Upload
duongtu
View
213
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA-UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO-CAMPUS 1
PEDAGOGIA-ANOS INICIAIS
Michele Gonçalves Silva
Fenômeno Bullying: a perspectiva do professor
Salvador
2009
2
Michele Gonçalves Silva
Fenômeno Bullying : a perspectiva do professor
Trabalho desenvolvimento como pré-
requisito para conclusão do curso de
Pedagogia, com habilitação para Anos
Iniciais, sob a orientação do Prof. Dr.
Marcos Luciano Lopes Messeder
Salvador
2009
3
Michele Gonçalves Silva
Fênomeno Bullying: A perspectiva do professor
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção da
graduação em Pedagogia com habilitação em Anos Iniciais do
Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia sob
orientação do Prof. Dr. Marcos Luciano Lopes Messeder.
Salvador, ___ de ______________ de 20___
__________________________________
Prof. Dr. Marcos Luciano Lopes Messeder
__________________________________
Profª. Ms. Cleide Magali dos Santos
__________________________________
Profª. Antonio José Tavares Lima
4
“Algumas pessoas não precisam de armas para te feri r, elas usam palavras, risos, se divertem com seu
sofrimento”
(Retirado do filme “Bang Bang, você morreu”)
5
Resumo
O presente trabalho visa entender a perspectiva que os professores de uma escola privada de Salvador têm a respeito do bullying, como lidam com tal tipo de violência. e qual o preparo da escola para trabalhar a questão. Como objetivo secundário a pesquisa propõe questionar determinadas tendências de se classificar como bullying comportamentos agressivos cujos processos são mais complexos e disseminados de uma forma geral na sociedade, tais como sexismo, racismo, preconceitos estéticos e intelectuais, buscando dessa maneira aliar as dimensões psicológica e social. O método de pesquisa foi o estudo de caso e para tanto utilizou-se as técnicas de observação e de questionários. Os resultados apontam para percepções variadas que vão desde a ignorância do fenômeno até a sua supervalorização, aliado ao despreparo institucional para tratar do problema.
Palavras-chave: Bullying - Sociedade - Professores - Violência
6
Abstract
This work intend to understand the perspective of teachers from a private school of Salvador has about bullying, how they deal with this kind of violence and how the school prepare they to work with that question. As second objective, the research want to ask some trends of classify as bullying like aggressive behaviors that process are more complex and spread generally in society, like sexism, racism, aesthetic preconception and intellect preconception, searching, in this way, to unit psychology’s and social’s dimension. The method used was case study and for that used observation’s techniques and questionnaire. The results points to many perceptions, that going since unknow about the phenomenon until his supervalluation, put together institutional unpreparedness to manage the problem.
Keywords: Bullying - Society - Teachers - Violence
7
Sumário
1. Introdução 8
2. Um passeio bibliográfico pelo tema 10
2.1 A incansável busca por um conceito 10
2.2 Histórico do fenômeno 13
2.3 A vítima, o agressor, as testemunhas 14
2.4 Caso relevantes 15
2.5 O cinema e o Bullying 16
2.6 Cyberbullying e as novas agressões 18
3. O confronto da teoria com a prática 19
3.1 Metodologia da pesquisa 19
3.2 Observação em campo 21
3.3 Respostas aos questionários 23
3.4 Entrevista informal com os alunos 28
3.5 Análise das respostas 29
4. Considerações finais 32
Referências Bibliográficas 34
Apêndices 37
8
1.Introdução
O fenômeno Bullying é um problema que tem ganhado crescente repercussão
no Brasil e no exterior, tendo assim despertado um interesse pessoal em pesquisar
de maneira um pouco mais aprofundada o assunto. A presente monografia visa
satisfazer certa curiosidade e questionar algumas dimensões colocadas pelo tema.
Sabe-se que o fenômeno ocorre há muito tempo, mas só passou a ser
estudado em meados da década de 1970. Uma das inquietações recai sobre como
o problema tem sido visto pelos professores e como estes lidam com tais situações.
Desta forma, realizou-se uma pesquisa cujo foco é a perspectiva do
professor, procurando entender de que maneira os educadores percebem o
problema no seu dia a dia. O próprio processo de investigação serve para provocar
uma reflexão nos entrevistados a respeito do tema, que vem sendo comentado
atualmente. Além disso, busca-se uma visão crítica sobre a questão, tentando
examinar suas especificidades, dado que suas características podem facilmente
produzir assimilações com outros tipos de violência.
Como foi dito, a pesquisa foi realizada numa escola particular de Salvador,
tendo como principais interlocutores os professores e suas respectivas turmas.
Como instrumento de pesquisa utilizou-se o questionário e a observação. O uso do
questionário resultou mais das condições da pesquisa do que de uma escolha
propriamente metodológica. Dispôs-se de pouco tempo para a realização do
trabalho e a aplicação deste tipo de instrumento permite uma maior rapidez tanto na
coleta como na análise dos dados. O ideal teria sido a realização de entrevistas e
talvez de grupos focais, o que propiciaria uma discussão coletiva sobre o tema. As
entrevistas poderiam preceder e aprofundar as visões pessoais dos professores.
No primeiro capítulo poder-se-á encontrar os aspectos teóricos do tema, tais
como o conceito, seu percurso histórico, filmes a respeito, entre outros. O segundo
capítulo, por sua vez, trará a pesquisa realizada em uma escola particular de
salvador, visando comprovações do que foi descrito no primeiro capítulo. A presente
9
pesquisa poderá trazer contribuições acadêmicas para terceiros, pois visa mostrar
porque os professores têm dificuldade de trabalhar o tema em questão com seus
alunos.
10
2.Um passeio bibliográfico pelo tema
2.1 A incansável busca por conceito
O termo Bullying é usado por alguns autores como sendo um tipo de violência
que ocorre nas escolas. O termo violência “vem do latim violentia, que significa
violência, caráter violento ou bravio, força [...] emprego da força física, mas também
quantidade, abundância [...]” (MICHAUD apud PAREDES;SAUL;BIANCHI
2006,p.13). As mesmas autoras trazem o conceito de Amoretti, segundo o qual a
violência é vista como um fenômeno exclusivamente humano, ocorrendo a nível
social, mas que ao mesmo tempo denega o social. Segundo o autor citado, tais
comportamentos se aproximam do “caos” (Amoretti apud PAREDES;SAUL;BIACHI,
2006, p.15). Contudo, é preciso relativizar tal compreensão pois a violência pode ser
expressão de uma ordem opressiva ou da própria ação política, como no caso da
guerra. A violência é sempre expressão de uma relação de força entre partes,
podendo ser consentida ou não. Vejamos que a nossa sociedade organiza rituais de
agressividade, a exemplo dos torneios de lutas, entre outros, segundo o professor
da UNEB, Marcos Luciano Messeder.
Outra definição de violência é dada por Derbabieux, citado por Cubas ET All),
que afirma que o termo é amplo e “abrange desde agressões graves até as
pequenas incivilidades que acontecem na escola [...]”(Derbadieux apud RUOTTI
2006, P.24). Estes autores, porém, falam sobre a violência em geral, não
especificamente do Bullying. Abramovay e Rua citam Nancy Day que define o
referido fenômeno como “abuso físico ou psicológico contra alguém que não é capaz
de se defender” (2005, p.21, tradução minha). Ela acredita, portanto, que a agressão
típica do Bullying ocorre do mais forte para o mais fraco, concordando com Fante,
que o conceitua como uma
palavra de origem inglesa, adotada em muitos países para definir o
desejo consciente e deliberado de maltratar uma outra pessoa e
colocá-la sob tensão; termo que conceitua os comportamentos
agressivos e anti-sociais [...] (2005, p.27)
11
Em visita ao site da ABRAPIA- Associação Brasileira de Proteção à Infância e
Adolescência – aparece um conceito semelhante ao de Fante, já que neste o bullying
é visto como atitudes agressivas repetitivas, sem motivação evidente, que podem
causar dor e angústia a quem sofre. O conceito da APRABIA, porém, é mais conciso,
uma vez que sua ocorrência se daria quando um ou mais alunos agridem um outro,
estabelecendo com este(s) uma relação desigual de poder. Geralmente um aluno
mais “forte” escolhe um mais “fraco” para ser sua vítima, o que concorda com as
idéias de Nancy Day.
Cavalcanti (Revista Nova Escola - dezembro de 2004) traz um outro aspecto a
ser observado, inserindo os apelidos no conceito de Bullying, além dos comentários
maldosos considerados como “coisas de estudante”, que podem deixar marcas
dolorosas e por vezes trágicas. Assim como Cavalcanti, Veiga cita alguns exemplos
do que é considerado Bullying, como apelidar, ofender, humilhar, amedrontar, isolar,
perseguir e bater, acrescentando que tais atitudes sempre ocorreram no meio
escolar, mas que só veio a ser estudado há pouco tempo (2004).
Olhando por esse ponto de vista, é de se questionar se as pessoas não fazem
“tempestade em copo d’água”. O Bullying é algo que sempre ocorreu nas escolas e
nunca chamou atenção de pesquisadores e educadores, mas bastou um único
“batizar” o fenômeno e o bullying vira um dos temas mais estudados da atualidade. É
de se questionar se tal tema não virou “moda” entre os pesquisadores, que repetem
sempre os mesmos conceitos e citam sempre os mesmo autores.
O Bullying acontece tanto entre meninos quanto entre meninas, sendo que
normalmente há diferenças a depender do gênero. Segundo ALVAREZ (revista
Época, nº de edição não encontrado) as meninas preferem a violência verbal, mais
sutil, porém tão cruel quanto a física. Elas utilizam apelidos e nomes pejorativos
ligados à aparência, tais como “galinha”, “sapatão”, “barril”, “Olívia-palito”, entre
outros. Já os meninos, que são maioria, dão empurrões, tapas nas costas e chegam
a bater. Podem também excluir aquele garoto que consideram “ruim de bola” dos
times de futebol ou fazer dele o alvo das “bolinhas de papel”.
12
Muitas vezes as agressões ocorrem durante o horário do “recreio”, de acordo
com pesquisas realizadas por universidades portuguesas (cf. Fante, 2005). Segundo
a socióloga Miriam Abramovay, coordenadora de várias pesquisas sobre violência, a
escola tornou-se um lugar inseguro porque alunos, professores e diretores fingem
que nada está acontecendo.
O comportamento agressivo que gera o bullying, muitas vezes, é considerado
normal, pois faz parte do desenvolvimento da criança. Raggio afirma que o ser
humano necessita de agressividade para viver (apud Neves e Romanelli 2006).
Segundo Sacchetto
(http://guiadobebe.uol.com.br/bb5a6/a_agressividade_infantil__bullying.htm Acesso
em 11 MAr 2009 Às 20:48) a agressividade pode vir com o intuito de machucar
alguém ou de simplesmente buscar alguma recompensa, ou “chamar atenção”.
Estudos mostram que a maioria dos alunos que praticam bullying têm problemas
afetivos em casa. A autora comenta que bater, gritar, colocar apelidos são
comportamentos COMUNS a qualquer criança, mas que não são CORRETOS, ou
seja, deve-se trabalhar na criança a diminuição gradativa de tal comportamento
Sacchetto também acrescenta que as crianças a partir de três anos começam
a adquirir novos vocabulários “e começam a descobrir o prazer em brincar com o
outro e se comunicar”. Tudo isso ocorre dentro de um meio social, no qual a criança
busca a inserção no grupo e a aceitação entre novas amizades, como explica a
autora. Sendo assim, pode-se perceber que a sociedade colabora com a
propagação do fenômeno, criando não só os fatores propulsores do comportamento
quanto proporcionando os ambientes permissivos, baseados na imposição de
padrões únicos e na valorização da força física e da agressividade, principais fatores
da competição, valor tão internalizado na maioria da sociedades. Na maioria das
vezes, essa atitudes violentas são reforçadas por outros agentes sociais (como os
professores ou os próprios colegas). Raggio afirma que a violência “nasce com as
sociedades de classe e penetra no processo de exploração do homem pelo homem
por meio de mecanismos de repressão” (apud Neves e Romanelli 2006, p. 299-306)
Tendo em vista que o Bullying tem como característica a repetição de
comportamentos como violência física, violência verbal, humilhações, apelidos, entre
13
outros, pode-se refletir sobre o fato de que tais violências já possuem um nome e
uma definição. Assim, como uma coisa pode ter duas definições? Em outras
palavras, uma criança negra que sofre agressão física repetidas vezes sofre de
bullying ou de racismo? O que se percebe é que comportamentos já existentes
passam a ter outro “nome” quando ocorrido repetidamente. Sendo assim, o melhor
conceito para definir bullying seria “Conjunto de violências referidas a outra pessoa
de forma repetitiva”, como posso concluir. Procurar-se-á, porém, elucidar através da
pesquisa que tipos de situações são enquadradas como tal e sua relação com outras
formas de discriminação. A seguir apresenta-se um histórico do problema e na
seqüência descrição e análise de sua caracterização da perspectiva de certos
autores, examinando outras dimensões ou espaços de realização do fenômeno.
2.2 Histórico do fenômeno
A partir da conceituação adotada, o Bullying seria um problema mundial, ou
seja, ocorre em diversas escolas do Brasil e do mundo, públicas ou privadas, em
todas as idades, sendo mais evidenciado na adolescência. Segundo Fante, (op. cit.:
44) o fenômeno “é tão antigo quanto à própria escola” embora “poucos esforços
foram despendidos” para que fossem concretizados estudos, pelo menos até a
década de 1970, quando surgiu, na Suécia, um grande interesse pelo fenômeno.
Logo após, Olweus começou a realizar estudos na Noruega, através dos quais
constatou que um em cada sete alunos estava envolvido com o Bullying. O
pesquisador elaborou um programa de intervenção que tinha por objetivos:
“desenvolver regras claras contra o bullying nas escolas, alcançar um envolvimento
ativo por parte dos professores e dos pais [...] e prover apoio e proteção das vítimas”
(Olweus apud FANTE 2005, p.43)
Após as pesquisas de Olweus, outros pesquisadores em muitos países
começaram a estudar o tema, chegando-se a constatação que 5% a 35% das
crianças em idade escolar estariam envolvidas de alguma forma com o Bullying
(FANTE 2005, p.46). Segundo Fante (idem), nos Estados Unidos o nível de
14
incidência do fenômeno é tão alto que os pesquisadores classificam como um conflito
global, afirmando que isso poderá produzir uma sociedade de adultos delinqüentes.
Ainda segundo Fante, no Brasil o fenômeno ainda é pouco pesquisado, pois
não há um indicador global que possa fornecer parâmetros. Algumas pesquisas
foram realizadas em escolas do Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro,
entre elas a realizada pela ABRAPIA, a qual contou com a participação de 5875
alunos e que comprovou que 40,5% dos estudantes estavam envolvidos de alguma
maneira com o Bullying.
2.3 A vítima, o agressor, as testemunhas
As vítimas mais comuns do Bullying são aquelas que apresentam uma
característica que “permitem” os apelidos. São gordinhos, “CDFs”, baixinhos ou altos
demais, etc. Geralmente são pouco sociáveis, inseguros e possuem baixa auto-
estima. “São pessoas sem esperança quanto às possibilidades de se adequarem ao
grupo” (ABRAPIA: www.bullying.com.br Acesso em: 15/04/09 às 21:25) e alguns
chegam a crer que merecem o que lhes é imposto.
Segundo Maruyama (2004), as vítimas são alunos que não conseguem se
defender sozinhos, normalmente tímidos, inseguros e por vezes até “chorões”. Tais
aparências “denunciam” serem “presas fácéis”, incapazes de revidar aos ataques.
Geralmente isolam-se do grupo e têm medo de contar o que sofrem para outras
pessoas, além da possibilidade de se envolverem com drogas e ataques homicidas e
suicidas, na tentativa de reagir ao sofrimento.
Ela também comenta que os agressores são estudantes que sofrem
agressões em casa e descontam na escola. Costumam achar que podem conseguir o
que querem utilizando-se da violência, escolhendo um alvo fraco para insultar,
perseguir, ameaçar, humilhar, colocar apelidos, bater, roubar, entre outros.
15
A ABRAPIA confirma tal caracterização, comentando que os autores
normalmente são indivíduos que tem pouca empatia e frequentemente pertencem a
famílias desestruturadas, as quais são marcadas, ainda segundo a ABRAPIA, por
pouco relacionamento afetivo e “supervisão pobre” quanto as suas atitudes. É de se
questionar, porém, se tal conceito de “família desestruturada” não está carregado de
um preconceito moral contra famílias de padrões diversos. A ABRAPIA admite que
tais jovens têm grande probabilidade de se tornarem adultos com comportamentos
anti-sociais e/ou violentos, podendo vir a adotar, inclusive, atitudes delinqüentes ou
criminosas.
Segundo Fante, há também a vítima agressora, que é
Aquela que reproduz os maus tratos sofridos. A vítima
agressora é aquele aluno que, tendo passado por situações de
sofrimento na escola, tende a buscar indivíduos mais frágeis que ele
para transformá-los em bodes expiatórios, na tentativa de transferir os
maus tratos sofridos. Essa tendência tem sido evidenciada entre as
vítimas, fazendo com que o bullying se transforme numa dinâmica
expandida, cujos resultados incidem no aumento do número de
vítimas.(2005, p.72)
As testemunhas representam a grande maioria dos alunos e convivem com a
violência e se calam, com medo de se tornarem vítimas. Apesar de não sofrerem as
agressões diretamente, muitas podem se sentir incomodadas com o que presenciam
e inseguras sobre como agir. Algumas reagem negativamente diante da violação do
seu direito de aprender em um ambiente solidário, seguro e sem temores, vindo a
praticar também a violência.
2.4 Casos relevantes
Um dos primeiros casos extremos de Bullying relatados foi o da Noruega, em
1982, no qual três crianças entre 10 e 14 anos se suicidaram, provavelmente por
terem sido vitimas do fenômeno, uma vez que sofriam maus tratos na escola.
16
Outro caso muito conhecido é o de Columbine, escola situada nos Estados
Unidos, no qual dois garotos entraram disparando tiros, ferindo 13 pessoas, em abril
de 1999. Esse caso é tão conhecido que há até um documentário que o toma como
mote para uma discussão mais ampla. “Bowling for Columbine”, de Michael Moore é
uma crítica mordaz ao fácil acesso a armas no E.U.A e que estaria na raiz de
situações como esta vivenciada em Columbine.
Tal ponto é de grande discussão, pois se questiona se o bullying ocorre
somente por conta de desajustes individuais ou como reflexo de conflitos sociais
mais complexos e amplos. Cada ação provoca uma reação, e a maioria das atitudes
humanas, se não todas, são reflexos do contexto em que estão inseridas. A
interpretação do Bullying em qualquer cultura não poderia ser feita de forma isolada
do conjunto da sociedade. Seria mais uma das formas de inserção social e fruto de
disputas por espaço, aceitação e reconhecimento? Vejamos o que revelam outras
situações.
Os casos não param por aí. Em 16 de Abril de 2007, o estudante Cho Seung-
Hiu, de 23 anos, entrou na Universidade de Tecnologia da Virgínia, nos E.U.A. e
matou 32 pessoas. Segundo alguns relatos de colegas, o garoto sofria na escola por
ser muito tímido. Após o massacre ele se suicidou.
Tais casos, porém, não acontecem somente pelo mundo, o Brasil também
possui casos de Bullying, como o de Edmar Aparecido Freitas, 18 anos, que em
janeiro de 2003, entrou no colégio onde havia estudado, em São Paulo, e disparou
um revólver calibre 38 contra 8 pessoas e em seguida se matou. Não muito distante,
em Remanso - BA, um jovem de 17 anos matou 2 pessoas e deixou três feridas. O
garoto sofria há dois anos humilhações na escola e resolveu cometer o crime após
ter levado um banho de lama enquanto andava de bicicleta.
2.5 O cinema e o Bullying
Há muitos filmes que falam sobre a temática Bullying, comumente
internacionais. Muitos filmes americanos falam a respeito do tema de maneira
17
implícita, evidenciando-o como fenômeno do cotidiano de suas escolas. O filme “A
corrente do bem” é um deles, pois trata o assunto como tema secundário. No filme,
um garoto de 11 anos tem uma idéia para mudar o mundo, após o incentivo do
professor de estudos sociais. Para que seu projeto se concretize, ele tem que ajudar
3 pessoas, que ajudarão mais três e assim sucessivamente. Uma das pessoas a
quem escolheu ajudar, é seu amigo, que sofre constantemente o tormento de alunos
mais velhos, que lhe jogam no lixo, roubam seus pertences e o ameaçam com armas
brancas. Ao final do filme, encorajado por ajudar seu amigo, ele enfrenta os
valentões e leva uma facada, morrendo em seguida.
O interessante desse filme, é que apesar de ser um tema secundário, o
bullying entra violentamente na história, demonstrando uma pequena parte do que
ocorre comumente nos E.U.A. O fato do garoto ter morrido no pátio da escola faz
notar a importância que se deve dar ao fenômeno.
Outro filme que traz o Bullying como tema secundário é intitulado na tardução
brasileira como “Nunca fui beijada”, (1999, Raja Gosnell). Conta a história de uma
repórter, que se disfarça de estudante e volta à escola na tentativa de fazer uma
matéria. Seu retorno, porém, pode significar a volta de suas mágoas do passado, no
qual era vítima do bullying por ser “feia”. O filme acaba por fazer crítica aos
“grupinhos” que são formados nas escolas, nos quais não há mobilidade.
Há também o documentário de Michael Moore “Bowling for Columbine”, já
citado anteriormente. No filme ele faz comparações com o boliche, que além de ter
sido um esporte praticado pelos garotos, consiste no nome do filme (poderia ser
traduzido como “Jogando Boliche no Columbine”). Moore faz uma crítica forte a
permissividade americana quanto a obtenção de armas naquele país. O
documentário nos leva a reflexão a respeito da verdadeira causa da violência infanto-
juvenil. Fica evidente que um conjunto de fatores conduzem a estas situações
extremas, entram em xeque os valores e ideais do conjunto da sociedade.
De todos os filmes, porém, o que talvez melhor explora o tema “Bullying” é
“Bang bang você morreu”. Baseado em uma peça, o filme conta a história de um
18
garoto que faz o papel principal da peça de mesmo título do filme, ao mesmo tempo
em que sofre com o bullying. O garoto tenta explodir a escola com bomba caseira e
isso só foi motivo para mais humilhações. Um dos momentos mais marcantes do
filme, é quando ele faz um documentário sobre o problema que sofre, filmando seus
colegas sofrendo agressões e fazendo comentários sobre o que ele sente. O vídeo é
feito como despedida, pois o garoto planejava o suicídio.
2.6 Cyberbullying e as novas formas de agressão
O cyberbullying é a forma mais atual do Bullying. Com o advento da tecnologia
de informação, as formas de se humilhar pessoas se estenderam à internet. O
cyberbullying ocorre quando uma ou mais pessoas resolvem humilhar, apelidar, isolar
outra pessoas, através de blogs, e-mail maldosos, difamações e até comunidades do
Orkut, do tipo “Eu odeio fulano” ou “Fulano fede”. Nessa modalidade, nem os
professores escapam: muitas comunidades do Orkut são destinadas a eles, como
“Eu odeio a aula de prof. Fulano”, entre outras.
Em alguns casos, os agressores enviam mensagens de celular com ameaças,
difamações e moléstias. Há também o Youtube, site que publica vídeos caseiros.
Nele podem-se encontrar vídeos de alunos espancando outros, imagens comumente
gravadas por celulares, em horário de recreio.
As agressões por meio digital costumam ocorrer devido à “falsa sensação de
anonimato” (CAPUCHO e MARINHO 2008, p.17), idéia confirmada por Shariff, que
afirma que “A sensação de anonimato tem produzido um significado especial nos
meios digitais, onde o código cultural defende que as pessoas evitem o confronto
direto” (apud CAPUCHO e MARINHO, p. 17). Sendo assim, pode-se afirmar que o
cyberbullying não costuma tratar de agressões físicas, e sim morais.
19
3. O confronto da teoria com a prática
3.1 Metodologia
Tendo em mente a discussão teórica sobre o tema em questão, buscamos
pesquisar uma determinada escola, visando responder a seguinte questão: “Qual é a
visão do professor com relação ao bullying?”.
A escola pesquisada situa-se no bairro de Escada, no Subúrbio Ferroviário de
Salvador, considerada uma das regiões mais pobres de Salvador, com 250 mil
habitantes. A escolha de tal escola deveu-se ao fato de trabalhar como docente e,
portanto, já ter uma inserção no contexto, facilitando o acesso aos colegas. A
possibilidade de observação sem gerar forte estranhamento e o conhecimento
prévio do campo empírico foram, obviamente, facilitadores. Consideramos também o
fator tempo, dado que o período para a realização do trabalho de campo foi muito
curto em função das circunstâncias excepcionais do semestre e das características
do TCC no nosso Departamento. Obviamente que buscou-se, na medida do
possível, refletir sobre esta situação de proximidade que ao tempo que facilita pode
comprometer e obscurecer a nossa visão pelo excesso de familiaridade (cf. Velho,
1994). Voltaremos a esta questão mais adiante quando da análise dos dados.
Continuemos com a descrição da escola.
A escola atende do grupo 2 ao 5º ano, dispostos em 6 salas. O grupo 2, o 4º e
5º ano são oferecidos no turno da manhã. Já os grupos 3 a 5 e do 1º ao 3º ano, pela
tarde. A escola possui cerca de 140 alunos, 8 professores, dois auxiliares e dois
funcionários. No térreo conta-se com dois banheiros femininos e dois masculino,
ambos adaptados para crianças. Possui uma pia com três torneiras de água filtrada,
nas quais os alunos tanto bebem água quanto lavam as mãos
No primeiro andar estão a sala do grupo 2 (matutino) e 3 (vespertino), uma
biblioteca que atende aos professores e uma sala de vídeo e informática. Esta sala
possui três computadores, uma TV e um DVD, e atende a toda a escola. Há também
uma quadra de esportes pequena e um parquinho com alguns brinquedos.
20
Para coletar os dados acerca da perspectiva dos professores sobre o
fenômeno foi elaborado um questionário. O uso de tal instrumento permitiu agrupar
as respostas e desenhar alguns gráficos analíticos. O questionário propõe 5 (cinco)
questões pessoais (visando estabelecer um perfil do entrevistado) e 8 (oito)
questões específicas, que discutem desde a percepção de manifestações violentas
na escola, até o próprio conceito de bullying. As questões são, em sua maioria, de
múltipla escolha. Outras são subjetivas e sugerem a descrição de casos e situações,
visando explorar mais o entendimento do entrevistado. Os nomes dos entrevistados,
bem como o da escola foram mudados para preservar o anonimato da instituição e
dos professores.
Os dados pessoais recobrem informações sobre a idade do entrevistado, sua
escolaridade e formação específica, em caso de curso universitário, a(s) série(s) e
o(s) turno(s) que leciona. Já as questões específicas buscaram investigar se o
entrevistado havia presenciado algum caso de violência na sua escola, e, em
específico, durante o período do recreio. Buscava também descobrir se o
entrevistado tinha alguma noção sobre o conceito de bullying e que tipo de
agressões ele considerava como bullying. Além disso, questionava se a violência
que havia presenciado (caso a resposta fosse positiva), poderia ser considerada
bullying, dentro do seu conceito, bem como se poderia ser considerado outro tipo de
violência. Por fim, foi questionado se a escola oferece suporte para lidar como casos
de violência e se já foi trabalhado o tema “Bullying” com seus alunos.
A análise dos dados far-se-á através da discussão de certas categorias
evidenciadas pelas respostas, que como dissemos nos permitiram elaborar alguns
gráficos. Tal análise dialoga com as definições teóricas expostas acima e seus
limites e possibilidades diante das respostas apresentadas. Outros dados relevantes
foram as observações feitas na escola, na condição de professora e pesquisadora,
além de conversas informais com alunos e funcionários(?).
21
3.2 Observação em campo
Desde fevereiro de 2008 que estou atuando como professora de inglês na
Escola Criativa, uma escola particular de Maternal à 4ª série, situada em Escada-
Subúrbio Ferroviário. A escola é pequena, contando com 6 salas de aula, 4
banheiros, um parque e uma quadra pequena. Lá, leciono aulas de inglês para
crianças de 4 a 10 anos (às vezes 11 e 12), ou seja, Jardim II à 4ª Série, com carga
horária de uma hora aula semanal para cada turma, no total de 7 turmas.
É nesse ambiente que pude perceber algumas violências entre os alunos,
seja em horário de recreio ou na própria sala de aula. Devo admitir que o tempo de
50 minutos é pouco para se fazer uma observação, mas durante o ano letivo pude
perceber algumas manifestações violentas na escola, dentre estas algumas que
poderiam se enquadrar como Bullying.
Em todas as salas há agressões físicas e piadinhas de mau gosto, além dos
apelidos. Os alunos costumam usar as diferenças para inventar apelidos. Mas de
todas as salas, meu melhor “laboratório” é a 3ª série. Composta por apenas 13
alunos, caracteriza-se como a turma mais difícil da escola, mais indisciplinada e com
mais problemas. Em inglês é a turma com um dos índices mais altos de “notas
baixas” em inglês. Dar aula na 3ª Série é uma luta diária. A professora regular deles
grita o dia inteiro para manter a ordem, e muitas vezes é necessário o
encaminhamento à diretoria. Praticamente todos (se não todos) estão envolvidos em
algum tipo de violência, ou mais de um. O tempo inteiro na aula as crianças
provocam umas às outras, com apelidos e fofocas. Às vezes levantam e batem no
colega, ignorando, inclusive, a presença do professor.
Dentre diversos caos, gostaria de especificar dois. O primeiro é de uma aluna
negra, que sofre bastante com a exclusão dos colegas (não de todos). Nas diversas
atividades que proponho sempre ouço coisas do tipo “Não quero fazer com ela, ela é
negra” ou então “Ninguém quis fazer comigo”. Vale ressaltar que ela é a única aluna
puramente negra da sala, e, tirando dois ou três “morenos”, o resto é caucasiano. Às
22
vezes, no recreio, ela fica de fora de algumas brincadeiras, mas não houve até hoje
relato ou observação de agressões físicas a ela.
O segundo caso é mais grave: uma aluna da mesma série, que tem
hiperatividade, e sempre sofre as mais variadas agressões. Em confissão a mim, a
aluna em prantos revelou que todos ficam provocando ela, falando mentiras sobre
ela, xingando e colocando apelidos. Além disso, costuma sofrer agressões físicas,
as quais costuma revidar da mesma maneira. Os agressores mais comuns são dois
garotos da mesma sala, um deles também é hiperativo, que se divertem em ver as
reações da colega com suas provocações e com as agressões.
Ambos os agressores tiram notas baixas e não costumam prestar atenção à
aula (ficam o tempo inteiro provocando e brigando). Quando não estão “abusando” a
aluna em questão, tentam com outros alunos da sala.
Na turma da 1ª Série também é muito comum ocorrer manifestações
violentas, embora não haja nenhuma situação que pudesse ser caracterizada como
Bullying. Já cheguei a presenciar cenas em que vários alunos agrediam um outro,
que estava caído no chão, com pontapés. Como o caso não se repetiu, questiona-se
se poderia ser caracterizado com Bullying. Um determinado aluno é muito estudioso
e sempre tira boas notas. Nota-se que ele sempre está envolvido em brigas, nas
quais, na maioria das vezes, diz ter sido provocado. Na mesma turma há um outro
aluno que está sempre envolvido em brigas discussões. Este, se acredita, tenta
chamar atenção o tempo inteiro, por isso faz determinadas ações. As ações podem
envolver violência ou não, como em um determinado dia em que deixou que as
meninas pintassem suas unhas e passassem brilho, depois ficou “desfilando” pela
sala.
Em um dos últimos dias de aula tive a oportunidade de estar com a 3ª e 4ª
série juntas, numa mesma sala. Aproveitando o clima de festas de fim de ano,
fizemos um amigo secreto relâmpago, no qual cada uma faria, na hora, um cartão
para o amigo que tirasse. Um dos alunos da 4ª série aproveitou o momento para
criticar a garota (que foi sua amiga secreta): mandou-lhe uma carta chamando-a de
23
“melequenta”, dizendo que comia meleca e que era nojenta. O caso foi levado à
diretoria, uma vez que o pai do aluno encontrava-se presente no momento. Após um
pouco de conversa, o caso ficou por isso mesmo, ou seja, a escola não interferiu
mais no assunto.
Tal caso pode ou não ser considerado bullying, a depender da repetitividade.
Como não foi mantida uma observação mais prolongada, não se pode afirmar,
embora a garota tenha confessado que isso acontecera algumas vezes
anteriormente.
3.3 Respostas aos questionários
Todas as entrevistadas são do sexo feminino com idades entre 23 e 31 anos.
Todas cursam ou cursaram faculdade de pedagogia. Metade delas trabalha os dois
turnos e a outra metade só pelo turno vespertino. A pesquisa foi feita com todos os
professores da escola, exceto o de educação física e inglês. Sendo assim,
contemplamos todas as séries. Para preservar o anonimato das participantes, como
já informamos, utilizamos letras do alfabeto grego para identificá-las:
Alfa Professora do 3º e 5º ano
Beta Professora do grupo 2 e 3
Gama Professora do grupo 5
Delta Professora do grupo 4 e 4º ano
Theta Professora do 1º ano
Ômega Professora do 2º ano
A primeira pergunta questionava se a professora já havia presenciado algum
caso de violência na sua escola, pedindo para descrever a situação, caso a resposta
fosse positiva. Muitas das professoras marcaram uma opção e desfizeram-se de sua
opinião, passando “corretivo” ou apagando (as que fizeram de borracha). Ao que
parece, as professoras ficaram em dúvida se determinadas atitudes de seus alunos
seriam consideradas violência ou atitudes normais de criança.
24
Das seis professoras entrevistadas 2 responderam que não presenciaram
caso de violência na sua escola, três responderam que sim e uma não respondeu,
embora tenha descrito o caso. Das quatro professoras que descreveram o caso,
duas relataram um comportamento agressivo constante de seus alunos, e afirmaram
que tal criança tinha problemas afetivos em casa. A professora Ômega relatou
apenas que a agressão presenciada foi “agressão física”, sem muitos detalhes. Por
fim, a professora Theta relatou a vivência de um de seus alunos que, com uma
deficiência no lado direito do corpo, sofreu rejeição dos colegas nos primeiros
contatos. Ela afirma que tal rejeição se dissolveu ao longo do ano. Isso demonstra o
quanto a sociedade forma padrões, e tudo aquilo que foge do padrão é rejeitado. É
importante ressaltar que, segundo Krueger, a escola é o primeiro agente socializador
com o qual a criança tem contato.
A segunda questão dizia respeito à percepção de casos de violência durante
o recreio. Todas as professoras marcaram sim nesta questão, apenas uma disse
não ter presenciado tal comportamento. As professoras Beta, Delta e Theta
descreveram casos de violência física relacionados a uma brincadeira. Nos casos
descritos por Beta e Delta, as crianças começaram a brigar por conta de um
desentendimento na brincadeira, já no caso descrito por Theta, a aparência de um
dos alunos (que era obeso) foi motivo para a negação da posição de “líder” na
brincadeira. O caso descrito pela professora Alfa, por outro lado, descreve a respeito
da exclusão de um dos colegas pelo grupo, após comum acordo entre todos. Ela
revela que a criança chorou muito, mas os colegas continuaram a excluí-la e a
“caçoar” da mesma.
25
Na terceira questão, onde se deu três opções de resposta: “sim”, “não” ou
“tenho idéia”, correspondentes à pergunta “Você sabe o que é Bullying?”. Todas as
professoras, a exceção de uma, marcaram que “sim”, que sabem o que é bullying. A
outra marcou que “tem idéia”. No entanto quando solicitadas a escolherem, em uma
lista, as agressões que considerariam bullying, houveram divergências nas
respostas. Foram escolhidas com percentuais diferenciados todas as opções, sendo
todas características do Bullying a depender do contexto.
Todas as professoras marcaram exclusão do grupo como característica do
bullying, e quase todas também marcaram colocar apelidos ameaças e humilhações.
Somente três professoras marcaram empurrões e agressão física como
característica do bullying e apenas duas acharam que gritar com o colega e furtos de
materiais são considerados bullying.
26
Ao serem questionadas se a violência que haviam presenciado poderia ser
considerada Bullying, quase todas as professoras responderam positivamente,
apenas uma não considerou como bullying, a professora Ômega, além da
professora Gama que não respondeu.
Logo em seguida, a questão relativa ao caso presenciado por elas se poderia
ser considerado como outro tipo de violência que não o bullying, as professoras Alfa
e Delta, responderam que não poderia, não preenchendo o quesito “qual”. No
entanto, as professoras Beta, Ômega e Theta, responderam que poderiam ser outro
tipo de violência, tais como: Agressão física (no caso de Ômega e Beta) e
Discriminação (no caso de Theta).
27
Quanto ao suporte oferecido pela escola para lidar com a violência, algumas
professoras não entenderam a questão. Não perceberam que dizia respeito à escola
em que lecionavam especificamente. Algumas delas colocaram como a escola
enquanto instituição genérical. Uma delas chegou a me perguntar se era a escola
que lecionavam. A maioria marcou que não oferece suporte e a maioria acredita que
a falta de capacitação docente é o principal motivo para isso. Uma das professoras
referiu-se a ausência de coordenação pedagógica e à falta de especialistas, como
psicopedagogo.
A escola oferece suporte para
lidar com a violência?
Sim
Não
Não responderam
Para finalizar colocou-se a questão se as professoras já haviam trabalhado o
tema “bullying” com seus alunos. Apenas duas professoras admitiram nunca ter
trabalhado o tema, tendo como justificativa o fato de trabalhar com outros temas e
não o ter inserido no planejamento. As demais professoras responderam que já
trabalharam o tema, algumas indiretamente com outros temas, outras porque
acharam que é um tema que os cerca a todo o momento e algumas comentaram
que é importante falar sobre o respeito ao outro, pois se deve orientar os alunos no
28
combate às agressões, embora não tenha especificado que tipo de agressão, se
específicas do bullying ou normais à agressividade da criança.
Você já trabalhou o tema
"bullying" com seus alunos?
Sim
Não
Gráfico 8 Você já trabalhou o tema Bullying com seus alunos?
3.4 Entrevista informal com os alunos
Algum tempo após as entrevistas, na minha condição de professora de inglês,
me deparei com um projeto interdisciplinar que envolvia preconceitos, raças e etc.
Sendo assim, coube a mim a missão de trabalhar com os alunos o tema bullying.
Desta forma, utilizei uma aula apenas para conversar sobre o assunto, sem
pretensões de me aprofundar muito, pois o tempo era pequeno e não era o objetivo
do trabalho. Tratei no mesmo dia com o 4º e o 5º ano, separados. Falei sobre o
conceito, os filmes, as características, etc. Aos poucos as crianças foram
reconhecendo o fenômeno, e começaram a vir os depoimentos.
No 5º ano todas as crianças relataram já ter visto tal violência em filmes,
embora admitissem que na sua escola não ocorresse com tanta intensidade como
nos E.U.A. Violência como “jogar uma pessoa na cesta do lixo” ou “dar descarga na
privada” (cenas comuns de filmes americanos) foram consideradas inexistentes na
escola. Já apelidos e agressão física foram colocados pelos pequenos como as
principais ocorrências na escola.
29
Não precisou muito tempo para que viessem nomes à conversa. Eles
identificaram alguns alunos que achavam que se encaixariam como agressores, ou
seja, que praticavam o bullying com uma ou mais pessoas na escola. Eles
explicavam o que esses alunos faziam com outros e consigo, e confirmaram que era
rotina na vida desses indivíduos.
Os alunos também tocaram no assunto armas, comentando que em filmes
normalmente aparecem armas brancas, e que por vezes uma criança pode matar
outra. Eles admitiram que esse tipo de arma nunca foi visto na sua escola. Não
chegamos a entrar no assunto de como essas crianças (dos filmes) adquiriram tais
armas.
Foi questionado aos alunos se essas violências não poderiam ser
consideradas de outra forma. Muitos falaram sobre o preconceito, sobre racismo
(tema do projeto), inclusive sobre um filme que haviam assistido na escola, sobre
racismo. Uma das alunas, negra, pronunciou-se dizendo que sofreu muito nos
primeiros dias de aula da escola (na 2 ou 3º série segundo ela), pois uma das alunas
a excluía por ser negra. Ela não considerou isso bullying e sim racismo.
Na sala do 4º ano a conversa não foi tão rica. Os alunos também comentaram
a respeito dos filmes, mas não se incluíram em casos de bullying, nem a outros
colegas. Nesta sala, portanto, os alunos foram incentivados a dizerem medidas que
poderiam ser tomadas para se prevenir a violência, seja ela qual for Entre elas
estavam: respeitar o colega, usar as “palavrinhas mágicas” (por favor, obrigado,
licença, me desculpe), procurar ouvir o outro antes de agredir, entre outros.
3.5 Análise das entrevistas
Para a análise das respostas ao questionário elaborado vem com o intuito de
entender os significados neles contidos, levando em consideração a dificuldade de
se identificar o fenômeno, uma vez que o mesmo é composto por violências já
conhecidas.
30
Dentre os aspectos que se pode analisar das respostas, a primeira é como
elas foram elaboradas pelas pesquisadas. Algumas das professoras, responderam a
determinadas questões, depois apagaram, poder-se-ia propor como hipóteses para
tal atitude as seguintes possibilidades: A- para não expor a escola; B -por preguiça
de responder às questões mais específicas ou C- dúvida. Apagar o que já foi escrito
demonstra incerteza, insegurança. Tende-se a acreditar nesta última probabilidade,
por ser o gesto de oscilação, de alguém que não tem convicção formada sobre o
tema em questão.
Algumas outras apresentaram contradições nas suas respostas. Foi
questionado primeiramente se já haviam presenciado casos de violência na escola,
e em segundo, casos de violência no recreio. Houve uma entrevistada que negou a
primeira questão e confirmou a segunda, sendo que a segunda está contida na
primeira, ou seja, se ela presenciou violência no recreio, e o recreio está “dentro” da
escola, logo ela presenciou violência na escola. Tal atitude também mostra a
incerteza a respeito do tema, além de trazer uma percepção que sugere o
entendimento do recreio como algo fora do controle da disciplina escolar e portanto
excluído da escola, ou seja, denota uma visão pedagógica e escolar bastante
estreita e limitada a fisicamente a sala de aula.
Outro ponto importante foi o fato de algumas professoras questionarem certas
perguntas, antes de respondê-las. Por exemplo, uma professora perguntou a
respeito da primeira e segunda questão, já citada acima, com o intuito de saber se
poderia ser qualquer tipo de violência ou alguma específica. O questionamento
mostra a incerteza a respeito das violências existentes e a caracterização destas.
Além disto, coloca problemas ao próprio caráter do instrumento que induz certa
semelhança com avaliação, podendo sugerir, a depender inclusive da abordagem do
pesquisador, a idéia de que há respostas certas e erradas. Associado a isto
podemos pensar que neste universo a ignorância não poderia ser admitida. Por
outro lado, como analisa Velho (op.cit.) no universo urbano o sujeito da pesquisa é
também um interlocutor autorizado para falar do assunto de que tratam os cientistas,
podendo questionar o saber supostamente estabelecido. Claro que esta última
31
dimensão não parecia estar presente nas inquietações das minhas colegas, mas
seria perfeitamente legítimo imaginar uma postura deste tipo.
Como já foi citado antes, foi questionado às entrevistandas se as mesmas
sabiam o que era bullying, e, exceto uma, todas marcaram que sabiam. A exceção
marcou que tinha idéia, mas NENHUMA marcou que não sabia. No entanto, ao
assinalar as agressões que consideravam bullying, elas se contradisseram. Todas
as características apresentadas poderiam ser consideradas bullying, desde que
ocorressem de maneira repetitiva. Como foi constatado nesta questão, as
professoras consideram bullying exclusão de grupo e apelidos. Poucas foram as que
consideraram também agressões físicas e quase nenhuma, furto de materiais. Isso
demonstra como o conceito de bullying não está firme na mente das professoras,
que continuam passando incerteza a cada resposta. Isso se solidifica no momento
em que responderam que casos de violência física foram considerados bullying,
sendo que não houve nenhuma menção ao fato de se repetirem ou não, embora,
pelo relatado, deu a perceber que foram apenas agressões passageiras.
Outra questão fundamental para a comprovação da hipótese foi a que dizia
respeito a considerar a violência que haviam presenciado outro tipo de violência, que
não o bullying. Metade das professoras entrevistadas confirmaram que poderia ser
agressão física ou discriminação. Assim como os alunos, as professoras também
consideraram outras formas de violência para descrever certos casos.
Foi interessante constatar que os casos observados por mim na escola não
foram citados pelas professoras. Tais casos foram levantados pelos alunos,
observadores mais eficientes que os professores, embora tenham trazido a
possibilidade de ser considerado outro tipo de violência, como racismo. Foi também
interessante descobrir o caso de discriminação descrito pela professora Theta, que
não havia sido observado por mim, em sala de aula.
32
4.Considerações finais
Após tais considerações, pode-se concluir que o bullying é apenas uma
palavra estrangeira usada para caracterizar violências já conhecidas, inerentes a
qualquer sociedade, um nome novo para caracterizar um fenômeno antigo. A
inserção dessa palavra no cotidiano das pessoas, em especial as envolvidas com a
educação escolar, gera incertezas, insegurança, confusão, prejudicando a forma de
lidar com a situação quando ela ocorre. Os professores entrevistados, em sua
maioria, não parecem estar preparados para atuar em relação ao problema, na
sociedade em que estão contidas.
Pode-se perceber que as respostas das professoras diferiram das dos alunos,
o que leva a questionar em quais destas as verdades estão presentes. Outra coisa
que se percebeu foi que grande parte das agressões, mesmo repetitivas, poderiam
ser consideradas outro tipo de violência, como racismo e preconceitos, estéticos.
Seria interessante que os professores começassem a entender o
fenômeno como algo além da sala de aula, com suas raízes sociais baseadas na
competição, na valorização de certos padrões e desvalorização de outros. Se o
ambiente de sala deixasse de ser apenas um local onde se adquire habilidades e
competências e passasse a ser um local onde se aprende e se utiliza valores e
temas transversais. A educação voltada para os valores pode contribuir com a
redução do Bullying. A ABRAPIA propõe soluções para o controle e prevenção do
Bullying, entre elas a conscientização dos alunos através de projetos extra-
curriculares. Esta atitude porém pode ser considerada educação de valores e pode
ser inserida no currículo da escola, ao invés de ser apenas um projeto.
As escolas poderiam começar a se mobilizar com relação ao tema, não só
levando o assunto às crianças mas, principalmente, tratando de ajudar os
professores no esclarecimento do fenômeno. Além disso, é fundamental oferecer o
suporte necessário para que a segurança tome o lugar da incerteza, e, assim, os
professores possam trabalhar com seus alunos a melhor maneira de se diminuir a
violência, para que a escola não seja uma passagem tão difícil para a criança.
33
Para a concretização disso, é fundamental também a parceria entre a escola
e família. Segundo o psicólogo norte-americano William Pollack, o ponto mais
importante para combater a agressividade das crianças é a união entre família e
escola. A iniciativa porém deve partir da escola, como ambiente onde ocorre o
fenômeno. Inicialmente pode-se elaborar atividades com as crianças para
posteriormente expandir para a comunidade. Os pais têm papel fundamental nisso,
pois são eles que fornecem os alicerces da criança, e são eles que poderão
influenciar suas atitudes futuras.
A construção do trabalho foi bastante proveitosa desde seu princípio, ou seja,
desde a coleta de informações, que começou desde o primeiro semestre, até sua
culminância em forma de monografia. O tema sempre foi de grande interesse e isso
contribuiu para que o caminho percorrido fosse bastante prazeroso.
Espero que possa contribuir para a formação acadêmica de outros,
assim como contribuiu para a minha. Assim como espero que a visão crítica do
fenômeno, aqui abordada, possa trazer melhor entendimento e aproveitamento do
potencial que os professores têm para lidar com o assunto e nem sempre o fazem.
34
Referências Bibliográficas
ABRAMOVAY, Miriam; RUA, Maria das Graças. UNESCO. Violences in schools.
Brasília: UNESCO, 2002 343 p.
ABRAPIA. Associação Brasileira de Proteção à Criança e ao adolescente.
Disponível em: <www.bullying.com.br> Acesso em: 20 mMar 2009 à 20:45
A CORRENTE do bem. Direção de Mimi Leder, EUA: Warnner Bros, 2000
BANG BANG você morreu. Direção de Guy Ferland, EUA 2002
BASSETI, Fernanda. Bullying pode ser uma das explicações para tragédia nos
EUA. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Vestibular/0,,MUL24607-
5604,00.html> Acesso em: 06 Fev 2009
BOWLING for Columbine. Direção de Michael Moore, EUA: United Artists, 2002
BRASIL QUE LÊ. Livros na periferia . Disponível em:
<http://www.brasilquele.com.br/texto_ler.php?id=717&page=1> Acesso em 15 Mar
2009 às 20:00
CAVALCANTE, Meire. Como lidar com “brincadeiras” que machucam a alma. Revista Nova Escola , Dezembro de 2004, Ed. Abril
FANTE, Cleo. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência na esc ola e
educar para a paz 2 ed.. Campinas, SP: Verus Editora, 2005
FILHO, Raphael R. Vieira (org). Orientações para apresentação de trabalhos
acadêmicos: monografia de conclusão de curso . Salvador: UNEB, 2008
Informe Sergipe. Caso de bullying na Bahia reacende discussão sobre o tema.
Disponível em:
35
<http://www.informesergipe.com.br/pagina_data.php?sec=11&&rec=3148&&aano=2
004&&mmes=2> Acesso em: 22 Mar 2009 às 19:37
KRUEGER, Magrit Froehlich. A relevância da afetividade na educação infantil .
Disponível em: <http://www.icpg.com.br/artigos/rev03-04.pdf> Acesso em 12 Mar
2009 as 21:22
NEVES, Anamaria. S.; ROMANELLI, Geraldo. A violência doméstica e os desafios
da compreensão interdisciplinar In: Estudos de Psicologia , Campinas, v. 23, n. 3,
p. 299-306, 2006. Disponível em: <http://miriam-lopes.blogspot.com/2008/03/temas-
sobre-violncia-intrafamiliar-e.html> Acesso em 11 Mar 2009 às 20:37
NUNCA fui beijada. Direção de Raja Gosnell, EUA: Fox 2000 Pictures, 1999
PAREDES, Eugência Coelho;SAUL, Léa Lima; BIACHI, Kátia Simone da Rosa.
Violência: O que têm a dizer alunos e professores d a rede pública de ensino
cuiabana . Coleção Educação e Psicologia. Cuiabá:EdUFMT/FAPEMAT, 2006 p 13
e 15
RUOTTI, Caren. Violência na escola: um guia para pais e professore s. São
Paulo: Andhep: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006
SACCHETTO, Karen Kaufmann. Agressividade Infantil . Disponível em:
<http://guiadobebe.uol.com.br/bb5a6/a_agressividade_infantil__bullying.htm>
Acesso em 11 Mar 2009 às 20:28
SEIBITZ, Vanessa. Alerta Bullying: O grande vilão nas escolas... 2007 Disponível
em: <http://www.redepsi.com.br/portal/modules/smartsection/item.php?itemid=513>
Acesso em 13 Mar 2009 às 20: 45
SILVA, Geane de Jesus. Bullying: quando a escola não é um paraíso . Disponível em <http://www.mundojovem.pucrs.br> Acesso em 20 Ago 2007
36
SZYMANSKI, Heloísa (org.), ALMEIDA, Laurinda Ramalho de. e PRANDINI, Regina
Célia Almeida Rego. A Entrevista na Pesquisa em Educação. A Prática
Reflexiva . Série Pesquisa. Brasília, Editora Líber Livros, 2008 (2ª edição).
VEIGA, Aida. Sutil e cruel agressão. Revista Época , nº315, Mai. 2004.
VELHO, G. Observando o Familiar. In Individualismo e Cultura. Notas para uma
antropologia da Sociedade Contemporânea . Rio de Janeiro: Zahar, 1981
VIANNA, Heraldo Marelim. Pesquisa em Educação a Obsevação . Série Pesquisa.
Brasília, Editora Líber Livros, 2007
WIKIPEDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org> Acesso em: 04 Abr 2009 às
17:00
WIKIPÉDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Racismo> Acesso em: 12
Mar 2009 às 21:00
YUS, Rafael. Concretização Curricular dos Temas Transversais . In: Temas transversais: em busca de uma nova escola. Tradução de Ernani F. das F. Rosa. Porto Alegre: ArtMed, 1998. p. 49-91
38
Questionário
Nome: ______________________________________________
Idade: _____________
Formação:
Básico Médio Superior incompleto Superior
completo
Série(s) que leciona: __________
Turno(s) que leciona: Mat Vesp Not
Você já se deparou com algum caso de violência na sua sala?
Sim Não
Que tipo? Descreva o caso:
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
Você já presenciou algum caso de violência durante o recreio?
Sim Não
Caso sim, descreva o caso:
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
Você sabe o que é Bullying?
Sim Não Tenho idéia
Marque as agressões que você consideraria Bullying
39
___ Agressão física
___ Humilhações
___ Colocar apelidos
___ Gritar com o colega
___ Furtos de matérias e dinheiro
__ Exclusão do grupo
__ Ameaças (“te pego lá fora” ou “não conta pra ninguém”)
__ Empurrões (na fila por exemplo)
Você acha que o(s) caso(s) que presenciou pode ser considerado bullying?
Sim Não
Ela poderia ser considerada outro tipo de violência?
Sim Não Qual?___________________
Você acha que a escola oferece suporte para lidar coma violência?
Sim Não
Como?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
Você já trabalhou ou trabalha o tema “Bullying” com seus alunos?
Sim Não
Por quê?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________