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Estudos Feministas, Florianópolis, 15(3): 336, setembro-dezembro/2007 745 Mulheres migrantes no passado e Mulheres migrantes no passado e Mulheres migrantes no passado e Mulheres migrantes no passado e Mulheres migrantes no passado e no presente: gênero no presente: gênero no presente: gênero no presente: gênero no presente: gênero, redes sociais , redes sociais , redes sociais , redes sociais , redes sociais e migração internacional e migração internacional e migração internacional e migração internacional e migração internacional Resumo esumo esumo esumo esumo: Este artigo pretende analisar a inserção das mulheres nos fluxos migratórios do passado e do presente, procurando demonstrar que a migração não é resultado apenas de uma escolha racional, mas também de estratégias familiares nas quais homens e mulheres estão inseridos, contribuindo para rearranjos das relações familiares e de gênero. Para tanto, discute como a participação das mulheres foi analisada nos fluxos migratórios e aborda o recente movimento de brasileiros para o exterior, descrevendo as trajetórias de homens e mulheres. O trabalho de campo, tal como a vida desses migrantes, dividiu-se entre dois lugares: a cidade de Criciúma (SC), no Brasil, e a região de Boston, nos Estados Unidos. Os dados coletados a partir das entrevistas e da observação participante têm revelado que as mulheres participam efetivamente desse processo, integrando e articulando redes de migração. Os dados também sugerem que a migração provoca rearranjos familiares e de gênero ao longo do processo. Palavras-chave alavras-chave alavras-chave alavras-chave alavras-chave: emigrantes brasileiros; gênero; migração internacional; redes familiares. Copyright 2007 by Revista Estudos Feministas. Gláucia de Oliveira Assis Universidade do Estado de Santa Catarina Introdução Introdução Introdução Introdução Introdução No final do século XX e início do século XXI, as imagens e notícias de imigrantes sendo ‘barrados’ em aeroportos, navegando à deriva em balsas precárias, atravessando a fronteira do México e enfrentando os perigos do deserto evidenciam que a circulação de trabalhadores no mundo globalizado é bem mais controlada e dramática do que a circulação de dinheiro, bens ou mesmo negociantes e turistas. No mundo globalizado, os migrantes não considerados livres para circular são tratados como ameaça, como questão de segurança nacional. As imagens retratam homens, mulheres e crianças que tentam cruzar fronteiras cada vez mais vigiadas, em travessias arriscadas, configurando um drama humano e político cuja face dramática revela a busca de uma vida melhor em outro lugar.

Universidade do Estado de Santa Catarina Mulheres ... · No mundo globalizado, ... predominância de mulheres (como no caso dos irlandeses ... os homens dominaram os fluxos para os

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Estudos Feministas, Florianópolis, 15(3): 336, setembro-dezembro/2007 745

Mulheres migrantes no passado eMulheres migrantes no passado eMulheres migrantes no passado eMulheres migrantes no passado eMulheres migrantes no passado eno presente: gênerono presente: gênerono presente: gênerono presente: gênerono presente: gênero, redes sociais, redes sociais, redes sociais, redes sociais, redes sociais

e migração internacionale migração internacionale migração internacionale migração internacionale migração internacional

RRRRResumoesumoesumoesumoesumo: Este artigo pretende analisar a inserção das mulheres nos fluxos migratórios do passadoe do presente, procurando demonstrar que a migração não é resultado apenas de uma escolharacional, mas também de estratégias familiares nas quais homens e mulheres estão inseridos,contribuindo para rearranjos das relações familiares e de gênero. Para tanto, discute como aparticipação das mulheres foi analisada nos fluxos migratórios e aborda o recente movimentode brasileiros para o exterior, descrevendo as trajetórias de homens e mulheres. O trabalho decampo, tal como a vida desses migrantes, dividiu-se entre dois lugares: a cidade de Criciúma(SC), no Brasil, e a região de Boston, nos Estados Unidos. Os dados coletados a partir das entrevistase da observação participante têm revelado que as mulheres participam efetivamente desseprocesso, integrando e articulando redes de migração. Os dados também sugerem que amigração provoca rearranjos familiares e de gênero ao longo do processo.PPPPPalavras-chavealavras-chavealavras-chavealavras-chavealavras-chave: emigrantes brasileiros; gênero; migração internacional; redes familiares.

Copyright â 2007 by RevistaEstudos Feministas.

Gláucia de Oliveira AssisUniversidade do Estado de Santa Catarina

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoNo final do século XX e início do século XXI, as

imagens e notícias de imigrantes sendo ‘barrados’ emaeroportos, navegando à deriva em balsas precárias,atravessando a fronteira do México e enfrentando osperigos do deserto evidenciam que a circulação detrabalhadores no mundo globalizado é bem maiscontrolada e dramática do que a circulação de dinheiro,bens ou mesmo negociantes e turistas. No mundoglobalizado, os migrantes não considerados livres paracircular são tratados como ameaça, como questão desegurança nacional. As imagens retratam homens,mulheres e crianças que tentam cruzar fronteiras cada vezmais vigiadas, em travessias arriscadas, configurando umdrama humano e político cuja face dramática revela abusca de uma vida melhor em outro lugar.

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O aumento dos deslocamentos populacionais queocorreram a partir da década de 1950 é caracterizadopor uma maior diversidade étnica, de classe e de gênero,assim como pelas múltiplas relações que os imigrantesestabelecem entre a sociedade de destino e a de origemdos fluxos. Dessa forma, não são apenas os europeusbrancos partindo da Europa para “Fazer a América” (cercade 90% dos fluxos do século XIX), mas tambémtrabalhadores imigrantes não-brancos partindo dos paísesperiféricos e dirigindo-se para os Estados Unidos, Canadáe países da Europa.

O aumento da participação das mulheres nos fluxosmigratórios internacionais é outra característica que temcolocado questões significativas para as teorias sobremigrações. Segundo Mirjana Morokvasic,1 a incorporaçãode mulheres imigrantes à força de trabalho nos paísesindustrializados tem sido vista no contexto de criseeconômica mundial, contexto esse marcado por umaprogressiva desindustrialização e por um mercado detrabalho sexualmente segregado. Em geral, essas mulheresinserem-se no setor de serviços domésticos e utilizam-se deredes sociais informais, os chamadas enclaves étnicos deimigrantes, trabalhando como donas-de-casa ouempregadas domésticas.

Floya Anthias,2 ao analisar as migrações queocorreram para o sudoeste da Europa no final do séculoXX, destaca que não se trata de reconhecer a importânciaproporcional das mulheres ou sua contribuição econômicae social, mas sim considerar o papel dos processos, dodiscurso, bem como as identidades de gênero, no processode migração e estabelecimento na sociedade de destino.No caso da emigração de brasileiros para os Estados Unidos,podemos observar nos primeiros estudos3 que, assim comonos estudos clássicos de migração, a questão de gêneronão era problematizada. Ao longo da década de 1990, ofluxo de brasileiros para os Estados Unidos manteve-secontínuo, ao mesmo tempo que se diversificava apopulação, tornando mais complexas as características dapopulação e revelando outros pontos de partida para aemigração.

Pesquisas recentes procuram compreender essanova configuração ao demonstrar diferenças na inserçãono mercado de trabalho: enquanto as mulheresconcentram-se, como outras imigrantes latinas, na áreado serviço doméstico,4 os homens dirigem-se para o setorda construção civil e de restaurantes. Além de analisar essainserção, os estudos começam a problematizar asmudanças nas relações familiares e de gênero.5 Portanto,o fluxo brasileiro é constituído por uma diversidade étnica,

1 MOROKVASIC, 1984.

2 ANTHIAS, 2000.

4 Ana Cristina MARTES, 2000;Soraya FLEISCHER, 2002; ASSIS,2004.5 Sylvia DEBIAGGI, 2002 e 2003;Wilson FUSCO, 2002; ASSIS, 1999e 2004.

3 Maxime MARGOLIS, 1994;Gláucia de Oliveira ASSIS, 1995;Teresa SALES, 1999b.

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de classe e de gênero que o termo “migrante brasileiro”muitas vezes encobriu.

A maior visibilidade das mulheres nas migraçõesinternacionais recentes contribuiu para problematizar asvisões cristalizadas sobre a inserção de homens e mulheresmigrantes nesse processo. Neste artigo,6 o gênero éanalisado como um princípio classificatório que atravessao movimento migratório e que, juntamente com outrascategorias como “classe”, “geração” e “etnia”, configuraas oportunidades de mulheres e homens migrantes. Partindodessa perspectiva, analiso o recente fluxo de brasileirospara o exterior, verificando como se rearticulam as relaçõesfamiliares e de gênero nesse processo.

PPPPPercorrendo a trajetória dos emigrantes: oercorrendo a trajetória dos emigrantes: oercorrendo a trajetória dos emigrantes: oercorrendo a trajetória dos emigrantes: oercorrendo a trajetória dos emigrantes: otrabalho de campotrabalho de campotrabalho de campotrabalho de campotrabalho de campo

As pesquisas sobre os emigrantes brasileiros, emgeral, concentram-se na sociedade de destino nos EstadosUnidos, na Europa ou no Japão. As análises sobre pontosde partida no Brasil, em particular, concentram-se nacidade de Governador Valadares (MG), dado o significativofluxo de emigrantes dessa região. Assim, a pesquisarealizada em Criciúma, contemplando a cidade de origeme as cidades de destino nos Estados Unidos, contribui pararevelar a construção de novas conexões transnacionais.

A cidade de Criciúma, localizada no sul do estadode Santa Catarina, a partir de meados da década de 1990tornou-se ponto de partida de um amplo movimentomigratório. Na cidade, com 170.322 mil habitantes (Censo2000), iniciou-se um processo de conexão com a regiãode Boston e com outras cidades na Europa, em que oscriciumenses constroem redes de relações ao articularcontextos locais a situações globais. Essas redes não sãoneutras segundo as relações de gênero “ esta é uma outracontribuição deste trabalho.

A pesquisa de campo seguiu a trajetória dosemigrantes, sendo realizada entre os dois lugares: emCriciúma (SC) e na região de Boston (EUA). O campo foimultissituado, o que tornou os deslocamentos constantes,na tentativa de acompanhar as redes construídas pelosmigrantes em sua vida cotidiana nos Estados Unidos. Otrabalho de campo, realizado entre março e agosto de2001, em Criciúma, e entre dezembro de 2001 e março de2002, na região de Boston, combinou pesquisa etnográficae um survey7 na cidade de Criciúma. A pesquisa aí realizadaenvolveu entrevistas em profundidade com aqueles/as quepermaneceram na cidade e que me indicaram parentese amigos com os quais me encontrei na região de Boston

7 O projeto de pesquisa foi coor-denado pela professora TeresaSales e obteve o financiamentoda FAPESP (Teresa SALES, WilsonFUSCO, Gláucia ASSIS e ElisaSASAKI, 2002).

6 Este artigo é uma versão dotrabalho apresentado no Seminá-rio Internacional Fazendo Gênero6: Saberes Globais/Fazeres Locais,Saberes Locais/Fazeres Globais,em agosto de 2004.

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para acompanhar sua vida cotidiana, o trabalho, o lazer,os projetos de retorno, em um total de 45 entrevistas. Paraa finalidade deste artigo, apresentarei uma combinaçãoda análise de algumas trajetórias de migração articuladascom os dados do survey que demonstram como seconfiguram as redes sociais entre os emigrantes brasileiros.

A invisibilidade das mulheres nos estudosA invisibilidade das mulheres nos estudosA invisibilidade das mulheres nos estudosA invisibilidade das mulheres nos estudosA invisibilidade das mulheres nos estudosde imigração: acompanhando pais,de imigração: acompanhando pais,de imigração: acompanhando pais,de imigração: acompanhando pais,de imigração: acompanhando pais,maridos e filhos ou fazendo parmaridos e filhos ou fazendo parmaridos e filhos ou fazendo parmaridos e filhos ou fazendo parmaridos e filhos ou fazendo parte dote dote dote dote doprocesso?processo?processo?processo?processo?88888

O Museu de Ellis Island9 pode ser considerado umponto de partida para começarmos a perceber comohomens e mulheres migrantes foram representados noprocesso migratório para os Estados Unidos e, de modomais geral, como as mulheres são representadas nasmigrações internacionais. As várias fotos que reconstroema passagem de milhões de migrantes pelo serviço deimigração nos Estados Unidos evidenciam quais eram asexpectativas do Serviço de Imigração sobre os migrantes.Nas fotos que se encontram no Museu e que representama chegada dos homens, há uma legenda com a seguintea pergunta: “Você tem trabalho?”. Já nas fotos em queaparecem mulheres e crianças, consta na legendaexplicativa a pergunta? “Você é casada?”. Essas imagensrevelam diferentes expectativas e representações em rela-ção aos migrantes que também são recorrentes nas teoriassobre migrações internacionais. Enquanto os homens sãorepresentados como aqueles que vinham em busca detrabalho, as mulheres não foram inicialmente representadascomo trabalhadores imigrantes, e sim como aquelas queacompanhavam maridos e filhos. Dessa forma, nunca erampercebidas como sujeitos no processo migratório.

No caso das mulheres imigrantes que chegaram aNova York, no final do século XIX e início do século XX,Nancy Foner10 relata as experiências das jovens imigrantesitalianas e judias. Segundo a autora, a despeito daimportância do trabalho das mulheres para a família, ossalários obtidos não se traduziam em uma maiorindependência financeira ou controle familiar, pois orendimento das filhas era percebido como parte de umfundo familiar. O relato de Foner demonstra que a migraçãonunca foi neutra com relação ao gênero. Nesse mesmosentido, Patricia Pessar11 observa que, até recentemente, otermo “migrante” era carregado por uma conotaçãomasculina, criando uma concepção de que o migranteverdadeiro é “do sexo masculino”.

8 Este tópico é uma versão modifi-cada do capítulo 2 de minha tesede doutorado (ASSIS, 2004).9 Do século XIX até metade dosanos 1950, Ellis Island foi o lugarno qual funcionava o Departa-mento de Imigração Norte-Americano e para onde se dirigiaa maioria dos 35 milhões demigrantes que aportavam nosEstados Unidos. Quando chega-vam, os imigrantes eram entrevis-tados, examinados e, se aprova-dos, liberados para entrar nosEstados Unidos. O lugar ficoufechado e abandonado durantevários anos; porém, depois deuma grande reforma, transfor-mou-se em Museu da Imigração.

11 PESSAR, 1999.

10 FONER, 2000.

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Mas por que as experiências dessas mulheres nãoforam incorporadas nos estudos de migração? Uma dasexplicações para o englobamento das mulheres nacategoria “migrante” era que os homens representavam amaioria nos fluxos internacionais e, mesmo quando haviapredominância de mulheres (como no caso dos irlandesespara os Estados Unidos no século XIX), essas não tiveramsuas experiências tratadas como objeto de análise. ParaMarion F. Houstoun, Roger Kramer e Joan Barrett,12 talperspectiva de caracterização da migração contribuiu paraque não se evidenciasse um dado significativo: apredominância das mulheres nos fluxos internacionais legaispara os Estados Unidos desde 1930. Segundo os autores,de 1857 até 1922, os homens dominaram os fluxos para osEstados Unidos; porém, no período de 1930 a 1979, asmulheres representaram 55% de todos os imigrantes parao país e passaram os homens em mais de um milhão.

A explicação para o aumento significativo dasmulheres está relacionada às mudanças na políticamigratória norte-americana.13 A partir de 1920 até 1952, foieliminada a discriminação por sexo nos direitos deresidentes reunirem-se com as esposas estrangeiras, o quefavoreceu a admissão de mulheres por dispensar esposasde cidadãos americanos de numerosas restrições e porconferir status de residência permanente para elas.14 Ostradicionais papéis sexuais também contribuíram paradeterminar os níveis e os padrões da migração. Asimigrantes, uma vez estabelecidas, mantiveram relaçõescom a sociedade de origem e teceram conexões com asociedade de destino, construindo redes de migração queestimularam novas migrações.

Os dados demonstraram não apenas a presençafeminina nos fluxos do início do século (particularmentesignificativa no caso dos Estados Unidos), mas também ocrescimento da participação nas migrações internacionaisna segunda metade do século XX, apontando para umfator crucial a fim de entendermos essa invisibilidade: aperspectiva teórica – presente nos estudos de imigraçãoaté o início dos anos 1970 – era ‘cega’ em relação àsdiferenças de gênero, raça e etnia.

Portanto, até o início dos anos 1970, conformedestacam Patricia Pessar e Sylvia Chant e Sarah Radcliffe,15

as mulheres não se encontravam presentes nas análisesempíricas e nos escritos produzidos porque muitos teóricosestavam influenciados pelas teorias neoclássicas demigração.16 Havia um pressuposto de que os homens erammais aptos a correr riscos, enquanto as mulheres eram asguardiãs da comunidade e da estabilidade. Essa imagem,favorecida pela teoria push-pull, colocava a migração

12 Marion F. HOUSTOUN, RogerKRAMER e Joan BARRETT, 1984.13 Uma análise detalhada dapolítica migratória norte-americana ao longo do século XXencontra-se em Rossana RochaREIS, 2003. Segundo a autora,apesar da ideologia dos EstadosUnidos como terra deoportunidades para osimigrantes, mesmo no período demaior migração para os EstadosUnidos – entre o final do séculoXIX e início de século XX – apolítica americana de imigraçãoestabelecia uma série de leisrestritivas aos imigrantes, sendoselecionados por critériosreligiosos e raciais aquelesconsiderados desejáveis, razãopela qual, até meados do séculoXX, a maioria dos imigrantes erade origem européia. Nessesentido, ao mesmo tempo que osamericanos se diziam abertos atodos os homens (grifos meus)dispostos a adotar a religião civilamericana, ganhava destaque aidéia de que os Estados Unidoseram um país de anglo-saxões, oque conduziu a um fechamentoprogressivo das fronteiras e aoestabelecimento de cotas paraimigrantes, principalmente emrelação às raças consideradasindesejáveis (asiáticos e outrosimigrantes não-brancos). Reisressalta ainda que, se atémeados do século XX a discussãosobre a imigração girava emtorno do eixo nativismo/religiãocivil, a partir do final do séculoXX, em um movimento que sótende a se acentuar depois dosatentados do dia 11 de setembrode 2001, o eixo principal dapolítica de imigração parece serdireitos humanos/segurançanacional (REIS, 2003, p. 43).14 HOUSTOUN, KRAMER e BARRETT,1984, p. 952.15 PESSAR, 1999, p. 54; e CHANT eRADCLIFFE, 1992, p. 19.16 SASAKI e ASSIS, 2000,analisando as teorias demigração, demonstram que,segundo os neoclássicos, omigrante calcula o custo e obenefício da experiênciamigratória, e é isso que influencia

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como resultado de um cálculo racional e individual erelegava as mulheres a um lugar secundário, semreconhecer o seu trabalho como imigrantes, conforme jáfoi relatado.

O aumento da participação feminina, a partir de1970, ocorre em um contexto de crescimento dasmigrações internacionais a partir da segunda metade doséculo XX. Os migrantes contemporâneos, diferentementede seus antecessores, contam com um sistema decomunicações e transporte mais barato e eficiente, o quediminuiu as distâncias e tornou mais freqüentes os contatosentre a sociedade de origem e a sociedade de destino.

Como seriam as mulheres de diferentes origensnacionais nos fluxos contemporâneos? As mulheresimigrantes hoje não seriam simplesmente cópias dasimigrantes do passado em uma vestimenta moderna. Elaschegam com diferentes capitais humanos - muitas delascom melhor nível educacional e maior qualificação queas mulheres que chegaram no final do século XIX e iníciodo século XX. As imigrantes contemporâneas beneficiam-se da expansão das oportunidades educacionais e deemprego, além de uma legislação liberalizante no que serefere ao divórcio e às discriminações de gênero. Emboraessas diferenças sejam significativas, haveria maissimilaridades que diferenças entre a vida dessas mulheresmigrantes de diferentes origens nacionais.

O que há de ponto em comum é que, tal como asmulheres que chegaram há cem anos, as imigrantescontemporâneas encontram um mercado segmentado porgênero e, apesar de uma melhor escolarização equalificação, ainda se dirigem para certas ocupaçõestradicionalmente femininas, fazendo, por exemplo, com queuma área como o emprego doméstico, que haviadiminuído nos Estados Unidos e na Europa, volte a crescerno final do século XX. Um outro dado importante a serrelevado é que essa inserção não é diferenciada apenaspor gênero, mas também por origem nacional. Ao analisaras representações sobre mulheres imigrantes recentes paraa Europa, Anthyas17 evidencia como elas são categorizadasdiferentemente, segundo padrões raciais e origemnacional. Algumas seriam patologizadas como vítimas(como as mulheres do Sri Lanka), outras seriam desejadaspor sua suposta submissão (como as mulheres das Filipinas),outras seriam desejadas por sua beleza considerada dentrodo padrão ocidental (como as mulheres do Leste Europeu).

No caso das mulheres imigrantes brasileiras nosEstados Unidos, também podemos observar essascategorizações. Às representações de sensualidade ebeleza da mulata, que na Europa muitas vezes se

e determina a sua decisão, sendoa migração entendida aquicomo simples somatória deindivíduos que se movem emfunção do diferencial de renda.O modelo neoclássico definia osucesso do migrante por fatorescomo educação, experiência detrabalho, domínio da língua dasociedade hospedeira, tempo depermanência no destino e outroselementos do capital humano.

17 ANTHYAS, 2000.

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relacionam à imagem da prostituição e da discriminação,agrega-se a imagem de mulher carinhosa, de boa esposae mãe, o que confere uma certa vantagem às mulheresno mercado matrimonial em comparação aos homens.Esses estereótipos produzem representações diferenciadassobre a mulher brasileira nos Estados Unidos.

Com relação às motivações para a migração, umoutro conjunto de fatores de ordem não econômica pareceter impacto na seletividade da migração e é mencionadomais por mulheres do que por homens. Podem ser citadoscomo fatores não econômicos: a transgressão dos limitessexuais impostos pela sociedade, os problemas conjugaise a violência física, a impossibilidade de divórcio, os casa-mentos infelizes e desfeitos, a discriminação contra gruposfemininos específicos e a ausência de oportunidades paraas mulheres. Conforme Morokvasic,18 esses estudosapontaram para o fato de que as mulheres migram nãoapenas por razões econômicas, mas também porrompimento com sociedades discriminatórias, nas quaisestariam em posição subordinada.

Portanto, nos fluxos contemporâneos, as mulherestendem a migrar sozinhas ou como primeiras em suasfamílias, sendo pioneiras em encontrar trabalho nos EstadosUnidos, quebrando a imagem daquelas que esperam, ouque seguiriam os passos dos homens.

Os dados apresentados não pretendem fazer umacumulação entre as categorias “sexo” e “gênero”, porémdemonstrar a importância da inserção das mulheres nosfluxos migratórios contemporâneos e a necessidade de selançar um olhar para as migrações que não apenas ressaltea sua participação, mas que contemple a perspectiva degênero. Desde o momento da partida, a escolha de quemvai migrar, os motivos da migração, a permanência ou oretorno ocorre articulado em uma rede de relações queenvolvem gênero, parentesco e geração. Partindo dessaperspectiva, as teorias de imigração são questionadas alançar um outro olhar sobre os povos em movimento.

À medida que os estudos de imigração incorporarama perspectiva de gênero, emergiram as experiências dehomens e mulheres. Sylvia Yanagizako19 demonstrou comoas mulheres da primeira e da segunda geração deimigrantes japonesas, centradas em suas redes deparentesco, criaram novas formas culturais e símbolos nocontexto de migração.

19 YANAGIZAKO, 1977.

18 MOROKVASIC, 1984.

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As relações de gênero e as redes sociaisAs relações de gênero e as redes sociaisAs relações de gênero e as redes sociaisAs relações de gênero e as redes sociaisAs relações de gênero e as redes sociaistecidas no processo migratóriotecidas no processo migratóriotecidas no processo migratóriotecidas no processo migratóriotecidas no processo migratório

As teorias de redes sociais constituem uma dasabordagens alternativas aos extremos da teoria neoclássicae do determinismo estrutural.20 Enquanto as transformaçõesmacroestruturais são compreendidas como desencadea-doras das pressões migratórias, as famílias e as redes sociaisrespondem a tais pressões e determinam quais membrosdos domicílios e das comunidades realmente migram.Nesse contexto, a migração, articulada pelas redes sociais,também vai deixando de ser vista apenas como decisãoracional de um indivíduo para ser encarada como umaestratégia de grupos familiares, de amizade ou devizinhança em que as mulheres inserem-se ativamente.

Segundo Douglas Massey, Rafael Alarcon, JorgeDurand e Humberto Gonzalez,21 as redes migratóriasconsistem em laços sociais que ligam as comunidadesremetentes aos pontos específicos de destino nassociedades receptoras. Esses laços unem migrantes e não-migrantes em uma rede complexa de papéis sociaiscomplementares e relações interpessoais que são mantidaspor um conjunto informal de expectativas mútuas ecomportamentos prescritos. As relações em rede maisimportantes são as baseadas em parentesco, amizade eorigem comum, as quais são reforçadas por uma interaçãoregular em associações voluntárias. No entanto, aoconsiderar as redes construídas apenas entre os homens,o estudo de Massey et al. não observou como as redessociais eram informadas por atributos de gênero e deparentesco.

Por isso, segundo Charles Tilly,22 a nova onda demigração não pode ser explicada apenas pelos fatoresde atração e repulsão que fazem as pessoas migraremdevido aos diferenciais de oferta de trabalho. No caso dasmigrações de longa distância, quanto mais estabelecidasencontram-se as redes, maiores chances tem o migranteno local de destino. Dessa forma, as redes sociais tornam-se um recurso precioso, pois constituem o capital social23

que auxilia pessoas com poucos recursos, poucaexperiência profissional e baixo nível de escolaridade namigração de longa distância.24

Se, por um lado, a compreensão do processomigratório a partir do enfoque nas redes sociais apontapara a importância das relações de solidariedade que osmigrantes constroem entre a sociedade de origem e dedestino, o que os auxilia nos primeiros momentos da vidaem um novo lugar, por outro lado revela que tais redes são

20 PESSAR, 1999; Monica BOYD,1989.

21 MASSEY, ALARCON, DURAND eGONZALEZ, 1987, p.139-140.

22 TILLY, 1990.

23 Segundo Alejandro PORTES,1995, o conceito de capital socalrefere-se à habilidade do indi-víduo de mobilizar recursos escas-sos em virtude de seu pertenci-mento na rede ou nas estruturassociais mais amplas. Os recursosadquiridos por meio do capitalsocial sempre implicam umaexpectativa de reciprocidade.24 PORTES, 1995; PESSAR, 1999.

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também fonte de ambigüidade e conflito.25 Em decorrênciadisso, muitas vezes os migrantes recém-chegados sãoexplorados por seus conterrâneos; assim, tais relaçõesseriam a base não só para a solidariedade e a ajuda mútua,mas também para a divisão e o conflito étnico.26

Mary Garcia Castro,27 ao analisar a literatura sobremulheres latino-americanas e caribenhas, ressaltou que osestudos de redes de parentesco demonstram como asmulheres são hábeis na criação de redes de apoio mútuoque orientam a alocação dos migrantes e sua integraçãono mercado de trabalho. A experiência de mulheresdestaca-se não apenas porque vivem experiênciasmigratórias de forma própria, mas também porque sãoinfluentes agentes no estímulo a outras migrações.

É nesse sentido que Patricia Pessar,28 ao cotejar osvários estudos que têm como foco as redes sociais, criticao fato de os autores não perceberem que o acesso dosindivíduos às redes sociais, e as trocas que nelas ocorrem,são direitos e responsabilidades informados pelo gênero epelas normas de parentesco.

No caso das mulheres mexicanas, PierreteHondagneu-Sotelo29 evidenciou como as redes das quaisestas dispõem para migrar são diferentes das redes comas quais contam os homens, uma vez que elas tentamescapar da vigilância e do controle característicos dasredes familiares tradicionais. Também apontandodiferenças no uso das redes, Min Zhou e John Logan30

demonstram que as mulheres chinesas, por sua vez, quandotrabalham para seus conterrâneos, recebem menos do queos homens em função da supremacia masculina na culturachinesa.

Assim como os/as migrantes mexicanos/as, chineses/as, salvadorenhos/as ou de outros grupos étnicos, os/asemigrantes brasileiros/as nos Estados Unidos farão uso dasredes de acordo com as normas de parentesco e degênero estabelecidas em cada grupo. Para compreendercomo as redes sociais configuram-se, articulam-se emodificam-se perpassadas pelos atributos de gênero eparentesco, apresento os dados da pesquisa de camporealizada na cidade de origem Criciúma (SC) e nas cidadesde destino na região de Boston nos Estados Unidos.

“Ritornando a terra dei noni” ou par“Ritornando a terra dei noni” ou par“Ritornando a terra dei noni” ou par“Ritornando a terra dei noni” ou par“Ritornando a terra dei noni” ou partindotindotindotindotindopara “para “para “para “para “fazer a América?fazer a América?fazer a América?fazer a América?fazer a América?””””” Os novos emigran-Os novos emigran-Os novos emigran-Os novos emigran-Os novos emigran-tes criciumensestes criciumensestes criciumensestes criciumensestes criciumenses

No final do século XIX, a região que hojecompreende a cidade de Criciúma, localizada no sul do

25 TILLY, 1990; Pierette HONDAGNEU-SOTELO, 1994; Jacqueline HAGAN,1998; PESSAR, 1999.

26 TILLY, 1990.27 CASTRO, 1989.

28 PESSAR, 1999.

29 HONDAGNEU-SOTELO, 1994.

30 ZHOU e LOGAN, 1989.

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estado de Santa Catarina e distante de Florianópolis 190Km (via BR 101), tornou-se local de encontro de diferentesetnias de imigrantes que ali se instalaram como aspiraçãodo governo ao projeto nacional de colonização das terrasdo interior com mão-de-obra européia e não mais escravae ao branqueamento da população do país.

A cidade de Criciúma, ao longo destes 120 anos,foi reconstruindo os significados para os imigrantes e amigração. No entanto, é a partir de meados dos anos 1980que se intensifica o movimento de revalorização das váriasetnias que formam a cidade, particularmente da etniaitaliana. Nas décadas de 1980 e 1990, através de convênioscom algumas regiões da Itália, os descendentes dosimigrantes realizam um movimento de busca pelacidadania européia e, por isso, vários deles partem para aItália a fim de reencontrar seus parentes, tal como ositalianos vêm conhecer “um pedacinho” da Itália no Brasil.A dupla cidadania abre o mercado de trabalho para osdescendentes dos imigrantes na comunidade européia.Esse “retorno” à terra dos nonos e nonas pode serconsiderado o início do movimento migratório de Criciúma.

Os descendentes migravam para trabalhartemporariamente em cidades italianas e iniciaram assim ocaminho inverso,31 já que os descendentes criciumensesestariam voltando para a terra de seus bisavôs.32 Essestrabalhadores temporários são reconhecidos pelosconsulados italianos e, pelo fato de possuírem o passaporteitaliano, podem trabalhar legalmente na Itália ou em outrospaíses europeus. Nesse encontro de culturas, os emigrantestemporários surpreendem-se quando chegam à Itália e sãoreconhecidos como brasileiros/estrangeiros. Por isso, oscriciumenses, quando chegaram à Itália para trabalhar eperceberam “certo preconceito”, descobrem que afinalnão estavam voltando para a terra de seus avós, e simchegando como trabalhadores migrantes.

A partir dos anos 1990, o fluxo diversifica-se, e oscriciumenses passaram a utilizar a dupla cidadania paraemigrar para os Estados Unidos. Entretanto, a emigraçãopara esse país tem características distintas, uma vez que,diferentemente da migração para a Itália, os migrantes nãopartem para os Estados Unidos com uma documentaçãoque lhes permita trabalhar, tornando-se, assim, imigrantesindocumentados no país de destino.

O duplo direcionamento de emigração instigou-mea pensar nas representações construídas em torno dodesejo de ir para os Estados Unidos ou para a Itália. Aolongo da pesquisa, constatei que o projeto de emigrarenvolvia dois imaginários: um primeiro estaria ligado aopassado, com os emigrantes tentando refazer a trajetória

31 O trabalho de Adiles SAVOLDI,1999, faz uma análise interessan-te sobre esse processo de migra-ção de “retorno” às origens itailia-nas.32 SAVOLDI, 1999.

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de seus tataravôs voltando para a Itália, percorrendo ocaminho inverso; um segundo estaria ligado ao presente eao sonho de milhares de brasileiros que partem para osEstados Unidos, desde meados dos anos 1980, para “fazera América”. Na cidade, esses dois imaginários estãopresentes e contribuem para construir um imagináriopositivo para os novos emigrantes criciumenses.

O caminho que grande parte dos migrantes,portanto, não é de “retornar” à terra dos seus, mas “fazer aAmérica”, mobilizando, muitas vezes, as lembranças ememórias dos imigrantes que vieram para o Brasil na viradado século XIX. Como relata Anita Baily33 (47 anos,descendente de imigrantes italianos, quatro anos nosEstados Unidos),

A maioria dos imigrantes que estão aqui tem algumacoisa disso com eles [nonos] [...] Hoje nós estamos aqui[Estados Unidos] como imigrantes da mesma formaquando eles estavam lá [Brasil]. É diferente, porqueaqui é um país de Primeiro Mundo, nós viemos para acidade, eles foram para o mato, para a colônia. Nósdeixamos o Terceiro Mundo para vir para o Primeiro.Mas isso não muda o fato de sermos imigrantes.

O relato de Anita e de outros descendentes nosEstados Unidos revelam como o passado migratório éacionado pelos migrantes, o que demonstra uma conexãocom o presente. Embora atribuam um significado ao fatode migrarem para o chamado “Primeiro Mundo”, ficaevidente no relato a percepção da condição detrabalhador migrante. A dupla cidadania torna-se umaestratégia de migração para os criciumeneses e ressalta aligação com os imigrantes do passado, valorizando amigração no presente como um recurso, uma possibilidadede batalhar por uma vida melhor. É assim que Anita, depoisda separação de um casamento de mais de 20 anos,decidiu migrar para se encontrar com a filha que já seencontrava nos Estados Unidos.

Anita decidiu emigrar no final da década de 1990,momento em que há um crescimento significativo damigração de criciumenses para a região de Boston. Antesdela, porém, outros homens e mulheres começaram a trilharo caminho rumo aos Estados Unidos ou à Europa,construindo em Criciúma, assim como em GovernadorValadares na década de 1980, uma nova conexão.

33 Como se trata de uma migra-ção indocumentada, para pre-servar a identidade das entrevis-tadas, todos os nomes que apare-cem nas entrevistas são fictícios.

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A conexão entre Criciúma e Boston: aA conexão entre Criciúma e Boston: aA conexão entre Criciúma e Boston: aA conexão entre Criciúma e Boston: aA conexão entre Criciúma e Boston: aconfiguração das redes sociaisconfiguração das redes sociaisconfiguração das redes sociaisconfiguração das redes sociaisconfiguração das redes sociais

Os criciumenses partiram rumo à Europa e aosEstados Unidos em meados da década de 1970, mas é noinício dos anos 1990 que esse fluxo torna-se significativotanto para aqueles que partiram quanto para aqueles queficaram na cidade, criando-se, assim, um campo derelações transnacionais que começa a ser observado nocotidiano da cidade. É interessante observar que homense mulheres emigram em momentos diferentes e emproporções diferentes, o que revela um processoatravessado por atributos de gênero e parentesco, comoobservaremos a seguir.

Os dados demonstram que, quando se analisa adistribuição por sexo, há um predomínio na migração dehomens, que constituem 63% do total de migrantescriciumenses, enquanto as mulheres representam 37%desse total. No entanto, embora a maioria dos migrantesseja constituída por homens, as mulheres estãoconcentradas na faixa de 20 a 29 anos, enquanto oshomens concentram-se na faixa dos 20 a 34 anos, o quesugere que a média de idade dos migrantes homens émaior que das migrantes mulheres. Essa distribuição poridade também é importante para pensar as posições deambos ao longo do processo migratório, uma vez que asmulheres migram mais expressivamente na segundametade dos anos 1990.

Nesse sentido, o movimento de emigrantes deCriciúma mantém um padrão semelhante a outrosmovimentos migratórios internacionais, nos quais hápredomínio dos homens no início do movimento. Foi navirada dos anos 1990 que o movimento esporádico decriciumenses passou a apresentar um fluxo mais contínuo.O aumento do número de primeira viagem ao exteriorocorre nos anos de 1993 (com 4,9%) e 1994 (com 6,0%) dototal das viagens, como podemos observar no Gráfico 1.

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GRÁFICO 1GRÁFICO 1GRÁFICO 1GRÁFICO 1GRÁFICO 1 – ANO DA PRIMEIRA VIAGEM SEGUNDO O SEXO – CRICIÚMA, 2001

Esses dados foram os primeiros indicativos de que amigração esporádica estava tornando-se um movimentocontínuo. Ao analisarmos o período de 1998 a 2000,percebemos que 48,4% do total de migrantes realizaramsua primeira viagem nessa época, com a seguintedistribuição: 12,5% em 1998, 17,2% em 1999 e 18,7% em2000. Esse período corresponde exatamente ao que éconhecido na cidade como a “crise do setor carbonífero”.Essa crise significou o aumento de desemprego na cidade,sendo apontada pelos próprios emigrantes e porautoridades locais como um dos fatores que colocam amigração internacional como uma alternativa para seusmoradores.

Assim, diferentemente dos emigrantes deGovernador Valadares, que realizaram 40,8% das primeirasviagens no período de 1987 a 1989,34 poderíamos dizerque o “triênio da desilusão”,35 na região de Criciúma,

Fonte: Pesquisa de campoCasos válidos: 546Total de casos: 546

34 FUSCO, 2002.35 SALES, 1999a, denominou“triênio da desilusão” o período -entre os anos de 1987 e 1989 -quando milhares de brasileirosdeixaram o país decepcionadostanto com a política econômicaquanto com a situação política.

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ocorreu dez anos depois. Por outro lado, podemos tambématribuir esse crescimento ao amadurecimento das redessociais, nas quais homens e mulheres migrantes estãoinseridos em diferentes contextos.

Para a maioria dos criciumenses, o país de destinona primeira viagem são os Estados Unidos, para onde sedirigem 59,9% dos homens e 58,9% das mulheres quebuscam o sonho de “fazer a América”, conformeobservamos na Gráfico 2. Para a Itália, migram 11,3% dototal de homens e 18,3% do total de mulheres, seguindo-se Portugal, com 11,9% para os homens e 9,4% para asmulheres.

Fonte: Pesquisa de campoCasos válidos: 546Total de casos: 546

GRÁFICO 2GRÁFICO 2GRÁFICO 2GRÁFICO 2GRÁFICO 2 – PAÍS DE DESTINO NA PRIMEIRA VIAGEM SEGUNDO O SEXO – CRICIÚMA, 2001

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Com relação à Europa, as mulheres migramproporcionalmente em maior número para a Itália do queos homens - são 18,1% do total de mulheres contra 11,7%do total de homens. Tal diferença pode ser explicada pelotipo de trabalho oferecido especificamente para asmulheres descendentes de italianos, muito procuradas paraserviços de cuidado de idosos e de pessoas doentes oupara atuarem como babás. Atuando como cuidadoras,essas mulheres se inserem no que tem sido denominadorede internacional de cuidados. As mulheres brasileiras sãoconsideradas mais carinhosas e atenciosas que outrasmigrantes e, no caso das que têm a vantagem daascendência italiana, isso de certa forma abre mais omercado de trabalho, não apenas para os serviços decuidados e serviços domésticos, mas também para atemporada em sorveterias no verão. É o que demonstra oanúncio publicado no Jornal da Manhã,36 intitulado“Chances de trabalho para descendentes na Europa”, quesolicita mulheres de 18 a 28 anos para trabalhar em umasorveteria italiana na Alemanha.

O anúncio terminava salientando que “é inútiltelefonar quem não possuir passaporte italiano legalizado”.Através dele, podemos perceber duas importantescaracterísticas desses novos fluxos migratórios: apossibilidade da migração legalizada para a Itália e umaseletividade por sexo e idade, uma vez que o anúnciodirige-se especificamente às mulheres entre 18 e 28 anos.No entanto, mesmo com o mercado de trabalho disponívelpara as mulheres, a grande maioria delas acaba dirigindo-se para os Estados Unidos, assim como os homens.

Outro dado interessante sobre a primeira viagem éque ela pode indicar algumas estratégias para ir para osEstados Unidos. Quando consideramos aqueles que fizerama primeira viagem para o México, observamos que são6,4% do total dos homens e apenas 1,0% do total dasmulheres. “Passar pelo México” é o caminho escolhido poraqueles que não conseguem o visto de turista para entrarnos Estados Unidos e recorrem, por isso, à estratégia deatravessar a fronteira pagando a um “coiote”37 para passar.Essa é uma empreitada que envolve muito risco, motivopelo qual os migrantes só recorrem a ela em último caso,pois, além de cara, é muito perigosa. A passagem pelafronteira do México é um evento que marca as trajetóriasde homens e mulheres migrantes. No entanto, éconsiderada uma travessia mais arriscada para as mulheres,uma vez que, além dos riscos inerentes da travessia nodeserto – o calor, as cobras, a polícia da fronteira –, asmulheres enfrentam o risco de rapto e estupro por partedos coiotes, sendo por isso uma travessia menos utilizada

36 Jornal da Manhã, Criciúma,20.4.2000, Geral.

37 Os “coiotes” são em geralmexicanos que cobram um bomdinheiro para levar imigrantesclandestinamente do Méxicopara os Estados Unidos, atravésda fronteira. Durante o trabalhode campo em Criciúma e naregião de Boston, ouvi váriosrelatos de imigrantes sobre a peri-gosa travessia, incluindo a passa-gem de mulheres e crianças. Orelato mais surpreendente queouvi foi de um taxista, emCriciúma, cujo genro foi para osEstados Unidos pelo México. Ogenro arrumou trabalho edinheiro para voltar ao Brasil ebuscar a mulher e os dois filhospequenos, e “de quebra” levoutambém o cunhado que resolveuir junto. Os cinco atravessaram afronteira do México, numa segun-da viagem. Segundo dados daEmbaixada Americana, o índicede brasileiros flagrados tentandopassar ilegalmente para osEstados Unidos cresceu 787%,passando de 350 prisões em 1992para 3.105 prisões em 2001(Folha de São Paulo, 24.3.2002,p. 8-9, Caderno Cotidiano).

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por mulheres. No caso dos homens, em geral, o relato datravessia enfatiza a coragem e a aventura, e as mulheres,quando conseguem, fazem questão de enfatizar que suatravessia foi segura e que não sofreram nada, que foramrespeitadas pelos coiotes, ou seja, “correu tudo direitinho”,como dizem. A primeira viagem pelo México revela,portanto, o custo do sonho americano, pois milhares debrasileiros/as foram presos na fronteira nos últimos anos edeportados de volta ao Brasil e outros/as morreram tentandoa travessia.

Tal seletividade do lugar de destino pode serexplicada não apenas pelo diferencial de renda que odólar oferece aos emigrantes, mas também por encontra-rem maiores oportunidades de trabalho e moradia,sugerindo que as redes sociais estão mais consolidadasnos Estados Unidos, o que atenuaria os riscos doempreendimento migratório. Além disso, sendo grandeparte do movimento de trabalhadores migrantesindocumentados,38 eles partem para regiões onde possamconseguir trabalhar com mais facilidade. Por isso, emborauma parcela dos emigrantes seja descendente dosimigrantes italianos e tenha aparentemente maioresoportunidades de trabalhar na Europa, os criciumensesescolhem migrar para os Estados Unidos. Isso revela que aescolha do país de destino não tem relação direta com aorigem étnica dos migrantes, já que 44% dos entrevistadosdeclararam ter origem italiana.

Portanto, em vez de percorrerem o caminho inverso,aqueles que se dirigem aos Estados Unidos retomam o sonhode seus nonos de “fazer a América”, continuando o projetode seus antepassados. Um outro aspecto destacado pelosmigrantes é que o fato de muitos deles possuírem a pele eos olhos claros e se considerarem mais brancos faz comque não se “pareçam brasileiros”, de acordo com oestereótipo que os norte-americanos têm do país (nessecaso, referem-se aos estereótipos de brasileiros mulatos emestiços), podendo passar por americanos, ao menosenquanto não precisam falar a língua nativa (o inglês). Essaaparência é considerada, por alguns migrantescriciumenses, uma vantagem étnica em relação àquelesque vêm de outras regiões do Brasil, como os mineiros, porexemplo, tornando-se uma tentativa de negociar suaidentidade e escapar do preconceito e da discriminação.

As redes de parentescoAs redes de parentescoAs redes de parentescoAs redes de parentescoAs redes de parentesco, amizade e origem, amizade e origem, amizade e origem, amizade e origem, amizade e origemcomum dos migrantes criciumensescomum dos migrantes criciumensescomum dos migrantes criciumensescomum dos migrantes criciumensescomum dos migrantes criciumenses

Quando partem para “fazer a América”, a maioriados migrantes criciumenses viaja acompanhada de

38 O termo “indocumentado”refere-se ao fato de que osmigrantes não possuem os docu-mentos que os autorizariam atrabalhar em um país estrangeiro.Na literatura sobre imigração,tem-se utilizado esse termo, consi-derando que os imigrantes nãosão ilegais; apenas não dispõemdos documentos que regularizamseu status migratório. Os gruposde direitos civis que atuam juntoaos imigrantes também o empre-gam por considerarem que émenos discriminatório, por defen-derem politicamente essa deno-minação sob o slogan “nenhumser humano é ilegal” e porconsideraram que os migrantestêm o direito de circular nomundo globalizado, assim comocirculam turistas, homens denegócios e mercadorias.

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parentes, o que representa 58,5% do total dos imigrantescontra 41,5% daqueles que declararam viajar sozinhos. Noentanto, analisando os dados segundo o sexo, veremosque os homens viajam mais sozinhos (42,7%) do que asmulheres (39,3%). Isso significa que, em 60,7% dos casos,as mulheres viajaram com parentes contra 57,3% doshomens.

Como outros migrantes internacionais, os criciumen-ses partem para os Estados Unidos apoiados em redessociais. A ajuda pode ocorrer ainda no país de origem,por meio de empréstimos dos familiares, ou com as avós etias assumindo o encargo de cuidar dos filhos que perma-neceram no Brasil, ou já no país de destino para conseguiro primeiro emprego e arranjar um lugar para ficar nosprimeiros tempos. Além de contar com a ajuda de amigos,parentes e conterrâneos, os criciumenses migram paralugares onde já exista um fluxo estabelecido de brasileiros,como a região de Boston.

Os relatos a seguir revelam como os migrantescriciumenses foram construindo projetos econômicosfamiliares e afetivos de “fazer a América” e a importânciadas redes sociais na realização desses projetos. Evidenciamtambém que homens e mulheres situam-se muitas vezesdistintivamente em relação ao projeto migratório. Apóschegarem ao destino, uma das dificuldades enfrentadaspelos migrantes é conseguir moradia e arranjar emprego.Os primeiros tempos são difíceis e ter acesso ao apoio queas redes sociais podem acionar é fundamental para osrecém-chegados. Assim, é muito comum ouvir entre osimigrantes que “deram um help” ou que “receberam umhelp” nos primeiros tempos.

É o caso de Letícia (30 anos), que emigrou em 1995,num momento de ruptura em sua vida. Na época damigração, Letícia era viúva e estava com o filho pequeno(10 anos) para criar. O irmão, que já vivia nos Estados Unidose sempre a havia convidado para emigrar, foi quem aacolheu. O dinheiro da viagem veio de parte de suaseconomias e parte do empréstimo do pai. Embora o irmãojá a tivesse convidado para ir outras vezes, ela só conseguiufazê-lo quando perdeu o marido numa experiênciadolorosa – estavam separados há apenas quatro mesesquando ele se suicidou. Assim relata: “queria superar ostraumas, queria mudar de vida e dar estudo para o meufilho, queria fazer algo que me desse orgulho de mim,entende?”.

A trajetória de Letícia revela também umacombinação dos papéis de gênero com a posição queos/as filhos/as ocupam nas relações familiares. Na famíliade Letícia Cruz, embora o irmão mais velho tenha um papel

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importante em receber os irmãos, dando o help aos recém-chegados, as relações interfamiliares e a migração dosdemais membros ocorreram com a ajuda de Letícia. Elapartiu do Brasil apenas com o filho e, ao longo de seteanos, ajudou de diferentes maneiras os demais membrosde sua família de origem a migrar: sua mãe, sua irmã, seuirmão, sua cunhada e seus sobrinhos, todos se encontramatualmente nos Estados Unidos. Nesse sentido, atua comouma articuladora de redes familiares de migração. Letícia,assim como outras mulheres imigrantes, se dirigiu para afaxina doméstica. É uma informação segmentada porgênero, pois, enquanto a maioria das mulheresentrevistadas trabalhava como housecleanner39 “, oshomens concentram-se na construção civil e nosrestaurantes. Quando eles trabalham na faxina, é sob ocomando de uma mulher. É interessante observar que asmulheres brasileiras, conforme observado por Martes, Assise Fleischer,40 têm construído um nicho de trabalho étnico,atribuindo à faxina brasileira características distintivas emrelação às outras mulheres, em geral imigrantes latinas.Segundo as entrevistadas, as patroas norte-americanas –que em geral não sabem cuidar da casa – consideram afaxineira brasileira mais limpa, mais rápida, mais caprichosaem relação ao trabalho das outras imigrantes. Além disso,elas sempre levam uma “coisinha” para as crianças(docinhos brasileiros) ou fazem um agrado para a patroa,o que faz com que a faxina brasileira seja reconhecidapelas norte-americanas.

No caso de Giovane e Celso, ambos solteiros, elesjá partiram para os Estados Unidos sabendo não apenaspara onde iriam, mas também que tipo de serviço fariam:entraram no ramo da construção civil. Giovane demonstrano seu relato como as informações circulam entre os doispaíses e que os emigrantes já partem sabendo o melhorlocal para trabalhar e qual o tipo de trabalho.

Eu pesquisei lá qual era a melhor coisa para se fazeraqui. Me disseram que era a pintura, até pintei umacasa do irmão dele [amigo que estava presentedurante a realização da entrevista] no Brasil para mimver se levava jeito. Eu me dei bem com o pincel. Eu jávim sabendo que ia trabalhar na pintura. Já sabia queia ser duro, mas quando cheguei aqui era mais doque eu imaginava. Cheguei a trabalhar aqui 105 horasnuma semana. Eu dormia às 3 horas da manhã porquetinha que fazer as coisas para mim. Por isso é que eudigo que aqui ninguém é solidário. Se eu moro comum rapaz, sei que ele chega tarde e vou fazer minhajanta, preparo um pouco a mais para ele (Giovane,26 anos, entrevista realizada em 2 de março de 2002).

39 A faxina doméstica constitui-senum nicho de mercado das emi-grantes brasileiras nos Estados Uni-dos. Segundo Ana Cristina BragaMARTES, 2000, “os imigrantesbrasileiros apropriaram-se doramo da faxina de maneira agerar vantagens sobre outrosgrupos migrantes”. No entanto,conforme observam FLEISHER,2002, e ASSIS, 2004, é interessanteobservar que não são os migran-tes brasileiros que “dominam afaxina”, mas as mulheres migran-tes que fazem da faxina um “ne-gócio”. As mulheres que migrampara os Estados Unidos têm nafaxina um trabalho que pode lhesgarantir a realização do projetode “fazer a América”.40 MARTES, 2000; ASSIS, 2004; eFLEISCHER, 2002.

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O relato de Giovane evidencia que, mesmocontando com o apoio das redes, a experiência não éfácil e nem sempre as expectativas de reciprocidade sãocorrespondidas, daí a sua queixa de que “aqui ninguém ésolidário”. Embora ele reclame da falta de solidariedade,ao mesmo tempo afirma que “dá um help” não só namoradia, mas também no emprego. Depois de trabalharpara brasileiros que o exploraram e para outros que nãopagavam direito, com a ajuda de outros brasileirosestabelecidos há mais tempo nos Estados Unidos, arranjouum trabalho em que o patrão tratava-o melhor e, desdeentão, começou a levar seus amigos e conhecidos daregião de Criciúma, ou chamar outros brasileiros que haviaconhecido nos Estados Unidos. Esse breve relato demonstraque quem recebe um help deve retribuir a ajuda em outromomento, ou recebendo alguém, ou ajudando a arranjartrabalho, ou dando apoio emocional ou financeiro emmomentos difíceis.

Essa ajuda é diferenciada para homens e mulheres;por exemplo, enquanto as mulheres contam mais com osparentes, os homens contam mais com os amigos, o quecorrobora com a análise de Elisabeth Bott.41 No entanto,matizando um pouco mais essas informações, percebemosque, embora predomine a ajuda dos amigos para oshomens, os parentes também têm um importante papelno momento da chegada e de arranjar o emprego.Quando viajam para arriscar a vida no exterior, os homensestão acompanhados de pais, mães e irmãos, contandomais com seus laços consangüíneos, e as mulheres viajamacompanhadas dos esposos e do filho, seus laços deconjugalidade e depois dos parentes. No caso de ajudapara a hospedagem, novamente entre os homenspredomina a ajuda dos parentes de sangue: os irmãos eos pais, seguidos de tios e primos. No caso das mulheres,há o predomínio dos laços de conjugalidade: a maioriadas mulheres migra para se encontrar com seus cônjugese o restante delas para se reunir com parentesconsangüíneos.

Tais dados evidenciam que, quando migram,homens e mulheres utilizam-se das redes de parentes eamigos em diferentes momentos do processo migratório enão fazem isso necessariamente da mesma forma, o quesugere que as mulheres estariam mais ligadas aos laçosconjugais e às redes de parentesco que os homens. Fusco42

constata ainda a importância desses laços de parentescopara a migração em Governador Valadares. Em ambos oscasos, há uma ampliação da rede de parentes que integraa migração de longa distância em relação ao estudo de

42 FUSCO, 2002, p. 75.

41 BOTT, 1976.

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Massey et al.,43 uma vez que esses autores analisaramapenas as redes de parentesco masculinas.

Esses relatos demonstram alguns contextos nos quaishomens e mulheres migrantes vão tecendo suas redes entreCriciúma e os Estados Unidos, contribuindo para questionarWeber Soares.44 Ao analisar as abordagens realizadas porSales, Fusco, e Sasaki e Assis,45 ele afirma que tais estudosseriam discursos que não passam de uma representaçãometafórica de redes sociais, pois haveria uma confusãoentre redes sociais, redes pessoais e redes de migração.Embora seja importante matizar a quais delas nos referimos,os dados apresentados demonstram que as redes demigração, no caso brasileiro, são sustentadas principal-mente por redes de parentesco, amizade e de origemcomum, como demonstra o relato de Letícia e de outrasemigrantes entrevistas, cujas trajetórias de migraçãoreconstruí a partir das redes tecidas entre o Brasil e osEstados Unidos.

Portanto, ao longo das décadas de 1980 e 1990,múltiplas relações são tecidas entre as sociedades dedestino e origem. Assim como tantos migrantes internacio-nais, os migrantes criciumenses conectam-se entre os doislugares, possibilitando a circulação de pessoas, deinformações de trabalho, de ideologias sobre a migraçãoentre a sociedade de emigração e a sociedade deimigração – um campo de relações transnacionais.

A configuração dessa rede de relações transnacio-nalizadas coloca homens e mulheres em contato comoutras experiências de vivências de relações de gênero.Nesse ponto, é importante destacar que, embora a maioriadas mulheres entrevistadas trabalhasse no Brasil e não tenhatido restrições ou dificuldades para emigrar, como ocorrecom mulheres mexicanas analisadas, por exemplo, elas sesentem mais independentes nos Estados Unidos. Através desuas redes, elas parecem conseguir montar o próprionegócio “ “o negócio da faxina” “ e conquistar umaautonomia que inclui o carro e a escolha relativa a comquem morar. Isso é o que demonstra a fala de Marcela, 40anos, emigrante brasileira que estava há 14 anos nosEstados Unidos na época da entrevista:

Eu acho que as mulheres aqui se sentem mais seguras,independentes, aqui tem trabalho, você temoportunidade. Você pode ir a qualquer lugar, qualquershopping que eles não querem saber se você éhousecleaner ou o quê. Por esse motivo, a gente temmais liberdade que no Brasil. No Brasil, mulher de 40anos tem que ser amante, aqui a gente namora carade 20 ou 30 anos, mesmo tendo 40 anos. A gente sesente livre para ir a qualquer lugar sem preconceito.

43 MASSEY et al., 1987.

44 SOARES, 2003.45 SALES, 1999a; FUSCO, 2002;SASAKI e ASSIS, 2000.

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As mulheres brasileiras aqui fazem sucesso. Como agente está com a bola toda, algumas extrapolam, agente vai para o clube dançar e solta a franga(Entrevista realizada em janeiro de 2002).

O relato de Marcela é muito interessante, pois revelauma representação das feminilidades brasileiras que ouvioutras vezes de mulheres imigrantes. Ao dizer que asmulheres brasileiras fazem sucesso, referia-se ao fato deserem consideradas mais femininas e carinhosas emcomparação com as mulheres americanas.

Ao longo do trabalho de campo, e através dosrelatos dos imigrantes, pude observar diferentes represen-tações sobre os relacionamentos afetivos que cruzavamgênero, nacionalidade e raça. Dentre as migrantes queentrevistei, das mulheres que migraram solteiras, duascasaram-se com americanos e uma delas estava namoran-do um americano há um ano e meio (em 2003, eles secasaram).

Os homens brasileiros, por sua vez, relatavam nãogostar das norte-americanas, porque as consideram“menos femininas”. Descrevem sua feminilidade de maneiranegativa, ressaltando que não se vestiam direito, quemantinham relacionamentos sexuais com eles e depois nemligavam de volta, ou seja, que queriam apenas sexo. Poroutro lado, muitas vezes acusavam as mulheres brasileirasde se casarem com norte-americanos apenas paraconseguir o green card. Quando encontrei brasileirocasado com estrangeiras, em geral, eram imigrantesportuguesas ou latinas, mas não fiz um levantamentosistemático, observando apenas os grupos com os quaisme relacionei ao longo do trabalho de campo.

Ao realizar a pesquisa de campo em GovernadorValadares (1993), entrevistei um senhor chamado AntonioLopes, que na época tinha 45 anos e que vivia, desde ofinal da década de 1960, nos Estados Unidos. Antoniorelatou-me emocionado que havia se casado com umaamericana, mas que o casamento não havia dado certodevido a um “choque cultural”: ele queria tratá-la comnomes e apelidos utilizados no Brasil, chamá-la de “minhahoney”, “meu docinho de coco”, e ela dizia que não eraobjeto sexual. Esse exemplo demonstra como os homenssentem-se confrontados com sua masculinidade, suasestratégias de sedução, sua posição de chefe e deprovedor, sua virilidade “ atributos muito valorizados entreos homens brasileiros.

De outros homens solteiros, ouvi queixas semelhantesquando diziam que as migrantes brasileiras, nos EstadosUnidos, estavam muito “pra frente”, achavam que não

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precisavam deles e só queriam saber dos norte-americanos,enquanto eles não gostavam das norte-americanas porconsiderá-las pouco femininas e sensuais, por serem poucovalorizados por elas devido à associação com outros latinos,com um estereótipo de homens mais machistas.

Assim, há uma representação das mulheres brasilei-ras que mescla os atributos de boa esposa e mãe com aimagem de sensualidade da mulher brasileira em oposiçãoà frieza norte-americana. Essa representação, que cruzagênero e origem nacional, está presente em umaassociação que torna as mulheres brasileiras um ‘produtode exportação’. Dito de outra forma, ela justapõe distinçõesde gênero, raça e nacionalidade que classificam asmulheres brasileiras como extremamente femininas esensuais para vender: desde biquínis até o carnaval, enfim,a sensualidade como um ‘produto nacional’.46

No entanto, o que é sugestivo é que essas mulheres,em sua grande maioria brancas e oriundas de camadasmédias, que migram para os Estados Unidos em busca deautonomia e independência, conforme ressaltaram em seusrelatos, utilizam-se de atributos de gênero consideradosconservadores para os padrões norte-americanos pararealizarem seu desejo de permanência no país. Por isso,combinam uma valorização da feminilidade brasileira comum atributo que, às vezes, é utilizado no Brasil para definiras mulheres que “vendem o corpo” – a sensualidade. Aoprojetarem uma imagem de sensuais, trazem para o espaçodoméstico, além da representação de boa esposa e mãe,também esse atributo. Essas são observações qualitativas,porém evidenciam como as mulheres negociam com essesatributos para se inserirem no mercado matrimonial norte-americano com uma vantagem, como vimos nos relatosdos homens brasileiros, que eles não desfrutam.

Casar-se com um norte-americano, ou com outroimigrante que tenha sua situação regularizada, podesignificar ainda uma maneira de tornar-se legal nos EstadosUnidos. Como a grande parte das mulheres trabalha noserviço doméstico, torna-se mais difícil a sua legalização,o que é um fato comum entre as imigrantes criciumenses eas demais mulheres latinas analisadas por Hondageneu-Sotelo e Hagan, pois é um o trabalho de difícilcomprovação.47 A maior parte das entrevistadas estavaindocumentada e aquelas que se legalizaram não oconseguiram através do trabalho, mas por intermédio docasamento com um norte-americano ou com brasileiroou outro estrangeiro legalizado.

No que se refere às relações afetivo-conjugais,quando chegam ao país de destino, os casais vivenciamum outro padrão de relações de gênero nos Estados Unidos:

46 Esse imaginário que ressalta asensualidade da mulher brasileiratem sido analisado por AdrianaPISCITELLI, 2001, no caso doturismo sexual em Fortaleza. Aautora discute a sexualizaçãoque os turistas estrangeiros,basicamente os europeus, fazemdo Brasil. Nesse imaginário, asrelações entre as nacionalidadessão marcadas por gênero. Asnações européias aparecemmasculinizadas, tingidas porracionalidade, objetividade e“frieza” que se opõem à calideze à abertura do Brasil, habitadopor um povo pobre, receptivo e“carinhoso”. É interessante obser-var que essas representaçõescoincidem com as que os ameri-canos, pelo menos aqueles comos quais tive contato, têm dosbrasileiros e, particularmente, dasbrasileiras. Entretanto, diferente-mente das jovens analisadas emFortaleza por Piscitelli, essasmulheres não estão no circuito doturismo sexual; são trabalhadorasimigrantes que vêem no casa-mento uma das oportunidadesde legalização.

47 HONDAGENEU-SOTELO, 1994;HAGAN, 1998.

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relações menos hierárquicas e maior divisão de tarefas sãoaspectos destacados pelas mulheres como conquistas.Porém, essa maior divisão de tarefas, dos investimentos edos cuidados com os filhos não é realizada sem conflitosou dificuldades, e os homens sentem que estão perdendoa autoridade. José Venturini (50 anos), pai da jovem Lorena,que emigrou com toda a família, afirmou que sentia estarperdendo sua autoridade diante dos filhos. Em suaspalavras: “Eu estava com a família e tinha dias em que euia para debaixo do chuveiro e ficava chorando. Dá umaangústia não poder sair, não ter tempo”. Sobretudo nodepoimento dos casados, pude observar esse sentimentode perda de espaço, de autoridade, o que suscitou entreesses homens um maior desejo de retornar ao Brasil.Contudo, para aqueles que conseguem estabelecer-se,como é o caso de Giovane, esse projeto pode ser adiado.

Considerações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisNos estudos clássicos de migração, as mulheres

eram descritas como aquelas que acompanhavam oucomo aquelas que esperavam por seus maridos ou filhos,sem evidenciar, por exemplo, a importância de seus ganhospara a renda familiar. Portanto, as análises muitas vezesnão só encobriam a participação das mulheres, comotambém não percebiam que a migração de longadistância ocorre articulada em uma complexa rede derelações sociais nas quais as mulheres têm uma importanteparticipação.

Dessa forma, embora desde os anos 1930 asmulheres predominem na migração legal para os EstadosUnidos, tal dado não foi observado pelos estudiosos e, comoconseqüência, aspectos importantes da migração e doestabelecimento dos imigrantes, bem como as diferençasde classe, gênero e etnia entre os mesmos, não forampercebidas. Logo, as razões e as características damobilidade diferenciada por gênero não eramadequadamente enfocadas: sujeitos migrantes eramassumidos como sendo de gênero masculino e não sedavam visibilidade à participação feminina. As imagenscristalizadas de mulheres imigrantes como aquelas queesperam ou como dependentes passivas têm sidoquestionadas desde meados da década de 1970 porestudiosas de gênero e feministas, instigando os estudosmigratórios a lançar um outro olhar para o processomigratório e questionando seus pressupostos teóricos.

Este trabalho demonstrou que os estudos de gêneropodem trazer contribuições importantes para compreenderos movimentos migratórios contemporâneos.

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No passado e no presente, embora as mulheres, emsua maioria, migrem em grupos familiares, elas tambémmigram sozinhas, em busca de autonomia, para fugir depoucas oportunidades ou de discriminações nos locais deorigem.

Além disso, ao se incorporar a categoria “gênero”na análise dos fluxos migratórios, a migração deixou de servista apenas como uma escolha racional de indivíduossozinhos e emerge envolvida em redes de relações sociais,como uma estratégia de grupos familiares, de amigos oupessoas da mesma comunidade. Nesse contexto, asmulheres e os homens, em diferentes momentos, aparecemcomo os elos que ligam “aqui e lá“ redes sociais que ajudamnos primeiros momentos na sociedade de emigração e namanutenção dos laços com o lugar de origem.

Essas redes sociais são informadas pelas normas doparentesco e de gênero. Assim, as mulheres utilizam-se muitomais da ajuda fornecida por parentes e são elas quearticulam as redes entre os demais domicílios. Os homenstambém se apóiam nessas redes, mas os dados indicamque contam mais com a ajuda dos amigos para arranjartrabalho e moradia do que com os parentes. Ao longo desseprocesso, há uma redefinição das relações de gênero: asmulheres, em geral, vivenciam uma maior autonomia eempoderamento na sociedade de emigração, não apenasporque têm melhores ganhos, a despeito de um trabalhode baixo status, mas também porque atributos dafeminilidade brasileira são valorizados no mercadomatrimonial norte-americano, o que abre a possibilidadede relacionamentos afetivos e, através deles, dalegalização “ mais difícil para as mulheres que trabalhamno serviço doméstico. Desse modo, as mulheres negociamos atributos da brasilidade e os mobilizam para se afirmarempositivamente nos Estados Unidos. Os homens, por sua vez,sentem mais a perda de status, pois precisam dividir suaautoridade, negociá-la, e vêem-se confrontados com asexpectativas de relações mais igualitárias. Sendo assim, elesreagem à busca feminina por maior autonomia, queixando-se das mulheres brasileiras: “aqui [Estados Unidos] emprimeiro lugar a mulher, em segundo lugar a criança, emterceiro lugar o cachorro e em quarto lugar o homem” “diziam em tom jocoso, mas que revelava certo desconfortoou, em alguns casos, reações mais violentas. Esse é umcontexto de transição nas relações de gênero em queocorrem rupturas e permanências, mas que sinalizammudanças nas relações familiares e de gênero.

A migração de longa distância provoca grandestransformações para os sujeitos que vivenciam essaexperiência; porém, em vez de pensá-la apenas como um

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fator que provoca o rompimento de laços, procureicomplexificar a análise, demonstrando que a constituiçãode um campo de relações transnacionalizadas tambémpossibilita novos arranjos familiares e de gênero.

RRRRReferências bibliográficaseferências bibliográficaseferências bibliográficaseferências bibliográficaseferências bibliográficasANTHIAS, Floya. “Metaphors of Home: Gendering New

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[Recebido em agosto de 2006e aceito para publicação em julho de 2007]

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Social Networks and International MigrationSocial Networks and International MigrationSocial Networks and International MigrationSocial Networks and International MigrationSocial Networks and International MigrationAbstractAbstractAbstractAbstractAbstract: This paper intends to demonstrate that migratory process results not only from individualchoices, but also from social networks (family, kingship, friendship), in which men and women areinserted. The work discusses data from fieldwork in Criciúma (SC) and the Boston area, in UnitedStates. The data emerged from the interviews and participant observation show that women notonly wait for their husbands or children, but also participate in the process, integrating andarticulating migration networks. The data also highlighted the changes in the family and genderrelationships, suggesting that the migratory process rearticulate these relationships. This studytherefore evidences that other factors, along with the ones of economic nature, contribute forthe decision of migrating and make the history of this flow.Key WKey WKey WKey WKey Wordsordsordsordsords: Brazilian Emigrants; Gender; International Migration; Family-Networks.