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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE ARTES MESTRADO PROFISSIONAL EM ARTES (PROFARTES) João de Camargo Pimentel VIVÊNCIA TEATRAL COMO EXPERIÊNCIAS DE IDENTIDADES NEGRAS Brasília/DF 2018

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

INSTITUTO DE ARTES

MESTRADO PROFISSIONAL EM ARTES (PROFARTES)

João de Camargo Pimentel

VIVÊNCIA TEATRAL COMO EXPERIÊNCIAS DE IDENTIDADES NEGRAS

Brasília/DF

2018

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João de Camargo Pimentel

VIVÊNCIA TEATRAL COMO EXPERIÊNCIAS DE IDENTIDADES NEGRAS

Dissertação para a obtenção do título de Mestre em Artes

Cênicas submetida à Universidade de Brasília, Programa

de mestrado Profissional em Artes (ProfArtes) área de

concentração Artes Cênicas, na linha de pesquisa

Processos de ensino, aprendizagem e criação em artes.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Sérgio de Andrade Bareicha.

Brasília/DF

2018

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João de Camargo Pimentel

VIVÊNCIA TEATRAL COMO EXPERIÊNCIAS DE IDENTIDADES NEGRAS

Esta dissertação de conclusão de mestrado foi julgada adequada para obtenção do título

de “Mestre em Artes Cênicas” e aprovada em sua forma final pelo Mestrado Profissional em

Artes, Ensino de Artes (Artes Cênicas) – ProfArtes da Universidade de Brasília

Local, _____de ____________ de ______.

Banca Examinadora

__________________________________

Orientador: Prof. Dr. Paulo Sérgio de Andrade Bareicha

Universidade de Brasília

________________________________

Profª. Dra. Clarice da Silva Costa

Universidade de Brasília

_________________________________

Profª. Dra. Claudia da Silva Costa

Centro de Ensino Profissionalizante Escola de Música de Brasília – SEEDF

_________________________________

Prof. Dr. José Mauro Barbosa Ribeiro

Universidade de Brasília

(Suplente)

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Aos meus pais, Sofia e João.

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AGRADECIMENTOS

Chegar até aqui foi difícil sim, difícil. Estar envolvido com muitas tarefas, dar atenção

à família, auxiliar no que fosse necessário, ler demais nos momentos de férias. Tudo isso fez

parte e, realmente, tudo isso foi desejado. Muita gente fez parte desse trajeto, muita gente

concluiu comigo este mestrado. Tenho agradecimentos a pessoas que são especiais, a pessoas

que proporcionaram um encontro com minha verdadeira identidade.

A Deus e aos deuses, por mostrar através das experiências quando é necessário parar,

avançar, calar ou gritar, refletir e agir. Mais ainda pelo dom de refletir e agir.

Ao ProfArtes, exemplo de programa de Pós-Graduação, que tem excelentes

profissionais e que se vincula à UnB, universidade que me construiu como profissional.

Ao meu orientador Paulo Bareicha, grande profissional, grande incentivador, grande

mestre. Você é incrível.

À professora Clarice Costa, meu primeiro referencial na graduação, agradeço pelo seu

exemplo. O que você é na sala de aula me fez aprender continuamente.

Ao professor André Gomes, pelas palavras incentivadoras. Ao professor José Mauro

Ribeiro, que, desde a graduação, me inspira e me faz seguir em frente. À querida professora

Maria Cristina, pelo carinho, pela dedicação e profissionalismo.

Ao sr. Érico José, pelo incentivo, pelo olhar cuidadoso, pelo ombro, pela mão estendida.

A Susie Barreto, pelas conversas intermináveis sobre arte, sobre arte-educação e por ser

minha referência.

Ao Espaço Semente, minha casa, minha terra, por me deixar florescer ali, no centro do

Gama. Ao irmão-amigo Valdeci Moreira de Souza, pela parceria. Ao Hugo Nicolau, minha

referência na UnB e fora dela, enquanto aluno, enquanto amigo. À Luciana Alves Oliveira, que

nos brinda com sua presença doce. Amo você.

Ao Ferdinando Martins, por observar o início e estimular o progresso do trabalho. Muito

agradecido. Inspiro-me em você enquanto profissional. Ao amigo Bruno Bacelar e à Mayra

Alves, pelo apoio. Ao Fernando Lackman, pela sensibilidade em tratar de assuntos que me

afetavam. À professora Claudia Costa, pelo auxílio no momento em que mais precisei.

Ao querido Gustavo Gasparani, pela escuta.

E, por fim, aos meus alunos, todos eles, que me moldaram do jeito que sou e que me

fizeram feliz todos os dias.

Merci.

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Ensinar é um ato teatral.

(Bell Hooks, 2013)

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RESUMO

As questões de identidade e negritude perpassam a vida de estudantes dentro e fora do âmbito

escolar. Como estudantes de escola pública e periférica se identificam, em seu microcosmo

escolar, com sua própria cultura, diante da pressão criada pelo padrão eurocêntrico? Como se

dá o processo identitário do sujeito negro e negra dentro do ambiente escolar? O presente

trabalho propõe uma reflexão sobre a posição dos alunos negros e das alunas negras em escolas

do Distrito Federal. O foco desta pesquisa é o trabalho com jogos teatrais e jogos dramáticos

junto ao questionamento das identidades desses alunos, nessas escolas, utilizando Viola Spolin

e Augusto Boal como base. A experiência prática que fundamentou o nosso estudo foi realizada

nas escolas de Brasília/DF, com ênfase na Região Administrativa (R.A) do Gama (Centro de

Ensino Fundamental 03 do Gama, Centro de Ensino Fundamental 04 do Gama, Centro de

Ensino Fundamental 05 do Gama e Centro Educacional 08 do Gama), além da UnB Campus

Darcy Ribeiro, nos anos de 2015 a 2018. Participaram desta pesquisa estudantes das escolas de

Ensino Fundamental, com faixa etária entre 13 e 16 anos, e alunos da Universidade de Brasília,

adultos entre 20 e 30 anos. Como metodologia de pesquisa, utilizou-se vivências que foram

registradas em diário de campo, fotografias e filmagens. Analisou-se ainda o resultado dos

produtos dessas oficinas e mapas mentais, de forma a apresentar como a identidade dos negros

e negras é pensada a partir dos jogos teatrais e dramáticos nas escolas públicas e como o teatro

potencializa o poder de consciência do aluno, como sujeito, autor e protagonista de sua própria

narrativa.

Palavras-chave: Teatro, Negro, Identidade, Racismo, Escola Pública.

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ABSTRACT

The issues of identity and blackness permeate the student’s lives inside and outside the school.

How do students of the public and peripheral schools identify themselves with their own

culture, in the face of the pressure created by the Eurocentric pattern? How does the identity

process of the black subject take place within the school environment? Under those questions,

this work purposes a reflection on the position of black students in schools of the Federal

District, Brazil. The research recurs to the theories of Viola Spolin and Augusto Boal and

focuses on how the identities of black students can be called into question through theatrical.

The case studies were limited to the Federal District area, with an emphasis on the

Administrative Area (RA), using, namely, the Elementary school’s numbers 03, 04 05 and the

educational centre 08 of Gama, as well as the University of Brasilia’s (UNB) student centre,

Darcy Ribeiro. The research was conducted between the years of 2015 and 2018, with teenagers

between 13 and 16 years old, from the Elementary schools, and adults between 20 and 30 years

old, from the UNB. As a research methodology, experiences that were recorded in a field diary,

as well as photographs and filming were used. The results of these workshops and mind maps

were also analysed, results show how black students’ identity is worked through theatrical and

dramatic plays in public schools and reflects also on how the theatre enhances the student's

power of consciousness as subject, author and protagonist of their own narrative.

Keywords: Theatre, Black, Identity, Racism, Public School

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mapa político do Gama ......................................................................................... 18

Figura 2: CEF 05 do Gama. Fonte: Google Maps ................................................................. 20

Figura 3: Panorâmica da entrada do CEF 04 Gama............................................................... 20

Figura 4: João de Camargo Pimentel e sua bisavó, em Luziânia/GO, 1986. Fonte: Registro de

família ................................................................................................................................. 22

Figura 5: Performance Rainha Negra, CEF 03 ...................................................................... 23

Figura 6: Percentual de pessoas negras na população residente por faixa etária, segundo a

Região Administrativa - Distrito Federal, 2010 .................................................................... 28

Figura 7: Percentual de pessoas negras na população, segundo a Região Administrativa -

Distrito Federal, 2010 .......................................................................................................... 29

Figura 8: Glairo Silva na Performance A Rainha Negra, no CEF 3 do Gama, 2014. ............. 32

Figura 9: Mapeamento da população negra. Retirado do site do IBGE. ................................ 40

Figura 10: Jogo Teatral. Apresentação através da ação. Estudantes do Ensino Médio. Foto de

Thiago Bellargo ................................................................................................................... 47

Figura 11: Jogo Teatral de interação em espaço alternativo no CED 08 ................................ 55

Figura 12: Jogo Teatral. Violência. Pátio da escola CED 08 ................................................. 56

Figura 13: Foto de Nágila Alcantara. Realização de Performance em sala, As lavadeiras. .... 59

Figura 14: Exemplo de Notícias inseridas no Teatro-Notícia ................................................ 70

Figura 15: Exemplo de Notícias inseridas no Teatro-Notícia ................................................ 70

Figura 16: Exemplo de Notícias inseridas no Teatro-Notícia ................................................ 71

Figura 17: Aquecimento Oficina I. Foto de Susie Barreto ..................................................... 72

Figura 18: Produção do mapa mental. Foto de João Camargo Pimentel ................................ 72

Figura 19: Estudantes no exercício: “Quem é o sujeito preso no Brasil?”. Foto de Susie Barreto

............................................................................................................................................ 73

Figura 20: Estudantes da oficina II no momento do jogo. Foto de Susie Barreto ................... 74

Figura 21: Estudantes na oficina III no jogo Quem sou Eu? Foto de Thiago Bellargo ........... 74

Figura 22: Estudantes de Pedagogia da UnB na composição da Partitura Corporal. Foto: Paulo

Bareicha ............................................................................................................................... 80

Figura 23: Estudantes de Pedagogia Foto de Paulo Bareicha ................................................ 80

Figura 24: Estudantes da UnB, da Oficina I, na composição do Teatro Imagem. Foto: Paulo

Bareicha ............................................................................................................................... 81

Figura 25: Estudantes de Pedagogia da UnB na composição do jogo do Teatro Imagem....... 83

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Figura 26: Estudantes de Pedagogia na composição do Teatro Imagem. ............................... 84

Figura 27: Foto de João Camargo Pimentel ......................................................................... 85

Figura 28: Oficina Ensino Médio ....................................................................................... 104

Figura 29: Roda de conversa Oficina I Ensino Fundamental ............................................... 104

Figura 30: Jogo Dramático com estudantes do 6° ano no CED 8 do Gama. Jogo-ação sem

verbalizar ........................................................................................................................... 105

Figura 31: Jogo Teatral “Eu no futuro” com estudantes do 6° ano no CED 8 do Gama ....... 105

Figura 32: Estudante Rafael no Jogo “Eu no Futuro” .......................................................... 106

Figura 33: Estudante Victor no Jogo Teatral “Eu no Futuro” .............................................. 106

Figura 34: Aluna do Ced 8 em Jogo Teatral ....................................................................... 107

Figura 35: Jogo teatral em sala de aula ............................................................................... 107

Figura 36: Performance Rainha Negra CEF 03. .................................................................. 108

Figura 37: Quem é o sujeito negro no Brasil, alunos Oficina I ............................................ 108

Figura 38: Releitura da obra Os Operários, de Tarsila do Amaral, com foco no debate sobre

mestiçagem. Alunos CEF 03 .............................................................................................. 109

Figura 39: Exemplificando Jogo Teatral sobre autoapresentação ........................................ 109

Figura 40: Realização do Mapa Mental com parte do aluno da oficina IL ........................... 110

Figura 41: CEF 05 do Gama. Google Maps ........................................................................ 114

Figura 42: Número e percentual de pessoas na população, por raça/cor, segundo a Região

Administrativa - Distrito Federal 2010 ............................................................................... 116

Figura 43: Percentual de negros na população por Região Administrativa – Distrito Federal,

2010 ................................................................................................................................... 117

Figura 44: Percentual da população negra por sexo, segundo a Região Administrativa - Distrito

Federal, 2010 ..................................................................................................................... 118

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Oficina I .............................................................................................................. 66

Gráfico 2: Oficina II ............................................................................................................. 67

Gráfico 3: Oficina III ........................................................................................................... 68

Gráfico 4: Oficina I na UnB ................................................................................................. 78

Gráfico 5: Oficina II UnB .................................................................................................... 81

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Plano de Aula Oficina I ........................................................................................ 68

Tabela 2: Plano de Aula Oficina II ....................................................................................... 69

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CED 08 Centro Educacional 08 do Gama – DF

CEF 03 Centro Educacional 03 do Gama – DF

CEF 04 Centro Educacional 04 do Gama – DF

CEF 05 Centro Educacional 05 do Gama – DF

CEM 01 Centro de Ensino Médio do Gama – DF

TEN Teatro Experimental Negro

TO Teatro do Oprimido

UnB Universidade de Brasília

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SUMÁRIO

CAPÍTULO I: Desafios e a problemática da efetivação dos conteúdos da Lei nº 10.639/03

no contexto escolar. A identidade e a experiência ............................................................. 23

1.1 Racismo ..................................................................................................................... 30

1.2 Racismo, preconceito e discriminação ..................................................................... 31

1.3 Racismo na escola ..................................................................................................... 31

1.4 A construção da identidade negra ............................................................................ 33

1.5 A identidade cultural e negra ................................................................................... 35

1.6 Sujeito ....................................................................................................................... 37

1.7 Conscientização e identificação ................................................................................ 37

1.8 As linguagens da experiência ................................................................................... 43

1.9 A Experiência Educativa .......................................................................................... 45

CAPÍTULO II: Jogos Teatrais e Jogos Dramáticos na escola para reflexões sobre

identidades.......................................................................................................................... 47

2.1 Jogo Dramático ......................................................................................................... 51

2.2 O que há de comum entre o Jogo Teatral e o Jogo Dramático? ............................. 53

2.3 Espaço para teatralização na escola ......................................................................... 53

2.4 Teatro-Educação e Teatro-Pedagógico .................................................................... 56

2.4.1 Exemplos de jogos adaptados e utilizados durante a pesquisa ............................... 57

CAPÍTULO III: Realização das oficinas........................................................................... 59

3.1 Viola Spolin ............................................................................................................... 62

3.2 Augusto Boal ............................................................................................................. 62

3.3 Sociodrama e Psicodrama ........................................................................................ 63

3.4 Teatro do Oprimido .................................................................................................. 64

3.4.1 A Técnica do Teatro do Oprimido ........................................................................ 64

3.4.2 Oficina e Workshop ............................................................................................. 65

3.5 Teatro-Notícia ........................................................................................................... 69

3.6 A crise........................................................................................................................ 75

3.7 Realização das oficinas ............................................................................................. 76

3.8 Modelo de questionário destinado aos alunos das Oficinas I e II ........................... 77

3.9 Oficinas na Universidade de Brasília ....................................................................... 78

3.9.1 Oficina 1 .............................................................................................................. 78

3.9.2 Oficina II.............................................................................................................. 81

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 85

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 92

ANEXOS ............................................................................................................................ 96

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INTRODUÇÃO

Este estudo propõe a reflexão acerca das identidades dos alunos e alunas negras em

determinadas escolas do Distrito Federal, tomando como eixo de análise o jogo teatral e o jogo

dramático, propulsores de discussões e autorreflexões dos discentes no processo teatral em

ambiente de aprendizagem. Nesse eixo, aponta-se para a questão: como se dá a identificação

do sujeito negro e negra dentro da escola?

Nesta pesquisa foram realizadas as seguintes etapas metodológicas: aplicação de jogos

teatrais e jogos dramáticos nas escolas Centro de Ensino Fundamental 03, 04, 05 e Centro

Educacional 8 do Gama, por meio de oficinas livres e aulas com alunos do curso de Pedagogia

da UnB, além de um grupo de alunos do Ensino Médio; revisão bibliográfica acerca dos temas

memória, identidade, jogos teatrais e jogos dramáticos; e análise comparativa das oficinas e

mapas mentais. As bases teóricas utilizadas neste trabalho transitaram entre duas áreas de

conhecimento: o teatro e a cultura afro-brasileira, tendo como referencial teórico as

contribuições dos próprios autores pesquisados.

O objetivo maior desta pesquisa é identificar os aspectos envolvidos na formação da

identidade da aluna negra e aluno no contexto escolar, entendendo que é nesse espaço que

estudantes negros e negras começam a buscar suas primeiras referências, como os/as demais

estudantes de outras etnias, um reconhecimento de si mesmo dentro da sociedade.

Problematiza-se, dessa forma, a influência que os jogos teatrais exercem na formação da

identidade dos/as estudantes negros e negras; e como a disciplina de artes, ou como a arte-

educação/teatro-educação ofertada na educação básica, pode instrumentalizar o educando que

sofre o racismo, assim como o estudante que pratica o racismo, na criação de um discurso de

autoaceitação e na compreensão da pluralidade cultural do seu bairro/cidade ou país,

sensibilizando o olhar para cores.

Entende-se, nesta pesquisa, que o termo raça, embora atualmente seja postulado de outra

forma, não definindo as diferenças entre as pessoas e usando-se, para isso, a concepção de

etnias, ainda se encontra presente em algumas literaturas, como, por exemplo, em Loureiro

(2004), que aponta o termo e, ao mesmo tempo, discute sobre ele. Contudo, não se pretende

aqui, de forma alguma, esgotar o debate ou mesmo definir conceitos universais e fixos (totais

para todos os trabalhos em circunstância) em detrimento de outros.

A reflexão acerca do tema se dará através de estudos bibliográficos, visando

especificamente: sugerir a ideia de legitimidade dos sujeitos autores da sua própria narrativa;

dialogar sobre a consciência dos alunos no que diz respeito à condição do negro na sociedade

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atual, trazendo experiências significativas a respeito das identidades dos alunos negros e alunas

negras; identificar os elementos didático-pedagógicos que se relacionam com o processo de

formação das identidades dos estudantes negros e negras; compreender como é o processo da

construção da identidade do aluno negro e aluna negra no contexto escolar; analisar como

ocorrem as relações raciais da estudante negra e do estudante negro no ambiente escolar; e

refletir as implicações da Lei nº 10.639/031 no sistema educacional.

A Lei nº 10.639/03 instituiu a obrigatoriedade do ensino da História da África e dos

africanos no currículo escolar de ensino fundamental e médio. Ribeiro (2005) diz que essa

decisão resgata historicamente a contribuição dos negros na construção e formação da

sociedade brasileira, oferecendo uma valoração diferente daquela que possui atualmente.

Ao buscar o porquê de algumas questões não esclarecidas, por exemplo, a dificuldade

da implantação da Lei nº 10.639/03 nas escolas, vê-se que o Brasil enfrentou, por muitos anos,

um período escravista que trouxe várias consequências, como ações preconceituosas e racistas

para a sociedade. Desde a Lei Áurea, que trouxe a ideia incorreta de libertação, até hoje, o

racismo se esconde em muitas ações, em muitos meios e em várias ideologias. Ao se pensar na

escola, esse é um ambiente onde mais existe o racismo e o preconceito, visto que também é um

aparelho de formação de ideologia. O ato de discriminar ou diferenciar pela cor da pele ou

inferiorizar por sua cultura, desrespeita todo um histórico que existe no país, que traz em seu

cerne elementos negros.

Segundo Munanga (2005), é preciso insistir sempre que a sociedade brasileira foi

preconceituosa e discriminadora em relação à sua população. O próprio modelo de educação

acaba não sendo inclusivo, mesmo permitindo a entrada de todos na escola. Todos entram, ou

uma maioria entra, mas nem todos saem devidamente escolarizados. Muitos não saem aptos a

enfrentar a vida como verdadeiros cidadãos. O que se pode perceber, ao longo desses séculos

de racismos e pré-julgamentos, são as dificuldades que a raça negra possui, sobretudo com

relação aos pontos negativos da sua inserção no meio escolar e social. O resultado é a falta de

confiança e autoestima necessárias para um bom desenvolvimento.

A raça negra possui desvantagens no contexto escolar por viver a discriminação que

existe dentro da escola, causando problemas para sua autoestima e desenvolvimento. Por isso,

não basta apenas nortear o tratamento do racismo somente na esfera escolar, nem tão pouco

criar leis e diretrizes para que uma dita minoria seja aceita pelo restante da sociedade. Há que

se procurar entendimento dentro da formação da identidade dos estudantes negros e negras. Por

1 Lei disponível no site da Câmara Legislativa: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2003/lei-10639-9-janeiro-

2003-493157-publicacaooriginal-1-pl.html

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falta de esclarecimento, muitos alunos não se encaixam e não se enxergam enquanto sujeitos

dentro da escola, comumente por fatores ligados ao seu tom de pele, sua postura e sua tradição,

os quais não são padrões nesse mesmo local. Por não possuírem voz ativa, por opressão, por

serem vistos como marginais (em todos os sentidos da palavra) em potencial, por estarem nas

páginas dos jornais como “sujeito ou meliante que...”, faz-se necessária a discussão sobre o que

é ser negro e o que as experiências nas escolas podem contribuir para a recriação de uma ou

outras identidades.

Nessas relações do estudante negro e da estudante negra com o seu ambiente escolar há

a figura do professor de arte, que insere em suas práticas o teatro e busca ações afirmativas

através de jogos teatrais e jogos dramáticos. Estes, por sua vez, influenciam no processo de

inserção desses estudantes e das afirmações de suas identidades.

É preciso ressaltar que a formação da identidade dos estudantes negros e negras é diluída

entre seus pais, familiares, sociedade e, também, está ligada à escola e aos profissionais que

fazem parte dela. Outros autores já afirmam e levantam a ideia de que a identidade está

diretamente ligada ao contexto social, como Stuart Hall (2001) e Sawaia (2006). Nessas falas

são apresentadas as maneiras de saber lidar com as situações que envolvem esses/essas

estudantes no ambiente escolar. Franz Fanon (2008), em seu livro “Pele negra, máscaras

brancas”, diz que numa sociedade onde o referencial da etnia branca é aceito como positivo e

o da etnia negra como negativo, a tendência é que os negros, por não quererem dar má

impressão, adotem um discurso contrário à sua etnia para serem socialmente aceitos.

Considerando os ambientes que são estigmatizados com a cólera do racismo e do

preconceito, o foco desta pesquisa é a Região Administrativa do Gama, localizada no extremo

sul do Distrito Federal, com distância de aproximadamente 36 km do centro do Brasília. A

Região Administrativa do Gama é formada por área urbana e rural. A cidade possui onze escolas

de ensino fundamental, distribuídas em suas regiões norte, sul, leste, oeste e centro, onde a

maioria dos alunos destas escolas é negro.

No universo dessas escolas citadas, há possibilidade de trabalho com teatro, apesar das

dificuldades e falta de recursos – que é um fator condicionante, mas não limitador da formação

dos sujeitos nessa área.

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Figura 1: Mapa político do Gama

O teatro é um grande formador da identidade de indivíduos em qualquer situação,

prioritariamente para aqueles que nele estão incluídos. Por esse motivo, é necessário discutir

sobre a prática do teatro na escola como mero meio para outras “disciplinas” desenvolverem

seus assuntos:

Para que a presença do teatro na escola seja coerente à concepção de Arte adotada

nessas Diretrizes, busca-se superar a ideia do teatro somente como atividade

espontânea ou de espetáculo comemorativo. As montagens voltadas somente a

festividades na escola; a mecanização da expressão dramática [...] (PARANÁ, 2008,

p. 78).

A arte não é uma ferramenta a serviço da lição e do conteúdo (não somente). A

instrumentalidade da experiência reside em possibilitar a continuidade da experiência

Page 21: UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE ARTES MESTRADO … · Figura 25: Estudantes de Pedagogia da UnB na composição do jogo do Teatro Imagem..... 83 . Figura 26: Estudantes de

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consumatória e não em ajudar a configuração do conhecimento em outras áreas. Ver o teatro

como linguagem e não somente meio-ferramenta é importante para entendê-lo enquanto

propriamente teatro, capaz de formar, informar e estruturar. Tem que ter significado. É o meu

caso2. Minha vida acadêmica iniciou-se na cidade do Gama – DF, cidade satélite, periferia de

Brasília – DF, cidade onde vivo até hoje.

O início da minha escolarização deu-se em uma escola da rede pública, em local

violento. Meu processo de investigação iniciou lá atrás, há anos, pois sou da escola pública. A

escola estava inserida naquele cosmo. Desde sempre, vi a escola como refúgio, como

possibilidade de crescimento. Na verdade, a única forma de crescimento. Havia desqualificação

de profissionais, sucateamento, entre outros agravantes que influenciavam o meu processo de

aprendizagem. Em especial, uma professora de artes me permitia ver além. Sonhar. Em meio a

tudo, permitiram-me ser visionário.

Nas aulas de artes, havia um diferencial. Essa escola realizava eventos – poucos, dentro

do limite – que permitia a atuação artística dos alunos, como a Mostra de Teatro e o Festival de

Talentos. As aulas de artes auxiliavam diretamente esses momentos, pois eram os únicos em

que a comunidade e a escola interagiam, sobretudo por serem abertos e pelo convite ser

estendido aos pais e à comunidade que comparecia e adentrava nas ações da escola.

Desde aquela época ficaram os estigmas de uma escola incompleta. Aliás, isso é o que

mais marca. A minha vida enquanto sujeito negro também perpassa por essa realidade do Gama,

dessas escolas, justamente porque nasci nessa comunidade, cresci e tornei-me adulto dentro

desse mesmo local. Toda a minha trajetória é alicerçada na escola pública, periférica, inclusive

na escola em que lecionei (CEF 05 GAMA). Tudo isso gerou reflexões sobre quem eu era e

sobre quem eu poderia ser naquele universo que me oprimia e, ao mesmo tempo, me encantava.

A opressão estava ligada ao fato de estar longe do padrão de bom aluno. Longe do padrão “cor

de pele aceitável” e por não estar significativamente inserido no mundo de crianças que já,

desde então, reproduziam conceitos criados pelos pais sobre o que é ser.

No entanto, encantei-me pelo contato com aulas de arte que me traziam pensamentos a

respeito de mim mesmo, do que eu poderia ser. Isso vinha principalmente a partir das aulas,

com jogos dramáticos (hoje os entendo como tal) e reflexões.

2 Este trecho está escrito em primeira pessoa do singular por se tratar da narração da experiência do autor deste

trabalho.

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Figura 2: CEF 05 do Gama. Fonte: Google Maps

Figura 3: Panorâmica da entrada do CEF 04 Gama

Em todo o momento no ambiente escolar, a minha identificação enquanto criança negra

não existia. As identidades eram criadas a partir do que eu vivia ali, na sala de aula, no evento

que acontecia na escola, no contato com a professora ou com o professor, porém, essas

identidades eram criadas a partir da ótica dos profissionais com os quais eu tinha contato. Foram

profissionais importantes para a minha formação, mas desconectados da ideia de que era preciso

trabalhar com a mente de crianças negras e periféricas do Gama. Trabalho em que sentido? No

sentido de conscientização do meu lugar, enquanto sujeito digno de fala e de presença.

Essa é uma experiência pessoal que reflete no global. A minha regência, ali, na periferia

de Brasília, reflete na experiência dos profissionais que estão distantes de mim. Esse é o motivo

da pesquisa, fazer com que o ambiente não preparado para a educação seja adaptado, através

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das habilidades do profissional das artes cênicas no ambiente escolar. Nesse ponto, ressalto a

necessidade de não se escorar na ideia de que somos impossibilitados de fazer.

Diante do exposto, esse recorte de pesquisa tornou-se necessário não somente por

retratar parte da minha história, mas, também, e, principalmente, por isso: pelos alunos não

terem consciência de quem são e porque são. O teatro como formador é o elemento que elucida

e estimula essa conscientização do lugar de cada um, assim como suas experiências e minhas

experiências podem revelar essas identidades e trazer para o coletivo a ideia de que existem

outras possibilidades.

A partir dessa ótica, este trabalho vem mostrar a possibilidade, ou fazer busca desta, de

alcançar o ponto de reconhecimento da identidade negra através das experiências que se

efetivam dentro da escola. A escola proporciona o contato do sujeito com várias situações, que,

se não exploradas ou não entendidas, podem trazer uma formação inacabada de tudo. O ser

humano é um ser inacabado, com necessidade de interação, de contato para continuar no

contínuo processo de formação. O teatro, na escola, humaniza essa identificação e formação,

em particular com seus jogos, que dialogam com a realidade e apontam para um caminho. É

montada uma estrutura para uma possível identificação negra, para o ato de reconhecer-se como

tal, dentro de uma cultura, com comportamentos que têm sua importância, e não somente

direcionar para a identificação através do tom de pele. Não é um reconhecimento por si só, mas

uma identificação que traz crítica. Justamente por isso, o trabalho é feito majoritariamente

através de notícias de jornais, com temas que apontam para uma marginalidade negra e

posiciona o sujeito como alguém deslocado de sua narrativa. Isso pode trazer o reconhecimento

e, além do mais, estabelecer crítica sobre ele.

Considerando essa reflexão, espera-se contribuir para a construção de um fazer teatral

– e suas modalidades – que se posicione diante de situações que impeçam o desenvolvimento

da identidade do aluno e aluna negro no ambiente escolar, e também que atenda a essas outras

demandas e seja crítico, principalmente no universo escolar.

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Figura 4: João de Camargo Pimentel e sua bisavó, em Luziânia/GO, 1986. Fonte: Registro de família

Estruturalmente, este trabalho possui quatro capítulos, distribuídos desta forma:

O capítulo I traz a apresentação de um breve panorama dos desafios relacionados à

implementação da Lei nº 10.639/2003 nas escolas de Ensino Fundamental do Gama/DF e a

complexidade de inserção dos conteúdos da Lei no contexto escolar. Esse panorama está

baseado na visão do autor como professor de artes nas escolas referidas e destaca a conexão

deste com a problemática do sujeito e do conceito das identidades e experiências negras.

O capítulo II aborda a contextualização do tema acerca dos Jogos Teatrais e Jogos

Dramáticos, enfocando no conceito dialógico entre teoria e prática, além dos dados das oficinas

e resultados obtidos a partir das vivências presenciadas.

O capítulo III mostra a explanação sobre a aplicação da Oficina e Workshop realizado

nas escolas, assim como a amostragem de dados sobre os estudantes e as estudantes no contexto

de cada escola, como idade, gênero, entre outros. Mencionam-se os métodos utilizados, as

pesquisas pontuais realizadas (questionários) e outros dados pertinentes à pesquisa.

As considerações finais trazem a reflexão sobre o processo, sobre as mudanças, sobre o

que foi necessário fazer e reflexões acerca do que é o fazer teatral na escola, com propósito de

resgate da identidade do sujeito negro nas escolas já citadas e na R.A. Gama/DF.

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Figura 5: Performance Rainha Negra, CEF 03

CAPÍTULO I: Desafios e a problemática da efetivação dos conteúdos da Lei nº 10.639/03

no contexto escolar. A identidade e a experiência

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O racismo no Brasil se caracteriza pela covardia.

Ele não se assume e, por isso, não tem culpa nem

autocrítica. Costumam descrevê-lo como sutil, mas

isto é um equívoco. Ele não é nada sutil, pelo

contrário, para quem não quer se iludir ele fica

escancarado ao olhar mais casual e superficial. O

olhar aprofundado só confirma a primeira

impressão: os negros estão mesmo nos patamares

inferiores, ocupam a base da pirâmide social e lá

sofrem discriminação e rebaixamento de sua

autoestima em razão da cor.

(Abdias do Nascimento)

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A Lei nº 10.639, criada em 2003, que altera a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional), tornou obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira

nos currículos escolares. Essa lei está totalmente ligada às reivindicações do movimento social

pela alteração da abordagem dada ao negro no currículo escolar. Um dos principais intuitos

dessa lei, com sua implementação, é trazer contribuições significativas para a superação de

construções ideológicas de dominação racial presentes na escola e na sociedade brasileira.

No entanto, o percurso de normatização decorrente da aprovação da Lei nº 10.639/03

deveria ser mais conhecido pelos educadores e educadoras das escolas públicas e privadas do

país. Ele se insere em um processo de luta pela superação do racismo na sociedade brasileira.

Nas escolas de Ensino Fundamental CEF 05 e CED 083 não havia discussão ou inserção

da cultura negra no PPP, o que afetava diretamente as aulas e os sujeitos alunos que estudavam

ali. Por esse motivo, aponta-se a impossibilidade de identificação com a cultura negra, pois o

ambiente escolar é o maior propiciador dessa cultura e dos estereótipos que recaem sobre ela.

Mesmo com a criação dessa lei, que deu a diretriz por onde se deveria caminhar para a

diminuição da falta de informação, bem como a exclusão do negro na sociedade, ainda foi

necessário criar outros mecanismos, como a Política Nacional de Promoção da Igualdade

Social. As políticas públicas são criadas a partir das demandas que existem. Não se pode dizer

que nada é feito para o combate à discriminação e racismo na sociedade e nas escolas que são

mecanismos ideológicos da própria sociedade.

Com a criação desses mecanismos, conforme afirma Ribeiro (2005), procura-se

recolocar a questão racial na agenda nacional, ressaltando a importância de serem adotadas

políticas públicas afirmativas de forma democrática, descentralizada e transversal. O principal

objetivo dessas políticas é promover a alteração positiva na realidade vivenciada pela população

negra e trilhar rumo a uma sociedade democrática, justa e igualitária

Ao longo desse tempo, após 15 anos de sua criação, visto que a lei foi criada em janeiro

de 2003, apesar de ser uma grande conquista e uma forte política pública voltada para a

comunidade e público negro, percebe-se a enorme dificuldade para a efetivação dessa legislação

em todo o país. Estudos diversos versam sobre a dificuldade e, ao considerar a escola pública e

periférica, a predominância é ainda maior. Por exemplo, nas escolas em que esta pesquisa foi

realizada (CEF 03, CEF 04 e CEF 05 do GAMA-DF), além de outras escolas que favorecem a

intervenção de alguns professores, foi dado início ao processo de implementação da legislação,

levando à discussão a cultura negra, porém, com vários impeditivos que atravancam o diálogo

3 Escolas em que o autor deste trabalho estudou.

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(religião, tradição não africana, falta de capacitação dos professores). Dessa forma, sem um

processo mais consistente, a cultura da discriminação ainda está presente na maioria das escolas

do Gama/DF e, também, em discussões com outros profissionais. Sabe-se que em muitas

escolas do DF há discriminação, sobretudo pelas unidades escolares não estarem conectadas ao

trabalho com a Lei nº 10.639/2003.

No que diz respeito ao trabalho com os temas afros nas escolas de Ensino Fundamental

e médio do Distrito Federal, não era claro para os professores - especialmente nas escolas

citadas nesta pesquisa (CEF 03, CEF 04, CEF 05 e CED 08 do Gama) - o cerne da questão: a

obrigatoriedade do ensino da Cultura e História Africana e Afro-Brasileira. É falado isso porque

tal tema é citado de forma longínqua, ou nem mesmo citado. Quando lembrado, é comentado

no momento em que se acha apropriado, ou seja, em novembro, no mês da consciência negra.

A mudança de concepção do negro na sociedade brasileira é um resultado processual de

vários mecanismos, tais como: agentes, instituições, mídia e, principalmente, a escola, a partir

de seus braços – entendido aqui como Teatro, dentro da Arte, que faz parte do conceito de

Cultura e favorece a inversão dos discursos e o tratamento com igualdade do diferente.

Ribeiro (2005, p. 27) indica alguns pontos para a elaboração de novas didáticas para a

sala de aula: a) A conexão dos objetivos, estratégias de ensino e atividades com a experiência

de vida dos alunos e professores, valorizando aprendizagens vinculadas às suas relações com

pessoas negras, brancas, mestiças, assim como as relações entre negros, indígenas e brancas no

conjunto da sociedade; b) Valorização da oralidade, da corporeidade e da arte, como a dança,

marcas da cultura de raiz africana, ao lado da escrita e da leitura; c) O cuidado para que se dê

um sentido construtivo à participação dos diferentes grupos sociais e étnico-raciais na

construção da nação brasileira, aos elos culturais e históricos entre diferentes grupos étnico-

raciais e às alianças sociais; e, d) a participação de grupos do Movimento Negro e de grupos

culturais negros, bem como da comunidade em que se insere a escola, sob a coordenação dos

professores, na elaboração de projetos político-pedagógicos que contemplem a diversidade

étnico-racial. No Distrito Federal, há o Movimento de Negros Pela Democracia, que traz o

combate e discussões sobre as ações pertinentes aos negros no DF. As ações pontuais desse

Movimento são vistas também com direcionamento à educação.

As ações educativas dirigidas servirão como forma de resgate de identidade dos sujeitos

negros no ambiente escolar. Tais ações são fundamentadas pelos jogos teatrais e dramáticos

(conforme exemplifica esta pesquisa), que são áreas específicas do conhecimento:

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[...] o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, evitando-se distorções,

envolverá articulação entre passado, presente e futuro no âmbito de experiência,

construções e pensamentos produzidos em diferentes circunstâncias realidades do

povo negro. É um meio privilegiado para a educação das relações étnico-raciais e tem

por objetivos o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura afro-

brasileiras, garantia de seus direitos de cidadãos, reconhecimento e igual valorização

das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, européias e asiáticas.

Ainda assim, ações educativas de combate ao racismo e as discriminações, passam

também por alguns pontos e princípios, que serve de conexão para objetivos e

estratégias traçadas para melhor compreensão e inserção do negro em nossa sociedade de forma igualitária (DIRETRIZES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO, 2005, p.

20).

Trabalhar em uma perspectiva de recolocação do negro na cultura brasileira implica a

potencialização de lutas específicas dos movimentos que levantam essas “bandeiras”. No dia

20 de novembro, segundo o CNE (2004), será celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra.

A lei traz em seu texto uma abordagem clara:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e

particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo

da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra

brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do

povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no

âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de

Literatura e História Brasileiras.

No entanto, não há espaço para tal discussão, para o diálogo a respeito. Não é pretensão

citar que a própria cidade do Gama, em relação às escolas, não traz a discussão profunda, visto

que certamente há sugestões para o diálogo, mas poucas escolas conseguem efetivá-lo, por

motivos maiores, como ideologias contrárias aos temas de matrizes africanas, pensamentos

reducionistas de professores e alunos que encaram como discurso de vitimização. Isso beira o

absurdo, pois deveria ser o contrário, visto que a população do Brasil é majoritariamente negra.

A população do Distrito Federal, por exemplo, também tem sua maioria negra, assim como a

população do Gama, que tem números altamente expressivos sobre a população negra,

especialmente com referência aos jovens de até 14 anos.

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Figura 6: Percentual de pessoas negras na população residente por faixa etária, segundo a Região Administrativa

- Distrito Federal, 2010

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Figura 7: Percentual de pessoas negras na população, segundo a Região Administrativa - Distrito Federal, 2010

Dentro desse diálogo mínimo existente, há a distorção do diálogo nas próprias escolas,

o qual é levado para um lugar de alegoria ou de folclorização, sem a importância devida. Por

exemplo, quando se lembra da cultura negra no mês de novembro, a atitude para “celebração”

(entre aspas) reduz-se à realização de uma feijoada. Claro, esse é um dos símbolos da cultura

negra, porém, não pode carregar toda uma discussão a respeito de uma cultura ou reduzi-la

somente a isso.

Mas esse tipo de abordagem se deve a quê? Aos professores sem capacitação? À falta

de interesse? Ou à falta de discussão pontual? Pode-se dizer que todos esses motivos. Falta à

escola e aos profissionais que nela atuam conhecimentos suficientes para compreender a

realidade para além das aparências imediatas. A indústria cultural solapou as possibilidades de

enfrentamento que a escola poderia empreender, articulando-se ao processo de

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desmantelamento da escola destinada à classe dominada. Escolas mal estruturadas e em

precárias condições; professores submetidos às formações aligeiradas e descomprometidas da

qualidade e mal remuneradas; alunos provenientes de meio social carente de todos os benefícios

sociais e oriundos de famílias desmanteladas; voluntariado na escola, sem a exigência de

nenhum tipo de formação específica.

Apesar de haver cursos com temáticas que tratam sobre a aplicação da lei na escola,

pouca é a aderência de professores negros e não negros. É extremamente importante focar na

capacitação de profissionais para que, cada vez mais qualificados, efetivamente tenham ações

pedagógicas coerentes com o compromisso de resgate da subjetividade do ser humano. Sobre

isso, o Conselho Nacional da Educação diz:

Teremos profissionais com formação para lidar com as tensas relações produzidas

pelo racismo e discriminações, sensíveis e capazes de conduzir a reeducação das

relações entre diferentes grupos étnico-raciais, ou seja, entre descendentes de

africanos, europeus, asiáticos e povos indígenas. Essas condições materiais das

escolas e de formação dos professores se tornam indispensáveis para que haja uma

educação de qualidade, para todos, assim como o reconhecimento e valorização da história, cultura e identidade dos descendentes africanos (DIRETRIZES

CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO, 2005, p. 13).

Pressupõe-se que as medidas e políticas afirmativas, quando estruturadas e definidas

como lei, apontam para uma “certeza” da aplicabilidade no contexto escolar. Conforme visto

anteriormente, existe o avanço – considerando o que existia e até onde se chegou –, porém, a

resistência na aplicabilidade ainda é visível.

A figura do professor e da professora nesse processo de formação da identidade do

sujeito negro na escola ainda é importante, pois passa por eles a possibilidade de mudança de

paradigma, de encantamento, de resolução e desestigmatização de ideias a respeito da cultura

afro e afro-brasileira, a qual deveria ser assunto comum no universo escolar.

1.1 Racismo

O racismo é uma crença na existência de raças naturalmente hierarquizadas pela relação

intrínseca entre o físico e o moral, o físico e o intelecto, o físico e o cultural. O Prof. Dr.

Kabengele Munanga (2004, p. 24) observa que:

O racista cria a raça no sentido sociológico, ou seja, a raça no imaginário do racista

não é exclusivamente um grupo definido pelos traços físicos. A raça na cabeça dele é

um grupo social com traços culturais, lingüísticos, religiosos, etc. que ele considera

naturalmente inferiores ao grupo a qual ele pertence.

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Uma das consequências quando um grupo de seres humanos passa a se achar superior a

outro grupo é a total subtração da história do grupo considerado inferior. Do mesmo modo, o

racismo é essa tendência que consiste em considerar que as características intelectuais e morais

de um dado grupo são consequências diretas de suas características físicas ou biológicas.

Para a filósofa Djamila Ribeiro4, racismo é o que, hoje em dia, é representado pelo

Brasil: “Racismo é um sistema de opressão e, para haver racismo, deve haver relações de

poder”. Desse ponto de vista, pode-se afirmar que o negro não possui poder institucional e,

dentro disso, a opressão vivida pelos negros durante muitos anos é fator excludente da própria

população.

1.2 Racismo, preconceito e discriminação

As pessoas não herdam geneticamente ideias de racismo e sentimentos de preconceito.

Essas práticas são desenvolvidas em seus meios, com seus pares, na própria escola, na igreja,

na comunidade. Diante disso, a definição sobre cada ponto é necessária para se entender o efeito

e a diferença entre elas. Ana Lucia Valente (apud MUNANGA, 2005, p. 188) define

claramente: “Preconceito racial é ideia preconcebida suspeita de intolerância e aversão de uma

raça em relação à outra, sem razão objetiva ou refletida. Normalmente o preconceito vem

acompanhado de uma atitude discriminatória”.

Já a discriminação racial é a atitude ou a ação de distinguir, separar as raças, tendo por

base ideias preconceituosas. Assim, contribui para a manutenção de estereótipos os “pré-

conceitos” sobre a cultura africana e afro-brasileira, em especial pelo fato de não se aprofundar

a respeito. Como consequência, classificam-se as pessoas sem conhecer seus históricos,

resultando em discriminação racial.

1.3 Racismo na escola

A educação escolar, de caráter obrigatório, prevista nas leis de ensino vigente, tem como

principais princípios o entendimento e o posicionamento do aluno enquanto centro do processo

educativo, transformando-o, efetivamente, em sujeito do conhecimento construído e produzido,

4 Texto extraído da entrevista de Djamila Ribeiro, para o programa JC Debate, da TV Cultura, de 13/05/2016

(acessado em 15/05/2016). Pode ser acessado no link

https://www.youtube.com/watch?v=0e5nG1GK96A&list=FLiJ3QYOBRcN4smMCCfKgGxQ&index=162.

Djamila Ribeiro é pesquisadora na área de Filosofia Política e feminista. Foi secretária-adjunta da Secretaria de

Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo.

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sendo aquele que, com o apoio do professor, aporta novos saberes aos que já detêm, invalidando

a ideia de que o aluno aprende porque ó professor ensina. Deve-se propagar o conhecimento da

sua própria realidade e não propiciar a perenidade do status quo. Isso deve prevalecer desde os

primeiros anos escolares, em que o professor e os alunos possam alargar seus horizontes

culturais e, por consequência, suas novas visões de mundo, em que todos perdem com a prática

do racismo, sentimentos de preconceito e ações de discriminação racial.

Um olhar sobre a história do provo brasileiro mostra uma sociedade multirracial e pluri-

étnica, que faz de conta que o racismo, o preconceito e a discriminação não existem. No entanto,

afloram a todo momento, seja de forma velada ou escancarada.

Percebe-se que a educação escolar está comprometida com um projeto coletivo de

mudanças sociais. Por isso, é necessário perceber a diversificação cultural dos vários grupos

étnicos que compõem a sociedade e que vem enriquecer a prática na escola. Logo, para que isso

aconteça, é imprescindível um diálogo permanente, em uma situação de aprendizagem

contextualizada, onde o aluno descubra que é capaz de interferir e promover modificações que

conduzam a um clima de cidadania.

Figura 8: Glairo Silva na Performance A Rainha Negra, no CEF 3 do Gama, 2014.

Deve-se quebrar a fantasia de que existe democracia racial no Brasil, e isso deve

começar na escola. A sociedade brasileira é preconceituosa e discriminadora. Essa postura é

percebida nos meios comum de propagação de informação, como TV, internet, etc. Em

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decorrência disso, o modelo de educação não tem sido inclusivo o suficiente. Muitos estão nas

escolas, mas nem todos estão incluídos. É importante que tenham programas que desenvolvam

a igualdade de oportunidade para todos.

Que tipo de impactos e consequências a sociedade e a educação racista trouxeram para

a população negra? Inúmeras são as respostas para esse questionamento, entendendo-se que

qualquer tipo de ação que impeça a possibilidade de desenvolvimento do aluno na escola deve

ser banido.

O combate ao racismo, preconceito e discriminação, em nível escolar, deve tomar as

mais diferentes formas de atuação, valorizando a pessoa humana que está inserida na situação

escolar. E o professor? Muitos não sabem como proceder em situações de desigualdade na

escola, por isso, há a necessidade de intensa busca por formação para que ambos, aluno e

professor, sintam-se capazes de dialogar e resolver as situações que aparecem no dia a dia na

sala de aula.

1.4 A construção da identidade negra

Segundo Manuel Castells (1999, p. 23), “identidade é fonte de significado e experiência

de um povo”. Quanto ao conceito de atores sociais, ele acentua como “o processo de construção

de significado com base em um atributo cultural” (CASTELLS, 1999, p. 23). Alguns autores

(HALL, 2001; CASTELLS, 1999) têm apontado que, para cada indivíduo ou para cada ator

coletivo, pode haver identidades múltiplas, pois vê-se que cada um pode desenvolver mais de

um papel na sociedade.

Nota-se, também, que entre essas possibilidades há a tensão e contradição na

representação do papel e na própria ação. Dito de outra maneira, papéis, como o de mãe, pai,

vizinho, primo, jogador, trabalhador, entre outros, são definidos por normas estruturada pelas

instituições e organizações da sociedade. A influência desses papéis no comportamento das

pessoas depende, em particular, de acordos entre os indivíduos, as instituições e as organizações

sociais (família, parentesco, classe social, trabalho, etc.).

Nesse sentido, identidades constituem fontes de significado para os próprios atores e

construções por meio de um processo de individualização. Para Mitjavila (2002, p. 73):

Por processo de individualização, Giddens (1991) entende que trata-se do surgimento

de uma nova forma de conduzir e organizar a vida, já não mais obrigatória e vinculada

a modelos tradicionais e sim baseada em elementos matriciais do próprio Estado de

Bem Estar. Este último pressupõe a existência do indivíduo como ator e construtor de

sua própria biografia, identidade, compromissos e lealdades.

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Contudo, pode-se calibrar que identidades são fontes mais importantes de significado

do que papéis, em decorrência do processo de autoconstrução e individualização que envolve.

O que se constata em Castells, de forma mais abrangente, é que as identidades organizam

significados, enquanto os papéis organizam funções. Portanto, há uma diferença entre papéis e

identidade. Define-se aqui, a partir das palavras do autor citado, o conceito de significado como

a identificação simbólica, por parte de um ator social, em torno da finalidade da ação praticada

por tal ator.

Pensando no decorrer e no fazer, a construção de identidades vale-se de matéria-prima

fornecida pela história, geografia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva,

por processos de subjetivação e religião. Todo esse material é vivenciado e processado pelo

indivíduo, grupos e sociedades, que dão um novo significado, de forma organizada, em função

de tendências sociais e projetos culturais enraizados à estrutura social, bem como pela visão de

tempo e espaço.

As relações de poder são elementos predominantes na construção social da identidade,

pois tais identidades vão se erguer dentro dessas situações. Se há alguém que domina, será

criada forçosamente a identidade de alguém que é dominado, com suas características, assim

como o contrário: o dominador também terá atribuído a si características próprias, as quais

poderão ter traços característicos.

Quando se fala em opressão e oprimido, faz-se necessária a alusão ao conceito de

Identidade Legitimadora e Resistência, citada por Castells (1999, p. 24), como sendo

“introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar

sua dominação em relação aos atores sociais”. No que diz respeito à resistência, esta seria

“criada por atores que se encontram em posições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica

da dominação” (ibid, p. 25).

O segundo tipo de identidade leva à formação de comunidades. É provável que seja esse

tipo o mais importante de construção de identidade na sociedade, pois dá origem às formas de

resistência coletiva diante de uma opressão que, do contrário, não seria suportável. Além do

mais, há outras formas de construção de identidade, que passarão por citações aqui, que levam

à produção de sujeitos. Em complemento, para Alain Touraine (apud CASTELLS, 1999, p. 27),

“chamo de sujeito o desejo de ser um indivíduo, de criar uma história pessoal, de atribuir

significado a todo o conjunto de experiências da vida individual”.

Ainda passeando por essa trilha, afirma-se que sujeitos não são indivíduos, mesmo

considerando que são constituídos a partir de indivíduos. Nesse caso, a construção da identidade

perpassa por um projeto de vida diferente, com base em uma identidade oprimida, porém,

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sublimando a transformação da sociedade como prolongamento dessa construção da identidade.

Um exemplo disso é a libertação das mulheres na sociedade pós-patriarcal, além da criação da

Lei nº 10.639/03 para inserção e reflexão sobre a cultura africana e afro-brasileira nas escolas

do Brasil.

Quanto a outra influência na construção da identidade, quanto mais a tradição perde

terreno e reconstitui a vida cotidiana em termos de interação da dialética entre local e global,

mais os indivíduos veem-se forçados a negociar opções por estilos de vida em meio a uma série

de possibilidades. O planejamento da vida organizada reflexivamente torna-se característica

fundamental da estruturação da autoidentidade.

1.5 A identidade cultural e negra

Na escola, as identidades são múltiplas, formadas de acordo com o que cada indivíduo

pode oferecer a partir do que sente e com o que é afetado em toda a sua trajetória. É percebido

na escola a identidade construída por meio do pertencimento, com base na vivência local,

cultural, racial, étnica, religiosa e outras que contribuem para essa formação. Considerando que

nesse mesmo lugar há um choque de identidades, o qual leva, muitas vezes, à desestruturação,

cabe o recurso da interculturalidade. É nesse âmbito que a questão do teatro é proposta.

Ora, encontra-se nas escolas identidades fragmentadas, conceito proposto por Stuart

Hall (2001). Por identidade fragmentada, esse autor entende que é a identidade deslocada e que

assume novos significados. Essas fragmentações estão diretamente ligadas à forma como os

sujeitos da contemporaneidade vivem, à forma da liberdade desprendida das tradições,

crendices e dogmas. A subjetividade hoje é experimentada sob outras perspectivas, sob outra

óptica, sem modelos estruturais previamente prontos a serem seguidos.

A ideia de um sujeito sólido, integrado ao ambiente escolar não se aplica. Essas

mudanças tão fundamentais trazem uma mudança do todo: professores estão em processo de

mudança, o porteiro, a coordenadora, muitos outros estão nesse processo sugerido pelos alunos,

que não são os mesmos de décadas atrás. Alunos e alunas questionam o status quo em relação

à raça, gênero, sexualidade, sendo, portanto, a interculturalidade - concebida como elemento

fundamental para a construção de sistemas educativos e sociedades que se comprometem com

a construção democrática, a equidade e o reconhecimento dos diferentes grupos socioculturais

- o movimento atual da Educação brasileira, o parâmetro para as negociações identitárias e para

o teatro. A pensadora Vera Maria Ferrão (2014, p. 37) versa sobre a educação como política de

universalização: “todos são chamados para participar do sistema escolar, mas sem que se

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coloque em questão o caráter monocultura presente em sua dinâmica, o que não acolhe as outras

identidades e valores adquiridos pelos estudantes”.

Contudo, o negro na escola é visto de forma mais ampla. Ele, para ser considerado como

tal, não é somente aquele que traz fortemente os elementos da cultura negra em sua oralidade,

vestimenta, pele. Ele é produto identitário de uma sociedade com passado escravista e que luta

dinamicamente muito antes de 1888, a favor da população negra. Essa constatação advém desde

o período republicano, quando houve a necessidade de formar levantes (Club 13 de Maio dos

Homens Pretos, Sociedade Propugnadora, Associação Protetora dos Homens Pretos, entre

outros5) e manifestações para que os direitos fossem validados.

Outrossim, muitas organizações (TEN, Centro da Federação dos Homens de Cor, entre

outras) foram ao “campo de batalha” para representar o restante da população negra: o

movimento negro que surgia logo após a abolição da escravatura, cujo intuito era lutar para

resolver seus problemas na sociedade abrangente, em particular os provenientes dos

preconceitos e das discriminações raciais, que marginalizava o negro no mercado de trabalho,

no sistema educacional, político, social e cultural. Ainda, com fundamental importância, o TEN

– Teatro Experimental Negro6, com tutela de Abdias do Nascimento7, fundado no Rio de

Janeiro, em 1944, tinha proposta de formar um grupo teatral composto por negros. Seu trabalho

também adquiriu um caráter mais amplo ao oferecer um curso de alfabetização aos negros e por

defender os direitos civis dessa população, advogando pela criação de uma legislação

5 Os levantes eram fomentados pela população negra que se rebelava contra o sistema vigente escravagista e que

controlava os cidadãos. Eram motins criados para a luta, com estratégias voltadas à conquista de inclusão social

frente ao racismo pré e pós-Abolição da escravidão no Brasil. Entre os motins está o Movimento Negro Brasileiro. 6 O Teatro Experimental do Negro (TEN) tinha o objetivo de revelar ao público brasileiro o talento e a capacidade do negro no campo teatral. Abdias, que é a maior referência em Teatro Negro no Brasil, procurou acabar com a

prática de atores brancos pintados de preto ao representarem personagens negras, resgatando no país os valores da

cultura africana através da educação, cultura e da arte. O negro destaca-se, então, como ator. 7 Nasce em Franca, SP, em 1914, o segundo filho de Dona Josina, a doceira da cidade, e Seu Bem-Bem, músico e

sapateiro. Abdias cresce numa família coesa, carinhosa e organizada, porém pobre, e vai se diplomar em

contabilidade pelo Atheneu Francano, em 1929. Com 15 anos, alista-se ao exército e vai morar na capital São

Paulo. Na década dos 1930, engaja-se na Frente Negra Brasileira e luta contra a segregação racial em

estabelecimentos comerciais da cidade. Prossegue na luta contra o racismo organizando o Congresso Afro-

Campineiro, em 1938. Funda em 1944 o Teatro Experimental do Negro, entidade que patrocina a Convenção

Nacional do Negro em 1945-46. A Convenção propõe à Assembleia Nacional Constituinte de 1946 a inclusão de

políticas públicas para a população afrodescendente e um dispositivo constitucional que define a discriminação racial como crime de lesa-pátria. À frente do TEN, Abdias organiza o 1º Congresso do Negro Brasileiro, em 1950.

Militante do antigo PTB, após o golpe de 1964 participa desde o exílio na formação do PDT. Já no Brasil, lidera

em 1981 a criação da Secretaria do Movimento Negro do PDT. Na qualidade de primeiro deputado federal afro-

brasileiro, a dedicar seu mandato à luta contra o racismo (1983-87), apresenta projetos de lei que definem o racismo

como crime e cria mecanismos de ação compensatória para construir a verdadeira igualdade para os negros na

sociedade brasileira. Como Senador da República (1991, 1996-99), continua essa linha de atuação. O Governador

Leonel Brizola o nomeia Secretário de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras do Estado do Rio de

Janeiro (1991-94). Mais tarde, é nomeado primeiro titular da Secretaria Estadual de Cidadania e Direitos Humanos

(1999-2000). Artista plástico, escritor, poeta e dramaturgo, faleceu no dia 23/05/2011, aos 97 anos, no Rio de

Janeiro (Disponível em: www.abdias.com/biografia. Acesso em: 28 fev. 2018).

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antidiscriminatória. Esse é um dos vários exemplos de agrupamentos criados para a defesa dos

direitos humanos voltados aos negros.

E na escola atual? Quem os define enquanto negros? Os próprios alunos devem ter esse

ato legítimo, ainda que haja a definição por parte de outros, como a comunidade e família, que

trazem valores e tradições.

1.6 Sujeito

Na época moderna e contemporânea surgiu um novo conceito sobre sujeito, pensado de

forma individual, ligado ao indivíduo. As tradições e estruturas vêm mudando de acordo com

o tempo, justamente pela visão clara de adaptação.

A tradição sofre adaptação, assim como os saberes antigos para conseguirem sobreviver

no mundo da atualidade. As tradições são, portanto, fundamentalmente mutáveis e responsáveis

pelas alterações na identidade do indivíduo. Nesse caso, pode-se citar a Reforma Protestante e

o Renascimento como grandes desafiadoras das tradições que já existiam.

Todavia, como essas mudanças alteram o cotidiano? Na escola vê-se a proliferação de

tecnologias trazendo informações, forçando, remexendo, alterando o que era padrão. O sujeito

aluno na escola sofre as consequências dessas mudanças, já que as relações sociais neste

momento são influenciadas por essas tecnologias. Tais relações ainda interferem na formação

subjetiva desses indivíduos, pois cada papel desempenhado por cada um influencia de maneira

global. O “eu” apresenta-se de várias formas e se legitima na escola e na sala de aula, tendo em

vista que esses ambientes são plurais e produzem a aprendizagem consciente.

1.7 Conscientização e identificação

Há dispersão sobre o conceito de identidade como elemento inacabado, de modo que a

identificação também é um processo em andamento. A identidade surge da falta de algo, do

desejo e de algo que precisa ser preenchido. No universo escolar há uma dinâmica criada em

torno de comportamentos, atitudes, falas, silêncios. A interação ou a falta de interação no

ambiente da sala de aula pode definir a identidade do estudante naquele lugar. Essa visão

apresenta a importância da sala de aula durante o processo de construção do sujeito e

posteriormente indivíduo, visto que na escola e, especificamente, na sala de aula, onde passa a

maior parte do tempo com mais pessoas, é o lugar onde se contribui para a sua história.

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Enquanto sujeito negro, o autorreconhecimento pode ser prejudicado. Mesmo que o

sujeito tenha raízes negras evidentes, o reconhecimento pode não chegar tão cedo assim, em

especial por fatores de exclusão e de afastamento do próprio reconhecimento. O fato de pessoas

não negras não reconhecerem a cultura afro-brasileira afasta o autorreconhecimento dos negros

em relação à sua própria cultura. Mesmo com todas as experiências vividas em suas casas

durante a infância, com suas tradições, o engajamento na escola não é apresentado por esses

alunos por vários motivos, como pelo receio de evitar brigas e discussões.

Erickson (1999) fala da importância da integridade do eu (self) para que se possa ter

clara a separação dos outros quanto à unidade do eu. O indivíduo traz consigo aspectos já

vivenciados ao longo da infância e aquilo que pretende se tornar no futuro, ou seja, o self é a

soma de vários elementos. Sendo assim, um componente importante de uma identidade não é

apenas o individual ou o interno, e sim como o indivíduo percebe a forma com que os outros o

veem, o coletivo, o externo. Então, a identidade não é apenas pessoal, mas também social.

Sawaia (2006) coloca que a identidade nada mais é do que a construção do eu sujeito

único e igual a si mesmo, e que essa construção gera liberdade, cidadania e felicidade, e

contribui para as relações interpessoais e grupais. Hall (2001, p. 7), em acréscimo, afirma que

o conceito de identidade está sendo revisado:

As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em

declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, sendo visto como um sujeito unificado. Desta forma pode-se ver um processo mais

amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das

sociedades modernas e muitas vezes abalam alguns quadros de referência que davam

aos indivíduos um porto seguro e estável no mundo social.

Por isso, para o autor, tentar mapear a história da noção de sujeito moderno através da

sua identidade é um exercício extremamente difícil. A ideia de que as identidades eram

plenamente unificadas e coerentes e que agora se tornaram totalmente deslocadas é uma forma

altamente simplista de contar a história do sujeito moderno

Com efeito, a apropriação de um símbolo de uma cultura X ou Y pode ser até uma

gentileza, mas não dá aprofundamento às discussões e vivências. Usar um turbante porque é

bonito não traz o real valor que esse símbolo tem e é. Na verdade, não se trata de apropriação

cultural, que é outra discussão, mas, dentro da escola, os elementos de origem negra

dificilmente aparecem em uso na escola e são meramente alegóricos, assim como os elementos

da cultura indígena. Por exemplo, ainda é “tradição” vestir as crianças de “indígenas” no dia do

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índio, assim como é comum as pessoas apresentarem a feijoada como símbolo máximo da

negritude no dia da consciência negra, pensando que isso gera algum debate importante.

A ideia de identidade é distanciada de todos. É somente o comentário não superficial

(discurso profundo) que se cria na escola, no dia da consciência negra, que traz o sentido e a

“identidade” de forma fragmentada. Tal discurso profundo, como exemplo, é levar os

adolescentes a refletir sobre as origens e os porquês dos elementos. Por mais que tenha feijoada

como elemento da negritude, é necessário conversar e dialogar sobre esse e outros elementos

que são fundamentais para a construção da identidade negra no Brasil.

É comum ouvir comentários como: “isso é macumba” – pelo uso excessivo do nome,

trouxe significado pejorativo ao termo, por mais que o termo esteja semanticamente ligado ao

instrumento religioso ou árvore –, o que torna a posição tímida e diminui a ação do negro na

escola. Outros xingamentos também são comuns e desmerecem a cultura negra.

Nesse sentido, compartilhar a conscientização sobre o lugar do negro para pessoas não

negras também é legitimo e muito necessário. O Brasil, por ser um país onde a maioria da

população é negra e mestiça (conforme mapa abaixo), mesmo os não negros são descendentes

em algum grau.

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Figura 9: Mapeamento da população negra. Retirado do site do IBGE.

Conforme dados do IBGE (2010), as populações negra e parda são a maioria no país:

50,7% de um total de 190.732.694 pessoas. O mesmo censo revelou que a maior parte da

população negra se concentra no Norte e Nordeste do país e possui a maior taxa de

analfabetismo, sobretudo na faixa etária acima dos 15 anos (entre 24,7% e 27,1%). O próximo

censo está previsto para 2020 e, provavelmente, esses dados terão uma porcentagem maior.

Prova disso são os resultados desse último censo do IBGE, que indicam que a proporção de

brasileiros que se definem como negros ou pardos aumentou de 44,7% para 50,7%, desde 2000.

No entanto, isso é negado por pessoas que não querem vínculo, por não quererem levar

o estigma que os negros, em sua maioria, carregam. Ao mesmo tempo, reconhecer esse ponto,

de que a maioria do país é negra, já é uma consciência. Mesmo as pessoas que não são negras

usufruem de um país que foi majoritariamente construído por braços negros.

É preservado e compartilhado no Brasil, práticas e costumes trazidos pelos africanos.

Saber disso é ter consciência negra, é ter a noção de que a contribuição dos negros foi

importante. A cultura do Brasil foi totalmente influenciada pelos negros que foram trazidos para

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o Brasil, conforme destaca Ferreira (2009, p. 03): “A contribuição desses escravos foi além da

participação econômica, uma vez que, foram inserindo suas práticas, seus costumes e seus

rituais religiosos na sociedade Brasileira contribuindo, dessa forma para uma formação cultural

peculiar no Brasil”.

Vainfas (2001, p. 560), por sua vez, destaca que:

Os povos bantos predominaram entre os escravos traficados para o Brasil desde o

século XVII, concentrando-se na região sudeste, mas espalhados por toda a parte,

inclusive na Bahia. [...] Os Bantos oriundos do Congo eram chamados de congo, muxicongo, loango, cabina, monjolo, ao passo que os de Angola o eram de

massangana, cassange, loanda, rebolo, cabundá, quissamã, embaca, benguela.

Essa diversidade fez com que os Bantos apresentassem uma especificidade cultural,

notadamente na linguística, nos costumes e, principalmente, no campo religioso, mesclando

aspectos do cristianismo com suas tradições religiosas. Dentro desse tema, a data celebrada no

dia 20 de novembro, criada pela Lei nº 10.639/03 não aborda de forma completa, ou de nenhuma

forma, o proposto pela lei em sala de aula. O que é feito, em muitas escolas na cidade do

Gama/DF, por exemplo, é apenas uma alusão à cultura negra. Contudo, essa alusão é feita de

forma não fundamentada pelos professores – que tentam –, o que reforça o preconceito sobre a

cultura afro-brasileira.

O dia da Consciência Negra é celebrado como feriado em algumas cidades e capitais,

como no Rio de Janeiro/RJ, Alagoinhas/BA, algumas cidades de Minas Gerais (a própria capital

Belo Horizonte), Mato Grosso, entre outras cidades, mas no Distrito Federal não é considerado

feriado. Não é justo afirmar que não há discussões nesses locais para que o dia seja transformado

em feriado, mas o que não há é um alinhamento entre os representantes do povo nas instâncias

mais próximas para que isso aconteça, visto que há políticas públicas (com ressalvas) para que

haja projeção desse dia. Esse “descaso” é mais um dos elementos que influenciam na formação

do sujeito negro.

Levar o dia 20 de novembro de forma não aprofundada (fazer cartazes no dia e expor

na escola, fazer “festa” e deixar as meninas de turbante e nada mais) torna todo o acontecimento

somente folclórico e alegórico, o que não contribui em nada para a dispersão da ideia e da

própria consciência negra. Esse tipo de abordagem atrasa em décadas a possibilidade de

reconhecimento das pessoas negras e da sua vasta cultura, com significados importantes para o

mundo.

E por que é preciso se reconstruir enquanto pessoas negras?

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Segundo Kabengele Munanga (1988, p. 34), no processo da diáspora africana, “o

afastamento e a destruição da consciência histórica eram uma das estratégias utilizadas pela

escravidão e pela colonização para destruir a memória coletiva dos escravizados e colonizados”.

Com efeito, ao destruir nossa ancestralidade e/ou consciência coletiva sobre nossa própria

identidade, o colonizador podia nos inculcar com aquilo que ele acreditava que iria nos salvar

de nossa perversão (sic). É nesse contexto hierárquico de raças que surge o mestiço e/ou pardo,

terminologia que não só apaga aquela pessoa que é, de fato, negra, mas alimenta e pavimenta o

discurso “Não, você não é negro, você é pardo/moreno”, colocando o negro como o “outro”

(qualquer pessoa, menos ele mesmo: o outro que é feio, o outro que não faz parte do padrão),

como uma identidade que é preciso manter distância.

Sob esse entendimento, o autor chega a uma pergunta: afinal, quem é negro e quem diz

o que é ser negro?

Percebe-se que no Brasil sofre-se um grande afastamento da identidade negra, não só

por conta do apagamento histórico, mas também pela instauração do “pardo” enquanto

identidade racial. Por isso, é de extrema importância resgatar a negritude, fazendo com que seus

usos e sentidos possam, de alguma maneira, ligar “todos os grupos humanos que o olhar do

mundo ocidental “branco” reuniu sob o nome de negros” (MUNANGA, 1988, p. 39).

Um dos principais desafios para a real efetivação da Lei nº 10.639/2003 é o trabalho de

mobilização dos professores, dos discentes e da comunidade através do discurso da escola para

ruptura de movimentos ideológicos na sociedade. Estes, com práticas nada inocentes, ainda

propagam, por exemplo, o mito da democracia racial, da inferioridade do negro africano; tudo

isso dentro do ambiente comum de todos, a escola. Determinados conteúdos e abordagens,

muitas vezes, reforçam construções ideológicas racistas presentes na sociedade brasileira.

Então, quais conteúdos e de que forma estes devem ser trabalhados para não reforçar um

estigma?

Algumas sugestões no campo do currículo parecem importantes para o trabalho do

professor, como superar a visão de inferioridade dos povos africanos, pois nos livros escolares

ainda se percebe a organização a partir do processo de escravização, como se os negros não

tivessem história anterior, como se não tivessem contribuições para o conjunto da humanidade,

como se fossem povos primitivos. Essa é outra sugestão: não categorizar a África como um

continente primitivo, pois muitos trabalhos que envolvem o dia da consciência negra nas escolas

ainda falam sobre a África com tribos primitivas, doenças, repleto de guerras. Uma sugestão é

resgatar valores e contribuições para a população negra, pois essas atividades são importantes

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para a construção da identidade e autoestima dos estudantes negros e para a formação de uma

consciência antirracista com o conjunto dos estudantes.

Voltando ao ponto sobre folclorismo, ainda é necessário ter cuidado, pois várias

experiências pedagógicas, cujo intuito é trabalhar com a história e cultura negra, ainda trazem

para o ambiente escolar apresentações primitivas africanas, de samba, capoeira, de culinária,

com um fim em si mesmo. Se não trabalhadas, essas experiências podem reforçar a visão

folclórica do negro brasileiro e cristalizar a visão de que essas foram as únicas contribuições

dos povos negros à sociedade brasileira. Apresentações culturais podem sim favorecer o resgate

da cultura e da história do negro, mas devem ser utilizadas como ponto de partida ou como

ponto de chegada, nunca como um fim em si mesmo.

Não obstante, a Lei nº 10.639/2003 é de grande importância quando trabalhada de forma

correta, quando concretizada com conteúdo da história e cultura afro-brasileira. Dessa forma, a

escola pode romper com construções ideológicas estruturantes da consciência social e apontar

o caminho para novas discussões.

1.8 As linguagens da experiência

Inicialmente, uma pergunta teima em aparecer: como tornar os sujeitos críticos quando

são formados a partir de lugares que não sejam suas experiências? O que se entende por

legitimidade da experiência, pertencimento àquele local e diálogo com ele sobre sua existência?

O sujeito que vive em um lugar, conhece suas tradições e participa dela tem legitimidade para

representar o seu próprio local, pela lógica do pertencimento. A experiência encontra-se nessas

vivências, nessas interações.

Dentro disso, percebe-se que em uma experiência o fluxo vai de algo a algo, pois cada

parte é distinta e o todo é diversificado. Cada parte tem o seu significado e contribui para a

diversidade do todo. Logo, o pessoal é global, pois faz parte do todo. A parte mais

individualizada que seja também atuará na formação do todo. Cada experiência é única, possui

uma unidade que lhe confere nome, como, por exemplo, “aquela comida” que remonta a ideia

de que o alimento tem características boas ou ruins.

O espectador tem um papel ativo na formação da obra. Para Dewey (1980), o fruidor da

arte teria uma função criativa nas experiências em geral e na arte em particular. A recepção

estética, para ele, é uma ação de recriação do processo de produção. O artista cria apenas o

“produto artístico”, diz o autor. A “obra de arte” é o que ele provoca em quem o experimenta.

Desgranges (2006) também cita sobre isso, quando diz que o espectador só compreende se for

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compreendido e só é compreendido se compreender. Assim, a compreensão, além de ser um

processo ativo, é também um processo criativo.

No teatro, a narrativa é apresentada através de um conjunto composto por vários

elementos de significação: a palavra, gestos, sonoridades, objetos cênicos. Excetua-se o texto

dramático, que não possibilita a experiência e nem propõe a reflexão. No mais, o espectador

decodifica os signos de maneira pessoal.

Na educação, esse processo acontece de modo parecido, pois o que é sugerido e

produzido pelo arte-educador é decodificado pelos estudantes de forma particular, sendo

recriado intelectualmente a partir das experiências vividas. Se o aluno ou aluna tem uma

possibilidade de ter tido contato com obras parecidas, estas serão decodificadas de forma fluida.

Um exemplo disso é a leitura dramática baseada no TEN (Teatro Experimental Negro). O aluno

negro, que possui experiência parecida, fruirá e recriará de forma que a sua experiência seja

traduzida ou entendida.

Ao reeducar a percepção, a crítica devedora de suas ideias forma o experimentador ideal

da arte, aquele que cria sua experiência diante de uma obra e, nessa interação, constitui sua

subjetividade, que não existe antes dela. Nesse aspecto, entra a percepção estética: para o/a

estudante perceber a obra produzida na escola, ou fora dela, cada um e cada uma precisa criar

a sua própria experiência. Nesse ponto, retoma-se o que foi dito no início desta dissertação,

especificamente na introdução: a produção estética acontece a partir do seu lugar de fala. O

aluno ou aluna que produz a partir do seu lugar, onde possui seus vínculos e emoções, está

produzindo esteticamente, pois vem do seu lugar de pertencimento e passa a ter significado para

ele/ela.

Na escola, a obra para ser artística tem que ser estética. O fazer é estético, o observar é

estético. A aluna e o aluno negro, por exemplo, passam por essa rota, sobretudo quando trazem

suas experiências ancestrais para dentro do teatro feito na escola. Mas, e as outras pessoas não

negras? Também. A diferença é que esta pesquisa aponta para a experiência de alunos e alunas

negros e negras, mas também reconhece a possibilidade de identificação das pessoas não negras

que acontece nos jogos teatrais e nos jogos dramáticos produzidos no ambiente escolar.

Qualquer experiência traz um resultado, inclusive as experiências humanas de reflexão

e conhecimento. O fato de conhecer uma coisa importa em uma alteração simultânea no agente

do conhecimento e na coisa conhecida. Essas duas existências se modificam, porque se

modificaram as relações que existiam entre elas. Por exemplo, John Dewey (1980, p. 114) cita

uma árvore, que era apenas objeto de experiência visual, que passou a existir de modo diverso

entre o observador e a própria árvore (a árvore é apresentada com outras características, como

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as medicinais, resistência). Depois da experiência com a árvore, é dito que os dois são diferentes

do que eram antes, pois o observador vivenciou a experiência e saiu transformado.

Este trabalho, porém, discorda desse pensamento no seguinte ponto: as pessoas são a

partir do que têm na essência. Mudanças na “casca” são irrelevantes. Educação não muda a

casca. A essência modificada (isso é possível?) vai resultar em mudanças na aparência. Quase

sempre. Na verdade, a essência não muda: ela mostra seus múltiplos aspectos ao ser humano.

Educar (se) é, pois, saber de si. É um processo contínuo de deslumbramento.

A experiência ocorre quando o material experenciado segue o seu curso até a sua

realização, sendo que o aluno ou aluna é o sujeito do próprio processo. Tem que ser capaz de

viver a experiência e não apenas passar por ela. A ideia é refletir e transformar-se. Bondía

(2002, p. 24) cita sobre a experiência que acontece com as pessoas:

se o sujeito da experiência é um território de passagem, então a experiência é uma

paixão. Não se pode captar a experiência a partir de uma lógica da ação, a partir de

uma reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito agente, a partir de uma teoria

das condições de possibilidade da ação, mas a partir de uma lógica da paixão, uma

reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito passional. E a palavra paixão

pode referir-se a várias coisas.

Tornar-se reflexivo é importante para dar continuidade à experiência: um homem

reflexivo, mulher reflexiva, profissional reflexivo. Essa possibilidade de análise é o que faz com

que a prática das experiências seja renovada.

1.9 A Experiência Educativa

A experiência educativa é essa experiência inteligente que inclui o pensamento e a

percepção das relações e continuidades. Todas as vezes em que a experiência for reflexiva, isto

é, quando atentar para o antes e o depois do seu processo, aquisição de novos conhecimentos,

ou conhecimentos mais extensos do que antes, esses serão alguns dos seus resultados naturais.

O professor reflexivo, termo citado por Dewey (1980), reflete sobre si, sobre o antes e o depois,

sobre o porquê daquela atitude. Levar isso para o/a estudante negro/negra na escola é de

fundamental importância, pois estimula-o a pensar no processo de desenvolvimento que se dá

a partir das discussões na sala de aula, na oficina de teatro, nos jogos dramáticos, jogos teatrais

e sociodrama praticado naquele dia, mês, ano.

É nisso que consiste a educação na reflexão do processo. Educar-se é crescer, não no

sentido puramente fisiológico, mas no sentido humano, no sentido espiritual, no sentido de uma

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vida cada vez mais larga, mais rica e mais bela, em um mundo cada vez mais adaptado, mais

propício, mais benfazejo para o homem e mulher. É importante dizer que na sociedade

contemporânea, como a experiência não é valorizada, a indústria cultural esnoba isso. Portanto,

cabe às artes e à educação propiciar que essa experiência ocorra.

Saviani (apud KIIHL, 2012, p. 03) considera que “a escola é uma instituição cujo papel

consiste na socialização do saber sistematizado”. Sendo assim, ela é o lugar privilegiado de

apropriação, criação e fruição da cultura. Nessa relação, cultura e educação estão intimamente

ligadas, uma vez que no currículo prescrito e oculto são determinados tipos de culturas e visões

de mundos distintos, de acordo com o tipo de cidadão que se almeja formar.

Dentro dessa compreensão, é possível afirmar que esse tipo de formação do sensível

privilegia o contato com significativas experiências estéticas, tornando-se imprescindível para

a sociedade em geral e para a atividade docente em particular. Os professores dedicam-se à

formação de outros seres humanos e isso inclui a apropriação do legado cultural produzido

sócio-historicamente. A escola passa a ser o local em que a verdadeira consciência deve ser

elaborada, pois é na escola que deveria ser realizado o processo de esclarecimento dos

indivíduos, de superação da alienação. O processo dialético que possibilita o esclarecimento só

se confirma por meio do pensamento que investiga minuciosamente a realidade.

Ademais, considerando que a escola também é sociedade, torna-se oportuno discutir as

influências da indústria cultural na formação desses sujeitos (profissionais da educação e

alunos), haja vista que ela tende a influenciar a formação/experiência estética dos indivíduos.

A indústria cultural cria uma falsa consciência da realidade, articulada aos interesses

dominantes, e invade o inconsciente das pessoas, as quais passam a acreditar nelas. Cria-se,

então, a falsa ideia de que a transformação do indivíduo e da sociedade depende exclusivamente

da escola.

Pensando nisso, tem-se a tendência de acreditar que a indústria cultural influencia o

gosto dos sujeitos na escola. Quando o professor desconsidera a sua própria formação cultural,

ou a reduz ao âmbito da experiência com os produtos da indústria cultural, sua atividade docente

tende a ficar empobrecida e, muitas vezes, pouco estimulante aos olhos e percepções dos alunos.

Os estudantes e as estudante têm o direito de experenciar outras expressões culturais que

extrapolem as produções cotidianas, mormente aquelas induzidas ao consumo pela indústria da

cultura (diversão e entretenimento) e por eles vivenciada.

Assim, os educadores devem sentir/pensar/propor uma prática docente sistematizada

para que os alunos reflitam sobre os elementos culturais, historicamente produzidos.

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Figura 10: Jogo Teatral. Apresentação através da ação. Estudantes do Ensino Médio. Foto de Thiago Bellargo

CAPÍTULO II: Jogos Teatrais e Jogos Dramáticos na escola para reflexões sobre

identidades

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Todos nós, homens e mulheres, somos feitos de

diversidade.

Kabengele Munanga

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Pode-se tomar como definição de jogo teatral a improvisação a partir de temas ou

situações, com criações e representações coletivas. Tanto no Jogo Teatral como no Jogo

Dramático, o processo de representação dramática ou simbólica, na qual se engajam os

jogadores, desenvolve-se na ação improvisada, ainda que os papéis de cada jogador não sejam

estabelecidos em um primeiro momento. Tais jogos trazem significados e experimentos com a

vida, aqui e agora. Viola Spolin (apud PUPO, 2005, p. 03), por exemplo, atribui valor intrínseco

à dimensão lúdica e identifica no jogo um instrumento de caráter humanista para a educação

social do jovem, além de reconhecer nele um importante recurso em qualquer situação de

aprendizagem.

Especificamente na experiência com as escolas, o Jogo Teatral se define como dirigido

para observadores, ou seja, pressupõe a existência de plateia, em que os grupos se dividem em

equipes. No Jogo Dramático não há a necessidade de existência da plateia, pelo fato de que

todos são participantes da criação imaginária, ou seja, todos são atores.

De modo geral, a prática dos jogos teatrais inclui o acordo grupal, a realidade a ser

jogada, estabelecida entre os atores e plateia, e a estrutura do jogo, geralmente determinada

pelos aspectos ONDE (o ambiente em que passa a ação), QUEM (os personagens) e O QUÊ

(as ações dos personagens). Dentro disso, a prática do teatro na educação escolar tem o objetivo

da comunicação e do uso interativo da linguagem teatral. A vivência desse processo teatral na

escola traz o aprendizado, bem como a descoberta de potencial criativo, emoções e ações do

Outro proposto a si, exposição direcionada à plateia, redescoberta do seu próprio corpo, entre

outras experiências que são vividas durante o processo.

É bom lembrar que esta pesquisa destaca alguns jogos, especialmente aqueles que Viola

Spolin (2012) apresenta, sendo necessário adaptá-los com criatividade e autonomia, conforme

a necessidade dos alunos e alunas. Sabe-se que a linguagem teatral não é algo pronto e acabado.

Ela está em constante construção. Por isso, cabe aos participantes construírem e ampliarem a

sua ideia de mundo de modo a dar conta da vida na contemporaneidade.

O jogo é reconhecido como importante elemento do teatro. No âmbito do ensino, o fazer

através do jogo teatral ou dramático pode desencadear processos de aprendizagens que

contribuem para a formação de sujeitos autônomos, mediados pela intuição e pelas referências

dramáticas. Viola Spolin (2010, p. 77) observa que o objetivo principal do jogo é estimular a

espontaneidade, já que esta “cria uma explosão que por um momento liberta de quadros de

referência estáticos, da memória sufocada por velhos fatos e informações, de teorias não

digeridas e técnicas que são na realidade descoberta dos outros”.

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Tendo em vista que a cultura da aprovação/desaprovação, na qual a liberdade pessoal é

dissipada e quase sempre a espontaneidade é suprimida, dá lugar às convenções sociais e regras,

os exercícios que estimulam a espontaneidade são fundamentais. Também é fundamental

lembrar que a espontaneidade é um momento de liberdade pessoal quando se estar frente a

frente com a realidade, explorando e agindo em conformidade com ela. Nessa realidade, as

mínimas partes funcionam como um todo orgânico. Essa também é a lógica do ensino do teatro.

O caráter pedagógico tem essa face, essa força que implica tomar o todo como

importante. Essa também é outra lógica do ensino do teatro, onde a partilha é o principal fator

durante o processo, a partir da espontaneidade e da interação, esta última entre ator e plateia. A

plateia, por sua vez, influencia na produção, pois não se trata mais de uma plateia passiva.

Essa é a mesma visão de Rossetto (2008, p. 1-2), quando ressalta que “promover a

aquisição do conhecimento em teatro requer trabalhar o ator e o espectador, ou seja, o fazer e o

apreciar [...]”. Para tanto, é preciso que o professor adote uma metodologia de trabalho que

propicie ao aluno oportunidades de experimentação artística por meio de jogos variados e

exercícios teatrais. Esse tipo de metodologia também é recomendado por Viola Spolin (1999),

que descreve um sistema fundamentado principalmente na relação palco/plateia, ressaltando

que o objetivo dessas ações deve ser o aprendizado da linguagem teatral, a comunicação com o

público.

Assim sendo, e considerando a percepção de que o teatro é uma das áreas menos

exploradas na escola, entende-se ser necessário incentivar sua prática com ênfase em jogos

teatrais, destacando-os como atividades potenciais para a formação do espectador, nos termos

da proposta sistematizada por Viola Spolin.

Ensinar teatro implica preparar o aluno para interagir com o teatro contemporâneo em

nível da produção e da recepção; torná-lo capaz de ler e de se apropriar da linguagem teatral,

incorporando aspectos das concepções cênicas observadas em seu próprio fazer teatral.

Nesse envolvimento com os jogos teatrais, os alunos aprenderão regras básicas para

contar histórias, apreciar a literatura e construir personagens. Os atuantes lidam com situações

pouco familiares, sem perder o sentido de grupo ou o foco. O formato do jogo demanda sempre

um problema a ser enfrentado, com habilidades a desenvolver - professor e aluno abandonam

posições opostas e revelam-se parceiros.

Para que o jogo seja executado de forma ordenada e obtenha sua rota correta, é

fundamental que a interação entre aluno e professor seja completa, sobretudo no sentido de

entendimento, da compreensão. Certamente, essa interação influenciará na relação no jogo:

aluno x aluno. Há alguns aspectos ou princípios que organizam as práticas dos jogos teatrais e

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jogos dramáticos, que serão alterados pelo professor de acordo com as circunstâncias em que

trabalha. Por isso, convém que os alunos e alunas conheçam logo a primeira aula, por exemplo,

dando preferência às roupas confortáveis, que não impeçam o movimento e que possam sujar;

pés descalços, de preferência, para contato com o chão, atenção ao momento dos jogos.

O professor é o orientador. É o parceiro dos jogos, aquele que propõe, dá indicações e

sugere caminhos, sem acabar com a espontaneidade dos estudantes e das estudantes. Não aponta

modelos a serem seguidos, mas oferece oportunidades de encontro de cada um consigo mesmo.

Se o professor pretende que os alunos joguem espontaneamente, que sejam capazes de exercer

plenamente suas percepções, ele próprio deve ser capaz de fazê-lo.

Ao longo dos jogos são apresentados problemas aos alunos, que devem ser solucionados

recorrendo a recursos próprios, usando sua criatividade e imaginação. Nesse caso, as situações

apresentadas são temas que travam o dia a dia dos alunos e de suas identidades. As dúvidas

quanto à compreensão da proposta do jogo devem ser feitas antes do seu início e o professor só

vai responder àquilo que considerar imprescindível para que o aluno dê início à sua

performance. As instruções dadas durante o jogo vão suprindo as dúvidas que possam gerar

insegurança, ao mesmo tempo em que ajudam o aluno ou a aluna a manter-se no jogo, ou seja,

a pensar no que se faz enquanto faz, sozinho e em grupo. Spolin (2010, p. 4) define esse

processo de grupo e o que é gerado a partir disso:

O jogo é uma forma natural de grupo que propicia o envolvimento e a liberdade

pessoal necessários para a experiência. Os jogos desenvolvem as técnicas e

habilidades pessoais necessárias para o jogo em sim, através do próprio ato de jogar.

As habilidades são desenvolvidas no próprio momento em que a pessoa está jogando,

divertindo-se e recebendo toda a estimulação que o jogo tem para oferecer. Este é o exato momento em que ela está verdadeiramente aberta para recebê-las.

Segundo Viola Spolin (2010), o jogo deve ser constituído pela improvisação,

conscientização do sentido da representação e resolução. A interação entre aluno e aluno, a

partir das intervenções do professor mediador, aproxima o aluno do outro, reconhecendo o outro

como parceiro e jogador. Esse reconhecimento significa parceria para outras atividades afins

dentro do jogo teatral.

2.1 Jogo Dramático

O uso do termo jogo dramático é potencialmente fonte de confusões e mal-entendidos

conceituais. Determinados autores o utilizam como tradução de dramatic play, enquanto outros

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se valem do termo para designar a tradução, em nossa língua, do original francês jeu

dramatique. Ambas as utilizações possuem em comum o fato de derivarem do radical grego

drama, que designa ação. Assim, vinculam-se ambos à ideia de dramatização, ou seja, à

imitação através da ação. A ação no jogo dramático é espontânea.

Jean-Pierre Ryngaert (1977) afirma que o jogo é um meio de conhecimento da realidade,

e não deixa de se questionar sobre que realidade é reproduzida no jogo e que relações o jogo

mantém com a arte – “um outro instrumento de modelização do mundo”. O jogo dramático

deve ser simultaneamente um meio concreto de criação de situações e de aquisição de técnicas,

além de um meio de reflexão dessas situações, a fim de fazê-las tender para a invenção. É a

coexistência do modelo abstrato e do modelo lúdico que permite avançar e escapar do impasse

que representa a reprodução de clichês.

A garantia do jogo ser produtivo passa por esta concepção de engajamento e

investimento pessoal, as quais são determinadas pelo jogar a partir de seus próprios interesses.

O que se coloca em jogo são situações que, enfocadas sob expressiva oscilação de seu

significado, polemizando-se a partir de diferentes pontos de vista, podem ser trabalhadas

esteticamente através das senhas de jogo, dadas pelo animador, que ajudam a dizer. Segundo

Ryngaert (1977), as senhas vão favorecer a “ginástica do imaginário”. Quando formuladas,

levam em consideração, por exemplo, o acaso e o aleatório. A situação, a mais banal, recolocada

em um espaço previsto, adquire às vezes uma nova cor. A confrontação insólita de personagens

não esperados com antecedência permite renovar o estoque de invenções dos participantes, de

trazer um pouco de fantasia a um imaginário limitado ou fechado nas convenções.

O jogo dramático na educação prioriza colocar em tensão o jogo espontâneo e aquele

regido por códigos teatrais. Não se trata de negar a “livre expressão”, mas de provocá-la em

relação às formas e estruturas nas quais se realizam as inúmeras possibilidades de representação

teatral. Na fase de evolução do jogo dramático, que se chama realismo (é o que cabe para esta

pesquisa), o espaço e a caracterização do jogo estão comprometidos e limitados pela intenção

realista, assim como pela consciência que o atuante adquiriu pelo seu ato e significado de

representar, no sentido da comunicação. A sua postura exige que ele apresente um fato de forma

verdadeira, embora o atuante dimensione o jogo em si como uma mentira, a qual não possui

intenção de engano, mas de invenção.

O jogo só oferece real interesse quando fala do racismo através da experiência que os

jogadores têm, com as dúvidas, as contradições e as interrogações (e também a imaginação)

que lhes pertencem. O jogo torna-se produtivo na medida em que ele é preciso, quando deixa

falar as subjetividades e leva em consideração os desejos profundos dos participantes.

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2.2 O que há de comum entre o Jogo Teatral e o Jogo Dramático?

Japiassu (2003) apresenta uma diferenciação entre jogo teatral e jogo dramático. O autor

destaca que “é preciso lembrar que a palavra teatro tem sua origem no vocabulário grego

theatron, que significa ‘local de onde se vê’ (plateia). Já a palavra drama, também oriunda da

língua grega, quer dizer ‘eu faço, eu luto’”. No jogo teatral, o grupo de sujeitos que joga pode

se dividir em equipes que se alternam nas funções de “jogadores” e de “observadores”, isto é,

os sujeitos jogam deliberadamente para outros que os observam.

Na ontogênese, o jogo dramático (faz de conta) antecede o jogo teatral. Essa passagem

do jogo dramático para o jogo teatral, ao longo do desenvolvimento cognitivo e cultural do

sujeito, pode ser explicada como “uma transição muito gradativa, que envolve o problema de

tornar manifesto o gesto espontâneo e depois levar a criança à decodificação do seu significado,

até que ela utilize conscientemente, para estabelecer o processo de comunicação com a plateia”

(KOUDELA, 2011, p. 25).

O autor afirma que a finalidade do jogo teatral na educação escolar é o crescimento

pessoal e o desenvolvimento cultural dos jogadores por meio do domínio da comunicação e do

uso interativo da linguagem teatral, numa perspectiva de improvisação ou lúdica. O princípio

do jogo teatral é o mesmo da improvisação teatral, ou seja, a comunicação emerge da

espontaneidade.

De maneira diferente do jogo dramático, o jogo teatral é intencional e especificamente

dirigido para uma plateia que assiste. Porém, tanto no jogo dramático como no jogo teatral, o

processo de representação dramática ou simbólica, no qual se envolvem os jogadores,

desenvolve-se na ação improvisada e os papéis de cada jogador não são estabelecidos a priori,

mas emergem das interações que ocorrem com os indivíduos envolvidos durante o jogo.

2.3 Espaço para teatralização na escola

Desde muito tempo, sabe-se que o espaço físico na escola pública é resultado de uma

construção que vem de muito antes, que estruturava as escolas de maneira que fossem

apropriadas ao método de ensino de décadas atrás. As estruturas físicas permanecem até hoje,

o que dificulta a realização das aulas de teatro, pois o espaço físico é limitado. Apesar de

algumas adaptações para que os ambientes sejam apropriados, não há recursos para a realização

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de trabalhos com longa duração e que possibilite que mais pessoas passem por esse processo

de fruição.

Os espaços alternativos na escola têm sido uma solução para um problema que se

enfrenta, que é a falta de teatro na escola pública. Existem limitações. Porém, estas não podem

ser motivos de desistências. A luta é diária e é possível praticar. O trabalho com o teatro na

escola se define pela aprendizagem que ali ocorre, que se dá a partir do processo e não somente

pelo produto.

Por isso, o teatro na educação investe mais no processo do que no resultado.

Diferentemente do teatro profissional, ele não vive do ou para o público, mas e para a educação

e desenvolvimento das diversas habilidades dos alunos. Estes, por sua vez, não se encontram

sob a tutela de um diretor de teatro, mas sim de um coordenador de processos.

Em virtude disso, o teatro, enquanto prática pedagógica, insere-se como uma atividade

fundamentalmente coletiva, que prima pelo respeito de seus integrantes, aperfeiçoamento das

inteligências do indivíduo e também do grupo. Sobre isso, pode-se afirmar que o processo do

teatro-educação parte do princípio de que todos os indivíduos têm a possibilidade de

desenvolver todas as inteligências, ainda que de forma vertical, ou seja, ainda que em graus

diferenciados de desenvolvimento.

Há muitas maneiras de se trabalhar teatro nas escolas, mas o que se tem visto é a

banalização dessa forma artística no uso reiterado de datas históricas comemorativas, sem um

objetivo pedagógico. Segundo Reverbel (1996), o teatro não deve ser realizado no formato de

espetáculos, em que as crianças apresentam uma peça previamente ensaiada para um público.

Esse tipo de atividade gera, segundo a autora, uma expectativa por parte dos espectadores sobre

o aluno.

Ademais, conforme a autora, o teatro deve ser explorado pelo educador dentro do espaço

da sala de aula e com o objetivo primeiro de desenvolver as capacidades de expressão –

relacionamento, espontaneidade, imaginação, observação e percepção, as quais são próprias do

ser humano, mas necessitam ser estimuladas e desenvolvidas. As atividades dramáticas

(mímicas, jograis, improviso, recriação etc.), nessa perspectiva, são um valioso instrumento

para o professor.

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Figura 11: Jogo Teatral de interação em espaço alternativo no CED 08

Entretanto,

O professor deve adaptar as atividades e ordem de aplicação de cada conjunto às

condições de espaço, de material colocado à disposição das crianças e, principalmente,

partir da sua própria percepção dos tipos de personalidade das crianças com quem

trabalha. O educador deverá adaptar o ensino a cada momento, a cada criança e a cada

grupo (REVERBEL, 1996, p. 25).

Numa perspectiva diferente, Dominguez (1978) destaca sua experiência positiva com

espetáculos teatrais no ambiente da escola e afirma que a produção de peças é uma atividade

que a inserção do teatro na educação pode assumir. Além disso, ainda que o professor que

trabalha com o teatro enfrente problemas, como número de aulas insuficientes para o

desempenho de um bom trabalho, classe inteiras, grande quantidade de alunos, preconceito com

a atividade artística, tida como empecilho para outras atividades intelectuais, essa atividade é

uma poderosa ferramenta para o desenvolvimento social, intelectual e cultural do aluno.

Em conformidade com a autora citada anteriormente, Dominguez (1978) ressalta que,

ao se trabalhar com teatro na escola, deve-se ter como objetivo levar os alunos a desenvolver

características fundamentais para o melhor desempenho escolar, como: espontaneidade,

aceitação de regras, criatividade, autoconhecimento, senso crítico, raciocínio lógico, intuição,

conhecimento do grupo, de si próprio e do ambiente.

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Figura 12: Jogo Teatral. Violência. Pátio da escola CED 08

Como se pode perceber, esse tipo de aplicação do teatro depende do cuidado e do bom

senso do educador, o qual deve estar, antes de qualquer coisa, preparado intelectual e

pedagogicamente para as técnicas dos trabalhos dramáticos, inclusive no momento da

avaliação. Essa etapa, segundo Dominguez (1978, p. 21), “é uma tarefa complexa, uma vez que

os pontos de referência de desempenho da atividade são muito subjetivos”.

2.4 Teatro-Educação e Teatro-Pedagógico

Apesar do termo teatro-pedagógico ser usado em sentido amplo quando se trata de teatro

escolar, parece oportuno ressaltar a existência de, no mínimo, duas possibilidades de se

trabalhar com o teatro dentro da escola, as quais devem ser diferenciadas. A primeira é o teatro

como ferramenta pedagógica na sala de aula, cujo objetivo é fixar conhecimentos, e o teatro-

educação com fins socioculturais e artísticos, geralmente oferecido como atividade

extracurricular.

Acerca dessas duas possibilidades, Santiago (2004, p. 6) comenta que:

O teatro-educação também caminha em outra direção em relação ao teatro-

pedagógico, que consiste numa forma de instrumento ou ferramenta pedagógica na

educação. Mas o teatro-educação vai além dessa abordagem contextualista ou instrumental que difere da perspectiva essencialista ou estética que defende a presença

do teatro em situações de aprendizagens seja na escola ou em outros espaços

educacionais.

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Quanto ao teor artístico, é inquestionável que o teatro pedagógico atue como uma

ferramenta de grande importância para a educação formal, já que visa à absorção de

conhecimento, com abordagem de conteúdos específicos ligadas às disciplinas de História,

Geografia, Matemática, etc. Além disso, o teatro-pedagógico pode, ao mesmo tempo, trazer

para a sala de aula uma alta dose de criatividade entre os alunos.

Contudo, embora não seja o foco principal do teatro-pedagógico, ele não se abstém de

trabalhar a formação humana dos alunos, pois, como dito anteriormente, o teatro, ao trabalhar

com inteligências, fomenta diversas habilidades.

2.4.1 Exemplos de jogos adaptados e utilizados durante a pesquisa

Os exemplos destacados abaixo foram retirados dos livros Jogos Teatrais - Fichário de

Viola Spolin, da própria Viola Spolin, e Jogos para atores e não atores, de Augusto Boal.

Descrição: Autoapresentação em círculo

Quem sou eu? Quem é você?

Foco: Promover a interação e a vivência.

Desenvolvimento: Com base nas orientações de Japiassu (2003), o professor organiza a turma

em círculo e, sentados no chão, um a um, os alunos fazem a autoapresentação: nome, idade,

raça, nome do professor, considerações sobre o que gosta de fazer e sua vivência em relação ao

teatro: se aprecia, se já assistiu a alguma peça e onde, qual a impressão que teve, etc.,

socializando com o grupo o que pensa sobre a linguagem teatral. A cada fala, os demais alunos

devem fazer perguntas àquele que está na vez, procurando aprofundar conhecimentos sobre o

assunto e promover um clima de companheirismo e confiança.

Em seguida, o professor apresentará informações gerais sobre o que vai ser

desenvolvido na aula daquele dia. Depois da explanação, os alunos poderão fazer perguntas

sobre o assunto, o que entenderam, o que já sabem e o que gostariam de saber mais a respeito

da proposta de atividade. Depois dessas falas, o professor deverá explicar de forma objetiva as

características do trabalho com a linguagem teatral, ou seja:

a) Identificar a matéria: Teatro;

b) Identificar a metodologia de ensino: por jogos teatrais;

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c) Esclarecer o tipo de avaliação: avaliação contínua ou formativa (por meio da

frequência, da qualidade de participação nas atividades); e somativa integrativa: verificações

de aprendizado, como elaboração de protocolos-registros do processo de trabalho;

d) Explicar que testes e provas serão substituídos por outras atividades baseadas na

recordação estimulada.

Descrição: Autoapresentação em círculo (2)

Quem sou eu? Quem é você?

Foco: Promover a interação e a vivência

Desenvolvimento: O professor organiza a turma em um círculo. É preferível que seja realizado

em um ambiente amplo. Cada aluno faz uma apresentação sem palavras verbalizadas. Fala

sobre o que mais gosta de fazer, mas utilizando ações, sem nenhuma palavra. As ações podem

ser repetidas por algumas vezes, até que os outros jogadores percebam qual é a ação proposta

pelo jogador que está no centro do círculo.

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Figura 13: Foto de Nágila Alcantara. Realização de Performance em sala, As lavadeiras.

CAPÍTULO III: Realização das oficinas

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Não considere o tempo presente como sendo o

tempo do relógio, mas como um momento em que

todos estão mutuamente engajados em

experimentar, sendo o resultado ainda

desconhecido.

Viola Spolin

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Entender o cotidiano das oficinas é um trabalho que busca compreender as táticas

utilizadas pelos ministrantes para seu fazer pedagógico, penetrando de modo particular em cada

momento. Pela variedade de práticas cotidianas, segundo Certeau (apud TELLES, 1999, p.

102), devem ser entendidas com um número finito de procedimentos, que aplicam os códigos

e normas existentes em uma determinada situação, a qual resulta de um certo número de

formalidades: “Os jogos específicos de cada comunidade dão lugar a espaços onde os “lances”

são proporcionais a situações. Os jogos formulam as regras organizadoras dos lances e

constituem também uma memória (armazenamento)”.

Dentro dessa visão de Telles, as táticas utilizadas em uma situação específica possuem

uma formalidade própria que não permite o desvelamento do jogo em sua totalidade. Entrar no

cotidiano das oficinas é a possibilidade que se tem de perceber as escolhas táticas de cada artista

e docente para o ensino do teatro.

Neste trabalho, a definição de Oficina8 está voltada para sua utilização como recurso

pedagógico. O fazer nas escolas, com propósitos específicos, como é o caso desta pesquisa,

trata da vivência teatral para o desvelo da identidade negra, a partir de oficinas de teatro

realizadas nas escolas, em horário normal de aula, ou seja, dentro dos 50 minutos de aula por

semana (duas aulas) e em horário contrário, onde há um horário maior para a realização.

A oficina é um momento de experimentar, refletir, elaborar e construir conhecimento

das convenções teatrais, instrumentalizando os participantes de um conhecimento teatral

básico, vivência de uma atividade artística que permite uma ampliação de suas capacidades

expressivas e consciência de grupo. A oficina de teatro é um recurso grandemente utilizado nas

atividades artístico-pedagógicas. É caracterizada como uma ação pedagógica ativista, em que

o professor/mediador/oficineiro direciona as atividades para estabelecer um exercício dialético

entre o seu conhecimento e o que os participantes trazem de seu universo sociocultural.

O pensamento ético e estético é incorporado às atividades pedagógicas, configurando

uma pedagogia teatral. As oficinas são estruturadas, quase rotineiramente, por exercícios de

voz, corpo, jogos e improvisação. Os jogos e as improvisações são utilizados nesses trabalhos

por permitirem que o material colhido na trajetória do grupo ou do artista seja apropriado e

canalizado para o desenvolvimento da criatividade e expressão cênica dos participantes.

8 Curso informal de breve duração, ministrado para o aprendizado de uma técnica ou disciplina artística, sem

objetivos profissionalizantes.

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3.1 Viola Spolin

Viola Spolin desenvolveu um sistema de atuação a partir de pesquisas realizadas durante

as décadas de 60 e 70. Comprometida com a proposta educacional, desenvolveu trabalhos com

crianças e em comunidades de um bairro de Chicago, constituindo grupos de teatro

improvisacional. Retomou Stanislavsky quando levantou interrogações sobre o processo de

educação no teatro, e propôs o acréscimo da livre ideia do teatro fora do palco, construindo uma

pedagogia baseada na prática e vivência de jogos teatrais.

Spolin defendeu atividades baseadas no estímulo da espontaneidade e práticas didáticas

fundadas na lubricidade. Promoveu, ainda, a relação da brincadeira com a criação artística, pois,

ao brincar, a criança poderia se sentir inteira e com todos os seus sentidos entregues à proposta.

Ingrid Koudela9 (2011, p. 55) afirma que os Jogos Teatrais consistem em três regras que

“incluem a estrutura: onde; quem e o quê”. O “onde” está relacionado ao ambiente; o “quem”

está dentro do ambiente, personagem ou relacionamento e “o quê” é a atividade a ser executada,

ação de cena. Também trazem um problema que precisa ser solucionado na área do jogo

(SPOLIN, 2010, p. 43).

Para Viola Spolin (2010), o jogo deve ser constituído pela improvisação,

conscientização do sentido da representação e resolução corporal do problema, ou seja, os jogos

devem ser compostos por algumas convenções teatrais e por intervenções intersubjetivas.

Também propõe que o jogo teatral deve visar à solução de um problema proposto, levando-se

em consideração os limites e regras convencionados e aceitos pelo grupo.

3.2 Augusto Boal

O diretor e dramaturgo Augusto Boal foi uma das mais expressivas referências em

Pedagogia Teatral, no Brasil e no mundo. Possui vários livros publicados, entre eles um dos

mais conhecidos, intitulado Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas, de 1973.

9 Graduada em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (1971). Mestrado (1982) e Doutorado (1988) em

Artes Cênicas pela pela USP. Livre docente pela USP, é professora associada aposentada. Com Bolsa de

Produtividade de Pesquisa em nível A1, é docente do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, orientadora

em nível de Mestrado e Doutorado.

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3.3 Sociodrama e Psicodrama

Jacob Moreno criou um modelo de teatro espontâneo com base no jornal diário da vida

de cada um é um. É considerado o fundador do psicodrama e do sociodrama (e do axiodrama),

um método de investigação voltado para as relações interpessoais e intergrupais (por via da

terapia de grupo). O objetivo do psicodrama é favorecer a relação dos indivíduos e dos grupos

com emoções e os sentimentos, por via do exercício dramático. O sociodrama trabalha as

relações entre os indivíduos com base no treino dos papéis sociais. O axiodrama trabalha as

grandes questões culturais.

A situação em drama alicerça a aprendizagem dos papéis sociais e o desenvolvimento

das redes relacionais. Um conjunto de elementos atua como facilitadores da consciência de si e

de ação transformadora. Essa é uma metodologia que tem vindo a ser aplicada no

desenvolvimento social e pessoal do ser humano, ao mesmo tempo em que é apontada como

favorecedora da transformação social por via da consciência dos indivíduos em relação a si e

aos outros. A sua base está na a capacidade de incorporar o corpo como lugar de experiência

(de ser e estar) no mundo, para transformá-lo por via da ação (do fazer). O Teatro do Oprimido

tem uma raiz nesse movimento, mas ajusta-o às práticas do teatro.

Voltando para o contexto escolar, a partir da década de 1980, percebe-se que os fatores

sociológicos e pedagógicos e, principalmente, a forma como a instituição trata a diferença entre

os seus alunos e alunas revelam-se como mais importantes do que os fatores interpessoais

desses alunos e dessas alunas. Nesse sentido, o sociodrama desenvolve-se mais tarde, com

novas formas de tratar a questão escolar, passando a envolver não apenas o aluno/aluna, mas

toda a instituição.

Vale conceituar ainda aqui que o sociodrama, em sua modalidade educacional, se

caracteriza como uma linha de pesquisa-ação em psicologia escolar institucional, a qual propõe

o estudo do cotidiano de instituições educacionais, vivido e compartilhado por alunos, alunas,

professores, professoras, pais, mães e responsáveis. Busca-se a compreensão das interações

sociais que constituem o cotidiano dessas instituições, enfocando-as a partir da concepção de

papéis enquanto estruturas, segundo as quais os diferentes integrantes da instituição pautam

suas relações.

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3.4 Teatro do Oprimido

O Teatro do Oprimido (TO) é um método teatral que reúne exercícios, jogos e técnicas

teatrais elaboradas para Augusto Boal, com o objetivo de possibilitar a todos a participação no

processo teatral. Augusto Boal escreveu, em 1977, o Teatro do Oprimido e outras poéticas

políticas, publicado pela editora Civilização Brasileira. Essa proposta está inserida no contexto

da democratização da ação cultural e na proposta de transformação social que os atores sociais

procuravam. O livro publicado, que explicita a experiência do autor, constitui um manual de

técnicas teatrais e de preparação do ator, mas inclui uma dimensão política, criada com o

objetivo de libertar e transformar o indivíduo. Tudo isso se passa em um contexto da América

do Sul, onde, para além do movimento cultural, estavam os movimentos da Pedagogia do

Oprimido, de Paulo Freire.

O “Teatro do Oprimido” tem como objetivo transformar o espectador, diz Leite (2014)10

sobre um dos principais preceitos do TO. A crítica ao teatro clássico é que este remete o

espectador para uma posição passiva, como receptor de uma mensagem. O tempo do teatro não

está ligado ao tempo da ação. A inovação de Augusto Boal é que assume o teatro como uma

proposta transformadora. O espectador é protagonista da sua transformação. No Teatro do

Oprimido, é possível ensaiar os seus processos de libertação pessoal, pois todos são

simultaneamente atores e espetadores.

3.4.1 A Técnica do Teatro do Oprimido

A proposta do Teatro do Oprimido organiza-se em diversas formas de ação teatral.

Todas elas implicam uma ação dramática, a qual catalisa o confronto com uma realidade. As

técnicas são soluções para gerar a ação dramática.

O “Teatro-Jornal” é uma ação teatral com base nas notícias do jornal ou qualquer outro

material, que, sem estar expressamente ligado à ação dramática, se transforma em pretexto de

ação dramática. Aplica-se de diferentes formas e tem início com a leitura simples de uma

notícia, procurando apenas captar os fatos. Em seguida, procura-se uma leitura cruzada. Outro

ponto de vista e outra leitura, duas leituras sobre uma mesma coisa. Finalmente, procura-se a

informação complementar. Um olhar, olhares cruzados, olhares complementares. A leitura

complementar deverá produzir uma crítica ao processo. Essa leitura é alvo de uma ação

10 Disponível em: https://axiodrama.wordpress.com/2014/10/24/o-teatro-do-oprimido-e-o-sociodrama/ Acesso

em: 14 abr. 2018.

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dramática, musicada, declamada de forma que o “filtro” da leitura crítica seja acentuado. É um

processo de produção de inovação.

Na representação são admitidas a manutenção das outras leituras e os atores podem

recriar, eles próprios, outras cenas sobre a notícia. No processo de produção do material

dramático, integram-se outras situações dramáticas que acentuam a sua ocorrência em outros

contextos. Acrescenta-se com isso uma dimensão histórica ao processo.

No processo de produção do Teatro do Oprimido a ação dramática é complementada

pela encenação, a qual não é pensada em temos de estética, mas como forma de pontuar os

elementos da cena. O projetor acentua o foco e a tensão da ação.

Na produção do Teatro do Oprimido procura-se que a forma poética acentue a essência

da tensão. Da mesma forma, a essência poética é acentuada pela “opressão”. A função desse

teatro é procurar realçar essa opressão e acentuar as formas que podem conduzir à libertação.

A produção cênica deverá acompanhar essa pulsão de opressão-liberdade. Por vezes, usa-se o

absurdo e o burlesco para acentuar situações limite.

O trabalho com os atores é uma parte essencial da produção do Teatro do Oprimido.

Cada papel é apresentado ao grupo e discutido em grupo. É necessário gerar um consenso no

grupo para a escolha dos papéis. Um papel é simbólico e implica o uso do corpo. A experiência

corporal é integrada ao processo dramático. Os papéis têm que ser experimentados e

representados. O ator vai esculpindo estátuas para representar o papel. A estátua deverá resolver

a tensão do papel e, em seguida, ser resolvida. O processo deverá ser iniciado na tensão e

resolvido como experiência do processo.

Em algumas formas do Teatro do Oprimido, os corpos dos atores atuam na produção de

uma proposta em torno de um problema, convidando os espetadores a participarem na produção

de soluções para essa dificuldade. Este tipo de Teatro-Fórum pode ser adequado para a criação

de processos inovadores.

Outra forma de atuação do Teatro do Oprimido, para além da experiência “terapêutica”

e do “fórum”, é o “teatro invisível”.

3.4.2 Oficina e Workshop

- Oficina I

A Oficina I foi realizada no período de 30 de setembro a 2 de dezembro de 2016, com

alunos do 6° e 7º do ano ensino fundamental II, turno matutino, da Escola Centro de Ensino

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Fundamental 05 do Gama/DF. A oficina foi oferecida em horário contrário, com duração de

duas horas, uma vez por semana, especialmente às sextas-feiras. A oficina contou com a

participação de 33 estudantes, sendo 21 meninas e 12 meninos.

Gráfico 1: Oficina I

- Oficina II

A oficina foi realizada no período de 30 de setembro a 25 de novembro de 2016, com

alunos do 8° e 9º ano do ensino fundamental II, turno vespertino, da Escola Centro de Ensino

Fundamental 05 do Gama/DF. A oficina foi oferecida em horário contrário, com duração de

duas horas e meia, uma vez por semana, especialmente às sextas-feiras. Em média, dez alunos

participaram da pesquisa.

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Gráfico 2: Oficina II

- Oficina III

A oficina foi oferecida em um teatro no Gama, que funciona como teatro alternativo,

chamado Espaço Semente, localizado no Setor Central do Gama. Incialmente, teve

característica de oficina, realizada aos sábados. Por motivos de incompatibilidade de horários,

a oficina foi transformada em workshop11 com cinco encontros. A demanda foi formada por

alunos do Ensino Médio da escola (CEM 01). Em contato com a escola, os alunos sugeriram

que a oficina fosse realizada no próprio espaço da escola em questão. Como não foi possível, a

oferta da oficina aconteceu fora do ambiente escolar, com participação de 40 alunos.

11 Termo inglês que corresponde à oficina ou ateliê. Curso intensivo ou condensado e áreas artísticas ou esportivas.

Experimentação de uma técnica ou uma estética. Definições retiradas do dicionário A Linguagem da cultura, do

SESC-SP.

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Gráfico 3: Oficina III

3.4.2 Planos de Aula

As oficinas seguiram os planos de aulas dentro dos três momentos, considerando as

horas possíveis para utilização do local.

PLANO DE AULA – 2 horas de oficina por semana

MOMENTO PRÁTICA TEMPO

1º Momento da

aula

Sensibilização

10 minutos Alongamento Corporal

Aquecimento vocal/corporal

2º Momento da

aula

Instrução sobre o Jogo

1h35 minutos

(5 min pausa)

Aplicação do Mapa Mental

Perguntas sobre o Jogo

Preparação de objetos para o Jogo

Execução do Jogo

3º Momento da

aula

Discussão sobre o Jogo

Avaliação

Organização do espaço 10 minutos

Tabela 1: Plano de Aula Oficina I

O workshop seguiu com plano de aula nos três momentos, dentro das horas planejadas.

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PLANO DE AULA – 2h e 30min de oficina/Workshop por semana

MOMENTO PRÁTICA TEMPO

1º Momento da

aula

Sensibilização

30 minutos Alongamento Corporal

Aquecimento vocal/corporal

2º Momento da

aula

Instrução sobre o Jogo

1h e 05 minutos

(15 min intervalo)

Preparação de objetos para o Jogo

Execução do Jogo

3º Momento da

aula

Discussão sobre o Jogo

Avaliação

Organização do espaço 10 minutos

Tabela 2: Plano de Aula Oficina II

3.5 Teatro-Notícia

A ideia do teatro-notícia foi retirada da estrutura do teatro-jornal. Propositalmente, eram

levadas notícias recém divulgadas na internet ou WhatsApp12, além do jornal de papel, onde,

majoritariamente, o negro era apontado como “suspeito de”, “agressor” ou qualquer adjetivo

que depreciasse a imagem do sujeito negro.

Claramente, com a ideia de reflexão sobre a condição do negro no Brasil,

especificamente no Distrito Federal, no micronúcleo Gama, as discussões foram geradas após

as cenas levantadas por cada grupo dentro de cada oficina. Com opiniões diversas, os estudantes

e as estudantes sentiam-se abertos/as para dialogar e expor as impressões sobre o jogo e a

temática.

Durante o jogo, foram permitidas anotações por parte dos observadores para alterações

no jogo posterior. Cada um/uma apresentava as suas possibilidades e, caso quisesse, indicava

uma nova versão do jogo. Abaixo seguem alguns exemplos das notícias trabalhadas com as

estudantes e os estudantes. São notícias da Internet, do WhatsApp e Jornal.

12 O WhatsApp Messenger, também objeto dessa pesquisa, foi criado em 2009 pelo americano Brian Acton e pelo

ucraniano Jan Koum no Vale do Silício. A palavra WhatsApp é resultante do trocadilho da expressão em inglês

“What’s Up” que significa “E aí?’’. É um aplicativo de mensagens multiplataforma1 que permite trocar mensagens

instantâneas e chamadas de voz pelo celular. Além das mensagens básicas, os usuários do WhatsApp podem criar

grupos, enviar mensagens com textos, imagens, vídeos e áudios em tempo real.

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Figura 14: Exemplo de Notícias inseridas no Teatro-Notícia

Figura 15: Exemplo de Notícias inseridas no Teatro-Notícia

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Figura 16: Exemplo de Notícias inseridas no Teatro-Notícia

3.5.1 Características:

Cada oficina carregou uma característica específica quanto à influência do teatro no

processo de identificação do sujeito negro com sua própria cultura.

Na Oficina I, os estudantes foram levados a, primeiramente, a ter uma ideia do que seria

etnia, do que seria raça e do que era ser negro. Por conseguinte, foram introduzidos os jogos de

Viola Spolin, voltados especificamente para a identificação da pergunta “quem eu sou”.

Não há uma ideia consciente sobre origem, raízes ou cultura afro-brasileira e africana.

Nesse sentido, foi necessário apresentar tais conceitos para os estudantes e sugerir, de modo

convidativo, a possibilidade de identificação com a cultura negra, sendo negro ou não.

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Figura 17: Aquecimento Oficina I. Foto de Susie Barreto

Para complementar o trabalho sobre a identificação, foi aplicado um mapa mental

(Figura 18), onde os alunos expuseram características negativas e positivas sobre o que lhes

afetavam e sobre como cada um se identificava, não somente através do nome, mas como corpo

de uma sociedade que gira e que lhes insere em contextos, de acordo com a posição familiar,

sexual, etc.

Figura 18: Produção do mapa mental. Foto de João Camargo Pimentel

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Na Oficina II, os estudantes tiveram contato com os jogos de Viola Spolin e Augusto

Boal, dentro da ideia “como fui construído”, justamente pelo fato de que tais alunos já possuíam

uma imagem do que é ser negro ou da cultura negra, detalhando sobre a influência da cultura

afro-brasileira na vida das pessoas. A necessidade do trabalho de jogos que envolve uma

construção do sujeito é pela existência de uma ideia em torno da cultura negra ou do que é ser

negro. Porém, essas ideias são, muitas vezes, limitadas, de acordo com a visão do aplicador e

pesquisador.

Os estudantes estavam em número menor. O jogo fluiu com timidez, pois a exposição

era maior pelo fato de ter menos pessoas. A ideia sobre inferioridade do sujeito negro veio à

tona em uma prática realizada com o teatro-notícia, a partir da utilização da vertente sobre

Teatro-Jornal, onde situações cotidianas, retiradas de jornais de papel, internet e WhatsApp,

foram colocadas em cena, mostrando o lado do opressor e do oprimido. Em um dado momento,

abriu-se para discussão com os outros poucos alunos. A opinião de cada aluno faria com que o

desfecho da cena fosse realizado.

Figura 19: Estudantes no exercício: “Quem é o sujeito preso no Brasil?”. Foto de Susie Barreto

A solução foi apresentada pelos próprios alunos, que tão logo seriam colocados na

posição de atores. Temas como “Quem é o sujeito preso no Brasil?”, “Qual a cor do sujeito ao

qual você tem medo ao atravessar a rua?” foram introduzidos e manipulados pelos próprios

alunos, os quais também desenvolveram ideias semelhantes uns dos outros. Algumas ideias

estavam de contexto, mas trouxeram reflexão para o todo.

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Figura 20: Estudantes da oficina II no momento do jogo. Foto de Susie Barreto

Na Oficina III, os alunos apreciaram e analisaram questões levantadas através dos jogos

de Augusto Boal, especialmente voltadas para o Teatro-Jornal, mostrando discernimento (ainda

limitada, porém, já timidamente avançada) sobre a importância da consciência negra na escola

e na sociedade.

Figura 21: Estudantes na oficina III no jogo Quem sou Eu? Foto de Thiago Bellargo

Nessa oficina para o Ensino Médio, instaurou-se a dúvida, pois uma expressiva

porcentagem não reconhecia a cultura brasileira refletida na cultura africana. Não

compreendiam o porquê da diferença entre afro-brasileira e africana. Dentro disso, mostravam

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que o discurso sobre esse reconhecimento seria necessário, pois levantavam a máxima

“vivemos em um país miscigenado...”.

São oficinas com características diferentes, com demandas diferentes e outras estruturas

mentais, exigindo trabalho específico para cada uma delas. Como foi visto e evidenciado, não

há possiblidade de aplicação de um método para todas as demandas inseridas nesse processo,

pois trata-se de um público heterogêneo. É coerente perceber como cada oficina cria corpo

diante das pessoas que nelas estão. Por isso, pode-se dizer que o processo de aprendizagem que

o teatro oferece é totalmente particular, cada grupo adquire o seu. Mesmo que cada grupo

possua heterogeneidade em sua essência, em uma visão geral, cria-se um corpo intelectual único

por oficina.

3.6 A crise

Na oficina/workshop para o Ensino Médio, com a utilização do jogo teatral “Quem sou

eu?”, foi levantada a ideia de que alguém teria tratamento diferenciado, quando entrasse em um

restaurante, pelo fato de ter o tom de pele escuro. Surgiram comentários do tipo: não há

diferenças; não é necessário apontar como racismo, visto que todos são iguais. Essa postura dos

alunos (uma parcela, em torno de 8) fez com que a dúvida sobre os ensinamentos ali

apresentados fosse sanada.

Onde os alunos criaram esse discurso? Quais profissionais interferiram na criação dessa

postura? Acredita-se que todo discurso é formado através do convívio com a família, com a

escola e com as mídias sociais, além das mídias televisivas. Logo, faz-se necessário dar crédito

aos conceitos do senso comum em torno da definição de raça. É surpreendente que essa

problemática tenha sido levantada no momento do jogo teatral, servindo como ponto norteador

para a discussão. A cena levantada, com o intuito real de discussão, gerou desconforto no início,

pois não era possível saber se a postura era natural e se estava tudo ok com a sociedade, e tão

pouco se esse pensamento reducionista sobre a cultura negra seria modificado. Porém, a

interação com outros estudantes, que também possuíam ideias sobre o reconhecimento da

cultura afro-brasileira, fez com que, de uma maneira ou de outra, a socialização se tornasse um

ponto importante, principalmente em ambiente de jovens que estão em período escolar, em uma

periferia.

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3.7 Realização das oficinas

Nas três oficinas realizadas foram feitas diagnoses para perceber o ponto para o qual os

alunos se direcionavam, e sondar quais interesses e comportamentos. A ideia original era saber

como se comportavam diante das temáticas negras e o que deveria ser feito para gerar discussão

e posterior estímulo, através do senso crítico criado ali. A partir disso, algumas estratégias

foram traçadas, dentro do avaliado em cada turma.

Por exemplo, na Oficina I, formada por alunos e alunas pré-adolescentes, os primeiros

jogos teatrais realizados foram introduzidos após a realização do mapa mental (Quem sou eu?).

Essa atividade sugeria que fossem anotadas no papel características pessoais. Em um primeiro

momento, focou-se nas características primárias, entendidas como “qualidades” de cada aluno.

Posteriormente, os alunos traçaram características “negativas” e sobre etnia.

A Oficina II trouxe a possibilidade de trabalho através dos jogos propostos por Augusto

Boal, conectados com a construção de personagens pelos próprios alunos. Primeiramente, a

ideia levantada foi sobre a criação das personagens com características próprias: alunos com

1,77cm transferiam essa característica para o corpo físico de sua personagem, com o desejo de

levantar a imagem de acordo com que se é, naturalmente. Após isso, esses personagens

interagiam através de situações apresentadas e inseridas no Teatro-Jornal (Notícias) e, algumas

vezes, no Teatro-Fórum.

Na oficina III, voltada para alunos do Ensino Médio, a problemática levantada foi acerca

da máxima do dramaturgo inglês Shakespeare: “Ser ou não ser?”, cujo intuito era entender o

que já era sabido pelos próprios estudantes e apresentar-lhes novos conceitos a respeito da

cultura afro-brasileira e africana. Como entender que as pessoas são parte, diretamente e

indiretamente, da manutenção da cultura afro-brasileira no nosso ambiente escolar?

Temas atuais da internet foram colocados na roda. Essa ideia perpassada pelo

questionamento clássico de Shakespeare e jogos que rementem à ideia de reconhecimento da

identificação, fez com que os alunos discutissem entre si os entraves da identificação, a

problemática das pessoas que se identificam e se mostram como simpatizantes da cultura negra,

e outros tópicos que são recorrentes, como racismo, preconceito e injúria racial.

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3.8 Modelo de questionário destinado aos alunos das Oficinas I e II

1) Os professores trabalham com teatro nas aulas de Arte?

( ) Sim ( ) Não

2) De forma resumida, como você classifica o teatro?

( ) Desconheço ( ) Não gosto ( ) interessante ( ) Muito Interessante

3) Você já assistiu a uma peça de teatro?

( ) Sim ( ) Não

4) Onde se deu esse contato com o teatro?

( ) Comunidade ( ) Na escola ( ) Teatro

5) Quantas peças de teatro você já assistiu?

( ) Nenhuma ( ) 1 a 2 no máximo ( ) 2 a 5 ( ) 5 a 10 ( ) Mais de 10

6) Você assiste ao teatro:

( ) Porque gosta ( ) Por incentivo dos pais ( ) Porque a professora de arte promove

atividades envolvendo teatro ( ) Porque a escola incentiva

7) Você se considera negro?

( ) Sim ( ) Não ( ) Não sei

8) Você conhece a cultura africana?

( ) Sim ( ) Não

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3.9 Oficinas na Universidade de Brasília13

3.9.1 Oficina 1

A Oficina I foi realizada no departamento de Pedagogia da Universidade de Brasília –

UnB, no dia 21 de novembro de 2017, das 14h às 18h. A turma tinha 27 estudantes, sendo 26

mulheres e um homem. Os participantes eram jovens adultos, em média com 20 a 30 anos,

todos estudantes do curso de Pedagogia dessa mesma universidade.

Gráfico 4: Oficina I na UnB

Em um primeiro momento, foi dada uma introdução sobre o trabalho do professor João

de Camargo Pimentel nas escolas do Gama/DF. O professor atua junto ao Ensino Fundamental

II, com alunos de 11 a 16 anos. Foi falado sobre o trabalho na sala de aula com esses futuros

professores e também sobre a implementação das políticas de Ciclos nas Escola Públicas do

DF. Em seguida tiveram início as atividades práticas. Tais atividades eram voltadas para o dia

da Consciência Negra, visto que foi realizada um dia após o dia 20 de novembro.

13 Realizadas nos dias 20 e 21 de novembro de 2017.

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- Atividade baseada no Sociodrama.

No quadro da sala foi anotado um conjunto de dados sobre os atores sociais negros que

as alunas e os alunos conheciam. Os dados faziam referência a: ator, atriz, intelectual, músico,

apresentador, político, pensador, entre outros questionamentos a respeito de personalidades

negras. Havia variação entre um tópico e outro, como, por exemplo, no campo da música, em

que houve mais nomes citados, brasileiros e internacionais, que são referências para os alunos

e alunas. Entre os exemplos estavam Beyoncé, Nina Simone, Negra Li, Thiaguinho, etc. Já o

tópico com menos pessoas citadas foi o de político e pensadores.

Feito isso, partiu-se para uma discussão a respeito de o porquê existirem poucos nomes

nessas categorias, visto que quando se pensava em música, por exemplo, muitos nomes que

vinham à cabeça eram de artistas brancos.

- Teatro Imagem

O aquecimento foi feito com as pessoas caminhando pela sala e se “reconhecendo”.

Primeiro de forma mais lenta e, depois, com mais intensidade. Os estudantes foram divididos

em três grupos e cada grupo teve a explicação sobre o que é Teatro Imagem. Após isso, foi dado

o incentivo para que cada grupo elaborasse uma cena não verbalizada sobre o tema racismo.

Cada grupo teve, em média, 15 minutos para criarem a cena.

As apresentações começaram e, em um dado momento, pediu-se para CONGELAR.

Esse seria o ponto da imagem criada para evidenciar o tema racismo. No final de cada cena, o

grupo manteve-se em pé e o restante da turma informou o que havia visto na apresentação, suas

impressões gerais. No fim, o grupo que se apresentou por último mostrou seu ponto de vista.

Foram destacadas situações de racismo no ônibus, no elevador, no restaurante.

Os três grupos participaram do jogo e, logo após, partiram para o debate. O debate foi

feito a respeito do jogo em geral. Os grupos discutiram sobre as limitações, as facilidades, os

porquês e as estratégias criadas.

- Cartas

Em um segundo momento, foi realizada uma dinâmica com figuras de orixás. Cada

estudante recebeu uma figura (carta de baralho) que representava um orixá. Na carta havia o

nome de cada um. Cada estudante tinha a função de atribuir uma característica a cada orixá,

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80

conforme fosse conhecido (bondoso, rápido, cuida da natureza). Diante disso, foi falado

anonimamente a característica de cada orixá, e à medida que era revelada a característica, cada

aluno e aluna sugeria que se tratava do orixá sobre o qual estava com a carta na mão.

No fim, os estudantes foram estimulados a criar uma imagem, todos juntos, sobre o que

foi discutido em sala de aula. Todos se reuniram e montaram corporalmente a imagem de uma

árvore.

Figura 22: Estudantes de Pedagogia da UnB na composição da Partitura Corporal. Foto: Paulo Bareicha

Figura 23: Estudantes de Pedagogia Foto de Paulo Bareicha

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Figura 24: Estudantes da UnB, da Oficina I, na composição do Teatro Imagem. Foto: Paulo Bareicha

3.9.2 Oficina II

A Oficina II foi realizada no departamento de Pedagogia da Universidade de Brasília –

UnB, no dia 22 de novembro de 2017, das 19h às 22h30. A turma tinha, em média, 25 alunos,

todos estudantes do curso de Pedagogia dessa mesma universidade.

Gráfico 5: Oficina II UnB

Em um primeiro momento, foi dada uma introdução sobre o trabalho do professor João

de Camargo Pimentel nas escolas do Gama/DF. O professor atua junto ao Ensino Fundamental

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82

II, com alunos de 11 a 16 anos. Foi falado sobre o trabalho na sala de aula para estes futuros

professores e também sobre a implementação das políticas de Ciclos nas Escola Públicas do

DF. Em seguida tiveram início as atividades práticas. Tais atividades eram voltadas para o dia

da Consciência Negra, visto que foi realizada um dia após o dia 20 de novembro.

No quadro da sala foi anotado um conjunto de dados sobre os atores sociais negros que

as alunas e os alunos conheciam. Os dados faziam referência a: ator, atriz, intelectual, músico,

apresentador, político, pensador, entre outros questionamentos a respeito de personalidades

negras.

Houve variação entre um tópico e outro. Por exemplo, no campo da música houve mais

nomes citados, brasileiros e internacionais, que são referências para os alunos e alunas, como

Beyoncé, entre outros, muito parecida com a oficina do dia anterior.

Após essa atividade, partiu-se para uma discussão a respeito de o porquê existirem

poucos nomes nessas categorias, visto que quando se pensava em música, por exemplo, muitos

nomes que vinham à cabeça eram de artistas brancos.

- Teatro Imagem

O aquecimento foi feito com as pessoas caminhando pela sala e se “reconhecendo”.

Primeiro de forma mais lenta e, depois, com mais intensidade. Foi colocada uma garrafa d’água

no centro do círculo formado. Pediu-se que imaginassem que aquilo fosse qualquer coisa,

menos uma garrafa d’água. Esse jogo foi baseado no Teatro do Oprimido e intitula-se “Isto não

é uma garrafa”. O objeto foi trocado e substituído por um pincel atômico, depois por uma

mochila e, assim, esses objetos tomaram outras formas, com outros significados. Alguns alunos

não participaram, mas olhavam fixamente para o objeto e para as pessoas que jogavam.

Os estudantes foram divididos em três grupos e cada grupo teve a explicação sobre o

que é Teatro Imagem. Após isso, foi dado o incentivo para que cada grupo elaborasse uma cena

não verbalizada sobre o tema racismo. Cada grupo teve, em média, 15 minutos para criarem a

cena.

As apresentações começaram e, em um dado momento, pediu-se para CONGELAR.

Esse seria o ponto da imagem criada para evidenciar o tema racismo. No final de cada cena, o

grupo manteve-se em pé e o restante da turma informou o que havia visto na apresentação, suas

impressões gerais. No fim, o grupo que se apresentou por último mostrou seu ponto de vista.

Foram destacadas situações de racismo no ônibus, no elevador, no restaurante.

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83

Os três grupos participaram do jogo e, logo após, partiram para o debate. O debate foi

feito a respeito do jogo em geral. Os grupos discutiram sobre as limitações, as facilidades, os

porquês e as estratégias criadas.

- Cartas

Em um segundo momento, foi realizada uma dinâmica com figuras de orixás. Cada

estudante recebeu uma figura (carta de baralho) que representava um orixá. Na carta havia o

nome de cada um. Cada estudante tinha a função de atribuir uma característica a cada orixá,

conforme fosse conhecido (bondoso, rápido, cuida da natureza). Diante disso, foi falado

anonimamente a característica de cada orixá, e à medida que era revelada a característica, cada

aluno e aluna sugeria que se tratava do orixá sobre o qual estava com a carta na mão.

Alguns alunos reconheceram os orixás, mas outros não. Muitos estavam abertos a

conhecer esse elemento da cultura negra e a dialogar sobre, trazendo exemplos reais. Já outros,

em parcela menor, não se dispuseram a participar, por algum motivo ou outro.

Figura 25: Estudantes de Pedagogia da UnB na composição do jogo do Teatro Imagem.

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Figura 26: Estudantes de Pedagogia na composição do Teatro Imagem.

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Figura 27: Foto de João Camargo Pimentel

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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86

O teatro chega ao seu maior grau revolucionário

quando o próprio povo o pratica, quando o povo

deixa de ser apenas o inspirador e o consumidor

para passar a ser produtor.

(Augusto Boal)

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87

O teatro está ligado ao conhecimento que cada pessoa tem sobre si mesma, sobre o que

a cerca e como ele pode funcionar enquanto instrumento de reflexão do meio. Na escola, o

teatro está ligado ao processo de aprendizagem, que envolve a espontaneidade e que acontece

nos jogos dramáticos, através da imaginação e criatividade praticada pelos estudantes e pelas

estudantes. Ao tratar do estudante negro e da estudante negra, o papel dos jogos teatrais e

dramáticos é um agente potencializador da consciência do sujeito sobre sua própria

individualidade, enquanto negro e negra, como um elemento criador da cultura brasileira.

Trazer à luz a necessidade da afirmação do próprio sujeito em relação à sua identidade,

que se dá através da vivência de suas culturas e de culturas que estão em volta, é uma tarefa

complexa, pois trata-se de habitar em campos hostis, em lugares que não são comuns da fala do

próprio sujeito. Assim, considerando que convidar os outros sujeitos para definir a identidade

do outro, do outro individuo, não é uma tarefa tão fácil, trazer essas pessoas para esses lugares,

requer precisão nos procedimentos, nas falas, nas maneiras. A maneira encontrada é o teatro.

Nesse âmbito, a modalidade dos jogos teatrais e jogos dramáticos exploram de forma

muito particular a experiência e o discurso de cada um. Assim como o sociodrama, que engole

os estudantes e as estudantes a partir de suas próprias vivências, os mapas mentais também

revelam quais são os conceitos arcaicos e/ou evoluídos que muitos estudantes têm.

Falar do negro na escola e dentro de um processo teatral, a partir dos jogos dramáticos

e jogos teatrais, traz a necessidade de falar sobre o TEN. Esse grupo auxiliou na formação de

muitos cidadãos dentro de seus processos teatrais. Essa ligação foi feita justamente com o

ambiente de sala de aula. O teatro produzido e experenciado na escola também carrega essa

importante característica de formação do cidadão.

Ao falar do cidadão negro, a produção feitas por estes traz legitimidade para o seu

discurso. Pensar em Teatro Negro no Brasil não é referendar apenas Abdias do Nascimento e o

TEN, mas é pontuar “o Teatro Experimental do Negro não como uma origem, mas como um

objeto originário que, apesar de todas as suas contradições internas, conseguiu, num

determinado intervalo temporal, descompor as cortinas do palco brasileiro” (MARTINS, 1995,

p. 77). Dessa forma, o TEN aponta para onde se deve ir, o que deve se fazer. Pode-se pensar

que o negro, em seu ambiente escolar, também ressurge como cidadão, pois além de aprender

pelos processos pedagógicos instituídos pela escola, o sujeito busca a experiência em si mesmo

e ressignifica suas origens, pensamentos, consigo e com os outros.

Ponderar que o racismo, preconceito e discriminação têm origem dentro das famílias faz

parte de um pensamento inicial, pois no seio familiar estão inseridos vários conceitos que já são

petrificados há décadas. Mas não é somente essa a origem do racismo, do preconceito de

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qualquer tipo e da manutenção. A família, aqui, não é culpada, pelo contrário, deve ser vista

como ambiente propício à discussão, ao encantamento, ao diálogo, às ações e aos

procedimentos que trazem outros significados às pessoas, especialmente às pessoas que fazem

parte de uma cultura negra na sociedade. É perceptível que tanto a família, quanto a própria

escola são lugares que fazem manutenção do racismo, do preconceito e da discriminação, não

só por parte dos alunos, mas principalmente pela ação de alguns professores que, direta ou

indiretamente, praticam essa manutenção. Por ingenuidade, falta de capacitação, propagam a

manutenção desses três males que prejudicam todo o processo de aprendizagem na escola.

E o teatro, é o redentor de todas as coisas na escola? A resposta é não. O teatro é um

grande formador, é uma boa saída e um bom caminho para quem precisa mudar, dar outro

significado aos conceitos, principalmente no que diz respeito à negritude. Contudo, se utilizado

sem propósito, como apenas uma ferramenta, não passará de uma diversão. O processo teatral

não deve ter um fim em si mesmo. É um processo de contínua reorganização, reconstrução e

transformação da vida, assim como o processo educativo. Ademais, o resultado é lento, é degrau

por degrau. Não é instantâneo. Constata-se que o que é produzido (e trabalhado) em um jogo

teatral ou jogo dramático, em um determinado dia, pode refletir em algo bom somente daqui a

alguns anos.

Ressignificar quer dizer encontrar novo significado através dos significados já

existentes. Fazer isso na sala de aula, tendo como instrumento vital o teatro, é um trabalho

gradual. No mesmo momento que é necessário caminhar degrau por degrau, deve-se contar com

as interrupções também. O fato de não ter espaços incríveis para a realização das aulas e oficinas

não é um fator determinante para sua desistência, mas faz com que o trabalho seja redobrado.

Os contras-discursos dos próprios colegas professores em relação à cultura negra na escola e

também em relação à arte são considerados como interrupções, impedimentos. Porém, a

vontade de fazer vem dos estudantes e das estudantes.

Como professor de arte, também observo a vontade de lutar, de transgredir. Logo, é

plausível que os obstáculos e impedimentos já estejam incluídos no cronograma. É preciso

contar com o salto negativo que existe na produção: nas evasões, nos descontroles, na falta de

compromisso. É necessário que a vontade de outras pessoas não seja igual necessariamente à

sua vontade. Os tempos são diferentes, porém, em um processo de formação de interesse, ajusta-

se o que for preciso para que a aprendizagem ocorra junto com a professora/o professor e o

estudante, ao mesmo tempo. É necessário fazer com que o indivíduo encontre o seu verdadeiro

interesse, que é quando esse sujeito encontra o seu próprio bem-estar ligado ao desenvolvimento

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de uma atividade para o seu próprio fim. À medida que a atividade progride, progride o objeto

da ação e progride o indivíduo satisfeito com o seu desenvolvimento.

Um dos elementos mais importantes da interferência da escola na formação da

identidade da criança negra é a figura do professor. Com efeito, as mudanças poderão ter início

a partir da prática do docente. Apesar disso, ressalta-se a pouca capacitação do meio docente

quanto ao tema, bem como a limitação das escolas, que não utilizam novas didáticas para

trabalhar a inclusão da cultura afrodescendente e valorização das origens e diferenças.

As estudantes e os estudantes negros que se sentem desqualificados diante de um

sistema educacional que apresenta uma imagem distorcida deles próprios poderiam vivenciar

uma nova perspectiva a partir de ações afirmativas. Este trabalho não discorda que a discussão

sobre racismo, preconceito e identidade dos estudantes e das estudantes negras tem acontecido

de forma mais sistemática, principalmente com a Lei nº 10.639/03 e outras políticas públicas,

mas a prática deve ser revista e continuada, sobretudo nas escolas aqui mencionadas.

Diante do exposto, afirma-se, portanto, que a escola ainda é um ambiente que oferece

defasagens e desajustes ao estudante negro, os quais impedem de fornecer elementos para a

formação de sua identidade e para a sua mudança de paradigma. A mudança deve surgir do

professor e também dos alunos. Não deve ser unilateral.

Esta pesquisa me mudou, muito. Dialogar com pessoas com experiências próximas a

minha, trouxe novos significados para mim, sobretudo em relação ao que é ser negro e em

relação à arte. A semente plantada talvez brote um dia. Os estudantes e as estudantes foram

tocados (as) agora. A mudança não é repentina, ela vai acontecendo, quando aliadas a outras

experiências na escola. Vai se construindo e moldando a sua identidade. O sujeito na escola

pública, especialmente nesse universo criado para esta pesquisa, pode já ter criado seu discurso

a partir dos jogos teatrais e dramáticos em que participou, pois trouxeram novas visões para

essas pessoas. Agora, falar sobre mudança imediata fica a dúvida. Penso na redenção de cada

sujeito, de cada identidade, mas, certamente, essa redenção é redescoberta a partir do tempo e

com ações sobre ela.

Sabe-se que não somente as políticas sociais instituídas têm força para mudar a visão

sobre a cultura negra nas escolas. É necessário buscar sempre a interação com o saber científico,

visando ao entendimento da raiz dos problemas, através de seu histórico. Esta pesquisa é um

dos exemplos entre vários que busca entender o porquê da diferenciação. Entender a mudança

a partir do teatro. Os estudantes identificados com seu coletivo, refletindo as relações opressor-

oprimido, promovem uma discussão que permeia o enredo e o conflito de cada estudante e

personagem reverberado no processo identitário dos mesmos.

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Os jogos teatrais oportunizam essa vivência, sugerindo a reflexão das identidades do

estudante negro e da estudante negra no ambiente escolar. Sabe-se que um dos caminhos de

fortalecimento da identidade e da sua alteridade é a arte. As manifestações artísticas são livres

expressões, o que contribui para o desenvolvimento do indivíduo ao proporcionar a

transposição do processo de aprendizagem para a vida diária.

Dentre as dificuldades encontradas, que foram impedimentos para uma discussão fluida

sobre a formação da identidade, estão as construções ideológicas dos outros meios em que os

alunos e alunas vivem. Essas construções influenciam diretamente na visão dos discentes sobre

o que é ser negro e sobre o que tudo isso traz consigo.

Como se dá o processo de formação da identidade do sujeito negro na escola? Esse

processo se forma de modo quase invisível e logo se desfaz, pois é bombardeado por ações

agravantes, como o racismo entre os alunos e alunas, e o preconceito. Nesse caso, o que mais

chama atenção é o racismo praticado por alunos negros contra outros negros. Realmente, muitos

não têm consciência do peso que a prática racista causa nos outros. Mas dá para entender:

agredir o outro com o racismo, com xingamento ou ações para denegrir, é uma maneira de

escapar do peso de ser negro. O outro pode sofrer tudo que é pertencente ao negro, mas o próprio

agressor, mesmo sendo negro, nunca se põe nesse lugar de irmandade. Já em relação às

meninas, estas não se colocam no lugar onde há sororidade.

É percebido que há mecanismos para que haja a conscientização do corpo docente nas

escolas, para que haja possibilidade de realizar ações em torno da temática da cultura afro-

brasileira e africana, conforme a Lei nº 10.639/03 institui. Isso é fato. Porém, conforme foi

evidenciado aqui, há a falta de capacitação dos profissionais para abordar o assunto. A escola

não abre espaço para a produção de diferenças identitárias, pois o cotidiano escolar ainda é

marcado pela discriminação racial.

As políticas públicas existem, mas a construção de uma educação antirracista ainda é

um sonho. Aliás, um ponto negativo que foi identificado após a realização desta pesquisa foi a

dificuldade de diálogo entre os colegas professores. Cada um tem sua ideia, ideologia e

vivência, muitos não se permitem ser tolerantes ou conversar ou estar abertos às diferenças.

Como ficam os jogos teatrais, dramáticos e teatro do oprimido dentro desse contexto?

Sim, é uma forma de tentar contornar toda essa situação de agressividade que há na escola

pública (generalizo, pois, certamente, esse é um problema nas escolas em geral). Os jogos

trazem as discussões, traz a interação, faz exercitar. Contudo, ainda falta muito para chegar em

um ambiente onde tenha a consciência negra. Ainda bem que existem as ações do Teatro do

Oprimido, o Jogo Teatral e Dramático.

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O ponto positivo é a abertura de diálogo com os estudantes. Deixar os estudantes em

um ambiente propício ao diálogo e ao debate é de suma importância para que a chama não se

apague, apesar de todos os agravantes que vão contra a possibilidade de afirmação da identidade

do sujeito negro na escola pública.

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ANEXOS

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ANEXO 1: Modelos de jogos do Fichário de Viola Spolin

Segue abaixo os modelos de jogos do Fichário de Viola Spolin, utilizados nas oficinas

do Ensino Fundamental e adaptados para a proposta de cada oficina.

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ANEXO II: Vida e obras de Augusto Boal

Desde criança, Boal escrevia, ensaiava e montava suas próprias peças nos encontros de

família. Sua formação em Engenharia Química torna-se paralela à pesquisa, à criação de textos

teatrais lidos e comentados por Nelson Rodrigues. Estuda na Columbia University com John

Gasner e assiste às montagens do Actor’s Studio. Em 1956, volta ao Brasil a convite de Sábato

Magaldi e Zé Renato para dirigir o Teatro de Arena de São Paulo. O grupo provoca uma

revolução estética no teatro brasileiro nos anos 50 e 60. Através do Seminário de Dramaturgia,

do Laboratório de Interpretação e das diversas montagens, o Teatro de Arena contribui

vigorosamente para a criação de uma dramaturgia genuinamente brasileira.

A partir 1964, a Ditadura Militar inicia a perseguição a todos os indivíduos e grupos de

artistas com preocupações sociais e políticas. Em 1968, vem o AI-5 que aperta ainda mais o

cerco. Em 1970, O Núcleo Dois do Arena inicia os primeiros experimentos do Teatro-Jornal, o

embrião do Teatro do Oprimido. Em fevereiro de 1971, Augusto Boal é preso, torturado e

exilado. Passando a residir na Argentina, de 1971-1976, dirige o grupo “El Machete” de Buenos

Aires e monta, de sua autoria, “O Grande Acordo Internacional do Tio Patinhas”,

“Torquemada” (sobre a tortura no Brasil) e “Revolução na América do Sul”, iniciando intensas

viagens por toda a América Latina, onde começa a desenvolver novas técnicas do “Teatro do

Oprimido”: Teatro-Imagem, Teatro-Invisível e Teatro-Fórum.

Em 1976 muda-se para Lisboa, onde dirige o grupo “A Barraca”. Dois anos depois é

convidado para lecionar na Université de la Sorbonne-Nouvelle. Em Paris, cria o Centre du

Théatre de l´Opprimé-Augusto Boal, em 1979. Trabalha em muitos países europeus e

desenvolve as técnicas introspectivas do Teatro do Oprimido: o Arco-Íris do Desejo. Antes de

regressar definitivamente ao Brasil, monta no Rio de Janeiro “O Corsário do Rei” (de sua

autoria, letras de Chico Buarque, música de Edu Lobo) e “Fedra” de Racine, com Fernanda

Montenegro. A convite do então Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro, professor

Darcy Ribeiro, Boal volta ao Brasil em 1986 para dirigir a FÁBRICA DE TEATRO

POPULAR. O objetivo era tornar a linguagem teatral acessível a todos, como estímulo ao

diálogo e à transformação da realidade social. Ainda em 1986, junto com artistas populares,

cria o Centro de Teatro do Oprimido – CTO, para difundir o Teatro do Oprimido no Brasil. No

CTO-Rio, desenvolve projetos com ONGs, sindicatos, universidades e prefeituras. Em 1992,

candidata-se e é eleito vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo PT (Partido dos

Trabalhadores), para fazer Teatro-Fórum e, a partir da intervenção dos espectadores, criar

projetos de lei: é o Teatro Legislativo. Após transformar o espectador em ator com o Teatro do

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Oprimido, Boal transforma o eleitor em legislador. Utilizando o Teatro como Política, em

Sessões Solenes Simbólicas, encaminha à Câmara de Vereadores 33 projetos de lei, dos quais

14 tornam-se leis municipais, entre 1993 a 1996.

A partir de 1996, fora da Câmara dos Vereadores, Boal e o CTO seguem na consolidação

do Teatro Legislativo Em 1998, conseguem o apoio da Fundação Ford, para a criação de grupos

comunitários de Teatro do Oprimido. Boal também realizou diversas Sessões Solenes

Simbólicas, de Teatro Legislativo, no exterior: no “Great London Council” – Londres, com a

participação de escritores como: Lisa Jardine, Tarik Ali, Paul Heller e advogados dos Tribunais

de Londres; em Bradford, na Câmara Legislativa da cidade, sobre questões relativas aos

portadores da Síndrome de Down; na Sala da Comissão de Justiça do Rathaus (Prefeitura) de

Munique, com apoio da Sociedade Paulo Freire.

Em 1999, transforma a ópera “Carmem” de Bizet em SAMBÓPERA, uma experiência

inovadora que traduziu as músicas originais para ritmos genuinamente brasileiros. Carmem

ficou em temporada no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. Em julho de 2000,

estreou em Paris. Em 2001, “La Traviata” é montada também como SAMBÓPERA e faz

circuito no Rio de Janeiro. Sua mais recente pesquisa é a Estética do Oprimido, programa de

formação estética que integra experiências com o SOM, PALAVRA, IMAGEM e ÉTICA.

A Estética do Oprimido tem por fundamento a crença de que somos todos melhores do

que pensamos ser, e capazes de fazer mais do que aquilo que efetivamente realizamos: todo ser

humano é expansivo. Augusto Boal é autor de diversas obras literárias lançadas nos mais

diversos idiomas, além de colecionar um arsenal extraordinário de prêmios e honrarias. A

principal criação de Augusto Boal, o Teatro do Oprimido, é hoje uma realidade mundial, sendo

a metodologia teatral mais conhecida e praticada nos cinco continentes. Augusto Boal faleceu

no dia 02 de maio de 2009, no Rio de Janeiro.

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ANEXO III: Teatro Fórum

Para Boal (1982, p. 27), “o teatro chega ao seu maior grau revolucionário quando o

próprio povo o pratica, quando o povo deixa apenas de ser o inspirador e o consumidor para

passar a ser produtor”. Nesta perspectiva, é necessário fazer o público participar da ação e da

construção da cena com plena consciência dela. O Teatro Fórum então desta necessidade, em

que a plateia consciente se posiciona e interfere na cena de forma a alterar sua estrutura de ações

e a partir desta interferência constrói outra cena que corresponda ao mundo que espera ver.

Para que o Teatro Fórum aconteça é necessário ter um texto com uma ideia (temas

sociais bem definidos) de interesse dos espect.-atores, em que os personagens sejam bem

caracterizados quanto a sua natureza; a peça pode ser de qualquer gênero ou forma, com

exceção do surrealista ou irracional, pois o objetivo do Teatro Fórum é discutir situações

concretas e a solução apresentada pelo protagonista deve ter pelo menos uma falha politica ou

social que deve ser expressa claramente.

A estrutura do Cena-Fórum e suas regras:

O Teatro Fórum, segundo Boal, é um jogo entre espect-atores e atores, cujas regras

devem ser respeitadas, visto que são essenciais para se alcançar o resultado esperado, ou seja,

para que uma discussão profunda possa surgir.

- A peça deve conter um conflito a debater e uma opressão a resolver.

- Antes das intervenções da plateia (espect-atores), a peça deve ser apresentada de forma íntegra

(começo, meio e fim).

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ANEXO IV: Imagens gerais das oficinas

Figura 28: Oficina Ensino Médio

Figura 29: Roda de conversa Oficina I Ensino Fundamental

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Figura 30: Jogo Dramático com estudantes do 6° ano no CED 8 do Gama. Jogo-ação sem verbalizar

Figura 31: Jogo Teatral “Eu no futuro” com estudantes do 6° ano no CED 8 do Gama

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Figura 32: Estudante Rafael no Jogo “Eu no Futuro”

Figura 33: Estudante Victor no Jogo Teatral “Eu no Futuro”

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Figura 34: Aluna do Ced 8 em Jogo Teatral

Figura 35: Jogo teatral em sala de aula

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Figura 36: Performance Rainha Negra CEF 03.

Figura 37: Quem é o sujeito negro no Brasil, alunos Oficina I

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Figura 38: Releitura da obra Os Operários, de Tarsila do Amaral, com foco no debate sobre mestiçagem. Alunos

CEF 03

Figura 39: Exemplificando Jogo Teatral sobre autoapresentação

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ANEXOS IV: Mapa mental

O mapa mental é uma técnica utilizada com o intuito de facilitar o aprendizado e ajudar

na memorização. Basicamente envolve um diagrama que representa ideias relacionadas a uma

palavra-chave. Muitas pessoas não conhecem e nem imaginam o quanto o mapa mental pode

facilitar o seu dia a dia. A técnica é útil para várias finalidades e o mapa mental pode ser feito

apenas com palavras ou misturar palavras e desenhos. A ideia é incluir elementos de forma

intuitiva e que façam parte da sua experiência, sem incentivo de outros, fazendo com que se

relacionem a um assunto principal.

Criado por Tony Buzan, um psicólogo e escritor inglês, a técnica foi desenvolvida com

base no funcionamento do nosso cérebro. Pesquisas confirmam que essa forma de aprendizado

é bastante efetiva, pois nosso cérebro memoriza pequenas partes de informação. E geralmente

relaciona a outro tema, criando conexões. Ou seja, criamos nosso próprio mapa mental dentro

de nossa cabeça.

Toda a informação é colocada de forma sintetizada, através de desenhos ou palavras

chave. Inclusive ele funciona como uma ponte entre o que está ali desenhado e a sua mente.

Figura 40: Realização do Mapa Mental com parte do aluno da oficina IL

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Estilos de mapas mentais produzidos pelos alunos das oficinas I e II.

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Modelo de chamamento para a oficinas

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ANEXOS V: Imagens das escolas

Figura 41: CEF 05 do Gama. Google Maps

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ANEXO VI: Dados adicionais sobre Gama-DF

Aumento populacional

Em relação a 2013, houve um aumento de 2,54% na taxa média de crescimento anual

da população, número maior que todas as outras cinco localidades pesquisadas em 2015 —

Recanto das Emas (2,24%), Brazlândia (1,13%), Planaltina (1,08%), Paranoá (1,91%) e Santa

Maria (0,97%). Em outras palavras, ao longo desses dois anos, 6.953 pessoas passaram a morar

no Gama. O setor de serviços é o responsável pela absorção da mão de obra, com 94,50% dos

habitantes. De acordo com o diretor de estudos urbanos e ambientais da Codeplan, Aldo

Paviani, a localização geográfica estratégica também pode justificar o crescimento

populacional. “A região do Gama fica a 30 quilômetros do Plano Piloto e é rodeada de uma

periferia que depende dela.”

Bens e serviços

Embora considerada uma região de renda média baixa, o levantamento constatou o

aumento da propriedade de bens e serviços no Gama. O automóvel está presente em 72,78%

dos lares, a internet chega a 71,76% e 53,31% das casas dispõem de TV por assinatura. Em

78,37% das moradias encontra-se televisão de tela plana, e as máquinas de lavar roupa estão

em 80,53%.

Trabalhadores remunerados somam 45,40% dos moradores, 15,72% são estudantes e

7,26%, desempregados. O setor de serviços é a atividade econômica que absorve a maior parte

da mão de obra: 94,50%, com destaque para comércio (26,67%) e serviços gerais (20,68%).

Segundo a Pdad, a renda domiciliar média apurada no Gama foi de R$ 4.445,52, o

correspondente a 5,64 salários mínimos, e a per capita ficou em R$ 1.396,93, ou 1,77 salário

mínimo. As classes com renda mais expressivas são as de dois a cinco salários mínimos

(39,26%) e de cinco a dez (20,88%). Em apenas 3,09% dos lares há moradores com rendimentos

acima de 20 salários mínimos.

As casas representam 80,91% dos domicílios do Gama, e os apartamentos, 17,56%. A

maioria dos imóveis é própria (66,80%) - 83,24% com escritura definitiva. O abastecimento de

água chega a 95,29% das residências, a rede de esgoto atende 91,09%, e o serviço de limpeza

urbana, 95,29%. Todas contam com fornecimento de energia elétrica.

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A análise, baseada em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),

traz informações detalhadas sobre características socioeconômicas da população, trabalho e

rendimento, infraestrutura urbana e condição dos lares, entre outras. A pesquisa foi realizada

por amostragem com 800 entrevistados, em maio e junho de 2015.

Pesquisa realizada no site Codeplan, Economia, G1 e IBGE.

Figuras Explicativas - Censo

Figura 42: Número e percentual de pessoas na população, por raça/cor, segundo a Região Administrativa -

Distrito Federal 2010

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Figura 43: Percentual de negros na população por Região Administrativa – Distrito Federal, 2010

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Figura 44: Percentual da população negra por sexo, segundo a Região Administrativa - Distrito Federal, 2010