Figura 17: Tabela de avaliao (7 afirmao) ............................................................. 67

Figura 18: Tabela de pesquisa (5 afirmao) ............................................................... 70

Figura 19: Nveis de Realidade (NICOLESCU, 2003, p.232) ..................................... 71

Figura 20: Tabela de avaliao (8 afirmao) ............................................................. 78

Figura 21: Quadro comparativo RM (LUZ, 2000) ....................................................... 82

Figura 22: Enunciado do Frum de FEMTC ................................................................ 83

Figura 23: Postagem Principal (Racionalidades Mdicas) ........................................... 84

Figura 24:Atividade Frum FEMTC ............................................................................ 85

Figura 25: Tabela de Avaliao (3 afirmao) ............................................................ 90

Figura 26: Relato de M Si L .................................................................................... 96

Figura 27: grfico sobre a participao dos aprendizes ................................................ 97

Figura 28: Projeto Acupuntura Independente ............................................................. 101

Figura 29: Grupo de discusso na rede social Facebook ............................................ 103

Figura 30: Tabela das Diretrizes sobre Treinamento Bsico e Segurana em Acupuntura

(WHO, 1999, p.6 apud MASSIRE CARNEIRO, 2011) ...................................................... 125

Figura 31: Pgina Inicial ............................................................................................. 129

Figura 32: Frum de dicas da ATC ............................................................................ 130

Figura 33: Frum de interao .................................................................................... 131

Figura 34: Brincando com os nveis energticos ........................................................ 132

Figura 35: Chat Conversa de corredor ........................................................................ 132

Figura 36: Glossrio de Medicina Chinesa ................................................................. 133

Figura 37: Itens postados nos Glossrios .................................................................... 133

Figura 38: Mensagem sobre as interfaces interativas ................................................. 133

Figura 39: Exemplo de postagens no Blog ................................................................. 134

Figura 40: Tabela de avaliao (1 afirmao) ........................................................... 135

Figura 41: Estimulando a confeco coletiva e o uso dos glossrios ......................... 137

Figura 42:Interao e produo coletiva do conhecimento ........................................ 137

Figura 43: Recado aos participantes da atividade Frum ........................................... 138

Figura 44: Relato de aprendiz (tpico 4.3.3) 1 ........................................................... 139

Figura 45: Relato de aprendiz (tpico 4.3.3) 2 ........................................................... 139

Figura 46: Relato de aprendiz (tpico 4.3.3) 3 ........................................................... 139

Figura 47: Relato de aprendiz (tpico 4.3.3) 4 ........................................................... 140

Figura 48:Frum de monitoria .................................................................................... 141

Figura 49: Postagem de relatrio de monitoria ........................................................... 141

Figura 50: Postagem de relatrio de monitoria 2 ........................................................ 142

Figura 51 Relato de aprendiz (tpico 4.3.4) 2 ............................................................ 143

Figura 52: Relato de aprendiz (tpico 4.3.4) .............................................................. 143

Figura 53 Relato de aprendiz (tpico 4.3.4) 3 ............................................................ 144

Figura 54: Enunciado da atividade "O tao nosso de cada dia" ................................... 145

Figura 55: Frum NEAMDERDao ............................................................................. 174

Figura 56: Tabela de avaliao (6 afirmao) .......................................................... 183

LISTA DE SMBOLOS

ACSC: Aprendizagem Colaborativa com Suporte Computacional

ATC: Alimentao Teraputica Chinesa

AVA: Ambiente Virtual de Aprendizagem

DMTC: Diagnstico na Medicina Tradicional Chinesa

EAD ou EaD: Ensino distncia

ENAc: Escola Nacional de Acupuntura

ENAPEA: Encontro Nacional de Profissionais e Estudantes de Acupuntura

EPM: Estudo de Pontos e Meridianos

ES/PA: Estgio Supervisionado/ Prticas Assistidas

FEMTC: Fisiologia na Medicina Chinesa

FiPaMTC: Fisiopatologia na MTC

FPO: Fundamentos do Pensamento Oriental

MC: Medicina Chinesa

M.O.C: Medicina Ocidental Contempornea

MOODLE: Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment

MTC: Medicina Tradicional Chinesa

NEAMDERDao: Ncleo de Estudos da Arte e Manifestaes Daostas Espontneas em

Religao com o Dao

NOSO: Nosologia na Medicina Chinesa

OMS: Organizao Mundial da Sade

OPTTA: Oficina Permanente de Tcnicas e Tratamentos Ambulatoriais

PNPIC/ SUS: Programa Nacional de Prticas Integrativas e Complementares do Sistema nico

de Sade

R.M.: Racionalidades Mdicas

TICs: Tecnologias da Informao e Comunicao

UnB: Universidade de Braslia

SUMRIO

GRATIDO .................................................................................................................. vi

RESUMO ........................................................................................................................ x

ABSTRACT .................................................................................................................. xi

LISTA DE TABELAS E FIGURAS ............................................................................ xii

LISTA DE SMBOLOS .............................................................................................. xiv

PASSO INICIAL EM PRIMEIRA PESSOA ............................................................... 15

CAPTULO 1 - O ESTUDO DA OCASIO ............................................................... 20

1.1 A pesquisa ........................................................................................................... 23

1.1.1 Tema ............................................................................................................. 23

1.1.2 Questo norteadora ....................................................................................... 24

1.1.3 Objetivo Geral .............................................................................................. 26

1.1.4 Objetivos especficos .................................................................................... 27

1.1.5 Justificativas ................................................................................................. 27

1.1.6 Coleta e exposio de dados ......................................................................... 28

CAPTULO 2 - EMBLEMAS ...................................................................................... 31

2.1 A perspectiva ecossistmica ................................................................................ 32

2.1.1 Dimenso ontolgica .................................................................................... 32

2.1.2 Dimenso epistemolgica ............................................................................. 33

2.1.3 Dimenso metodolgica ............................................................................... 34

2.2 A Aprendizagem Colaborativa com Suporte das Tecnologias de Informao e

Comunicao ........................................................................................................................ 36

2.2.1 As sete dimenses no desenho e gerenciamento pedaggico de ambientes

colaborativos ..................................................................................................................... 38

2.2.1.1 O papel do professor (facilitador) no desenho e gerenciamento da

colaborao ................................................................................................................... 39

2.2.1.1.1 Estratgias para Sentipensar e para a Escuta Sensvel ................... 46

2.2.1.2 Escolha do tpico, definio e durao ................................................ 49

2.2.1.3 Modelos pedaggicos de colaborao presencial/virtual ..................... 50

2.2.1.4 Tamanho dos grupos de trabalho .......................................................... 52

2.2.1.5 Consenso e coeso do grupo ................................................................. 53

2.2.1.6 Avaliao de atividades colaborativas presenciais/ virtuais ................. 53

2.2.1.7 Plataforma de ensino virtual com interface ldica, intuitiva e esttica 54

2.2.2 Sobre Interao e interatividade ................................................................... 56

2.2.3 Aprendizagem hbrida (blended learning) ................................................... 59

2.2.3 Aprendizagem colaborativa e paradigma emergente ................................... 62

2.3 O Tao (DO ) ................................................................................................. 67

2.3.1 O taosmo e a Transdisciplinaridade ............................................................ 70

2.3.1.1 A Cosmogonia Taosta e o Terceiro Oculto ......................................... 72

2.3.2 Eficcia no pensamento chins .................................................................... 76

2.3.2.1 A estratgia da eficcia ......................................................................... 78

2.4 Racionalidades Mdicas ...................................................................................... 81

2.4.1 Racionalidades mdicas a partir de conversa iniciada na Atividade Frum 83

2.4.2 A Racionalidade Mdica chinesa ................................................................. 86

2.5 Os operadores cognitivos do pensamento complexo .......................................... 87

2.6 O encontro entre Complexidade e Racionalidade Mdica Chinesa .................... 92

CAPTULO 3 - OS COLABORADORES ................................................................... 97

3.1 Meu caminho pessoal .......................................................................................... 98

3.1.1 Breve histrico acadmico ........................................................................... 98

3.1.2 O Mestrado em Educao ............................................................................. 99

3.2 Caminhos .......................................................................................................... 102

3.2.1 Os caminhos dos facilitadores .................................................................... 104

3.2.1.1 Conversas com Li Tu e Dn Z ....................................................... 104

3.2.1.2 Nn Du: o caminho sem volta do retorno origem .......................... 108

3.2.1.3 Si Nng: mandala pedaggica .......................................................... 109

3.2.2 Os caminhos dos aprendizes ....................................................................... 110

3.2.2.1 Aprendiz M Si L: tudo interao e movimento ....................... 111

3.2.2.2 Aprendiz M N: o poo .................................................................... 112

3.2.2.3 Aprendiz Pi Lu: a sade em nossas mos ....................................... 114

3.2.2.4 Aprendiz K Lo: sabedoria ............................................................... 114

3.2.2.5 Aprendiz Bn Tu: um aprendizado incessante ................................. 115

3.2.2.6 Aprendiz T M: tenho em mim cinco almas ..................................... 116

3.2.2.7 Aprendiz Ki l: no resistir ................................................................ 117

CAPTULO 4 - O CENRIO DE PESQUISA .......................................................... 119

4.1 O cenrio da Acupuntura no Brasil ................................................................... 119

4.2 Formaes ......................................................................................................... 123

4.3 A Escola ............................................................................................................ 126

4.3.1 A estrutura do curso ................................................................................... 127

4.3.2 A Escola Virtual ......................................................................................... 128

4.3.2.1 Pgina Inicial ...................................................................................... 128

4.3.2.2 As Salas de Aula ................................................................................. 135

4.3.3 O processo de implementao da plataforma e da aprendizagem colaborativa

em formato hbrido .......................................................................................................... 136

4.3.3.1 A monitoria ......................................................................................... 140

4.3.4 As disciplinas colaborativas ....................................................................... 142

4.3.4.1 Fundamentos do Pensamento Oriental (FPO) .................................... 144

4.3.4.1.2 M N e o tempo .......................................................................... 145

4.3.4.1.2 O P de Mamo ........................................................................... 147

4.3.4.2 Alimentao Teraputica chinesa (ATC) ........................................... 148

4.3.4.2.1 batata! ....................................................................................... 149

4.3.4.2.2 Sem pecado .................................................................................. 150

4.3.4.3 Diagnstico na Medicina chinesa (DMTC) ........................................ 152

4.3.4.3.1 O olhar interessado de M Si L ................................................ 153

4.3.4.3.2 Palhaada ..................................................................................... 156

4.3.4.3.3 Lnguas ........................................................................................ 158

4.3.4.4 Estudo de Pontos e Meridianos (EPM) ............................................... 160

4.3.4.5. Nosologia na Medicina Chinesa (NOSO) .......................................... 163

4.3.4.6 Estgio Supervisionado/ Prticas Assistidas (ES/PA) ........................ 167

4.3.4.6.1 O antroplogo-informante ........................................................... 168

4.3.4.7 Ncleo de Estudos da Arte e das Manifestaes Daostas Espontneas

em Religao com o Dao (NEAMDERDao) .............................................................. 172

4.3.4.7.1 Manoel de Barros, Paulo Freire e Boal ou O Teatro da Libertao

.................................................................................................................................... 174

4.4 O Caminho da Regulao ................................................................................. 178

4.4.1 Sobre o papel dos aprendizes numa educao trans-formadora ................ 182

RELATRIO FINAL OU SENTIPENSANDO A OCASIO .................................. 184

REFERNCIAS ......................................................................................................... 187

APNDICE I PESQUISA ENVIADA .................................................................... 194

APNDICE II PESQUISA FINALIZADA ............................................................. 197

APNDICE III RELATORIOS DE MONITORIA ................................................ 202

APNDICE IV FICHA PARA AVALIAO do DESEMPENHO DISCENTE EM

SEMINRIOS ........................................................................................................................ 203

APNDICE V ENUNCIADOS DE ATIVIDADE COM A INTERFACE FRUM

................................................................................................................................................ 204

APNDICE VI TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E INFORMADO ....... 207

APNDICE VII SALA DE AULA VIRTUAL DA DISCPLINA PA/ES .............. 209

APNDICE VIII PROGRAMAS DAS DISCIPLINAS ......................................... 210

APNDICE IX OPTTA .......................................................................................... 214

APNDICE X NEAMDERDao .............................................................................. 215

ANEXO I - CARTA ABERTA DOS ESTUDANTES DE ACUPUNTURA ............ 218

ANEXO II PIET MONDRIAN E O TAO ............................................................... 221

GLOSSRIO DE TERMOS CHINESES .................................................................. 224

15

PASSO INICIAL EM PRIMEIRA PESSOA

A ideia deste projeto nasce da sincronicidade1 entre certos eventos de minha caminhada

pessoal. De forma resumida, e sem me preocupar com a linearidade dos fatos, exponho tais

circunstncias que me levaram a querer estudar, implantar, implementar e investigar o uso da

abordagem colaborativa como estratgia pedaggica central na formao de estudantes de

Acupuntura/ Medicina Chinesa2.

A partir de 2009 at 2012, estive frente, como coordenador pedaggico, de uma escola

privada de formao regular em Acupuntura/ Medicina Chinesa. Por se tratar de um sistema

mdico distinto, advindo de uma cultura distante, que se apoia numa Racionalidade prpria

(vide tpico 2.4) e que passa por uma hibridao3 no ocidente, tive que lidar com uma grande

muralha conceitual e epistemolgica para construir um projeto pedaggico adequado. Tal

tarefa, deveras rdua e instigante, exigia um ajuste sistemtico em toda estrutura educacional

herdada. O primeiro passo foi transformar o Projeto Pedaggico e a grade curricular da

formao o que foi feito pelo diretor geral da instituio, com meu auxlio aproximando-os

das diretrizes preconizadas pela OMS4 e das formaes internacionais em vigor. O segundo

passo foi trazer para a sala de aula e para a dinmica da escola um formato educacional em

sintonia com o Saber da Medicina Chinesa e com seus preceitos mais elementares.

Fao uma breve pausa na descrio para explicar melhor a afirmao acima e para

sublinhar que, pessoalmente, considero o formato convencional, centrado na figura do

professor, bastante inadequado em qualquer aprendizado, especialmente para o processo de

1 A partir de seu encontro com o Y JNG , o Livros das Mutaes, um dos livros clssicos do

daosmo e do confucionismo, o conceito de sincronicidade foi assim propagado por Carl Jung, no prefcio da

verso do clssico escrita por Wilhelm: O pensamento tradicional chins apreende o cosmos de um modo

semelhante ao do fsico moderno, que no pode negar que seu modelo do mundo uma estrutura decididamente

psicofsica. O fato microfsico inclui o observador tanto quanto a realidade subjacente ao I Ching abrange a

subjetividade, isto , as condies psquicas dentro da totalidade da situao momentnea. Assim como a

causalidade descreve a seqncia dos acontecimentos, a sincronicidade, para a mente chinesa, lida com a

coincidncia de eventos (WILHELM, 2006, p. 17). 2 A Acupuntura (Zhnji ) ser tratada aqui como uma tcnica inseparvel da Medicina Chinesa

(zhngya xu ), em sintonia com as formaes independentes e que honram o Saber clssico. Um timo estudo a respeito das formaes no Brasil foi elaborado pela sociloga e acupunturista Leila Massire Carneiro

(2011). Os termos especficos da Medicina Chinesa sero apresentados com sua transliterao em Pinyin e com a

escrita ideogramtica entre parntesis. 3 Pode-se dizer que, atualmente, a acupuntura passa por um processo de 'hibridao'. Isso ocorre quando

um signo deslocado de seu referenciamento espacial e temporal e ainda no foi inscrito num outro sistema de

representao totalizante, ocupando o que Bhabha (1994) chama de 'terceiro espao', onde o carter construdo e

arbitrrio das fronteiras culturais fica evidenciado. (MASSIRE CARNEIRO, 2011). 4 A OMS lanou no ano de 1999 um Guia pra a formao bsica de acupunturistas e normas de segurana.

(World Health Organization. Guidelines on Basic Training and Safety in Acupuncture. Geneva,1999. p. 1-31)

16

construo do conhecimento da Medicina Chinesa, como uma Racionalidade Mdica

independente e milenar, apoiada em uma forma de pensamento complexo, como descrito por

Morin (1990), e transdisciplinar, no termo cunhado por Piaget - educador tambm muito citado

nos trabalhos sobre o discurso pedaggico contemporneo e as estratgias de aprendizagem

pautadas na interao e colaborao (PEIXOTO & ARAJO, 2012) - e desenvolvido por

Basarab Nicolescu (1996) e outros autores. Explicitar-se-, ao longo dessa dissertao, a

comunho de perspectivas que sincronicamente sustentam a ideia de um paradigma emergente

(SANTOS, 1989) com os preceitos bsicos da Medicina Chinesa e do pensamento chins.

Tambm a contribuio dos sinlogos Granet (1997), Robinet (1999) e Jullien (1998), assim

como livros e textos clssicos da Medicina Chinesa, como o Princpios de Medicina Interna do

Imperador Amarelo5 (WANG, 2001), o Clssico das Mutaes6 (WILHELM, 2006) e o Tao Te

Ching 7 (TZU, 1978), alm de autores contemporneos da Medicina Chinesa como Kaptchuk

(1997), Maciocia (2007) e Sionneau (2013).

Dando sequncia ao relato, naquele momento de ajuste pedaggico da escola,

coincidentemente (ou sincronicamente), me encontrei com a abordagem colaborativa, como

estratgia pedaggica, durante minha graduao em Cincias Sociais/ Antropologia na

Universidade de Braslia, mais especificamente na disciplina Fundamentos da Arte na

Educao, com o professor Lcio Teles (2008) e com seus textos sobre a aprendizagem

colaborativa online. Na verdade, creio que recortes da abordagem colaborativa foram

trabalhados em momentos diferentes de minha formao pregressa, principalmente durante a

formao em Medicina Chinesa8 e em certas disciplinas da Antropologia; no obstante, foi na

disciplina da Faculdade de Educao que a abordagem colaborativa foi levada a srio, como

uma filosofia de interao e um estilo de vida pessoal (PANITZ, 1996). E o uso da abordagem

colaborativa online, com a plataforma MOODLE como residncia das discusses e

compartilhamentos, foi, no meu modo de ver, o grande diferencial para caminharmos na direo

de uma pedagogia colaborativa.

A partir de ento, apressei-me em implantar tal plataforma e alimentar a escola

virtual, por imaginar que esse ambiente poderia favorecer o encontro criativo entre alunos e

5 HUNG D NI JING ( ). 6 Y JNG ( ). 7 O DO D JNG ( ), ou Tao Te Ching (ou ainda Tao Te king), traduzido de diferentes

maneiras. A mais comum Clssico do Caminho e da Virtude. Sobre o termo Te, conveniente uma maior

pincelada, o que ser feito no tpico 2.3. 8 Ser comentado no tpico 2.2.1.3, com o apoio do trabalho etnogrfico de Igor Baseggio, o potencial

intrnseco da aprendizagem em Medicina Chinesa para a colaborao e para a produo coletiva de conhecimento.

17

professores e criar novas formas de relacionamento com o conhecimento, especialmente no

momento atual, com os avanos nas tecnologias interativas digitais na educao. Tambm por

entender que existe uma proximidade notria entre os preceitos da aprendizagem colaborativa

e as prprias bases do projeto de conhecimento da Medicina Chinesa. Comecei ento a explorar

as potencialidades da plataforma e a estimular seu uso pelo corpo docente e discente, alm de

imprimir um novo formato nas disciplinas por mim ministradas.

Desenvolvi, conjuntamente com o programador da escola, uma roupagem atrativa para

a plataforma virtual e uma estrutura de navegao que facilitasse o manuseio e a interao entre

todos. A partir de ento, a experincia pedaggica passou a se desenvolver de uma forma

totalmente nova, experimental, viva e multidimensional; no sem seus percalos, limitaes e

conflitos, esperados em qualquer senda construtiva necessrio dizer.

A participao dos aprendizes na construo coletiva do conhecimento comeou a ser

notada nos Fruns, Glossrios, postagens dos blogs e nas aulas presenciais. Os monitores

passaram a desempenhar um trabalho mais ativo e se envolveram na tarefa de manter ativa a

roda da colaborao. O sistema de avaliao, pelo menos nas disciplinas por mim

gerenciadas, passou gradualmente a ser pautado tambm na participao no cenrio

colaborativo.

No desenvolvimento do presente trabalho, por meio do Estudo de Caso, sero

aprofundadas as descries sobre esse ambiente virtual e sobre o processo de construo e

consolidao da plataforma e de seu uso como recurso essencial na afirmao da produo

coletiva do conhecimento. Explicitar-se- tambm a dinmica de algumas interfaces de

colaborao virtual e estratgias de colaborao presencial, com foco especial na interao entre

os participantes.

Vale ressaltar nessa introduo que a plataforma virtual no foi utilizada como ambiente

exclusivo de aprendizado na Escola Nacional de Acupuntura, o universo dessa pesquisa, j que

nunca foram oferecidos cursos exclusivamente online; a plataforma MOODLE foi usada como

suporte virtual s aulas presenciais. Tal formato misto ou hbrido (tambm chamado blended

learning), presencial e virtual simultaneamente, um dos pontos focais desse estudo: explicitar

o papel da plataforma online de aprendizado na consolidao de uma estratgia colaborativa,

em um curso essencialmente presencial, e explorar a permeabilidade entre os dois ambientes de

ensino.

Sero expostos, ao longo do texto, comentrios dos aprendizes sobre a experincia com

a ACSC sempre por meio de figuras, com o texto original em bales e com fidelidade ao que

foi relatado na pesquisa, como pode ser comprovado no APNDICE II. Tambm ser

18

apresentada a participao de alguns professores envolvidos na aprendizagem colaborativa e

seus depoimentos estaro espalhados pelo texto; sem embargo, como ser melhor explicado no

Captulo 1, seus relatos sero reproduzidos na forma de citao, j que a coleta de dados, nesse

caso, aconteceu de forma colaborativa, por meio de discusses em um grupo de uma rede social.

Sobre os sujeitos da pesquisa, ou colaboradores, foi construdo um captulo (CAPTULO 3)

com as histrias de vida de nove deles, contadas por eles mesmos, e com maiores explicaes

sobre a colaborao de todos no processo de construo do presente trabalho.

Tambm sero apresentadas as investigaes sobre a abordagem colaborativa e suas

potencialidades (tpico 2.2), e as contribuies de alguns autores da ACSC para a consolidao

dessa estratgia, como Brufee (1999), Koschmann (1996) e Teles (2012), alm de autoras j

estabelecidas na era digital e no papel do suporte computacional na transformao

paradigmtica na educao, como Maria Cndida Moraes (2004), Elsa Guimares Oliveira

(2008) e Marilda Aparecida Behrens (2005). Com esse andado, discutir-se- a importncia de

se desenvolver ambientes de aprendizagem mais acolhedores e instigantes, que propiciem a

mudana e transformao do sujeito aprendiz, em unio com os outros aprendizes e com o

mundo sua volta.

Ainda de forma introdutria, creio oportuno revelar que a viso ecossistmica

(MORAES, 2004), to cara para o entendimento e relacionamento com a Medicina Chinesa,

ser nossa guia nessa caminhada investigativa e pretende-se andar de mos dadas com seus

princpios organizadores e estruturadores. Dessa forma, ainda que os captulos e tpicos

recebam seus emblemas, pretende-se manter uma escrita circular e permevel entremeada

pelos dados primrios e pelos dados que emergiram da pesquisa quanti-qualitativa enviada aos

colaboradores para que a comunho entre os princpios e pensamentos norteadores dessa

empreitada seja estabelecida por toda extenso do trabalho. Esse um desafio e uma

metodologia de pesquisa, alinhada aos postulados ontolgicos e epistemolgicos que regem a

abordagem ecossistmica e que sero tratados no CAPTULO 2.

Para finalizar a introduo, ressalto que manterei a narrativa em primeira pessoa sempre

que for conveniente para o trabalho, e adequado para o olhar que lano sobre o objeto, dado

que meu envolvimento com o caso sempre foi direto e ativo, e, at mesmo, inseparvel em

congruncia com o olhar ecossistmico. No obstante, tambm minha inteno preservar a

autonomia (relativa) do objeto e sua dinmica operacional, apesar de nossa clara interao e co-

dependncia (MORAES & VALENTE, 2008). Para tal, pretende-se assegurar que os

procedimentos para verificao da confiabilidade e credibilidade sobre os dados coletados e

19

sobre o resultado das anlises sejam devidamente empregados, por meio da apresentao dos

passos trilhados e dos caminhos percorridos, o que ser melhor explanado no primeiro captulo.

20

CAPTULO 1 - O ESTUDO DA OCASIO

A China no pensou o momento (ocasio) nem segundo a gratuidade de uma pura

ocorrncia, nem sob o ngulo da causao (...); mas ela o concebeu como transio: como a

emergncia momentaneamente visvel de uma transformao contnua (JULLIEN, 1998, p.

100-101).

O Tao da colaborao: um Estudo de Caso sobre a Aprendizagem Colaborativa na

formao em Medicina Chinesa - importante que fique claro - prope-se a retratar uma

experincia concreta de implementao da aprendizagem colaborativa com suporte

computacional, em um contexto bem especfico e com a inteno de explorar uma verdadeira

guinada no olhar investigativo. Tal intuito no foi forjado ou intencionalmente desenvolvido.

Tampouco pensou-se que seria o caminho mais fcil; pelo contrrio: a senda de construo da

pesquisa foi vasculhada com esmero, para fazer jus ao prprio olhar clssico chins e sua forma

de relacionamento com o conhecimento.

Desse modo, definiu-se pelo Estudo de Caso como delineamento de pesquisa, dentro da

perspectiva ecossistmica (a qual , sem sombra de dvidas e esse um ponto que ser

explorado no desenrolar dessas pginas -, o correspondente ocidental da perspectiva taosta9 e

seu projeto de conhecimento sobre o mundo e seus mecanismos), e com uma coleta de dados

multidimensional e quali-quantitativa, com a esperana ltima de que a Complexidade desse

Caso (ou dessa Ocasio) fosse devidamente esmiuada.

O interesse em retratar um fenmeno contemporneo complexo inserido em seu

contexto, numa realidade concreta (YIN, 2001) - a implementao e consolidao da

aprendizagem colaborativa com suporte computacional (ACSC) na formao em acupuntura/

medicina chinesa em uma escola de formao tcnica favoreceu a escolha do delineamento

Estudo de Caso. Quando Robert Yin assinala que o estudo de caso permite uma investigao

para se preservar as caractersticas holsticas e significativas dos eventos da vida real (2001,

p.21), a percepo chinesa sobre o real se avoluma como a mais adequada e ajustada para a

presente caminhada. Segundo essa viso, o real sempre visto como

um processo, regulado e contnuo, decorrente da simples interao dos fatores

em jogo (ao mesmo tempo opostos e complementares: os famosos Yin e

9 O taosmo ser aqui privilegiado como representante do pensamento chins e como Saber que sustenta

as dimenses da Medicina Chinesa. No obstante, importante ressaltar que outras grandes correntes de

pensamento, inclusive que compartilham os mesmos emblemas e muitos princpios com o taosmo, como o

confucionismo, influenciaram o desenvolvimento, em diferentes etapas, do que chamamos Racionalidade Mdica

Chinesa.

21

Yang). A ordem no decorreria, portanto, de um modelo, no qual se possa

fixar o olhar e que se aplique s coisas; ao contrrio, essa ordem est contida

inteiramente no curso do real, que ela conduz de um modo imanente e cuja

viabilidade ela assegura (da o tema onipresente no pensamento chins do

'caminho', o tao). (JULLIEN, 1998, p.29)

Nessa direo, a leitura do real no est sujeita especulao, nem tampouco h a ciso

entre o conhecimento e o agir, muito menos a preocupao na elaborao de um modelo a ser

seguido e passos predeterminados a serem cumpridos. O sentido ltimo do projeto de

conhecimento seria mesmo fruto do envolvimento com o andar da carruagem, com o fluxo

contnuo das coisas. O estrategista chins seria aquele que est imerso no presente de tal forma

que se confunde com o desenvolvimento natural do projeto. Eis que, nesse ponto, mais uma vez

dentre tantas, a sabedoria chinesa se emaranha e se confunde com a perspectiva ecossistmica,

a qual ressalta que se a realidade imprevisvel e incerta, precisamos de um observador

pensante, reflexivo e criativo, um sujeito estrategista, capaz de criar procedimentos adaptveis

e ajustados realidade, com possibilidades de enfrentar o novo e o imprevisto que acontecem

durante a pesquisa (MORAES & VALENTE, 2008, p. 56).

Assim, aps um tempo acompanhando o desenvolvimento natural do projeto e

vislumbrando estratgias que favorecessem o condicionamento objetivo resultante da

situao (JULLIEN, 1998, p.30), deparou-se com a tarefa de manter uma estratgia de

pesquisa que deixasse o efeito implicado desenvolver-se por si mesmo, em virtude do processo

iniciado (IDEM, p. 36). O interesse aqui o de expor a ocasio em que ocorreram as

transformaes pedaggicas fruto da implementao da ACSC, em formato blended learning,

e como esse processo se desenvolveu e afetou e foi afetado pelos envolvidos.

Para essa jornada, definiu-se procedimentos na coleta de dados (tpico 1.1.6) que

honrassem a noo de estratgia e de eficcia explicados acima noes que sero relembradas

constantemente ao longo do trabalho , com a criao de espaos e circunstncias que

permitissem a interao contnua dos sujeitos entre si e com o objeto, para que justamente o

circunstancial firmasse seu protagonismo e no fosse simplesmente o que se tem ao redor

(circum-stare) (IDEM, p. 36).

Por se tratar de uma experincia concreta, como explicado nos Passos Iniciais, numa

realidade especfica e singular, tal Estudo de Caso assume algumas caractersticas, segundo os

critrios estabelecidos por autores renomados que estudam e pesquisam esse tipo de

delineamento, como Yin (2001), Gil (2009) e Stake (1995): nico, descritivo, transdisciplinar

e intrnseco, com vis instrumental.

22

Como um estudo de caso nico, caracterizado por seu potencial de abrir portas para

anlises tericas mais aprofundadas e pela pretenso de contribuir para novas vises (YIN,

2001), inclusive nos estudos sobre a ACSC. Sua caracterstica descritiva reside no fato de que

ser apresentada uma ampla descrio do fenmeno em seu contexto, com suas mltiplas

manifestaes (GIL, 2009). Alm da descrio da realidade atual da prtica e da formao em

acupuntura no Brasil, assim como das caractersticas especficas da escola em questo, tambm

sero apresentadas as fontes primrias documentadas a partir da dinmica nos fruns das

disciplinas privilegiadas, os dados coletados nas entrevistas (ou melhor, nos dilogos e debates

costurados no grupo de discusso criado em uma rede social) com os professores selecionados

e os dados de caracterstica quali-quantitativa fruto da pesquisa enviada aos aprendizes.

Sobre sua caracterstica transdisciplinar - aqui um pouco desfocada da noo propagada

por Antnio Carlos Gil de que o estudo de caso um delineamento transdisciplinar (2009, p.

18) deve-se tecer algumas consideraes. O autor citado refere-se a que tal delineamento

possa ser considerado transdisciplinar por ser usado em diferentes reas das Cincias Sociais

aplicadas; no obstante, sublinha que, dependendo da rea, h uma tendncia escolha de um

desses enfoques, associados a uma das disciplinas: etnogrfico (Antropologia), histrico

(Histria), psicolgico (Psicologia) e sociolgico (Sociologia).

Distante dessa viso, a caracterstica transdisciplinar ressaltada no presente trabalho diz

respeito a uma pesquisa que trafega pela lgica do terceiro includo, pela compreenso do que

acontece nos nveis de realidade, tendo a complexidade, com seus operadores cognitivos, como

base fundacional de toda essa dinmica (MORAES & VALENTE, 2008, p.59) e promove um

conhecimento que transcende a lgica binria, resgata a polaridade contrria do que

contraditrio, valoriza a alteridade e reconhece outras formas de conhecimento (MORAES,

2008) em congruncia tambm com o prprio pensamento chins, transdisciplinar por natureza

tal afirmao ser aprofundada no captulo 2, com os Pensamentos que sustentam esse Estudo

de Caso.

Sua classificao como instrumental, exposta por Gil (2006) a partir das contribuies

de Stake (1995), surge aqui pelo prprio envolvimento do pesquisador com o objeto de estudo

e em virtude do seu interesse em conhec-lo melhor (GIL, 2006, p. 52) e aprimorar a

aproximao com a aprendizagem colaborativa aplicada formao em Medicina Chinesa. Por

outro lado, ainda que o caso no tenha um interesse secundrio, o presente estudo tampouco

tem a inteno de se fechar somente no fenmeno observado, e sim favorecer tambm o

refinamento das conexes tericas propostas e expandir o conhecimento sobre o assunto.

23

Para alcanar tal entendimento, enfatiza-se que lanar-se- mo de um olhar

ecossistmico (MORAES, 2004), to prximo ao olhar cientfico da Medicina Chinesa o que

ser tratado mais adiante - e ser utilizado o Estudo de Caso como delineamento de pesquisa,

j que se apresenta como o mais adequado para o estudo do fenmeno proposto, devido s suas

prprias caractersticas: preserva o carter unitrio do fenmeno; investiga um fenmeno

contemporneo sem separ-lo de seu contexto; um estudo em profundidade; requer a

utilizao de mltiplos instrumentos de coleta; so flexveis; estimulam o desenvolvimento de

novas pesquisas; permitem investigar a complexidade dos fenmenos; favorecem o

entendimento do processo; e, finalmente, por sua natureza holstica, transparadigmtica e

transdisciplinar (GIL, 2009).

O vigor desse delineamento no presente trabalho est tambm no fato de que o Estudo

Caso se configura como uma estratgia de pesquisa abrangente (YIN, 2001) e, como tal,

ganhar no presente trabalho as caractersticas de um estudo pautado na noo chinesa de

estratgia (ou sabedoria) onde o estrategista (ou sbio) evita projetar sobre o desenvolvimento

vindouro algum dever ser, que ele teria concebido pessoalmente e gostaria de lhe impor, j que

desse prprio desenvolvimento, tal como levado logicamente a se processar, que ele

pretende tirar vantagem (JULLIEN, 1998, p. 34); em congruncia com a processualidade

reflexiva e dialgica, caracterstica do olhar ecossistmico.

1.1 A PESQUISA

Em suma, no h termo, perfeito em si e percebido de antemo, que ordenasse o curso

e nos guiasse a marcha; e o caminho, tal como o entendemos tradicionalmente na China (o

tao), est muito distante do nosso mtodo (methodos: o caminho pelo qual se prossegue,

que conduz para). (JULLIEN, 1998, p. 48)

Apresentar-se- a seguir, na forma de tpicos, a estrutura que permitiu a materializao

dessa caminhada acadmica ainda que de forma serpenteante e sinuosa na presente

dissertao.

1.1.1 Tema

A Aprendizagem Colaborativa com Suporte Computacional (ACSC) na formao em

Acupuntura/ Medicina Chinesa.

24

A implementao dos preceitos, ferramentas e estratgias da ASCS na formao de

estudantes de Acupuntura/ Medicina Chinesa foi, durante alguns anos, a minha fonte de

trabalho, inspirao e suor. De forma muito orgnica e clara, os caminhos que me levaram a

querer aprender, vivenciar, implementar e, posteriormente, investigar os mecanismos que

corroboram para a aprendizagem comungada, comearam a se abrir e a se insinuar por sendas

improvveis, mas sempre em frente e em pleno ajuste, gerando em mim uma convico de que

era por ali, por essa via que honra o aqui e agora a todo instante, que o W WI (ao

espontnea, traduzirei assim) apontava.

Essa via de aprendizagem que se iluminava com a ajuda das Tecnologias da Informao

e Comunicao (TICs) parecia mesmo desenhar um caminho sem volta em direo a um lugar

ainda emergente, ao mesmo tempo que, de modo paradoxal, fazia pulsar um aparelho ancestral,

como se o retorno raiz viesse mais forte. Partindo da cincia-sabedoria-arte-religao taosta,

a qual oferece uma firmeza flexvel para o aprendizado de Medicina Chinesa, onde uma espcie

de sagrado imanente exerce um poder de vida em cada instante e torna cada passo e cada

respirao, e cada conexo com o outro e com o entorno, fontes de aprendizado e transformao

constantes, a motivao por viver a aprendizagem colaborativa s crescia e se avolumava.

Aprender em comunho com o aprender dos outros parecia taosmo aplicado e tornar

cognoscvel o insondvel e como no citar o poema 1 do DO D JNG : tao

chamado tao no tao; nomes no podem dar nome a nenhum nome duradouro (TZU, 2002,

p. 1) , por meio da experincia compartilhada, foi se configurando como um bom caminho

para flertar com o mistrio sem afast-lo ou enclausura-lo numa aura transcendente. Falar do

mistrio esse que repousa sobre o modo de fazer cincia que estamos lidando e no precisar

lanar mo de retricas especulativas ou de qualquer metafsica, fez com que a

transdisciplinaridade chegasse por aqui como um vento que arejasse os portes acadmicos e

dissesse, com seu sopro: vem, aqui tens lugar.

1.1.2 Questo norteadora

Como a aprendizagem colaborativa com suporte computacional se revela como

estratgia pedaggica na formao de estudantes de Acupuntura/ Medicina Chinesa.

Essa questo, ainda que parea simples, realmente central aqui e permeou todas as

etapas do projeto. A ideia expor a Ocasio em que esse processo se desenvolveu trazendo para

25

c um retrato, ou melhor, uma animao, a modo de documentrio, do conjunto de instncias e

interaes que foram tecidas por meio da estratgia colaborativa no aprendizado vivencial da

Medicina Chinesa.

Outros questionamentos poderiam ser aqui elaborados, como acontece com a maioria

dos Estudos de Caso (GIL, 2009). Poder-se-ia indagar, por exemplo, sobre a eficcia dessa

estratgia para a formao de acupunturistas; e, a partir daqui criar uma pesquisa com uma

coleta de dados para mensurar essa eficcia. Entraramos, destarte, em terreno pedregoso,

principalmente pelo peso semntico da palavra eficcia na Academia, assim como na vida.

Para tal, e seria uma caminhada muito enriquecedora, teramos que primeiro relativizar

o termo e ampliar e elevar sua significao ou, melhor dizendo, sua existncia nesse momento,

a poesia de Alberto Caeiro, trazida ao mundo manifesto pelo Pessoa, entra de forma redentora:

as coisas no tm significao: tm existncia (...) as coisas so o nico sentido oculto das

coisas (PESSOA, 2006, p.79) at aquele ponto em que no ficaria nenhuma dvida de que

estaramos a falar de outro tipo de eficcia, e no daquela que surge a partir da abstrao de

formas ideais, edificadas em modelos, que se projetariam sobre o mundo e que a vontade teria

como meta realizar (JULLIEN, 1998, p. 9). Nesse ponto de entendimento, quando por fim

estivesse claro que beberamos em outra fonte de eficcia nem que, para isso, fosse preciso

refundir a lngua e seus pressupostos tericos: de passagem, faz-la desviar do que se v levada

a dizer, antes mesmo que se tenha comeado a falar (JULLIEN, 1998, p. 10) a sim,

poderamos ento estabelecer formas de captar ou mensurar a aprendizagem por esse prisma.

Todavia, a escolha foi por outro caminho e por outros passos. E a questo que serviu de

apoio para todas as outras que surgiram no processo se resume mesmo a esta: Como a

aprendizagem colaborativa com suporte computacional se revela como estratgia pedaggica

na formao de estudantes de Acupuntura/ Medicina Chinesa?

E dentro dessa escolha, ainda assim ser aqui esmiuada a noo de eficcia segundo a

sabedoria chinesa e este um dos objetivos especficos da dissertao (tpico 1.1.4) e no

poderia ser mesmo de outro modo, visto que toda a noo de estratgia (essa sim uma palavra

central no projeto) inseparvel da noo de eficcia no pensamento taosta, como nos lembra

Franois Jullien:

Ora, eis que descobrimos mais alm, na China, uma concepo da eficcia que

ensina a deixar advir o efeito: no a vis-lo (diretamente), mas a implic-lo

(como consequncia); ou seja, no a busc-lo, mas a recolh-lo a deix-lo

resultar. Bastaria, dizem-nos os antigos chineses, saber tirar proveito do

desenrolar da situao para se deixar portar por ela. Se no nos empenhamos

com algo, se no penamos nem foramos, no porque pensvamos em nos

26

desligar do mundo, mas para termos mais xito nele. Essa inteligncia que no

passa pela relao teoria-prtica, mas se apoia apenas na evoluo das coisas,

cham-la-emos estratgia. (1998, p.9)

Assim, ser dedicado um tpico especfico a essa noo de eficcia (eficincia10) que

deseja-se incitar (tpico 2.3.2) e ser vista e revista durante toda a dissertao, sempre que o

momento exigir nova aproximao. Afora isso, tambm foi elaborada uma afirmao na

pesquisa enviada (APNDICE I) aos aprendizes sobre a noo de eficcia que estamos tratando

para complementar o trabalho e trazer um dado especfico, sob a forma de um grfico

quantitativo, com as porcentagens de cada resposta, a qual ser revelada no momento adequado.

1.1.3 Objetivo Geral

Apresentar a aprendizagem colaborativa com suporte computacional (ACSC) como

estratgia pedaggica na formao de estudantes de Acupuntura/ Medicina Chinesa.

Caso fique claro e inteligvel e, indo alm, seja instigante o relato dessa experincia

pedaggica mpar (principalmente por falarmos de uma sabedoria milenar sendo trabalhada por

uma estratgia de aprendizagem to contempornea), o objetivo geral do trabalho ter sido

cumprido. A maior pre(ocupao) aqui mesmo trazer para a academia, e para o pblico em

geral, a trajetria de uma aprendizagem comungada, com o apoio das Tecnologias de

Informao e Comunicao. Para isso, veio tona a perspectiva ecossistmica, como um

mtodo de tecedura de realidades vividas e compartilhadas, para dar luz uma trama sem

tecelo (KAPTCHUK, 1997), toda emaranhada pelo crescimento contnuo e incessante de

perspectivas sincronicamente complementares, ainda que nascidas em solos e tempos to

distantes, quando medidos por rguas e ampulhetas lineares.

10 Relacionado com o pensamento chins e separada da noo de causa, a eficincia no seria somente

uma eficcia que no mais estaria presa a uma ocasio particular, com isso se dissolvendo no fundo das coisas,

mas ela prpria se torna o lastro das coisas, de onde no cessa de decorrer todo advento. E nisso ela se confunde

com a imanncia. Ora, esse fundo/lastro de eficincia (imanncia) que o sbio chins quer reaver sob o acmulo

das coisas (e o encadeamento das causas); e que o estrategista procura captar para vencer. (JULLIEN, 1998,

p.161)

27

1.1.4 Objetivos especficos

Retratar a experincia concreta de implementao da plataforma de ensino MOODLE

(Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment) na Escola Nacional de

Acupuntura, entre os anos 2010 e 2012, e suas circunstncias;

Explorar a concepo chinesa de eficcia, apoiada na lgica do processo e no potencial

de adaptao, com base na transformao natural e na virtude da imanncia;

Expor as repercusses do formato hbrido, virtual e presencial, na aprendizagem

colaborativa.

Tais objetivos especficos aparecem aqui para facilitar a imerso nessa realidade

pedaggica e trazer mais luz para a Ocasio investigada. De fato, no captulo 4, ser feito um

relato amplo sobre todo o processo de implementao e consolidao da plataforma MOODLE,

assim como a descrio do ambiente de aprendizagem e de sua dinmica de interao, sem

esquecer a repercusso da incorporao desse ambiente virtual no andamento dos encontros

presenciais e como o ambiente face-a-face tambm influenciou o andamento da aprendizagem

online.

Sobre a concepo chinesa de eficcia, foram explicados no tpico 1.1.2 os motivos que

tornaram sua investigao necessria na elaborao e consolidao do projeto e um tpico

(2.3.2) ser desenvolvido mais frente no trabalho. Outrossim, convm mencionar um detalhe

a mais sobre essa noo de eficcia: ela est atrelada ao no agir, ou agir espontneo chins -

o W WI ().

A partir do momento em que o agir, liberando-se de todo ativismo, chega a

confundir-se com o curso espontneo das coisas, no se pode mais identific-

lo; como ele se difunde a ao longo de sua evoluo, no h mais nada nele

que se focalize ou se destaque, ele esposa to cedo o princpio dessa evoluo

que no o vemos distinguir-se dela. Esse agir-sem-agir no tem mais aresta

nem aspereza. A fronteira entre o fazer e o feito se apaga, no se sabe mais a

quem ou a que atribuir o efeito, cada um acredita de boa-f poder reivindic-

lo. (...) Quando a eficcia se torna natural, quase no se pode diz-la, ou,

melhor, nesse modo do quase no que melhor se pode diz-la. (JULLIEN,

1998, p. 115)

1.1.5 Justificativas

Este projeto se justifica por trazer ao ambiente acadmico um estudo amplo sobre uma

situao pedaggica real, alicerada na aprendizagem colaborativa com suporte computacional

28

(ACSC), em uma rea do saber relativamente nova e em processo de formatao no ocidente,

especialmente no Brasil. Tambm se justifica pela potencial riqueza cientfica, pedaggica e

filosfica que pode emergir da aproximao terica entre um saber milenar, formatado em outra

matriz cultural, com conceitos e teorias contemporneas. E, para finalizar, creio que existe a

possibilidade de aplicao concreta das inferncias do presente estudo nas futuras formaes e

futuras escolas e cursos de Medicina Chinesa, e, at mesmo, em conjunto com outros trabalhos

e estudos que honram o saber clssico chins e sua racionalidade mdica, favorecer a

legitimao e a preservao da Medicina Chinesa no Brasil.

1.1.6 Coleta e exposio de dados

Fontes primrias

Pesquisa enviada aos aprendizes

Grupo de discusso com os facilitadores em uma rede social

Sero apresentadas no decorrer do texto as dinmicas nos fruns de discusses,

principalmente nas disciplinas monitoradas pelo pesquisador, as postagens no Blog, o papel do

professor e dos monitores no estmulo e participao do alunado, e as outras interfaces

colaborativas assncronas (nos encontros virtuais), utilizadas nas disciplinas, na sala de aula e

no ambiente virtual. Tambm as participaes dos envolvidos e o resultado da interao e da

abordagem colaborativa. Lanar-se- mo de figuras para apresentar alguns Fruns, tabelas de

pesquisa, relatos coletados na pesquisa online, imagem das salas de aula virtuais e das interfaces

estticas de colaborao.

Algumas discusses pinadas de fruns das disciplinas Fundamentos do Pensamento

Oriental, Diagnstico na Medicina Chinesa , Estudo de Pontos e Meridianos e Alimentao

Teraputica Chinesa sero privilegiados devido caracterstica inicitica nos preceitos do

taosmo11 e do pensamento chins, no caso da primeira, e caracterstica de aprofundamento

na cincia mdica chinesa, nas trs ltimas; alm de serem disciplinas centrais para a percepo

das dimenses (LUZ, 2000) que caracterizam a Medicina Chinesa como uma Racionalidade

Mdica. Outros espaos e salas de aula sero tambm apresentados, como lugares privilegiados

11 A transliterao das palavras do idioma chins para nosso idioma ser em Pinyin, respeitando a

recomendao oficial do governo chins. No obstante, manterei os termos Tao () e suas derivaes, ao invs de DO, por serem formas j consolidadas no mundo ocidental. O taosmo considerado a escola de pensamento

fundante da medicina chinesa clssica e seus preceitos sero discutidos mais adiante.

29

de aprendizagem colaborativa e de abordagem transdisciplinar, como a sala do projeto

NEAMDERDao (APNDICE X).

Tambm ser privilegiada a apresentao do ambiente virtual global da escola,

especificamente os fruns de participao aberta, os glossrios de termos da Medicina Chinesa

e o blog da escola virtual. Assim como a participao dos monitores e seus papis na

estimulao da aprendizagem colaborativa.

A reviso bibliogrfica no poderia deixar de ser relevante para o entendimento que se

prope a incitar; assim sendo, pretende-se trazer estudos e autores da abordagem colaborativa,

do Pensamento Complexo e da perspectiva transdisciplinar, do grupo de pesquisa racionalidade

mdicas e do pensamento chins, e gerar um dilogo profcuo e esclarecedor.

E, para aprofundar mais a investigao e garantir a confiabilidade do estudo, alm de

confrontar os dados por meio de outro procedimento de coleta (GIL, 2009) e favorecer, assim,

a operacionalidade a partir de uma perspectiva ecossistmica, sero apresentados os

depoimentos de professores da escola que, anteriormente, haviam sido aprendizes. A ideia aqui

abrir a escuta a outros sujeitos e a suas percepes sobre o objeto estudado e, mais que isso,

assumir a riqueza de seus olhares e de suas vozes.

Para a coleta de dados foi criado um grupo de discusso em uma rede social para que o

projeto fosse apresentado em suas mincias aos colaboradores e para que as contribuies

pudessem assumir uma roupagem colaborativa, em congruncia com o objeto de estudo. Os

sujeitos selecionados eram aprendizes que tiveram a experincia com a aprendizagem

colaborativa em formato hbrido e, posteriormente, tornaram-se monitores e, por fim,

professores na mesma instituio e colocaram em prtica os preceitos da colaborao com

suporte computacional, em formato blended learning, em suas respectivas disciplinas. Foram

selecionados, em um primeiro momento, quatro facilitadores que passaram por esse critrio e

que, posteriormente, assumiram as disciplinas Fundamentos do Pensamento Oriental,

Diagnstico na Medicina Chinesa, Alimentao Teraputica Chinesa e Estudo de Pontos e

Meridianos. Nesse espao, alm do compartilhamento de textos e estudos pertinentes para a

construo da pesquisa, tambm foram apresentadas as vises de cada sujeito, com suas

subjetividades e inquietaes. Esses depoimentos foram coletados de forma colaborativa, em

honra ao objeto central de estudo. Posteriormente, com o desenrolar do projeto, outros dois

professores entraram na pesquisa e uma professora, a qual no chegou a participar efetivamente,

se desligou. As falas dos professores sero apresentadas na forma de citao, com seus nomes

verdadeiros transliterados aleatoriamente para nomes em Pinyin.

30

Para completar a coleta de dados foi enviada uma tabela de avaliao (APNDICE I)

aos aprendizes que estiveram envolvidos com a aprendizagem colaborativa, selecionados a

partir da anlise dos fruns propostos como atividade nas disciplinas mencionadas acima, ou

pela participao nas outras interfaces de construo coletiva do conhecimento (principalmente

nos glossrios e no blog). As afirmaes enviadas foram retiradas da bibliografia ou elaboradas

a partir das questes norteadoras da pesquisa. As opes de resposta para as perguntas objetivas

foram: concordo totalmente; concordo/ discordo parcialmente; discordo totalmente; no tenho

opinio. E tambm foi aberto um espao para consideraes pessoais sobre o trabalho

colaborativo. Portanto, essa coleta de dados tem um carter quali-quantitativo, j que as

respostas coletadas na pesquisa assumiram a forma de grfico com as porcentagens de cada

resposta e foram complementadas pelas respostas dissertativas, as quais so usadas para

enriquecer o texto e a prpria investigao, alm de confrontar os dados coletados pela Tabela

de Avaliao e para favorecer uma leitura multidimensional da Ocasio. Esses relatos sero

apresentados ao longo do texto na forma de figuras ou bales de pensamento, sem qualquer

identificao, j que esses foram coletados de forma annima por meio da pesquisa enviada

(APNDICE I)

Por fim, depois de coletados os dados, feita a triangulao e confeccionado o Relatrio

Final do Estudo de Caso, a dissertao foi enviada aos sujeitos para reviso e verificao se

as interpretaes do pesquisador refletem o que de fato sentem, pensam e fazem (GIL, 2009,

p. 37), para, somente ento, assumir essa roupagem definitiva.

31

CAPTULO 2 - EMBLEMAS

A atual abordagem, que analisa o mundo em partes independentes, j no funciona,

assim como a associao do homem que domina a natureza precisa ser repensada para gerar

um novo tipo de pensamento que compreenda o universo em contnua evoluo, que respeite

os fenmenos naturais e reconhea a vida como um rio que flui naturalmente em direo

corrente infinita do Tao. (MORAES, 1997, p. 31)

(...) no ponto de vista da Cosmologia Daosta, qualquer processo de criao envolve

a interao de trs foras primordiais. (SOUZA, 2008, p. 77)

As principais referncias tericas na construo desse estudo esto agrupadas no

desenho abaixo (Figura 1), sendo que um dos lados representa a perspectiva ecossistmica,

como mtodo e olhar, apoiada pelos fundamentos do dilogo transcultural e transdisciplinar e

pelo Pensamento Complexo, o outro lado representa a Aprendizagem Colaborativa com

Suporte Computacional (ACSC), e um terceiro lado representa os fundamentos da Medicina

Chinesa e do Pensamento Taosta, apoiados pelos estudos do grupo de pesquisa Racionalidades

Mdicas.

Figura 1: Tringulo emblemtico

32

Esse tringulo est inscrito no universo W J ( ), no vazio primordial (assunto que

ser tratado no tpico 2.3.1.1), normalmente representado por um crculo vazio que engendra

um mar de possibilidades, a prenhez infinita.

2.1 A PERSPECTIVA ECOSSISTMICA

Toda base ontolgica apresenta desdobramentos epistemolgicos e traz consigo um

conjunto de procedimentos e estratgias nas quais predominam certo tipo de raciocnio, uma

lgica diferenciada, uma nova compreenso de mundo e viso de como a realidade se

manifesta. Sabemos que todo e qualquer sistema de pensamento afeta todas essas dimenses,

a prtica decorrente da lgica aplicada, bem como a viso poltica e social que se manifesta.

(MORAES, 2014, p. 32)

Para alicerar uma ao docente que venha a atender s mudanas paradigmticas

da cincia, h a necessidade de se constituir uma aliana de abordagens pedaggicas,

formando uma verdadeira teia de referenciais terico-prticos. (BEHRENS, 2005, p. 77)

A viso ecossistmica se confunde com a taosta; arrisco-me a dizer, em primeira

pessoa, que bebem da mesma fonte e que olham para o mesmo cu enquanto caminham de

mos dadas, cruzando milnios, todos os continentes e mares inteiros. Por isso, essa a

perspectiva que rege essa dissertao. No poderia ser diferente. No poderia, penso eu, como

construtor de fatos, almejar retratar uma realidade pedaggica seriamente influenciada pelo

corpo terico-prtico taosta sem levar muito a srio essa leitura da vida e de seus mecanismos.

Assim, pois, os prximos tpicos apresentaro as dimenses ontolgica,

epistemolgica e metodolgica que caracterizam a perspectiva ecossistmica e, junto a isso, o

prprio modus operandi taosta.

2.1.1 Dimenso ontolgica

Em sua dimenso ontolgica, a Realidade percebida como dinmica e

multidimensional, caracterizada pela incerteza e imersa em uma natureza complexa, com uma

grande proximidade com a Realidade pelos olhos da Sabedoria Chinesa. Seguindo os princpios

da Complexidade de Morin como alicerce da investigao inter e transdisciplinar (Rodrigues,

2006), nos deparamos com a dialogicidade, a qual permite manter a dualidade no seio da

unidade, com uma causalidade circular e recursiva, e com o princpio hologramtico, onde no

33

apenas a parte est no todo, mas o todo est na parte (MORIN, 1990, p. 108). Ressalta-se de

antemo que os operadores cognitivos do pensamento complexo sero tratados no tpico 2.5.

Indo por esse caminho, Maria Lucia Rodrigues (2006) destaca alguns componentes

desse mtodo (que une para promover a articulao entre os integrantes do sistema e flexibilizar

as fronteiras disciplinares, evoluindo para o conhecimento transdisciplinar): o desdobramento

da objetividade e da subjetividade como campo dos conflitos e das incertezas, mas tambm da

complementaridade; a religao, no sentido de tecer ligaes entre conhecimentos difusos e,

assim, aumentar o alcance da pesquisa e o religare, no sentido religioso mais profundo, com o

desenvolvimento da noo da cincia como parte da religao do homem com aspectos maiores

que ele mesmo; a organizao e auto-organizao, fruto das interaes incessantes entre as

partes que conformam o todo Complexo; e a prpria noo de fenmenos complexos, como

manifestao de tudo que emerge da realidade.

Tambm se evidencia a sincronia de muitas abordagens que descrevem uma realidade

complexa (MORIN, 1990), conectada, interativa e regida por processos auto-eco-organizadores

e auto-poiticos (MATURANA, 1999) numa grande tessitura reticular (CAPRA, 1997), e que

pode ser percebida como mltipla, por meio de diferentes nveis de realidade (NICOLESCU,

2003) e diferentes nveis de percepo dessas realidades, em conformidade com os ditames da

Medicina Chinesa, como no cessaremos de ver durante esse trabalho.

2.1.2 Dimenso epistemolgica

J na dimenso epistemolgica, resgatada a subjetividade do sujeito, e a influncia de

sua histria de vida, assim como sua participao ativa na realidade multidimensional estudada,

onde toda objetividade passa a ser uma objetividade entre parntesis (MATURANA, 1997).

Por isso mesmo, j dentro da metodologia, os sujeitos da pesquisa foram incitados, por meio de

depoimentos coletados de forma colaborativa, em um grupo de discusso de uma rede social, a

participarem ativamente na coleta e construo de dados. A importncia concedida a eles, os

construtores, no processo de fundamentao do conhecimento, e seus papis na percepo do

que visto, percebido, interpretado e (des)construdo, foi levada em conta nesse trabalho.

Tambm por isso houve a coleta de relatos subjetivos e o resgate da histria de vida de alguns

participantes os que se dispuseram a contar-nos sua histria como ferramenta valiosa para

a coleta de informaes de natureza qualitativa.

A realidade revelada por essa dimenso , dessa forma, uma de suas possveis

interpretaes a partir de processos co-determinados ocorrentes nas relaes sujeito/objeto

34

(MORAES & VALENTE, 2008, p. 24). Assim, a pesquisa sob essa epistemologia no se prope

a revelar uma verdade, mas sim desvelar uma de suas possveis interpretaes e leituras.

Segundo Maria Lucia Rodrigues, os instrumentos epistemolgicos essenciais que so

elaborados no andar investigativo na perspectiva da complexidade so o pensamento

sistmico, a recursividade e a circularidade, a interao e a religao, a percepo, a inter e

transdisciplinaridade (2006, p. 24).

Ainda sobre objetividade e subjetividade na pesquisa, a partir da perspectiva

ecossistmica, nos encontramos com sujeitos cheios de incerteza, reflexivos e, at mesmo,

hesitantes, ainda que inteiros em seus projetos. E todo conhecimento elaborado passa a ser o

resultado do dilogo incessante e da interao pulsante ente sujeito e objeto para expressar uma

cincia in vivo. Na realidade da presente pesquisa essa afirmao essencial, j que deposito

minha subjetividade e a dos outros sujeitos, enquanto aprendizes, professores e reconstrutores

dos preceitos da Medicina Chinesa numa atualidade pedaggica mpar, na elaborao e

construo do projeto de conhecimento.

2.1.3 Dimenso metodolgica

Entrando na dimenso metodolgica, nos deparamos com a necessidade de tecer

estratgias de ao que sejam vivas, dinmicas e que considerem a multidimensionalidade da

realidade, sem se esquecer da subjetividade, da emotividade e dos encontros movidos pela

afetividade. E sem perder a caracterstica de uma estratgia que revele o subjetivo, como

atividade de um sujeito posicionado, ativo e presente de corpo e alma no projeto de

conhecimento. Da, talvez, salte a maior virtude do delineamento de pesquisa escolhido: abrir

espao para os outros sujeitos, com suas experincias e suas percepes multidimensionais da

Ocasio em estudo.

Os princpios hologramtico e dialgico de Morin antes citados e que sero retomados

no tpico 2.6 entram aqui como parte de um caminho metodolgico onde o produtor da cincia

, ao mesmo tempo, o produto daquilo que almeja produzir, numa causalidade circular ou

trajetria espiralada (MORAES & VALENTE, 2008, p. 54) deflagrada pelo dilogo

constante entre pesquisador e objeto pesquisado. Nesse contexto, a espiral traz consigo a idia

de processo inacabado, algo em constante vir-a-ser; algo itinerante e impulsionado pela

recursividade ou pela retroatividade inicial do processo (IDEM, p.55). Tendo-se em mente que

estamos pesquisando, em suma, o encontro entre perspectivas contemporneas e o pensamento

clssico chins, reforar-se- a ideia de circularidade na pesquisa, assim como na vida

35

(inseparveis que so a partir desses olhares), com um trecho do Tratado da Eficcia

(JULLIEN, 1998), to apropriado para a presente pesquisa, quanto para a ideia de aprendizagem

colaborativa como um processo transpessoal:

Ora, a lngua chinesa, constatamos, no ope categoricamente o passivo e o

ativo (no h voz a esse respeito), ela deixa no mais das vezes essa diferena

indecisa, e descreve as operaes sob o aspecto no tanto do agente quanto do

funcionamento (o do yong em relao ao ti) (...) porquanto o que me porta

desse modo no devido a mim nem tampouco sofrido por mim, isso no

nem eu nem no-eu, mas antes passa atravs de mim. Enquanto a ao

pessoal e remete a um sujeito, essa transformao transindividual; e sua

eficcia indireta dissolve o sujeito. Isso, claro, em proveito da categoria do

processo. (p. 69-70)

Falando em metodologias multidimensionais na pesquisa, a contribuio de Moraes e

Valente (2008), substanciada pelo conceito de prudncia metodolgica, de Sandin Esteban

(2003 apud MORAES & VALENTE, 2008), se apresenta como essencial. Ainda mais quando

contrastamos esse critrio com as profcuas discusses empreendidas por outros autores, como

Gnther (2006), sobre o desafio na escolha entre pesquisa qualitativa ou quantitativa. Em

resumo, ponto pacfico que caminhamos cada vez mais na direo da utilizao de

multimtodos e da integrao de investigaes qualitativas e quantitativas, principalmente na

perspectiva ecossistmica; tambm correto afirmar que, mesmo indo nessa direo, podemos

nos perder numa incompatibilidade terica e epistemolgica, em relao s estratgias

adotadas. Por isso, o critrio da prudncia metodolgica a maior preocupao dos estudiosos

acima citados, como prerrogativa para qualquer sincretismo.

Tendo isso em vista, a coleta de dados na presente pesquisa foi definida como quali-

quantitativa, onde os dados coletados a partir do preenchimento da Tabela de Avaliao foram

complementados pela coleta de um relato pessoal (APNDICE II), e um Grupo de Discusso

(Figura 29) com cinco sujeitos foi criado em uma rede social para funcionar como espao de

construo coletiva dos caminhos da dissertao, como comentado anteriormente. Tambm,

com a inteno de honrar a dependncia ecolgica entre sujeito e objeto e o Princpio tico que

nutre essa relao (MORAES & VALENTE, 2008), foi estabelecida uma pesquisa com

consentimento informado (APNDICE V) e tambm com o retorno peridico aos informantes

sobre os passos do Estudo da Ocasio e seus desdobramentos.

Agora, abordadas as trs dimenses, importante atentar para o fato de que qualquer

metodologia (estratgia, melhor dizendo) de pesquisa e seus delineamentos e coleta de dados

devem estar, necessariamente, em sintonia com o paradigma ou perspectiva terico-

36

epistemolgica em questo e sua dimenso ontolgica fundante. Por isso mesmo, todo o projeto

foi sendo tecido e desenhado com a noo de estratgia/ sabedoria taosta como guia, j que a

eficcia, na China, no cessaremos de comprov-lo, uma eficcia por adaptao (JULLIEN,

1998, p. 69) da a necessidade de um tpico especfico (2.5) dedicado a um aprofundamento

sobre Eficcia no pensamento taosta.

2.2 A APRENDIZAGEM COLABORATIVA COM SUPORTE DAS TECNOLOGIAS DE

INFORMAO E COMUNICAO

At que ponto possvel desenvolver uma pedagogia complexa, ecossistmica,

relacional, facilitadora e catalisadora de vivncias do estar aprendendo a cada momento?

(MORAES, 2008, p. 63)

Vygotsky pode ser considerado um dos primeiros educadores a levar a srio a

potencialidade da aprendizagem colaborativa com a fundamentao do conceito de zona de

desenvolvimento proximal (1984). Segundo esse autor, em resumo, o desenvolvimento real da

criana seria precedido por seu desenvolvimento a partir das vrias formas de interao em

grupo. Nesse caminho, j entrando na era da informao e comunicao mediada pelas

tecnologias, a estratgia pedaggica colaborativa pode ser entendida como aquela que favorece

a construo coletiva de conhecimento, por meio do compartilhamento de ideias, informaes

e sentimentos, fruto da interao ativa entre membros de um grupo (aprendizes e facilitadores),

com o suporte de tecnologias de informao e comunicao (TICs).

Nos ltimos anos, muitas pesquisas foram desenvolvidas com o intuito de entender e de

comprovar a eficcia (esse termo que aqui no presente estudo intencionalmente revirado) da

estratgia colaborativa. Adriana Clementino, por exemplo, em sua tese de doutorado, chegou

concluso de que a escolha das abordagens colaborativas como orientao metodolgica (...)

agregou aos aspectos tecnolgicos as condies ideais para que o processo didtico de

aprendizagem baseado na interao e comunicao fosse ampliado (2008, p. 7). Em outra tese

de doutorado do mesmo ano, Ana Cristina Lima Barbosa revela que o resultado dessa

investigao comprovou a hiptese de que as dinmicas colaborativas online possibilitam a

criao de uma comunidade e revelam-se como formas diferenciadas de se atuar com qualidade

em educao online (2008, p. 6).

No presente trabalho de pesquisa, por meio do Estudo de Caso, ser mostrado como se

deu o processo de colaborao e como os envolvidos retratam suas experincias nesse cenrio

37

complexo, com o desenvolvimento de uma aprendizagem ativa que possibilitou o encontro com

um Saber advindo de outra cultura e com uma bagagem milenar de conhecimentos.

Aproveitando o fio da meada, interessante resgatar o conceito de reaculturao, tomado de

emprstimo da cincia antropolgica e atualizado por Kenneth Bruffee (1993) um dos autores

influentes no cenrio da ACSC para se referir passagem dos aprendizes a um novo ambiente

de aprendizagem; no caso, para o ensino superior. De forma geral e resumida, o autor descreve

a importncia de uma educao no alicerada (ou seja, uma educao que ser construda a

partir do encontro entre todos os envolvidos nessa nova realidade educacional reaculturation)

em contraposio educao alicerada (fincada na assimilao e sintetizao de

conhecimentos prvios). Tal conceito toma uma relevncia maior no contexto da aprendizagem

em Medicina Chinesa, j que estamos falando de um sistema mdico estranho aos nossos

ditames convencionais e, deste modo, os iniciados devem fazer uma dupla-passagem: para

outra cultura, de um lado, e para outras estratgias de aprendizado, de outro.

Sobre a adequao da estratgia colaborativa para a aprendizagem de Medicina Chinesa

foi elaborada a seguinte afirmao na Tabela de Avaliao (Figura 2): a estratgia de

aprendizagem colaborativa foi apropriada para a formao em medicina chinesa. Como

resultado, 86,67 concordam totalmente com a afirmao, enquanto 13,33 concordam

parcialmente.

Figura 2: Tabela de avaliao (4 afirmao)

38

2.2.1 As sete dimenses no desenho e gerenciamento pedaggico de ambientes

colaborativos

A aprendizagem colaborativa demonstra de maneira evidente que estudantes podem

aprender melhor - mais completamente, mais profundamente, mais eficientemente - do que

aprender sozinhos. (BRUFEE, 1993)

Lucio Teles, em seu trabalho Aprendizagem colaborativa online (2012), a partir da

reviso de vasta literatura relacionada ACSC, identificou e enumerou sete dimenses que

valorizam o desenho, a implementao, o gerenciamento e a avaliao de atividades

colaborativas online. Com a inteno de aprofundar nosso estudo sobre a ACSC e, inclusive,

usar esta contribuio como pano de fundo para o desenrolar do presente Estudo de Caso,

pretende-se expor essas dimenses e discuti-las e adequ-las realidade pedaggica

pesquisada.

Como comentado nos passos iniciais, meu encontro efetivo com a ACSC se deu a pa