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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE PSICOLOGIA LÍGIA FERREIRA GALVÃO Que(m) nomeia a deficiência? SÃO PAULO 2011

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INSTITUTO DE PSICOLOGIA

LÍGIA FERREIRA GALVÃO

Que(m) nomeia a deficiência?

SÃO PAULO

2011

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LÍGIA FERREIRA GALVÃO

Que(m) nomeia a deficiência?

Tese apresentada ao Instituto de

Psicologia da Universidade de São

Paulo para obtenção do título de

Doutor em Psicologia

Área de Concentração: Psicologia

Escolar e do Desenvolvimento

Humano

Orientadora: Profa. Dra. Marlene

Girado

SÃO PAULO

2011

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

Catalogação na publicação Biblioteca Dante Moreira Leite

Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo

Galvão, Lígia Ferreira.

Que(m) nomeia a deficiência? / Lígia Ferreira Galvão; orientadora Marlene Guirado. -- São Paulo, 2011.

241 f. Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Psicologia.

Área de Concentração: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

1. Deficientes 2. Análise do discurso 3. Educação especial 4.

Educação inclusiva 5. Desenvolvimento humano I. Título.

BF727.H3

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GALVÃO, L. F. Que(m) nomeia a deficiência? Tese apresentada ao Instituto de Psicologia

da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Psicologia.

Aprovado em: _________________

Banca Examinadora

Prof. Dr. ______________________________________Instituição: ______________

Julgamento: ________________ Assinatura: _________________________________

Prof. Dr. ______________________________________Instituição: ______________

Julgamento: ________________ Assinatura: _________________________________

Prof. Dr. ______________________________________Instituição: ______________

Julgamento: ________________ Assinatura: _________________________________

Prof. Dr. ______________________________________Instituição: ______________

Julgamento: ________________ Assinatura: _________________________________

Prof. Dr. ______________________________________Instituição: ______________

Julgamento: ________________ Assinatura: _________________________________

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À minha irmã Márcia.

À minha irmã Cláudia.

Aos meus pais, Arlete e Firmino, sempre.

E a todos os que vieram depois deles.

E delas.

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AGRADECIMENTOS

Um trabalho como este é sempre o fruto da disposição e do empenho coletivos. Muitas

são as pessoas às quais quero agradecer, com minha mais profunda gratidão e com todo o meu

amor.

À minha orientadora, Marlene Guirado, por sua aposta em uma produção que, apesar

dos percalços, tornou-se possível por sua disponibilidade em me acolher novamente como sua

orientanda.

Aos professores e professoras integrantes das Bancas Examinadoras da Seleção, do

Exame de Qualificação e da Defesa Pública: Henriette Tognetti Morato, José Leon Crochik,

Luciana Albanese Valore, Maria Luisa Sandoval Schmidt, Marie Claire Sekkel, Marta

Cristina Meirelles Ortiz, pela acolhida, pelas observações, pelo interesse e incentivo ao

projeto inicial, seu desenvolvimento e sua concretização nesta tese.

À Profa. Belinda Mandelbaum e ao Prof. José Leon Crochik, que se mostraram atentos

e sensíveis à minha condição de cadeirante, na época em que frequentei suas aulas, de

maneira que jamais encontrei qualquer barreira para minha participação nas disciplinas por

eles ministradas.

Aos amigos e companheiros de jornada – dos mais antigos aos mais recentes – pelo

apoio, presença, participação, torcida.

A algumas pessoas de modo especial, porque fizeram a diferença.

À Yara Malki, que soube ouvir e agir quando a dor física e emocional pareciam que

não iriam mais ter fim e ao Mauro de Oliveira, pelo carinho e o apoio na hora mais necessária;

em que a solidão parecia ser capaz de devorar qualquer possibilidade de continuar tentando.

À Roseli da Silva, porque não há barreiras nem lonjuras quando se quer estar perto.

À Simone Ramalho, porque amizade e irmandade são para a vida inteira.

À Alejandra Hidalgo, porque o desvelo, o carinho, o amor e a proteção são alimentos

indispensáveis que revigoram a gente e trazem de volta a alegria de viver, a esperança na

vida.

À Professora Cláudia Gardel Câmara, querida colega e coordenadora na Universidade

Paulista – UNIP, porque é bom demais produzir conhecimento com quem dele tem sede.

À Professora Antonia Maria Nakayama, amiga de tantas horas e aventuras e a todos os

colegas e amigos queridos, vindos desde o tempo em que trabalhamos e militamos juntos na

educação especial e inclusiva, porque é bom estar junto. À Valéria Braunstein, pela imensa

generosidade.

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Ao Professor Edvaldo Félix Gonçalves – o Vado, porque pude aprender o quanto é

prazeroso e frutífero trabalhar junto e descobrir maneiras criativas e democráticas de lidar

com diferenças e divergências.

Aos amigos e companheiros de jornada na Vara da Infância e Juventude do Foro

Regional Lapa, porque a gente nem sempre vê as flores, mas insiste no seu plantio. À Mônica

de Barros Rezende, pela insistência em me incentivar e apoiar, mesmo diante de todas as

agruras.

Aos meus queridíssimos alunos da graduação em Psicologia, porque não tem preço ver

brilhar seus olhos, durante as nossas aulas.

Ceci, Deborah, Sthéfani, Thiago, porque sem a presença, o auxílio, o afeto e a especial

paciência de vocês essas páginas jamais teriam existência.

A todas as pessoas que aceitaram ser sujeitos dessa pesquisa, pela abertura,

disponibilidade e coragem. Em especial a vocês: Dafne, Irene, Renato e Rui e às suas

famílias, pela confiança em me acolher em suas casas e compartilhar suas experiências.

A todos os homens, mulheres, moços e moças, meninas e meninos com deficiência,

com quem tive a oportunidade de compartilhar histórias de vida – as nossas vidas – e com

quem tive e tenho o imenso privilégio de compartilhar o prazer de estarmos vivos. E de

sermos humanos. Com todas as suas dores e delícias.

MUITO OBRIGADA!

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Viver é sempre fazer o esforço de viver, dizia mais ou menos

Lagneau, e é a melhor definição do conato spinozista, e da vida. Quem

gostaria de existir menos? Quem não deseja melhorar, elevar-se, crescer?

Que é necessário se aceitar, é evidente. Mas não nos resignemos depressa

demais à nossa baixeza, à nossa fraqueza, à nossa mediocridade! A vida é

uma aventura, pode ser, deve ser. Aceitar-se, sim, mas não se ajoelhar

diante de si, nem se deitar. Trata-se de viver: trata-se de avançar, de

progredir tanto quanto podemos. No entanto, não nos deixemos enganar

muito por esse “trabalho”, nem por esse “aperfeiçoamento”. A vida

continua, eis tudo, e nós também, e cada qual se vira como pode.

André Comte-Sponville – O amor a solidão

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GALVÃO, L. F. Que(m) nomeia a deficiência? 2011. 241 f. Tese (Doutorado em

Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

RESUMO

Este trabalho estuda os modos de produção discursiva do que se denomina, na atualidade, deficiência. Vale-se da análise institucional do discurso, proposta por Marlene Guirado, como referência teórico-metodológica em todas as etapas da pesquisa, em especial para a análise das entrevistas realizadas. Estas trazem à cena o discurso de quatro sujeitos conhecidos como pessoas com deficiência e de seus familiares; sujeitos esses matriculados na rede municipal de ensino de uma cidade próxima à cidade de São Paulo. O período de realização das entrevistas (2008-2010) coincide com o momento em que as práticas vinculadas ao modelo tradicional de ensino ofertado àqueles alunos (educação especial) passam a ser substituídas por práticas enunciadas como visando outro modelo de ensino, denominado educação inclusiva. Também é analisado o discurso de seis educadores e seis profissionais de outras áreas, todos eles ligados direta ou indiretamente aos quatro sujeitos com deficiência e em contato direto ou indireto entre si, no cotidiano profissional. Analisadas uma a uma, as entrevistas são agrupadas primeiramente pela sua origem, a saber: pessoas e familiares; educadores e terapeutas. São analisadas as singularidades que se destacam em cada entrevista e as regularidades que se desenham pela repetição de termos e expressões no entrecruzamento desses discursos. Obtêm-se, dessa forma, categorias que não só constituem o campo discursivo específico do conjunto de entrevistas como indicam os gêneros discursivos e os modos particulares de dizer e colocar em circulação um discurso da deficiência. Assim efetivada, a análise permite afirmar que a deficiência, dita como falta, limitação, dificuldade; mostrada como imperfeição, doença, bloqueio, também é associada, pela negação, à capacidade/incapacidade dos sujeitos. A transitividade dos termos enunciados não é complementada senão com termos vagos e gerais, como artigos e pronomes indefinidos. Contrastada, no discurso, com as narrativas de experiências e histórias concretas de vida, em especial na fala das pessoas “com deficiência” e seus familiares, a dimensão conceitual e abstrata da categoria deficiência parece não ter lugar na enunciação, dando lugar ao inefável da experiência humana.

PALAVRAS-CHAVE: Deficiência, Análise Institucional do Discurso, Educação

Especial, Educação Inclusiva, Desenvolvimento Humano

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GALVÃO, L. F. Who/what, does denominate disability? 2011. 241 f. Doctoral thesis (in

Psychology) – Institute of Psychology, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

ABSTRACT

This is a study of modes of discourse production of the currently so-called disability. The institutional analysis of discourse as proposed by Marlene Guirado was used as a theoretical and methodological reference of the research study in all phases of this study, particularly in the analysis of the interviews. The interviews conveyed the discourses of four subjects known as people with disabilities and their families. The subjects were public school students from a town near the city of São Paulo, southeastern Brazil. The study was conducted during a transition period when the traditional model of special education was replaced with inclusive education. All interviews were carried out between 2008 and 2010. There were also analyzed the discourses of six educators and six providers from other areas who directly or indirectly worked with the subjects studied and maintained direct or indirect relationships between them during their daily work. The interviews were analyzed one by one and then grouped by their origin: people and families; and educators and therapists. Notable distinctive features and common characteristics of discourses evidenced by word repetition and use of similar expressions were examined. This analysis produced categories that not only marked specific discursive areas but also identified discourse genres and particular ways of expressing and conveying a discourse of disability. This analysis showed that disability – articulated as lack, limitation, difficulty, and shown as imperfection, disease, and restraint – is associated by denial with the subjects’ ability/inability. The transitivity of the terms used is complemented only with vague, general words such as articles and indefinite pronouns. Contrasting with narratives of experiences and stories of real life, especially in the discourse of those “with disabilities” and their families, the abstract conceptual dimension of the disability category seems to have no space in the enunciation, giving rise to the indescribable human experience.

KEY WORDS: Disability; Institutional Analysis of Discourse; Special Education;

Inclusive Education; Human Development

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Evolução da produção de dissertações e teses do IPUSP de 19965 a

2010............................................................................................................p. 29

Figura 2 Breve cronologia dos marcos de referência na educação

inclusiva.....................................................................................................p. 30

Figura 3 Diagrama de entrecruzamentos dos principais termos de

busca...........................................................................................................p. 34

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Distribuição da produção por tipo e área de

concentração...............................................................................................p. 32

Tabela 2 Número de registros encontrados por termos de busca..............................p. 33

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 12

1.1 O TEMA.................................................................................................................................... 12

1.2 NOMES E NOMENCLATURAS..................................................................................................... 17

2 A LITERATURA........................................................................................................................... 25

2.1 A PRODUÇÃO ACADÊMICA ...................................................................................................... 27

3 O MÉTODO................................................................................................................................... 37

3.1 PROCEDIMENTOS ..................................................................................................................... 46

3.1.1 Quanto à coleta do material: ............................................................................................. 46

3.1.2 Quanto à análise do material: ........................................................................................... 48

4 ANÁLISE ....................................................................................................................................... 50

4.1 “PRA VOCÊ, O QUE É DEFICIÊNCIA?” ........................................................................................ 53

4.2 “FALE-ME DO SEU TRABALHO” ................................................................................................ 99

4.3 “FALE-ME DELE, DELA.” ........................................................................................................ 167

5 DISCUSSÃO ................................................................................................................................ 218

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................. 221

Apêndice A - Levantamento Bibliográfico no IPUSP – Mapa Completo........................................226

Apêndice B – Modelo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.........................................241

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1 INTRODUÇÃO

1.1 O tema

Este trabalho estuda os modos de produção discursiva do que se denomina, na

atualidade, deficiência.

As interrogações que o motivaram originaram-se da imbricação de ao menos três

aspectos delineados ao longo do tempo em que desenvolvemos trabalhos, estudos e reflexões

sobre o tema. O primeiro aspecto – a formação em psicologia e o mestrado na área escolar e

do desenvolvimento humano – conduziu-nos, também, ao trabalho na área pública; o segundo,

o cotidiano de convivência com pessoas surdas em fase de escolarização (a maioria crianças)

e, posteriormente, com várias pessoas (de bebês a adultos), nomeadas, atualmente, como

pessoas com deficiência, suas famílias, seus terapeutas e educadores; e o terceiro, a inevitável

influência de um modo de pensar e fazer psicologia comprometido e identificado com o

pensamento de Marlene Guirado. Sua proposta, desenvolvida ao longo de seus trabalhos

como analista, docente e pesquisadora, vem se confirmando, na prática cotidiana, bem mais

que um referencial teórico-metodológico de trabalhos acadêmicos sérios e de qualidade;

configura, em nosso entender, um potente e produtivo instrumento de reflexão e intervenção

concreta nas relações institucionais sobre as quais pode incidir o trabalho de um profissional

da psicologia.

Nessa medida, ter adotado os pressupostos teóricos fundamentais de tal instrumento de

intervenção levou-nos a considerar mais detidamente algumas das questões oriundas de nosso

trabalho cotidiano e a decorrente inquietação que, desde o início, ele nos provocava.

Tínhamos, diante de nós, um mosaico de situações que, diariamente, nos levava a pensar que,

a partir da experiência com um corpo que parecia frustrar o que se espera dele, ali, onde a

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percepção estética acusaria um furo, o sujeito que se constituía com esse corpo passava a ser

facilmente identificado com um sujeito-menos – expressão que, à época, utilizávamos, para

tentar nomear aquilo que testemunhávamos

Perguntávamo-nos como se daria, se ocorria, a compreensão disso por parte da própria

pessoa, de sua família, seus educadores, seus terapeutas – tomados, todos estes, como

representantes primeiros das mediações sociais. Quais seriam os parâmetros das inúmeras

terapias propostas, em geral interessadas em reabilitação; que sujeitos elas diagnosticariam?

Nossa leitura via a deficiência sempre como deficiência de uma ou mais funções orgânicas, e

não do sujeito – mesmo que fosse difícil fazer caber, aí, o entendimento da deficiência mental,

já que seria muito mais complexo, no caso, definir que funções mentais seriam as deficientes.

Essas eram algumas das questões, das interrogações que nos fazíamos, às quais se

juntava a inquietação de imaginarmos que, a depender das relações

interdiscursivas/interinstitucionais em jogo, poder-se-ia promover uma (re)inclusão social da

deficiência, no lugar mesmo de onde se dizia querer tirá-la. Passamos a postular, então, que

ainda que se considere que diferenças biológicas, congênitas ou adquiridas, sempre estiveram

presentes na história, e talvez sempre estejam, as formas sociais de percebê-las/ lidar com elas

– discursá-las, enfim – mudam, certamente, ao longo do tempo e em determinados contextos.

Nesse período, em que ainda tínhamos escasso conhecimento da produção da psicologia nesse

campo específico e nosso cotidiano nos requeria, a todo o momento, nosso primeiro interesse

era o de investigar tal produção.

Todos esses fatos contribuíram para que o desejo de realizarmos um estudo mais

aprofundado se convertesse em projeto de pesquisa. Desejávamos apontar aquilo que

testemunhávamos e que entendíamos como sendo o fato de haver, aquém e além das

conceituações, uma circulação discursiva dinâmica, diária e bastante efetiva, em torno do que

hoje denominamos deficiência. E que sua nomeação como tal parecia demarcar territórios de

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conhecimento – especializado, por certo – o que sugeria a exclusão de quaisquer outros

saberes.

Pensávamos relevante trazer à discussão e à análise o dizer daqueles que

vivem/convivem com o que outros, quase nunca eles próprios, chamam de sua deficiência.

Deficiência esta que, por sua vez, já teve muitos outros nomes: anormalidade, desvio,

invalidez, excepcionalidade, defeito... Dizer, esse, de pessoas que, nessa condição particular,

já foram, e são, tomadas como idiotas, imbecis ou débeis; já foram, e são, denominadas

socialmente por traços fisiológicos/psicológicos específicos que apresentam, como surdez,

cegueira, paralisias.

Desse modo surgia nossa intenção de analisar o discurso das pessoas ditas com

deficiência e seu círculo social. Investigamos, para tanto, o que identificamos como o espaço

interdiscursivo no qual a deficiência, se não é forjada, parece encontrar sua reprodução

assegurada. Esse espaço não prescinde, em nosso entender, do discurso e da relação entre três

grandes e importantes instituições humanas que são a família, a escola e as terapias. O jogo

interdiscursivo entre essas instituições, que dividimos em grupos discursivos identificados

como pessoas e familiares, educadores e terapeutas, foi investigado, na busca de

respondermos às questões que antes já formuláramos, mesmo de forma incipiente, e que agora

surgem como as interrogações que queremos responder: considerando essas três instituições,

o que as aproxima ou as diferencia, quando falam a deficiência? Como se constitui uma

deficiência, no jogo interdiscursivo dessas instituições; que discursos/práticas institucionais

daí emergem e em que outras práticas se desdobram? De que sujeito se fala, quando se fala a

deficiência, no interior de uma dessas instituições, ou dos campos de intersecção entre elas?

Que materialidade assume(m) esse(s) discurso(s), quando se tomam as instituições concretas

que sujeitos concretos repetem e legitimam, e cujo âmbito institucional seria atravessado pela

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deficiência – ela mesma uma instituição, deste ponto de vista? Como se dá a compreensão

disso por parte dos atores de tais instituições?

Assumimos, então, como objetivo geral desta pesquisa:

a) estudar o discurso de sujeitos nomeados, por si ou por outros, como pessoas com

deficiência, no contexto das instituições concretas de suas famílias, escola e terapias;

b) estudar o discurso dessas instituições nas quais tais sujeitos figuram como atores e

c) buscar identificar, por meio dos modos de produção, circulação e interpenetração,

que e quais construções discursivas interagem na produção/legitimação da deficiência a que

são associados. Em outras palavras, que discursos incidem, se o fazem, na produção de um

sujeito da deficiência.

Por conseguinte, são nossos objetivos específicos:

- Identificar, no material analisado, os possíveis nomes e atributos do que se

compreende por deficiência, de modo a apontar, quando cabível, sistemas explicativos,

categorias, classificações, etc..., em circulação no discurso/práticas institucionais de

comunidades discursivas concretas;

- Verificar, pela análise do discurso, que estatuto(s) assume a condição de deficiência

para aquele que a fala ou é nela falado, e em que termos isso ocorre: seus modos próprios de

dizer-se/dizê-la e a relação discursiva com outros modos/gêneros de discurso;

- Contribuir com o avanço do conhecimento na área, pela leitura institucional e a

análise de alguns elementos discursivos que, recorrentes, tanto podem indicar o contexto

institucional propício a práticas de segregação quanto podem sugerir alternativas de lidar com

tais impasses.

Tendo esses objetivos em mente, realizamos as entrevistas – dezesseis, ao todo –

quatro delas com pessoas com deficiência e seus familiares, seis com educadores e outras seis

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com terapeutas, em busca de, por meio da análise, lançar luzes aos ditos e mostrados nos

discursos desses grupos institucionais.

Parte do que organizamos, a partir de então, será apresentado nas próximas páginas.

Vale sublinhar que algumas das inquietações/interrogações iniciais encontraram eco e

desdobramentos, ao longo da pesquisa, enquanto que outras tantas simplesmente perderam

sua razão de ser, à luz dos estudos realizados.

Ainda nesse capítulo introdutório, a próxima seção tratará da discussão da

nomenclatura com que se vem dizendo a deficiência, bem como de alguns autores que

defendem a necessidade de conceituá-la e uniformizar a terminologia. A discussão que

fazemos, organizada no diálogo com essa posições, foi destacada do capítulo seguinte,

destinado à revisão da literatura, justamente por representar o pensamento que norteou as

escolhas que fizemos para realizar nossa pesquisa.

O segundo capítulo, A Literatura, apresenta nossa organização e elaboração do farto

material que encontramos, na revisão. Os estudos de Lígia Assumpção Amaral (1941-2002);

Lev S. Vygotsky (1896-1934) e Maud Mannonni (1923 - 1998) são apresentados como

importantes referências teóricas da literatura especializada, no campo da psicologia. Em

seguida apresentamos uma pequena cronologia de movimentos e legislações referidos ao tema

e à sua abordagem, no campo político-social. Ainda nesse capítulo, apresentamos o

levantamento que fizemos, junto à Biblioteca do Instituto de Psicologia da Universidade de

São Paulo – IPUSP, da produção de dissertações e teses relacionadas diretamente ao tema, por

meio de termos de busca que explanaremos em detalhes no interior do capítulo.

No terceiro capítulo, O Método, apresentamos a análise institucional do discurso

proposta por Guirado e a forma como buscamos articular essa estratégia de pensamento e o

nosso trabalho.

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O quarto capítulo é dedicado à análise das entrevistas, já recortadas segundo o método

e apresentadas por meio de extratos discursivos que, articulados, inscrevem os temas por nós

organizados, também em função da análise feita.

No quinto capítulo apresentamos a discussão do campo temático produzido pela

análise, em diálogo o trabalho de autores selecionados a partir de nosso levantamento

bibliográfico da produção no IPUSP e com as referências teóricas anteriormente apresentadas.

No sexto e último capítulo, apresentamos, à guisa de conclusão, os aspectos que

tomamos como os mais sensíveis e inquietantes, de modo que, sem nos darmos conta, já se

converteram em novos disparadores de reflexões, estudos, vida

1.2 Nomes e nomenclaturas

Tema de uma literatura acadêmica ampla, variada e dispersa por vários campos de

estudo, como se verá adiante; atravessada por controvérsias conceituais e outras produções

menos formais1, a ideia de deficiência e suas diversas categorias tem constituído objeto de

estudo relativamente frequente no campo da Psicologia, em especial nas últimas duas

décadas. Nesse período, a temática passou a integrar também o campo de estudos dedicado à

chamada educação inclusiva e aos processos de inclusão/exclusão social, de forma mais

explícita. Entretanto, um dos maiores desafios encontrados, desde o início da pesquisa, foi

compreender a partir de qual marco histórico o termo deficiência adquiriu o estatuto que hoje

1 Estas, encontradas em profusão na mídia eletrônica, vão da manifestação pessoal de uma opinião à divulgação de artigos científicos publicados em revistas indexadas. A riqueza e a variedade do material encontrado merece, em nosso entendimento, tratamento adequado, o que, para os objetivos dessa tese, não seria exequível. Optamos, assim, pela menção à existência do mesmo, o qual tencionamos examinar mais detidamente, em outro momento.

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parece pouco questionado, carreando, consigo, concepções várias do que seja algo ou alguém

deficiente.

Pessotti (1984), logo nas primeiras linhas do capítulo introdutório de seu livro

“Deficiência Mental: da superstição à ciência”, ao assinalar que “A história da idéia de

deficiência mental acompanha de perto a evolução da conquista e formulação dos ‘direitos

humanos’ que se insere, por sua vez, na trajetória da filosofia humanística” (p.1), destaca

também que “Não se pode explicar a evolução daquela idéia sem referir seus momentos

marcantes às determinação de origem teológica ou econômica, política, jurídica ou outras.”

(idem). Vale citar as palavras do autor, neste sentido, firmadas na sequência:

Neste trabalho (...) Apenas se oferece uma descrição, balizada pela

cronologia, das principais idéias e personagens que têm gerado teorias

e interpretações sociais da deficiência mental, seja através de escritos,

seja em iniciativas didáticas ou assistenciais.

Embora em essência seja descritivo, o texto procura apontar a relevância das diversas

obras e ideias para a evolução histórica ulterior do conceito de deficiência mental,

entendendo-as como raízes, por vezes seculares, de cuja seiva se nutrem os preconceitos e os

conceitos de hoje, nesse campo. (p. 1)

Temos observado, entretanto – seja na literatura ou na atuação militante dos diversos

organismos sociais que lidam com o tema – lacunas inquietantes quanto à compreensão das

formas de (re)produção de concepções sobre a deficiência que circulam socialmente. Essa

insuficiência menos se refere à descrição – exaustiva, até – das diferenças de concepções, ao

longo do tempo (Godoy, 2002; Marchesi, 2002), e mais à análise dos modos de produção

desses discursos. Parece-nos significativo que a experiência singular de (con)viver com

limitações pessoais, de ordem física ou neurológica; congênitas ou adquiridas; que

incapacitam temporária ou permanentemente a realização de determinadas tarefas ou

modalidades de convívio social; seja convertida em fenômeno social de amplitude, enquanto a

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própria dinâmica que a inscreve como tal compareça vinculada a uma origem que parece se

perder no tempo e que seria determinada, única e exclusivamente, pela natureza.

É de se problematizar, portanto, a concepção de uma deficiência tomada pela

pressuposição de possibilidade de que estejamos falando a mesma coisa, sempre que a

enunciamos. Ainda mais se estamos “do lado de fora” dessa vivência. Talvez não seja fortuito

que uma parcela considerável de autores e pesquisadores dessa área de estudos seja de

pessoas que vivem a condição de pessoas com deficiência.

Vash (1988), psicóloga americana, estudiosa do tema e também ela deficiente, já

apontava, há quase três décadas2 :

Ser deficiente é uma coisa. Ser incapacitado é bem outra. Agora que

as pessoas deficientes estão saindo da sombra e proclamando “existo,

logo, penso”, uma das coisas com que elas se preocupem [sic] é o

efeito da linguagem no modo como são percebidas por outras pessoas

e como se percebem a si próprias. Um grupo rejeita o termo

“deficiente” (disabled). Dizem que esse termo lhes lembra um carro

estragado abandonado, sem nenhuma utilidade, num acostamento da

estrada. Insistem em ser chamados de “incapacitados” (handicapped).

Outro grupo rejeita a palavra handicapped ou “incapacitado”. Dizem

que essa palavra lhes lembra posters de crianças pobres fitando com

gratidão as moedas que benfeitores estão jogando na latinha. Insistem

em ser chamados de deficientes. Ainda um outro grupo rejeita ambos

os termos. A palavra que eles desejam é “desconfortáveis”

(inconvenienced). Um outro grupo ainda prefere a palavra

“prejudicados” (impaired).

(...)

As palavras têm o poder de moldar imagens dos objetos de referência

e a sua escolha é importante na construção ou na destruição de

estereótipos. (p. 25 e 26)

2 O trabalho original, The Psychology of Disability, publicado por Springer Publishing Company, Inc.,é de 1981

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20

E logo adiante:

A Autora pertence a um quinto grupo que usa os termos disability e

handicap com dois significados diferentes. Isso pode se tornar mais

claro através da definição de um terceiro termo: “doença”. A doença

se refere a um processo de enfermidade ativo. A deficiência

(disability) se refere a qualquer debilidade residual do funcionamento

fisiológico, anatômico ou psicológico, que resulte de uma doença, de

uma lesão, ou de um defeito congênito. Ela é definida em termos do

funcionamento individual e, supondo-se que não existe mais nenhum

processo ativo de doença, a deficiência é relativamente estável para

uma determinada pessoa. Assim, faz sentido falar de uma “pessoa

deficiente”. A incapacidade (handicap) se refere à interferência que

uma deficiência provoca no desempenho de uma pessoa numa

determinada área da vida. É definida em termos das conseqüências

sociais e pode variar bastante, dependendo daquilo que a pessoa esteja

tentando fazer. Assim não faz sentido falar de uma “pessoa

incapacitada”, de forma global. (p.26)

É certo que a adoção de novas terminologias sugere mudança na posição de quem

enuncia. Por outro lado, esses deslocamentos não são, necessariamente, indicadores de

mudanças na compreensão/abordagem do fenômeno que se deseja estudar. É de se perguntar,

então, de que forma poderíamos demarcar o campo constituído por esse movimento na ordem

do discurso que, concomitantemente, incide seus contornos, em diversos contextos

discursivos, com diversos matizes: histórico, linguístico, social, psicológico, jurídico, etc...

Em nosso entendimento, as tentativas de conceituar um fenômeno de tal ordem serão estéreis,

se não tomarmos como nosso principal ponto de inflexão o dizer das próprias pessoas que

vivem ou convivem com o que, nos dias atuais, é tido e nomeado pelo termo deficiência.

A conceituação de deficiência e sua estratificação em categorias descritivas

atenderiam a necessidades de ordem prática, derivadas de uma ordem interinstitucional e que,

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21

segundo alguns autores – Sassaki (2003, 2005), por exemplo – constitui um movimento

mundial, na tentativa de uniformizar termos e procedimentos. Não é nosso interesse, neste

trabalho, procurar argumentos que afirmem possível ou não conceituar o que seja, afinal,

deficiência. A própria Organização Mundial de Saúde – OMS já o fez, como nos mostram

Amiralian et al. (2000), que discutem, em artigo bastante citado em outros trabalhos, as

vantagens e inconveniências de se adotar a definição proposta pela Classificação Internacional

de deficiências, incapacidades e desvantagens: um manual de classificação das consequências

das doenças – CIDID (1989), em que se definem, a título de conceituação, os termos

deficiência, incapacidade e desvantagem:

Deficiência: perda ou anormalidade de estrutura ou função

psicológica, fisiológica ou anatômica, temporária ou permanente.

Incluem-se nessas a ocorrência de uma anomalia, defeito ou perda de

um membro, órgão, tecido ou qualquer outra estrutura do corpo,

inclusive das funções mentais. Representa a exteriorização de um

estado patológico, refletindo um distúrbio orgânico, uma perturbação

no órgão.

Incapacidade: restrição, resultante de uma deficiência, da habilidade

para desempenhar uma atividade considerada normal para o ser

humano. Surge como conseqüência direta ou é resposta do indivíduo a

uma deficiência psicológica, física, sensorial ou outra. Representa a

objetivação da deficiência e reflete os distúrbios da própria pessoa,

nas atividades e comportamentos essenciais à vida diária.

Desvantagem: prejuízo para o indivíduo, resultante de uma deficiência

ou uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho de papéis

de acordo com a idade, sexo, fatores sociais e culturais. Caracteriza-se

por uma discordância entre a capacidade individual de realização e as

expectativas do indivíduo ou do seu grupo social. Representa a

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22

socialização da deficiência e relaciona-se às dificuldades nas

habilidades de sobrevivência. (p. 98)

Quanto a nós, acreditamos não ser necessário inventarmos novos termos ou nos

esquivarmos do compromisso com a defesa dos direitos e a inclusão social de pessoas que,

por sua condição, se encontram em situação de exclusão e se convertem em vítimas de toda

sorte de preconceito. Em concordância com Medeiros e Diniz (s/d), quando se posicionam

quanto às questões terminológicas em relação ao tema e afirmam que: “... parece que a

disputa pela terminologia correta dispersa energia que deveria ser aplicada em questões mais

substantivas” (p.1-2), entendemos suficiente apenas indicar o uso que faremos de um

substantivo simples – deficiência – para denominar um fenômeno que entendemos bem mais

complexo.

Talvez seja lícito supor ser este um conceito tão flexível e moldável que pode sempre

ser modulado pelas formas de dizer mais características da instituição que busca capturá-lo

como objeto. A instituição escolar tradicional, na sua legislação específica, por exemplo,

trocará a expressão pessoas com deficiência por alunos com necessidades especiais. Assim,

mesmo que a definição dessa população específica possa comportar outros sujeitos – ser

especial não seria prerrogativa de quem tem uma deficiência – todo aluno identificado como

portador de deficiência pela legislação geral (Constituição Federal, 1988), aqui se torna um

aluno com necessidades especiais. A experiência empírica nos levou a observar, como

decorrência não prevista da adoção de uma perspectiva dita inclusiva3, tais alunos sendo

identificados, no discurso de educadores, como “alunos de inclusão”.

Assim, como bem aponta Davis (2002):

Mesmo no próprio movimento pelos direitos dos deficientes, as

noções sobre quem se encaixa na categoria de “deficiente” não são

3 Fato que vem ocorrendo, aliás, em todo o País, por força de orientação do Ministério da Educação - MEC

(2009)

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23

claras. Por exemplo, muitos ativistas surdos não se consideram

deficientes. Ao contrário, eles se consideram integrantes de uma

minoria lingüística, como os latinos ou asiáticos, definidos pelo uso de

uma linguagem que não é dominante nos Estados Unidos. (A tirania

da “normalidade”, Lennard J. Davis) 4

É interessante notar que, desde o nome, desde essa dificuldade de conceituação,

deparamos com um tipo de deficiência que está aquém e além do fenômeno que se tem

chamado, atualmente, de deficiência. E o interessante reside exatamente no fato de parecer ser

uma grande deficiência nossa a dificuldade de conceituarmos com precisão, com clareza,

aquilo de que estamos falando. Por fim, talvez estejamos tentando nomear – ou talvez

capturar – a deficiência.

Desse modo, nosso interesse não será o estabelecimento ou a discussão de novas

categorias de deficiências que venham a constituir alguma outra tipologia dentre as já

existentes. Tampouco nos interessará discutir as diferenças entre os diversos “tipos” de

deficiência ou, mesmo, estabelecer comparações entre eles. Coloquemos em cena não a

discussão sobre qual termo usar ou que políticas públicas desenvolver, ou quais diagnósticos

seriam mais ou menos precisos, mas, sim, o princípio, já mencionado, de que o sujeito

psíquico tem a instituição por matriz, lembrando que a instituição aqui pensada não é

estrutura abstrata, mas ação humana, de pessoas em relação. Assim, por mais que as

limitações impostas à vida de uma pessoa com deficiência possam permitir que ela circule

livremente, ela estará, certamente, ligada a pelo menos duas, de três grandes instituições que,

sabemos, figuram nesse contexto específico: a instituição familiar, a instituição terapêutico-

4 Texto adaptado de Bending Over Backwards: Disability, Dismodernism and Other Difficult

Positions (Fazer o possível: deficiência, desmodernismo e outras posições difíceis), de Lennard J. Davis (Nova York, University Press, 2002). Obtido em:

http://www.daisakuikeda.com.br/publicacoes_quarterly_jul05_destaque_02.htm

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assistencial e a instituição pedagógico-educacional. E todos os atores aí envolvidos têm,

certamente, o que dizer. Sendo assim, porque não trazer à cena justamente estes ditos?

Pretendemos enfatizar, à luz da abordagem proposta, a relevância das noções de

instituição, discurso, sujeito e singularidade, tomadas em uma intricada e dinâmica relação,

para analisar o discurso de sujeitos que, matriciados em uma teia discursiva em que saberes e

poderes se entrecruzam, certamente têm o que dizer sobre si. E o têm, talvez, a partir de um

lugar distinto do que, por ora, podemos imaginar.

Como nos diz Foucault (1997):

Sabemos – e, talvez, desde que os homens falam – que as coisas,

muitas vezes, são ditas umas pelas outras; que uma mesma frase pode

ter, simultaneamente, duas significações diferentes; que um sentido

manifesto, aceito sem dificuldade por todos, pode encobrir um

segundo, esotérico ou profético, que uma decifração mais sutil ou

apenas a erosão do tempo acabarão por descobrir; que sob uma

formulação visível pode reinar uma outra que a comande, desordene,

perturbe, lhe imponha uma articulação que só a ela pertence; enfim

que, de um modo ou de outro, as coisas ditas dizem bem mais que elas

mesmas. (p. 126-7)

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25

2 A LITERATURA

A circunscrição de um tema de estudo conduz também à tarefa de se delinearmos com

clareza os termos e conceitos de que nos valemos. Veremos, entretanto, que o referencial

adotado não se restringe à condição – fecunda e produtiva, apostamos – de método de análise

dos dados obtidos, mas nos conduz a uma abordagem que, desde o primeiro momento, requer

a (re)leitura dos termos atinentes à temática eleita.

Esses termos configuram gêneros discursivos característicos de uma dada ordem de

relações humanas, sociais e – por isso, e ao mesmo tempo – institucionais. Assim,

entendemos que, ao falar deficiência, estaremos falando de uma multiplicidade de sentidos e

de um conjunto significativo de opções a que esse termo pode se referir.

Tomemos de empréstimo, para que se esclareça nossa posição, a definição de

polissemia e polifonia, como ensinada por D. Maingueneau (comunicado em palestra, julho

de 1997): a palavra é polissêmica, o discurso, polifônico. Polissemia, aqui, entendida como

múltiplos sentidos e polifonia como múltiplas vozes, nos remetem a uma reflexão sobre o

efeito discursivo da escolha do tema deficiência que, como palavra, ultrapassa a condição de

classe gramatical e adquire o estatuto de um discurso – polifônico, inequivocamente – de uma

só enunciação. Mas um discurso.

Assim, o discurso deficiência, aqui, será analisado a partir de cada contexto

enunciativo onde ocorrer. O que, vale dizer, conduz-nos à hipótese de que a palavra

deficiência, dita por vozes distintas, possivelmente dirá coisas distintas. O que não implica,

por outro lado, que essas vozes digam menos do que os seus distintos timbres podem dizer,

como interdiscursividade – a suposição de uma imbricação de falas que constroem

concepções e conferem maior ou menor força a determinados termos, em relação a outros. E

isso a análise nos possibilitou apontar.

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26

Vimos, já, como o tema de nosso estudo configura uma possibilidade aberta a ser lida

de muitas maneiras. Referida por muitos dos autores como questão, conceito ou área, os

estudos sobre a deficiência, quando tratados com o rigor científico da academia, acarretam –

obrigatoriamente, a nosso ver – outra exigência: a de se investigar o que pessoas concretas,

em situações concretas, dizem de sua experiência com a deficiência – tomada como sua ou

como de pessoas com quem se relacionam. Vash (1988) já destacava a experiência da

deficiência como importante fator na discussão científica e modos de abordá-la, clínica e

socialmente, assim como Amaral (1994) e Sekkel (2003) o fazem.

A mesma Amaral (1997) sugere, inclusive, a distinção de tipos de conceituação da

deficiência: o conceito social: "(...) refere-se aos fenômenos-satélites à própria deficiência:

atitudes, preconceitos, estereótipos e estigma."; o conceito pedagógico (...) "entende que a

deficiência é aquela condição que, presente em dado aluno, exige técnicas, recursos e

programas especiais." e o conceito psicológico:

... embora sendo ainda bastante discutível e discutido (...) tem como

estrutura central a ênfase na pessoa e não na deficiência, abstendo-se,

portanto, de certa forma, de conceituar o fenômeno, voltando-se com

intensidade para as vicissitudes no processo de desenvolvimento, para

as reações afetivo-emocionais da pessoa, família e sociedade, as

reverberações na esfera da personalidade etc.(p.140).

Destaque-se, dessa autora, que ela se tornou referência importante para os estudos

sobre a deficiência no Brasil e é hoje considerada pioneira na abordagem da questão. Para

melhor dimensionarmos a importância de seu trabalho, tomemos em conjunto os principais

pontos introduzidos por dois autores também considerados pioneiros nos estudos e no modo

de pensar a deficiência.

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27

2.1 A Produção Acadêmica

Ao realizarmos uma pesquisa bibliográfica baseada em termos-chave, observamos: 1)

são raros os artigos em que há preocupação explícita em se discutirem as razões da adoção de

determinada terminologia para se referir às pessoas hoje nomeadas como pessoas com

deficiência e 2) é profícua a produção referente à área temática – encontramos muito material,

muitos textos; artigos inclusive assinados por docentes e pesquisadores de nível universitário

– mas não verificamos muitas regularidades nas referências bibliográficas utilizadas, o que

sugere ser este um campo conceitual bastante aberto a abordagens diversas. As duas maiores

recorrências, no material revisado, de citações e referências bibliográficas a autores

brasileiros, são os trabalhos de Amaral (1994, 1995, 1997, 2004) e Pessoti (1984). A ênfase

na revisão da literatura em nossa pesquisa ocorre no sentido de se buscarem eixos de

referência e comparação para as discussões a serem desenvolvidas após a análise do material.

Tendo em mente esses aspectos e diante da grande quantidade de material encontrado,

algumas opções foram sendo feitas, como sói acontecer. A primeira tendência seria a de

elegermos a produção de um dado momento no tempo, a partir de um recorte que seguisse

uma cronologia. Mas uma das considerações de peso, considerando a estratégia de

pensamento do método adotado, que tem por uma de suas referências o trabalho de Michel

Foucault, logo nos alertava para o fato de que o sequenciamento cronológico não garantiria

nem a relevância nem a diversidade de abordagens que encontramos na pesquisa. Havia que

se estabelecer um corte, uma vez que seria impossível retratar, em uma só tese, a diversidade

de vozes e leituras possíveis sobre a deficiência.

Fizemos, então, o levantamento de todas as Teses e Dissertações defendidas no

Instituto de Psicologia da USP, desde sua fundação, bem como da produção intelectual do

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corpo docente, e tomamos esse material como um primeiro referencial, um ponto a partir do

qual realizar nossa revisão.

A base de dados utilizada foi o DEDALUS (www.sibi.usp.br/sibi) e os termos e

expressões utilizados para a busca foram: deficiência, deficiente, pessoas com deficiência,

pessoas portadoras de deficiência, portadores de necessidades especiais, educação especial,

educação inclusiva e crianças especiais. Destaque-se que, na Tabela 1, que apresenta os dados

sistematizados, os registros encontrados a partir de termos ou expressões distintos muitas

vezes eram coincidentes.

Consultamos o Catálogo Online local da Biblioteca do Instituto de Psicologia da

Universidade de São Paulo – IPUSP, sem restrição de data para o retorno de registros. Na

página do site foram consultados todos os tipos de materiais e as bases de dados foram

especificadas (Teses e Dissertações ou Produção Intelectual), sem palavras adjacentes.

Entendemos que a lista gerada não é exaustiva; porém, acreditamos que ofereceu uma amostra

representativa da produção em Psicologia, a partir de uma instituição que constitui um centro

de referência nacional, no âmbito acadêmico.

A busca resultou num total de 154 trabalhos, entre dissertações, teses de doutorado e

de livre-docência, entre os anos de 1965 a 2010. Não houve produção em todos os anos do

período, tendo sido o ano de maior concentração o de 1999, com seis dissertações, sete teses e

uma livre-docência. A Figura 1 mostra a evolução da produção ao longo do tempo.

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29

Figura 1: Evolução da produção de dissertações e teses do IPUSP de 1965 a 2010.

1 1 12

1

5

12

4

1 12

6 6 64 4

53

43

8

3 31

13

5

1

4

3

3

42

5

4

7

3

2 2

6

5 2 4

2

2 2

0

2

4

6

8

10

12

14

16

1965

1969

1970

1980

1984

1986

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

Dissertação Tese Livre Docência

Fonte: Elaboração própria.

A distribuição da produção de teses e dissertações no IPUSP, ao longo do tempo,

apresenta uma interessante correlação com a evolução dos marcos regulatórios institucionais5,

não só no Brasil, mas também em termos do movimento mundial em prol da educação

inclusiva.

Senão, vejamos. O marco mais importante, não só para a educação inclusiva, como

para a regulação da sociedade brasileira como um todo, foi a Constituição Federal de 1988,

promulgada em 05 de outubro de 1998 e conhecida como a Constituição Cidadã. Nela, já se

estabelecia, em seu artigo 208, como dever do Estado, a garantia à oferta do atendimento

educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino. Em 1990, com o

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei n° 8069/90), estabeleceu-se que a

obrigatoriedade de realizar a matrícula de filhos ou pupilos na rede pública regular de ensino,

e com isso o passo efetivo inicial para a educação inclusiva estava tomado. A Figura 2

sintetiza os principais pontos no tempo desse marco referencial.

5 Baseado em material apresentado no Seminário Internacional de Educação Inclusiva do Fórum Oeste de Educação Inclusiva, 2009, gentilmente cedido pela autora Marta Gil.

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Figura 2: Breve cronologia dos marcos de referência na educação inclusiva

Além do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda em 1990, estabeleceu-se a

Declaração Mundial da Educação para Todos, em reunião de membros da UNESCO, em

Jomtien, Tailândia, de 5 a 9 de março de 1990, afirmou o compromisso, em seu artigo

terceiro, de atender às necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras de

deficiências requerem, para o que se reconhecia a necessidade de atenção especial, com

medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer

tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo. Coincide, neste mesmo ano, a

defesa de cinco dissertações de mestrado e cinco teses de doutorado no IPUSP, revelando a

vanguarda da pesquisa nessa instituição.

Já em 1994, a Declaração de Salamanca apresentou a essência da educação inclusiva,

ressaltando que é dever do Estado assegurar que a educação de pessoas com deficiência seja

parte integrante do sistema educacional, provendo acesso à escola regular, que deve acolhê-

las a partir de uma pedagogia centrada na criança. Concomitantemente, em nível nacional,

instituiu-se a Política Nacional de Educação Especial, que passou a orientar o processo de

‘integração instrucional’, que condiciona o acesso às classes comuns do ensino regular

1990 1994 1999 2001 2003 2006

ECA – Lei n°8069/90

Declaração Mundial da

Educação para Todos

Declaração de Salamanca

Convenção de Guatemala

Política Nacional de Educação Especial

Política Nacional para a Integração da

Pessoa portadora de Deficiência

Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na EducaçãoBásica

Programa Educação Inclusiva

ONU -Convenção sobre os

Direitos das Pessoas com Deficiência

PlanoNacional de Educação em

Direitos Humanos

Fonte: Elaboração própria com base em Gil (2009)

1990 1994 1999 2001 2003 2006

ECA – Lei n°8069/90

Declaração Mundial da

Educação para Todos

Declaração de Salamanca

Convenção de Guatemala

Política Nacional de Educação Especial

Política Nacional para a Integração da

Pessoa portadora de Deficiência

Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na EducaçãoBásica

Programa Educação Inclusiva

ONU -Convenção sobre os

Direitos das Pessoas com Deficiência

PlanoNacional de Educação em

Direitos Humanos

Fonte: Elaboração própria com base em Gil (2009)

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31

àqueles que "(...) possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares

programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais”. Pode-se

conjecturar que a importância desse marco institucional também se fez sentir na produção

acadêmica do IPUSP, contribuindo para que, entre os anos de 1994 e 1999, fossem gestadas e

defendidas vinte e cinco, entre 1998 e 2000, sendo que em 1999, nada menos que catorze

dissertações e teses foram defendidas desse total – ápice deste tipo de produção em todo o

período estudado. Ainda como fator de compreensão dessa mesma produção e de

desenvolvimento pari passu da pesquisa acadêmica e dos fatos da realidade, observam-se os

marcos institucionais do próprio ano de 1999, em que Política Nacional para a Integração da

Pessoa Portadora de Deficiência (Decreto nº 3.298, que regulamenta a Lei nº 7.853/89) define

a educação especial como uma modalidade transversal a todos os níveis e modalidades de

ensino, enfatizando a atuação complementar da educação especial ao ensino regular. E,

complementarmente, a Convenção da Guatemala (Decreto nº 3.956/2001, Convenção

Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas

Portadoras de Deficiência, , de 28 de maio de 1999) afirma que as pessoas com deficiência

têm os mesmos direitos humanos e as liberdades fundamentais que as demais pessoas, o que

exige uma reinterpretação da educação especial e uma diferenciação adotada para promover a

eliminação das barreiras que impedem o acesso à escolarização – ambos podem ser

associados ao motivadores de questões de pesquisa que culminam em dissertações e teses

defendidas entre 2003 e 2004 – considere-se que 2003 é o ano em que o Ministério da

Educação e Cultura (MEC) cria o Programa Educação Inclusiva, estabelecendo o direito à

diversidade e um amplo processo de formação de gestores e educadores nos municípios para

a garantia do direito de acesso de todos à escolarização, com organização do atendimento

educacional especializado e promoção da acessibilidade.

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32

A partir de então, uma série de eventos e de ações internacionais e nacionais de

reafirmação desses princípios têm sido efetivas, dos quais destacamos, em 2006, a Convenção

das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que estabelece que

os Estados Parte devem assegurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis de

ensino, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social compatível com

a meta de inclusão plena; e a , em nível nacional, o Plano Nacional de Educação em Direitos

Humanos, cujo objetivo é fomentar as temáticas relativas às pessoas com deficiência e

desenvolver ações afirmativas no currículo da educação básica.

Outro recorte interessante é avaliar a distribuição dessa mesma produção por tipos e

áreas de concentração, resumidos na Tabela 1:

Tabela 1: Distribuição da produção por tipo e área de concentração

Dissertações Teses de Doutorado Teses de Livre-docência TotalPSA 32 34 2 68PSC 12 8 0 20PSE 19 15 1 35PST 8 7 0 15NI* 6 9 1 16Total 77 73 4 154

* Não identificada (NI) a origem do departamento.Fonte: Elaboração própria

Tipo de produção

Observamos que a distribuição dos trabalhos entre dissertações e teses é bastante

equitativa, sendo a primeira correspondente a 50% e a segunda, a 47% do total da produção

pesquisada. O departamento de maior concentração é o PSA, responsável por 44% dessa

produção no IPUSP, neste período. Tal fato também reflete o fato de que os orientadores com

maior número de orientações são, também, dessa mesma área de concentração: Maria Lucia

Toledo Moraes Amiralian, com dez orientações concentradas entre 1995 e 2008, e Lígia

Assumpção Amaral, com 9 orientações entre 1996 e 2001.

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33

Como cada trabalho apareceu na busca por diferentes palavras-chave, em média de

2,17 palavras-chave por trabalho, obtivemos um total de 334 ocorrências das palavras

pesquisadas. A Tabela 2 sintetiza esses resultados.:

TABELA 2 – Número de registros encontrados por termos de busca

Palavras-chaveContagem

bruta

Percentual sobre o total de

ocorrênciasDeficiência 97 63%Deficientes 68 44%Deficiente 64 42%

Educação especial 46 30%Educação inclusiva 8 5%

Pessoas com deficiência 25 16%Crianças especiais 9 6%

Pessoas portadores(as) de deficiência** 7 5%

Portadores de necessidades especiais 0 0%

Crianças com necessidades especiais 5 3%

Alunos com necessidades especiais 5 3%Total 334 217%

Fonte: Elaboração própria

Ainda considerando a repetição das palavras-chave, obervamos que as de maior

ocorrência são as quatro primeiras, que aparecem em conjunto em 7 dos trabalhos publicados.

Em um deles, a quinta palavra-chave é “educação inclusiva”; em dois outros combinam-se

com “crianças especiais” e, ainda num último a combinação daquelas quatro palavras-chave

se dá com “crianças com necessidades especiais”. Dados esses fatos, e para propiciar uma

visualização gráfica dos entrecruzamentos das principais palavras-chaves, elaboramos um

diagrama destacando a relação entre elas apenas, encontradas em 164 ocorrências no total,

apresentado na Figura 2:

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34

Figura 3: Diagrama de entrecruzamentos dos principais termos de busca

Desse diagrama, podemos ler inúmeras informações interessantes: isoladamente em

relação aos outros três termos, “deficiência” aparece como palavra-chave em 23 trabalhos, em

conjunto com “educação especial”, marcou o conjunto de palavras-chave de 13 trabalhos

pesquisados.

Obtidos os resumos de cada produção indicada, as teses e dissertações disponíveis em

versão digital foram baixadas da Biblioteca Digital de Teses da USP (www.teses.usp.br).

Todas as outras foram consultadas e selecionadas, para leitura detalhada, de acordo com

critérios que priorizavam aquelas que não se referissem a um tipo específico de deficiência ou

que se dedicassem a propostas de intervenção já delineadas e recortadas. Enfatizaram-se,

Deficiência

Deficientes

Deficiente

Educação especial

23

10

3

3 4

3

6

11

8

4

2

3

8

Deficiência

Deficientes

Deficiente

Educação especial

23

10

3

3 4

3

6

11

8

4

2

3

8

Deficiência 52

Deficientes 46

Deficiente 35

Educação especial 31

Total 164

Deficiência 52

Deficientes 46

Deficiente 35

Educação especial 31

Total 164Fonte: Elaboração própria

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assim, aqueles trabalhos que propunham uma leitura crítica do fenômeno ou faziam uma

discussão epistemológica do tema, à luz da psicologia.

A lista contendo todos os títulos da produção pesquisada, com os registros organizados

em ordem alfabética por autor, figura na Seção Anexos deste trabalho.

Foi interessante observar como autores consagrados no campo da Psicologia, como

Freud, Jung, Klein, Lacan, Mannoni, Vygotsky, Winnicott, figuram como as referências

teóricas centrais de vários dos trabalhos. É notória, por outro lado, a participação de Lígia A.

Amaral na condição de autor citado. O que nos parece confirmar a relevância de sua obra no

campo dos estudos sobre a deficiência levados a efeito no Brasil.

Há um autor, ainda, a quem devemos fazer menção. Sua obra, embora não se refira

especificamente ao campo de conhecimento da Psicologia, tem-na influenciado de maneira

tão produtiva quanto capaz de desacomodar nossos saberes tradicionais e deve ser citada

como uma importante referência em nosso modo de pensar a produção do conhecimento.

Trata-se de Michel Foucault (1926-1984). Contudo, para sermos fiéis ao que de mais precioso

se pode identificar no pensamento desse autor, jamais poderíamos declarar uma filiação,

traduzida pelo termo foucaultiana.

Pensamos não haver o que seguir, de Foucault, além da trilha de nosso próprio

pensamento. Assim, se podemos afirmar, desde já, que Foucault não esteve interessado em

estudar a subjetividade como subjetividade psíquica, apontamos, também, que a diferença

desse enfoque será demarcada de maneira brilhante no trabalho de Guirado (2010). Cabe

também apontar como a monumental e sempre vigorosa obra de Sigmund Freud pode ser lida

por um ângulo de incidência capaz de movimentar conceitos dados por definitivos, como a

transferência. (GUIRADO, 2000; GUIRADO & LERNER, 2007). Vemos como, em seus

escritos, Guirado confere o merecido e esperado crédito a todos esses autores, mas segue sua

trilha; seu caminho e seu trabalho de pensar a vida.

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Trataremos disso, a seguir, em detalhes

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3 O MÉTODO

No campo teórico em que se explicitam embates e afinidades quanto ao entendimento

do fenômeno deficiência, parece-nos haver pressupostos e subentendidos em demasia. Desses,

talvez o principal e mais operativo seja a suposição de haver uma condição de desvantagem

inevitável da pessoa com deficiência; quando essa condição mesma constitui a naturalização

de um fato social, historicamente datado. Entendemos haver, entretanto, outra naturalização,

ainda mais poderosa: aquela que se refere às limitações impostas pela particularidade de um

funcionamento psíquico/fisiológico. Será pela análise, talvez, que nos seja possível identificar

como se produzem tais efeitos de reconhecimento/desconhecimento dessa verdadeira supra –

ou sobre – naturalização que se faz de funções fisiológicas como o ouvir, o ver, o falar,

engolir, etc. Falamos, aqui, de sobrenaturalização por entendermos que essas funções, em si,

nada garantem afora atestar que se pertence a uma dada espécie e que tais e tais traços são

característicos do bom ou mau funcionamento desses órgãos/funções. E é aí que devemos nos

lembrar – ou devemos não nos esquecer – que é só socialmente, no e com o discurso, que se

ativam os circuitos nos quais tais funções alcançam seu valor (representarão potência, saúde,

vigor, etc...) e serão significadas.

De nossa parte, assumimos, em consonância com o método de pesquisa adotado, que

esta experiência esteja dita ou mostrada no discurso – o que evidencia nosso entendimento de

que experiência e discurso não são duas situações distintas. O discurso de e sobre algo é,

também, a experiência desse algo. Aqui, a concepção de discurso como ato (GUIRADO,

2000) permite-nos pensá-lo, também, como experiência. Vejamos.

Denominada Análise Institucional de Discurso, a abordagem metodológica aqui

assumida tem sua origem no trabalho da psicanalista, professora e analista institucional

Marlene Guirado, que a vem desenvolvendo desde sua tese de doutorado, depois convertida

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em livro (GUIRADO, 2004). E ela o faz a partir de uma inovadora elaboração de aspectos

fundamentais presentes na obra de Sigmund Freud, no pensamento de Michel Foucault, nos

trabalhos sociológicos de Guilhon de Albuquerque e do linguista e analista do discurso

Dominique Maingueneau. (Guirado, 2009) 6

Gozando já de reconhecimento nos círculos acadêmicos em que se desenvolveu, o

método de análise a ser empregado traz na sua própria essência o que certamente podemos

considerar uma novidade, em relação a outros aportes teórico-metodológicos do campo de

conhecimento em que pretendemos transitar: ele só se constitui, e ao seu objeto, na medida

mesma em que é utilizado. Até porque seu exercício consiste em efetivar uma leitura da(s)

instituição(ões) concreta(s) e de seu discurso que poderíamos afirmar ser a própria instituição

em movimento, na voz de seus agentes concretos. Voz esta que traz em seu timbre, também,

as inevitáveis marcas da singularidade dos sujeitos ali em relação.

Dessa forma, o que pode ser apontado como identidade e regularidade da metodologia

escolhida, consiste em sua forma verdadeiramente minimalista de configurar um objeto de

estudo: este só pode aparecer como tal na medida em que já tenha sido submetido à sua

desmontagem e reconstrução – assim como se entende, aqui, o que seja uma análise. Dito de

outra forma, um objeto de estudo/pesquisa só se produz, efetivamente, quando de sua

pesquisa. Não há, portanto, como supormos uma anterioridade do objeto de pesquisa em

relação à análise a que se procederá.

Por outro lado, se é econômica em seus princípios, a metodologia escolhida permite-

nos grande diversidade nos modos de abordagem e tratamento do material, uma vez

conhecidas, reconhecidas e respeitadas as regras que ditam o (e são ditadas pelo) ordenamento

do discurso. O mesmo ocorre com o ordenamento discursivo específico do material que se

6 A Tese de Livre Docência da autora, “A análise institucional do discurso como analítica da subjetividade”, pode ser consultada em versão digital, no endereço: http://www.teses.usp.br. A mesma tese foi publicada em livro em 2010. Para maiores informações , consultar a Seção de Referências Bibliográficas.

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analisa. Neste sentido, a eleição de determinado corpus para análise não será, jamais, fortuita:

sua própria escolha já aponta os critérios adotados para o recorte efetuado. Estes, por sua vez,

podem e devem ser enunciados desde logo, e com clareza.

Passemos, portanto, à indicação dos pontos básicos que apoiam essa estratégia de

pensamento, esperando que já se tenham feito notar alguns de seus matizes, ao longo do texto

desenvolvido até agora. Já em nossa Dissertação de Mestrado (Galvão, 2000), apontávamos

que:

... a análise de discurso, tal como proposta por Guirado:

- vale-se de elementos importantes da Análise das Instituições

Concretas, de Albuquerque, compartilhando de conceitos forjados a

partir desta concepção (instituição; agentes - ou atores - institucionais;

objeto institucional; contexto institucional; âmbito de ação; planos de

análise);

- entende instituição como um conjunto de práticas que são repetidas e

legitimadas, enquanto se repetem. Estas são, com isso, naturalizadas,

vistas por seus agentes como tendo sido 'sempre assim';

- considera, além disso, que as práticas que se repetem só se repetem

pelos atos de seus praticantes: entre estes atos, o principal é o

discurso. Disso se pode inferir que o discurso de uma instituição é o

discurso de seus agentes, e vice-versa;

- vale-se do instrumental analítico sustentado pela Análise do

Discurso, na forma como a entende Maingueneau, compartilhando e

operando com conceitos como o de discurso (na vertente

foucaultiana), enunciação, gêneros de discurso, cenografia,

heterogeneidade, polifonia;

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- constitui um exercício particular do pensamento analítico que, sem

se confundir com uma análise “interpretativa”, ou qualquer ciência

hermenêutica, toma do campo constituído pela Psicanálise (e pela

Psicologia) seu referencial último, quando considera a singularidade

do sujeito psíquico;

- considera que este sujeito psíquico é, sempre, matriciado nas

instituições: não há como pensar um sujeito fora da instituição, da

mesma forma como não há como pensar vida social fora das

instituições. (p.105)

Discutimos, em páginas anteriores, que se o objeto de uma pesquisa determina a

escolha do método, o que se obterá é aquilo mesmo que já se delineava, antes de a pesquisa

ser levada a termo. Assim, quando intentamos analisar o discurso das pessoas de quem se diz

com deficiência e seu círculo social – o que não é dado a priori – assumimos também que não

é possível antecipar o que encontraremos na fala das pessoas que pretendemos entrevistar.

Consideramos, pois, que tanto aquilo enunciado como necessidade e/ou dificuldade

para se conceituar deficiência, quanto a sua relativização pelas especificidades do campo e do

olhar de quem a aborda, são elementos passíveis de serem problematizados, questionados, a

partir do que obtivermos quando da consecução de nossa análise. Tarefa esta cujo foco, sendo

o dizer de atores sociais concretos, em situações de vida concretas, pode propiciar

entendimentos outros, distintos e distantes do que, por vezes, damos por certo e

inquestionável, antecipadamente, em nossas teorias. Especialmente porque, como bem aponta

Guirado (2005),

O mais desconhecido em nossas práticas, ainda que bem

intencionadas, é o como se faz a naturalização do instituído.

As teorias são o locus preferente para a reprodução de pontos cegos.

Elas recebem normalmente os créditos de verdade e confiança

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daqueles que com elas operam. Porto seguro nas tempestades de

nossos habituais (des)entendimentos, como num passe de mágica,

transformam-se em depositários de nossa vontade de verdade.

Costumamos pensar que nós podemos errar, mas a teoria que

abraçamos é o que há de mais certo. Mas, em realidade, são elas que,

ao fim e ao cabo, confrontamos como produto do conhecimento.

Trata-se, aqui, de negá-las, rechaçá-las, produzir sem elas? Não. Até

porque isto seria impossível. (p. 15)

Em nosso entendimento, a tensão gerada pelas tentativas de conceituar/capturar a

deficiência talvez só encontre sua razão de ser se pudermos retomar a questão relativa aos

gêneros discursivos7, que já está posta desde o início.

Na análise, levamos em consideração as duas dimensões fundamentais do discurso: a

dimensão do dito (o que se enuncia) e do mostrado, no momento mesmo em que se discursa

algo. Ou, a dimensão explícita e a dimensão implícita dos enunciados. Desta última, diz-nos

Maingueneau (1998) que, “Podemos tirar de um enunciado conteúdos que não constituem, em

princípio, o objeto verdadeiro da enunciação, mas que aparecem através dos conteúdos

explícitos” (p.81). As duas grandes formas de implícito são os pressupostos e os

subentendidos (Maingueneau, 1996):

Pressupostos e subentendidos permitem que os locutores digam sem

dizer, adiantem um conteúdo sem assumir completamente sua

responsabilidade. No caso do pressuposto, existe um recuamento

desse conteúdo; no do subentendido, trata-se antes de uma espécie de

adivinhação colocada ao co-enunciador. (p.105)

7 Formulada primeiramente por Bakhtin, a noção de gênero de discurso ou gênero discursivo, embora

modificada (Maingueneau, citado por Guirado, 2000) presta papel relevante na análise de discurso, em especial

quando a tomamos como tradução para o modo de dizer específico de uma instituição concreta em particular.

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Essas formulações nos ajudam a evidenciar que enunciar deficiência e buscar

conceituá-la pode dizer a necessidade e, no mesmo ato, mostrar a provisoriedade do discurso

técnico-científico diante de um modo de experiência humana que reescreve e redimensiona, a

todo o momento, a singularidade inalienável do que concebemos por sujeito. O mesmo sujeito

que, singular, bebe da fonte comum – embora nada impessoal – das instituições onde encontra

suas raízes. Esse é um dos aspectos que torna recorrente nossa interrogação sobre que relação

discursiva se constrói entre o dizer de pessoas que fazem a experiência da deficiência, que

vivem com ela, que trazem suas marcas – por vezes, verdadeiros estigmas sociais – e o dizer

de quem as cuida, trata, assiste.

O sujeito pode permanecer, como noção e como agente concreto, alijado do processo

de apropriação de sua deficiência como um discurso sobre si. O referencial teórico-

metodológico utilizado não só permite que se tome a família, a escola e as práticas

médico/clínico/terapêuticas como instituições. Demonstra, também, a propriedade de serem

elas abordadas dessa forma, uma vez que é do jogo discursivo produzido por sua relação entre

si – cujos gêneros discursivos se interpenetram e influenciam – que parece emergir o discurso

social que sustentará e manterá a deficiência, nos diversos e eficientes modos de dizê-la.

Outro ponto de fundamental importância é destacar o viés que o trabalho com uma

temática dessas pode introduzir e ao qual se pode ceder se não o tomarmos em consideração:

além de contemporâneo e foco de inúmeras e acaloradas discussões, o tema em estudo pode

gerar uma forte inclinação do pesquisador a assumir posturas mais ou menos favoráveis a tal

ou qual abordagem. Esta não é, entretanto, a melhor posição para quem deseja produzir uma

pesquisa nesse contexto. Por outro lado, a própria área do saber em que nos situamos já nos

permite considerar, como parte integrante do trabalho, a dupla condição em que se encontra

qualquer pesquisador: sujeito e objeto de estudo (GUIRADO, 1995). O que não nos torna

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imunes, portanto, ao viés de trabalharmos a partir de nosso próprio repertório de concepções,

crenças e credos.

Em continuidade ao desenvolvimento de sua atividade como pesquisadora, docente e

analista e contando, nos dias atuais, com um número crescente de dissertações e teses

orientadas por ela, Guirado lança, em forma de livro (GUIRADO, 2010), a sua tese de livre

docência. Ali, reapresenta, de forma brilhante, sua proposta, em termos tais que valem ser

reproduzidos literalmente, em vez de reditos. Vejamos:

Do conceito de instituição:

A base diferencial de nossa proposta é o conceito de instituição com

que trabalhamos: conjunto de relações sociais que se repetem e, nessa

repetição, legitimam-se (ALBUQUERQUE, 1978). Essa legitimação

se dá, em ato, pelos efeitos de reconhecimento de que essas relações

são óbvias e que naturalmente sempre foram assim. Dá-se, ao mesmo

tempo e complementarmente, pelos efeitos de desconhecimento de sua

relatividade. (GUIRADO, 2010, p. 36)

Do discurso:

O que importa, porém, é considerar, com Foucault, que os discursos

são dispositivos-ato, (por)que supõem, para seu exercício, uma

posição, um lugar, que é um lugar na enunciação; isto é, um lugar

prenhe de palavras para ouvir e para falar; com os efeitos que isto

pode ter sobre a ação de um e outro em relação, num determinado

contexto. (GUIRADO, 2010, p. 38)

Do método, em si:

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Como, concretamente, fazer isso? Acompanhando a distribuição de

tempos e espaços/atividades na rotina diária (ou semanal); quem faz o

que, como, quando. Acompanhando, ainda, as relações seus conflitos

e tensões, incluindo aquelas de que faz parte o próprio psicólogo. Não

para desenvolver paranóias, autocentramentos e onipotências, mas

para configurar o jogo de expectativas criadas nas relações imediatas,

como se responde a elas e a orientação que então se segue. Com

atenções assim aparentemente prosaicas, podemos nos dar conta do

desenho dos procedimentos e dispositivos discursivos em jogo. E o

mais importante: implicarmo-nos nele como pólos geradores de ação

sobre a ação de outros, ou como pólos de resistência à dominação /

submissão da subjetividade, simplesmente. (GUIRADO, 2010, p. 50)

E das fontes em que bebe:

Entram, então, outros termos de discursos outros: (a) de Foucault,

discurso em sua materialidade, como ato, como dispositivo

institucional, bem como um sujeito construído historicamente por e

nesse discurso; (b) de Maingueneau, comunidade e gênero discursivo,

heterogeneidade do discurso, teoria da enunciação, cenas

enunciativas; (c) de Guilhon Albuquerque, instituição como o fazer

dos atores e seus efeitos de reconhecimento e desconhecimento.

(GUIRADO, 2010, p. 152)

Do poder como exercício:

Foucault reverte esse entendimento, quando afirma que poder é

exercício, é ação sobre ação; é verbo, portanto, e não, substantivo. Isto

é caminho para considerar que seja constitutivo de todas as relações

sociais e, não, uma relação diferente e à parte das demais que

fazemos, tais como as amorosas, as de conhecimento ou as

econômicas. Amamos, conhecemos, trabalhamos, somos cidadãos,

profissionais, ensinamos ou aprendemos, sempre por (ou em meio a)

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jogos de afrontamentos, mais ou menos tensos, correlações múltiplas

de força, móveis e instáveis, sem que se oponham de modo binário,

dominadores/dominados. Quando esta oposição se torna visível,

quando ganha destaque e caracteriza uma relação, é porque houve

clivagem nas correlações de força e esta clivagem passa a atravessar,

como que numa linha de força geral, o tecido social em questão.

(GUIRADO, 2010, p. 74)

Da analítica como subjetividade:

Daí que, o campo conceitual, configurado pela e para a análise

institucional do discurso, estaria na origem também do sujeito (este,

dobradiça), e conduziria à possibilidade de falar em uma analítica da

subjetividade. Isto porque essa análise, com o sujeito-dobradiça como

seu operador, remeteria aos modos de subjetivação do sujeito

institucional, sujeito da e na relação instituída/instituinte. E a

subjetividade figuraria, então, como efeito de uma ordem discursiva,

de um discurso-ato-dispositivo (GUIRADO, 2006). A subjetividade

passaria a implicar práticas institucionais e sua análise, bem como o

acionamento do sujeito-dobradiça permitiria entrever as condições de

produção do discurso e os efeitos de subjetivação. (GUIRADO, 2010,

p. 156)

Uma vez explicitados os princípios metodológicos a partir do qual vimos trabalhando,

assim como alguns critérios básicos, cabe explicitar os procedimentos que adotamos para a

constituição do corpus da análise.

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3.1 Procedimentos

3.1.1 Quanto à coleta do material:

À luz do referencial teórico-metodológico que tomamos por base, realizamos

dezesseis entrevistas semidirigidas8 com representantes dos grupos interdiscursivos foco desta

pesquisa, entre 2008 e 2010. Utilizamos um roteiro de entrevista mínimo pré-definido, que

permitia a interação por parte da entrevistadora, necessária, por vezes, dadas as características

do objeto de estudo. Vale observar que o período em que se realizaram as entrevistas coincide

com o momento em que as práticas vinculadas ao modelo tradicional de ensino ofertado pelo

poder público local passam a ser substituídas por práticas conhecidas como educação

inclusiva. Tal fato permeia o discurso de todos os entrevistados, uma vez que as incertezas e

temores advindos de processos mudanças institucionais imprimem receios quanto ao futuro e

aos desdobramentos desse processo, seja para as famílias que, segundo o discurso da

instituição oficial, deveriam se beneficiar com essas mudanças seja para o trabalho dos

profissionais envolvidos.

Uma lista de códigos e codinomes foi elaborada, para garantir a privacidade dos

entrevistados e é utilizada no contexto da análise dos extratos apresentados no capítulo de

análise.

As pessoas com deficiência e seus familiares entrevistados nesta pesquisa são sujeitos

matriculados na rede municipal de ensino de uma cidade do Estado de São Paulo. As

entrevistas foram agendadas com antecedência, por contato pessoal ou telefônico, e

contemplaram a disponibilidade tanto das famílias quanto da pesquisadora, o que demandou

8 Destaque-se que, em conformidade ao disposto pelas Diretrizes e Normas de Pesquisa em Seres Humanos,

constantes da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) n.º 196/96, todos os sujeitos envolvidos nesta

pesquisa assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com o modelo constante no

Apêndice B. No caso de crianças e adolescentes, foram colhidas as assinaturas de seus pais ou responsáveis

legais.

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tempo e, em algumas vezes, um árduo processo de negociação para serem realizadas, que nem

sempre resultou em êxito. O local de realização foi a própria residência daquelas pessoas,

contando com a participação de familiares e pessoas próximas – parentes e vizinhos.

Foram realizadas quatro entrevistas, com média de duração de 2h00min, gravadas em

áudio e transcritas integralmente. As pessoas com deficiência, no momento da entrevista,

estavam na faixa etária de 10 a 35 anos, e tiveram participação mais ou menos ativa nas

entrevistas, a depender das peculiaridades de cada um. Em geral, a mãe fazia o papel de

interlocutora, o que revelou aspectos importantes das categorias analíticas que apontamos

adiante.

O grupo de profissionais entrevistados foi composto por seis educadores, todos ligados

direta ou indiretamente aos quatro sujeitos com deficiência e em contato direto ou indireto

entre si, no cotidiano profissional, e de seis profissionais de outras áreas, a saber,

fonoaudiologia, psicologia, serviço social e terapia ocupacional.

A formação profissional das educadoras é na área de pedagogia e magistério superior.

Duas delas são especialistas em deficiência auditiva e trabalhavam, à época da entrevista, na

escola de crianças surdas; e outras duas, professoras de salas de educação especial de

deficientes mentais.

O roteiro da entrevista variou conforme o grupo a que pertencia o sujeito entrevistado.

No caso das pessoas com deficiência e seus familiares, propunha-se, primeiramente que a

pessoa falasse sobre si, na medida de suas possibilidades. Pedia-se, também, aos familiares,

que falassem dessa pessoa. (Fale-me sobre você/Fale-me sobre ele, ou ela).

No caso dos profissionais, era solicitado que falassem sobre seu trabalho com pessoas

com deficiência. (Fale-me sobre seu trabalho com pessoas com deficiência), excetuando-se as

três primeiras entrevistas realizadas. A outra solicitação era de que falassem sobre um ou mais

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dos quatro sujeitos entrevistados, com quem tivessem mantido ou ainda mantivessem contato

direto em sua atividade.

A coleta não foi realizada a partir de um plano pré-determinado e, sim, da composição

de uma rede de relações, baseada nas referências feitas pelos entrevistados. Assim, não houve

plena coincidência entre o grupo de profissionais e o dos sujeitos entrevistados, a não ser no

caso de Irene.

Ao fim de cada entrevista, propunha-se a pergunta: “Para você, o que é deficiência?” ,

excetuando-se as pessoas com deficiência.

3.1.2 Quanto à análise do material:

- Mapeamento das entrevistas, quanto aos modos de dizer dos sujeitos entrevistados. É

de se supor que talvez surjam termos ou expressões singulares para denominar tais vivências.

Não pretendemos, entretanto, descuidar justamente daquilo que tomamos como ponto de

partida, que é a suposição de uma imbricação de falas – interdiscursividade – que talvez, e se

a pudermos identificar no material de análise, ajude-nos a detectar os movimentos, no

discurso, que constroem concepções, conferem maior ou menor força a determinados termos,

em relação a outros e, ainda, dizem das relações de poder e saber em jogo;

- Utilização dos dispositivos analíticos sugeridos pelo referencial teórico-metodológico

da análise institucional de discurso. As entrevistas, tomadas como unidades de análise, vêm

sendo tratadas primeiro isoladamente e, depois, no conjunto, buscando-se as especificidades e

recorrências nas falas de cada sujeito entrevistado. Nessa primeira etapa de desmontagem das

entrevistas, constrói-se um temário que, ordenando as principais categorias de análise, cria

eixos discursivos em torno de termos/expressões recorrentes nas diversas entrevistas;

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- Atenção à possível incidência ou sobreposição de gêneros discursivos característicos

de uma dada instituição, em relação a outra (por exemplo, as falas da família em relação à

linguagem técnica dos terapeutas). Inclui-se, aqui, o viés que a presença do entrevistador

certamente traz à produção discursiva em análise.

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4 ANÁLISE

O corpus de uma análise como a que nos propusemos realizar oferece-nos várias

possibilidades de tratá-lo. Tendo por princípio a mesma lógica que configura a base teórico-

metodológica adotada, aponte-se que a divisão realizada, por categorias, e a disposição de

trechos de entrevistas tal como apresentados a seguir, resulta, ela própria, de fases de análise

anteriores. Primeiramente, realizou-se a análise das entrevistas, uma a uma, destacando-se os

aspectos de maior eloquência, tanto do ponto de vista de sua singularidade ou do que se

repetia no movimento do discurso na mesma entrevista, como da perspectiva trazida por

aqueles aspectos que iam se repetindo nas outras entrevistas. Por sua vez, isso nos permitiu

identificar alguns temas recorrentes, conforme se verá a seguir. Obteve-se, por fim, um

conjunto de trechos de discursos recortados pela análise, dispostos de acordo com a

frequência com que apareciam, a articulação, que se ia desvelando, entre eles e, ainda, pelos

gêneros discursivos que foram sendo identificados. Também promovemos o cruzamento das

regularidades surgidas por grupos – pessoas e familiares, educadores e terapeutas –

marcando-as, tanto no discurso daquele grupo em específico, como entre os distintos grupos.

Com isso, cremos ter conseguido apontar alguns aspectos do jogo interdiscursivo entre essas

três instituições – concretas e concretizadas, aqui, pelo enunciado de seus agentes

privilegiados em relação.

Conforme mencionado anteriormente9, solicitava-se aos profissionais (educadores e

terapeutas), no início das entrevistas, que falassem sobre seu trabalho com pessoas com

deficiência. Nas primeiras entrevistas realizadas, contudo, a solicitação feita era de que o

profissional contasse seu percurso profissional e relatasse como veio a trabalhar no campo da

educação especial e inclusiva. Tal solicitação suscitou um prolongamento das entrevistas, a

9 No capítulo de Método, Seção Procedimentos.

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sugerir que o foco da pesquisa deixava o contexto específico a ser por nós estudado e passava

à biografia do profissional entrevistado. Optamos, então, por introduzir a condição com

deficiência, cientes do viés que, entretanto, se fazia necessário. Note-se que, após o

levantamento, a realização das entrevistas, sua transcrição e análise, aquele prolongamento

inicial não se destacou pronunciadamente de outras entrevistas, já ajustadas quanto à questão

proposta inicialmente.

Vejamos, a seguir, o que nos foi possível recolher, a partir do corpus constituído e da

análise que elaboramos.

DISPARADORES

Conforme vimos, três foram as questões/solicitações apresentadas aos entrevistados,

como disparadores do discurso. Se aos profissionais (educadores e terapeutas) solicitávamos

que falassem, inicialmente, de seu trabalho com pessoas com deficiência (Fale-me de seu

trabalho com pessoas com deficiência), a essas solicitávamos que falassem de si, quando isso

foi possível – solicitação também feita aos familiares presentes no momento da entrevista.

(Fale-me dele ou Fale-me dela). Para manter a correspondência entre o grupo de pessoas e

seus familiares e o grupo de profissionais – educadores e terapeutas – a esses também foi

solicitado que falassem sobre as pessoas com deficiência entrevistadas, se as conhecessem ou

tivessem desenvolvido trabalhos com elas, diretamente.

Esse aspecto, sensível ao fato de não termos obtido correspondência total entre as

entrevistas do grupo pessoas e familiares e os grupos educadores e terapeutas com quem

tiveram interação direta em algum momento, não nos pareceu prejudicado, uma vez que o

material obtido a partir das entrevistas forneceu numerosas narrativas de situações vividas,

ainda que por outros protagonistas. Esses também se fizeram presentes nas cenas

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enunciativas, por meio do recurso frequente ao discurso direto, da parte de praticamente todos

os profissionais. Dessa forma, essa forte marca da heterogeneidade discursiva ofereceu-nos

um novo organizador da análise, além das três questões disparadoras.

Sublinhem-se, porém, as dificuldades encontradas para o processamento dos registros

de imagem e som realizados, de modo que ficaram prejudicadas a transcrição e a análise da

entrevista de Irene – que se comunica pela Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. Dafne, cuja

comunicação é mediada pela interpretação da mãe, de forma bastante peculiar, como se

verificará ao longo da apresentação dos extratos correspondentes, pareceu-nos não oferecer

condições, no momento da entrevista, nem de interagir conosco nem de se expressar de forma

a não requisitar a presença da mãe.

Ao final da entrevista, propúnhamos aos familiares e profissionais a questão: Para

você, o que é deficiência? Considerando que os modos de dizer nossas práticas não somente

as contam, mas as constituem (e se constituem nelas), supomos que a deficiência dita e

mostrada no discurso em análise corresponderá à deficiência tal como vivida, compreendida e

instituída pelos sujeitos que a dizem. Dada sua importância, elegemos a apresentação das

análises desses extratos um a um e da análise transversal desse conjunto em primeiro lugar.

Na sequência, apresentamos a análise transversal do conjunto representado por

extratos das entrevistas em que os profissionais – educadores e terapeutas – falam de seu

trabalho. Traremos em seguida os extratos relativos à proposta de que familiares e terapeutas

falassem sobre Dafne, Irene, Renato e Rui. E, por fim, apresentaremos o extrato de trechos em

que o uso do discurso direto constrói novas cenas e introduz temas até então não tratados na

análise.

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4.1 “Pra você, o que é deficiência?”

EDUCADORES: BERENICE

E – Pra você, o que é deficiência?

Berenice – [em silêncio por alguns segundos] Pergunta difícil, essa,

heim?[ri] O que é deficiência...?[nova pausa] Deficiência! [ri] Essa é

boa, né? [ri] Ah! Deficiência fala de algo que falta... Né? Agora, falta

em comparação a quê? Falta em comparação a quem? Né? Por isso

que eu falo: “Deficiência é deficiência”, né? [ri] É... falando da

palavra em si, né: deficiência... Tá falando que tá saindo de um

padrão normal ou tá falando que falta algo, dentro do esperado, para,

né, o que seria considerado... normalidade, né. Mas, aí, ahn, precisa

pegar, né, em relação a quê? A que parâmetro, se as pessoas são

diferentes? Né? Em relação a que... a que condição? Então, é uma

coisa... interessante... [ri] Difícil de falar, não é verdade? Difícil de

falar, interessante... e, ao mesmo tempo, ééé... a gente sabe que tem

um padrão do que é o normal, do que é o esperado, né? E há, ahn...

talvez limitações, né, que todos nós temos... e que fogem a esse

padrão esperado, que aí é tido como: “Tá faltando algo, tá deficiente

nisso”, né? Então, tem os deficientes-padrões aí, [faz sinal de aspas

com os dedos]né, mas não se fala de deficiência de... de ética, de

respeito... mas isso também às vezes falta, não é?

E – Ô!

Então... ééé... o que é a deficiência?

E – E quando a gente fala assim, como se usa hoje em dia – já se

usou mais o termo “portador de deficiência”... ahn... hoje se fala

muito de “pessoas com deficiência”. No seu entendimento, o que isso

está dizendo?

Berenice – Pessoas com deficiência?

E – É. Ou portadora de deficiência, ou tipos de deficiência... Seja

como for: no seu entendimento, o que que isso está querendo dizer?

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Berenice – “Portador” eu acho pesado, né... Portando algo e... não

sei nem explicar, talvez, viu? Portador de deficiência, né... Reporta a

alguma limitação, uma incapacidade, em relação a algo, a alguma

coisa, a alguém, a uma situação... É uma coisa pesada, né? Fala da

falta do outro, ééé... em comparação a mim, que pressuponho ter,

então? Agora, é fato que ééé... existem algumas limitações e algumas

incapacidades, por exemplo: visual ou auditiva, né? E que aí,

realmente, eu preciso de, ééé... como que eu poderia dizer? Eu

preciso de adaptações, ou eu preciso de oportunidade de comunicar

aquela minha dificul, ahn, aquele meu jeito diferente, em relação à

maioria das pessoas, pra poder, também, estar sujeito, ééé... pra ser

um sujeito participante, né, se eu considerar então a deficiência no

sentido da... das categorias, né? Até pra... equiparar as oportunidades

de convivência, de acesso, de participação, de conhecimento. Então,

acho que é isso, assim, de pronto... falar de deficiência...

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EDUCADORES: BIBIANA

E – Bibiana, a pergunta é: pra você, o que é deficiência?

Bibiana – Deficiência é falta de alg... vamos dizer assim, é uma falta

de alg, alguma coisa que a pessoa não tenha. Né, ela não precisa ser

deficiência física, mental ou auditiva, visual, né, acho que todas as

pessoas têm uma deficiência. Ou nessa, uma dessas quatro áreas, né,

normais, ou pode ser uma deficiência na área emocional, ou ela pode

ter uma deficiência na área sentimental, ou ela pode ter uma

deficiência na área ééé... do trabalho, profissional dela. Então, eu

acho que cada pessoa tem a sua deficiência. E que aí você tem que

tentar sanar essa deficiência pra você poder trabalhar, ter uma vida

normal, porque se você deixar uma área da sua vida ééé... com aquela

deficiência, você não consegue produzir em outro lugar. Ou você

produz em uma coisa e não produz em outra, então você tem que fazer

com que essa deficiência seja sanada com ou... com a ajuda de

alguém, ou com você mesmo, vai lutando... mas eu acho que a

deficiência... deficiência em si, pra mim, todo mundo tem.

E – No caso das pessoas com deficiência, como é que você vê isso?

Bibiana – Eu vejo que elas precisam de um, de um pouco mais de

tempo pra se adaptar ao mundo. Não que elas não consigam se

adaptar à sociedade, mas eu vejo assim que tem uma dificuldade

maior pra se adaptar, e ainda a sociedade tem esse preconceito

ainda, tem esse preconceito, ainda, de aceitar um deficiente. E muitas

vezes os próprios deficientes tem essa... ele vê que é diferente dentro

da sociedade e também ele começa a ter, ele começa a se sentir

diferente e aí ele cria um outro bloqueio com ele, né, porque ele tem

essa deficiência. Eu tenho um... esse ano eu ach... eu percebi que um

aluno que a g... passou por mim, que é o Alexandre, ele tem

deficiência auditiva porque ele tem uma deficiência facial. Então, ele

tem uma deficiência facial que deformou um pouco o... a face dele . E

agora que ele tá entrando na adolescência, ele sempre foi um menino

muito calmo, super inteligente, sempre aprendeu tudo rápido. E ele

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nunca... e eu acho que ele nunca percebeu. Agora que ele foi pra uma

quinta série numa escola, incluído numa escola normal. O que

aconteceu com ele? Todos os meninos paqueram as meninas, todos os

meninos ficam paquerando e ele tá se sentindo o diferente. Então o

que ele tá fazendo? Ele tá tentando chamar a atenção de outra

maneira. Então é assim, e como ele é... a turma fala que ele é feio, o

primeiro olhar que você olha pra ele você acha ele feio, um

monstrinho, mas então a turma já, não viu o outro lado dele. Ele tem

um lado bom, carinhoso, que ele é simpático. então já deixam ele de

lado, e ele tá reagindo de outra forma. Tá começando a agredir, a...

tenta ser tipo um malandro. Ele tá se tornando um malandro pra

tentar contornar essa situação. Então, tem algumas deficiências que

atrapalham o dia a dia das pessoas. Se ela não aceita ser deficiente,

sua deficiência, que eu acho que ele não está aceitando, agora que ele

descobriu que a deficiência facial dele é... tá deixando ele meio de

lado e ele não... e ele não tá sabendo seguir o caminho... “Não, eu

posso provar pras pessoas que eu tenho deficiência, mas eu sou

normal como todos os outros”. Ele tá procurando um outro caminho

pra chamar a atenção das pessoas, mas é um caminho errado.

E – Como seria o caminho certo?

Bibiana – Ali acho que falta um... a mãe explicar, a escola também

ver, perceber se ele tá, se esse caminho que ele tá tomando é por

causa disso.Tá ali conversando com os amigos que estudam com ele,

mostrando que essa ou que essa deficiência facial e auditiva junto não

é que ele é, ele não se torna uma pessoa feia só pelo físico porque a

sociedade mostra assim: se você sair do padrão que a sociedade

impôs de beleza você tá fora então, você não se encaixa. Então, gente

já não se encaixa nesse padrão que a sociedade colocou, a maioria

das pessoas, e ele não tá nem incluído, eles já tá numa... num outro

grupo. Então pra alcançar o grupo do meio, que a maioria está fica

difícil, ele não consegue entrar. Tem um padrão de beleza próprio,

nele ele tá lá em terceiro, quarto lugar. Ainda tem a deficiência

auditiva, já discrimina ele, “ah ele faz isso porque ele é surdo”,

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então, ele já tá lá no terceiro grupo. Por causa da deficiência facial

ele tá no quarto, quer dizer, ele tá lá naqueles que é o, os feios que

não têm como chegar em lugar nenhum. A sociedade tá empurrando

eles pra esse caminho, então ele vai pro lado, ele toma o lado errado.

Ele vai mostrar, ele vai tentar mostrar pela malandragem, porque ele

tá sendo malandro, tentando roubar, fazendo o que ele consegue...

pegar as coisas sem ninguém ver, ele tá dando rasteira nos outros, ele

tá tentando mostrar que ele pode, que ele é normal, só que pelo lado

errado. Em vez dele tentar falar “não, vocês tão me excluindo aqui

mas eu vou provar pra vocês que eu sou legal sim, que eu posso ter

essa deficiência facial mas eu sou um ser humano como qualquer

outro”. Eu acho que aí tem um bloqueio bem grande...

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EDUCADORES: CASSANDRA

E – Pra você, Cassandra, o que é deficiência?

Cassandra – Difícil essa pergunta, heim? Ahn... Profissionalmente a

gente trabalha, ahn, trata as deficiências como alguma dificuldade

física, motora, intelectual. Mas deficiência, pra mim, é falta de algo

em todos os sentidos, independente de ser física, né. Em se tratando

de def... ah... em se tra.... Eu acho que a deficiência é uma pessoa que

é, que é... ... ... uma, uma pessoa pobre de espírito, eu acho; que a

deficiência maior é essa daí, uma pessoa que, cabeça fechada

(inaudível), pra mim em todos os sentidos. Porque as limitações, a

gente tem provas de que as limitações físicas num, num, não têm

barreiras, então não, num... por isso que, assim, que surdo não gosta

de ser chamado de deficiente, né? Porque não é uma limitação. Eles

podem tudo. O deficiente físico, o deficiente visual também pode tudo.

A limitação maior acho que é o deficiente intelectual, porque ele tem

uma rotina, ele tem, depende, né?, de cada caso. Eu acho que a

deficiência maior ééé... a do ser humano mesmo, pobre... de espírito.

E – É isso pra você que é deficiência...

Cassandra – É isso.

E – Te agradeço muito...

Cassandra – Por quê? Não era isso que você queria ouvir?[risos]

E – [risos] Não, não tem nada a ver com o que eu quero ouvir ou não.

Não é...

Cassandra – Ah, é isso que eu vejo: deficiente é essa pessoa pobre...

de espírito. E... ahn...você sabe muito bem que a gente tenta fazer o

máximo. E a própria Irene é um... um exemplo disso. Assim, pra

quem achava que ela não ia andar, que ela não ia ter comunicação

nenhuma, porque ela era tratada como uma coitada. Ela ganhava

muitos presentes porque ela era uma coitadinha.

E – Assim ela era tratada pela família?

Cassandra – Ela era tratad... [simultâneo] Não, pelas pessoas que

conviviam com ela.

E – Na escola também?

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Cassandra – Não, na escola foi depois, né. Ela veio depois. Da escola

ela veio pra gente... você sabe que desde lá da escola especial não

tinha essa coisa de, de que é a coitada.

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EDUCADORES: GLÁUCIA

E - Muito bem, pra você o que é deficiência?

Gláucia – Eu acho que deficiência é o fato das pessoas, ééé... não

aceitarem as outras da maneira que elas são. Ééé... das pessoas

enxergarem, ééé... as pessoas com deficiência como seres

extraterrestres. Eu acho que a deficiência, ela tá mais na pessoa,

ééé... que se sente normal do que no próprio deficiente. Acho que essa

é a maior deficiência. E eu acho que deficiência também é parte das

dificuldades de alguns, né? Em algumas, algumas questões, né, ou

pedagógicas ou motoras, né, mas que a gente pode suprir com um, um

tipo de trabalho assim [aponta para o material que mostrou,

anteriormente, para a pesquisadora]. Você adaptando o trabalho,

você supre essa deficiência, você transforma essa deficiência. Eu

acho que ela deixa de existir de um lado pra superar e mostrar o

outro lado – porque eu acho que eficiência não é sinônimo de

deficiência, né – mas pra mostrar um outro lado, ééé... de capacidade,

né. Todo ser humano é capaz. E eu acho que é isso o que a gente tenta

fazer, a todo o momento. Ééé... mostrar, é, ééé... aquilo que eles têm

de melhor e que eles podem fazer de melhor, né? E que o que eles

podem fazer de melhor... não é deficiência.

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EDUCADORES: MELISSA

E –Pra você... o que é deficiência?

Melissa – Deficiência pra mim é um.. é... é uma limitação... que a...

que eles tem.... que a criança tem... que a gente tem que respeitar, tá?

Mas que eles são capazes, eles tem condições, só que no ritmo deles.

Eles têm o ritmo deles, só isso. Acho que até mais assim... de ter um

ritmo mais lento, né? Pras coisas. Então... do que uma criança

normal... né? Vai acontecendo, mas mais lento. Por isso que eu

acredito, eu acho, que às vezes fala: “ai, mas se ele tem 20 anos,

imagina... já passou a fase de aprender isso, de fazer...”. “Ele ta com

tantos anos”, ta, tudo bem! Mas e se agora que ele tem aquele insight

que ele conseguiu a... né?A descobrir que ele se ele tá nessa fase.

Porque às vezes, ele passou 20 anos numa fase que agora que ele

conseguiu sair dessa fase. Principalmente a parte pedagógica, né?Ah!

Isso daí também foi um dos motivos que eu procurei, que eu queria

estudar, né? Pra fazer o curso, porque você tava numa sala... na

associação de educação especial, por exemplo, foi minha primeira

experiência. Eu tinha 9, 10 alunos. Teve um que deslanchou...

aprendeu ler, a escrever, tava lendo, e os outros, não iam, né?Mas,

por que? Mas por que? Se você ta dando a mesma chance,

trabalhando, respeitando as, né? As dificuldades, mas cê tá

trabalhando e não consegue. É claro que não consegue. Não tá

naquela fase alfabética, não tá na fase de ta lendo, né? De tá

montando as palavrinhas, e tal que ... é uma fase a menos... se você

não puxá-los pra fase que você viu, ele não vai conseguir... então

vamos respeitar as fases, né? Se ele está. Está no estado pré-silábico,

não adianta eu ir... que ele tá no pré-silábico, e querer o alfabético...

ele não vai... Se ele não for silábico, puxar pro silábico e depois pro

alfabético, ele não consegue...

E – Então você ta dizendo que existem fases... ééé...necessárias...?

Melissa – Muito... é claro que tem alguns que ficam a vida toda no

pré-silábico e não sai dessa primeira fase. O que que é pré-silábico?

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Usa todo tipo de letras, escrever, símbolos, tal... ele não consegue

ainda perceber a diferença. O que que é o silábico?, o silábico já

consegue perceber... é ... que pra cada silaba você precisa de letras,

de uma letra, né...tipo “bola”. B e L... ou pode estar com valor sonoro

ou não... né? Pode pôr, BOLA...(...) que é silábico... porque pra cada

som ele sabe que precisa né... da letra... Aí o alfabético, ele já sabe

que precisa de duas letras pra escrever cada som, né... BO... você

precisa do B, O... LA... aí quando ele entra nessa você pode utilizar

qualquer método que ele vai embora. Mas se ele estiver no pré-

silábico, ficar com BA, BE, BI, BO, BU... ele nunca vai aprender, se

você não respeitar. Assim, isso foi com a minha experiência, né... aí

eu fui trabalhando por que que esse aluno não aprendia né....e eu

também tive um desafio muito legal na minha, na minha profissão

também com um aluno, né... Por exemplo, uma vez tinha um que foi

expulso de todas as escolas, em cada uma... que foi o Wilsinho... o

pai psiquiatra, médico psiquiatra. Aí não tinha mais como, foi pra

associação de educação especial, Aí como ele tinha esse lado

agressivo. Tomava banho de... de cuspe com ele... ele falava assim:

“eu te odeio!” E cuspia, cuspia. Aí ele... e ele tinha... Aos 4 anos ele

perdeu a mãe. A mãe foi ter o bebê, o filho, o irmãozinho e... não

voltou, né? Faleceu no parto. E o irmão veio pra casa. Então na

cabecinha dele o que que é? Se o irmão voltasse pro hospital, a mãe

voltaria, né? E aí mostraram pra ele, que a mãe foi enterrada e ele

procurava essa mãe em casa, em tudo que é lugar. Então, sabe... tem

toda uma estória. Então, e ele tinha medo de eu entrar no mundinho

dele, e aí, quer dizer. Aí ele cuspia, jogava tudo, tudo quanto é coisa

pro alto, e num sei o que. Só que tinha um...um terapeuta, em

Marrom, que era o mais famoso, o mais caro e tal... e a psicóloga

falou: “olha, eu aceito o Wilsinho, mas com uma condição: a gente

vai ter que ter a orientação com esse psicólogo, com esse terapeuta,

né?”. Aí a gente, aí... uma vez por mês ele pagava pra gente ir.. então

e aí, ele falava: “- Ó, o Wilsinho fala que me odeia...é, mas é porque?

Porque ele interpretava. Porque tá entrando no mundinho dele, é

uma forma dele por... fazer com que você não entre”, então ele: “- eu

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te odeio”, né? Daí você todo... então, ele era aquele que tirava

assim... a gente tava dando aula, assim ele tirava o tênis passava por

você. Sabe tudo que é agressivo? A empregada nem falava... tá, nem

ligava...

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EDUCADORES: ZOÉ

E – É... pra você, o que é deficiência?

Zoé – [risos] Olha, eu acho que, assim, isso eu vou falar do, do jeito

que eu entendi. Deficiência, pra mim é fazer de um jeito diferente do

outro, é não conseguir fazer do mesmo jeito que o outro, mas, assim,

eu acho que todo mundo é deficiente, porque ninguém é igual, não é?

Eu faço uma coisa de um jeito, você faz do outro, eu acho que as

deficiências que as pessoas é... padronizaram. Você entendeu?“Esse é

deficiente”, acho que, talvez, não sei por que que usaram, podia ser a

diferença, né. Porque, exi, eu, eu vejo assim, o que eu consegui

compreender, a leitura que eu faço: existe um modelo que foi lançado,

né? Que esse é o normal, né, quem foge disso, pras pessoas, é

deficiente, mas, eles, dentro dessa deficiência, eles podem, eles tem

uma vida, e eles contribuem, eles podem fazer coisas, e, eles tem

sentimentos, eles podem, e é eu tenho muitas deficiências, só que a

minha deficiência não aparece, talvez, assim, não seja tão nítida, pras

pessoas, cê entendeu? Mas eu tenho a minha deficiência, eu tenho os

meus medos, então, eu fico olhando pra eles, eles são diferentes da

maioria, são diferentes de mim, mas alguma coisa neles tem em mim e

alguma coisa minha tem neles. Então, eu, eu acho, assim, que talvez a

deficiência seja a maneira diferente de ser, que as pessoas julgam,

mas que pra mim não seria deficiência, se eu tivesse, porque quem

que é perfeito? O que que é ser perfeito? Também, não é? Não tem,

acho que não tem ninguém perfeito, não tem essa perfeição. Tem

pessoas diferentes que fazem as coisas diferentes e que, talvez a, um

acideente, sei lá, né, acidente, digamos assim, na hora de nascer, que

deixou PC, isso e aquilo, mas ele cresceu com aquilo e ele aprendeu a

ser uma pessoa daquele jeito, então, ele é daquele jeito, ele não sabe

ser como eu sou porque ele nunca foi, igual a mim. Não é? Eu nunca

vou saber, como ele é, e ele nunca vai saber como eu sou. Ele nunca

foi igual a mim. Ele éé aquela pessoa, ele é daquele jeito, e ele tem a

vida dele daquele jeito. Então, eu acho que eu tenho que conviver com

ele e ele tem que conviver comigo, a vida é uma troca, foi isso o que

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eu aprendi e é, assim, eu olho e eu quero te agradecer a

oportunidade, viu?

E – E eu também

Zoé – De você ter me dado a chance de ir lá, porque eu precisava

conhecer aquele menino...

E – Ah, [simultâneo] eu te agradeço a oportunidade por essa

entrevista

Zoé – Não, não, eu te agradeço a oportunidade por ter convivido com

eles

E – Foi um, foi um acontecimento, não foi, ééé...

Zoé – Não, me disseram que tinha um monte de gente que cê tava

entrevistando, até por conta do meu luto, que eu não sei nem como é

que você arriscou, né? Mas, com o seu olho clínico, né, você sabia

que [entrevistada parece estar emocionada]

E – Ah, acho que essa parte não precisa fazer parte da entrevista, mas

eu quero te agradecer a oportunidade de ter feito essa entrevista

Zoé – Olha, eu que agradeço você por ter vindo aqui

E – Vou desligar, pode?

Zoé – Pode, pode, não tem mais nada pra contar.

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TERAPEUTAS: ALCIONE

E – Eu posso fazer uma pergunta? Pra você, o que é deficiência?

Alcione – Eu, eu tenho visto nos pacientes uma dificuldade, né?Que a

criança tem ou que a pessoa tem, uma dificuldade. Tem uma

limitação, às vezes uma limitação, visual ou uma limitação, né? É...

eu acho que tem uma limitação, uma dificuldade, uma... que eu posso

chamar sanar com óculos, que eu posso sanar com aparelhos, ou que

nãooo... ou que eu vou sanar na funcionalidade, na comunicação, nas

adaptações da, da rotina, da vida dela. Mas, eu, eu... eu não acho

que, que não exista deficiente que... que... é, é... eu acho que tem

limitações da vida, eu acho que as pessoas não, não... é... as pessoas

não... é... as pessoas não foram criadas... eu acho que a vida que pode

ser... pode ser perfeita, assim, pra ter ordem. O, o, o... a engrenagem

funcionando muito bem. Né? A engrena... Eu acho que quando

alguma coisa nessa engrenagem não tá funcionando muito bem, é

uma deficiência. Ela pode ser uma limitação orgânica, uma criança

que não tem perninha, por exemplo, não tem as duas perninhas.

Então, a engrenagem, ela pode é... ela pode superar isso. Ela pode

viver uma vida funcional. Mas, eu olho... não poderia... é assim: eu

fico pensando sempre que era uma engrenagem que tinha que tá

funcionando bonitinho, com, com... fluidez, com... com fluidez, com

tranquilidade. Né? E aí alguma coisa não acontece. Aí eu acho que é

reabilitação é isso. . Ajudar a criança... a criança... no meu caso, a

criança e o adolescente, que tem alguma, é, algum... empecilho, e

tentar fazer com que essa engrenagem funcione o melhor possível pra

aquela pessoa. Né? E de forma mais... é... que dê mais independência,

que de mais... é... é... condição de, de qualidade de vida praquela

pessoa. Uma deficiência... uma deficiência cultural, pode ser uma

deficiência, pode ser uma deficiência física, uma ausência de membro,

pode ser uma ausência de... uma deficiência... é! profunda de

audição.

E – Você falou...

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Alcione – É. No termo de deficiência, né?

E – Por quê?

Alcione – Porque eu acho que... sei lá... eu acho que já rotulo também

muito, entendeu?

E – Como assim?

Alcione – Ah! Ah! Um deficiente que tem... uma pessoa que tem uma

dificuldade pra se locomover. Ou é uma pessoa que tem uma

dificuldade pra mexer com a mão. Uma pessoa com uma dificuldade

pra ouvir. Uma dificuldade pra sentar. Eu prefiro usar... porque nesse

momento é uma dificul... Quando as crianças estão comigo, ou

quando as mães estão comigo, elas estão ali porque elas estão tendo

uma dificuldade. Quando uma criança com uma dificuldade... em

terapia de linguagem, ela tá com uma dificuldade. Independente se é

surdez... autismo, síndrome de down, síndrome de não sei o quê... ela

tem uma dificuldade. Ela tá ali porque ela tem uma dificuldade. Não...

Interessa, mas interessa num segundo nível a causa daquela

dificuldade. Se é uma deficiência, se é uma... Por isso que eu me

policio. Porque não me importa muito se é uma... Nesse... na minha

terapia, hoje, eu quero saber qual é a dificuldade dela, o que a gente

faz pra melhorar essa... a condição de vida dela, a estrutura de vida,

o social e... vai ser deficiente. Né? Agora, que existe a deficiência...

quando a coisa não deveria ter sido assim. Né? Não, não... A pessoa

não foi... não, não... não foi gerada praaa ter uma deficiência. Não

era pra ser assim. Mas, por uma série de razões é assim. Né?

Algumas pessoas têm deficiências e não têm dificuldade. Essas, eu

nem vejo. Algumas pessoas não têm deficiências, mas tem dificuldade.

Não tem um, um diagnóstico, não... mas tem uma dificuldade. Uma

criança que eu vi na escola

(...)

Alcione – Cinco anos. A diretora: “É um caso de inclusão”. “Mas,

por que é um caso de inclusão, mesmo? Ele tem alguma coisa?”.

“Não, ele não tem nada. Mas, ele é um caso de inclusão. Ele é uma

criança com uma deficiência! Ele não tem problema, mas ele é... Ele

não fala nada, tem cinco anos...”. Aí, eu fui ver a menina. Um menino

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lindo, saudável, inteligente. Você via ele interagindo com as crianças,

com uma desenvoltura, né? Aí... negro. Mas, um negro, assim... você

olha, daqui, se você bater o olho você fala assim: “Não é brasileiro”.

Um negro, sei lá, África, Jamaica, é, é... Haiti, sabe? Uma, uma

característica física muito diferente de negro brasileiro. Assim, né?

Do que gente vê. E aí, esse menino falou... ele me parecia... um

dialeto. Ele não parecia um, uma criança afásica, uma fala de, ele

parecia um dialeto, um tom de voz de um dialeto, sabe? Uma outra

língua! Eu até perguntei pra diretora: “Mas a mãe é brasileira?”.

“Ah! Acho que é. Mas ela fala muito pouco”. “Mas e o pai?”. “O pai

nunca veio, mas dizem que o pai não fala nada. Entra mudo e sai

calado”.

E – Risos.

Alcione – Aí pensei: “Será que eles são daqui? Será que esse menino

veio agora pra cá?” e fiquei lá pensando, né?, sei lá!

E – É. Você não sabe, né?

Alcione - Ainda não sei o final da história. Mas, eu que vi esse

menino, saudável, lindo! Sei lá, quando ele abriu a boca, um dialeto

pra mim, era um dialeto, Lígia. Ele olhou pra mim, ele me tocou, ele

me mostrou o que ele tava fazendo...

E – Não era português?

Alcione – Não era portug... É. Era alguma língua, que não era

português, não era francês, não era inglês. Era alguma coisa. Tinha

uma estrutura. Assim, não sei dizer...

E – (...) dessa criança na escola?

Alcione – Tem, não. Tem só os dados da mãe, endereço... só. E ele é

uma criança, pra, pra diretora, um deficiente. É que eu to uma de

fono, ó!Pela minha experiência. Muito bem, eu falei pra. Eu pedi pra

ela ver, chamar o pai, tem que conversar com o pai, ver se o pai fala

português. (...) É ele entra mudo e sai calado, ele não fala nada. Será

que ele não sabe falar português? (Silêncio). Então, ele é um

deficiente. Ele tá com dificuldade. Não, ele, mas ali no ambiente dele,

ele precisa de ajuda. Gente! Esse menino é normal! Sabe, ele fala

como... todas as crianças são iguais a ele, de colar, de pintar, de

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botar chapéu do palhaço, ele botou o chapéu em mim, botou nele...

Tudo. Então, é isso. É só.

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TERAPEUTAS: CIBELE

E - Uma última pergunta. Fale livremente: pra você, o que é

deficiência?

Cibele - Ó, Lígia, eu vejo a deficiência, eu vejo assim, eu acho que é

uma coisa super comum na vida de todo mundo. Eu acho que todo

mundo é deficiente,né? No sentido de ter as deficiências, e de ter “n”

tipo de deficiências, e todo mundo tem, cada uma sua, de uma

maneiras diferentes, com aspectos diferentes, e a gente tem, eu acho

que a gente tá num tempo aí de saber, aprender a conviver com as

diferenças. Com as deficiências de cada um, com as diferenças de

cada um, com as coisas legais que cada um tem. É vamos dizer,

diferenças, eu falo de deficiências de coisas que a gente não sabe

fazer tá? Né? Porque tem um monte de coisa que a gente pode, tem

muita deficiência que a gente pode, que às vezes a gente pode acabar

superando, coisas que a gente não sabe fazer e pode acabar

superando. Eu acho que a gente vai ter que aprender a conviver com

isso e a respeitar, eu acho que é o momento né? Não tem outro. Ou a

gente acredita que as coisas podem acontecer e que a gente pode

fazer dar certo, ou a gente pára e fica lá, “não, não vou receber

porque é deficiente, e não sei o que fazer, não vou aprender”, eu acho

que a gente tá na hora de ou vai, ou não vai, ou fica, fica do jeito que

tá, e do jeito que tá não dá pra ficar né. E eu acho que é assim, no

começo eu questionava muito, sempre fui a favor da inclusão, mas

tinha alguns casos que assim me seguravam, me pegavam. Porque eu

também pensava “meu Deus, professor com quarenta, trinta alunos

dentro da sala de aula, como que a gente vai fazer pra colocar uma

criança que não para quieta um minuto, que não presta atenção? Que

requer atenção do professor o tempo todo? E as outras crianças que

também tem o direito de aprender?”. Isso me pegava muito. Hoje eu

tô vendo que a gente pode, adaptar. É óbvio que essa criança não vem

no começo pra ficar todos os dias durante seis horas, mesmo porque

ela entra em sofrimento. Um autista por exemplo, ficar seis horas com

criança que grita, que corre, ele que precisa de rotina, que precisa de

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né, muitas vezes de lugares mais calmos, se ela ficar seis horas, ela

vai ficar surtadona, ela não vai suportar. Então o que a gente tem

feito? A gente tem feito todo um trabalho de adaptação, é óbvio que

sempre querendo aumentar, sempre querendo chegar no máximo, né,

que ela fique todos os dias, todo o número de, que ela fique todos os

números de horas que as outras crianças, a carga horária que as

outras crianças tem. Mas se a gente percebe que não dá, o que a

gente faz? Começa uma vez por semana, vai ampliando pra duas, pra

três, durante uma hora por dia, depois pra duas, sabe? Uma hora

daqui um mês, daqui duas semanas, dependendo de cada criança,

aumenta mais um pouquinho. É isso que a gente tem tentado fazer, até

mesmo porque a gente não quer o sofrimento dessa criança né. Se ela

não pode ficar numa sala de aula durante seis horas, pra que forçar

essa criança a ficar dentro dessa sala de aula durante seis horas? O

que é importante é que ela conviva, que ela tenha outras

aprendizagens, não importa quais sejam, que ela possa conviver com

todo mundo né. Eu acho que isso é que é bacana. Agora eu acho que

não dá pra tentar também impor um padrão que, é esse infelizmente

que a gente tem, que a gente sabe que é um padrão escolar da década,

do século XVII, pra crianças com esse tipo de dificuldade né. Então

eu acho que a gente tem que se propor pra lutar muito mesmo, pra se

Deus quiser a gente poder tá com todo mundo em tempo integral, em

tempo normal pras outras crianças. Se elas precisarem, eu sou a

favor assim, dá, ela não tá sofrendo, então fica. Cê entendeu? Ela tá

aproveitando desse projeto de trabalho que é feito pra ela? Então

fica. Agora ir pra escola pra ficar deitado, pra não fazer nada,

porque a gente tem escola que a gente tem caso de inclusão que não

tem projeto pra essa criança. E escola não faz, não faz porque

também não aceita, não quer ir buscar, não aceita é, sugestões né.

Então, pra que adianta dizer “a minha escola tem casos de inclusão”

mas se fica meia hora e também não tem nada, então pra mim não

adianta né. Então o importante é que exista um projeto pra essas

crianças, pra cada uma delas. Né?

E - Quer falar mais alguma coisa?

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Cibele - Eu acho que não sei, eu acho que, você acha que faltou

alguma coisa?

E - De forma alguma

Cibele - Eu falo muito, né?

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TERAPEUTAS: CLOTILDE

E - Pra você Clotilde, o que é deficiência?

Clotilde - É olha, eu não vejo, eu vou falar o que não é (Clotilde ri),

eu quando olho uma criança, como é que ( ), quando eu olho uma

criança com deficiência, seja física, seja auditiva, seja visual, seja

intelectual, eu não vejo essa criança como incapaz. Eu vejo essa

criança como capaz de alguma coisa. Em alguma coisa, e de alguma

forma. Assim, é, uma deficiência, pra mim, posso mudar de ideia

depois né, ( ) é, uma limitaçãoespecífica de algo, uma deficiência

auditiva é uma limitação na audição, porém ela tem todo outro

conjunto, um outro contexto que não difere de nada assim, é uma

criança com potencialidades que merece um lugar e que merece

trabalhar. Deficiente físico, ele pode ter uma deficiência, ele pode não

ter um braço, ele pode não ter uma perna, ele tem “n”

potencialidades, o deficiente intelectual, até mesmo ele eu vejo

potencialidades. Então a deficiência pra mim, eu nem entendo muito

bem quando se coloca assim “ah é alguém diferente”. Eu não consigo

entrar um pouquinho nessa ideia que no popular às vezes se coloca

né. É, às vezes eu mesmo me questiono. “É diferente no que? É

diferente o que?”, né, não tem uma perna? Isso faz dele diferente do

que? Ele não tem uma perna, mas eu também sou diferente de muita

gente, né. Eu fico me questionado um pouquinho assim,assim que todo

mundo é diferente né. Assim, eu não, agora eu não teria uma linha de

raciocínio pra te falar assim pra mim o que é uma deficiência, te diria

o que não é uma deficiência. O fato de você ter alguma limitação não

te torna uma pessoa incapaz, não te torna uma pessoa deficiente,

deficiente com ausência de, é difícil explicar assim, acho que todo

mundo tem potencialidades, acho que todo mundo merece ter, ser

visto não naquela apologia de igual, não é isso. Não é uma questão de

apologia, de, eu vou te dar um exemplo assim, ó que nem ontem eu

tava na reunião daquela mãe que eu te falei, eu realmente, talvez até

como mãe, eu realmente me senti assim extremamente magoada,

quando a mãe realmente virou e falou assim “é horrível pra mim”,

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ela usou bem essa palavra, “é horrível pra mim, vim numa escola e

escutar que o meu filho é o causador de problemas”, e eu fiquei com

isso na cabeça. Gente isso é horrível, isso é terrível! Só que assim, o

seu filho é causador de problemas não é porque ele é o autista, ele

pode ser uma criança mais, sem nenhuma classificação, sem nenhum

CID na cabeça, e ser um causador de problemas não é? Ele só né, e

aí fica um pouquinho essa coisa, eu fiquei pensando muito nisso. Eu

falei gente, o que que é né, que se coloca porque o cara tem um

diagnóstico de um neurologista que vai lá e assina o CID não sei que

lá e aí esse carinha passa a ser causador de problemas né, o causador

de problemas. E qualquer um né. É um pouquinho, nesse exemplinho,

é um pouquinho o como eu vejo a criança do que hoje se chama uma

criança com deficiência. Ou seja, pra mim eu não vejo, isso não

existe. Aonde eu posso trabalhar com essa criança, no que eu, no que

a gente consegue fazer de melhor pra ela né, independente do que...

Clotilde – (...) Então nessa linha de raciocínio é que eu não sei te

dizer o que é uma deficiência pra mim entendeu? É nessa linha de

raciocínio. Todo mundo tem um potencial, todo mundo tem um

potencial. Eu sou diferente de você, você é diferente. Todo mundo é

diferente. Entendeu? Não é porque tem um QI maior, um QI melhor

que isso faça uma diferença, todos somos diferentes. Cada criança,

tem quarenta crianças numa sala, cada criança vai aprender de um

jeito diferente. Eu não vou falar que o fulaninho é deficiente, que o

outro não é deficiente, então eu não consigo entrar nesse parâmetro

médico, nesse parâmetro cultural, nesse parâmetro né. Existe

deficiência? Existe, a ausência de uma audição, a ausência de uma

visão, a ausência de um membro do corpo, a ausência de uma função

cerebral, talvez isso sim. Isso é uma deficiência? Tá, a ausência de

algo, mas que não faz da pessoa um ser incapaz.

E - Você gostaria de acrescentar mais alguma coisa?

Clotilde - que é muito difícil falar do deficiente, porque é aquela coisa

assim “fala o que é”, não sei. É mal de psicóloga, é mal da Clotilde

querer (Clotilde ri), é isso, entendeu? É difícil chegar numa escola e

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ver uma criança ser tratada diferente porque ela foi taxada com

número, é difícil, é difícil, dá vontade de falar, dá vontade de brigar.

Eu sei que é difícil pra uma professora, eu entendo, entendo mesmo,

sei que é difícil. Eu acho que talvez as coisas sejam um pouquinho,

foram feitas um pouquinho inadequadas, às pressas, não sei. Né, sem

formação, sem os professores tarem realmente preparados, mais

emocionalmente do que tecnicamente pra receber as crianças que eles

julgam seres de outro planeta. Tudo atrapalha né, essa coisa de você

querer seus alunos sentados, copiando da lousa e ai chega lá um que

revoluciona a sala, te bota, bota o professor pra pensar, só que o

professor não quer pensar, o professor só quer eliminar aquele

problema né. Então isso me comove às vezes, me deixa chateada sim,

é muito mais, não tenho, não é uma questão de me sentir de mãos

atadas, não tenho o poder de mudar nada disso, mas eu me sinto

incomodada com isso. Então é isso.

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TERAPEUTAS: CORINA

E - Eu quero te perguntar o seguinte: pra você, na sua concepção, na

sua opinião, o que é deficiência?

Corina: eu acho que deficiência é tudo aquilo que faz falta a qualquer

pessoa. Aquilo que eu não tenho, por exemplo, a eu não sei dirigir, é

uma deficiência. Eu não sei dirigir, eu não dirijo, é uma deficiência

minha, porque eu tenho possibilidades de dirigir. Agora dentro dessa

possibilidade eu posso dizer que eu não gosto, não quero não é, não é

que eu não consiga, Não é? Então é uma deficiência, essa deficiência

ela pode até ser proposital, porque se eu não quero, eu não gosto,

então eu não vou fazer, é algo que falta, Ma... É que falta no sentido

assim de eu não estar provido daquilo. Mas não que é essencial pra

minha vida, não é. Dirigir é bom, é importante? É, mas eu So... Eu

vivo muito bem sem dirigir. Eu acho que é isso. Não é uma coisa que

te incapacite. Eu não vejo a deficiência como algo que incapacite. Até

porque eu trabalho muito na perspectiva dos talentos. Cada pessoa,

hoje em dia existe até a questão da, antigamente a, antigamente não,

tem o, O CID, que é o Código Internacional de Doenças, agora a

gente tem o Código, acho que é funcional, Alguma coisa assim das

funcionalidades, das inteligências, alguma coisa assim né. Então Eu,

eu acredito nisso, que cada um tem o seu potencial. Agora, Éee, basta

saber se a pessoa, se é investido naquele potencial da pessoa, porque

se eu tenho um potencial de cantar e ninguém nunca investiu em mim,

eu posso até perder esse potencial. Porque a gente precisa, é uma

construção, tem poten... Potencialidades que você perde. Agora tem

muitas pessoas que nem tem potencial mas com o treino da vida

diária ela adquire aquilo, não é.

(...)

Eu não sabia a língua de sinais. Eu acredito que hoje eu, Eu sei não

ainda muito bem, sei o bastante pra me comunicar e pra me dizer,

mas onde que eu iria imaginar que um dia eu iria aprender uma

língua de sinais? Agora veja bem, eu, Eu sinto que eu não tenho

condições, eu não sinto apta Pra aprender uma língua oral, inglesa

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ou francesa, eu sinto que eu não consigo pronunciar isso bem. Mas eu

fiz A experiência essa semana, com um professor Norte americano, é

um professor, é da Inglaterra, de língua de sinais, e eu consegui me

comunicar com ele. Na língua de sinais minha própria, porque ele

fala ASL e eu falo língua de sinais brasileira, né. E a gente Cons...

conseguiu se comunicar.

E - Ele falou o quê?

Corina – Que é a língua de sinais americana né, ASL.

E - ASL?

Corina - ASL. É a língua de sinais americana.

E - American Sign Language?

Corina – É. Ele nao fala lingua de sinais brasileira, e nem eu falo a

lingua de sinais americana. Eu fui num Congresso e eu consegui

estabelecer uma comunicação com ele. Então a... que, que conclusão

que eu posso tirar disso? Que tanto ele quanto eu nós temos uma

intenção de comunicação, de interação com as pessoas né. É talento

isso? Não sei, mas a gente tem. Porque a gente conseguiu se

comunicar e se entender, por sinais. Ele entendeu a minha intenção

de comunicação Eu entendi a dele né. Eu achei isso bárbaro, eu falei

“poxa vida”, eu não consigo pronunciar, a, palavras em inglês, eu

sinto uma deficiência, Né, de falar inglês. Mas eu não sinto hoje

deficiência, eu sei que vou me comunicar muito bem em língua de

sinais com os estrangeiros. Coisa que no oral eu não consigo. Mas

porque é, porque que aconteceu isso? Porque eu acabo, fiz esse

treinamento, aprendi e continuo exercendo. Agora, claro que se você

não exerce no caso da língua de sinais você vai perdendo a, o, os

movimentos, você vai esquecendo também né, que você tem que

visualizar essa linguagem. Quando você faz uma leitura numa pessoa

surda, você, quando, Uma pessoa surda e você tá dando a voz pra

uma pessoa surda, você tá fazendo uma leitura na finalização dele.

Então se eu não treinar isso eu vou perder e eu não vou saber o que

ele tá dizendo. Não é só mais o que... saber qual é essa pessoa surda,

é a língua de sinais mesmo que eu tenho que entender nele né. Então

eu acredito que tudo na vida é treino mesmo, é, é esforço, é busca

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mesmo né. Agora as pessoas com deficiência, fisiologicamente

falando, Né, que a gente sabe que, organicamente o nosso organismo

ele é perfeito. Mas se você tem alguma complicação, aquela parte não

funciona, você passa a ter mesmo uma deficiência ali e você acaba

dependendo do outro. Agora, o outro tem que te estimular. Se eu não

consigo, se eu só consigo andar com uma perna só Com a outra eu

vou pular, então alguém tem que me estimular desde criança que eu

vou viver pulando, que essa é a minha condição. Se ninguém me

disser que isso é a minha condição, eu vou passar a vida às vezes

iludida e achar “Poxa vida, eu posso andar, eu posso falar” e não

invisto naquilo, nas condições que a pessoa apresenta. Eu vejo a

deficiencia assim, né, a pessoa precisa, quem não tem um potencial

precisa ser estimulada, aquele que tem o potencial se não estimulado

também perde, Né, e não é falta de uma perna, dum braço, de ouvir,

de enxergar, isso é uma coisa do corpo só. Agora o talento da pessoa

está dentro dela, Não é?

(...)

E o meio é quem traz esta estimulação. Eu gosto muito dessa coisa do

meio. É o social mesmo interferindo mesmo Na, na vida da pessoa né,

dentro da, da visão bakhtiniana, da questão da linguagem, né,

Bakhtin fala assim que a linguagem, ela, Ela nasce da importância

que aqueles signos tem na vida da pessoa, não é. Então que Que

importância Tem a escrita Pra mim? Eu escrevo pra alguém? É

importante pra mim escrever pra alguém? Precisa ter sentido na

minha vida aquilo. Se não é importante eu não vou escrever E posso

muito bem viver a vida inteira sem escrever. Quantas pessoas

analfabetas no Brasil tão aí, de idades sem saber ler e escrever e

sempre viveu muito bem? Não é? Aquilo não, pode fazer falta em

alguns momentos? Faz, mas não determina a vida da pessoa né. E Aí

eu lembro até de um exemplo que o Bakhtin cita, Por Exemplo, na

União Soviética, qual é o símbolo da bandeira da União Soviética? É

o machado e a foice, né. Esse símbolo é resultado Do que? De uma

luta dos camponeses lá da classe operária né. Então a, a

comunicação vem daí, o social interferindo no meio. E do social

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nasce a língua, do cultural e do social nasce a língua né. Então

também essa nossa vida também o meio interfere, então aquilo é

importante, determinada coisa é importante pra mim dependendo do

meio que eu vivo. Se eu tenho família, pais que são escritores, que

escrevem, aquilo pode me influenciar, não determina que eu posso

também ser um, Uma pessoa que escreva e que lê muito bem, ele não

pode ser determinante. Mas ele pode ser um meio que pode me

influenciar sim, né. Vai das pessoas, isso não Quer, isso não quer

dizer que a pessoa não tem talento praquilo. Às vezes ela não tem

talento mas ela é influenciada e ela consegue aquilo, às vezes ela até

tem talento praquilo mas ela não quer. “Não, Não quero isso. Meus

pais escrevem, lêem mas eu não quero isso pra minha vida. Eu quero

andar de patins” Não é? Então eu acho que o meio que a pessoa vive

determina aquilo que ela quer pra vida dela, que ela pode fazer pra

vida dela, né, e mostra também pra ela que ela tem eficiência. Ela tem

múltipla... a, o meio ele te mostra múltiplos caminhos que você pode

buscar. É... Você não pode se pautar numa coisa só que você vivencia

ali dentro de casa ou numa comunidade, mas o meio todo influencia

na sua vida. E aí são opções que a gente tem, A é o meio te mostrando

as opções e no meio dessas opções você vai buscar aquilo que te faz

feliz, e que talvez você venha a ter habilidade pra realizar aquilo né.

E é um constante, é uma constante você tem que buscar sempre

aquilo. Eu penso assim.

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TERAPEUTAS: ENEIDA

E - ...pra você, Eneida, o que é deficiência?

Eneida - Então, ééé... acho que depende muito do deficiente, né, acho

que a deficiência esta, é... ela vai ser melhor ou pior dependendo de

quem é o deficiente, de quem está com ele. Porque acho que

deficiência é aquela coisa clássica, né, uma limitação, uma

perturbação, uma lesão, né, que compromete essa pessoa em algum

grau, em algum nível, de alguma forma, no desenvolvimento

cognitivo... físico... global... algumas você tem mais comprometimento

físico do que cognitivo, ou vice-versa, né, é não vamos falar de casos

psiquiátricos, né, mas e...eu acho que é o comprometimento, é um não

funcionamento de alguma parte do corpo, de algum é...mecanismo do

corpo, ou dele como um todo, né. Agora, existe formas e formas de

deficiência, então vai depender muito do grau desse

comprometimento, do quanto ele lesou, de quanto ele se prejudicou,

de como essa criança é assistida e de como ela própria lida com a

deficiência, né. Porque a gente vê muitos deficientes, seja a nível

cognitivo mais acentuado ou motor, que consegue ter uma adaptação

razoável, consegue ter uma qualidade de vida, que permita ele ser

feliz, ficar bem, fazer algumas coisas, aprender outras, e ir vivendo

assim, né, mas eu entendo como deficiência, mesmo, é a maneira das

pessoas encarar a situação daquela pessoa, né, então como que ela

vai encarar? “Então é um doença? Vai ter cura? Quando que o meu

filho vai sarar, quando que ele vai curar? É feio, tem vergonha, é

ruim, não sei lidar, é difícil, é trabalhoso, é sujo?” Né, também era

uma coisa que a gente tentou disciplinar tanto pra mães quanto pra

terapeuta, “Limpa a baba a dele. Limpa a boca.” “Gente, não é

‘limpa’. É ‘seca’. Porque baba não é sujeira!” Né, “ É uma secreção!

Eu tenho, você tem! Então está todo mundo com a boca suja. Então

vamos mudar, vamos falar, ‘limpa sua boca’ ou ‘limpa a boca do seu

filho, limp’, é seca, ‘vamos secar a baba’, né, então acho que depende

muito de quem está olhando pra deficiência, de quem está convivendo

com ela. Ela pode ser muito difícil, porque, é claro, ninguém deseja

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isso pra si, nem pros seus filhos, nem pros seus parentes, né, mas vai

depender muito de como você lida com a deficiência, então às vezes

uma deficiência muito leve, como é a gente tem aqui no consultório

que a gente atende, né, o que é possível ser atendido em consultório,

porque muitos é a equipe multidisciplinar mesmo e acabou, a gente vê

que se torna um transtorno pra família e, às vezes um quadro muito

mais severo, muito mais acentuado, os pais, a família, os cuidadores,

conseguem lidar com mais tranquilidade, com mais afetividade, com

mais bom senso, né... Então eu acho que a deficiência ela, ela vai

variar, ela vai ser mais intensa ou não, dependendo de quem vê, de

quem convive e de quem é deficiente.

(...)

O Rui, por exemplo, ele é uma pessoa super feliz, super feliz, né, eu

atendi muito tempo aqui no consultório um downzinho, o Xuxa, ele

tem hoje vinte e um anos, mas é outro nível, é social, ele conseguiu

terminar o segundo grau, ele é maravilhoso, se você pudesse

conversar com ele, mexe em computador, tudo, viaja de avião e tudo,

faz cruzeiro, é só ele, o pai e a mãe agora, os irmãos mais velhos

casaram. Ele é super super super sacado de tudo, só que ele tem

aqueles lances, ele fugiu de casa de pijama e foi pro supermercado

[risos da entrevistadora], então tudo bem que ele saiba ir pro

supermercado de ônibus, mas ele foi de pijama [risos da

entrevistadora], não é? Aí você fala “cadê a limitação, onde é que ela

começou e eu não percebi?” [riso] Não é? Aquelas coisas assim. Ou

então que nem uma vez que ele chegou aqui pra mim, né,

conversando, falando, contando semana dele e tal, ele faz muitas

coisas né, ele pára... “Eu sou a única pessoa sozinha no mundo.

Nunca tive uma namorada, nunca transei com ninguém. Acho que

nunca ninguém vai se apaixonar por mim.” [silêncio] “Por que,

Xuxa, que você está dizendo isso?”, “Porque eu sei que vai ser

assim” “Mas o que te faz diferente, por exemplo, dos teus irmãos, que

casaram, tiveram filhos, se apaixonaram...?” “Porque eles não são

como eu.” “E como você é?” “Ahn...” Ele não fala nunca que ele é

Down, ele não aceita que ele é Down, não aceita, não adianta você

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falar que ele não aceita, o Down. Uma menininha, que começou na

outra sala, adolescentezinha, lindinha também, downzinha, uma

gracinha a menina, imagina não queria nem saber se a menina era

dowzinha [falando baixinho] né, porque ele, né, eu já falei pros pais

“vamos começar a trabalhar, vamos tal tal tal...” “Ai, deixa pro ano

que vem, ai deixa pro outro, ai porque agora não dá.” Né, porque aí

eu acho que já tem, né, uma coisa, ahn, eles lidam muito bem, o

menino é extremamente bem tratado em todos os aspectos, mas,

assim, éé, aquele cuidado excessivo, né, é...isso ele não pode, isso

não, ele aprende tudo, mas não aproveita em nada, fica no quarto, lá,

com os vídeos dele, com as coisas, sozinho, ele próprio não se aceita,

não se vê como down, né, ele começa a se deparar com as limitações

de deficiência, porque é assim: “não posso namorar, não posso

transar, minha mãe não me deixa sair sozinho”, né, “eu não vou...

meus amigos na escola”, lá, teve uma pendenga o ano passado, que

um amigo tapeou ele com vinte reais no jogo, né.. Então, ele já

começa a sacar algumas coisas, ele questiona isso, mas ele não parte

do princípio de que é porque ele é uma pessoa especial, mas ele está

sofrendo as angústias disso, né, vinte e um anos, sai bastante, tudo,

mas não é isso, ninguém namora, ninguém beija, não forma casal, vai

fica sozinho [silêncio]

E - Você chama de pessoa especial, da mesma forma como você

chama de pessoa com deficiência?

Eneida - Acho que sim.

E - Então, então uma pessoa especial, ahn, a definição que você deu,

a, a à forma como você entende deficiência, é a mesma como você

entende pessoa especial?

Eneida - É, a gente coloca especial, porque agora a cada ano muda a

nomenclatura, né, Lígia, você nunca sabe o que que você tem que

usar, né. Porque já, eu estou usando deficiente, mas já não é mais

deficiente.

E – Ah, é?

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Eneida - É, não, não é mais, aí era portador de necessidades

especiais. Também não pode ser porque ele não porta nada. É pessoa

com necessidade, você vai ficar o tempo todo “Ai, porque o aluno

com necessidades especiais”, é deficiente, depois eu penso assim,

gente, eu acho que o nosso dicionário ajuda muita coisa,. Qual que é

a definição de deficiência? É alguém que tem alguma coisa que não

funciona cem por cento, não é? É algum aparato que não está cem

por cento... eficiente. Então pronto! Se eu estou olhando pra um aluno

que é deficiente, porque que eu vou negar e digo “ai, porque com

necessidade daquilo, com necessidade daquilo...” Não é? Mas acho

que é pra facilitar, mas a nomenclatura também nem é mais essa. E o

especial, por conta daquela nomenclatura mais clássica, né, da

pessoa especial, da pessoa com necessidades especiais, né? a gente

ainda fala, mas eu acho que eu quero dizer a mesma coisa. Agora tem

os deficientes que são especiais, né?

E - Como assim?

Eneida - Que de alguma forma te chama atenção por algo que é

muito peculiar.

E - O ser especial...

Eneida - O ser, a pessoa...

E - ... não é porque é deficiente ou não...

Eneida - Não porque é mais deficiente...

E - ... ou é porque é deficiente?

Eneida - Não, é um deficiente especial, que eu digo, porque pra mim

ele é especial, né, por conta de alguma característica dele, de alguma

coisa, alguma história, né, então eu acho que, assim, dentre todos, eu

tinha lá o Rui, eu tinha a Valquíria, né.

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TERAPEUTAS: ROXANA

E – Queria que você falasse livremente sobre o que é que você acha

que é a deficiência.

Roxana - Deficiência? Qualquer?

E – Queria que você falasse livremente, disso.

Roxana - Eu tenho pensado muito nisso, né. Como eu disse, quem...

quem... estudou já há... há alguns bilhões de anos atrás... então, tem,

ahn, alguns padrões que foram estudados, e tal. E aí, ahn, pensando

nessa coisa de que que é deficiência... Primeiro que, assim, tem uma

questão, que tem muito a ver com a questão cultural e com o meio que

a gente tá. Não dá pra vc colocar, ahn, uma deficiência, se você não

colocar o contexto. Porque o que pode ser de... o que é deficiência

aqui pode não ser deficiência em outro grupo. Então, pra mim, isso

tem uma... uma coisa... não é um... um deficiente não é deficiente no

mundo inteiro. Dependendo de... tem algumas deficiências que são, eu

diria, maior... O que que é deficiência? Deficiência é, bom, pela

definição da palavra: tem um amigo que diz que sempre que a gente,

ééé... vai no dicionário, né, e vê o que é deficiente, é alguma coisa

que... falta alguma coisa, né... Então, quando a gente tem um déficit

no banco... (riso) é porque tá faltando dinheiro na sua conta. Por

exemplo, gastou x ou... então, quando você tem... falta alguma coisa,

né? Então, pra mim, deficiência é o que... falta alguma coisa, em

relação a uma média, ou a um conhecimento, ou a um padrão – que

seja de... média. Num... não digo de normalidade, mas um padrão da

média. E a deficiência é alguma coisa que você tem... a menos; que

você tem, ahn, – se for pensar em pessoas – que você tem ou que você

ééé... Algumas são passageiras, outras não... Então, é... é complicado

definir o que é deficiência, porque pode ser passageira, pode não

ser...Tem a ver com o... com a média do grupo onde você vive, né, e...

tem algumas que são comuns a vários grupos. Faltar uma perna é

faltar uma perna! Como nós somos bípedes, se você não tem uma

perna, você... falta uma perna! Então, você É um deficiente. Porque

lhe falta uma perna... né? É... e aí, assim, você pode ter nascido sem

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perna – que é uma deficiência que veio com você – ou você pode

perder uma perna, no meio do caminho da sua vida... né... Que é um

outro tipo de sem-perna, eu diria, né? Eu... eu gosto, às vezes, tem

uma imagem... não sei se é muito adequado, mas, enfim...

E – Vai adiante!

Roxana - Então, pra mim deficiência é quando falta alguma coisa

dentro de um grupo. Falta altura, né... pra quem é... baixo; falta

altura! Se a média da estatura da população que tá é 1,60 m, você tem

1,40 m... lhe falta altura! (riso). Então, cê tem uma deficiência de

altura, né? E... e aí... e aí você pode ter deficiência de dinheiro! Se

você tá num grupo que todo mundo tem um milhão no banco, você

não tem, então é uma deficienciazinha... Então, assim... Então eu acho

que a deficiência tem a ver com o grupo, tem a ver com o padrão do

grupo... né? Em geral, ela tende a que todo mundo te olhe diferente,

se você tem alguma coisa... a menos, né? E... eu acho que é natural.

Eu sem... eu sempre coloquei, eu sempre... sempre tratei isso, assim:

pra mim, ahn, olhar pra pessoas que falta alguma coisa, que têm

alguma coisa deficiente, ééé... diferente... é uma questão natural. A

gente olha pra todo mundo que é diferente. É natural você olhar! Que

pode ser pra mais ou pode ser pra menos, né? A gente tá falando de

deficiência. Mas o excesso também chama a atenção. Só que, aí, ahn,

o excesso, você pode até tirar, dependendo da situação, enfim. Mas

um cara que mede dois metros de altura vai chamar a atenção tanto

quanto alguém que não tem uma perna, ou alguém que num tá... que

tá numa cadeira de rodas. Então, pra mim, deficiência é: primeiro, é

uma coisa que falta. E... mas falta em relação ao grupo. E ela pode,

ou não, ahn, tirar muito você da participação do grupo, não é?

Depende do quanto é cada deficiência, e depende do grupo. Então,

ééé... ass... eu acho que é sempre uma coisa muito relativa. Muito...

complicada, eu acho, ééé... definir. Mas, pra mim, é... o que você tem

a menos. Deficiência é o que você tem a menos do que o padrão do

grupo com quem você convive.

E – Hum-rum...

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Roxana - Acho que essa é um... pra mim, é a... melhor definição.

Deficiência é isso. Se você vai ser excluído, incluído, super-incluído,

exaltado, ou não, por conta da deficiência... aí é outra coisa! Uma

coisa é A deficiência, em si. Outra coisa é o que você e/ou o grupo

vão fazer com essa falta. (inaudível) falta, déficit... você tem um

déficit no banco. Pode conviver com isso, pedir um empréstimo,

assaltar um banco, pra cobrir essa... quer dizer, como você vai lidar

com... a... a deficiência que existe... depende de você e depende do

grupo. Mas... mas a deficiência é sempre... uma coisa que tá faltando,

em relação a um grupo, naquele determinado momento. Penso eu.

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PESSOAS E FAMILIARES: DAFNE

E –Pra você, o que que é deficiência?

Heloísa – Ai... Deficiência todo mundo tem, até nós, que somos, que

temos nossas pernas que andam, né, que se acham que não é

deficiente, acho que nós temos a maior deficiência do mundo, nós

temos; os que dizem ser normal. E aprender com a deficiência, ééé,

cada caso é um caso, né. Acho que cada deficiência é cada

deficiência; pra mim, é assim, às vezes eu falo, eu nem vi que a minha

filha é deficiente, eu falo que a minha filha é especial. Então, pra mim

não existe deficiência; pra mim não existe. Eu tenho, sim, que pra

mim não existe deficiência. É tanto que nem digo que a minha filha é

deficiente, digo que minha filha é especial.

Dafne – Moa...

Heloísa – [voltando-se para a filha] É o que eu acho de você. É o que

eu penso, né, filha. A mamãe só tem ela! Se eu... não saberia nem

explicar direito o que que é, né, ter um filho... perfeito e outro, não,

né? No caso, deficiente que o nosso, a história, a conversa era a

deficiência, então, acho que fica até meio difícil pra mim responder.

E – Tá certo

Heloísa – É na real, né [risos]

E – Você gostaria de falar mais alguma coisa, Heloísa?

Heloísa – Acho que não

E – Muito obrigada, então, pela entrevista.

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PESSOAS E FAMILIARES: IRENE

E- Deixa eu fazer uma pergunta pra vocês. Na opinião de vocês, o que

é uma pessoa especial?

Ercília- booooa pergunta... (risos) Booa pergunta.

Aristeu - Pode... Eu, eu tenho a minha resposta.

Ercília - Fala!

Aristeu - Não, pô, aí você vai copiar de mim? Que isso?

Ercília - Não!

Aristeu - Aí não vai servir o trabalho de...

Aristeu - Uma pessoa especial. Uma pessoa especial que eu penso

comigo... Tá aí: ela. A Ercília é uma pessoa especial. Por que? Ela

enfrentou de frente a doença dela, foi erro médico. Tava tratando da

vista dela, era tumor na cabeça. Ela não quis processar ninguém, e

ganhava tranquilamente, tinha documento, tinha tudo... Na época...

Tanto que eu joguei o... Chapa, tudo na cara da oculista que tava...

Eu fiz um... Desandou a minha vida.

Ercília - Foi uma grosseria.

Aristeu - Entendeu? Então, o que que é? Uma pessoa especial. Tem

suas limitações? Tem. Você vê que quando fica meio jururru, fica

meia, assim, mas tem fé em Deus. Vai, mesmo sem querer ir, ela, ela

procura com jeito, não sei o que ela pensa hoje, do que é, o que ela

sente, mas elas pedem, elas procuram tentar fazer. Hoje mesmo ela

lavou o banheiro, ela lava roupa, ela se vira, é... Muitas coisas,

fritura, essas coisas ela já não consegue mais, mas se eu esquecer de

deixar o arroz pronto ela vai e faz, ela pica um alho, sabe, ela tem

vontade. Mesmo... Quantas vezes ela já cortou esses coitados desses

dedos dela? Então isso um não que eu ia falar era isso aí.

[Silêncio. Aristeu chora]

Ercília – Ta chorando? Então pra mim, pra ser especial ééé, sei lá, é

conviver né? Tipo conv, conviver com sua especialidade e... Não cair

né, ir em frente e lutar, eu acho que é isso. Que nem, quando eu

descobri que ela... Nossa, eu fiquei assim, mas depois...

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Aristeu- Mas a pessoa especial também, não é assim, é, ô coitadinho.

Não tem nada disso...

Ercília - É, eu também acho que não.

Aristeu - A pessoa especial, você tem que cobrar a mesma coisa como

se fosse uma pessoa normal, porque ela é capaz. Ela é capaz...

Ercília - É.

Aristeu - Você só tem que mostrar pra ela que ela é capaz. Que nem

ela, por exemplo, voltando na Ercília. Ela, tem hora que ela fica: “Ai,

porque eu não vejo isso, porque eu não faço isso, porque eu não faço

aquilo”. Hoje ela tem esse banquinho aqui que ela sempre que ela

chega perto dessa televisão, ela sabe da vida de todo mundo na

televisão “Ó, telefone, vai lá”.atende esse telefone. (risos da Ercília).

Ercília - Sei mesmo . ô Lígia dá licença, Lígia

Aristeu – Então é que nem eu tava falando. A Ercília, por exemplo,

perdeu a visão, só que ela ganhou outra limita... Outra coisa... Na

língua. Ela começou a falar mais porque... Sabe, pra poder, é...

Audição... Pelo... Ela desenvolver outra, outra habilidade. Um pouco

na mão, mas ta meia... Que nem ela falou que ta com problema na

mão, mas ela pega a bengala dela, ela sabe o que ela ta fazendo.

Então como que um paraplégico vai... Esse é o, limitação... Esse que

eu falo que é a limitação, esse é limitado. Não as pessoas normais que

nem... Anda, enxerga que nem ela, pra mim não tem limitação

nenhuma, só no rosto. Não é.Por isso que pra mim não é deficiência,

é uma limitação. Deficiente é aquele que não pode andar, é o

paraplégico, mesmo assim, eu tenho acompanhado a novela ai, tem

muitas coisas já acontecendo para o paraplégico; rampa, um monte

de coisa. Difícil, que nem a Ercília falou, demora. Aqui nós não

estamos preparados no Brasil, mas... Ta melhorando. Quem enxerga,

vê. É devagar? É devagar, infelizmente é Brasil, mas... Eu acredito

que vai acontecer as coisas melhores. Tamo brigando, que nem, nas

próprias casas, a dona... Dona dessa casa vai ter que pôr um

corrimão aqui. É obrigação, é obrigatório, porque ela tem pessoas

deficiente aqui. Deficiente não, limitada. Já uma pessoa deficiente é

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aquela que não pode viver sozinha. O paraplégico, pra ele ta aqui,

não tem como, vai ter que ter uma ajuda. Esse é o deficiente, mas

quem não precisa de ajuda? Cris! Cris, com aquele problema na mão

dela, na perna, ela anda, fala pra caramba. Sabe?Pra mim é uma

pessoa normal.

Ercília - Eu acho que é viver, né.

(...)

Aristeu – Justamente o que eu tô falando, justamente as pessoas que

não consegue se virar sozinho, ai é uma pessoa deficiente. Uma

pessoa que consegue rodar um carrinho, só que se ele não conseguir

falar ai fica meio difícil, mas que nem, é, é, as limitações que são

cortada, né? Depende das limitações que são cortadas. Porque se ele

cortá – Deus que me perdoe - só as perna. Você tem as mão, você

fala, você olha, você tem outro jeito. Tem jogador de basquete, tem

na...nadador olímpico, paraolímpico, sabe, eles são deficiente? São

com limitações cortada, limitada. Tem deficiência até que não tem

jeito; é, um acidente na coluna que você fica só assim, um cara que

vegeta. Pra mim... E eu que tenho também só até a minha oitava série,

mas eu, é, dentro de uns quatro anos eu comecei a ver umas... Coisas

assim, meia... Diferente em minha volta, por isso que eu to com outra

visão. Eu conheci uma pessoa, nessa, lugar que eu tava trabalhava lá

e ela tinha problema nos ossos. Bobeou, ela tava caindo. Era uma

madame, cheia de dinheiro. O carro dela tudo aqui na mão, porque

ela tinha força na mão. Câmbio, freio, tudo na mão, carro especial.

Ela falou: “Por favor, o senhor consegue dirigir esse carro?”, Falei:

“consigo.” Eu não ia falar isso pra ela, mas falei: “Se você consegue,

por que eu não consigo, né?”. Na minha cabeça eu falei isso, falei:

“Mas, mas, você consegue, você acha que eu não vou conseguir?”. E

foi difícil pra mim, porque a adaptação já... Eu falei: “Meu Deus,

cadê o freio?”. Não era no pé, e eu conversando com o carro: “O que

é que eu faço, ré, não sei o que”, pra mim foi muito interessante. Aí...

Tá, ela entrou, ela tem uma bengalinha e tal segurei no braço dela,

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abriu a porta, coloquei ela pra dentro,aí fui vê o carro tal, beleza,

pus o carro lá estacionado, na volta infelizmente eu pus o carro bem

na porta e era um degrau e a pessoa que cuidou (...) não acompanhou

ela até o carro. E era norma, acompanhar até o carro, porque a gente

ficava muito distante. E o encarregado lá, até vir de lá pra socorrer a

mulher, ela já tinha caído. E foi o que aconteceu, ela caiu, bateu as

costas, no...no... Gade, na grade. Aí nós saímo correndo, eu e o outro

rapaz e ela... Eu ch.... Cheguei lá e não sabia... Não sabia como,

porque a gente que é normal, como você falou, os normais, que finge

que é normal, mas não é. Deu s... Deu vontade de dar risada, não

sabia que que eu fazia, a mulher lá com as perna aberta, mostrando

tudo que ela tinha que mostrar, né. Eu fiquei perdido, uma madame

cheia de dinheiro o que que eu faria? Na hora eu peguei, sentamos a

mulher no degrau, falei: “A senhora machucou?”, Tinha machucado

e ela falou que não machucou. Ela falou: “Se tiver machucado, não é

de agora, já caí umas cinco vezes hoje”. Então isso pra mim que é

uma pessoa deficiente, que precisa de ajuda, mesmo assim ela se

achou que não precisava, porque o carro dela é pra gente que...

Entendeu?

Hoje tudo tem a sua adaptação, então o que que, não é, não tem

adaptação? Tudo tem que ser adaptado. Pode por a mão aí, que a

Irene sabe: A, B, C. Como que é, Irene? Faz pra ela ver. A... Vai

falando aqui, pra ela ver.

[Irene digita, nas mãos da mãe, as letras do alfabeto, usando

LIBRAS]

Ercília - “D”, “É”, “F”. F?

Aristeu - Entendeu ?!

Ercília - Ainda é complicado. Tem que, que, praticar mais. Ahn? Meu

nome? E, Ercíl...

Aristeu - Faz na língua dela, você não sabe?

Ercília – O meu nome?

Aristeu - É , faz o seu nome.

Ercília - Então faz o meu.

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Aristeu - faz nos seus sinais. Sinais dela.

Ercília - Porque já esqueci.

Aristeu – Não, mas faz nos seus sinais pra ela.

Aristeu - Ela vai imitando o sinal seu.

Ercília - O meu? (Sinais) Ercília..

Aristeu - Você entendeu, então... É umas coisa que eu penso,

justamente é isso , pra tudo tem um jeito, só não tem jeito é pras

pessoa mesmo com um monte de coisa da coordenação motora, que aí

não tem jeito. Mas você viu aí, entre uma pessoa que não vê e uma

pessoa que não ouve, há comunicação. Só basta ter vontade. Se tiver

escola, que nem aqui que ela comentou, o município não tem. O

município infelizmente... Nós estamos com um governante que não

tem boa vontade, não tem jeito de abranger esta, região oeste. Aí tem

que desloca daqui pra São Paulo. Como que vai desloca, não é todo

dia que a gente tem cinqüenta reais pra pagar pra uma pessoa levar.

O município não tem intenção de pegar uma perua pra buscar ela

aqui e levar ela lá, entendeu? Jamais vai fazer isso. Gasta. Jamais!

Então a gente, que nem, você perguntou, a gente ta procurando se

ajudar e levar a vida no trânsito. Porque é o que acontece, é, umas

pessoas... Mas o importante de tudo isso aí, que nem você perguntou,

sobre deficiente. eu acho pra mim é a pessoa... Deficiente é uma

pessoa que não consegue ir, daqui na porta... sozinha .

Ercília –Você fala muito, Aristeu! Deixa a menina falar. (risos)

E- ... eu estou aqui para ouvir.

Aristeu – Ela anda essa casa todinha, ela... Onde a vizinha fica pra

você fofocar, ela sabe. (risos da mãe) Ela é deficiente ? (risos da mãe)

Ela é deficiente?

Ercília – Ai, meu Deus.

Aristeu - Quando você quer ir pra igreja, quatro horas da manhã: ta

acordada!

Ercília - É mesmo.

Aristeu- Quando não tem nada pra fazer, dez onze horas ela tá

dormindo. Quem é deficiente aqui? Você entendeu? Consegue andar,

consegue ir no banheiro, consegue fazer de tudo. Pra mim não é uma

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pessoa deficiente, pessoa deficiente é uma pessoa que pra ir no

banheiro precisa de ajuda.

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PESSOAS E FAMILIARES: RENATO

E – Eu queria finalizar com uma pergunta pra vocês, aí cada um

responde como quiser, né, como achar. Pra vocês o que é deficiência?

Vilma - O que é deficiência? Nossa é tão...! Nem sei, deficiência... eu

acho que eu não poder, eu não poder fazer alguma coisa.

Catarina - Uma limitação, né.

Vilma - Uma limitação de alguma coisa que eu queira fazer.

Catarina – Talvez a gente nem veja isso, né, acho que na convivência,

acaba, acaba.... normal.

Vilma - Não, mas você tá perguntando a palavra “deficiência”?

E – É, pra vocês.

Vilma - Eu penso assim, “deficiência”, é, é.

Catarina - Eu, eu tenho uma deficiência visual. Eu tenho uma

limitação, então eu preciso de, eu preciso de um óculos pra poder,

pra poder enxergar, né? Então aí tem certas limitações que as

pessoas têm... Por exemplo, teve uma paralisia que causou algumas

limitações que ele não tem as habilidades normais, como as

locomotoras, éee, coordenação motora, como a gente, como nós. Né?

Vilma - Eu já penso, assim, eu acho a palavra “deficiência”, você tá

jogando ela geral?

E – Geral.

Vilma - Não ele.

E – Não...

Vilma - Pra mim deficiência é eu não conseguir fazer alguma coisa,

eu vou te... se eu não conseguir realizar alguma coisa eu... é um

obstáculo pra eu consegui. Mas não sei se eu me expressei bem.

E – Não, não tem um bem ou ruim. É essa expressão, né.

Vilma - É, eu não conseguir fazer alguma coisa, é uma barreira,

pronto, que eu não consiga fazer. É uma deficiência minha...

Lineu - ... deficiência é... é não é ser perfeito. [risadas de Lineu]...

Vilma - ... não, eu acho que não tem...

E – Deficiência é não ser perfeito...?

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Vilma / Lineu - Não tem ninguém perfeito. [risadas de todos

entrevistados]

E – E “pessoa com deficiência”?

Vilma - Uma, olha uma “pessoa com deficiência”... nossa é muito

forte! Nossa “uma pessoa com deficiência”! Nossa ela não...

E – Não é assim que a gente chama as pessoas hoje em dia?

Antigamente chamava de “deficiente”, “portadores de necessidades

especiais” e aí o termo mais genérico é “pessoas com deficiência”.

Pra vocês o que isso significa?

Catarina – Ah, eu sou uma “pessoa com deficiência”, eu tenho uma

deficiência.

Vilma – Ah, eu também eu tenho um monte.

Catarina – Eu tenho necessidade de usar óculos! Ai meu deus.

Vilma - Ai outro dia eu tava falando com ela, eu admiro tanto aquela

pessoa deficiente visual, não fugindo tanto da tua... mas eu admiro...

E – ... mas é isso mesmo, não tá fugindo...

Vilma - ... eu admiro aquela pessoa com, não foi, que como a pessoa

não tem medo de sair, deficiente visual...

E – ... pessoa cega?

Vilma - Cega, que sai na rua que... gente é maravilhoso!

E – De ela não ter medo de sair?

Vilma – De ela não ter medo de sair. Gente, é lindo isso! Muito

lindo...

E – ... você teria? Se não enxergasse?

Vilma - Não sei. Porque olha é maravilhoso.

E – E você, Lineu?

Lineu – ah, se eu não enxergasse, eu ia ser difícil eu ter... na

situação, né.

Vilma - ... a gente tem que estar na situação...

E – Mas no geral, com relação a isso, da deficiência? Você já tá na

situação? Iche... fiz pergunta difícil?

Vilma - Não é, não. Nossa é meio difícil, igual porque a gente sabe

dele, é, das necessidades que ele tem, então o que que a gente faz,

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tenta, tenta ajudar e, e suprir, sei lá, pra se tornar mais fácil, não sei,

nossa!

E – A gente não tá acostumado a pensar nisso, né?

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PESSOAS E FAMILIARES: RUI

E – Deixa eu te fazer uma pergunta. Pra você, que que é deficiência?

Cida – O que que é deficiência? Ah, eu acho assim, tem muitas

pessoas que não é deficiente e se tornam deficientes, acho que pessoa

preconceituosa, tem preconceito de outros deficientes, eu acho isso

E – E o Ri... o Rui, é deficiente?

Cida – O Rui? Eu olho pra ele, eu vejo, sei lá, eu sinto, não, sabe, me

acostumei tanto com ele, a mãe olha pra ele, pra mim, normal

E – E se uma pessoa pergunta pra você: o que seu filho tem, o que

que você responde?

Cida – [simultâneo] Ah, eu falo, eu falo que ele é especial, eu falo

isso, eu respondo assim

E – E o que que quer dizer isso?

Cida – Ah, ele tem um probleminha

(...)

Cida – Ah, eu falo assim, ele tem, é especial, teve um probleminha na

hora do parto, na hora de nascer

E – Sei

Cida – Pronto

E – E se a pessoa perguntar mais?

Cida – Não sei, tem gente que pergunta, assim, vizinho, essas coisas,

até comento muito, né, falo tudo, parente que já sabe, mas, assim, não

tem muito

Rui: [simultâneo] o meu tio

Cida – Não tem muitas pessoas que vem e perguntam

Rui: [simultâneo] (...)

Cida – Mas eu tinha assim quando eu ia pra unidade de terapia

educacional,

Rui: [simultâneo] (...)

Cida – eu ficava lá naquele ponto esperando o ônibus, lá no, do outro

lado da avenida lá

E – Você já morava aqui?

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Cida – É. Eu ficava sentada com ele, assim, às vezes vinha pessoas e

não sentava do lado dele

E – Ahn...

Rui: [simultâneo] (...)

Cida – Ficava em pé, mas tinha espaço. Eu via que era isso

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4.2 “Fale-me do seu trabalho”

TERAPEUTAS: ALCIONE

E – Eu gostaria que você me falasse sobre o seu trabalho.

Alcione – Meu trabalho... São dois trabalhos.

E – Então, você é uma fonoaudióloga, né?

Alcione – Uma fonoaudióloga. Uma fonoaudióloga. Duas...

E – Esses dois trabalhos são como fonoaudióloga...?

Alcione – Como fonoaudióloga. Dois trabalhos.

E – Certo.

Alcione –Num eu sou... tudo bem?... Num eu sou respeitada, sou

escutada, tenho meus pareceres, dou minha... minha... - como eu vou

dizer? - digo se a criança precisou, dou meu diagnóstico, assim, se a

criança precisa, se ela não precisa, digo quando tem que ter alta,

digo, entendeu, maturidade profissional. No outro, eu me... eu ace...

aceito as ordens que me passam. E nenhum respeito, nenhuma

consideração, nenhuma... é... Nenhuma escuta... nenhuma escuta.

Então, são dois trabalhos.

E – Você poderia falar um pouco mais sobre eles?

Alcione – No que eu sou respeitada, escutada é... eu tenho uma cargo

de chefia... mas apesar do cargo de chefia, eu sou escutada, né,

independente, assim, de eu ser, ser gestora... eu tenho meu papel de

gestora e meu papel como fonoaudióloga. Eu sou escutada nos dois,

né. Sou respeitada nos dois. E acho que é super tranquila a minha

relação com as meninas, com as fonos, eu ... Mas é um contrato,

trabalha com contrato. No outro, eu tenho uma estabilidade, que eu

poderia até, mas não escutam... Eu poderia até ser muito mais, é,

incisiva, mas não escutam. Então, eu me cansei

E – É?

Alcione – Agora aqui na prefeitura... Cansei, Lígia. Cansei.

E – Faz tempo que você trabalha nesse lugar que não te escutam?

Alcione – Doze anos.

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E – E nesse tempo todo, sempre foi assim?

Alcione – Ahhh... Só no comecinho... eu não sei, se eu também não

tinha experiência, né? Então... não sei ou... sei lá... Depois de uns sete

anos pra cá... então... é que nos seis primeiros anos eram trabalhos

claros, definidos, né? Aí, depois que começou a desestruturar o

trabalho, a política... Depois que começou a mudar a política...

E – Esse trabalho também é área pública?

Não. É Organização Não-Governamental, é Terceiro Setor.

E – Tá. Assim, a clientela com a qual você trabalha nesses dois

lugares, é o mesmo tipo?

Alcione – É a mesma.

E – Então, você poderia descrever um pouco melhor essa clientela?

Alcione – É a mesma: são crianças com alterações motoras,

deficiências severas... né? É, crianças com... com... deficiência. Né? É

a mesma, só que nesse outro lugar que eu não sou escutada é... são

crianças com grau de comprometimento um pouco maior. Mas é a

mesma, a mesma criança, o mesmo perfil.

E – Você poderia falar alguma coisa sobre esse perfil?

Alcione – É, com crianças com dificuldades auditivas, associadas ao

intelectual, uma dificuldade intelectual e visual, uma dificuldade

intelectual e física... bem acentuada, né. E trabalho agora com a

inclusão, dessas crianças no ambiente escolar. No outro, é um

trabalho clínico, um trabalho onde eu atendo a criança, eu oriento a

professora que vem, e me respeita, e que me escuta, porque vem me

escutar, da mãe que vem pra me escutar, pra perceber que eu posso

contribuir, que me valoriza, né, que volta depois e fala: “Ah! Eu fiz

tudo o que você falou. Eu fiz isso e deu certo. Eu fiz isso e não deu

certo”. Que mais? Essas crianças com um grau... é... uma dificuldade

intelectual um pouco menor, mas elas são dificuldades físicas, às

vezes auditivas associadas ao físico, às vezes o intelectual associado

ao físico. Ficou claro? (ter/alc-02)

(...)

E – Pelo que eu tou entendendo, dentro desses 12 anos, nesse

trabalho da prefeitura, você fez várias coisas?

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101

Alcione – Hum-hum...

E – Você não quer me falar um pouco mais sobre isso?

Alcione – Eu comecei na unidade de terapia educacional, que é um

atendimento de reabilitação de pessoas com deficiências múltiplas, de

especialização, de integração, de valorização da das possibilidades

comunicativas, mesmo que pequenas, por exemplo. Um trabalho em

equipe, fiquei três anos, mais ou menos, nesse trabalho. As crianças

vem todo dia... é... e aí eram crianças e adolescentes, eram todo dia, e

duas vezes por semana participavam de um grupo e depois é... iam e

voltavam no outro dia. Depois, eu fui pra escola de deficiência

auditivo, eu atendia clínica – fazia o atendimento do, da criança

dentro da escola, social... chamava a mãe pra orientação... e às vezes

orientava o professor – quando o professor tinha alguma

disponibilidade. O professor autossuficiente eu não orientava não.

Um cara que sabe de tudo... não escuta, né? Então, fiquei... deixa eu

ver... uns cinco anos na escola de crianças surdas... é isso, né? Mais

ou menos... Então, foi um trabalho gostoso com as crianças, com as

mães, não tão bom com a escola, nem com a diretora, nem com a

coordenadora, nem com as professoras não foi tão bom. Tinha uma

coisa muito assim: “Eu sou dono desse, dessa criança. Eu sei o que é

melhor pra essa criança. Eu sei. Não preciso de ajuda”.

Alcione – (...) O meu trabalho principal, né?, o meu trabalho

principal com essas crianças e adolescente (...)

E – Hum...

Alcione – É observar a comunicação da criança e deixar essa

comunicação funcional. Fazer com que ela se comunique mais, que

ela coloque seus desejos, coloque suas vontades, que sela seja

escutada, que ela consiga fazer troca, que ela consigaaa... dentro das

condições que ela tem. Então, o trabalho de fono é... é viabilizar com

que... essa criança, que ela se torne mais comunicativa. Dentro das

condições dela. Né... então, eu preciso da mãe pra, primeiro, junto da

mãe, descobrir como essa criança se comunica. Quais são os meios

comunicativos dela. Quando ela... quais são as funções de linguagem

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102

que ela já faz. Por exemplo, se a criança já tem protesto, se ela pega

algum objeto, se a criança reclama, se ela faz algum comentário, se

ela nomeia, se ela estabelece uma conversação, um diálogo. Então,

ver com a mãe o que que a criança já faz. E depois, fazer com que a

criança ééé... aprimore, aperfeiçoe os meios comunicativos que ela já

tem. Então, se o meio verbal, eu vou aperfeiçoar o meio verbal, né.

Porque o principal é o meio verbal, né? Porque se a criança não tem

o meio verbal, mas tem um vocal, que ela vocaliza de diferentes

formas, a gente vai tentar deixar essa vocalização um pouco mais

suave. Se a comunicação é gestual, a gente vai tentar fazer com que

essa comunicação fique mais clara pro maior número de pessoas –

não adianta (ficar) só com a mãe e só com a fono.

E – Hum-hum... (ter/alc-06a)

Alcione – Né? Você tem que fazer com que essa comunicação que ela

tem, se... seja utilizada em outros ambientes, com outros

interlocutores. Por isso, é... a habilitação, né, de colocar essa criança

mais funcional na vida dela, né? Então, precisa da mãe pra isso. E aí,

o que eu digo pras mães, assim, que a criança... eu só me comunico

com quem... Assim, eu não sei, mas eu acho que as pessoas se

comunicam com quem elas gostam. Então, a criança precisa gostar de

mim. Pra ela querer se comunicar comigo. Só que a mãe... e aí, eu

preciso de muito tempo pra entender a criança – porque eu não

consigo entender a criança num dia só, não é? Preciso de um tempo

pra entender todas as formas de comunicação... e a mãe já tem isso. A

mãe já consegue entender a criança, a forma de comunicação dela.

Às vezes, a mãe não entende, mas se você sentar um pouquinho, fazer

uma análise, a mãe consegue. As mães que eu tenho experiência, elas,

elas conseguem entender claramente a forma de comunicação, os

meios, né, as funções de linguagem que a criança já faz... E aí, junto

com a mãe – esse é o meu trabalho –, a gente vai tentar deixar um

pouco mais funcional pras outras pessoas. Pra que a criança consiga

se expressar de uma forma mais clara. Essa é a minha visão dentro da

fono... na parte de linguagem, de comunicação. Né... então, a não ser

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em caso muitos específicos, pra passar um exercício pra mãe, mas pra

mã... pra criança fazer determinado fonema pra... é... é... refinamento,

né? Mas a mãe não pode entender que a fono é exercício de boca.

Professora não pode achar que fono é exercício de boca, é ficar

ouviiindo. (ter/alc-06b)

E – Existe isso? Há professores que pensam assim?

Alcione – Há professoras. Há supervisoras que pensam (...) de

educação, que pensam assim. (Tem) gestor que pensam assim, que

falam: “Ah! Então já que cê tá vindo aqui você vai lá na sala, e vai

ensinar a professora a fazer exercício com a boca”. Isso é

refinamento. A fono é... o meu trabalho maior com essas crianças (...)

com deficiência é possibilitar a comunicação. Não só melhorar a

comunicação com a mãe, mas, principalmente, o convívio. Deixar

mais clara essa comunicação. Se é preciso, figuras, se é preciso,

livrinhos, com, com... a forma de comunicação pra outra pessoa

entender. Se for preciso... né... é... escrita. Se for preciso, uma

prancha de comunicação. Se for preciso, Língua de Sinais. Se for

preciso, alfabeto. Eu preciso, computador. Eu preciso, acionador –

que a criança aperta e sai a voz. (ter/alc-06c)

E – Como que é o seu trabalho atual? (...)? Essa relação (...)? Com os

alunos e com os professores?

Alcione – Bom, agora mudou muito, né? Eu ainda to tentando...

entender qual é o meu papel, né? Por exemplo, uma crian... uma... a

diretora: “Ai, eu quero que... Ai! Que bom que você veio! Porque eu

tenho uma, uma inclusão: uma síndrome de down, de três anos, que

beija na boca da outra menininha”. Aí eu falei: “E?”. “E que a

síndrome de down tá beijando na boca!!”. Eu falei: “E?”. Aí, ela:

“Não! Eu quero (...). (...) pra me ajudar! Porque a gente tá com um

problema. A escola tá desesperada!”. Eu falei: “Quando uma criança

na sala de aula beija outra, o que a professora faz?”. “A gente dá

bronca!”. “E aí, porque a senhora não dá bronca nessa...?” “Porque

ela tem síndrome de down!”. Eu ainda to aprendendo. Eu to, eu to

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aprendendo. Eu to entendendo minha realidade inacreditável, sabe?

Inacreditável. Umas coisas assim de, de, de... da inclusão de crianças,

de, de preparo de professor, de diretor. Eu to só, por enquanto,

observando. Eu não tenho um trabalho ainda (...), nada. Só tentando

entender.

(ter/alc-13)

Alcione – Hã... Hoje, eu não trabalho com surdo ou com deficiente

físico, eu trabalho com qualquer criança que tenha dificuldade de

linguagem: com autista... qualquer criança! Que tenha dificuldade de

uma linguagem ou na instrumentalização, né? Que isso fique bem

claro... Assim, isso fica bem claro pra mim e pras mães e pra quem tá

pré... perto. Que realmente é meu objetivo, qual é o meu objetivo,

onde eu quero chegar... e aí, eu dou alta sem grandes, sem... assim:

“Ó! Nesse momento... vai viver sua vida! Vai (...) Agora tá difícil de

novo? Então, vamos ver o que que tá acontecendo. Vamos fazer outra

terapia aqui. Agora tá boa? Vai, vai embora!”. Né? Não é um (...)

de... pra vida inteira. Né? Não é isso.

Alcione, que já de início faz uma divisão entre o trabalho em que é respeitada e

escutada e o trabalho em que não se sente assim, parece assumir um lugar de conflito em

relação ao trabalho do qual ela está cansada, embora esteja lá há doze anos. Seu dito enfatiza a

estabilidade que teria, enquanto no outro, embora respeitada, seu vínculo é de outro tipo,

contratual. Alcione produz um interessante efeito de desconhecimento com relação a isso, na

medida em que, ao fazer mais uma divisão, qual seja entre o cargo de chefia e a atividade

clínica. Se não é seu cargo que a faz sentir-se respeitada e escutada, será seu conhecimento

técnico. Dessa forma, quanto ao trabalho em que não é escutada e em que poderia ser mais

incisiva, parece-nos lícito supor que é justo em relação ao conhecimento técnico que ela não

se sente escutada e respeitada. Resta saber se, ao dizer-se cansada em relação ao trabalho na

prefeitura, no qual poderia ser mais incisiva, já teria sido incisiva anteriormente. A

entrevistada também usa verbos que denotam sua percepção quanto a ser valorizada

profissionalmente. Fala de uma clientela que precisa do seu trabalho fazer aquisições

importantes, quanto à linguagem. E não é essa a clientela – mães e crianças com deficiência,

clientes da instituição escolar e da instituição de reabilitação em que Alcione atua – que deixa

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de respeitá-la. Isso é tranquilo, ela diz. O conflito parece estar entre o que lhe demanda a

instituição escolar e o trabalho que Alcione pode e deseja desenvolver.

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EDUCADORES: BERENICE

E – Eu gostaria de começar pedindo pra que você me conte um pouco

do seu percurso profissional, no geral, e como é que você veio a

trabalhar na famosa educação especial e agora educação inclusiva.

Bereince – Deixa eu lembrar, fazer um resgate histórico, né, como eu

falei agora há pouco, né. Eu fiz faculdade de Pedagogia, né, em... 91

concluí o curso; daí eu entrei na Educação como estagiária deee, do

Estado, né. Na época tinha um estágio remunerado, inclusive; foi

quando eu entrei, em 91, fiquei numa escola estadual quatro anos;

depois de terminado o estágio, eu fiquei lá mesmo, com o trabalho

que eu tava desenvolvendo, mas... nada assim, na época, na ocasião,

ééé... tinha de Educação Especial. Naquela época né, num se falava

muito, eu diria. No Estado, pior, né. E... fiquei lá um bom tempo –

quatro anos – e depois ingressei na EJA10 e fiquei no Estado, de

primeira a quarta, e na EJA, também, por alguns anos, né. Ahn.... na

EJA, também, em termos de Educação Especial, alunos com

deficiência, ou famílias, não lembro de experiências assim... Em 96

teve um concurso público, quando eu me efetivei como pedagoga, né,

na... Prefeitura Municipal, e tive que optar inclusive en, entre

permanecer na EJA, ou, né, vir pro... pro cargo, e mesmo conciliar

com o Estado, onde ... abri mão do Estado e fiquei, então, na

Prefeitura, como pedagoga... Quando eu cheguei no primeiro dia – eu

lembro – na Escola Especial, né: “Você vai pra... o seu cargo é esse”

e esse cargo, ééé... ficou, se reporta na Escola Especial, né, na Escola

Especial. Eu cheguei lá: “Como, Escola Especial?” né... “Não, você

não precisa ter especialização, aqui...”, né..., “Você não vai trabalhar

na escola, você vai trabalhar no setor” – na época, centro de

avaliação e terapia – e aí eu fiquei preocupada, porque eu falei:

“Não tenho experiência com Educação Especial; não tive alunos

assim!”, né, a formação é muito generalista, né, não aborda... e nem

trata da temática como deveria, minimamente, pelo menos não é do

10 Educação de Jovens e Adultos.

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currículo de 91, da Pedagogia. Acho que, atualmente, tá mudando e

precisa mudar, né, porque senão... vai ser sempre o discurso de que

não foi preparado pra isso; então, a grade curricular, eu penso que

hoje já está em transformação e precisa mudar pra abranger cada vez

mais este aspecto, né, que faz parte da educação. Ainda tá como

Especial porque não tá... não é o todo da Educação, né?

E...e? [dirigindo-se à entrevistadora que acena, dizendo para ela

prosseguir] E aí eu comecei, então, no centro de avaliação e terapia

sem experiência, apontando isso, preocupada, né.... E li muitos livros,

fui construindo, aí, uma experiência de um atendimento

individualizado lá, depois com pequenos grupos de crianças, né, cujo

objetivo era a estimulação pedagógica, pra ajudá-los, mas... O que se

vislumbrava é que eles seriam inseridos na escola especial, não na

rede regular, né... E não tinha essa visão de inclusão que a gente tem

hoje. Então, o objetivo do trabalho é esse: trabalhar com as questões

de linguagem, de estímulos pedagógicos, com... o brincar, né, com as

possibilidades pra que a pessoa se desenvolvesse ao máximo, dentro

das suas potencialidades, dentro das suas características, e por aí

afora. Então, foi uma experiência inicial muito desafiadora, né, no...

ééé, começo... amedrontadora, porque é um desafio, diante do, do

novo. Então você desconhece, eu diria que sem muito...ahn... sem

muita ajuda, né. Na época das pessoas que estavam ali no Setor, no

sentido de orientação, de instruções mais específicas, haja vista que

sabiam da minha inexperiência, então, né... aos pouquinhos foi... fui

aprendendo... Com as famílias, com as crianças, né, com os livros,

com os colegas de trabalho, também, que aos pouquinhos também

foram se abrindo, porque foi uma situação meio... por um lado

desagradável, porque as duas pessoas que estavam eram contratadas,

então elas saíram, então ficou tido como: “ó, você tá vindo tomar o

meu lugar”, né, e elas tavam alguns dias acabando o contrato ainda,

pra depois sair; então... tivemos essa convivência, que procurei fazê-

la da melhor forma possível – cada um tem o seu espaço, né, , mas...

é... inicialmente, isso foi chato, também. E, daí... assim, a

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trajetória...até chegar na Educação Especial foi essa. Depois disso,

né, fazem 12 anos, foi em 96, tá com 12 anos também, a gente falou de

12 anos, de pronto eu lembrei...de 96... é... estou trabalhando então,

atualmente, né, novamente, né...num setor que foi passando por uma

reformulação, por uma transição, e hoje tá com uma perspectiva

muito diferente da terapêutica, do clínico, do enfoque que era em 96,

né, com propostas de.... assessoria e de apoio e do atendimento

educacional especializado, é... né... com vistas à inclusão do aluno e à

efetiva aprendizagem e participação desse aluno, pra constituí-lo

como um sujeito... como um cidadão, é... aproveitando o máximo das

suas potencialidades... Enfim, um pouquinho... é isto... Não sei se eu...

(edu/ber-01b)

Berenice fala de um trabalho que não foi escolhido por ela própria. Fala de uma

determinação a ser cumprida... e que ela cumpriu. Enfatiza o não saber inicial e a sua busca

por estudar e aprender. Nomeia a experiência como desafiadora, amedrontadora. E indica a

maneira como enfrentou o desafio e o medo: aos pouquinhos. Aprendendo no convívio.

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EDUCADORAS: BIBIANA

E – Bibiana, me fala do teu trabalho?

Bibiana – E... eu... Faz doze anos que eu tô na rede municipal,a...

fazem quatro anos que eu tô como coordenadora da escola de

crianças surdas, e, tá sendo assim, esse, no final do ano passado e

esse ano tá sendo bem difícil trabalhar nessa rede. Porque eles

queriam fechar a escola, então, é contra, não é contra, eu não

concordo como eles querem fazer a inclusão. Eu sei que a inclusão é

feita, ela pode ser feita e muito bem feita, mas do jeito que a rede tá

querendo fazer eu não concordo,né. Incluir e acabou e ponto. E não

ter um atendimento educacional especializado do porte que nós temos

lá na escola. Então eles querem acabar com tudo, queriam fechar a

escola pra abrir uma creche no lugar daquela escola, e fazer o

atendimento só como AEE, e mais nada. Só com duas horas por

semana pro aluno, e a gente tem uma procura muito grande, então

isso me deixou assim, bem arrasada na área profissional, é bem

chateada. Então foi um pega, isso daí.

E – E o teu trabalho no geral, ele consiste em quê?

Bibiana – No geral ele consiste assim, a gente tá trabalhando em

grupo com os professores...

E – Há doze anos que você trabalha né?

Bibiana – É, há doze anos. Faz dez anos que eu tô na educação

especial né mesmo, mas assim, consiste em tá orientando os pais, os

professores, discutindo o bem-estar do aluno,né, como que ele anda, a

parte pedagógica do aluno, cobrando os professores a parte

pedagógica deles, planejamento, como que eles tão trabalhando com

cada aluno. Tem alguns alunos que tem que ser trabalhados

individualmente, um pouco diferente dos outros, então tudo isso tem

que tá vendo e sabendo como que tá sendo trabalhado.

E – Você, antes de estar nessa função de coordenação, como era o

seu trabalho?

Bibiana – Eu trabalhava com, eu sempre peguei a turma de jardim,

que é a turma de cinco, quatro pra cinco anos.

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E – Todos surdos?

Bibiana – Todos surdos. Então era super gostoso, porque era a minha

salinha, eram meus alunos, oito ou dez alunos, que tinha no máximo.

E eu trabalhava com eles, eu ensinava e via o crescimento de cada

um, eu via como eles entravam no começo, depois eu via no meio do

ano e no final do ano eu tinha um resultado assim bem grande do

conhecimento que tinham aprendido ali, a parte de coordenação

motora, a parte de conhecimentos gerais, de LIBRAS, tudo.

E – É, então me conta um pouco mais sobre isso. Você tá falando de

coordenação motora, LIBRAS, você não gostaria de detalhar um

pouco mais?

Bibiana – Ééé... na parte de...

E – Até porque essa era a parte que você gostava mais né?

Bibiana – É. Era. Eu tinha meus sete alunos que tinha problema de...

eram p.c., então esses p.c. tinham problema muito grave de

coordenação motora, então uns, eu tinha um aluno em si que ele era

pc do lado direito, ele nasceu, mas ele ainda não tinha associado o

braço esquerdo pra ser usado pra escrita. Então esse foi uma, um

trabalho bem grande com ele porque eu tive que ensinar ele que ele

tinha um lado que funcionava.( Ela não faz o trabalho para que ele

perceba. Toda a relação com o aluno parece passar, primeiro, pelo

corpo dela)

E – O lado direito, ele não... tinha coordenação?

Bibiana – O lado direito não funcionava, ele não tinha coordenação.

Então falava pra ele: “Esse lado...” ele falava pra mim que não

funcionava. Então, eu falei “Tudo bem, esse você apóia na mesa”,

que tinha que por o braço em cima da mesa, que ele tinha uma mão

perfeita (Introduz uma leitura do corpo como sendo um corpo perfeito

e que funciona. E, se não é assim percebido, como e o que funciona ou

não funciona, pode-se ensinar isso. A ausência dessa percepção tb

comparece associada ao não saber de si). Então eu tinha que ensinar

ele que ele tinha uma mão perfeita, que ele poderia escrever e

desenhar. E ele não tinha nenhuma coordenação motora com esse

lado esquerdo. (edu/bib-02a)

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E – E como é que você fez isso?

Bibiana – Aí eu tive que correr atrás da psicóloga da escola, da t.o.,

ele teve que, da fisioterapeuta e da t.o. pra pegar algumas orientações

pra ver se eu estava trabalhando no caminho certo pra não

atrapalhar a parte psicológica do aluno né. Pra ele não sentir assim

“ué, eu tenho, eu não tenho, eu sou destro ou eu sou canhoto”, e nem

isso ele não sabia quem ele era. E nem, ele também não tinha noção

nem de quem ele era. O esquema corporal dele ele não desenhava

direito. Então eu tive que ensinar pra ele todo esquema corporal, mas

aí não fui eu, foi a psicóloga, a professora de educação física, a t.o.,

aí nós trabalhamos as quatro juntas, e com a orientação da t.o. eu

conseguimos mostrar pra ele que ele tinha o braço esquerdo que

funcionava perfeitamente. E que o direito, que ele não tinha

coordenação motora pra, ele podia usar como um apoio pra pegar

uma folha, pra pegar um caderno, pra segurar alguma coisa que ele

poderia usar esse braço pra segurar, e não deixar largado. Ele

deixava literalmente largado o braço, como se não existisse aquele

braço (Faz o gesto com o próprio braço). (edu/bib-02b)

E – E como foi isso pra ele?

Bibiana – Foi gostoso. Quando ele aprendeu a... a gente percebe pelo

desenho dele, quando ele aprendeu ele via que ele tinha dois braços.

Punha no desenho (Mostra falando que a criança tem uma percepção

de si) dois braços na mesma posição. A gente descobriu que ele já

tinha ligado que ele tinha dois braços, um que não funcionava e outro

que funcionava (Verbo funcionar para o braço largado e o garoto liga).

Mas ele tem até hoje, ele ficou com problema de coordenação motora.

Ainda a letra dele ainda não é perfeita, mas ele já escreve, ele usa

bem a mão direita e esse braço, é, a mão esquerda, e o braço direito

ele já não deixa mais largado.

E – E considerando que ele é surdo, como é que ele, ele se... como é

que vocês trabalharam a questão dele se relacionar com a língua de

sinais?

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Bibiana – No, no começo foi difícil, porque ele, no início a

coordenação motora dele era difícil, porque ele não conseguia fazer

sinal com a mão, ele olhava para aquela mão e não conseguia é, fazer

os sinais com aquela única mão. Aí, eu, a gente teve que ensinar ele

que ele podia usar a outra como apoio, porque a outra levantava, não

abria os dedos mas então ele conseguia fazer o sinal usando mais

uma mão.

E – A-ham! Então, ele sinaliza como os outros.

Bibiana – Como os outros, normal.

E - Ele ainda é seu aluno?

Bibiana – Não. Agora ele já tá na quarta série e... mas ele vai lá pra

fazer o atendimento no contra turno lá na escola, então eu ainda

tenho esse acompanhamento dele ainda por esse atendimento.

E – Você sempre trabalhou no mesmo lugar?

Bibiana – Sim. Faz dez anos que eu trabalho na mesma escola, com a

mesma turma.

E – Então o que você aprendeu na faculdade com relação à

deficiência auditiva é o que você desenvolveu nesse lugar em que você

trabalha?

Bibiana – Nem tudo, porque na faculdade não ensina tudo não. Eu saí

da faculdade achando que eu sabia trabalhar com surdos e quando eu

peguei um surdo mesmo eu não soube trabalhar com ele. Essa equipe

dessa escola, que tinha professores mais antigos e que já trabalhava

há muitos anos foi me ensinando como trabalhar com surdos. Eu

tinha muita parte teórica que a faculdade ensina, mas na hora da

prática não batia. Então eu tive que me socorrer com esses

professores que trabalhavam já há muito tempo, cursos, eu fui

fazendo curso de LIBRAS, é, congressos, eu fui participando. Aí eu fui

aprendendo como trabalhar com essas crianças. (edu/bib-06a)

E – E como é esse trabalho? Esse trabalho que você aprendeu?

Bibiana – É gostoso, porque cada vez que eu aprendia uma coisa

nova: “Olha, você trabalha, com o surdo você aprende no visual”,

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então como é que é, “Ah, mas como eu vou trabalhar com o visual?”,

então é você adaptar o material que vem na..., que você tem no dia a

dia, os teus alunos normais, escola de rede normal. Você pegar

aquele material, um texto, transformar ele, estudar ele, ver como você

vai poder interpretar esse texto na língua de sinais, você vai dar uma

interpretação como uma outra língua, você preparar esse texto em

sinais, que vai da outra... que vai... que é uma interpretação como

uma outra língua, você preparar esse texto em sinais, explicar pra

esse aluno, ensinar o vocabulário, as palavras novas que ele tá

conhecendo, em sinais, através de figuras, pra ele poder associar a

figura com o sinal pra depois com a escrita, é muito gostoso. Quando

você vê que ele consegue fazer essas três etapas. Ele tem o sinal,

depois ele tem a figura, e depois tem a palavra. Então, e essa palavra

depois ele pode por, ele vai reconhecendo em outro texto, em outro

lugar. Então isso aí é muito gostoso fazer com eles. Mas é difícil, não

é tão fácil como ensinar um ouvinte. Que o ouvinte você dá a palavra

e dá a figura, e fala “Isso aqui é uma casa”, e a palavra casa, e aqui

é o desenho da casa. Então você viu o desenho da casa, viu o desenho

da escrita, ela decorou e já sabe o que é. O surdo não, ela tem que ver

o desenho, ela tem que digitar a palavra pra ele e você tem que falar,

mostrar o sinal da casa pra ele pra ele compreender que aquilo lá é

uma casa, e poder saber que é uma casa. (edu/bib-06b)

E – Você fala digitar, é...

Bibiana – È, alfabeto manual.

E – E sinal também faz parte da...

Bibiana – [simultâneo] Faz parte da Língua Brasileira de Sinais

E – ... língua?

E – Tá. Então você tá dizendo que é mais complexo?

Bibiana – É mais, bem mais complexo.

E – Mas é mais gostoso...

Bibiana – É mais gostoso. Eu acho.

E – Então você gosta do seu trabalho...

Bibiana – Eu gosto.

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E – ... como professora?

E – E como coordenadora?

Bibiana – Também.

E – Você tem enfrentado algumas dificuldades...

Bibiana – Tenho muitas dificuldades, mas por um lado também tá

sendo gostoso. Por um lado é ruim, é lógico que tem horas que afeta o

seu pessoal, aí eu tenho que dar uma parada, ou eu vou embora pra

casa ou eu falto no outro dia pra eu poder separar o pessoal do

profissional, pra que eu não fique com bronca dos outros que tão me

azucrinando naquele momento. Né, mas aí eu dou uma pausa, respiro

e continuo com meu trabalho, porque essa é a minha carreira, essa é

a minha profissão, que eu escolhi. Então eu tenho que separar o

profissional do lado pessoal. E também não guardar mágoa das

pessoas que tão me ofendendo, no lado pessoal. E nem prejudicar o

lado profissional. Então eu tenho que ter esse jogo bem, eu tenho que

ter esse esquema bem separado pra não ter nada de, de mágoa, de

bronca, “eu não vou falar com aquele profissional porque eu tô com

bronca dele”, se eu tenho que passar uma ordem, passar algum

recado, que ele precisa de alguma coisa, eu tenho que tá numa boa

com ele, então tem que separar a hora do confronto pra depois na

hora tem que, dali dez, quinze minutos eu vou ter que ir lá e falar

alguma coisa, pedir alguma coisa e não tenho que levar isso pro

outro lado

Bibiana começa falando do tempo em que trabalha na rede de ensino e, em seguida,

das dificuldades, associadas à inclusão, situação recente. Explicita a existência de um eles (a

Secretaria) e um eu (ou nós), os quais opõe. Quando Bibiana menciona o atendimento

educacional especializado por sua sigla, AEE, parece dar por certo o conhecimento da

entrevistadora a respeito disso. Esse fato, por sua vez, marca e é marcado por um modo de

relação entre as duas que supõe um conhecimento compartilhado. Chama a atenção Bibiana se

valer de forma tão frequente, em sua fala, à locução verbal tem que ... Mais eloquente é,

entretanto, seu modo de se colocar na cena com o aluno com uma paralisia no braço. Ao

ensiná-lo, diz que tinha que ensiná-lo sobre o que acontecia no corpo dele. E era assim que

tinha que ensinar que ele tinha uma mão perfeita. E, mais, era necessário ensiná-lo quem ele

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era, coisa que a criança também não sabia. Logo na sequência, ao ser perguntada sobre como

teria sido o processo para o aluno, ela o qualifica (o processo) de gostoso. Todos esses

elementos, somados ao fato de que, enquanto contava a situação, a entrevistada movimentava

o seu próprio braço como se fosse o da criança, sugerem que o aspecto prazeroso encontrado

na tarefa de ensinar a alguém tantas coisas vitais pode também ser relativo a si própria, ao

retorno do trabalho que fez...

Bibiana constrói uma cena discursiva de separação/ligação de lados opostos, tanto em

relação à criança que menciona, como um trabalho que desenvolveu e ainda acompanha,

quanto em relação à atual função que desempenha, de coordenadora. Ela se representa como

quem promove a ligação entre lados opostos, funcionais ou não, mas que podem trabalhar

melhor, se associados. Também ressalta ser capaz de entender melhor quem, no passado, lhe

dava ordens. E atribui a pressão e aos nãos à Secretaria, instância teoricamente impessoal, de

quem proviriam as determinações que desagradam e com as quais ela não concorda, como já

havia anunciado, no início de sua fala.

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EDUCADORES: CASSANDRA

E – ... eu gostaria que você me falasse livremente sobre o seu trabalho

com pessoas com deficiência, e fique à vontade pra isso.

Eventualmente, se precisar, eu posso fazer alguma pergunta.

Cassandra – Eu trabalho com educação especial já há vinte e cinco

anos, e todo o processo, éee, que a gente tem de, de inclusão, a

princípio era a classe especial ne, a escola especial, a classe especial,

e o, o processo que a gente chamava de integração, que hoje tem até

um, É hoje é um conceito diferenciado. Mas na época a gente

chamava de integração, porque a gente preparava o aluno para a a

inclusão. E Hoje a gente já tem a inclusão direto né. Ann, Atualmente

eu trabalho no muni... Na, na rede, ele ta tendo inclusão direta, as

crianças de creche, pras EMEI e pros, e depois pro, pras EMEF, num

processo de inclusão via direta), com os atendimentos especializados.

Tem alguns benefícios, algumas crianças são extremamente

beneficiadas, e outras crianças que tem mais dificuldades,

dificuldades maiores estão com, tendo mais problemas, porque eles

não conseguem alfabetizar. Quem alfabetiza? É o professor da classe

ou o professor especializado? Então, essas crianças que não

conseguem são conseqüência, é o ponto negativo que eu to vendo

atualmente no meu trabalho. Do resto é assim, éee, há muitas, muitas

coisas boas, alunos que já estão em faculdade, os alunos que tiveram,

alunos que foram bem sucedidos, casados e com filhos, bem sucedidos

profissionalmente. Eee, acredito que essa, esse processo atual, que a

gente vai ter que, essa retorno que vai ter daqui uns cinco, dez anos, a

gente vai poder avaliar como que foi o processo. Mas o processo

inicial, de há vinte, vinte e cinco anos atrás, eu acredito que foi bem

mais, suce... bem sucedido. Porque havia um trabalho mais com

família, hoje eu vejo a educação muito mais problemática, muito mais

difícil. De uma forma geral, a educação, éee, isso em geral, até

porque as nossas vidas como pessoa, é... a gente não ... Então aí, fica

muito mais, éee, nas mãos dos educadores, e aí vem as cobranças.

Então (há menos) cooperação da família, (2:35) educação especial,

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você cobra, cobra a família, por assim, um simples exame

oftalmológico, exame de rotina que não acontece. Éee, de você ta

solicitando, de você ta exigindo, ao mesmo tempo, não adianta. Ficou

parecendo que então.

E – ... então você podia falar um pouco mais desses dois trabalhos

que você fala? Porque você falou mais do teu trabalho como

professora de sala no Estado.

Cassandra – Essa profissão é que é meu trabalho, no Estado e na

Prefeitura, a Prefeitura também já está terminando com as especiais.

Os alunos estão SENDO [3:53] PRA inclusão, tem poucas classes

especiais, tô segurando com, com os dentes alguns alunos que você

sabe que não tem condições, Alex, Joana, você não chegou a

conhecer? é, ou você conheceu? Mauro? Né. Esse ainda, Valter, então

esses ainda Tão tentando manter na classe especial. Os demais já

estão todos de inclusão. Capitu, eu tô aceitando porque a Capitu não

tem condições, era pra ela ter ido pra uma quinta série esse ano.

Quem vai pra inclusão esse ano que eu briguei muito pra não ir, que

vão, pra não ir pra quinta série, são a Emília e o Marilson, diabético

lembra, eu acho extremamente imaturos, eles vão sofrer, eles vão

sofrer MUITO, apesar de serem LEVES [4:36]. Mas a professora

achou que, que eles não passaram pelo processo de inclusão. Eles

tavam na Classe especial, é outra coisa que eu tenho brigado, sai da

classe especial, vai um ano pelo menos pra qua... pra quarta série de

inclusão. Pra vivenciar essa coisa de, DE regras, de tá numa sala

grande, de tá com professor que vai tá passando, porque eles tem

intérprete, na, na Prefeitura agora eles, a assessoria externa A

contratou intérprete... (edu/cas-06)

E – Me fala um pouco mais do seu trabalho...

Cassandra – Então, meu trabalho é isso. Eu cuido mais da parte

pedagógica né, da, da, do apoio realmente pedagógico do aluno no

processo de inclusão, é, aaa, nas dificuldades específicas, nas

dificuldades específicas que ele tem, pedagógicas. Éee, na Prefeitura

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a gente tava fazendo esse trabalho, ahn, específico, é, no contraturno

e não tínhamos ooo contato com o professor de, de sala comum.

ANN, No Estado eu tenho contato maior e já, e, e sei as dificuldades

até disciplinares, né, então [15:00]. é muito legal isso, porque se você

tem contato com uma, uma pessoa que tá com eles em sala de

inclusão, FORA DE [15:10] sala de inclusão, eu consigo chegar mais

perto e a questão da confiança. A questão da confiança mesmo. Ann,

a, Nós tivemos problemas sérios de disciplina, e um dos alunos do ano

passado, esse ano foi, se encontrava na Fundação CASA. E isso foi

muito bom porque deu pra fazer um trabalho com os outros colegas.

Porque ele estava lá? O Valter, que era filho adotivo, que os pais são

intérpretes, que deu problema na , na escola Z,, com a Lídia, deu

problema na escola X com, NÃO LEMBRO DE COR QUEM TÁ

LÁ,[15:55] EU NÃO SEI COM QUEM ELE DEU PROBLEMA

TAMBÉM, e tal e os pais são intérpretes e adotaram dois surdos. E o

ano passado ele tava, no retrasado, não, no ano retrasado ele tava na

classe especial, e desa...

[interrupção no gravador] (edu/cas-11)

Cassandra – eu acho que o nosso trabalho na educação especial

envolve muito mais o lado profissional, porque você acaba se

envolvendo, [00:05] você a acaba se envolvendo, E aí dá pra fazer as

interferencias com os alunos. E foi muito, é produtivo esse lado,

porque, a questão da confiança, e deu pra, pra, questão de orientar

mesmo, né. É, eu tenho um, um aluno, o Gilson, lembra do ZONIBUS

[0:25], enorme, grandão, que eu, é o meu bebê? Eu tenho dois bebês,

o Webster – Webster, lembra? carequinha? Tá enorme, gigante; e o

Gilson também tá gigante. E o Gilson, éee, eu acho, até pedi pra

família encaminhar, que ele tem todas as características de autismo.

Aquela fissura por ônibus, aquelas, umas coisas, ele sabe todas as

linha de ônibus, mas ele é, É um autista mais leve, ele tem a questão

da comunicação e ele me respeita muito. Que que ele andou fa...

chegou lá na, na, na inclusão, porque ele não passou pelo processo de

inclusão na, no ensino fundamental I, quando ele chegou no

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fundamental II no processo de inclusão, ele começou a ver as coisas

negativas pra fazer. Por exemplo, Um exemplo muito claro, passar a

mão nas meninas. Que Ele viu os meninos fazendo isso e começou a

fazer também. Então, éee, é como experiências boas, eles cresceram,

deu pra interferir, né, o que é certo, o que é errado, então esse

processo da, da inclusão que eu falo, é extremamente importante por

isso. Ele não tem parâmetro de certo e de errado, sem contar que o

limite, a comunicação é muito restrita. A família não sente [1:50]

nada, a família não sabe como conversar, não consegue conversar.

(edu/cas-12)

E – ok. Você gostaria de contar mais alguma coisa?

Cassandra – Éee, eu acho que a gente, (9:23), na profissão né, que eu

abracei, éee, como eu acabei de falar, cada dia é um dia diferente, e

isso é muito gratificante, porque a gente cresce muito, a gente não

deixa, não, nunca tá, é, estagnado. Não só pedagogicamente falando,

porque você tem que estar sempre atualizada em termos de cultura,

mas em termos de cultura e é uma coisa que eu não quero deixar de

trabalhar, educação especial eu quero continuar fazendo até enquanto

eu tiver condições. Porque é bem desgastante.

E – muito desgastante.

Cassandra – mas vale a pena. (edu/cas-16)

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TERAPEUTAS: CIBELE

E – Eu gostaria que você me falasse sobre seu trabalho...

Cibele – Meu trabalho...

E – Com pessoas com deficiência.

Cibele – Então, eu já fiz muitos tipos de trabalhos nessa área né. Eu

trabalho com deficiência há cerca de, uns dezessete, vinte anos, então

eu já trabalhei muito com psicodiagnóstico né, dentro de uma escola

especial fazendo psicodiagnóstico pra encaminhamento, pra ver se a

criança tinha realmente, naquele tempo, se a criança tinha o perfil

pra escola e não se a escola tinha o perfil pra criança. Fui pro centro

de avaliação e terapia, fiz trabalho com grupos de pais, é, fiz

trabalhos com, é, também de avaliação de psicodiagnóstico, também

fiz trabalhos em estimulação precoce. Tudo isso, não sei se você

lembra, é óbvio que você lembra...

E - Uma parte.

Cibele – É, tudo dentro da Secretaria da Educação. Há cerca de dois,

três anos mais ou menos, a Secretaria tem modificado um pouco a

linha de trabalho. Ela achou, com toda razão, que o trabalho que a

gente desenvolvia, era um trabalho meramente clínico e quem tinha

que desenvolver esse tipo de trabalho seria a Secretaria da Saúde né,

então o trabalho que existia em termos de atendimento, em

estimulação precoce, que era bem na linha clínica mesmo, então esse

tipo de trabalho acabou, não existe mais né. Então hoje, o que

aconteceu, como foi extinto o centro de avaliação e terapia, a antiga

(unidade de terapia educacional), que trabalhava, que desenvolvia um

trabalho com crianças, entre aspas, consideradas deficientes mentais,

naquele tempo profundos né, eram deficientes graves que hoje a gente

sabe que através de pranchas de comunicação alternativa, hoje a

gente sabe que essas crianças são assim, limítrofes. A gente tem caso

até de criança que foi alfabetizada numa escola comum, aqui na

escola L, na, através é, bom, quem desenvolveu esse trabalho foi a

Mirtes. Depois numa outra hora eu te fale sobre isso, porque acho

que talvez agora não seja importante. O que aconteceu, quando esse

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trabalho foi extinto pela secretaria, o pessoal que era da (unidade de

terapia educacional), o pessoal que era do centro de avaliação e

terapia, uma parte do pessoal que trabalhava na escola de educação

especial, no escola de educação especial e na escola de crianças

surdas, né, veio assim, houve a unificação desse grupo todo pra gente

desenvolver um trabalho agora na linha de educação inclusiva. Por

que? A escola, eu acho que você esteja sabendo, a escola especial

hoje, ela só existe porque existem cerca de duzentos, trezentos alunos

que não tem pra onde ser encaminhados com essa nova legislação da

educação inclusiva. Porque todas as crianças, elas tem que estar hoje

sendo atendidas pela rede regular de ensino. As crianças que a gente

conseguiu encaminhar de dois anos pra cá, né, que passaram pelo

centro de avaliação e terapia, que passaram pela (unidade de terapia

educacional), que estavam na escola, é, na escola de educação

especial, essas crianças então hoje estão todas nas escolas da rede de

ensino regular. As que a gente não conseguiu enquadrar, que são, que

não puderam nem ser enquadradas de primeira a quarta série, e nem

pro EJA, e como não existia uma opção de encaminhamento pra essas

crianças, então elas continuam sendo atendidas na escola especial,

somente essas crianças. São, se não me engano, adolescentes de

quatorze a dezesseis anos, por esse motivo. Eles estão aguardando

que seja realizado um trabalho, a Prefeitura está querendo fazer

parcerias entre as secretarias. A Educação tem que fazer o trabalho

dela pra educação, a saúde tem que fazer a parte dela voltada né, na

área em que ela se propõe a fazer. A mesma coisa acontecendo com a

Promoção Social e outras secretarias. Então eles estão aguardando

que a Promoção Social é, realize algum projeto no sentido de atender

essa população. Mesmo porque esses adolescentes já passaram pela,

por todo esse processo né, de escolarização da escola especial. Eles

já terminaram esse processo né. Enfim, é, como eu já havia dito

anteriormente, esse grupo né, que era desses quatro locais que eu já

citei, centro de avaliação e terapia, (unidade de terapia educacional),

escola de educação especial e, como é o nome da escola de crianças

surdas mesmo, que me deu um branco Ligia, que você trabalhou lá?

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E - [fala o nome da escola]

Cibele - Sim, então hoje a gente trabalha dessa maneira, dentro da

Secretaria da Educação. Ao todo somos duas equipes, uma no período

da manhã e outra no período da tarde. Tanto no período da manhã

como no período da tarde existem seis equipes. Cada equipe conta

com, mais ou menos, algumas equipes não estão completas, outras

tem dois técnicos da mesma área, mas no geral elas estão

estruturadas dessa maneira: seis equipes por período né, em cada

equipe a gente tem uma assistente social, um psicólogo, um TO ou

fisio, e um fonoaudiólogo. Essa, esses grupos a gente tá dividido por

região no município, então cada grupo desse recebe uma quantidade

de escola pra dar assessoria. Em todos os aspectos, principalmente

pras crianças que estão em processo de, que entrar nesse processo de

inclusão né. Então a gente faz visita regular, eu tenho assim, cada

grupo tem cerca de vinte, vinte e cinco escolas pra assessorar. São

mais de uma centena de escolas que o município tem. Então a gente

realiza visitas pra essas escolas, faz um levantamento daquilo que as

escolas solicitam, daquilo que a gente percebe que as escolas têm

necessidade, de serem assim, orientadas. Às vezes a gente leva

algumas coisas que a gente percebe que tá faltando pra escola poder

melhorar o desenvolvimento do trabalho com as crianças né. E a

gente realiza esse tipo de trabalho, tanto com gestor, eu gosto muito,

e algumas pessoas tem um pouco de resistência. Eu gosto muito de

trabalhar com a escola toda, porque eu acho que todo aluno, é, é

responsabilidade de toda a escola, de cada funcionário da escola.

Tem gente que não gosta de trabalhar com merendeira, trabalhar com

administrativo. Então quando tem uma criança, eu gosto de fazer um

trabalho com, com todos os profissionais, orientando sobre o assunto,

esclarecendo dúvidas, explicando como eles podem tá auxiliando no

desenvolvimento do trabalho com essas crianças e assim a gente tem,

em alguns casos a gente tem visto assim, algumas, tem visto algumas

coisas muito bacanas em relação ao desenvolvimento dessas crianças.

Como tá sendo positivo. Assim, é, essa inclusão, eu não gosto dessa

palavra mas me foge alguma outra nesse momento. A inclusão dessas

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crianças na escola, a importância delas tarem convivendo com

crianças da idade delas, independente do que cada uma pode fazer né

e como isso tem sido muito bacana. Tem mães que eram

completamente contra a inclusão dos filhos e que hoje elas são

completamente a favor. É óbvio que a gente tem tido algumas

dificuldades, tem alguns casos assim de, de algumas síndromes,

associadas com problemas psiquiátricos, alguns casos de autista, de

autismo, que às vezes têm dado assim, tem preocupada a gente um

pouco mais. Porque essa questão do comportamento, da

impossibilidade de ficar sentado né, da impossibilidade de prestar

atenção, é, é o que tem preocupado mais os professores dentro da

sala de aula. Eu acho que trabalhar com síndrome de Down,

trabalhar com uma síndrome meramente intelectual hoje é menos

complicado pro professor. A grande questão continua sendo o

comportamento dessas crianças. A gente é, tem encontrado, a maior

dificuldade que a gente percebe que as pessoas que trabalham com

essa criança tem sentido é no sentido de assim, como fazer pra fazer

essas crianças participarem das atividades. No início existe muita

resistência né, de muitos professores, de muito trio gestor, de muitos

funcionários de escola, mas...

E - Continua...

Cibele - Mas assim, e uma outra, a gente faz supervisão com uma

profissional de fora do município, né, e uma coisa que ela achou

muito legal foi que assim, a gente tava comentando o seguinte, depois

que a gente trabalha é, ai de novo fugiu a palavra, mas depois que a

gente trabalha com o medo da pessoa de trabalhar com o

desconhecido né, como as coisas facilitam né. Quando você dá a

segurança pro funcionário, que ele não tá sozinho, que a questão da

inclusão é da escola toda e não é só dele, porque tem professor que

acha que é só do professor que tá, que tem a criança na sala. E a

gente tenta sempre mostrar que não, hoje é do professor que tá na

sala, amanhã pode ser de um outro professor qualquer. E que

portanto a preocupação tem que ser de todo mundo, até porque ano

que vem, né, mesmo que não seja esse podem aparecer muitos outros

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casos e a gente vai ter que aprender a trabalhar com isso. Então a

gente tem percebido que tem caído muito a resistência desses

professores, desses funcionários da escola quando a gente se coloca

do lado e diz que tá ali pra ajudar, e que a gente diz que eles podem

errar, que eles podem errar e que a gente tá aprendendo junto, que

isso tá começando a acontecer agora, que ninguém é um expert em

relação ao assunto, então que a gente vai ter que aprender errando.

Vamos fazer de tudo pra não errar, mas que a gente vai ter que

aprender, vai errar e vai ter que aprender em cima desses erros, mas

que a gente vai ter que buscar também né. Então quando o professor

vê que ele não precisa ser perfeito, que ele tem a possibilidade, ele

tem o direito, outra palavra aí, que ele pode errar, óbvio que sempre

tentando acertar, então a gente tem percebido que a gente tem

conseguido uma parceria muito legal. E o que é bacana por exemplo,

numa escola que eu assessoro, eu tenho uma criança com, síndrome

de, bastante comprometida, intelectual, o motor é menos

comprometido né, porque todos os outros aspectos muito

comprometidos, inclusive com questão psiquiátrica envolvida. Ela

não para um minuto, joga tudo no chão, e a gente, e a professora

extremamente resistente, até o dia que a gente sentou, até o dia que a

mostrou os resultados, porque as pessoas que trabalham com

deficientes, elas não conseguem perceber os resultados, porque elas

querem o mesmo resultado que elas conseguem com crianças, entre

aspas, consideradas normais. Então quando eles acham, quando eles

conseguem um resultado mas eles acham que o resultado é muito

pequeno, eles não conseguem, pra essas crianças que tem esse tipo de

dificuldade, eles costumam não dar muito valor. E a gente tem que, a

gente tenta mostrar pra eles que não é assim, que pra essas crianças o

ganho é muito grande né. Que o ganho é muito grande e que cada um

tem o seu momento mesmo, que as coisas vão acontecer e tem que ser

respeitado isso, e a gente tem conseguido parceria muito bacana, com

o (instituição externa M) que hoje faz, né, que hoje faz só atendimento

educacional especializado, não é mais considerado uma escola, então

a gente tem essa garota, ela é da instituição externa M e a gente tem

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conseguido umas parcerias muito bacanas. O pessoal da instituição

externa M vem até a escola, o professor de Educação Física, a

professora, a pedagoga do instituição externa M, eles vêm pra escola,

da gente, que é a da rede regular de ensino, da Prefeitura, é óbvio

que depois a gente mantém esse contato né, a minha equipe já tem

esse vínculo com o instituição externa M né. Então eles vêm, fazem

uma oficina, porque os professores de Prefeitura, eles também tem

muito preconceito em elaborar, em construir material, eles querem

tudo pronto. E a gente levou a professora dessa garota em uma visita

até o instituição externa M. E lá ela constatou que todo o material que

existia eram confeccionados pelas próprias professoras com sucata.

Tamanhos diferentes né, maiores do que aquele que a gente encontra

em brinquedos comercialmente assim, que são vendidos em loja e tal.

E daí foi muito bacana, porque a gente pôs a escola em um dia de

parada pedagógica, eu não sei existe em todo lugar, não sei se é só no

município que tem, mas é um dia em que a escola para pra discutir

assuntos referentes à educação, e a gente conseguiu paralisar a

escola pra confeccionar esse material, um material pra todas as

crianças utilizarem. Que isso é um dos nossos objetivos, que todas as

crianças sejam tratadas da mesma maneira. Apesar de serem

diferentes né. E óbvio, tratada da mesma maneira dentro né, do que é

esperado que seja oferecido pra essa criança né, pra esse

adolescente. A gente tem tido resultados muito bacanas. Você quer um

outro exemplo?

E - Tá. E do ponto de vista da especificidade do trabalho como

psicóloga, o que nesse contexto você identifica? Porque você tá

fazendo uma diferenciação entre o tempo em que você trabalhava e

usava o psicodiagnóstico como um determinante, e até mesmo um

diagnóstico psicológico para os alunos e os professores. E agora você

tá dizendo que vocês não trabalham assim. Qual é a especificidade do

trabalho, se é que existe, do psicólogo?

Cibele - eles tão, a secretaria tentou fazer um, até, até mesmo pela,

por causa da, dos, por conta dos, das supervisões que a gente tá, a

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gente tentou levar um pouco em consideração o modelo que era do

setor de assessoria escolar, né, assim, é óbvio que cada...

E - Explica um pouquinho isso.

Cibele - é óbvio que cada, que cada profissão tem a sua

especificidade, mas a gente, pela grande maioria do pessoal que

trabalha né, nesse projeto que eu tô te falando agora, por esse pessoal

já trabalhar há muito tempo junto e trabalhar há muito tempo com

escola, todo mundo já acaba conhecendo um pouquinho sobre

desenvolvimento psicomotor, psicólogo sabe disso né, sobre

desenvolvimento da fala né, então o que acontece? Todo mundo

deveria ir pra escola com o mesmo papel. De tá orientando nesse

sentido. É óbvio que quando a gente percebe uma coisa muito

específica de cada área, aí a gente encaminha. Esses dias eu peguei

uma criança que tava com problema pra andar. Daí eu acionei o

fisioterapeuta de um outro grupo, que o meu tá sem, pra fazer esse

trabalho comigo, de orientação aos pais, de orientação ao pessoal da

creche. A priori a gente tinha que fazer isso, algumas pessoas ainda

resistem né. Mas eu acho que o certo é por aí mesmo né, a gente tem

que tentar ir pra resolver tudo. Não deu, chama a pessoa daquela

área. Agora, óbvio que todo mundo quer psicólogo né.

E - Por quê?

Cibele - Porque tem muitas questões de comportamento, muitas

questões de aprendizagem assim, mas o que pega é que tem muitas

questões de comportamento, de desenvolvimento global da criança.

Então assim, a grande maioria das escolas, elas solicitam o trabalho

do psicólogo, porque elas acham que no trabalho de orientação com

os pais é mais fácil, eu não sei. Eu acho que elas talvez achem que o

psicólogo correspondam mais à necessidade delas. É óbvio porque

também o número desses deficientes físicos em geral não é muito

grande, em geral as crianças já passam por atendimento na

associação de reabilitação, ou em outros lugares particulares, então

a gente tem encontrado, a dificuldade maior mesmo é nessas questões

mesmo, de comportamento do aluno, de como interceder junto aos

pais. E a gente sempre tenta fazer o seguinte, antes de fazer qualquer

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trabalho pela escola, a gente tenta dar, é, a minha equipe, a gente dar

instrumentos pro pessoal da escola fazer as intervenções né. Pra

gente tá sendo chamada só na hora em que a escola não conseguir

mesmo, senão a gente, eles chamam a gente até pra resolver questões

de higiene, tem criança que não toma banho. Então a gente, toda

orientação a gente costuma dar pros profissionais da escola, se tiver

que falar com o pai a gente dá toda orientação pras pessoas que vão

tá se dirigindo pra esses pais, pra tá informando sobre o que é

necessário falar, sobre o que seria bacana tá informando, orientando

os pais sobre a criança que tá lá. Até pra gente não ficar

sobrecarregado porque senão a gente não dá conta do trabalho que a

gente tem que fazer. Então a gente acha que o legal é instrumentalizar

o funcionário, o tri gestor, o professor, pra fazer esse trabalho. Aí a

gente só entra, e entra na orientação com funcionários, e só entra se o

trio gestor não conseguir fazer o trabalho, se por algum motivo não

tiver surtido efeito.

E - E o que costuma acontecer?

Cibele - Em que sentido?

E - Vocês entram, ou os trios gestores conseguem?

Cibele - Olha, a gente tem trio gestor que consegue, e a gente tem tri

gestor que não consegue, que não consegue fazer nada, e aliás eu não

sei o que tá fazendo na escola! E às vezes, o tri gestor, os três, né, eu

tenho uma escola que esse tri gestor é extremamente complicado, eles

queriam que a gente fosse lá pra conversar com o pai porque a filha

não tomava banho. Sabe, acho que uma escola não sabe resolver

essas questões, eu sinto muito né. Nesse caso o que eu fiz, eu pedi pra

eles entrarem em contato com o saneamento, não, como o, não é

saneamento básico, é, qual é aquele setor da Secretaria da Educação,

a Vigilância Sanitária, e sugerir que eles chamassem médicos pra

palestras e que poderiam falar sobre a importância da higiene, da

alimentação, da, então a gente trabalha muito nesse sentido né.

Agora, por exemplo, eu tenho o caso de uma criança com Síndrome

de Down, com um diagnóstico que eu considero inadequado, de

Síndrome de West, porque essa criança nunca teve uma convulsão na

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escola né, e Síndrome de West tem convulsão né, porque o que mais

caracteriza a Síndrome de West são as várias convulsões que ela tem

por dia, vinte, trinta, quarenta né.

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TERAPEUTAS: CLOTILDE

E – Bom, Clotilde, eu queria te pedir que você falasse livremente

sobre o teu trabalho, sobre a tua experiência de trabalho com pessoas

com deficiência.

Clotilde - Bom, minha experiência começou no município mesmo, que

foi quando eu entrei pra trabalhar com, na escola especial, com

deficiente auditivo, e aonde eu fui aprender um pouquinho sobre o

deficiente auditivo, até então não, nunca tinha trabalhado com

deficiência, nenhum tipo de deficiência. Passei lá uns seis anos, na de

crianças surdas, trabalhando com as crianças, eee depois, agora, com

o corpo técnico pedagógico na secretaria que a gente tem

basicamente um trabalho de apoio à inclusão. Então, dentro, o

objetivo primeiro seria a gente tá lidando com crianças com

deficiências incluídas na rede do município, apesar de que a gente

atende muitas outras ...). Hoje meu contato com os deficientes, assim

com a deficiência não é mais tão direto, é mais de orientação aos

professores da sala que tem essas crianças com deficiência dentro da

sala de aula. Então seria mais um trabalho de orientação com o

professor, com o trio gestor, com a escola eee, basicamente isso.

Hoje eu não lido só com deficientes auditivos, mas com todos os tipos

de deficiência na rede do município, dentro das escolas que eu

acompanho, vamos dizer assim. Basicamente é isso.

E - Você pode me contar um dia de trabalho seu, como era antes e

agora, como é?

Clotilde - Bom, antigamente, (risos da entrevistada) na escola de

crianças surdas, né, a gente tinha, tinha o setor de psicologia, ééé

aonde a gente acompanhava as crianças mais de perto. É, todo

acompanhamento, além de acompanhar a criança no desenvolvimento

escolar dela, a gente acompanhava muito a dinâmica familiar, toda

questão familiar junto da criança.

Clotilde - Eee, a gente tem muito esse trabalho conjunto, trabalho

conjunto com o professor de deficiência auditiva, o professor da sala,

ééé, a troca de figurinhas entre os profissionais né, as psicológicas,

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fonoaudiólogas, assistente social, os pedagogos, ééé, de tá

conversando sobre a criança, de tá acompanhando a criança dentro

da sala de aula, de tá orientando, muitas vezes chamando a família,

acompanhando a família, fizemos trabalhos com os pais, muitos

grupos de pais Que era muito importante o, na época, né, eu achava

que era muito importante trabalhar a conscientização da deficiência

com a família, né, isso no meu ponto de vista fazia muita diferença,

quando a família realmente entendia o que que é a comunicação, a

importância da aceitação pra se desenvolver uma comunicação, eee,

e percebi bastante diferença. Algumas famílias foram muito legais, a

gente tá percebendo que muita coisa mudou em relação à vida dessa

criança, ééé, ver as crianças também saindo né, saindo da escola,

crescendo e como que as vidinhas delas foram se constituindo. Hoje o

trabalho, apesar de ser um trabalho de orientação, ele tá dentro, é um

trabalho, a orientação dele é bem diferente daquela, antigamente a

gente tinha vínculos, ((neste trecho da gravação há muito ruído

externo, impossibilitando a escuta)), estar dentro de uma escola,

todos os dias na mesma escola, e acompanhar aquelas crianças,

acompanhar o professor diariamente, a família, você tinha um vínculo

com aquilo, você tinha um vínculo com a escola, você tinha um

vínculo com a criança e você tinha um vínculo principalmente com a

família. A gente conseguia desenvolver um vínculo com essa família

aonde você podia buscar resultados mais legais. Hoje, é um trabalho

de orientação, umas das grandes dificuldades que eu sinto é a falta de

vínculo né, você vai numa escola por dia, mas você responde uma

criança, você vai lá ( ) uma dúvida que aquela escola tem, que aquela

gestão tem, é geralmente o que eu faço com essa criança. Porém você

não tem como acompanhar essa criança, você tá escutando o que um

professor tá falando, ééé, não julgando se tá certo ou errado, mas

você simplesmente escuta assim “ah não consigo, eu não sei o que

fazer com essa criança dentro da sala”. Mas a dificuldade que você

tem até de poder observar essa criança, até pra passar orientações

mais consistentes pra esse professor, de sentar junto com esse

professor e falar “vamos pensar nisso, vamos pensar naquilo, será

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que desse jeito dá certo?”, nisso eu sinto muita dificuldade. Eu sinto

um trabalho assim mais vazio (A deficiência tem que estar presente

para o trabalho acontecer ), mais de, vou lá, falo ( )”tenta fazer isso,

tenta fazer aquilo, e daqui um mês eu volto e vamos ver no que deu”.

Então por mais que você, a escola te pede pra conversar com a

família, algumas vezes eu me propus a conversar com a família, mas

também você tá pegando uma família da qual você não tem vínculo (O

que é vínculo? Parece que é algo com o qual ela tem que estar

pessoalmente/diretamente envolvida), você tá vendo uma vez só, você

pode falar algumas coisas pra essa mãe, você passa alguns

encaminhamentos mas você não tem um acompanhamento daquela

criança. Você não continua acompanhando o, o desenrolar daquela

situação, né. Então eu acho que hoje, é por isso que eu digo, apesar

de ainda tá lidando com as crianças com deficiências ou com várias

deficiências, não só o deficiente auditivo, mas eu não consigo sentir

que eu faço parte muito de um contato mais direto com elas né, seria

mais “vamos ver o que a gente pode fazer”. Não tem um contato, não

tem um vínculo, você não cria um elo com aquela família (Queixa de

algo que ela não faz. Ela também não cria vínculo com os professores

que ela orienta), com aquela criança pra você passar umas

orientações mais legais, mais consistentes. (ter/clo-04)

E - Mas você mantém contato com professores, com crianças com

deficiência auditiva?

Clotilde - Auditiva não (Não tem vínculos com o que ela começou e

hoje é tudo diferente. Experiência original como referência). São

raros nas escolas que eu dou assessoria, agora foi matriculada uma

criança numa escola que eu dou assessoria. Elas estão concentradas

no município, eles continuaram concentrando as crianças na escola

X. Então os deficientes auditivos estão todos na X. São raros os que

estão em outras escolas.

E - então, esse trabalho que você faz nas escolas, esse trabalho é

individual, não é em equipe?

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Clotilde - ele é em equipe. Na verdade são equipes formadas. A minha

equipe são três profissionais, eu psicóloga, tem o fonoaudiólogo e a

assistente social né.

E - e todos vieram da mesma escola que você?

Clotilde - não. A assistente social veio, ela de um outro setor, né, ela

fazia trabalho de creche e ela fazia também o grupo de apoio. O fono

ele veio da escola de crianças surdas mas ele tinha uma experiência

num trabalho anterior que era trabalho de creche, e eu que...

E - o que seria o trabalho de creche e grupo de apoio?

Clotilde - o trabalho de creche é, os profissionais vinham na creche

passar orientação. Então, por exemplo, o fono ia na creche, só que aí

eles davam palestras, ajudavam a tirar a chupeta, ou senão

trabalhavam com ( ) com os professores, e o grupo de apoio, foi com

o pessoal, do setor de apoio escolar que recebia os professores num

local pra troca de, um espaço de fala, de escuta, de angústia né, e

esse trabalho de ( ) foi até anterior ao grupo de apoio, mas que daí

assim, na minha equipe são esses três profissionais. Eu acho que cada

um tem características bem diferentes né, a assistente social não tem

o mesmo perfil de querer entrar na sala, apesar dela já ter falado

milhões de vezes que ela admira isso, e que é algo que ela gostaria de

fazer mas que ela não consegue, mas ela me apóia e acha muito legal,

ela fala “eu acho que você tem que ir mesmo”, ela falou que isso traz

uma outra visão pra equipe. Essa é a opinião dela que ela deu numa

outra vez, é, o fonoaudiólogo ele entrou pra equipe agora, ele não tem

nem um mês na equipe, não tem nem um mês nesse trabalho. Ele

ainda tá meio que tentando se achar onde ele tá, mas ele já foi

reconhecido em algumas creches, quando ele chegou o pessoal

lembrou dele, do que ele fazia, e meio o pessoal já veio ( ) um

pouquinho, “ah você vai fazer a mesma coisa?”. Mas na verdade não

é a mesma coisa, então assim, é, eu diria que se tornou uma coisa

muito mais impessoal né, então assim, tirando assim um pouco do

parâmetro do que ele contava, de que ele ia pra creche, ele

conversava com os professores, ele orientava de como tirar a chupeta,

ele orientava a questão de fala, hoje a gente tá se colocando muito

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mais numa questão impessoal. Então às vezes parece que fica assim,

quanto menos contato você tiver melhor, assim, “fale com o gestor” e

acabou. (ter/clo-11c)

Então ( ) por um outro lado os professores se mostram muito sedentos

da nossa presença, então eles percebem que a gente tá na escola e

muitas vezes eles reclamam, “porque só com a direção que eles vão

conversar?” né, então agora se colocou assim uma outra perspectiva,

do quanto o técnico vai tá estando mais próximos dos professores de

creche, no que se chamaria de formação, uma formação mas que não

é bem uma formação. A gente ( ) levantando alguns temas de interesse

da creche, e a gente estaria indo, é, fazendo reuniões com esses

professores pra tá discutindo sobre determinados assuntos. Então isso

é um projeto que tá sendo feito, que tá sendo levantado, foi autorizado

a partir da própria chefia, que a priori queria uma formação com

certificação e tudo. Mas a gente colocou que não seria isso no

momento que eles estariam querendo, mesmo porque eles vem de

várias formações, ( )que eu tenho, e eles não querem formação. Eles

querem um espaço de troca, de orientação prática. Assim “eu tenho

uma criança que bate, o que eu faço com essa criança?”, eles não

querem que você chegue lá com um texto bonito, e vamos discutir o

texto. Então a gente tá levando o projeto pra essa direção. Não como

um espaço de apoio que os professores saiam da escola e iam atrás

dos profissionais, mas os profissionais vão atrás deles, vão entrar na

creche, vão entrar junto com eles e estar falando de ( ) alguns

assuntos específicos. Mas isso ( ) em andamento, tá sendo formulado

pra ser entregue pra chefia até o final do mês, pra que pelo menos no

primeiro semestre a gente já comece a tá botando em prática. Os

professores da creche adoraram isso, acharam muito legal, então ( )

como o professor sente falta, o professor, ele quer conversar com

você, o professor, ele quer ter contato com os técnicos. Até então se

colocava que quanto menos contato melhor. ( ) o gestor, você

conversa com o gestor, com a CP, com a coordenadora, e ela que

passa pro professor né, mas na hora que você senta com o professor

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as questões são outras né. O gestor fala da criança X, o professor já

fala da angustia dele mesmo, fala “tá difícil, eu não sei o que eu

faço”, ele já vai acolher de outra forma né, que muitas vezes

simplesmente virar pro professor e falar “você tá certíssima, é isso

mesmo que você tem que fazer”, e você sente aquela cara de alívio,

tipo “ainda bem” né, aquela coisa de “que bom que eu não tô fazendo

nada errado”. Então existe muita angústia dos professores, e você

percebe que eles querem cinco minutos pra tá falando, não que a

gente ( ) nada disso, essa é uma troca de, em vez de falar o que eu

faço por ver o que alguém vai falar. Então é assim, na verdade eu vou

tendo como perspectiva de que o trabalho pode ir melhorando, de que

o trabalho vai ficando legal, de que o trabalho vai ficando menos

frustrante ou nada frustrante né, eu sinto muita falta de sentir que

você, de sentir que eu realmente consegui ajudar em alguma coisa. É,

( ) de utopia de achar que eu ( ). (ter/clo-11d)

(Foco na família que teria que seguir as orientações de uma equipe

técnica, saber profissional que nem sempre leva em conta o saber da

convivência com a deficiência que a família possui).

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TERAPEUTAS: CORINA

E – Bom...o que... então... eu quero te pedir que você comente, conte,

ahn, o teu trabalho com pessoas com deficiência... considerando todo

o tempo que você tem trabalhado com a deficiência, pessoas com

deficiência, etc... Fique à vontade.

Corina – Tá... Então, quando eu comecei a trabalhar com as pessoas

com deficiência, eu não entendia de nada, por deficiência, não sabia

nem do termo, o que que era deficiência, quem eram essas pessoas, o

que faziam, né... eu venho, meu início de trabalho foi na saúde, depois

eu vim pra educação, então assim... sabia a nível de saúde o que que

era, né... trabalhar com uma pessoa com deficiência física, mas na

educação não... Então eu me sentia totalmente despreparada, e aí fui

chamada pra trabalhar na escola especial, aqui do município, né, na

escola, especificamente de crianças surdas... E eu um dia coloquei

pra diretora... “mas eu não sei me comunicar com as crianças surdas,

nunca trabalhei com criança com deficiência” e ela falou pra mim...

“ah, mas não precisa se preocupar, você vai trabalhar com os pais”

né... Como que eu dentro de um espaço escolar eu não vou me

encontrar com as crianças? Né? Tudo bem... Mesmo me sentindo

incapacitada para trabalhar... falei “Não, se estão me chamando é

porque tenho alguma coisa pra oferecer... então vamos lá” né, e

realmente eu me angustiei... quando eu cheguei na escola que vi

aquelas crianças correndo, e essa coisa de eu, me impediu de eu não

saber, eu achava que eu não sabia me comunicar, né, isso me dava

um impedimento de, de me aproximar das crianças, eu não conseguia

me aproximar das crianças... ai... “Como é que eu vou dizer isso?

Como é que eu vou dizer aquilo?” né, e aquela ansiedade muito

grande.

E aí começou a surgir ooo, os cursos de libras, né, a escola começou

já a promover e mesmo eu não sabendo de nada, eu como assistente

social fui a profissional que foi atrás do instrutor surdo... né,

acompanhada sempre com uma professora... que, que, que já sabia,

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que tinha essa experiência de lidar com a pessoa surda, né, mas era o

meu trabalho e ela me ajudou. Eu fui atrás do instrutor surdo pra

gente dar o curso de língua de sinais... e eu também aprender o curso

de língua de sinais, então a primeira instrutora surda que a gente teve

lá na escola especial que eu aprendi... a língua de sinais... ela não me

ensinou só a língua de sinais, ela me ensinou muitas coisas a respeito

da pessoa surda... que eu não sabia, né, então assim foi muito bacana

da parte dela porque muitas coisas que eu pude fazer no meu

trabalho, lá, avaliando, observando as crianças surdas, foi uma... a

própria surda que me deu, né esses recursos pra eu, esses dados pra

minha observação. Então eu percebia quando a criança escorregava,

brincava eu comecei a ter outro olhar né, é aí que a gente entra

assim... a conhecer essa cultura... quem é esse... essa pessoa surda

como é que ele vê o mundo, como é que ele pensa, né... E aí

começou... e ai eu comecei a perceber, aprendendo também com essa

instrutora surda, que eu não precisava me preocupar... em saber

língua de sinais, né... eu comecei a perceber que eu tinha que ser eu...

acima de tudo, antes de ser o profissional que eu era e observar as

crianças... eu tinha que ser eu, e eu não estava sendo eu, estava

deixando ah, ah.. talvez uma barreira... um bloqueio tomar conta de

mim... em vez de eu... né. E aí nisso eu comecei a interagir, eu falei

“ah... sabe de uma coisa, as crianças vão começar a chegar e eu vou

ser eu”. Eu comecei a abraçar as crianças quando elas chegavam de

manhã, eu ia na sala de aula eu aponta... eu me senti criança, né,

(risos) eu apontava pras crianças, que aí elas davam sinal daquilo e

eu fui aprendendo com as crianças, foi na convivência, né. Então

assim, É, na verdade é uma troca...eu até como um profissional e

como adulto observava aquelas crianças... mas elas também tinham

algo pra me dar que eu não tinha... e até despertar em mim essa coisa

do ser eu... porque até então eu não havia olhado pra mim... né.

Quando eu percebi que eu tinha que ser eu... Corina... esquece... É, é

importante ser profissional? É, mas é importante você ser você, a sua

pessoa, né? E aí eu fui interagindo, né, com as crianças... aprendi

muito depois disso... comecei a fazer outros cursos de língua de

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sinais, né, fui me aprimorando na língua... e depois fui fazer O, aaa

graduação em tradutora e intérprete de língua de sinais, né. E porque

que eu fui fazer esse curso? Porque na própria interação na escola

especial com surdos adultos, né... eu comecei a interagir com surdos

adultos... enfim, eu comecei com as crianças mas também com surdos

adultos... que a escola recebia, né, e fui me atendo das questões

sociais deles... da questão da organização, da falta de trabalho,

questões pessoais da vida deles que precisava de muita orientação,

né... como todos nos temos, né... muitos conselhos tal. E aí eu fui fazer

a graduação, porque eu queria entender da cultura do surdo, eu

queria entender da língua de sinais, eu queria conhecer pra poder,

junto com eles, intervir, né. Porque se a gente não... Não adianta eu ir

discutir numa câmara municipal com vereador, com secretário da

educação, com prefeito algo que eu não conheço, né? É... por mais

que eu tenha boa vontade eu tenho conhecer, e aí... até porque além

de conhecer quando eu vou, eu sempre levo um... uma pessoa surda

comigo... né, e eu é... acabo interpretando, dando a voz pra essa

pessoa surda, porque ela é capaz, né. O que ela precisa é só de

alguém que externalize essa voz... Éee... pra essa... pra esse

interlocutor.

Corina - Retomando, né... Então, então assim, eu fazia a graduação,

né em língua de sinais, é uma graduação de tradutor intérprete em

língua de sinais e português, né. Eu acabei focando mais até para

entender a língua de sinais e para o português, porque aonde eu vou,

no, nos trabalhos, nas lutas sociais, que eu vou, enfrentamento aí que

eu vou com as pessoas surdas, né, eu acabo dando a voz para os

surdos, então o meu compromisso com a pessoa surda de realmente

passar ao interlocutor o que realmente ele tá dizendo, então eu fui

mais pra... pra essa graduação não porque eu quero me tornar uma

intérprete, não é essa, esse o objetivo, foi mais pra conhecer, né, e aí

na graduação eu fiz muito trabalho, muito treinamento pra dar a voz,

que é uma das coisas mais difíceis que existe para o tradutor

intérprete é dar a voz para a pessoa surda, porque você precisa

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conhecer profundamente aquela pessoa, quem é essa pessoa, de onde

ele vem, qual é a cultura dele, porque que ele está dizendo isso, né,

dentro de uma visão bem de Vygotsky, uma visão bem social, Bakhtin,

que é minha área de [risos] de trabalho, a minha fundamentação, né,

e aí eu estou até hoje... neste contato com os surdos adultos, eu

comecei a participar da associação de surdos desse município, né,

eles não tavam ainda... eles não eram uma entidade organizada, não

tinha espaço pra eles ficarem... e aí junto com um padre aqui do

município, né, éee... eu comecei a falar dessa preocupação com ele, a

gente arrumou um espaço primeiramente na igreja, depois a gente foi

pra um centro comunitário, E aí a gente regulamentou toda a

entidade... regulamentamos, hoje a entidade está funcionando, ainda

falta muita coisa, né, mas assim... foi, isso fazem, o que, dez anos já,

né, fazem dez anos, eu comecei a trabalhar na escola especial em

noventa e nove, fiquei lá seis anos e depois, é, vai fazer quase dez

anos que eu tô caminhando aqui com os surdos, né.

E hoje eu estou aqui numa luta social... dessa cidade, aaa...

associação, esse trabalho com surdos, acabou ficando um trabalho

evidente, né, porque aonde eu vou eu levo um surdo junto, é...eu quis

colocar a pessoa surda em evidência, não sou eu a port, não sou eu

falando por eles, são eles falando o que eles pensam, né. Há uma

discussão muito grande, é... de que as pessoas ouvintes acabam, ééé,

dando a opinião delas falando pelo outro. “Ah, mas isso não é

pensamento dos surdos, é você que está falando sobre isso”, então até

pra descartar, eu me preocupo muito em zelar por isso, por causa

mesmo das pessoas surdas, também por minha causa também, eu

sempre levo pessoa surda comigo, né, "Então, é ele que fala, não sou

eu.”, né. E aí é assim, a gente, Nós começamos em dois mil e cinco,

nós fizemos um trabalho antes de sair do decreto, antes do Presidente

Lula assinar o Decreto 5626/05, que é o decreto que determina o

ensino da língua de sinais desde a educação infantil à universidade,

né, antes de ele começar, nós fizemos um trabalho voluntário na

Secretaria de Educação levando libras pras crianças surdas e

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ouvintes, primeiro foi um trabalho de socialização, nós pegamos as

crianças surdas, que estavam lá no cantinho na sala de aula, né, com

o instrutor surdo adulto e levamos para o pátio da escola, onde esse

instrutor surdo adulto também colocava em evidência as crianças e as

crianças começaram a interagir com as outras crianças ouvintes

ensinando os sinais, o que eles sabiam também, né. Então, esse foi um

projeto pioneiro aqui na secretaria antes de existir o decreto, então

foi depois disso foi que começou, foi que teve, o Presidente Lula

assinou o decreto, né.

E aí a associação Começou... os surdos começaram a ficar sem...

sendo conhecidos. Um dos surdos se candidatou aaa, ao orçamento

participativo Né, a gente conseguiu reunir várias pessoas, ele foi,

entre trinta candidatos, ele foi o quarto mais votado, né, como... é...

como que chama do orçamento participativo? Delegado do

orçamento participativo, ficou esses dois anos no orçamento

participativo, íamos em reunião, eu ia junto com ele, abria discussões,

né. Então o movimento surdo no município, hoje, a língua de sinais,

ela é uma referência, né, sempre quando se fala em língua de sinais,

chama Corina, mas não porque... mas por causa da entidade, do

trabalho, né, não é a Corina pessoa só, é o trabalho que a gente vem

desenvolvendo com os surdos.

(...)

Corina – Né, depois eu fui para a escola de surdos, então ficou

focado, até porque a escola, naquela época, ela tinha como critério só

atender surdos com perdas profundas, A, às vezes nem atendia surdos

que vinham com outras deficiências associadas, não atendia, existia

critérios, né. E acabei me focando, só que assim, nas formações que a

gente acaba participando, né, de pessoas com deficiência em geral,

claro que a gente aprende um monte de coisa, dah, éé, sobre as

pessoas com deficiência intelectual, deficientes físico, que tem coisa

que específica que é bom para todo mundo, independente de ter

deficiência, né. Agora hoje, eu já estou mais voltada Pra todos, hoje o

meu trabalho, né. Eu acho, assim, que esse trabalho dos surdos é um

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trabalho muito pontual por causa da língua de sinais, né, é, tem aí

uma, uma questão toda por trás da, Da pessoa surda, que é essa

questão da aquisição de linguagem mesmo, né, o impedimento de

ouvir, de, de não conseguir, não é instantâneo como a gente, Né isso

já entra aqui e você já, já visualiza aquilo, né. O processo de

linguagem é diferente, até li um livro, é, não lembro da autora, que

tinha uma frase lá de Helen Keller, que ela fala assim, éé, que ela era

cega e surda, né, A, uma das piores deficiências é não ouvir, isso eu

não sei quantos anos atrás ela disse isso, porque tornava ela

dependente do pensamento do outro. Então eu sempre fiquei

preocupada com isso, olha, Como é complicado você ficar dependente

de que o outro pense por você e diga pra você, então eu, eu ficava

Sempre pensando nessa relação, poxa vida, a pessoa surda, como ela

não ouve, ela não sabe o que está acontecendo, então eu tenho que

dizer pra ela o que o outro está dizendo para depois ela elaborar um

pensamento. Eu achei, eu acho até ainda o hoje isso muito

complicado, né, e aí por isso que eu me foquei mais nessa área e, E na

questão da interpretação. E também porque muitas vezes ele não tem

pessoas aí, suficientes, que dominam aa... oralizar para eles, falar

Também o que eles estão pensando, essa é uma carência que tem no

país, os intérpretes faz...é... Fazem muita interpretação do português

para a língua de sinais, mas na hora de dar a voz para o surdo, dizer

o que esse sujeito está falando, não é todo mundo que tem essa

habilidade, né. Precisa conhecer muito quem é esse sujeito.

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TERAPEUTAS: ENEIDA

E – Bom...

Eneida – Hum...

E – É... é o seguinte: o que eu queria pedir pra você é que você me

contasse sobre o seu trabalho, considerando a experiência que você

tem de trabalho com pessoas com deficiência.

Eneida – Hum!?!

E - O que você já fez, o que você tem feito...

Eneida – Deficiência, você fala física, mental...

E – Se você acha que dev...

Eneida – Defici... é... por quê? Porque é assim: eu comecei, na

verdade, por um acaso. Na associação de reabilitação, mil novecen...

ahn, mil novecentos e noventa, por aí. Eu marco muito pelo

nascimento do meu filho; ele tinha uns três, quatro anos... então foi...

por aí. Comecinho dos anos noventa, oitenta e nove... Lá na

associação de reabilitação, fazendo uuu... ma especialização, lá, né,

pra psicologia do deficiente. Aí eu fui lá. É... fiquei com muito medo,

de início, porque era uma coisa que eu nunca tinha visto, eu era muito

jovem, ainda, né, nunca tinha trabalhado. Me formei, não fui

trabalhar... tinha uns três anos de formação, aí, três, quatro. E... aí fiz

o curso, aí conheci as deficiências, né... pc 11, lesão me...

me...medular, ééé... síndromes, ééé... problemas de coluna, de modo

geral, acidentes, a...aci...acidentados... Porque a associação de

reabilitação tem um perfil muito deficiente físico, né? Então, aí eu

conheci muitas deficiências físicas, né, espinha bífida, né, uma séria

de coisas assim. Outras coisas, bem absurdas, que são raríssimas, né.

Então, deficiências desde a mais leve até aquela ultra severa que a

pessoa não faz nada mais na vida e se compromete toda, né. Eéé... e

aí, fiz o...a...o curso lá, com neuros, fisiatras, psiquiatras, psicólogos,

serviço social, enfim, tudo. Foi uma experiência muito rica; no

começo me assustou muito, pensei em sair... e fui... fui ficando.

11 PC: sigla usualmente usada para se referir a quadros de paralisia cerebral.

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Esseee... trabalho, lá, esse curso durou... ahn... um ano e dois meses,

alguma coisa assim, né, e... e eu fiquei lá. Na ocasião, tinha

possibilidade de uma efetivação, eu fiz a prova, fui aprovada, tudo,

tal, pensava em ficar lá, na associação de reabilitação de São Paulo,

lá, nem existia a deste município, nada. Mas aí aconteceram

problemas... pessoais... e eu não pude ficar. Aí vim pra este

município, retornei pra cá... fui trabalhar na... na... clínica de

especialistas, que é... multi, policlínica, né... Atendia, lá, psicologia e

o convencional de consultório. Aí, fui prá Prefeitura, trabalhando lá

no antigo... é... unidade de terapia educacional [menciona a sigla],

né? Mas, assim, nunca... perdi o foco, nunca perdi aquele olhar do

deficiente físico, mental... já tinha uma... uma empatia, uma

identificação, ali, né? Gostava muito da...daquelas crianças, entendia

um pouco, né, dos quadros, porque eu era muito aplicada, muito

estudiosa, na associação de reabilitação, lá exigia muito isso; é um

padrão de formação excelente, exigia muito isso. Né. E... eu me

interessava, tal, né. E aí pedi pra ir pro centro de avaliação e

terapia, que era, né, do diagnóstico precoce, né? [Fala o nome do

Centro], como é que é... [soletra a sigla, enfatizando cada palavra].

Né? [corrige uma palavra que falou a mais, na sigla] E aí pedia pra

ir pra lá. E me prometiam isso. (ter/ene-01a)

Aí, teve aquelas mudanças de prefeitura, tal, e eu saí, porque eu tinha

contrato, na época... Logo em seguida teve o concurso, né, que a

gente fez, onde a gente se conheceu, e... eu querendo ir pro centro de

avaliação e terapia, né... no final, acabei sendo direcionada prá

unidade de terapia educacional [fala e explica a sigla]. “Por quê?”,

“Ah, Eneida, porque você já conhece o esquema da prefeitura, tal...

você já esteve aqui conosco... lá é uma área difícil, poucas pessoas

aceitam ficar lá, tal... Fica lá, cobre lá, depois você escolhe

melhor...”, né? Eu fui, meio relutante, porque... o que... o que a gente

sabia, né, que o pessoal falava, é que a unidade era um depósito

daqueles deficientes muito severos, já numa idade de adolescentes,

num quadro... quase que terminal. “Fica lá; fazendo alguma coisa”,

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né...? Ahn... o que ocorria era isso, com relação à unidade de terapia

educacional. E eu falei: “meu Deus, eu vou ficar lá fazendo o quê?”,

né? Ééé... bom, mas fui! Né. Com a promessa de, mais tarde, ir pro

centro de avaliação e terapia. E aí, estando lá, conhecendo, então,

aqueles adolescentes – porque eram crianças a partir de sete anos,

porque de zero a sete, centro de avaliação e terapia. Né, pra...

avaliação, com diagnóstico precoce e terapia. De sete anos, de um

tempinho em diante, era unidade de terapia educacional. E acabou,

só tinha isso. E escola especial, pros quadros de deficiência mental –

não tinha o... o físico, né – desde que fosse uma deficiência não muito

avançada, por conta do pedagógico, e tudo mais, que tinha lá na

educação especial. Então, esse pedacinho, aí, não sabia o que fazer,

então, tinha lá a unidade de terapia educacional. E aí eu fui pra lá.

Então, eles eram sempre... [interrompe, brevemente, para fazer um

comentário sobre o barulho na rua]. E aí... fui pra lá. Então, eram

crianças, mesmo, de sete... poucas de sete; nove, dez anos em diante...

e adolescentes, até mais ou menos seus vinte, vinte e um anos, né. Que

eram atendidos lá. Aí já tinha, lá, os remanescentes da... da

administração anterior... e a gente retomando, agora com concurso e

tudo o mais. Era o quê? Era uma sala – você chegou a conhecer isso,

né? – era basicamente isso: uma sala grandona, com uma ou duas

mesas redondas, ovais, alguns brinquedos, algumas coisas, lá...

algum... alguns instrumentos, lá, de artesanato; tintas, giz, é... coisas,

pra se trabalhar artesanalmente... E, ali, um prontuário, que se fazia,

ali, uma entrevista inicial... o diagnóstico, que já vinha feito de algum

médico, de algum lugar, né?, e o acompanhamento, que era tido o

quê?, o pedagógico... ahn... terapêutico educacional. Então tinha essa

oficina, que a gente falava, de atividades pedagógicas, né, e... um

acompanhamento terapêutico em fonoaudiologia, fisioterapia, t.o. ...

e, prá psicologia, tinha o grupo de orientação às mães. É... que aí eu

fui pra ficar com esse grupo de mães e... ééé... o grupo funcionava

todas as manhãs – porque cada manhã tinha um grupo de... a gente

chamava meio que aluno, né, não sei por que. Eu cheguei lá, já tinha

esse nome. Aí a gente foi mudando pra atendidos, porque não eram

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clientes, porque não era saúde, não podia ser paciente, não podia ser

cliente, então ficou uma coisa de atendidos. Né. Então, toda manhã

tinha um grupo de atendidos e prás mães daqueles... da... daquele

grupo, tinha o... o... primeiro horário de... orientação – que era o

grupo de orientação psicológica que a gente fazia com as mães –

enquanto as crianças eram atendidas nas... o... of... oficinas. E, de

acordo com a... a grade de horário das terapeutas, elas iam

intercalando com o atendimento terapêutico. Em fisio, fono, t.o.,

individual, em duplas... né, isso sempre de acordo com o quadro, com

a queixa, com a faixa etária, com o nível de desenvolvimento de cada

um deles, né, então a gente ia arranjando, assim, as oficinas e as

terapias. Né?

Eles eram atendidos das oito até às onze da manhã. Era servido

almoço – um lanchinho, um almoço – e aí eles iam embora, pra casa,

e voltavam na semana seguinte. A gente oferecia festas, dia das mães,

festa junina, festas de final de ano, ahn... carnavalzinho, páscoa...

então, assim, também tinha esse cunho meio que social, né, de...

compartilhar os.. né, dentro do possível, né, do âmbito social, desses

eventos que a gente tinha, né, que nós temos; esses eventos que a

gente mantém. Então a gente fazia festinha e decorava o espaço,

decorava o ambiente... é... quando não, eles também se vestiam de

acordo com a época – Natal, festas juninas, algumas coisas assim,

né? Tinha reuniões administrativas, da... das famílias, com a

coordenação – e com a gente também... – né, pra ajustar o dia a dia

de cada um. Dar um feedback do trabalho feito, naquele período, e

também as questões administrativas, ali, né. E a gente tocava, assim,

a vida.

Tinha a cozinha, né, que... naquela época, a gente tinha uma

preocupação, por conta da fonoaudiologia, de adequar a

alimentação... né? Mas... era uma adequação... como é que eu vou

dizer, ééé... muito de acordo com o nosso critério pessoal; do que a

gente conhecia de cada deficiente, do que a mãe informava, porque

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ela, né... a gente tá falando de... adolescentes, então uma mãe que já

tinha doze, quinze, dezesseis, dezoito anos de experiência com aquela

criança. Então ela sabia o que ele comia, como ele comia, o que ele

podia comer... né? E a gente ad... tentava adequar a alimentação, ali,

de acordo com o que essa mãe informava, de acordo com o que a fono

orientava... eventualmente uma nu...nu... nutricionista, que um ou

outro tinha, né, mas... o próprio serviço municipal não tinha o que

tem hoje – uma alimentação balanceada, alimentação adequada, né,

que hoje a merenda já se preocupa um pouco mais com isso, né?

Tanto que nas festas, né, então rolava muito doce, muita coisa que

hoje não se pode mais ter em nenhuma escola. E se tivesse a unidade

de terapia educacional, não poderia ter mais lá também. Né?

Então, era um atendimento que ele foi se tornando muito... afetuoso,

ahn... muito doméstico, até. Né? Porque a gente adequava muito

aaa...os hábitos familiares, os hábitos alimentares, a conduta das

mães, da família, àquele período que a criança... é... ficava ali, com a

gente. Né? Então, tinha uma troca muito próxima. Entre... a terapeuta

e as famílias, né? É... o grupo de orientação às mães é... criava esse

espaço, essa possibilidade das mães falarem a respeito das suas

vivências, das suas histórias, das suas dores, das suas queixas, das

suas vitórias... né, das suas preocupações, dos avanços que o filho

deficiente teve durante toda a sua vida, né? Claro que, como era um

espaço reservado ali prá cinco, seis mães, e eram grupos fixos, né;

então, as mães de segunda-feira, as mães de terça, as mães de quarta

acabavam tendo também muita amizade, entre elas, e muita

intimidade. Né. E delas comigo, né, porque eu era a terapeuta delas,

então a gente tinha, ali, ahn... mais... ahn... proximidade do que com

as outras terapeutas. Porque elas vinham se reportar às mães sempre

com relação ao filho, à problemática que o filho apresentava... e

num... num tinha muito a, a... o olhar para aquela mãe. Né? É... e no

grupo, não. No grupo de mães, já tinha essa coisa da mãe poder

falar... da sua, da sua queixa... ahn... do que ela... ééé... sentia a

respeito do filho, a respeito da situação, da sua história de vida...

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Então, aí vinham problemas com o marido, problemas com família,

problemas com outros filhos, problemas de trabalho, né, e vinha,

então, toda aquela história de autoestima, de abnegação, resignação,

de perdas, de ganhos... né? Ééé... muitas histórias de vidas difíceis;

encantadoras, outras... muita batalha, muita luta... né... Mas sempre

elas, assim... ahn... procurando vencer tudo isso, todos os obstáculos,

inclusive materiais – porque a gente tá falando de uma população do

serviço público, então eram mães de uma situação financeira... é...

não muito boa, né... Muitas dependendo de serviço público, pra

condução, passe escolar, cesta básica, alimentação, remédios... né,

que elas iam buscar em tudo quanto era lugar. Então, se tinha que

buscar remédio láá não sei quando, de São Paulo, elas iam ... Se tinha

que tirar passe escolar lá na Viação não sei das quantas, elas iam

atrás. Né. Então, eu via, admirava muito essa... persistência, essa

garra, essa força de ir não importa aonde, né... buscar tanto o

recurso pro filho, quanto pra elas mesmas. Né.

E – Você tava falando...

Eneida – Ah, dos pequenininhos que chegavam lá, lá no centro de

avaliação e terapia, né?.

E – É.

Eneida – Então, o trabalho era esse como eu falei, era uma terapia

mais, ééé... de estimulação precoce, né, a ênfase era mais assim em

fisioterapia e fono, né, pelas necessidades lá de cada quadro e... não

tinha mais, até tentamos, é... reativar o grupo de orientação de mães,

só que o centro de avaliação e terapia na época era uma demanda

muito maior, né, era uma faixa de uns setenta atendimentos diários

entre manhã e tarde, uma época boa... O centro de avaliação e

terapia foi uma instituição muito importante do município, muito,

durante trinta anos da as existência ou quase isso, foi assim um

recurso que até os outros municípios vizinhos vinham procurar, né.

Então, realmente tinha um trabalho muito bom e tinha uma demanda

muito grande também, porque nem todos os casos também eram pro

centro de avaliação e terapia, né, mas como a gente tinha que avaliar,

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noventa por cen... alguns você já na, na em, triagem ali, né, o serviço

social já reencaminhava, mas muitos tinham que fazer pelo menos a

avaliação global, né, então tinha uma demanda grande, e tinha os

atendimentos terapêuticos então né, com ênfase em fono, fisio, né,

ahn, sempre visando a estimulação precoce e tal, e a, e a psicologia

fazia as orientações pra família, e pras criancinhas maiores, né; três,

quatro, cinco anos, já um trabalho também de estimulação cognitiva,

né, é... e a gente fazia isso e isso sempre paralelamente ali com o

trabalho com as mães, né, eee... elas vinham né, com todas as suas

dúvidas, lá, falando das avós, que entrou nesse cenário, que

tornavam-se mães, mães novamente, né, e acabam assumindo muitas

vezes o neto, desde o nascimento, ou porque a filha abandonou, ou

porque era muito jovem, ou, enfim, né, já falei aí alguns motivos. E a

gente tinha que lidar com essa questão também, né, de uma avó

cuidadora e responsável por uma criança, muito pequena, com muitas

necessidades ali, sociais, né... instrumentalizar essa avó e ainda lidar

com a adaptação dela né, de retornar à maternidade, por quê?

Porque quem cuida de uma criança, ahn, quinze horas por dia, torna-

se mãe, sem contar que elas que realmente entregou para as avós e

pronto, então a gente tinha também esse, esse apêndice aí, né, de uma

mãe diferenciada.

...mas assim, o que me chamava muito a atenção, né, que aí a gente

sempre tem, tinha um cuidado especial, não é especial, mas assim, éé,

me tocava mais, era aquela jovenzinha, de vinte anos, dezoito, vinte e

um, vinte e dois, que chegava lá com seu bebezinho, “ai, eu não sei o

que ele tem”... “quando que ele vai andar? Quando que ele vai falar?

Mas será que ele vai sentar?”, né, e a gente sabia que isso ia ser

muito difícil, né, quando a gente já tinha o diagnóstico, já via o

quadro. E como falar, como preparar, como conscientizar essa jovem

de fazer uma criança completamente despreparada pra vida, teve uma

gravidez que não planejou, foi com o namorado, foi com uma ficada,

foi numa noite, foi com um namorado que tava preso, ou que já tinha

ido embora, né, ou já era o segundo filho de um outro marido, mas

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muito jovem, muito despreparada e esperançosos, porque o que o seu

filhinho tinha não era nada, então lidar, né, com essa perda de ilusão,

vamos dizer assim, né, como olhar para aquela carinha tão

jovenzinha e imaginar, assim, eu conheço as mães da unidade de

terapia educacional, e a trajetória delas, e aí a gente meio que deduz,

meio que imagina o caminho que essa jovenzinha vai ter que

percorrer durante toda a sua vida ou muitos e muitos anos de sua

vida, então assim, me tocava muito receber essas mães muito jovens

com seu bebezinho, com a sua criança de um ano, dois, né, e elas

queriam saber isso, “ele vai falar, ele vai andar? Como é que ele vai

sentar?” E aí ter que preparar essa mãe para uma jornada que não é

fácil, então era um trabalho que a gente queira ou não, ahn, se

envolvia muito com essas histórias, né, e a gente lidava com isso, né,

e mas sempre tinha momentos muito bons.

...eu lembro, não sei se você já estava lá, de uma exposição de

trabalhos artesanais que nós fizemos com o pessoalzinho da unidade

de terapia educacional, de quadros, éé, trabalhos em argila, gesso,

papeis, enfim né, tudo o que eles produziram, nós montamos lá uma

exposição naquele anfiteatrinho que tinha lá no fundo, é, fiz uns

cartazes, na época já começavam a falar dos direitos das pessoa

especial, (já divulgava?) a cartilha e tudo mais isso daí, né, já

divulgava mais essas coisas então, eu pedi, o meu ex-marido, que é

desenhista, então ele reproduziu de uma cartilhinha os desenhos e os

dez artigos lá, né, do, da pessoa especial, e ele fez lá, tenho até hoje

em casa isso, ele fez os desenhos, escreveu, nós colocamos em

cavalete na entrada do auditório, e ficou muito linda essa exposição,

teve uma divulgação legal, né, as mães ficaram muito orgulhosas de

seus filhos, os da unidade de terapia educacional que tinham um

cognitivo legal, que tinham uma comunicação legal, também puderam

participar, mostrando, exibindo os trabalhos deles e dos amigos deles,

né... As festas de Natal também eram muito bonitas, muito

comoventes, muito alegres, porque a gente reunia toda a turma do

centro de avaliação e terapia e unidade de terapia educacional, aí...

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Nossa, nem sei quantas crianças, adolescentes, familiares, né,

convidávamos gente dos outros departamentos, e fazíamos uma festa

bonita, com muita música, muitos enfeites, na época tinha aquela

coisa do prefeito vir trazer o brinquedo de Natal pra eles... E teve um

ano que nós fizemos um coral de mães, com músicas de Natal, então a

terapeuta ocupacional, ela é pianista, tal, gosta muito de música, ela

ensaiou essas mães lá com as músicas de natal, as mães toparam,

acharam muito bacana, então teve um coralzinho de umas oito mães

da unidade de terapia educacional manhã e tarde e cantavam as

músicas de Natal, ficou muito bonito, na época o meu filho estava

começando a, a aprender o teclado... Aí ele foi, fazer o

acompanhamento... então, foi muito divertido, ele se sentiu muito

bem, muito honrado de fazer isso, né, e os filhos dessas mães achando

maravilhoso a mãe ir lá no palco, que a gente improvisou na quadra,

cantando pra eles, pro prefeito, pros convidados, né, foi maravilhoso!

Ahn... e aí, acho que no ano seguinte ou no mesmo ano, não me

lembro se foi no mesmo Natal, nós fizemos um presépio humano, com

o pessoal da unidade de terapia educacional, lá os, os adultos, né,

então, a Carmela, né, que hoje já tem mais de 40 anos, a Perla, ahn, o

próprio, ahn, Guilherme, o Francisco, o ... aquele que eu (inaudível),

meu Deus, ooo..., o Rui, o Bento, né... todos cadeirantes, né... ééé...

Então, nós fizemos um presépio humano, nós fizemos lá o cenarinho

lá da choupana lá, tudo bonitinho... Então, os três reis magos eram

três cadeirantes, aí nós fizemos as roupas, as túnicas, né, os turbantes

tal, aí teve uma Nossa Senhora, uma das mocinhas lá, o José, e o

Jesusinho, o Jesus bebê, nós pegamos um downzinho recém chegado

no centro de avaliação e terapia, ele tinha uns quatro, cinco meses,

né... Então, nós o vestimos de Jesus menino e colocamos lá, ai mas

ficou maravilhoso, não teve quem não chorasse, ficou lin-do! E aí eles

fizeram a encenação, e foi fotografado, e tudo o mais, né... Nós ali

ajudando, né, meio que de ovelhinha pra não aparecer muito, né, e

ficou maravilhoso [risos da entrevistadora]...

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EDUCADORES: GLÁUCIA

E - Bom, ééé, eu gostaria que você me falasse livremente sobre seu

trabalho com pessoas com deficiência.

Gláucia – Bom, ééé, eu classifico como, a princípio, como uma

paixão, né. Ééé... Foi uma escolha de fato, né, eu não fui induzida, ou

caí por acaso, né, na, na questão de trabalhar com pessoas com

deficientes, deficiência... Embora tenha até parentes deficientes, mas

não foi isso que me motivou, né. Eu estudava magistério e imaginava

dar aula em educação infantil, né, no, no ensino fundamental, mas eu

não imaginava, escola especial ou educação especial. Ééé... Um dia a

professora de psicologia levou, nos levou pra fazer uma visita numa

escola, né, de deficientes, e quando eu entrei, simplesmente me

apaixonei. E falei “é isso que eu quero”, e fui buscar todos os

recursos necessários pra poder me formar, né, e ter uma bagagem pra

poder trabalhar nessa área. E aí a gente vai aprendendo com a vida,

né. Que nem, ahn... Quando comecei eu tinha 19 anos e fui trabalhar

justamente com adolescentes. Então era uma fase difícil, né, dos

adolescentes se masturbando e eu 19 anos, eu não saiba o que fazer, o

que falar... E aquela coisa, fui crescendo junto com eles, né, e

aprendendo com eles também, né. E hoje eu vejo assim, que eu estou

há 24 anos nessa profissão, né, na educação especial, e hoje eu vejo

assim que muitas coisas, né, ééé, pra trabalhar com aluno com maior

dificuldade, eu utilizo até recursos que eu utilizei com meus filhos

quando eram menores, né. Você, você vê, éee, a necessidade daquele

aluno, né, na idade, que ele se encontra, pode ser jovem, adolescente

ou velho, mas, mas a necessidade de um carinho ou então uma

intervenção de uma criança menor. Então eu volto lá atrás, eu penso

nos meus filhos, em como eu faria e eu consigo os resultados com

isso, né. Então, eu, ahn, eu acho que é paixão mesmo. Hoje eu não

saberia dar aula num ensino fundamental de primeira à quarta série.

Eu não conseguiria. Mesmo, ann... Havendo inclusão. Né... Não

conseguiria me ver no meio de uma sala com 30, 35 alunos, né, eee

com as inclusões, né. Eu acho que talvez eu desse mais atenção à

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inclusão do que aos outros, né. Éee... Que nem, eu lembro, eu

trabalhei em um conhecido banco privado, né, e a dona Regina que

era diretora falava que o professor, “professor é um sacerdócio”, né.

Como se a gente tivesse que aceitar tudo, salário, né, as condições,

né.

Éee, eu não acho que ser professor é um sacerdócio, mas é uma

questão deee, de amor mesmo, de paixão pelo que faz, né. Tem que

ser apaixonado principalmente na área de educação especial. Éee,

não vejo também como uma forma de você ter pena ou piedade, né,

dos alunos que tem uma condição, éee, inferior, ou é um aluno

cadeirante, um deficiente visual, auditivo, ou mesmo um deficiente

mental, não vejo nesse sentido, né, eu não sinto... É, eu acho que é

como a questão da, eles tem direitos iguais, né. Éee, porque é uma

coisa que aconteceu também, acho que foi muito engraçado, éee,

quando o meu filho fez um ano, eu aluguei o salão do prédio em que

eu morava para fazer a festinha de aniversário e coincidentemente o

porteiro fez um erro e marcou também a festa de um aniversário, no

mesmo, no mesmo dia, de um outro aniversário. Aí, éee, eu comecei a

pirar, claro, eu marquei primeiro, “é a festa do meu filho, não quero

saber, o sindico que arrume outro lugar, que arrume outro lugar para

essa pessoa aí, o salão é meu, e tal”. Aí, Liguei para o meu marido,

ele ficou muito nervoso e tal, quando ele chegou em casa desceu para

falar com o sindico e daqui a cinco minutos ele sobe chorando. E aí

eu falei “o que foi? Apanhou do sindico?“ [Risadas de ambas]Ele

falou “não, se você visse o menino, né, que você vai fazer aniversário,

né, de sete anos, na festa do salão, você ia ceder o salão para ele”. Ai

eu falei "por que?”. “Porque ele é deficiente”. Aí eu falei, “Ué? E

daí? Eu marquei o salão primeiro”. Eu falei assim, “não é porque ele

é deficiente que ele tem o direito de passar na frente do meu filho,

nesse sentido, né? Da marcação do salão”, né. Aí, ai, “mas, ele vive

no colo, não sai do colo da mãe, ele não anda, ele não fala”. Eu falei,

“você precisa chorar por causa disso? Tem necessidade de você

chorar? Vamos lá, vamos descer, vamos conversar”. Claro, no final

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eu acabei cedendo. Não porque, éee, ele era deficiente, mas por todas

as condições da mãe, a mãe era uma pessoa sozinha que não tinha

ajuda do pai. Eu não, eu tinha meu marido, que se tivesse que me

deslocar pra outro local, um salão que o sindico arrumasse, eu tinha

meu marido que ia me ajudar, ela não, era uma pessoa sozinha, né, e

que ainda tinha que ficar carregando o filho... Eu falei assim,

“Claro”. Pedi, né, conversamos, e cheguei... Mas achei um absurdo

ele chegar em casa chorando, “Ai o menino não anda... éee, ele não

fala, ele tem sete anos e vive no colo, e tá no colo da mãe, não sus...

não sustenta a cabeça”. E pensei, “Nossa você está comigo há vinte

anos e você não aprendeu, você ainda não viu, né, que, éee, que eu

trabalho nesta área, que eu trabalho com pessoas assim, e a gente tem

que olhá-las de forma igual”, né. Eu acho que assim, a gente tem que

dar o devido respeito, né, as condições né, mas eu acho que isso é

piedade, né. Então, eu sinto que... sempre eu falo, quando eu entrei

nessa..., quando eu fiz meu primeiro curso pra educação especial, foi

na escola em São Paulo, né, a dona Nilza que era dona da escola ela

falava “as pessoas acham que o professor entra em educação especial

por dois motivos ou porque morre de pena, ou por status”. Porque um

tem... um tempo atrás até dava status falar, né, que trabalhava com

educação especial.

(...)

Porque um tem... um tempo atrás até dava status falar, né, que

trabalhava com educação especial.

E - Ah, é?

Gláucia – É, é. Nossa! E as pessoas ficam, nossa ficam comovidas.

“Que trabalho lindo! Que Deus lhe abençoe! Como você é

abençoada!” Eu, é... Não. Eu sou uma pessoa normal, eu

simplesmente escolhi esta área porque eu gosto, porque me desafia,

né, e porque nessa área eu tenho a possibilidade de fazer inúmeras

coisas que eu gosto de fazer e na educação formal eu não consigo,

não poderia fazer. Que nem, eu posso nesta área fazer uma dança, né,

desenvolver um, uma [7:25] corporal, de dança, de musica, fazer um

show, fazer um teatro, é, fazer inúmeras coisas que eu acho legal, que

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eu gosto de estar fazendo e que a educação especial, ela possibilita,

justamente, por causa dessa diversidade, coisa que no ensino

fundamental tem que seguir um currículo, tem seguir um conteúdo,

tem que cumprir uma meta. A educação especial não tem meta, não

tem tempo, né. Eles aprendem o tempo todo. Acho que é por isso que

eu vim pra educação especial.

Gláucia – ... O ano passado mesmo, eu peguei um aluno de oitava

série, né, ééé... e, uma graça o menino, extremamente tímido e com

uma situação familiar complicada, né, ééé... o pai, a gente sabe que

ele é bandido, né, a mãe é uma pessoa até bacana. o pai não está

recluso, mas, né, até por ser uma comunidade extremamente carente,

o menino é uma graça, e aí, o menino sofre por conseqüência, né, da

desestrutura da família. Ele é tímido, mal falava né, usava aparelho,

né, já tinha problema, né, de fono. E aí a mãe veio desesperada

conversar comigo ai eu falei, fiz uma sondagem com ele, e falei assim,

“seu filho não é deficiente”. Como eu tinha pouco aluno, né, eu tinha

horário vago, falei assim, “vou fazer o seguinte, vou pegar um

horário que não tenha aluno nenhum porque deficientes e vou fazer

um trabalhinho com ele”. Em quinze dias o menino estava lendo e

escrevendo. E ele era um menino que estava sendo indicado pelos

professores como deficiente.

E - Deficiente de que tipo?

Gláucia – Mental. Por que era um menino de oitava serie que não lia

nem escrevia.

E - Quer dizer aí, a questão da aparência...?

Gláucia – Não!

E - Você contou, você falou que ele usava aparelho...?

Gláucia – Não, ele usava aparelho porque ele tinha problema de né,

da fala ele trocava letras. Então, um exercício de fono, pelo fato dele

ter colocado aparelho, acho que isso dificultou muito, né, a questão

da linguagem, né. Então, ele tinha toda essa questão, da vergonha,

um menino lindo, ele não tinha aparência nenhuma, né. Pelo fato que

ele estava na oitava série não lê e não escrever nada, apenas copiava,

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né, os professores achavam que ele era deficiente mental. Ele veio pra

cá, a gente ficou fazendo um trabalho legal, conversando, um

trabalho individual, né, ai ele também, pra ele não sentir, porque ele

ficava envergonhado porque eu tinha um Síndrome de Down na sala,

tinha p.c., pra ele não sentir, é, constrangido, né, e nem reforçar

aquilo que acho que já estava embutindo nele, né, de que ele também

era deficiente, eu fiz um horário separado. Não é, não é nem o

objetivo dessa sala fazer isso, né, eu fiz um horário separado, eu fiz

um trabalho com ele e em quinze dias ele tava lendo e escrevendo.

Então, esse, eu percebo que acontece... Que nem, eu tenho um aluno,

eu acho um absurdo, hoje eu peguei a lista, três alunos que estão na

PRODESP já na frente mental, e são três alunos que ainda estou

avaliando desde o ano passado e que eu tenho quase certeza que não

são mental, que têm uma dificuldade muito grande, né, um problema,

uma dificuldade de aprendizagem, né, ééé... na questão da

concentração, na questão de memorização, né, mas não tem nada, é,

que indique que tenha uma deficiência mental e eles já foram

cadastrados na PRODESP como deficientes mentais.

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ENTREVISTA: MELISSA

E –Gostaria que você me contasse um pouco do seu percurso

profissional, como um todo...

Melissa – Bem, eu... Fiz magistério, né..e...e pré-escola...aí...quando

eu me formei, eu prestei concurso na minha cidade...né...eu saí do

magistério, eu ajudava uma professora na...eu adorava...e eu me

dediquei tanto ao estágio, que a professora me contratou, pra eu ir

todos os dias, pra estar ajudando... pra ajudá-la no dia a dia, porque

era uma pré-escola, então precisava, ela já tinha uma certa idade,

então precisava de uma pessoa pra sentar junto... é... no chão com as

crianças, né? Que tivesse mais agilidade, e tal... e eu, me identifiquei

com o trabalho. Aí, quando eu me formei, fui fazer... fui prestar

concurso na minha cidade, que é interior de São Paulo,

Granada12...aí prestei concurso e passei. E fui pra escolha... na hora

que eu fui escolher, o... o responsável lá pela atribuição, me... me

indicou: você não gostaria de trabalhar na... numa sala da

associação de educação especial? Falei pra ele... Mas, assim, sem

muito saber o que que era... cê num... né? ... Aí peguei e... assumi a

sala, né? Fui lá conhecer o trabalho... nisso eu tinha prestado

vestibular na UNESP... e nem sabia que tinha Educação Especial na...

na... na UNESP, no curso de Pedagogia... porque o meu irmão, né...

namora... na época namorava com a minha cunhada e ela queria... ia

prestar concurso também... aí meu irmão trouxe o manual de

inscrição pra mim e eu fiz, né? Que na época também, eu não tinha

condições de pagar, se fosse pra fazer uma faculdade particular, eu

não teria feito. Aí eu prestei e passei... Ah! e... fui trabalhar na

associação de educação especial, né?... E justo a psicóloga da

associação de educação especial também, iniciou o curso junto

comigo, de Pedagogia...

12 Os nomes das cidades mencionadas na gravação foram alterados, na transcrição, pela mesma razão pela qual

todos os outros nomes foram alterados para nomes fictícios.

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participando de congressos, a gente vinha muito pra cá, porque... a

associação de educação especial investia muito, né? em (paralisia), a

gente ia em todos os... os encontros da associação de educação

especial todos os anos... né... tinha muito... muita, é... é... a gente

trocava muita experiência, né... conhecia muito... então foi uma época

muito boa... aí depois, em 86, né... me formei, no final do ano,

(edu/mel-02a)

... aí em 87 eu peguei o Estado... classe especial... aí eu fiquei... um

ano... dois anos, né... é... na classe especial à tarde, e na associação

de educação especial de manhã... aí foi quando o Estado fez aquela...

aumentou a jornada... que era ciclo básico, porque tinha que

trabalhar tantas horas, aí num deu acúmulo, né? ... aí eu tive que

largar a associação de educação especial e ficar no Estado... aí eu

fi... peguei uma escola numa cidade vizinha de Granada, que dá uns

16 kilômetros, mais ou menos, e cheguei na escola... foi... tinha 15

alunos, a classe especial... Foi uma psicóloga que avaliou... e a

própria psicóloga, como não tinha muita, muito professor habilitado,

ela que pegava a sala... aí cheguei na escola... minha primeira

experiência... quando eu cheguei... de 15... eu detectei só 3 né,

deficientes... os outros eram todos, com dificuldade de

aprendizagem... né... todo tipo, é... é criança... com problemas

emocionais sérios... aí foi uma batalha pra mostrar pra escola o que

que era classe especial, que não era um depósito, né? Aí fui bater de

frente com o diretor... (risos)... aí peguei os diretores a (...) ou alunos

que tomavam medicação muito forte, que não conseguia acompanhar,

então isso veio com várias deficiências... os deficientes, mas era o

que? Só que aí eu fui pedir ajuda pra minha professora da

faculdade... professora Jasmim, que dava didática e tal... e ela era de

Granada também... aí fui na casa dela, pedi... aí ela pegou e falou pra

mim... olha: então faz assim, eu vou fazer uma visita... né... e ela foi ,

passou uma tarde comigo, porque antes de eu tomar uma... uma

decisão, precisava, né? de... de ter outras opiniões, né? pra

saber...saber (...). Aí eu peguei, pedi ajuda pra professora Judite, ela

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foi tal, e falou assim: olha, realmente, você tem razão... vamo ver o

que é que a gente pode fazer... e ela como tinha muita influência na

delegacia de ensino, que ela era de Granada também, o marido era

médico... e ela professora da Universidade, né? na UNESP ... aí ela

foi, né? na delegacia de ensino conversar com o supervisor... e falou

com o supervisor, né? que se não tirasse aquilo que ela viu realmente,

que se não tirasse as crianças, que ela ia denunciar... (os professores

de psicologia) Aí a diretora, nossa, teve um ataque... “não, nunca!” –

me chamou – que nunca foi... ameaçada, que num sei o que, num sei o

que, num sei o que... Aí, a Judite entrou novamente, né... com o

pedido, aí eles tiraram; aí eu fiquei com três alunos, mesmo, que eu

achava realmente que precisavam da classe especial... (edu/mel-02b)

... eu comecei, é, eu fui chamada em abril... 16 de abril, aqui... então

de fevereiro a março, eu peguei a unidade de terapia educacional, me

ofereceram essa unidade, pra trabalhar... só que... aí a Verbena

falou... a Verbena que... que coordenava lá... que era da... da escola

de crianças surdas, e a Belinda... e aí elas falaram: “pega como

cargo suplementar, porque quando você for efetivar, você já fica nela

mesma...você não tem que mudar, né? quando você assumir o cargo

de adjunto...” aí fui pra lá, trabalhar na...na unidade de terapia

educacional... nossa, me identifiquei totalmente com o trabalho...

maravilhoso... uma equipe, assim, tava.... era uma equipe nova, que

era eu, a Lenira, a Dulce... a Roxana... depois veio a Angélica ... a

Estelita como fono... tinha a assistente social, a Lia que tá

na...trabalha na (...), nós éramos em sete e... e, aí... elas tavam meio

perdidas, assim... a Roxana era a mais antiga... e a (...) tava: “ah!

tudo novo...!” ela não tinha experiência, porque ela tinha acabado de

passar no concurso, e foram as vagas que sobraram... A única vaga

que tinha era a unidade de terapia educaiconal... então elas não

tinham muito que escolher... na área delas, né... Psicologia, né...

porque a maioria vinha... outras...

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E- Mas você escolheu lá... por que te ofereceram ou você sabia como

era o trabalho?

Melissa – Sabia... Eu sabia... Aí eu fui pra lá... e eles tinham a

experiência...eu não sei, a experiência que eles passaram, pra mim,

assim... é... o pedagogo nunca ficava... é... assim...ficava uns meses,

depois saía...e, na realidade lá, quem...como é um trabalho de grupo,

quem tinha que... que puxar, era a pedagogia, né...todo o trabalho... e

elas não tinham experiência, assim...na área delas, né? Aí...aí eu

comecei a levar uns projetos daqui pra lá... né...eu à tarde e a

Marilena de manhã... então, uns meses a gente trabalhava aqui...

né..teve um ano... primeiro semestre: identificação, né... quem sou eu,

tal...vamos trabalhar lá... aí eu então, né...tentava fazer mais ou

menos (...) de trabalho...então eu levava as atividades... e a gente ia

adaptando... e nós montamos um grupo assim, ó... que... super

engajado... nossa, o olhar era o mesmo... foram... três anos... 2004,

2005... dois anos, acho... maravilhoso... e as crianças cresceram

assim... o ganho foi muito grande... tanto que a... que a gente

começou a encaminhar pra cá... nossa turma foi a pioneira, porque

antes: “ai, mas participar não aceita...” como não aceita? E eu

procurava né...conversar... (...) discutia, aí a gente...aí eu encaixava

numa sala que eu achava legal, com uma professora super legal, né...

então tem que dar certo...foi a Deby, a primeira... aí depois foi

vindo... eu fiquei..eu fiquei os que não eram usuários de cadeira de

rodas... a gente conheceu o Fermino... eu falei: “ah! não tem

condições...” e já tinha... e já estava mudando o perfil daqui... Aí a

gente foi encaminhando e foi dando certo, né...aí ficaram só os

usuários de cadeiras de rodas, por quê? Aí não tinha uma infra-

estrutura e nem transporte pra trazê-los, né? Eu me empenhava, então

não adiantava a gente tentar encaminhar sem estar em condições, né?

E – Melissa... antes de você prosseguir comentando isso, gostaria que

você... é... me contasse, como é que você vê... quais as diferenças que

você vê entre o trabalho que você fazia aqui e o trabalho da unidade

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de terapia educacional, porque havia uma distinção nesse trabalho,

né? O que caracterizava essa diferença, se é que existia, né?

Melissa – Existia... então... lá, a gente trabalhava em equipe... né...

uma equipe... lá, né...era um trabalho em grupo também, que isso que

era o... que... que... era o... o objetivo, né... não era trabalhar

individual, né...tinha os específicos... mas na realidade a unidade de

terapia educacional era o trabalho em grupo... pra dar...acho que...

pra dar oportunidade pros alunos terem contato com os outros... né,

de estar trabalhando o grupo... lá era uma vez só por semana.... era

muito pouco né... e... essa diferença aí... e assim, o trabalho em

equipe você cresce muito, né... pro aluno também, porque, por

exemplo, eu levava um atividade, né..aí...a gente trabalhava, a gente

foi trabalhar, né... esquema corporal... é, quem sou eu, e tal, tal,

tal...então, cada um na sua área, né...um.... teórica, muito... fazia as

adaptações ali na hora... olha, vamos fazer... ó, melhor fazer isso,

vamos fazer, né? tudo... ah! Cada um tinha o seu olhar e as pessoas,

pro paciente, né, da sua área... o... o fisio, já, tive que tirar da

cadeira, fazer caminhar, pode ir até o espelho, né... atividade de

brincar, fazer mímica... então dependendo da atividade...

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TERAPEUTAS: ROXANA

E – Primeiramente, talvez seja interessante eu conhecer alguns dados

seus.

Roxana – Eu sou Roxana, tenho 47 anos, sou formada em terapia

ocupacional – eu me formei na USP, na década de 1980. Ahn... tenho

uma especialização – na verdade oficialmente são duas, porque é uma

por um centro de estudos em terapia ocupacional – e a outra é pela...

Unifesp, né, pela Escola Paulista de Medicina, em saúde mental.

Então, essa é minha especialização... formal. Ahn, eu estudei muito

geriatria, né, gerontologia, quando sa, saí da Faculdade, então essa é

uma área que eu também já atuei. Gosto e estudei, não é? Eee... tenho

algumas formações não... é... não consideradas oficiais ou... são

alternativas, não é, na prática de medicina tradicional chinesa. Então

eu tenho, também, conhecimento, formação, nessa... área. Ahn, é onde

eu atuo, também. Eee... então, eu já atuei na saúde mental, em

hospital, em clínica, ahn, trabalho com grupo de mulheres... e tô na

Secretaria de Educação do município há cinco anos, não é? Nesse, é,

setor de atendimento, aí, dentro da Secretaria de Educação, com as

crianças deficientes – e, aí, neurológicos, deficientes, ahn,

intelectuais. Eu tenho uma dificuldade de me acostumar, por conta da

idade da minha formação, com algumas terminologias, né, recentes,

dessa coisa de... inclusão, e tudo, então, às vezes a gente acaba

usando uma terminologia antiga, que sai espontaneamente. Enfim...

Mas respeitando, aí, todo mundo. Ééé... mais ou menos essa a

minha... trajetória.

E – E o que que você... já fez, assim... Você falou em saúde mental,

medicina tradicional chinesa, essas coisas todas... Você usa isso, você

tem consultório particular...?

Roxana – Eu tenho, eu tenho um grupo... eu não atendo individual.

Ééé... eu, né... Atender individualmente não é uma coisa que seja

muito a minha praia, nem em consultório particular – atendo,

eventualmen..., eu tenho pacientes eventuais, que eu costumo fazer

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coisas muito focadas, muito diretas. Eu gosto de trabalhar com grupo.

Então, ééé... eu sempre me considerei terapeuta ocupacional, assim:

minha apresentação é como terapeuta ocupacional, embora eu esteja

nessa área de medicina tradicional chinesa. Eu dou aula de tai-

chi-chuan há 20 anos, né, então... ééé... mas eu atuo; nos meus

grupos, eu já tive grupos de crianças, né, de dois a quatro anos –

nesse momento eu não tenho, não atuo – muitas crianças deficientes,

principalmente deficientes... Ah, já tive neurológico, já teve

deficientes intelectuais que passaram por esse grupo; então eu tenho

uma experiência, né, particular com... com esse tipo de crianças,

numa prática que não é clínica; é uma, uma prática corporal, não é?

E aí, eu tenho um grupo de mulheres, regular, que eu at... que eu,

como professora de tai-chi, dou aula, mas com todo uma... um olhar,

aí, de terapeuta. Então, é um grupo de mulheres, tanto que não é uma

aula comum, só de tai-chi, porque tem, ahn, vários enfoques, aí,

durante a aula, né, que é... nesse grupo de mulheres que eu trabalho.

E – E como é que foi o trabalho, com ele e... o que que, ahn,... pensar

no Jaime, o que trabalhar com o Jaime, tê-lo conhecido, provoca em

você?

Roxana - Então... Com o Jaime, por conta da... da... idade, foi a

possibilidade de... de tá trabalhando um pouco mais de recursos, né,

que ele pudesse tá... tá usando de expressão. Ahn, de expressão de

corpo, de expressão d... de pensamento, de vontade, por conta de

conseguir mover-se com muita dificuldade, né? Como ele tem

movimentos... ééé... ele é, tem um... alguns movimentos... algum...

comprometimento espástico, então, ele se estica todo, isso dificulta,

ele não consegue dobrar os cotovelos, os cotovelos estão sempre

muito esticados; dificulta a utilização da mão... então, ele tem que

usar outros recursos pra poder se comunicar. Então, a... a face dele é

muito... expressiva, né, ééé.... então ter possibilitado trabalhar isso

com uma criança pequena e... incentivá-la a usar isso... de que isso

vai... ele pode se comunicar, sim, ele tem recursos pra se comunicar,

eu acho que é uma coisa que ééé... que é interessante; é uma coisa

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gostosa que eu tou fazendo, né... poder... trabalhar com essa

possibilidade de... dar pra pess... “olha, você pode fazer as coisas”,

né? Não limitá-la. Mas... abrir perspectivas.

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EDUCADORES: ZOÉ

E – Considerando o teu, a tua experiência de trabalho com pessoas

com, com deficiência, eu gostaria que você falasse pra mim um pouco

desse trabalho se você está, ainda trabalhando com isso ou não... e o

que que cê pensa a respeito

Zoé – Não, eu não, eu não estou trabalhando mais, né.

E – Hum

Zoé – É eu pedi exoneração, é, do do cargo porque não, eu achei que

não tava atendendo mais as minhas necessidades, né, é, profissionais,

que eu não estava sendo mais útil naquele momento pra, pra aquele

setor e praa, o trabalho que eu me propunha a fazer. É, trabalhar com

deficientes foi uma coisa, assim, muito interessante, que eu pude

aprender muito na minha vida em relação ao ser humano, e a

deficiência de cada um, porque na maioria da do dos casos, das

deficiências, elas são visíveis, né, e as deficiências da gente, nem

sempre elas aparecem. E quando você se depara com um deficiente

com as necessidades e as limitações, aí você começa, sabe, éé, a fazer

uma auto-avaliação, o quanto você pode trabalhar com aquilo,

quanto você tem preconceito, o quanto você pode ser útil e o quanto

que as pessoas, éé elas tem vontade de viver e de aprender e precisa

da gente. E acho que isso foi uma coisa, assim, muito importante na

minha vida, que me ajudou muito, a me tornar uma pessoa até melhor

e compreender melhor, porque enquanto professora, sala de aula, éé,

claro que tem crianças deficientes, mas até então, até aquele momento

que eu estava em sala de aula, 2005, as pessoas não não, acho que

elas não, não lhe davam muito com essa deficiência, é ela, mesmo

que, parece que, tipo assim, ignorava, as crianças, não, é, geralmente,

o diretor, coordenador e os próprios colegas, eles tem um discurso,

assim, que a criança é preguiçosa, que ele não quer aprender, que os

pais são irresponsáveis e que ninguém tá nem aí pra educação,

quando na verdade não é isso que ocorre, principalmente pras

famílias carentes, educação é um bem maior pra eles, porque eles

entendem que eeeeles não tiveram essa oportunidade e eles querem

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pros filhos, só que nem sempre aquela criança, ela consegue,

aprender, porque além de ela vir de um lar, desestruturado, elas não

tem nem um material pedagógico pra se basear, pra aprender, elas

não tem modelo em casa, a gente sabe que você aprende por meio de

modelos. Ééé, só se for gênio mesmo pra aprender sozinho do meio do

nada, né. E aí fica muito difícil a educação dessas crianças. E

geralmente, eu não sei se os colegas, e a escola, a instituição em si, se

não tá preparaado, se não tem um olhar voltado para tá olhando

essas necessidades da criança. Não sei se eles ignoram isso, se é

proposital, se ééé, eu não sei. Eu só sei que eles não observam isso e

quando a criança começa a dar muito trabalho, ela fica do lado.

E – E com relação às pessoas com deficiência com quem você

trabalhou naquela época, que você estava lá...

Zoé – Haa

E – ... no, no centro de avaliação e terapia,

Zoé – Setor de avaliação e terapia

E – depois setor de avaliação e terapia

Zoé – Setor de avaliação e terapia, é. Eu me dei muito bem com eles

E – Hum

Zoé – É, no início eu fiquei assustada, porque eu não sabia como me

comunicar, eu achava, eeu achava, que nem todos tinham

compreensão, que poderiam se comunicar, e quando eu descobri isso,

eu fiquei, assim, muito feliz, porque nem sempre a comunicação se dá

verbalmente, não é?

E – Hum

Zoé – Mas como é que, né, quando você tá fora disso, você pensa

assim, a comunicação ela é mais precisa e mais viável quando éé

verbalizado, e ali não, eu descobri que cê podia se comunicar de

várias formas. Eles comunicavam comigo com o olhar, e a gente

criava código, do tipo “Ó se for assim, você pisca duas vezes

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Zoé – E aí eu fui lá e cantei algumas coisas pra ela e eu percebi que

ela esboçou um sorriso, meio que um sorriso, aí eu falei pra ela “Ô

Gorete, ó, quando eu falar alguma coisa, se você achar que, tudo

bem, você pisca duas vezes, s-se você achar que não, você pisca uma

vez, tudo bem?”, ela falou “Tudo bem” e aí, ó, nós fomos

conversando, falando de coisas, eu perguntei se ela gostaria de voltar

ao grupo que antes era UTEM, né, que tinham desmanchado a

UTEM. Eu falei “Ainda tem alguns amigos seu lá. Você gostaria de

voltar a reencontrar esses amigos?” E aí ela disse que sim, olha, a

gente ficou um tempão lá, essa menina voltou aos atendimentos, ela se

reuniu com aquelas, com o grupo que era da antiga UTEM, ela

freqüentou duas vezes, e participava do laanche, e a gente fazia, e eu

e a Inácia fizemos uma programação de contar histórias, e a gente

contava histórias e representava, porque alguns ouviam, outros

tinham, então você, além de, de, de falar, de contar histórias, a gente

também falava gestualmente, né, por mímica, e foi muito legal, ela

ainda freqüentou bastante tempo até que terminou, ela não ia, assim,

não era assídua, por conta da perua que tinha que buscar, não tinha

condição de locomoção. O Martins fez algumas adaptações pra cama,

porque ela ficava muito largada, não tava tomando sol, ela tava muito

pálida, e aí ele começou a conversar com a mãe e ela falou, ela

admitiu, falou “Eu não posso com ela. Como é que eu vou levar todo

dia pra tomar sol? Não tem jeito.”, né, e, mas aí ela voltou a

frequentar. Éé, outras crianças, que eu, eu falava “meu Deus, que que

eu tô fazendo aquii?”, eles não tão, desculpa, néé, eu tô falando,

falando. E aí um dia a gente conversava, já fazia alguns gestos, então

eles ou mexiam uma mão, eles mexiam o olho, então eu percebi que,

sabe, que eles se comunicavam sim, que tinha várias formas de se

comunicar e que eles aprendiam, e que ainda que for por cinquenta

minutos, quarenta minutos, era alguém que tava interagindo com ele,

aprendendo e ensinando também, que era muito, pra mim era muito

novo, né, eu não conhecia. E foi uma coisa muito gratificante pra

minha vida. Naquele momento da minha vida, aquilo, assim, acho que

foi a minha salvação, sabia. Descobrir aquelas pessoas, quando você

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acha que tudo tá perdido na sua vida, e aí você se identifica com eles,

e você começa a interagir com eles, e, e aí eu levantava cedo, eu

ficava feliz, porque eu tomava banho, me trocava e eu ia encontrar

com pessoas, que estavam precisando de mim e que eu estava

precisando delas. Foi muito bom, e eu fiquei muito feliz quando

acabou esse trabalho, porque eu acho que de alguma forma, não

precisava ser igual, mas não precisa ser dessa forma, porque eles

tiraram tudo e eles deram o que em troca? Eles não tão tendo, essas

pessoas estão aonde? Elas não estão recebendo acompanhamento.

Zoé quase não fala do trabalho que faz; não está mais trabalhando com pessoas com

deficiência. Narra eventos diversos de sua vida, parece que sempre que fala do trabalho com

pessoas com deficiência, ela se contrapõe à ordem institucional corrente. Exemplo do conflito

com a coordenação. Tem até um conflito, um embate com a Secretaria. Readaptada. Seja qual

for o sentido específico do termo no contexto da instituição escolar, ser readaptado ou estar

readaptado já traz, em seu aspecto gramatical, a noção de um processo que teve que ser

repetido. E este processo, no caso, seria o de estar adaptada. Em um tempo passado. O que

indica, por sua vez, a suposição de que, em dado intervalo de tempo, pode ter havido alguma

desadaptação. Assim, é possível que Zoé esteja, ela própria, carregando as marcas de ter sido

excluída ou questionada pela ordem discursivo-institucional, quanto aos lugares aos quais

estava adaptada – lembre-se o conflito com a coordenação – de modo a, no momento

presente, estar readaptada, exercendo papéis e desenvolvendo trabalhos estranhos mesmo à

sua formação (ver se ela fala isso, e onde).

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4.3 “Fale-me dele, dela.”

Dafne

Dafne pela família

(mãe: Heloísa / avó paterna: Ermínia)

E – O que eu gostaria de pedir a você, Heloísa, é que você contasse,

falasse sobre a tua filha, falasse sobre a sua, sua experiência com ela.

Heloísa – Experiência muito grande, né? É uma experiência, sei lá, de

repente... é uma coisa, uma coisa que a gente aprende muito, né,

porque é... com... uma crian... um filho assim. Eu acho que a gente

cresce muito em todos os sentidos, mas...

Dafne – Ada!

Heloísa – É complicado...

Dafne – Ada, mãe.

Heloísa – No começo foi complicado até a gente aceitar...

E – Quando ela quiser falar a gente pode deixar, a gente grava,

depois eu... separo. [dirigindo-se à jovem] Que é que você tá falando?

Heloísa – Fala, o que que você quer?

Dafne – Ada.

Heloísa – Quer ir pra rua?

Dafne – Ada.

Heloísa - Pra escola?

Dafne – Não

Heloísa – O quê?

E – Ada? Água? [simultâneo]

Heloísa – Que que é que você quer, é a pipoca? É a pipoca, É? É a

pipoca?

Dafne – É.

Heloísa – [voltando-se para a entrevistadora] Pipoca!

E – Ah!

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Heloísa – Você quer pipoca? É? Quer? Fala, que a mamãe dá!

Dafne – [murmura, parecendo concordar] [pes/daf-02]

E – Então agora vamos começar de novo, tá? Tá indo, pode falar,

Helô.

Heloísa –Aí eu falo o que, dela?

E – Do que você quiser. Me conta um pouco sobre, me conta sobre a

tua filha.

Heloísa – Então, daí... (...) Ela nasceu, né, nove meses normal, tal,

depois a partir de um ano, assim, foi que eu comecei, né, a descobrir

que, tinha alguma coisa diferente. Aí foi quando começou toda a

nossa luta, né, a partir de um aninho dela, aí a gente já começou a...

perceber que tinha alguma coisa diferente, a gente começou...

procurar... Só que é assim, até agora, ela não tem o diagnóstico

fechado, né, não, não se, é... chegamos no, na... na doença dela, que

diz que é uma doença genética...

E – Hum.

Heloísa – Só que..., assim, não descobriu, que, qual é a doença dela,

genética

E – Hum

Heloísa – Mas, a minha vida inteira foi lutar, né, só atrás de médico,

médico, mas, eles num... infelizmente, até agora, não chegou num

diagnóstico. Mas é assim, minha filha pra mim é... é meu tudo, né,

meu eu... É tanto que eu só... fiquei com ela, mesmo, não quis nem ter

mais outro. Mesmo porque teve a... essa história de, da família, né,

que nós somos primos. Então, aí, fica aquela coisinha, né, uma...

incerteza de ter mais um com problema, né. Aí eu preferi ficar só com

ela e cuidar dela e... [pes/daf-03]

E – Você mora com o pai dela?

Heloísa – Moro.

E – E quais seriam as, as coisas que são típicas dessa, dessa situação,

se tem alguma coisa que é mais difícil...pra você, pra vocês, pra ela?

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Heloísa – Ué, a, a nossa dificuldade aqui é só mesmo, é, é a situação,

né, daqui da casa, fica caro [04:00] tudo, financeira, né. Porque de

resto, de resto a gente leva, de boa, né, filha? 22 anos, então, tem

muita gente quee reclama da vida [04:10]. [voltando-se para a filha]

“Não é não, filha?” Eu não vou ficar [04:12]. Quando Deus dá uma

coisinha dessa pra gente, a gente tem que, encarar mesmo, corpo e

alma e coração, porque...

E – Ela se queixa de alguma coisa? Pede alguma coisa que não pode?

Quer andar, fazer alguma coisa

Heloísa – É, às vezes ela tenta, né, querer levantar. Ou, às vezes eu

fico irritada quando... de pé quer que é porque, às vezes tem, ahn,

bastante gente ali brincando, as crianças começam a andar e ela

quieta, naquele meínho, né. Então, você sente que ela tem vontade de

estar ali, mas infelizmente não dá, né. Tem muitas situações que não

tem... como, mesmo, estar envolvida. Mas em outras a gente tenta,

eee, como que se diz, ééé, incluir mesmo, né, pra não ficar excluída de

nada. Então, não sou, eu penso assim, que não é porque ela tem a

deficiência, né, não é porque ela não anda que ela não tem que tá

incluída. Pra mim, isso é... essencial na vida de um deficiente. É tá

incluído mesmo na sociedade, onde quer que esteja. E pra mim, isso

não é, é... uma barreira, mas não é, não é impossível, não. Eu

encaro... O pai dela que às vezes fala, né, eu digo “Não, não é por aí

minha filha tem o mesmo direito de ir e vir, não é porque ela não vai

com as próprias pernas que a gente não tem que encarar isso.”

Então, eu não.

[Dafne: “Quique”] não tenho barreira disso não, eu encaro mesmo,

eu faço o que estiver ao meu alcance. Já fiz e faço, né, porque, acho

que é por aí

[Dafne: “Aquique”]

Depois a mamãe dá leite. Você sabe falar, fala direito: “Leite”. Ela

quer leite. Olha que... [pes/daf-06]

E – Você entende tudo o que ela fala...?

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Heloísa – Tudo o que ela quer, tudo o que ela fala. Às vezes, tem

algumas coisas novas, né, que aí até você descobrir o que que é, mas

a gente tenta chegar lá.

E – E como é que chegam, como é que surgem, essas coisas novas?

Heloísa – Então, de repente, ela fala algu... alguma coisa que eu não

sei o que que é, e até aí eu fico, repetindo, pedindo, insistindo pra que

ela fale de um jeito mais, né, fácil para mim entender e a gente chega

lá, né, começa a se entender. Essa história do, do qui... do “quique”,

é leite que ela fala, às vezes eu, eu fico zoando com ela, ela fala:

“Leite”, você viu que aquel... aquela hora que a gente perguntou do

que que você gosta, ela falou “É quique”, né? Às vezes é “Quique” é

Caíque; leite é “quique”, que ela fala. “Quique”, só “quique”.

Caíque é “Quique”.

E – Hum...

Heloísa – Então ela inventa as palavras dela o mais parecido

possível, aí às vezes eu brinco com ela que ela fica que é, é “quique”,

eu falo, “o Caíque?” e ela “Não, é quique”. Aí até quando ela fica

nervosa e fala “É quique não, maínha, quiiique... fé”, que é leite com

café, que aí ela sabe que eu já sei o que é; não é o Caíque que ela tá

falando.

E – Quique-fé?

Heloísa – É. Café, leite com café. Quique-fé, é café com leite que ela

quer. Então, aí. Olha a carinha dela [risos]. Aí mesmo que a gente vai

se entendendo [voltando-se para a filha], né, minha linda. Às vezes é

mais complicado, demora mais um pouquinho, mas a gente se

entende. [pes/daf-07]

(...)

E – E o que que ela já fez na escola?

Heloísa – Na escola ela tá naaa, ela tá na oficina, ela não tá na

escola de ??? [21:37], escola especial

E – Hã

Heloísa – Ela está na oficina, então...

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E – Mas, faz tempo que ela freqüenta a escola, não é?

[latidos de cachorro]

Heloísa – Não faz muito tempo não, porque lá

D. Ermínia – O ??? [21:43] , como era o nome?

E – O que que era?

Heloísa – Na realidade era a, é a Unidade de Terapia educacional

E – Tá

Heloísa – Então não era escolaridade lá, ela só...

E – E agora ela tá na escola

Heloísa – Agora ela tá... (SIMULTÂNEO) é, na escola, na...

E – Quanto tempo faz?

Heloísa – Só que é assim, ela não faz escolaridade, ela tá nas

oficinas.

E – Tá. Você não pode falar um pouquinho pra mim sobre isso?

Heloísa – Uns três anos

E – Três anos? E o que que faz nas oficinas?

Heloísa – Nas oficinas faz trabalhinhos, né, de pintura, éé, que mais,

éé, com massinha, eles fazem vários trabalhinhos.

E – Ela faz?

Heloísa – É, olha a mão, olha, ela mostr... Ela adora pintar, ela

adoora um pincel

E – É?

Heloísa – Mas sujou a mão, é toda nojenta, já quer sair, já quer lavar.

A Carmen sofre na mão dela, qualquer sujeirinha ela já...

E – Carmen é a professora?

Heloísa – É. É professora. A Carmen tava desde a unidade de terapia

educacional com eles lá. Aí ela tá com ela de novo. Então eles faz,

trabalham com massiiinha

Dafne – É o quique

Heloísa – É, daí eeles também tem, faz a informática, tem o dia da

informática, eles vão na informática, tem educação física, adaptada,

né, eee, assim, todo dia eles tem uuuma atividade, diferente, lá na

escola. É, a educação física, faz é, oooo, a informática, eee, lá na

sala, faz aaa

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Dafne – [murmúrios]

Heloísa – Lá na escola, nos outros dias eles dividem, né, faz alguma

coisa, algum trabalhinho, com massinha, com pintura, né, tem é,

várias coisas... E aí,

que mais, tem na escola? Eu levo, ela adora ir pra escola!

E – Ah é?

Heloísa – Nossa, de um jeito. Ontem mesmo e antes de ontem não foi,

que o, na quinta-feira ooo menino tava doente e ontem eu tive médico,

não levei ela... Cadê o Caíque?

E – O menino?

Heloísa – O rapaz é o ajudante do ônibus.

E – Ah!

Heloísa – Tava doent, que ele tin, tinha consulta na quinta à tarde

E – Ah, eles vem buscar vocês aqui

Heloísa – Ah, o ônibus vem

E – Hã

Heloísa – Aqui. Tem um ônibus que vem buscar aqui. [pes/daf-17]

(...)

D. Ermínia – Não, mas ela já ficou internada na Santa Casa...

Heloísa – Pra fazer, mas não é, ééé (SIMULTÂNEO)

D. Ermínia – ...pra fazer, mas o médico não operou ela não

E – O que que ele acha, o que que ele diz?

Heloísa – Porque numa vez, ele falou assim que o problema dela não

tá na perna, né, no joelho, tá na cabeça.

E – Tudo bem, mas ele, ela poderia operar a perna?

Heloísa – Pode operar, só que assim.

E – Então, por que não opera?

Heloísa – Porque, assim, ele falou que, que a cirurgia é só estética.

E – Ah, só estética?

Heloísa – É só estética

E – Ah, tá.

Heloísa – Entendeu?

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E – Agora entendi.

Heloísa – Ela não tem...

E – É, é neurológico, sensorial?

Heloísa – Não seria o caso dela, então...

E – Ou seja, mesmo que ela tivesse...

Heloísa – Os pezinhos certos (SIMULTÂNEO)

E – ... ela não conseguiria ter movimento...

Heloísa – Mesmo porque...

E – ... das pernas, é isso? (SIMULTÂNEO)

Heloísa – Ela tem movimento nas pernas, o problema é que ela não

equilibra, Lígia, ela, filha, ó, quando ela era menorzinha, a gente

chegou a usar o andador é que ela não nasceu com o pé torto. Ela

nasceu, era, toda perfeitinha. Entendeu?

E – Entortou mais ao longo do tempo?

Heloísa – Entortou tudo, porque ela não era, era perfeito os pézinho

dela. Quando, quando ela, nós colocávamos ela em pé, ela fazia isso,

ela pisava igual bailarina, aí disso ela foi virando, virando e tá assim.

Ela chegou a usar; alguns aparelhinhos, só que não resolveu. Aí, o

que, aí a vó sempre insiste, ela sempre fala isso, que ela acha que se

fizesse cirurgia, ela andava. Só que até os quatro anos não era tão

torto ela ficava, ela pisava normal, ela pisava um pouquinho virado.

[pes/daf-23]

(aqui poderia ir a fala do médico à qual ela se conforma)

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Dafne por Eneida

(terapeuta)

... a Dafne, é... ela tem uma síndrome desconhecida, ela tem ali

qualquer má formação, que eu não me lembro agora, se já tinha

fechado o diagnóstico. Mas na época que eu a conheci, não, uns

falavam pc, outros falavam uma síndrome muito rara, né, mas ela era

cadeirante, usuária de fralda, ela tinha um motor de mão muito bom,

pra preensão, tudo, ela até poderia se alimentar sozinha, mas ela é

uma pessoa muito limitada de vontade, ou muito mal estimulada,

embora a mãe dela seja uma pessoa muito comunicativa, muito ativa,

muito inteligente. Mas ela não põe a mão em nada, nada, ela fica o

tempo todo com aquele gesto de tapar os ouvidos, né, que a gente

entende que começou como uma comunicação, uma tentativa de

comunicar, de não querer ouvir, ou de negar qualquer coisa que

estava sendo falado ou visto. Mas depois tornou-se um hábito, tipo um

tique mesmo, de prender os dedos, nem está no ouvido, normalmente

está aqui (aponta as próprias têmporas), nem está exatamente tapando

os ouvidos, está aqui, e ela não pega nada, não segura, então assim,

pra você desenvolver um trabalho material com ela, de fazer uma

argila, um giz, uma tinta, ou qualquer outro tipo de material, mais

leve, mas pesado, estruturado ou não, a gente não tem sucesso com a

Dafne, porque ela não segura nada, ela se recusa a segurar, a

produzir, experimentar qualquer coisa, né. Ela tem um entendimento

bacana das coisas, ela nomeia, ela aponta, ela pergunta, ela

reconhece, ela tem preferências, né, ela adora Zezé de Camargo e

Luciano, ou pelo menos a mãe fez ela adorar, né, não sei (...) (ter/ene-

09b)

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Irene pela família

(pai: Aristeu / mãe: Ercília)

E – Me falem sobre a filha de vocês, a Irene, que está presente, lendo

alguma coisa dos meus lábios.

Aristeu – A Irene ela, a partir dos 11 anos, ela começou a procurar

entender mais ela, que ela é mocinha e tal. Ela tá, é, descobrindo as

coisa nova. Então tudo que ela... Que nem, aconteceu nesse fim de

semana que ela veio sozinha de ônibus, pra ela já foi uma vitória para

ela, porque eu que deixei, o pai, porque eu falei assim: “Vou confiar

nela”. E é muito importante em pessoas especiais, assim, a gente

confiar. Tem regra? Tem regra, mas tem hora em que você tem que...

abrir um pouquinho a mão. Que nem a... minha mulher fala que eu

sou muito mão aberta com ela, sou muito, muito... Não é, eu, eu troco

uma coisa a troca de outra. Sei que é errado esse tipo de... de

educação, mas, se você quiser uma bala, eu te dou a bala, mas você

vai ter que fazer isso aqui pra mim. E até agora tá funcionando,

mesmo que eu não saiba muito de sinais, mas ela... Nossa, ela me

adora, né? Então eu faço todas as vontade dela, mas só que ela...

Cobro também! E é o que eu procuro... E ela, e ela tá crescendo

bastante, to muito feliz.

[dirigindo-se à esposa, após uma pausa]: Pode falar!

Ercília – Hum? Não, o que eu quero falar... É assim, ela tá, ela tá

crescendo, né, tá desenvolvendo, mas só que me preocupa muito, né,

porque eu me preocupo, assim na... Que nem, na rua, né, o que, o que

tem na rua, o que oferece, então eu fico com medo. Medo que ela, que

ela se envolva, mas eu tenho muita fé, rezo muito, muita proteção pra

ela. Eu amo a minha filha, sabe? Não me arrependo, o que faço por

ela, que nem, depois de que aconteceu isso comigo eu vou com ela,

por onde eu andei com ela, ruas que eu sempre andei eu vou junto

com ela e busco ela na escola, levo e se for preciso também levo. Já

levei num (inaudível), médico também, levo ela... Então eu luto por

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ela! Eu acho que se eu, se eu to aqui é pra acompanhar ela,

né. (pes/ire-01)

E – E como é que vocês têm feito atualmente?

Aristeu – Em que termos?

E – Quando a Irene quer falar com a mãe ou quando a mãe quer falar

com a Irene?

Aristeu – Eu, graças a Deus, eu posso falar pra você que é que nem

eu tava falando, que ela... Tá desenvolvendo um outro lado que... Eu

acho que toda criança especial tem um lado que ela se vira; ela tem

um jeito de saber se socorrer. Então, no caso dela, por exemplo, ela

faz o maior esforço, vai perto da mãe... Põe a mão...

Ercília [simultâneo] – Aí, eu entendo...

Aristeu – ...ela pega um lápis, escreve...

Ercília - ...aí ela escreve, né. Como agora ela já aprendeu, ela

escreve.

Aristeu - ... então, a gente... quando eu to perto, procuro ajudar o

máximo, então, é, ela mesma se superou. Ela viu que o problema da

mãe... tá sério... e ela procura ajudar. Daí de vez em quando ela meio,

né... Fase meio de criança, meia...

Ercília – Desligada.

Aristeu - Desligadinha, né, mas... Ela tá, agora, numa outra fase, que

ela desde os 11 anos passou a ... ser mulher, então ela... já tá com um

outro jeito, com outro comportamento. Ela mudou bastante, bastante.

Quem, quem convive todo dia com ela não percebe, mas... muita gente

fala assim: “Nossa, como que essa menina tá!”. Então é por quê?

Você viu, lá, o quartinho dela... Hoje não, mas .... Você acredita que

ela foi lá e... eu falei: “Tem que limpar, tá sujo” [faz gestos, com as

mãos, indicando como falou com a filha] e ela foi lá e fez, do jeito

dela. Mesmo não gostando, que ela não gosta de limpar. Tá apenas

com doze anos, quer mais é assistir televisão e essas coisas, mas ela

tem colaborado bastante, ela... Espero que até os treze, catorze anos,

ela vai estar tranqüila pra vida. Eu calculo que é isso, porque... ela

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sabe que nun... A mãe, infelizmente... Ela, ela briga ca mãe, mas ela

vai lá, ranca os pelinho da mãe, ela pinta batom quando vai sair...

Ercília – Mudou muito, né, assim, quer coisa transparente... Aí, pra

mim, quebra tudo, a gente mudou tudo!

Aristeu – Mudou os hábitos, hoje nós não temos mais...

Ercília – É... prato...

Aristeu – Aquele copo que você tomou água, a gente já não tem mais.

Tinha um monte de caneca, quebrou a metade. Aí...

Ercília – Mas é os de cor... azul, amarelo...

Aristeu – É o que define, então...

Ercília – É... dá pra mim ver...

Aristeu – Cada um tá se ajudando de um jeito.

Ercília – É...

Aristeu – Eu, por exemplo, faço comida, passo roupa, eu faço de tudo.

De vez em quando que eu... fico bravo, falo: “Ó, ajuda aí!”. Hoje

mesmo, ela almoçou, antes de você chegar, já num falei nada, ela foi

lá e lavou o prato. Acho que foi ... A mãe que falou porque eu num...

Num comento.

Aristeu – Inclusive a Ercília tá ajudando a amiga, pra menina que

também é deficiente, né.

E - Ah, é?

Ercília - A Áurea Cristina? Tá comigo.

Aristeu - A Cris.

E - Como assim, tá com vocês?

Aristeu - É, ela fica aqui, a mãe dela trabalha.

Ercília – Pagava uma pessoa, mas a pessoa não que... não quer mais

olhar a menina e...

Aristeu - Aí ela fica aqui!

Ercília - Aí, menina, sabe, me corta o coração, a menina perder... Vê

ela lá, porque não tem quem leve, e a menina não queria... Eu digo:

"Ta bom, se vocês me pagar eu fico", aí eu vi que ela se dá muito bem

com a Irene. Ela fica comigo. Ta comigo agora.

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Aristeu - Então é, até a Irene procura ajudar, sabe? Então é aquela

luta que a gente faz, né. Quer dizer, a nossa casa é simples, tudo, mas

aqui é tudo junto, um ajudando o outro. (pes/ire-04)

E- Então, é, vocês estão dizendo que as coisas mudaram muito depois

que você, Ercília fez a cirurgia de extração de um tumor que afetou a

sua visão.

Ercília - Foi.

E - Antes, como é que era?

Aristeu – Ah, por exemplo... Eu mesmo, não lavava um copo. Minha

roupa sempre tava passada.

Ercília – Era sempre eu, né.

Aristeu – Então... Mudou tudo! Eu que lavo as roupa, faço a comida,

eu que, de vez em quando eu salgo, ela enche o saco. Então, mudou

tudo, mudou tudo... Mudou tudo. Hoje é... Companheirismo, mesmo,

um ajudando o outro, porque... tem hora que eu brigo com ela,

porque ela não quer ser tratada como uma pessoa inútil. E não é

mesmo! Ela tem braço, tem perna, tem boca, fala pra caramba. Então

o que que eu falo pra ela, falo assim ó: "Você não quer ser tratada

como inútil?". Ela pega o cabo da vassoura, ela arranca, fica aquela

zona, ela às vezes limpa melhor do que eu. Pra você ter uma idéia de

como a coisa muda, quando você perde uma...olfato, qualquer coisa,

você adquire outro lado. Pra mim tá sendo uma experiência incrível,

quer dizer... Uma mulher cega, uma filha surda, pra mim é... (incrível,

é da ordem do não acreditável, mas é dito) Pra mim é... Um

caminhoneiro doido então, você fica assim , meio perdido. Mas, como

eu trabalhei quatro anos agora numa firma de estética, pessoas de

alto padrão, você acostuma a mudar. Mudou completamente, até

minhas atitude mudou. Sem perceber, e é a mesma coisa a Irene,

quando ela percebeu que a mãe dela não tava mais com aquele

cabelão bonito que tinha, não sei se você lembra, aquele cabelão

comprido, tal, mudou completamente. Ela vai, quando sai, ela vai lá e

põe um batom na mãe pra ver se ta legal (tentando processar a

mudança?).

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Ercília - É, ela põe batom.

Aristeu - Ela mesmo que... Ela cuida da mãe dela...Ela não quer,

quando ela sai sem batom, ela fala: "Por que que você vai sem batom,

eu pus!". Então é... As duas mulheres. Até quando ela tá menstruada,

tem algum pobrema, ela chama a mãe dela lá, vai lá, se vira com ela.

Ercília - É, já é mocinha, já.

Aristeu - ...Já não quer, nem... Oxe, quantas vezes eu vi essa menina,

não é, nua, agora vai lá pravocê ver: "Não!".

Ercília - É, não deixa o pai... (pes/ire-05)

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Irene por Bibiana (ex-professora)

E – Então... me fala um pouco sobre a Irene.

Bibiana – A... Irene, ela é uma criança... é..., quando ela entrou

aqui na escola, ela é filha única, bem paparicada pelos pais... né,

pelo... Bem... bem dondoquinha, assim, mesmo... bem cuidada pelos

pais, com aquele medo... dela... eee, assim, ela sempre foi uma

menina, assim, muito... ééé... pouca concentração, vamos dizer

assim. Ela tinha pouca concentração, mas sempre carinhosa; você

tinha que tar sempre chamando a atenção dela: “Irene , olha pra

mim; Irene , olha pra mim”[gesticula, mostrando como fazia], pra

você poder pegar o que ela tá aprendendo. Pra ela te dar um retorno,

você tinha que tá sempre questionando ela. Eee... e ela sempre foi

assim, beeem... então, qualquer coisa ela dispersa, mas ela aprende

bem. E... os sinais ela aprendeu bem... aaa... a se comunicar com

os outros amigos ela aprendeu bem, o problema del... da Irene , até

hoje, ainda é a alfabetização. Ela tá indo prá quar... ela tá na quarta

série, hoje, e ela não está alfabetizada, ainda. Ela não consegue

escrever uma frase completa. Mas ela se comunica muito bem; a mãe

dela teve um problema de saúde grave, que a mãe dela perdeu a... a

visão... Então, ela teve que ser o olho da mãe... mas sem as... num...

não podia ser... num tinha boca. Ela sem poder falar e a mãe sem

poder ver. Então elas conseguiram ééé... com o treinamento da mãe –

porque a mãe teve que fazer treinamento quando perdeu a visão, pra

poder andar, tudo – ela conseguiu ter códigos ca mãe, pra ela poder

andar na rua com a mãe. O que a mãe não via ela via pela mãe. E o

que el... ela não podia falar, a mãe falava por ela. Então isso eu achei

muito bonito nela e... ela e a mãe; conseguirem ter um código, sem

ser aquela LIBRAS pra cego, mas ela conseguiu ter uma LIBRAS, um

código entre ela e a mãe dela, de... como elas se comunicavam. Então,

e acho que depois disso ela deu uma boa amadurecida, porque ela

teve que aprender a olhar bem pra mãe dela, pra entender o que que

a mãe dela tava querendo dizer pra ela. Sem olhar muit... ééé...

porque a mãe não tem muitas LIBRAS... fala LIBRAS... mas não

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fala em fala. Então, a mãe sabe pouca LIBRAS e fala mais.

[interrupção pela aparição de outrem na porta da sala onde ocorria a

entrevista]. Então, acho que, assim, é muito bonito entre ela e a mãe

dela... e-esse código que elas formaram, que elas tem com elas. Então

ela sabe olhar bem pra mãe dela, agora, e ela tá... tem um toque que

ela dá na mão da mãe dela, pra dizer: “mãe, tem degrau; mãe,

cuidado; mãe, olha pro..., para...” Ela tá ligada e ela sempre tá por

perto da mãe ou observando a mãe, agora; como a mãe não enxerga,

então ela tem que ser os olhos da mãe. Então, isso achei mu... ela teve

um grande... avanço com isso, também. Ela amadureceu bem; agora

ela quer aprender; ela quer aprender, agora. Falou pra mim

[sinaliza] que quer aprender escrever... ler e escrever. Ela ainda não

sabe... então eu achei bonitinho ela... reconhecer que agora ela é

surda e tem a mãe, que não vê. Ela ajudou muito a mãe pra poder...

superar isso.

E – Então você acha que a motivação dela... pra querer ler e

escrever...

Bibiana – Também. Achei que ela super-amadureceu, que agora ela

tá com... doze, anos? Então, acho que com uns dez, onze... Onze ou

doze anos. Então, agora ela viu que a mãe precisava dela aprender a

ler e escrever. Todos os am... os outros amigos dela sabem ler e

escrever. E ela não. E eu ex...plico pra ela – que ela copia tudo –

ela... pode aprender ler e escrever! Não é porque ela é surda não vai

aprender ler e escrever!

E – E na sua avaliação, o que é que tava impedindo ela, até então,

de... não só ser alfabetizada, mas, parece, desejar ser alfabetizada?

Bibiana – Eu acho assim que, como na... aqui, na... na Rede, as

pessoas não tem um... um padrão, pra seguir; não são, assim... tem

professores que são radicais. Ela pegou professores que não gost...

não deixou el... não gostam que ela fosse oralizada... que só tenha a

LIBRAS. Então, o importante é que ela usasse... a LIBRAS. Não era a

explicação, não era a orientação, não era o conhecimento pedagógico

do aluno. Então, ela pegou um.... assim, de primeira a quarta série,

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ela pegou vários... professores. Então ela ficou sem a parte escrita.

Ela pegou toda a parte de LIBRAS, do conhecimento de que ela

surda... que ela... semp... que ela é surda, que ela vai ser sempre

surda... foi ensinado isso pra ela, mas não foi ensinado alfabetização

pra ela, porque os professores acham que surdo não precisa...

aprender, que eles aprendem se eles querem. Então, eu acho errado

essa parte; acho que a criança não tem que escolher o que ela quer,

eee... ela quer ou não, tem que o-fe-re-cer! Como uma criança

normal, não tem que aprender a ler e escrever? Por que que o surdo

não tem que aprender a ler e escrever? Porque fala que o surdo tem a

comunidade dele, tem que ter o modelo... eu não acho certo, eu acho

certo o surdo, com... o... o mundo do surdo é muito pequenininho

perto do mundo dos ouvintes; não é os ouvintes que tem que se

encaixar no mundo do surdo, é o surdo que tem que se encaixar no

mundo dos ouvintes. Então, ele tem que compreender que ele é surdo,

sim, que ele é um pouco diferente, vamos dizer assim, mas que ele vive

num mundo de ouvintes. Então ele tem que... se encaixar nisso, pra

poder trabalhar, pra poder andar, pra poder sair, se comunicar...

como ele vai se comunicar com um ouvinte, se ele só sabe LIBRAS?

Se num... num pode um ouvinte entender ele sem que o ouvinte saiba

LIBRAS? Então ele tem que se entender e se fazer entendido por uma

pessoa que não entende nada de surdez!

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Irene por Cassandra (professora)

E – Eu gostaria que você me falasse um pouco mais detidamente,

sobre a Irene .

Cassandra – A Irene a gente tá fazendo parte de um trabalho...

E – desde quando ela foi sua aluna lá na escola?

Cassandra – a Irene eu tô com ela desde pequenininha, dois anos, três

anos, ela tá lá na escola com a gente.

E – ela foi tua aluna de sala?

Cassandra – Ela foi minha aluna de sala, e agora ela vai ser minha

aluna na quinta série, que ela, ela, ela viveu esse processo de

inclusão, na quar... Quarta, estava na classe especial, passou por um

processo de inclusão a ano passado na, na, na quarta série e esse ano

vai pra mim na quinta série. Então como eu peguei ela tanto na

Prefeitura como no Estado, eu, eu venho acompanhando ela. Eee no

Estado, o intérprete que tá com a gente, que ele que vai re... eu pedi

pra ele receber a quinta e não acompanhar a sexta, ele só vai

acompanhar esse grupo, ele vai acompanhar a quinta desse grupo

que tá chegando. Eu pedi assim porque ele tá mais habituado com a

escola, com o processo, já viveu é, e, esse sufoco, eu pedi “então pega

esses alunos que vão chegar na quinta”. E ele faz todo um trabalho

também com deficiência visual. Então o nosso projeto pra esse ano

com a Irene é fazer um trabalho com ela e com a mãe, né. Éee,

Porque a mãe, é, perdeu a visão, tem uma deficiência visual grande,

que ela né, vê só vultos mesmo e cores fortes. E nesse, nesse, nesse

período a Irene cresceu muito, amadureceu, tá bem mais madura, tá

mocinha, encorpada, né, já tá dando pra chegar com ela e conversar

como adulto, né. E ela já tem essa compreensão, deixou de ser aquela

bebê né, continua ainda com algumas birras com o pai né, às vezes

com o pai ela faz birra, mas tá bem mais madura, então esse ano eu

quero fazer esse, a gente pretende fazer esse nosso projeto, de fazer

esse trabalho, éee, de ensinar libras pra mãe cega né, e ass... vice-

versa. Apoiar, a Irene , a gente já deu pra ela o braile, né, vamos ver

se ela consegue se hab... aprender né, pra, porque a mãe tá

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interessada em fazer leituras em braile agora. Quer dizer a mãe é

quem está se manifestando mais, e a Irene abraçou também, gostou

da ideia, então vamos ver o que a gente consegue.

A Irene realmente é minha desde pequenininha. Ela andou muito

tarde, ela, quer dizer ela era tratada como um bebê, então foi todo um

processo que a gente não sabe, eu não sei exatamente o que aconteceu

né. Tá. É, a questão o pai, o pai ainda até hoje tem dificuldade, o pai

tá desempregado, então existe ainda essa desestrutura, mas ao mesmo

tempo não apóia a esposa, não leva pro oftalmo, não leva pro médico,

ela tem que fazer esse acompanhamento, Né. Então ela tem que pedir

alguém levá-la, às vezes a Irene falta na escola pra ir com ela, então

né, existe essa desestrutura ainda. Nesse, é, com isso tudo a Irene

cresceu muito, ela amadureceu bastante. pedagogicamente ela tem

muita dificuldade, ela tá bem defasada pedagogicamente, o português

dela é bem ruim, e a LIBRAS também é bem, éee, restrita. Apesar dela

ter, éee, aprendido muito ela ainda tá com defasagem pra idade dela.

Porque, até porque ela nunca se interessava, agora que ela tá se

interessando.

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Irene por Alcione (professora)

E – E sobre a Irene?

Alcione – Sobre a Irene, uma mãe muito comprometida. A Irene, eu

lembro da fala dela. Que é assim: eu, eu... (...) tão comprometida. A

Ire [chama a menina pelo apelido] tem uma fala ruim, assim, se a

gente for analisar. Tudo, tudo o que ela já teve, terapia pra fala, e

nem pra linguagem – comigo, pelo menos, foi pra fala – uma

dificuldade de oralizar. Assim como algumas pessoas, eu vejo, como

algumas pessoas têm dificuldade pra aprender inglês, aprender

francês, ela tem uma dificul... eu vejo como uma dificuldade pra

aprender a língua oral, pra aprender português. Né? Não é uma

dificuldade de linguagem. Mas uma dificuldade de oralizar.

E – Mas era esperado isso dela?

Alcione – Não... assim... Na verdade, eu não espero. Eu estimulo.

Como ela tinha uma queda profunda, que eu lembro da, da... uma

surdez severa, profunda. Então, um resíduo muito pequeno, de

audição – então, ela escutava muito pouco... Ela era muito esforçada.

Nos momentos em que eu atendia, muito esforçada. A mãe trazia, a...

seguia as orientações. Bem esforçada, mas uma dificuldade de

programar a boquinha pra fazer aquilo que a gente precisasse. Era o

jeito dela mesmo, de ser. Porque tem crianças que têm perdas

profundas e que têm facilidade de (expressar), de de produzir um som

macio, um som fluente...

E – Você, no trabalho fazia alguma coisa que (...)?

Alcione – Eu fazia. Eu fazia. Exercício da boquinha, que... de

perceber o movimento da boca, de conseguir produzir mais suaves,

né?, de conseguir se modular, né?, porque ela não tem o auditivo pra

se modular. Então, se modular... com a mão, com a percepção, fazer

sons altos, fazer sons baixos, fazer sons agudos. Ela tem essa

percepção sinestésica, né?, não auditiva. Ela era muito esforçada.

Não acho que é uma dificuldade intelectual. Não. era uma dificuldade

de linguagem e compreensão, e que era uma dificuldade motora

mesmo... de vir a articular e produzir.

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Alcione – Não. Libras é uma língua estruturada, né?, linguisticamente

estruturada. Então, elas podiam me comunic... se comunicar comigo

com libras, podiam se comunicar com gestos, né?... é... com gestos...

corporais, né?, que não são linguisticamente analisados, (...)

incorporados. Elas podiam se comunicar de qualquer forma comigo.

E aí, eu deixava claro pra elas que, assim: “Aqui, a gente vai fazer só

atividade pra (...)”. (...) escutavam, (...) escutava, pra facilitar esse

outro meio, que pode ser muito útil pra elas (...), né? (...) elas. Se elas

conseguirem falar algumas palavras, pode ser útil. (Se) (uma pessoa)

não tiver a mesma, o mesmo código linguístico que elas têm. Então,

ela pode ser mais... Aí, (...) do funcional, ela pode ser mais funcional,

ela pode ter uma vida mais independente se ela sabe produzir

algumas palavras, e se ela pode produzir várias palavras.

Independente da estrutura linguística dela, da língua materna, do

meio mais rápido de comunicar. Né? Então, esse é o trabalho de

oralização, né? Uma outra coisa da... que aí eu já não... que eu sei da

I. [chama a menina pelo apelido], é assim: agora, a dificuldade, que

me chama a atenção, da I. [chama a menina pelo apelido], agora é a

dificuldade do interlocutor permitir, nem sempre, (...). Porque até

então, era só a I. [chama a menina pelo apelido] que tinha problemas

de se comunicar, (...) se comunicar, como se comunicar com o mundo.

E aí, de repente, a mãe, tem uma dificuldade visual. E aí a mãe tem

uma limitação de entender a forma de comunicação da filha, né? Que

é totalmente visual. (ter/alc-15c)

E – Hum, hum...

Alcione – Né? Então, é... numa relação que a gente criou (Irene-mãe),

que ela era mãe da filha, que bom que a mãe entende a filha, que a

filha entende a mãe... a gente sempre pensa assim: “Ah! O que que a

mãe tá sentindo?”, né? Aí, alguém assume. A irmã vai assumir. A tia

vai assumir. Mais, é quando a mãe tem uma dificuldade de se

comunicar, não com as outras pessoas, mas com a filha, né?

E – Como é que isso tem sido encaminhado? (...)

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Alcione – Não sei. (Faz muito tempo). (...). A última vez que eu

perguntei foi... me falaram que ela tava aprendendooo... a língua do,

a língua dos sinais, é... não a língua dos sinais, é... o alfabeto, que

tava sendo muito por alfabeto na mão da mãe! Então, agora, a I. tem

que ter um meio comunicação geral, dela, com todas as pessoas, tem

que ter um meio de comunicação alternativo do alter... se a gente for

pensar no alternativo aooo oral, ela vai ter uma linguagem alter...

uma língua alternativa, um meio de comunicação, não uma língua

alternativa, mas um meio de comunicação alternativo ao... à maioria

das pessoas, né?, ao da maioria das pessoas. Então, a língua dos

sinais, os gestos, as figuras. Aí, agora, ela tem que ter um meio

alternativo do alternativo, pra falar com a mãe! Esse é um meio que

ela só vai usar com a mãe! Nesse meio, o contexto de vida dela é só

com a mãe. Outra forma pra se comunicar com o (...), o pai dela, né?,

com pessoas que têm a mesma dificuldade, e outra, pra falar com

quem não (...). Não é (...). Ela tem que ter três meios distintos. Isso é

linguagem. Ela tem essa estrutura pra fazer isso. Pra discernir,

distinguir com quem ela vai usar cada meio. Então, ela não precisa

dessaaa... dessa estimulação. Ela precisa de instrumentalização. Ah!

Né? Ela precisa ser... né? Essa, essa é a terapia com ela:

instrumentalizar. Com a mãe, você vai usar, (...): “Então! Vamos

treinar?”. Eu tive uma época com ela... eu lembro disso, de fazer um

pouco dessa (...) de cantar o (...). De tentar reconhecer a letra na

outra mão. Quando a mãe estiver começando a ter alguma

dificuldade da... visual. Então, a gente começou a fazer.

(E – E agora?)

Alcione – Mas, depois, eu não sei mais. Sei que agora elas estão

fazendo... então, tá claro, né?, que eu acho que (...) entra no (...), na

limitação, né?, dessa nova forma de comunicação da mãe de (...),

entendeu? É um caso que me angustia.

E – É?

Alcione – (...) quando eu via a mãe, da, da I. [chama a menina pelo

apelido], eu (...). “Meu Deus! (...)”.

E – Que foi uma coisa que aconteceu inesperadamente?

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Alcione – Inesperadamente. Que uma coisa é quando a criança... a

gente consegue, né?... Até então, meu objetivo é: “Ah! Eu consi... eu

vou ajudar a mãe a fazer com que a criança se comunique dentro da

potenciali... dos potenciais, das potencialidades que ela tem... com o

meio que é mais favorável pra ela, pra mãe, pras pessoas que estão

próximas, né? Mas eu... e agora? O que que (...) com a mãe? Né? (...)

mas, (...) começar um outro investimento? Nossa! Por uma outra

linha de raciocínio... [Silêncio] É f...

E – Você gostaria de falar mais alguma coisa?

Alcione – Não. To bem. Satisfeita. Risos.

E – Risos.

Alcione – Eu to bem, eu gosto do que eu faço.

E – A-ham

Alcione – Hã... Hoje, eu não trabalho com surdo ou com deficiente

físico, eu trabalho com qualquer criança que tenha dificuldade de

linguagem: com autista... qualquer criança! Que tenha dificuldade de

uma linguagem ou na instrumentalização, né? Que isso fique bem

claro... Assim, isso fica bem claro pra mim e pras mães e pra quem tá

pré... perto. Que realmente é meu objetivo, qual é o meu objetivo,

onde eu quero chegar... e aí, eu dou alta sem grandes, sem... assim:

“Ó! Nesse momento... vai viver sua vida! Vai (...) Agora tá difícil de

novo? Então, vamos ver o que que tá acontecendo. Vamos fazer outra

terapia aqui. Agora tá boa? Vai, vai embora!”. Né? Não é um

trabalho de... pra vida inteira. Né? Não é isso.

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Irene por Corina (professora)

E - É... Eu queria te perguntar se você poderia falar alguma coisa

sobre a Irene. Então, o nome dela na coisa vai estar protegido, tal.

Você lembra dela, né?

Corina - - Lembro... [simultâneo]

E - Filha do Aristeu e da Ercília.

Corina - - É... eu n...olha, eu sei que ela estava na escola...

estudando, a Irene... não...

E - O tempo que você trabalhou com ela...

Corina - - Ah, lá na escola de crianças surdas!

E - É...

Corina - Não sei se você sabe que a mãe dela está cega... né? Olha, a

Irene, o que eu lembro da Irene.......... ô menininha bonitinha, de

franjinha, cabelo sempre preso, muito arrumadinha...

E - Ahn [simultâneo]

Corina - - Né, muito bem cuidada, a mãe tinha uma, uma

preocupação do cuidado com ela, né... mas ao mesmo tempo era uma

Menininha assustada, aparentava ter medo, né, mas, assim, a nível

dee... de aquisição do conhecimento, eu acredito que era uma menina

que tinha um potencial muito grande, não sei como ela está hoje, mas

naquela época... e também isso...isso vai depender, esse desempenho

da criança, acho que vai depender muito das relações que, que estão

ali com ela também, né, porque o professor, dependendo do professor,

se ele está... consegue estimular bem aquela criança ou não, né, ee...

mas assim... Ela, eu acho que era uma criança que estava em

desenvolvimento muito bem, e que na verdade às vezes, era, ao redor

delas as relações que não eram muito... né... mas como criança, eu

acho que ela interagia bem com toda criança... não sei o que mais

você gostaria de saber dela...

E - É exatamente isso, o que você tiver de lem...

Corina - - É... é... O que eu lembro da lembrança que eu tenho dela é

isso, uma criança amorosa, né, uma, serena, calma, mas ao mesmo

tempo a, apresentava um medo, não sei se talvez pelo excesso de zelo

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que a mãe tinha, E de proteção que a mãe tinha, porque a mãe

realmente protegia, né, ao mesmo tempo que ela cuidava, era uma

criança muito arrumadinha, penteadinha, cheirosa, mas esse excesso

de proteção também fazia com que ela talvez ficasse, assim,

assustada, mas interagia muito bem com as crianças, né.

E - E como você acha que essa cegueira da mãe interferiu?

Corina - Olha, eu não sei te dizer, porque, assim, eu não acompanhei

mais, né, encontrei a Ercília outro dia, nem sabia, encontrei a Ercília

numa audiência na Câmara dos Vereadores por conta

d...dessa...dessa luta da inclusão das crianças surdas, né, e ela estava

lá na... o que eu achei bacana, porque ela mesmo pega ali, acho que a

questão d... da cegueira dela eu não sei como aconteceu, mas Ela

como uma pessoa cega que se tornou uma pessoa com deficiência

visual, né, Éee... acho que começou a sentir na pele talvez o que a

filha dela enquanto surda também poderia sentir, não sei, essa

relação, “agora eu cuidava de alguém deficiente, agora eu também

estou deficiente”. E que isso pode acontecer com qualquer um de nós

na vida, né, eu não sou surda, mas eu tenho predisposição a ficar, já

tenho uma perda leve [risos], qualquer um de nós né, então eu

encontrei a Ercília na Câmara dos Vereadores, lá, lutando e falando

das dificuldades delas. “Agora, a minha filha é surda, é... eu sou

cega, eu não posso, ela não pode mais nem falar a língua de sinais

comigo porque eu não enxergo, como é que ela vai, né, estabelecer

uma comunicação?” E isso é uma coisa que nesse encontro que eu

tive, assim, rapidamente ficou pautada a questão dentro da

comunicação dela com a filha de que agora ela não estaria vendo a

filha, e a filha que é que é surda e fala... né, como é que ela ia

entender? Né, e realmente é uma situação assim, “agora eu fiquei

cega, o outro só fala em língua de sinais e agora eu não vou enxergar

o que ele me comunica”, né, então assim, é o inverso, é uma outra

situação, é... mudou...trocou as deficiências, né, “antes eu via”, né, eu

penso assim, antes ela enxergava a fil... o que a filha poderia dizer e

tudo, agora não, agora nem isso ela enxerga, eu fico imaginando, É, o

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sofrimento dessa mãe, se antes ela... se antes ela se sentia im... com

impotência assim, Né, com a filha surda, agora ela também está se

sentindo impotente por causa da própria cegueira. E aí vem mais

ainda o f... agravante o fato de ela não conseguir mais enxergar a

filha, como é que vai, porque a filha não fala, como é que vai ser essa

comunicação. É pra estudar isso [riso]. Como é que vai ser essa

comunicação, não sei, mas ela lá Tava lutando, e ela colocou essa

dificuldade, né, “agora eu não enxergo, eu não vejo minha filha

falando em língua de sinais, né, e eu estou aqui pra lutar pra que ela

tenha realmente Um, um ganho na escola”, ela estava apostando ali,

a perspectiva dela de lutar para que a escola desse o má... o máximo

de respaldo pra filha, porque ela não...não...não teria condições de

dar, por causa da comunicação, né. E realmente é uma coisa difícil,

porque ela era Uma, era e deve continuar sendo uma mãe muito

zelosa, então eu não sei até que ponto isso daí a cegueira dela, se

houve alguma interrupção aí nessa relação afetiva com a filha, ou

ela... não sei...

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RENATO

E – Muito bem, estamos gravando! Eu gostaria, então, que vocês, é,

vocês pais, pai, mãe e irmã do Renato me falassem sobre ele. Ele tá

presente.

Vilma - Certo, ok. Mas aí gravando. É, assim, é do começo?

E – De que você quiser. Fiquem a vontade, livres.

Vilma - Bom, então, então eu vou falar...

Lineu - ... Fala um pouquinho você, melhor inclusive, você está no

dia a dia dele direto com ele, você.

Vilma - É, mas aí mostra que eu também nunca, né, nunca, é. Bom, é,

eu vou começar assim, é, o Renato, vou começar do começo, o Renato

veio pra nós, eee, ooo, a primeira, sempre a gente, a primeira

pergunta é assim...

E – ... Algumas coisas eu vou anotar só pra marcar mesmo, tá?

Vilma - Então, a gente se perguntava muito “por que só e”... “por

que pra mim”? Eu vou começar assim, do começo. Mas ao longo do

tempo a gente muda, vai mudando a cabeça e ele veio porque ele

tinha que vim, né? Eee, e no começo foi pra nós, é, não foi muito

difícil de cuidar assim dele, né, porque na, pelo menos na nossa vida,

a gente teve, é, profissionais maravilhosos que nos ajudaram muito,

essa sorte nós tivemos. Ele ficou um tempo no, lá no Instituto de

Reabilitação Humana, lá na Doutor Arnaldo, ele ficou eu acho que

uns três anos...

E – ... Quando era pequeno?

Vilma - Quando era pequeno. Com um ano ele começou um

tratamento porque o me... o pediatra dizia que ele era preguiçoso.

Lineu - Não perceberam a dificuldade que ele tinha né. Ele...

Vilma - ... Até um ano ele teve todas as reações que uma criança

normal tinha, né, pai? Ele passava o brinquedo na mão do outro,

acompanhava os olhares. A única coisa que a gente observou que ele

demorou é de passar de, de sentado pra de pé. Aí com um ano, nós

tivemos a sorte de passar por um médico que realmente, ele

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diagnosticou que ele tinha um probleminha que foi no parto. Só que

até aí a gente não sabia!

E – Vocês não notaram nada, os médicos não notaram nada...?

Vilma - ... Não.

Lineu - O médico já disse que quando nasceu que ia ter um

probleminha...

Vilma - ... É que ele faltou oxigênio no cérebro. Mas ele teve, é

interessante que ele teve todas as reações normais de uma criança

naquela idade. Só que aí, igual eu falei pro cê, ele demorou pra dar

essa parte assim, de por exemplo, de sentar, engatinhar, sentar e

levantar.

E – A Catarina é mais velha ou mais nova?

Vilma - Mais...

Lineu - ... Mais nova...

Vilma - ... Mais nova. Aí com um ano a gente começou a fazer o

tratamento. Foi diagnosticado que ele tinha pc, então nós tivemos

muita sorte em ter um lugar que nos acolheu muito bem. Ele fez o

tratamento com o fisiatra, o doutor Savio Leite e ele ficou naquele

instituto, é, três ou quatro anos, fazendo fono, físio, terapia em grupo,

então foi muito bom. Aí depois nós mudamos, é, fizemos um, fomos

pra associação de reabilitação que fica em São Paulo, ali também foi

maravilhoso, né. E, aí com cinco, seis anos, a associação de

reabilitação deu alta, porque ele era... apesa... mesmo apesar dessa

deficiência no andar que ele tem, mas ele era independente. Então a

associação de reabilitação deu alta pra ele porque lá ele, que lá ele

não podia ficar. Aí pra ele ter, por exemplo se ser sociável, eu

consegui aqui no município uma escola que ele ficou dois anos pra se

sociabilizar, que foi uma escola que no... que nos ajudou muito

porque naquela época ninguém queria.

E – Entendi. Ô, Renato, o que que cê andou pensando aí que você

deu risada?

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Renato - Não é, não, é, é que a escola, é que eu ia lá pra assistir

televisão.

Vilma - Não é, não é essa ainda. [palmas de Renato] Não é do

Instituição externa M, você tava na escola Alfa.

Renato - Na Escola Alfa pra depois passar pro...

Vilma - ... Instituição externa M, então, essa escolinha ela pegou

assim, éee, ela, ela era muito difícil no começo alguém ter essa

proposta de pegar alguém diferente. E essa diretora ela me pe... me

pegou...

E – ... Era uma escola comum?

Vilma - Era um escola comum, infantil. Naquele bairro mais perto do

centro, Escola Alfa, ele ficou dois anos, só por, éee, pra

sociabilização. Aí depois ele entrou na escola da prefeitura, só que

ele não ficou porque o, o Renato pra ele aprender ler e escrever, foi

muito difícil, pela própria coord... isso foi me dito, pela coordenação

motora. Pela coordenação motora, e, e ele é muito disperso. E

disperso demais! Então ele não chegou a aprender a ler e a escrever.

Aí ele ficou nessa oficina da prefeitura e como não tinha oficina

pedagógica, eles me mandaram procurar uma outra escola. Aí eu

procurei a Instituição externa M.

Renato - É o que eles montaram uma oficina de, de marcenaria.

Vilma - Isso. Ela tinha uma oficina pedagógica, a Instituição externa

M, ele ficou lá acho que uns cinco anos, né, pai. Cinco anos, onde a

firma me ajuda... ajudava em quarenta por cento. Era particular. Eee,

ele ficou por lá um bom tempo. O que que você fazia só lá na escola?

Renato - Eu só ia lá assistir tevelisão...

Vilma - Ele só sabe falar da....

Renato - ... E capacitava tudo na sala de vídeo...

Vilma - ... Ele só falava disso...

Lineu - ... Tinha piscina, não tinha piscina também?

Vilma - Tinha piscina. Não naquela época não tinha, ela tava

fechada. Ela não funcionava naquela época. Eee, aí ele ficou lá um

bom tempo... an?

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Renato - Eu, eu fiz porque tenho foto de piscina do Instituição

externa M tava eu [risos do Renato].

Vilma - Ah! Ele fazia sim, depois de um bom tempo. Aí, tá certo? Tá

certinho o que eu to...?

E – .... Não, tranquilo. Tranquilo, não tem nada errado, não. Tá

ótimo, to adorando. [risos da entrevistadora]

Vilma - Aí, ele ficou lá, uns cinco anos, e onde que inaugurou essa

escola da prefeitura que tem, que tem oficina pedagógica.

E – E ele passou sempre, ficou sempre nessa escola, que é escola

especial?

Vilma - Sempre, ele tá até hoje.

E – Desde quando inaugurou?

Vilma - Desde quando... aquele prefeito virou deputado, quando ele

fez essa escola, era pra ser um sonho essa escola...

Renato - ... Não daí...

Vilma - ... Era pra ser a melhor da América do sul...

Renato - ... Mãe! Mãe!...

Vilma - ... Só que... ele tá até hoje lá, nessa escola...

Renato - ... O campo ... quando ele desceu lá! [batidas de palmas]

Vilma - É que o, nossas crianças gostavam muito do daquele prefeito

que virou deputado, porque ele chegava de helicóptero, era uma festa

toda. Eee ele tá até hoje.

Então, é assim, nós tivemos sempre pessoas que nos ajud... é, nós

tivemos muita sorte, realmente. Nós tivemos, igual, essa diretora da

escola Alfa pra ele, pra ela, pra ela, pra ela pegar ele pra ficar, que

nem ele ficou, dois anos, só pra ele ter o contato com crianças ela

precisou falar com os pais, sabe?

E – Explicar, né?

Vilma - O porq... É complicado, né. Porque isso, isso antigamente

ninguém queria.

E – E esses pais? Ela conversou com os pais e como é que foi isso...?

Vilma - ...Conversou, os pais aceitaram.

E – E vocês conversaram também...?

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Vilma - ...Não chegamos...

E – ...Só a professora..?

Vilma - ...Só a professora. Aliás a dona da escola, é Mirella, né.

Lineu - É, a dona da escola conversou e a professora que cuidava

dele também. Acho que eram poucas crianças então...

Vilma - ... Eram o quê, cinco, seis, sete anos, que ele tinha que era só

pra sociabilização. Então eu, eu tive muita sorte.

E – Você fala que você teve muita sorte porque você acha que os

pais, por exemplo, poderiam não ter aceitado?

Vilma - Não, assim, eu digo muita sorte de, da, da gente poder ter

conseguido fazer, porque tem muita gente que não consegue. Você

entendeu?

E – E como que você acha que seria? Como teria sido se vocês não

tivessem tido sorte?

Vilma - Num sei...

Lineu - ... Eu acho que ele não estaria assim.

Vilma - Ele não estaria assim... porque onde eu com ele...

Lineu - ... Porque se eu não tivesse condições ele não tava assim...

Vilma - ... Ele não tava assim. Olha se...

Lineu - ... Porque o cuidado com essas crianças assim, aqui no

Brasil, eu acho que não tem...

Vilma - ... Não tem...

Lineu - ... e na associação de reabilitação, na associação de

reabilitação, conforme o caso, não éee, não fica na associação de

reabilitação, só coisa mais grave, né. E ele como é diferente, então, a

agente cuida dele como pode...

Vilma - ... Você sabe porque que eu falo assim? Outro dia, quando

ele era pequeno, com essa dificuldade que ele tem e ele vai ter

sempre, essa dificuldade de andar, eu tava andando na calçada e

tinha um médico andando atrás de mim e pegou, pegou e falou assim:

“mãe, ele é p.c.?” e eu falei: “É”, aí ele falou assim: “Olha,

parabéns, porque ele tá muito bem!”. Você entendeu, se eu não

tivesse, toda essa chance deu, eu, eu agradeço muito, talvez o Renato

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hoje, ele não seria tão independente, ele é, pelo problema, ele é muito

independente.

E – Se vira sozinho pra tudo, toma banho, coloca roupa, tudo?

[VL juntos] - Tudo.

E – Amarra o sapato?

Vilma - Não, ainda não consegui. [risadas de todos]

E – Nem tudo né, Renato, mas tudo que dá, né.

Vilma - Mas ele é muito independente. Inde... assim, igual, pra

associação de reabilitação, quando ela deu alta pra ele, é, ele indo no

banheiro sozinho e, e comendo, ele já é independente. E aí: “onde que

eu vou pôr ele?”, Cê entendeu? Nossa, ficou uma coisa, “Meu Deus,

onde que eu vou pôr?” e corre, corre, corre.

Vilma - ... Agora, você sabe o que eu acho engraçado? O, o Renato

desde pequeninho, ele nunca fi... ele sempre tava, ele sempre tava

dentro de tudo. Ele nunca ficou assim, né, pai, ele nunca ficava,

assim, éee, distante. Éee, ele nunca, ele sempre estava ali no meio, ele

nunca ficava assim, isolado.

E – Ahn, mas você fala isso na tua família ou em todo lugar?

Vilma - Todo lugar. Nossa, ele nunca ficou, do jeito que ele podia

brincar, quando ele era pequeno que a gente trazia o, o, dois irmãos

aqui pra brincar, mesmo do jeitinho dele, com a dificuldade, ele, né,

pai, ele brincava pra caramba, e, nossa, ele nun... nun... nunca ficou

assim. À parte, nunca.

E – E as crianças também o deixavam a vontade?

Vilma - Também.

Vilma - Nossa ele nunca ficou assim...

Vilma - ... Ele nunca ficou assim, isolado. Ele sempre está no, né,

Catarina, ele sempre está no meio do...

E – E que que você acha disso, Renato que a tua mãe tá te falando,

falando sobre você? É isso aí, é...?

Vilma - ... Não é verdade? O Renato sempre se relacionou bem com,

com outras pessoas.

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E – [risadas da entrevistadora] O que mais você quer me contar de

você?

Renato - Éee, Eu é, [risadas do Renato] é, tinha, eu fui na, ann, no

tempo que tinha da, éee, aaa, não que tinha, na cidade, no show, do,

Raça Negra é que eu, é cheguei lá e, e vi, e vi, e quase me assustei,

no, na cidade que meu pai levou, eu.

E – Porque você quase se assustou? O que que aconteceu?

Renato - [risadas do Renato] Tinha barulho, daí lá, eu, eu, se

assustei.

E – Por causa do barulho? Esse barulho vinha de onde?

Renato - É que eles tava fazendo show na cidade.

E – Ah, entendi. Você não gostou do show? [risadas e palmas do

Renato] Mas assustou com o barulho, tava muito alto? Entendi. E

você gosta de música? Quem é que você mais gosta de música, me

conta.

Renato - É que veio aqui ooo, [risadas de todos] “ você quer que eu

cante?”...

Vilma - ... Não....

Renato - ... o CD do Silvio Brito...

Lineu - ... conta você...

E – Ah, é, ele veio aqui na cidade?

Renato - Não, na minha casa.

E – Na sua casa? É... como assim? Ele ficou teu amigo?

Renato - Quase que eu fiquei. Eu tenho, ele entrou aqui na sala e

falou “Vamos na cozinha”, daí quase que eu fico...

Vilma - ... Você ficou emocionado, né?

E – Já conhecia ele, Renato? Antes dele vir na sua casa?

Renato - Não, éee, não, é, porque, minha mãe que escutava o, ele.

Daí ele, daí ele tava na rádio, daí eu ganhei o CD dele.

E – Uau! Não só o CD, a visita também.

Renato - A visita.

Vilma - Ele é muito legal!

E – Como é que foi, era uma promoção?

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Vilma - Então eu ouço muito um programa, que ele faz, que fica na

capital, e tinha uma promoção aqui no município, mas o Renato já

gostava dele, das musicas, aquela “Espelho, espelho meu”...

Renato - ... Não, é o “Espelho mágico”...

Vilma - ... É, “pare, parem o mundo que eu quero”, sabe essas

músicas...

Catarina - ... “Tá todo mundo louco, tá todo mundo louco... oba!”

Vilma - ... Lembra? E ele sempre gostava dessas musicas, só que a

gente ia no mercado não achava o cd e aquele dia tinha uma

promoção aqui no município pra ganhar o cd. Ai ela tava de féria e

falou: “Mãe, liga lá que você ganha”. E falei: “Que eu vou ganhar

nada”, mas liguei e não é que eu ganhei! E ele veio em casa, depois, à

tarde, nossa ele ficou. Ele se emocionou muito que ele gostava das

musicas dele, e esse cd que ele fez, ainda bem que tem as musicas que

ele gosta, e ele incluiu. E foi muito legal, ele é muito simples e ele veio

visitar.

E – E parece que o Renato se assusta um pouco com barulhos muito

alto, é isso?

Vilma - Ah, e o Renato não gosta de som muito alto. Ele ouve...

Lineu - O problema dele é rojão.

Vilma - E o problema dele é rojão.

E – Quer dizer que se o corinthians tiver jogando...

Vilma - ... não mais aí ele sabe... não aí ele sabe...

(...) Vilma - ... Não, mas ele tem um negócio que ele põe...

E – Ah, protetor auricular...

Vilma - ... protetor, de, de, de firma. Foi a solução que eu achei. Ó a

única coisa que eu, real... eu queria mesmo saber, o porque que ele, a

única coisa que ele tem mais medo, ele tem, não é medo, ele tem pavor

de rojão. Olha, eu já procurei um monte de coisas, éee, eu não sei,

deve ter alguma coisa que eu não sei o que. Eu já... uma vez eu tava

conversando com o doutor Diniz aqui da associação de reabilitação

que ele passa aqui numa associação de reabilitação que tem no bairo

da zona sul eventualmente. Aí outro dia, eu vi uma reportagem na

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televisão de uma moça que fez, éee, regressão. Só que o doutor

Duarte não aconselha a fazer. Olha eu já tem tentei um monte de

coisa, eu queria, ele tem pavor, por exemplo, ele sabe que no final do

ano tem, natal tem, copa do mundo tem, ano novo tem, jogo tem, mas,

éee, por exemplo, foi, foi no sábado, por exemplo à tarde, se ele tiver

almoçando, ele pára de almoçar, ele não come, do, assim, algum

rojão esporádico, sabe?

Catarina - É que ele se assusta, né? Ele não espera... fica

transformado, né, a fisionomia dele muda...

Vilma - ... gente... muda. Eu não sei, já tentei, eu já fiz um tratamento

espiritual, fui fazer, mas eu não obtive assim, eu não vi que melhorou.

Mas realmente eu, eu gostaria de saber.

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RUI pela família (mãe: Cida)

E – Rui, eu gostaria que você me falasse sobre você, livremente. Tudo

o que você quiser. [pausa] A sua mãe vai ajudar a traduzir algumas

coisas que talvez e, eu, eu não consiga entender direito. Eu vou botar

aqui o gravadorzinho, tá?

Cida – Tá.

E – Aqui eu acho que vai pegar bem a voz dele.

Cida – Fala, Rui...

Rui: A escola de educação especial é uma escola de deficiente

auditivo, conhece?

E – Quem?

Rui: Deficiente auditivo

Cida – Na unidade de terapia educacional lá da escola de educação

especial...

E – Ahn...

Cida – ... tem deficiente auditivo

Rui: auditivo

Cida – Sabe?

E – Deficientes auditivos. Crianças?

Cida – Lá na escola de crianças surdas, né, Rui?

Rui: porque a tem um monte

Cida – U-hum

Rui: um monte de criança desse jeito

Cida – U-hum

E – Eu não consegui entender, Cida...

Cida – Ele diz que lá na escola dele só tem criança assim desse jeito

E – Do seu jeito?

Cida – É [riso]

E – Certo. Você é uma criança? [pausa] Você é uma criança?

Rui: Não.

Cida – Você é o que, Rui? Responde, você é uma criança?

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202

Rui: Adulto

E - Você é um adulto? E lá onde você estuda tem pessoas que são

crianças?

Rui: Alguns usam cadeira de rodas

E – Algumas...

Rui: Alguns, alguns! Que vêm comigo no micro, usam cadeira de

rodas

Cida – U-hum!

Rui: Alguns (...)

Cida – É, Rui...

Rui: Não usa?

Cida – Usa. Os que vão na cadeira de roda são do micro, porque lá

na escola dele também tem crianças que andam.

E – Certo.

Rui: (...)

Cida – [simultâneo] (...) vai no micro...

Rui: (...)

Cida – É, Rui

Rui: (...)

[grito de uma criança]

Cida – ???

Rui: (...)

E – É, tá, vão com ele, é isso? “Vão comigo”?

Cida – N... não! O, os cadeirantes vão num micro adaptado e os

outros vão num outro ônibus.

Rui: [simultâneo]

E – Tá. E você, vai como na escola?

Rui: Com as crianças, vem um micro me pegar

E – Sim...

Rui: Meio-dia aí eu vou

E – Vem o micro te pegar e aí você vai...

Rui: (...) condução da escola, da escola mesmo

Cida – É da escola mesmo

E – Certo.

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203

Rui: Condução

Cida – U-hum!

E – Condução...

Rui: (...)

Rui: (...) violão

Cida – (...) quando ele vai dar o violão...

Rui – [simultâneo] (...)

E – Você vai ganhar violão?!

Cida – E ele precisa (...) sozinho

E – E vai aprender a tocar?

Cida – Vai aprender. Você quer aprender a tocar violão?

Rui: Eu acho melhor do que violino

E – Você acha melhor aprender o violino?

Cida – Não, melhor

Rui: (...)

E – Ah, melhor que o violino

Rui: [simultâneo] (...)

Cida – É melhor ... as cordas (...)

E – Ah! Ah!

Rui: medo

E – Não precisa ter medo. Isso não vai

Rui: [simultâneo] ...não aprendi

Cida – (...) ele não aprendeu

E – Ah! Esse é o medo do

Rui: [simultâneo] medo

E – Esse é o medo do violino ou do violão?

Rui: do violino

E – Do violão você não tem medo?

Rui: A corda é muito fraca

E – Sei

Rui: a corda

Cida – A corda, a corda

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204

Rui: é muito fraca

Cida – muito fraca

Rui: qualquer coisa arrebenta

E – Qualquer coisa arrebenta

Rui: (...)

E – É

Cida – U-hum

E – Aí [risos] aí não é seu barato, né, Rui [risos da entrevistadora]

Tá certo

Rui: uma menina...

E – Uma menina?

Rui: Eu nunca ouvi ela tocar

Cida – Nunca ouviu ela tocar, porque ainda ela tá aprendendo, Rui,

com a família. É que ela não aprendeu ainda

Rui: Nunca ouvi tocar, eu acho tão bonito

Cida – Ele gosta muito (...)

Rui: [simultâneo] ...orquestra

Cida – orquestra

E – Cida, eu gostaria de você me falasse um pouco sobre o seu filho

[pequena pausa]

Cida – Dele agora, ou, ou

E – O que você quiser...como você quiser

Cida – [risos] Rui, o que a mamãe vai falar de você, Rui? Ahn? Você

é muito, o que que você é, fala pra mãe. Muito...

Rui: ciumento

Cida – Ciumento

Rui: (...)

Cida – É um menino muito ciumento

Rui: [simultâneo] Eu tenho muito ciúme dessa Kombi

Cida – Tem ciúme do irmão dele

Rui: (...)

Cida – Rui

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205

Rui: (...)

Cida – Hum

Rui: (...)

Cida – É

Rui: (...)

E – Se cai, quebra

Cida – Quebra

Rui: Quebra, é muito delicado

Cida – É, Rui, é

E – E o que que você pode contar da história do Rui, hein, Cida?

Cida – Nossa. Tanta coisa, né, Rui. O problema dele foi muito, né,

muito difícil

E – O que que aconteceu?

Cida – Assim, até um um tempo, cinco aninhos ele era todo mole, não

Rui: Tinha convulsão

Cida – Tinha convulsão. Agora toma remédio, não tem mais, né, Rui

Rui: [simultâneo] (...)

Cida – Depois ficou melhor , depois muito doentinho, muita

pneumonia

Rui: [simultâneo] (...) remédio

Cida – Hoje que ele tá bem melhor

Rui: [simultâneo] Eu tomo dois remédios

Cida – Agora é só teimoso, muito teimoso

Rui: [simultâneo] Um a noite e um de dia

Cida – Mas...

E – o arroz? Ele toma dois remédios?

Cida – Toma dois

E – O arroz?

Cida – Não, um de noite e um de dia

E – Ah, eu entendi arroz

Rui: pra amolecer os músculos

Cida – Pra amolecer os nervos

E – Pra não ter convulsão, é?

Rui: (...) violão

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206

Cida – Hum

Rui: ...músculo mole

Cida – U-hum

Rui: (...) pra poder fazer esse movimento

Cida – É verdade

E – Eu não entendi, você pode traduzir?

Cida – É por, por, ele tá tomando esse remédio pra ficar com os

nervos mais mole pra poder fazer este movimento de tocar o violão

E – Ah, entendi

Rui: violão (...)

Cida – Né, Rui

Rui: [simultâneo] (...) movimento

E – E quem que acompanhou o Rui?

Cida – Sou eu

E – Ééé, eu falo do, de médico, quem que, é o médico...

Cida – Ah, tá, de médico

Rui: (...)

Cida – neuro

E – Ahn

Rui: [simultâneo] (...)

Cida – Neurologista

Rui: [simultâneo] (...)

Cida – (...) tá aqui ó

Rui: (...)

Cida – Pediatra

E – Ganhou cadeira de rodas?

Rui: [simultâneo] cadeira

Cida – Ganhou

Rui: [simultâneo] (...)

E – E é bom pra você andar de cadeira de rodas?

Rui: (...) Cida – Tava na piscina fazendo hidroterapia, mas não quis ir

mais, foi cortado, porque ele faltava

E – Ahn

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207

Cida – Porque o horário dele era oito horas

E – Ahn

Cida – Da manhã, e aí ia acordar ele, ele não queria ir de jeito

nenhum

E – Tá

Cida – Aí acabou sendo cortado daí

Rui: (...)

Cida – Agora tem a fisioterapia também que eu, que tá levando, ele

fala que não quer ir na fisioterapia e quando ele coloca alguma coisa

na cabeça, fala que não quer ir, não adianta, ele não vai. Às vezes

acontece do micro chegar aí no portão e ele fala que não quer ir pra

escola

E – E você...

Cida – O chato do Rui é isso

E – Você...

Cida – Eu fico muito chateada com ele, mas não tem como, se eu vou

com ele, aí chega na escola e ele não, não entra e faz birra

E – Tá. Quem, quem vai nas, nas atividades dele com ele é sempre

você?

Cida – Só, só eu que acompanho ele em tudo

E – O pai vai?

Cida – O pai só levava na hidro, terapia, aí desistiu também por

causa disso aí

E – E a irmã

Cida – [simultâneo] Porque o Rui fica...

E – A irmã também vai de vez em quando?

Cida – Não, a Pietra não vai

E – Não

Cida – Muito difícil. Tudo trabalhando, então, andando, né

E – Mas ela ia, numa época ela ia

Cida – Ela ia. Isso, aí ela ia quando ela era bem pequena, a gente ia

lá na unidade de terapia educacional

Rui: (...)

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208

Cida – Que ela era pequena, né, não deixava

E – Tá, então, quer dizer que até os cinco anos...Quando ele nasceu

os médicos disseram alguma coisa?

Cida – Não, só com três meses, que ele tinha um problema. Aí fui

fazer

E – O que que os médicos disseram?

Cida – Só que ele tinha algum problema

E – Não sabiam o que?

Cida – Não sabiam o que

E – E não sabiam a causa?

Cida – Não. E enca...encaminhou pro neuro pra fazer exames, todos

os exames não dava nada. Aí com o tempo fiz o, fui na, na cidade, ai,

na Cidade Universitária, foi ali que eles falaram que o Rui tinha para,

tinha tido paralisia cerebral

E – U-hum

Rui: na hora do parto

Cida – Na hora do parto, tinha retardo motor

E – U-hum

Cida – Então, aí, foi na, foi, não falam se foi porque atrasou pra

nascer

E – Atrasou?

Cida – Qual foi a causa. Não, nunca me falaram. Não

E – Você se lembra de alguma coisa, assim, que

Cida – Eu não me lembro, de nada

E – Ele é teu filho mais velho?

Cida – É

E – Então, o Rui sabe de toda a história dele?

Cida – Sabe. Tudo

(...)

Cida – Participa junto. O Rui sabe, à vezes, até mais que eu

Rui: [simultâneo] (...) [36:56]

Cida – Lembra de tudo, às vezes eu não lembro das coisas e ele

lembra. [voltando-se para o outro filho] “Ô Tadeu! Para com isso!”

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209

(...)

Cida – Com cinco anos ele teve a primeira crise de convulsão

E – Ah, até então não tinha tido?

Cida – Não, não tinha

E – E entre os três meses que você ficou sabendo e os cinco anos, que

que aconteceu?

Cida – Ai, e aí começou a fazer os tratamentos, que era fisioterapia,

fono, muitas coisas, ia com ele, sempre ao médico, fazendo os exames,

aí com cinco aninhos ele teve essa convulsão, aí, mais frequência tive

que ir no neuro, né, com ele, fazia acompanhamento melhor, e até

hoje. E aí, com sete anos eu pus na, na associação de reabilitação,

tinha completado sete anos eu fui lá na associação pra ver se eu

conseguia alguma coisa lá pra ele, não consegui, com o tempo foi que

eu consegui só consultas, né

E – Por que você não conseguiu?

Cida – Não sei, porque não se enquadrou com, porque as crianças de

lá ééé... eles preferem mais é, deficientes físicos, né, do que mental

Tadeu – Cida!

Cida – Oi Tadeu

Tadeu – (...)

E – No caso dele...?

Cida – Ele é mental

Rui: [simultâneo] (...)

Cida – Ele precisou de oxigênio, né, paralisia

Rui: [simultâneo] (...)

Cida – Aí também, né, aconteceu a mesma coisa. Ele só faz

acompanhamento médico, não tem uma atividade que ele possa ir,

tem piscina, tem tudo, mas não faz nada... e aí fez o

Rui: [simultâneo] (...)

Cida – Com oito, com oito aninhos, nove que ele foi pra unidade de

terapia educacional,

Rui: [simultâneo] (...)

Cida – Ele foi pro centro de avaliação e terapia, depois unidade de

terapia educacional e agora

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210

Rui: [simultâneo] escola especial

Cida – escola de educação especial

E – Quanto tempo faz que ele tá nessa escola?

Cida – No na escola?

E – É

Cida – Deixa eu ver, quantos?

Rui: [simultâneo] Uns três

Cida – Três anos, três anos

E – E o Rui consegue andar sozinho?

Cida – Não

E – Ele precisa de ajuda?

Rui: [simultâneo] (...)

E – Se for ajudado ele anda?

Cida – Se segura ele anda

Rui: (...) que dói

Cida – Ô meu Deus

[crianças brincando]

Cida – Pronto Tadeu, ó aí

Rui: (...)

Cida – Agora já era, né, Tadeu. Tadeu

Rui: ...comer

E – Eles comem?

Tadeu – Tem pão duro

Cida – Que pão duro. Ô Rui, engole a baba

Rui: você quer pão duro toma...

Cida – Ixi, Rui. Briga com ele

Rui: eu vou comer...

Cida – [risos] Você entendeu o que ele falou, Lígia?

E – Não

Cida – Você quer pão duro, toma. Eu vou comer pão novo

[risos da entrevistadora]

E – Eu vou comer pão...?

Cida – Novo

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211

Cida – Ele começou a rir

Rui: ontem eu comi pão velho [risos da mãe]

E – Que que é?

Cida – Ele fala até o que não deve, pode?

E – Traduz pra mim

Cida – Ele falou que ontem ele comeu pão velho

[risos da entrevistadora]

Tadeu – Êêêê

[alguém tossindo]

Tadeu – Ihhhh

Cida – [risos da mãe] Ai, Rui, por quê?

Rui: Vai embora, vai embora

E – O que que ele tá falando, que vai embora?

Cida – Vai embora, mandando os meninos embora

[risos da mãe e da entrevistadora]

E – Por que você tá mandando os meninos embora?

Rui: ...minha perua

Rui: Eu não deixei

Cida – Não deixou

E – Iam brincar com a sua perua?

Rui: ...vai quebrar

Cida – É a perua, vai quebrar

E – Iam quebrar, né

Rui: é muito sensível

[risos da mãe]

E – É muito sensível? [risos] Eu acho que essa, não é a perua que é

sensível

Cida – Eu tô achando também, né, não é a perua que é sensível, não,

Rui

E – Éé, olha como ele ri [risos] e é assim, é sempre assim?

Cida – Sempre

E – O irmão

Cida – Quando é...é mal-humorado

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212

E – Hã? É?

Cida – Ele é mal-humorado

E – É nada

Cida – Tem dia que ele tá muito mal-humorado

Rui: (...)

Cida – Tem dia que ele não quer nada,

Rui: (...) Conhece o...

Cida – Nem comer, tem dia que ele não quer comer

E – Rui?

Rui: Que tem um cachorro...

E – Ah, quem que você tá falando?

Cida – Ele falou que tem um menino que tem um cachorro, que ele

manda até o cachorro cala a boca, ele cansa de...

[risos da entrevistadora]

Cida – Ele fala cada bobeira

Quando precisa ir ao banheiro, como é que é?

Cida – Eu que levo ele

E – Mas ele precisa usar

Cida – Fraldas? Não, ele saiu com 15 anos da fralda

E – Então teve um trabalho, aí, pra ele, ganhar mais autonomia

Cida – Teve e muito

E – E onde foi feito esse trabalho?

Cida – Eu mesmo em casa com ajuda, também, né

E – E a escola, lá, o lugar onde ele ia ajudava?

Cida – Não, nessa parte assim de, que você fala, de atender prof...,

de, não, isso aí foi mais meu lado mesmo, porque eu fui numa, na

associação de reabilitação e os médicos da associação de

reabilitação falaram que talvez ele não sairia da fralda, ia ser muito

difícil, talvez até tomando remédio pra ter controle. Aí não, eu vou

tentar tirar

E – Isso com quantos anos?

Cida – Isso ele já tinha 15 anos, 14 anos

E – E até então ele ficou dos 7 até

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213

Cida – 15 anos usando fralda

E – No centro de avaliação e terapia tem

Cida – É

E – E lá ele usava fralda?

Cida – Até 15 anos ele usava fralda

E – Tá

Cida – Lá na unidade de terapia educacional

E – Tá, daí ele começou a sair

Cida – Ah, saiu, aí eu comecei devagar, né, deixava em casa sem,

quando ia pra lá colocava a fralda, mas ele não fazia na fralda. Aos

pouquinhos fui tirando e tirei de vez. Aí tirei pra dormir também.

Agora pede tudo, até segura se for preciso

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214

Rui por Eneida

E só lembrar do Rui, maravilhoso, né? Porque ele era o deficiente

eficiente, que eu vou falar, eu não cheguei a falar do Rui, né?

E - Não sei.

Eneida - Acho que não. Ele era da unidade de terapia educacional,

depois que ele foi pra especia., Ele foi minha grande paixão, porque

ele... ele era um ‘pecezinho’, ele deve estar hoje com seus vinte anos,

dezoito pelo menos, ééé, só que ele anda com ajuda, e não adianta

colocar andador nele, ou órtese, ou muleta, eu não sei o que é

exatamente, mas ele tem um comprometimento de tronco e cintura,

que não permite, que não dá segurança de ele conduzir o andador,

então ele precisa do apoio da pessoa mesmo. Segundo os

fisioterapeutas, o destino dele é a cadeira de rodas conforme ele for

envelhecendo e debilitando o corpo, né, Mas a mãe, que é menor do

que eu, segurava ele aqui do lado, né [indica no próprio corpo], e ele

andava bem. Chegou na escola especial, como não tinha ninguém

para conduzi-lo, enfiaram o menino numa cadeira de roda. Eu falava

“Gente, a gente não pode fazer isso, ele não é cadeirante! Ele anda!”

“Não, Eneida, é só pra ir da... daqui até a sala de vídeo, daqui até a

sala de informática. Não, porque no pátio ele fica melhor lá, porque

ele senta e os próprios alunos empurram” “Gente, mas ele não é

cadeirante! A gente não pode limitá-lo ainda mais!”. Então na escola

especial enfiaram ele numa cadeira de rodas e ali ele ficou. Mas ele

andava. Agora, e ele falava com muita dificuldade, com muita, tinha

uma boca grandona, os dentes todos tortos, né, ele falava com muita

dificuldade... Mas era super inteligente, divertido, super hiper fora

(inaudível) inteligente e divertido. Tudo ele entendia, ele gostava

muito de mim, ele era atendido nas segundas-feiras e teve uma época

que ele ia dois dias na semana, até o Milton falava que “a Eneida que

sabe falar o [som – fala] como ele e traduz as coisas dele pra nós”,

né, ahn, então toda segunda-feira, ele ia terça-feira, ele ia terça, aí

ele chegava pra mim e [imitando o jeito de falar de Rui]“Eneida,

você viu a Hebe ontem? [sons do menino falando]”[risos] “Eu vi”

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215

Quer dizer, eu dava até uma passada na Hebe, porque eu sabia que

ele ia m... “[imita Rui] ”.

E - Eu lembrei dele.

Eneida - Lembrou? Sensacional, né? Sensacional!. E ele fazia de

tudo, ele fazia fofoca, ele brigava, ele provocava os outros alunos, ele

e o Bento não se pegavam de jeito nenhum, se odiavam. Teve até uma

vez também, a Valquíria morreu, tem um ano e meio, a Valquíria era

uma moreninha, uma pc muito comprometida, muito, tinha uma parte

respiratória muito prejudicada, mas também tinha um cognitivo

maravilhoso e um temperamento de anjo, ela faleceu agora acho que

d... deve estar fazendo dois anos agora no final do ano, ficou muito

mal, muito tempo de UTI, e o Rui e o Paulo, na ponta e outra aqui de

um lado e a Val entre eles assim um pouquinho atrás, porque ela

tinha uma cadeira muito grande, né, por causa da posição do pé, e ela

ficava mais afastada da mesma, e os dois lá começaram a brigar, né,

brigar, se bater com comprometimento motor, né [riso], brigar, e a

gente ali, não viu, de cara, que eles estavam brigando, ela,

coitadinha, com todo o esforço da deficiência dela, conseguiu

empurrar a cadeira até chegar entre eles, né, quando nós vimos, ela

estava lá no, [rindo e fazendo o gesto]

E - Pondo a mão em um e no outro.

Eneida - Pra separar, [rindo] Eu falei “gente, olha que sensacional”,

aí a gente separou, aí [sons] “Cheg... Pára com isso, pára! Olha a

Val, coitada dela, nervosa, estressada, preocupada com dois

marmanjão deste tamanho!” E ela lá. [risos da entrevistadora] Aí

quando teve a inauguração da associação de reabilitação aqui,

lembra que foi um evento de projeção nacional, né...

E - Hã...

Eneida - Que foi a segunda, acho, que aquele empresário construiu,

foi a deste município, né, aí vinha a Hebe pra inauguração, e eles

vinham todos, né, de ônibus pra inauguração. E o Rui lá: “A Hebe

vem! A Hebe vem!” [risos da entrevistadora], aí nós viemos com o

nosso carro, né, chegamos primeiro, já pra esperá-los e acomodá-los,

né, e aí nós ali na frente, ali na porta, ali no portão principal da... da

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associação de reabilitação, cheio de repórter, cheio de gente de tudo

quanto era tipo lá, chega o ônibus da especial e estaciona ali bem na

porta de entrada, nós ali, o Rui na janelinha, “Eneida, a Hebe já

chegou?”, [risos] Ele me viu lá no meio, “[imita o modo de falar do

Rui] A Hebe já chegou?” [risos] Bom, aí tem foto dele com a Hebe,

abraçado, beijando e tudo o mais, né [risos da entrevistadora]. Muito

lindo ele. Aí teve uma época que ele cismou que ele ia casar comigo.

[risos] Eu falava “Por que que eu vou ter que me casar com você?

[imita Rui] E aí nisso...

E - Mas o quê?

Eneida - Ele n... falava lá, um monte de coisa.

E - Mas o quê?

Eneida - É que ele ria muito...

E - É que você falou [imitando] eu não consegui ouvir...

Eneida - [imitando a fala de Rui]

E - Ahn...

Eneida - Ele ria muito, porque ele sabia que eu não ia casar. Né?

E - Ahn...

Eneida - Aí, é, o vô dele faleceu, o vô dele morava no interior aqui

perto, faleceu, e ele ficou uns dias afastado pra ir lá no velório, né,

enfim, aquela coisa toda de família, e tal. E aí ele falou pra mim

quando ele voltou, “Eneida, você vai casar comigo”, por quê? A mãe

dele, né, disse que o vô, né, sendo ele o neto mais velho e especial,

deixou lá o terreno, lá, o sitiozinho, a chacarazinha que ele tinha pro

Rui. Deixou de herança para o Rui, né, então ele ficou de repente...

E - ... tenho compromisso também.

Eneida - Ele ficou com u...a... chacarazinha e tudo o mais e a casinha

do vô e tal, “a gente vai casar, porque agora tem a chácara e tal”,

“Mas o que que tem lá? O que que tem nessa chácara, o que que tem

de especial? Você tem que me convencer.” “Tem piscina, tem

cavalo...” “Ah, quero ver isso!” Ai um dia ele me aparece com uma

foto da chácara, da casa, a piscina era uma banheira antiga lá no

meio do quintal, enferrujada, e um cavalo bebendo água na piscina e

ele lá...

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217

E – [risos]

Eneida - “Isso? É isso que você quer me dar? Essa banheira

enferrujada e esse pangaré aqui?” [risos] “Não tem casamento coisa

nenhuma!”

[risos]

Eneida - “Ora, você acha que eu sou mulher de tomar banho numa

banheira dessa?”

E - E aí?

Eneida - E ria...

[risos]

Eneida - Então era isso, essa coisa maravilhosa, né...

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218

5 DISCUSSÃO

A análise apontou diversos elementos que, por si, pelos temas trazidos, pelas cenas

(re)constituídas poderíamos considerar suficientes, deixando espaço para que a discussão

pudesse se desenrolar em outros textos, artigos, debates.

Cabe-nos, entretanto, retomar os principais aspectos teóricos destacados por nós,

especialmente na última parte do capítulo introdutório e no segundo capítulo, dedicado à

revisão da literatura. Os trabalhos de autores como Paula (1993); Fujihira (2008); Ghirardi

(1999); Horta (2000); Kalmus (2000); Mello (2001); Bastos (2003); Amaral (2004); Santos

(2004); Silva (2004); Tada (2005); Meletti (2006); Pacheco (2006), receberam maior atenção

de nossa parte, na medida em que constituíram de modo mais definido uma espécie de campo

temático no qual também transitamos.

Além disso, vários dos aspectos abordados por eles em seus estudos também figuram

em nossas entrevistas. A começar da polifonia das vozes na área dos estudos sobre a

deficiência e alguns de seus desdobramentos – inclua-se, aí, a educação inclusiva, ainda que

os defensores dessa modalidade de ação no campo educacional apregoem não ser a

deficiência o motor de suas ações.

Se nos nossos objetivos enunciávamos o desejo de mapear os discursos em circulação

com relação à deficiência, o pós-análise nos revela, sobretudo, a necessidade de se realizarem

estudos sistemáticos e um trabalho sério sobre a construção da deficiência como prática

discursiva e sua cristalização em uma fala ‘de fora’ do sujeito com deficiência.

O verdadeiro empuxo à nomeação, à categorização dos fenômenos, parece buscar

englobar a deficiência em uma dimensão conceitual que, longe de ser compreendida pelos

sujeitos, apenas converte-a em uma explicação a mais, na série em que se inclui também o

diagnóstico. Esse empuxo à tentativa de aprisionar, pela categorização, pela conceituação, um

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fenômeno que implica uma experiência singular não é livre de consequências. A experiência

da deficiência é singular, tal como a ausência de um membro, de uma função fisiológica ou

sensorial, e é também parte constituinte da subjetividade desse sujeito. Essa última,

entretanto, não se constrói em um a priori, mas, sim, por meio das relações institucionais que

os sujeitos fazem, vida adentro.

Por outro lado, quando falamos de singularidade, não estamos falando algo que seja

único ou exclusivo, incompartilhável. Defendemos, sim, haver uma dimensão que, tecida na

teia das relações humanas, escapa de ser dita, mostrando sempre seu lado indizível ou, no

máximo, dizendo-o em termos pouco definidos. O ‘algo’ indizível dessa experiência também

nos lembra que, quando se conceitua deficiência, já se está no campo da abstração, esvaziado

de gente. O caráter subjetivo da experiência da deficiência pode estar simplesmente

implodido.

O trabalho para produzir esse texto que ora finalizo – e aqui adoto a primeira pessoa,

solicitando licença para dar meu depoimento pessoal – representou para mim muito mais do

que coube nessas folhas. Não foi fácil chegar até aqui. Ninguém disse que seria. Mas o que

nem eu mesma desconfiava é do quanto iria aprender sobre (e a) conquistar, compartilhar,

deixar ir, receber de volta. Uma experiência forte, profunda e marcante, cujas tentativas de

expressá-la em palavras esbarra naquilo que as palavras ditas no contexto institucional da

academia não costumam saber dizer. E ela foi dita, da maneira possível, por meio deste texto.

Meu desejo é de que este trabalho possa contribuir, à sua própria maneira, para construirmos,

juntos, a diversidade que desejamos.

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Apêndice A – Levantamento Bibliográfico no IPUSP – Mapa Completo

No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura

1 Tese Cotrin, Jane Teresina Domingues

Itinerários da Psicologia na educação especial: uma leitura histórico-crítica em psicologia escolar

2010 Souza, Marilene Proença Rebello de (PSA)

Em: deficiência, deficientes, educação especial

2 Dissertação Ito, Paula Hiromi Avaliação comportamental de ratos submetidos à anóxia neonatal

2010 Nogueira, Maria Inês (PSE)

Em: deficiência

3 Dissertação Oshiro, Milena O brincar na infância das crianças com deficiência: um estudo exploratório

2010 Bomtempo, Edda (PSA)

Em: deficiência, deficientes

4 Dissertação Santos, Taisa de Oliveira

Injeção intracerebroventricular de estreptozotocina gera efeitos agudos e crônicos sobre a memória e sobre proteínas indicadoras de neurodereneração em ratos

2010 Torrão, Andréa da Silva (PSE)

Em: deficiência

5 Tese Takatori, Marisa Vamos brincar? Do ingresso da criança com deficiência física na terapia ocupacional à facilitação da participação social

2010 Bomtempo, Edda (PSA)

Em: deficiência, deficiente

6 Tese Angelucci, Carla Biancha

O educador e o forasteiro: depoimentos sobre encontros com pessoas significamente diferentes

2009 Goncalves Filho, Jose Moura (PST)

Em: educação inclusiva

7 Tese Barros, Carlos Cesar Fundamentos filosóficos e políticos da inclusão escolar: um estudo sobre a subjetividade docente

2009 Carone, Iray (PSA)

Em: deficiência, educação inclusiva, pessoas com deficiência, alunos com necessidades especiais

8 Dissertação Bosso, Janaina Regina

Ajustes das características eletroacústicas do aparelho de amplificação sonora individual com base em limiares auditivos tonais e resposta auditiva de estado estável

2009 Sameshima, Koichi (PSE)

Em: deficiência, deficiente, deficientes

9 Dissertação Moura, Maria Clara Drummond Soares de

Alterações atencionais na distrofia muscular de Duchenne

2009 Ribeiro do Valle, Luiz Eduardo (PSE)

Em: deficiência

10 Dissertação Rodrigues, Sandra Regina

Corpo deficiente e individuação: um olhar sobre pessoas com deficiência física adquirida a partir da psicoterapia breve de orientação junguiana

2009 Freitas, Laura Villares de (PSA)

Em: deficiência, deficiente, pessoas com deficiência

11 Dissertação Amorim, Letícia Calmon Drummond

O conceito de morte e a síndrome de Asperger 2008 Assumpcão Junior, Francisco Baptista (PSC)

Em: deficiência, pessoas com deficiência, pessoas portadores de deficiência

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No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura

12 Dissertação Cazeiro, Ana Paula Martins

Formação de conceitos por crianças com paralisia cerebral: um estudo exploratório sobre a influência das brincadeiras

2008 Lomonaco, Jose Fernando Bitencourt (PSA)

Em: deficiência, pessoas com deficiência

13 Dissertação Conto, Carla Anauate de

Ecos do silêncio: a inclusão e a democracia social 2008 Amiralian, Maria Lúcia Toledo Moraes (PSA)

Em: deficientes, educação especial, educação inclusiva, crianças especiais, crianças com necessidades especiais

14 Dissertação Fujihira, Carolina Yuki

Reflexões sobre a inclusão: o trajeto de uma clínica do acompanhamento terapêutico focado na deficiência

2008 Safra, Gilberto (PSC)

Em: deficiência, deficientes, pessoas com deficiência

15 Dissertação Silva, Leonardo Lopes da

Orientação profissional e para o trabalho de jovens com deficiência mental: uma análise sócio-histórica das propostas institucionais no Brasil

2008 Lehman, Yvette Piha (PST)

Em: deficiência, deficiente, educação especial

16 Dissertação Soléra, Marcia de Camargo Oliva Gaya

É possível a inclusão? Um estudo sobre as dificuldades da relação do sujeito com a diferença

2008 Andrade, Maria Lucia de Araujo (PSC)

Em: deficiência, deficiente, pessoas com deficiência

17 Dissertação Teixeira, Rosani Aparecida Antunes

Estudo da visão de cores, percepção de formas e espaço em pacientes com esclerose múltipla

2008 Ventura, Dora Selma Fix (PSE)

Em: deficiência

18 Dissertação Vendrame, Rafaela Fadoni Alponti

Aminopeptidase neutra, dipeptidil peptidase IV, CD13, CD26, e Fos no hipotálamo e hipocampo de ratos com obesidade induzida por glutamato monossódico e privados de alimento

2008 Silveira, Paulo Flavio (PSE)

Em: deficiência

19 Tese Martinho, Ana Claudia de Freitas

Neuropatia auditiva/dessincronia auditiva em crianças usuárias de implante coclear

2007 Sameshima, Koichi (PSE)

Em: deficiência, deficiente

20 Tese Villela, Elisa Marina Bourroul

A formação do psicólogo e o atendimento a deficientes visuais e suas famílias no contexto de clínica-escola

2007 Amiralian, Maria Lúcia Toledo Moraes (PSA)

Em: deficiência, deficiente, deficientes, pessoas com deficiência

21 Dissertação Althausen, Sabine Adolescentes com síndrome de Down e cães: compreensão e possibilidades de intervenção

2006 Amiralian, Maria Lucia Toledo Moraes (PSA)

Em: educação especial

22 Tese Correr, Rinaldo Trabalho/instituição e empresa/organização: representações compartilhadas sobre emprego e deficiência

2006 Fernandes, Maria Inês Assumpção (PST)

Em: deficiência, deficientes, pessoas com deficiência

23 Tese Frederigue, Natalia Barreto

Reconhecimento de padrões auditivos de frequência e de duração em crianças usuárias de implante coclear multicanal

2006 Sameshima, Koichi (PSE)

Em: deficiente

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No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura

24 Tese Horta, Célia O teatro de bonecos e a deficiência: Meu Deus, isto fala! Falando com crianças sobre o preconceito

2006 Simon, Ryad (PSC) Em: deficiência, deficientes, pessoas com deficiência

25 Tese Meletti, Silvia Marcia Ferreira

Educação escolar da pessoa com deficiência mental em instituições de educação especial: da política à instituição concreta

2006 Patto, Maria Helena Souza (PSA)

Em: deficiência, educação especial

26 Dissertação Pacheco, Andrea Moreno

Rrepresentações de si e habilidades na paralisia cerebral

2006 Souza, Maria Thereza Costa Coelho de (PSA)

Em: deficiência

27 Dissertação Silva, Claudia Lopes da

O papel do diretor escolar na implantação de uma cultura educacional inclusiva a partir de um enfoque sócio-histórico

2006 Leme, Maria Isabel da Silva (PSA)

Em: deficiência, educação inclusiva, alunos com necessidades especiais

28 Dissertação Bida, Marcia Cristina Portella Rocha

Como avaliar processos quiremicos, semânticos e ortográficos na competência de leitura de surdos do ensino fundamental controlando o efeito de carreamento via TNF2.1- Escolha

2005 Capovilla, Fernando César (PSE)

Em: educação especial

29 Dissertação Bruder, Maria Cristina Ricotta

A constituição do sujeito na psicanálise lacaniana: a separação e seus impasses

2005 Brauer, Jussara Falek (PSC)

Em: deficiência

30 Tese Kohatsu, Lineu Norio Do lado de fora da escola especial: histórias vividas no bairro e contadas por ex-alunos por meio do vídeo

2005 Kovács, Maria Júlia (PSA)

Em: deficiência, pessoas com deficiência

31 Dissertação Neves, Maria Vilalba de Oliveira

Esboço de análise da estrutura morfêmica dos sinais da Libras

2005 Capovilla, Fernando César (PSE)

Em: educação especial

32 Tese Tada, Iracema Neno Cecilio

Dialogando com Amanda: contribuições da teoria histórico-cultural na compreensão de uma jovem com síndrome de Down

2005 Souza, Marilene Proença Rebello de (PSA)

Em: deficiência, deficiente, educação especial, pessoas com deficiência

33 Dissertação Santos, Marinês Lana Borges dos

Concepções e sentimentos de professoras do ensino fundamental em relação aos alunos com síndrome de Down inseridos na escola regular

2005 Leme, Maria Isabel da Silva (PSA)

Em: deficiência, educação especial, pessoas com deficiência

34 Tese Amaral, Tatiana Platzer do

Deficiência mental leve: processos de escolarização e subjetivação

2004 Souza, Marilene Proença Rebello de (PSA)

Em: deficiência, deficiente, deficientes, educação especial

35 Dissertação Amaro, Deigles Giacomelli

Indícios da aprendizagem de crianças com deficiência em escolas de educação infantil: roteiro de observação no cotidiano escolar

2004 Macedo, Lino de (PSA)

Em: deficiência, deficientes, educação inclusiva, pessoas com deficiência

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No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura

36 Tese Emilio, Solange Aparecida

O cotidiano escolar pelo avesso: sobre lacos, amarras e nós no processo de inclusão

2004 Kovács, Maria Júlia (PSA)

Em: deficientes, educação especial, alunos com necessidades especiais

37 Dissertação Jurdi, Andrea Perosa Saigh

O processo de inclusão escolar do aluno com deficiência mental: a atuação do terapeuta ocupacional

2004 Amiralian, Maria Lúcia Toledo (PSA)

Em: deficiência, deficiente

38 Tese Nascimento, Rosemeire Aparecida

Estudo de caso de um adolescente acolhido em casa-abrigo

2004 Brauer, Jussara Falek PSC)

Em: deficiência

39 Dissertação Nunes, Sylvia da Silveira

Desenvolvimento de conceitos em cegos congênitos 2004 Lomônaco, José Fernando Bitencourt (PSA)

Em: deficiente

40 Tese Santos, Carlos Santana dos

Função paterna e provisão ambiental para pessoas com deficiência: uma compreensão winnicottiana

2004 Amiralian, Maria Lúcia Toledo Moraes (PSA)

Em: deficiência, deficientes, pessoas com deficiência

41 Tese Silva, Luiz Carlos Avelino da

A reinvenção da sexualidade masculina na paraplegia 2004 Albertini, Paulo (PSA)

Em: deficiência, deficiente

42 Dissertação Bastos, Marise Bartolozzi

Inclusão escolar: um trabalho com professores a partir de operadores da psicanálise

2003 Kupfer, Maria Cristina Machado (PSA)

Em: educação especial, educação inclusiva, crianças especiais

43 Tese Costa, Valéria Catelli Infantozzi da

Efeitos de lesões seletivas do giro denteado no desempenho de ratos em tarefas temporais

2003

Xavier, Gilberto Fernando; Bueno, José Lino Oliveira (PSE)

Em: deficiência

44 Tese Duduchi, Marcelo Desenvolvimento lexical em surdos: instrumentos de avaliação e intervenção em Língua de Sinais Brasileira

2003 Capovilla, Fernando César (PSE)

Em: educação especial

45 Tese Luchesi, Maria Regina Chirichella

Intersubjetividade e diferença um estudo do contato com pessoas surdas

2003 Schmidt, Maria Luisa Sandoval (PSA)

Em: deficientes

46 Dissertação Machado, Valdirene Repercussões da proposta "educação inclusiva" a partir do discurso de professores de educação especial da rede pública estadual paulista

2003 Souza, Marilene Proença Rebello de (PSA)

Em: deficiência, educação especial, educação inclusiva

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No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura

47 Dissertação Monte Alegre, Paulo Augusto Colaco

A cegueira e a visão do pensamento 2003 Ramozzi-Chiarottino, Zélia (PST)

Em: deficiência, deficiente, deficientes, pessoas com deficiência, crianças especiais, crianças com necessidades especiais, alunos com necessidades especiais

48 Dissertação Mota, Monica Maria de Angelis

A psicoterapia breve na orientação profissional do jovem com deficiência física

2003 Wiese, Elisabeth Batista Pinto (PSC)

Em: deficiência, deficiente

49 Tese Piemonte, Maria Elisa Pimentel

Aprendizagem motora na doença de Parkinson 2003 Xavier, Gilberto Fernando (PSE)

Em: deficiência

50 Tese Sekkel, Marie Claire A construção de um ambiente inclusivo na educação infantil: relato e reflexão sobre uma experiência

2003 Crochik, José Leon (PSA)

Em: deficientes, crianças especiais, crianças com necessidades especiais

51 Tese Silva, Carla Cilene Baptista da

O lugar do jogo e do brinquedo nas escolas especiais de educação infantil

2003 Bomtempo, Edda (PSA)

Em: deficiência, deficiente, deficientes, educação especial, crianças especiais

52 Dissertação Viggiano, Keila Avaliando a competência de leitura de palavras em escolares surdos do ensino fundamental e médio

2003 Capovilla, Fernando César (PSE)

Em: educação especial, crianças especiais

53 Dissertação Angelucci, Carla Biancha

Uma inclusão nada especial: apropriações da política de inclusão de pessoas com necessidades especiais na rede pública de educação fundamental do estado de São Paulo

2002 Patto, Maria Helena Souza (PSA)

Em: deficientes, educação especial, alunos com necessidades especiais

54 Tese Grossi, Renata

Análise funcional de um programa de atendimento domiciliar: um estudo de caso de uma família com filho adolescente, portador de deficiência mental severa, de autismo e com problemas comportamentais

2002 Silvares, Edwiges Ferreira de Mattos (PSC)

Em: deficiência

55 Dissertação Luz, Renato Dente Desenvolvimento de manual semântico ilustrado triligue da Língua de Sinais Brasileira (Libras) em sete volumes: o mundo do surdo em Libras

2002 Capovilla, Fernando César (PSE)

Em: educação especial

56 Dissertação Raphael, Walkiria Duarte

Desenvolvimento de material instrucional para implementar a educação bilingue da criança surda brasileira: dez volumes de sinais da Libras indexados semanticamente

2002 Capovilla, Fernando César (PSE)

Em: educação especial

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No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura

57 Dissertação Samea, Marisa Terapia ocupacional e grupos: em busca de espaços de subjetivação

2002 Fernandes, Maria Inês Assumpção (PST)

Em: deficiência

58 Tese Souza, Vanner Boere

Efeitos de estresse psicossocial crônico e do enriquecimento ambiental em sagüis (Callithrix penicillata) um estudo comportamental, fisiológico e farmacológico

2002 Tomaz, Carlos Alberto Bezerra (PSE)

Em: deficiência

59 Dissertação Balieiro, Mariana de Figueiredo

Um olhar sobre o desenvolvimento emocional de uma criança que apresenta uma deficiência intelectual: a contribuição dos pais

2001 Motta, Ivonise Fernandes da (PSC)

Em: deficiência, deficiente

60 Tese Brunello, Maria Ines Britto

Ser lúdico: promovendo a qualidade de vida na infância com deficiência

2001 Amaral, Lígia Assumpção (PSA)

Em: deficiência, deficientes, pessoas com deficiência

61 Dissertação Charin, Sérgio Telecomunicações, redes de computadores, sistemas de comunicação alternativa em distúrbios de comunicação, e sua iconicidade

2001 Capovilla, Fernando César (PSE)

Em: deficientes

62 Dissertação Costa, Marcelo Fernandes da

Acuidade visual de resolução de grades em crianças com paralisia cerebral do tipo espástico pelo método dos potenciais visuais evocados de varredura

2001 Ventura, Dora Selma Fix (PSE)

Em: deficiência

63 Tese D´Antino, Maria Eloisa Fama

Deficiência e a mensagem reveladora da instituição especializada: dimensões imagética e textual

2001 Amaral, Ligia Assumpção (PSA)

Em: deficiência, deficiente, pessoas com deficiência

64 Dissertação Jordão, Marcia Cristina Moreira

A criança, a deficiência e a escola: uma intervenção orientada pela psicanálise

2001 Maluf, Maria Regina (PSA)

Em: deficiência, deficiente, deficientes, educação especial, educação inclusiva

65 Dissertação Bastos, Ana Lucia Gondim

O processo de escolha profissional: caminhos e percalços da pessoa deficiente visual

2000 Amiralian, Maria Lúcia Toledo Moraes (PSA)

Em: deficiente, deficientes

66 Livre Docência

Capovilla, Fernando Cesar

Lingua de sinais brasileira: dicionário enciclopédico ilustrado trilingue - abrindo o mundo do surdo brasileiro à pesquisa e à intervenção psicológicas

2000 (PSE) Em: educação especial

67 Dissertação Holanda, Suely Alencar Rocha de

Sobre a questão da deficiência mental concebida como infância eterna: reflexões em direção à psicanálise

2000 Brauer, Jussara Falek (PSC)

Em: deficiência, deficiente, deficientes

68 Dissertação Horta, Celia Investigação da relação entre pais e o filho com deficiência auditiva

2000 Simon, Ryad (PSC) Em: deficiência, deficiente

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No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura

69 Dissertação Kalmus, Jacqueline A produção social da deficiência mental leve 2000 Patto, Maria Helena Souza (PSA)

Em: deficiência, deficiente, deficientes, educação especial

70 Dissertação Melo, Symone Fernandes de

A relação mãe-criança portadora de deficiência mental: uma abordagem winnicottiana

2000 Safra, Gilberto (PSC)

Em: deficiência, deficientes

71 Tese Paula, Ana Rita de Asilamento de pessoas com deficiência: instituicionalização da incapacidade intelectual

2000 Aiello-Vaisberg, Tânia Maria José (PSC)

Em: deficiência, deficientes, pessoas com deficiência, pessoas portadoras de deficiência

72 Dissertação Silva, Ana Paula Pires da

A criança com distúrbio neurológico e a psicanálise 2000 Priszkulnik, Léia (PSC)

Em: deficientes

73 Tese Thiers, Valeria de Oliveira

Sistemas computadorizados de avaliação psicométrica de habilidades escolásticas e de ensino de símbolos Bliss em paralisia cerebral

2000 Capovilla, Fernando César

Em: educação especial, crianças especiais, crianças com necessidades especiais

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Reciprocidade socio-afetiva da criança com fissura labio-palatal e sua família

2000 Perez-Ramos, Aydil Macedo de Queiroz (PSC)

Em: deficiente

75 Dissertação Capuano, Andrea Maria Nicastro

Memória e linguagem em indivíduos HIV+ 1999 Xavier, Gilberto de Mendonça (PSE)

Em: deficiência

76 Tese Ghirardi, Maria Isabel Garcez

Representação da deficiência e práticas de reabilitação: uma análise do discurso técnico

1999 Tassara, Eda Terezinha de Oliveira (PST)

Em: deficiência, deficientes, pessoas com deficiência

77 Dissertação Hirakava, Maria Aparecida Hiroko

Contribuições da psicanálise para a reflexão da função materna em mães de crianças com deficiência

1999 Brauer, Jussara Falek (PSC)

Em: deficiência, deficientes

78 Tese Juliani, João Efeitos da modalidade sensorial do estímulo nodal e da exposição sucessiva a arranjos de treino na formação de classes de estímulos equivalentes

1999 De Rose, Júlio César Coelho (PSE)

Em: deficientes

79 Tese Kajihara, Elisa Eiko Práticas corporais de impressão e expressão: suas contribuições para a re-descoberta da sexualidade do paraplégico

1999 Amiralian, Maria Lúcia Toledo Moraes (PSA)

Em: deficiente, deficientes

80 Dissertação Kohatsu, Lineu Norio Estudo sobre a expressão de alunos e ex-alunos de uma escola especial através da fotografia

1999 Amaral, Lígia Assumpção (PSA)

Em: deficientes, educação especial

81 Livre Docência

Kupfer, Maria Cristina Machado

Uma educação para o sujeito: desdobramentos da conexão psicanálise-educação

1999 (PSA) Em: educação especial

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No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura

82 Tese Lopes, Kathya Augusta Thome

Aluno com deficiência física em aulas regulares de educação física: prática viável ou não? Um estudo de caso

1999 Amaral, Lígia Assumpção (PSA)

Em: deficiência, deficiente

83 Dissertação Melo, Aurelio Fabricio Torres

A vida, o olhar e o sentir maternos em distrofia muscular do tipo Duchenne

1999 Kovács, Maria Júlia (PSA)

Em: deficiência, deficiente

84 Tese Nabeiro, Marli A pessoa com deficiência visual e o movimento: um novo olhar, uma nova prática

1999 Amiralian, Maria Lúcia Toledo Moraes (PSA)

Em: deficiência, deficientes, pessoas com deficiência

85 Tese Rocha, Eucenir Fredini

Do corpo orgânico ao corpo relacional: uma proposta de deslocamento dos fundamentos e práticas de reabilitação da deficiência

1999 Tassara, Eda (PST) Em: deficiência, deficientes

86 Dissertação Takatori, Marisa O brincar no cotidiano da criança com deficiência física: Privilegiando um olhar para a construção de intervenções em reabilitação

1999 Bomtempo, Edda (PST)

Em: deficiência, deficiente, pessoas com deficiência

87 Dissertação Villela, Elisa Marina Bourroul

As repercussões emocionais em irmãos de deficientes visuais

1999 Amiralian, Maria Lúcia Toledo Moraes (PSA)

Em: deficiente, deficientes

88 Tese Akashi, Lucy Tomoko

Construindo-se como terapeuta ocupacional: da "pré-história" das concepções sobre o deficiente e a possibilidade de ressignificação da deficiência

1998 Amaral, Lígia Assumpção (PSA)

Em: deficiência, deficiente, deficientes

89 Dissertação Alves, Cilene Rejane Ramos

Efeito do antipsicótico atípico risperidona sobre a inibição latente, em ratos

1998 Silva, Maria Teresa Araújo (PSE)

Em: deficiência

90 Livre Docência

Amaral, Ligia Assumpção

Deficiência, vida e arte 1998 (PSA) Em: deficiência, deficiente, deficientes

91 Dissertação Amaral, Tatiana Platzer do

Recuperando a história oficial de quem já foi aluno especial

1998 Amaral, Lígia Assumpção (PSA)

Em: deficiência, deficiente, deficientes, educação especial

92 Tese Bolsanello, Maria Augusta

Interação mãe-filho portador de deficiência: concepções e modo de atuação dos profissionais em estimulação precoce

1998 Agatti, Antonio Paschoal Rodolpho (PSA)

Em: deficiência, deficientes, educação especial

93 Tese Chaves, Antonio Marcos

Crianças abandonadas ou desprotegidas? 1998 Azevedo, Maria Amélia (PSA)

Em: deficiente

94 Dissertação Duduchi, Marcelo Sistema de multimídia para comunicação picto-silábica: análise do uso domiciliar por uma mulher com paralisisa cerebral

1998 Silva, Maria Teresa Araújo (PSE)

Em: educação especial

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No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura

95 Tese Flores-Mendoza, Carmen Elvira

Processamento cognitivo básico e inteligência em deficientes mentais

1999 Castilho, Adail Victorino (PSA)

Em: deficientes

96 Tese Godoy, Maria de Fatima Reipert de

Educação artística para deficiente auditivo: uma leitura a partir da visão de professores

1998 Amaral, Lígia Assumpção (PSA)

Em: deficiência, deficiente, deficientes, educação especial

97 Dissertação Lima, Luis Antonio Gomes

Um estudo psicanalítico sobre a produção do conhecimento na criança psicótica

1998 Kupfer, Maria Cristina Machado (PSA)

Em: educação especial

98 Dissertação Santos, Eliane Fazion dos

Comportamento agressivo e deficiência mental profunda: estudo em ambiente natural

1998 Hunziker, Maria Helena Leite (PSE)

Em: deficiência, deficientes

99 Dissertação Scherb, Eliane Deficiência física adquirida por lesão medular traumática: estudo da auto-imagem

1998 Kolck, Odette Lourenção van (PSC)

Em: deficiência, deficiente, pessoas com deficiência, pessoas portadores de deficiência

100 Tese Anache, Alexandra Ayach

Diagnóstico ou inquisição?: Estudo sobre o uso do diagnóstico psicológico na escola

1997 Kovács, Maria Júlia (PSA)

Em: deficiência, deficiente, educação especial

101 Dissertação Araujo, Elvira Aparecida Simões de

Encaminhamento de crianças para classe especial para deficientes mentais: o olhar e o fazer psicológico

1997 Kovács, Maria Júlia (PSA)

Em: deficiência, deficiente, deficientes, educação especial, crianças especiais, crianças com necessidades especiais

102 Tese Ghiringhello, Lucia Descrição do processo de orientação de um grupo de mães com filho deficiente mental

1997 Mejias, Nilce Pinheiro (PSC)

Em: deficiente, deficientes

103 Tese Kajihara, Olinda Teruko

Avaliação das habilidades fonológicas de disléxicos do desenvolvimento

1997 Castilho, Adail Victorino (PSA)

Em: deficientes, educação especial

104 Tese Martinez, Maria Angelina Nardi de Souza

Estudo sobre a relação entre cognição e linguagem no deficiente auditivo: o papel da imagem mental na interação psicossocial

1997 Ramozzi-Chiarottino, Zélia (PST)

Em: deficiente

105 Tese Naujorks, Maria Ines A deficiência e o espaço na TV: quando a mensagem faz a diferença

1997 Amaral, Lígia Assumpção (PSA)

Em: deficiência, deficientes

106 Dissertação Senaha, Mirna Lie Hosogi

Dislexia adquirida em um paciente nisei repercussão da lesão cerebral em diferentes sistemas de escrita

1997 Parente, Maria Alice de Mattos Pimenta (PSE)

Em: deficientes

107 Tese Castanho, Antonieta Ribeiro Silva Prates

Face de crianças deficientes visuais: expressões de emoções e percepção social de seus sorrisos

1996 Otta, Emma (PSE) Em: deficiente, deficientes

108 Tese Machado, Adriana Marcondes

Reinventando a avaliação psicológica 1996 Rodrigues, Arakcy Martins (PSA)

Em: deficiente

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No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura

109 Dissertação Navarro, Zilda Moretti

Preparação para o trabalho na trajetória educacional do deficiente mental: possibilidade real ou realidade divergente?

1996 Amaral, Lígia Assumpção (PSA)

Em: deficiência, deficiente, educação especial

110 Dissertação Araujo, John Fontenele

Intermodulação de freqüências: um modelo funcional para organização dos seres vivos

1995 Marques, Nélson (PSE)

Em: deficiência

111 Tese Freire, Ida Mara Olhar sobre a criança: estudo exploratório sobre as experiências da criança vidente e não-vidente de dois anos de idade

1995 Rossetti-Ferreira, Maria Clotilde T. (PSE)

Em: deficiência, deficientes

112 Tese Manzini, Eduardo Jose

Formas de raciocínio apresentadas por adolescentes considerados deficientes mentais: identificação através do estudo de interações verbais

1995 Simão, Lívia Mathias

Em: deficiência, deficientes

113 Tese Mendes, Eniceia Gonçalves

Deficiência mental: a construção científica de um conceito e a realidade educacional

1995 Bori, Carolina Martuscelli (PSE)

Em: deficiência, educação especial

114 Tese Ribeiro, Hugues Costa de Franca

Orientação sexual e deficiência mental: estudos acerca da implementação de uma programação

1995 Amiralian, Maria Lucia Toledo Moraes (PSA)

Em: deficiência, deficiente, deficientes

115 Tese Carpentieri, Nilse Margarida

Modelo transacional de avaliação-intervenção mediante enfoque longitudinal: seguimento de caso único portador da síndorme de Down nos seus primeiros dez anos de vida

1994 Perez-Ramos, Aydil Macedo de Queiroz

Em: educação especial

116 Tese Penazzo, Arnaldo Antonio

Estudo sobre a aprendizagem de conceitos por crianças deficientes mentais moderadas

1994 Lomônaco, José Fernando Bitencourt (PSA)

Em: deficiente, deficientes, educação especial

117 Tese Reily, Lucia Helena Armazém de imagens: estudo de caso de jovem artista portador de deficiência múltipla

1994 Custódio, Eda Marconi (PSA)

Em: deficiência, deficientes

118 Dissertação Almeida, Marta Carvalho de

Pessoa portadora de deficiência física em seu cotidiano: reflexos e reflexões sobre a reabilitação

1993 Tassara, Eda (PST) Em: deficiência, deficiente, pessoas com deficiência, pessoas portadoras de deficiência

119 Tese Ciampone, Maria Helena Trench

Assistência institucionalizada para indivíduos portadores de deficiência mental: dimensões esquecidas

1993 Mello, Sylvia Leser de (PST)

Em: deficiência, deficiente

120 Dissertação Dechichi, Claudia Caracterização de crianças encaminhadas à classe especial para deficientes mentais leves

1993 Castilho, Adail Victorino (PSA)

Em: deficiente, deficientes, educação especial

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No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura

121 Tese Enumo, Sonia Regina Fiorim

Prevenção de deficiência mental: uma proposta metodológica para identificação e análise de ações preventivas

1993 Kerbauy, Rachel Rodrigues (PSE)

Em: deficiência, deficiente

122 Dissertação Ghirardi, Maria Isabel Garcez

Convívio com o portador de síndrome de Down: um estudo exploratório a partir do relato de mães

1993 Tassara, Eda (PST) Em: deficiência, deficiente, pessoas com deficiência, pessoas portadores de deficiência

123 Dissertação Paula, Ana Rita de Corpo e deficiência: espaços do desejo: reflexões sob(re) a perspectiva feminina

1993 Mello, Sylvia Leser de (PST)

Em: deficiência, deficiente

124 Tese Amaral, Ligia Assumpção

Espelho convexo: o corpo desviante no imaginário coletivo, pela voz da literatura infanto-juvenil

1992 Bosi, Ecléa (PST) Em: deficiência, deficiente

125 Tese Costa, Maria da Piedade Resende da

Alfabetização de deficientes auditivos: um programa de ensino

1992 Bori, Carolina Martuscelli (PSE)

Em: deficiência, deficientes, educação especial

126 Tese Limongi, Suelly Cecília Olivan

Estudo sobre a relacao entre o processo de cognicao e a construcao da linguagem em criancas portadoras de paralisia cerebral

1993 Ramozzi-Chiarottino, Zélia (PSA)

Em: deficientes

127 Tese Monteiro, Maria Ines Bacellar

Dinâmica do diálogo de crianças portadoras de síndorme de Down

1992 Bori, Carolina Martuscelli (PSE)

Em: deficiente, educação especial

128 Dissertação Nallin, Araci Reabilitação em instituição: suas razões e procedimentos: análise de representação no discurso

1992 Guirado, Marlene (PSA)

Em: deficiência, deficientes, pessoas portadores de deficiência

129 Tese Paiva, Maria Lucimar Fortes

Relacoes entre representacoes cognitivas, afetivas e desempenho escolar em criancas de 4 a 5 anos de idade

1992 Macedo, Lino de (PSA)

Em: deficientes

130 Dissertação Sawaya, Sandra Maria

Pobreza e linguagem oral: as crianças do jardim piratininga

1992 Patto, Maria Helena Souza (PSA)

Em: deficiência, deficiente, pessoas com deficiência, pessoas portadoras de deficiência

131 Tese Aranha, Maria Salete Fabio

Interação social e o desenvolvimento de relações interpessoais do deficiente em ambiente integrado

1991 Carvalho, Ana Maria Almeida (PSE)

Em: deficiência, deficiente, deficientes

132 Dissertação Alvares, Maria Ralston

Representacoes da doenca mental entre individuos de classe baixa

1991 Rodrigues, Arakcy Martins

Em: deficientes

133 Tese Castillo, Herminia Vicentelli de

Alfabetização, leitura crítica e a criança com deficits comportamentais

1990 Witter, Geraldina Pôrto

Em: educação especial

134 Tese Falsetti, Leyla Argia Venegas

Criança, sua doença e a mãe: um estudo sobre a função materna na constituição de sujeitos precocemente atingidos por doença ou deficiência

1990 Nogueira, Luiz Carlos (PSC)

Em: deficiência

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No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura

135 Dissertação Ghiringhello, Lucia Atendimento de grupo de pais com filho deficiente mental: um estudo descritivo de procedimentos de avaliação

1990 Mejias, Nilce Pinheiro

Em: deficiente, deficientes

136 Tese Gorodscy, Regina Celia

Criança hiperativa e seu corpo: um estudo compreensivo da hiperatividade em crianças

1990 Jordy, Ceme Ferreira (PSC)

Em: deficiência

137 Tese Ide, Sahda Marta Construção da leitura e escrita: proposta de intervenção em classe especial para deficientes mentais

1990 Bomtempo, Edda (PSA)

Em: deficiente, deficientes, educação especial

138 Dissertação Kato, Maria de Lourdes

Contribuições do enfoque dialógico de buber para o ensino da psicologia

1990 Forghieri, Yolanda Cintrão

Em: deficiência

139 Tese Reali, Aline Maria de Medeiros Rodrigues

Alimentação infantil uma visão ergonômica 1990 Guidi, Mário Arturo Alberto

Em: deficientes

140 Dissertação Rocha, Eucenir Fredini

Corpo deficiente: em busca da reabilitação? - Uma reflexão a partir da ótica das pessoas portadoras de deficiências físicas

1990 Maluf, Maria Regina (PSA)

Em: deficiente, deficientes

141 Dissertação Campos, Liege Christina Simoes de

Estigma na adaptação de aparelho de amplificação sonora individual em adultos

1990 Philipson, Jurn Jacob (PST)

Em: deficiência, deficiente

142 Dissertação Reily, Lucia Helena Nós já somos artistas: estudo longitudinal da produção artística de pré-escolares portadores de paralisia cerebral

1990 Custódio, Eda Marconi (PSA)

Em: deficiente, deficientes

143 Tese Mrech, Leny Magalhaes

Espelho partido e a questão da deficiência mental moderada e severa em seu vínculo com as estruturas de alienação no saber

1989 Copit, Melany Schvartz

Em: deficiência

144 Tese Tiosso, Lucia Helena Dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita: uma visão multidisciplinar

1989 Antunha, Elsa Lima Gonçalves

Em: deficiente

145 Tese Batista, Cecilia Guarnieri

Mães e crianças brincando: um estudo de influências recíprocas

1989 Matos, Maria Amelia (PSE)

Em: deficiência

146 Dissertação Cunha, Beatriz Belluzzo Brando

Classes de educacao especial para deficientes mentais? 1988 Patto, Maria Helena Souza (PSA)

Em: deficientes, educação especial

147 Dissertação Amiralian, Maria Lucia Toledo Moraes

Psicodiagnóstico do cego congênito: aspectos cognitivos

1986 Kolck, Odette Lourenção van (PSA)

Em: deficiência, deficientes

148 Dissertação Angeli, Heloisa Aparecida Tiveli

Problemática sexual na adolescência 1986 Angelini, Arrigo Leonardo

Em: deficiente

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No. Tipo Autor Título Ano Orientador Termos de busca em que figura

149 Tese Goyos, Antonio Celso de Noronha

Profissionalizacao de deficientes mentais estudo de verbalizacoes de professores acerca dessa questao

1986 Bori, Carolina Martuscelli

Em: deficientes

150 Tese Omote, Sadao Estereótipos de estudantes universitários em relação a diferentes categorias de pessoas deficientes

1984 Cunha, Walter Hugo de Andrade

Em: deficientes , educação especial

151 Dissertação Omote, Sadao Reações de mães de deficientes mentais ao reconhecimento da condição dos filhos afetados: um estudo psicológico

1980 Cunha, Walter Hugo de Andrade

Em: deficiente, deficientes, educação especial

152 Dissertação Carmo, Helena Moreira e Silva

Problema dos repetentes da primeira série primária nos grupos escolares de São Paulo

1970 Kolck, Odette Lourenção van (PSA)

Em: deficiência

153 Dissertação Kerbauy, Rachel Rodrigues

Aprendizagem de uma discriminacao em criancas deficientes e normais e a manipulacao de diferentes reforcos

1969 Bori, Carolina Martuscelli

Em: deficientes, crianças especiais

154 Livre Docência

Aguirre, Maria Jose de Barros Fornari de

Significado de alguns fatores psicológicos no rendimento em leitura

1965 Em: deficiência

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241

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Instituto de Psicologia

Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu,____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________, Documento de Idendidade ____________________________________________________________, CPF ___________________________________, dou meu consentimento livre e esclarecido para participar, como voluntário(a), da Pesquisa “Que(m) nomeia a deficiência”, conduzida por LÍGIA FERREIRA GALVÃO, aluna do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, nível doutorado, no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Aceitando este Termo de Consentimento, declaro estar ciente de que:

1. O objetivo da pesquisa é estudar o discurso de sujeitos considerados, por si ou por outros, como pessoas com deficiência, bem como o discurso de seus familiares, educadores e terapeutas;

2. Os resultados gerais obtidos na pesquisa serão utilizados apenas para alcançar os objetivos do trabalho, incluída a publicação dos dados em literatura científica especializada;

3. Nada do que eu disser terá validade em juízo ou investigações de fiscalização profissional;

4. Meus dados pessoais e da(s) criança(s) e/ou adolescente(s) sob minha responsabilidade legal serão mantidos em sigilo e estou livre para interromper minha participação [ou a da(s) criança(s) e/ou adolescente(s), mencionado/a(s) acima] a qualquer momento, sem prejuízo do meu sigilo;

5. Uma vez que é voluntária, minha participação na pesquisa não envolve qualquer forma de remuneração;

6. Participar da pesquisa não implica em riscos para a minha saúde física e mental ou para a(s) criança(s) e/ou adolescente(s) sob minha responsabilidade; também não prejudica qualquer um de meus direitos, adquiridos ou naturais;

7. Poderei entrar em contato com a responsável por este estudo sempre que julgar necessário, pelos telefones: (11) xxxx-xxxx ou (11) yyy-yyyy;

8. Este Termo de Consentimento é feito em duas vias, sendo que uma permanecerá em meu poder e a outra com a pesquisadora.

[LOCAL] , ____ de______________ de________.