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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
LÍGIA FERREIRA GALVÃO
Que(m) nomeia a deficiência?
SÃO PAULO
2011
LÍGIA FERREIRA GALVÃO
Que(m) nomeia a deficiência?
Tese apresentada ao Instituto de
Psicologia da Universidade de São
Paulo para obtenção do título de
Doutor em Psicologia
Área de Concentração: Psicologia
Escolar e do Desenvolvimento
Humano
Orientadora: Profa. Dra. Marlene
Girado
SÃO PAULO
2011
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogação na publicação Biblioteca Dante Moreira Leite
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Galvão, Lígia Ferreira.
Que(m) nomeia a deficiência? / Lígia Ferreira Galvão; orientadora Marlene Guirado. -- São Paulo, 2011.
241 f. Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Área de Concentração: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
1. Deficientes 2. Análise do discurso 3. Educação especial 4.
Educação inclusiva 5. Desenvolvimento humano I. Título.
BF727.H3
GALVÃO, L. F. Que(m) nomeia a deficiência? Tese apresentada ao Instituto de Psicologia
da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Psicologia.
Aprovado em: _________________
Banca Examinadora
Prof. Dr. ______________________________________Instituição: ______________
Julgamento: ________________ Assinatura: _________________________________
Prof. Dr. ______________________________________Instituição: ______________
Julgamento: ________________ Assinatura: _________________________________
Prof. Dr. ______________________________________Instituição: ______________
Julgamento: ________________ Assinatura: _________________________________
Prof. Dr. ______________________________________Instituição: ______________
Julgamento: ________________ Assinatura: _________________________________
Prof. Dr. ______________________________________Instituição: ______________
Julgamento: ________________ Assinatura: _________________________________
À minha irmã Márcia.
À minha irmã Cláudia.
Aos meus pais, Arlete e Firmino, sempre.
E a todos os que vieram depois deles.
E delas.
AGRADECIMENTOS
Um trabalho como este é sempre o fruto da disposição e do empenho coletivos. Muitas
são as pessoas às quais quero agradecer, com minha mais profunda gratidão e com todo o meu
amor.
À minha orientadora, Marlene Guirado, por sua aposta em uma produção que, apesar
dos percalços, tornou-se possível por sua disponibilidade em me acolher novamente como sua
orientanda.
Aos professores e professoras integrantes das Bancas Examinadoras da Seleção, do
Exame de Qualificação e da Defesa Pública: Henriette Tognetti Morato, José Leon Crochik,
Luciana Albanese Valore, Maria Luisa Sandoval Schmidt, Marie Claire Sekkel, Marta
Cristina Meirelles Ortiz, pela acolhida, pelas observações, pelo interesse e incentivo ao
projeto inicial, seu desenvolvimento e sua concretização nesta tese.
À Profa. Belinda Mandelbaum e ao Prof. José Leon Crochik, que se mostraram atentos
e sensíveis à minha condição de cadeirante, na época em que frequentei suas aulas, de
maneira que jamais encontrei qualquer barreira para minha participação nas disciplinas por
eles ministradas.
Aos amigos e companheiros de jornada – dos mais antigos aos mais recentes – pelo
apoio, presença, participação, torcida.
A algumas pessoas de modo especial, porque fizeram a diferença.
À Yara Malki, que soube ouvir e agir quando a dor física e emocional pareciam que
não iriam mais ter fim e ao Mauro de Oliveira, pelo carinho e o apoio na hora mais necessária;
em que a solidão parecia ser capaz de devorar qualquer possibilidade de continuar tentando.
À Roseli da Silva, porque não há barreiras nem lonjuras quando se quer estar perto.
À Simone Ramalho, porque amizade e irmandade são para a vida inteira.
À Alejandra Hidalgo, porque o desvelo, o carinho, o amor e a proteção são alimentos
indispensáveis que revigoram a gente e trazem de volta a alegria de viver, a esperança na
vida.
À Professora Cláudia Gardel Câmara, querida colega e coordenadora na Universidade
Paulista – UNIP, porque é bom demais produzir conhecimento com quem dele tem sede.
À Professora Antonia Maria Nakayama, amiga de tantas horas e aventuras e a todos os
colegas e amigos queridos, vindos desde o tempo em que trabalhamos e militamos juntos na
educação especial e inclusiva, porque é bom estar junto. À Valéria Braunstein, pela imensa
generosidade.
Ao Professor Edvaldo Félix Gonçalves – o Vado, porque pude aprender o quanto é
prazeroso e frutífero trabalhar junto e descobrir maneiras criativas e democráticas de lidar
com diferenças e divergências.
Aos amigos e companheiros de jornada na Vara da Infância e Juventude do Foro
Regional Lapa, porque a gente nem sempre vê as flores, mas insiste no seu plantio. À Mônica
de Barros Rezende, pela insistência em me incentivar e apoiar, mesmo diante de todas as
agruras.
Aos meus queridíssimos alunos da graduação em Psicologia, porque não tem preço ver
brilhar seus olhos, durante as nossas aulas.
Ceci, Deborah, Sthéfani, Thiago, porque sem a presença, o auxílio, o afeto e a especial
paciência de vocês essas páginas jamais teriam existência.
A todas as pessoas que aceitaram ser sujeitos dessa pesquisa, pela abertura,
disponibilidade e coragem. Em especial a vocês: Dafne, Irene, Renato e Rui e às suas
famílias, pela confiança em me acolher em suas casas e compartilhar suas experiências.
A todos os homens, mulheres, moços e moças, meninas e meninos com deficiência,
com quem tive a oportunidade de compartilhar histórias de vida – as nossas vidas – e com
quem tive e tenho o imenso privilégio de compartilhar o prazer de estarmos vivos. E de
sermos humanos. Com todas as suas dores e delícias.
MUITO OBRIGADA!
Viver é sempre fazer o esforço de viver, dizia mais ou menos
Lagneau, e é a melhor definição do conato spinozista, e da vida. Quem
gostaria de existir menos? Quem não deseja melhorar, elevar-se, crescer?
Que é necessário se aceitar, é evidente. Mas não nos resignemos depressa
demais à nossa baixeza, à nossa fraqueza, à nossa mediocridade! A vida é
uma aventura, pode ser, deve ser. Aceitar-se, sim, mas não se ajoelhar
diante de si, nem se deitar. Trata-se de viver: trata-se de avançar, de
progredir tanto quanto podemos. No entanto, não nos deixemos enganar
muito por esse “trabalho”, nem por esse “aperfeiçoamento”. A vida
continua, eis tudo, e nós também, e cada qual se vira como pode.
André Comte-Sponville – O amor a solidão
GALVÃO, L. F. Que(m) nomeia a deficiência? 2011. 241 f. Tese (Doutorado em
Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
RESUMO
Este trabalho estuda os modos de produção discursiva do que se denomina, na atualidade, deficiência. Vale-se da análise institucional do discurso, proposta por Marlene Guirado, como referência teórico-metodológica em todas as etapas da pesquisa, em especial para a análise das entrevistas realizadas. Estas trazem à cena o discurso de quatro sujeitos conhecidos como pessoas com deficiência e de seus familiares; sujeitos esses matriculados na rede municipal de ensino de uma cidade próxima à cidade de São Paulo. O período de realização das entrevistas (2008-2010) coincide com o momento em que as práticas vinculadas ao modelo tradicional de ensino ofertado àqueles alunos (educação especial) passam a ser substituídas por práticas enunciadas como visando outro modelo de ensino, denominado educação inclusiva. Também é analisado o discurso de seis educadores e seis profissionais de outras áreas, todos eles ligados direta ou indiretamente aos quatro sujeitos com deficiência e em contato direto ou indireto entre si, no cotidiano profissional. Analisadas uma a uma, as entrevistas são agrupadas primeiramente pela sua origem, a saber: pessoas e familiares; educadores e terapeutas. São analisadas as singularidades que se destacam em cada entrevista e as regularidades que se desenham pela repetição de termos e expressões no entrecruzamento desses discursos. Obtêm-se, dessa forma, categorias que não só constituem o campo discursivo específico do conjunto de entrevistas como indicam os gêneros discursivos e os modos particulares de dizer e colocar em circulação um discurso da deficiência. Assim efetivada, a análise permite afirmar que a deficiência, dita como falta, limitação, dificuldade; mostrada como imperfeição, doença, bloqueio, também é associada, pela negação, à capacidade/incapacidade dos sujeitos. A transitividade dos termos enunciados não é complementada senão com termos vagos e gerais, como artigos e pronomes indefinidos. Contrastada, no discurso, com as narrativas de experiências e histórias concretas de vida, em especial na fala das pessoas “com deficiência” e seus familiares, a dimensão conceitual e abstrata da categoria deficiência parece não ter lugar na enunciação, dando lugar ao inefável da experiência humana.
PALAVRAS-CHAVE: Deficiência, Análise Institucional do Discurso, Educação
Especial, Educação Inclusiva, Desenvolvimento Humano
GALVÃO, L. F. Who/what, does denominate disability? 2011. 241 f. Doctoral thesis (in
Psychology) – Institute of Psychology, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
ABSTRACT
This is a study of modes of discourse production of the currently so-called disability. The institutional analysis of discourse as proposed by Marlene Guirado was used as a theoretical and methodological reference of the research study in all phases of this study, particularly in the analysis of the interviews. The interviews conveyed the discourses of four subjects known as people with disabilities and their families. The subjects were public school students from a town near the city of São Paulo, southeastern Brazil. The study was conducted during a transition period when the traditional model of special education was replaced with inclusive education. All interviews were carried out between 2008 and 2010. There were also analyzed the discourses of six educators and six providers from other areas who directly or indirectly worked with the subjects studied and maintained direct or indirect relationships between them during their daily work. The interviews were analyzed one by one and then grouped by their origin: people and families; and educators and therapists. Notable distinctive features and common characteristics of discourses evidenced by word repetition and use of similar expressions were examined. This analysis produced categories that not only marked specific discursive areas but also identified discourse genres and particular ways of expressing and conveying a discourse of disability. This analysis showed that disability – articulated as lack, limitation, difficulty, and shown as imperfection, disease, and restraint – is associated by denial with the subjects’ ability/inability. The transitivity of the terms used is complemented only with vague, general words such as articles and indefinite pronouns. Contrasting with narratives of experiences and stories of real life, especially in the discourse of those “with disabilities” and their families, the abstract conceptual dimension of the disability category seems to have no space in the enunciation, giving rise to the indescribable human experience.
KEY WORDS: Disability; Institutional Analysis of Discourse; Special Education;
Inclusive Education; Human Development
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Evolução da produção de dissertações e teses do IPUSP de 19965 a
2010............................................................................................................p. 29
Figura 2 Breve cronologia dos marcos de referência na educação
inclusiva.....................................................................................................p. 30
Figura 3 Diagrama de entrecruzamentos dos principais termos de
busca...........................................................................................................p. 34
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Distribuição da produção por tipo e área de
concentração...............................................................................................p. 32
Tabela 2 Número de registros encontrados por termos de busca..............................p. 33
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 12
1.1 O TEMA.................................................................................................................................... 12
1.2 NOMES E NOMENCLATURAS..................................................................................................... 17
2 A LITERATURA........................................................................................................................... 25
2.1 A PRODUÇÃO ACADÊMICA ...................................................................................................... 27
3 O MÉTODO................................................................................................................................... 37
3.1 PROCEDIMENTOS ..................................................................................................................... 46
3.1.1 Quanto à coleta do material: ............................................................................................. 46
3.1.2 Quanto à análise do material: ........................................................................................... 48
4 ANÁLISE ....................................................................................................................................... 50
4.1 “PRA VOCÊ, O QUE É DEFICIÊNCIA?” ........................................................................................ 53
4.2 “FALE-ME DO SEU TRABALHO” ................................................................................................ 99
4.3 “FALE-ME DELE, DELA.” ........................................................................................................ 167
5 DISCUSSÃO ................................................................................................................................ 218
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................. 221
Apêndice A - Levantamento Bibliográfico no IPUSP – Mapa Completo........................................226
Apêndice B – Modelo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.........................................241
12
1 INTRODUÇÃO
1.1 O tema
Este trabalho estuda os modos de produção discursiva do que se denomina, na
atualidade, deficiência.
As interrogações que o motivaram originaram-se da imbricação de ao menos três
aspectos delineados ao longo do tempo em que desenvolvemos trabalhos, estudos e reflexões
sobre o tema. O primeiro aspecto – a formação em psicologia e o mestrado na área escolar e
do desenvolvimento humano – conduziu-nos, também, ao trabalho na área pública; o segundo,
o cotidiano de convivência com pessoas surdas em fase de escolarização (a maioria crianças)
e, posteriormente, com várias pessoas (de bebês a adultos), nomeadas, atualmente, como
pessoas com deficiência, suas famílias, seus terapeutas e educadores; e o terceiro, a inevitável
influência de um modo de pensar e fazer psicologia comprometido e identificado com o
pensamento de Marlene Guirado. Sua proposta, desenvolvida ao longo de seus trabalhos
como analista, docente e pesquisadora, vem se confirmando, na prática cotidiana, bem mais
que um referencial teórico-metodológico de trabalhos acadêmicos sérios e de qualidade;
configura, em nosso entender, um potente e produtivo instrumento de reflexão e intervenção
concreta nas relações institucionais sobre as quais pode incidir o trabalho de um profissional
da psicologia.
Nessa medida, ter adotado os pressupostos teóricos fundamentais de tal instrumento de
intervenção levou-nos a considerar mais detidamente algumas das questões oriundas de nosso
trabalho cotidiano e a decorrente inquietação que, desde o início, ele nos provocava.
Tínhamos, diante de nós, um mosaico de situações que, diariamente, nos levava a pensar que,
a partir da experiência com um corpo que parecia frustrar o que se espera dele, ali, onde a
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percepção estética acusaria um furo, o sujeito que se constituía com esse corpo passava a ser
facilmente identificado com um sujeito-menos – expressão que, à época, utilizávamos, para
tentar nomear aquilo que testemunhávamos
Perguntávamo-nos como se daria, se ocorria, a compreensão disso por parte da própria
pessoa, de sua família, seus educadores, seus terapeutas – tomados, todos estes, como
representantes primeiros das mediações sociais. Quais seriam os parâmetros das inúmeras
terapias propostas, em geral interessadas em reabilitação; que sujeitos elas diagnosticariam?
Nossa leitura via a deficiência sempre como deficiência de uma ou mais funções orgânicas, e
não do sujeito – mesmo que fosse difícil fazer caber, aí, o entendimento da deficiência mental,
já que seria muito mais complexo, no caso, definir que funções mentais seriam as deficientes.
Essas eram algumas das questões, das interrogações que nos fazíamos, às quais se
juntava a inquietação de imaginarmos que, a depender das relações
interdiscursivas/interinstitucionais em jogo, poder-se-ia promover uma (re)inclusão social da
deficiência, no lugar mesmo de onde se dizia querer tirá-la. Passamos a postular, então, que
ainda que se considere que diferenças biológicas, congênitas ou adquiridas, sempre estiveram
presentes na história, e talvez sempre estejam, as formas sociais de percebê-las/ lidar com elas
– discursá-las, enfim – mudam, certamente, ao longo do tempo e em determinados contextos.
Nesse período, em que ainda tínhamos escasso conhecimento da produção da psicologia nesse
campo específico e nosso cotidiano nos requeria, a todo o momento, nosso primeiro interesse
era o de investigar tal produção.
Todos esses fatos contribuíram para que o desejo de realizarmos um estudo mais
aprofundado se convertesse em projeto de pesquisa. Desejávamos apontar aquilo que
testemunhávamos e que entendíamos como sendo o fato de haver, aquém e além das
conceituações, uma circulação discursiva dinâmica, diária e bastante efetiva, em torno do que
hoje denominamos deficiência. E que sua nomeação como tal parecia demarcar territórios de
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conhecimento – especializado, por certo – o que sugeria a exclusão de quaisquer outros
saberes.
Pensávamos relevante trazer à discussão e à análise o dizer daqueles que
vivem/convivem com o que outros, quase nunca eles próprios, chamam de sua deficiência.
Deficiência esta que, por sua vez, já teve muitos outros nomes: anormalidade, desvio,
invalidez, excepcionalidade, defeito... Dizer, esse, de pessoas que, nessa condição particular,
já foram, e são, tomadas como idiotas, imbecis ou débeis; já foram, e são, denominadas
socialmente por traços fisiológicos/psicológicos específicos que apresentam, como surdez,
cegueira, paralisias.
Desse modo surgia nossa intenção de analisar o discurso das pessoas ditas com
deficiência e seu círculo social. Investigamos, para tanto, o que identificamos como o espaço
interdiscursivo no qual a deficiência, se não é forjada, parece encontrar sua reprodução
assegurada. Esse espaço não prescinde, em nosso entender, do discurso e da relação entre três
grandes e importantes instituições humanas que são a família, a escola e as terapias. O jogo
interdiscursivo entre essas instituições, que dividimos em grupos discursivos identificados
como pessoas e familiares, educadores e terapeutas, foi investigado, na busca de
respondermos às questões que antes já formuláramos, mesmo de forma incipiente, e que agora
surgem como as interrogações que queremos responder: considerando essas três instituições,
o que as aproxima ou as diferencia, quando falam a deficiência? Como se constitui uma
deficiência, no jogo interdiscursivo dessas instituições; que discursos/práticas institucionais
daí emergem e em que outras práticas se desdobram? De que sujeito se fala, quando se fala a
deficiência, no interior de uma dessas instituições, ou dos campos de intersecção entre elas?
Que materialidade assume(m) esse(s) discurso(s), quando se tomam as instituições concretas
que sujeitos concretos repetem e legitimam, e cujo âmbito institucional seria atravessado pela
15
deficiência – ela mesma uma instituição, deste ponto de vista? Como se dá a compreensão
disso por parte dos atores de tais instituições?
Assumimos, então, como objetivo geral desta pesquisa:
a) estudar o discurso de sujeitos nomeados, por si ou por outros, como pessoas com
deficiência, no contexto das instituições concretas de suas famílias, escola e terapias;
b) estudar o discurso dessas instituições nas quais tais sujeitos figuram como atores e
c) buscar identificar, por meio dos modos de produção, circulação e interpenetração,
que e quais construções discursivas interagem na produção/legitimação da deficiência a que
são associados. Em outras palavras, que discursos incidem, se o fazem, na produção de um
sujeito da deficiência.
Por conseguinte, são nossos objetivos específicos:
- Identificar, no material analisado, os possíveis nomes e atributos do que se
compreende por deficiência, de modo a apontar, quando cabível, sistemas explicativos,
categorias, classificações, etc..., em circulação no discurso/práticas institucionais de
comunidades discursivas concretas;
- Verificar, pela análise do discurso, que estatuto(s) assume a condição de deficiência
para aquele que a fala ou é nela falado, e em que termos isso ocorre: seus modos próprios de
dizer-se/dizê-la e a relação discursiva com outros modos/gêneros de discurso;
- Contribuir com o avanço do conhecimento na área, pela leitura institucional e a
análise de alguns elementos discursivos que, recorrentes, tanto podem indicar o contexto
institucional propício a práticas de segregação quanto podem sugerir alternativas de lidar com
tais impasses.
Tendo esses objetivos em mente, realizamos as entrevistas – dezesseis, ao todo –
quatro delas com pessoas com deficiência e seus familiares, seis com educadores e outras seis
16
com terapeutas, em busca de, por meio da análise, lançar luzes aos ditos e mostrados nos
discursos desses grupos institucionais.
Parte do que organizamos, a partir de então, será apresentado nas próximas páginas.
Vale sublinhar que algumas das inquietações/interrogações iniciais encontraram eco e
desdobramentos, ao longo da pesquisa, enquanto que outras tantas simplesmente perderam
sua razão de ser, à luz dos estudos realizados.
Ainda nesse capítulo introdutório, a próxima seção tratará da discussão da
nomenclatura com que se vem dizendo a deficiência, bem como de alguns autores que
defendem a necessidade de conceituá-la e uniformizar a terminologia. A discussão que
fazemos, organizada no diálogo com essa posições, foi destacada do capítulo seguinte,
destinado à revisão da literatura, justamente por representar o pensamento que norteou as
escolhas que fizemos para realizar nossa pesquisa.
O segundo capítulo, A Literatura, apresenta nossa organização e elaboração do farto
material que encontramos, na revisão. Os estudos de Lígia Assumpção Amaral (1941-2002);
Lev S. Vygotsky (1896-1934) e Maud Mannonni (1923 - 1998) são apresentados como
importantes referências teóricas da literatura especializada, no campo da psicologia. Em
seguida apresentamos uma pequena cronologia de movimentos e legislações referidos ao tema
e à sua abordagem, no campo político-social. Ainda nesse capítulo, apresentamos o
levantamento que fizemos, junto à Biblioteca do Instituto de Psicologia da Universidade de
São Paulo – IPUSP, da produção de dissertações e teses relacionadas diretamente ao tema, por
meio de termos de busca que explanaremos em detalhes no interior do capítulo.
No terceiro capítulo, O Método, apresentamos a análise institucional do discurso
proposta por Guirado e a forma como buscamos articular essa estratégia de pensamento e o
nosso trabalho.
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O quarto capítulo é dedicado à análise das entrevistas, já recortadas segundo o método
e apresentadas por meio de extratos discursivos que, articulados, inscrevem os temas por nós
organizados, também em função da análise feita.
No quinto capítulo apresentamos a discussão do campo temático produzido pela
análise, em diálogo o trabalho de autores selecionados a partir de nosso levantamento
bibliográfico da produção no IPUSP e com as referências teóricas anteriormente apresentadas.
No sexto e último capítulo, apresentamos, à guisa de conclusão, os aspectos que
tomamos como os mais sensíveis e inquietantes, de modo que, sem nos darmos conta, já se
converteram em novos disparadores de reflexões, estudos, vida
1.2 Nomes e nomenclaturas
Tema de uma literatura acadêmica ampla, variada e dispersa por vários campos de
estudo, como se verá adiante; atravessada por controvérsias conceituais e outras produções
menos formais1, a ideia de deficiência e suas diversas categorias tem constituído objeto de
estudo relativamente frequente no campo da Psicologia, em especial nas últimas duas
décadas. Nesse período, a temática passou a integrar também o campo de estudos dedicado à
chamada educação inclusiva e aos processos de inclusão/exclusão social, de forma mais
explícita. Entretanto, um dos maiores desafios encontrados, desde o início da pesquisa, foi
compreender a partir de qual marco histórico o termo deficiência adquiriu o estatuto que hoje
1 Estas, encontradas em profusão na mídia eletrônica, vão da manifestação pessoal de uma opinião à divulgação de artigos científicos publicados em revistas indexadas. A riqueza e a variedade do material encontrado merece, em nosso entendimento, tratamento adequado, o que, para os objetivos dessa tese, não seria exequível. Optamos, assim, pela menção à existência do mesmo, o qual tencionamos examinar mais detidamente, em outro momento.
18
parece pouco questionado, carreando, consigo, concepções várias do que seja algo ou alguém
deficiente.
Pessotti (1984), logo nas primeiras linhas do capítulo introdutório de seu livro
“Deficiência Mental: da superstição à ciência”, ao assinalar que “A história da idéia de
deficiência mental acompanha de perto a evolução da conquista e formulação dos ‘direitos
humanos’ que se insere, por sua vez, na trajetória da filosofia humanística” (p.1), destaca
também que “Não se pode explicar a evolução daquela idéia sem referir seus momentos
marcantes às determinação de origem teológica ou econômica, política, jurídica ou outras.”
(idem). Vale citar as palavras do autor, neste sentido, firmadas na sequência:
Neste trabalho (...) Apenas se oferece uma descrição, balizada pela
cronologia, das principais idéias e personagens que têm gerado teorias
e interpretações sociais da deficiência mental, seja através de escritos,
seja em iniciativas didáticas ou assistenciais.
Embora em essência seja descritivo, o texto procura apontar a relevância das diversas
obras e ideias para a evolução histórica ulterior do conceito de deficiência mental,
entendendo-as como raízes, por vezes seculares, de cuja seiva se nutrem os preconceitos e os
conceitos de hoje, nesse campo. (p. 1)
Temos observado, entretanto – seja na literatura ou na atuação militante dos diversos
organismos sociais que lidam com o tema – lacunas inquietantes quanto à compreensão das
formas de (re)produção de concepções sobre a deficiência que circulam socialmente. Essa
insuficiência menos se refere à descrição – exaustiva, até – das diferenças de concepções, ao
longo do tempo (Godoy, 2002; Marchesi, 2002), e mais à análise dos modos de produção
desses discursos. Parece-nos significativo que a experiência singular de (con)viver com
limitações pessoais, de ordem física ou neurológica; congênitas ou adquiridas; que
incapacitam temporária ou permanentemente a realização de determinadas tarefas ou
modalidades de convívio social; seja convertida em fenômeno social de amplitude, enquanto a
19
própria dinâmica que a inscreve como tal compareça vinculada a uma origem que parece se
perder no tempo e que seria determinada, única e exclusivamente, pela natureza.
É de se problematizar, portanto, a concepção de uma deficiência tomada pela
pressuposição de possibilidade de que estejamos falando a mesma coisa, sempre que a
enunciamos. Ainda mais se estamos “do lado de fora” dessa vivência. Talvez não seja fortuito
que uma parcela considerável de autores e pesquisadores dessa área de estudos seja de
pessoas que vivem a condição de pessoas com deficiência.
Vash (1988), psicóloga americana, estudiosa do tema e também ela deficiente, já
apontava, há quase três décadas2 :
Ser deficiente é uma coisa. Ser incapacitado é bem outra. Agora que
as pessoas deficientes estão saindo da sombra e proclamando “existo,
logo, penso”, uma das coisas com que elas se preocupem [sic] é o
efeito da linguagem no modo como são percebidas por outras pessoas
e como se percebem a si próprias. Um grupo rejeita o termo
“deficiente” (disabled). Dizem que esse termo lhes lembra um carro
estragado abandonado, sem nenhuma utilidade, num acostamento da
estrada. Insistem em ser chamados de “incapacitados” (handicapped).
Outro grupo rejeita a palavra handicapped ou “incapacitado”. Dizem
que essa palavra lhes lembra posters de crianças pobres fitando com
gratidão as moedas que benfeitores estão jogando na latinha. Insistem
em ser chamados de deficientes. Ainda um outro grupo rejeita ambos
os termos. A palavra que eles desejam é “desconfortáveis”
(inconvenienced). Um outro grupo ainda prefere a palavra
“prejudicados” (impaired).
(...)
As palavras têm o poder de moldar imagens dos objetos de referência
e a sua escolha é importante na construção ou na destruição de
estereótipos. (p. 25 e 26)
2 O trabalho original, The Psychology of Disability, publicado por Springer Publishing Company, Inc.,é de 1981
20
E logo adiante:
A Autora pertence a um quinto grupo que usa os termos disability e
handicap com dois significados diferentes. Isso pode se tornar mais
claro através da definição de um terceiro termo: “doença”. A doença
se refere a um processo de enfermidade ativo. A deficiência
(disability) se refere a qualquer debilidade residual do funcionamento
fisiológico, anatômico ou psicológico, que resulte de uma doença, de
uma lesão, ou de um defeito congênito. Ela é definida em termos do
funcionamento individual e, supondo-se que não existe mais nenhum
processo ativo de doença, a deficiência é relativamente estável para
uma determinada pessoa. Assim, faz sentido falar de uma “pessoa
deficiente”. A incapacidade (handicap) se refere à interferência que
uma deficiência provoca no desempenho de uma pessoa numa
determinada área da vida. É definida em termos das conseqüências
sociais e pode variar bastante, dependendo daquilo que a pessoa esteja
tentando fazer. Assim não faz sentido falar de uma “pessoa
incapacitada”, de forma global. (p.26)
É certo que a adoção de novas terminologias sugere mudança na posição de quem
enuncia. Por outro lado, esses deslocamentos não são, necessariamente, indicadores de
mudanças na compreensão/abordagem do fenômeno que se deseja estudar. É de se perguntar,
então, de que forma poderíamos demarcar o campo constituído por esse movimento na ordem
do discurso que, concomitantemente, incide seus contornos, em diversos contextos
discursivos, com diversos matizes: histórico, linguístico, social, psicológico, jurídico, etc...
Em nosso entendimento, as tentativas de conceituar um fenômeno de tal ordem serão estéreis,
se não tomarmos como nosso principal ponto de inflexão o dizer das próprias pessoas que
vivem ou convivem com o que, nos dias atuais, é tido e nomeado pelo termo deficiência.
A conceituação de deficiência e sua estratificação em categorias descritivas
atenderiam a necessidades de ordem prática, derivadas de uma ordem interinstitucional e que,
21
segundo alguns autores – Sassaki (2003, 2005), por exemplo – constitui um movimento
mundial, na tentativa de uniformizar termos e procedimentos. Não é nosso interesse, neste
trabalho, procurar argumentos que afirmem possível ou não conceituar o que seja, afinal,
deficiência. A própria Organização Mundial de Saúde – OMS já o fez, como nos mostram
Amiralian et al. (2000), que discutem, em artigo bastante citado em outros trabalhos, as
vantagens e inconveniências de se adotar a definição proposta pela Classificação Internacional
de deficiências, incapacidades e desvantagens: um manual de classificação das consequências
das doenças – CIDID (1989), em que se definem, a título de conceituação, os termos
deficiência, incapacidade e desvantagem:
Deficiência: perda ou anormalidade de estrutura ou função
psicológica, fisiológica ou anatômica, temporária ou permanente.
Incluem-se nessas a ocorrência de uma anomalia, defeito ou perda de
um membro, órgão, tecido ou qualquer outra estrutura do corpo,
inclusive das funções mentais. Representa a exteriorização de um
estado patológico, refletindo um distúrbio orgânico, uma perturbação
no órgão.
Incapacidade: restrição, resultante de uma deficiência, da habilidade
para desempenhar uma atividade considerada normal para o ser
humano. Surge como conseqüência direta ou é resposta do indivíduo a
uma deficiência psicológica, física, sensorial ou outra. Representa a
objetivação da deficiência e reflete os distúrbios da própria pessoa,
nas atividades e comportamentos essenciais à vida diária.
Desvantagem: prejuízo para o indivíduo, resultante de uma deficiência
ou uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho de papéis
de acordo com a idade, sexo, fatores sociais e culturais. Caracteriza-se
por uma discordância entre a capacidade individual de realização e as
expectativas do indivíduo ou do seu grupo social. Representa a
22
socialização da deficiência e relaciona-se às dificuldades nas
habilidades de sobrevivência. (p. 98)
Quanto a nós, acreditamos não ser necessário inventarmos novos termos ou nos
esquivarmos do compromisso com a defesa dos direitos e a inclusão social de pessoas que,
por sua condição, se encontram em situação de exclusão e se convertem em vítimas de toda
sorte de preconceito. Em concordância com Medeiros e Diniz (s/d), quando se posicionam
quanto às questões terminológicas em relação ao tema e afirmam que: “... parece que a
disputa pela terminologia correta dispersa energia que deveria ser aplicada em questões mais
substantivas” (p.1-2), entendemos suficiente apenas indicar o uso que faremos de um
substantivo simples – deficiência – para denominar um fenômeno que entendemos bem mais
complexo.
Talvez seja lícito supor ser este um conceito tão flexível e moldável que pode sempre
ser modulado pelas formas de dizer mais características da instituição que busca capturá-lo
como objeto. A instituição escolar tradicional, na sua legislação específica, por exemplo,
trocará a expressão pessoas com deficiência por alunos com necessidades especiais. Assim,
mesmo que a definição dessa população específica possa comportar outros sujeitos – ser
especial não seria prerrogativa de quem tem uma deficiência – todo aluno identificado como
portador de deficiência pela legislação geral (Constituição Federal, 1988), aqui se torna um
aluno com necessidades especiais. A experiência empírica nos levou a observar, como
decorrência não prevista da adoção de uma perspectiva dita inclusiva3, tais alunos sendo
identificados, no discurso de educadores, como “alunos de inclusão”.
Assim, como bem aponta Davis (2002):
Mesmo no próprio movimento pelos direitos dos deficientes, as
noções sobre quem se encaixa na categoria de “deficiente” não são
3 Fato que vem ocorrendo, aliás, em todo o País, por força de orientação do Ministério da Educação - MEC
(2009)
23
claras. Por exemplo, muitos ativistas surdos não se consideram
deficientes. Ao contrário, eles se consideram integrantes de uma
minoria lingüística, como os latinos ou asiáticos, definidos pelo uso de
uma linguagem que não é dominante nos Estados Unidos. (A tirania
da “normalidade”, Lennard J. Davis) 4
É interessante notar que, desde o nome, desde essa dificuldade de conceituação,
deparamos com um tipo de deficiência que está aquém e além do fenômeno que se tem
chamado, atualmente, de deficiência. E o interessante reside exatamente no fato de parecer ser
uma grande deficiência nossa a dificuldade de conceituarmos com precisão, com clareza,
aquilo de que estamos falando. Por fim, talvez estejamos tentando nomear – ou talvez
capturar – a deficiência.
Desse modo, nosso interesse não será o estabelecimento ou a discussão de novas
categorias de deficiências que venham a constituir alguma outra tipologia dentre as já
existentes. Tampouco nos interessará discutir as diferenças entre os diversos “tipos” de
deficiência ou, mesmo, estabelecer comparações entre eles. Coloquemos em cena não a
discussão sobre qual termo usar ou que políticas públicas desenvolver, ou quais diagnósticos
seriam mais ou menos precisos, mas, sim, o princípio, já mencionado, de que o sujeito
psíquico tem a instituição por matriz, lembrando que a instituição aqui pensada não é
estrutura abstrata, mas ação humana, de pessoas em relação. Assim, por mais que as
limitações impostas à vida de uma pessoa com deficiência possam permitir que ela circule
livremente, ela estará, certamente, ligada a pelo menos duas, de três grandes instituições que,
sabemos, figuram nesse contexto específico: a instituição familiar, a instituição terapêutico-
4 Texto adaptado de Bending Over Backwards: Disability, Dismodernism and Other Difficult
Positions (Fazer o possível: deficiência, desmodernismo e outras posições difíceis), de Lennard J. Davis (Nova York, University Press, 2002). Obtido em:
http://www.daisakuikeda.com.br/publicacoes_quarterly_jul05_destaque_02.htm
24
assistencial e a instituição pedagógico-educacional. E todos os atores aí envolvidos têm,
certamente, o que dizer. Sendo assim, porque não trazer à cena justamente estes ditos?
Pretendemos enfatizar, à luz da abordagem proposta, a relevância das noções de
instituição, discurso, sujeito e singularidade, tomadas em uma intricada e dinâmica relação,
para analisar o discurso de sujeitos que, matriciados em uma teia discursiva em que saberes e
poderes se entrecruzam, certamente têm o que dizer sobre si. E o têm, talvez, a partir de um
lugar distinto do que, por ora, podemos imaginar.
Como nos diz Foucault (1997):
Sabemos – e, talvez, desde que os homens falam – que as coisas,
muitas vezes, são ditas umas pelas outras; que uma mesma frase pode
ter, simultaneamente, duas significações diferentes; que um sentido
manifesto, aceito sem dificuldade por todos, pode encobrir um
segundo, esotérico ou profético, que uma decifração mais sutil ou
apenas a erosão do tempo acabarão por descobrir; que sob uma
formulação visível pode reinar uma outra que a comande, desordene,
perturbe, lhe imponha uma articulação que só a ela pertence; enfim
que, de um modo ou de outro, as coisas ditas dizem bem mais que elas
mesmas. (p. 126-7)
25
2 A LITERATURA
A circunscrição de um tema de estudo conduz também à tarefa de se delinearmos com
clareza os termos e conceitos de que nos valemos. Veremos, entretanto, que o referencial
adotado não se restringe à condição – fecunda e produtiva, apostamos – de método de análise
dos dados obtidos, mas nos conduz a uma abordagem que, desde o primeiro momento, requer
a (re)leitura dos termos atinentes à temática eleita.
Esses termos configuram gêneros discursivos característicos de uma dada ordem de
relações humanas, sociais e – por isso, e ao mesmo tempo – institucionais. Assim,
entendemos que, ao falar deficiência, estaremos falando de uma multiplicidade de sentidos e
de um conjunto significativo de opções a que esse termo pode se referir.
Tomemos de empréstimo, para que se esclareça nossa posição, a definição de
polissemia e polifonia, como ensinada por D. Maingueneau (comunicado em palestra, julho
de 1997): a palavra é polissêmica, o discurso, polifônico. Polissemia, aqui, entendida como
múltiplos sentidos e polifonia como múltiplas vozes, nos remetem a uma reflexão sobre o
efeito discursivo da escolha do tema deficiência que, como palavra, ultrapassa a condição de
classe gramatical e adquire o estatuto de um discurso – polifônico, inequivocamente – de uma
só enunciação. Mas um discurso.
Assim, o discurso deficiência, aqui, será analisado a partir de cada contexto
enunciativo onde ocorrer. O que, vale dizer, conduz-nos à hipótese de que a palavra
deficiência, dita por vozes distintas, possivelmente dirá coisas distintas. O que não implica,
por outro lado, que essas vozes digam menos do que os seus distintos timbres podem dizer,
como interdiscursividade – a suposição de uma imbricação de falas que constroem
concepções e conferem maior ou menor força a determinados termos, em relação a outros. E
isso a análise nos possibilitou apontar.
26
Vimos, já, como o tema de nosso estudo configura uma possibilidade aberta a ser lida
de muitas maneiras. Referida por muitos dos autores como questão, conceito ou área, os
estudos sobre a deficiência, quando tratados com o rigor científico da academia, acarretam –
obrigatoriamente, a nosso ver – outra exigência: a de se investigar o que pessoas concretas,
em situações concretas, dizem de sua experiência com a deficiência – tomada como sua ou
como de pessoas com quem se relacionam. Vash (1988) já destacava a experiência da
deficiência como importante fator na discussão científica e modos de abordá-la, clínica e
socialmente, assim como Amaral (1994) e Sekkel (2003) o fazem.
A mesma Amaral (1997) sugere, inclusive, a distinção de tipos de conceituação da
deficiência: o conceito social: "(...) refere-se aos fenômenos-satélites à própria deficiência:
atitudes, preconceitos, estereótipos e estigma."; o conceito pedagógico (...) "entende que a
deficiência é aquela condição que, presente em dado aluno, exige técnicas, recursos e
programas especiais." e o conceito psicológico:
... embora sendo ainda bastante discutível e discutido (...) tem como
estrutura central a ênfase na pessoa e não na deficiência, abstendo-se,
portanto, de certa forma, de conceituar o fenômeno, voltando-se com
intensidade para as vicissitudes no processo de desenvolvimento, para
as reações afetivo-emocionais da pessoa, família e sociedade, as
reverberações na esfera da personalidade etc.(p.140).
Destaque-se, dessa autora, que ela se tornou referência importante para os estudos
sobre a deficiência no Brasil e é hoje considerada pioneira na abordagem da questão. Para
melhor dimensionarmos a importância de seu trabalho, tomemos em conjunto os principais
pontos introduzidos por dois autores também considerados pioneiros nos estudos e no modo
de pensar a deficiência.
27
2.1 A Produção Acadêmica
Ao realizarmos uma pesquisa bibliográfica baseada em termos-chave, observamos: 1)
são raros os artigos em que há preocupação explícita em se discutirem as razões da adoção de
determinada terminologia para se referir às pessoas hoje nomeadas como pessoas com
deficiência e 2) é profícua a produção referente à área temática – encontramos muito material,
muitos textos; artigos inclusive assinados por docentes e pesquisadores de nível universitário
– mas não verificamos muitas regularidades nas referências bibliográficas utilizadas, o que
sugere ser este um campo conceitual bastante aberto a abordagens diversas. As duas maiores
recorrências, no material revisado, de citações e referências bibliográficas a autores
brasileiros, são os trabalhos de Amaral (1994, 1995, 1997, 2004) e Pessoti (1984). A ênfase
na revisão da literatura em nossa pesquisa ocorre no sentido de se buscarem eixos de
referência e comparação para as discussões a serem desenvolvidas após a análise do material.
Tendo em mente esses aspectos e diante da grande quantidade de material encontrado,
algumas opções foram sendo feitas, como sói acontecer. A primeira tendência seria a de
elegermos a produção de um dado momento no tempo, a partir de um recorte que seguisse
uma cronologia. Mas uma das considerações de peso, considerando a estratégia de
pensamento do método adotado, que tem por uma de suas referências o trabalho de Michel
Foucault, logo nos alertava para o fato de que o sequenciamento cronológico não garantiria
nem a relevância nem a diversidade de abordagens que encontramos na pesquisa. Havia que
se estabelecer um corte, uma vez que seria impossível retratar, em uma só tese, a diversidade
de vozes e leituras possíveis sobre a deficiência.
Fizemos, então, o levantamento de todas as Teses e Dissertações defendidas no
Instituto de Psicologia da USP, desde sua fundação, bem como da produção intelectual do
28
corpo docente, e tomamos esse material como um primeiro referencial, um ponto a partir do
qual realizar nossa revisão.
A base de dados utilizada foi o DEDALUS (www.sibi.usp.br/sibi) e os termos e
expressões utilizados para a busca foram: deficiência, deficiente, pessoas com deficiência,
pessoas portadoras de deficiência, portadores de necessidades especiais, educação especial,
educação inclusiva e crianças especiais. Destaque-se que, na Tabela 1, que apresenta os dados
sistematizados, os registros encontrados a partir de termos ou expressões distintos muitas
vezes eram coincidentes.
Consultamos o Catálogo Online local da Biblioteca do Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo – IPUSP, sem restrição de data para o retorno de registros. Na
página do site foram consultados todos os tipos de materiais e as bases de dados foram
especificadas (Teses e Dissertações ou Produção Intelectual), sem palavras adjacentes.
Entendemos que a lista gerada não é exaustiva; porém, acreditamos que ofereceu uma amostra
representativa da produção em Psicologia, a partir de uma instituição que constitui um centro
de referência nacional, no âmbito acadêmico.
A busca resultou num total de 154 trabalhos, entre dissertações, teses de doutorado e
de livre-docência, entre os anos de 1965 a 2010. Não houve produção em todos os anos do
período, tendo sido o ano de maior concentração o de 1999, com seis dissertações, sete teses e
uma livre-docência. A Figura 1 mostra a evolução da produção ao longo do tempo.
29
Figura 1: Evolução da produção de dissertações e teses do IPUSP de 1965 a 2010.
1 1 12
1
5
12
4
1 12
6 6 64 4
53
43
8
3 31
13
5
1
4
3
3
42
5
4
7
3
2 2
6
5 2 4
2
2 2
0
2
4
6
8
10
12
14
16
1965
1969
1970
1980
1984
1986
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Dissertação Tese Livre Docência
Fonte: Elaboração própria.
A distribuição da produção de teses e dissertações no IPUSP, ao longo do tempo,
apresenta uma interessante correlação com a evolução dos marcos regulatórios institucionais5,
não só no Brasil, mas também em termos do movimento mundial em prol da educação
inclusiva.
Senão, vejamos. O marco mais importante, não só para a educação inclusiva, como
para a regulação da sociedade brasileira como um todo, foi a Constituição Federal de 1988,
promulgada em 05 de outubro de 1998 e conhecida como a Constituição Cidadã. Nela, já se
estabelecia, em seu artigo 208, como dever do Estado, a garantia à oferta do atendimento
educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino. Em 1990, com o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei n° 8069/90), estabeleceu-se que a
obrigatoriedade de realizar a matrícula de filhos ou pupilos na rede pública regular de ensino,
e com isso o passo efetivo inicial para a educação inclusiva estava tomado. A Figura 2
sintetiza os principais pontos no tempo desse marco referencial.
5 Baseado em material apresentado no Seminário Internacional de Educação Inclusiva do Fórum Oeste de Educação Inclusiva, 2009, gentilmente cedido pela autora Marta Gil.
30
Figura 2: Breve cronologia dos marcos de referência na educação inclusiva
Além do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda em 1990, estabeleceu-se a
Declaração Mundial da Educação para Todos, em reunião de membros da UNESCO, em
Jomtien, Tailândia, de 5 a 9 de março de 1990, afirmou o compromisso, em seu artigo
terceiro, de atender às necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras de
deficiências requerem, para o que se reconhecia a necessidade de atenção especial, com
medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer
tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo. Coincide, neste mesmo ano, a
defesa de cinco dissertações de mestrado e cinco teses de doutorado no IPUSP, revelando a
vanguarda da pesquisa nessa instituição.
Já em 1994, a Declaração de Salamanca apresentou a essência da educação inclusiva,
ressaltando que é dever do Estado assegurar que a educação de pessoas com deficiência seja
parte integrante do sistema educacional, provendo acesso à escola regular, que deve acolhê-
las a partir de uma pedagogia centrada na criança. Concomitantemente, em nível nacional,
instituiu-se a Política Nacional de Educação Especial, que passou a orientar o processo de
‘integração instrucional’, que condiciona o acesso às classes comuns do ensino regular
1990 1994 1999 2001 2003 2006
ECA – Lei n°8069/90
Declaração Mundial da
Educação para Todos
Declaração de Salamanca
Convenção de Guatemala
Política Nacional de Educação Especial
Política Nacional para a Integração da
Pessoa portadora de Deficiência
Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na EducaçãoBásica
Programa Educação Inclusiva
ONU -Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência
PlanoNacional de Educação em
Direitos Humanos
Fonte: Elaboração própria com base em Gil (2009)
1990 1994 1999 2001 2003 2006
ECA – Lei n°8069/90
Declaração Mundial da
Educação para Todos
Declaração de Salamanca
Convenção de Guatemala
Política Nacional de Educação Especial
Política Nacional para a Integração da
Pessoa portadora de Deficiência
Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na EducaçãoBásica
Programa Educação Inclusiva
ONU -Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência
PlanoNacional de Educação em
Direitos Humanos
Fonte: Elaboração própria com base em Gil (2009)
31
àqueles que "(...) possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares
programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais”. Pode-se
conjecturar que a importância desse marco institucional também se fez sentir na produção
acadêmica do IPUSP, contribuindo para que, entre os anos de 1994 e 1999, fossem gestadas e
defendidas vinte e cinco, entre 1998 e 2000, sendo que em 1999, nada menos que catorze
dissertações e teses foram defendidas desse total – ápice deste tipo de produção em todo o
período estudado. Ainda como fator de compreensão dessa mesma produção e de
desenvolvimento pari passu da pesquisa acadêmica e dos fatos da realidade, observam-se os
marcos institucionais do próprio ano de 1999, em que Política Nacional para a Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência (Decreto nº 3.298, que regulamenta a Lei nº 7.853/89) define
a educação especial como uma modalidade transversal a todos os níveis e modalidades de
ensino, enfatizando a atuação complementar da educação especial ao ensino regular. E,
complementarmente, a Convenção da Guatemala (Decreto nº 3.956/2001, Convenção
Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas
Portadoras de Deficiência, , de 28 de maio de 1999) afirma que as pessoas com deficiência
têm os mesmos direitos humanos e as liberdades fundamentais que as demais pessoas, o que
exige uma reinterpretação da educação especial e uma diferenciação adotada para promover a
eliminação das barreiras que impedem o acesso à escolarização – ambos podem ser
associados ao motivadores de questões de pesquisa que culminam em dissertações e teses
defendidas entre 2003 e 2004 – considere-se que 2003 é o ano em que o Ministério da
Educação e Cultura (MEC) cria o Programa Educação Inclusiva, estabelecendo o direito à
diversidade e um amplo processo de formação de gestores e educadores nos municípios para
a garantia do direito de acesso de todos à escolarização, com organização do atendimento
educacional especializado e promoção da acessibilidade.
32
A partir de então, uma série de eventos e de ações internacionais e nacionais de
reafirmação desses princípios têm sido efetivas, dos quais destacamos, em 2006, a Convenção
das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que estabelece que
os Estados Parte devem assegurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis de
ensino, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social compatível com
a meta de inclusão plena; e a , em nível nacional, o Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos, cujo objetivo é fomentar as temáticas relativas às pessoas com deficiência e
desenvolver ações afirmativas no currículo da educação básica.
Outro recorte interessante é avaliar a distribuição dessa mesma produção por tipos e
áreas de concentração, resumidos na Tabela 1:
Tabela 1: Distribuição da produção por tipo e área de concentração
Dissertações Teses de Doutorado Teses de Livre-docência TotalPSA 32 34 2 68PSC 12 8 0 20PSE 19 15 1 35PST 8 7 0 15NI* 6 9 1 16Total 77 73 4 154
* Não identificada (NI) a origem do departamento.Fonte: Elaboração própria
Tipo de produção
Observamos que a distribuição dos trabalhos entre dissertações e teses é bastante
equitativa, sendo a primeira correspondente a 50% e a segunda, a 47% do total da produção
pesquisada. O departamento de maior concentração é o PSA, responsável por 44% dessa
produção no IPUSP, neste período. Tal fato também reflete o fato de que os orientadores com
maior número de orientações são, também, dessa mesma área de concentração: Maria Lucia
Toledo Moraes Amiralian, com dez orientações concentradas entre 1995 e 2008, e Lígia
Assumpção Amaral, com 9 orientações entre 1996 e 2001.
33
Como cada trabalho apareceu na busca por diferentes palavras-chave, em média de
2,17 palavras-chave por trabalho, obtivemos um total de 334 ocorrências das palavras
pesquisadas. A Tabela 2 sintetiza esses resultados.:
TABELA 2 – Número de registros encontrados por termos de busca
Palavras-chaveContagem
bruta
Percentual sobre o total de
ocorrênciasDeficiência 97 63%Deficientes 68 44%Deficiente 64 42%
Educação especial 46 30%Educação inclusiva 8 5%
Pessoas com deficiência 25 16%Crianças especiais 9 6%
Pessoas portadores(as) de deficiência** 7 5%
Portadores de necessidades especiais 0 0%
Crianças com necessidades especiais 5 3%
Alunos com necessidades especiais 5 3%Total 334 217%
Fonte: Elaboração própria
Ainda considerando a repetição das palavras-chave, obervamos que as de maior
ocorrência são as quatro primeiras, que aparecem em conjunto em 7 dos trabalhos publicados.
Em um deles, a quinta palavra-chave é “educação inclusiva”; em dois outros combinam-se
com “crianças especiais” e, ainda num último a combinação daquelas quatro palavras-chave
se dá com “crianças com necessidades especiais”. Dados esses fatos, e para propiciar uma
visualização gráfica dos entrecruzamentos das principais palavras-chaves, elaboramos um
diagrama destacando a relação entre elas apenas, encontradas em 164 ocorrências no total,
apresentado na Figura 2:
34
Figura 3: Diagrama de entrecruzamentos dos principais termos de busca
Desse diagrama, podemos ler inúmeras informações interessantes: isoladamente em
relação aos outros três termos, “deficiência” aparece como palavra-chave em 23 trabalhos, em
conjunto com “educação especial”, marcou o conjunto de palavras-chave de 13 trabalhos
pesquisados.
Obtidos os resumos de cada produção indicada, as teses e dissertações disponíveis em
versão digital foram baixadas da Biblioteca Digital de Teses da USP (www.teses.usp.br).
Todas as outras foram consultadas e selecionadas, para leitura detalhada, de acordo com
critérios que priorizavam aquelas que não se referissem a um tipo específico de deficiência ou
que se dedicassem a propostas de intervenção já delineadas e recortadas. Enfatizaram-se,
Deficiência
Deficientes
Deficiente
Educação especial
23
10
3
3 4
3
6
11
8
4
2
3
8
Deficiência
Deficientes
Deficiente
Educação especial
23
10
3
3 4
3
6
11
8
4
2
3
8
Deficiência 52
Deficientes 46
Deficiente 35
Educação especial 31
Total 164
Deficiência 52
Deficientes 46
Deficiente 35
Educação especial 31
Total 164Fonte: Elaboração própria
35
assim, aqueles trabalhos que propunham uma leitura crítica do fenômeno ou faziam uma
discussão epistemológica do tema, à luz da psicologia.
A lista contendo todos os títulos da produção pesquisada, com os registros organizados
em ordem alfabética por autor, figura na Seção Anexos deste trabalho.
Foi interessante observar como autores consagrados no campo da Psicologia, como
Freud, Jung, Klein, Lacan, Mannoni, Vygotsky, Winnicott, figuram como as referências
teóricas centrais de vários dos trabalhos. É notória, por outro lado, a participação de Lígia A.
Amaral na condição de autor citado. O que nos parece confirmar a relevância de sua obra no
campo dos estudos sobre a deficiência levados a efeito no Brasil.
Há um autor, ainda, a quem devemos fazer menção. Sua obra, embora não se refira
especificamente ao campo de conhecimento da Psicologia, tem-na influenciado de maneira
tão produtiva quanto capaz de desacomodar nossos saberes tradicionais e deve ser citada
como uma importante referência em nosso modo de pensar a produção do conhecimento.
Trata-se de Michel Foucault (1926-1984). Contudo, para sermos fiéis ao que de mais precioso
se pode identificar no pensamento desse autor, jamais poderíamos declarar uma filiação,
traduzida pelo termo foucaultiana.
Pensamos não haver o que seguir, de Foucault, além da trilha de nosso próprio
pensamento. Assim, se podemos afirmar, desde já, que Foucault não esteve interessado em
estudar a subjetividade como subjetividade psíquica, apontamos, também, que a diferença
desse enfoque será demarcada de maneira brilhante no trabalho de Guirado (2010). Cabe
também apontar como a monumental e sempre vigorosa obra de Sigmund Freud pode ser lida
por um ângulo de incidência capaz de movimentar conceitos dados por definitivos, como a
transferência. (GUIRADO, 2000; GUIRADO & LERNER, 2007). Vemos como, em seus
escritos, Guirado confere o merecido e esperado crédito a todos esses autores, mas segue sua
trilha; seu caminho e seu trabalho de pensar a vida.
36
Trataremos disso, a seguir, em detalhes
37
3 O MÉTODO
No campo teórico em que se explicitam embates e afinidades quanto ao entendimento
do fenômeno deficiência, parece-nos haver pressupostos e subentendidos em demasia. Desses,
talvez o principal e mais operativo seja a suposição de haver uma condição de desvantagem
inevitável da pessoa com deficiência; quando essa condição mesma constitui a naturalização
de um fato social, historicamente datado. Entendemos haver, entretanto, outra naturalização,
ainda mais poderosa: aquela que se refere às limitações impostas pela particularidade de um
funcionamento psíquico/fisiológico. Será pela análise, talvez, que nos seja possível identificar
como se produzem tais efeitos de reconhecimento/desconhecimento dessa verdadeira supra –
ou sobre – naturalização que se faz de funções fisiológicas como o ouvir, o ver, o falar,
engolir, etc. Falamos, aqui, de sobrenaturalização por entendermos que essas funções, em si,
nada garantem afora atestar que se pertence a uma dada espécie e que tais e tais traços são
característicos do bom ou mau funcionamento desses órgãos/funções. E é aí que devemos nos
lembrar – ou devemos não nos esquecer – que é só socialmente, no e com o discurso, que se
ativam os circuitos nos quais tais funções alcançam seu valor (representarão potência, saúde,
vigor, etc...) e serão significadas.
De nossa parte, assumimos, em consonância com o método de pesquisa adotado, que
esta experiência esteja dita ou mostrada no discurso – o que evidencia nosso entendimento de
que experiência e discurso não são duas situações distintas. O discurso de e sobre algo é,
também, a experiência desse algo. Aqui, a concepção de discurso como ato (GUIRADO,
2000) permite-nos pensá-lo, também, como experiência. Vejamos.
Denominada Análise Institucional de Discurso, a abordagem metodológica aqui
assumida tem sua origem no trabalho da psicanalista, professora e analista institucional
Marlene Guirado, que a vem desenvolvendo desde sua tese de doutorado, depois convertida
38
em livro (GUIRADO, 2004). E ela o faz a partir de uma inovadora elaboração de aspectos
fundamentais presentes na obra de Sigmund Freud, no pensamento de Michel Foucault, nos
trabalhos sociológicos de Guilhon de Albuquerque e do linguista e analista do discurso
Dominique Maingueneau. (Guirado, 2009) 6
Gozando já de reconhecimento nos círculos acadêmicos em que se desenvolveu, o
método de análise a ser empregado traz na sua própria essência o que certamente podemos
considerar uma novidade, em relação a outros aportes teórico-metodológicos do campo de
conhecimento em que pretendemos transitar: ele só se constitui, e ao seu objeto, na medida
mesma em que é utilizado. Até porque seu exercício consiste em efetivar uma leitura da(s)
instituição(ões) concreta(s) e de seu discurso que poderíamos afirmar ser a própria instituição
em movimento, na voz de seus agentes concretos. Voz esta que traz em seu timbre, também,
as inevitáveis marcas da singularidade dos sujeitos ali em relação.
Dessa forma, o que pode ser apontado como identidade e regularidade da metodologia
escolhida, consiste em sua forma verdadeiramente minimalista de configurar um objeto de
estudo: este só pode aparecer como tal na medida em que já tenha sido submetido à sua
desmontagem e reconstrução – assim como se entende, aqui, o que seja uma análise. Dito de
outra forma, um objeto de estudo/pesquisa só se produz, efetivamente, quando de sua
pesquisa. Não há, portanto, como supormos uma anterioridade do objeto de pesquisa em
relação à análise a que se procederá.
Por outro lado, se é econômica em seus princípios, a metodologia escolhida permite-
nos grande diversidade nos modos de abordagem e tratamento do material, uma vez
conhecidas, reconhecidas e respeitadas as regras que ditam o (e são ditadas pelo) ordenamento
do discurso. O mesmo ocorre com o ordenamento discursivo específico do material que se
6 A Tese de Livre Docência da autora, “A análise institucional do discurso como analítica da subjetividade”, pode ser consultada em versão digital, no endereço: http://www.teses.usp.br. A mesma tese foi publicada em livro em 2010. Para maiores informações , consultar a Seção de Referências Bibliográficas.
39
analisa. Neste sentido, a eleição de determinado corpus para análise não será, jamais, fortuita:
sua própria escolha já aponta os critérios adotados para o recorte efetuado. Estes, por sua vez,
podem e devem ser enunciados desde logo, e com clareza.
Passemos, portanto, à indicação dos pontos básicos que apoiam essa estratégia de
pensamento, esperando que já se tenham feito notar alguns de seus matizes, ao longo do texto
desenvolvido até agora. Já em nossa Dissertação de Mestrado (Galvão, 2000), apontávamos
que:
... a análise de discurso, tal como proposta por Guirado:
- vale-se de elementos importantes da Análise das Instituições
Concretas, de Albuquerque, compartilhando de conceitos forjados a
partir desta concepção (instituição; agentes - ou atores - institucionais;
objeto institucional; contexto institucional; âmbito de ação; planos de
análise);
- entende instituição como um conjunto de práticas que são repetidas e
legitimadas, enquanto se repetem. Estas são, com isso, naturalizadas,
vistas por seus agentes como tendo sido 'sempre assim';
- considera, além disso, que as práticas que se repetem só se repetem
pelos atos de seus praticantes: entre estes atos, o principal é o
discurso. Disso se pode inferir que o discurso de uma instituição é o
discurso de seus agentes, e vice-versa;
- vale-se do instrumental analítico sustentado pela Análise do
Discurso, na forma como a entende Maingueneau, compartilhando e
operando com conceitos como o de discurso (na vertente
foucaultiana), enunciação, gêneros de discurso, cenografia,
heterogeneidade, polifonia;
40
- constitui um exercício particular do pensamento analítico que, sem
se confundir com uma análise “interpretativa”, ou qualquer ciência
hermenêutica, toma do campo constituído pela Psicanálise (e pela
Psicologia) seu referencial último, quando considera a singularidade
do sujeito psíquico;
- considera que este sujeito psíquico é, sempre, matriciado nas
instituições: não há como pensar um sujeito fora da instituição, da
mesma forma como não há como pensar vida social fora das
instituições. (p.105)
Discutimos, em páginas anteriores, que se o objeto de uma pesquisa determina a
escolha do método, o que se obterá é aquilo mesmo que já se delineava, antes de a pesquisa
ser levada a termo. Assim, quando intentamos analisar o discurso das pessoas de quem se diz
com deficiência e seu círculo social – o que não é dado a priori – assumimos também que não
é possível antecipar o que encontraremos na fala das pessoas que pretendemos entrevistar.
Consideramos, pois, que tanto aquilo enunciado como necessidade e/ou dificuldade
para se conceituar deficiência, quanto a sua relativização pelas especificidades do campo e do
olhar de quem a aborda, são elementos passíveis de serem problematizados, questionados, a
partir do que obtivermos quando da consecução de nossa análise. Tarefa esta cujo foco, sendo
o dizer de atores sociais concretos, em situações de vida concretas, pode propiciar
entendimentos outros, distintos e distantes do que, por vezes, damos por certo e
inquestionável, antecipadamente, em nossas teorias. Especialmente porque, como bem aponta
Guirado (2005),
O mais desconhecido em nossas práticas, ainda que bem
intencionadas, é o como se faz a naturalização do instituído.
As teorias são o locus preferente para a reprodução de pontos cegos.
Elas recebem normalmente os créditos de verdade e confiança
41
daqueles que com elas operam. Porto seguro nas tempestades de
nossos habituais (des)entendimentos, como num passe de mágica,
transformam-se em depositários de nossa vontade de verdade.
Costumamos pensar que nós podemos errar, mas a teoria que
abraçamos é o que há de mais certo. Mas, em realidade, são elas que,
ao fim e ao cabo, confrontamos como produto do conhecimento.
Trata-se, aqui, de negá-las, rechaçá-las, produzir sem elas? Não. Até
porque isto seria impossível. (p. 15)
Em nosso entendimento, a tensão gerada pelas tentativas de conceituar/capturar a
deficiência talvez só encontre sua razão de ser se pudermos retomar a questão relativa aos
gêneros discursivos7, que já está posta desde o início.
Na análise, levamos em consideração as duas dimensões fundamentais do discurso: a
dimensão do dito (o que se enuncia) e do mostrado, no momento mesmo em que se discursa
algo. Ou, a dimensão explícita e a dimensão implícita dos enunciados. Desta última, diz-nos
Maingueneau (1998) que, “Podemos tirar de um enunciado conteúdos que não constituem, em
princípio, o objeto verdadeiro da enunciação, mas que aparecem através dos conteúdos
explícitos” (p.81). As duas grandes formas de implícito são os pressupostos e os
subentendidos (Maingueneau, 1996):
Pressupostos e subentendidos permitem que os locutores digam sem
dizer, adiantem um conteúdo sem assumir completamente sua
responsabilidade. No caso do pressuposto, existe um recuamento
desse conteúdo; no do subentendido, trata-se antes de uma espécie de
adivinhação colocada ao co-enunciador. (p.105)
7 Formulada primeiramente por Bakhtin, a noção de gênero de discurso ou gênero discursivo, embora
modificada (Maingueneau, citado por Guirado, 2000) presta papel relevante na análise de discurso, em especial
quando a tomamos como tradução para o modo de dizer específico de uma instituição concreta em particular.
42
Essas formulações nos ajudam a evidenciar que enunciar deficiência e buscar
conceituá-la pode dizer a necessidade e, no mesmo ato, mostrar a provisoriedade do discurso
técnico-científico diante de um modo de experiência humana que reescreve e redimensiona, a
todo o momento, a singularidade inalienável do que concebemos por sujeito. O mesmo sujeito
que, singular, bebe da fonte comum – embora nada impessoal – das instituições onde encontra
suas raízes. Esse é um dos aspectos que torna recorrente nossa interrogação sobre que relação
discursiva se constrói entre o dizer de pessoas que fazem a experiência da deficiência, que
vivem com ela, que trazem suas marcas – por vezes, verdadeiros estigmas sociais – e o dizer
de quem as cuida, trata, assiste.
O sujeito pode permanecer, como noção e como agente concreto, alijado do processo
de apropriação de sua deficiência como um discurso sobre si. O referencial teórico-
metodológico utilizado não só permite que se tome a família, a escola e as práticas
médico/clínico/terapêuticas como instituições. Demonstra, também, a propriedade de serem
elas abordadas dessa forma, uma vez que é do jogo discursivo produzido por sua relação entre
si – cujos gêneros discursivos se interpenetram e influenciam – que parece emergir o discurso
social que sustentará e manterá a deficiência, nos diversos e eficientes modos de dizê-la.
Outro ponto de fundamental importância é destacar o viés que o trabalho com uma
temática dessas pode introduzir e ao qual se pode ceder se não o tomarmos em consideração:
além de contemporâneo e foco de inúmeras e acaloradas discussões, o tema em estudo pode
gerar uma forte inclinação do pesquisador a assumir posturas mais ou menos favoráveis a tal
ou qual abordagem. Esta não é, entretanto, a melhor posição para quem deseja produzir uma
pesquisa nesse contexto. Por outro lado, a própria área do saber em que nos situamos já nos
permite considerar, como parte integrante do trabalho, a dupla condição em que se encontra
qualquer pesquisador: sujeito e objeto de estudo (GUIRADO, 1995). O que não nos torna
43
imunes, portanto, ao viés de trabalharmos a partir de nosso próprio repertório de concepções,
crenças e credos.
Em continuidade ao desenvolvimento de sua atividade como pesquisadora, docente e
analista e contando, nos dias atuais, com um número crescente de dissertações e teses
orientadas por ela, Guirado lança, em forma de livro (GUIRADO, 2010), a sua tese de livre
docência. Ali, reapresenta, de forma brilhante, sua proposta, em termos tais que valem ser
reproduzidos literalmente, em vez de reditos. Vejamos:
Do conceito de instituição:
A base diferencial de nossa proposta é o conceito de instituição com
que trabalhamos: conjunto de relações sociais que se repetem e, nessa
repetição, legitimam-se (ALBUQUERQUE, 1978). Essa legitimação
se dá, em ato, pelos efeitos de reconhecimento de que essas relações
são óbvias e que naturalmente sempre foram assim. Dá-se, ao mesmo
tempo e complementarmente, pelos efeitos de desconhecimento de sua
relatividade. (GUIRADO, 2010, p. 36)
Do discurso:
O que importa, porém, é considerar, com Foucault, que os discursos
são dispositivos-ato, (por)que supõem, para seu exercício, uma
posição, um lugar, que é um lugar na enunciação; isto é, um lugar
prenhe de palavras para ouvir e para falar; com os efeitos que isto
pode ter sobre a ação de um e outro em relação, num determinado
contexto. (GUIRADO, 2010, p. 38)
Do método, em si:
44
Como, concretamente, fazer isso? Acompanhando a distribuição de
tempos e espaços/atividades na rotina diária (ou semanal); quem faz o
que, como, quando. Acompanhando, ainda, as relações seus conflitos
e tensões, incluindo aquelas de que faz parte o próprio psicólogo. Não
para desenvolver paranóias, autocentramentos e onipotências, mas
para configurar o jogo de expectativas criadas nas relações imediatas,
como se responde a elas e a orientação que então se segue. Com
atenções assim aparentemente prosaicas, podemos nos dar conta do
desenho dos procedimentos e dispositivos discursivos em jogo. E o
mais importante: implicarmo-nos nele como pólos geradores de ação
sobre a ação de outros, ou como pólos de resistência à dominação /
submissão da subjetividade, simplesmente. (GUIRADO, 2010, p. 50)
E das fontes em que bebe:
Entram, então, outros termos de discursos outros: (a) de Foucault,
discurso em sua materialidade, como ato, como dispositivo
institucional, bem como um sujeito construído historicamente por e
nesse discurso; (b) de Maingueneau, comunidade e gênero discursivo,
heterogeneidade do discurso, teoria da enunciação, cenas
enunciativas; (c) de Guilhon Albuquerque, instituição como o fazer
dos atores e seus efeitos de reconhecimento e desconhecimento.
(GUIRADO, 2010, p. 152)
Do poder como exercício:
Foucault reverte esse entendimento, quando afirma que poder é
exercício, é ação sobre ação; é verbo, portanto, e não, substantivo. Isto
é caminho para considerar que seja constitutivo de todas as relações
sociais e, não, uma relação diferente e à parte das demais que
fazemos, tais como as amorosas, as de conhecimento ou as
econômicas. Amamos, conhecemos, trabalhamos, somos cidadãos,
profissionais, ensinamos ou aprendemos, sempre por (ou em meio a)
45
jogos de afrontamentos, mais ou menos tensos, correlações múltiplas
de força, móveis e instáveis, sem que se oponham de modo binário,
dominadores/dominados. Quando esta oposição se torna visível,
quando ganha destaque e caracteriza uma relação, é porque houve
clivagem nas correlações de força e esta clivagem passa a atravessar,
como que numa linha de força geral, o tecido social em questão.
(GUIRADO, 2010, p. 74)
Da analítica como subjetividade:
Daí que, o campo conceitual, configurado pela e para a análise
institucional do discurso, estaria na origem também do sujeito (este,
dobradiça), e conduziria à possibilidade de falar em uma analítica da
subjetividade. Isto porque essa análise, com o sujeito-dobradiça como
seu operador, remeteria aos modos de subjetivação do sujeito
institucional, sujeito da e na relação instituída/instituinte. E a
subjetividade figuraria, então, como efeito de uma ordem discursiva,
de um discurso-ato-dispositivo (GUIRADO, 2006). A subjetividade
passaria a implicar práticas institucionais e sua análise, bem como o
acionamento do sujeito-dobradiça permitiria entrever as condições de
produção do discurso e os efeitos de subjetivação. (GUIRADO, 2010,
p. 156)
Uma vez explicitados os princípios metodológicos a partir do qual vimos trabalhando,
assim como alguns critérios básicos, cabe explicitar os procedimentos que adotamos para a
constituição do corpus da análise.
46
3.1 Procedimentos
3.1.1 Quanto à coleta do material:
À luz do referencial teórico-metodológico que tomamos por base, realizamos
dezesseis entrevistas semidirigidas8 com representantes dos grupos interdiscursivos foco desta
pesquisa, entre 2008 e 2010. Utilizamos um roteiro de entrevista mínimo pré-definido, que
permitia a interação por parte da entrevistadora, necessária, por vezes, dadas as características
do objeto de estudo. Vale observar que o período em que se realizaram as entrevistas coincide
com o momento em que as práticas vinculadas ao modelo tradicional de ensino ofertado pelo
poder público local passam a ser substituídas por práticas conhecidas como educação
inclusiva. Tal fato permeia o discurso de todos os entrevistados, uma vez que as incertezas e
temores advindos de processos mudanças institucionais imprimem receios quanto ao futuro e
aos desdobramentos desse processo, seja para as famílias que, segundo o discurso da
instituição oficial, deveriam se beneficiar com essas mudanças seja para o trabalho dos
profissionais envolvidos.
Uma lista de códigos e codinomes foi elaborada, para garantir a privacidade dos
entrevistados e é utilizada no contexto da análise dos extratos apresentados no capítulo de
análise.
As pessoas com deficiência e seus familiares entrevistados nesta pesquisa são sujeitos
matriculados na rede municipal de ensino de uma cidade do Estado de São Paulo. As
entrevistas foram agendadas com antecedência, por contato pessoal ou telefônico, e
contemplaram a disponibilidade tanto das famílias quanto da pesquisadora, o que demandou
8 Destaque-se que, em conformidade ao disposto pelas Diretrizes e Normas de Pesquisa em Seres Humanos,
constantes da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) n.º 196/96, todos os sujeitos envolvidos nesta
pesquisa assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com o modelo constante no
Apêndice B. No caso de crianças e adolescentes, foram colhidas as assinaturas de seus pais ou responsáveis
legais.
47
tempo e, em algumas vezes, um árduo processo de negociação para serem realizadas, que nem
sempre resultou em êxito. O local de realização foi a própria residência daquelas pessoas,
contando com a participação de familiares e pessoas próximas – parentes e vizinhos.
Foram realizadas quatro entrevistas, com média de duração de 2h00min, gravadas em
áudio e transcritas integralmente. As pessoas com deficiência, no momento da entrevista,
estavam na faixa etária de 10 a 35 anos, e tiveram participação mais ou menos ativa nas
entrevistas, a depender das peculiaridades de cada um. Em geral, a mãe fazia o papel de
interlocutora, o que revelou aspectos importantes das categorias analíticas que apontamos
adiante.
O grupo de profissionais entrevistados foi composto por seis educadores, todos ligados
direta ou indiretamente aos quatro sujeitos com deficiência e em contato direto ou indireto
entre si, no cotidiano profissional, e de seis profissionais de outras áreas, a saber,
fonoaudiologia, psicologia, serviço social e terapia ocupacional.
A formação profissional das educadoras é na área de pedagogia e magistério superior.
Duas delas são especialistas em deficiência auditiva e trabalhavam, à época da entrevista, na
escola de crianças surdas; e outras duas, professoras de salas de educação especial de
deficientes mentais.
O roteiro da entrevista variou conforme o grupo a que pertencia o sujeito entrevistado.
No caso das pessoas com deficiência e seus familiares, propunha-se, primeiramente que a
pessoa falasse sobre si, na medida de suas possibilidades. Pedia-se, também, aos familiares,
que falassem dessa pessoa. (Fale-me sobre você/Fale-me sobre ele, ou ela).
No caso dos profissionais, era solicitado que falassem sobre seu trabalho com pessoas
com deficiência. (Fale-me sobre seu trabalho com pessoas com deficiência), excetuando-se as
três primeiras entrevistas realizadas. A outra solicitação era de que falassem sobre um ou mais
48
dos quatro sujeitos entrevistados, com quem tivessem mantido ou ainda mantivessem contato
direto em sua atividade.
A coleta não foi realizada a partir de um plano pré-determinado e, sim, da composição
de uma rede de relações, baseada nas referências feitas pelos entrevistados. Assim, não houve
plena coincidência entre o grupo de profissionais e o dos sujeitos entrevistados, a não ser no
caso de Irene.
Ao fim de cada entrevista, propunha-se a pergunta: “Para você, o que é deficiência?” ,
excetuando-se as pessoas com deficiência.
3.1.2 Quanto à análise do material:
- Mapeamento das entrevistas, quanto aos modos de dizer dos sujeitos entrevistados. É
de se supor que talvez surjam termos ou expressões singulares para denominar tais vivências.
Não pretendemos, entretanto, descuidar justamente daquilo que tomamos como ponto de
partida, que é a suposição de uma imbricação de falas – interdiscursividade – que talvez, e se
a pudermos identificar no material de análise, ajude-nos a detectar os movimentos, no
discurso, que constroem concepções, conferem maior ou menor força a determinados termos,
em relação a outros e, ainda, dizem das relações de poder e saber em jogo;
- Utilização dos dispositivos analíticos sugeridos pelo referencial teórico-metodológico
da análise institucional de discurso. As entrevistas, tomadas como unidades de análise, vêm
sendo tratadas primeiro isoladamente e, depois, no conjunto, buscando-se as especificidades e
recorrências nas falas de cada sujeito entrevistado. Nessa primeira etapa de desmontagem das
entrevistas, constrói-se um temário que, ordenando as principais categorias de análise, cria
eixos discursivos em torno de termos/expressões recorrentes nas diversas entrevistas;
49
- Atenção à possível incidência ou sobreposição de gêneros discursivos característicos
de uma dada instituição, em relação a outra (por exemplo, as falas da família em relação à
linguagem técnica dos terapeutas). Inclui-se, aqui, o viés que a presença do entrevistador
certamente traz à produção discursiva em análise.
50
4 ANÁLISE
O corpus de uma análise como a que nos propusemos realizar oferece-nos várias
possibilidades de tratá-lo. Tendo por princípio a mesma lógica que configura a base teórico-
metodológica adotada, aponte-se que a divisão realizada, por categorias, e a disposição de
trechos de entrevistas tal como apresentados a seguir, resulta, ela própria, de fases de análise
anteriores. Primeiramente, realizou-se a análise das entrevistas, uma a uma, destacando-se os
aspectos de maior eloquência, tanto do ponto de vista de sua singularidade ou do que se
repetia no movimento do discurso na mesma entrevista, como da perspectiva trazida por
aqueles aspectos que iam se repetindo nas outras entrevistas. Por sua vez, isso nos permitiu
identificar alguns temas recorrentes, conforme se verá a seguir. Obteve-se, por fim, um
conjunto de trechos de discursos recortados pela análise, dispostos de acordo com a
frequência com que apareciam, a articulação, que se ia desvelando, entre eles e, ainda, pelos
gêneros discursivos que foram sendo identificados. Também promovemos o cruzamento das
regularidades surgidas por grupos – pessoas e familiares, educadores e terapeutas –
marcando-as, tanto no discurso daquele grupo em específico, como entre os distintos grupos.
Com isso, cremos ter conseguido apontar alguns aspectos do jogo interdiscursivo entre essas
três instituições – concretas e concretizadas, aqui, pelo enunciado de seus agentes
privilegiados em relação.
Conforme mencionado anteriormente9, solicitava-se aos profissionais (educadores e
terapeutas), no início das entrevistas, que falassem sobre seu trabalho com pessoas com
deficiência. Nas primeiras entrevistas realizadas, contudo, a solicitação feita era de que o
profissional contasse seu percurso profissional e relatasse como veio a trabalhar no campo da
educação especial e inclusiva. Tal solicitação suscitou um prolongamento das entrevistas, a
9 No capítulo de Método, Seção Procedimentos.
51
sugerir que o foco da pesquisa deixava o contexto específico a ser por nós estudado e passava
à biografia do profissional entrevistado. Optamos, então, por introduzir a condição com
deficiência, cientes do viés que, entretanto, se fazia necessário. Note-se que, após o
levantamento, a realização das entrevistas, sua transcrição e análise, aquele prolongamento
inicial não se destacou pronunciadamente de outras entrevistas, já ajustadas quanto à questão
proposta inicialmente.
Vejamos, a seguir, o que nos foi possível recolher, a partir do corpus constituído e da
análise que elaboramos.
DISPARADORES
Conforme vimos, três foram as questões/solicitações apresentadas aos entrevistados,
como disparadores do discurso. Se aos profissionais (educadores e terapeutas) solicitávamos
que falassem, inicialmente, de seu trabalho com pessoas com deficiência (Fale-me de seu
trabalho com pessoas com deficiência), a essas solicitávamos que falassem de si, quando isso
foi possível – solicitação também feita aos familiares presentes no momento da entrevista.
(Fale-me dele ou Fale-me dela). Para manter a correspondência entre o grupo de pessoas e
seus familiares e o grupo de profissionais – educadores e terapeutas – a esses também foi
solicitado que falassem sobre as pessoas com deficiência entrevistadas, se as conhecessem ou
tivessem desenvolvido trabalhos com elas, diretamente.
Esse aspecto, sensível ao fato de não termos obtido correspondência total entre as
entrevistas do grupo pessoas e familiares e os grupos educadores e terapeutas com quem
tiveram interação direta em algum momento, não nos pareceu prejudicado, uma vez que o
material obtido a partir das entrevistas forneceu numerosas narrativas de situações vividas,
ainda que por outros protagonistas. Esses também se fizeram presentes nas cenas
52
enunciativas, por meio do recurso frequente ao discurso direto, da parte de praticamente todos
os profissionais. Dessa forma, essa forte marca da heterogeneidade discursiva ofereceu-nos
um novo organizador da análise, além das três questões disparadoras.
Sublinhem-se, porém, as dificuldades encontradas para o processamento dos registros
de imagem e som realizados, de modo que ficaram prejudicadas a transcrição e a análise da
entrevista de Irene – que se comunica pela Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. Dafne, cuja
comunicação é mediada pela interpretação da mãe, de forma bastante peculiar, como se
verificará ao longo da apresentação dos extratos correspondentes, pareceu-nos não oferecer
condições, no momento da entrevista, nem de interagir conosco nem de se expressar de forma
a não requisitar a presença da mãe.
Ao final da entrevista, propúnhamos aos familiares e profissionais a questão: Para
você, o que é deficiência? Considerando que os modos de dizer nossas práticas não somente
as contam, mas as constituem (e se constituem nelas), supomos que a deficiência dita e
mostrada no discurso em análise corresponderá à deficiência tal como vivida, compreendida e
instituída pelos sujeitos que a dizem. Dada sua importância, elegemos a apresentação das
análises desses extratos um a um e da análise transversal desse conjunto em primeiro lugar.
Na sequência, apresentamos a análise transversal do conjunto representado por
extratos das entrevistas em que os profissionais – educadores e terapeutas – falam de seu
trabalho. Traremos em seguida os extratos relativos à proposta de que familiares e terapeutas
falassem sobre Dafne, Irene, Renato e Rui. E, por fim, apresentaremos o extrato de trechos em
que o uso do discurso direto constrói novas cenas e introduz temas até então não tratados na
análise.
53
4.1 “Pra você, o que é deficiência?”
EDUCADORES: BERENICE
E – Pra você, o que é deficiência?
Berenice – [em silêncio por alguns segundos] Pergunta difícil, essa,
heim?[ri] O que é deficiência...?[nova pausa] Deficiência! [ri] Essa é
boa, né? [ri] Ah! Deficiência fala de algo que falta... Né? Agora, falta
em comparação a quê? Falta em comparação a quem? Né? Por isso
que eu falo: “Deficiência é deficiência”, né? [ri] É... falando da
palavra em si, né: deficiência... Tá falando que tá saindo de um
padrão normal ou tá falando que falta algo, dentro do esperado, para,
né, o que seria considerado... normalidade, né. Mas, aí, ahn, precisa
pegar, né, em relação a quê? A que parâmetro, se as pessoas são
diferentes? Né? Em relação a que... a que condição? Então, é uma
coisa... interessante... [ri] Difícil de falar, não é verdade? Difícil de
falar, interessante... e, ao mesmo tempo, ééé... a gente sabe que tem
um padrão do que é o normal, do que é o esperado, né? E há, ahn...
talvez limitações, né, que todos nós temos... e que fogem a esse
padrão esperado, que aí é tido como: “Tá faltando algo, tá deficiente
nisso”, né? Então, tem os deficientes-padrões aí, [faz sinal de aspas
com os dedos]né, mas não se fala de deficiência de... de ética, de
respeito... mas isso também às vezes falta, não é?
E – Ô!
Então... ééé... o que é a deficiência?
E – E quando a gente fala assim, como se usa hoje em dia – já se
usou mais o termo “portador de deficiência”... ahn... hoje se fala
muito de “pessoas com deficiência”. No seu entendimento, o que isso
está dizendo?
Berenice – Pessoas com deficiência?
E – É. Ou portadora de deficiência, ou tipos de deficiência... Seja
como for: no seu entendimento, o que que isso está querendo dizer?
54
Berenice – “Portador” eu acho pesado, né... Portando algo e... não
sei nem explicar, talvez, viu? Portador de deficiência, né... Reporta a
alguma limitação, uma incapacidade, em relação a algo, a alguma
coisa, a alguém, a uma situação... É uma coisa pesada, né? Fala da
falta do outro, ééé... em comparação a mim, que pressuponho ter,
então? Agora, é fato que ééé... existem algumas limitações e algumas
incapacidades, por exemplo: visual ou auditiva, né? E que aí,
realmente, eu preciso de, ééé... como que eu poderia dizer? Eu
preciso de adaptações, ou eu preciso de oportunidade de comunicar
aquela minha dificul, ahn, aquele meu jeito diferente, em relação à
maioria das pessoas, pra poder, também, estar sujeito, ééé... pra ser
um sujeito participante, né, se eu considerar então a deficiência no
sentido da... das categorias, né? Até pra... equiparar as oportunidades
de convivência, de acesso, de participação, de conhecimento. Então,
acho que é isso, assim, de pronto... falar de deficiência...
55
EDUCADORES: BIBIANA
E – Bibiana, a pergunta é: pra você, o que é deficiência?
Bibiana – Deficiência é falta de alg... vamos dizer assim, é uma falta
de alg, alguma coisa que a pessoa não tenha. Né, ela não precisa ser
deficiência física, mental ou auditiva, visual, né, acho que todas as
pessoas têm uma deficiência. Ou nessa, uma dessas quatro áreas, né,
normais, ou pode ser uma deficiência na área emocional, ou ela pode
ter uma deficiência na área sentimental, ou ela pode ter uma
deficiência na área ééé... do trabalho, profissional dela. Então, eu
acho que cada pessoa tem a sua deficiência. E que aí você tem que
tentar sanar essa deficiência pra você poder trabalhar, ter uma vida
normal, porque se você deixar uma área da sua vida ééé... com aquela
deficiência, você não consegue produzir em outro lugar. Ou você
produz em uma coisa e não produz em outra, então você tem que fazer
com que essa deficiência seja sanada com ou... com a ajuda de
alguém, ou com você mesmo, vai lutando... mas eu acho que a
deficiência... deficiência em si, pra mim, todo mundo tem.
E – No caso das pessoas com deficiência, como é que você vê isso?
Bibiana – Eu vejo que elas precisam de um, de um pouco mais de
tempo pra se adaptar ao mundo. Não que elas não consigam se
adaptar à sociedade, mas eu vejo assim que tem uma dificuldade
maior pra se adaptar, e ainda a sociedade tem esse preconceito
ainda, tem esse preconceito, ainda, de aceitar um deficiente. E muitas
vezes os próprios deficientes tem essa... ele vê que é diferente dentro
da sociedade e também ele começa a ter, ele começa a se sentir
diferente e aí ele cria um outro bloqueio com ele, né, porque ele tem
essa deficiência. Eu tenho um... esse ano eu ach... eu percebi que um
aluno que a g... passou por mim, que é o Alexandre, ele tem
deficiência auditiva porque ele tem uma deficiência facial. Então, ele
tem uma deficiência facial que deformou um pouco o... a face dele . E
agora que ele tá entrando na adolescência, ele sempre foi um menino
muito calmo, super inteligente, sempre aprendeu tudo rápido. E ele
56
nunca... e eu acho que ele nunca percebeu. Agora que ele foi pra uma
quinta série numa escola, incluído numa escola normal. O que
aconteceu com ele? Todos os meninos paqueram as meninas, todos os
meninos ficam paquerando e ele tá se sentindo o diferente. Então o
que ele tá fazendo? Ele tá tentando chamar a atenção de outra
maneira. Então é assim, e como ele é... a turma fala que ele é feio, o
primeiro olhar que você olha pra ele você acha ele feio, um
monstrinho, mas então a turma já, não viu o outro lado dele. Ele tem
um lado bom, carinhoso, que ele é simpático. então já deixam ele de
lado, e ele tá reagindo de outra forma. Tá começando a agredir, a...
tenta ser tipo um malandro. Ele tá se tornando um malandro pra
tentar contornar essa situação. Então, tem algumas deficiências que
atrapalham o dia a dia das pessoas. Se ela não aceita ser deficiente,
sua deficiência, que eu acho que ele não está aceitando, agora que ele
descobriu que a deficiência facial dele é... tá deixando ele meio de
lado e ele não... e ele não tá sabendo seguir o caminho... “Não, eu
posso provar pras pessoas que eu tenho deficiência, mas eu sou
normal como todos os outros”. Ele tá procurando um outro caminho
pra chamar a atenção das pessoas, mas é um caminho errado.
E – Como seria o caminho certo?
Bibiana – Ali acho que falta um... a mãe explicar, a escola também
ver, perceber se ele tá, se esse caminho que ele tá tomando é por
causa disso.Tá ali conversando com os amigos que estudam com ele,
mostrando que essa ou que essa deficiência facial e auditiva junto não
é que ele é, ele não se torna uma pessoa feia só pelo físico porque a
sociedade mostra assim: se você sair do padrão que a sociedade
impôs de beleza você tá fora então, você não se encaixa. Então, gente
já não se encaixa nesse padrão que a sociedade colocou, a maioria
das pessoas, e ele não tá nem incluído, eles já tá numa... num outro
grupo. Então pra alcançar o grupo do meio, que a maioria está fica
difícil, ele não consegue entrar. Tem um padrão de beleza próprio,
nele ele tá lá em terceiro, quarto lugar. Ainda tem a deficiência
auditiva, já discrimina ele, “ah ele faz isso porque ele é surdo”,
57
então, ele já tá lá no terceiro grupo. Por causa da deficiência facial
ele tá no quarto, quer dizer, ele tá lá naqueles que é o, os feios que
não têm como chegar em lugar nenhum. A sociedade tá empurrando
eles pra esse caminho, então ele vai pro lado, ele toma o lado errado.
Ele vai mostrar, ele vai tentar mostrar pela malandragem, porque ele
tá sendo malandro, tentando roubar, fazendo o que ele consegue...
pegar as coisas sem ninguém ver, ele tá dando rasteira nos outros, ele
tá tentando mostrar que ele pode, que ele é normal, só que pelo lado
errado. Em vez dele tentar falar “não, vocês tão me excluindo aqui
mas eu vou provar pra vocês que eu sou legal sim, que eu posso ter
essa deficiência facial mas eu sou um ser humano como qualquer
outro”. Eu acho que aí tem um bloqueio bem grande...
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EDUCADORES: CASSANDRA
E – Pra você, Cassandra, o que é deficiência?
Cassandra – Difícil essa pergunta, heim? Ahn... Profissionalmente a
gente trabalha, ahn, trata as deficiências como alguma dificuldade
física, motora, intelectual. Mas deficiência, pra mim, é falta de algo
em todos os sentidos, independente de ser física, né. Em se tratando
de def... ah... em se tra.... Eu acho que a deficiência é uma pessoa que
é, que é... ... ... uma, uma pessoa pobre de espírito, eu acho; que a
deficiência maior é essa daí, uma pessoa que, cabeça fechada
(inaudível), pra mim em todos os sentidos. Porque as limitações, a
gente tem provas de que as limitações físicas num, num, não têm
barreiras, então não, num... por isso que, assim, que surdo não gosta
de ser chamado de deficiente, né? Porque não é uma limitação. Eles
podem tudo. O deficiente físico, o deficiente visual também pode tudo.
A limitação maior acho que é o deficiente intelectual, porque ele tem
uma rotina, ele tem, depende, né?, de cada caso. Eu acho que a
deficiência maior ééé... a do ser humano mesmo, pobre... de espírito.
E – É isso pra você que é deficiência...
Cassandra – É isso.
E – Te agradeço muito...
Cassandra – Por quê? Não era isso que você queria ouvir?[risos]
E – [risos] Não, não tem nada a ver com o que eu quero ouvir ou não.
Não é...
Cassandra – Ah, é isso que eu vejo: deficiente é essa pessoa pobre...
de espírito. E... ahn...você sabe muito bem que a gente tenta fazer o
máximo. E a própria Irene é um... um exemplo disso. Assim, pra
quem achava que ela não ia andar, que ela não ia ter comunicação
nenhuma, porque ela era tratada como uma coitada. Ela ganhava
muitos presentes porque ela era uma coitadinha.
E – Assim ela era tratada pela família?
Cassandra – Ela era tratad... [simultâneo] Não, pelas pessoas que
conviviam com ela.
E – Na escola também?
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Cassandra – Não, na escola foi depois, né. Ela veio depois. Da escola
ela veio pra gente... você sabe que desde lá da escola especial não
tinha essa coisa de, de que é a coitada.
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EDUCADORES: GLÁUCIA
E - Muito bem, pra você o que é deficiência?
Gláucia – Eu acho que deficiência é o fato das pessoas, ééé... não
aceitarem as outras da maneira que elas são. Ééé... das pessoas
enxergarem, ééé... as pessoas com deficiência como seres
extraterrestres. Eu acho que a deficiência, ela tá mais na pessoa,
ééé... que se sente normal do que no próprio deficiente. Acho que essa
é a maior deficiência. E eu acho que deficiência também é parte das
dificuldades de alguns, né? Em algumas, algumas questões, né, ou
pedagógicas ou motoras, né, mas que a gente pode suprir com um, um
tipo de trabalho assim [aponta para o material que mostrou,
anteriormente, para a pesquisadora]. Você adaptando o trabalho,
você supre essa deficiência, você transforma essa deficiência. Eu
acho que ela deixa de existir de um lado pra superar e mostrar o
outro lado – porque eu acho que eficiência não é sinônimo de
deficiência, né – mas pra mostrar um outro lado, ééé... de capacidade,
né. Todo ser humano é capaz. E eu acho que é isso o que a gente tenta
fazer, a todo o momento. Ééé... mostrar, é, ééé... aquilo que eles têm
de melhor e que eles podem fazer de melhor, né? E que o que eles
podem fazer de melhor... não é deficiência.
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EDUCADORES: MELISSA
E –Pra você... o que é deficiência?
Melissa – Deficiência pra mim é um.. é... é uma limitação... que a...
que eles tem.... que a criança tem... que a gente tem que respeitar, tá?
Mas que eles são capazes, eles tem condições, só que no ritmo deles.
Eles têm o ritmo deles, só isso. Acho que até mais assim... de ter um
ritmo mais lento, né? Pras coisas. Então... do que uma criança
normal... né? Vai acontecendo, mas mais lento. Por isso que eu
acredito, eu acho, que às vezes fala: “ai, mas se ele tem 20 anos,
imagina... já passou a fase de aprender isso, de fazer...”. “Ele ta com
tantos anos”, ta, tudo bem! Mas e se agora que ele tem aquele insight
que ele conseguiu a... né?A descobrir que ele se ele tá nessa fase.
Porque às vezes, ele passou 20 anos numa fase que agora que ele
conseguiu sair dessa fase. Principalmente a parte pedagógica, né?Ah!
Isso daí também foi um dos motivos que eu procurei, que eu queria
estudar, né? Pra fazer o curso, porque você tava numa sala... na
associação de educação especial, por exemplo, foi minha primeira
experiência. Eu tinha 9, 10 alunos. Teve um que deslanchou...
aprendeu ler, a escrever, tava lendo, e os outros, não iam, né?Mas,
por que? Mas por que? Se você ta dando a mesma chance,
trabalhando, respeitando as, né? As dificuldades, mas cê tá
trabalhando e não consegue. É claro que não consegue. Não tá
naquela fase alfabética, não tá na fase de ta lendo, né? De tá
montando as palavrinhas, e tal que ... é uma fase a menos... se você
não puxá-los pra fase que você viu, ele não vai conseguir... então
vamos respeitar as fases, né? Se ele está. Está no estado pré-silábico,
não adianta eu ir... que ele tá no pré-silábico, e querer o alfabético...
ele não vai... Se ele não for silábico, puxar pro silábico e depois pro
alfabético, ele não consegue...
E – Então você ta dizendo que existem fases... ééé...necessárias...?
Melissa – Muito... é claro que tem alguns que ficam a vida toda no
pré-silábico e não sai dessa primeira fase. O que que é pré-silábico?
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Usa todo tipo de letras, escrever, símbolos, tal... ele não consegue
ainda perceber a diferença. O que que é o silábico?, o silábico já
consegue perceber... é ... que pra cada silaba você precisa de letras,
de uma letra, né...tipo “bola”. B e L... ou pode estar com valor sonoro
ou não... né? Pode pôr, BOLA...(...) que é silábico... porque pra cada
som ele sabe que precisa né... da letra... Aí o alfabético, ele já sabe
que precisa de duas letras pra escrever cada som, né... BO... você
precisa do B, O... LA... aí quando ele entra nessa você pode utilizar
qualquer método que ele vai embora. Mas se ele estiver no pré-
silábico, ficar com BA, BE, BI, BO, BU... ele nunca vai aprender, se
você não respeitar. Assim, isso foi com a minha experiência, né... aí
eu fui trabalhando por que que esse aluno não aprendia né....e eu
também tive um desafio muito legal na minha, na minha profissão
também com um aluno, né... Por exemplo, uma vez tinha um que foi
expulso de todas as escolas, em cada uma... que foi o Wilsinho... o
pai psiquiatra, médico psiquiatra. Aí não tinha mais como, foi pra
associação de educação especial, Aí como ele tinha esse lado
agressivo. Tomava banho de... de cuspe com ele... ele falava assim:
“eu te odeio!” E cuspia, cuspia. Aí ele... e ele tinha... Aos 4 anos ele
perdeu a mãe. A mãe foi ter o bebê, o filho, o irmãozinho e... não
voltou, né? Faleceu no parto. E o irmão veio pra casa. Então na
cabecinha dele o que que é? Se o irmão voltasse pro hospital, a mãe
voltaria, né? E aí mostraram pra ele, que a mãe foi enterrada e ele
procurava essa mãe em casa, em tudo que é lugar. Então, sabe... tem
toda uma estória. Então, e ele tinha medo de eu entrar no mundinho
dele, e aí, quer dizer. Aí ele cuspia, jogava tudo, tudo quanto é coisa
pro alto, e num sei o que. Só que tinha um...um terapeuta, em
Marrom, que era o mais famoso, o mais caro e tal... e a psicóloga
falou: “olha, eu aceito o Wilsinho, mas com uma condição: a gente
vai ter que ter a orientação com esse psicólogo, com esse terapeuta,
né?”. Aí a gente, aí... uma vez por mês ele pagava pra gente ir.. então
e aí, ele falava: “- Ó, o Wilsinho fala que me odeia...é, mas é porque?
Porque ele interpretava. Porque tá entrando no mundinho dele, é
uma forma dele por... fazer com que você não entre”, então ele: “- eu
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te odeio”, né? Daí você todo... então, ele era aquele que tirava
assim... a gente tava dando aula, assim ele tirava o tênis passava por
você. Sabe tudo que é agressivo? A empregada nem falava... tá, nem
ligava...
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EDUCADORES: ZOÉ
E – É... pra você, o que é deficiência?
Zoé – [risos] Olha, eu acho que, assim, isso eu vou falar do, do jeito
que eu entendi. Deficiência, pra mim é fazer de um jeito diferente do
outro, é não conseguir fazer do mesmo jeito que o outro, mas, assim,
eu acho que todo mundo é deficiente, porque ninguém é igual, não é?
Eu faço uma coisa de um jeito, você faz do outro, eu acho que as
deficiências que as pessoas é... padronizaram. Você entendeu?“Esse é
deficiente”, acho que, talvez, não sei por que que usaram, podia ser a
diferença, né. Porque, exi, eu, eu vejo assim, o que eu consegui
compreender, a leitura que eu faço: existe um modelo que foi lançado,
né? Que esse é o normal, né, quem foge disso, pras pessoas, é
deficiente, mas, eles, dentro dessa deficiência, eles podem, eles tem
uma vida, e eles contribuem, eles podem fazer coisas, e, eles tem
sentimentos, eles podem, e é eu tenho muitas deficiências, só que a
minha deficiência não aparece, talvez, assim, não seja tão nítida, pras
pessoas, cê entendeu? Mas eu tenho a minha deficiência, eu tenho os
meus medos, então, eu fico olhando pra eles, eles são diferentes da
maioria, são diferentes de mim, mas alguma coisa neles tem em mim e
alguma coisa minha tem neles. Então, eu, eu acho, assim, que talvez a
deficiência seja a maneira diferente de ser, que as pessoas julgam,
mas que pra mim não seria deficiência, se eu tivesse, porque quem
que é perfeito? O que que é ser perfeito? Também, não é? Não tem,
acho que não tem ninguém perfeito, não tem essa perfeição. Tem
pessoas diferentes que fazem as coisas diferentes e que, talvez a, um
acideente, sei lá, né, acidente, digamos assim, na hora de nascer, que
deixou PC, isso e aquilo, mas ele cresceu com aquilo e ele aprendeu a
ser uma pessoa daquele jeito, então, ele é daquele jeito, ele não sabe
ser como eu sou porque ele nunca foi, igual a mim. Não é? Eu nunca
vou saber, como ele é, e ele nunca vai saber como eu sou. Ele nunca
foi igual a mim. Ele éé aquela pessoa, ele é daquele jeito, e ele tem a
vida dele daquele jeito. Então, eu acho que eu tenho que conviver com
ele e ele tem que conviver comigo, a vida é uma troca, foi isso o que
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eu aprendi e é, assim, eu olho e eu quero te agradecer a
oportunidade, viu?
E – E eu também
Zoé – De você ter me dado a chance de ir lá, porque eu precisava
conhecer aquele menino...
E – Ah, [simultâneo] eu te agradeço a oportunidade por essa
entrevista
Zoé – Não, não, eu te agradeço a oportunidade por ter convivido com
eles
E – Foi um, foi um acontecimento, não foi, ééé...
Zoé – Não, me disseram que tinha um monte de gente que cê tava
entrevistando, até por conta do meu luto, que eu não sei nem como é
que você arriscou, né? Mas, com o seu olho clínico, né, você sabia
que [entrevistada parece estar emocionada]
E – Ah, acho que essa parte não precisa fazer parte da entrevista, mas
eu quero te agradecer a oportunidade de ter feito essa entrevista
Zoé – Olha, eu que agradeço você por ter vindo aqui
E – Vou desligar, pode?
Zoé – Pode, pode, não tem mais nada pra contar.
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TERAPEUTAS: ALCIONE
E – Eu posso fazer uma pergunta? Pra você, o que é deficiência?
Alcione – Eu, eu tenho visto nos pacientes uma dificuldade, né?Que a
criança tem ou que a pessoa tem, uma dificuldade. Tem uma
limitação, às vezes uma limitação, visual ou uma limitação, né? É...
eu acho que tem uma limitação, uma dificuldade, uma... que eu posso
chamar sanar com óculos, que eu posso sanar com aparelhos, ou que
nãooo... ou que eu vou sanar na funcionalidade, na comunicação, nas
adaptações da, da rotina, da vida dela. Mas, eu, eu... eu não acho
que, que não exista deficiente que... que... é, é... eu acho que tem
limitações da vida, eu acho que as pessoas não, não... é... as pessoas
não... é... as pessoas não foram criadas... eu acho que a vida que pode
ser... pode ser perfeita, assim, pra ter ordem. O, o, o... a engrenagem
funcionando muito bem. Né? A engrena... Eu acho que quando
alguma coisa nessa engrenagem não tá funcionando muito bem, é
uma deficiência. Ela pode ser uma limitação orgânica, uma criança
que não tem perninha, por exemplo, não tem as duas perninhas.
Então, a engrenagem, ela pode é... ela pode superar isso. Ela pode
viver uma vida funcional. Mas, eu olho... não poderia... é assim: eu
fico pensando sempre que era uma engrenagem que tinha que tá
funcionando bonitinho, com, com... fluidez, com... com fluidez, com
tranquilidade. Né? E aí alguma coisa não acontece. Aí eu acho que é
reabilitação é isso. . Ajudar a criança... a criança... no meu caso, a
criança e o adolescente, que tem alguma, é, algum... empecilho, e
tentar fazer com que essa engrenagem funcione o melhor possível pra
aquela pessoa. Né? E de forma mais... é... que dê mais independência,
que de mais... é... é... condição de, de qualidade de vida praquela
pessoa. Uma deficiência... uma deficiência cultural, pode ser uma
deficiência, pode ser uma deficiência física, uma ausência de membro,
pode ser uma ausência de... uma deficiência... é! profunda de
audição.
E – Você falou...
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Alcione – É. No termo de deficiência, né?
E – Por quê?
Alcione – Porque eu acho que... sei lá... eu acho que já rotulo também
muito, entendeu?
E – Como assim?
Alcione – Ah! Ah! Um deficiente que tem... uma pessoa que tem uma
dificuldade pra se locomover. Ou é uma pessoa que tem uma
dificuldade pra mexer com a mão. Uma pessoa com uma dificuldade
pra ouvir. Uma dificuldade pra sentar. Eu prefiro usar... porque nesse
momento é uma dificul... Quando as crianças estão comigo, ou
quando as mães estão comigo, elas estão ali porque elas estão tendo
uma dificuldade. Quando uma criança com uma dificuldade... em
terapia de linguagem, ela tá com uma dificuldade. Independente se é
surdez... autismo, síndrome de down, síndrome de não sei o quê... ela
tem uma dificuldade. Ela tá ali porque ela tem uma dificuldade. Não...
Interessa, mas interessa num segundo nível a causa daquela
dificuldade. Se é uma deficiência, se é uma... Por isso que eu me
policio. Porque não me importa muito se é uma... Nesse... na minha
terapia, hoje, eu quero saber qual é a dificuldade dela, o que a gente
faz pra melhorar essa... a condição de vida dela, a estrutura de vida,
o social e... vai ser deficiente. Né? Agora, que existe a deficiência...
quando a coisa não deveria ter sido assim. Né? Não, não... A pessoa
não foi... não, não... não foi gerada praaa ter uma deficiência. Não
era pra ser assim. Mas, por uma série de razões é assim. Né?
Algumas pessoas têm deficiências e não têm dificuldade. Essas, eu
nem vejo. Algumas pessoas não têm deficiências, mas tem dificuldade.
Não tem um, um diagnóstico, não... mas tem uma dificuldade. Uma
criança que eu vi na escola
(...)
Alcione – Cinco anos. A diretora: “É um caso de inclusão”. “Mas,
por que é um caso de inclusão, mesmo? Ele tem alguma coisa?”.
“Não, ele não tem nada. Mas, ele é um caso de inclusão. Ele é uma
criança com uma deficiência! Ele não tem problema, mas ele é... Ele
não fala nada, tem cinco anos...”. Aí, eu fui ver a menina. Um menino
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lindo, saudável, inteligente. Você via ele interagindo com as crianças,
com uma desenvoltura, né? Aí... negro. Mas, um negro, assim... você
olha, daqui, se você bater o olho você fala assim: “Não é brasileiro”.
Um negro, sei lá, África, Jamaica, é, é... Haiti, sabe? Uma, uma
característica física muito diferente de negro brasileiro. Assim, né?
Do que gente vê. E aí, esse menino falou... ele me parecia... um
dialeto. Ele não parecia um, uma criança afásica, uma fala de, ele
parecia um dialeto, um tom de voz de um dialeto, sabe? Uma outra
língua! Eu até perguntei pra diretora: “Mas a mãe é brasileira?”.
“Ah! Acho que é. Mas ela fala muito pouco”. “Mas e o pai?”. “O pai
nunca veio, mas dizem que o pai não fala nada. Entra mudo e sai
calado”.
E – Risos.
Alcione – Aí pensei: “Será que eles são daqui? Será que esse menino
veio agora pra cá?” e fiquei lá pensando, né?, sei lá!
E – É. Você não sabe, né?
Alcione - Ainda não sei o final da história. Mas, eu que vi esse
menino, saudável, lindo! Sei lá, quando ele abriu a boca, um dialeto
pra mim, era um dialeto, Lígia. Ele olhou pra mim, ele me tocou, ele
me mostrou o que ele tava fazendo...
E – Não era português?
Alcione – Não era portug... É. Era alguma língua, que não era
português, não era francês, não era inglês. Era alguma coisa. Tinha
uma estrutura. Assim, não sei dizer...
E – (...) dessa criança na escola?
Alcione – Tem, não. Tem só os dados da mãe, endereço... só. E ele é
uma criança, pra, pra diretora, um deficiente. É que eu to uma de
fono, ó!Pela minha experiência. Muito bem, eu falei pra. Eu pedi pra
ela ver, chamar o pai, tem que conversar com o pai, ver se o pai fala
português. (...) É ele entra mudo e sai calado, ele não fala nada. Será
que ele não sabe falar português? (Silêncio). Então, ele é um
deficiente. Ele tá com dificuldade. Não, ele, mas ali no ambiente dele,
ele precisa de ajuda. Gente! Esse menino é normal! Sabe, ele fala
como... todas as crianças são iguais a ele, de colar, de pintar, de
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botar chapéu do palhaço, ele botou o chapéu em mim, botou nele...
Tudo. Então, é isso. É só.
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TERAPEUTAS: CIBELE
E - Uma última pergunta. Fale livremente: pra você, o que é
deficiência?
Cibele - Ó, Lígia, eu vejo a deficiência, eu vejo assim, eu acho que é
uma coisa super comum na vida de todo mundo. Eu acho que todo
mundo é deficiente,né? No sentido de ter as deficiências, e de ter “n”
tipo de deficiências, e todo mundo tem, cada uma sua, de uma
maneiras diferentes, com aspectos diferentes, e a gente tem, eu acho
que a gente tá num tempo aí de saber, aprender a conviver com as
diferenças. Com as deficiências de cada um, com as diferenças de
cada um, com as coisas legais que cada um tem. É vamos dizer,
diferenças, eu falo de deficiências de coisas que a gente não sabe
fazer tá? Né? Porque tem um monte de coisa que a gente pode, tem
muita deficiência que a gente pode, que às vezes a gente pode acabar
superando, coisas que a gente não sabe fazer e pode acabar
superando. Eu acho que a gente vai ter que aprender a conviver com
isso e a respeitar, eu acho que é o momento né? Não tem outro. Ou a
gente acredita que as coisas podem acontecer e que a gente pode
fazer dar certo, ou a gente pára e fica lá, “não, não vou receber
porque é deficiente, e não sei o que fazer, não vou aprender”, eu acho
que a gente tá na hora de ou vai, ou não vai, ou fica, fica do jeito que
tá, e do jeito que tá não dá pra ficar né. E eu acho que é assim, no
começo eu questionava muito, sempre fui a favor da inclusão, mas
tinha alguns casos que assim me seguravam, me pegavam. Porque eu
também pensava “meu Deus, professor com quarenta, trinta alunos
dentro da sala de aula, como que a gente vai fazer pra colocar uma
criança que não para quieta um minuto, que não presta atenção? Que
requer atenção do professor o tempo todo? E as outras crianças que
também tem o direito de aprender?”. Isso me pegava muito. Hoje eu
tô vendo que a gente pode, adaptar. É óbvio que essa criança não vem
no começo pra ficar todos os dias durante seis horas, mesmo porque
ela entra em sofrimento. Um autista por exemplo, ficar seis horas com
criança que grita, que corre, ele que precisa de rotina, que precisa de
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né, muitas vezes de lugares mais calmos, se ela ficar seis horas, ela
vai ficar surtadona, ela não vai suportar. Então o que a gente tem
feito? A gente tem feito todo um trabalho de adaptação, é óbvio que
sempre querendo aumentar, sempre querendo chegar no máximo, né,
que ela fique todos os dias, todo o número de, que ela fique todos os
números de horas que as outras crianças, a carga horária que as
outras crianças tem. Mas se a gente percebe que não dá, o que a
gente faz? Começa uma vez por semana, vai ampliando pra duas, pra
três, durante uma hora por dia, depois pra duas, sabe? Uma hora
daqui um mês, daqui duas semanas, dependendo de cada criança,
aumenta mais um pouquinho. É isso que a gente tem tentado fazer, até
mesmo porque a gente não quer o sofrimento dessa criança né. Se ela
não pode ficar numa sala de aula durante seis horas, pra que forçar
essa criança a ficar dentro dessa sala de aula durante seis horas? O
que é importante é que ela conviva, que ela tenha outras
aprendizagens, não importa quais sejam, que ela possa conviver com
todo mundo né. Eu acho que isso é que é bacana. Agora eu acho que
não dá pra tentar também impor um padrão que, é esse infelizmente
que a gente tem, que a gente sabe que é um padrão escolar da década,
do século XVII, pra crianças com esse tipo de dificuldade né. Então
eu acho que a gente tem que se propor pra lutar muito mesmo, pra se
Deus quiser a gente poder tá com todo mundo em tempo integral, em
tempo normal pras outras crianças. Se elas precisarem, eu sou a
favor assim, dá, ela não tá sofrendo, então fica. Cê entendeu? Ela tá
aproveitando desse projeto de trabalho que é feito pra ela? Então
fica. Agora ir pra escola pra ficar deitado, pra não fazer nada,
porque a gente tem escola que a gente tem caso de inclusão que não
tem projeto pra essa criança. E escola não faz, não faz porque
também não aceita, não quer ir buscar, não aceita é, sugestões né.
Então, pra que adianta dizer “a minha escola tem casos de inclusão”
mas se fica meia hora e também não tem nada, então pra mim não
adianta né. Então o importante é que exista um projeto pra essas
crianças, pra cada uma delas. Né?
E - Quer falar mais alguma coisa?
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Cibele - Eu acho que não sei, eu acho que, você acha que faltou
alguma coisa?
E - De forma alguma
Cibele - Eu falo muito, né?
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TERAPEUTAS: CLOTILDE
E - Pra você Clotilde, o que é deficiência?
Clotilde - É olha, eu não vejo, eu vou falar o que não é (Clotilde ri),
eu quando olho uma criança, como é que ( ), quando eu olho uma
criança com deficiência, seja física, seja auditiva, seja visual, seja
intelectual, eu não vejo essa criança como incapaz. Eu vejo essa
criança como capaz de alguma coisa. Em alguma coisa, e de alguma
forma. Assim, é, uma deficiência, pra mim, posso mudar de ideia
depois né, ( ) é, uma limitaçãoespecífica de algo, uma deficiência
auditiva é uma limitação na audição, porém ela tem todo outro
conjunto, um outro contexto que não difere de nada assim, é uma
criança com potencialidades que merece um lugar e que merece
trabalhar. Deficiente físico, ele pode ter uma deficiência, ele pode não
ter um braço, ele pode não ter uma perna, ele tem “n”
potencialidades, o deficiente intelectual, até mesmo ele eu vejo
potencialidades. Então a deficiência pra mim, eu nem entendo muito
bem quando se coloca assim “ah é alguém diferente”. Eu não consigo
entrar um pouquinho nessa ideia que no popular às vezes se coloca
né. É, às vezes eu mesmo me questiono. “É diferente no que? É
diferente o que?”, né, não tem uma perna? Isso faz dele diferente do
que? Ele não tem uma perna, mas eu também sou diferente de muita
gente, né. Eu fico me questionado um pouquinho assim,assim que todo
mundo é diferente né. Assim, eu não, agora eu não teria uma linha de
raciocínio pra te falar assim pra mim o que é uma deficiência, te diria
o que não é uma deficiência. O fato de você ter alguma limitação não
te torna uma pessoa incapaz, não te torna uma pessoa deficiente,
deficiente com ausência de, é difícil explicar assim, acho que todo
mundo tem potencialidades, acho que todo mundo merece ter, ser
visto não naquela apologia de igual, não é isso. Não é uma questão de
apologia, de, eu vou te dar um exemplo assim, ó que nem ontem eu
tava na reunião daquela mãe que eu te falei, eu realmente, talvez até
como mãe, eu realmente me senti assim extremamente magoada,
quando a mãe realmente virou e falou assim “é horrível pra mim”,
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ela usou bem essa palavra, “é horrível pra mim, vim numa escola e
escutar que o meu filho é o causador de problemas”, e eu fiquei com
isso na cabeça. Gente isso é horrível, isso é terrível! Só que assim, o
seu filho é causador de problemas não é porque ele é o autista, ele
pode ser uma criança mais, sem nenhuma classificação, sem nenhum
CID na cabeça, e ser um causador de problemas não é? Ele só né, e
aí fica um pouquinho essa coisa, eu fiquei pensando muito nisso. Eu
falei gente, o que que é né, que se coloca porque o cara tem um
diagnóstico de um neurologista que vai lá e assina o CID não sei que
lá e aí esse carinha passa a ser causador de problemas né, o causador
de problemas. E qualquer um né. É um pouquinho, nesse exemplinho,
é um pouquinho o como eu vejo a criança do que hoje se chama uma
criança com deficiência. Ou seja, pra mim eu não vejo, isso não
existe. Aonde eu posso trabalhar com essa criança, no que eu, no que
a gente consegue fazer de melhor pra ela né, independente do que...
Clotilde – (...) Então nessa linha de raciocínio é que eu não sei te
dizer o que é uma deficiência pra mim entendeu? É nessa linha de
raciocínio. Todo mundo tem um potencial, todo mundo tem um
potencial. Eu sou diferente de você, você é diferente. Todo mundo é
diferente. Entendeu? Não é porque tem um QI maior, um QI melhor
que isso faça uma diferença, todos somos diferentes. Cada criança,
tem quarenta crianças numa sala, cada criança vai aprender de um
jeito diferente. Eu não vou falar que o fulaninho é deficiente, que o
outro não é deficiente, então eu não consigo entrar nesse parâmetro
médico, nesse parâmetro cultural, nesse parâmetro né. Existe
deficiência? Existe, a ausência de uma audição, a ausência de uma
visão, a ausência de um membro do corpo, a ausência de uma função
cerebral, talvez isso sim. Isso é uma deficiência? Tá, a ausência de
algo, mas que não faz da pessoa um ser incapaz.
E - Você gostaria de acrescentar mais alguma coisa?
Clotilde - que é muito difícil falar do deficiente, porque é aquela coisa
assim “fala o que é”, não sei. É mal de psicóloga, é mal da Clotilde
querer (Clotilde ri), é isso, entendeu? É difícil chegar numa escola e
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ver uma criança ser tratada diferente porque ela foi taxada com
número, é difícil, é difícil, dá vontade de falar, dá vontade de brigar.
Eu sei que é difícil pra uma professora, eu entendo, entendo mesmo,
sei que é difícil. Eu acho que talvez as coisas sejam um pouquinho,
foram feitas um pouquinho inadequadas, às pressas, não sei. Né, sem
formação, sem os professores tarem realmente preparados, mais
emocionalmente do que tecnicamente pra receber as crianças que eles
julgam seres de outro planeta. Tudo atrapalha né, essa coisa de você
querer seus alunos sentados, copiando da lousa e ai chega lá um que
revoluciona a sala, te bota, bota o professor pra pensar, só que o
professor não quer pensar, o professor só quer eliminar aquele
problema né. Então isso me comove às vezes, me deixa chateada sim,
é muito mais, não tenho, não é uma questão de me sentir de mãos
atadas, não tenho o poder de mudar nada disso, mas eu me sinto
incomodada com isso. Então é isso.
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TERAPEUTAS: CORINA
E - Eu quero te perguntar o seguinte: pra você, na sua concepção, na
sua opinião, o que é deficiência?
Corina: eu acho que deficiência é tudo aquilo que faz falta a qualquer
pessoa. Aquilo que eu não tenho, por exemplo, a eu não sei dirigir, é
uma deficiência. Eu não sei dirigir, eu não dirijo, é uma deficiência
minha, porque eu tenho possibilidades de dirigir. Agora dentro dessa
possibilidade eu posso dizer que eu não gosto, não quero não é, não é
que eu não consiga, Não é? Então é uma deficiência, essa deficiência
ela pode até ser proposital, porque se eu não quero, eu não gosto,
então eu não vou fazer, é algo que falta, Ma... É que falta no sentido
assim de eu não estar provido daquilo. Mas não que é essencial pra
minha vida, não é. Dirigir é bom, é importante? É, mas eu So... Eu
vivo muito bem sem dirigir. Eu acho que é isso. Não é uma coisa que
te incapacite. Eu não vejo a deficiência como algo que incapacite. Até
porque eu trabalho muito na perspectiva dos talentos. Cada pessoa,
hoje em dia existe até a questão da, antigamente a, antigamente não,
tem o, O CID, que é o Código Internacional de Doenças, agora a
gente tem o Código, acho que é funcional, Alguma coisa assim das
funcionalidades, das inteligências, alguma coisa assim né. Então Eu,
eu acredito nisso, que cada um tem o seu potencial. Agora, Éee, basta
saber se a pessoa, se é investido naquele potencial da pessoa, porque
se eu tenho um potencial de cantar e ninguém nunca investiu em mim,
eu posso até perder esse potencial. Porque a gente precisa, é uma
construção, tem poten... Potencialidades que você perde. Agora tem
muitas pessoas que nem tem potencial mas com o treino da vida
diária ela adquire aquilo, não é.
(...)
Eu não sabia a língua de sinais. Eu acredito que hoje eu, Eu sei não
ainda muito bem, sei o bastante pra me comunicar e pra me dizer,
mas onde que eu iria imaginar que um dia eu iria aprender uma
língua de sinais? Agora veja bem, eu, Eu sinto que eu não tenho
condições, eu não sinto apta Pra aprender uma língua oral, inglesa
77
ou francesa, eu sinto que eu não consigo pronunciar isso bem. Mas eu
fiz A experiência essa semana, com um professor Norte americano, é
um professor, é da Inglaterra, de língua de sinais, e eu consegui me
comunicar com ele. Na língua de sinais minha própria, porque ele
fala ASL e eu falo língua de sinais brasileira, né. E a gente Cons...
conseguiu se comunicar.
E - Ele falou o quê?
Corina – Que é a língua de sinais americana né, ASL.
E - ASL?
Corina - ASL. É a língua de sinais americana.
E - American Sign Language?
Corina – É. Ele nao fala lingua de sinais brasileira, e nem eu falo a
lingua de sinais americana. Eu fui num Congresso e eu consegui
estabelecer uma comunicação com ele. Então a... que, que conclusão
que eu posso tirar disso? Que tanto ele quanto eu nós temos uma
intenção de comunicação, de interação com as pessoas né. É talento
isso? Não sei, mas a gente tem. Porque a gente conseguiu se
comunicar e se entender, por sinais. Ele entendeu a minha intenção
de comunicação Eu entendi a dele né. Eu achei isso bárbaro, eu falei
“poxa vida”, eu não consigo pronunciar, a, palavras em inglês, eu
sinto uma deficiência, Né, de falar inglês. Mas eu não sinto hoje
deficiência, eu sei que vou me comunicar muito bem em língua de
sinais com os estrangeiros. Coisa que no oral eu não consigo. Mas
porque é, porque que aconteceu isso? Porque eu acabo, fiz esse
treinamento, aprendi e continuo exercendo. Agora, claro que se você
não exerce no caso da língua de sinais você vai perdendo a, o, os
movimentos, você vai esquecendo também né, que você tem que
visualizar essa linguagem. Quando você faz uma leitura numa pessoa
surda, você, quando, Uma pessoa surda e você tá dando a voz pra
uma pessoa surda, você tá fazendo uma leitura na finalização dele.
Então se eu não treinar isso eu vou perder e eu não vou saber o que
ele tá dizendo. Não é só mais o que... saber qual é essa pessoa surda,
é a língua de sinais mesmo que eu tenho que entender nele né. Então
eu acredito que tudo na vida é treino mesmo, é, é esforço, é busca
78
mesmo né. Agora as pessoas com deficiência, fisiologicamente
falando, Né, que a gente sabe que, organicamente o nosso organismo
ele é perfeito. Mas se você tem alguma complicação, aquela parte não
funciona, você passa a ter mesmo uma deficiência ali e você acaba
dependendo do outro. Agora, o outro tem que te estimular. Se eu não
consigo, se eu só consigo andar com uma perna só Com a outra eu
vou pular, então alguém tem que me estimular desde criança que eu
vou viver pulando, que essa é a minha condição. Se ninguém me
disser que isso é a minha condição, eu vou passar a vida às vezes
iludida e achar “Poxa vida, eu posso andar, eu posso falar” e não
invisto naquilo, nas condições que a pessoa apresenta. Eu vejo a
deficiencia assim, né, a pessoa precisa, quem não tem um potencial
precisa ser estimulada, aquele que tem o potencial se não estimulado
também perde, Né, e não é falta de uma perna, dum braço, de ouvir,
de enxergar, isso é uma coisa do corpo só. Agora o talento da pessoa
está dentro dela, Não é?
(...)
E o meio é quem traz esta estimulação. Eu gosto muito dessa coisa do
meio. É o social mesmo interferindo mesmo Na, na vida da pessoa né,
dentro da, da visão bakhtiniana, da questão da linguagem, né,
Bakhtin fala assim que a linguagem, ela, Ela nasce da importância
que aqueles signos tem na vida da pessoa, não é. Então que Que
importância Tem a escrita Pra mim? Eu escrevo pra alguém? É
importante pra mim escrever pra alguém? Precisa ter sentido na
minha vida aquilo. Se não é importante eu não vou escrever E posso
muito bem viver a vida inteira sem escrever. Quantas pessoas
analfabetas no Brasil tão aí, de idades sem saber ler e escrever e
sempre viveu muito bem? Não é? Aquilo não, pode fazer falta em
alguns momentos? Faz, mas não determina a vida da pessoa né. E Aí
eu lembro até de um exemplo que o Bakhtin cita, Por Exemplo, na
União Soviética, qual é o símbolo da bandeira da União Soviética? É
o machado e a foice, né. Esse símbolo é resultado Do que? De uma
luta dos camponeses lá da classe operária né. Então a, a
comunicação vem daí, o social interferindo no meio. E do social
79
nasce a língua, do cultural e do social nasce a língua né. Então
também essa nossa vida também o meio interfere, então aquilo é
importante, determinada coisa é importante pra mim dependendo do
meio que eu vivo. Se eu tenho família, pais que são escritores, que
escrevem, aquilo pode me influenciar, não determina que eu posso
também ser um, Uma pessoa que escreva e que lê muito bem, ele não
pode ser determinante. Mas ele pode ser um meio que pode me
influenciar sim, né. Vai das pessoas, isso não Quer, isso não quer
dizer que a pessoa não tem talento praquilo. Às vezes ela não tem
talento mas ela é influenciada e ela consegue aquilo, às vezes ela até
tem talento praquilo mas ela não quer. “Não, Não quero isso. Meus
pais escrevem, lêem mas eu não quero isso pra minha vida. Eu quero
andar de patins” Não é? Então eu acho que o meio que a pessoa vive
determina aquilo que ela quer pra vida dela, que ela pode fazer pra
vida dela, né, e mostra também pra ela que ela tem eficiência. Ela tem
múltipla... a, o meio ele te mostra múltiplos caminhos que você pode
buscar. É... Você não pode se pautar numa coisa só que você vivencia
ali dentro de casa ou numa comunidade, mas o meio todo influencia
na sua vida. E aí são opções que a gente tem, A é o meio te mostrando
as opções e no meio dessas opções você vai buscar aquilo que te faz
feliz, e que talvez você venha a ter habilidade pra realizar aquilo né.
E é um constante, é uma constante você tem que buscar sempre
aquilo. Eu penso assim.
80
TERAPEUTAS: ENEIDA
E - ...pra você, Eneida, o que é deficiência?
Eneida - Então, ééé... acho que depende muito do deficiente, né, acho
que a deficiência esta, é... ela vai ser melhor ou pior dependendo de
quem é o deficiente, de quem está com ele. Porque acho que
deficiência é aquela coisa clássica, né, uma limitação, uma
perturbação, uma lesão, né, que compromete essa pessoa em algum
grau, em algum nível, de alguma forma, no desenvolvimento
cognitivo... físico... global... algumas você tem mais comprometimento
físico do que cognitivo, ou vice-versa, né, é não vamos falar de casos
psiquiátricos, né, mas e...eu acho que é o comprometimento, é um não
funcionamento de alguma parte do corpo, de algum é...mecanismo do
corpo, ou dele como um todo, né. Agora, existe formas e formas de
deficiência, então vai depender muito do grau desse
comprometimento, do quanto ele lesou, de quanto ele se prejudicou,
de como essa criança é assistida e de como ela própria lida com a
deficiência, né. Porque a gente vê muitos deficientes, seja a nível
cognitivo mais acentuado ou motor, que consegue ter uma adaptação
razoável, consegue ter uma qualidade de vida, que permita ele ser
feliz, ficar bem, fazer algumas coisas, aprender outras, e ir vivendo
assim, né, mas eu entendo como deficiência, mesmo, é a maneira das
pessoas encarar a situação daquela pessoa, né, então como que ela
vai encarar? “Então é um doença? Vai ter cura? Quando que o meu
filho vai sarar, quando que ele vai curar? É feio, tem vergonha, é
ruim, não sei lidar, é difícil, é trabalhoso, é sujo?” Né, também era
uma coisa que a gente tentou disciplinar tanto pra mães quanto pra
terapeuta, “Limpa a baba a dele. Limpa a boca.” “Gente, não é
‘limpa’. É ‘seca’. Porque baba não é sujeira!” Né, “ É uma secreção!
Eu tenho, você tem! Então está todo mundo com a boca suja. Então
vamos mudar, vamos falar, ‘limpa sua boca’ ou ‘limpa a boca do seu
filho, limp’, é seca, ‘vamos secar a baba’, né, então acho que depende
muito de quem está olhando pra deficiência, de quem está convivendo
com ela. Ela pode ser muito difícil, porque, é claro, ninguém deseja
81
isso pra si, nem pros seus filhos, nem pros seus parentes, né, mas vai
depender muito de como você lida com a deficiência, então às vezes
uma deficiência muito leve, como é a gente tem aqui no consultório
que a gente atende, né, o que é possível ser atendido em consultório,
porque muitos é a equipe multidisciplinar mesmo e acabou, a gente vê
que se torna um transtorno pra família e, às vezes um quadro muito
mais severo, muito mais acentuado, os pais, a família, os cuidadores,
conseguem lidar com mais tranquilidade, com mais afetividade, com
mais bom senso, né... Então eu acho que a deficiência ela, ela vai
variar, ela vai ser mais intensa ou não, dependendo de quem vê, de
quem convive e de quem é deficiente.
(...)
O Rui, por exemplo, ele é uma pessoa super feliz, super feliz, né, eu
atendi muito tempo aqui no consultório um downzinho, o Xuxa, ele
tem hoje vinte e um anos, mas é outro nível, é social, ele conseguiu
terminar o segundo grau, ele é maravilhoso, se você pudesse
conversar com ele, mexe em computador, tudo, viaja de avião e tudo,
faz cruzeiro, é só ele, o pai e a mãe agora, os irmãos mais velhos
casaram. Ele é super super super sacado de tudo, só que ele tem
aqueles lances, ele fugiu de casa de pijama e foi pro supermercado
[risos da entrevistadora], então tudo bem que ele saiba ir pro
supermercado de ônibus, mas ele foi de pijama [risos da
entrevistadora], não é? Aí você fala “cadê a limitação, onde é que ela
começou e eu não percebi?” [riso] Não é? Aquelas coisas assim. Ou
então que nem uma vez que ele chegou aqui pra mim, né,
conversando, falando, contando semana dele e tal, ele faz muitas
coisas né, ele pára... “Eu sou a única pessoa sozinha no mundo.
Nunca tive uma namorada, nunca transei com ninguém. Acho que
nunca ninguém vai se apaixonar por mim.” [silêncio] “Por que,
Xuxa, que você está dizendo isso?”, “Porque eu sei que vai ser
assim” “Mas o que te faz diferente, por exemplo, dos teus irmãos, que
casaram, tiveram filhos, se apaixonaram...?” “Porque eles não são
como eu.” “E como você é?” “Ahn...” Ele não fala nunca que ele é
Down, ele não aceita que ele é Down, não aceita, não adianta você
82
falar que ele não aceita, o Down. Uma menininha, que começou na
outra sala, adolescentezinha, lindinha também, downzinha, uma
gracinha a menina, imagina não queria nem saber se a menina era
dowzinha [falando baixinho] né, porque ele, né, eu já falei pros pais
“vamos começar a trabalhar, vamos tal tal tal...” “Ai, deixa pro ano
que vem, ai deixa pro outro, ai porque agora não dá.” Né, porque aí
eu acho que já tem, né, uma coisa, ahn, eles lidam muito bem, o
menino é extremamente bem tratado em todos os aspectos, mas,
assim, éé, aquele cuidado excessivo, né, é...isso ele não pode, isso
não, ele aprende tudo, mas não aproveita em nada, fica no quarto, lá,
com os vídeos dele, com as coisas, sozinho, ele próprio não se aceita,
não se vê como down, né, ele começa a se deparar com as limitações
de deficiência, porque é assim: “não posso namorar, não posso
transar, minha mãe não me deixa sair sozinho”, né, “eu não vou...
meus amigos na escola”, lá, teve uma pendenga o ano passado, que
um amigo tapeou ele com vinte reais no jogo, né.. Então, ele já
começa a sacar algumas coisas, ele questiona isso, mas ele não parte
do princípio de que é porque ele é uma pessoa especial, mas ele está
sofrendo as angústias disso, né, vinte e um anos, sai bastante, tudo,
mas não é isso, ninguém namora, ninguém beija, não forma casal, vai
fica sozinho [silêncio]
E - Você chama de pessoa especial, da mesma forma como você
chama de pessoa com deficiência?
Eneida - Acho que sim.
E - Então, então uma pessoa especial, ahn, a definição que você deu,
a, a à forma como você entende deficiência, é a mesma como você
entende pessoa especial?
Eneida - É, a gente coloca especial, porque agora a cada ano muda a
nomenclatura, né, Lígia, você nunca sabe o que que você tem que
usar, né. Porque já, eu estou usando deficiente, mas já não é mais
deficiente.
E – Ah, é?
83
Eneida - É, não, não é mais, aí era portador de necessidades
especiais. Também não pode ser porque ele não porta nada. É pessoa
com necessidade, você vai ficar o tempo todo “Ai, porque o aluno
com necessidades especiais”, é deficiente, depois eu penso assim,
gente, eu acho que o nosso dicionário ajuda muita coisa,. Qual que é
a definição de deficiência? É alguém que tem alguma coisa que não
funciona cem por cento, não é? É algum aparato que não está cem
por cento... eficiente. Então pronto! Se eu estou olhando pra um aluno
que é deficiente, porque que eu vou negar e digo “ai, porque com
necessidade daquilo, com necessidade daquilo...” Não é? Mas acho
que é pra facilitar, mas a nomenclatura também nem é mais essa. E o
especial, por conta daquela nomenclatura mais clássica, né, da
pessoa especial, da pessoa com necessidades especiais, né? a gente
ainda fala, mas eu acho que eu quero dizer a mesma coisa. Agora tem
os deficientes que são especiais, né?
E - Como assim?
Eneida - Que de alguma forma te chama atenção por algo que é
muito peculiar.
E - O ser especial...
Eneida - O ser, a pessoa...
E - ... não é porque é deficiente ou não...
Eneida - Não porque é mais deficiente...
E - ... ou é porque é deficiente?
Eneida - Não, é um deficiente especial, que eu digo, porque pra mim
ele é especial, né, por conta de alguma característica dele, de alguma
coisa, alguma história, né, então eu acho que, assim, dentre todos, eu
tinha lá o Rui, eu tinha a Valquíria, né.
84
TERAPEUTAS: ROXANA
E – Queria que você falasse livremente sobre o que é que você acha
que é a deficiência.
Roxana - Deficiência? Qualquer?
E – Queria que você falasse livremente, disso.
Roxana - Eu tenho pensado muito nisso, né. Como eu disse, quem...
quem... estudou já há... há alguns bilhões de anos atrás... então, tem,
ahn, alguns padrões que foram estudados, e tal. E aí, ahn, pensando
nessa coisa de que que é deficiência... Primeiro que, assim, tem uma
questão, que tem muito a ver com a questão cultural e com o meio que
a gente tá. Não dá pra vc colocar, ahn, uma deficiência, se você não
colocar o contexto. Porque o que pode ser de... o que é deficiência
aqui pode não ser deficiência em outro grupo. Então, pra mim, isso
tem uma... uma coisa... não é um... um deficiente não é deficiente no
mundo inteiro. Dependendo de... tem algumas deficiências que são, eu
diria, maior... O que que é deficiência? Deficiência é, bom, pela
definição da palavra: tem um amigo que diz que sempre que a gente,
ééé... vai no dicionário, né, e vê o que é deficiente, é alguma coisa
que... falta alguma coisa, né... Então, quando a gente tem um déficit
no banco... (riso) é porque tá faltando dinheiro na sua conta. Por
exemplo, gastou x ou... então, quando você tem... falta alguma coisa,
né? Então, pra mim, deficiência é o que... falta alguma coisa, em
relação a uma média, ou a um conhecimento, ou a um padrão – que
seja de... média. Num... não digo de normalidade, mas um padrão da
média. E a deficiência é alguma coisa que você tem... a menos; que
você tem, ahn, – se for pensar em pessoas – que você tem ou que você
ééé... Algumas são passageiras, outras não... Então, é... é complicado
definir o que é deficiência, porque pode ser passageira, pode não
ser...Tem a ver com o... com a média do grupo onde você vive, né, e...
tem algumas que são comuns a vários grupos. Faltar uma perna é
faltar uma perna! Como nós somos bípedes, se você não tem uma
perna, você... falta uma perna! Então, você É um deficiente. Porque
lhe falta uma perna... né? É... e aí, assim, você pode ter nascido sem
85
perna – que é uma deficiência que veio com você – ou você pode
perder uma perna, no meio do caminho da sua vida... né... Que é um
outro tipo de sem-perna, eu diria, né? Eu... eu gosto, às vezes, tem
uma imagem... não sei se é muito adequado, mas, enfim...
E – Vai adiante!
Roxana - Então, pra mim deficiência é quando falta alguma coisa
dentro de um grupo. Falta altura, né... pra quem é... baixo; falta
altura! Se a média da estatura da população que tá é 1,60 m, você tem
1,40 m... lhe falta altura! (riso). Então, cê tem uma deficiência de
altura, né? E... e aí... e aí você pode ter deficiência de dinheiro! Se
você tá num grupo que todo mundo tem um milhão no banco, você
não tem, então é uma deficienciazinha... Então, assim... Então eu acho
que a deficiência tem a ver com o grupo, tem a ver com o padrão do
grupo... né? Em geral, ela tende a que todo mundo te olhe diferente,
se você tem alguma coisa... a menos, né? E... eu acho que é natural.
Eu sem... eu sempre coloquei, eu sempre... sempre tratei isso, assim:
pra mim, ahn, olhar pra pessoas que falta alguma coisa, que têm
alguma coisa deficiente, ééé... diferente... é uma questão natural. A
gente olha pra todo mundo que é diferente. É natural você olhar! Que
pode ser pra mais ou pode ser pra menos, né? A gente tá falando de
deficiência. Mas o excesso também chama a atenção. Só que, aí, ahn,
o excesso, você pode até tirar, dependendo da situação, enfim. Mas
um cara que mede dois metros de altura vai chamar a atenção tanto
quanto alguém que não tem uma perna, ou alguém que num tá... que
tá numa cadeira de rodas. Então, pra mim, deficiência é: primeiro, é
uma coisa que falta. E... mas falta em relação ao grupo. E ela pode,
ou não, ahn, tirar muito você da participação do grupo, não é?
Depende do quanto é cada deficiência, e depende do grupo. Então,
ééé... ass... eu acho que é sempre uma coisa muito relativa. Muito...
complicada, eu acho, ééé... definir. Mas, pra mim, é... o que você tem
a menos. Deficiência é o que você tem a menos do que o padrão do
grupo com quem você convive.
E – Hum-rum...
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Roxana - Acho que essa é um... pra mim, é a... melhor definição.
Deficiência é isso. Se você vai ser excluído, incluído, super-incluído,
exaltado, ou não, por conta da deficiência... aí é outra coisa! Uma
coisa é A deficiência, em si. Outra coisa é o que você e/ou o grupo
vão fazer com essa falta. (inaudível) falta, déficit... você tem um
déficit no banco. Pode conviver com isso, pedir um empréstimo,
assaltar um banco, pra cobrir essa... quer dizer, como você vai lidar
com... a... a deficiência que existe... depende de você e depende do
grupo. Mas... mas a deficiência é sempre... uma coisa que tá faltando,
em relação a um grupo, naquele determinado momento. Penso eu.
87
PESSOAS E FAMILIARES: DAFNE
E –Pra você, o que que é deficiência?
Heloísa – Ai... Deficiência todo mundo tem, até nós, que somos, que
temos nossas pernas que andam, né, que se acham que não é
deficiente, acho que nós temos a maior deficiência do mundo, nós
temos; os que dizem ser normal. E aprender com a deficiência, ééé,
cada caso é um caso, né. Acho que cada deficiência é cada
deficiência; pra mim, é assim, às vezes eu falo, eu nem vi que a minha
filha é deficiente, eu falo que a minha filha é especial. Então, pra mim
não existe deficiência; pra mim não existe. Eu tenho, sim, que pra
mim não existe deficiência. É tanto que nem digo que a minha filha é
deficiente, digo que minha filha é especial.
Dafne – Moa...
Heloísa – [voltando-se para a filha] É o que eu acho de você. É o que
eu penso, né, filha. A mamãe só tem ela! Se eu... não saberia nem
explicar direito o que que é, né, ter um filho... perfeito e outro, não,
né? No caso, deficiente que o nosso, a história, a conversa era a
deficiência, então, acho que fica até meio difícil pra mim responder.
E – Tá certo
Heloísa – É na real, né [risos]
E – Você gostaria de falar mais alguma coisa, Heloísa?
Heloísa – Acho que não
E – Muito obrigada, então, pela entrevista.
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PESSOAS E FAMILIARES: IRENE
E- Deixa eu fazer uma pergunta pra vocês. Na opinião de vocês, o que
é uma pessoa especial?
Ercília- booooa pergunta... (risos) Booa pergunta.
Aristeu - Pode... Eu, eu tenho a minha resposta.
Ercília - Fala!
Aristeu - Não, pô, aí você vai copiar de mim? Que isso?
Ercília - Não!
Aristeu - Aí não vai servir o trabalho de...
Aristeu - Uma pessoa especial. Uma pessoa especial que eu penso
comigo... Tá aí: ela. A Ercília é uma pessoa especial. Por que? Ela
enfrentou de frente a doença dela, foi erro médico. Tava tratando da
vista dela, era tumor na cabeça. Ela não quis processar ninguém, e
ganhava tranquilamente, tinha documento, tinha tudo... Na época...
Tanto que eu joguei o... Chapa, tudo na cara da oculista que tava...
Eu fiz um... Desandou a minha vida.
Ercília - Foi uma grosseria.
Aristeu - Entendeu? Então, o que que é? Uma pessoa especial. Tem
suas limitações? Tem. Você vê que quando fica meio jururru, fica
meia, assim, mas tem fé em Deus. Vai, mesmo sem querer ir, ela, ela
procura com jeito, não sei o que ela pensa hoje, do que é, o que ela
sente, mas elas pedem, elas procuram tentar fazer. Hoje mesmo ela
lavou o banheiro, ela lava roupa, ela se vira, é... Muitas coisas,
fritura, essas coisas ela já não consegue mais, mas se eu esquecer de
deixar o arroz pronto ela vai e faz, ela pica um alho, sabe, ela tem
vontade. Mesmo... Quantas vezes ela já cortou esses coitados desses
dedos dela? Então isso um não que eu ia falar era isso aí.
[Silêncio. Aristeu chora]
Ercília – Ta chorando? Então pra mim, pra ser especial ééé, sei lá, é
conviver né? Tipo conv, conviver com sua especialidade e... Não cair
né, ir em frente e lutar, eu acho que é isso. Que nem, quando eu
descobri que ela... Nossa, eu fiquei assim, mas depois...
89
Aristeu- Mas a pessoa especial também, não é assim, é, ô coitadinho.
Não tem nada disso...
Ercília - É, eu também acho que não.
Aristeu - A pessoa especial, você tem que cobrar a mesma coisa como
se fosse uma pessoa normal, porque ela é capaz. Ela é capaz...
Ercília - É.
Aristeu - Você só tem que mostrar pra ela que ela é capaz. Que nem
ela, por exemplo, voltando na Ercília. Ela, tem hora que ela fica: “Ai,
porque eu não vejo isso, porque eu não faço isso, porque eu não faço
aquilo”. Hoje ela tem esse banquinho aqui que ela sempre que ela
chega perto dessa televisão, ela sabe da vida de todo mundo na
televisão “Ó, telefone, vai lá”.atende esse telefone. (risos da Ercília).
Ercília - Sei mesmo . ô Lígia dá licença, Lígia
Aristeu – Então é que nem eu tava falando. A Ercília, por exemplo,
perdeu a visão, só que ela ganhou outra limita... Outra coisa... Na
língua. Ela começou a falar mais porque... Sabe, pra poder, é...
Audição... Pelo... Ela desenvolver outra, outra habilidade. Um pouco
na mão, mas ta meia... Que nem ela falou que ta com problema na
mão, mas ela pega a bengala dela, ela sabe o que ela ta fazendo.
Então como que um paraplégico vai... Esse é o, limitação... Esse que
eu falo que é a limitação, esse é limitado. Não as pessoas normais que
nem... Anda, enxerga que nem ela, pra mim não tem limitação
nenhuma, só no rosto. Não é.Por isso que pra mim não é deficiência,
é uma limitação. Deficiente é aquele que não pode andar, é o
paraplégico, mesmo assim, eu tenho acompanhado a novela ai, tem
muitas coisas já acontecendo para o paraplégico; rampa, um monte
de coisa. Difícil, que nem a Ercília falou, demora. Aqui nós não
estamos preparados no Brasil, mas... Ta melhorando. Quem enxerga,
vê. É devagar? É devagar, infelizmente é Brasil, mas... Eu acredito
que vai acontecer as coisas melhores. Tamo brigando, que nem, nas
próprias casas, a dona... Dona dessa casa vai ter que pôr um
corrimão aqui. É obrigação, é obrigatório, porque ela tem pessoas
deficiente aqui. Deficiente não, limitada. Já uma pessoa deficiente é
90
aquela que não pode viver sozinha. O paraplégico, pra ele ta aqui,
não tem como, vai ter que ter uma ajuda. Esse é o deficiente, mas
quem não precisa de ajuda? Cris! Cris, com aquele problema na mão
dela, na perna, ela anda, fala pra caramba. Sabe?Pra mim é uma
pessoa normal.
Ercília - Eu acho que é viver, né.
(...)
Aristeu – Justamente o que eu tô falando, justamente as pessoas que
não consegue se virar sozinho, ai é uma pessoa deficiente. Uma
pessoa que consegue rodar um carrinho, só que se ele não conseguir
falar ai fica meio difícil, mas que nem, é, é, as limitações que são
cortada, né? Depende das limitações que são cortadas. Porque se ele
cortá – Deus que me perdoe - só as perna. Você tem as mão, você
fala, você olha, você tem outro jeito. Tem jogador de basquete, tem
na...nadador olímpico, paraolímpico, sabe, eles são deficiente? São
com limitações cortada, limitada. Tem deficiência até que não tem
jeito; é, um acidente na coluna que você fica só assim, um cara que
vegeta. Pra mim... E eu que tenho também só até a minha oitava série,
mas eu, é, dentro de uns quatro anos eu comecei a ver umas... Coisas
assim, meia... Diferente em minha volta, por isso que eu to com outra
visão. Eu conheci uma pessoa, nessa, lugar que eu tava trabalhava lá
e ela tinha problema nos ossos. Bobeou, ela tava caindo. Era uma
madame, cheia de dinheiro. O carro dela tudo aqui na mão, porque
ela tinha força na mão. Câmbio, freio, tudo na mão, carro especial.
Ela falou: “Por favor, o senhor consegue dirigir esse carro?”, Falei:
“consigo.” Eu não ia falar isso pra ela, mas falei: “Se você consegue,
por que eu não consigo, né?”. Na minha cabeça eu falei isso, falei:
“Mas, mas, você consegue, você acha que eu não vou conseguir?”. E
foi difícil pra mim, porque a adaptação já... Eu falei: “Meu Deus,
cadê o freio?”. Não era no pé, e eu conversando com o carro: “O que
é que eu faço, ré, não sei o que”, pra mim foi muito interessante. Aí...
Tá, ela entrou, ela tem uma bengalinha e tal segurei no braço dela,
91
abriu a porta, coloquei ela pra dentro,aí fui vê o carro tal, beleza,
pus o carro lá estacionado, na volta infelizmente eu pus o carro bem
na porta e era um degrau e a pessoa que cuidou (...) não acompanhou
ela até o carro. E era norma, acompanhar até o carro, porque a gente
ficava muito distante. E o encarregado lá, até vir de lá pra socorrer a
mulher, ela já tinha caído. E foi o que aconteceu, ela caiu, bateu as
costas, no...no... Gade, na grade. Aí nós saímo correndo, eu e o outro
rapaz e ela... Eu ch.... Cheguei lá e não sabia... Não sabia como,
porque a gente que é normal, como você falou, os normais, que finge
que é normal, mas não é. Deu s... Deu vontade de dar risada, não
sabia que que eu fazia, a mulher lá com as perna aberta, mostrando
tudo que ela tinha que mostrar, né. Eu fiquei perdido, uma madame
cheia de dinheiro o que que eu faria? Na hora eu peguei, sentamos a
mulher no degrau, falei: “A senhora machucou?”, Tinha machucado
e ela falou que não machucou. Ela falou: “Se tiver machucado, não é
de agora, já caí umas cinco vezes hoje”. Então isso pra mim que é
uma pessoa deficiente, que precisa de ajuda, mesmo assim ela se
achou que não precisava, porque o carro dela é pra gente que...
Entendeu?
Hoje tudo tem a sua adaptação, então o que que, não é, não tem
adaptação? Tudo tem que ser adaptado. Pode por a mão aí, que a
Irene sabe: A, B, C. Como que é, Irene? Faz pra ela ver. A... Vai
falando aqui, pra ela ver.
[Irene digita, nas mãos da mãe, as letras do alfabeto, usando
LIBRAS]
Ercília - “D”, “É”, “F”. F?
Aristeu - Entendeu ?!
Ercília - Ainda é complicado. Tem que, que, praticar mais. Ahn? Meu
nome? E, Ercíl...
Aristeu - Faz na língua dela, você não sabe?
Ercília – O meu nome?
Aristeu - É , faz o seu nome.
Ercília - Então faz o meu.
92
Aristeu - faz nos seus sinais. Sinais dela.
Ercília - Porque já esqueci.
Aristeu – Não, mas faz nos seus sinais pra ela.
Aristeu - Ela vai imitando o sinal seu.
Ercília - O meu? (Sinais) Ercília..
Aristeu - Você entendeu, então... É umas coisa que eu penso,
justamente é isso , pra tudo tem um jeito, só não tem jeito é pras
pessoa mesmo com um monte de coisa da coordenação motora, que aí
não tem jeito. Mas você viu aí, entre uma pessoa que não vê e uma
pessoa que não ouve, há comunicação. Só basta ter vontade. Se tiver
escola, que nem aqui que ela comentou, o município não tem. O
município infelizmente... Nós estamos com um governante que não
tem boa vontade, não tem jeito de abranger esta, região oeste. Aí tem
que desloca daqui pra São Paulo. Como que vai desloca, não é todo
dia que a gente tem cinqüenta reais pra pagar pra uma pessoa levar.
O município não tem intenção de pegar uma perua pra buscar ela
aqui e levar ela lá, entendeu? Jamais vai fazer isso. Gasta. Jamais!
Então a gente, que nem, você perguntou, a gente ta procurando se
ajudar e levar a vida no trânsito. Porque é o que acontece, é, umas
pessoas... Mas o importante de tudo isso aí, que nem você perguntou,
sobre deficiente. eu acho pra mim é a pessoa... Deficiente é uma
pessoa que não consegue ir, daqui na porta... sozinha .
Ercília –Você fala muito, Aristeu! Deixa a menina falar. (risos)
E- ... eu estou aqui para ouvir.
Aristeu – Ela anda essa casa todinha, ela... Onde a vizinha fica pra
você fofocar, ela sabe. (risos da mãe) Ela é deficiente ? (risos da mãe)
Ela é deficiente?
Ercília – Ai, meu Deus.
Aristeu - Quando você quer ir pra igreja, quatro horas da manhã: ta
acordada!
Ercília - É mesmo.
Aristeu- Quando não tem nada pra fazer, dez onze horas ela tá
dormindo. Quem é deficiente aqui? Você entendeu? Consegue andar,
consegue ir no banheiro, consegue fazer de tudo. Pra mim não é uma
93
pessoa deficiente, pessoa deficiente é uma pessoa que pra ir no
banheiro precisa de ajuda.
94
PESSOAS E FAMILIARES: RENATO
E – Eu queria finalizar com uma pergunta pra vocês, aí cada um
responde como quiser, né, como achar. Pra vocês o que é deficiência?
Vilma - O que é deficiência? Nossa é tão...! Nem sei, deficiência... eu
acho que eu não poder, eu não poder fazer alguma coisa.
Catarina - Uma limitação, né.
Vilma - Uma limitação de alguma coisa que eu queira fazer.
Catarina – Talvez a gente nem veja isso, né, acho que na convivência,
acaba, acaba.... normal.
Vilma - Não, mas você tá perguntando a palavra “deficiência”?
E – É, pra vocês.
Vilma - Eu penso assim, “deficiência”, é, é.
Catarina - Eu, eu tenho uma deficiência visual. Eu tenho uma
limitação, então eu preciso de, eu preciso de um óculos pra poder,
pra poder enxergar, né? Então aí tem certas limitações que as
pessoas têm... Por exemplo, teve uma paralisia que causou algumas
limitações que ele não tem as habilidades normais, como as
locomotoras, éee, coordenação motora, como a gente, como nós. Né?
Vilma - Eu já penso, assim, eu acho a palavra “deficiência”, você tá
jogando ela geral?
E – Geral.
Vilma - Não ele.
E – Não...
Vilma - Pra mim deficiência é eu não conseguir fazer alguma coisa,
eu vou te... se eu não conseguir realizar alguma coisa eu... é um
obstáculo pra eu consegui. Mas não sei se eu me expressei bem.
E – Não, não tem um bem ou ruim. É essa expressão, né.
Vilma - É, eu não conseguir fazer alguma coisa, é uma barreira,
pronto, que eu não consiga fazer. É uma deficiência minha...
Lineu - ... deficiência é... é não é ser perfeito. [risadas de Lineu]...
Vilma - ... não, eu acho que não tem...
E – Deficiência é não ser perfeito...?
95
Vilma / Lineu - Não tem ninguém perfeito. [risadas de todos
entrevistados]
E – E “pessoa com deficiência”?
Vilma - Uma, olha uma “pessoa com deficiência”... nossa é muito
forte! Nossa “uma pessoa com deficiência”! Nossa ela não...
E – Não é assim que a gente chama as pessoas hoje em dia?
Antigamente chamava de “deficiente”, “portadores de necessidades
especiais” e aí o termo mais genérico é “pessoas com deficiência”.
Pra vocês o que isso significa?
Catarina – Ah, eu sou uma “pessoa com deficiência”, eu tenho uma
deficiência.
Vilma – Ah, eu também eu tenho um monte.
Catarina – Eu tenho necessidade de usar óculos! Ai meu deus.
Vilma - Ai outro dia eu tava falando com ela, eu admiro tanto aquela
pessoa deficiente visual, não fugindo tanto da tua... mas eu admiro...
E – ... mas é isso mesmo, não tá fugindo...
Vilma - ... eu admiro aquela pessoa com, não foi, que como a pessoa
não tem medo de sair, deficiente visual...
E – ... pessoa cega?
Vilma - Cega, que sai na rua que... gente é maravilhoso!
E – De ela não ter medo de sair?
Vilma – De ela não ter medo de sair. Gente, é lindo isso! Muito
lindo...
E – ... você teria? Se não enxergasse?
Vilma - Não sei. Porque olha é maravilhoso.
E – E você, Lineu?
Lineu – ah, se eu não enxergasse, eu ia ser difícil eu ter... na
situação, né.
Vilma - ... a gente tem que estar na situação...
E – Mas no geral, com relação a isso, da deficiência? Você já tá na
situação? Iche... fiz pergunta difícil?
Vilma - Não é, não. Nossa é meio difícil, igual porque a gente sabe
dele, é, das necessidades que ele tem, então o que que a gente faz,
96
tenta, tenta ajudar e, e suprir, sei lá, pra se tornar mais fácil, não sei,
nossa!
E – A gente não tá acostumado a pensar nisso, né?
97
PESSOAS E FAMILIARES: RUI
E – Deixa eu te fazer uma pergunta. Pra você, que que é deficiência?
Cida – O que que é deficiência? Ah, eu acho assim, tem muitas
pessoas que não é deficiente e se tornam deficientes, acho que pessoa
preconceituosa, tem preconceito de outros deficientes, eu acho isso
E – E o Ri... o Rui, é deficiente?
Cida – O Rui? Eu olho pra ele, eu vejo, sei lá, eu sinto, não, sabe, me
acostumei tanto com ele, a mãe olha pra ele, pra mim, normal
E – E se uma pessoa pergunta pra você: o que seu filho tem, o que
que você responde?
Cida – [simultâneo] Ah, eu falo, eu falo que ele é especial, eu falo
isso, eu respondo assim
E – E o que que quer dizer isso?
Cida – Ah, ele tem um probleminha
(...)
Cida – Ah, eu falo assim, ele tem, é especial, teve um probleminha na
hora do parto, na hora de nascer
E – Sei
Cida – Pronto
E – E se a pessoa perguntar mais?
Cida – Não sei, tem gente que pergunta, assim, vizinho, essas coisas,
até comento muito, né, falo tudo, parente que já sabe, mas, assim, não
tem muito
Rui: [simultâneo] o meu tio
Cida – Não tem muitas pessoas que vem e perguntam
Rui: [simultâneo] (...)
Cida – Mas eu tinha assim quando eu ia pra unidade de terapia
educacional,
Rui: [simultâneo] (...)
Cida – eu ficava lá naquele ponto esperando o ônibus, lá no, do outro
lado da avenida lá
E – Você já morava aqui?
98
Cida – É. Eu ficava sentada com ele, assim, às vezes vinha pessoas e
não sentava do lado dele
E – Ahn...
Rui: [simultâneo] (...)
Cida – Ficava em pé, mas tinha espaço. Eu via que era isso
99
4.2 “Fale-me do seu trabalho”
TERAPEUTAS: ALCIONE
E – Eu gostaria que você me falasse sobre o seu trabalho.
Alcione – Meu trabalho... São dois trabalhos.
E – Então, você é uma fonoaudióloga, né?
Alcione – Uma fonoaudióloga. Uma fonoaudióloga. Duas...
E – Esses dois trabalhos são como fonoaudióloga...?
Alcione – Como fonoaudióloga. Dois trabalhos.
E – Certo.
Alcione –Num eu sou... tudo bem?... Num eu sou respeitada, sou
escutada, tenho meus pareceres, dou minha... minha... - como eu vou
dizer? - digo se a criança precisou, dou meu diagnóstico, assim, se a
criança precisa, se ela não precisa, digo quando tem que ter alta,
digo, entendeu, maturidade profissional. No outro, eu me... eu ace...
aceito as ordens que me passam. E nenhum respeito, nenhuma
consideração, nenhuma... é... Nenhuma escuta... nenhuma escuta.
Então, são dois trabalhos.
E – Você poderia falar um pouco mais sobre eles?
Alcione – No que eu sou respeitada, escutada é... eu tenho uma cargo
de chefia... mas apesar do cargo de chefia, eu sou escutada, né,
independente, assim, de eu ser, ser gestora... eu tenho meu papel de
gestora e meu papel como fonoaudióloga. Eu sou escutada nos dois,
né. Sou respeitada nos dois. E acho que é super tranquila a minha
relação com as meninas, com as fonos, eu ... Mas é um contrato,
trabalha com contrato. No outro, eu tenho uma estabilidade, que eu
poderia até, mas não escutam... Eu poderia até ser muito mais, é,
incisiva, mas não escutam. Então, eu me cansei
E – É?
Alcione – Agora aqui na prefeitura... Cansei, Lígia. Cansei.
E – Faz tempo que você trabalha nesse lugar que não te escutam?
Alcione – Doze anos.
100
E – E nesse tempo todo, sempre foi assim?
Alcione – Ahhh... Só no comecinho... eu não sei, se eu também não
tinha experiência, né? Então... não sei ou... sei lá... Depois de uns sete
anos pra cá... então... é que nos seis primeiros anos eram trabalhos
claros, definidos, né? Aí, depois que começou a desestruturar o
trabalho, a política... Depois que começou a mudar a política...
E – Esse trabalho também é área pública?
Não. É Organização Não-Governamental, é Terceiro Setor.
E – Tá. Assim, a clientela com a qual você trabalha nesses dois
lugares, é o mesmo tipo?
Alcione – É a mesma.
E – Então, você poderia descrever um pouco melhor essa clientela?
Alcione – É a mesma: são crianças com alterações motoras,
deficiências severas... né? É, crianças com... com... deficiência. Né? É
a mesma, só que nesse outro lugar que eu não sou escutada é... são
crianças com grau de comprometimento um pouco maior. Mas é a
mesma, a mesma criança, o mesmo perfil.
E – Você poderia falar alguma coisa sobre esse perfil?
Alcione – É, com crianças com dificuldades auditivas, associadas ao
intelectual, uma dificuldade intelectual e visual, uma dificuldade
intelectual e física... bem acentuada, né. E trabalho agora com a
inclusão, dessas crianças no ambiente escolar. No outro, é um
trabalho clínico, um trabalho onde eu atendo a criança, eu oriento a
professora que vem, e me respeita, e que me escuta, porque vem me
escutar, da mãe que vem pra me escutar, pra perceber que eu posso
contribuir, que me valoriza, né, que volta depois e fala: “Ah! Eu fiz
tudo o que você falou. Eu fiz isso e deu certo. Eu fiz isso e não deu
certo”. Que mais? Essas crianças com um grau... é... uma dificuldade
intelectual um pouco menor, mas elas são dificuldades físicas, às
vezes auditivas associadas ao físico, às vezes o intelectual associado
ao físico. Ficou claro? (ter/alc-02)
(...)
E – Pelo que eu tou entendendo, dentro desses 12 anos, nesse
trabalho da prefeitura, você fez várias coisas?
101
Alcione – Hum-hum...
E – Você não quer me falar um pouco mais sobre isso?
Alcione – Eu comecei na unidade de terapia educacional, que é um
atendimento de reabilitação de pessoas com deficiências múltiplas, de
especialização, de integração, de valorização da das possibilidades
comunicativas, mesmo que pequenas, por exemplo. Um trabalho em
equipe, fiquei três anos, mais ou menos, nesse trabalho. As crianças
vem todo dia... é... e aí eram crianças e adolescentes, eram todo dia, e
duas vezes por semana participavam de um grupo e depois é... iam e
voltavam no outro dia. Depois, eu fui pra escola de deficiência
auditivo, eu atendia clínica – fazia o atendimento do, da criança
dentro da escola, social... chamava a mãe pra orientação... e às vezes
orientava o professor – quando o professor tinha alguma
disponibilidade. O professor autossuficiente eu não orientava não.
Um cara que sabe de tudo... não escuta, né? Então, fiquei... deixa eu
ver... uns cinco anos na escola de crianças surdas... é isso, né? Mais
ou menos... Então, foi um trabalho gostoso com as crianças, com as
mães, não tão bom com a escola, nem com a diretora, nem com a
coordenadora, nem com as professoras não foi tão bom. Tinha uma
coisa muito assim: “Eu sou dono desse, dessa criança. Eu sei o que é
melhor pra essa criança. Eu sei. Não preciso de ajuda”.
Alcione – (...) O meu trabalho principal, né?, o meu trabalho
principal com essas crianças e adolescente (...)
E – Hum...
Alcione – É observar a comunicação da criança e deixar essa
comunicação funcional. Fazer com que ela se comunique mais, que
ela coloque seus desejos, coloque suas vontades, que sela seja
escutada, que ela consiga fazer troca, que ela consigaaa... dentro das
condições que ela tem. Então, o trabalho de fono é... é viabilizar com
que... essa criança, que ela se torne mais comunicativa. Dentro das
condições dela. Né... então, eu preciso da mãe pra, primeiro, junto da
mãe, descobrir como essa criança se comunica. Quais são os meios
comunicativos dela. Quando ela... quais são as funções de linguagem
102
que ela já faz. Por exemplo, se a criança já tem protesto, se ela pega
algum objeto, se a criança reclama, se ela faz algum comentário, se
ela nomeia, se ela estabelece uma conversação, um diálogo. Então,
ver com a mãe o que que a criança já faz. E depois, fazer com que a
criança ééé... aprimore, aperfeiçoe os meios comunicativos que ela já
tem. Então, se o meio verbal, eu vou aperfeiçoar o meio verbal, né.
Porque o principal é o meio verbal, né? Porque se a criança não tem
o meio verbal, mas tem um vocal, que ela vocaliza de diferentes
formas, a gente vai tentar deixar essa vocalização um pouco mais
suave. Se a comunicação é gestual, a gente vai tentar fazer com que
essa comunicação fique mais clara pro maior número de pessoas –
não adianta (ficar) só com a mãe e só com a fono.
E – Hum-hum... (ter/alc-06a)
Alcione – Né? Você tem que fazer com que essa comunicação que ela
tem, se... seja utilizada em outros ambientes, com outros
interlocutores. Por isso, é... a habilitação, né, de colocar essa criança
mais funcional na vida dela, né? Então, precisa da mãe pra isso. E aí,
o que eu digo pras mães, assim, que a criança... eu só me comunico
com quem... Assim, eu não sei, mas eu acho que as pessoas se
comunicam com quem elas gostam. Então, a criança precisa gostar de
mim. Pra ela querer se comunicar comigo. Só que a mãe... e aí, eu
preciso de muito tempo pra entender a criança – porque eu não
consigo entender a criança num dia só, não é? Preciso de um tempo
pra entender todas as formas de comunicação... e a mãe já tem isso. A
mãe já consegue entender a criança, a forma de comunicação dela.
Às vezes, a mãe não entende, mas se você sentar um pouquinho, fazer
uma análise, a mãe consegue. As mães que eu tenho experiência, elas,
elas conseguem entender claramente a forma de comunicação, os
meios, né, as funções de linguagem que a criança já faz... E aí, junto
com a mãe – esse é o meu trabalho –, a gente vai tentar deixar um
pouco mais funcional pras outras pessoas. Pra que a criança consiga
se expressar de uma forma mais clara. Essa é a minha visão dentro da
fono... na parte de linguagem, de comunicação. Né... então, a não ser
103
em caso muitos específicos, pra passar um exercício pra mãe, mas pra
mã... pra criança fazer determinado fonema pra... é... é... refinamento,
né? Mas a mãe não pode entender que a fono é exercício de boca.
Professora não pode achar que fono é exercício de boca, é ficar
ouviiindo. (ter/alc-06b)
E – Existe isso? Há professores que pensam assim?
Alcione – Há professoras. Há supervisoras que pensam (...) de
educação, que pensam assim. (Tem) gestor que pensam assim, que
falam: “Ah! Então já que cê tá vindo aqui você vai lá na sala, e vai
ensinar a professora a fazer exercício com a boca”. Isso é
refinamento. A fono é... o meu trabalho maior com essas crianças (...)
com deficiência é possibilitar a comunicação. Não só melhorar a
comunicação com a mãe, mas, principalmente, o convívio. Deixar
mais clara essa comunicação. Se é preciso, figuras, se é preciso,
livrinhos, com, com... a forma de comunicação pra outra pessoa
entender. Se for preciso... né... é... escrita. Se for preciso, uma
prancha de comunicação. Se for preciso, Língua de Sinais. Se for
preciso, alfabeto. Eu preciso, computador. Eu preciso, acionador –
que a criança aperta e sai a voz. (ter/alc-06c)
E – Como que é o seu trabalho atual? (...)? Essa relação (...)? Com os
alunos e com os professores?
Alcione – Bom, agora mudou muito, né? Eu ainda to tentando...
entender qual é o meu papel, né? Por exemplo, uma crian... uma... a
diretora: “Ai, eu quero que... Ai! Que bom que você veio! Porque eu
tenho uma, uma inclusão: uma síndrome de down, de três anos, que
beija na boca da outra menininha”. Aí eu falei: “E?”. “E que a
síndrome de down tá beijando na boca!!”. Eu falei: “E?”. Aí, ela:
“Não! Eu quero (...). (...) pra me ajudar! Porque a gente tá com um
problema. A escola tá desesperada!”. Eu falei: “Quando uma criança
na sala de aula beija outra, o que a professora faz?”. “A gente dá
bronca!”. “E aí, porque a senhora não dá bronca nessa...?” “Porque
ela tem síndrome de down!”. Eu ainda to aprendendo. Eu to, eu to
104
aprendendo. Eu to entendendo minha realidade inacreditável, sabe?
Inacreditável. Umas coisas assim de, de, de... da inclusão de crianças,
de, de preparo de professor, de diretor. Eu to só, por enquanto,
observando. Eu não tenho um trabalho ainda (...), nada. Só tentando
entender.
(ter/alc-13)
Alcione – Hã... Hoje, eu não trabalho com surdo ou com deficiente
físico, eu trabalho com qualquer criança que tenha dificuldade de
linguagem: com autista... qualquer criança! Que tenha dificuldade de
uma linguagem ou na instrumentalização, né? Que isso fique bem
claro... Assim, isso fica bem claro pra mim e pras mães e pra quem tá
pré... perto. Que realmente é meu objetivo, qual é o meu objetivo,
onde eu quero chegar... e aí, eu dou alta sem grandes, sem... assim:
“Ó! Nesse momento... vai viver sua vida! Vai (...) Agora tá difícil de
novo? Então, vamos ver o que que tá acontecendo. Vamos fazer outra
terapia aqui. Agora tá boa? Vai, vai embora!”. Né? Não é um (...)
de... pra vida inteira. Né? Não é isso.
Alcione, que já de início faz uma divisão entre o trabalho em que é respeitada e
escutada e o trabalho em que não se sente assim, parece assumir um lugar de conflito em
relação ao trabalho do qual ela está cansada, embora esteja lá há doze anos. Seu dito enfatiza a
estabilidade que teria, enquanto no outro, embora respeitada, seu vínculo é de outro tipo,
contratual. Alcione produz um interessante efeito de desconhecimento com relação a isso, na
medida em que, ao fazer mais uma divisão, qual seja entre o cargo de chefia e a atividade
clínica. Se não é seu cargo que a faz sentir-se respeitada e escutada, será seu conhecimento
técnico. Dessa forma, quanto ao trabalho em que não é escutada e em que poderia ser mais
incisiva, parece-nos lícito supor que é justo em relação ao conhecimento técnico que ela não
se sente escutada e respeitada. Resta saber se, ao dizer-se cansada em relação ao trabalho na
prefeitura, no qual poderia ser mais incisiva, já teria sido incisiva anteriormente. A
entrevistada também usa verbos que denotam sua percepção quanto a ser valorizada
profissionalmente. Fala de uma clientela que precisa do seu trabalho fazer aquisições
importantes, quanto à linguagem. E não é essa a clientela – mães e crianças com deficiência,
clientes da instituição escolar e da instituição de reabilitação em que Alcione atua – que deixa
105
de respeitá-la. Isso é tranquilo, ela diz. O conflito parece estar entre o que lhe demanda a
instituição escolar e o trabalho que Alcione pode e deseja desenvolver.
106
EDUCADORES: BERENICE
E – Eu gostaria de começar pedindo pra que você me conte um pouco
do seu percurso profissional, no geral, e como é que você veio a
trabalhar na famosa educação especial e agora educação inclusiva.
Bereince – Deixa eu lembrar, fazer um resgate histórico, né, como eu
falei agora há pouco, né. Eu fiz faculdade de Pedagogia, né, em... 91
concluí o curso; daí eu entrei na Educação como estagiária deee, do
Estado, né. Na época tinha um estágio remunerado, inclusive; foi
quando eu entrei, em 91, fiquei numa escola estadual quatro anos;
depois de terminado o estágio, eu fiquei lá mesmo, com o trabalho
que eu tava desenvolvendo, mas... nada assim, na época, na ocasião,
ééé... tinha de Educação Especial. Naquela época né, num se falava
muito, eu diria. No Estado, pior, né. E... fiquei lá um bom tempo –
quatro anos – e depois ingressei na EJA10 e fiquei no Estado, de
primeira a quarta, e na EJA, também, por alguns anos, né. Ahn.... na
EJA, também, em termos de Educação Especial, alunos com
deficiência, ou famílias, não lembro de experiências assim... Em 96
teve um concurso público, quando eu me efetivei como pedagoga, né,
na... Prefeitura Municipal, e tive que optar inclusive en, entre
permanecer na EJA, ou, né, vir pro... pro cargo, e mesmo conciliar
com o Estado, onde ... abri mão do Estado e fiquei, então, na
Prefeitura, como pedagoga... Quando eu cheguei no primeiro dia – eu
lembro – na Escola Especial, né: “Você vai pra... o seu cargo é esse”
e esse cargo, ééé... ficou, se reporta na Escola Especial, né, na Escola
Especial. Eu cheguei lá: “Como, Escola Especial?” né... “Não, você
não precisa ter especialização, aqui...”, né..., “Você não vai trabalhar
na escola, você vai trabalhar no setor” – na época, centro de
avaliação e terapia – e aí eu fiquei preocupada, porque eu falei:
“Não tenho experiência com Educação Especial; não tive alunos
assim!”, né, a formação é muito generalista, né, não aborda... e nem
trata da temática como deveria, minimamente, pelo menos não é do
10 Educação de Jovens e Adultos.
107
currículo de 91, da Pedagogia. Acho que, atualmente, tá mudando e
precisa mudar, né, porque senão... vai ser sempre o discurso de que
não foi preparado pra isso; então, a grade curricular, eu penso que
hoje já está em transformação e precisa mudar pra abranger cada vez
mais este aspecto, né, que faz parte da educação. Ainda tá como
Especial porque não tá... não é o todo da Educação, né?
E...e? [dirigindo-se à entrevistadora que acena, dizendo para ela
prosseguir] E aí eu comecei, então, no centro de avaliação e terapia
sem experiência, apontando isso, preocupada, né.... E li muitos livros,
fui construindo, aí, uma experiência de um atendimento
individualizado lá, depois com pequenos grupos de crianças, né, cujo
objetivo era a estimulação pedagógica, pra ajudá-los, mas... O que se
vislumbrava é que eles seriam inseridos na escola especial, não na
rede regular, né... E não tinha essa visão de inclusão que a gente tem
hoje. Então, o objetivo do trabalho é esse: trabalhar com as questões
de linguagem, de estímulos pedagógicos, com... o brincar, né, com as
possibilidades pra que a pessoa se desenvolvesse ao máximo, dentro
das suas potencialidades, dentro das suas características, e por aí
afora. Então, foi uma experiência inicial muito desafiadora, né, no...
ééé, começo... amedrontadora, porque é um desafio, diante do, do
novo. Então você desconhece, eu diria que sem muito...ahn... sem
muita ajuda, né. Na época das pessoas que estavam ali no Setor, no
sentido de orientação, de instruções mais específicas, haja vista que
sabiam da minha inexperiência, então, né... aos pouquinhos foi... fui
aprendendo... Com as famílias, com as crianças, né, com os livros,
com os colegas de trabalho, também, que aos pouquinhos também
foram se abrindo, porque foi uma situação meio... por um lado
desagradável, porque as duas pessoas que estavam eram contratadas,
então elas saíram, então ficou tido como: “ó, você tá vindo tomar o
meu lugar”, né, e elas tavam alguns dias acabando o contrato ainda,
pra depois sair; então... tivemos essa convivência, que procurei fazê-
la da melhor forma possível – cada um tem o seu espaço, né, , mas...
é... inicialmente, isso foi chato, também. E, daí... assim, a
108
trajetória...até chegar na Educação Especial foi essa. Depois disso,
né, fazem 12 anos, foi em 96, tá com 12 anos também, a gente falou de
12 anos, de pronto eu lembrei...de 96... é... estou trabalhando então,
atualmente, né, novamente, né...num setor que foi passando por uma
reformulação, por uma transição, e hoje tá com uma perspectiva
muito diferente da terapêutica, do clínico, do enfoque que era em 96,
né, com propostas de.... assessoria e de apoio e do atendimento
educacional especializado, é... né... com vistas à inclusão do aluno e à
efetiva aprendizagem e participação desse aluno, pra constituí-lo
como um sujeito... como um cidadão, é... aproveitando o máximo das
suas potencialidades... Enfim, um pouquinho... é isto... Não sei se eu...
(edu/ber-01b)
Berenice fala de um trabalho que não foi escolhido por ela própria. Fala de uma
determinação a ser cumprida... e que ela cumpriu. Enfatiza o não saber inicial e a sua busca
por estudar e aprender. Nomeia a experiência como desafiadora, amedrontadora. E indica a
maneira como enfrentou o desafio e o medo: aos pouquinhos. Aprendendo no convívio.
109
EDUCADORAS: BIBIANA
E – Bibiana, me fala do teu trabalho?
Bibiana – E... eu... Faz doze anos que eu tô na rede municipal,a...
fazem quatro anos que eu tô como coordenadora da escola de
crianças surdas, e, tá sendo assim, esse, no final do ano passado e
esse ano tá sendo bem difícil trabalhar nessa rede. Porque eles
queriam fechar a escola, então, é contra, não é contra, eu não
concordo como eles querem fazer a inclusão. Eu sei que a inclusão é
feita, ela pode ser feita e muito bem feita, mas do jeito que a rede tá
querendo fazer eu não concordo,né. Incluir e acabou e ponto. E não
ter um atendimento educacional especializado do porte que nós temos
lá na escola. Então eles querem acabar com tudo, queriam fechar a
escola pra abrir uma creche no lugar daquela escola, e fazer o
atendimento só como AEE, e mais nada. Só com duas horas por
semana pro aluno, e a gente tem uma procura muito grande, então
isso me deixou assim, bem arrasada na área profissional, é bem
chateada. Então foi um pega, isso daí.
E – E o teu trabalho no geral, ele consiste em quê?
Bibiana – No geral ele consiste assim, a gente tá trabalhando em
grupo com os professores...
E – Há doze anos que você trabalha né?
Bibiana – É, há doze anos. Faz dez anos que eu tô na educação
especial né mesmo, mas assim, consiste em tá orientando os pais, os
professores, discutindo o bem-estar do aluno,né, como que ele anda, a
parte pedagógica do aluno, cobrando os professores a parte
pedagógica deles, planejamento, como que eles tão trabalhando com
cada aluno. Tem alguns alunos que tem que ser trabalhados
individualmente, um pouco diferente dos outros, então tudo isso tem
que tá vendo e sabendo como que tá sendo trabalhado.
E – Você, antes de estar nessa função de coordenação, como era o
seu trabalho?
Bibiana – Eu trabalhava com, eu sempre peguei a turma de jardim,
que é a turma de cinco, quatro pra cinco anos.
110
E – Todos surdos?
Bibiana – Todos surdos. Então era super gostoso, porque era a minha
salinha, eram meus alunos, oito ou dez alunos, que tinha no máximo.
E eu trabalhava com eles, eu ensinava e via o crescimento de cada
um, eu via como eles entravam no começo, depois eu via no meio do
ano e no final do ano eu tinha um resultado assim bem grande do
conhecimento que tinham aprendido ali, a parte de coordenação
motora, a parte de conhecimentos gerais, de LIBRAS, tudo.
E – É, então me conta um pouco mais sobre isso. Você tá falando de
coordenação motora, LIBRAS, você não gostaria de detalhar um
pouco mais?
Bibiana – Ééé... na parte de...
E – Até porque essa era a parte que você gostava mais né?
Bibiana – É. Era. Eu tinha meus sete alunos que tinha problema de...
eram p.c., então esses p.c. tinham problema muito grave de
coordenação motora, então uns, eu tinha um aluno em si que ele era
pc do lado direito, ele nasceu, mas ele ainda não tinha associado o
braço esquerdo pra ser usado pra escrita. Então esse foi uma, um
trabalho bem grande com ele porque eu tive que ensinar ele que ele
tinha um lado que funcionava.( Ela não faz o trabalho para que ele
perceba. Toda a relação com o aluno parece passar, primeiro, pelo
corpo dela)
E – O lado direito, ele não... tinha coordenação?
Bibiana – O lado direito não funcionava, ele não tinha coordenação.
Então falava pra ele: “Esse lado...” ele falava pra mim que não
funcionava. Então, eu falei “Tudo bem, esse você apóia na mesa”,
que tinha que por o braço em cima da mesa, que ele tinha uma mão
perfeita (Introduz uma leitura do corpo como sendo um corpo perfeito
e que funciona. E, se não é assim percebido, como e o que funciona ou
não funciona, pode-se ensinar isso. A ausência dessa percepção tb
comparece associada ao não saber de si). Então eu tinha que ensinar
ele que ele tinha uma mão perfeita, que ele poderia escrever e
desenhar. E ele não tinha nenhuma coordenação motora com esse
lado esquerdo. (edu/bib-02a)
111
E – E como é que você fez isso?
Bibiana – Aí eu tive que correr atrás da psicóloga da escola, da t.o.,
ele teve que, da fisioterapeuta e da t.o. pra pegar algumas orientações
pra ver se eu estava trabalhando no caminho certo pra não
atrapalhar a parte psicológica do aluno né. Pra ele não sentir assim
“ué, eu tenho, eu não tenho, eu sou destro ou eu sou canhoto”, e nem
isso ele não sabia quem ele era. E nem, ele também não tinha noção
nem de quem ele era. O esquema corporal dele ele não desenhava
direito. Então eu tive que ensinar pra ele todo esquema corporal, mas
aí não fui eu, foi a psicóloga, a professora de educação física, a t.o.,
aí nós trabalhamos as quatro juntas, e com a orientação da t.o. eu
conseguimos mostrar pra ele que ele tinha o braço esquerdo que
funcionava perfeitamente. E que o direito, que ele não tinha
coordenação motora pra, ele podia usar como um apoio pra pegar
uma folha, pra pegar um caderno, pra segurar alguma coisa que ele
poderia usar esse braço pra segurar, e não deixar largado. Ele
deixava literalmente largado o braço, como se não existisse aquele
braço (Faz o gesto com o próprio braço). (edu/bib-02b)
E – E como foi isso pra ele?
Bibiana – Foi gostoso. Quando ele aprendeu a... a gente percebe pelo
desenho dele, quando ele aprendeu ele via que ele tinha dois braços.
Punha no desenho (Mostra falando que a criança tem uma percepção
de si) dois braços na mesma posição. A gente descobriu que ele já
tinha ligado que ele tinha dois braços, um que não funcionava e outro
que funcionava (Verbo funcionar para o braço largado e o garoto liga).
Mas ele tem até hoje, ele ficou com problema de coordenação motora.
Ainda a letra dele ainda não é perfeita, mas ele já escreve, ele usa
bem a mão direita e esse braço, é, a mão esquerda, e o braço direito
ele já não deixa mais largado.
E – E considerando que ele é surdo, como é que ele, ele se... como é
que vocês trabalharam a questão dele se relacionar com a língua de
sinais?
112
Bibiana – No, no começo foi difícil, porque ele, no início a
coordenação motora dele era difícil, porque ele não conseguia fazer
sinal com a mão, ele olhava para aquela mão e não conseguia é, fazer
os sinais com aquela única mão. Aí, eu, a gente teve que ensinar ele
que ele podia usar a outra como apoio, porque a outra levantava, não
abria os dedos mas então ele conseguia fazer o sinal usando mais
uma mão.
E – A-ham! Então, ele sinaliza como os outros.
Bibiana – Como os outros, normal.
E - Ele ainda é seu aluno?
Bibiana – Não. Agora ele já tá na quarta série e... mas ele vai lá pra
fazer o atendimento no contra turno lá na escola, então eu ainda
tenho esse acompanhamento dele ainda por esse atendimento.
E – Você sempre trabalhou no mesmo lugar?
Bibiana – Sim. Faz dez anos que eu trabalho na mesma escola, com a
mesma turma.
E – Então o que você aprendeu na faculdade com relação à
deficiência auditiva é o que você desenvolveu nesse lugar em que você
trabalha?
Bibiana – Nem tudo, porque na faculdade não ensina tudo não. Eu saí
da faculdade achando que eu sabia trabalhar com surdos e quando eu
peguei um surdo mesmo eu não soube trabalhar com ele. Essa equipe
dessa escola, que tinha professores mais antigos e que já trabalhava
há muitos anos foi me ensinando como trabalhar com surdos. Eu
tinha muita parte teórica que a faculdade ensina, mas na hora da
prática não batia. Então eu tive que me socorrer com esses
professores que trabalhavam já há muito tempo, cursos, eu fui
fazendo curso de LIBRAS, é, congressos, eu fui participando. Aí eu fui
aprendendo como trabalhar com essas crianças. (edu/bib-06a)
E – E como é esse trabalho? Esse trabalho que você aprendeu?
Bibiana – É gostoso, porque cada vez que eu aprendia uma coisa
nova: “Olha, você trabalha, com o surdo você aprende no visual”,
113
então como é que é, “Ah, mas como eu vou trabalhar com o visual?”,
então é você adaptar o material que vem na..., que você tem no dia a
dia, os teus alunos normais, escola de rede normal. Você pegar
aquele material, um texto, transformar ele, estudar ele, ver como você
vai poder interpretar esse texto na língua de sinais, você vai dar uma
interpretação como uma outra língua, você preparar esse texto em
sinais, que vai da outra... que vai... que é uma interpretação como
uma outra língua, você preparar esse texto em sinais, explicar pra
esse aluno, ensinar o vocabulário, as palavras novas que ele tá
conhecendo, em sinais, através de figuras, pra ele poder associar a
figura com o sinal pra depois com a escrita, é muito gostoso. Quando
você vê que ele consegue fazer essas três etapas. Ele tem o sinal,
depois ele tem a figura, e depois tem a palavra. Então, e essa palavra
depois ele pode por, ele vai reconhecendo em outro texto, em outro
lugar. Então isso aí é muito gostoso fazer com eles. Mas é difícil, não
é tão fácil como ensinar um ouvinte. Que o ouvinte você dá a palavra
e dá a figura, e fala “Isso aqui é uma casa”, e a palavra casa, e aqui
é o desenho da casa. Então você viu o desenho da casa, viu o desenho
da escrita, ela decorou e já sabe o que é. O surdo não, ela tem que ver
o desenho, ela tem que digitar a palavra pra ele e você tem que falar,
mostrar o sinal da casa pra ele pra ele compreender que aquilo lá é
uma casa, e poder saber que é uma casa. (edu/bib-06b)
E – Você fala digitar, é...
Bibiana – È, alfabeto manual.
E – E sinal também faz parte da...
Bibiana – [simultâneo] Faz parte da Língua Brasileira de Sinais
E – ... língua?
E – Tá. Então você tá dizendo que é mais complexo?
Bibiana – É mais, bem mais complexo.
E – Mas é mais gostoso...
Bibiana – É mais gostoso. Eu acho.
E – Então você gosta do seu trabalho...
Bibiana – Eu gosto.
114
E – ... como professora?
E – E como coordenadora?
Bibiana – Também.
E – Você tem enfrentado algumas dificuldades...
Bibiana – Tenho muitas dificuldades, mas por um lado também tá
sendo gostoso. Por um lado é ruim, é lógico que tem horas que afeta o
seu pessoal, aí eu tenho que dar uma parada, ou eu vou embora pra
casa ou eu falto no outro dia pra eu poder separar o pessoal do
profissional, pra que eu não fique com bronca dos outros que tão me
azucrinando naquele momento. Né, mas aí eu dou uma pausa, respiro
e continuo com meu trabalho, porque essa é a minha carreira, essa é
a minha profissão, que eu escolhi. Então eu tenho que separar o
profissional do lado pessoal. E também não guardar mágoa das
pessoas que tão me ofendendo, no lado pessoal. E nem prejudicar o
lado profissional. Então eu tenho que ter esse jogo bem, eu tenho que
ter esse esquema bem separado pra não ter nada de, de mágoa, de
bronca, “eu não vou falar com aquele profissional porque eu tô com
bronca dele”, se eu tenho que passar uma ordem, passar algum
recado, que ele precisa de alguma coisa, eu tenho que tá numa boa
com ele, então tem que separar a hora do confronto pra depois na
hora tem que, dali dez, quinze minutos eu vou ter que ir lá e falar
alguma coisa, pedir alguma coisa e não tenho que levar isso pro
outro lado
Bibiana começa falando do tempo em que trabalha na rede de ensino e, em seguida,
das dificuldades, associadas à inclusão, situação recente. Explicita a existência de um eles (a
Secretaria) e um eu (ou nós), os quais opõe. Quando Bibiana menciona o atendimento
educacional especializado por sua sigla, AEE, parece dar por certo o conhecimento da
entrevistadora a respeito disso. Esse fato, por sua vez, marca e é marcado por um modo de
relação entre as duas que supõe um conhecimento compartilhado. Chama a atenção Bibiana se
valer de forma tão frequente, em sua fala, à locução verbal tem que ... Mais eloquente é,
entretanto, seu modo de se colocar na cena com o aluno com uma paralisia no braço. Ao
ensiná-lo, diz que tinha que ensiná-lo sobre o que acontecia no corpo dele. E era assim que
tinha que ensinar que ele tinha uma mão perfeita. E, mais, era necessário ensiná-lo quem ele
115
era, coisa que a criança também não sabia. Logo na sequência, ao ser perguntada sobre como
teria sido o processo para o aluno, ela o qualifica (o processo) de gostoso. Todos esses
elementos, somados ao fato de que, enquanto contava a situação, a entrevistada movimentava
o seu próprio braço como se fosse o da criança, sugerem que o aspecto prazeroso encontrado
na tarefa de ensinar a alguém tantas coisas vitais pode também ser relativo a si própria, ao
retorno do trabalho que fez...
Bibiana constrói uma cena discursiva de separação/ligação de lados opostos, tanto em
relação à criança que menciona, como um trabalho que desenvolveu e ainda acompanha,
quanto em relação à atual função que desempenha, de coordenadora. Ela se representa como
quem promove a ligação entre lados opostos, funcionais ou não, mas que podem trabalhar
melhor, se associados. Também ressalta ser capaz de entender melhor quem, no passado, lhe
dava ordens. E atribui a pressão e aos nãos à Secretaria, instância teoricamente impessoal, de
quem proviriam as determinações que desagradam e com as quais ela não concorda, como já
havia anunciado, no início de sua fala.
116
EDUCADORES: CASSANDRA
E – ... eu gostaria que você me falasse livremente sobre o seu trabalho
com pessoas com deficiência, e fique à vontade pra isso.
Eventualmente, se precisar, eu posso fazer alguma pergunta.
Cassandra – Eu trabalho com educação especial já há vinte e cinco
anos, e todo o processo, éee, que a gente tem de, de inclusão, a
princípio era a classe especial ne, a escola especial, a classe especial,
e o, o processo que a gente chamava de integração, que hoje tem até
um, É hoje é um conceito diferenciado. Mas na época a gente
chamava de integração, porque a gente preparava o aluno para a a
inclusão. E Hoje a gente já tem a inclusão direto né. Ann, Atualmente
eu trabalho no muni... Na, na rede, ele ta tendo inclusão direta, as
crianças de creche, pras EMEI e pros, e depois pro, pras EMEF, num
processo de inclusão via direta), com os atendimentos especializados.
Tem alguns benefícios, algumas crianças são extremamente
beneficiadas, e outras crianças que tem mais dificuldades,
dificuldades maiores estão com, tendo mais problemas, porque eles
não conseguem alfabetizar. Quem alfabetiza? É o professor da classe
ou o professor especializado? Então, essas crianças que não
conseguem são conseqüência, é o ponto negativo que eu to vendo
atualmente no meu trabalho. Do resto é assim, éee, há muitas, muitas
coisas boas, alunos que já estão em faculdade, os alunos que tiveram,
alunos que foram bem sucedidos, casados e com filhos, bem sucedidos
profissionalmente. Eee, acredito que essa, esse processo atual, que a
gente vai ter que, essa retorno que vai ter daqui uns cinco, dez anos, a
gente vai poder avaliar como que foi o processo. Mas o processo
inicial, de há vinte, vinte e cinco anos atrás, eu acredito que foi bem
mais, suce... bem sucedido. Porque havia um trabalho mais com
família, hoje eu vejo a educação muito mais problemática, muito mais
difícil. De uma forma geral, a educação, éee, isso em geral, até
porque as nossas vidas como pessoa, é... a gente não ... Então aí, fica
muito mais, éee, nas mãos dos educadores, e aí vem as cobranças.
Então (há menos) cooperação da família, (2:35) educação especial,
117
você cobra, cobra a família, por assim, um simples exame
oftalmológico, exame de rotina que não acontece. Éee, de você ta
solicitando, de você ta exigindo, ao mesmo tempo, não adianta. Ficou
parecendo que então.
E – ... então você podia falar um pouco mais desses dois trabalhos
que você fala? Porque você falou mais do teu trabalho como
professora de sala no Estado.
Cassandra – Essa profissão é que é meu trabalho, no Estado e na
Prefeitura, a Prefeitura também já está terminando com as especiais.
Os alunos estão SENDO [3:53] PRA inclusão, tem poucas classes
especiais, tô segurando com, com os dentes alguns alunos que você
sabe que não tem condições, Alex, Joana, você não chegou a
conhecer? é, ou você conheceu? Mauro? Né. Esse ainda, Valter, então
esses ainda Tão tentando manter na classe especial. Os demais já
estão todos de inclusão. Capitu, eu tô aceitando porque a Capitu não
tem condições, era pra ela ter ido pra uma quinta série esse ano.
Quem vai pra inclusão esse ano que eu briguei muito pra não ir, que
vão, pra não ir pra quinta série, são a Emília e o Marilson, diabético
lembra, eu acho extremamente imaturos, eles vão sofrer, eles vão
sofrer MUITO, apesar de serem LEVES [4:36]. Mas a professora
achou que, que eles não passaram pelo processo de inclusão. Eles
tavam na Classe especial, é outra coisa que eu tenho brigado, sai da
classe especial, vai um ano pelo menos pra qua... pra quarta série de
inclusão. Pra vivenciar essa coisa de, DE regras, de tá numa sala
grande, de tá com professor que vai tá passando, porque eles tem
intérprete, na, na Prefeitura agora eles, a assessoria externa A
contratou intérprete... (edu/cas-06)
E – Me fala um pouco mais do seu trabalho...
Cassandra – Então, meu trabalho é isso. Eu cuido mais da parte
pedagógica né, da, da, do apoio realmente pedagógico do aluno no
processo de inclusão, é, aaa, nas dificuldades específicas, nas
dificuldades específicas que ele tem, pedagógicas. Éee, na Prefeitura
118
a gente tava fazendo esse trabalho, ahn, específico, é, no contraturno
e não tínhamos ooo contato com o professor de, de sala comum.
ANN, No Estado eu tenho contato maior e já, e, e sei as dificuldades
até disciplinares, né, então [15:00]. é muito legal isso, porque se você
tem contato com uma, uma pessoa que tá com eles em sala de
inclusão, FORA DE [15:10] sala de inclusão, eu consigo chegar mais
perto e a questão da confiança. A questão da confiança mesmo. Ann,
a, Nós tivemos problemas sérios de disciplina, e um dos alunos do ano
passado, esse ano foi, se encontrava na Fundação CASA. E isso foi
muito bom porque deu pra fazer um trabalho com os outros colegas.
Porque ele estava lá? O Valter, que era filho adotivo, que os pais são
intérpretes, que deu problema na , na escola Z,, com a Lídia, deu
problema na escola X com, NÃO LEMBRO DE COR QUEM TÁ
LÁ,[15:55] EU NÃO SEI COM QUEM ELE DEU PROBLEMA
TAMBÉM, e tal e os pais são intérpretes e adotaram dois surdos. E o
ano passado ele tava, no retrasado, não, no ano retrasado ele tava na
classe especial, e desa...
[interrupção no gravador] (edu/cas-11)
Cassandra – eu acho que o nosso trabalho na educação especial
envolve muito mais o lado profissional, porque você acaba se
envolvendo, [00:05] você a acaba se envolvendo, E aí dá pra fazer as
interferencias com os alunos. E foi muito, é produtivo esse lado,
porque, a questão da confiança, e deu pra, pra, questão de orientar
mesmo, né. É, eu tenho um, um aluno, o Gilson, lembra do ZONIBUS
[0:25], enorme, grandão, que eu, é o meu bebê? Eu tenho dois bebês,
o Webster – Webster, lembra? carequinha? Tá enorme, gigante; e o
Gilson também tá gigante. E o Gilson, éee, eu acho, até pedi pra
família encaminhar, que ele tem todas as características de autismo.
Aquela fissura por ônibus, aquelas, umas coisas, ele sabe todas as
linha de ônibus, mas ele é, É um autista mais leve, ele tem a questão
da comunicação e ele me respeita muito. Que que ele andou fa...
chegou lá na, na, na inclusão, porque ele não passou pelo processo de
inclusão na, no ensino fundamental I, quando ele chegou no
119
fundamental II no processo de inclusão, ele começou a ver as coisas
negativas pra fazer. Por exemplo, Um exemplo muito claro, passar a
mão nas meninas. Que Ele viu os meninos fazendo isso e começou a
fazer também. Então, éee, é como experiências boas, eles cresceram,
deu pra interferir, né, o que é certo, o que é errado, então esse
processo da, da inclusão que eu falo, é extremamente importante por
isso. Ele não tem parâmetro de certo e de errado, sem contar que o
limite, a comunicação é muito restrita. A família não sente [1:50]
nada, a família não sabe como conversar, não consegue conversar.
(edu/cas-12)
E – ok. Você gostaria de contar mais alguma coisa?
Cassandra – Éee, eu acho que a gente, (9:23), na profissão né, que eu
abracei, éee, como eu acabei de falar, cada dia é um dia diferente, e
isso é muito gratificante, porque a gente cresce muito, a gente não
deixa, não, nunca tá, é, estagnado. Não só pedagogicamente falando,
porque você tem que estar sempre atualizada em termos de cultura,
mas em termos de cultura e é uma coisa que eu não quero deixar de
trabalhar, educação especial eu quero continuar fazendo até enquanto
eu tiver condições. Porque é bem desgastante.
E – muito desgastante.
Cassandra – mas vale a pena. (edu/cas-16)
120
TERAPEUTAS: CIBELE
E – Eu gostaria que você me falasse sobre seu trabalho...
Cibele – Meu trabalho...
E – Com pessoas com deficiência.
Cibele – Então, eu já fiz muitos tipos de trabalhos nessa área né. Eu
trabalho com deficiência há cerca de, uns dezessete, vinte anos, então
eu já trabalhei muito com psicodiagnóstico né, dentro de uma escola
especial fazendo psicodiagnóstico pra encaminhamento, pra ver se a
criança tinha realmente, naquele tempo, se a criança tinha o perfil
pra escola e não se a escola tinha o perfil pra criança. Fui pro centro
de avaliação e terapia, fiz trabalho com grupos de pais, é, fiz
trabalhos com, é, também de avaliação de psicodiagnóstico, também
fiz trabalhos em estimulação precoce. Tudo isso, não sei se você
lembra, é óbvio que você lembra...
E - Uma parte.
Cibele – É, tudo dentro da Secretaria da Educação. Há cerca de dois,
três anos mais ou menos, a Secretaria tem modificado um pouco a
linha de trabalho. Ela achou, com toda razão, que o trabalho que a
gente desenvolvia, era um trabalho meramente clínico e quem tinha
que desenvolver esse tipo de trabalho seria a Secretaria da Saúde né,
então o trabalho que existia em termos de atendimento, em
estimulação precoce, que era bem na linha clínica mesmo, então esse
tipo de trabalho acabou, não existe mais né. Então hoje, o que
aconteceu, como foi extinto o centro de avaliação e terapia, a antiga
(unidade de terapia educacional), que trabalhava, que desenvolvia um
trabalho com crianças, entre aspas, consideradas deficientes mentais,
naquele tempo profundos né, eram deficientes graves que hoje a gente
sabe que através de pranchas de comunicação alternativa, hoje a
gente sabe que essas crianças são assim, limítrofes. A gente tem caso
até de criança que foi alfabetizada numa escola comum, aqui na
escola L, na, através é, bom, quem desenvolveu esse trabalho foi a
Mirtes. Depois numa outra hora eu te fale sobre isso, porque acho
que talvez agora não seja importante. O que aconteceu, quando esse
121
trabalho foi extinto pela secretaria, o pessoal que era da (unidade de
terapia educacional), o pessoal que era do centro de avaliação e
terapia, uma parte do pessoal que trabalhava na escola de educação
especial, no escola de educação especial e na escola de crianças
surdas, né, veio assim, houve a unificação desse grupo todo pra gente
desenvolver um trabalho agora na linha de educação inclusiva. Por
que? A escola, eu acho que você esteja sabendo, a escola especial
hoje, ela só existe porque existem cerca de duzentos, trezentos alunos
que não tem pra onde ser encaminhados com essa nova legislação da
educação inclusiva. Porque todas as crianças, elas tem que estar hoje
sendo atendidas pela rede regular de ensino. As crianças que a gente
conseguiu encaminhar de dois anos pra cá, né, que passaram pelo
centro de avaliação e terapia, que passaram pela (unidade de terapia
educacional), que estavam na escola, é, na escola de educação
especial, essas crianças então hoje estão todas nas escolas da rede de
ensino regular. As que a gente não conseguiu enquadrar, que são, que
não puderam nem ser enquadradas de primeira a quarta série, e nem
pro EJA, e como não existia uma opção de encaminhamento pra essas
crianças, então elas continuam sendo atendidas na escola especial,
somente essas crianças. São, se não me engano, adolescentes de
quatorze a dezesseis anos, por esse motivo. Eles estão aguardando
que seja realizado um trabalho, a Prefeitura está querendo fazer
parcerias entre as secretarias. A Educação tem que fazer o trabalho
dela pra educação, a saúde tem que fazer a parte dela voltada né, na
área em que ela se propõe a fazer. A mesma coisa acontecendo com a
Promoção Social e outras secretarias. Então eles estão aguardando
que a Promoção Social é, realize algum projeto no sentido de atender
essa população. Mesmo porque esses adolescentes já passaram pela,
por todo esse processo né, de escolarização da escola especial. Eles
já terminaram esse processo né. Enfim, é, como eu já havia dito
anteriormente, esse grupo né, que era desses quatro locais que eu já
citei, centro de avaliação e terapia, (unidade de terapia educacional),
escola de educação especial e, como é o nome da escola de crianças
surdas mesmo, que me deu um branco Ligia, que você trabalhou lá?
122
E - [fala o nome da escola]
Cibele - Sim, então hoje a gente trabalha dessa maneira, dentro da
Secretaria da Educação. Ao todo somos duas equipes, uma no período
da manhã e outra no período da tarde. Tanto no período da manhã
como no período da tarde existem seis equipes. Cada equipe conta
com, mais ou menos, algumas equipes não estão completas, outras
tem dois técnicos da mesma área, mas no geral elas estão
estruturadas dessa maneira: seis equipes por período né, em cada
equipe a gente tem uma assistente social, um psicólogo, um TO ou
fisio, e um fonoaudiólogo. Essa, esses grupos a gente tá dividido por
região no município, então cada grupo desse recebe uma quantidade
de escola pra dar assessoria. Em todos os aspectos, principalmente
pras crianças que estão em processo de, que entrar nesse processo de
inclusão né. Então a gente faz visita regular, eu tenho assim, cada
grupo tem cerca de vinte, vinte e cinco escolas pra assessorar. São
mais de uma centena de escolas que o município tem. Então a gente
realiza visitas pra essas escolas, faz um levantamento daquilo que as
escolas solicitam, daquilo que a gente percebe que as escolas têm
necessidade, de serem assim, orientadas. Às vezes a gente leva
algumas coisas que a gente percebe que tá faltando pra escola poder
melhorar o desenvolvimento do trabalho com as crianças né. E a
gente realiza esse tipo de trabalho, tanto com gestor, eu gosto muito,
e algumas pessoas tem um pouco de resistência. Eu gosto muito de
trabalhar com a escola toda, porque eu acho que todo aluno, é, é
responsabilidade de toda a escola, de cada funcionário da escola.
Tem gente que não gosta de trabalhar com merendeira, trabalhar com
administrativo. Então quando tem uma criança, eu gosto de fazer um
trabalho com, com todos os profissionais, orientando sobre o assunto,
esclarecendo dúvidas, explicando como eles podem tá auxiliando no
desenvolvimento do trabalho com essas crianças e assim a gente tem,
em alguns casos a gente tem visto assim, algumas, tem visto algumas
coisas muito bacanas em relação ao desenvolvimento dessas crianças.
Como tá sendo positivo. Assim, é, essa inclusão, eu não gosto dessa
palavra mas me foge alguma outra nesse momento. A inclusão dessas
123
crianças na escola, a importância delas tarem convivendo com
crianças da idade delas, independente do que cada uma pode fazer né
e como isso tem sido muito bacana. Tem mães que eram
completamente contra a inclusão dos filhos e que hoje elas são
completamente a favor. É óbvio que a gente tem tido algumas
dificuldades, tem alguns casos assim de, de algumas síndromes,
associadas com problemas psiquiátricos, alguns casos de autista, de
autismo, que às vezes têm dado assim, tem preocupada a gente um
pouco mais. Porque essa questão do comportamento, da
impossibilidade de ficar sentado né, da impossibilidade de prestar
atenção, é, é o que tem preocupado mais os professores dentro da
sala de aula. Eu acho que trabalhar com síndrome de Down,
trabalhar com uma síndrome meramente intelectual hoje é menos
complicado pro professor. A grande questão continua sendo o
comportamento dessas crianças. A gente é, tem encontrado, a maior
dificuldade que a gente percebe que as pessoas que trabalham com
essa criança tem sentido é no sentido de assim, como fazer pra fazer
essas crianças participarem das atividades. No início existe muita
resistência né, de muitos professores, de muito trio gestor, de muitos
funcionários de escola, mas...
E - Continua...
Cibele - Mas assim, e uma outra, a gente faz supervisão com uma
profissional de fora do município, né, e uma coisa que ela achou
muito legal foi que assim, a gente tava comentando o seguinte, depois
que a gente trabalha é, ai de novo fugiu a palavra, mas depois que a
gente trabalha com o medo da pessoa de trabalhar com o
desconhecido né, como as coisas facilitam né. Quando você dá a
segurança pro funcionário, que ele não tá sozinho, que a questão da
inclusão é da escola toda e não é só dele, porque tem professor que
acha que é só do professor que tá, que tem a criança na sala. E a
gente tenta sempre mostrar que não, hoje é do professor que tá na
sala, amanhã pode ser de um outro professor qualquer. E que
portanto a preocupação tem que ser de todo mundo, até porque ano
que vem, né, mesmo que não seja esse podem aparecer muitos outros
124
casos e a gente vai ter que aprender a trabalhar com isso. Então a
gente tem percebido que tem caído muito a resistência desses
professores, desses funcionários da escola quando a gente se coloca
do lado e diz que tá ali pra ajudar, e que a gente diz que eles podem
errar, que eles podem errar e que a gente tá aprendendo junto, que
isso tá começando a acontecer agora, que ninguém é um expert em
relação ao assunto, então que a gente vai ter que aprender errando.
Vamos fazer de tudo pra não errar, mas que a gente vai ter que
aprender, vai errar e vai ter que aprender em cima desses erros, mas
que a gente vai ter que buscar também né. Então quando o professor
vê que ele não precisa ser perfeito, que ele tem a possibilidade, ele
tem o direito, outra palavra aí, que ele pode errar, óbvio que sempre
tentando acertar, então a gente tem percebido que a gente tem
conseguido uma parceria muito legal. E o que é bacana por exemplo,
numa escola que eu assessoro, eu tenho uma criança com, síndrome
de, bastante comprometida, intelectual, o motor é menos
comprometido né, porque todos os outros aspectos muito
comprometidos, inclusive com questão psiquiátrica envolvida. Ela
não para um minuto, joga tudo no chão, e a gente, e a professora
extremamente resistente, até o dia que a gente sentou, até o dia que a
mostrou os resultados, porque as pessoas que trabalham com
deficientes, elas não conseguem perceber os resultados, porque elas
querem o mesmo resultado que elas conseguem com crianças, entre
aspas, consideradas normais. Então quando eles acham, quando eles
conseguem um resultado mas eles acham que o resultado é muito
pequeno, eles não conseguem, pra essas crianças que tem esse tipo de
dificuldade, eles costumam não dar muito valor. E a gente tem que, a
gente tenta mostrar pra eles que não é assim, que pra essas crianças o
ganho é muito grande né. Que o ganho é muito grande e que cada um
tem o seu momento mesmo, que as coisas vão acontecer e tem que ser
respeitado isso, e a gente tem conseguido parceria muito bacana, com
o (instituição externa M) que hoje faz, né, que hoje faz só atendimento
educacional especializado, não é mais considerado uma escola, então
a gente tem essa garota, ela é da instituição externa M e a gente tem
125
conseguido umas parcerias muito bacanas. O pessoal da instituição
externa M vem até a escola, o professor de Educação Física, a
professora, a pedagoga do instituição externa M, eles vêm pra escola,
da gente, que é a da rede regular de ensino, da Prefeitura, é óbvio
que depois a gente mantém esse contato né, a minha equipe já tem
esse vínculo com o instituição externa M né. Então eles vêm, fazem
uma oficina, porque os professores de Prefeitura, eles também tem
muito preconceito em elaborar, em construir material, eles querem
tudo pronto. E a gente levou a professora dessa garota em uma visita
até o instituição externa M. E lá ela constatou que todo o material que
existia eram confeccionados pelas próprias professoras com sucata.
Tamanhos diferentes né, maiores do que aquele que a gente encontra
em brinquedos comercialmente assim, que são vendidos em loja e tal.
E daí foi muito bacana, porque a gente pôs a escola em um dia de
parada pedagógica, eu não sei existe em todo lugar, não sei se é só no
município que tem, mas é um dia em que a escola para pra discutir
assuntos referentes à educação, e a gente conseguiu paralisar a
escola pra confeccionar esse material, um material pra todas as
crianças utilizarem. Que isso é um dos nossos objetivos, que todas as
crianças sejam tratadas da mesma maneira. Apesar de serem
diferentes né. E óbvio, tratada da mesma maneira dentro né, do que é
esperado que seja oferecido pra essa criança né, pra esse
adolescente. A gente tem tido resultados muito bacanas. Você quer um
outro exemplo?
E - Tá. E do ponto de vista da especificidade do trabalho como
psicóloga, o que nesse contexto você identifica? Porque você tá
fazendo uma diferenciação entre o tempo em que você trabalhava e
usava o psicodiagnóstico como um determinante, e até mesmo um
diagnóstico psicológico para os alunos e os professores. E agora você
tá dizendo que vocês não trabalham assim. Qual é a especificidade do
trabalho, se é que existe, do psicólogo?
Cibele - eles tão, a secretaria tentou fazer um, até, até mesmo pela,
por causa da, dos, por conta dos, das supervisões que a gente tá, a
126
gente tentou levar um pouco em consideração o modelo que era do
setor de assessoria escolar, né, assim, é óbvio que cada...
E - Explica um pouquinho isso.
Cibele - é óbvio que cada, que cada profissão tem a sua
especificidade, mas a gente, pela grande maioria do pessoal que
trabalha né, nesse projeto que eu tô te falando agora, por esse pessoal
já trabalhar há muito tempo junto e trabalhar há muito tempo com
escola, todo mundo já acaba conhecendo um pouquinho sobre
desenvolvimento psicomotor, psicólogo sabe disso né, sobre
desenvolvimento da fala né, então o que acontece? Todo mundo
deveria ir pra escola com o mesmo papel. De tá orientando nesse
sentido. É óbvio que quando a gente percebe uma coisa muito
específica de cada área, aí a gente encaminha. Esses dias eu peguei
uma criança que tava com problema pra andar. Daí eu acionei o
fisioterapeuta de um outro grupo, que o meu tá sem, pra fazer esse
trabalho comigo, de orientação aos pais, de orientação ao pessoal da
creche. A priori a gente tinha que fazer isso, algumas pessoas ainda
resistem né. Mas eu acho que o certo é por aí mesmo né, a gente tem
que tentar ir pra resolver tudo. Não deu, chama a pessoa daquela
área. Agora, óbvio que todo mundo quer psicólogo né.
E - Por quê?
Cibele - Porque tem muitas questões de comportamento, muitas
questões de aprendizagem assim, mas o que pega é que tem muitas
questões de comportamento, de desenvolvimento global da criança.
Então assim, a grande maioria das escolas, elas solicitam o trabalho
do psicólogo, porque elas acham que no trabalho de orientação com
os pais é mais fácil, eu não sei. Eu acho que elas talvez achem que o
psicólogo correspondam mais à necessidade delas. É óbvio porque
também o número desses deficientes físicos em geral não é muito
grande, em geral as crianças já passam por atendimento na
associação de reabilitação, ou em outros lugares particulares, então
a gente tem encontrado, a dificuldade maior mesmo é nessas questões
mesmo, de comportamento do aluno, de como interceder junto aos
pais. E a gente sempre tenta fazer o seguinte, antes de fazer qualquer
127
trabalho pela escola, a gente tenta dar, é, a minha equipe, a gente dar
instrumentos pro pessoal da escola fazer as intervenções né. Pra
gente tá sendo chamada só na hora em que a escola não conseguir
mesmo, senão a gente, eles chamam a gente até pra resolver questões
de higiene, tem criança que não toma banho. Então a gente, toda
orientação a gente costuma dar pros profissionais da escola, se tiver
que falar com o pai a gente dá toda orientação pras pessoas que vão
tá se dirigindo pra esses pais, pra tá informando sobre o que é
necessário falar, sobre o que seria bacana tá informando, orientando
os pais sobre a criança que tá lá. Até pra gente não ficar
sobrecarregado porque senão a gente não dá conta do trabalho que a
gente tem que fazer. Então a gente acha que o legal é instrumentalizar
o funcionário, o tri gestor, o professor, pra fazer esse trabalho. Aí a
gente só entra, e entra na orientação com funcionários, e só entra se o
trio gestor não conseguir fazer o trabalho, se por algum motivo não
tiver surtido efeito.
E - E o que costuma acontecer?
Cibele - Em que sentido?
E - Vocês entram, ou os trios gestores conseguem?
Cibele - Olha, a gente tem trio gestor que consegue, e a gente tem tri
gestor que não consegue, que não consegue fazer nada, e aliás eu não
sei o que tá fazendo na escola! E às vezes, o tri gestor, os três, né, eu
tenho uma escola que esse tri gestor é extremamente complicado, eles
queriam que a gente fosse lá pra conversar com o pai porque a filha
não tomava banho. Sabe, acho que uma escola não sabe resolver
essas questões, eu sinto muito né. Nesse caso o que eu fiz, eu pedi pra
eles entrarem em contato com o saneamento, não, como o, não é
saneamento básico, é, qual é aquele setor da Secretaria da Educação,
a Vigilância Sanitária, e sugerir que eles chamassem médicos pra
palestras e que poderiam falar sobre a importância da higiene, da
alimentação, da, então a gente trabalha muito nesse sentido né.
Agora, por exemplo, eu tenho o caso de uma criança com Síndrome
de Down, com um diagnóstico que eu considero inadequado, de
Síndrome de West, porque essa criança nunca teve uma convulsão na
128
escola né, e Síndrome de West tem convulsão né, porque o que mais
caracteriza a Síndrome de West são as várias convulsões que ela tem
por dia, vinte, trinta, quarenta né.
129
TERAPEUTAS: CLOTILDE
E – Bom, Clotilde, eu queria te pedir que você falasse livremente
sobre o teu trabalho, sobre a tua experiência de trabalho com pessoas
com deficiência.
Clotilde - Bom, minha experiência começou no município mesmo, que
foi quando eu entrei pra trabalhar com, na escola especial, com
deficiente auditivo, e aonde eu fui aprender um pouquinho sobre o
deficiente auditivo, até então não, nunca tinha trabalhado com
deficiência, nenhum tipo de deficiência. Passei lá uns seis anos, na de
crianças surdas, trabalhando com as crianças, eee depois, agora, com
o corpo técnico pedagógico na secretaria que a gente tem
basicamente um trabalho de apoio à inclusão. Então, dentro, o
objetivo primeiro seria a gente tá lidando com crianças com
deficiências incluídas na rede do município, apesar de que a gente
atende muitas outras ...). Hoje meu contato com os deficientes, assim
com a deficiência não é mais tão direto, é mais de orientação aos
professores da sala que tem essas crianças com deficiência dentro da
sala de aula. Então seria mais um trabalho de orientação com o
professor, com o trio gestor, com a escola eee, basicamente isso.
Hoje eu não lido só com deficientes auditivos, mas com todos os tipos
de deficiência na rede do município, dentro das escolas que eu
acompanho, vamos dizer assim. Basicamente é isso.
E - Você pode me contar um dia de trabalho seu, como era antes e
agora, como é?
Clotilde - Bom, antigamente, (risos da entrevistada) na escola de
crianças surdas, né, a gente tinha, tinha o setor de psicologia, ééé
aonde a gente acompanhava as crianças mais de perto. É, todo
acompanhamento, além de acompanhar a criança no desenvolvimento
escolar dela, a gente acompanhava muito a dinâmica familiar, toda
questão familiar junto da criança.
Clotilde - Eee, a gente tem muito esse trabalho conjunto, trabalho
conjunto com o professor de deficiência auditiva, o professor da sala,
ééé, a troca de figurinhas entre os profissionais né, as psicológicas,
130
fonoaudiólogas, assistente social, os pedagogos, ééé, de tá
conversando sobre a criança, de tá acompanhando a criança dentro
da sala de aula, de tá orientando, muitas vezes chamando a família,
acompanhando a família, fizemos trabalhos com os pais, muitos
grupos de pais Que era muito importante o, na época, né, eu achava
que era muito importante trabalhar a conscientização da deficiência
com a família, né, isso no meu ponto de vista fazia muita diferença,
quando a família realmente entendia o que que é a comunicação, a
importância da aceitação pra se desenvolver uma comunicação, eee,
e percebi bastante diferença. Algumas famílias foram muito legais, a
gente tá percebendo que muita coisa mudou em relação à vida dessa
criança, ééé, ver as crianças também saindo né, saindo da escola,
crescendo e como que as vidinhas delas foram se constituindo. Hoje o
trabalho, apesar de ser um trabalho de orientação, ele tá dentro, é um
trabalho, a orientação dele é bem diferente daquela, antigamente a
gente tinha vínculos, ((neste trecho da gravação há muito ruído
externo, impossibilitando a escuta)), estar dentro de uma escola,
todos os dias na mesma escola, e acompanhar aquelas crianças,
acompanhar o professor diariamente, a família, você tinha um vínculo
com aquilo, você tinha um vínculo com a escola, você tinha um
vínculo com a criança e você tinha um vínculo principalmente com a
família. A gente conseguia desenvolver um vínculo com essa família
aonde você podia buscar resultados mais legais. Hoje, é um trabalho
de orientação, umas das grandes dificuldades que eu sinto é a falta de
vínculo né, você vai numa escola por dia, mas você responde uma
criança, você vai lá ( ) uma dúvida que aquela escola tem, que aquela
gestão tem, é geralmente o que eu faço com essa criança. Porém você
não tem como acompanhar essa criança, você tá escutando o que um
professor tá falando, ééé, não julgando se tá certo ou errado, mas
você simplesmente escuta assim “ah não consigo, eu não sei o que
fazer com essa criança dentro da sala”. Mas a dificuldade que você
tem até de poder observar essa criança, até pra passar orientações
mais consistentes pra esse professor, de sentar junto com esse
professor e falar “vamos pensar nisso, vamos pensar naquilo, será
131
que desse jeito dá certo?”, nisso eu sinto muita dificuldade. Eu sinto
um trabalho assim mais vazio (A deficiência tem que estar presente
para o trabalho acontecer ), mais de, vou lá, falo ( )”tenta fazer isso,
tenta fazer aquilo, e daqui um mês eu volto e vamos ver no que deu”.
Então por mais que você, a escola te pede pra conversar com a
família, algumas vezes eu me propus a conversar com a família, mas
também você tá pegando uma família da qual você não tem vínculo (O
que é vínculo? Parece que é algo com o qual ela tem que estar
pessoalmente/diretamente envolvida), você tá vendo uma vez só, você
pode falar algumas coisas pra essa mãe, você passa alguns
encaminhamentos mas você não tem um acompanhamento daquela
criança. Você não continua acompanhando o, o desenrolar daquela
situação, né. Então eu acho que hoje, é por isso que eu digo, apesar
de ainda tá lidando com as crianças com deficiências ou com várias
deficiências, não só o deficiente auditivo, mas eu não consigo sentir
que eu faço parte muito de um contato mais direto com elas né, seria
mais “vamos ver o que a gente pode fazer”. Não tem um contato, não
tem um vínculo, você não cria um elo com aquela família (Queixa de
algo que ela não faz. Ela também não cria vínculo com os professores
que ela orienta), com aquela criança pra você passar umas
orientações mais legais, mais consistentes. (ter/clo-04)
E - Mas você mantém contato com professores, com crianças com
deficiência auditiva?
Clotilde - Auditiva não (Não tem vínculos com o que ela começou e
hoje é tudo diferente. Experiência original como referência). São
raros nas escolas que eu dou assessoria, agora foi matriculada uma
criança numa escola que eu dou assessoria. Elas estão concentradas
no município, eles continuaram concentrando as crianças na escola
X. Então os deficientes auditivos estão todos na X. São raros os que
estão em outras escolas.
E - então, esse trabalho que você faz nas escolas, esse trabalho é
individual, não é em equipe?
132
Clotilde - ele é em equipe. Na verdade são equipes formadas. A minha
equipe são três profissionais, eu psicóloga, tem o fonoaudiólogo e a
assistente social né.
E - e todos vieram da mesma escola que você?
Clotilde - não. A assistente social veio, ela de um outro setor, né, ela
fazia trabalho de creche e ela fazia também o grupo de apoio. O fono
ele veio da escola de crianças surdas mas ele tinha uma experiência
num trabalho anterior que era trabalho de creche, e eu que...
E - o que seria o trabalho de creche e grupo de apoio?
Clotilde - o trabalho de creche é, os profissionais vinham na creche
passar orientação. Então, por exemplo, o fono ia na creche, só que aí
eles davam palestras, ajudavam a tirar a chupeta, ou senão
trabalhavam com ( ) com os professores, e o grupo de apoio, foi com
o pessoal, do setor de apoio escolar que recebia os professores num
local pra troca de, um espaço de fala, de escuta, de angústia né, e
esse trabalho de ( ) foi até anterior ao grupo de apoio, mas que daí
assim, na minha equipe são esses três profissionais. Eu acho que cada
um tem características bem diferentes né, a assistente social não tem
o mesmo perfil de querer entrar na sala, apesar dela já ter falado
milhões de vezes que ela admira isso, e que é algo que ela gostaria de
fazer mas que ela não consegue, mas ela me apóia e acha muito legal,
ela fala “eu acho que você tem que ir mesmo”, ela falou que isso traz
uma outra visão pra equipe. Essa é a opinião dela que ela deu numa
outra vez, é, o fonoaudiólogo ele entrou pra equipe agora, ele não tem
nem um mês na equipe, não tem nem um mês nesse trabalho. Ele
ainda tá meio que tentando se achar onde ele tá, mas ele já foi
reconhecido em algumas creches, quando ele chegou o pessoal
lembrou dele, do que ele fazia, e meio o pessoal já veio ( ) um
pouquinho, “ah você vai fazer a mesma coisa?”. Mas na verdade não
é a mesma coisa, então assim, é, eu diria que se tornou uma coisa
muito mais impessoal né, então assim, tirando assim um pouco do
parâmetro do que ele contava, de que ele ia pra creche, ele
conversava com os professores, ele orientava de como tirar a chupeta,
ele orientava a questão de fala, hoje a gente tá se colocando muito
133
mais numa questão impessoal. Então às vezes parece que fica assim,
quanto menos contato você tiver melhor, assim, “fale com o gestor” e
acabou. (ter/clo-11c)
Então ( ) por um outro lado os professores se mostram muito sedentos
da nossa presença, então eles percebem que a gente tá na escola e
muitas vezes eles reclamam, “porque só com a direção que eles vão
conversar?” né, então agora se colocou assim uma outra perspectiva,
do quanto o técnico vai tá estando mais próximos dos professores de
creche, no que se chamaria de formação, uma formação mas que não
é bem uma formação. A gente ( ) levantando alguns temas de interesse
da creche, e a gente estaria indo, é, fazendo reuniões com esses
professores pra tá discutindo sobre determinados assuntos. Então isso
é um projeto que tá sendo feito, que tá sendo levantado, foi autorizado
a partir da própria chefia, que a priori queria uma formação com
certificação e tudo. Mas a gente colocou que não seria isso no
momento que eles estariam querendo, mesmo porque eles vem de
várias formações, ( )que eu tenho, e eles não querem formação. Eles
querem um espaço de troca, de orientação prática. Assim “eu tenho
uma criança que bate, o que eu faço com essa criança?”, eles não
querem que você chegue lá com um texto bonito, e vamos discutir o
texto. Então a gente tá levando o projeto pra essa direção. Não como
um espaço de apoio que os professores saiam da escola e iam atrás
dos profissionais, mas os profissionais vão atrás deles, vão entrar na
creche, vão entrar junto com eles e estar falando de ( ) alguns
assuntos específicos. Mas isso ( ) em andamento, tá sendo formulado
pra ser entregue pra chefia até o final do mês, pra que pelo menos no
primeiro semestre a gente já comece a tá botando em prática. Os
professores da creche adoraram isso, acharam muito legal, então ( )
como o professor sente falta, o professor, ele quer conversar com
você, o professor, ele quer ter contato com os técnicos. Até então se
colocava que quanto menos contato melhor. ( ) o gestor, você
conversa com o gestor, com a CP, com a coordenadora, e ela que
passa pro professor né, mas na hora que você senta com o professor
134
as questões são outras né. O gestor fala da criança X, o professor já
fala da angustia dele mesmo, fala “tá difícil, eu não sei o que eu
faço”, ele já vai acolher de outra forma né, que muitas vezes
simplesmente virar pro professor e falar “você tá certíssima, é isso
mesmo que você tem que fazer”, e você sente aquela cara de alívio,
tipo “ainda bem” né, aquela coisa de “que bom que eu não tô fazendo
nada errado”. Então existe muita angústia dos professores, e você
percebe que eles querem cinco minutos pra tá falando, não que a
gente ( ) nada disso, essa é uma troca de, em vez de falar o que eu
faço por ver o que alguém vai falar. Então é assim, na verdade eu vou
tendo como perspectiva de que o trabalho pode ir melhorando, de que
o trabalho vai ficando legal, de que o trabalho vai ficando menos
frustrante ou nada frustrante né, eu sinto muita falta de sentir que
você, de sentir que eu realmente consegui ajudar em alguma coisa. É,
( ) de utopia de achar que eu ( ). (ter/clo-11d)
(Foco na família que teria que seguir as orientações de uma equipe
técnica, saber profissional que nem sempre leva em conta o saber da
convivência com a deficiência que a família possui).
135
TERAPEUTAS: CORINA
E – Bom...o que... então... eu quero te pedir que você comente, conte,
ahn, o teu trabalho com pessoas com deficiência... considerando todo
o tempo que você tem trabalhado com a deficiência, pessoas com
deficiência, etc... Fique à vontade.
Corina – Tá... Então, quando eu comecei a trabalhar com as pessoas
com deficiência, eu não entendia de nada, por deficiência, não sabia
nem do termo, o que que era deficiência, quem eram essas pessoas, o
que faziam, né... eu venho, meu início de trabalho foi na saúde, depois
eu vim pra educação, então assim... sabia a nível de saúde o que que
era, né... trabalhar com uma pessoa com deficiência física, mas na
educação não... Então eu me sentia totalmente despreparada, e aí fui
chamada pra trabalhar na escola especial, aqui do município, né, na
escola, especificamente de crianças surdas... E eu um dia coloquei
pra diretora... “mas eu não sei me comunicar com as crianças surdas,
nunca trabalhei com criança com deficiência” e ela falou pra mim...
“ah, mas não precisa se preocupar, você vai trabalhar com os pais”
né... Como que eu dentro de um espaço escolar eu não vou me
encontrar com as crianças? Né? Tudo bem... Mesmo me sentindo
incapacitada para trabalhar... falei “Não, se estão me chamando é
porque tenho alguma coisa pra oferecer... então vamos lá” né, e
realmente eu me angustiei... quando eu cheguei na escola que vi
aquelas crianças correndo, e essa coisa de eu, me impediu de eu não
saber, eu achava que eu não sabia me comunicar, né, isso me dava
um impedimento de, de me aproximar das crianças, eu não conseguia
me aproximar das crianças... ai... “Como é que eu vou dizer isso?
Como é que eu vou dizer aquilo?” né, e aquela ansiedade muito
grande.
E aí começou a surgir ooo, os cursos de libras, né, a escola começou
já a promover e mesmo eu não sabendo de nada, eu como assistente
social fui a profissional que foi atrás do instrutor surdo... né,
acompanhada sempre com uma professora... que, que, que já sabia,
136
que tinha essa experiência de lidar com a pessoa surda, né, mas era o
meu trabalho e ela me ajudou. Eu fui atrás do instrutor surdo pra
gente dar o curso de língua de sinais... e eu também aprender o curso
de língua de sinais, então a primeira instrutora surda que a gente teve
lá na escola especial que eu aprendi... a língua de sinais... ela não me
ensinou só a língua de sinais, ela me ensinou muitas coisas a respeito
da pessoa surda... que eu não sabia, né, então assim foi muito bacana
da parte dela porque muitas coisas que eu pude fazer no meu
trabalho, lá, avaliando, observando as crianças surdas, foi uma... a
própria surda que me deu, né esses recursos pra eu, esses dados pra
minha observação. Então eu percebia quando a criança escorregava,
brincava eu comecei a ter outro olhar né, é aí que a gente entra
assim... a conhecer essa cultura... quem é esse... essa pessoa surda
como é que ele vê o mundo, como é que ele pensa, né... E aí
começou... e ai eu comecei a perceber, aprendendo também com essa
instrutora surda, que eu não precisava me preocupar... em saber
língua de sinais, né... eu comecei a perceber que eu tinha que ser eu...
acima de tudo, antes de ser o profissional que eu era e observar as
crianças... eu tinha que ser eu, e eu não estava sendo eu, estava
deixando ah, ah.. talvez uma barreira... um bloqueio tomar conta de
mim... em vez de eu... né. E aí nisso eu comecei a interagir, eu falei
“ah... sabe de uma coisa, as crianças vão começar a chegar e eu vou
ser eu”. Eu comecei a abraçar as crianças quando elas chegavam de
manhã, eu ia na sala de aula eu aponta... eu me senti criança, né,
(risos) eu apontava pras crianças, que aí elas davam sinal daquilo e
eu fui aprendendo com as crianças, foi na convivência, né. Então
assim, É, na verdade é uma troca...eu até como um profissional e
como adulto observava aquelas crianças... mas elas também tinham
algo pra me dar que eu não tinha... e até despertar em mim essa coisa
do ser eu... porque até então eu não havia olhado pra mim... né.
Quando eu percebi que eu tinha que ser eu... Corina... esquece... É, é
importante ser profissional? É, mas é importante você ser você, a sua
pessoa, né? E aí eu fui interagindo, né, com as crianças... aprendi
muito depois disso... comecei a fazer outros cursos de língua de
137
sinais, né, fui me aprimorando na língua... e depois fui fazer O, aaa
graduação em tradutora e intérprete de língua de sinais, né. E porque
que eu fui fazer esse curso? Porque na própria interação na escola
especial com surdos adultos, né... eu comecei a interagir com surdos
adultos... enfim, eu comecei com as crianças mas também com surdos
adultos... que a escola recebia, né, e fui me atendo das questões
sociais deles... da questão da organização, da falta de trabalho,
questões pessoais da vida deles que precisava de muita orientação,
né... como todos nos temos, né... muitos conselhos tal. E aí eu fui fazer
a graduação, porque eu queria entender da cultura do surdo, eu
queria entender da língua de sinais, eu queria conhecer pra poder,
junto com eles, intervir, né. Porque se a gente não... Não adianta eu ir
discutir numa câmara municipal com vereador, com secretário da
educação, com prefeito algo que eu não conheço, né? É... por mais
que eu tenha boa vontade eu tenho conhecer, e aí... até porque além
de conhecer quando eu vou, eu sempre levo um... uma pessoa surda
comigo... né, e eu é... acabo interpretando, dando a voz pra essa
pessoa surda, porque ela é capaz, né. O que ela precisa é só de
alguém que externalize essa voz... Éee... pra essa... pra esse
interlocutor.
Corina - Retomando, né... Então, então assim, eu fazia a graduação,
né em língua de sinais, é uma graduação de tradutor intérprete em
língua de sinais e português, né. Eu acabei focando mais até para
entender a língua de sinais e para o português, porque aonde eu vou,
no, nos trabalhos, nas lutas sociais, que eu vou, enfrentamento aí que
eu vou com as pessoas surdas, né, eu acabo dando a voz para os
surdos, então o meu compromisso com a pessoa surda de realmente
passar ao interlocutor o que realmente ele tá dizendo, então eu fui
mais pra... pra essa graduação não porque eu quero me tornar uma
intérprete, não é essa, esse o objetivo, foi mais pra conhecer, né, e aí
na graduação eu fiz muito trabalho, muito treinamento pra dar a voz,
que é uma das coisas mais difíceis que existe para o tradutor
intérprete é dar a voz para a pessoa surda, porque você precisa
138
conhecer profundamente aquela pessoa, quem é essa pessoa, de onde
ele vem, qual é a cultura dele, porque que ele está dizendo isso, né,
dentro de uma visão bem de Vygotsky, uma visão bem social, Bakhtin,
que é minha área de [risos] de trabalho, a minha fundamentação, né,
e aí eu estou até hoje... neste contato com os surdos adultos, eu
comecei a participar da associação de surdos desse município, né,
eles não tavam ainda... eles não eram uma entidade organizada, não
tinha espaço pra eles ficarem... e aí junto com um padre aqui do
município, né, éee... eu comecei a falar dessa preocupação com ele, a
gente arrumou um espaço primeiramente na igreja, depois a gente foi
pra um centro comunitário, E aí a gente regulamentou toda a
entidade... regulamentamos, hoje a entidade está funcionando, ainda
falta muita coisa, né, mas assim... foi, isso fazem, o que, dez anos já,
né, fazem dez anos, eu comecei a trabalhar na escola especial em
noventa e nove, fiquei lá seis anos e depois, é, vai fazer quase dez
anos que eu tô caminhando aqui com os surdos, né.
E hoje eu estou aqui numa luta social... dessa cidade, aaa...
associação, esse trabalho com surdos, acabou ficando um trabalho
evidente, né, porque aonde eu vou eu levo um surdo junto, é...eu quis
colocar a pessoa surda em evidência, não sou eu a port, não sou eu
falando por eles, são eles falando o que eles pensam, né. Há uma
discussão muito grande, é... de que as pessoas ouvintes acabam, ééé,
dando a opinião delas falando pelo outro. “Ah, mas isso não é
pensamento dos surdos, é você que está falando sobre isso”, então até
pra descartar, eu me preocupo muito em zelar por isso, por causa
mesmo das pessoas surdas, também por minha causa também, eu
sempre levo pessoa surda comigo, né, "Então, é ele que fala, não sou
eu.”, né. E aí é assim, a gente, Nós começamos em dois mil e cinco,
nós fizemos um trabalho antes de sair do decreto, antes do Presidente
Lula assinar o Decreto 5626/05, que é o decreto que determina o
ensino da língua de sinais desde a educação infantil à universidade,
né, antes de ele começar, nós fizemos um trabalho voluntário na
Secretaria de Educação levando libras pras crianças surdas e
139
ouvintes, primeiro foi um trabalho de socialização, nós pegamos as
crianças surdas, que estavam lá no cantinho na sala de aula, né, com
o instrutor surdo adulto e levamos para o pátio da escola, onde esse
instrutor surdo adulto também colocava em evidência as crianças e as
crianças começaram a interagir com as outras crianças ouvintes
ensinando os sinais, o que eles sabiam também, né. Então, esse foi um
projeto pioneiro aqui na secretaria antes de existir o decreto, então
foi depois disso foi que começou, foi que teve, o Presidente Lula
assinou o decreto, né.
E aí a associação Começou... os surdos começaram a ficar sem...
sendo conhecidos. Um dos surdos se candidatou aaa, ao orçamento
participativo Né, a gente conseguiu reunir várias pessoas, ele foi,
entre trinta candidatos, ele foi o quarto mais votado, né, como... é...
como que chama do orçamento participativo? Delegado do
orçamento participativo, ficou esses dois anos no orçamento
participativo, íamos em reunião, eu ia junto com ele, abria discussões,
né. Então o movimento surdo no município, hoje, a língua de sinais,
ela é uma referência, né, sempre quando se fala em língua de sinais,
chama Corina, mas não porque... mas por causa da entidade, do
trabalho, né, não é a Corina pessoa só, é o trabalho que a gente vem
desenvolvendo com os surdos.
(...)
Corina – Né, depois eu fui para a escola de surdos, então ficou
focado, até porque a escola, naquela época, ela tinha como critério só
atender surdos com perdas profundas, A, às vezes nem atendia surdos
que vinham com outras deficiências associadas, não atendia, existia
critérios, né. E acabei me focando, só que assim, nas formações que a
gente acaba participando, né, de pessoas com deficiência em geral,
claro que a gente aprende um monte de coisa, dah, éé, sobre as
pessoas com deficiência intelectual, deficientes físico, que tem coisa
que específica que é bom para todo mundo, independente de ter
deficiência, né. Agora hoje, eu já estou mais voltada Pra todos, hoje o
meu trabalho, né. Eu acho, assim, que esse trabalho dos surdos é um
140
trabalho muito pontual por causa da língua de sinais, né, é, tem aí
uma, uma questão toda por trás da, Da pessoa surda, que é essa
questão da aquisição de linguagem mesmo, né, o impedimento de
ouvir, de, de não conseguir, não é instantâneo como a gente, Né isso
já entra aqui e você já, já visualiza aquilo, né. O processo de
linguagem é diferente, até li um livro, é, não lembro da autora, que
tinha uma frase lá de Helen Keller, que ela fala assim, éé, que ela era
cega e surda, né, A, uma das piores deficiências é não ouvir, isso eu
não sei quantos anos atrás ela disse isso, porque tornava ela
dependente do pensamento do outro. Então eu sempre fiquei
preocupada com isso, olha, Como é complicado você ficar dependente
de que o outro pense por você e diga pra você, então eu, eu ficava
Sempre pensando nessa relação, poxa vida, a pessoa surda, como ela
não ouve, ela não sabe o que está acontecendo, então eu tenho que
dizer pra ela o que o outro está dizendo para depois ela elaborar um
pensamento. Eu achei, eu acho até ainda o hoje isso muito
complicado, né, e aí por isso que eu me foquei mais nessa área e, E na
questão da interpretação. E também porque muitas vezes ele não tem
pessoas aí, suficientes, que dominam aa... oralizar para eles, falar
Também o que eles estão pensando, essa é uma carência que tem no
país, os intérpretes faz...é... Fazem muita interpretação do português
para a língua de sinais, mas na hora de dar a voz para o surdo, dizer
o que esse sujeito está falando, não é todo mundo que tem essa
habilidade, né. Precisa conhecer muito quem é esse sujeito.
141
TERAPEUTAS: ENEIDA
E – Bom...
Eneida – Hum...
E – É... é o seguinte: o que eu queria pedir pra você é que você me
contasse sobre o seu trabalho, considerando a experiência que você
tem de trabalho com pessoas com deficiência.
Eneida – Hum!?!
E - O que você já fez, o que você tem feito...
Eneida – Deficiência, você fala física, mental...
E – Se você acha que dev...
Eneida – Defici... é... por quê? Porque é assim: eu comecei, na
verdade, por um acaso. Na associação de reabilitação, mil novecen...
ahn, mil novecentos e noventa, por aí. Eu marco muito pelo
nascimento do meu filho; ele tinha uns três, quatro anos... então foi...
por aí. Comecinho dos anos noventa, oitenta e nove... Lá na
associação de reabilitação, fazendo uuu... ma especialização, lá, né,
pra psicologia do deficiente. Aí eu fui lá. É... fiquei com muito medo,
de início, porque era uma coisa que eu nunca tinha visto, eu era muito
jovem, ainda, né, nunca tinha trabalhado. Me formei, não fui
trabalhar... tinha uns três anos de formação, aí, três, quatro. E... aí fiz
o curso, aí conheci as deficiências, né... pc 11, lesão me...
me...medular, ééé... síndromes, ééé... problemas de coluna, de modo
geral, acidentes, a...aci...acidentados... Porque a associação de
reabilitação tem um perfil muito deficiente físico, né? Então, aí eu
conheci muitas deficiências físicas, né, espinha bífida, né, uma séria
de coisas assim. Outras coisas, bem absurdas, que são raríssimas, né.
Então, deficiências desde a mais leve até aquela ultra severa que a
pessoa não faz nada mais na vida e se compromete toda, né. Eéé... e
aí, fiz o...a...o curso lá, com neuros, fisiatras, psiquiatras, psicólogos,
serviço social, enfim, tudo. Foi uma experiência muito rica; no
começo me assustou muito, pensei em sair... e fui... fui ficando.
11 PC: sigla usualmente usada para se referir a quadros de paralisia cerebral.
142
Esseee... trabalho, lá, esse curso durou... ahn... um ano e dois meses,
alguma coisa assim, né, e... e eu fiquei lá. Na ocasião, tinha
possibilidade de uma efetivação, eu fiz a prova, fui aprovada, tudo,
tal, pensava em ficar lá, na associação de reabilitação de São Paulo,
lá, nem existia a deste município, nada. Mas aí aconteceram
problemas... pessoais... e eu não pude ficar. Aí vim pra este
município, retornei pra cá... fui trabalhar na... na... clínica de
especialistas, que é... multi, policlínica, né... Atendia, lá, psicologia e
o convencional de consultório. Aí, fui prá Prefeitura, trabalhando lá
no antigo... é... unidade de terapia educacional [menciona a sigla],
né? Mas, assim, nunca... perdi o foco, nunca perdi aquele olhar do
deficiente físico, mental... já tinha uma... uma empatia, uma
identificação, ali, né? Gostava muito da...daquelas crianças, entendia
um pouco, né, dos quadros, porque eu era muito aplicada, muito
estudiosa, na associação de reabilitação, lá exigia muito isso; é um
padrão de formação excelente, exigia muito isso. Né. E... eu me
interessava, tal, né. E aí pedi pra ir pro centro de avaliação e
terapia, que era, né, do diagnóstico precoce, né? [Fala o nome do
Centro], como é que é... [soletra a sigla, enfatizando cada palavra].
Né? [corrige uma palavra que falou a mais, na sigla] E aí pedia pra
ir pra lá. E me prometiam isso. (ter/ene-01a)
Aí, teve aquelas mudanças de prefeitura, tal, e eu saí, porque eu tinha
contrato, na época... Logo em seguida teve o concurso, né, que a
gente fez, onde a gente se conheceu, e... eu querendo ir pro centro de
avaliação e terapia, né... no final, acabei sendo direcionada prá
unidade de terapia educacional [fala e explica a sigla]. “Por quê?”,
“Ah, Eneida, porque você já conhece o esquema da prefeitura, tal...
você já esteve aqui conosco... lá é uma área difícil, poucas pessoas
aceitam ficar lá, tal... Fica lá, cobre lá, depois você escolhe
melhor...”, né? Eu fui, meio relutante, porque... o que... o que a gente
sabia, né, que o pessoal falava, é que a unidade era um depósito
daqueles deficientes muito severos, já numa idade de adolescentes,
num quadro... quase que terminal. “Fica lá; fazendo alguma coisa”,
143
né...? Ahn... o que ocorria era isso, com relação à unidade de terapia
educacional. E eu falei: “meu Deus, eu vou ficar lá fazendo o quê?”,
né? Ééé... bom, mas fui! Né. Com a promessa de, mais tarde, ir pro
centro de avaliação e terapia. E aí, estando lá, conhecendo, então,
aqueles adolescentes – porque eram crianças a partir de sete anos,
porque de zero a sete, centro de avaliação e terapia. Né, pra...
avaliação, com diagnóstico precoce e terapia. De sete anos, de um
tempinho em diante, era unidade de terapia educacional. E acabou,
só tinha isso. E escola especial, pros quadros de deficiência mental –
não tinha o... o físico, né – desde que fosse uma deficiência não muito
avançada, por conta do pedagógico, e tudo mais, que tinha lá na
educação especial. Então, esse pedacinho, aí, não sabia o que fazer,
então, tinha lá a unidade de terapia educacional. E aí eu fui pra lá.
Então, eles eram sempre... [interrompe, brevemente, para fazer um
comentário sobre o barulho na rua]. E aí... fui pra lá. Então, eram
crianças, mesmo, de sete... poucas de sete; nove, dez anos em diante...
e adolescentes, até mais ou menos seus vinte, vinte e um anos, né. Que
eram atendidos lá. Aí já tinha, lá, os remanescentes da... da
administração anterior... e a gente retomando, agora com concurso e
tudo o mais. Era o quê? Era uma sala – você chegou a conhecer isso,
né? – era basicamente isso: uma sala grandona, com uma ou duas
mesas redondas, ovais, alguns brinquedos, algumas coisas, lá...
algum... alguns instrumentos, lá, de artesanato; tintas, giz, é... coisas,
pra se trabalhar artesanalmente... E, ali, um prontuário, que se fazia,
ali, uma entrevista inicial... o diagnóstico, que já vinha feito de algum
médico, de algum lugar, né?, e o acompanhamento, que era tido o
quê?, o pedagógico... ahn... terapêutico educacional. Então tinha essa
oficina, que a gente falava, de atividades pedagógicas, né, e... um
acompanhamento terapêutico em fonoaudiologia, fisioterapia, t.o. ...
e, prá psicologia, tinha o grupo de orientação às mães. É... que aí eu
fui pra ficar com esse grupo de mães e... ééé... o grupo funcionava
todas as manhãs – porque cada manhã tinha um grupo de... a gente
chamava meio que aluno, né, não sei por que. Eu cheguei lá, já tinha
esse nome. Aí a gente foi mudando pra atendidos, porque não eram
144
clientes, porque não era saúde, não podia ser paciente, não podia ser
cliente, então ficou uma coisa de atendidos. Né. Então, toda manhã
tinha um grupo de atendidos e prás mães daqueles... da... daquele
grupo, tinha o... o... primeiro horário de... orientação – que era o
grupo de orientação psicológica que a gente fazia com as mães –
enquanto as crianças eram atendidas nas... o... of... oficinas. E, de
acordo com a... a grade de horário das terapeutas, elas iam
intercalando com o atendimento terapêutico. Em fisio, fono, t.o.,
individual, em duplas... né, isso sempre de acordo com o quadro, com
a queixa, com a faixa etária, com o nível de desenvolvimento de cada
um deles, né, então a gente ia arranjando, assim, as oficinas e as
terapias. Né?
Eles eram atendidos das oito até às onze da manhã. Era servido
almoço – um lanchinho, um almoço – e aí eles iam embora, pra casa,
e voltavam na semana seguinte. A gente oferecia festas, dia das mães,
festa junina, festas de final de ano, ahn... carnavalzinho, páscoa...
então, assim, também tinha esse cunho meio que social, né, de...
compartilhar os.. né, dentro do possível, né, do âmbito social, desses
eventos que a gente tinha, né, que nós temos; esses eventos que a
gente mantém. Então a gente fazia festinha e decorava o espaço,
decorava o ambiente... é... quando não, eles também se vestiam de
acordo com a época – Natal, festas juninas, algumas coisas assim,
né? Tinha reuniões administrativas, da... das famílias, com a
coordenação – e com a gente também... – né, pra ajustar o dia a dia
de cada um. Dar um feedback do trabalho feito, naquele período, e
também as questões administrativas, ali, né. E a gente tocava, assim,
a vida.
Tinha a cozinha, né, que... naquela época, a gente tinha uma
preocupação, por conta da fonoaudiologia, de adequar a
alimentação... né? Mas... era uma adequação... como é que eu vou
dizer, ééé... muito de acordo com o nosso critério pessoal; do que a
gente conhecia de cada deficiente, do que a mãe informava, porque
145
ela, né... a gente tá falando de... adolescentes, então uma mãe que já
tinha doze, quinze, dezesseis, dezoito anos de experiência com aquela
criança. Então ela sabia o que ele comia, como ele comia, o que ele
podia comer... né? E a gente ad... tentava adequar a alimentação, ali,
de acordo com o que essa mãe informava, de acordo com o que a fono
orientava... eventualmente uma nu...nu... nutricionista, que um ou
outro tinha, né, mas... o próprio serviço municipal não tinha o que
tem hoje – uma alimentação balanceada, alimentação adequada, né,
que hoje a merenda já se preocupa um pouco mais com isso, né?
Tanto que nas festas, né, então rolava muito doce, muita coisa que
hoje não se pode mais ter em nenhuma escola. E se tivesse a unidade
de terapia educacional, não poderia ter mais lá também. Né?
Então, era um atendimento que ele foi se tornando muito... afetuoso,
ahn... muito doméstico, até. Né? Porque a gente adequava muito
aaa...os hábitos familiares, os hábitos alimentares, a conduta das
mães, da família, àquele período que a criança... é... ficava ali, com a
gente. Né? Então, tinha uma troca muito próxima. Entre... a terapeuta
e as famílias, né? É... o grupo de orientação às mães é... criava esse
espaço, essa possibilidade das mães falarem a respeito das suas
vivências, das suas histórias, das suas dores, das suas queixas, das
suas vitórias... né, das suas preocupações, dos avanços que o filho
deficiente teve durante toda a sua vida, né? Claro que, como era um
espaço reservado ali prá cinco, seis mães, e eram grupos fixos, né;
então, as mães de segunda-feira, as mães de terça, as mães de quarta
acabavam tendo também muita amizade, entre elas, e muita
intimidade. Né. E delas comigo, né, porque eu era a terapeuta delas,
então a gente tinha, ali, ahn... mais... ahn... proximidade do que com
as outras terapeutas. Porque elas vinham se reportar às mães sempre
com relação ao filho, à problemática que o filho apresentava... e
num... num tinha muito a, a... o olhar para aquela mãe. Né? É... e no
grupo, não. No grupo de mães, já tinha essa coisa da mãe poder
falar... da sua, da sua queixa... ahn... do que ela... ééé... sentia a
respeito do filho, a respeito da situação, da sua história de vida...
146
Então, aí vinham problemas com o marido, problemas com família,
problemas com outros filhos, problemas de trabalho, né, e vinha,
então, toda aquela história de autoestima, de abnegação, resignação,
de perdas, de ganhos... né? Ééé... muitas histórias de vidas difíceis;
encantadoras, outras... muita batalha, muita luta... né... Mas sempre
elas, assim... ahn... procurando vencer tudo isso, todos os obstáculos,
inclusive materiais – porque a gente tá falando de uma população do
serviço público, então eram mães de uma situação financeira... é...
não muito boa, né... Muitas dependendo de serviço público, pra
condução, passe escolar, cesta básica, alimentação, remédios... né,
que elas iam buscar em tudo quanto era lugar. Então, se tinha que
buscar remédio láá não sei quando, de São Paulo, elas iam ... Se tinha
que tirar passe escolar lá na Viação não sei das quantas, elas iam
atrás. Né. Então, eu via, admirava muito essa... persistência, essa
garra, essa força de ir não importa aonde, né... buscar tanto o
recurso pro filho, quanto pra elas mesmas. Né.
E – Você tava falando...
Eneida – Ah, dos pequenininhos que chegavam lá, lá no centro de
avaliação e terapia, né?.
E – É.
Eneida – Então, o trabalho era esse como eu falei, era uma terapia
mais, ééé... de estimulação precoce, né, a ênfase era mais assim em
fisioterapia e fono, né, pelas necessidades lá de cada quadro e... não
tinha mais, até tentamos, é... reativar o grupo de orientação de mães,
só que o centro de avaliação e terapia na época era uma demanda
muito maior, né, era uma faixa de uns setenta atendimentos diários
entre manhã e tarde, uma época boa... O centro de avaliação e
terapia foi uma instituição muito importante do município, muito,
durante trinta anos da as existência ou quase isso, foi assim um
recurso que até os outros municípios vizinhos vinham procurar, né.
Então, realmente tinha um trabalho muito bom e tinha uma demanda
muito grande também, porque nem todos os casos também eram pro
centro de avaliação e terapia, né, mas como a gente tinha que avaliar,
147
noventa por cen... alguns você já na, na em, triagem ali, né, o serviço
social já reencaminhava, mas muitos tinham que fazer pelo menos a
avaliação global, né, então tinha uma demanda grande, e tinha os
atendimentos terapêuticos então né, com ênfase em fono, fisio, né,
ahn, sempre visando a estimulação precoce e tal, e a, e a psicologia
fazia as orientações pra família, e pras criancinhas maiores, né; três,
quatro, cinco anos, já um trabalho também de estimulação cognitiva,
né, é... e a gente fazia isso e isso sempre paralelamente ali com o
trabalho com as mães, né, eee... elas vinham né, com todas as suas
dúvidas, lá, falando das avós, que entrou nesse cenário, que
tornavam-se mães, mães novamente, né, e acabam assumindo muitas
vezes o neto, desde o nascimento, ou porque a filha abandonou, ou
porque era muito jovem, ou, enfim, né, já falei aí alguns motivos. E a
gente tinha que lidar com essa questão também, né, de uma avó
cuidadora e responsável por uma criança, muito pequena, com muitas
necessidades ali, sociais, né... instrumentalizar essa avó e ainda lidar
com a adaptação dela né, de retornar à maternidade, por quê?
Porque quem cuida de uma criança, ahn, quinze horas por dia, torna-
se mãe, sem contar que elas que realmente entregou para as avós e
pronto, então a gente tinha também esse, esse apêndice aí, né, de uma
mãe diferenciada.
...mas assim, o que me chamava muito a atenção, né, que aí a gente
sempre tem, tinha um cuidado especial, não é especial, mas assim, éé,
me tocava mais, era aquela jovenzinha, de vinte anos, dezoito, vinte e
um, vinte e dois, que chegava lá com seu bebezinho, “ai, eu não sei o
que ele tem”... “quando que ele vai andar? Quando que ele vai falar?
Mas será que ele vai sentar?”, né, e a gente sabia que isso ia ser
muito difícil, né, quando a gente já tinha o diagnóstico, já via o
quadro. E como falar, como preparar, como conscientizar essa jovem
de fazer uma criança completamente despreparada pra vida, teve uma
gravidez que não planejou, foi com o namorado, foi com uma ficada,
foi numa noite, foi com um namorado que tava preso, ou que já tinha
ido embora, né, ou já era o segundo filho de um outro marido, mas
148
muito jovem, muito despreparada e esperançosos, porque o que o seu
filhinho tinha não era nada, então lidar, né, com essa perda de ilusão,
vamos dizer assim, né, como olhar para aquela carinha tão
jovenzinha e imaginar, assim, eu conheço as mães da unidade de
terapia educacional, e a trajetória delas, e aí a gente meio que deduz,
meio que imagina o caminho que essa jovenzinha vai ter que
percorrer durante toda a sua vida ou muitos e muitos anos de sua
vida, então assim, me tocava muito receber essas mães muito jovens
com seu bebezinho, com a sua criança de um ano, dois, né, e elas
queriam saber isso, “ele vai falar, ele vai andar? Como é que ele vai
sentar?” E aí ter que preparar essa mãe para uma jornada que não é
fácil, então era um trabalho que a gente queira ou não, ahn, se
envolvia muito com essas histórias, né, e a gente lidava com isso, né,
e mas sempre tinha momentos muito bons.
...eu lembro, não sei se você já estava lá, de uma exposição de
trabalhos artesanais que nós fizemos com o pessoalzinho da unidade
de terapia educacional, de quadros, éé, trabalhos em argila, gesso,
papeis, enfim né, tudo o que eles produziram, nós montamos lá uma
exposição naquele anfiteatrinho que tinha lá no fundo, é, fiz uns
cartazes, na época já começavam a falar dos direitos das pessoa
especial, (já divulgava?) a cartilha e tudo mais isso daí, né, já
divulgava mais essas coisas então, eu pedi, o meu ex-marido, que é
desenhista, então ele reproduziu de uma cartilhinha os desenhos e os
dez artigos lá, né, do, da pessoa especial, e ele fez lá, tenho até hoje
em casa isso, ele fez os desenhos, escreveu, nós colocamos em
cavalete na entrada do auditório, e ficou muito linda essa exposição,
teve uma divulgação legal, né, as mães ficaram muito orgulhosas de
seus filhos, os da unidade de terapia educacional que tinham um
cognitivo legal, que tinham uma comunicação legal, também puderam
participar, mostrando, exibindo os trabalhos deles e dos amigos deles,
né... As festas de Natal também eram muito bonitas, muito
comoventes, muito alegres, porque a gente reunia toda a turma do
centro de avaliação e terapia e unidade de terapia educacional, aí...
149
Nossa, nem sei quantas crianças, adolescentes, familiares, né,
convidávamos gente dos outros departamentos, e fazíamos uma festa
bonita, com muita música, muitos enfeites, na época tinha aquela
coisa do prefeito vir trazer o brinquedo de Natal pra eles... E teve um
ano que nós fizemos um coral de mães, com músicas de Natal, então a
terapeuta ocupacional, ela é pianista, tal, gosta muito de música, ela
ensaiou essas mães lá com as músicas de natal, as mães toparam,
acharam muito bacana, então teve um coralzinho de umas oito mães
da unidade de terapia educacional manhã e tarde e cantavam as
músicas de Natal, ficou muito bonito, na época o meu filho estava
começando a, a aprender o teclado... Aí ele foi, fazer o
acompanhamento... então, foi muito divertido, ele se sentiu muito
bem, muito honrado de fazer isso, né, e os filhos dessas mães achando
maravilhoso a mãe ir lá no palco, que a gente improvisou na quadra,
cantando pra eles, pro prefeito, pros convidados, né, foi maravilhoso!
Ahn... e aí, acho que no ano seguinte ou no mesmo ano, não me
lembro se foi no mesmo Natal, nós fizemos um presépio humano, com
o pessoal da unidade de terapia educacional, lá os, os adultos, né,
então, a Carmela, né, que hoje já tem mais de 40 anos, a Perla, ahn, o
próprio, ahn, Guilherme, o Francisco, o ... aquele que eu (inaudível),
meu Deus, ooo..., o Rui, o Bento, né... todos cadeirantes, né... ééé...
Então, nós fizemos um presépio humano, nós fizemos lá o cenarinho
lá da choupana lá, tudo bonitinho... Então, os três reis magos eram
três cadeirantes, aí nós fizemos as roupas, as túnicas, né, os turbantes
tal, aí teve uma Nossa Senhora, uma das mocinhas lá, o José, e o
Jesusinho, o Jesus bebê, nós pegamos um downzinho recém chegado
no centro de avaliação e terapia, ele tinha uns quatro, cinco meses,
né... Então, nós o vestimos de Jesus menino e colocamos lá, ai mas
ficou maravilhoso, não teve quem não chorasse, ficou lin-do! E aí eles
fizeram a encenação, e foi fotografado, e tudo o mais, né... Nós ali
ajudando, né, meio que de ovelhinha pra não aparecer muito, né, e
ficou maravilhoso [risos da entrevistadora]...
150
EDUCADORES: GLÁUCIA
E - Bom, ééé, eu gostaria que você me falasse livremente sobre seu
trabalho com pessoas com deficiência.
Gláucia – Bom, ééé, eu classifico como, a princípio, como uma
paixão, né. Ééé... Foi uma escolha de fato, né, eu não fui induzida, ou
caí por acaso, né, na, na questão de trabalhar com pessoas com
deficientes, deficiência... Embora tenha até parentes deficientes, mas
não foi isso que me motivou, né. Eu estudava magistério e imaginava
dar aula em educação infantil, né, no, no ensino fundamental, mas eu
não imaginava, escola especial ou educação especial. Ééé... Um dia a
professora de psicologia levou, nos levou pra fazer uma visita numa
escola, né, de deficientes, e quando eu entrei, simplesmente me
apaixonei. E falei “é isso que eu quero”, e fui buscar todos os
recursos necessários pra poder me formar, né, e ter uma bagagem pra
poder trabalhar nessa área. E aí a gente vai aprendendo com a vida,
né. Que nem, ahn... Quando comecei eu tinha 19 anos e fui trabalhar
justamente com adolescentes. Então era uma fase difícil, né, dos
adolescentes se masturbando e eu 19 anos, eu não saiba o que fazer, o
que falar... E aquela coisa, fui crescendo junto com eles, né, e
aprendendo com eles também, né. E hoje eu vejo assim, que eu estou
há 24 anos nessa profissão, né, na educação especial, e hoje eu vejo
assim que muitas coisas, né, ééé, pra trabalhar com aluno com maior
dificuldade, eu utilizo até recursos que eu utilizei com meus filhos
quando eram menores, né. Você, você vê, éee, a necessidade daquele
aluno, né, na idade, que ele se encontra, pode ser jovem, adolescente
ou velho, mas, mas a necessidade de um carinho ou então uma
intervenção de uma criança menor. Então eu volto lá atrás, eu penso
nos meus filhos, em como eu faria e eu consigo os resultados com
isso, né. Então, eu, ahn, eu acho que é paixão mesmo. Hoje eu não
saberia dar aula num ensino fundamental de primeira à quarta série.
Eu não conseguiria. Mesmo, ann... Havendo inclusão. Né... Não
conseguiria me ver no meio de uma sala com 30, 35 alunos, né, eee
com as inclusões, né. Eu acho que talvez eu desse mais atenção à
151
inclusão do que aos outros, né. Éee... Que nem, eu lembro, eu
trabalhei em um conhecido banco privado, né, e a dona Regina que
era diretora falava que o professor, “professor é um sacerdócio”, né.
Como se a gente tivesse que aceitar tudo, salário, né, as condições,
né.
Éee, eu não acho que ser professor é um sacerdócio, mas é uma
questão deee, de amor mesmo, de paixão pelo que faz, né. Tem que
ser apaixonado principalmente na área de educação especial. Éee,
não vejo também como uma forma de você ter pena ou piedade, né,
dos alunos que tem uma condição, éee, inferior, ou é um aluno
cadeirante, um deficiente visual, auditivo, ou mesmo um deficiente
mental, não vejo nesse sentido, né, eu não sinto... É, eu acho que é
como a questão da, eles tem direitos iguais, né. Éee, porque é uma
coisa que aconteceu também, acho que foi muito engraçado, éee,
quando o meu filho fez um ano, eu aluguei o salão do prédio em que
eu morava para fazer a festinha de aniversário e coincidentemente o
porteiro fez um erro e marcou também a festa de um aniversário, no
mesmo, no mesmo dia, de um outro aniversário. Aí, éee, eu comecei a
pirar, claro, eu marquei primeiro, “é a festa do meu filho, não quero
saber, o sindico que arrume outro lugar, que arrume outro lugar para
essa pessoa aí, o salão é meu, e tal”. Aí, Liguei para o meu marido,
ele ficou muito nervoso e tal, quando ele chegou em casa desceu para
falar com o sindico e daqui a cinco minutos ele sobe chorando. E aí
eu falei “o que foi? Apanhou do sindico?“ [Risadas de ambas]Ele
falou “não, se você visse o menino, né, que você vai fazer aniversário,
né, de sete anos, na festa do salão, você ia ceder o salão para ele”. Ai
eu falei "por que?”. “Porque ele é deficiente”. Aí eu falei, “Ué? E
daí? Eu marquei o salão primeiro”. Eu falei assim, “não é porque ele
é deficiente que ele tem o direito de passar na frente do meu filho,
nesse sentido, né? Da marcação do salão”, né. Aí, ai, “mas, ele vive
no colo, não sai do colo da mãe, ele não anda, ele não fala”. Eu falei,
“você precisa chorar por causa disso? Tem necessidade de você
chorar? Vamos lá, vamos descer, vamos conversar”. Claro, no final
152
eu acabei cedendo. Não porque, éee, ele era deficiente, mas por todas
as condições da mãe, a mãe era uma pessoa sozinha que não tinha
ajuda do pai. Eu não, eu tinha meu marido, que se tivesse que me
deslocar pra outro local, um salão que o sindico arrumasse, eu tinha
meu marido que ia me ajudar, ela não, era uma pessoa sozinha, né, e
que ainda tinha que ficar carregando o filho... Eu falei assim,
“Claro”. Pedi, né, conversamos, e cheguei... Mas achei um absurdo
ele chegar em casa chorando, “Ai o menino não anda... éee, ele não
fala, ele tem sete anos e vive no colo, e tá no colo da mãe, não sus...
não sustenta a cabeça”. E pensei, “Nossa você está comigo há vinte
anos e você não aprendeu, você ainda não viu, né, que, éee, que eu
trabalho nesta área, que eu trabalho com pessoas assim, e a gente tem
que olhá-las de forma igual”, né. Eu acho que assim, a gente tem que
dar o devido respeito, né, as condições né, mas eu acho que isso é
piedade, né. Então, eu sinto que... sempre eu falo, quando eu entrei
nessa..., quando eu fiz meu primeiro curso pra educação especial, foi
na escola em São Paulo, né, a dona Nilza que era dona da escola ela
falava “as pessoas acham que o professor entra em educação especial
por dois motivos ou porque morre de pena, ou por status”. Porque um
tem... um tempo atrás até dava status falar, né, que trabalhava com
educação especial.
(...)
Porque um tem... um tempo atrás até dava status falar, né, que
trabalhava com educação especial.
E - Ah, é?
Gláucia – É, é. Nossa! E as pessoas ficam, nossa ficam comovidas.
“Que trabalho lindo! Que Deus lhe abençoe! Como você é
abençoada!” Eu, é... Não. Eu sou uma pessoa normal, eu
simplesmente escolhi esta área porque eu gosto, porque me desafia,
né, e porque nessa área eu tenho a possibilidade de fazer inúmeras
coisas que eu gosto de fazer e na educação formal eu não consigo,
não poderia fazer. Que nem, eu posso nesta área fazer uma dança, né,
desenvolver um, uma [7:25] corporal, de dança, de musica, fazer um
show, fazer um teatro, é, fazer inúmeras coisas que eu acho legal, que
153
eu gosto de estar fazendo e que a educação especial, ela possibilita,
justamente, por causa dessa diversidade, coisa que no ensino
fundamental tem que seguir um currículo, tem seguir um conteúdo,
tem que cumprir uma meta. A educação especial não tem meta, não
tem tempo, né. Eles aprendem o tempo todo. Acho que é por isso que
eu vim pra educação especial.
Gláucia – ... O ano passado mesmo, eu peguei um aluno de oitava
série, né, ééé... e, uma graça o menino, extremamente tímido e com
uma situação familiar complicada, né, ééé... o pai, a gente sabe que
ele é bandido, né, a mãe é uma pessoa até bacana. o pai não está
recluso, mas, né, até por ser uma comunidade extremamente carente,
o menino é uma graça, e aí, o menino sofre por conseqüência, né, da
desestrutura da família. Ele é tímido, mal falava né, usava aparelho,
né, já tinha problema, né, de fono. E aí a mãe veio desesperada
conversar comigo ai eu falei, fiz uma sondagem com ele, e falei assim,
“seu filho não é deficiente”. Como eu tinha pouco aluno, né, eu tinha
horário vago, falei assim, “vou fazer o seguinte, vou pegar um
horário que não tenha aluno nenhum porque deficientes e vou fazer
um trabalhinho com ele”. Em quinze dias o menino estava lendo e
escrevendo. E ele era um menino que estava sendo indicado pelos
professores como deficiente.
E - Deficiente de que tipo?
Gláucia – Mental. Por que era um menino de oitava serie que não lia
nem escrevia.
E - Quer dizer aí, a questão da aparência...?
Gláucia – Não!
E - Você contou, você falou que ele usava aparelho...?
Gláucia – Não, ele usava aparelho porque ele tinha problema de né,
da fala ele trocava letras. Então, um exercício de fono, pelo fato dele
ter colocado aparelho, acho que isso dificultou muito, né, a questão
da linguagem, né. Então, ele tinha toda essa questão, da vergonha,
um menino lindo, ele não tinha aparência nenhuma, né. Pelo fato que
ele estava na oitava série não lê e não escrever nada, apenas copiava,
154
né, os professores achavam que ele era deficiente mental. Ele veio pra
cá, a gente ficou fazendo um trabalho legal, conversando, um
trabalho individual, né, ai ele também, pra ele não sentir, porque ele
ficava envergonhado porque eu tinha um Síndrome de Down na sala,
tinha p.c., pra ele não sentir, é, constrangido, né, e nem reforçar
aquilo que acho que já estava embutindo nele, né, de que ele também
era deficiente, eu fiz um horário separado. Não é, não é nem o
objetivo dessa sala fazer isso, né, eu fiz um horário separado, eu fiz
um trabalho com ele e em quinze dias ele tava lendo e escrevendo.
Então, esse, eu percebo que acontece... Que nem, eu tenho um aluno,
eu acho um absurdo, hoje eu peguei a lista, três alunos que estão na
PRODESP já na frente mental, e são três alunos que ainda estou
avaliando desde o ano passado e que eu tenho quase certeza que não
são mental, que têm uma dificuldade muito grande, né, um problema,
uma dificuldade de aprendizagem, né, ééé... na questão da
concentração, na questão de memorização, né, mas não tem nada, é,
que indique que tenha uma deficiência mental e eles já foram
cadastrados na PRODESP como deficientes mentais.
155
ENTREVISTA: MELISSA
E –Gostaria que você me contasse um pouco do seu percurso
profissional, como um todo...
Melissa – Bem, eu... Fiz magistério, né..e...e pré-escola...aí...quando
eu me formei, eu prestei concurso na minha cidade...né...eu saí do
magistério, eu ajudava uma professora na...eu adorava...e eu me
dediquei tanto ao estágio, que a professora me contratou, pra eu ir
todos os dias, pra estar ajudando... pra ajudá-la no dia a dia, porque
era uma pré-escola, então precisava, ela já tinha uma certa idade,
então precisava de uma pessoa pra sentar junto... é... no chão com as
crianças, né? Que tivesse mais agilidade, e tal... e eu, me identifiquei
com o trabalho. Aí, quando eu me formei, fui fazer... fui prestar
concurso na minha cidade, que é interior de São Paulo,
Granada12...aí prestei concurso e passei. E fui pra escolha... na hora
que eu fui escolher, o... o responsável lá pela atribuição, me... me
indicou: você não gostaria de trabalhar na... numa sala da
associação de educação especial? Falei pra ele... Mas, assim, sem
muito saber o que que era... cê num... né? ... Aí peguei e... assumi a
sala, né? Fui lá conhecer o trabalho... nisso eu tinha prestado
vestibular na UNESP... e nem sabia que tinha Educação Especial na...
na... na UNESP, no curso de Pedagogia... porque o meu irmão, né...
namora... na época namorava com a minha cunhada e ela queria... ia
prestar concurso também... aí meu irmão trouxe o manual de
inscrição pra mim e eu fiz, né? Que na época também, eu não tinha
condições de pagar, se fosse pra fazer uma faculdade particular, eu
não teria feito. Aí eu prestei e passei... Ah! e... fui trabalhar na
associação de educação especial, né?... E justo a psicóloga da
associação de educação especial também, iniciou o curso junto
comigo, de Pedagogia...
12 Os nomes das cidades mencionadas na gravação foram alterados, na transcrição, pela mesma razão pela qual
todos os outros nomes foram alterados para nomes fictícios.
156
participando de congressos, a gente vinha muito pra cá, porque... a
associação de educação especial investia muito, né? em (paralisia), a
gente ia em todos os... os encontros da associação de educação
especial todos os anos... né... tinha muito... muita, é... é... a gente
trocava muita experiência, né... conhecia muito... então foi uma época
muito boa... aí depois, em 86, né... me formei, no final do ano,
(edu/mel-02a)
... aí em 87 eu peguei o Estado... classe especial... aí eu fiquei... um
ano... dois anos, né... é... na classe especial à tarde, e na associação
de educação especial de manhã... aí foi quando o Estado fez aquela...
aumentou a jornada... que era ciclo básico, porque tinha que
trabalhar tantas horas, aí num deu acúmulo, né? ... aí eu tive que
largar a associação de educação especial e ficar no Estado... aí eu
fi... peguei uma escola numa cidade vizinha de Granada, que dá uns
16 kilômetros, mais ou menos, e cheguei na escola... foi... tinha 15
alunos, a classe especial... Foi uma psicóloga que avaliou... e a
própria psicóloga, como não tinha muita, muito professor habilitado,
ela que pegava a sala... aí cheguei na escola... minha primeira
experiência... quando eu cheguei... de 15... eu detectei só 3 né,
deficientes... os outros eram todos, com dificuldade de
aprendizagem... né... todo tipo, é... é criança... com problemas
emocionais sérios... aí foi uma batalha pra mostrar pra escola o que
que era classe especial, que não era um depósito, né? Aí fui bater de
frente com o diretor... (risos)... aí peguei os diretores a (...) ou alunos
que tomavam medicação muito forte, que não conseguia acompanhar,
então isso veio com várias deficiências... os deficientes, mas era o
que? Só que aí eu fui pedir ajuda pra minha professora da
faculdade... professora Jasmim, que dava didática e tal... e ela era de
Granada também... aí fui na casa dela, pedi... aí ela pegou e falou pra
mim... olha: então faz assim, eu vou fazer uma visita... né... e ela foi ,
passou uma tarde comigo, porque antes de eu tomar uma... uma
decisão, precisava, né? de... de ter outras opiniões, né? pra
saber...saber (...). Aí eu peguei, pedi ajuda pra professora Judite, ela
157
foi tal, e falou assim: olha, realmente, você tem razão... vamo ver o
que é que a gente pode fazer... e ela como tinha muita influência na
delegacia de ensino, que ela era de Granada também, o marido era
médico... e ela professora da Universidade, né? na UNESP ... aí ela
foi, né? na delegacia de ensino conversar com o supervisor... e falou
com o supervisor, né? que se não tirasse aquilo que ela viu realmente,
que se não tirasse as crianças, que ela ia denunciar... (os professores
de psicologia) Aí a diretora, nossa, teve um ataque... “não, nunca!” –
me chamou – que nunca foi... ameaçada, que num sei o que, num sei o
que, num sei o que... Aí, a Judite entrou novamente, né... com o
pedido, aí eles tiraram; aí eu fiquei com três alunos, mesmo, que eu
achava realmente que precisavam da classe especial... (edu/mel-02b)
... eu comecei, é, eu fui chamada em abril... 16 de abril, aqui... então
de fevereiro a março, eu peguei a unidade de terapia educacional, me
ofereceram essa unidade, pra trabalhar... só que... aí a Verbena
falou... a Verbena que... que coordenava lá... que era da... da escola
de crianças surdas, e a Belinda... e aí elas falaram: “pega como
cargo suplementar, porque quando você for efetivar, você já fica nela
mesma...você não tem que mudar, né? quando você assumir o cargo
de adjunto...” aí fui pra lá, trabalhar na...na unidade de terapia
educacional... nossa, me identifiquei totalmente com o trabalho...
maravilhoso... uma equipe, assim, tava.... era uma equipe nova, que
era eu, a Lenira, a Dulce... a Roxana... depois veio a Angélica ... a
Estelita como fono... tinha a assistente social, a Lia que tá
na...trabalha na (...), nós éramos em sete e... e, aí... elas tavam meio
perdidas, assim... a Roxana era a mais antiga... e a (...) tava: “ah!
tudo novo...!” ela não tinha experiência, porque ela tinha acabado de
passar no concurso, e foram as vagas que sobraram... A única vaga
que tinha era a unidade de terapia educaiconal... então elas não
tinham muito que escolher... na área delas, né... Psicologia, né...
porque a maioria vinha... outras...
158
E- Mas você escolheu lá... por que te ofereceram ou você sabia como
era o trabalho?
Melissa – Sabia... Eu sabia... Aí eu fui pra lá... e eles tinham a
experiência...eu não sei, a experiência que eles passaram, pra mim,
assim... é... o pedagogo nunca ficava... é... assim...ficava uns meses,
depois saía...e, na realidade lá, quem...como é um trabalho de grupo,
quem tinha que... que puxar, era a pedagogia, né...todo o trabalho... e
elas não tinham experiência, assim...na área delas, né? Aí...aí eu
comecei a levar uns projetos daqui pra lá... né...eu à tarde e a
Marilena de manhã... então, uns meses a gente trabalhava aqui...
né..teve um ano... primeiro semestre: identificação, né... quem sou eu,
tal...vamos trabalhar lá... aí eu então, né...tentava fazer mais ou
menos (...) de trabalho...então eu levava as atividades... e a gente ia
adaptando... e nós montamos um grupo assim, ó... que... super
engajado... nossa, o olhar era o mesmo... foram... três anos... 2004,
2005... dois anos, acho... maravilhoso... e as crianças cresceram
assim... o ganho foi muito grande... tanto que a... que a gente
começou a encaminhar pra cá... nossa turma foi a pioneira, porque
antes: “ai, mas participar não aceita...” como não aceita? E eu
procurava né...conversar... (...) discutia, aí a gente...aí eu encaixava
numa sala que eu achava legal, com uma professora super legal, né...
então tem que dar certo...foi a Deby, a primeira... aí depois foi
vindo... eu fiquei..eu fiquei os que não eram usuários de cadeira de
rodas... a gente conheceu o Fermino... eu falei: “ah! não tem
condições...” e já tinha... e já estava mudando o perfil daqui... Aí a
gente foi encaminhando e foi dando certo, né...aí ficaram só os
usuários de cadeiras de rodas, por quê? Aí não tinha uma infra-
estrutura e nem transporte pra trazê-los, né? Eu me empenhava, então
não adiantava a gente tentar encaminhar sem estar em condições, né?
E – Melissa... antes de você prosseguir comentando isso, gostaria que
você... é... me contasse, como é que você vê... quais as diferenças que
você vê entre o trabalho que você fazia aqui e o trabalho da unidade
159
de terapia educacional, porque havia uma distinção nesse trabalho,
né? O que caracterizava essa diferença, se é que existia, né?
Melissa – Existia... então... lá, a gente trabalhava em equipe... né...
uma equipe... lá, né...era um trabalho em grupo também, que isso que
era o... que... que... era o... o objetivo, né... não era trabalhar
individual, né...tinha os específicos... mas na realidade a unidade de
terapia educacional era o trabalho em grupo... pra dar...acho que...
pra dar oportunidade pros alunos terem contato com os outros... né,
de estar trabalhando o grupo... lá era uma vez só por semana.... era
muito pouco né... e... essa diferença aí... e assim, o trabalho em
equipe você cresce muito, né... pro aluno também, porque, por
exemplo, eu levava um atividade, né..aí...a gente trabalhava, a gente
foi trabalhar, né... esquema corporal... é, quem sou eu, e tal, tal,
tal...então, cada um na sua área, né...um.... teórica, muito... fazia as
adaptações ali na hora... olha, vamos fazer... ó, melhor fazer isso,
vamos fazer, né? tudo... ah! Cada um tinha o seu olhar e as pessoas,
pro paciente, né, da sua área... o... o fisio, já, tive que tirar da
cadeira, fazer caminhar, pode ir até o espelho, né... atividade de
brincar, fazer mímica... então dependendo da atividade...
160
TERAPEUTAS: ROXANA
E – Primeiramente, talvez seja interessante eu conhecer alguns dados
seus.
Roxana – Eu sou Roxana, tenho 47 anos, sou formada em terapia
ocupacional – eu me formei na USP, na década de 1980. Ahn... tenho
uma especialização – na verdade oficialmente são duas, porque é uma
por um centro de estudos em terapia ocupacional – e a outra é pela...
Unifesp, né, pela Escola Paulista de Medicina, em saúde mental.
Então, essa é minha especialização... formal. Ahn, eu estudei muito
geriatria, né, gerontologia, quando sa, saí da Faculdade, então essa é
uma área que eu também já atuei. Gosto e estudei, não é? Eee... tenho
algumas formações não... é... não consideradas oficiais ou... são
alternativas, não é, na prática de medicina tradicional chinesa. Então
eu tenho, também, conhecimento, formação, nessa... área. Ahn, é onde
eu atuo, também. Eee... então, eu já atuei na saúde mental, em
hospital, em clínica, ahn, trabalho com grupo de mulheres... e tô na
Secretaria de Educação do município há cinco anos, não é? Nesse, é,
setor de atendimento, aí, dentro da Secretaria de Educação, com as
crianças deficientes – e, aí, neurológicos, deficientes, ahn,
intelectuais. Eu tenho uma dificuldade de me acostumar, por conta da
idade da minha formação, com algumas terminologias, né, recentes,
dessa coisa de... inclusão, e tudo, então, às vezes a gente acaba
usando uma terminologia antiga, que sai espontaneamente. Enfim...
Mas respeitando, aí, todo mundo. Ééé... mais ou menos essa a
minha... trajetória.
E – E o que que você... já fez, assim... Você falou em saúde mental,
medicina tradicional chinesa, essas coisas todas... Você usa isso, você
tem consultório particular...?
Roxana – Eu tenho, eu tenho um grupo... eu não atendo individual.
Ééé... eu, né... Atender individualmente não é uma coisa que seja
muito a minha praia, nem em consultório particular – atendo,
eventualmen..., eu tenho pacientes eventuais, que eu costumo fazer
161
coisas muito focadas, muito diretas. Eu gosto de trabalhar com grupo.
Então, ééé... eu sempre me considerei terapeuta ocupacional, assim:
minha apresentação é como terapeuta ocupacional, embora eu esteja
nessa área de medicina tradicional chinesa. Eu dou aula de tai-
chi-chuan há 20 anos, né, então... ééé... mas eu atuo; nos meus
grupos, eu já tive grupos de crianças, né, de dois a quatro anos –
nesse momento eu não tenho, não atuo – muitas crianças deficientes,
principalmente deficientes... Ah, já tive neurológico, já teve
deficientes intelectuais que passaram por esse grupo; então eu tenho
uma experiência, né, particular com... com esse tipo de crianças,
numa prática que não é clínica; é uma, uma prática corporal, não é?
E aí, eu tenho um grupo de mulheres, regular, que eu at... que eu,
como professora de tai-chi, dou aula, mas com todo uma... um olhar,
aí, de terapeuta. Então, é um grupo de mulheres, tanto que não é uma
aula comum, só de tai-chi, porque tem, ahn, vários enfoques, aí,
durante a aula, né, que é... nesse grupo de mulheres que eu trabalho.
E – E como é que foi o trabalho, com ele e... o que que, ahn,... pensar
no Jaime, o que trabalhar com o Jaime, tê-lo conhecido, provoca em
você?
Roxana - Então... Com o Jaime, por conta da... da... idade, foi a
possibilidade de... de tá trabalhando um pouco mais de recursos, né,
que ele pudesse tá... tá usando de expressão. Ahn, de expressão de
corpo, de expressão d... de pensamento, de vontade, por conta de
conseguir mover-se com muita dificuldade, né? Como ele tem
movimentos... ééé... ele é, tem um... alguns movimentos... algum...
comprometimento espástico, então, ele se estica todo, isso dificulta,
ele não consegue dobrar os cotovelos, os cotovelos estão sempre
muito esticados; dificulta a utilização da mão... então, ele tem que
usar outros recursos pra poder se comunicar. Então, a... a face dele é
muito... expressiva, né, ééé.... então ter possibilitado trabalhar isso
com uma criança pequena e... incentivá-la a usar isso... de que isso
vai... ele pode se comunicar, sim, ele tem recursos pra se comunicar,
eu acho que é uma coisa que ééé... que é interessante; é uma coisa
162
gostosa que eu tou fazendo, né... poder... trabalhar com essa
possibilidade de... dar pra pess... “olha, você pode fazer as coisas”,
né? Não limitá-la. Mas... abrir perspectivas.
163
EDUCADORES: ZOÉ
E – Considerando o teu, a tua experiência de trabalho com pessoas
com, com deficiência, eu gostaria que você falasse pra mim um pouco
desse trabalho se você está, ainda trabalhando com isso ou não... e o
que que cê pensa a respeito
Zoé – Não, eu não, eu não estou trabalhando mais, né.
E – Hum
Zoé – É eu pedi exoneração, é, do do cargo porque não, eu achei que
não tava atendendo mais as minhas necessidades, né, é, profissionais,
que eu não estava sendo mais útil naquele momento pra, pra aquele
setor e praa, o trabalho que eu me propunha a fazer. É, trabalhar com
deficientes foi uma coisa, assim, muito interessante, que eu pude
aprender muito na minha vida em relação ao ser humano, e a
deficiência de cada um, porque na maioria da do dos casos, das
deficiências, elas são visíveis, né, e as deficiências da gente, nem
sempre elas aparecem. E quando você se depara com um deficiente
com as necessidades e as limitações, aí você começa, sabe, éé, a fazer
uma auto-avaliação, o quanto você pode trabalhar com aquilo,
quanto você tem preconceito, o quanto você pode ser útil e o quanto
que as pessoas, éé elas tem vontade de viver e de aprender e precisa
da gente. E acho que isso foi uma coisa, assim, muito importante na
minha vida, que me ajudou muito, a me tornar uma pessoa até melhor
e compreender melhor, porque enquanto professora, sala de aula, éé,
claro que tem crianças deficientes, mas até então, até aquele momento
que eu estava em sala de aula, 2005, as pessoas não não, acho que
elas não, não lhe davam muito com essa deficiência, é ela, mesmo
que, parece que, tipo assim, ignorava, as crianças, não, é, geralmente,
o diretor, coordenador e os próprios colegas, eles tem um discurso,
assim, que a criança é preguiçosa, que ele não quer aprender, que os
pais são irresponsáveis e que ninguém tá nem aí pra educação,
quando na verdade não é isso que ocorre, principalmente pras
famílias carentes, educação é um bem maior pra eles, porque eles
entendem que eeeeles não tiveram essa oportunidade e eles querem
164
pros filhos, só que nem sempre aquela criança, ela consegue,
aprender, porque além de ela vir de um lar, desestruturado, elas não
tem nem um material pedagógico pra se basear, pra aprender, elas
não tem modelo em casa, a gente sabe que você aprende por meio de
modelos. Ééé, só se for gênio mesmo pra aprender sozinho do meio do
nada, né. E aí fica muito difícil a educação dessas crianças. E
geralmente, eu não sei se os colegas, e a escola, a instituição em si, se
não tá preparaado, se não tem um olhar voltado para tá olhando
essas necessidades da criança. Não sei se eles ignoram isso, se é
proposital, se ééé, eu não sei. Eu só sei que eles não observam isso e
quando a criança começa a dar muito trabalho, ela fica do lado.
E – E com relação às pessoas com deficiência com quem você
trabalhou naquela época, que você estava lá...
Zoé – Haa
E – ... no, no centro de avaliação e terapia,
Zoé – Setor de avaliação e terapia
E – depois setor de avaliação e terapia
Zoé – Setor de avaliação e terapia, é. Eu me dei muito bem com eles
E – Hum
Zoé – É, no início eu fiquei assustada, porque eu não sabia como me
comunicar, eu achava, eeu achava, que nem todos tinham
compreensão, que poderiam se comunicar, e quando eu descobri isso,
eu fiquei, assim, muito feliz, porque nem sempre a comunicação se dá
verbalmente, não é?
E – Hum
Zoé – Mas como é que, né, quando você tá fora disso, você pensa
assim, a comunicação ela é mais precisa e mais viável quando éé
verbalizado, e ali não, eu descobri que cê podia se comunicar de
várias formas. Eles comunicavam comigo com o olhar, e a gente
criava código, do tipo “Ó se for assim, você pisca duas vezes
165
Zoé – E aí eu fui lá e cantei algumas coisas pra ela e eu percebi que
ela esboçou um sorriso, meio que um sorriso, aí eu falei pra ela “Ô
Gorete, ó, quando eu falar alguma coisa, se você achar que, tudo
bem, você pisca duas vezes, s-se você achar que não, você pisca uma
vez, tudo bem?”, ela falou “Tudo bem” e aí, ó, nós fomos
conversando, falando de coisas, eu perguntei se ela gostaria de voltar
ao grupo que antes era UTEM, né, que tinham desmanchado a
UTEM. Eu falei “Ainda tem alguns amigos seu lá. Você gostaria de
voltar a reencontrar esses amigos?” E aí ela disse que sim, olha, a
gente ficou um tempão lá, essa menina voltou aos atendimentos, ela se
reuniu com aquelas, com o grupo que era da antiga UTEM, ela
freqüentou duas vezes, e participava do laanche, e a gente fazia, e eu
e a Inácia fizemos uma programação de contar histórias, e a gente
contava histórias e representava, porque alguns ouviam, outros
tinham, então você, além de, de, de falar, de contar histórias, a gente
também falava gestualmente, né, por mímica, e foi muito legal, ela
ainda freqüentou bastante tempo até que terminou, ela não ia, assim,
não era assídua, por conta da perua que tinha que buscar, não tinha
condição de locomoção. O Martins fez algumas adaptações pra cama,
porque ela ficava muito largada, não tava tomando sol, ela tava muito
pálida, e aí ele começou a conversar com a mãe e ela falou, ela
admitiu, falou “Eu não posso com ela. Como é que eu vou levar todo
dia pra tomar sol? Não tem jeito.”, né, e, mas aí ela voltou a
frequentar. Éé, outras crianças, que eu, eu falava “meu Deus, que que
eu tô fazendo aquii?”, eles não tão, desculpa, néé, eu tô falando,
falando. E aí um dia a gente conversava, já fazia alguns gestos, então
eles ou mexiam uma mão, eles mexiam o olho, então eu percebi que,
sabe, que eles se comunicavam sim, que tinha várias formas de se
comunicar e que eles aprendiam, e que ainda que for por cinquenta
minutos, quarenta minutos, era alguém que tava interagindo com ele,
aprendendo e ensinando também, que era muito, pra mim era muito
novo, né, eu não conhecia. E foi uma coisa muito gratificante pra
minha vida. Naquele momento da minha vida, aquilo, assim, acho que
foi a minha salvação, sabia. Descobrir aquelas pessoas, quando você
166
acha que tudo tá perdido na sua vida, e aí você se identifica com eles,
e você começa a interagir com eles, e, e aí eu levantava cedo, eu
ficava feliz, porque eu tomava banho, me trocava e eu ia encontrar
com pessoas, que estavam precisando de mim e que eu estava
precisando delas. Foi muito bom, e eu fiquei muito feliz quando
acabou esse trabalho, porque eu acho que de alguma forma, não
precisava ser igual, mas não precisa ser dessa forma, porque eles
tiraram tudo e eles deram o que em troca? Eles não tão tendo, essas
pessoas estão aonde? Elas não estão recebendo acompanhamento.
Zoé quase não fala do trabalho que faz; não está mais trabalhando com pessoas com
deficiência. Narra eventos diversos de sua vida, parece que sempre que fala do trabalho com
pessoas com deficiência, ela se contrapõe à ordem institucional corrente. Exemplo do conflito
com a coordenação. Tem até um conflito, um embate com a Secretaria. Readaptada. Seja qual
for o sentido específico do termo no contexto da instituição escolar, ser readaptado ou estar
readaptado já traz, em seu aspecto gramatical, a noção de um processo que teve que ser
repetido. E este processo, no caso, seria o de estar adaptada. Em um tempo passado. O que
indica, por sua vez, a suposição de que, em dado intervalo de tempo, pode ter havido alguma
desadaptação. Assim, é possível que Zoé esteja, ela própria, carregando as marcas de ter sido
excluída ou questionada pela ordem discursivo-institucional, quanto aos lugares aos quais
estava adaptada – lembre-se o conflito com a coordenação – de modo a, no momento
presente, estar readaptada, exercendo papéis e desenvolvendo trabalhos estranhos mesmo à
sua formação (ver se ela fala isso, e onde).
167
4.3 “Fale-me dele, dela.”
Dafne
Dafne pela família
(mãe: Heloísa / avó paterna: Ermínia)
E – O que eu gostaria de pedir a você, Heloísa, é que você contasse,
falasse sobre a tua filha, falasse sobre a sua, sua experiência com ela.
Heloísa – Experiência muito grande, né? É uma experiência, sei lá, de
repente... é uma coisa, uma coisa que a gente aprende muito, né,
porque é... com... uma crian... um filho assim. Eu acho que a gente
cresce muito em todos os sentidos, mas...
Dafne – Ada!
Heloísa – É complicado...
Dafne – Ada, mãe.
Heloísa – No começo foi complicado até a gente aceitar...
E – Quando ela quiser falar a gente pode deixar, a gente grava,
depois eu... separo. [dirigindo-se à jovem] Que é que você tá falando?
Heloísa – Fala, o que que você quer?
Dafne – Ada.
Heloísa – Quer ir pra rua?
Dafne – Ada.
Heloísa - Pra escola?
Dafne – Não
Heloísa – O quê?
E – Ada? Água? [simultâneo]
Heloísa – Que que é que você quer, é a pipoca? É a pipoca, É? É a
pipoca?
Dafne – É.
Heloísa – [voltando-se para a entrevistadora] Pipoca!
E – Ah!
168
Heloísa – Você quer pipoca? É? Quer? Fala, que a mamãe dá!
Dafne – [murmura, parecendo concordar] [pes/daf-02]
E – Então agora vamos começar de novo, tá? Tá indo, pode falar,
Helô.
Heloísa –Aí eu falo o que, dela?
E – Do que você quiser. Me conta um pouco sobre, me conta sobre a
tua filha.
Heloísa – Então, daí... (...) Ela nasceu, né, nove meses normal, tal,
depois a partir de um ano, assim, foi que eu comecei, né, a descobrir
que, tinha alguma coisa diferente. Aí foi quando começou toda a
nossa luta, né, a partir de um aninho dela, aí a gente já começou a...
perceber que tinha alguma coisa diferente, a gente começou...
procurar... Só que é assim, até agora, ela não tem o diagnóstico
fechado, né, não, não se, é... chegamos no, na... na doença dela, que
diz que é uma doença genética...
E – Hum.
Heloísa – Só que..., assim, não descobriu, que, qual é a doença dela,
genética
E – Hum
Heloísa – Mas, a minha vida inteira foi lutar, né, só atrás de médico,
médico, mas, eles num... infelizmente, até agora, não chegou num
diagnóstico. Mas é assim, minha filha pra mim é... é meu tudo, né,
meu eu... É tanto que eu só... fiquei com ela, mesmo, não quis nem ter
mais outro. Mesmo porque teve a... essa história de, da família, né,
que nós somos primos. Então, aí, fica aquela coisinha, né, uma...
incerteza de ter mais um com problema, né. Aí eu preferi ficar só com
ela e cuidar dela e... [pes/daf-03]
E – Você mora com o pai dela?
Heloísa – Moro.
E – E quais seriam as, as coisas que são típicas dessa, dessa situação,
se tem alguma coisa que é mais difícil...pra você, pra vocês, pra ela?
169
Heloísa – Ué, a, a nossa dificuldade aqui é só mesmo, é, é a situação,
né, daqui da casa, fica caro [04:00] tudo, financeira, né. Porque de
resto, de resto a gente leva, de boa, né, filha? 22 anos, então, tem
muita gente quee reclama da vida [04:10]. [voltando-se para a filha]
“Não é não, filha?” Eu não vou ficar [04:12]. Quando Deus dá uma
coisinha dessa pra gente, a gente tem que, encarar mesmo, corpo e
alma e coração, porque...
E – Ela se queixa de alguma coisa? Pede alguma coisa que não pode?
Quer andar, fazer alguma coisa
Heloísa – É, às vezes ela tenta, né, querer levantar. Ou, às vezes eu
fico irritada quando... de pé quer que é porque, às vezes tem, ahn,
bastante gente ali brincando, as crianças começam a andar e ela
quieta, naquele meínho, né. Então, você sente que ela tem vontade de
estar ali, mas infelizmente não dá, né. Tem muitas situações que não
tem... como, mesmo, estar envolvida. Mas em outras a gente tenta,
eee, como que se diz, ééé, incluir mesmo, né, pra não ficar excluída de
nada. Então, não sou, eu penso assim, que não é porque ela tem a
deficiência, né, não é porque ela não anda que ela não tem que tá
incluída. Pra mim, isso é... essencial na vida de um deficiente. É tá
incluído mesmo na sociedade, onde quer que esteja. E pra mim, isso
não é, é... uma barreira, mas não é, não é impossível, não. Eu
encaro... O pai dela que às vezes fala, né, eu digo “Não, não é por aí
minha filha tem o mesmo direito de ir e vir, não é porque ela não vai
com as próprias pernas que a gente não tem que encarar isso.”
Então, eu não.
[Dafne: “Quique”] não tenho barreira disso não, eu encaro mesmo,
eu faço o que estiver ao meu alcance. Já fiz e faço, né, porque, acho
que é por aí
[Dafne: “Aquique”]
Depois a mamãe dá leite. Você sabe falar, fala direito: “Leite”. Ela
quer leite. Olha que... [pes/daf-06]
E – Você entende tudo o que ela fala...?
170
Heloísa – Tudo o que ela quer, tudo o que ela fala. Às vezes, tem
algumas coisas novas, né, que aí até você descobrir o que que é, mas
a gente tenta chegar lá.
E – E como é que chegam, como é que surgem, essas coisas novas?
Heloísa – Então, de repente, ela fala algu... alguma coisa que eu não
sei o que que é, e até aí eu fico, repetindo, pedindo, insistindo pra que
ela fale de um jeito mais, né, fácil para mim entender e a gente chega
lá, né, começa a se entender. Essa história do, do qui... do “quique”,
é leite que ela fala, às vezes eu, eu fico zoando com ela, ela fala:
“Leite”, você viu que aquel... aquela hora que a gente perguntou do
que que você gosta, ela falou “É quique”, né? Às vezes é “Quique” é
Caíque; leite é “quique”, que ela fala. “Quique”, só “quique”.
Caíque é “Quique”.
E – Hum...
Heloísa – Então ela inventa as palavras dela o mais parecido
possível, aí às vezes eu brinco com ela que ela fica que é, é “quique”,
eu falo, “o Caíque?” e ela “Não, é quique”. Aí até quando ela fica
nervosa e fala “É quique não, maínha, quiiique... fé”, que é leite com
café, que aí ela sabe que eu já sei o que é; não é o Caíque que ela tá
falando.
E – Quique-fé?
Heloísa – É. Café, leite com café. Quique-fé, é café com leite que ela
quer. Então, aí. Olha a carinha dela [risos]. Aí mesmo que a gente vai
se entendendo [voltando-se para a filha], né, minha linda. Às vezes é
mais complicado, demora mais um pouquinho, mas a gente se
entende. [pes/daf-07]
(...)
E – E o que que ela já fez na escola?
Heloísa – Na escola ela tá naaa, ela tá na oficina, ela não tá na
escola de ??? [21:37], escola especial
E – Hã
Heloísa – Ela está na oficina, então...
171
E – Mas, faz tempo que ela freqüenta a escola, não é?
[latidos de cachorro]
Heloísa – Não faz muito tempo não, porque lá
D. Ermínia – O ??? [21:43] , como era o nome?
E – O que que era?
Heloísa – Na realidade era a, é a Unidade de Terapia educacional
E – Tá
Heloísa – Então não era escolaridade lá, ela só...
E – E agora ela tá na escola
Heloísa – Agora ela tá... (SIMULTÂNEO) é, na escola, na...
E – Quanto tempo faz?
Heloísa – Só que é assim, ela não faz escolaridade, ela tá nas
oficinas.
E – Tá. Você não pode falar um pouquinho pra mim sobre isso?
Heloísa – Uns três anos
E – Três anos? E o que que faz nas oficinas?
Heloísa – Nas oficinas faz trabalhinhos, né, de pintura, éé, que mais,
éé, com massinha, eles fazem vários trabalhinhos.
E – Ela faz?
Heloísa – É, olha a mão, olha, ela mostr... Ela adora pintar, ela
adoora um pincel
E – É?
Heloísa – Mas sujou a mão, é toda nojenta, já quer sair, já quer lavar.
A Carmen sofre na mão dela, qualquer sujeirinha ela já...
E – Carmen é a professora?
Heloísa – É. É professora. A Carmen tava desde a unidade de terapia
educacional com eles lá. Aí ela tá com ela de novo. Então eles faz,
trabalham com massiiinha
Dafne – É o quique
Heloísa – É, daí eeles também tem, faz a informática, tem o dia da
informática, eles vão na informática, tem educação física, adaptada,
né, eee, assim, todo dia eles tem uuuma atividade, diferente, lá na
escola. É, a educação física, faz é, oooo, a informática, eee, lá na
sala, faz aaa
172
Dafne – [murmúrios]
Heloísa – Lá na escola, nos outros dias eles dividem, né, faz alguma
coisa, algum trabalhinho, com massinha, com pintura, né, tem é,
várias coisas... E aí,
que mais, tem na escola? Eu levo, ela adora ir pra escola!
E – Ah é?
Heloísa – Nossa, de um jeito. Ontem mesmo e antes de ontem não foi,
que o, na quinta-feira ooo menino tava doente e ontem eu tive médico,
não levei ela... Cadê o Caíque?
E – O menino?
Heloísa – O rapaz é o ajudante do ônibus.
E – Ah!
Heloísa – Tava doent, que ele tin, tinha consulta na quinta à tarde
E – Ah, eles vem buscar vocês aqui
Heloísa – Ah, o ônibus vem
E – Hã
Heloísa – Aqui. Tem um ônibus que vem buscar aqui. [pes/daf-17]
(...)
D. Ermínia – Não, mas ela já ficou internada na Santa Casa...
Heloísa – Pra fazer, mas não é, ééé (SIMULTÂNEO)
D. Ermínia – ...pra fazer, mas o médico não operou ela não
E – O que que ele acha, o que que ele diz?
Heloísa – Porque numa vez, ele falou assim que o problema dela não
tá na perna, né, no joelho, tá na cabeça.
E – Tudo bem, mas ele, ela poderia operar a perna?
Heloísa – Pode operar, só que assim.
E – Então, por que não opera?
Heloísa – Porque, assim, ele falou que, que a cirurgia é só estética.
E – Ah, só estética?
Heloísa – É só estética
E – Ah, tá.
Heloísa – Entendeu?
173
E – Agora entendi.
Heloísa – Ela não tem...
E – É, é neurológico, sensorial?
Heloísa – Não seria o caso dela, então...
E – Ou seja, mesmo que ela tivesse...
Heloísa – Os pezinhos certos (SIMULTÂNEO)
E – ... ela não conseguiria ter movimento...
Heloísa – Mesmo porque...
E – ... das pernas, é isso? (SIMULTÂNEO)
Heloísa – Ela tem movimento nas pernas, o problema é que ela não
equilibra, Lígia, ela, filha, ó, quando ela era menorzinha, a gente
chegou a usar o andador é que ela não nasceu com o pé torto. Ela
nasceu, era, toda perfeitinha. Entendeu?
E – Entortou mais ao longo do tempo?
Heloísa – Entortou tudo, porque ela não era, era perfeito os pézinho
dela. Quando, quando ela, nós colocávamos ela em pé, ela fazia isso,
ela pisava igual bailarina, aí disso ela foi virando, virando e tá assim.
Ela chegou a usar; alguns aparelhinhos, só que não resolveu. Aí, o
que, aí a vó sempre insiste, ela sempre fala isso, que ela acha que se
fizesse cirurgia, ela andava. Só que até os quatro anos não era tão
torto ela ficava, ela pisava normal, ela pisava um pouquinho virado.
[pes/daf-23]
(aqui poderia ir a fala do médico à qual ela se conforma)
174
Dafne por Eneida
(terapeuta)
... a Dafne, é... ela tem uma síndrome desconhecida, ela tem ali
qualquer má formação, que eu não me lembro agora, se já tinha
fechado o diagnóstico. Mas na época que eu a conheci, não, uns
falavam pc, outros falavam uma síndrome muito rara, né, mas ela era
cadeirante, usuária de fralda, ela tinha um motor de mão muito bom,
pra preensão, tudo, ela até poderia se alimentar sozinha, mas ela é
uma pessoa muito limitada de vontade, ou muito mal estimulada,
embora a mãe dela seja uma pessoa muito comunicativa, muito ativa,
muito inteligente. Mas ela não põe a mão em nada, nada, ela fica o
tempo todo com aquele gesto de tapar os ouvidos, né, que a gente
entende que começou como uma comunicação, uma tentativa de
comunicar, de não querer ouvir, ou de negar qualquer coisa que
estava sendo falado ou visto. Mas depois tornou-se um hábito, tipo um
tique mesmo, de prender os dedos, nem está no ouvido, normalmente
está aqui (aponta as próprias têmporas), nem está exatamente tapando
os ouvidos, está aqui, e ela não pega nada, não segura, então assim,
pra você desenvolver um trabalho material com ela, de fazer uma
argila, um giz, uma tinta, ou qualquer outro tipo de material, mais
leve, mas pesado, estruturado ou não, a gente não tem sucesso com a
Dafne, porque ela não segura nada, ela se recusa a segurar, a
produzir, experimentar qualquer coisa, né. Ela tem um entendimento
bacana das coisas, ela nomeia, ela aponta, ela pergunta, ela
reconhece, ela tem preferências, né, ela adora Zezé de Camargo e
Luciano, ou pelo menos a mãe fez ela adorar, né, não sei (...) (ter/ene-
09b)
175
Irene pela família
(pai: Aristeu / mãe: Ercília)
E – Me falem sobre a filha de vocês, a Irene, que está presente, lendo
alguma coisa dos meus lábios.
Aristeu – A Irene ela, a partir dos 11 anos, ela começou a procurar
entender mais ela, que ela é mocinha e tal. Ela tá, é, descobrindo as
coisa nova. Então tudo que ela... Que nem, aconteceu nesse fim de
semana que ela veio sozinha de ônibus, pra ela já foi uma vitória para
ela, porque eu que deixei, o pai, porque eu falei assim: “Vou confiar
nela”. E é muito importante em pessoas especiais, assim, a gente
confiar. Tem regra? Tem regra, mas tem hora em que você tem que...
abrir um pouquinho a mão. Que nem a... minha mulher fala que eu
sou muito mão aberta com ela, sou muito, muito... Não é, eu, eu troco
uma coisa a troca de outra. Sei que é errado esse tipo de... de
educação, mas, se você quiser uma bala, eu te dou a bala, mas você
vai ter que fazer isso aqui pra mim. E até agora tá funcionando,
mesmo que eu não saiba muito de sinais, mas ela... Nossa, ela me
adora, né? Então eu faço todas as vontade dela, mas só que ela...
Cobro também! E é o que eu procuro... E ela, e ela tá crescendo
bastante, to muito feliz.
[dirigindo-se à esposa, após uma pausa]: Pode falar!
Ercília – Hum? Não, o que eu quero falar... É assim, ela tá, ela tá
crescendo, né, tá desenvolvendo, mas só que me preocupa muito, né,
porque eu me preocupo, assim na... Que nem, na rua, né, o que, o que
tem na rua, o que oferece, então eu fico com medo. Medo que ela, que
ela se envolva, mas eu tenho muita fé, rezo muito, muita proteção pra
ela. Eu amo a minha filha, sabe? Não me arrependo, o que faço por
ela, que nem, depois de que aconteceu isso comigo eu vou com ela,
por onde eu andei com ela, ruas que eu sempre andei eu vou junto
com ela e busco ela na escola, levo e se for preciso também levo. Já
levei num (inaudível), médico também, levo ela... Então eu luto por
176
ela! Eu acho que se eu, se eu to aqui é pra acompanhar ela,
né. (pes/ire-01)
E – E como é que vocês têm feito atualmente?
Aristeu – Em que termos?
E – Quando a Irene quer falar com a mãe ou quando a mãe quer falar
com a Irene?
Aristeu – Eu, graças a Deus, eu posso falar pra você que é que nem
eu tava falando, que ela... Tá desenvolvendo um outro lado que... Eu
acho que toda criança especial tem um lado que ela se vira; ela tem
um jeito de saber se socorrer. Então, no caso dela, por exemplo, ela
faz o maior esforço, vai perto da mãe... Põe a mão...
Ercília [simultâneo] – Aí, eu entendo...
Aristeu – ...ela pega um lápis, escreve...
Ercília - ...aí ela escreve, né. Como agora ela já aprendeu, ela
escreve.
Aristeu - ... então, a gente... quando eu to perto, procuro ajudar o
máximo, então, é, ela mesma se superou. Ela viu que o problema da
mãe... tá sério... e ela procura ajudar. Daí de vez em quando ela meio,
né... Fase meio de criança, meia...
Ercília – Desligada.
Aristeu - Desligadinha, né, mas... Ela tá, agora, numa outra fase, que
ela desde os 11 anos passou a ... ser mulher, então ela... já tá com um
outro jeito, com outro comportamento. Ela mudou bastante, bastante.
Quem, quem convive todo dia com ela não percebe, mas... muita gente
fala assim: “Nossa, como que essa menina tá!”. Então é por quê?
Você viu, lá, o quartinho dela... Hoje não, mas .... Você acredita que
ela foi lá e... eu falei: “Tem que limpar, tá sujo” [faz gestos, com as
mãos, indicando como falou com a filha] e ela foi lá e fez, do jeito
dela. Mesmo não gostando, que ela não gosta de limpar. Tá apenas
com doze anos, quer mais é assistir televisão e essas coisas, mas ela
tem colaborado bastante, ela... Espero que até os treze, catorze anos,
ela vai estar tranqüila pra vida. Eu calculo que é isso, porque... ela
177
sabe que nun... A mãe, infelizmente... Ela, ela briga ca mãe, mas ela
vai lá, ranca os pelinho da mãe, ela pinta batom quando vai sair...
Ercília – Mudou muito, né, assim, quer coisa transparente... Aí, pra
mim, quebra tudo, a gente mudou tudo!
Aristeu – Mudou os hábitos, hoje nós não temos mais...
Ercília – É... prato...
Aristeu – Aquele copo que você tomou água, a gente já não tem mais.
Tinha um monte de caneca, quebrou a metade. Aí...
Ercília – Mas é os de cor... azul, amarelo...
Aristeu – É o que define, então...
Ercília – É... dá pra mim ver...
Aristeu – Cada um tá se ajudando de um jeito.
Ercília – É...
Aristeu – Eu, por exemplo, faço comida, passo roupa, eu faço de tudo.
De vez em quando que eu... fico bravo, falo: “Ó, ajuda aí!”. Hoje
mesmo, ela almoçou, antes de você chegar, já num falei nada, ela foi
lá e lavou o prato. Acho que foi ... A mãe que falou porque eu num...
Num comento.
Aristeu – Inclusive a Ercília tá ajudando a amiga, pra menina que
também é deficiente, né.
E - Ah, é?
Ercília - A Áurea Cristina? Tá comigo.
Aristeu - A Cris.
E - Como assim, tá com vocês?
Aristeu - É, ela fica aqui, a mãe dela trabalha.
Ercília – Pagava uma pessoa, mas a pessoa não que... não quer mais
olhar a menina e...
Aristeu - Aí ela fica aqui!
Ercília - Aí, menina, sabe, me corta o coração, a menina perder... Vê
ela lá, porque não tem quem leve, e a menina não queria... Eu digo:
"Ta bom, se vocês me pagar eu fico", aí eu vi que ela se dá muito bem
com a Irene. Ela fica comigo. Ta comigo agora.
178
Aristeu - Então é, até a Irene procura ajudar, sabe? Então é aquela
luta que a gente faz, né. Quer dizer, a nossa casa é simples, tudo, mas
aqui é tudo junto, um ajudando o outro. (pes/ire-04)
E- Então, é, vocês estão dizendo que as coisas mudaram muito depois
que você, Ercília fez a cirurgia de extração de um tumor que afetou a
sua visão.
Ercília - Foi.
E - Antes, como é que era?
Aristeu – Ah, por exemplo... Eu mesmo, não lavava um copo. Minha
roupa sempre tava passada.
Ercília – Era sempre eu, né.
Aristeu – Então... Mudou tudo! Eu que lavo as roupa, faço a comida,
eu que, de vez em quando eu salgo, ela enche o saco. Então, mudou
tudo, mudou tudo... Mudou tudo. Hoje é... Companheirismo, mesmo,
um ajudando o outro, porque... tem hora que eu brigo com ela,
porque ela não quer ser tratada como uma pessoa inútil. E não é
mesmo! Ela tem braço, tem perna, tem boca, fala pra caramba. Então
o que que eu falo pra ela, falo assim ó: "Você não quer ser tratada
como inútil?". Ela pega o cabo da vassoura, ela arranca, fica aquela
zona, ela às vezes limpa melhor do que eu. Pra você ter uma idéia de
como a coisa muda, quando você perde uma...olfato, qualquer coisa,
você adquire outro lado. Pra mim tá sendo uma experiência incrível,
quer dizer... Uma mulher cega, uma filha surda, pra mim é... (incrível,
é da ordem do não acreditável, mas é dito) Pra mim é... Um
caminhoneiro doido então, você fica assim , meio perdido. Mas, como
eu trabalhei quatro anos agora numa firma de estética, pessoas de
alto padrão, você acostuma a mudar. Mudou completamente, até
minhas atitude mudou. Sem perceber, e é a mesma coisa a Irene,
quando ela percebeu que a mãe dela não tava mais com aquele
cabelão bonito que tinha, não sei se você lembra, aquele cabelão
comprido, tal, mudou completamente. Ela vai, quando sai, ela vai lá e
põe um batom na mãe pra ver se ta legal (tentando processar a
mudança?).
179
Ercília - É, ela põe batom.
Aristeu - Ela mesmo que... Ela cuida da mãe dela...Ela não quer,
quando ela sai sem batom, ela fala: "Por que que você vai sem batom,
eu pus!". Então é... As duas mulheres. Até quando ela tá menstruada,
tem algum pobrema, ela chama a mãe dela lá, vai lá, se vira com ela.
Ercília - É, já é mocinha, já.
Aristeu - ...Já não quer, nem... Oxe, quantas vezes eu vi essa menina,
não é, nua, agora vai lá pravocê ver: "Não!".
Ercília - É, não deixa o pai... (pes/ire-05)
180
Irene por Bibiana (ex-professora)
E – Então... me fala um pouco sobre a Irene.
Bibiana – A... Irene, ela é uma criança... é..., quando ela entrou
aqui na escola, ela é filha única, bem paparicada pelos pais... né,
pelo... Bem... bem dondoquinha, assim, mesmo... bem cuidada pelos
pais, com aquele medo... dela... eee, assim, ela sempre foi uma
menina, assim, muito... ééé... pouca concentração, vamos dizer
assim. Ela tinha pouca concentração, mas sempre carinhosa; você
tinha que tar sempre chamando a atenção dela: “Irene , olha pra
mim; Irene , olha pra mim”[gesticula, mostrando como fazia], pra
você poder pegar o que ela tá aprendendo. Pra ela te dar um retorno,
você tinha que tá sempre questionando ela. Eee... e ela sempre foi
assim, beeem... então, qualquer coisa ela dispersa, mas ela aprende
bem. E... os sinais ela aprendeu bem... aaa... a se comunicar com
os outros amigos ela aprendeu bem, o problema del... da Irene , até
hoje, ainda é a alfabetização. Ela tá indo prá quar... ela tá na quarta
série, hoje, e ela não está alfabetizada, ainda. Ela não consegue
escrever uma frase completa. Mas ela se comunica muito bem; a mãe
dela teve um problema de saúde grave, que a mãe dela perdeu a... a
visão... Então, ela teve que ser o olho da mãe... mas sem as... num...
não podia ser... num tinha boca. Ela sem poder falar e a mãe sem
poder ver. Então elas conseguiram ééé... com o treinamento da mãe –
porque a mãe teve que fazer treinamento quando perdeu a visão, pra
poder andar, tudo – ela conseguiu ter códigos ca mãe, pra ela poder
andar na rua com a mãe. O que a mãe não via ela via pela mãe. E o
que el... ela não podia falar, a mãe falava por ela. Então isso eu achei
muito bonito nela e... ela e a mãe; conseguirem ter um código, sem
ser aquela LIBRAS pra cego, mas ela conseguiu ter uma LIBRAS, um
código entre ela e a mãe dela, de... como elas se comunicavam. Então,
e acho que depois disso ela deu uma boa amadurecida, porque ela
teve que aprender a olhar bem pra mãe dela, pra entender o que que
a mãe dela tava querendo dizer pra ela. Sem olhar muit... ééé...
porque a mãe não tem muitas LIBRAS... fala LIBRAS... mas não
181
fala em fala. Então, a mãe sabe pouca LIBRAS e fala mais.
[interrupção pela aparição de outrem na porta da sala onde ocorria a
entrevista]. Então, acho que, assim, é muito bonito entre ela e a mãe
dela... e-esse código que elas formaram, que elas tem com elas. Então
ela sabe olhar bem pra mãe dela, agora, e ela tá... tem um toque que
ela dá na mão da mãe dela, pra dizer: “mãe, tem degrau; mãe,
cuidado; mãe, olha pro..., para...” Ela tá ligada e ela sempre tá por
perto da mãe ou observando a mãe, agora; como a mãe não enxerga,
então ela tem que ser os olhos da mãe. Então, isso achei mu... ela teve
um grande... avanço com isso, também. Ela amadureceu bem; agora
ela quer aprender; ela quer aprender, agora. Falou pra mim
[sinaliza] que quer aprender escrever... ler e escrever. Ela ainda não
sabe... então eu achei bonitinho ela... reconhecer que agora ela é
surda e tem a mãe, que não vê. Ela ajudou muito a mãe pra poder...
superar isso.
E – Então você acha que a motivação dela... pra querer ler e
escrever...
Bibiana – Também. Achei que ela super-amadureceu, que agora ela
tá com... doze, anos? Então, acho que com uns dez, onze... Onze ou
doze anos. Então, agora ela viu que a mãe precisava dela aprender a
ler e escrever. Todos os am... os outros amigos dela sabem ler e
escrever. E ela não. E eu ex...plico pra ela – que ela copia tudo –
ela... pode aprender ler e escrever! Não é porque ela é surda não vai
aprender ler e escrever!
E – E na sua avaliação, o que é que tava impedindo ela, até então,
de... não só ser alfabetizada, mas, parece, desejar ser alfabetizada?
Bibiana – Eu acho assim que, como na... aqui, na... na Rede, as
pessoas não tem um... um padrão, pra seguir; não são, assim... tem
professores que são radicais. Ela pegou professores que não gost...
não deixou el... não gostam que ela fosse oralizada... que só tenha a
LIBRAS. Então, o importante é que ela usasse... a LIBRAS. Não era a
explicação, não era a orientação, não era o conhecimento pedagógico
do aluno. Então, ela pegou um.... assim, de primeira a quarta série,
182
ela pegou vários... professores. Então ela ficou sem a parte escrita.
Ela pegou toda a parte de LIBRAS, do conhecimento de que ela
surda... que ela... semp... que ela é surda, que ela vai ser sempre
surda... foi ensinado isso pra ela, mas não foi ensinado alfabetização
pra ela, porque os professores acham que surdo não precisa...
aprender, que eles aprendem se eles querem. Então, eu acho errado
essa parte; acho que a criança não tem que escolher o que ela quer,
eee... ela quer ou não, tem que o-fe-re-cer! Como uma criança
normal, não tem que aprender a ler e escrever? Por que que o surdo
não tem que aprender a ler e escrever? Porque fala que o surdo tem a
comunidade dele, tem que ter o modelo... eu não acho certo, eu acho
certo o surdo, com... o... o mundo do surdo é muito pequenininho
perto do mundo dos ouvintes; não é os ouvintes que tem que se
encaixar no mundo do surdo, é o surdo que tem que se encaixar no
mundo dos ouvintes. Então, ele tem que compreender que ele é surdo,
sim, que ele é um pouco diferente, vamos dizer assim, mas que ele vive
num mundo de ouvintes. Então ele tem que... se encaixar nisso, pra
poder trabalhar, pra poder andar, pra poder sair, se comunicar...
como ele vai se comunicar com um ouvinte, se ele só sabe LIBRAS?
Se num... num pode um ouvinte entender ele sem que o ouvinte saiba
LIBRAS? Então ele tem que se entender e se fazer entendido por uma
pessoa que não entende nada de surdez!
183
Irene por Cassandra (professora)
E – Eu gostaria que você me falasse um pouco mais detidamente,
sobre a Irene .
Cassandra – A Irene a gente tá fazendo parte de um trabalho...
E – desde quando ela foi sua aluna lá na escola?
Cassandra – a Irene eu tô com ela desde pequenininha, dois anos, três
anos, ela tá lá na escola com a gente.
E – ela foi tua aluna de sala?
Cassandra – Ela foi minha aluna de sala, e agora ela vai ser minha
aluna na quinta série, que ela, ela, ela viveu esse processo de
inclusão, na quar... Quarta, estava na classe especial, passou por um
processo de inclusão a ano passado na, na, na quarta série e esse ano
vai pra mim na quinta série. Então como eu peguei ela tanto na
Prefeitura como no Estado, eu, eu venho acompanhando ela. Eee no
Estado, o intérprete que tá com a gente, que ele que vai re... eu pedi
pra ele receber a quinta e não acompanhar a sexta, ele só vai
acompanhar esse grupo, ele vai acompanhar a quinta desse grupo
que tá chegando. Eu pedi assim porque ele tá mais habituado com a
escola, com o processo, já viveu é, e, esse sufoco, eu pedi “então pega
esses alunos que vão chegar na quinta”. E ele faz todo um trabalho
também com deficiência visual. Então o nosso projeto pra esse ano
com a Irene é fazer um trabalho com ela e com a mãe, né. Éee,
Porque a mãe, é, perdeu a visão, tem uma deficiência visual grande,
que ela né, vê só vultos mesmo e cores fortes. E nesse, nesse, nesse
período a Irene cresceu muito, amadureceu, tá bem mais madura, tá
mocinha, encorpada, né, já tá dando pra chegar com ela e conversar
como adulto, né. E ela já tem essa compreensão, deixou de ser aquela
bebê né, continua ainda com algumas birras com o pai né, às vezes
com o pai ela faz birra, mas tá bem mais madura, então esse ano eu
quero fazer esse, a gente pretende fazer esse nosso projeto, de fazer
esse trabalho, éee, de ensinar libras pra mãe cega né, e ass... vice-
versa. Apoiar, a Irene , a gente já deu pra ela o braile, né, vamos ver
se ela consegue se hab... aprender né, pra, porque a mãe tá
184
interessada em fazer leituras em braile agora. Quer dizer a mãe é
quem está se manifestando mais, e a Irene abraçou também, gostou
da ideia, então vamos ver o que a gente consegue.
A Irene realmente é minha desde pequenininha. Ela andou muito
tarde, ela, quer dizer ela era tratada como um bebê, então foi todo um
processo que a gente não sabe, eu não sei exatamente o que aconteceu
né. Tá. É, a questão o pai, o pai ainda até hoje tem dificuldade, o pai
tá desempregado, então existe ainda essa desestrutura, mas ao mesmo
tempo não apóia a esposa, não leva pro oftalmo, não leva pro médico,
ela tem que fazer esse acompanhamento, Né. Então ela tem que pedir
alguém levá-la, às vezes a Irene falta na escola pra ir com ela, então
né, existe essa desestrutura ainda. Nesse, é, com isso tudo a Irene
cresceu muito, ela amadureceu bastante. pedagogicamente ela tem
muita dificuldade, ela tá bem defasada pedagogicamente, o português
dela é bem ruim, e a LIBRAS também é bem, éee, restrita. Apesar dela
ter, éee, aprendido muito ela ainda tá com defasagem pra idade dela.
Porque, até porque ela nunca se interessava, agora que ela tá se
interessando.
185
Irene por Alcione (professora)
E – E sobre a Irene?
Alcione – Sobre a Irene, uma mãe muito comprometida. A Irene, eu
lembro da fala dela. Que é assim: eu, eu... (...) tão comprometida. A
Ire [chama a menina pelo apelido] tem uma fala ruim, assim, se a
gente for analisar. Tudo, tudo o que ela já teve, terapia pra fala, e
nem pra linguagem – comigo, pelo menos, foi pra fala – uma
dificuldade de oralizar. Assim como algumas pessoas, eu vejo, como
algumas pessoas têm dificuldade pra aprender inglês, aprender
francês, ela tem uma dificul... eu vejo como uma dificuldade pra
aprender a língua oral, pra aprender português. Né? Não é uma
dificuldade de linguagem. Mas uma dificuldade de oralizar.
E – Mas era esperado isso dela?
Alcione – Não... assim... Na verdade, eu não espero. Eu estimulo.
Como ela tinha uma queda profunda, que eu lembro da, da... uma
surdez severa, profunda. Então, um resíduo muito pequeno, de
audição – então, ela escutava muito pouco... Ela era muito esforçada.
Nos momentos em que eu atendia, muito esforçada. A mãe trazia, a...
seguia as orientações. Bem esforçada, mas uma dificuldade de
programar a boquinha pra fazer aquilo que a gente precisasse. Era o
jeito dela mesmo, de ser. Porque tem crianças que têm perdas
profundas e que têm facilidade de (expressar), de de produzir um som
macio, um som fluente...
E – Você, no trabalho fazia alguma coisa que (...)?
Alcione – Eu fazia. Eu fazia. Exercício da boquinha, que... de
perceber o movimento da boca, de conseguir produzir mais suaves,
né?, de conseguir se modular, né?, porque ela não tem o auditivo pra
se modular. Então, se modular... com a mão, com a percepção, fazer
sons altos, fazer sons baixos, fazer sons agudos. Ela tem essa
percepção sinestésica, né?, não auditiva. Ela era muito esforçada.
Não acho que é uma dificuldade intelectual. Não. era uma dificuldade
de linguagem e compreensão, e que era uma dificuldade motora
mesmo... de vir a articular e produzir.
186
Alcione – Não. Libras é uma língua estruturada, né?, linguisticamente
estruturada. Então, elas podiam me comunic... se comunicar comigo
com libras, podiam se comunicar com gestos, né?... é... com gestos...
corporais, né?, que não são linguisticamente analisados, (...)
incorporados. Elas podiam se comunicar de qualquer forma comigo.
E aí, eu deixava claro pra elas que, assim: “Aqui, a gente vai fazer só
atividade pra (...)”. (...) escutavam, (...) escutava, pra facilitar esse
outro meio, que pode ser muito útil pra elas (...), né? (...) elas. Se elas
conseguirem falar algumas palavras, pode ser útil. (Se) (uma pessoa)
não tiver a mesma, o mesmo código linguístico que elas têm. Então,
ela pode ser mais... Aí, (...) do funcional, ela pode ser mais funcional,
ela pode ter uma vida mais independente se ela sabe produzir
algumas palavras, e se ela pode produzir várias palavras.
Independente da estrutura linguística dela, da língua materna, do
meio mais rápido de comunicar. Né? Então, esse é o trabalho de
oralização, né? Uma outra coisa da... que aí eu já não... que eu sei da
I. [chama a menina pelo apelido], é assim: agora, a dificuldade, que
me chama a atenção, da I. [chama a menina pelo apelido], agora é a
dificuldade do interlocutor permitir, nem sempre, (...). Porque até
então, era só a I. [chama a menina pelo apelido] que tinha problemas
de se comunicar, (...) se comunicar, como se comunicar com o mundo.
E aí, de repente, a mãe, tem uma dificuldade visual. E aí a mãe tem
uma limitação de entender a forma de comunicação da filha, né? Que
é totalmente visual. (ter/alc-15c)
E – Hum, hum...
Alcione – Né? Então, é... numa relação que a gente criou (Irene-mãe),
que ela era mãe da filha, que bom que a mãe entende a filha, que a
filha entende a mãe... a gente sempre pensa assim: “Ah! O que que a
mãe tá sentindo?”, né? Aí, alguém assume. A irmã vai assumir. A tia
vai assumir. Mais, é quando a mãe tem uma dificuldade de se
comunicar, não com as outras pessoas, mas com a filha, né?
E – Como é que isso tem sido encaminhado? (...)
187
Alcione – Não sei. (Faz muito tempo). (...). A última vez que eu
perguntei foi... me falaram que ela tava aprendendooo... a língua do,
a língua dos sinais, é... não a língua dos sinais, é... o alfabeto, que
tava sendo muito por alfabeto na mão da mãe! Então, agora, a I. tem
que ter um meio comunicação geral, dela, com todas as pessoas, tem
que ter um meio de comunicação alternativo do alter... se a gente for
pensar no alternativo aooo oral, ela vai ter uma linguagem alter...
uma língua alternativa, um meio de comunicação, não uma língua
alternativa, mas um meio de comunicação alternativo ao... à maioria
das pessoas, né?, ao da maioria das pessoas. Então, a língua dos
sinais, os gestos, as figuras. Aí, agora, ela tem que ter um meio
alternativo do alternativo, pra falar com a mãe! Esse é um meio que
ela só vai usar com a mãe! Nesse meio, o contexto de vida dela é só
com a mãe. Outra forma pra se comunicar com o (...), o pai dela, né?,
com pessoas que têm a mesma dificuldade, e outra, pra falar com
quem não (...). Não é (...). Ela tem que ter três meios distintos. Isso é
linguagem. Ela tem essa estrutura pra fazer isso. Pra discernir,
distinguir com quem ela vai usar cada meio. Então, ela não precisa
dessaaa... dessa estimulação. Ela precisa de instrumentalização. Ah!
Né? Ela precisa ser... né? Essa, essa é a terapia com ela:
instrumentalizar. Com a mãe, você vai usar, (...): “Então! Vamos
treinar?”. Eu tive uma época com ela... eu lembro disso, de fazer um
pouco dessa (...) de cantar o (...). De tentar reconhecer a letra na
outra mão. Quando a mãe estiver começando a ter alguma
dificuldade da... visual. Então, a gente começou a fazer.
(E – E agora?)
Alcione – Mas, depois, eu não sei mais. Sei que agora elas estão
fazendo... então, tá claro, né?, que eu acho que (...) entra no (...), na
limitação, né?, dessa nova forma de comunicação da mãe de (...),
entendeu? É um caso que me angustia.
E – É?
Alcione – (...) quando eu via a mãe, da, da I. [chama a menina pelo
apelido], eu (...). “Meu Deus! (...)”.
E – Que foi uma coisa que aconteceu inesperadamente?
188
Alcione – Inesperadamente. Que uma coisa é quando a criança... a
gente consegue, né?... Até então, meu objetivo é: “Ah! Eu consi... eu
vou ajudar a mãe a fazer com que a criança se comunique dentro da
potenciali... dos potenciais, das potencialidades que ela tem... com o
meio que é mais favorável pra ela, pra mãe, pras pessoas que estão
próximas, né? Mas eu... e agora? O que que (...) com a mãe? Né? (...)
mas, (...) começar um outro investimento? Nossa! Por uma outra
linha de raciocínio... [Silêncio] É f...
E – Você gostaria de falar mais alguma coisa?
Alcione – Não. To bem. Satisfeita. Risos.
E – Risos.
Alcione – Eu to bem, eu gosto do que eu faço.
E – A-ham
Alcione – Hã... Hoje, eu não trabalho com surdo ou com deficiente
físico, eu trabalho com qualquer criança que tenha dificuldade de
linguagem: com autista... qualquer criança! Que tenha dificuldade de
uma linguagem ou na instrumentalização, né? Que isso fique bem
claro... Assim, isso fica bem claro pra mim e pras mães e pra quem tá
pré... perto. Que realmente é meu objetivo, qual é o meu objetivo,
onde eu quero chegar... e aí, eu dou alta sem grandes, sem... assim:
“Ó! Nesse momento... vai viver sua vida! Vai (...) Agora tá difícil de
novo? Então, vamos ver o que que tá acontecendo. Vamos fazer outra
terapia aqui. Agora tá boa? Vai, vai embora!”. Né? Não é um
trabalho de... pra vida inteira. Né? Não é isso.
189
Irene por Corina (professora)
E - É... Eu queria te perguntar se você poderia falar alguma coisa
sobre a Irene. Então, o nome dela na coisa vai estar protegido, tal.
Você lembra dela, né?
Corina - - Lembro... [simultâneo]
E - Filha do Aristeu e da Ercília.
Corina - - É... eu n...olha, eu sei que ela estava na escola...
estudando, a Irene... não...
E - O tempo que você trabalhou com ela...
Corina - - Ah, lá na escola de crianças surdas!
E - É...
Corina - Não sei se você sabe que a mãe dela está cega... né? Olha, a
Irene, o que eu lembro da Irene.......... ô menininha bonitinha, de
franjinha, cabelo sempre preso, muito arrumadinha...
E - Ahn [simultâneo]
Corina - - Né, muito bem cuidada, a mãe tinha uma, uma
preocupação do cuidado com ela, né... mas ao mesmo tempo era uma
Menininha assustada, aparentava ter medo, né, mas, assim, a nível
dee... de aquisição do conhecimento, eu acredito que era uma menina
que tinha um potencial muito grande, não sei como ela está hoje, mas
naquela época... e também isso...isso vai depender, esse desempenho
da criança, acho que vai depender muito das relações que, que estão
ali com ela também, né, porque o professor, dependendo do professor,
se ele está... consegue estimular bem aquela criança ou não, né, ee...
mas assim... Ela, eu acho que era uma criança que estava em
desenvolvimento muito bem, e que na verdade às vezes, era, ao redor
delas as relações que não eram muito... né... mas como criança, eu
acho que ela interagia bem com toda criança... não sei o que mais
você gostaria de saber dela...
E - É exatamente isso, o que você tiver de lem...
Corina - - É... é... O que eu lembro da lembrança que eu tenho dela é
isso, uma criança amorosa, né, uma, serena, calma, mas ao mesmo
tempo a, apresentava um medo, não sei se talvez pelo excesso de zelo
190
que a mãe tinha, E de proteção que a mãe tinha, porque a mãe
realmente protegia, né, ao mesmo tempo que ela cuidava, era uma
criança muito arrumadinha, penteadinha, cheirosa, mas esse excesso
de proteção também fazia com que ela talvez ficasse, assim,
assustada, mas interagia muito bem com as crianças, né.
E - E como você acha que essa cegueira da mãe interferiu?
Corina - Olha, eu não sei te dizer, porque, assim, eu não acompanhei
mais, né, encontrei a Ercília outro dia, nem sabia, encontrei a Ercília
numa audiência na Câmara dos Vereadores por conta
d...dessa...dessa luta da inclusão das crianças surdas, né, e ela estava
lá na... o que eu achei bacana, porque ela mesmo pega ali, acho que a
questão d... da cegueira dela eu não sei como aconteceu, mas Ela
como uma pessoa cega que se tornou uma pessoa com deficiência
visual, né, Éee... acho que começou a sentir na pele talvez o que a
filha dela enquanto surda também poderia sentir, não sei, essa
relação, “agora eu cuidava de alguém deficiente, agora eu também
estou deficiente”. E que isso pode acontecer com qualquer um de nós
na vida, né, eu não sou surda, mas eu tenho predisposição a ficar, já
tenho uma perda leve [risos], qualquer um de nós né, então eu
encontrei a Ercília na Câmara dos Vereadores, lá, lutando e falando
das dificuldades delas. “Agora, a minha filha é surda, é... eu sou
cega, eu não posso, ela não pode mais nem falar a língua de sinais
comigo porque eu não enxergo, como é que ela vai, né, estabelecer
uma comunicação?” E isso é uma coisa que nesse encontro que eu
tive, assim, rapidamente ficou pautada a questão dentro da
comunicação dela com a filha de que agora ela não estaria vendo a
filha, e a filha que é que é surda e fala... né, como é que ela ia
entender? Né, e realmente é uma situação assim, “agora eu fiquei
cega, o outro só fala em língua de sinais e agora eu não vou enxergar
o que ele me comunica”, né, então assim, é o inverso, é uma outra
situação, é... mudou...trocou as deficiências, né, “antes eu via”, né, eu
penso assim, antes ela enxergava a fil... o que a filha poderia dizer e
tudo, agora não, agora nem isso ela enxerga, eu fico imaginando, É, o
191
sofrimento dessa mãe, se antes ela... se antes ela se sentia im... com
impotência assim, Né, com a filha surda, agora ela também está se
sentindo impotente por causa da própria cegueira. E aí vem mais
ainda o f... agravante o fato de ela não conseguir mais enxergar a
filha, como é que vai, porque a filha não fala, como é que vai ser essa
comunicação. É pra estudar isso [riso]. Como é que vai ser essa
comunicação, não sei, mas ela lá Tava lutando, e ela colocou essa
dificuldade, né, “agora eu não enxergo, eu não vejo minha filha
falando em língua de sinais, né, e eu estou aqui pra lutar pra que ela
tenha realmente Um, um ganho na escola”, ela estava apostando ali,
a perspectiva dela de lutar para que a escola desse o má... o máximo
de respaldo pra filha, porque ela não...não...não teria condições de
dar, por causa da comunicação, né. E realmente é uma coisa difícil,
porque ela era Uma, era e deve continuar sendo uma mãe muito
zelosa, então eu não sei até que ponto isso daí a cegueira dela, se
houve alguma interrupção aí nessa relação afetiva com a filha, ou
ela... não sei...
192
RENATO
E – Muito bem, estamos gravando! Eu gostaria, então, que vocês, é,
vocês pais, pai, mãe e irmã do Renato me falassem sobre ele. Ele tá
presente.
Vilma - Certo, ok. Mas aí gravando. É, assim, é do começo?
E – De que você quiser. Fiquem a vontade, livres.
Vilma - Bom, então, então eu vou falar...
Lineu - ... Fala um pouquinho você, melhor inclusive, você está no
dia a dia dele direto com ele, você.
Vilma - É, mas aí mostra que eu também nunca, né, nunca, é. Bom, é,
eu vou começar assim, é, o Renato, vou começar do começo, o Renato
veio pra nós, eee, ooo, a primeira, sempre a gente, a primeira
pergunta é assim...
E – ... Algumas coisas eu vou anotar só pra marcar mesmo, tá?
Vilma - Então, a gente se perguntava muito “por que só e”... “por
que pra mim”? Eu vou começar assim, do começo. Mas ao longo do
tempo a gente muda, vai mudando a cabeça e ele veio porque ele
tinha que vim, né? Eee, e no começo foi pra nós, é, não foi muito
difícil de cuidar assim dele, né, porque na, pelo menos na nossa vida,
a gente teve, é, profissionais maravilhosos que nos ajudaram muito,
essa sorte nós tivemos. Ele ficou um tempo no, lá no Instituto de
Reabilitação Humana, lá na Doutor Arnaldo, ele ficou eu acho que
uns três anos...
E – ... Quando era pequeno?
Vilma - Quando era pequeno. Com um ano ele começou um
tratamento porque o me... o pediatra dizia que ele era preguiçoso.
Lineu - Não perceberam a dificuldade que ele tinha né. Ele...
Vilma - ... Até um ano ele teve todas as reações que uma criança
normal tinha, né, pai? Ele passava o brinquedo na mão do outro,
acompanhava os olhares. A única coisa que a gente observou que ele
demorou é de passar de, de sentado pra de pé. Aí com um ano, nós
tivemos a sorte de passar por um médico que realmente, ele
193
diagnosticou que ele tinha um probleminha que foi no parto. Só que
até aí a gente não sabia!
E – Vocês não notaram nada, os médicos não notaram nada...?
Vilma - ... Não.
Lineu - O médico já disse que quando nasceu que ia ter um
probleminha...
Vilma - ... É que ele faltou oxigênio no cérebro. Mas ele teve, é
interessante que ele teve todas as reações normais de uma criança
naquela idade. Só que aí, igual eu falei pro cê, ele demorou pra dar
essa parte assim, de por exemplo, de sentar, engatinhar, sentar e
levantar.
E – A Catarina é mais velha ou mais nova?
Vilma - Mais...
Lineu - ... Mais nova...
Vilma - ... Mais nova. Aí com um ano a gente começou a fazer o
tratamento. Foi diagnosticado que ele tinha pc, então nós tivemos
muita sorte em ter um lugar que nos acolheu muito bem. Ele fez o
tratamento com o fisiatra, o doutor Savio Leite e ele ficou naquele
instituto, é, três ou quatro anos, fazendo fono, físio, terapia em grupo,
então foi muito bom. Aí depois nós mudamos, é, fizemos um, fomos
pra associação de reabilitação que fica em São Paulo, ali também foi
maravilhoso, né. E, aí com cinco, seis anos, a associação de
reabilitação deu alta, porque ele era... apesa... mesmo apesar dessa
deficiência no andar que ele tem, mas ele era independente. Então a
associação de reabilitação deu alta pra ele porque lá ele, que lá ele
não podia ficar. Aí pra ele ter, por exemplo se ser sociável, eu
consegui aqui no município uma escola que ele ficou dois anos pra se
sociabilizar, que foi uma escola que no... que nos ajudou muito
porque naquela época ninguém queria.
E – Entendi. Ô, Renato, o que que cê andou pensando aí que você
deu risada?
194
Renato - Não é, não, é, é que a escola, é que eu ia lá pra assistir
televisão.
Vilma - Não é, não é essa ainda. [palmas de Renato] Não é do
Instituição externa M, você tava na escola Alfa.
Renato - Na Escola Alfa pra depois passar pro...
Vilma - ... Instituição externa M, então, essa escolinha ela pegou
assim, éee, ela, ela era muito difícil no começo alguém ter essa
proposta de pegar alguém diferente. E essa diretora ela me pe... me
pegou...
E – ... Era uma escola comum?
Vilma - Era um escola comum, infantil. Naquele bairro mais perto do
centro, Escola Alfa, ele ficou dois anos, só por, éee, pra
sociabilização. Aí depois ele entrou na escola da prefeitura, só que
ele não ficou porque o, o Renato pra ele aprender ler e escrever, foi
muito difícil, pela própria coord... isso foi me dito, pela coordenação
motora. Pela coordenação motora, e, e ele é muito disperso. E
disperso demais! Então ele não chegou a aprender a ler e a escrever.
Aí ele ficou nessa oficina da prefeitura e como não tinha oficina
pedagógica, eles me mandaram procurar uma outra escola. Aí eu
procurei a Instituição externa M.
Renato - É o que eles montaram uma oficina de, de marcenaria.
Vilma - Isso. Ela tinha uma oficina pedagógica, a Instituição externa
M, ele ficou lá acho que uns cinco anos, né, pai. Cinco anos, onde a
firma me ajuda... ajudava em quarenta por cento. Era particular. Eee,
ele ficou por lá um bom tempo. O que que você fazia só lá na escola?
Renato - Eu só ia lá assistir tevelisão...
Vilma - Ele só sabe falar da....
Renato - ... E capacitava tudo na sala de vídeo...
Vilma - ... Ele só falava disso...
Lineu - ... Tinha piscina, não tinha piscina também?
Vilma - Tinha piscina. Não naquela época não tinha, ela tava
fechada. Ela não funcionava naquela época. Eee, aí ele ficou lá um
bom tempo... an?
195
Renato - Eu, eu fiz porque tenho foto de piscina do Instituição
externa M tava eu [risos do Renato].
Vilma - Ah! Ele fazia sim, depois de um bom tempo. Aí, tá certo? Tá
certinho o que eu to...?
E – .... Não, tranquilo. Tranquilo, não tem nada errado, não. Tá
ótimo, to adorando. [risos da entrevistadora]
Vilma - Aí, ele ficou lá, uns cinco anos, e onde que inaugurou essa
escola da prefeitura que tem, que tem oficina pedagógica.
E – E ele passou sempre, ficou sempre nessa escola, que é escola
especial?
Vilma - Sempre, ele tá até hoje.
E – Desde quando inaugurou?
Vilma - Desde quando... aquele prefeito virou deputado, quando ele
fez essa escola, era pra ser um sonho essa escola...
Renato - ... Não daí...
Vilma - ... Era pra ser a melhor da América do sul...
Renato - ... Mãe! Mãe!...
Vilma - ... Só que... ele tá até hoje lá, nessa escola...
Renato - ... O campo ... quando ele desceu lá! [batidas de palmas]
Vilma - É que o, nossas crianças gostavam muito do daquele prefeito
que virou deputado, porque ele chegava de helicóptero, era uma festa
toda. Eee ele tá até hoje.
Então, é assim, nós tivemos sempre pessoas que nos ajud... é, nós
tivemos muita sorte, realmente. Nós tivemos, igual, essa diretora da
escola Alfa pra ele, pra ela, pra ela, pra ela pegar ele pra ficar, que
nem ele ficou, dois anos, só pra ele ter o contato com crianças ela
precisou falar com os pais, sabe?
E – Explicar, né?
Vilma - O porq... É complicado, né. Porque isso, isso antigamente
ninguém queria.
E – E esses pais? Ela conversou com os pais e como é que foi isso...?
Vilma - ...Conversou, os pais aceitaram.
E – E vocês conversaram também...?
196
Vilma - ...Não chegamos...
E – ...Só a professora..?
Vilma - ...Só a professora. Aliás a dona da escola, é Mirella, né.
Lineu - É, a dona da escola conversou e a professora que cuidava
dele também. Acho que eram poucas crianças então...
Vilma - ... Eram o quê, cinco, seis, sete anos, que ele tinha que era só
pra sociabilização. Então eu, eu tive muita sorte.
E – Você fala que você teve muita sorte porque você acha que os
pais, por exemplo, poderiam não ter aceitado?
Vilma - Não, assim, eu digo muita sorte de, da, da gente poder ter
conseguido fazer, porque tem muita gente que não consegue. Você
entendeu?
E – E como que você acha que seria? Como teria sido se vocês não
tivessem tido sorte?
Vilma - Num sei...
Lineu - ... Eu acho que ele não estaria assim.
Vilma - Ele não estaria assim... porque onde eu com ele...
Lineu - ... Porque se eu não tivesse condições ele não tava assim...
Vilma - ... Ele não tava assim. Olha se...
Lineu - ... Porque o cuidado com essas crianças assim, aqui no
Brasil, eu acho que não tem...
Vilma - ... Não tem...
Lineu - ... e na associação de reabilitação, na associação de
reabilitação, conforme o caso, não éee, não fica na associação de
reabilitação, só coisa mais grave, né. E ele como é diferente, então, a
agente cuida dele como pode...
Vilma - ... Você sabe porque que eu falo assim? Outro dia, quando
ele era pequeno, com essa dificuldade que ele tem e ele vai ter
sempre, essa dificuldade de andar, eu tava andando na calçada e
tinha um médico andando atrás de mim e pegou, pegou e falou assim:
“mãe, ele é p.c.?” e eu falei: “É”, aí ele falou assim: “Olha,
parabéns, porque ele tá muito bem!”. Você entendeu, se eu não
tivesse, toda essa chance deu, eu, eu agradeço muito, talvez o Renato
197
hoje, ele não seria tão independente, ele é, pelo problema, ele é muito
independente.
E – Se vira sozinho pra tudo, toma banho, coloca roupa, tudo?
[VL juntos] - Tudo.
E – Amarra o sapato?
Vilma - Não, ainda não consegui. [risadas de todos]
E – Nem tudo né, Renato, mas tudo que dá, né.
Vilma - Mas ele é muito independente. Inde... assim, igual, pra
associação de reabilitação, quando ela deu alta pra ele, é, ele indo no
banheiro sozinho e, e comendo, ele já é independente. E aí: “onde que
eu vou pôr ele?”, Cê entendeu? Nossa, ficou uma coisa, “Meu Deus,
onde que eu vou pôr?” e corre, corre, corre.
Vilma - ... Agora, você sabe o que eu acho engraçado? O, o Renato
desde pequeninho, ele nunca fi... ele sempre tava, ele sempre tava
dentro de tudo. Ele nunca ficou assim, né, pai, ele nunca ficava,
assim, éee, distante. Éee, ele nunca, ele sempre estava ali no meio, ele
nunca ficava assim, isolado.
E – Ahn, mas você fala isso na tua família ou em todo lugar?
Vilma - Todo lugar. Nossa, ele nunca ficou, do jeito que ele podia
brincar, quando ele era pequeno que a gente trazia o, o, dois irmãos
aqui pra brincar, mesmo do jeitinho dele, com a dificuldade, ele, né,
pai, ele brincava pra caramba, e, nossa, ele nun... nun... nunca ficou
assim. À parte, nunca.
E – E as crianças também o deixavam a vontade?
Vilma - Também.
Vilma - Nossa ele nunca ficou assim...
Vilma - ... Ele nunca ficou assim, isolado. Ele sempre está no, né,
Catarina, ele sempre está no meio do...
E – E que que você acha disso, Renato que a tua mãe tá te falando,
falando sobre você? É isso aí, é...?
Vilma - ... Não é verdade? O Renato sempre se relacionou bem com,
com outras pessoas.
198
E – [risadas da entrevistadora] O que mais você quer me contar de
você?
Renato - Éee, Eu é, [risadas do Renato] é, tinha, eu fui na, ann, no
tempo que tinha da, éee, aaa, não que tinha, na cidade, no show, do,
Raça Negra é que eu, é cheguei lá e, e vi, e vi, e quase me assustei,
no, na cidade que meu pai levou, eu.
E – Porque você quase se assustou? O que que aconteceu?
Renato - [risadas do Renato] Tinha barulho, daí lá, eu, eu, se
assustei.
E – Por causa do barulho? Esse barulho vinha de onde?
Renato - É que eles tava fazendo show na cidade.
E – Ah, entendi. Você não gostou do show? [risadas e palmas do
Renato] Mas assustou com o barulho, tava muito alto? Entendi. E
você gosta de música? Quem é que você mais gosta de música, me
conta.
Renato - É que veio aqui ooo, [risadas de todos] “ você quer que eu
cante?”...
Vilma - ... Não....
Renato - ... o CD do Silvio Brito...
Lineu - ... conta você...
E – Ah, é, ele veio aqui na cidade?
Renato - Não, na minha casa.
E – Na sua casa? É... como assim? Ele ficou teu amigo?
Renato - Quase que eu fiquei. Eu tenho, ele entrou aqui na sala e
falou “Vamos na cozinha”, daí quase que eu fico...
Vilma - ... Você ficou emocionado, né?
E – Já conhecia ele, Renato? Antes dele vir na sua casa?
Renato - Não, éee, não, é, porque, minha mãe que escutava o, ele.
Daí ele, daí ele tava na rádio, daí eu ganhei o CD dele.
E – Uau! Não só o CD, a visita também.
Renato - A visita.
Vilma - Ele é muito legal!
E – Como é que foi, era uma promoção?
199
Vilma - Então eu ouço muito um programa, que ele faz, que fica na
capital, e tinha uma promoção aqui no município, mas o Renato já
gostava dele, das musicas, aquela “Espelho, espelho meu”...
Renato - ... Não, é o “Espelho mágico”...
Vilma - ... É, “pare, parem o mundo que eu quero”, sabe essas
músicas...
Catarina - ... “Tá todo mundo louco, tá todo mundo louco... oba!”
Vilma - ... Lembra? E ele sempre gostava dessas musicas, só que a
gente ia no mercado não achava o cd e aquele dia tinha uma
promoção aqui no município pra ganhar o cd. Ai ela tava de féria e
falou: “Mãe, liga lá que você ganha”. E falei: “Que eu vou ganhar
nada”, mas liguei e não é que eu ganhei! E ele veio em casa, depois, à
tarde, nossa ele ficou. Ele se emocionou muito que ele gostava das
musicas dele, e esse cd que ele fez, ainda bem que tem as musicas que
ele gosta, e ele incluiu. E foi muito legal, ele é muito simples e ele veio
visitar.
E – E parece que o Renato se assusta um pouco com barulhos muito
alto, é isso?
Vilma - Ah, e o Renato não gosta de som muito alto. Ele ouve...
Lineu - O problema dele é rojão.
Vilma - E o problema dele é rojão.
E – Quer dizer que se o corinthians tiver jogando...
Vilma - ... não mais aí ele sabe... não aí ele sabe...
(...) Vilma - ... Não, mas ele tem um negócio que ele põe...
E – Ah, protetor auricular...
Vilma - ... protetor, de, de, de firma. Foi a solução que eu achei. Ó a
única coisa que eu, real... eu queria mesmo saber, o porque que ele, a
única coisa que ele tem mais medo, ele tem, não é medo, ele tem pavor
de rojão. Olha, eu já procurei um monte de coisas, éee, eu não sei,
deve ter alguma coisa que eu não sei o que. Eu já... uma vez eu tava
conversando com o doutor Diniz aqui da associação de reabilitação
que ele passa aqui numa associação de reabilitação que tem no bairo
da zona sul eventualmente. Aí outro dia, eu vi uma reportagem na
200
televisão de uma moça que fez, éee, regressão. Só que o doutor
Duarte não aconselha a fazer. Olha eu já tem tentei um monte de
coisa, eu queria, ele tem pavor, por exemplo, ele sabe que no final do
ano tem, natal tem, copa do mundo tem, ano novo tem, jogo tem, mas,
éee, por exemplo, foi, foi no sábado, por exemplo à tarde, se ele tiver
almoçando, ele pára de almoçar, ele não come, do, assim, algum
rojão esporádico, sabe?
Catarina - É que ele se assusta, né? Ele não espera... fica
transformado, né, a fisionomia dele muda...
Vilma - ... gente... muda. Eu não sei, já tentei, eu já fiz um tratamento
espiritual, fui fazer, mas eu não obtive assim, eu não vi que melhorou.
Mas realmente eu, eu gostaria de saber.
201
RUI pela família (mãe: Cida)
E – Rui, eu gostaria que você me falasse sobre você, livremente. Tudo
o que você quiser. [pausa] A sua mãe vai ajudar a traduzir algumas
coisas que talvez e, eu, eu não consiga entender direito. Eu vou botar
aqui o gravadorzinho, tá?
Cida – Tá.
E – Aqui eu acho que vai pegar bem a voz dele.
Cida – Fala, Rui...
Rui: A escola de educação especial é uma escola de deficiente
auditivo, conhece?
E – Quem?
Rui: Deficiente auditivo
Cida – Na unidade de terapia educacional lá da escola de educação
especial...
E – Ahn...
Cida – ... tem deficiente auditivo
Rui: auditivo
Cida – Sabe?
E – Deficientes auditivos. Crianças?
Cida – Lá na escola de crianças surdas, né, Rui?
Rui: porque a tem um monte
Cida – U-hum
Rui: um monte de criança desse jeito
Cida – U-hum
E – Eu não consegui entender, Cida...
Cida – Ele diz que lá na escola dele só tem criança assim desse jeito
E – Do seu jeito?
Cida – É [riso]
E – Certo. Você é uma criança? [pausa] Você é uma criança?
Rui: Não.
Cida – Você é o que, Rui? Responde, você é uma criança?
202
Rui: Adulto
E - Você é um adulto? E lá onde você estuda tem pessoas que são
crianças?
Rui: Alguns usam cadeira de rodas
E – Algumas...
Rui: Alguns, alguns! Que vêm comigo no micro, usam cadeira de
rodas
Cida – U-hum!
Rui: Alguns (...)
Cida – É, Rui...
Rui: Não usa?
Cida – Usa. Os que vão na cadeira de roda são do micro, porque lá
na escola dele também tem crianças que andam.
E – Certo.
Rui: (...)
Cida – [simultâneo] (...) vai no micro...
Rui: (...)
Cida – É, Rui
Rui: (...)
[grito de uma criança]
Cida – ???
Rui: (...)
E – É, tá, vão com ele, é isso? “Vão comigo”?
Cida – N... não! O, os cadeirantes vão num micro adaptado e os
outros vão num outro ônibus.
Rui: [simultâneo]
E – Tá. E você, vai como na escola?
Rui: Com as crianças, vem um micro me pegar
E – Sim...
Rui: Meio-dia aí eu vou
E – Vem o micro te pegar e aí você vai...
Rui: (...) condução da escola, da escola mesmo
Cida – É da escola mesmo
E – Certo.
203
Rui: Condução
Cida – U-hum!
E – Condução...
Rui: (...)
Rui: (...) violão
Cida – (...) quando ele vai dar o violão...
Rui – [simultâneo] (...)
E – Você vai ganhar violão?!
Cida – E ele precisa (...) sozinho
E – E vai aprender a tocar?
Cida – Vai aprender. Você quer aprender a tocar violão?
Rui: Eu acho melhor do que violino
E – Você acha melhor aprender o violino?
Cida – Não, melhor
Rui: (...)
E – Ah, melhor que o violino
Rui: [simultâneo] (...)
Cida – É melhor ... as cordas (...)
E – Ah! Ah!
Rui: medo
E – Não precisa ter medo. Isso não vai
Rui: [simultâneo] ...não aprendi
Cida – (...) ele não aprendeu
E – Ah! Esse é o medo do
Rui: [simultâneo] medo
E – Esse é o medo do violino ou do violão?
Rui: do violino
E – Do violão você não tem medo?
Rui: A corda é muito fraca
E – Sei
Rui: a corda
Cida – A corda, a corda
204
Rui: é muito fraca
Cida – muito fraca
Rui: qualquer coisa arrebenta
E – Qualquer coisa arrebenta
Rui: (...)
E – É
Cida – U-hum
E – Aí [risos] aí não é seu barato, né, Rui [risos da entrevistadora]
Tá certo
Rui: uma menina...
E – Uma menina?
Rui: Eu nunca ouvi ela tocar
Cida – Nunca ouviu ela tocar, porque ainda ela tá aprendendo, Rui,
com a família. É que ela não aprendeu ainda
Rui: Nunca ouvi tocar, eu acho tão bonito
Cida – Ele gosta muito (...)
Rui: [simultâneo] ...orquestra
Cida – orquestra
E – Cida, eu gostaria de você me falasse um pouco sobre o seu filho
[pequena pausa]
Cida – Dele agora, ou, ou
E – O que você quiser...como você quiser
Cida – [risos] Rui, o que a mamãe vai falar de você, Rui? Ahn? Você
é muito, o que que você é, fala pra mãe. Muito...
Rui: ciumento
Cida – Ciumento
Rui: (...)
Cida – É um menino muito ciumento
Rui: [simultâneo] Eu tenho muito ciúme dessa Kombi
Cida – Tem ciúme do irmão dele
Rui: (...)
Cida – Rui
205
Rui: (...)
Cida – Hum
Rui: (...)
Cida – É
Rui: (...)
E – Se cai, quebra
Cida – Quebra
Rui: Quebra, é muito delicado
Cida – É, Rui, é
E – E o que que você pode contar da história do Rui, hein, Cida?
Cida – Nossa. Tanta coisa, né, Rui. O problema dele foi muito, né,
muito difícil
E – O que que aconteceu?
Cida – Assim, até um um tempo, cinco aninhos ele era todo mole, não
Rui: Tinha convulsão
Cida – Tinha convulsão. Agora toma remédio, não tem mais, né, Rui
Rui: [simultâneo] (...)
Cida – Depois ficou melhor , depois muito doentinho, muita
pneumonia
Rui: [simultâneo] (...) remédio
Cida – Hoje que ele tá bem melhor
Rui: [simultâneo] Eu tomo dois remédios
Cida – Agora é só teimoso, muito teimoso
Rui: [simultâneo] Um a noite e um de dia
Cida – Mas...
E – o arroz? Ele toma dois remédios?
Cida – Toma dois
E – O arroz?
Cida – Não, um de noite e um de dia
E – Ah, eu entendi arroz
Rui: pra amolecer os músculos
Cida – Pra amolecer os nervos
E – Pra não ter convulsão, é?
Rui: (...) violão
206
Cida – Hum
Rui: ...músculo mole
Cida – U-hum
Rui: (...) pra poder fazer esse movimento
Cida – É verdade
E – Eu não entendi, você pode traduzir?
Cida – É por, por, ele tá tomando esse remédio pra ficar com os
nervos mais mole pra poder fazer este movimento de tocar o violão
E – Ah, entendi
Rui: violão (...)
Cida – Né, Rui
Rui: [simultâneo] (...) movimento
E – E quem que acompanhou o Rui?
Cida – Sou eu
E – Ééé, eu falo do, de médico, quem que, é o médico...
Cida – Ah, tá, de médico
Rui: (...)
Cida – neuro
E – Ahn
Rui: [simultâneo] (...)
Cida – Neurologista
Rui: [simultâneo] (...)
Cida – (...) tá aqui ó
Rui: (...)
Cida – Pediatra
E – Ganhou cadeira de rodas?
Rui: [simultâneo] cadeira
Cida – Ganhou
Rui: [simultâneo] (...)
E – E é bom pra você andar de cadeira de rodas?
Rui: (...) Cida – Tava na piscina fazendo hidroterapia, mas não quis ir
mais, foi cortado, porque ele faltava
E – Ahn
207
Cida – Porque o horário dele era oito horas
E – Ahn
Cida – Da manhã, e aí ia acordar ele, ele não queria ir de jeito
nenhum
E – Tá
Cida – Aí acabou sendo cortado daí
Rui: (...)
Cida – Agora tem a fisioterapia também que eu, que tá levando, ele
fala que não quer ir na fisioterapia e quando ele coloca alguma coisa
na cabeça, fala que não quer ir, não adianta, ele não vai. Às vezes
acontece do micro chegar aí no portão e ele fala que não quer ir pra
escola
E – E você...
Cida – O chato do Rui é isso
E – Você...
Cida – Eu fico muito chateada com ele, mas não tem como, se eu vou
com ele, aí chega na escola e ele não, não entra e faz birra
E – Tá. Quem, quem vai nas, nas atividades dele com ele é sempre
você?
Cida – Só, só eu que acompanho ele em tudo
E – O pai vai?
Cida – O pai só levava na hidro, terapia, aí desistiu também por
causa disso aí
E – E a irmã
Cida – [simultâneo] Porque o Rui fica...
E – A irmã também vai de vez em quando?
Cida – Não, a Pietra não vai
E – Não
Cida – Muito difícil. Tudo trabalhando, então, andando, né
E – Mas ela ia, numa época ela ia
Cida – Ela ia. Isso, aí ela ia quando ela era bem pequena, a gente ia
lá na unidade de terapia educacional
Rui: (...)
208
Cida – Que ela era pequena, né, não deixava
E – Tá, então, quer dizer que até os cinco anos...Quando ele nasceu
os médicos disseram alguma coisa?
Cida – Não, só com três meses, que ele tinha um problema. Aí fui
fazer
E – O que que os médicos disseram?
Cida – Só que ele tinha algum problema
E – Não sabiam o que?
Cida – Não sabiam o que
E – E não sabiam a causa?
Cida – Não. E enca...encaminhou pro neuro pra fazer exames, todos
os exames não dava nada. Aí com o tempo fiz o, fui na, na cidade, ai,
na Cidade Universitária, foi ali que eles falaram que o Rui tinha para,
tinha tido paralisia cerebral
E – U-hum
Rui: na hora do parto
Cida – Na hora do parto, tinha retardo motor
E – U-hum
Cida – Então, aí, foi na, foi, não falam se foi porque atrasou pra
nascer
E – Atrasou?
Cida – Qual foi a causa. Não, nunca me falaram. Não
E – Você se lembra de alguma coisa, assim, que
Cida – Eu não me lembro, de nada
E – Ele é teu filho mais velho?
Cida – É
E – Então, o Rui sabe de toda a história dele?
Cida – Sabe. Tudo
(...)
Cida – Participa junto. O Rui sabe, à vezes, até mais que eu
Rui: [simultâneo] (...) [36:56]
Cida – Lembra de tudo, às vezes eu não lembro das coisas e ele
lembra. [voltando-se para o outro filho] “Ô Tadeu! Para com isso!”
209
(...)
Cida – Com cinco anos ele teve a primeira crise de convulsão
E – Ah, até então não tinha tido?
Cida – Não, não tinha
E – E entre os três meses que você ficou sabendo e os cinco anos, que
que aconteceu?
Cida – Ai, e aí começou a fazer os tratamentos, que era fisioterapia,
fono, muitas coisas, ia com ele, sempre ao médico, fazendo os exames,
aí com cinco aninhos ele teve essa convulsão, aí, mais frequência tive
que ir no neuro, né, com ele, fazia acompanhamento melhor, e até
hoje. E aí, com sete anos eu pus na, na associação de reabilitação,
tinha completado sete anos eu fui lá na associação pra ver se eu
conseguia alguma coisa lá pra ele, não consegui, com o tempo foi que
eu consegui só consultas, né
E – Por que você não conseguiu?
Cida – Não sei, porque não se enquadrou com, porque as crianças de
lá ééé... eles preferem mais é, deficientes físicos, né, do que mental
Tadeu – Cida!
Cida – Oi Tadeu
Tadeu – (...)
E – No caso dele...?
Cida – Ele é mental
Rui: [simultâneo] (...)
Cida – Ele precisou de oxigênio, né, paralisia
Rui: [simultâneo] (...)
Cida – Aí também, né, aconteceu a mesma coisa. Ele só faz
acompanhamento médico, não tem uma atividade que ele possa ir,
tem piscina, tem tudo, mas não faz nada... e aí fez o
Rui: [simultâneo] (...)
Cida – Com oito, com oito aninhos, nove que ele foi pra unidade de
terapia educacional,
Rui: [simultâneo] (...)
Cida – Ele foi pro centro de avaliação e terapia, depois unidade de
terapia educacional e agora
210
Rui: [simultâneo] escola especial
Cida – escola de educação especial
E – Quanto tempo faz que ele tá nessa escola?
Cida – No na escola?
E – É
Cida – Deixa eu ver, quantos?
Rui: [simultâneo] Uns três
Cida – Três anos, três anos
E – E o Rui consegue andar sozinho?
Cida – Não
E – Ele precisa de ajuda?
Rui: [simultâneo] (...)
E – Se for ajudado ele anda?
Cida – Se segura ele anda
Rui: (...) que dói
Cida – Ô meu Deus
[crianças brincando]
Cida – Pronto Tadeu, ó aí
Rui: (...)
Cida – Agora já era, né, Tadeu. Tadeu
Rui: ...comer
E – Eles comem?
Tadeu – Tem pão duro
Cida – Que pão duro. Ô Rui, engole a baba
Rui: você quer pão duro toma...
Cida – Ixi, Rui. Briga com ele
Rui: eu vou comer...
Cida – [risos] Você entendeu o que ele falou, Lígia?
E – Não
Cida – Você quer pão duro, toma. Eu vou comer pão novo
[risos da entrevistadora]
E – Eu vou comer pão...?
Cida – Novo
211
Cida – Ele começou a rir
Rui: ontem eu comi pão velho [risos da mãe]
E – Que que é?
Cida – Ele fala até o que não deve, pode?
E – Traduz pra mim
Cida – Ele falou que ontem ele comeu pão velho
[risos da entrevistadora]
Tadeu – Êêêê
[alguém tossindo]
Tadeu – Ihhhh
Cida – [risos da mãe] Ai, Rui, por quê?
Rui: Vai embora, vai embora
E – O que que ele tá falando, que vai embora?
Cida – Vai embora, mandando os meninos embora
[risos da mãe e da entrevistadora]
E – Por que você tá mandando os meninos embora?
Rui: ...minha perua
Rui: Eu não deixei
Cida – Não deixou
E – Iam brincar com a sua perua?
Rui: ...vai quebrar
Cida – É a perua, vai quebrar
E – Iam quebrar, né
Rui: é muito sensível
[risos da mãe]
E – É muito sensível? [risos] Eu acho que essa, não é a perua que é
sensível
Cida – Eu tô achando também, né, não é a perua que é sensível, não,
Rui
E – Éé, olha como ele ri [risos] e é assim, é sempre assim?
Cida – Sempre
E – O irmão
Cida – Quando é...é mal-humorado
212
E – Hã? É?
Cida – Ele é mal-humorado
E – É nada
Cida – Tem dia que ele tá muito mal-humorado
Rui: (...)
Cida – Tem dia que ele não quer nada,
Rui: (...) Conhece o...
Cida – Nem comer, tem dia que ele não quer comer
E – Rui?
Rui: Que tem um cachorro...
E – Ah, quem que você tá falando?
Cida – Ele falou que tem um menino que tem um cachorro, que ele
manda até o cachorro cala a boca, ele cansa de...
[risos da entrevistadora]
Cida – Ele fala cada bobeira
Quando precisa ir ao banheiro, como é que é?
Cida – Eu que levo ele
E – Mas ele precisa usar
Cida – Fraldas? Não, ele saiu com 15 anos da fralda
E – Então teve um trabalho, aí, pra ele, ganhar mais autonomia
Cida – Teve e muito
E – E onde foi feito esse trabalho?
Cida – Eu mesmo em casa com ajuda, também, né
E – E a escola, lá, o lugar onde ele ia ajudava?
Cida – Não, nessa parte assim de, que você fala, de atender prof...,
de, não, isso aí foi mais meu lado mesmo, porque eu fui numa, na
associação de reabilitação e os médicos da associação de
reabilitação falaram que talvez ele não sairia da fralda, ia ser muito
difícil, talvez até tomando remédio pra ter controle. Aí não, eu vou
tentar tirar
E – Isso com quantos anos?
Cida – Isso ele já tinha 15 anos, 14 anos
E – E até então ele ficou dos 7 até
213
Cida – 15 anos usando fralda
E – No centro de avaliação e terapia tem
Cida – É
E – E lá ele usava fralda?
Cida – Até 15 anos ele usava fralda
E – Tá
Cida – Lá na unidade de terapia educacional
E – Tá, daí ele começou a sair
Cida – Ah, saiu, aí eu comecei devagar, né, deixava em casa sem,
quando ia pra lá colocava a fralda, mas ele não fazia na fralda. Aos
pouquinhos fui tirando e tirei de vez. Aí tirei pra dormir também.
Agora pede tudo, até segura se for preciso
214
Rui por Eneida
E só lembrar do Rui, maravilhoso, né? Porque ele era o deficiente
eficiente, que eu vou falar, eu não cheguei a falar do Rui, né?
E - Não sei.
Eneida - Acho que não. Ele era da unidade de terapia educacional,
depois que ele foi pra especia., Ele foi minha grande paixão, porque
ele... ele era um ‘pecezinho’, ele deve estar hoje com seus vinte anos,
dezoito pelo menos, ééé, só que ele anda com ajuda, e não adianta
colocar andador nele, ou órtese, ou muleta, eu não sei o que é
exatamente, mas ele tem um comprometimento de tronco e cintura,
que não permite, que não dá segurança de ele conduzir o andador,
então ele precisa do apoio da pessoa mesmo. Segundo os
fisioterapeutas, o destino dele é a cadeira de rodas conforme ele for
envelhecendo e debilitando o corpo, né, Mas a mãe, que é menor do
que eu, segurava ele aqui do lado, né [indica no próprio corpo], e ele
andava bem. Chegou na escola especial, como não tinha ninguém
para conduzi-lo, enfiaram o menino numa cadeira de roda. Eu falava
“Gente, a gente não pode fazer isso, ele não é cadeirante! Ele anda!”
“Não, Eneida, é só pra ir da... daqui até a sala de vídeo, daqui até a
sala de informática. Não, porque no pátio ele fica melhor lá, porque
ele senta e os próprios alunos empurram” “Gente, mas ele não é
cadeirante! A gente não pode limitá-lo ainda mais!”. Então na escola
especial enfiaram ele numa cadeira de rodas e ali ele ficou. Mas ele
andava. Agora, e ele falava com muita dificuldade, com muita, tinha
uma boca grandona, os dentes todos tortos, né, ele falava com muita
dificuldade... Mas era super inteligente, divertido, super hiper fora
(inaudível) inteligente e divertido. Tudo ele entendia, ele gostava
muito de mim, ele era atendido nas segundas-feiras e teve uma época
que ele ia dois dias na semana, até o Milton falava que “a Eneida que
sabe falar o [som – fala] como ele e traduz as coisas dele pra nós”,
né, ahn, então toda segunda-feira, ele ia terça-feira, ele ia terça, aí
ele chegava pra mim e [imitando o jeito de falar de Rui]“Eneida,
você viu a Hebe ontem? [sons do menino falando]”[risos] “Eu vi”
215
Quer dizer, eu dava até uma passada na Hebe, porque eu sabia que
ele ia m... “[imita Rui] ”.
E - Eu lembrei dele.
Eneida - Lembrou? Sensacional, né? Sensacional!. E ele fazia de
tudo, ele fazia fofoca, ele brigava, ele provocava os outros alunos, ele
e o Bento não se pegavam de jeito nenhum, se odiavam. Teve até uma
vez também, a Valquíria morreu, tem um ano e meio, a Valquíria era
uma moreninha, uma pc muito comprometida, muito, tinha uma parte
respiratória muito prejudicada, mas também tinha um cognitivo
maravilhoso e um temperamento de anjo, ela faleceu agora acho que
d... deve estar fazendo dois anos agora no final do ano, ficou muito
mal, muito tempo de UTI, e o Rui e o Paulo, na ponta e outra aqui de
um lado e a Val entre eles assim um pouquinho atrás, porque ela
tinha uma cadeira muito grande, né, por causa da posição do pé, e ela
ficava mais afastada da mesma, e os dois lá começaram a brigar, né,
brigar, se bater com comprometimento motor, né [riso], brigar, e a
gente ali, não viu, de cara, que eles estavam brigando, ela,
coitadinha, com todo o esforço da deficiência dela, conseguiu
empurrar a cadeira até chegar entre eles, né, quando nós vimos, ela
estava lá no, [rindo e fazendo o gesto]
E - Pondo a mão em um e no outro.
Eneida - Pra separar, [rindo] Eu falei “gente, olha que sensacional”,
aí a gente separou, aí [sons] “Cheg... Pára com isso, pára! Olha a
Val, coitada dela, nervosa, estressada, preocupada com dois
marmanjão deste tamanho!” E ela lá. [risos da entrevistadora] Aí
quando teve a inauguração da associação de reabilitação aqui,
lembra que foi um evento de projeção nacional, né...
E - Hã...
Eneida - Que foi a segunda, acho, que aquele empresário construiu,
foi a deste município, né, aí vinha a Hebe pra inauguração, e eles
vinham todos, né, de ônibus pra inauguração. E o Rui lá: “A Hebe
vem! A Hebe vem!” [risos da entrevistadora], aí nós viemos com o
nosso carro, né, chegamos primeiro, já pra esperá-los e acomodá-los,
né, e aí nós ali na frente, ali na porta, ali no portão principal da... da
216
associação de reabilitação, cheio de repórter, cheio de gente de tudo
quanto era tipo lá, chega o ônibus da especial e estaciona ali bem na
porta de entrada, nós ali, o Rui na janelinha, “Eneida, a Hebe já
chegou?”, [risos] Ele me viu lá no meio, “[imita o modo de falar do
Rui] A Hebe já chegou?” [risos] Bom, aí tem foto dele com a Hebe,
abraçado, beijando e tudo o mais, né [risos da entrevistadora]. Muito
lindo ele. Aí teve uma época que ele cismou que ele ia casar comigo.
[risos] Eu falava “Por que que eu vou ter que me casar com você?
[imita Rui] E aí nisso...
E - Mas o quê?
Eneida - Ele n... falava lá, um monte de coisa.
E - Mas o quê?
Eneida - É que ele ria muito...
E - É que você falou [imitando] eu não consegui ouvir...
Eneida - [imitando a fala de Rui]
E - Ahn...
Eneida - Ele ria muito, porque ele sabia que eu não ia casar. Né?
E - Ahn...
Eneida - Aí, é, o vô dele faleceu, o vô dele morava no interior aqui
perto, faleceu, e ele ficou uns dias afastado pra ir lá no velório, né,
enfim, aquela coisa toda de família, e tal. E aí ele falou pra mim
quando ele voltou, “Eneida, você vai casar comigo”, por quê? A mãe
dele, né, disse que o vô, né, sendo ele o neto mais velho e especial,
deixou lá o terreno, lá, o sitiozinho, a chacarazinha que ele tinha pro
Rui. Deixou de herança para o Rui, né, então ele ficou de repente...
E - ... tenho compromisso também.
Eneida - Ele ficou com u...a... chacarazinha e tudo o mais e a casinha
do vô e tal, “a gente vai casar, porque agora tem a chácara e tal”,
“Mas o que que tem lá? O que que tem nessa chácara, o que que tem
de especial? Você tem que me convencer.” “Tem piscina, tem
cavalo...” “Ah, quero ver isso!” Ai um dia ele me aparece com uma
foto da chácara, da casa, a piscina era uma banheira antiga lá no
meio do quintal, enferrujada, e um cavalo bebendo água na piscina e
ele lá...
217
E – [risos]
Eneida - “Isso? É isso que você quer me dar? Essa banheira
enferrujada e esse pangaré aqui?” [risos] “Não tem casamento coisa
nenhuma!”
[risos]
Eneida - “Ora, você acha que eu sou mulher de tomar banho numa
banheira dessa?”
E - E aí?
Eneida - E ria...
[risos]
Eneida - Então era isso, essa coisa maravilhosa, né...
218
5 DISCUSSÃO
A análise apontou diversos elementos que, por si, pelos temas trazidos, pelas cenas
(re)constituídas poderíamos considerar suficientes, deixando espaço para que a discussão
pudesse se desenrolar em outros textos, artigos, debates.
Cabe-nos, entretanto, retomar os principais aspectos teóricos destacados por nós,
especialmente na última parte do capítulo introdutório e no segundo capítulo, dedicado à
revisão da literatura. Os trabalhos de autores como Paula (1993); Fujihira (2008); Ghirardi
(1999); Horta (2000); Kalmus (2000); Mello (2001); Bastos (2003); Amaral (2004); Santos
(2004); Silva (2004); Tada (2005); Meletti (2006); Pacheco (2006), receberam maior atenção
de nossa parte, na medida em que constituíram de modo mais definido uma espécie de campo
temático no qual também transitamos.
Além disso, vários dos aspectos abordados por eles em seus estudos também figuram
em nossas entrevistas. A começar da polifonia das vozes na área dos estudos sobre a
deficiência e alguns de seus desdobramentos – inclua-se, aí, a educação inclusiva, ainda que
os defensores dessa modalidade de ação no campo educacional apregoem não ser a
deficiência o motor de suas ações.
Se nos nossos objetivos enunciávamos o desejo de mapear os discursos em circulação
com relação à deficiência, o pós-análise nos revela, sobretudo, a necessidade de se realizarem
estudos sistemáticos e um trabalho sério sobre a construção da deficiência como prática
discursiva e sua cristalização em uma fala ‘de fora’ do sujeito com deficiência.
O verdadeiro empuxo à nomeação, à categorização dos fenômenos, parece buscar
englobar a deficiência em uma dimensão conceitual que, longe de ser compreendida pelos
sujeitos, apenas converte-a em uma explicação a mais, na série em que se inclui também o
diagnóstico. Esse empuxo à tentativa de aprisionar, pela categorização, pela conceituação, um
219
fenômeno que implica uma experiência singular não é livre de consequências. A experiência
da deficiência é singular, tal como a ausência de um membro, de uma função fisiológica ou
sensorial, e é também parte constituinte da subjetividade desse sujeito. Essa última,
entretanto, não se constrói em um a priori, mas, sim, por meio das relações institucionais que
os sujeitos fazem, vida adentro.
Por outro lado, quando falamos de singularidade, não estamos falando algo que seja
único ou exclusivo, incompartilhável. Defendemos, sim, haver uma dimensão que, tecida na
teia das relações humanas, escapa de ser dita, mostrando sempre seu lado indizível ou, no
máximo, dizendo-o em termos pouco definidos. O ‘algo’ indizível dessa experiência também
nos lembra que, quando se conceitua deficiência, já se está no campo da abstração, esvaziado
de gente. O caráter subjetivo da experiência da deficiência pode estar simplesmente
implodido.
O trabalho para produzir esse texto que ora finalizo – e aqui adoto a primeira pessoa,
solicitando licença para dar meu depoimento pessoal – representou para mim muito mais do
que coube nessas folhas. Não foi fácil chegar até aqui. Ninguém disse que seria. Mas o que
nem eu mesma desconfiava é do quanto iria aprender sobre (e a) conquistar, compartilhar,
deixar ir, receber de volta. Uma experiência forte, profunda e marcante, cujas tentativas de
expressá-la em palavras esbarra naquilo que as palavras ditas no contexto institucional da
academia não costumam saber dizer. E ela foi dita, da maneira possível, por meio deste texto.
Meu desejo é de que este trabalho possa contribuir, à sua própria maneira, para construirmos,
juntos, a diversidade que desejamos.
220
221
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Distribuciones, 1997b. v. 5Iniciar
Apêndice A – Levantamento Bibliográfico no IPUSP – Mapa Completo
No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura
1 Tese Cotrin, Jane Teresina Domingues
Itinerários da Psicologia na educação especial: uma leitura histórico-crítica em psicologia escolar
2010 Souza, Marilene Proença Rebello de (PSA)
Em: deficiência, deficientes, educação especial
2 Dissertação Ito, Paula Hiromi Avaliação comportamental de ratos submetidos à anóxia neonatal
2010 Nogueira, Maria Inês (PSE)
Em: deficiência
3 Dissertação Oshiro, Milena O brincar na infância das crianças com deficiência: um estudo exploratório
2010 Bomtempo, Edda (PSA)
Em: deficiência, deficientes
4 Dissertação Santos, Taisa de Oliveira
Injeção intracerebroventricular de estreptozotocina gera efeitos agudos e crônicos sobre a memória e sobre proteínas indicadoras de neurodereneração em ratos
2010 Torrão, Andréa da Silva (PSE)
Em: deficiência
5 Tese Takatori, Marisa Vamos brincar? Do ingresso da criança com deficiência física na terapia ocupacional à facilitação da participação social
2010 Bomtempo, Edda (PSA)
Em: deficiência, deficiente
6 Tese Angelucci, Carla Biancha
O educador e o forasteiro: depoimentos sobre encontros com pessoas significamente diferentes
2009 Goncalves Filho, Jose Moura (PST)
Em: educação inclusiva
7 Tese Barros, Carlos Cesar Fundamentos filosóficos e políticos da inclusão escolar: um estudo sobre a subjetividade docente
2009 Carone, Iray (PSA)
Em: deficiência, educação inclusiva, pessoas com deficiência, alunos com necessidades especiais
8 Dissertação Bosso, Janaina Regina
Ajustes das características eletroacústicas do aparelho de amplificação sonora individual com base em limiares auditivos tonais e resposta auditiva de estado estável
2009 Sameshima, Koichi (PSE)
Em: deficiência, deficiente, deficientes
9 Dissertação Moura, Maria Clara Drummond Soares de
Alterações atencionais na distrofia muscular de Duchenne
2009 Ribeiro do Valle, Luiz Eduardo (PSE)
Em: deficiência
10 Dissertação Rodrigues, Sandra Regina
Corpo deficiente e individuação: um olhar sobre pessoas com deficiência física adquirida a partir da psicoterapia breve de orientação junguiana
2009 Freitas, Laura Villares de (PSA)
Em: deficiência, deficiente, pessoas com deficiência
11 Dissertação Amorim, Letícia Calmon Drummond
O conceito de morte e a síndrome de Asperger 2008 Assumpcão Junior, Francisco Baptista (PSC)
Em: deficiência, pessoas com deficiência, pessoas portadores de deficiência
No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura
12 Dissertação Cazeiro, Ana Paula Martins
Formação de conceitos por crianças com paralisia cerebral: um estudo exploratório sobre a influência das brincadeiras
2008 Lomonaco, Jose Fernando Bitencourt (PSA)
Em: deficiência, pessoas com deficiência
13 Dissertação Conto, Carla Anauate de
Ecos do silêncio: a inclusão e a democracia social 2008 Amiralian, Maria Lúcia Toledo Moraes (PSA)
Em: deficientes, educação especial, educação inclusiva, crianças especiais, crianças com necessidades especiais
14 Dissertação Fujihira, Carolina Yuki
Reflexões sobre a inclusão: o trajeto de uma clínica do acompanhamento terapêutico focado na deficiência
2008 Safra, Gilberto (PSC)
Em: deficiência, deficientes, pessoas com deficiência
15 Dissertação Silva, Leonardo Lopes da
Orientação profissional e para o trabalho de jovens com deficiência mental: uma análise sócio-histórica das propostas institucionais no Brasil
2008 Lehman, Yvette Piha (PST)
Em: deficiência, deficiente, educação especial
16 Dissertação Soléra, Marcia de Camargo Oliva Gaya
É possível a inclusão? Um estudo sobre as dificuldades da relação do sujeito com a diferença
2008 Andrade, Maria Lucia de Araujo (PSC)
Em: deficiência, deficiente, pessoas com deficiência
17 Dissertação Teixeira, Rosani Aparecida Antunes
Estudo da visão de cores, percepção de formas e espaço em pacientes com esclerose múltipla
2008 Ventura, Dora Selma Fix (PSE)
Em: deficiência
18 Dissertação Vendrame, Rafaela Fadoni Alponti
Aminopeptidase neutra, dipeptidil peptidase IV, CD13, CD26, e Fos no hipotálamo e hipocampo de ratos com obesidade induzida por glutamato monossódico e privados de alimento
2008 Silveira, Paulo Flavio (PSE)
Em: deficiência
19 Tese Martinho, Ana Claudia de Freitas
Neuropatia auditiva/dessincronia auditiva em crianças usuárias de implante coclear
2007 Sameshima, Koichi (PSE)
Em: deficiência, deficiente
20 Tese Villela, Elisa Marina Bourroul
A formação do psicólogo e o atendimento a deficientes visuais e suas famílias no contexto de clínica-escola
2007 Amiralian, Maria Lúcia Toledo Moraes (PSA)
Em: deficiência, deficiente, deficientes, pessoas com deficiência
21 Dissertação Althausen, Sabine Adolescentes com síndrome de Down e cães: compreensão e possibilidades de intervenção
2006 Amiralian, Maria Lucia Toledo Moraes (PSA)
Em: educação especial
22 Tese Correr, Rinaldo Trabalho/instituição e empresa/organização: representações compartilhadas sobre emprego e deficiência
2006 Fernandes, Maria Inês Assumpção (PST)
Em: deficiência, deficientes, pessoas com deficiência
23 Tese Frederigue, Natalia Barreto
Reconhecimento de padrões auditivos de frequência e de duração em crianças usuárias de implante coclear multicanal
2006 Sameshima, Koichi (PSE)
Em: deficiente
No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura
24 Tese Horta, Célia O teatro de bonecos e a deficiência: Meu Deus, isto fala! Falando com crianças sobre o preconceito
2006 Simon, Ryad (PSC) Em: deficiência, deficientes, pessoas com deficiência
25 Tese Meletti, Silvia Marcia Ferreira
Educação escolar da pessoa com deficiência mental em instituições de educação especial: da política à instituição concreta
2006 Patto, Maria Helena Souza (PSA)
Em: deficiência, educação especial
26 Dissertação Pacheco, Andrea Moreno
Rrepresentações de si e habilidades na paralisia cerebral
2006 Souza, Maria Thereza Costa Coelho de (PSA)
Em: deficiência
27 Dissertação Silva, Claudia Lopes da
O papel do diretor escolar na implantação de uma cultura educacional inclusiva a partir de um enfoque sócio-histórico
2006 Leme, Maria Isabel da Silva (PSA)
Em: deficiência, educação inclusiva, alunos com necessidades especiais
28 Dissertação Bida, Marcia Cristina Portella Rocha
Como avaliar processos quiremicos, semânticos e ortográficos na competência de leitura de surdos do ensino fundamental controlando o efeito de carreamento via TNF2.1- Escolha
2005 Capovilla, Fernando César (PSE)
Em: educação especial
29 Dissertação Bruder, Maria Cristina Ricotta
A constituição do sujeito na psicanálise lacaniana: a separação e seus impasses
2005 Brauer, Jussara Falek (PSC)
Em: deficiência
30 Tese Kohatsu, Lineu Norio Do lado de fora da escola especial: histórias vividas no bairro e contadas por ex-alunos por meio do vídeo
2005 Kovács, Maria Júlia (PSA)
Em: deficiência, pessoas com deficiência
31 Dissertação Neves, Maria Vilalba de Oliveira
Esboço de análise da estrutura morfêmica dos sinais da Libras
2005 Capovilla, Fernando César (PSE)
Em: educação especial
32 Tese Tada, Iracema Neno Cecilio
Dialogando com Amanda: contribuições da teoria histórico-cultural na compreensão de uma jovem com síndrome de Down
2005 Souza, Marilene Proença Rebello de (PSA)
Em: deficiência, deficiente, educação especial, pessoas com deficiência
33 Dissertação Santos, Marinês Lana Borges dos
Concepções e sentimentos de professoras do ensino fundamental em relação aos alunos com síndrome de Down inseridos na escola regular
2005 Leme, Maria Isabel da Silva (PSA)
Em: deficiência, educação especial, pessoas com deficiência
34 Tese Amaral, Tatiana Platzer do
Deficiência mental leve: processos de escolarização e subjetivação
2004 Souza, Marilene Proença Rebello de (PSA)
Em: deficiência, deficiente, deficientes, educação especial
35 Dissertação Amaro, Deigles Giacomelli
Indícios da aprendizagem de crianças com deficiência em escolas de educação infantil: roteiro de observação no cotidiano escolar
2004 Macedo, Lino de (PSA)
Em: deficiência, deficientes, educação inclusiva, pessoas com deficiência
No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura
36 Tese Emilio, Solange Aparecida
O cotidiano escolar pelo avesso: sobre lacos, amarras e nós no processo de inclusão
2004 Kovács, Maria Júlia (PSA)
Em: deficientes, educação especial, alunos com necessidades especiais
37 Dissertação Jurdi, Andrea Perosa Saigh
O processo de inclusão escolar do aluno com deficiência mental: a atuação do terapeuta ocupacional
2004 Amiralian, Maria Lúcia Toledo (PSA)
Em: deficiência, deficiente
38 Tese Nascimento, Rosemeire Aparecida
Estudo de caso de um adolescente acolhido em casa-abrigo
2004 Brauer, Jussara Falek PSC)
Em: deficiência
39 Dissertação Nunes, Sylvia da Silveira
Desenvolvimento de conceitos em cegos congênitos 2004 Lomônaco, José Fernando Bitencourt (PSA)
Em: deficiente
40 Tese Santos, Carlos Santana dos
Função paterna e provisão ambiental para pessoas com deficiência: uma compreensão winnicottiana
2004 Amiralian, Maria Lúcia Toledo Moraes (PSA)
Em: deficiência, deficientes, pessoas com deficiência
41 Tese Silva, Luiz Carlos Avelino da
A reinvenção da sexualidade masculina na paraplegia 2004 Albertini, Paulo (PSA)
Em: deficiência, deficiente
42 Dissertação Bastos, Marise Bartolozzi
Inclusão escolar: um trabalho com professores a partir de operadores da psicanálise
2003 Kupfer, Maria Cristina Machado (PSA)
Em: educação especial, educação inclusiva, crianças especiais
43 Tese Costa, Valéria Catelli Infantozzi da
Efeitos de lesões seletivas do giro denteado no desempenho de ratos em tarefas temporais
2003
Xavier, Gilberto Fernando; Bueno, José Lino Oliveira (PSE)
Em: deficiência
44 Tese Duduchi, Marcelo Desenvolvimento lexical em surdos: instrumentos de avaliação e intervenção em Língua de Sinais Brasileira
2003 Capovilla, Fernando César (PSE)
Em: educação especial
45 Tese Luchesi, Maria Regina Chirichella
Intersubjetividade e diferença um estudo do contato com pessoas surdas
2003 Schmidt, Maria Luisa Sandoval (PSA)
Em: deficientes
46 Dissertação Machado, Valdirene Repercussões da proposta "educação inclusiva" a partir do discurso de professores de educação especial da rede pública estadual paulista
2003 Souza, Marilene Proença Rebello de (PSA)
Em: deficiência, educação especial, educação inclusiva
No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura
47 Dissertação Monte Alegre, Paulo Augusto Colaco
A cegueira e a visão do pensamento 2003 Ramozzi-Chiarottino, Zélia (PST)
Em: deficiência, deficiente, deficientes, pessoas com deficiência, crianças especiais, crianças com necessidades especiais, alunos com necessidades especiais
48 Dissertação Mota, Monica Maria de Angelis
A psicoterapia breve na orientação profissional do jovem com deficiência física
2003 Wiese, Elisabeth Batista Pinto (PSC)
Em: deficiência, deficiente
49 Tese Piemonte, Maria Elisa Pimentel
Aprendizagem motora na doença de Parkinson 2003 Xavier, Gilberto Fernando (PSE)
Em: deficiência
50 Tese Sekkel, Marie Claire A construção de um ambiente inclusivo na educação infantil: relato e reflexão sobre uma experiência
2003 Crochik, José Leon (PSA)
Em: deficientes, crianças especiais, crianças com necessidades especiais
51 Tese Silva, Carla Cilene Baptista da
O lugar do jogo e do brinquedo nas escolas especiais de educação infantil
2003 Bomtempo, Edda (PSA)
Em: deficiência, deficiente, deficientes, educação especial, crianças especiais
52 Dissertação Viggiano, Keila Avaliando a competência de leitura de palavras em escolares surdos do ensino fundamental e médio
2003 Capovilla, Fernando César (PSE)
Em: educação especial, crianças especiais
53 Dissertação Angelucci, Carla Biancha
Uma inclusão nada especial: apropriações da política de inclusão de pessoas com necessidades especiais na rede pública de educação fundamental do estado de São Paulo
2002 Patto, Maria Helena Souza (PSA)
Em: deficientes, educação especial, alunos com necessidades especiais
54 Tese Grossi, Renata
Análise funcional de um programa de atendimento domiciliar: um estudo de caso de uma família com filho adolescente, portador de deficiência mental severa, de autismo e com problemas comportamentais
2002 Silvares, Edwiges Ferreira de Mattos (PSC)
Em: deficiência
55 Dissertação Luz, Renato Dente Desenvolvimento de manual semântico ilustrado triligue da Língua de Sinais Brasileira (Libras) em sete volumes: o mundo do surdo em Libras
2002 Capovilla, Fernando César (PSE)
Em: educação especial
56 Dissertação Raphael, Walkiria Duarte
Desenvolvimento de material instrucional para implementar a educação bilingue da criança surda brasileira: dez volumes de sinais da Libras indexados semanticamente
2002 Capovilla, Fernando César (PSE)
Em: educação especial
No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura
57 Dissertação Samea, Marisa Terapia ocupacional e grupos: em busca de espaços de subjetivação
2002 Fernandes, Maria Inês Assumpção (PST)
Em: deficiência
58 Tese Souza, Vanner Boere
Efeitos de estresse psicossocial crônico e do enriquecimento ambiental em sagüis (Callithrix penicillata) um estudo comportamental, fisiológico e farmacológico
2002 Tomaz, Carlos Alberto Bezerra (PSE)
Em: deficiência
59 Dissertação Balieiro, Mariana de Figueiredo
Um olhar sobre o desenvolvimento emocional de uma criança que apresenta uma deficiência intelectual: a contribuição dos pais
2001 Motta, Ivonise Fernandes da (PSC)
Em: deficiência, deficiente
60 Tese Brunello, Maria Ines Britto
Ser lúdico: promovendo a qualidade de vida na infância com deficiência
2001 Amaral, Lígia Assumpção (PSA)
Em: deficiência, deficientes, pessoas com deficiência
61 Dissertação Charin, Sérgio Telecomunicações, redes de computadores, sistemas de comunicação alternativa em distúrbios de comunicação, e sua iconicidade
2001 Capovilla, Fernando César (PSE)
Em: deficientes
62 Dissertação Costa, Marcelo Fernandes da
Acuidade visual de resolução de grades em crianças com paralisia cerebral do tipo espástico pelo método dos potenciais visuais evocados de varredura
2001 Ventura, Dora Selma Fix (PSE)
Em: deficiência
63 Tese D´Antino, Maria Eloisa Fama
Deficiência e a mensagem reveladora da instituição especializada: dimensões imagética e textual
2001 Amaral, Ligia Assumpção (PSA)
Em: deficiência, deficiente, pessoas com deficiência
64 Dissertação Jordão, Marcia Cristina Moreira
A criança, a deficiência e a escola: uma intervenção orientada pela psicanálise
2001 Maluf, Maria Regina (PSA)
Em: deficiência, deficiente, deficientes, educação especial, educação inclusiva
65 Dissertação Bastos, Ana Lucia Gondim
O processo de escolha profissional: caminhos e percalços da pessoa deficiente visual
2000 Amiralian, Maria Lúcia Toledo Moraes (PSA)
Em: deficiente, deficientes
66 Livre Docência
Capovilla, Fernando Cesar
Lingua de sinais brasileira: dicionário enciclopédico ilustrado trilingue - abrindo o mundo do surdo brasileiro à pesquisa e à intervenção psicológicas
2000 (PSE) Em: educação especial
67 Dissertação Holanda, Suely Alencar Rocha de
Sobre a questão da deficiência mental concebida como infância eterna: reflexões em direção à psicanálise
2000 Brauer, Jussara Falek (PSC)
Em: deficiência, deficiente, deficientes
68 Dissertação Horta, Celia Investigação da relação entre pais e o filho com deficiência auditiva
2000 Simon, Ryad (PSC) Em: deficiência, deficiente
No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura
69 Dissertação Kalmus, Jacqueline A produção social da deficiência mental leve 2000 Patto, Maria Helena Souza (PSA)
Em: deficiência, deficiente, deficientes, educação especial
70 Dissertação Melo, Symone Fernandes de
A relação mãe-criança portadora de deficiência mental: uma abordagem winnicottiana
2000 Safra, Gilberto (PSC)
Em: deficiência, deficientes
71 Tese Paula, Ana Rita de Asilamento de pessoas com deficiência: instituicionalização da incapacidade intelectual
2000 Aiello-Vaisberg, Tânia Maria José (PSC)
Em: deficiência, deficientes, pessoas com deficiência, pessoas portadoras de deficiência
72 Dissertação Silva, Ana Paula Pires da
A criança com distúrbio neurológico e a psicanálise 2000 Priszkulnik, Léia (PSC)
Em: deficientes
73 Tese Thiers, Valeria de Oliveira
Sistemas computadorizados de avaliação psicométrica de habilidades escolásticas e de ensino de símbolos Bliss em paralisia cerebral
2000 Capovilla, Fernando César
Em: educação especial, crianças especiais, crianças com necessidades especiais
74 Tese Valle, Tania Gracy Martins do
Reciprocidade socio-afetiva da criança com fissura labio-palatal e sua família
2000 Perez-Ramos, Aydil Macedo de Queiroz (PSC)
Em: deficiente
75 Dissertação Capuano, Andrea Maria Nicastro
Memória e linguagem em indivíduos HIV+ 1999 Xavier, Gilberto de Mendonça (PSE)
Em: deficiência
76 Tese Ghirardi, Maria Isabel Garcez
Representação da deficiência e práticas de reabilitação: uma análise do discurso técnico
1999 Tassara, Eda Terezinha de Oliveira (PST)
Em: deficiência, deficientes, pessoas com deficiência
77 Dissertação Hirakava, Maria Aparecida Hiroko
Contribuições da psicanálise para a reflexão da função materna em mães de crianças com deficiência
1999 Brauer, Jussara Falek (PSC)
Em: deficiência, deficientes
78 Tese Juliani, João Efeitos da modalidade sensorial do estímulo nodal e da exposição sucessiva a arranjos de treino na formação de classes de estímulos equivalentes
1999 De Rose, Júlio César Coelho (PSE)
Em: deficientes
79 Tese Kajihara, Elisa Eiko Práticas corporais de impressão e expressão: suas contribuições para a re-descoberta da sexualidade do paraplégico
1999 Amiralian, Maria Lúcia Toledo Moraes (PSA)
Em: deficiente, deficientes
80 Dissertação Kohatsu, Lineu Norio Estudo sobre a expressão de alunos e ex-alunos de uma escola especial através da fotografia
1999 Amaral, Lígia Assumpção (PSA)
Em: deficientes, educação especial
81 Livre Docência
Kupfer, Maria Cristina Machado
Uma educação para o sujeito: desdobramentos da conexão psicanálise-educação
1999 (PSA) Em: educação especial
No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura
82 Tese Lopes, Kathya Augusta Thome
Aluno com deficiência física em aulas regulares de educação física: prática viável ou não? Um estudo de caso
1999 Amaral, Lígia Assumpção (PSA)
Em: deficiência, deficiente
83 Dissertação Melo, Aurelio Fabricio Torres
A vida, o olhar e o sentir maternos em distrofia muscular do tipo Duchenne
1999 Kovács, Maria Júlia (PSA)
Em: deficiência, deficiente
84 Tese Nabeiro, Marli A pessoa com deficiência visual e o movimento: um novo olhar, uma nova prática
1999 Amiralian, Maria Lúcia Toledo Moraes (PSA)
Em: deficiência, deficientes, pessoas com deficiência
85 Tese Rocha, Eucenir Fredini
Do corpo orgânico ao corpo relacional: uma proposta de deslocamento dos fundamentos e práticas de reabilitação da deficiência
1999 Tassara, Eda (PST) Em: deficiência, deficientes
86 Dissertação Takatori, Marisa O brincar no cotidiano da criança com deficiência física: Privilegiando um olhar para a construção de intervenções em reabilitação
1999 Bomtempo, Edda (PST)
Em: deficiência, deficiente, pessoas com deficiência
87 Dissertação Villela, Elisa Marina Bourroul
As repercussões emocionais em irmãos de deficientes visuais
1999 Amiralian, Maria Lúcia Toledo Moraes (PSA)
Em: deficiente, deficientes
88 Tese Akashi, Lucy Tomoko
Construindo-se como terapeuta ocupacional: da "pré-história" das concepções sobre o deficiente e a possibilidade de ressignificação da deficiência
1998 Amaral, Lígia Assumpção (PSA)
Em: deficiência, deficiente, deficientes
89 Dissertação Alves, Cilene Rejane Ramos
Efeito do antipsicótico atípico risperidona sobre a inibição latente, em ratos
1998 Silva, Maria Teresa Araújo (PSE)
Em: deficiência
90 Livre Docência
Amaral, Ligia Assumpção
Deficiência, vida e arte 1998 (PSA) Em: deficiência, deficiente, deficientes
91 Dissertação Amaral, Tatiana Platzer do
Recuperando a história oficial de quem já foi aluno especial
1998 Amaral, Lígia Assumpção (PSA)
Em: deficiência, deficiente, deficientes, educação especial
92 Tese Bolsanello, Maria Augusta
Interação mãe-filho portador de deficiência: concepções e modo de atuação dos profissionais em estimulação precoce
1998 Agatti, Antonio Paschoal Rodolpho (PSA)
Em: deficiência, deficientes, educação especial
93 Tese Chaves, Antonio Marcos
Crianças abandonadas ou desprotegidas? 1998 Azevedo, Maria Amélia (PSA)
Em: deficiente
94 Dissertação Duduchi, Marcelo Sistema de multimídia para comunicação picto-silábica: análise do uso domiciliar por uma mulher com paralisisa cerebral
1998 Silva, Maria Teresa Araújo (PSE)
Em: educação especial
No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura
95 Tese Flores-Mendoza, Carmen Elvira
Processamento cognitivo básico e inteligência em deficientes mentais
1999 Castilho, Adail Victorino (PSA)
Em: deficientes
96 Tese Godoy, Maria de Fatima Reipert de
Educação artística para deficiente auditivo: uma leitura a partir da visão de professores
1998 Amaral, Lígia Assumpção (PSA)
Em: deficiência, deficiente, deficientes, educação especial
97 Dissertação Lima, Luis Antonio Gomes
Um estudo psicanalítico sobre a produção do conhecimento na criança psicótica
1998 Kupfer, Maria Cristina Machado (PSA)
Em: educação especial
98 Dissertação Santos, Eliane Fazion dos
Comportamento agressivo e deficiência mental profunda: estudo em ambiente natural
1998 Hunziker, Maria Helena Leite (PSE)
Em: deficiência, deficientes
99 Dissertação Scherb, Eliane Deficiência física adquirida por lesão medular traumática: estudo da auto-imagem
1998 Kolck, Odette Lourenção van (PSC)
Em: deficiência, deficiente, pessoas com deficiência, pessoas portadores de deficiência
100 Tese Anache, Alexandra Ayach
Diagnóstico ou inquisição?: Estudo sobre o uso do diagnóstico psicológico na escola
1997 Kovács, Maria Júlia (PSA)
Em: deficiência, deficiente, educação especial
101 Dissertação Araujo, Elvira Aparecida Simões de
Encaminhamento de crianças para classe especial para deficientes mentais: o olhar e o fazer psicológico
1997 Kovács, Maria Júlia (PSA)
Em: deficiência, deficiente, deficientes, educação especial, crianças especiais, crianças com necessidades especiais
102 Tese Ghiringhello, Lucia Descrição do processo de orientação de um grupo de mães com filho deficiente mental
1997 Mejias, Nilce Pinheiro (PSC)
Em: deficiente, deficientes
103 Tese Kajihara, Olinda Teruko
Avaliação das habilidades fonológicas de disléxicos do desenvolvimento
1997 Castilho, Adail Victorino (PSA)
Em: deficientes, educação especial
104 Tese Martinez, Maria Angelina Nardi de Souza
Estudo sobre a relação entre cognição e linguagem no deficiente auditivo: o papel da imagem mental na interação psicossocial
1997 Ramozzi-Chiarottino, Zélia (PST)
Em: deficiente
105 Tese Naujorks, Maria Ines A deficiência e o espaço na TV: quando a mensagem faz a diferença
1997 Amaral, Lígia Assumpção (PSA)
Em: deficiência, deficientes
106 Dissertação Senaha, Mirna Lie Hosogi
Dislexia adquirida em um paciente nisei repercussão da lesão cerebral em diferentes sistemas de escrita
1997 Parente, Maria Alice de Mattos Pimenta (PSE)
Em: deficientes
107 Tese Castanho, Antonieta Ribeiro Silva Prates
Face de crianças deficientes visuais: expressões de emoções e percepção social de seus sorrisos
1996 Otta, Emma (PSE) Em: deficiente, deficientes
108 Tese Machado, Adriana Marcondes
Reinventando a avaliação psicológica 1996 Rodrigues, Arakcy Martins (PSA)
Em: deficiente
No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura
109 Dissertação Navarro, Zilda Moretti
Preparação para o trabalho na trajetória educacional do deficiente mental: possibilidade real ou realidade divergente?
1996 Amaral, Lígia Assumpção (PSA)
Em: deficiência, deficiente, educação especial
110 Dissertação Araujo, John Fontenele
Intermodulação de freqüências: um modelo funcional para organização dos seres vivos
1995 Marques, Nélson (PSE)
Em: deficiência
111 Tese Freire, Ida Mara Olhar sobre a criança: estudo exploratório sobre as experiências da criança vidente e não-vidente de dois anos de idade
1995 Rossetti-Ferreira, Maria Clotilde T. (PSE)
Em: deficiência, deficientes
112 Tese Manzini, Eduardo Jose
Formas de raciocínio apresentadas por adolescentes considerados deficientes mentais: identificação através do estudo de interações verbais
1995 Simão, Lívia Mathias
Em: deficiência, deficientes
113 Tese Mendes, Eniceia Gonçalves
Deficiência mental: a construção científica de um conceito e a realidade educacional
1995 Bori, Carolina Martuscelli (PSE)
Em: deficiência, educação especial
114 Tese Ribeiro, Hugues Costa de Franca
Orientação sexual e deficiência mental: estudos acerca da implementação de uma programação
1995 Amiralian, Maria Lucia Toledo Moraes (PSA)
Em: deficiência, deficiente, deficientes
115 Tese Carpentieri, Nilse Margarida
Modelo transacional de avaliação-intervenção mediante enfoque longitudinal: seguimento de caso único portador da síndorme de Down nos seus primeiros dez anos de vida
1994 Perez-Ramos, Aydil Macedo de Queiroz
Em: educação especial
116 Tese Penazzo, Arnaldo Antonio
Estudo sobre a aprendizagem de conceitos por crianças deficientes mentais moderadas
1994 Lomônaco, José Fernando Bitencourt (PSA)
Em: deficiente, deficientes, educação especial
117 Tese Reily, Lucia Helena Armazém de imagens: estudo de caso de jovem artista portador de deficiência múltipla
1994 Custódio, Eda Marconi (PSA)
Em: deficiência, deficientes
118 Dissertação Almeida, Marta Carvalho de
Pessoa portadora de deficiência física em seu cotidiano: reflexos e reflexões sobre a reabilitação
1993 Tassara, Eda (PST) Em: deficiência, deficiente, pessoas com deficiência, pessoas portadoras de deficiência
119 Tese Ciampone, Maria Helena Trench
Assistência institucionalizada para indivíduos portadores de deficiência mental: dimensões esquecidas
1993 Mello, Sylvia Leser de (PST)
Em: deficiência, deficiente
120 Dissertação Dechichi, Claudia Caracterização de crianças encaminhadas à classe especial para deficientes mentais leves
1993 Castilho, Adail Victorino (PSA)
Em: deficiente, deficientes, educação especial
No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura
121 Tese Enumo, Sonia Regina Fiorim
Prevenção de deficiência mental: uma proposta metodológica para identificação e análise de ações preventivas
1993 Kerbauy, Rachel Rodrigues (PSE)
Em: deficiência, deficiente
122 Dissertação Ghirardi, Maria Isabel Garcez
Convívio com o portador de síndrome de Down: um estudo exploratório a partir do relato de mães
1993 Tassara, Eda (PST) Em: deficiência, deficiente, pessoas com deficiência, pessoas portadores de deficiência
123 Dissertação Paula, Ana Rita de Corpo e deficiência: espaços do desejo: reflexões sob(re) a perspectiva feminina
1993 Mello, Sylvia Leser de (PST)
Em: deficiência, deficiente
124 Tese Amaral, Ligia Assumpção
Espelho convexo: o corpo desviante no imaginário coletivo, pela voz da literatura infanto-juvenil
1992 Bosi, Ecléa (PST) Em: deficiência, deficiente
125 Tese Costa, Maria da Piedade Resende da
Alfabetização de deficientes auditivos: um programa de ensino
1992 Bori, Carolina Martuscelli (PSE)
Em: deficiência, deficientes, educação especial
126 Tese Limongi, Suelly Cecília Olivan
Estudo sobre a relacao entre o processo de cognicao e a construcao da linguagem em criancas portadoras de paralisia cerebral
1993 Ramozzi-Chiarottino, Zélia (PSA)
Em: deficientes
127 Tese Monteiro, Maria Ines Bacellar
Dinâmica do diálogo de crianças portadoras de síndorme de Down
1992 Bori, Carolina Martuscelli (PSE)
Em: deficiente, educação especial
128 Dissertação Nallin, Araci Reabilitação em instituição: suas razões e procedimentos: análise de representação no discurso
1992 Guirado, Marlene (PSA)
Em: deficiência, deficientes, pessoas portadores de deficiência
129 Tese Paiva, Maria Lucimar Fortes
Relacoes entre representacoes cognitivas, afetivas e desempenho escolar em criancas de 4 a 5 anos de idade
1992 Macedo, Lino de (PSA)
Em: deficientes
130 Dissertação Sawaya, Sandra Maria
Pobreza e linguagem oral: as crianças do jardim piratininga
1992 Patto, Maria Helena Souza (PSA)
Em: deficiência, deficiente, pessoas com deficiência, pessoas portadoras de deficiência
131 Tese Aranha, Maria Salete Fabio
Interação social e o desenvolvimento de relações interpessoais do deficiente em ambiente integrado
1991 Carvalho, Ana Maria Almeida (PSE)
Em: deficiência, deficiente, deficientes
132 Dissertação Alvares, Maria Ralston
Representacoes da doenca mental entre individuos de classe baixa
1991 Rodrigues, Arakcy Martins
Em: deficientes
133 Tese Castillo, Herminia Vicentelli de
Alfabetização, leitura crítica e a criança com deficits comportamentais
1990 Witter, Geraldina Pôrto
Em: educação especial
134 Tese Falsetti, Leyla Argia Venegas
Criança, sua doença e a mãe: um estudo sobre a função materna na constituição de sujeitos precocemente atingidos por doença ou deficiência
1990 Nogueira, Luiz Carlos (PSC)
Em: deficiência
No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura
135 Dissertação Ghiringhello, Lucia Atendimento de grupo de pais com filho deficiente mental: um estudo descritivo de procedimentos de avaliação
1990 Mejias, Nilce Pinheiro
Em: deficiente, deficientes
136 Tese Gorodscy, Regina Celia
Criança hiperativa e seu corpo: um estudo compreensivo da hiperatividade em crianças
1990 Jordy, Ceme Ferreira (PSC)
Em: deficiência
137 Tese Ide, Sahda Marta Construção da leitura e escrita: proposta de intervenção em classe especial para deficientes mentais
1990 Bomtempo, Edda (PSA)
Em: deficiente, deficientes, educação especial
138 Dissertação Kato, Maria de Lourdes
Contribuições do enfoque dialógico de buber para o ensino da psicologia
1990 Forghieri, Yolanda Cintrão
Em: deficiência
139 Tese Reali, Aline Maria de Medeiros Rodrigues
Alimentação infantil uma visão ergonômica 1990 Guidi, Mário Arturo Alberto
Em: deficientes
140 Dissertação Rocha, Eucenir Fredini
Corpo deficiente: em busca da reabilitação? - Uma reflexão a partir da ótica das pessoas portadoras de deficiências físicas
1990 Maluf, Maria Regina (PSA)
Em: deficiente, deficientes
141 Dissertação Campos, Liege Christina Simoes de
Estigma na adaptação de aparelho de amplificação sonora individual em adultos
1990 Philipson, Jurn Jacob (PST)
Em: deficiência, deficiente
142 Dissertação Reily, Lucia Helena Nós já somos artistas: estudo longitudinal da produção artística de pré-escolares portadores de paralisia cerebral
1990 Custódio, Eda Marconi (PSA)
Em: deficiente, deficientes
143 Tese Mrech, Leny Magalhaes
Espelho partido e a questão da deficiência mental moderada e severa em seu vínculo com as estruturas de alienação no saber
1989 Copit, Melany Schvartz
Em: deficiência
144 Tese Tiosso, Lucia Helena Dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita: uma visão multidisciplinar
1989 Antunha, Elsa Lima Gonçalves
Em: deficiente
145 Tese Batista, Cecilia Guarnieri
Mães e crianças brincando: um estudo de influências recíprocas
1989 Matos, Maria Amelia (PSE)
Em: deficiência
146 Dissertação Cunha, Beatriz Belluzzo Brando
Classes de educacao especial para deficientes mentais? 1988 Patto, Maria Helena Souza (PSA)
Em: deficientes, educação especial
147 Dissertação Amiralian, Maria Lucia Toledo Moraes
Psicodiagnóstico do cego congênito: aspectos cognitivos
1986 Kolck, Odette Lourenção van (PSA)
Em: deficiência, deficientes
148 Dissertação Angeli, Heloisa Aparecida Tiveli
Problemática sexual na adolescência 1986 Angelini, Arrigo Leonardo
Em: deficiente
No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura
149 Tese Goyos, Antonio Celso de Noronha
Profissionalizacao de deficientes mentais estudo de verbalizacoes de professores acerca dessa questao
1986 Bori, Carolina Martuscelli
Em: deficientes
150 Tese Omote, Sadao Estereótipos de estudantes universitários em relação a diferentes categorias de pessoas deficientes
1984 Cunha, Walter Hugo de Andrade
Em: deficientes , educação especial
151 Dissertação Omote, Sadao Reações de mães de deficientes mentais ao reconhecimento da condição dos filhos afetados: um estudo psicológico
1980 Cunha, Walter Hugo de Andrade
Em: deficiente, deficientes, educação especial
152 Dissertação Carmo, Helena Moreira e Silva
Problema dos repetentes da primeira série primária nos grupos escolares de São Paulo
1970 Kolck, Odette Lourenção van (PSA)
Em: deficiência
153 Dissertação Kerbauy, Rachel Rodrigues
Aprendizagem de uma discriminacao em criancas deficientes e normais e a manipulacao de diferentes reforcos
1969 Bori, Carolina Martuscelli
Em: deficientes, crianças especiais
154 Livre Docência
Aguirre, Maria Jose de Barros Fornari de
Significado de alguns fatores psicológicos no rendimento em leitura
1965 Em: deficiência
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Instituto de Psicologia
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu,____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________, Documento de Idendidade ____________________________________________________________, CPF ___________________________________, dou meu consentimento livre e esclarecido para participar, como voluntário(a), da Pesquisa “Que(m) nomeia a deficiência”, conduzida por LÍGIA FERREIRA GALVÃO, aluna do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, nível doutorado, no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Aceitando este Termo de Consentimento, declaro estar ciente de que:
1. O objetivo da pesquisa é estudar o discurso de sujeitos considerados, por si ou por outros, como pessoas com deficiência, bem como o discurso de seus familiares, educadores e terapeutas;
2. Os resultados gerais obtidos na pesquisa serão utilizados apenas para alcançar os objetivos do trabalho, incluída a publicação dos dados em literatura científica especializada;
3. Nada do que eu disser terá validade em juízo ou investigações de fiscalização profissional;
4. Meus dados pessoais e da(s) criança(s) e/ou adolescente(s) sob minha responsabilidade legal serão mantidos em sigilo e estou livre para interromper minha participação [ou a da(s) criança(s) e/ou adolescente(s), mencionado/a(s) acima] a qualquer momento, sem prejuízo do meu sigilo;
5. Uma vez que é voluntária, minha participação na pesquisa não envolve qualquer forma de remuneração;
6. Participar da pesquisa não implica em riscos para a minha saúde física e mental ou para a(s) criança(s) e/ou adolescente(s) sob minha responsabilidade; também não prejudica qualquer um de meus direitos, adquiridos ou naturais;
7. Poderei entrar em contato com a responsável por este estudo sempre que julgar necessário, pelos telefones: (11) xxxx-xxxx ou (11) yyy-yyyy;
8. Este Termo de Consentimento é feito em duas vias, sendo que uma permanecerá em meu poder e a outra com a pesquisadora.
[LOCAL] , ____ de______________ de________.