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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO FACULDADE DE DIREITO Morgana Rannov Soares BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE E EXECUTORIEDADE DAS SENTENÇAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS: A GARANTIA DOS DIREITOS DAS MULHERES ENCARCERADAS Sarandi 2019

UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDOrepositorio.upf.br/bitstream/riupf/1720/1/SAR2019Morgana Rannov S… · de encarceramento quais sejam, as Regras de Mandela e, principalmente, as Regras

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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO FACULDADE DE DIREITO

Morgana Rannov Soares

BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE E EXECUTORIEDADE DAS SENTENÇAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS: A

GARANTIA DOS DIREITOS DAS MULHERES ENCARCERADAS

Sarandi

2019

Morgana Rannov Soares

BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE E EXECUTORIEDADE DAS SENTENÇAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS: A

GARANTIA DOS DIREITOS DAS MULHERES ENCARCERADAS

Monografia jurídica apresentada ao curso de Direito, da Faculdade de Direito, da Universidade de Passo Fundo, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, sob a orientação da Professora Doutora Gabriela Werner Oliveira.

Sarandi

2019

RESUMO A presente monografia tem o escopo de analisar a viabilidade da aplicação de normas de direito internacional para mulheres encarceradas com a finalidade de amenizar as violações com base nas questões de gênero sofridas no cárcere. Para tanto averígua-se a forma de internalização dos tratados que versam sobre direitos humanos após a Emenda Constitucional 45 de 2004 (EC/45) e como eles influenciam na ampliação do bloco de constitucionalidade aceito pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, será estuda-se a aplicação do controle de convencionalidade como forma de dirimir eventuais conflitos entre esses tratados e as normas domésticas. Outrossim, para compreender a analogia entre casos já submetidos ao crivo da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos e a viabilidade de se submeter situações atinentes especificamente às mulheres presas, realiza-se um estudo sobre a competência e as funções dos órgãos pertencentes ao Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos (SIDH) frente aos direitos humanos femininos conquistados internacionalmente e, principalmente, referidos nas Regras de Bangkok. Esse trabalho se justifica por tratar de um assunto atual e relevante, tendo em vista a constante invisibilização da mulher em situação de prisão o que tende a desvalorar sua dignidade como pessoa humana. Além disso, utiliza-se o método de abordagem dedutivo e o método de procedimento bibliográfico para a elaboração do presente. Por fim, tem-se que a analogia entre os casos da Penitenciária de Urso Branco e do Complexo Penitenciário de Pedrinhas frente à situação carcerária das mulheres presas no Brasil atualmente é não só cabível como necessária, pois existem tantas violações no cárcere feminino quanto aquelas mencionadas nos casos ora referidos sendo que são agravadas pela discriminação de gênero e estigmatização da mulher que acontecem no cárcere.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Mulheres Presas. Tratados Internacionais. Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Bloco de Constitucionalidade.

LISTA DE ABREVIATURAS

ADI: Ação Direta de Inconstitucionalidade ADPF: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental CF/88: Constituição Federal de 1988 CFRB/88: Constituição Federal da República Brasileira de 1988 CIDH: Corte Interamericana de Direitos Humanos CNJ: Conselho Nacional de Justiça CPP: Código de Processo Penal DEPEN: Departamento Penitenciário Nacional DHI: Direitos Humanos Internacionais DUDH: Declaração Universal de Direitos Humanos EC/45: Emenda Constitucional de número 45/2004 ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente HC: Habeas Corpus IDH: Interamericana de Direitos Humanos (pode se referir à Comissão ou a Corte) INFOPEN: Levantamento de Informações Penitenciárias OAB: Ordem dos Advogados do Brasil OEA: Organização dos Estados Americanos SIDH: Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos STF: Supremo Tribunal Federal STJ: Superior Tribunal de Justiça TJ: Tribunal de Justiça TJ/RS: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

AGRADECIMENTOS

Ao encerrar mais uma fase em minha vida acadêmica não poderia deixar de agradecer

à algumas pessoas que foram fundamentais para que eu chegasse até esse momento.

Primeiro agradeço à minha família, meus pais, minha irmã, meu irmão e minha avó

que sempre me disseram que eu seria capaz e que se orgulhavam da minha escolha.

Agradeço também ao meu marido que foi paciente e, quase sempre, compreensivo,

que me incentivou e me deu a mão para que eu pudesse caminhar até essa linha de chegada .

Amor, nós sabemos que você foi essencial para que pudesse encerrar essa fase.

Agradeço também pela amizade e profissionalidade do Dr. Adrew Gustavo de Matos e

da Psicóloga Lenara Zandoná, por terem me auxiliado a continuar acreditando que eu poderia

seguir minha vida com paz na alma.

Sou muito grata por fazer parte dessa Universidade, e por ter conhecido pessoas como

a minha orientadora, Dra. Gabriela Werner Oliveira. Mais que uma professora você foi uma

amiga, desde o início da minha graduação você foi a pessoa que me incentivou a seguir

sempre com minhas ideias e ideais. Mesmo com as pausas que precisei fazer pelo caminho

você me fez crer que era possível. Quando eu achei que não conseguiria, em meio às minhas

lágrimas, você me abraçou e me fez sentir como se eu fosse incrível. Não tenho palavras para

dizer o quanto você foi importante para mim. Obrigada.

Conheci muitas pessoas durante os longos anos de faculdade, agradeço a todas por

tornarem a caminhada mais leve.

Amanda, filha, você chegou e mudou tudo, mas eu preciso te agradecer por me fazer

enxergar a vida de uma forma mais simples, mamãe te ama.

Encerro meus agradecimentos com um aperto no peito pelas incertezas do caminho

que se segue, mas com muita alegria por ter vivido e compartilhado histórias e conhecimentos

com essas pessoas maravilhosas.

Muito obrigada!

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 6

2 APLICAÇÃO DE NORMAS INTERNACIONAIS E O BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE: A RECEPÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS QUE VERSAM SOBRE DIREITOS HUMANOS ................................................................................ 9

2.1 A existência do bloco de constitucionalidade após a EC 45/04 e suas implicações frente às decisões do Supremo Tribunal Federal ............................................................................... 12

2.3 Aplicação do Controle de convencionalidade como forma de resolução de conflitos ... 17

2.4 Análise das funções e competências da Corte e da Comissão Interamericanas de Direitos Humanos ...................................................................................................................... 22

2.5 Direitos humanos femininos construídos sob o amparo do direito internacional ........... 25

3 EFICÁCIA DE TRATADOS E RESOLUÇÕES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS PARA MULHERES PRESAS ............................................................................... 35

3.1 Regras de Mandela e Regras de Bangkok ......................................................................... 35

3.1.1 Breves considerações, em ampla perspectiva, sobre as Regras de Bangkok ........... 38

3.1.2 Exercício da maternidade no cárcere e estigmatização da mulher ............................ 44

3.2 Internalização de tratados e resoluções internacionais de direitos humanos para mulheres encarceradas .............................................................................................................. 48

3.3 A Executoriedade das sentenças da Corte IDH nos casos dos presídios Urso Branco e Pedrinhas: uma analogia à possível intervenção em penitenciárias femininas ..................... 58

CONCLUSÃO............................................................................................................................... 67

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................... 69

6

1 INTRODUÇÃO

A presente monografia jurídica terá o condão de analisar a aplicabilidade de tratados e

normas de direito internacional no âmbito de mulheres encarceradas, tendo em perspectiva a

ampliação do bloco de constitucionalidade brasileiro e a executoriedade das sentenças da

Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Ao longo da história a mulher tem sido constantemente invisibilizada, tal fato não

ocorreu de forma distinta no ambiente carcerário. Contudo, a comunidade internacional

demonstra uma preocupação constante em estabelecer direitos humanos femininos amparados

de forma universal. Por isso o presente trabalho justifica-se pela necessidade de se analisar os

direitos femininos construídos sob o amparo do direito internacional que possuem o escopo de

proteger a mulher presa e que podem ser utilizados para reduzir as maculações perpetradas

pelas ações ou omissões do Estado no sistema carcerário Brasileiro.

Dessa feita, para elaborar o presente estudo utiliza-se o método de abordagem

dedutivo, partindo-se da premissa que a redemocratização ocorrida no Brasil, tendo por base a

Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 na formulação da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, assim como a ratificação constante de tratados

internacionais de direitos humanos. Ainda, será analisado o status diferenciado que esses

tratados recebem ao ingressar no ordenamento pátrio, o que poderá indicar a intenção do

legislador em assegurar e implementar os direitos intrínsecos a pessoa humana, inclusive

daquelas que se encontram em situação de encarceramento. Para que se chegue nessa

possibilidade de implementação será perpassada a competência do Sistema Interamericano de

Direitos Humanos, notadamente, no que diz respeito à competência da Comissão e da Corte

para apreciar violações com base em gênero perpetradas em face das mulheres presas, por

meio de uma analogia com os casos da Penitenciária Urso Branco e do Complexo

Penitenciário de Pedrinhas.

Oportuno mencionar que existem dúvidas acerca da Executoriedade das decisões

proferidas pela Corte e, principalmente, pela Comissão Interamericana de direitos humanos,

tendo em vista que não há no ordenamento pátrio previsão acerca das formas de

implementação dessas decisões. Para entender melhor tal situação serão verificadas duas

hipóteses, a primeira trata da aceitação e construção dos direitos humanos femininos diante da

comunidade internacional, com ênfase na função do SIDH quanto à proteção e garantia desses

direitos. Como cenário para essas análises será considerando o contexto de ampliação do

bloco de constitucionalidade após o advento da Emenda Constitucional nº 45 de 2004.

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A segunda hipótese dará conta da internalização e consequente aplicação das normas

de direitos humanos femininos no sistema prisional brasileiro, bem como da possibilidade

dessas mulheres encarceradas peticionarem à Comissão IDH para obter resultados efetivos

tendo como base casos já submetidos ao SIDH e a executoriedade conferida às sentenças já

proferidas pela Corte IDH.

Dessa forma, a pesquisa ora apresentada se desenvolverá em dois capítulos, no

primeiro serão analisadas as formas de aplicação das normas de direito internacional e a

possibilidade de ampliação do bloco de constitucionalidade após a EC/45. Ainda, será

apreciado o controle de convencionalidade como forma de dirimir conflitos entre normas

domésticas e aquelas advindas de diplomas internacionais que foram ratificados pelo Estado.

Em seguida, serão elucidadas as funções da Corte e da Comissão Interamericanas de

Direitos Humanos, para averiguar se podem interferir na atual situação carcerária feminina

frente às violações nele existentes que vão além da superlotação ou da falta de instalações

adequadas, mas também dizem respeito à perda da identidade e individualidade da mulher

pela simples razão de pertencer ao gênero feminino. Ainda no primeiro capítulo, serão

explanados os direitos humanos femininos construídos sob o amparo das normas de direito

internacional, sem olvidar de recomendações importantes realizadas pela Comissão e pela

Corte em outros casos envolvendo direitos das mulheres, tais como a Lei Maria da Penha,

advinda de uma condenação da Corte.

Já no segundo capítulo, serão analisadas garantias específicas às mulheres em situação

de encarceramento quais sejam, as Regras de Mandela e, principalmente, as Regras de

Bangkok, com ênfase na verificação das Regras das Nações Unidas para o tratamento de

mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras.

Além disso, durante a observação desses direitos será destacado que persiste a

estigmatização da mulher de acordo com o papel social que dela se espera, fato esse

demonstrado por meio da explanação de direitos conferidos à mulher encarcerada sem

considerar sua situação de forma individual, mas sim considerando apenas a existência de

seus filhos como pressuposto para garantias que lhe possam ser conferidas e como razão única

pela qual mereçam proteção.

A partir de então serão analisados dados atuais sobre o encarceramento feminino, para

verificar se existem possibilidades reais de internalização das normas internacionais outrora

ratificadas pelo Estado, assim como será questionada a existência de obrigatoriedade e força

vinculatória nas decisões proferidas no âmbito do SIDH.

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Por fim, far-se-á uma análise acerca da viabilidade da atuação da Corte e da Comissão

interamericanas, não como quarta instância de julgamento, mas sim como um Tribunal

Internacional com competência para assegurar o cumprimento das normas ratificadas pelo

Brasil de forma voluntária, o que será apreciado de forma prática na averiguação da

executoriedade das decisões proferidas nos casos da Penitenciária Urso Branco e no complexo

de Pedrinhas.

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2 APLICAÇÃO DE NORMAS INTERNACIONAIS E O BLOCO DE

CONSTITUCIONALIDADE: A RECEPÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS

QUE VERSAM SOBRE DIREITOS HUMANOS

O primeiro capítulo do estudo que segue inicia-se com uma breve retomada histórica

da afirmação de direitos humanos após a promulgação da Declaração Universal de Direitos

Humanos em 1948 e suas novas concepções com a edição do referido documento. Após, será

analisada a forma de internalização de tratados internacionais de direitos humanos sob a ótica

da Constituição Federal de 1988.

Pode-se observar que ambos os documentos mencionados figuraram como marcos

históricos na proteção a direitos humanos e permitiram novas concepções de conceitos como

o da Soberania do Estado. Nesse tocante serão expostas opiniões de doutrinadores acerca do

tema, bem como a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal

Ainda, será estudado o conceito de bloco de constitucionalidade e sua influência na

hierarquia da legislação interna Brasileira, com a consequente ampliação das normas

detentoras de caráter constitucional.

Além disso, será analisada a possibilidade de existirem conflitos entre as normas que

vigem no ordenamento interno com aquelas advindas de tratados internacionais ou

convenções, bem como a forma de resolução adotada no âmbito dos tribunais nacionais e

internacionais.

Por fim, serão apreciados alguns direitos humanos femininos construídos perante a

comunidade internacional e como isso se reflete nas garantias asseguradas pelo ordenamento

jurídico brasileiro, incluindo o arcabouço advindo de normas e tratados ratificados pelo

Estado.

Ainda, ao se tratar de direitos humanos se fazem necessárias algumas considerações

iniciais. De plano, imprescindível entender que são direitos inerentes à pessoa humana que

não comportam uma definição fechada. Nesse sentido, nota-se que inviável sua proteção

meramente na esfera de uma única sociedade, ou de um único Estado à sua maneira. Além

disso, tais direitos têm relação intrínseca com a dignidade da pessoa humana, direito

reconhecidamente de caráter universal, que não admite relativização em razão de crenças

culturais, sociais ou religiosas, por exemplo, tão pouco suporta relativizações em razão da

situação de apenamento, devendo subsistir no cárcere.

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Dessa forma, adentrando o objeto da presente pesquisa, uma retomada histórica da

evolução da proteção dos direitos humanos se mostra viável para compreender a relação entre

o Estado Brasileiro e a Comunidade Internacional, na busca pelo amparo aos direitos

humanos internacionais, dentro e fora do cárcere.

Importante marco histórico na definição de direitos humanos internacionais foi a

Declaração Universal de Direitos Humanos, assinada no dia 10 de dezembro do ano de 1948.

Tal documento foi pensado após a Segunda Guerra Mundial com o intuito de evitar que

atrocidades como aquelas cometidas pelos nazistas se repetissem no futuro, bem como para

que a dignidade da pessoa humana fosse respeitada indiferentemente da condição do ser

humano, notadamente, sua raça, cor, religião, opinião política, entre outras circunstâncias

pessoais ou do Estado em que se encontram, sendo que “para a Declaração Universal a

condição de pessoa é o requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos”

(PIOVESAN, 2015, p. 223), tendo considerado para fins de garantia de direitos humanos,

direitos civis e políticos a direitos econômicos, sociais e culturais.

Cumpre mencionar que a Declaração, em seu artigo VI é clara ao mencionar que a

condição de pessoa, acima mencionada, é garantida a todo ser humano independentemente do

local em que se encontre, ou seja, o fato de uma pessoa estar em situação de encarceramento

não exclui sua personalidade e, portanto mantém a necessidade de proteção a seus direitos

como ser humano que é1. (ONU, 2009)

Nessas circunstâncias, vislumbra-se que a Declaração trouxe consigo o ideal de

universalidade e indivisibilidade de direitos, tendo por base a dignidade da pessoa humana.

Ou seja, a todos pertencem os direitos humanos e nestes não há categorias autônomas, mas

sim inter-relacionadas e interdependentes. Aos poucos esse conceito foi inundando tratados e

declarações posteriores à Declaração Universal e tornou-se parâmetro para a construção dos

direitos humanos. (PIOVESAN, 2015).

Muito embora existam críticas em relação à aplicabilidade prática desse documento, é

de se ressaltar que:

[...] a Declaração Universal tem sido concebida como a interpretação autorizada da expressão “direitos humanos”, constante da Carta das Nações Unidas, apresentando, por esse motivo, forca jurídica vinculante. Os Estados-membros das Nações Unidas tem, assim, a obrigação de promover o respeito e a observância universal dos direitos proclamados pela Declaração [...]. (PIOVESAN, 2015, p. 230)

1 Para melhor elucidar: Artigo VI: Todo ser Humano tem o direito de ser, em todos os lugares reconhecido como

pessoa perante a lei. (ONU, 2009, p. 6)

11

Além disso, há quem sustente que a concepção contemporânea de direitos humanos

considera toda e qualquer norma desse gênero como sendo de aplicação erga omnes, ou seja,

normas internacionais que versem sobre assuntos inerentes à dignidade da pessoa humana

possuem caráter de jus cogens, devendo ser aplicadas com primazia, face o caráter de

universalidade de que são detentoras, mesmo no que diz respeito a países que não fazem parte

das Nações Unidas, isso em razão de que essas normas previstas na Declaração possuem

caráter de direito internacional consuetudinário e já foram absorvidos por legislações

constitucionais de diversos países, bem como são utilizadas por Cortes internacionais como

fonte de direito internacional e pelas Nações Unidas para obrigar os Estados-Membros a

observarem um padrão de conduta aceitável. (PIOVESAN, 2015)

No contexto apresentado, a discussão que permeia a doutrina nesse ponto se refere ao

princípio da soberania do Estado que é visivelmente atacada por normas exteriores. De plano

ressalta-se que os direitos constantes na Declaração possuem caráter universal e são inerentes

à pessoa humana, sendo perfeitamente aceitável que se apliquem a todo e qualquer ser

humano, independentemente da aceitação do país onde reside. Quanto aos demais tratados há

que se verificar que o Estado só se submete àqueles de que é signatário. Além disso, as

normas de direito internacional possuem o escopo claro de evitar excessos do Estado-Parte,

evitando-se violações de direitos ou omissões que não permitem o exercício pleno desses.

Dessa forma, nota-se que a soberania do Estado realmente sofre uma influência

externa, mas que essa não tem a finalidade de atingi-lo diretamente, mas sim, busca alcançar

os cidadãos desse país que necessitam de amparo legal para ter sua dignidade garantida, o que

leva a crer que a soberania ainda existe, porém, possui um novo conceito que prioriza direitos

em vez de mero formalismo. (VIEIRA; VEDOVATO, 2015)

O jurista Antônio Augusto Cançado Trindade define a situação supramencionada da

seguinte forma:

[...] alentador que as conquistas do direito internacional em favor da proteção ao ser humano venham a projetar-se no direito constitucional, enriquecendo-o, e demonstrando que a busca de proteção cada vez mais eficaz da pessoa humana encontra guarida nas raízes do pensamento tanto internacionalista quanto constitucionalista.” (1991, p. 631, apud VEDOVATO; VIEIRA, 2015, p. 113)

Dessarte é possível vislumbrar a ocorrência da modernização do conceito de soberania

do Estado, viabilizando a sensação de segurança jurídica na aplicação de direitos humanos por

diversos meios que não apenas as decisões internas, pois se assim o fosse poderia ocorrer a

fragilização a efetivação desses direitos em casos de excessos e omissões estatais.

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Assim, no caso do Brasil não há como negar que a Constituição Federal do ano de

1988 sofreu grande influência da Declaração Universal, documento de caráter internacional,

podendo se verificar tal afirmativa com uma breve leitura do artigo 1º, inciso III, da Magna

Carta, que alçou o princípio da dignidade da pessoa humana a direito fundamental. (BRASIL,

1988)

Nesse contexto, o próximo tópico a ser analisado diz respeito à aceitação da expansão

das normas constitucionais por meio da integração entre normas internas e normas advindas

da comunidade internacional, para que possam se comunicar de forma harmônica com a

finalidade de assegurar o caráter universal dos direitos humanos.

2.1 A EXISTÊNCIA DO BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE APÓS A EC 45/04 E

SUAS IMPLICAÇÕES FRENTE ÀS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Com o processo de democratização ocorrido no Brasil a Constituição de 1988, que já

sofria influências da Declaração, foi um importante marco na proteção de direitos humanos,

pois além de elevar o princípio da dignidade da pessoa humana se posicionou acerca da

receptividade de normas de direito internacional no direito interno, notadamente, em seu

artigo 5º, §§1º e 2º, com as seguintes redações:

[...] §1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. §2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (n.p.) (grifo nosso) (BRASIL, 1988, n.p.)

Observando-se a redação do §2 do artigo 5º da CRFB/88 verifica-se que a própria

Carta Magna permite que existam normas com caráter constitucional não apenas em seu texto,

mas que podem ser encontradas em outros dispositivos legais, como os tratados2

internacionais de que a República é signatária, o que significa dizer que adota “a ideia do

bloco de constitucionalidade, o que corresponde ao conjunto de todas as normas e textos com

patamar constitucional, ainda que não constantes na constituição codificada”. (CARVALHO,

2017, p.02)

2 Note-se que, apenas consta na redação da Carta Magna a palavra “tratados”. Contudo, o texto do referido

parágrafo deve ser interpretado de forma a incluir outras fontes de direito internacional, como convenções, resoluções ou declarações, desde que sejam compatíveis com os princípios que regem a ordem constitucional brasileira, por se tratarem de direitos humanos de caráter universal, previstos implicitamente no documento em apreço.

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Tal afirmação não pode passar despercebida, pois ao aceitar a teoria do bloco de

constitucionalidade há uma expansão de normas com caráter constitucional que afeta a

hierarquia e a aplicação da legislação interna, pois a Constituição federal é o parâmetro

norteador do ordenamento jurídico Brasileiro e havendo normas a ela equiparadas faz com

que se repense a atuação do Supremo Tribunal Federal no âmbito do controle de

constitucionalidade.

A lição de Pedro Lenza (2013), nesse aspecto, é de que existem dois elementos

essenciais à realização do controle de constitucionalidade, o primeiro é o elemento temporal,

que se refere à vigência da norma a ser apreciada pelo Supremo, o outro elemento é

conceitual, ou seja, define se a norma possui caráter constitucional e portanto merece ser base

para um enfrentamento pelo STF. O bloco de constitucionalidade diz respeito especificamente

ao segundo elemento, pois trata de definir se a norma é constitucional e merece ser parâmetro

para realização de controle de constitucionalidade.

Nesse tocante é importante ressaltar o voto do Ministro Celso de Mello na ADIn

595/ES, veiculado no informativo de número 258 do STF, no ano de 2002, pois ressalta a

importância de conhecer a noção adotada de bloco de constitucionalidade:

[...] a Constituição da República, muito mais do que o conjunto de normas e princípios nela formalmente positivados, há de ser também entendida em função do próprio espírito que a anima, afastando-se, desse modo, de uma concepção impregnada de evidente minimalismo conceitual (RTJ 71/289, 292 - RTJ 77/657). [...] Veja-se, pois, a importância de compreender-se, com exatidão, o significado que emerge da noção de bloco de constitucionalidade - tal como este é concebido pela teoria constitucional [...], pois, dessa percepção, resultará, em última análise, a determinação do que venha a ser o paradigma de confronto, cuja definição mostra-se essencial, em sede de controle de constitucionalidade, à própria tutela da ordem constitucional. (BRASIL, 2002, n.p.)

Nesse mesmo sentido colaciona-se o entendimento de Feliciano de Carvalho, que

ressalta a possibilidade de normas internas sofrerem forte influência de normas internacionais

com status diferenciado:

Como se vê, referida circunstância é de fundamental importância, notadamente em relação ao controle de constitucionalidade, na medida em que leis elaboradas por um legislativo democrático poderão ser consideradas inválidas por desrespeitarem não um dispositivo da constituição do Estado, mas de outro texto a que o Estado atribui à mesma hierarquia suprema. (2017, p. 06)

Ao proferir seu voto na mencionada ADI o Ministro admitiu a existência do bloco de

constitucionalidade, bem como sua relevância para a aplicação de normas constitucionais que

14

se encontram fora do texto positivado na Magna Carta. Ressalte-se que tal concepção

demonstrou a tendência do Supremo em considerar o bloco de constitucionalidade sob uma

perspectiva ampliativa, ou seja, compreendendo não apenas o que se encontra escrito na

constituição, mas também princípios não escritos e valores supra positivos, bem como

tratados e convenções de direitos humanos dos quais o Brasil seja signatário, no mesmo

sentido que o já mencionado artigo 5º, § 2º, da CF/88. (LENZA, p. 327, 2013)

Além de possuir implicações claras no controle de constitucionalidade – objeto de

análise no próximo tópico – a existência do bloco possui influência na interação de normas

vigentes no ordenamento jurídico interno com normas advindas de tratados ou normas de

direito internacional.

Nesse contexto, é possível afirmar que o Brasil aceitou que normas de direito

internacional, por ele ratificadas, tivessem eficácia nas decisões a serem tomadas dentro de

suas fronteiras, aumentando a proteção às garantias e direitos que pudessem não estar

expressos na legislação nacional.

No ano de 2004 a emenda constitucional de número 45 (EC/45) adicionou o parágrafo

§3 ao artigo 5º, o qual prevê que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos

humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por

três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas

constitucionais” (BRASIL, 1988, n.p.). Assim, restou positivada a intenção de diferenciar

tratados de direito internacional e tratados internacionais de direitos humanos, gerando uma

clara ampliação do bloco de constitucionalidade.

O mencionado dispositivo, em vez de solucionar as discussões acerca do status

conferido às normas internacionais, trouxe a tona dúvidas quanto ao novo procedimento de

implementação de tratados e a posição hierárquica dos tratados aprovados antes da

positivação da EC 45/2004.

Isso porque alguns doutrinadores já consideravam que o §2, do artigo 5º da CRFB/88

já atentava para o patamar diferenciado os tratados, e demais normas, de direito internacional

no momento de sua internalização. Isso porque já conferia status de norma constitucional,

dotada de aplicabilidade imediata, aos tratados que versassem sobre matéria considerada de

direitos fundamentais.

A autora Flávia Piovesan (2015) defende que as normas internacionais que versam

sobre direitos humanos que não passem pelo procedimento previsto no § 3º serão

materialmente tidas como normas constitucionais, face à interpretação dos parágrafos 1º e 2º,

pois esses não foram revogados pelo texto daquele. A nova redação apenas trouxe consigo o

15

procedimento a ser realizado para tornar as regras internacionais que tratam de direitos

humanos, além de material, formalmente constitucionais, com equivalência às emendas

constitucionais.

Quanto ao procedimento previsto no novo dispositivo legal, o doutrinador Ingo

Wolfgang Sarlet ressalta ainda que, para que se efetive a previsão legal do §3º do artigo 5º

não se faz necessário que o tratado se submeta a todo o processo previsto para aprovação de

uma emenda constitucional “pois basta que a aprovação observe o disposto no artigo 60, §2.º,

da CF (votação em dois turnos, nas duas Casas do Congresso, com maioria de 3/5 em cada

casa e turno de votação, para que o tratado seja equivalente a uma emenda constitucional)”

(SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2013, p. 299). O doutrinador menciona ainda que essa

equivalência não significa igualdade, pois o iter percorrido pela norma não foi aquele

necessário à configuração da emenda constitucional, o que não impede que preenchidos os

requisitos do §3º exista a equivalência hierárquica às normas constitucionais.

Quanto ao aludido tema, o Supremo Tribunal Federal se posicionou por meio de votos

distintos, conforme se extrai do trecho do RE 466.343/SP que versou sobre a prisão civil do

depositário infiel, tendo por base as disposições constantes no Pacto de São José da Costa

Rica, notadamente em seu artigo 7º, § 7º, bem como no Pacto Internacional sobre Direitos

Civis e Políticos, em relação ao previsto em seu artigo 11, tendo o Ministro Gilmar Mendes,

na oportunidade, optado pela supralegalidade das normas internacionais:

[...] parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade. Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana. (BRASIL, 2008, p. 20) (Grifo nosso)

O Ministro Celso de Mello, por sua vez, em voto proferido no Habeas Corpus de

número 87.585-8/08, situou seu posicionamento no sentido de conferir equivalência entre as

normas internacionais e as constitucionais, em razão de entender que os tratados

internacionais interpretados à luz dos §§ 1º e 2º do artigo 5º da Magna Carta possuem caráter

material de norma constitucional, conforme ressaltado pelo Ministro

16

[...] FLÁVIA PIOVESAN (“Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional”, p. 51/77, 7ª ed., 2006, Saraiva), [...], dentre outros eminentes autores – que sustentam, com sólida fundamentação teórica, que os tratados internacionais de direitos humanos assumem, na ordem positiva interna brasileira, qualificação constitucional, acentuando, ainda, que as convenções internacionais em matéria de direitos humanos, celebradas pelo Brasil antes do advento da EC nº 45/2004, como ocorre com o Pacto de São José da Costa Rica, revestem-se de caráter materialmente constitucional, compondo, sob tal perspectiva, a noção conceitual de bloco de constitucionalidade. [...]. Após muita reflexão sobre esse tema, e não obstante anteriores julgamentos desta Corte de que participei como Relator (RTJ 174/463-465 – RTJ 179/493-496), inclino-me a acolher essa orientação, que atribui natureza constitucional às convenções internacionais de direitos humanos, reconhecendo, para efeito de outorga dessa especial qualificação jurídica [...]. (BRASIL, 2008, p. 273) (Grifo nosso)

É flagrante o fato de ainda persistirem dúvidas jurisprudenciais e doutrinárias em

relação às formalidades de internalização dos tratados internacionais que se referem às

normas de direitos humanos de que o país é signatário desde antes da concepção da EC 45/04,

contudo não há como dizer que esses não são dotados de materialidade constitucional,

conforme interpretação dos aludidos parágrafos 1º e 2º do artigo 5º da Constituição Federal.

Ao exposto, analisando o atual posicionamento da Corte Suprema pode-se verificar o

seguinte entendimento:

A hierarquia dos tratados de direitos humanos na ordem jurídica interna brasileira, de acordo com a atual orientação do STF, é diferenciada de acordo com a forma de incorporação. Com efeito, os tratados incorporados antes da inserção do §3.º no art. 5.º da CF possuem hierarquia supralegal, prevalecendo, portanto, sobre toda e qualquer norma infraconstitucional interna, mas cedendo em face da CF. Por sua vez, os tratados aprovados pelo Congresso Nacional na forma do art. 5.º, §3º, da CF possuem hierarquia e força normativa equivalentes às emendas constitucionais. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2013, p. 304) (Grifo nosso)

Cumpre ressaltar, com caráter supralegal ou de equivalência as normas constitucionais,

pode-se afirmar, sem sombra de dúvidas, que tratados de direitos humanos são

hierarquicamente superiores à legislação infraconstitucional, devendo prevalecer frente a

essas em caso de conflito. Há autores que sustentam que em caso de conflito entre normas de

direitos humanos e a Constituição deve prevalecer, invariavelmente, a norma mais benéfica3,

por se referir a direito de caráter universal e indisponível. Todavia, tal posicionamento não

reflete a orientação emanada do Supremo Tribunal Federal, conforme se observou pelo acima

3 Identifica-se assim o princípio “pro homine”, ou seja “faz prevalecer a norma que melhor tutela um direito ou

uma liberdade”, que poderia ser invocado para que houvesse a aplicação imediata de qualquer norma identificada como mais benéfica ao cidadão, contudo tal fato não ocorre de forma absoluta em razão do entendimento emanado do STF. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2013, p. 126)

17

disposto, que realizou uma diferenciação entre a internalização de tratados internacionais de

acordo com a matéria neles contida.

Assim, em âmbito nacional, verifica-se que o Supremo admite a primazia de normas

internacionais que versam sobre direitos humanos, conferindo status diferenciado às normas

que tratam da efetivação de direitos humanos. Contudo, por se tratar de normas de caráter

universal tal postura adotada de uma forma individual, por si só, não traria ao país a

aplicabilidade esperada desses direitos, razão pela qual o país se insere em mecanismos de

proteção de direitos humanos que alcançam os níveis global e regional, além do local, com

vistas a assegurar tais garantias.

2.3 APLICAÇÃO DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE COMO FORMA DE

RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

De plano se faz necessária a compreensão histórica bem como a conceituação de

Controle de Convencionalidade, pois se trata de um instituto atual e de aplicação fundamental,

porém pouco difundida. Essa forma de resolução de conflitos é aplicada quando normas de

direito interno e normas advindas da comunidade internacional apresentam divergências, o

que pode prejudicar as garantias fundamentais baseadas no direito controverso. (RAMOS,

2016a)

Por controle de convencionalidade pode-se compreender como a forma existente para

evitar que normas de direito internacional de direitos humanos entrem em confronto com

normas internas, garantindo a aplicabilidade dos compromissos internacionais firmados pelo

Estado Membro. Sobre o assunto leciona Sidney Guerra:

Tal controle diz respeito a um novo dispositivo jurídico fiscalizador das leis infraconstitucionais que possibilita duplo controle de verticalidade, isto é, as normas internas de um país devem estar compatíveis tanto com a Constituição (controle de constitucionalidade) quanto com os tratados internacionais ratificados pelo país onde vigoram tais normas (controle de convencionalidade). Este instituto garante controle sobre a eficácia das legislações internacionais e permite dirimir conflitos entre direito interno e normas de direito internacional e poderá ser efetuado pela própria Corte Interamericana de Direitos Humanos ou pelos tribunais internos dos países que fazem parte de tal Convenção. (2017, p. 603) (Grifo nosso)

O diálogo entre as fontes internas e externas de direito é intrínseco ao respeito dos

direitos humanos internacionais, haja vista a pluralidade de diplomas em que podem ser

18

encontrados, bem como seu caráter universal, sendo que uma análise isolada traria decisões

divergentes e que afrontam a Convenção Americana e a própria dignidade da pessoa humana.

Outrossim, na seara deste controle não se analisam regras de caráter constitucional,

pois tal função, como já visto no tópico sobre controle de constitucionalidade, é de

responsabilidade do Supremo Tribunal Federal.

Importante mencionar que no caso de Barrios Altos vs. Peru houve a primeira atuação

da Corte IDH – um Tribunal Internacional – como uma espécie de Corte Constitucional –

quando se decidiu que a lei de anistia nacional estabelecida no Peru, a respeito de crimes

cometidos por militares entre os anos de 1980 e 1995, deveria ser considerada sem efeitos

jurídicos por ser uma clara violação da Convenção Americana, havendo a aferição de

inconvencionalidade da norma nacional (SILVA; PÊGAS, 2018). A respeito dessa função

exercida pela Corte Interamericana podemos encontrar subsídio na decisão abaixo:

3. En cierto sentido, la tarea de la Corte se asemeja a la que realizan los tribunales constitucionales. Estos examinan los actos impugnados --disposiciones de alcance general-- a la luz de las normas, los principios y los valores de las leyes fundamentales. La Corte Interamericana, por su parte, analiza los actos que llegan a su conocimiento en relación con normas, principios y valores de los tratados en los que funda su competencia contenciosa. Dicho de otra manera, si los tribunales constitucionales controlan la “constitucionalidad”, el tribunal internacional de derechos humanos resuelve acerca de la “convencionalidad” de esos actos. A través del control de constitucionalidad, los órganos internos procuran conformar la actividad del poder público --y, eventualmente, de otros agentes sociales-- al orden que entraña el Estado de Derecho en una sociedad democrática. El tribunal interamericano, por su parte, pretende conformar esa actividad al orden internacional acogido en la convención fundadora de la jurisdicción interamericana y aceptado por los Estados partes en ejercicio de su soberania. (CORTE IDH, 2004, p. 115)

Também no ano de 2001 no caso “La última tentación de Cristo” vs. Chile, a Corte

IDH também realizou o controle de convencionalidade, dessa vez em relação à Constituição

daquele país. Contudo, apenas em 2003 é que a expressão, em si, apareceu no voto de Sérgio

García Ramirez, no caso Myrna Mack Chang vs. Guatemala, §27 (CNJ, 2016):

“Para los efectos de la Convención Americana y del ejercicio de la jurisdicción contenciosa de la Corte Interamericana, el Estado viene a cuentas en forma integral, como un todo. En este orden, la responsabilidad es global, atañe al Estado en su conjunto y no puede quedar sujeta a la división de atribuciones que señale el Derecho interno. No es posible seccionar internacionalmente al Estado, obligar ante la Corte sólo a uno o algunos de sus órganos, entregar a éstos la representación del Estado en el juicio – sin que esa representación repercuta sobre el Estado en su conjunto – y sustraer a otros de este régimen convencional de responsabilidad, dejando sus actuaciones fuera del ‘control de convencionalidad’ que trae consigo la jurisdicción de la Corte internacional”. (2003 apud MAZZUOLI, 2018, p. 52)

19

Porém, apenas no ano de 2006, no caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile é que a

Doutrina adotou formalmente o termo controle de convencionalidade (CNJ, 2016), como se

pode observar no parágrafo 124 da sentença do mencionado caso:

A Corte tem consciência de que os juízes e tribunais internos estão sujeitos ao império da lei e, por isso, são obrigados a aplicar as disposições vigentes no ordenamento jurídico. Mas quando um Estado ratifica um tratado internacional como a Convenção Americana, seus juízes, como parte do aparato estatal, também estão submetidos a ela, o que os obriga a velar para que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam diminuídos pela aplicação de leis contrárias a seu objeto e a seu fim e que, desde o início, carecem de efeitos jurídicos. Em outras palavras, o Poder Judiciário deve exercer uma espécie de “controle de convencionalidade” entre as normas jurídicas internas aplicadas a casos concretos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Nesta tarefa, o Poder Judiciário deve levar em conta não apenas o tratado, mas também a interpretação que a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana, fez do mesmo. (2006, p. 52) (grifo nosso)

Note-se que na mencionada decisão há a menção da realização do controle de

convencionalidade não apenas pela Corte IDH, que aprecia apenas os casos que chegam a seu

conhecimento, mas também a existência de um controle de convencionalidade nacional que

deve ser realizado pelo judiciário brasileiro, nos casos concretos a ele submetidos, bem como

deve ser realizado preventivamente pelo poder legislativo, e pelo poder executivo quando da

execução de atos administrativos, estes últimos foram mencionados apenas no caso Gelmam

vs. Uruguais em 2011. (RAMOS, 2018)

Tal circunstância denota a existência de órgãos distintos detentores de competência

para realizar tal controle e faz com que haja a seguinte subdivisão:

O controle de convencionalidade de matriz internacional é, em geral, atribuído a órgãos internacionais compostos por julgadores independentes, criados por tratados internacionais, para evitar que os próprios Estados sejam, ao mesmo tempo, fiscais e fiscalizados, criando a indesejável figura do judex in causa sua. [...] Há ainda o controle de convencionalidade de matriz nacional, que vem a ser o exame de compatibilidade do ordenamento interno diante das normas internacionais incorporadas, realizado pelos próprios juízes internos. Além dos juízes, é possível que o controle de convencionalidade nacional seja feito pelas autoridades administrativas, membros do Ministério Público e Defensoria Pública (no exercício de suas atribuições) e haja, inclusive, o controle preventivo de convencionalidade na análise de projetos de lei no Poder Legislativo. (RAMOS, 2018, p. 524) (Grifei)

Dessa forma, é preciso compreender que a Corte IDH, conforme redação do artigo 1º

de seu Estatuto, é a guardiã da interpretação e aplicação da Convenção Americana

(COMISSÃO IDH, 1979), porém conforme se extrai do já mencionado enunciado 124, da

sentença do caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile, é obrigatória a realização do controle

20

de convencionalidade, prima facie pelo judiciário interno, antes de se levar o caso à

apreciação da Corte. Nesse sentido é a afirmação de Valério de Oliveira Mazzuoli:

o controle nacional da convencionalidade das leis há de ser tido como o principal e mais importante a ser levado a efeito, sendo que apenas no caso da falta de sua realização interna (ou de seu exercício insuficiente) é que deverá a justiça internacional atuar, trazendo para si a competência de controle em último grau (decisão da qual tem o Estado o dever de cumprir). Daí se compreender ser a jurisdição internacional complementar ou coadjuvante das jurisdições domésticas, como referido no preâmbulo da Convenção Americana. Enfim, a negativa do Poder Judiciário estatal em controlar a convencionalidade pela via difusa, sob o argumento de que não solicitado pelas partes ou de que não é possível exercê-lo ex officio, é motivo suficiente para acarretar a responsabilidade internacional do Estado por violação a direitos humanos, para além de atribuir à Corte Interamericana a competência última (secundária, complementar ou coadjuvante) para o exercício desse controle. (2018, p. 52) (grifo nosso)

Assim, o Judiciário nacional também possui a função de verificar se há conflito entre

as normas internas e tratados internacionais, sob pena de responsabilização internacional.

Sendo que não se pode alegar que o fato de suprimir normas nacionais inconvencionais

interfere na soberania do estado isso porque precisam ser observado o princípio da boa-fé no

cumprimento das normas a que o Estado se submeteu quando decidiu, espontaneamente, ser

signatário de tratados internacionais, bem como se deve observar o artigo 27 da Convenção de

Viena4, e por fim atentar ao efeito útil do tratado, pois se foi recebido pelo ordenamento

jurídico interno é preciso dar-lhe condições para que seja cumprido conforme o pactuado, do

contrário não surtirá efeito algum. (SAGUÉS, 2011).

Ainda, é importante frisar que o controle de convencionalidade não é pautado apenas

na Convenção Americana, mas sim em qualquer tratado ou norma internacional a qual o

Brasil tenha se submetido, conforme leciona Mazzuoli:

Não apenas a Convenção Americana sobre Direitos Humanos é paradigma para o controle (difuso ou concentrado) de convencionalidade, senão todo e qualquer tratado de direitos humanos em vigor no Estado. A própria Corte Interamericana tem entendido dessa maneira ao se referir, em sua jurisprudência constante, a “um tratado internacional como a Convenção Americana…”. Ou seja, a Convenção Americana é um dos vários tratados ratificados pelo Estado que servem de paradigma ao controle das normas do direito interno. (2018, p. 56) (grifo nosso)

4 Para melhor elucidar: Artigo 27 - Direito Interno e Observância de Tratados - Uma parte não pode invocar as

disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. [...] (BRASIL, 2009a)

21

Além dos tratados, e atos normativos propriamente ditos, os Estados Partes devem

observar as interpretações dadas pela Corte IDH nos casos por ela apreciados, submetendo-se

à sua jurisprudência:

Além de cotejo analítico, requer-se do magistrado conhecimento do conteúdo eficacial da norma--paradigma (a norma internacional mais benéfica) e da interpretação que dela faz a Corte Interamericana. Destaque-se, ainda, que no Caso Comunidade Garífuna de Punta Piedra e seus Membros vs. Honduras, a Corte Interamericana advertiu ao Estado que deveria controlar a convencionalidade das leis à luz da jurisprudência interamericana e dos “padrões internacionais aplicáveis [à matéria em questão]” [...]. Tal reforça a tese de que o controle de convencionalidade a ser efetivado no Brasil tem como paradigma todo o corpus jurisinternacional de proteção, ou seja, todo o mosaico protetivo dos sistemas global (onusiano) e regional interamericano (v. item 1.2, infra). Assim, o exercício que deverá o Poder Judiciário realizar é complexo e está a envolver tanto a localização da norma internacional aplicável, como o conhecimento de seu conteúdo eficacial e, finalmente, a (eventual) interpretação que dela faz a Corte Interamericana. (MAZZUOLI, 2018, p. 31)

Tal afirmação se justifica para evitar que o diálogo entre as Cortes seja eivado de

inconsistências, respeitando-se o caráter universal dos Direitos humanos. No caso Gomes

Lund e outros contra o Brasil a Corte condenou o país após a decisão do STF, na ADPF

153/2010, que concedeu a aplicação da lei de anistia aos agentes da ditadura militar,

impedindo que fossem responsabilizados pelas ações que realizaram naquele período, pois tal

decisão contrariava as interpretações da Corte acerca das disposições da Convenção

Americana de Direitos Humanos. Nesse âmbito nota-se que o Brasil possui uma dupla

garantia dos direitos humanos que deve ser observada para conferir validade e eficácia às

disposições acerca dessa relevante matéria (RAMOS, 2018).

Assim, as normas de direitos humanos possuem fatores diferenciados em relação à sua

internalização e posterior eficácia, sendo que é imperiosa a observação de todo o aparato

global de proteção aos direitos humanos. Quando o país se compromete, internacionalmente,

por meio de tratados, atos normativos, ou quando se submete à Corte, e à sua jurisprudência,

os aplicadores do direito devem se guiar por esses diplomas confrontando sempre a legislação

nacional com o compilado de normas e decisões internacionais a que está obrigado, de forma

vinculante, superando eventuais conflitos e aplicando as premissas do princípio pro homine,

garantindo a eficácia desses direitos fundamentais e intrínsecos à pessoa humana.

É preciso compreender que o reconhecimento de um bloco de constitucionalidade

amplo, bem como o reconhecimento do caráter supralegal dos tratados internacionais de

direitos humanos, como definem as mais recentes decisões do Supremo, são partes de um

conjunto onde também desponta a aplicação do controle de convencionalidade para que seja

22

“un instrumento eficaz para construir un ius commune interamericano en materia de derechos

personales y constitucionales” (SAGUÉS, 2011), buscando a instituição de um direito

universalizando que prioriza a dignidade da pessoa humana.

Desse modo, a Corte IDH realizou a primeira interpretação no sentido de prever e

anuir com a utilização do controle de convencionalidade, porém essa não é a única função

abrangida por sua competência na busca pela aplicação dos direitos amparados pela

comunidade internacional. Assim, suas atribuições serão melhor elucidadas em seguida.

2.4 ANÁLISE DAS FUNÇÕES E COMPETÊNCIAS DA CORTE E DA COMISSÃO

INTERAMERICANAS DE DIREITOS HUMANOS

Para entender como se dá a garantia dos direitos humanos internacionais em um painel

amplo se faz imperiosa a análise dos sistemas global e regional proteção desses. Nesse sentido

tem-se que o Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos, também chamado de sistema

onusiano, se funda em meios convencionais e extraconvencionais, aqueles são previstos em

convenções, tem seu funcionamento previsto nessas e possuem seu próprio sistema de

monitoramento. Contudo, todas as convenções acabam por seguir o sistema de apresentação

de relatórios periódicos pelos Estados-Partes, com posterior análise e aprovação de

recomendações gerais. (GUERRA, 2017)

Além dos relatórios oficiais propostos pela Organização das Nações Unidas, (ONU)

existem os chamados relatórios sombra, apresentados pela sociedade civil, que são elaborados

para que os especialistas possam questionar se os Estados Partes estão aplicando as normas

previstas nas convenções, gerando um diálogo na busca pela complementação e efetivação

dos direitos humanos.

Ainda, como meios extraconvencionais de proteção pode-se mencionar a existência

das relatorias, que tratam de temáticas específicas e realizam visitas, a convite dos Estados-

Partes, para analisar eventuais violações de direitos e reforçar a efetivação desses.

(GONÇALVES, 2013).

O Sistema Regional, por sua vez, trata-se de uma forma de garantir direitos em um

nível mais pormenorizado, de acordo com as necessidades e configurações da região em que

se estabelece. O sistema interamericano de direitos humanos é conhecido como Organização

dos Estados Americanos (OEA/OAS), estabelecido desde 1948, em Bogotá, por meio da

assinatura da Carta da OEA (1967).

23

De plano, a Carta da OEA prevê que a Comissão IDH tem a função principal de

“promover o respeito e a defesa dos direitos humanos e servir como órgão consultivo da

Organização em tal matéria” (1967, n.p), para tanto a Convenção Americana de Direitos

Humanos traz a menção expressa das demais funções da comissão, dentre elas formular

recomendações aos Estados para que fomentem o cumprimento dos DHI (direitos humanos

internacionais), realizar visitas em loco para elaborar seus relatórios acerca da progressão dos

direitos humanos nos Estados-Partes, receber petições com denúncias, comunicações ou

queixas de violações da CADH, elaboradas por “qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou

entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da

Organização” (COMISSÃO IDH, 1969, n.p.), realizar investigações sobre os fatos que lhe

foram noticiados, entre outras previstas nos artigos 44 a 51 da CADH. Sendo que, à Comissão

IDH, e aos Estados-Partes, é resguardada a função de levar os casos, que julgar necessário, ao

crivo da Corte IDH, não sendo cabível a interposição de petição direta à esse órgão

(GUERRA, 2017).

Para realizar tal função a CADH traz alguns requisitos essenciais que a petição deve

observar: Artigo 46 - a. que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos; b. que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva; c. que a matéria da petição ou comunicação não esteja pendente de outro processo de solução internacional; e d. que, no caso do artigo 44, a petição contenha o nome, a nacionalidade, a profissão, o domicílio e a assinatura da pessoa ou pessoas ou do representante legal da entidade que submeter a petição. (COMISSÃO IDH, 1969, n.p.)

Entretanto a própria Convenção traz exceções a esses requisitos no item 02 do mesmo

artigo, quais sejam, o fato de não haver previsão interna acerca das violações questionadas,

caso não seja permitido - ou restar prejudicado - o acesso aos recursos da jurisdição interna, se

não for possível esgotá-los ou se houver demora injustificada na decisão sobre os

mencionados recursos (COMISSÃO IDH, 1969). Tais previsões facilitam o acesso ao amparo

da Comissão caso não haja, inclusive, boa-fé por parte do País questionado durante a

realização da avaliação da queixa prestada.

Após o peticionamento a Comissão poderá dar prosseguimento da seguinte forma:

[...] recebida e reconhecida a admissibilidade da petição a Comissão solicita informações ao Estado pleiteado sobre a autoridade coatora. Auferidas as informações ou transcorrido o prazo, subsistirem-se motivos que evidenciem os fatos da petição, a Comissão procederá iniciar uma investigação e caso constate as

24

irregularidades, primeiro tentará promover uma solução amistosa entre os conflitantes. Porém, se não houver acordo, a Comissão elaborará um relatório sobre os fatos, com proposições e recomendações, o qual será encaminhado aos Estados interessados. Se nos prazos estipulados não houver sido solucionado o problema, a Comissão deliberará se publicará o relatório. (BARBOSA; LEHFELD, 2018, p. 184)

Ainda, caso não haja a correção das irregularidades mencionadas no relatório a

Comissão irá encaminhar o fato ao conhecimento da Corte Interamericana de Direitos

Humanos. Conforme preceitua o artigo 61 da CADH apenas a Comissão e os Estados-Partes,

desde que tenham reconhecido a competência da Corte para conhecer das situações de

violações da CADH, podem encaminhar denúncias à Corte Interamericana de Direitos

Humanos (COMISSÃO IDH, 1969). Frise-se que o Brasil reconheceu a competência

obrigatória da Corte em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção

Americana de Direitos Humanos por meio do decreto nº 4463/02.

Como se percebe a Corte é órgão judiciário e, ao final do processo que lhe foi

submetido, irá proferir uma sentença que deve ser fundamentada e é definitiva e inapelável

cabendo às partes apenas requisitar esclarecimentos no prazo de noventa dias a partir da

notificação da sentença (COMISSÃO IDH, 1969). Dessa forma, os Estados Partes devem dar

cumprimento às decisões exaradas pela Corte, pois, ressalta Piovesan (2018, p. 391):

A justicialização do sistema interamericano requer, necessariamente, a observância e o cumprimento das decisões internacionais no âmbito interno. Os Estados devem garantir o cumprimento das decisões, sendo inadmissível sua indiferença, omissão e silêncio. As decisões internacionais em matéria de direitos humanos devem produzir efeitos jurídicos imediatos e obrigatórios no âmbito do ordenamento jurídico interno, cabendo aos Estados sua fiel execução e cumprimento, em conformidade com o princípio da boa-fé, que orienta a ordem internacional. A efetividade da proteção internacional dos direitos humanos está absolutamente condicionada ao aperfeiçoamento das medidas nacionais de implementação. (Grifo nosso)

Contudo, além dessa função contenciosa a Corte também exerce função consultiva,

quando a Comissão ou os Estados-Membros lhe encaminham pedidos de interpretações da

Convenção ou demais tratados de direitos humanos (COMISSÃO IDH, 1969), assim

A jurisdição consultiva constitui-se na própria interpretação das disposições da Convenção Americana, bem como de outros tratados integrantes do Sistema Interamericano que abordem a proteção aos direitos humanos. Qualquer Estado da OEA, parte ou não da Convenção, pode solicitar o parecer da Corte, solicitando que se pronuncie na forma de opinião consultiva. Ainda no uso de suas atribuições consultivas, a Corte pode opinar acerca da compatibilidade da legislação nacional dos Estados-partes em relação aos instrumentos internacionais. (GONÇALVES, 2013, p. 145)

25

Desse modo, por meio da atuação da Comissão e da Corte IDH tem-se acesso à

jurisdição internacional, com vistas a se alcançar a implementação de regras universais que

eventualmente estejam sendo descumpridas pelos Estados Partes. Tal circunstância é crucial

para garantir que o Brasil não invoque princípios como o da soberania do Estado para deixar

de adimplir com os compromissos internacionais que assumiu espontaneamente, resultando

em um mecanismo eficaz de proteção dos direitos humanos internacionais.

No próximo tópico serão enumerados exemplos de legislações que resultaram desse

esforço internacional para manter a dignidade da pessoa humana, notadamente em relação aos

direitos humanos da mulher, desde o âmbito doméstico até um eventual encarceramento.

2.5 DIREITOS HUMANOS FEMININOS CONSTRUÍDOS SOB O AMPARO DO

DIREITO INTERNACIONAL

Embora se tenha definido que direitos humanos dizem respeito a qualquer pessoa

humana, bem como têm caráter universal, ou seja, se estabelecem em qualquer lugar do globo

independentemente de crenças, sexo, ideologias políticas, vislumbra-se que a mulher ainda

sofre discriminações relacionadas ao seu gênero (ONU, 1948). Dessa forma, se busca, por

meio de legislações específicas, garantir a igualdade material entre homens e mulheres.

A concepção do termo gênero, historicamente, é importante para se entender como os

direitos da mulher começaram a ser construídos, pois tal diferenciação retirou da biologia e

passou para as construções políticas e sociais a responsabilidade pela discriminação sofrida

pela mulher, tornando o termo sexo - biológico - insuficiente para demonstrar a complexidade

das desigualdades entre homens e mulheres, passando ao termo gênero - sexo-social - a

possibilidade de compreender e fundamentar a perseguição pela igualdade material, como

bem definiram Simone de Beauvoir (1989) e Margaret Mead (1949) em seus trabalhos

pioneiros, seguidos por antropólogas e, mais tarde, por profissionais de psicologia, sexologia,

medicina, filosofia e integrantes dos movimentos feministas, entre outros (apud STOLKE,

2004).

Realizada a introdução do termo, vários estudos passaram a questionar não apenas essa

binariedade entre natural e cultural, mas também a própria etimologia da palavra e como o

reconhecimento desse conceito influenciaria na construção de uma nova ordem social baseada

na desconstrução dos papéis exercidos por homens e mulheres desde o âmbito familiar até o

desenvolvimento de relações sociais. Nesse contexto, surgem discussões sobre reprodução,

26

heteronormatividade - e como isso repercutia no poder exercido sobre as mulheres – e a

possibilidade de proteção jurídica dos direitos da mulher.5 (STOLKE, 2004)

Acerca do tema é importante salientar o entendimento de Tamara Amoroso Gonçalves:

[...] as novas discussões de gênero e a reformulação de conceitos jurídicos são fundamentais, tanto para a academia, quanto para a prática feminista, na medida em que trazem a possibilidade de revisão de padrões e a proposição de mudanças na arena social. Importa observar que esses debates nem sempre alcançam a esfera jurídica, ou, quando o fazem, seu impacto é limitado, na medida em que o direito trabalha, na maior parte das vezes, em uma lógica binária (legal/ilegal, constitucional/inconstitucional, permitido/proibido, talvez seguindo a lógica também binária que divide o universo entre feminino/masculino, natureza/cultura e reprodução/produção). [...] É possível observar como o conceito de gênero, inserido em uma academia influenciada pela prática feminista, contribuiu para promover importantes deslocamentos sociais. Na esfera jurídica, proporcionou visibilidade à violação de direitos humanos das mulheres, ampliando sua esfera de proteção [...]. (2013, p. 64)

Dessarte, sobre o tema existem inúmeros documentos editados com o fim do

reconhecimento aplicação de uma perspectiva de gênero com o escopo de eliminar

desigualdades e alcançar a dignidade da pessoa humana no que se refere à mulher. Dentre

eles, o primeiro documento a ser lembrado é a Convenção sobre a Eliminação de Todas as

Formas de Discriminação contra a Mulher (Convention on the Elimination of all Forms of

Discrimination Against Women – CEDAW).

A CEDAW data de 1979, porém só foi ratificada pelo Brasil no ano de 1984, com

reservas e em 1994 as reservas foram retiradas sendo ratificado o documento por completo, já

no ano de 2002 o Brasil ratificou o protocolo facultativo de 1999, cujo artigo 1º traz a

seguinte redação:

Artigo 1 - Cada Estado Parte do presente Protocolo (doravante denominado "Estado Parte") reconhece a competência do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (doravante denominado “o Comitê”) para receber e considerar comunicações apresentadas de acordo com o Artigo 2 deste Protocolo. (BRASIL, 1999, n.p.)

Ou seja, o país se submeteu às disposições do Comitê, com vistas a tornar efetiva a

garantia dos direitos enunciados na CEDAW, ao menos formalmente. O texto dessa

5 No presente trabalho não será aprofundada a inserção do termo gênero bem como seus desdobramentos

teóricos, tendo em vista não se tratar do tema central desta pesquisa. No entanto, como já mencionado, é imperiosa a menção da importância histórica desse conceito, que trouxe novas formulações políticas, sociais e jurídicas em relação à proteção dos direitos da mulher.

27

Convenção traz a definição de discriminação contra a mulher. De início não faz constar a

palavra gênero, mas em 1992 a recomendação de nº 19 trouxe a seguinte redação:

Comentários gerais: 6. A Convenção no artigo 1.º define a discriminação contra as mulheres. A definição inclui a violência baseada no género, como sendo, a violência que é dirigida contra a mulher por ela ser mulher ou aquela que afeta desproporcionalmente as mulheres. Esta violência inclui os atos que infligem danos ou sofrimento físico, mental ou sexual, as ameaças de cometer esses atos, a coerção e outras formas de privações da liberdade. A violência baseada no gênero pode contrariar disposições específicas da Convenção, independentemente de expressamente mencionarem a violência. 7. A violência baseada no género, a qual prejudica ou invalida o gozo pelas mulheres dos direitos humanos e liberdades fundamentais em virtude do direito internacional ou das diversas Convenções de Direitos Humanos, é considerada discriminação, de acordo com a definição do artigo 1.º da Convenção. Estes direitos e liberdades incluem: a) O Direito à vida; b) O Direito a não ser sujeita à tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; c) O Direito à igualdade de proteção, de acordo com as normas humanitárias em tempo de conflito armado interno ou internacional; d) O Direito à liberdade e à segurança pessoal; e) O Direito à igualdade perante a lei; f) O Direito à igualdade na família; g) O Direito ao mais alto nível de saúde física e mental; h) O Direito a condições de trabalho justas e favoráveis. 8. A Convenção aplica-se à violência perpetrada pelas autoridades públicas. Estes atos de violência podem constituir uma violação das obrigações do Estado, de acordo com o Direito Internacional dos Direitos Humanos, além de violar a presente Convenção. (ONU, 1992, n.p.) (grifo nosso)

Contudo, a recomendação de número 19 completou 25 anos, sendo realizada sua

atualização por meio da recomendação de nº 35 recentemente traduzida e publicada pelo

Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No documento publicado O presidente do Supremo

explicou que em face ao presente “estado de coisas inconstitucional” o país não poderia se

manter inerte, devendo promover não só a tradução das orientações bem como sua publicação

e divulgação (CNJ, 2019, p. 10). Tal declaração deve ser vista como uma manifestação do

Estado no sentido de acolher normas de cunho internacional que enfrentem com maior

efetividade a violência de gênero perpetrada contra a mulher.

O que se coaduna com a adesão à CEDAW, bem como vai ao encontro do item 21 da

recomendação de nº 35:

21. A violência de gênero contra as mulheres constitui discriminação contra as mulheres nos termos do artigo 1 e, portanto, envolve todas as obrigações da Convenção. O artigo 2 estabelece que a obrigação mais abrangente dos Estados-Partes é buscar, por todos os meios adequados e sem demora, uma política de eliminação da discriminação contra as mulheres, incluindo a violência de gênero contra as mulheres. Essa é uma obrigação de natureza imediata; atrasos não podem ser justificados por nenhum motivo, o que abrange fundamentos econômicos, culturais ou religiosos. [...], no que se refere à violência de gênero contra as mulheres, essa obrigação compreende dois aspectos de responsabilidade do Estado: responsabilidade pela violência resultante das ações ou das omissões (a) do Estado-Parte ou de seus atores; e (b) de atores não estatais. (2019, n. p.)

28

Nesse contexto, imperiosa a análise em duas partes da citação acima colacionada. De

plano verifica-se que a obrigação assumida pelo Estado, quando da ratificação da CEDAW, é

de natureza imediata, ou seja, todas as violações com fundamento em gênero ocorridas após

essa adesão geram a responsabilidade obrigatória do Estado em repará-las.

Ademais, essa responsabilidade não atinge apenas as ações ou omissões que partem de

atores não estatais, sendo necessária a observância da Convenção inclusive por agentes

estatais, ou que representem o Estado.6

Além disso, o Brasil também é signatário da Convenção Interamericana para prevenir

punir e erradicar a violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará,

de 1994. Acolhida no ordenamento jurídico nacional por meio do decreto nº 1.973/96.

Nessa Convenção é de se ressaltar a redação de seu artigo 3º “Toda mulher tem direito

a uma vida livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada.” (COMISSÃO

IDH, 1969, n.p.), bem como a redação do artigo 2º, item c, que considera que a violência

contra a mulher não é apenas física, mas também sexual e psicológica e abrange não apenas

os âmbitos domésticos e de trabalho, dando ênfase, inclusive à violência cometida ou tolerada

pelo Estado ou por seus agentes em qualquer local que possa ocorrer. (COMISSÃO IDH,

1969)

Note-se, nas convenções analisadas até o presente momento houve a importante

definição do que se trata gênero e de como ele se torna fundamento para o cometimento de

atos violentos contra as mulheres, havendo especial cuidado em coibir esses atos,

principalmente, no âmbito doméstico, porém, sem olvidar de prever circunstâncias nas quais o

próprio Estado é o agente primário ou secundário de violações por ele repudiadas em diversos

diplomas legais.

6 22. Nos termos da Convenção e do Direito Internacional, um Estado-Parte é responsável pelos atos e pelas

omissões dos seus órgãos e agentes que consistam em violência de gênero contra as mulheres, incluindo os atos ou as omissões de funcionários no Poder Executivo, no Legislativo e no Judiciário. O artigo 2, “d”, da Convenção proíbe que os Estados-Partes, assim como seus órgãos e agentes, se envolvam em qualquer ato ou prática de discriminação direta ou indireta contra as mulheres e assegura que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com essa obrigação. Além de garantir que as leis, as políticas, os programas e os procedimentos não discriminem as mulheres, de acordo com o artigo 2, “c” e “g”[...]. 23. Os Estados-Partes são responsáveis por prevenir esses atos ou omissões por parte dos próprios órgãos e [...] e por investigar, processar e aplicar sanções legais ou disciplinares, assim como fornecer reparação em todos os casos de violência de gênero contra as mulheres, [...], bem como nos casos de falha, negligência ou omissão por parte das autoridades públicas. [...] a) Os atos ou omissões de atores privados habilitados pela lei desse Estado para exercer parte da autoridade governamental, incluindo órgãos privados que prestam serviços públicos, como saúde ou educação, ou locais de detenção em funcionamento, deverão ser considerados atos atribuíveis ao próprio Estado, como são os atos ou omissões de agentes privados que estejam, de fato, atuando sob as instruções, direção ou controle desse Estado,[...] (ONU, 2019, n. p.) (grifo nosso)

29

Tal fato é consubstanciado com a edição da lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria

da Penha. Maria da Penha, após sofrer tentativas de homicídio por parte de seu companheiro e

se ver desamparada pelo Estado Brasileiro quanto à aplicação de sanções ao agressor, buscou

a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com fundamento na Convenção de Belém

do Pará, alegando que o Estado permitiu que seu marido continuasse perpetrando agressões

contra ela. A Comissão recebeu a petição de Maria da Penha em 20 de agosto de 1998, sendo

que requereu ao Estado Brasileiro que encaminhasse as informações que achasse pertinentes,

sem que houvesse resposta. Ao depois, tentou realizar uma solução amistosa com o Estado,

obedecendo ao regulamento da Comissão, sendo que apenas no ano de 2000 emitiu seu

relatório. (COMISSÃO IDH, 2001)

No documento publicado pela Comissão essa deliberou e concluiu que o Brasil havia

ignorado as obrigações assumidas com a ratificação da Convenção de Belém do Pará, bem

como disposições da Declaração e da Convenção Americana, o que contribuía para que se

gerasse um ambiente de favorecimento à violência doméstica. Dessa forma, a comissão

encaminhou o informe 105/00, em 19 de outubro de 2000, para o Brasil, expondo as

recomendações que achou pertinentes ao caso, sendo que não obteve nenhuma resposta. Em

13 de março de 2001 a Comissão enviou o relatório ao Brasil concedendo prazo de um mês

para que cumprisse as recomendações que lhe foram enviadas, contudo, novamente não

obteve resposta, razão pela qual em 04 de abril de 2001 publicou o relatório de nº 54/01.

(COMISSÃO IDH, 2001).7

Após ter recebido tais recomendações o Estado Brasileiro elaborou a Lei Maria da

Penha, com o objetivo de coibir a violência doméstica, em todas as suas espécies, trazendo

novos conceitos de direitos humanos femininos e reforçando o fato de que a violência contra a

mulher se funda em questões de gênero, conforme redação de seu artigo 5º, caput, razão pela

qual o poder legislativo dedicou-se em estabelecer uma lei que tratasse não apenas da

violência em si, mas de sua prevenção e de conferir tratamento diferenciado para que as

7 Dentre as recomendações publicadas pela Comissão destacam-se: 4. Prosseguir e intensificar o processo de

reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra mulheres no Brasil. A Comissão recomenda particularmente o seguinte: [...] b) Simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias de devido processo; c) O estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às conseqüências penais que gera; d) Multiplicar o número de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher e dotá-las dos recursos especiais necessários à efetiva tramitação e investigação de todas as denúncias de violência doméstica, bem como prestar apoio ao Ministério Público na preparação de seus informes judiciais. e) Incluir em seus planos pedagógicos unidades curriculares destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e a seus direitos reconhecidos na Convenção de Belém do Pará, bem como ao manejo dos conflitos intrafamiliares. (COMISSÃO, 2001, n. p.)

30

mulheres em situação de violência doméstica possam ter acesso à efetivação de seus direitos

humanos. (BRASIL, 2006)

Nesse sentido, a Lei Maria da Penha é um importante instrumento de ação afirmativa, já que possui o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas para assegurar igualdade de tratamento e compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização históricas, decorrente de motivos de gênero. (CAMBI; DEMORA, 2017, p.9,)

Atualmente a Lei Maria da Penha é um dos principais diplomas legais utilizados no

Brasil, se não o principal, para combater a violência de gênero no âmbito doméstico, por isso

é importante ressaltar que ela só foi possível porque a mulher que lhe emprestou o nome

buscou auxílio perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e essa cumpriu com

sua função estabelecida na Convenção Americana, o que resultou em recomendações muito

específicas ao Brasil que não pode mais ignorar o fato de que precisava realizar mudanças no

ordenamento jurídico para se coadunar com as obrigações estabelecidas nos mais diversos

tratados de direitos humanos de que é signatário e movimentou o legislativo para atender às

recomendações que a Comissão lhe redigiu.

A Lei 11.340/06 é restrita apenas ao âmbito doméstico, mesmo assim pode trazer

consigo vantagens que perpassam esse ambiente, pois demonstrou claramente a possibilidade

de se peticionar perante a Comissão e obter resultados muito positivos à garantia dos direitos

humanos da mulher. Sendo que, ao ratificar um tratado internacional que traz previsões sobre

direitos humanos o Brasil assume obrigações diante da comunidade internacional, reforçando

a necessidade de cumpri-las, sob pena de se sujeitar a sanções como a que gerou a famigerada

Lei em comento.

Dessa forma, como a Convenção Americana, a Convenção de Belém do Pará, a

CEDAW e suas recomendações posteriores, entre outros tratados internacionais ratificados

pelo Brasil que versam sobre direitos humanos, rechaçam, inclusive a violência e a

discriminação cometida contra a mulher em estabelecimentos prisionais ou em qualquer outro

local que o Estado deva mantê-las sob sua guarda. (COMISSÃO IDH, 1994; 1979)

Há que se falar ainda na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, conhecida como

plataforma de ação de Beijing, que se realizou no ano de 1995. Essa plataforma foi assinada

por mais de 184 países e trouxe uma reivindicação diferente, “[...] além dos direitos, as

mulheres reclamam a efetivação dos compromissos políticos assumidos pelos governos em

conferências internacionais através do estabelecimento de políticas públicas.” (SANTIAGO,

2018, p. 10). Ou seja, nesse documento os países que o assinaram se comprometeram a não

31

apenas continuar ratificando tratados, mas sim elaborar políticas públicas que sejam capazes de

trazer para o mundo físico a realização das disposições presentes naqueles documentos.

Ainda, nessa Conferência foram levantados temas polêmicos como o aborto, solicitando

que os Estados realizassem a revisão de suas legislações internas em relação a esse tema

incentivando que homens e mulheres tenham responsabilidade sobre seu comportamento sexual

exercendo-o com respeito, pois a liberdade da mulher sobre o próprio corpo e sobre a sua

procriação devem ser asseguradas para que sua integridade como pessoa possa ser garantida (item

107, d). (ONU, 1995)

Ao depois, novamente é possível verificar a preocupação de se fazer constar a violência

em razão do gênero cometida ou tolerada pelo Estado:

113. A expressão “violência contra a mulher” se refere a quaisquer atos de violência, inclusive ameaças, coerção ou outra privação arbitrária de liberdade, que tenham por base o gênero e que resultem ou possam resultar em dano ou sofrimento de natureza física, sexual ou psicológica, e que se produzam na vida pública ou privada. Por conseguinte, a violência contra a mulher pode assumir, entre outras, as seguintes formas[...] b) a violência: física, sexual e psicológica no nível da comunidade em geral, inclusive as violações, os abusos sexuais, o assédio e a intimidação: física, sexual e psicológica perpetrada ou tolerada pelo Estado, onde quer que ocorra. 121. As mulheres podem tornar-se vulneráveis a violência perpetrada por pessoas em posição de autoridade, tanto em situações de conflito como de não conflito. O treinamento de todos os agentes em questões humanitárias e leis de direitos humanos e a punição dos perpetradores de atos de violência contra a mulher ajudariam a garantir que a violência não seja praticada pelos agentes públicos, inclusive agentes policiais e penitenciários, e forças de segurança, em quem as mulheres deveriam poder confiar. (ONU, 1995, p. 189) (grifo nosso)

Essa preocupação é percebida na redação da Convenção Interamericana para prevenir e

punir a tortura, acolhida pelo ordenamento jurídico brasileiro em 09 de dezembro de 1989

pelo decreto sob o nº 98.386, porém de forma diferente:

[...] entender-se-á por tortura todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou com qualquer outro fim. Entender-se-á também como tortura a aplicação sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica. Não estarão compreendidos no conceito de tortura as penas ou sofrimentos físicos ou mentais que sejam consequência de medidas legais ou inerentes a elas [...] (COMISSÃO IDH, 1985, p. 1)

Se na IV Conferência Mundial sobre a Mulher buscou-se deixar claro que o Estado é

responsável pela violência perpetrada por agentes públicos, a Convenção acima mencionada

trouxe o conceito do que é tortura mencionando que se amoldam nele as circunstâncias em

32

que se aplicam métodos que anulem a personalidade de vítima. Sendo que, a violência de

gênero trata-se justamente de inferiorizar a mulher e alterar sua percepção sobre sua própria

personalidade, pelo simples fato de ela ser mulher. Nesse ponto há um conflito de coerência

entre esses dois diplomas legais, oportunidade em que se pode aplicar o controle de

convencionalidade para dirimir as dúvidas que eventualmente possam surgir.

Ainda, em 15 de fevereiro de 1991, sobreveio o decreto de nº 40 que promulgou a

Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou

Degradantes. Em seu artigo primeiro a mencionada Convenção explicita o conceito de tortura

no mesmo sentido da Convenção Interamericana (BRASIL, 1991), porém por sua matéria ser

mais ampla e incluir, além da tortura, a menção a outros tratamentos ou penas cruéis pode-se

compreender que, por meio de uma interpretação baseada no princípio pro homine, a

violência de gênero está contemplada por sua proteção, conforme se extrai de seu artigo 16:

Cada Estado Parte se comprometerá a proibir em qualquer território sob sua jurisdição outros atos que constituam tratamento ou penas cruéis, desumanos ou degradantes que não constituam tortura tal como definida no Artigo 1, quando tais atos forem cometidos por funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Aplicar-se-ão, em particular, as obrigações mencionadas nos Artigos 10, 11, 12 e 13, com a substituição das referências a tortura por referências a outras formas de tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. 2. Os dispositivos da presente Convenção não serão interpretados de maneira a restringir os dispositivos de qualquer outro instrumento internacional ou lei nacional que proíba os tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes ou que se refira à extradição ou expulsão. (BRASIL, 1991, n.p.) (grifo nosso)

Ora, se o Brasil é signatário da Convenção Americana, da CEDAW, Do Pacto de San

José da Costa Rica, da Convenção de Belém do Pará, entre outros tratados que preveem a

extinção de todas as formas de discriminação contra a mulher por impossibilitarem que elas

possam se desenvolver plenamente, tanto na esfera privada quanto na pública, é plenamente

aplicável a presente Convenção para prevenir a violência de gênero que possa ocorrer dentro

do ambiente carcerário. Devendo o Estado garantir às mulheres presas, assim como às demais,

que realizem comunicações sobre qualquer mau trato sofrido por parte dos agentes

penitenciários, sendo-lhe garantida a investigação imparcial dos fatos com posterior

responsabilização do “infrator”, conforme previsão do artigo 13 da Convenção em comento.

(BRASIL, 1991)

Ademais, a Assembleia geral das Nações Unidas em sua resolução de nº 61/143 de 19

de dezembro de 2006, conhecida como “Intensificação dos esforços para eliminar todas as

33

formas de violência contra as mulheres” conceituou o que significa o termo violência contra

as mulheres como sendo “[..] todo ato de violência baseada em gênero que tenha ou possa ter

como resultado dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para mulheres, incluindo a

privação arbitrária de liberdade, seja no âmbito público ou privado da vida” 8,(2006 apud

CNJ, p. 18, 2016a) tendo reforçado ainda que é responsabilidade do Estado, além de rever

leis, práticas e usos que tenham como efeito a discriminação da mulher

garantir que provisões de sistemas jurídicos múltiplos, quando existentes, cumpram obrigações, compromissos e princípios internacionais de direitos humanos, incluindo o princípio de não discriminação; a tomar medidas positivas para abordar causas estruturais da violência contra as mulheres e para fortalecer esforços de prevenção contra práticas e normas sociais discriminatórias, incluindo aquelas em relação a mulheres que necessitem de atenção especial, tais como mulheres em instituições ou encarceradas; e a providenciar treinamento e capacitação em igualdade de gênero e direitos das mulheres aos profissionais encarregados de zelar pelo cumprimento da lei e ao judiciário. A resolução é um reconhecimento de que a violência contra a mulher tem implicações específicas para aquelas mulheres em contato com o sistema de justiça criminal, assim como para o seu direito de não sofrer vitimização enquanto privada de liberdade. A segurança física e psicológica é decisiva para assegurar os direitos humanos e melhorar a situação das mulheres infratoras, o que se aborda nas presentes regras. (2006 apud CNJ, 2016a, p. 18)

A relevância dessa verificação também se fez constar no preâmbulo do Protocolo

Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos

ou Degradantes, adotado em 2002, podendo ser citados os seguintes termos:

[...] os Estados têm a responsabilidade primária pela implementação destes Artigos, que reforçam a proteção das pessoas privadas de liberdade, que o respeito completo por seus direitos humanos é responsabilidade comum compartilhada entre todos e que órgãos de implementação internacional complementam e reforçam medidas nacionais [...]. (BRASIL, 2007, n.p.)

Nesse contexto, o objetivo do protocolo facultativo, expresso em seu artigo primeiro,

foi justamente o de fazer cumprir as disposições constantes na Convenção, por meio da

fiscalização efetuada por órgãos nacionais e internacionais, com o escopo de garantir que as

pessoas privadas de liberdade tenham respeitada sua dignidade como pessoa humana

ARTIGO 01 - O objetivo do presente Protocolo é estabelecer um sistema de visitas regulares efetuadas por órgãos nacionais e internacionais independentes a lugares onde pessoas são privadas de sua liberdade, com a intenção de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. (BRASIL, 2007, n.p.)

8 Essa informação foi reforçada pela observação preliminar nº 9 das Regras de Bangkok. (CNJ, 2016ª)

34

Contudo, é de se ressaltar que essa convenção refletiu na edição da Constituição

Federal de 1988, que em seu artigo 5º, inciso III mencionou que “ninguém será submetido a

tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (BRASIL, 1988, n.p.), o que reforça a

necessidade do cumprimento do compromisso assumido pelo Estado perante a convenção e

posteriormente por meio de sua Carta Magna.

Note-se, já na plataforma de ações de Beijing, em 1995, há um movimento

internacional, embora ainda tímido, no sentido de incentivar a atenção às redações de tratados

internacionais, com o objetivo de os Estados transformá-las em políticas públicas eficazes que

apliquem e garantam os direitos que elas trazem enumerados. (ONU, 1995)

Esse importante movimento tratou de se lembrar das mulheres, não apenas no que

tange ao ambiente doméstico, mas em toda sua extensão e complexidade, englobando as

mulheres em situação jurídica de encarceramento, pois se tratam de pessoas esquecidas pelo

sistema prisional, como bem lecionam Colares e Chies

Apesar do crescimento significativo de mulheres presas, o improviso institucional se traduz não em investimentos capazes de atender às peculiaridades dessa população, mas sim no aprisionamento em espaços que não representam mais do que apêndices dos presídios masculinos, onde essas mulheres passam a ocupar celas ou alas denominadas como ‘femininas’. No Rio Grande do Sul, por exemplo, apenas duas das 92 casas prisionais são exclusivamente para mulheres; ambas se localizam na capital do estado (Porto Alegre). Na 5ª Região Penitenciária, quatro dos seis estabelecimentos existentes já assumiram a realidade ‘masculinamente mista’ (2010, p.408)

Para os autores as mulheres presas vivem às sombras, em locais destinados e regulados

apenas para homens, inexistindo o respeito às peculiaridades de seu gênero e às necessidades

que são intrínsecas a condição de ser mulher faltando, muito além de espaço adequado,

condições mínimas de dignidade (COLARES; CHIES, 2010).

Nesse contexto, no capítulo que se segue far-se-á uma análise sobre as disposições

presentes nas Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não

privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok) e nas Regras Mínimas

das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (Regras de Mandela) que foram atualizadas

no ano de 2015, verificando-se a possibilidade de se tornarem importantes ferramentas para a

efetivação de políticas públicas que tornem o cumprimento da pena de mulheres presas, ou

sujeitas a outras medidas não privativas de liberdade, algo mais humano e que respeite a sua

dignidade como pessoas que são, com sua individualidade e necessidades específicas.

35

3 EFICÁCIA DE TRATADOS E RESOLUÇÕES INTERNACIONAIS DE DIREITOS

HUMANOS PARA MULHERES PRESAS

No presente capítulo será analisada a situação atual das prisões femininas, bem como

será verificada a existência e o cumprimento de políticas públicas, construídas sob o amparo

da comunidade internacional, voltadas às mulheres presas. Também serão mencionadas

algumas decisões do STF, STJ e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em relação à

aplicação de normas internacionais no âmbito das mulheres que se encontram em situação de

prisão. Feito esse levantamento será verificada a possibilidade de se buscar a efetivação dos

direitos humanos das encarceradas por meio da intervenção da Corte e da Comissão

Interamericanas de Direitos Humanos, tendo em vista outros casos de violação já analisados

pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos, com a finalidade de encontrar soluções

efetivas para as violações de direitos fundamentais ocorridas no ambiente prisional.

3.1 REGRAS DE MANDELA E REGRAS DE BANGKOK

Tendo em vista que o principal objetivo do presente trabalho é analisar a existência de

um conjunto de normas internacionais de direitos humanos aplicáveis às mulheres

encarceradas é imprescindível que se realize uma análise desses dois documentos. As Regras

Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (Regras de Mandela) foram criadas

em 1955 no 1º Congresso das Nações Unidas para a Prevenção ao Crime e Tratamento de

Delinquentes, de 1955, porém foram atualizadas em 2015 (CNJ, 2016). Já as Regras das

Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não Privativas de Liberdade

para Mulheres Infratoras (Regras de Bangkok) foram aprovadas na Assembleia Geral da ONU

no ano de 2010, mas só foram traduzidas para o português no ano de 2016, sendo que ainda

não foram internalizadas por decreto presidencial. (CNJ, 2016a)

Ambos os diplomas apresentam importante evolução do direito internacional no

sentindo de contemplar a garantia da dignidade da pessoa humana dos que se encontram e

situação jurídica de encarceramento, sendo que muitas legislações e jurisprudências

brasileiras já sofreram alterações com base nessas regras.

De plano, a atualização das Regras de Mandela, como mencionado por Lewandowski,

Presidente do Conselho Nacional de Justiça na oportunidade em que foi publicada a tradução

das referidas regras atualizadas,

36

fornece-nos orientações atualizadas e muito mais precisas, com instruções exatas para enfrentar a negligência estatal, prestigiando a dignidade daqueles em situação de privação de liberdade para devolver-lhes a essência de seres humanos que são e, bem por isso, obrigam sejam respeitados, proteção contra qualquer espécie de tratamento ou castigo degradante ou desumano, acomodações razoáveis para pessoas com deficiências físicas e mentais, entre outras orientações.(CNJ, 2016, p.10)

Dentre essas orientações pode-se enfatizar a necessidade de se tratar a situação

carcerária feminina sob um recorte de gênero, de forma mais sensível à situação atual de

encarceramento feminino.

Nesse contexto, importante colacionar a redação da Regra nº 01, das Regras de

Mandela, pois denota o objetivo em que se funda o documento:

Regra 1 - Todos os presos devem ser tratados com respeito, devido a seu valor e dignidade inerentes ao ser humano. Nenhum preso deverá ser submetido a tortura ou tratamentos ou sanções cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de tais atos, não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância. A segurança dos presos, dos servidores prisionais, dos prestadores de serviço e dos visitantes deve ser sempre assegurada. (CNJ, 2016, p. 19).

A referidas regras tratam ainda acerca do que se considera discriminação,

mencionando que o tratamento dispensado às pessoas encarceradas deve levar em conta suas

necessidades individuais, assim como é de obrigação da administração prisional realizar atos

que protejam aqueles que se encontram em situação de maior vulnerabilidade, não se

considerando discriminatório o atendimento diferenciado a essas necessidades (Regra de nº

2). No caso das mulheres, encarceradas em espaços predominantemente masculinos esse

dispositivo se amolda perfeitamente, sendo elas vulneráveis em um ambiente que não foi

pensado para elas, pois

O Direito, a despeito das tentativas de se passar por instrumento neutro e assexuado, adota claramente o paradigma masculino, tem como característica central o androcentrismo: todas as análises, investigações, estudos e propostas são construídos a partir do sujeito masculino, embora sejam consideradas aplicáveis para a generalidade de seres humanos, tanto mulheres quanto homens. O homem é elevado à categoria de universal e a mulher rebaixada àcategoria de particular. (RAMPIN; COLOMBAROLI, 2013, p. 346)

Nesse contexto, a Regra de nº 11 merece ser lida em conjunto com os artigos 82 §§ 1º

e 2º da Lei 7.210/84, Lei de Execuções Penais (LEP)

Regra 11- As diferentes categorias de presos devem ser mantidas em estabelecimentos prisionais separados ou em diferentes setores de um mesmo

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estabelecimento prisional, levando em consideração seu sexo, idade, antecedentes criminais, razões da detenção e necessidades de tratamento. Assim: (a) Homens e mulheres devem, sempre que possível, permanecer detidos em unidades separadas. Nos estabelecimentos que recebam homens e mulheres, todos os recintos destinados às mulheres devem ser totalmente separados; [...]. (Grifei) Art. 82. Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso. § 1° A mulher e o maior de sessenta anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal. § 2º - O mesmo conjunto arquitetônico poderá abrigar estabelecimentos de destinação diversa desde que devidamente isolados. (BRASIL, 1984, n.p.) (grifo nosso)

Como se vê a LEP reproduziu as recomendações da Regra nº 11, mencionando a

necessidade de separar homens e mulheres em estabelecimentos distintos. Contudo, o

parágrafo segundo do artigo 82 da Lei de Execução Penal prevê a possibilidade de um mesmo

estabelecimento se destinar ao recolhimento de homens e mulheres, ao mesmo tempo, desde

que em repartições distintas e isoladas. Em relação às penitenciárias, destinadas ao

cumprimento de penas de reclusão em regime fechado, não há dispositivo permitindo tal

forma de alojamento, embora se apliquem as mesmas disposições, conforme informações

extraídas do último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. (BRASIL, 2017)

Ademais, Chies e Colares (2010) ressaltam que esse “improviso” torna inviáveis os

direitos relacionados às especificidades da mulher,

Um presídio masculinamente misto agrega outras formas de separação. Nele coexistem não só linhas de demarcação entre os que se ajustam às regras disciplinares e os que não se ajustam, como também de divisão entre homens e mulheres encarcerados. São linhas predefinidas, cuja fixidez está orientada pela concepção dual de que ser homem ou mulher define a posição que o indivíduo adquire e o espaço a ser ocupado. (p. 408)

Note-se, novamente o homem é utilizado como medida “universal” para as definições

intra-cárcere (RAMPIN; COLOMBAROLI, 2013) sendo-lhe destinado maior espaço e maior

atenção). Tais fatos foram verificados pelos autores quando, durante a realização da pesquisa

acima citada, entrevistaram apenadas

[Apenada 01] Pra mim eu acho que o lugar foi feito pra homens e eles abriram uma brecha pra alojar mulheres. Porque eu acho que é masculino, só tem uma cela pras moças que tão aqui, e o resto é tudo para os homens (Entrevistada no Presídio 4). Os homens, eles têm todas as regalias. Os homens, eles são a massa carcerária não é? Então eles podem tudo. Nós não podemos nem tomar mate, nós somos a escória da escória da sociedade. [...] O nosso pátio é de terra, o deles é calçado. O nosso pátio tem ratão tão grande que parece uma capivara. Eles caminham no meio da gente. Os presos, o pátio deles é calçado, eles jogam bola fazem musculação, a gente não. Também eles podem tudo, a gente não pode nada (Entrevistada no Presídio 3). (RAMPIN; COLOMBAROLI, p. 410)

38

[Apenada 02] Ah! É masculino porque assim é [...] a prioridade aqui são os homens [...] a nossa cela fica no final [...] vou te dar um exemplo simples: a comida [...] nós somos as últimas a ser servidas. A comida começa lá na ponta da galeria e assim a raspa da panela é nossa [...] nós temos uma hora e meia de pátio. Os homens têm pátio de manhã e de tarde. Mas nós temos da uma e meia às três da tarde [...] então, a prioridade aqui são os homens (Entrevistada no Presídio 1).(RAMPIN; COLOMBAROLI, p. 410)

Ou seja, as Regras de Mandela e a LEP, nesse contexto, são ineficazes, pois ausentes

condições mínimas de espaço físico, entre outros, para pôr em prática suas previsões.

Essas não são as únicas recomendações que alcançam as mulheres na redação das

Regras de Mandela, porém elas são repetidas e até mesmo complementadas nas Regras de

Bangkok, razão pela qual se passa a análise dessas.

3.1.1 Breves considerações, em ampla perspectiva, sobre as Regras de Bangkok

Conforme se viu no tópico acima, as Regras de Mandela trouxeram várias previsões

sensíveis às garantias aplicáveis às mulheres presas. Todavia, as Regras de Bangkok são um

marco histórico para a população carcerária feminina, tendo em vista que se trata do primeiro

tratado internacional específico para o contingente de mulheres presas (CNJ, 2016a).

Importa salientar que as presentes regras não são necessariamente um tratado ou

convenção sim uma resolução das Nações Unidas, a fim de orientar “[...] parâmetros mínimos

para o tratamento de Mulheres infratoras, embasados pelos direitos humanos já consolidadas

através da Declaração Universal de Direitos humanos e normas internacionais efetivamente

cogentes, dela derivadas.” (MARANHÃO; GIMENES, 2018).

Mesmo tendo sido elaboradas com a participação do Brasil em 2010, as Regras de

Bangkok foram traduzidas apenas em 2016, sendo que ainda não há decreto internalizando tal

tratado no ordenamento jurídico brasileiro até a presente data. Tal circunstância denota o

descaso para com a aplicação de suas recomendações, embora Levandowski tenha enfatizado,

quando da apresentação da tradução dessas Regras que

O aprisionamento de mulheres é um fenômeno que tem aumentado significativamente no Brasil nas últimas décadas, trazendo impacto para as políticas de segurança, administração penitenciária, assim como para as políticas específicas de combate à desigualdade de gênero. As mulheres em situação de prisão têm demandas e necessidades muito específicas, o que não raro é agravado por históricos de violência familiar e condições como a maternidade, a nacionalidade estrangeira, a perda financeira ou o uso de drogas. Não é possível desprezar, nesse cenário, a distinção dos vínculos e relações familiares estabelecidos pelas mulheres, bem como sua forma de envolvimento com o crime, quando comparados com a população masculina, o que repercute de forma direta as condições de

39

encarceramento a que estão submetidas. [...] Historicamente, a ótica masculina tem sido tomada como regra para o contexto prisional, com prevalência de serviços e políticas penais direcionados para homens, deixando em segundo plano as diversidades que compreendem a realidade prisional feminina, que se relacionam com sua raça e etnia, idade, deficiência, orientação sexual, identidade de gênero, nacionalidade, situação de gestação e maternidade, entre tantas outras nuanças. (CNJ, 2016a, p. 09) (grifo nosso)

Além disso, à época o então Presidente do Conselho Nacional de Justiça fez questão de

ressaltar que, mesmo o Brasil tendo participado da elaboração dessas Regras, até então não

haviam sido pensadas e implementadas políticas públicas capazes de cumprir esse

compromisso internacional assumido pelo Estado. (CNJ, 2016a)

Mesmo assim, é de se considerar que a publicação e divulgação de tais regras podem

ser vistas com bons olhos, pois dão início a viabilidade de sua aplicação. Sendo assim, inicia-

se sua análise por seu Princípio básico e sua Regra nº 1, que complementa a regra de nº 6 das

Regras mínimas para o tratamento de reclusos:

Regra 1 A fim de que o princípio de não discriminação, incorporado na regra 6 das Regras mínimas para o tratamento de reclusos, seja posto em prática, deve-se ter em consideração as distintas necessidades das mulheres presas na aplicação das Regras. A atenção a essas necessidades para atingir igualdade material entre os gêneros não deverá ser considerada discriminatória. . (CNJ, 2016a, p. 19) (Grifo nosso)

Como já mencionado na análise das Regras de Mandela, o tratamento dispensando a

fim de garantir as necessidades específicas das mulheres presas não se considera

discriminatório, muito pelo contrário, permite que, em um ambiente em que a mulher se

encontra vulnerável, a dignidade da mulher deva ser minimamente assegurada.

Ainda, em se tratando de necessidades específicas das mulheres é de mencionar a

Regra de número 15, que também deve ser lida em conjunto com o artigo 39, inciso IX, da

LEP,

Higiene pessoal [Complementa as regras 15 e 16 das Regras mínimas para o tratamento de reclusos] [...] Regra 5 A acomodação de mulheres presas deverá conter instalações e materiais exigidos para satisfazer as necessidades de higiene específicas das mulheres, incluindo absorventes higiênicos gratuitos e um suprimento regular de água disponível para cuidados pessoais das mulheres e crianças, em particular mulheres que realizam tarefas na cozinha e mulheres gestantes, lactantes ou durante o período da menstruação. Art. 39. Constituem deveres do condenado: [...] IX - higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento. (CNJ, 2016a, p. 23) (Grifo nosso)

40

Consoante se extrai da redação da Regra de nº 5 a mulher tem peculiaridades como a

menstruação, necessidade de suprimento de água diferenciado de acordo com essa ou se

estiver em período de lactância, entre outros. No tocante ao direito à higiene pessoal, para

manter a si e ao seu alojamento em condições aceitáveis de limpeza, também precisa de

atenção, face às circunstâncias já mencionadas. (CNJ, 2016a)

Outrossim, a LEP brasileira prevê a higiene pessoal no rol dos deveres dos presos,

devendo ser interpretada extensivamente às mulheres. A interpretação conjunta desses dois

diplomas remete a existência de um dever que para ser cumprido não depende apenas das

mulheres, mas sim da colaboração do Estado e da administração prisional na criação de

condições de manutenção de higiene e limpeza. (BRASIL, 1984)

Além disso, outro serviço que depende da ação estatal para sua concretização é o de

cuidados com a saúde das presas.9 Para tanto, as Regras tem previsão expressa de cuidados

específicos em relação à saúde da mulher. Dentre esses cuidados estão a prevenção e

informações sobre o HIV e suas formas de transmissão, inclusive aos filhos, o tratamento de

mulheres com vício em entorpecentes, fornecimento de informações e exames sobre

problemas de saúde específicos da mulher, entre outros que estão presentes, por exemplo, nas

Regras de nº 10, 11, 12, 16, 62 com ênfase na previsão da regra 18, que trata da prevenção do

câncer de mama e ginecológico, bem como da realização do exame preventivo do câncer de

colo de uterino 10. (CNJ, 2016a)

Há que se ressaltar a importância conferida ao acompanhamento médico para

manutenção da saúde mental da mulher. Não obstante seja algo extremamente necessário não

se vê a mesma preocupação em relação aos encarcerados, podendo ser extensivo a eles como

preveem as observações preliminares da resolução em comento, isso ocorre por que as

9 Nesse ponto é de se mencionar que as regras que tratam exclusivamente do direito de grávidas, parturientes,

lactantes, e mães presas acompanhadas de crianças menores serão tratadas em tópico específico a ser verificado em outro momento do trabalho.

10 Dentre as previsões das mencionadas regras destacam-se as seguintes: Regra 10 - 1. Serão oferecidos às presas serviços de atendimento médico voltados especificamente para mulheres, no mínimo equivalentes àqueles disponíveis na comunidade. [...].Regra 18 Mulheres presas devem ter o mesmo acesso que mulheres não privadas de liberdade da mesma faixa etária a medidas preventivas de atenção à saúde de particular relevância para mulheres, tais como o teste de Papanicolau e exames de câncer de mama e ginecológico Regra 62 Deverá ser aprimorada a prestação de serviços comunitários para o tratamento do consumo de drogas, os quais sejam sensíveis às questões de gênero, centrados na compreensão dos traumas e destinados exclusivamente às mulheres, assim como o acesso a estes tratamentos, para a prevenção de crimes e a adoção de medidas despenalizadoras e alternativas penais. (CNJ, 2016a, p. 24 et. seq.)

41

mulheres estão expostas a um contexto de violência de gênero que as acompanham desde o

nascimento e se trata de uma das especificidades que necessitam de amparo especializado11.

Ao depois, a resolução 16/2010 expõe a necessidade de desenvolver métodos de

revista íntima menos invasivos, como o uso de escâneres evitando danos psicológicos às

presas. Nesse mesmo contexto foram inseridas recomendações de que os funcionários do

sistema prisional, voltados ao atendimento da mulher, devem demonstrar, além de

competência, profissionalismo, sensibilidade e respeito, cuidando da dignidade durante a

realização das revistas, inclusive em crianças que se encontram com as mães no cárcere ou

que vão visitá-las. (CNJ, 2016a)

Ainda, as Regras de Bangkok se preocuparam em ressaltar a existência de violência de

gênero em face das próprias funcionárias, o que se observa nas regras de nº 30 a 32 que

instituem cobranças à administração prisional no sentido de evitar esse tipo de discriminação

por meio da elaboração de regulamentos e políticas claras sobre o comportamento dos

funcionários, sobre a capacitação ofertada, que não deve ter distinções em relação ao gênero

dos funcionários. Tudo isso com vistas a minimizar qualquer tipo de violência física ou

verbal, incluindo assédio e abuso sexual, que possam ser perpetrados contra as funcionárias.12

(CNJ, 2016a)

Quando mencionados os direitos das presas também se ressaltou a indispensabilidade

de garantir que qualquer uma que sofresse abuso, e até mesmo engravidasse por conta disso,

pudesse ter direito a queixa, investigação e apoio, mesmo que encarceradas. Ainda, no que

tange aos direitos das presas, há a previsão do direito de visitas, recomendando que visitas que

envolvam crianças sejam realizadas em ambientes que propiciem uma experiência positiva,

11 Acerca do tema, cite-se: Cuidados com a saúde mental: Regra 12 - Deverão ser disponibilizados às mulheres

presas com necessidades de atenção à saúde mental, na prisão ou fora dela, programas de atenção à saúde mental individualizados, abrangentes, sensíveis às questões de gênero e centrados na compreensão dos traumas, assim como programas de reabilitação. Prevenção ao suicídio e às lesões autoinfligidas: Regra 16 - A elaboração e aplicação de estratégias, em consulta com os serviços de atenção à saúde mental e de assistência social, para prevenir o suicídio e as lesões auto infligidas entre as presas, e a prestação de apoio adequado, especializado e com perspectiva de gênero para aquelas mulheres em situação de risco, deverão ser parte de uma política abrangente de atenção à saúde mental nas penitenciárias femininas. (CNJ, 2016a, p. 23)

12Para melhor compreensão serão colacionadas as referidas regras: Regra 30 Deverá haver um comprometimento claro e permanente em nível de gestão da administração penitenciária para evitar e abordar discriminações de gênero contra funcionárias. Regra 31- Deverão ser elaborados e aplicados regulamentos e políticas claras sobre a conduta de funcionários/ as, com o intuito de prover a máxima proteção às mulheres presas contra todo tipo de violência física ou verbal motivada por razões de gênero, assim como abuso e assédio sexual. Regra 32 As servidoras mulheres do sistema penitenciário feminino deverão ter o mesmo acesso à capacitação que os servidores homens e todos os/as funcionários/as da administração de penitenciárias femininas receberão capacitação sobre questões de gênero e a proibição da discriminação e o assédio sexual. . (CNJ, 2016a, p. 28)

42

inclusive em relação ao comportamento dos funcionários, permitindo-se o contato direto com

a mãe, com incentivo da presença prolongada dos filhos. (CNJ, 2016a)

Contudo, a Regra de nº 44 traz uma ressalva, pois a mulher presa tem uma grande

probabilidade de ter sofrido violência doméstica antes de sua situação de prisão, devendo ser

consultada acerca de que pode realmente visita-la. Tal redação denota a situação que essas

mulheres se encontram antes do encarceramento e refletem, inclusive, as condições e

dificuldades adicionais que encontrarão quando tiverem sua liberdade restabelecida. (CNJ,

2016a)

As Regras em análise possuem, também, a presença expressa da permissão de

realização das controversas visitas íntimas13 nas mesmas condições estabelecidas aos presos

do sexo masculino. Insta salientar que a Lei de Execução penal silenciou completamente em

relação ao direito de contato íntimo entre pessoas em situação de prisão e seus companheiros

(as), prevendo apenas o direito de visitas genericamente, “Art. 41 - Constituem direitos do

preso: [...] X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

[...]”, (BRASIL, 1984, n.p.) isso demonstra que o direito brasileiro demorou a se desenvolver

em relação a esse tópico, o que se percebe da breve retomada histórica da permissão da visita

íntima que

[...] foi consentida, pela primeira vez, no Rio de Janeiro, em 1924, àqueles presos que fossem casados no civil e possuíssem bom comportamento. Em 1929, já era prescindível a união civil para sua obtenção. Em 1933, esse tipo de visita foi estendido aos presos provisórios e, atualmente, é permitida em todos os presídios do País. Porém, a visita intima só foi regulamentada para as presas em 1999 e, em estados como São Paulo, este direito só foi reconhecido em 2001 (COLOMBAROLI, 2011 apud FREITAS; LIMA, 2018)

Nesse ponto, nota-se a clara intenção de se rechaçar discriminações de presas que

tenham fundamento em seu gênero, prevendo expressamente a necessidade de se permitir que

a presa tenha um contato de qualidade com seus familiares e mantenha laços que irão ser

necessários à sua reintegração social após a passagem pelo cárcere. Sendo assim, essa forma

de distinção em relação à forma como se dá a visita íntima para a mulher precisa ser revista

pelo Direito brasileiro, sob pena de se invisibilizar mais uma necessidade da mulher

encarcerada.

13 A Resolução no 01, de 30 de março de 1999, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária –

CNPCP. Define visita íntima como aquela em que existe [...] a recepção pelo preso, nacional ou estrangeiro, homem ou mulher, de cônjuge ou outro parceiro, no estabelecimento prisional em que estiver recolhido, em ambiente reservado, cuja privacidade e inviolabilidade sejam asseguradas.

43

Ao depois, as Regras de Bangkok ainda tem a previsão, tal como a LEP, da

necessidade de separar presas provisórias de condenadas. Contudo, além dessa separação

recomenda-se ainda que as especificações de gênero sejam determinantes para o alojamento

das encarceradas, com o intuito de se desenvolverem programas de reintegração social,

reabilitação, tratamento de forma individualizada e adequada a situação da mulher perante sua

pena e suas distinções inerentes ao seu gênero. (CNJ, 2016a)

A regra nº 41 ilustra algumas circunstâncias que exigem essa classificação sensível e

específica, não apenas no sentido de considerar os antecedentes criminais ou o risco que as

detentas possam oferecer, demonstrando a existência de uma preocupação com a vida

pregressa da apenada no que diz respeito à existência de antecedentes relacionados a violência

em função do gênero que possam ter sofrido quando fruíam de sua liberdade.14 (CNJ, 2016a)

Por seu turno, a regra n 42 menciona a necessidade de se flexibilizar o regime prisional

em favor da apenada que for lactante, gestante, ou que possuir filhos, com o oferecimento de

estabelecimentos e serviços adequados para o cuidado das crianças, garantindo a participação

das presas nas atividades prisionais. Recomenda-se, ainda, a existência de um empenho

especial na prestação de serviços à essas presas, bem como às que tiverem sofrido algum tipo

de abuso físico, mental ou sexual. (CNJ, 2016a)

Ademais, quando expostas as apresentações das Regras de Bangkok, reconheceu-se a

situação vivida por diversos países em relação à superlotação e escassez de recursos, motivo

pelo qual se reforçaram as recomendações do uso de medidas cautelares diversas da prisão,

com ênfase às mencionadas nas Regras de Tóquio, como pode ser visto nas regras de nº 56 e

58.15 (CNJ, 2016a)

14 A importância dessa regra se consubstancia no fato de haver nítido respeito a mulher e a sua vivência social,

vislumbrando sua humanidade além cárcere: Regra 41 A avaliação de risco e a classificação de presas que tomem em conta a dimensão de gênero deverão: (a) Considerar que as mulheres presas apresentam, de um modo geral, menores riscos para os demais, assim como os efeitos particularmente nocivos que podem ter para as presas medidas disciplinares rigorosas e altos graus de isolamento; (b) Possibilitar que informações essenciais sobre seus antecedentes, como situações de violência que tenham sofrido, histórico de transtorno mental e consumo de drogas, assim como responsabilidades maternas e de cuidados, sejam levadas em consideração na distribuição das presas e na individualização da pena; (c) Assegurar que o regime de pena das mulheres inclua serviços e programas de reabilitação condizentes com as necessidades específicas de gênero; [...]

15 Além das regras a seguir mencionadas é de considerar a Regra de nº 62, já colacionada no presente trabalho. Regra 56 As autoridades competentes reconhecerão o risco específico de abuso que enfrentam as mulheres em prisão cautelar e adotarão medidas adequadas, de caráter normativo e prático, para garantir sua segurança nessa situação. III. Medidas não restritivas de liberdade - Regra 58 Considerando as provisões da regra 2.3 das Regras de Tóquio, mulheres infratoras não deverão ser separadas de suas famílias e comunidades sem que se considere devidamente a sua história e laços familiares. Formas alternativas de lidar com mulheres infratoras, tais como medidas despenalizadoras e alternativas à prisão, inclusive à prisão cautelar, deverão ser empregadas sempre que apropriado e possível.

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Levando-se em conta essas Regras, vislumbra-se que a aplicação de medidas

cautelares diversas da prisão é uma forma de reduzir a superlotação, bem como viabilizar a

garantia dos demais direitos humanos presentes, não apenas nas comentadas regras, em todos

os tratados e normas internacionais, assim como os previstos na própria legislação nacional,

seria a aplicação de medidas alternativas à prisão. Ressalte-se, não há apenas um momento em

que se essas medidas devem ser aplicadas, pois cabíveis, em diferentes vestes, na fase de

sentenciamento, na fase de prisão cautelar e até mesmo no cumprimento da pena.

Sobre esse aspecto pode-se dizer que as Regras inspiraram a Legislação brasileira,

tendo sido internalizadas e aplicadas, de forma muito tímida ainda, quando da edição da Lei

13.257/16 (Marco Legal da Primeira Infância), pois essa lei alterou dispositivos do Código de

Processo Penal, com vistas a permitir que a autoridade policial ou o Magistrado possam

decidir sobre a concessão de medidas cautelares conhecendo o contexto que se insere o

investigado/réu. (BRASIL, 2016) As mudanças que auxiliam nessa decisão dizem respeito ao

questionamento, em qualquer fase, da existência de filhos suas idades, se possuem alguma

deficiência ou algum responsável que possa ser contatado para realizar os cuidados de que

necessitam (MARANHÃO; GIMENES, 2018), tal tópico será aprofundado nos próximos

tópicos quando realizada uma análise acerca das decisões proferidas pelo STF levando em

consideração o Marco Legal da Primeira Infância e as condições do sistema prisional

constatadas na ADPF 347.

Embora tais alterações possam demonstrar a preocupação do legislador com as

mulheres encarceradas elas tendem a considerar a existência de filhos ou de pessoas pelas

quais a mulher é responsável – e não a existência de uma mulher que, por si só, precisa de

atenção – como requisitos para concessão das benesses. Por esse motivo, no tópico que se

segue o exercício da maternidade no cárcere será questionado, sob o prisma tanto da

legislação nacional quanto das Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres

presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras.

3.1.2 Exercício da maternidade no cárcere e estigmatização da mulher

Não há dúvidas que as Regras de Bangkok estabeleceram inúmeros caminhos para se

avançar no reconhecimento de um recorte de gênero em relação às mulheres presas. Nota-se

uma presença muito grande de referências à maternidade no cárcere. Essa preocupação é

justificável frente às condições dos estabelecimentos penais que acolhem mulheres que muitas

vezes carregam consigo filhos menores que dependem de seu amparo. Nesse tópico serão

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citadas algumas dessas recomendações, bem como as legislações existentes no ordenamento

jurídico brasileiro que tratem da mesma matéria.

De início cabe ressaltar a previsão do artigo 5º, incisos L, da CRFB, o qual prevê que

“às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos

durante o período de amamentação” (BRASIL, 1988, n.p.) bem como no inciso XLV, cuja

redação menciona que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”, (BRASIL, 1988,

n.p.), ou seja, a pena a que as mães são condenadas a cumprir não deveriam atingir seus

filhos. Além disso, a Constituição Federal de 1988 também consagrou o princípio do melhor

interesse da criança no artigo 227 o qual designa que

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. ( n.p.)

O princípio do interesse integral da criança teve origem na Declaração dos Direitos da

Criança, de 1959 e foi novamente enaltecida em 1990 na Convenção sobre os direitos da

criança. Sendo que essa última foi incorporada pelo citado artigo 227 da CF, alterando o

paradigma de que apenas crianças e adolescentes que estivessem em situações irregulares

poderiam usufruir de tal princípio, ampliando o alcance do interesse superior da criança para

todas as crianças e adolescentes, independentemente de sua condição. (MACIEL, 2018)

Ainda, o princípio do melhor interesse da criança é reforçado nos artigos 3º e 4º do

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990, n.p.)

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Diante do exposto, insta salientar que as Regras de Bangkok trataram, de forma bem

detalhada, da situação das crianças filhas de presas, bem como buscou estender essa garantia

aos nascituros por meio da proteção das gestantes.16

Assim, se percebe que as Regras englobam não apenas os filhos que permanecem no

cárcere, mas também aqueles que são retirados do convívio da mãe e ficam sob a

responsabilidade de terceiros. Assim como englobam desde a nutrição das parturientes,

lactantes e gestantes, o local em que se inserem, os serviços de saúde a que devem ter acesso

– tanto mães quanto filhos – até a permanência ou não dessas crianças com a mãe. Em várias

dessas regras está expresso o princípio do melhor interesse da criança como balizador das

ações que irão nortear a estadia da mãe no cárcere e em que condições isso acontecerá. (CNJ,

2016a)

Na LEP notava-se a omissão do legislador acerca do exercício da maternidade no

cárcere fazendo constar, de início, apenas a necessidade da existência de berçários em

estabelecimentos prisionais para que as mães pudessem cuidar de seus filhos e amamentá-los

até os seis meses de idade. Contudo, com a edição da Lei 11.942/2009 houve significativa

alteração no artigo 42 Lei de Execuções, fazendo constar atendimento á mulher,

16 Regra 48 - 1. Mulheres gestantes ou lactantes deverão receber orientação sobre dieta e saúde dentro de um

programa a ser elaborado e supervisionado por um profissional da saúde qualificado. Deverão ser oferecidos gratuitamente alimentação adequada e pontual, um ambiente saudável e oportunidades regulares de exercícios físicos para gestantes, lactantes, bebês e crianças. 2. Mulheres presas não deverão ser desestimuladas a amamentar seus filhos/as, salvo se houver razões de saúde específicas para tal. 3. As necessidades médicas e nutricionais das mulheres presas que tenham recentemente dado à luz, mas cujos/as filhos/as não se encontram com elas na prisão, deverão ser incluídas em programas de tratamento. Regra 49 - Decisões para autorizar os/as filhos/as a permanecerem com suas mães na prisão deverão ser fundamentadas no melhor interesse da criança. Crianças na prisão com suas mães jamais serão tratadas como presas. Regra 50 - Mulheres presas cujos/as filhos/as estejam na prisão deverão ter o máximo possível de oportunidades de passar tempo com eles. Regra 51 - 1. Crianças vivendo com as mães na prisão deverão ter acesso a serviços permanentes de saúde e seu desenvolvimento será supervisionado por especialistas, em colaboração com serviços de saúde comunitários. 2. O ambiente oferecido para a educação dessas crianças deverá ser o mais próximo possível àquele de crianças fora da prisão. Regra 52 - 1. A decisão do momento de separação da mãe de seu filho deverá ser feita caso a caso e fundada no melhor interesse da criança, no âmbito da legislação nacional pertinente. 2. A remoção da criança da prisão deverá ser conduzida com delicadeza, e apenas quando alternativas de cuidado da criança tenham sido identificadas e, no caso de presas estrangeiras, com consulta aos funcionários/as consulares. 3. Uma vez separadas as crianças de suas mães e colocadas com familiares ou parentes, ou sob outras formas de cuidado, serão oferecidas às mulheres presas o máximo de oportunidades e condições para encontrar-se com seus filhos e filhas, quando estiver sendo atendido o melhor interesse das crianças e a segurança pública não for comprometida Regra 64 - Penas não privativas de liberdade para as mulheres gestantes e mulheres com filhos/as dependentes serão preferidas sempre que for possível e apropriado, sendo a pena de prisão considerada apenas quando o crime for grave ou violento ou a mulher representar ameaça contínua, sempre velando pelo melhor interesse do/a filho/a ou filhos/as e assegurando as diligências adequadas para seu cuidado. Regra 69 - Serão envidados esforços para revisar, avaliar e tornar públicas periodicamente as tendências, os problemas e os fatores associados ao comportamento infrator em mulheres e a efetividade das respostas às necessidades de reintegração social das mulheres infratoras, assim como de seus filhos/as, com o intuito de reduzir a estigmatização e o impacto negativo do conflito das mulheres com o sistema de justiça criminal nas mulheres e em seus filhos/as. (CNJ, 2016a, p. 32, et. seq.) (grifo nosso)

47

principalmente, nos períodos pré-natal e pós-parto, sendo os cuidados estendidos ao recém-

nascido, dispôs ainda sobre a indispensabilidade de seção destinada a gestantes e parturientes,

e da instalação de creches para abrigo e amparo de crianças de idade entre 06 meses e 07 anos

de idade, cujas mães estejam encarceradas, mesmo que provisoriamente. (BRASIL, 1984)

Além disso, não se pode olvidar que as mudanças legislativas, bem como as próprias

Regras de Bangkok são extremamente benéficas, principalmente no que diz respeito aos

infantes, quando efetivamente executadas. Contudo, é de se ressaltar que mesmo nesses

nobres diplomas mantêm-se uma forma de discriminação baseada no gênero. Isso porque, em

vários momentos, tanto na legislação nacional quanto na resolução das Nações Unidas, há a

menção expressa do dever de cuidado exigido da mulher, tendo em vista que a ela cabe a

guarda e responsabilização pelos filhos na maior parte do tempo, conforme reconhecido

quando da publicação das próprias Regras de Bangkok. (CNJ, 2016a)

Dessa forma, essa estigmatização da mulher-mãe importa em uma limitação de gênero

quando benefícios como aplicação de medidas cautelares, garantia de nutrição, higiene e

serviços de saúde são concedidos somente quando subsiste um filho que seja dependente da

mulher. Ora, o Estado tem o dever, assumido perante a comunidade internacional e perante o

seu povo, de zelar pela saúde, pela dignidade e pelo tratamento humanizado das pessoas

presas sem condicionar isso à existência de um filho. A mulher, por si só, deve ter todas essas

garantias asseguradas pelo simples fato de ela existir como um ser autônomo e detentor de

direitos intrínsecos ao seu gênero, o que não necessariamente inclui a procriação.17

Quando da análise da concessão de visitas íntimas se percebe que à mulher se aplica o

conceito de “familismo” que para Alda Fácio e Rosalía Camacho “consiste na identificação da

mulher-pessoa humana com a mulher-família, ou seja, em referir-se ou considerar-se a mulher

sempre em relação à família, como se o seu papel dentro do núcleo familiar fosse o que

determina sua existência e, mesmo, suas necessidades e, até, a forma em que é considerada,

estudada e analisada”. (1995, p. 50 apud RAMPIN;COLOMBAROLI, 2013, p. 358)

Ante o exposto, é preciso enfatizar que a mulher deve ser a medida de si mesma

quando da verificação de providências atenuadoras para a situação de prisão. O que não

implica dizer que seus filhos não merecem amparo, devendo ainda ser implementadas 17 Com a presente afirmação não se busca diminuir as conquistas que levam em conta o melhor interesse da

criança, pois se entende que são importantes para o desenvolvimento dos infantes por elas alcançados, bem como para a manutenção dos laços familiares tão necessários à reintegração social das presas, mas apenas ressalta-se que a mulher nem sempre terá filhos e isso não pode, de forma alguma, limitar o seu acesso à dignidade humana. Também não se questiona o tratamento diferenciado às presas que são mães, pois se compreende que isso é uma forma de buscar a isonomia. O que se indaga é o fato de o Estado conceder benefícios de caráter universal, como são os direitos humanos, apenas e tão somente sob a condição do exercício da maternidade.

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políticas públicas que melhorem a situação prisional e o exercício da maternidade no cárcere

o que consequentemente irá auxiliar na reintegração da mulher na sociedade e no

desenvolvimento social como um todo.

A respeito dessa implementação, em seguida será averiguada a internalização dessas

normas propriamente ditas e como alguns casos, nos quais o Brasil foi réu no SIDH, podem

servir de parâmetro para melhorar a situação carcerária vivida pelas presas atualmente.

3.2 INTERNALIZAÇÃO DE TRATADOS E RESOLUÇÕES INTERNACIONAIS DE

DIREITOS HUMANOS PARA MULHERES ENCARCERADAS

Importa dizer que a situação do sistema carcerário brasileiro não se trata de uma

novidade, havendo relatos de que as primeiras prisões instaladas no país eram na verdade

equiparadas a masmorras, nas quais a grande maioria dos presos morria e os que sobreviviam

permaneciam com sequelas que os tornavam inválidos para o trabalho pelo o resto de suas

vidas. Sendo que em 1990 passou-se a registrar um significativo crescimento nas taxas de

encarceramento apresentando-se um salto de 90 mil para 726.700 mil presos entre os anos de

1990 a 2016, o que representa uma elevação superior a 700% no número de pessoas privadas

de sua liberdade nesse período. (DAL SANTO, 2019).

Entretanto, o encarceramento de mulheres, por muito tempo, foi ‘esquecido’, sem que

houvesse a elaboração de políticas públicas com vistas a atender as necessidades das presas.

Isso porque, como já mencionado, existe um imaginário criado em torno do papel da mulher

na sociedade, esse é marcado por fortes intervenções do patriarcado, que traz definições do

que cabe ao homem e à mulher, considerando que as integrantes da população feminina não

se encaixam no papel de infratoras (ANDRADE, 2012 apud SÁ; SIMÕES, 2019)

Ser mulher, neste contexto, é desafio enfrentado em nível estrutural, porquanto as políticas públicas, muitas vezes voltadas para a regra da maioria, acabam servindo e reverberando o paradigma hegemônico e perpetrando uma invisibilização sexista à qual a mulher está, desde a infância, sujeita. Esta afirmação ganha relevo quando percebemos o quão deficitária é a estrutura penitenciária para atender às especificidades das mulheres (categoria social minoritária): ausência de profissionais da saúde e médicos especializados na saúde feminina13, ausência de presídios arquitetados e construídos para receber mulheres encarceradas, ausência de creches e centros de apoio à gestante e lactante encarcerada, entre outros. Pensado segundo a ótica da maioria, o sistema penitenciário não consegue (e nem se esforça) para enxergar seu público feminino, que de desconhecido passa a ser oprimido justamente por aquilo que se diferencia e se afasta do paradigma androcêntrico hegemônico (RAMPIN; COLOMBAROLI, 2013, p. 355)

49

Outrossim, o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN

Mulheres é outro exemplo de como se invisibilizavam as mulheres presas. Isso porque a

primeira edição contendo dados relativos às presas foi realizada apenas em 2014, sendo a

segunda coleta de dados realizada apenas em 2016 e publicada em 2018. Esse documento

trouxe a tona dados alarmantes em relação ao encarceramento feminino, mas que permitem a

análise da facticidade para a elaboração de políticas públicas mais eficazes. (BRASIL, 2017).

O aumento do encarceramento feminino é um fenômeno observado em vários países

pelo mundo, conforme se extrai da apresentação das Regras de Bangkok, sendo que, no Brasil

a população carcerária feminina é a quarta maior do mundo, com 42. 355 mulheres presas.

Em relação à taxa de aprisionamento o Brasil figura na terceira posição, atrás apenas dos

Estados Unidos e da Tailândia. Sendo possível observar que nos últimos 16 anos houve o

aumento de 455% no aprisionamento de mulheres (BRASIL, 2017).

Conforme dados do INFOPEN coletados em 2016 o estado do Rio Grande do Sul

possuía uma população prisional feminina de 1.967 detentas, figurando na 14ª posição entre

os Estados Federados que mais encarceram mulheres. Dentre essas mulheres encarceradas

45% da média nacional, e 39% das presas no estado do Rio Grande do Sul, não possuíam

condenação quando da realização do levantamento (BRASIL, 2017), devendo-se considerar

ainda que

A primeira edição do INFOPEN Mulheres, que trazia dados referentes a Junho de 2014, apontava que 30,1% das mulheres encarceradas não tinham condenação. A expansão do contingente de mulheres presas sem condenação deve ser ainda mitigada em relação à ausência de dados sobre mulheres em carceragens de delegacias. A lacuna de dados com recorte de gênero sobre os espaços de custódia administrados pelas forças de segurança pública pode atenuar um quadro de dificuldade de acesso à justiça que, ainda que observado em relação ao conjunto da população prisional, apresenta especificidades significativas em relação às mulheres. (BRASIL, 2017, p. 20)

Dessarte, a situação mencionada pelo Levantamento pode não ser condizente com a

realidade, sendo provável que os dados sejam ainda piores e que várias mulheres não listadas

estejam com sérias dificuldades de manter sua dignidade quando encarceradas ou detidas.

Outro dado que deve ser enfatizado é o que se refere à destinação dos estabelecimentos

prisionais existentes atualmente, de acordo com o recorte de gênero. O domínio masculino se

evidencia pelo fato de que 74% dos estabelecimentos prisionais foram projetados para receber

presos do gênero masculino sendo que apenas 07% são destinados exclusivamente ao público

50

feminino e 16% se tratam dos questionados estabelecimentos mistos.18 Lê-se no

Levantamento, também, que esses estabelecimentos mistos não são capazes de fazer cumprir

a LEP, quanto à separação de homens e mulheres para cumprimento da pena, assim como são

incapazes de suprir as necessidades das próprias mulheres e dos filhos que às acompanham no

cárcere. (BRASIL, 2017)

Ainda, verificam-se inexistentes ambientes, sequer para realização de visitas, em 49%

das unidades destinadas apenas às mulheres e em 33% das unidades tidas como mistas. Em

relação ás visitas íntimas apenas 41% dos estabelecimentos destinados às mulheres e 34% das

unidades mistas disponibilizam de local com adequada privacidade e dignidade à mulher

presa. (BRASIL, 2017)

Não fosse apenas a restrição espacial, existem também as restrições impostas pelas

administrações prisionais. Muitos estabelecimentos consideram a concessão ao direito de

visitas íntimas como sendo uma forma de regalia, da qual poucas estão autorizadas a fruir

(FREITAS; LIMA, 2018). Além disso há, novamente, o imaginário formado acerca da

imagem que deve ter a mulher na sociedade, nesse papel social impositivo a mulher deve estar

casada para que possa ter relações sexuais de forma aceitável, fato esse que também se reflete

no ambiente carcerário. Enquanto homens presos não precisam comprovar sua situação

conjugal para receber visitas íntimas, a mulher, em muitos estabelecimentos, só pode usufruir

desse direito mediante prova de sua situação conjugal, o que demonstra uma desigualdade de

tratamento em relação ao gênero, que também se dá “intra-gênero”, pois se distinguem as

mulheres de acordo com seu estado civil (LIMA, 2006).

Além disso, existem outras circunstâncias que se classificam como impedimentos ao

exercício de visitas íntimas às mulheres,

Em geral, as barreiras apresentadas para justificar a negação da garantia do livre exercício da sexualidade às mulheres, além da apresentação de regras mais rígidas que aquelas destinadas aos presos, envolve a revista vexatória a que são submetidos os visitantes, a falta de espaço nas penitenciárias, a preocupação institucional com a saúde da mulher e abusos sexuais que possam vir a sofrer, além do fato da maioria das mulheres possuírem a capacidade de gerar vida e terem necessidades sexuais diferente das masculinas. Nesses moldes, a intervenção estatal acaba por representar uma forma de controle da sexualidade feminina. (FREITAS; LIMA, 2018, p.10)

18 Esses estabelecimentos também foram projetados para atender ao público masculino, sendo permitido pela

LEP a existência de galerias “totalmente isoladas” para aprisionar mulheres. Contudo nesses locais as apenadas expõe que não podem escolher sequer a roupa que vão usar porque podem ser inadequadas, assim como relatam a impossibilidade de realização de visita íntima ou sua restrição quanto a parceiras homossexuais a privação do ‘horário de sol’, a preterição quanto à distribuição de comida, entre outras violações perpetradas em função do domínio masculino do ambiente. (COLARES; CHIES, 2010)

51

Esse cenário contribui para que as mulheres recebam muito menos visitas que os

presos homens, o que dificulta a manutenção de seus laços familiares e possui

desdobramentos negativos na sua saúde mental e na sua reintegração após o período de

encarceramento. Sem mencionar as violações às recomendações expressas das Regras de

Mandela e de Bangkok, além do descumprimento da própria Constituição Federal.

Nesse contexto, no ano de 2015 o Plenário do STF julgou a ADPF 347. Nessa arguição

discutia-se o reconhecimento de um “estado de coisas inconstitucional” em relação a situação

do sistema penitenciário Brasileiro, buscando-se, também, instituir providências para sanar as

lesões perpetradas contra preceitos fundamentais que atingiam diretamente os direitos

humanos dos presos e se davam em decorrência de ações ou omissões praticados pelo próprio

poder público. Sendo assim, o Relator, Ministro Marco Aurélio, mencionou que não havia

dúvidas sobre o deferimento do pedido ora citado, pois oportuna, inclusive, a comparação das

prisões brasileiras com masmorras da época medieval, sem condições mínimas de assegurar a

dignidade humana dos presos submetidos aos estabelecimentos prisionais brasileiros, pois

sujeitos à tortura, falta de água potável, de condições de higiene, contaminação por doenças

contagiosas, homicídios, violência sexual, além da ausência de acesso a assistência judiciária,

bem como face a discriminações de cunho racial, de orientação sexual e de gênero sofridas no

cárcere (BRASIL, 2015) ressaltando ainda que

Diante de tais relatos, a conclusão deve ser única: no sistema prisional brasileiro, ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. A superlotação carcerária e a precariedade das instalações das delegacias e presídios, mais do que inobservância, pelo Estado, da ordem jurídica correspondente, configuram tratamento degradante, ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob custódia. As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas. Os presos tornam-se “lixo digno do pior tratamento possível”, sendo-lhes negado todo e qualquer direito à existência minimamente segura e salubre. [...] Nesse contexto, diversos dispositivos, contendo normas nucleares do programa objetivo de direitos fundamentais da Constituição Federal, são ofendidos: o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III); a proibição de tortura e tratamento desumano ou degradante de seres humanos (artigo 5º, inciso III); a vedação da aplicação de penas cruéis (artigo 5º, inciso XLVII, alínea “e”); o dever estatal de viabilizar o cumprimento da pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e sexo do apenado (artigo 5º, inciso XLVIII); a segurança dos presos à integridade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX); e os direitos à saúde, educação, alimentação, trabalho, previdência e assistência social (artigo 6º) e à assistência judiciária (artigo 5º, inciso LXXIV). Outras normas são afrontadas, igualmente reconhecedoras dos direitos dos presos: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes e a

52

Convenção Americana de Direitos Humanos. Também a legislação interna é transgredida: a Lei nº 7.210, de 1984, a chamada “Lei de Execução Penal”, na qual são assegurados diversos desses direitos, inclusive o alusivo a cela individual salubre e com área mínima de seis metros quadrados, e a Lei Complementar nº 79/94, por meio da qual foi criado o Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN, cujos recursos estão sendo contingenciados pela União, impedindo a formulação de novas políticas públicas ou a melhoria das existentes e contribuindo para o agravamento do quadro. (BRASIL, 2015, p. 6, et. seq.) (grifo nosso)

Saliente-se que a conclusão de que os presos se encontram em um “estado

inconstitucional das coisas” implica no reconhecimento de que o poder público não está

cumprindo suas obrigações fundamentais em relação a essas pessoas, negando-lhes acesso à

sua própria condição humana.

Note-se que nos anos seguintes à ADPF 347 foram editadas novas legislações com o

intuito de dar efetividade às Regras de Bangkok, dentre elas o Marco legal da Primeira

infância (Lei nº 13.257/16) que estabeleceu “princípios e diretrizes para a formulação e a

implementação de políticas públicas para a primeira infância em atenção à especificidade e à

relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do

ser humano” (BRASIL, 2016, n.p.) em conformidade com os princípios do ECA e alterou o

CPP incluindo disposições para determinar que as informação sobre a presença de filhos, ou

dependentes com deficiências e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados

dos filhos, indicado pela pessoa presa devem estar presentes desde a lavratura do flagrante ou

desde o conhecimento da prática da infração penal, para que o infante não fique desamparados

enquanto seu responsável estiver encarcerado (BRASIL, 2016), previsão constante na regra nº

02 das Regras de Bangkok.

Outra importante legislação criada conforme o mencionado tratado foi a Lei 13.434/17,

que incluiu o paragrafo único ao artigo 292 do CPP, proibindo expressamente o uso de

algemas em mulheres que estiverem grávidas durante os atos médico-hospitalares

preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como em mulheres

durante o período de puerpério imediato, embora ainda existam relatos de mulheres que foram

algemadas nessas circunstâncias. (BRASIL, 2017a)

Outrossim, levando em conta as precárias condições reconhecidas na ADPF 347 e as

violações contínuas, acima mencionadas, que atingem mulheres e crianças encarceradas,

considerando, também, o descumprimento deliberado tanto da LEP quanto do Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Políticos, da Convenção contra a Tortura e outros

Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes e a Convenção Americana de Direitos

53

Humanos, leis internas, Regras de Mandela e das Regras de Bangkok, entre outros

documentos legais o Coletivo de advogados em Direitos humanos impetrou o Habeas Corpus

Coletivo 143.641/SP

[...] em favor de todas as mulheres presas preventivamente na condição de gestantes, puérperas ou de mães de crianças sob sua responsabilidade, sob o argumento de que a prisão preventiva, ao confinar mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais precários, limitando o acesso a programas de saúde pré-natal, assistência regular na gestação e no pós-parto, e ainda privando as crianças de condições adequadas ao seu desenvolvimento, constitui tratamento desumano, cruel e degradante, violando as normas constitucionais relacionadas à individualização da pena, à vedação de penas cruéis e ao respeito à integridade física e moral da presa. Ressaltaram que existem diversos obstáculos econômicos, sociais e culturais para o acesso à justiça para as mulheres nessas condições, o que resulta no caráter sistemático da violação de seus direitos, motivo pelo qual requereram a revogação da prisão preventiva decretada contra todas as gestantes, puérperas ou mães de crianças, ou sua substituição por prisão domiciliar. (FERNANDES; DORNELLAS, 2018, p. 15) (grifo nosso)

Em fevereiro de 2018 a Turma, por maioria, concedeu a ordem de Habeas Corpus,

após deliberar e aceitar o referido remédio constitucional era admissível para o caso em

questão, determinando

[...] a substituição da prisão preventiva pela domiciliar - sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP - de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas, ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências [...], relacionadas nesse processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício. Estendeu a ordem, de ofício, às demais mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas as restrições previstas acima. Quando a detida for tecnicamente reincidente, o juiz deverá proceder em atenção às circunstâncias do caso concreto, mas sempre tendo por norte os princípios e as regras acima enunciadas, observando, ademais, a diretriz de excepcionalidade da prisão. Se o juiz entender que a prisão domiciliar se mostra inviável ou inadequada em determinadas situações, poderá substituí-la por medidas alternativas arroladas no já mencionado art. 319 do CPP. Para apurar a situação de guardiã dos filhos da mulher presa, dever-se-á dar credibilidade à palavra da mãe. [...] Os juízes responsáveis pela realização das audiências de custódia, bem como aqueles perante os quais se processam ações penais em que há mulheres presas preventivamente, deverão proceder à análise do cabimento da prisão, à luz das diretrizes ora firmadas, de ofício. Embora a provocação por meio de advogado não seja vedada para o cumprimento desta [...] (BRASIL, 2018, p. 33) (grifo nosso)

Essa decisão atingiu uma parcela significativa de mulheres presas, por isso destacam-

se alguns trechos do voto do Ricardo Lewandowski, Relator do caso em comento, que utilizou

54

como um dos fundamentos para sua decisão o cumprimento das recomendações constantes

nas Regras de Bangkok e asseverou a existência uma “falha estrutural que agrava a ‘cultura

do encarceramento’, vigente entre nós, a qual se revela pela imposição exagerada de prisões

provisórias a mulheres pobres e vulneráveis”. (BRASIL, 2018, p. 9). Além disso, o Ministro

destacou que

não restam dúvidas de que a segregação, seja nos presídios, seja em entidades de acolhimento institucional, terá grande probabilidade de causar dano irreversível e permanente às crianças filhas de mães presas. Nos cárceres, habitualmente estão limitadas em suas experiências de vida, confinadas que estão à situação prisional. Nos abrigos, sofrerão com a inconsistência do afeto, que, numa entidade de acolhimento, normalmente, restringe-se ao atendimento das necessidades físicas imediatas das crianças. [...] Por tudo isso, é certo que o Estado brasileiro vem falhando enormemente no tocante às determinações constitucionais que dizem respeito à prioridade absoluta dos direitos das crianças, prejudicando, assim, seu desenvolvimento pleno, sob todos os aspectos, sejam eles físicos ou psicológicos. [...] As privações narradas, além das inaceitáveis consequências pessoais que provocam, prejudicam a sociedade como um todo. Não se ignora, aliás, que, para se desenvolver plenamente, é preciso, antes de tudo, priorizar o bem-estar de suas crianças. (BRASIL, 2018, p. 27, et. seq.) (grifo nosso)

Cabe mencionar que na redação de seu voto Lewandowski citou a pesquisa realizada

pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada em parceria com Ministério da Justiça e a

Secretaria de Assuntos Legislativos acerca da falta de realização de pré-natal e pós-parto

adequados

Embora a maioria delas (60%) tenha sido atendida em até meia hora após o início do trabalho de parto, apenas 10% das famílias das presas foram avisadas. Uma em cada três mulheres foi levada ao hospital em viatura policial. A estadia na maternidade também foi problemática, uma vez que 36% das mulheres ouvidas relataram que foram algemadas em algum momento da internação. Maus-tratos ou violência – verbal e psicológica – foram praticadas por profissionais da saúde em 16% dos casos e por agentes penitenciários em 14% dos relatos. Sete mulheres das 241 ouvidas (8% do total) alegaram ter sido algemadas enquanto davam à luz. Apenas 3% das mulheres entrevistadas tinham acompanhantes na sala de operação e as visitas pós-nascimento foram autorizadas em somente 11% dos casos. De acordo com os relatos colhidos durante a pesquisa, a intimidade das mulheres parturientes foi respeitada por 10,5% dos profissionais de saúde e por 11,3% dos agentes prisionais. Para analisar a experiência pré-parto e o atendimento prestado às gestantes, foi considerada recomendação do Ministério da Saúde, segundo a qual o pré-natal adequado tem de ser iniciado antes da 16ª semana da gestação. A distribuição das consultas é trimestral: uma no primeiro trimestre, duas no segundo e três, no terceiro. Apenas 32% das mulheres ouvidas tiveram um atendimento pré-natal adequado.” (IPEA, 2015, apud BRASIL, 2018, p. 19) (grifo nosso)

55

Os dados são alarmantes e mostram em números a realidade das presas e de seus

dependentes, e evidenciam, dentre outras violações, o descumprimento da regra 24 das Regras

de Bangkok, do artigo 292 do CPP e do Decreto nº 8.858/1619 que estabelecem

Regra 24 - Instrumentos de contenção jamais deverão ser usados em mulheres em trabalho de parto, durante o parto e nem no período imediatamente posterior.(CNJ, 2016a, p. 25)

Art. 292 [...] Parágrafo único. É vedado o uso de algemas em mulheres grávidas durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como em mulheres durante o período de puerpério imediato. (BRASIL, 1941, n.p.)

Decreto 8.858/16 - Art. 1º O emprego de algemas observará o disposto neste Decreto e terá como diretrizes: I - o inciso III do caput do art. 1º e o inciso III do caput do art. 5º da Constituição , que dispõem sobre a proteção e a promoção da dignidade da pessoa humana e sobre a proibição de submissão ao tratamento desumano e degradante; II - a Resolução nº 2010/16, de 22 de julho de 2010, das Nações Unidas sobre o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok); e III - o Pacto de San José da Costa Rica, que determina o tratamento humanitário dos presos e, em especial, das mulheres em condição de vulnerabilidade. Art. 2º É permitido o emprego de algemas apenas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, causado pelo preso ou por terceiros, justificada a sua excepcionalidade por escrito. Art. 3º É vedado emprego de algemas em mulheres presas em qualquer unidade do sistema penitenciário nacional durante o trabalho de parto, no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar e após o parto, durante o período em que se encontrar hospitalizada. (BRASIL, 2016a, n.p.) (grifo nosso)

Tais violações denotam o “estado de inconstitucionalidade” em que se encontra o país,

conforme suscitado na ADPF 347 ainda no ano de 2015. Esse estado tem tido como efeito a

desumanização das mulheres presas e de seus filhos, negando-lhes condições básicas de

dignidade sem que se tenham perspectivas de alterar as falhas estruturais reconhecidas no

sistema prisional.

Os desdobramentos desse descaso, como bem mencionado pelo ministro Lewandowski

em seu voto, atingem não apenas essas mulheres e crianças esquecidas, mas sim o

desenvolvimento social como um todo, fazendo crer que, em que pese existam algumas

políticas públicas e legislações nacionais vigentes defendendo a melhora da maternidade no

cárcere, essas pessoas não são contempladas pela aplicação prática das disposições legais

existentes.

Por essa razão a decisão proferida no habeas corpus coletivo 143.641/SP foi

demasiada importante, tendo em vista que serviu como precedente para o cumprimento tanto

das Regras de Bangkok, quanto para a elaboração da lei 13.769/18, que incluiu o artigo 318-A

19 Decreto que regulamenta o uso de algemas, conforme previsão do artigo 199 da LEP. (BRASIL, 1984)

56

do Código de Processo Penal como forma de internalizar previsões do tratado mencionado

(BRASIL, 2018), fato esse que pode ser nas recentes jurisprudências advindas do STJ e do

TJ/RS

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. SÚMULA N. 691/STF. 20 SUPERAÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA NÃO EVIDENCIADA. PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. MÃE DE INFANTES. ORIENTAÇÃO DO STF. CUSTÓDIA EXCEPCIONALÍSSIMA. ORDEM CONCEDIDA. LIMINAR RATIFICADA. 1. Embora a Súmula n. 691 do STF vede a utilização de habeas corpus impetrado contra decisão de relator que, em writ impetrado perante o Tribunal de origem, indefere o pedido liminar, admite-se, em casos excepcionais, configurada flagrante ilegalidade, a superação do entendimento firmado no referido enunciado sumular. 2. [...] . 4. O afastamento da prisão domiciliar para mulher gestante ou mãe de filho menor de 12 anos exige fundamentação idônea e casuística, independentemente de comprovação de indispensabilidade da sua presença para prestar cuidados ao filho, sob pena de infringência ao art. 318, inciso V, do Código de Processo Penal, inserido pelo Marco Legal da Primeira Infância (Lei. n. 13.257/2016). 5. Não demonstrada a existência de situação excepcionalíssima, nos moldes do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a ensejar o afastamento do entendimento firmado por ocasião do julgamento do HC n. 143.361/SP. 6. Ordem concedida, ratificada a liminar, para substituir a prisão preventiva por domiciliar. (BRASIL, 2019a, p. 1) (grifo nosso)

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO DOMICILIAR. HC 143.641/SP - STF. ELEMENTOS QUE EVIDENCIAM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE DAS CRIANÇAS. 1. A segregação preventiva é medida extrema e excepcional, condicionada à existência do fumus comissi delicti e do periculum libertatis. Outrossim, importa que a prisão corresponda às exigências da proporcionalidade. 2. No caso dos autos, em que pese a reincidência, a paciente á mãe de duas crianças. Ainda, tendo em vista o falecimento da avó materna e a situação de cárcere do pai, mostra-se impositiva a concessão da prisão domiciliar, nos termos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do habeas corpus coletivo nº 143.641/SP. ORDEM CONCEDIDA. LIMINAR RATIFICADA. (RIO GRANDE DO SUL, 2018, p. 01) (grifo nosso)

Entretanto, nem todos os estados da federação estão aplicando o precedente do HC

143.641, pois utilizam-se de supostas situações “excepcionalíssimas” para negar a conversão

da prisão preventiva em prisão domiciliar. No estado do Paraná, por exemplo, houve a

constatação que os Magistrados alegavam que a conversão não era necessária porque,

supostamente, os estabelecimento prisionais com condições de receber as presas mães e seus

filhos. Nesse diapasão, notou-se também uma resistência para aplicar disposições advindas de

tratados internacionais, principalmente em relação às Regras de Bangkok, face a ausência de

20 Para fins de esclarecimento: Súmula 691 do STF: Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer

de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar. (BRASIL, 2003, p. 05)

57

legislação interna que trate de sua internalização. Tal postura dos membros do judiciário

denota uma visão classista e autoritária (SÁ; SIMÕES, 2019) que facilita a permanência do

“estado inconstitucional das coisas”.

Impende referir que, mesmo ausente a internalização das Regras de Bangkok por meio

de lei, o tratado em comento tem como bases princípios gerais de direito internacional bem

como disposições presentes inclusive em leis que estão vigentes no ordenamento jurídico

pátrio, dessa maneira plenamente aplicáveis suas resoluções. E, mesmo que houvesse

questionamentos sobre eventuais conflitos constantes em suas previsões em relação à

legislação doméstica, é de se enfatizar que ao judiciário cabe a realização do controle de

convencionalidade sempre se pautando pela interpretação com base no princípio pró homine,

conforme já mencionado durante a o presente estudo.

Como se percebe as normas de direito internacional tiveram papel decisivo no que diz

respeito à aplicação de medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras que

possuem filhos, bem como influenciaram a edição de leis que se amoldassem às expectativas

quanto aos direitos humanos de gestantes, lactantes e mães encarceradas. Contudo, o

INFOPEN mulheres de 2016 ressaltou que a coleta de informações sobre a existência de

filhos, conforme previsto pelo Marco Inicial da Primeira Infância, ainda é muito baixo

estando disponíveis apenas para 7% das mulheres presas – em flagrante violação às previsões

legislativas vigentes – o que inviabiliza uma correta visualização da situação das mães

encarceradas e seus filhos, sendo que dessa amostra 74% das entrevistadas possuía filhos, mas

não foi possível determinar se esses valores podem ser aplicados a totalidade das encarceradas

do país tendo em vista que a amostra estudada era muito pequena (BRASIL, 2017).

Além disso, frise-se que essas relevantes mudanças – embora não estejam sendo

cumpridas – tiveram o objetivo primário de proteger os filhos das presas e apenas de forma

secundária melhorar a situação da mulher encarcerada por meio da diminuição da prisão

preventiva e fortalecimento dos laços familiares.

Nessa toada, é preciso levar em consideração que 50% da população carcerária

feminina é formada por jovens de 18 a 29 anos de idade, dessas 62% são negras, 66% dessas

mulheres sequer concluíram o ensino fundamental e 62% adentraram no sistema prisional por

delitos relacionados ao tráfico de drogas e que elas não são apenas mães ou chefes de família

(BRASIL, 2017). Essas mulheres, como já dito várias vezes durante o presente trabalho,

possuem necessidades intrínsecas ao seu gênero que não podem ser supridas face ao “estado

inconstitucional das coisas” que se apresenta no sistema carcerário.

58

Por essa razão, tendo o Brasil reconhecido a atuação da Corte IDH para apreciar casos

de violações a direitos Humanos – com ênfase na Convenção Americana de direitos humanos

e ao Pacto de San Jose da Costa Rica –, deve ser assegurado à essas mulheres o direito de

pleitear por sua dignidade perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, como já o

fizeram alguns estabelecimentos prisionais, como forma de buscar o cumprimento dos

tratados de DHI dos quais o Brasil é signatário. Dessa forma, passa-se a análise da atuação da

Comissão e da Corte em casos concretos que podem inspirar o sistema carcerário brasileiro a

implementar condições mínimas às mulheres em situação de prisão.

3.3 A EXECUTORIEDADE DAS SENTENÇAS DA CORTE IDH NOS CASOS DOS

PRESÍDIOS URSO BRANCO E PEDRINHAS: UMA ANALOGIA À POSSÍVEL

INTERVENÇÃO EM PENITENCIÁRIAS FEMININAS

Como já mencionado anteriormente no presente estudo, notadamente no item 1.4, a

busca pelo amparo dos sistemas internacionais de tutela deve respeitar alguns requisitos, tais

como o esgotamento prévio dos recursos internos, a inércia, a demora ou a impossibilidade de

ação por parte do Estado provocado, sendo, portanto, um sistema subsidiário ao interno, o que

não configura a existência de uma suposta quarta Instância, mas sim um sistema ampliativo de

fiscalização da aplicação de direitos humanos. (RAMOS, 2016a)

Além disso, o Protocolo facultativo do Pacto Internacional de Direitos Civis e

Políticos, em seu artigo 5º expõe que para uma demanda ser apreciada ela não pode estar

sendo examinada por qualquer outra instância internacional, seja em fase investigatória ou de

sentenciamento. (BRASIL, 2009a)

Assim, cumpridos esses requisitos e levado o caso à apreciação da Comissão IDH essa

pode formular recomendações e ainda, caso delibere necessário, pode submeter o caso a Corte

IDH. A Corte, por sua vez, irá atuar de forma consultiva, quando meramente consultada, ou

irá exarar sentença que deve ser cumprida pelos Estados. (COMISSÃO IDH, 1969)

Entretanto, no momento cabe análise da efetividade dessas decisões tomadas,

principalmente em relação àquelas que possuem caráter jurisdicional, frente à situação

carcerária brasileira. Isso porque o Brasil já foi réu perante o Sistema Interamericano de

proteção de direitos humanos e já obteve condenações e recomendações formuladas pela

Corte e pela Comissão, respectivamente.

Impende lembrar que as sentenças proferidas pela Corte, como se nota do artigo 68 da

CADH, são dotadas de força vinculante e são obrigatórias. Porém, o mencionado artigo trata

59

apenas de expor que os Estados-partes devem se comprometer a cumprir as decisões da Corte

sempre que forem partes em um caso por ela apreciado, silenciando acerca da forma de

execução que deve ser adotada nas demais espécies de decisão. (COMISSÃO, 1969)

Dessa forma, cabe ao Estado elaborar mecanismos internos para implementar as

decisões tomas pela Corte. Alguns doutrinadores chamam essas legislações de “enabling

legislations” e reforçam que poucos países elaboraram essas “ [...] normas domésticas que

buscam viabilizar a execução e garantir a eficácia das sentenças internacionais" (COELHO,

2007, p. 184 apud SEIXAS; NAGADO, 2009, p. 14), sendo que o Brasil chegou a editar dois

projetos de lei para essa finalidade sem conseguir a aprovação de nenhum até o presente

momento.21

Sendo assim, por ora, é possível que as vítimas que busquem o amparo de Tribunais

Internacionais, mesmo que o Brasil reconheça sua competência, recebam um parecer positivo,

porém sem conseguir executá-lo

Isso não quer dizer, todavia, que o cumprimento das decisões oriundas da Corte Interamericana possa ser encarado como mera faculdade. O suposto aqui é que os Estados possam dispor quanto à escolha dos métodos de implementação das sentenças, no sentido de dar cumprimento às medidas de reparação determinadas pela Corte IDH, devendo optar por aqueles que sejam consoantes ao instrumento internacional que gerou a obrigação, e é nesse sentido que a Convenção Americana deixa à discrição dos Estados o estabelecimento das medidas ou a realização das ações que estes ponderem como necessárias para que cumpram com as sentenças prolatadas pela Corte IDH. (FRANCO, 2014, p. 39)

Embora não sejam cabíveis meios coercitivos para obrigar o Estado-Parte a cumprir

com as obrigações que aderiu quando ratificou tratados internacionais é possível que busquem

meios políticos de pressão que podem fazer com que o Estado execute as sentenças proferidas

por tribunais internacionais. Essas pressões podem se dar entre os próprios Estados que

ratificaram as normas internacionais objetos de violações por meio de coação política com a

exposição a um constrangimento de quem estiver cometendo as violações perante a

comunidade internacional, conforme previsão do artigo 65 da CADH. Isso pode ocorrer

mesmo que as decisões proferidas tenham meramente o caráter obrigatório, mas não tenham a

capacidade vinculatória (OLIVEIRA, 2019), como é o caso das recomendações e das decisões

quase judicias, proferidas pela Comissão e pela OEA, por exemplo.

21 Os projetos de Lei que previam a implementação das decisões internacionais no âmbito interno foram os de

número 3.214/2000 e 4.667/2004. (RAMOS, 2016a)

60

Frise-se, outro meio de se buscar a Executoriedade das decisões proferidas pela Corte é

a supervisão de seus julgados, pois ela mantém os casos abertos até que todas as

recomendações estejam cumpridas e estabelecem pressão ao Estado-membro até que cumpra

todas as disposições da sentença (RAMOS, 2016a). Tal precedente se nota quando apreciado

o caso Baena Ricardo e outros vs Panamá (apud RAMOS 2016a) no qual

A Corte, todavia, decidiu que a ela cabe supervisionar seus julgados em todos os casos sentenciados, não cabendo ao Estado-parte alegar norma de direito interno, ou a omissão delas, para negar cumprir a decisão exarada. Ao contrário, caberá ao Estado assegurar o cumprimento de acordo com as previsões do seu direito interno, seja no que toca ao direito material, seja no que diz respeito ao direito processual (OLIVEIRA, 2019, p.10)

Ressalte-se que as decisões exaradas pelos Tribunais internacionais – conforme o

entendimento de André de Carvalho Ramos – possuem caráter constitucional no Brasil,

conforme se denota nas seguintes palavras do autor

Ora, que adiantaria a Constituição chegar a mencionar expressamente um tribunal internacional de direitos humanos se fosse autorizado constitucionalmente a qualquer autoridade brasileira ignorar seus comandos ou os precedentes desse mesmo Tribunal? Por isso, minha conclusão é que, com base nos comandos da Constituição que preveem a obediência a “tratados internacionais de direitos humanos” e ainda fundado no comando do art. 7º do ADCT, as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja jurisdição o Brasil reconheceu, são vinculantes e possuem força constitucional. (RAMOS, 2016a, p. 385)

Assim, não há que se questionar a força obrigatória, ou vinculante, das decisões da

Comissão e da Corte Interamericanas, devendo o país cumpri-las sob pena de incorrer em

nova violação, podendo figurar novamente no banco dos réus no Sistema Interamericano,

além de ser exposto a constrangimento perante a comunidade internacional e sofrer

retaliações comerciais de outros Estados-membros. (COMISSÃO IDH, 1969)

É de se observar que há quem questione a necessidade de se realizar juízo de delibação

sobre essas decisões, contudo

Quanto a esse aspecto, André de Carvalho Ramos é objetivo ao discorrer que existe clara distinção entre uma sentença internacional e uma sentença estrangeira: o julgado internacional provém de um tribunal que exerce jurisdição sobre o Estado que a ele aderiu espontaneamente, ao passo que a decisão estrangeira foi prolatada por uma jurisdição estranha ao país, o que justifica a necessidade de controle. Assim, a sentença internacional, por conseguinte, não deve ser submetida aos mesmos procedimentos homologatórios vislumbrados para o caso de uma decisão estrangeira. (FRANCO, 2014, p. 42)

61

Diante do exposto, é importante compreender que para que as sentenças tenham força

executória e assim possam atingir seu objetivo maior, o de reparar uma situação de violação

de direitos humanos assegurados por tratados internacionais, é preciso - além da ideia fictícia

de que os Estados cumprirão suas obrigações sempre de forma voluntária - que cada um dos

três poderes cumpra com suas funções, quais sejam, nas palavras de Antônio Augusto

Cançado Trindade

(...) ao Poder Executivo incumbe tomar todas as medidas (administrativas e outras) a seu alcance para dar fiel cumprimento às obrigações convencionais; ao Poder Legislativo incumbe tomar todas as medidas cabíveis para harmonizar o direito interno com a normativa de proteção dos tratados de direitos humanos, dando-lhes eficácia; e ao Poder Judiciário incumbe aplicar efetivamente as normas de tais tratados no plano do direito interno, e assegurar que sejam respeitadas”. (TRINDADE, 2003, p. 511. apud FRANCO, 2014, p. 39)

Nesse contexto, compreende-se que existe força obrigatória e vinculatória no que diz

respeito às decisões emanadas do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos,

cabendo rememorar que o Brasil já foi alvo de resoluções da Comissão e da Corte IDH e até o

presente momento, iniciou o cumprimento voluntário de todas as resoluções emanadas desses

tribunais internacionais. 22

No presente trabalho de pesquisa é oportuna a exposição dos casos do Complexo

penitenciário de Pedrinhas e da Penitenciária Urso Branco. Ambos os casos tratam de

violações ocorridas no ambiente carcerário e trouxeram importantes avanços a implementação

de decisões do SIDH no âmbito doméstico.

Destaque-se, o caso do complexo de Pedrinhas foi submetido à Comissão

Interamericana de Direitos humanos em outubro de 2013 pela Sociedade Maranhense de

direitos Humanos, pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pelas organizações de

direitos humanos Justiça Global e Conectas Direitos Humanos. Ainda no mês de dezembro de

2013 a Comissão adotou medidas cautelares em 16 de dezembro de 2013, pois a denuncia

dava conta de, 40 mortes violentas, além de muitos feridos, ocorridas em razão de disputas

22 Há apenas que se ressaltar a ADPF 153/DF, com decisão proferida em 29 de abril de 2010, na qual o Pleno do

STF decidiu que a Lei nº 6.683/79, conhecida como Lei de anistia, é adequada a nova ordem constitucional pois constante na EC 26/85, mantendo-se a anistia aos autores de crimes políticos ou conexos cometido no período de 02/09/1961 a 15/08/1979. Quando proferida a decisão a Corte IDH apreciava o caso Gomes vs. Lund que só foi sentenciado em 29/11/2010, decidindo-se que a Lei de anistia brasileira é uma “violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial (artigos 8.1 e 25), em combinação com a obrigação de respeitar os direitos previstos na Convenção e o dever de adotar disposições de direito interno (artigos 1.1 e 2), em detrimento dos familiares das vítimas desaparecidas e da pessoa executada [...]” (CORTE IDH, 2010 p. 114,). Até então o Supremo não alterou sua decisão, alegando que está de acordo om as previsões normativas domésticas e que não cabe a CIDH questionar tais instrumentos. (BRASIL, 2010)

62

entres facções criminosas rivais e motins, além de relatos de tortura perpetrada por agentes

penitenciários aos encarcerados, bem como de seu despreparo no trato com os indivíduos

tendo em vista o uso indiscriminado de meios de contenção dos detentos, o que resultava em

violações da própria dignidade humana daqueles, inter alia.(CORTE IDH, 2014)

Entre as medidas adotadas pela comissão estava a necessidade do Estado tomar

providências efetivas para evitar a perda de mais vidas e o dano à integridade pessoal dos

presos e reduzir a superpopulação carcerária, assim como seria imperiosa a realização de

investigação acerca dos fatos narrados na petição endereçada à Comissão IDH. Contudo,

mesmo com a publicação dessas recomendações, persistiram as violações narradas, com a

ocorrência de 19 mortes de presos até setembro de 2014. (CORTE IDH, 2014)

Tendo em vista as circunstâncias em comento, a Comissão levou o caso à apreciação

da Corte IDH solicitando que essa interviesse e deliberasse acerca da necessidade de requere

novas medidas provisórias ao Brasil. Em 14 de novembro de 2014 sobreveio resolução da

Corte na qual foram valoradas as ações que o Estado estava realizando para tentar alterar a

situação, contudo se decidiu que não estavam sendo suficientes para frear o contexto de

mortes e ameaças à integridade pessoal dos presos, devendo o país adotar medidas mais

efetivas com urgência. (CORTE IDH, 2014)

É de se ressaltar que esses requerimentos da Corte foram elaborados sem que houvesse

a análise do mérito da situação exposta, o caráter liminar das medidas foi ressaltado pelo

Tribunal em sua decisão, havendo a demonstração de que se tratava de um caso de extrema

gravidade, urgência com o escopo de evitar graves danos à integridade pessoal dos

envolvidos. Ocorre que o Brasil até chegou a suscitar que não caberia à Corte emitir parecer

acerca do caso, tendo em vista que sua jurisdição tem mero caráter subsidiário e que já

estavam sendo tomadas providências com base nas medidas recomendadas pela Comissão.

Contudo, a Corte entendeu que era cabível sua atuação diante do grave cenário exposto e

elaborou os mencionados requerimentos. (CORTE IDH 2014)

Assim, verifica-se que a tramitação do mencionado caso foi de fundamental

importância para fixar a possibilidade de atuação da Corte frente às situações de graves

violações de detentos, o que enseja a tomada de atitudes eficazes por parte do Brasil frente sua

situação carcerária, do contrário pode novamente ser exposto ao constrangimento de figurar

no banco dos réus no SIDH. (CORTE IDH 2014)

Além disso, no caso da penitenciária de Pedrinhas nota-se que o Estado tomou

inúmeras atitudes com o fito de alterar a situação que ali se apresentava, dentre elas devem ser

citadas: a criação do Plano de Ação para a Pacificação das Prisões de São Luís – esse que foi

63

fundado em eixos de segurança e, sobretudo, direitos humanos, focando em áreas de acesso à

assistência legal de forma gratuita, redução da população carcerária, entre outros. –

transferência de presos para outros centros de detenção de caráter federal, realização de

intervenções estratégicas dentro do complexo para prestar orientações sobre a tuberculose,

edição da Portaria 076/2013, da primeira Vara de Execuções penais, permitindo “o

recolhimento domiciliar, pelo prazo de 90 dias, dos presos da Unidade Prisional de Monte

Castelo e das pessoas detidas no regime semiaberto da penitenciária feminina, unidades

prisionais do Complexo de Pedrinhas”, além da realização de inquéritos pelas mortes

ocorridas no interior do complexo e da abertura de processos administrativos disciplinares

para apurar o contexto dos acontecimentos. (CORTE IDH 2014)

Dessa forma, a atuação do SIDH foi crucial para que o Estado brasileiro empreendesse

ações concretas em relação às violações perpetradas face aos tratados de Direitos humanos

por ele ratificados, expondo que a cooperação entre a ação doméstica e a fiscalização

internacional pode funcionar e assegurar direitos de caráter universal intrínsecos à pessoas

humana, mesmo que em situação de encarceramento.

Ao depois, não menos importante foi o caso da Penitenciária Urso Branco. A

organização Justiça Global e a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese Porto Velho

peticionaram à Comissão IDH, em 05 de junho de 2002, para denunciar que Casa de Detenção

José Mário Alves da Silva – conhecida como Penitenciária Urso Branco – havia se tornado

palco de grandes atrocidades e violações da CADH, dentre elas instalações inadequadas para

manter pessoas presas, ocorrência de mortes por falta de atendimento médico, ausência de

banhos de sol diários, falta de acesso à agua para realização de higiene, falta de controle da

penitenciária, tendo em vista que os internos romperam cadeados e interligaram as celas por

túneis subterrâneos, presença de armas como barras de ferro e facas, corrupção por parte dos

agentes que foi agravada pela sua falta de preparo e treinamento, além da ocorrência de

dezenas de mortes que não foram esclarecidas pelo Estado, entre outras violações.

(COMISSÃO IDH, 2006)

Diante dessa conjuntura, e em face da inércia do Estado os peticionários levaram o

caso ao conhecimento da Comissão. A Comissão, por sua vez, encaminhou relatório ao Brasil

e obteve respostas. Porém, os fatos denunciados permaneciam como narrados, sem que as

medidas tomadas pelo Estado surtissem efeitos. Por essa razão o caso foi submetido à Corte

IDH, solicitando-se que ela se manifestasse acerca de medidas provisórias de caráter urgente

com fulcro na gravidade da situação em que se achavam os presos à época. (COMISSÃO

IDH, 2006).

64

A primeira resolução da Corte foi em 29 de agosto de 2002, no sentido de ampliar as

medidas cautelares já recomendadas pela Comissão, recomendações essas que não estavam

sendo adimplidas pelo Estado. Após essa data um longo caminho foi percorrido, ao todo

foram elaboradas 07 resoluções exaradas em

18 de junho e 29 de agosto de 2002, 22 de abril e7de julho de 2004, 21 de setembro de 2005, 2 de maio de 2008 e 25 de novembro de 2009), além de Resolução da Presidenta da Corte (de 17 de agosto de 2009), determinando a realização de audiência pública e do Presidente da Corte (de 28 de julho de 2011), também deter- minando a realização de uma audiência pública. Em 25 de agosto de 2011, a Corte decidiu pela suspensão da medida, arquivando o caso. (RAMOS, 2016a, p. 463)

Durante a tramitação do caso no SIDH inúmeras foram as recomendações formuladas

ao Brasil, no sentido de reduzir a superlotação da penitenciária Urso Branco e evitar danos á

integridade dos presos, sendo que o Estado, a fim de cumpri-las, realizou diversas ações, entre

elas: criação de novas vagas penitenciárias, inicio da construção da penitenciária Ariquemes,

construção do Centro de Triagem Porto Velho, realizou reformas na própria penitenciaria

Urso Branco, destinou recursos para a reestruturação da Escola Penitenciária e para a compra

de ambulâncias e veículos de segurança, foi melhorado o sistema de acesso à água, em 2009

foi realizado um mutirão com Juízes, Promotores e Defensores Públicos para averiguar a

situação dos detentos, entre outras ações. (CORTE IDH, 2009)

Frise-se, todas essas intervenções do Estado não foram suficientes para inibir todas as

ofensas aos direitos humanos perpetradas contra os detentos, que permaneceram tendo sua

dignidade fortemente prejudicada, contudo foram cruciais para que o Brasil deixasse de ser

inerte e realizasse ações mais eficazes. O caso tramitou até 2011, quando foi assinado o

“Pacto para Melhoria do Sistema Prisional do Estado de Rondônia e levantamento das

medidas provisórias outorgadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos”, no

documento é possível se analisar com dados a melhora ocorrida no local desde o início da

recomendação de medidas cautelares em 2002, como se vê

3.1 Do início das medidas provisórias: a) ocupação: 1.128 homens; b) média de presos por vaga: 2,07 (2002); c) média de agentes por presos: 10,33. 3.2. Dados atuais: a) ocupação em agosto de 2011: 780 apenados; b) média de presos por vagas: 1,5; c) média de agentes por presos: 4,29 (total de agentes no mês de celebração desse Pacto: 139 agentes penitenciários e 43 agentes da reserva remunerada, totalizando 182 servidores; média por plantão: 27 agentes de segurança). (BRASIL, 2009, p. 1)

65

O pacto tratou de mencionar o contexto em que foi celebrado, ressaltando a

cooperação ocorrida entre diversos atores nacionais – como o Ministério Público, a

Defensoria Pública, a União, o Governo do Estado de Rondônia e o Poder Judiciário de

Rondônia. –, os peticionários e o SIDH para que se pudesse implementar as recomendações

formuladas pelo Tribunal Internacional. Foram reforçados todos os déficits e ações que ainda

precisavam receber atenção, assim como foram estabelecidos os compromissos de todos os

participantes do caso, desde o monitoramento, que coube aos peticionários, até a

implementação das disposições do referido Pacto.23 (RONDÔNIA, 2011)

Nesse diapasão, é pertinente a analise da aplicação das normas de direito internacional

no âmbito das mulheres encarceradas, sendo-lhes garantido o acesso ao peticionamento à

Comissão Interamericana de direitos humanos como uma forma de amenizar as máculas

sofridas por parte das omissões, ou ações, do Estado e seus representantes.

Os casos já submetidos à análise da Comissão e da Corte IDH mencionavam,

principalmente, violações aos dizeres das Regras de Mandela, da Convenção contra a Tortura

e Outras Penas e Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, além das violações à

CADH, o que culminou na competência do SIDH para apreciar as denúncias formuladas pelos

peticionantes.

Assim, é pertinente que se faça uma analogia entre as violações de Direitos humanos

sofridas por mulheres encarceradas que estão expostas às condições mencionadas nos casos

acima descritos com o agravamento das ofensas sofridas em razão de seu gênero. Além da

falta de água, comida, instalações adequadas as presas brasileiras são expostas a uma

23A saber, no pacto firmado as seguintes distribuições de responsabilidades merecem destaque: PELA UNIÃO:

1. Manutenção da Comissão Especial do CDDPH com o fornecimento de passagem aérea pelo CDDPH para a participação de um representante da Justiça Global nas reuniões periódicas a se realizarem nas dependências do “Urso Branco”. Órgão responsável principal: CDDPH. 2. Envio de relatórios semestrais à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre o cumprimento do presente Pacto, detalhando o nível de implementação de cada projeto e compromisso. [...] 3. Solicitação anual de reunião de trabalho em Washington, com a mediação da CIDH, para monitoramento do cumprimento do presente Pacto. Órgão responsável principal: MRE. PELO ESTADO DE RONDÔNIA: [...] As melhorias garantidas com respeito à água, alimentação, visitas, visitas íntimas, dedetização, limpeza das celas, fornecimento de materiais de higiene, coleta de lixo, saúde, serviço ambulatorial e médico, assim com o fornecimento dos medicamentos necessários, devem atender ao disposto na Lei de Execuções Penais e nas demais leis, normas e regras estabelecidas pelos órgãos competentes, incluindo o Conselho Nacional de Política Penitenciária (CNPCP). O controle externo do cumprimento desses itens será realizado mensalmente pela Vara de Execuções Penais. 18. Estabelecer expressamente que o Conselho Estadual de Direitos Humanos terá a participação da sociedade civil, nos moldes e com as garantias previstas nos conselhos análogos de São Paulo e do Espírito Santo. [...]. 19. Implementar o comitê e o mecanismo estadual de prevenção e de combate à tortura, nos moldes do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outras Penas e Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes [...] AÇÕES COMUNS AO ESTADO DE RONDÔNIA E À UNIÃO: 20. Capacitação dos agentes penitenciários para aperfeiçoamento dos registros feitos nos livros de plantão [...]. (BRASIL, 2011, p. 8, et. seq.)

66

invisibilização constante. Tanto é verdade que não foram mencionadas medidas sensíveis às

mulheres que faziam parte do Complexo de Pedrinhas quando outorgadas as medidas

cautelares. Sequer houve a lembrança dessas mulheres quando elaborada a petição. (CORTE

IDH, 2014)

Impende lembrar que a CADH prevê, em seu artigo primeiro, que não serão permitidas

quaisquer discriminações em razão de sexo, esse fato por si só já pode ser fundamento para

que se leve o caso das mulheres encarceradas e ignoradas para o conhecimento da Comissão,

porém muitas outras ofensas, já mencionadas no presente estudo, são capazes de ensejar,

inclusive, a outorga de medidas provisórias para garantir a integridade pessoal dessas

mulheres. (COMISSÃO IDH, 1969)

Assim, embora existam tímidos esforços emanados do Estado brasileiro – muitas vezes

impulsionados pelo SIDH – eles se demonstram insuficientes e ineficazes para internalizar as

regras contidas em tratados internacionais e, por conseguinte, produzir alterações no atual

cenário do sistema carcerário, mormente no que diz respeito às questões de gênero ignoradas

frente a um “estado inconstitucional das coisas” já reconhecido.

Nesse contexto, a atuação do SIDH por meio de resoluções, recomendações e pressões

políticas visa assegurar que, ante a inércia do Estado, as mulheres presas possam obter

resultados efetivos quando invocadas regras de direitos humanos, mesmo que as decisões

advindas desse sistema possam encontrar barreiras quando em fase de execução, pois ainda

dependem da boa vontade do Brasil que até então não se mostra coerente e comprometido

com a aplicação dos direitos humanos, tendo em vista que não estabeleceu formas eficazes de

internalização e aplicação dessas normas e decisões.

67

CONCLUSÃO

Quando se fala em regras de direitos humanos internacionais é recorrente a resistência

em acreditar que elas possam sair do mundo fictício do direito e passar a surtir efeitos no

plano fático real. Não se pode negar, há fundamentos para afirmar que o direito internacional

enfrenta empecilhos quando chega o momento de ser implementado, pois os países recorrem,

não raras vezes, ao conceito de soberania estatal para furtar-se das obrigações por eles

ratificadas voluntariamente, assim como deixam de prever formas que poderiam viabilizar a

efetivação desses direitos.

No que tange aos direito das mulheres presas, tais direitos vem sendo construídos há

décadas e tiveram seu impulso inicial, principalmente, no âmbito da comunidade internacional

quando se iniciou a busca pela erradicação de todas as formas de discriminação contra a

mulher e, por conseguinte, quando houve a aceitação do termo gênero para se chegar a esse

fim.

Quando analisadas as legislações brasileiras nota-se que o direito internacional tem

influencia sobre elas e, notadamente, nesses pontos residem violações. Em que pese o

processo de redemocratização ocorrido que trouxe disposições da DUDH para dentro da nossa

Carta Magna, ainda se faz necessária a intervenção do STF para deliberar sobre o alcance e a

interpretação das normas nela constantes, como ocorreu após a EC/45.

Reconhecido o status supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos e a

viabilidade da expansão do bloco de constitucionalidade, incluindo normas internacionais que

versam sobre direitos humanos nesse rol, persiste a necessidade de se confrontar as regras

domésticas e as internacionais para que se saiba qual delas é a mais adequada ao caso que se

apresenta, respeitando o principio pro homine. Nesse diapasão, ocorre a aplicação do controle

de convencionalidade para evitar conflitos entre normas e assegurar que a melhor medida será

executada, sendo que emana da Corte IDH a orientação de que esse controle deve ser

realizado pelo Estado em todos os âmbitos de aplicação de normas.

Nesse contexto, as Regras de Mandela e as Regras de Bangkok são instrumentos

essenciais para que se adequem as situações vividas pelas mulheres no ambiente prisional,

pois se tratam de resoluções complexas que tratam de direitos que há muito são ignorados

pelo ordenamento jurídico brasileiro e que, caso sejam efetivados, podem melhorar não

apenas a vida da mulher no cárcere, mas o contexto social em que elas se inserem após o

encarceramento, resultando em benefícios para toda a sociedade.

68

Demonstração disso foram as decisões proferidas nos casos da penitenciária Urso

Branco e Pedrinhas, pois impulsionaram a União e os estados de Rondônia e Espirito Santo a

iniciar mudanças e firmar pactos, sob supervisão do SIDH, de alterações em seus sistemas

prisionais. Não fosse a intervenção da Comissão e da Corte IDH o Estado permaneceria inerte

diante das graves violações a dignidade humana perpetradas nesses estabelecimentos

prisionais.

Em que pese o Brasil não tenha cumprido todas as recomendações que lhe foram feitas

e essas penitenciárias tenham apresentado mais problemas após a submissão dos casos ao

SIDH, as violações relatadas nas petições formuladas à Comissão foram amenizadas e o

Estado foi provocado a iniciar mudanças efetivas para resguardar a vida e a integridade

pessoal daqueles apenados e toda medida eficaz nessas circunstâncias implica na

sobrevivência e na dignificação de pessoas marginalizadas pelo sistema carcerário.

Ressalte-se, as Regras de Bangkok e de Mandela, assim como as decisões da Corte

IDH mencionam que urge e necessidade de melhorar a capacitação dos agentes penitenciários,

no sentido de melhorar o tratamento dispensado aos detentos, sendo que as Regras das Nações

Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para

mulheres infratoras são categóricas ao afirmar que os agentes são responsáveis por muitas das

discriminações perpetradas contra as presas, com fundamento unicamente em seu gênero, o

que agrava a já insuportável situação de vivência no cárcere.

Diante do exposto, para que o Brasil seja coerente com os tratados que ratifica precisa

empreender esforços para positivar formas adequadas para tornar eficazes tanto as disposições

de tratados internacionais quanto as decisões proferidas pelo SIDH, sob pena de relegar aos

direitos humanos uma posição de mera formalidade e conveniência política. Para isso é

necessário que haja uma cooperação entre o Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos

Humanos e o Estado brasileiro, nas figuras do executivo, do legislativo e do judiciário, pois só

quando houver uma conscientização de todos os envolvidos na internalização e aplicação

dessas normas é que se poderá chegar à eficácia desses direitos humanos internacionais,

mormente no que diz respeito a um segmento tão específico de pessoas violadas em sua

dignidade humana, as mulheres em situação de prisão.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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